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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO RODRIGO MARTINS DA COSTA A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL PELO PERFIL GENÉTICO PREVISTA NA LEI 12.654/2012 NITERÓI 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RODRIGO MARTINS DA COSTA

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL PELO

PERFIL GENÉTICO PREVISTA NA LEI 12.654/2012

NITERÓI

2018

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RODRIGO MARTINS DA COSTA

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL PELO PERFIL GENÉTICO PREVISTA NA LEI 12.654/2012

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial à obtenção do

grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. DENNIS ACETI BRASIL

FERREIRA.

NITERÓI

2018

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

C837 Costa, Rodrigo Martins da.

A (in)constitucionalidade da identificação criminal pelo perfil genético prevista na Lei 12.654/2012 / Rodrigo Martins da Costa. – Niterói, 2018.

84 f. Orientador: Prof. Dennis Aceti Brasil Ferreira. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)

– Universidade Federal Fluminense, 2018. 1. Identificação criminal. 2. Genética humana. 3. DNA. 4.

Princípio da proporcionalidade. 5. Direito à intimidade. 6. Controle da constitucionalidade. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

CDD 341.43

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL PELO

PERFIL GENÉTICO PREVISTA NA LEI 12.654/12

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial à obtenção do

grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em: _______/______/_______

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Dennis Aceti Brasil Ferreira – Orientador

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Ozéas Corrêa Lopes Filho

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Tiago Martínez

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI

2018

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DEDICATÓRIA

À Deus, por ter me iluminado e tranquilizado

nos momentos mais difíceis.

Aos meus pais, Yuri e Miriam, por toda

educação e apoio dado desde o berço. E ainda

à minha avó Marinete, ao meu avô Célio e

minha querida bisavó Maria de Lourdes, pelos

contínuos esforços realizados e ensinamentos

de vida passados, cruciais para ser quem hoje

sou.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, primeiramente, pois com Ele tudo posso e meus sonhos jamais parecem

impossíveis de alcançar.

Aos meus pais, Yuri e Miriam, por todo suporte oferecido. Por todo o apoio e

amor dados. E ainda por sempre confiarem em meu potencial. Não poderia ser mais grato a

vocês. Amo-os com todo o meu coração.

Aos meus avós, Célio e Marinete, por serem verdadeiros exemplos de luta e

perseverança para mim. A bela história de vida de vocês, que poderia dar um livro, me ensina

que não devemos desistir de brigar por nossos objetivos, ainda que haja apenas uma gota de

esperança.

À minha querida e amada bisavó Maria de Lourdes, por ser a pessoa apaixonante

que existe.

À Luana, irmã e amiga, que sempre esteve comigo em aventuras gastronômicas,

mas que também soube me mostrar que mágoas existem para rapidamente serem esquecidas.

À Laura, grande amor de minha vida, por todo apoio e carinho oferecidos em

momentos de dificuldade. Especialmente agradeço por jamais ter duvidado de minha

capacidade, mesmo diante de tanta insegurança exposta. Sem ti, o caminho trilhado teria sido

severamente mais tortuoso.

Não poderia deixar também de agradecer a todos os professores que me

acompanharam durante o curso de graduação, contribuindo na minha formação e capacitação

para a realização deste trabalho.

Aos amigos que pude fazer na academia, que sempre conseguem alegrar meu

final de tarde, por mais estressante que tenha sido o dia.

E aos meus grandes amigos de vida, afinal, não somos nada sem eles. Por cada

diversão e risada proporcionadas; por cada desabafo escutado e apoio dado; por sempre me

estenderem as mãos quando mais precisei. Simplesmente por serem meus melhores amigos.

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RESUMO

Nosso trabalho tem como proposta apresentar todos os aspectos relativos a identificação

criminal do homem a partir de seu DNA. Traçamos um breve histórico do surgimento das

identificações humanas no Brasil, com enfoque maior nos métodos utilizados na órbita penal:

fotográfica, datiloscópica e a recentíssima identificação genética – sendo esta última o objeto

principal desta obra. Ademais, não deixamos de trazer uma análise interdisciplinar da matéria:

promovemos um estudo biológico, político, social e – principalmente – jurídico do tema. Neste

último, buscamos esmiuçar a Lei 12.654/2012, responsável pela introdução legislativa do

assunto em território nacional, bem como trazer importantes discussões doutrinárias (interna e

alienígena) e jurisprudencial, cujo questionamento principal é: a identificação criminal pelo

perfil genético, à luz desta nova lei, é constitucional? As respostas variam de uma cabeça à

outra, e os argumentos perpassam princípios consagrados em nossa Constituição Federal:

vedação à autoincriminação, presunção de inocência, dignidade da pessoa humana, intimidade,

vida privada, proporcionalidade, dentre outros. A intenção aqui não é responder definitivamente

à pergunta, mas tão somente revelar nossa concepção sobre a polêmica – criando, a partir disso,

um novo ambiente de reflexão ao leitor.

Palavras-chave: DNA. Identificação genética. Lei 12.654/2012. Proporcionalidade.

Intimidade. Vedação à autoincriminação.

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ABSTRACT

This work has the purpose to present all of the aspects related to human criminal identification

from DNA. We tried to propose a brief history of the emergence of human identification in

Brazil, focusing on methods used in the criminal orbit: photografic, dactyloscopic and the most

recent, genetic indentification – which is the main object of this work. In addition, we didn’t

forget to do an interdisciplinary analysis of the theme. We promoted a biological, political,

social and – principally – legal study of the theme. We tried to detail the Law 12.654/2012,

which is resposible for the legislative introduction of the theme in national territory, as well as

to bring important doutrinary discussions (national and internacional) and jurisprudential,

which the main question is: is the criminal identification by the genetic profile, provided for by

this new law, constitutional? The answers vary and the arguments pass through established

principles in our Federal Constitution: non-self-incrimination, presumption of innocence,

human dignity, intimacy, privacy, proportionality, among others. The intention isn’t to solve

the question, but only demonstrate our conception of the case - creating, from that, a new

moment of reflection to the reader.

Keywords: DNA. Genetic Identification. Law 12.654/2012. Proportionality. Intimacy. Non-

self-incrimination.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------- 11

1.1. Objeto de Estudo ------------------------------------------------------------------------------ 11

1.2. A importância do tema no contexto processual penal brasileiro -------------------------- 11

1.3. Objetivos ---------------------------------------------------------------------------------------- 12

2. PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS EM JOGO ------------------------- 14

2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana -------------------------------------------------- 14

2.2. Princípio da Presunção de Inocência --------------------------------------------------------- 15

2.3. Princípio do Nemo Tenetur se Detegere ----------------------------------------------------- 16

2.4. Princípio da Proporcionalidade ou Proibição do Excesso --------------------------------- 18

2.5. Princípio do Não Retrocesso (“Efeito Cliquet”) -------------------------------------------- 19

2.6. Direitos Fundamentais à Intimidade e à Vida Privada ------------------------------------- 20

2.7. Direito Fundamental à Integridade Física e Moral ----------------------------------------- 21

3. MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL: UM BREVE DIAGNÓSTICO -

---------------------------------------------------------------------------------------------------- 23

3.1. Análise Histórica dos diferentes métodos de identificação criminal --------------------- 23

3.2. Entendendo o artigo 5º, LVIII, CRFB/1988: a identificação criminal como

excepcionalidade ------------------------------------------------------------------------------- 26

3.3. A Lei 12.037/09 e seus desdobramentos ----------------------------------------------------- 28

3.3.1. As espécies de identificação criminal no Brasil ------------------------------------ 29

3.3.1.1. Identificação Criminal Fotográfica -------------------------------------------------- 29

3.3.1.2. Identificação Criminal Datiloscópica ----------------------------------------------- 29

3.3.1.3. Identificação Criminal pelo Perfil Genético: o advento da novel Lei 12.654/12 -

---------------------------------------------------------------------------------------------------- 30

4. PROCESSO LEGISLATIVO DA LEI 12.654/12 --------------------------------------- 32

4.1. O PL 93/2011 e sua célere tramitação no Congresso Nacional --------------------------- 32

4.2. “Politização do Direito Penal”: uma verdade dolorosa ou mero exagero? -------------- 34

5. AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS ADVINDAS COM A LEI 12.654/12 ------ 36

5.1. As principais mudanças na Lei 12.037/2009 ------------------------------------------------ 36

5.2. As principais mudanças na Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) ------------------- 39

6. ASPECTOS BIOLÓGICOS DA IDENTIFICAÇÃO HUMANA PELO DNA --- 42

6.1. Origem do DNA e suas características ------------------------------------------------------- 42

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6.2. Métodos de Colheita --------------------------------------------------------------------------- 45

6.3. Probabilidades, Cuidados e Riscos de Falhas ----------------------------------------------- 46

6.4. Funcionamento dos bancos de dados genéticos para fins criminais ---------------------- 47

7. ANÁLISE JURÍDICA DA LEI 12.654/2012 --------------------------------------------- 50

7.1. Pontos Relevantes ------------------------------------------------------------------------------ 50

7.2. Argumentos pela constitucionalidade da Lei 12.654/12 ----------------------------------- 54

7.3. Argumentos pela inconstitucionalidade da Lei 12.654/12 --------------------------------- 60

7.4. Ensaio sobre o tema à luz dos Sistemas Jurídicos Estrangeiros -------------------------- 65

7.5. Jurisprudência dos Tribunais (e em especial do STF) sobre a matéria ------------------ 67

7.6. Visão do Autor: afinal, é a Lei 12.654/12 constitucional ou inconstitucional? --------- 71

7.7. Seria a prova originada da identificação criminal pelo perfil genético irrefutável no

processo penal? --------------------------------------------------------------------------------- 75

8. CRÍTICA SOCIAL ACERCA DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL PELO

PERFIL GENÉTICO NO BRASIL ------------------------------------------------------- 77

9. CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------------- 79

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -------------------------------------------------------- 80

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Objeto de Estudo

O presente trabalho tem como objeto principal de análise a Lei 12.654/12, que promoveu

importantes modificações no âmbito da utilização de DNA em sede de processo penal.

Para analisarmos essa lei, pretendemos nos valer de incursões interdisciplinares que

reflitam em tamanho real tudo o que está em jogo ao tratarmos de tema tão polêmico como o

das intervenções corporais. Ou seja, não basta um olhar jurídico da questão: é preciso, sem

dúvidas, observar atentamente aspectos históricos, sociais, políticos e até mesmo biológicos

para compreensão de conteúdo tão controvertido em todo o mundo.

Destaca-se, no entanto, que até mesmo por se tratar de trabalho desenvolvido na busca

da graduação em Direito, é de certa coerência que gastemos grande parte desta pequena obra

tratando de assuntos da seara jurídica, trazendo, para tanto, discussão legislativa, variada

doutrina, bem como jurisprudência interna e alienígena. Assim, conseguimos abraçar o tripé

do direito, que esperemos facilitar o entendimento de tema ainda tão embrionário em nosso

país.

1.2. A importância do tema no contexto processual penal brasileiro

A extração de material genético do indiciado ou condenado com fins de identificação

criminal integra o gênero de “intervenções corporais”, – este bem mais amplo, incluindo, por

exemplo, a questão relativa ao bafômetro, à busca pessoal, endoscopia, entre outros1. O tema,

de maneira geral, encontra obstáculos frente às garantias e direitos fundamentais

constitucionais, previstos explícita ou implicitamente, principalmente, nos incisos do artigo 5º

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Lembremos que um sistema de garantias fundamentais foi criado para limitar o poder

estatal frente aos cidadãos brasileiros. Não à toa vivemos, ao menos em tese, em um país regido

por um Estado Democrático de Direito – marcado, justamente, por um “Direito Penal de

Garantias” (Zaffaroni apud CALLEGARI, WERMUTH e ENGELMANN, 2012, p. 79). O tema

é explicado com maestria por ALBERTO SILVA FRANCO, que dispõe que

O Estado de Direito é, por último, um estado de direitos fundamentais. A Constituição garante a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem, na sua complexa qualidade de pessoa, cidadão e trabalhador. Neste sentido, o Estado de Direito é um Estado de distância porque os direitos

1 NICOLITT, André; WEHRS, Carlos Ribeiro. Intervenções Corporais no Processo Penal e a Nova Identificação Criminal. 2ª ed. rev., atual e ampl., Ed. RT, p. 49 – 65.

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fundamentais asseguram ao homem autonomia perante os poderes públicos. (apud MAHMOUD e MOURA, 2012, p. 341)

A questão ganha especial relevância no cenário atual brasileiro, pois com a crescente

violência destacada diariamente no jornalismo escrito e televisionado – aqui com doses extras

de sensacionalismo, em determinadas ocasiões – há fortíssima tendência do nosso legislador,

visando atender aos anseios da população amedrontada, em criar leis relativizando os direitos

e garantias fundamentais. Cria-se, desta forma, margem para atuações arbitrárias do poder

público, que passa a se sentir legitimado a atuar com a liberdade para restringir tais garantias,

supostamente em nome da busca por maior segurança, como aprofundaremos mais à frente.

Nesse contexto da relativização de garantias e direitos fundamentais previstas na

Constituição Federal de 1988 – como, por exemplo, dignidade da pessoa humana, integridade

física e moral, vedação à autoincriminação, etc. – é que advém a Lei 12.654/2012, na qual,

dentre outras coisas, cria nova forma de identificação criminal, que pela letra fria da lei,

permitiria a extração compulsória de material genético do indiciado. Questiona-se, então, no

presente trabalho, se as disposições desta lei estão em harmonia com os princípios e regras

constitucionais próprias do Estado Democrático de Direito em que vivemos.

Neste mesmo sentido, CALLEGARI, WERMUTH e ENGELMANN (2012, pág. 81-

82) ao explicarem que “[...] a utilização de bancos de perfis genéticos para fins de persecução

criminal no Brasil deve ser analisada a partir da tutela dos direitos e garantias fundamentais da

pessoa humana [...]”.

Resta constatada, portanto, a relevância do tema no âmbito processual penal vigente na

contemporaneidade.

1.3. Objetivos

Importante que se diga, antes de qualquer coisa, que nosso objetivo com a presente obra

não é, de forma alguma, impor uma maneira de pensar ou uma resposta definitiva à tema tão

controverso ao redor de todo planeta. Seria ingênuo e, de certa forma, até arrogante esperar que

nosso trabalho pudesse solucionar todos os problemas relativos à identificação criminal

genética.

A presente obra tem alguns importantes objetivos a serem atingidos. O primeiro deles é

trazer uma análise didática acerca dos principais aspectos trazidos pela recente “Lei da

Identificação Criminal Genética” – Lei 12.654/2012. Informações serão trazidas, certas vezes

até com algum objetivismo, visando que, a posteriori, possamos avançar às análises críticas,

que, decerto, ficarão mais compreensíveis com o esmiuçamento da novel lei.

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O segundo e principal objetivo, no entanto, é trazer nossa visão acerca das polêmicas

envolvendo essa lei. Veremos, com o passar do trabalho, que há muito conflito na doutrina

interna e em sistemas jurídicos estrangeiros acerca da validade e conformidade das intervenções

corporais previstas na Lei 12.654/2012 e em diplomas alienígenas similares – qual seja, a

possibilidade de extração de material genético para fins de identificação criminal e/ou formação

de banco de dados de perfil genético – frente às Cartas Constitucionais de cada país.

Diante de assunto tão controvertido, é de suma importância que se respeitem visões

doutrinárias e jurisprudencial antagônicas, afinal, nenhum dos pontos de vista aqui apresentados

é desprovido de fundamentos sólidos. Lembremos que calar pontos de vista diversos do nosso

é enterrar debates tão essenciais em qualquer Estado Democrático de Direito. Sem o

supramencionado debate, viveríamos uma verdadeira ditadura da opinião, que, com toda

certeza, nos impediria de debruçar tão internamente em tema tão relevante dentro de nossa

sociedade.

Não obstante, o escopo principal é que o leitor possa compreender toda linha de

raciocínio que nos guia até a conclusão final – seja pela constitucionalidade ou não Lei

12.654/2012. Nessa perspectiva, poderá autonomamente formar sua própria convicção no

assunto e, futuramente, quem sabe, se inspirar a igualmente contribuir na produção,

introduzindo novos escritos ao acervo.

Para atingir este objetivo, valemo-nos da seguinte metodologia: no capítulo a seguir

serão trazidos diversos princípios que reputamos relevantes para o completo entendimento do

tema. Sequencialmente, nos capítulos posteriores, remontamos o histórico da identificação

criminal, bem como dispusemos sobre o processo legislativo e alterações legais promovidas no

âmbito da Lei 12.654/2012. No sexto capítulo, analisamos a temática sob aspectos biológicos,

para, enfim, no sétimo, levantarmos todas as controvérsias jurídicas envolvendo o objeto deste

trabalho. Por último, encerramos destacando importante crítica social em relação à Lei da

Identificação Criminal Genética.

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2. PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS EM JOGO

2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Inicio a breve trajetória de análise dos princípios ousando dizer que o princípio da

dignidade da pessoa humana é, sem dúvidas, um dos que mais interessa ao nosso objeto de

estudo. Portanto, o que será dito em sequência é deveras importante para compreensão da tese

que virá a ser sustentada.

Não exatamente um princípio, mas um fundamento da República – consoante artigo 1º,

III, da Carta da República2 - a dignidade da pessoa humana é a base para inúmeros outros

princípios que adentraremos adiante.

De dificílima conceituação, buscaremos duas diferentes teorias para explicar no que

consiste este valioso princípio. A primeira delas, mais simples, é a Teoria/Fórmula-Objeto de

Durig, que define negativamente dignidade humana. Ou seja, ao invés de conceituar o princípio,

a fórmula contará em que momento ele foi violado. A dignidade humana é atingida no instante

em que o homem é reificado, isto é, tratado como objeto na atuação estatal, e não como fim em

si mesmo. KLOEPFER (apud NICOLITT e WEHRS, 2015, p. 32) explicou que o Tribunal

Constitucional Federal Alemão, ao concretizar tal fórmula, reforçou que o princípio resta

violado quando o ser humano é exposto a um tratamento que coloca em dúvida sua qualidade

de sujeito.

Mais complexa, a Teoria dos Cinco Componentes de Podlech propõe uma integração de

direitos fundamentais (NICOLITT, 2016, p. 115), definida positivamente em: a) integridade

física e espiritual do homem; b) garantia de identidade e integridade da pessoa pelo

desenvolvimento de sua personalidade; c) libertação da angústia de existência da pessoa,

garantindo assim o mínimo existencial; d) autonomia individual do homem perante o Estado,

cuja atuação é limitada pela existência de um devido processo em um Estado de Direito; e)

igualdade formal de tratamento perante a lei (CANOTILHO apud NICOLITT, 2016, p. 115).

Podemos dizer, então, que o princípio da dignidade da pessoa humana se traduz,

simplificadamente, na noção de que o homem é entendido como sujeito de direitos, não

podendo jamais ser reduzido a mero objeto. Sendo visto constitucionalmente como fundamento

da República, podemos convictamente dizer que prevalecerá sobre todos os demais princípios

existentes.

2 Art. 1º, CRFB/1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988)

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No contexto das intervenções corporais, mais propriamente da extração compulsória de

material genético, o aludido princípio assume especial relevância, principalmente no que tange

à divergência existente quanto a possibilidade do uso de força física contra o indiciado na busca

do interesse público. A coerção física ou a ingerência corporal propriamente dita não atingiriam

o primeiro componente da teoria de Canotilho, qual seja, a integridade física e espiritual do

indivíduo? Não violaria a dignidade humana o uso do homem como simples instrumento para

obtenção da verdade real no processo penal? As referidas questões, de enorme polêmica na

doutrina e jurisprudência, serão desenvolvidas e respondidas em momento oportuno.

2.2. Princípio da Presunção de Inocência

Por presunção de inocência, ipsis literis, o constituinte a colocou como a

impossibilidade de alguém ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença

condenatória. Assim dispôs o artigo 5º, LVII, da Constituição de 1988.

GILMAR FERREIRA MENDES, ministro do Supremo Tribunal Federal, e BRANCO

preferem compreendê-lo, no entanto, como presunção de não culpabilidade, definindo-o como

“princípio que impede a outorga de consequências jurídicas sobre o investigado ou denunciado

antes do trânsito em julgado da sentença criminal” (2015, p. 539).

Sem maiores delongas quanto à nomenclatura adequada para o princípio em voga,

preferimos nos ater aos significados práticos que o mesmo impõe ao sistema jurídico brasileiro.

NICOLITT entende por existirem três dimensões da presunção de inocência: regra de

tratamento, regra de julgamento e, por fim, regra de garantia (2016, pág. 154-157). Nos

interessa, à luz do aludido trabalho, apenas as duas primeiras.

A primeira das dimensões supracitadas atua como uma proteção ao réu, indiciado ou

acusado contra eventuais discriminações em razão de sua posição (pré-)processual. Dessa

maneira, não resta outra alternativa senão tratá-lo como inocente até que advenha condenação

transitada em julgado. Com fundamento neste aspecto, Tribunais Recursais e Superiores já

muito fundamentaram decisões denegando cumprimento de pena após decisão condenatória em

segunda instância, por exemplo.3 LOPES JR, que antes faz todo um aparato histórico do

princípio em tela4, explicita este dever de tratamento do imputado a partir da ideia segundo o

qual “haveria de partir-se da ideia de que ele é inocente e, portanto, deve reduzir-se ao máximo

3 No entanto, o STF, no dia 04/04/2018 votou, em plenário, o HC 152.752 – “HC do Lula” –, mantendo entendimento anterior do próprio tribunal no HC 126.292, admitindo prisão após condenação em segunda instância. O placar foi 6 a 5. 4 Ver mais em: LOPES JR, Aury. “Direito Processual Penal”, 13ª ed., Ed. Saraiva, pág. 94-95.

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16

as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo (incluindo-se, é claro, a fase pré-

processual.” (2016, p. 96)

Na dimensão de julgamento, incide sobre o âmbito probatório, de modo que o ônus de

provar a responsabilidade subjetiva do réu recai sobre a instituição responsável pela acusação

– em regra, o Ministério Público – porque, sendo presumidamente inocente, nada deve provar

(LOPES JR, 2016, p. 96). Em sede de sentença penal, o juiz deve orientar-se pelo princípio ora

estudado, de forma que se o órgão acusador não conseguir demonstrar efetivamente a

culpabilidade do réu, deve ser absolvido. É a expressão jurídica do in dubio pró réu.

No cenário da identificação criminal genética, o princípio da presunção de inocência

merece destaque. Muitos autores, por exemplo, questionam a validade da extração compulsória

de material genético do indiciado, uma vez que o ônus da prova recai sobre a acusação e não

sobre o acusado, que deve ser tratado como inocente. Também se avalia, à luz do referido

princípio, sobre a possibilidade de a recusa do indivíduo gerar uma espécie de “presunção de

culpa”, influenciando na convicção do juiz, como ocorre nas relações de família. É possível já

notar, portanto, a necessidade de compreensão do referido princípio para adentrar

profundamente no tema aqui estudado.

2.3. Princípio do Nemo Tenetur se Detegere

Sem dúvidas, o nemo tenetur se detegere é o princípio mais importante para o presente

trabalho. No Brasil, é também chamado de Direito à Não Autoincriminação e é corolário, como

bem aduz LOPES JR (2016, p. 448), da presunção de inocência e do direito ao silêncio (que o

autor chama de “direito de defesa negativo”). Incluiria aí, ainda, o princípio da ampla defesa.

Por este princípio, subentende-se que ninguém será obrigado a produzir prova contra si

mesmo. A expressão máxima desta principiologia em território nacional está expresso no artigo

5º, inciso LXIII, CRFB/1988, que garante o direito ao silêncio ao indiciado ou réu5. Apesar de

o artigo mencionar ser direito dos presos, uma interpretação conjunta com o artigo 186 do

Código de Processo Penal permite estender às figuras acima mencionadas. No mesmo sentido,

o artigo 8.2-g do Pacto de San José da Costa Rica, internalizado via Decreto 678/1992, bem

como artigo 14-3-g do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos de 1966, trazido por

meio do Decreto 592/1992. O Tribunal Constitucional Português bem o explicou como “uma

5 Art. 5º, LXIII, CRFB/1988: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.” (BRASIL, 1988)

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renúncia do Estado à colaboração forçada na investigação de fatos criminosos por parte de quem

é alvo dessa mesma investigação.” (NICOLITT e WEHRS, 2015, p.99)6

O princípio que veda a autoincriminação, entretanto, é alvo de enorme polêmica na

doutrina e na jurisprudência. PACELLI, por exemplo, faz críticas no sentido de que no Brasil,

“e somente aqui, chega-se a extremos interpretativos do texto constitucional, pugnando-se por

uma aplicação de garantias e supostos direitos não encontrados nos mesmos povos civilizados

aos quais nos referimos.”7

No mesmo sentido, MORO8 e também ROXIN (apud VAY e SILVA, 2012, p. 13), que

sustenta que o indivíduo deve suportar intervenções corporais “que possam contribuir

definitivamente ao reconhecimento de sua culpabilidade [...]”. Para esta corrente doutrinária

então, o nemo tenetur se detegere se expressa apenas como direito ao silêncio, não devendo

comportar vedações a procedimentos que exigem mero comportamento passivo do indivíduo.

Veremos adiante que é essa posição é adotada majoritariamente pela jurisprudência alienígena.

Apesar disso, surgem vozes na doutrina brasileira que sustentam que a vedação à

autoincriminação é intensamente mais ampla do que um genuíno direito ao silêncio. Assim

pensam BRITO e FABRETTI (apud VAY e SILVA, 2012, p. 13), que explicam que o princípio

é oriundo da expressão latina nemo tenetur prodere e ipsum, quia nemo tenetur detegere

turpitudinem suam, que abrange a garantia individual de não ser obrigado a produzir provas

contra si mesmo, nem praticar atos lesivos à sua defesa no processo. Acompanham esta visão,

NICOLITT9 e CUNHA, sendo que este último sugere a aplicação do princípio da interpretação

efetiva sobre o direito ao silêncio, o que resultaria no direito de não produzir prova contra si

mesmo, “implícito na CF/88 e expresso no art. 8.2 da Convenção Americana de Direitos

Humanos.”10 Os Tribunais Superiores no Brasil também já possuem precedentes neste

sentido11, conforme desenvolveremos com melhor precisão mais tarde.

É evidente, destarte, que a opção por uma das vertentes acima será de suma

importância para desvendar a visão que temos quanto a (in)constitucionalidade da Lei

6 Vide Ac 155/2007. 7 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Breves Notas sobre a Não Autoincriminação. Boletim Ibccrim, v. 18, n. 222, p. 4, maio 2011.

8 Ver mais em MORO, Sergio Fernando. Colheita compulsória de material biológico para exame genético em casos criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 95, n. 853, p. 429-441, nov. 2006. 9 Ver mais em NICOLITT, André; WEHRS, Carlos Ribeiro. Intervenções Corporais no Processo Penal e a Nova Identificação Criminal. 2ª ed. rev., atual e ampl., Ed. RT, pág. 156-159. 10 CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12.654/12 (identificação genética): nova inconstitucionalidade (?). Texto extraído de página de internet: <https://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/121814909/lei-12654-12-identificacao-genetica-nova-inconstitucionalidade>. 11 STF; HC 71.373-RS, j. 10.11.1994; STF; HC 77.135- 1ª T, j. 08.09.1998; STF; HC 83.096-0/RJ - 1ª T, j.08.08;2003; STJ; HC 166.377-SP, j. 10.06.2010.

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12.654/12, que autoriza a retirada, ainda que contra a vontade do indiciado, de material

genético com a finalidade de identifica-lo criminalmente ou juntar as informações alcançadas

em banco de dados.

2.4.Princípio da Proporcionalidade ou Proibição do Excesso

O princípio da proporcionalidade (Verhältnismäßigkeitsprinzip), também chamado no

Direito Alemão de “proibição do excesso” (Übermassverbot), está implícito na Carta

Constitucional de 1988 e é autoexplicativo. A definição do termo “proporcional”, todavia, é de

difícil compreensão, tendo em vista que se trata de um conceito aberto, indeterminado. O que

é proporcional para alguns, pode ser desproporcional para outros. Indiscutível, todavia, que

nasce como limitador do poder estatal, tendo intrínseca ligação com os direitos e garantias

fundamentais (OLIVEIRA apud NICOLITT e WEHRS, 2015, p.46). Proíbe, assim, em uma de

suas faces, excessos por parte do Estado (FELDENS apud CALLEGARI; WERMUTH e

ENGELMANN, 2012, p. 78).

Sem nos ater à distinção feita por muitos autores entre “proporcionalidade” e

“razoabilidade” (além da origem – o primeiro advém do direito franco germânico, isto é, da

civil law, enquanto o último tem origem anglo-saxônica, isto é, common law), precisamos, na

verdade, compreender que os alemães, visando restringir a esfera de disponibilidade do referido

princípio, o estruturou de forma tríade. São três vetores cumulativos que formam o que é ou

não proporcional: a adequação (idoneidade); a necessidade (exigibilidade) e, por fim, a

proporcionalidade em sentido estrito.

A primeira análise é da adequação. Para determinada medida ser proporcional, ela deve

ser adequada ao fim colimado. Trata-se, então, da exigibilidade de “congruência do escopo ao

meio”, como sustenta GOMES (apud CALLEGARI; WERMUTH e ENGELMANN, 2012, p.

74). Não sendo adequada ao objetivo buscado, decerto que a medida é inconstitucional.

O segundo componente da proporcionalidade é a necessidade. Para que o meio

escolhido não seja excessivo, deve ser necessário ao fim visado. Em outras palavras, a medida

tem que ser, dentre as igualmente eficazes, a menos gravosa para atingir o fim almejado. A

contrário sensu, se existirem métodos mais ou igualmente eficientes, porém menos gravosos

que o pretendido, a medida em análise é inconstitucional, apesar de adequada.

Por fim, o terceiro elemento ou subprincípio é a proporcionalidade em sentido estrito,

que é a ponderação entre o meio escolhido e o fim visado. O vetor em questão “impõe que o

meio e fim devem resultar proporcionais, um em relação ao outro” (GOMES apud

CALLEGARI; WERMUTH e ENGELMANN, 2012, p. 76). Nas palavras de CARVALINHO

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(2015, p. 43), haverá proporcionalidade quando “as vantagens a serem conquistadas superarem

as desvantagens.” Por isso, se o ônus imposto for muito maior que a benesse angariada, a

medida resta inconstitucional, apesar de adequada e necessária.

Analisaremos, em ponto futuro, se a identificação criminal pelo perfil genético é

adequada, necessária e proporcional em sentido estrito aos fins esboçados, quais sejam, o

interesse estatal em uma persecução penal eficiente e a busca pela verdade real no processo.

2.5. Princípio do Não Retrocesso (“Efeito Cliquet”)

Chegamos em ponto de análise pouco mencionada em aulas de graduação em Direito e

até mesmo em obras doutrinárias, se comparado aos princípios anteriormente tratados e os

subsequentes. Estamos falando do Princípio do Não Retrocesso ou da Proibição do Retrocesso.

SARLET (apud CONTINENTINO, 2015)12 explica que o princípio, de origem alemã,

promove uma espécie de “irreversibilidade dos direitos fundamentais”. Continua, traduzindo a

vedação do retrocesso em “toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face

de medidas do poder público, com destaque para o legislador e o administrador, que tenham

por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais, ou

não)”.

Nesse entendimento, não se pode permitir a supressão ou restrição de um direito ou

garantia fundamental, a não ser que surja nova lei que traga benefícios semelhantes. Assim

apontou Celso de Mello, ministro do STF, ao proferir voto na ADI 3105:

a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos.13

O princípio está implicitamente na Constituição Brasileira a partir de noções como

“dignidade da pessoa humana” e “Estado Democrático de Direito” ou, como sustenta MIOZZO

(2010)14, do artigo 3º, II, CRFB/1988, que institui como um dos objetivos republicanos o

“desenvolvimento nacional”. Em âmbito internacional, porém, ganha maior força ao garantir

12 Citação retirada de texto disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-abr-11/observatorio-constitucional-proibicao-retrocesso-social-pauta-stf> Acesso em: 16/05/2018. 13 Citação retirada de texto disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-abr-11/observatorio-constitucional-proibicao-retrocesso-social-pauta-stf> Acesso em: 16/05/2018. 14 Citação retirada de texto disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/261-artigos-mar-2014/6428-o-principio-da-proibicao-do-retrocesso-uma-analise-sob-a-perspectiva-do-supremo-tribunal-federal> Acesso em: 16/05/2018.

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presença expressa na Convenção Americana de Direitos Humanos – art. 4º, n.3 – ao determinar

que “não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.”

Questionamentos surgem, a exemplo dos proferidos por MAHMOUD e MOURA

(2012, p. 355), quanto à possibilidade de “avanço estatal sobre o organismo do ser humano” à

luz do também chamado Efeito Cliquet. Seria, então, como preconizam alguns, a Lei 12.654/12

restritiva de direitos e garantias fundamentais previstas constitucionalmente – e, portanto, um

retrocesso?

2.6.Direitos Fundamentais à Intimidade e à Vida Privada

Optamos por tratar desta dupla de direitos fundamentais em um único tópico, pois

igualmente o faz a Constituição Brasileira, ao assegurar indenizações por danos morais e

material decorrentes de suas violações, no inciso X do artigo 5º.

A vida privada é direito da personalidade, uma vez que previsto no artigo 21 do Código

Civil, dentro do capítulo relativo à temática. Advém da expressão latina “privatus”. São

informações que pertencem ao titular, estando fora de interesses sociais de terceiros. Só ao

titular interessa e cabe somente a ele escolher com quem compartilhar tais informações. São

possíveis exemplos: estado de saúde, orientação sexual, casamento, vida amorosa, etc.

Numerosa doutrina e jurisprudência explora a ideia de que vida privada e intimidade

são sinônimos. Entretanto, optamos pela corrente que as compreende analogicamente como

conjuntos matemáticos – em verdadeiros círculos concêntricos – sendo que a “intimidade faria

parte do direito à privacidade, que seria mais amplo” (MENDES e BRANCO, 2015, p. 280).

Logo em seguida, os autores distinguem os conceitos:

O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas. (MENDES e BRANCO, 2015, p. 280)

Intimidade, na definição trazida por RENÉ ARIEL DOTTI (apud SILVA, 2016, p. 209),

é “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”.

Nessa esteira, SILVA abrange como integrantes da intimidade a inviolabilidade de domicílio,

o sigilo de correspondência e o segredo profissional.

Vejamos que a própria doutrina faz confusão entre os conceitos. Enquanto para o

primeiro aqui exposto – MENDES e BRANCO – aspectos bancários, fiscais e telefônicos

seriam abrangidos pela vida privada, para o segundo – DOTTI – integrariam a intimidade.

Particularmente, filiamo-nos a primeira definição, entendendo que estes são aspectos da vida

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privada, sendo a intimidade abarcada por questões ligadas ao foro realmente íntimo do

indivíduo, como a vida íntima sexual, religiosa, matrimonial, que jamais farão parte do interesse

público.

O imbróglio que encontramos ao relacionar estes direitos fundamentais ao objeto do

presente trabalho é definir onde encaixamos as informações genéticas de um determinado ser

humano. Seria integrante da vida privada, e, portanto, passível de relativizações excepcionais

em nome do interesse público ou elemento da intimidade, não possuindo tal ponto de

interseção? A linha, quando tratamos desta matéria, é bastante tênue. Por isso, é preciso muita

serenidade e concentração para buscar superar tais desafios.

2.7. Direito Fundamental à Integridade Física e Moral

Por último, mas não menos importante, temos o direito fundamental à integridade física

e moral, sobreposto constitucionalmente no artigo 5º, em alguns incisos. O inciso III veda a

tortura ou outro tratamento degradante; o inciso XLIX garante integridade especificamente aos

presos; o inciso XLVII engrossa o coro contra penas corporais no direito penal brasileiro.

Quanto à integridade física, começamos mencionando trecho de JOSÉ AFONSO DA

SILVA (2016, p. 201) que introduz o tema dizendo que “agredir o corpo humano é um modo

de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade físico-corporal constitui, por isso,

um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo.”

Trata-se de mais um direito da personalidade, previsto nos artigos 13 a 15 do diploma

civilista vigente, que regula a disposição do corpo humano e suas impossibilidades. É um direito

autoexplicativo, que não necessita de demasiados esclarecimentos, mas que assume grande

relevância na temática das intervenções corporais, mais especificamente no que diz respeito à

identificação criminal pelo perfil genético mediante extração de material biológico do corpo

humano. Veremos, à luz do referido direito fundamental, se o indiciado ou condenado pode

voluntariamente dispor de seu corpo para esses fins e ainda se é admitida a relativização do

mesmo em prol de interesses públicos, quando o indivíduo não aceitar a retirada de seus

compostos orgânicos internos.

Por sua vez, a integridade moral é ligada à noção de “honra”, que nada mais é do que

“o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos,

o bom nome, a reputação. É direito fundamental da pessoa resguardar essas qualidades.”

(SILVA, 2016, p. 211). Compreendemos a honra como inviolável, ainda que se admita, no caso

concreto, a relativização da vida privada do indivíduo.

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Por consequência, como bem explicita BITTAR (2001, p. 116-117)15, “[...] são vedadas

pelo ordenamento jurídico todas as práticas tendentes ao aprisionamento da mente ou a

intimidação pelo medo, ou pela dor, enfim, obnubiladoras do discernimento psíquico.”

Nessa acepção, devemos nos questionar até que ponto é plausível conservar informações

genéticas de indiciados e/ou condenados em bancos de dados, com fins criminais, sem que isso

também transgrida sua integridade moral, igualmente protegida constitucionalmente.

15 Citação retirada de texto disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11017#_edn5> . Acesso em: 18/05/2018.

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3. MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL: UM BREVE DIAGNÓSTICO

3.1. Análise Histórica dos diferentes métodos de identificação criminal

Ab initio, gostaríamos de trazer à tona necessário conceito de identificação. Muito nos

agrada o oferecido por NUCCI (2014, p. 380), que dispõe com brilhante sensibilidade:

“identificar significa determinar a identidade de algo ou alguém. No âmbito jurídico, quer dizer

apontar a individualidade e exclusividade de uma pessoa humana, não havendo espaço para a

duplicidade. A identificação pode ser feita para fins civis e criminais.”

De forma autoral, diria que identificar é definir. Para isto, descreve-se o ser humano e

apontam-se suas características físicas e pessoais, com o fim de individualiza-lo ante aos demais

membros da comunidade planetária. Especialmente no âmbito criminal, tem grandiosíssima

contribuição na busca de se evitar o erro judiciário, relacionando-se de forma franca com o

Princípio da Intranscêndencia da Pena (art. 5º, XLV, CRFB/1988).

Ao longo da história, inúmeros métodos foram utilizados – dos mais banais aos mais

científicos, com o escopo principal de identificação humana. O primeiro e mais primitivo é o

nome. Intrínseco à pessoa desde o nascimento, com o devido registro, o nome é um dos

primeiros procedimentos para se identificar alguém em nosso quotidiano. Todavia, para fins

criminais e até mesmo cíveis, não é dos mais seguros – sendo, portanto, mais adequado para

situações informais. Não é de grande dificuldade mentirmos nosso nome a alguém ou até

mesmo existirem indivíduos com o mesmo título que o nosso. Em igual sentido, SOBRINHO

(2003, p. 27)16:

Contudo, o nome e os caracteres físicos não devem ser usados como dados exclusivos para a identificação, já que há ampla possibilidade de o nome ser mudado pela alteração de estado civil [...] ou falseado, sem falar na simples possibilidade de homonímia.

Em períodos sombrios, a identificação de criminosos ocorria por meio de técnicas

cruéis. O processo ferrete consistia na marcação de figuras ou letras na pele humana a partir de

metal por ferro precedentemente abrasado. O Código de Manu – uma das primeiras

organizações escritas da sociedade – previa tal procedimento em determinadas circunstâncias,

que não cabe aprofundar nesta obra. Igualmente, as mutilações – amputações de partes do corpo

- eram muito comuns, sobretudo no período da Idade Média. ZILLI (apud NICOLITT e

WEHRS, 2015, p. 179) detalha que dentre as práticas, era bastante comum a perfuração dos

16 Citação retirada de: MARTINS, Celso Ricardo. A lei 12.654/2012 em face da Constituição da República de 1988. 2013, p. 20.

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olhos e amputação dos dedos e orelhas. É possível encontrar resquícios destes métodos – que

soavam mais como tortura do que propriamente identificação – em legislações primitivas, como

Código de Hamurabi e o supracitado Código de Manu. Por fim, podemos mencionar as

tatuagens, propostas por Jeremy Bentham em 1832 (SILVA, 2014, p. 32-33) usadas largamente

na antiguidade para identificar os indivíduos civil e criminalmente. De conhecimento geral seu

uso tirano pelos nazistas sobre judeus aprisionados em campos de concentração durante a 2ª

Guerra Mundial.

Seja por sua ineficiência na identificação, seja pela crueldade despendida em seus

métodos, fato é que os procedimentos mencionados no parágrafo anterior foram

progressivamente sendo substituídos por técnicas mais científicas, precisas e que, acima de

tudo, respeitassem o indivíduo como ser humano digno, não lhe causando dor nem sofrimento.

Destes, destacam-se a antropometria, a fotografia e a papiloscopia. O primeiro deles foi

preconcebido por Alphonse Bertillon e, nas palavras de NICOLITT e WEHRS (2015, p.179-

180),

Consistia na medição do corpo do criminoso para estabelecimento de regras de proporção e fixação do perfil próprio da delinquência. Permitia a identificação humana por assinalamento de medições corporais, retrato falado e registro de marcas particulares de cada indivíduo.

Utilizado em inúmeros países, a técnica passou a ser alvo de muitas críticas, devido a

sua falta de precisão, gerando manifesta insegurança na identificação humana. NICOLITT e

WEHRS (2015, p. 180) contam que as principais críticas ao método são:

(i) a impossibilidade de utilização do método com menores de 21 anos e maiores de 65 anos, em decorrência da instabilidade do crescimento corporal em tais períodos; (ii) a impossibilidade de distinção completa das pessoas, em decorrência de alguns casos de indivíduos muito semelhantes; e (iii) a impossibilidade de inserção dos dados obtidos em documentos de identidade pessoais em decorrência de sua extensão.

Com isso, o referido idealizador a atualizou, incluindo o uso de impressões digitais – a

datiloscopia. Não se pode negar, entretanto, a importância do referido método para o

desenvolvimento da identificação humana, eis que inspirou diversos outros, como, por

exemplo, o processo otométrico, venoso e odontológico17.

A fotografia, por sua vez, não demanda maiores explicações. Muito utilizada, inclusive

no Brasil, para identificação criminal, a metodologia se baseia em capturar imagens do

indivíduo em diferentes posições. Não é muito difícil, porém, entender as dificuldades que o

17 BASSO, Miguel Ângelo. A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL POR MEIO DA COLETA DE MATERIAL GENÉTICO: Benefícios e Constitucionalidade da Lei nº 12.654/12. Porto Alegre, 2014, p. 28-29.

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instrumento encontra. Além da problemática para organizar volumoso conteúdo fotográfico, o

principal problema encontra-se na alteração fisionômica, natural ou artificial dos indivíduos.

Pense bem: uma pessoa hoje pode usar lentes, perucas, realizar plásticas, etc. Mas não

precisamos ir muito longe: alguém de 20 anos, por exemplo, em função do tempo, após 40 anos

terá sua fisionomia significativamente alterada. Não é, portanto, dos métodos mais eficazes. No

entanto, ainda hoje é amplamente empregada de maneira acessória (SOBRINHO, 2003, p.

37)18, inclusive em âmbito nacional, consoante Lei 12.037/2009, que desenvolveremos adiante.

Explicam PASQUALI e ARAÚJO (2006, p. 21), por fim, que a papiloscopia leva em

conta a análise das cristas papilares, podendo ocorrer através da quiroscopia (impressões

palmares), podoscopia (impressões plantares) e datiloscopia (impressões digitais). Esta ganha

protagonismo no cenário das identificações civis e criminais, devido a sua simplicidade,

economia, praticidade e eficiência.

SOBRINHO (apud NICOLITT e WEHRS, 2015, p. 180-181) lista ainda outros métodos

de identificação humana de certa relevância:

(a) Matheios: mensuração de partes do rosto; (b) Anfosso: levantamento de perfis cranianos e medição do ângulo formado pelos dedos indicador e médio; (c) Capdeville: medição e anotação de dados relacionados com os olhos; (d) Levinsohn: fotografia do fundo dos olhos e medida das dimensões dos ossos do carpo; (e) Frigério: imutabilidade e variabilidade do pavilhão auricular; (f) Tamassia: permanência e invariabilidade das ramificações venosas no dorso da mão; (g) Ameuville: análise dos desenhos das ramificações venosas da região frontal; (h) Amoedo: levantamento e classificação das impressões dentárias; (i) Sistema poroscópico de Locard ou Poroscopia: considerado como complementar ao sistema datiloscópico, demonstra a imutabilidade absoluta dos poros, a qual pode ser utilizada para identificação; (j) Identificação por ondas cerebrais: permitia a identificação humana por meio da análise da frequência das ondas cerebrais, diferentes para cada indivíduo.

Destaque ainda para a biometria, que, no parecer de YAGI (2008, p. 10), “consiste no

reconhecimento automático do indivíduo através de suas características físicas ou

comportamentais únicas”, analisando, segundo NICOLITT e WEHRS (2015, p. 181)

“impressão digital, geometrias da face, da mão, da íris ou da retina, análise de DNA, entre

outros”. Ganha relevo também na contemporaneidade a identificação criminal genética, que

desenvolveremos separadamente no Capítulo 6 desta obra.

Dito isto, a partir deste parágrafo, nos valeremos da cronologia usada pelos professores

NICOLITT e WEHRS (2015, p. 181-183), para expor um pouco de como se deu o

desenvolvimento da identificação humana no Brasil até os dias atuais.

18 Citação retirada de BASSO, Miguel Ângelo. A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL POR MEIO DA COLETA DE MATERIAL GENÉTICO: Benefícios e Constitucionalidade da Lei nº 12.654/12. Porto Alegre, 2014, p. 25.

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Primeiramente, identificavam-se as pessoas a partir de um auto de qualificação, nos

termos do artigo 171 do Regulamento 120/1842 – época das Ordenações da Coroa Portuguesa.

Baseava-se em questionamentos “sobre seu nome, filiação, idade, estado, profissão,

nacionalidade, lugar de nascimento, se sabia ler ou escrever, lavrando um auto em separado,

[...]”.

Em São Paulo, no ano de 1891, iniciou-se um sistema de identificação fotográfico

oficial. Em 1898, segundo o autor, surgiu o Gabinete Antropométrico. Segundo FIGINI (et. al.,

2003, p. 145-146)19, a antropometria foi utilizada no Brasil inicialmente em 1894 e durou até

1903. Neste ano, o Decreto 4.764/03, que regulamentou a Lei 947/1902 introduziu a impressão

digital como forma de identificação humana oficial. O método datiloscópico até hoje vigora, ao

lado do processo fotográfico, com previsão expressa na Lei 12.037/2009.

Já a supracitada identificação criminal genética foi introduzida pela Lei 12.654/2012,

objeto principal deste trabalho.

3.2. Entendendo o artigo 5º, LVIII, CRFB/1988: a identificação criminal como

excepcionalidade

Antes de 1988, vigorava, em nosso país, um sistema de obrigatoriedade de identificação

criminal. Nesse sentido, previa (e ainda prevê, apesar de nova interpretação conforme à

Constituição) o artigo 6º, VIII, do Código de Processo Penal de 194120. Nesse mesmo sentido,

a Súmula 568 do STF21.

A Carta Constitucional do Brasil finalmente veio e dispôs, no artigo 5º, inciso LVIII,

que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses

previstas em lei”.

Veja que o constituinte de 1988 trouxe como regra geral a identificação civil.

Excepcionalmente, se admitirá o uso de técnicas de identificação criminal. Exige, para tanto,

reserva de lei.

NUCCI (2013, p. 173) critica a inserção desta norma na Lei Maior, entendendo que isto

é fruto do momento histórico vivido pelo Brasil próximo de 1988 – período de

19 Citação retirada de BASSO, Miguel Ângelo. A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL POR MEIO DA COLETA DE MATERIAL GENÉTICO: Benefícios e Constitucionalidade da Lei nº 12.654/12. Porto Alegre, 2014, p. 27.

20 Art. 6º, CPP: “Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntas aos autos sua folha de antecedentes;” (BRASIL, 1941) 21 Súmula 568, STF: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente.”

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redemocratização, após longo período de graves abusos vividos no regime militar. Para ele,

bastaria previsão em lei infraconstitucional. Explica o autor que:

Trata-se de norma de indevida inserção na Carta Magna, que, à época da sua elaboração, teve por finalidade corrigir a publicidade que se costumava dar ao fato de determinada pessoa – especialmente as conhecidas do grande público – ser criminalmente identificada, como se isso fosse inconveniente e humilhante. A norma tem contorno de direito individual, unicamente porque o constituinte assim o desejou (formalmente constitucional), mas não é matéria para constar em uma Constituição Federal. É certo que muitos policiais exorbitaram seus poderes e, ao invés de garantir ao indiciado uma colheita corriqueira do material datiloscópico, transformaram delegacias em lugares de acesso da imprensa, com direito à filmagem e fotos daquele que seria publicamente indiciado, surpreendido na famosa situação de ‘tocar piano’. Ora, por conta da má utilização do processo de identificação criminal, terminou-se inserindo na Constituição uma cláusula pétrea que somente problemas trouxe, especialmente ao deixar de dar garantia ao processo penal de que se está acusando a pessoa certa. Bastaria, se esse era o desejo, que uma lei fosse editada, punindo severamente aqueles que abusassem do poder de indiciamento, especialmente dando publicidade indevida ao ato, para a resolução do problema.

O autor, na contramão de grande parte da doutrina brasileira, entende que a identificação

criminal não deveria ser exceção, uma vez que é essencial ao Estado Democrático de Direito,

pois com ela admite-se “que se processe e se condene quem seja verdadeiramente culpado,

evitando-se o calvário do inocente que, por azar, teve os documentos clonados ou falsificados

por criminosos.” (NUCCI, 2014, p.379)

Gostando ou não, devemos lidar com a realidade da identificação humana prevista na

seara constitucional. Nesse sentido, a norma supramencionada pode ser classificada como

norma constitucional de eficácia contida ou contível.22 Com isso, por muito tempo esperou-se

a vinda de uma norma infraconstitucional regulamentando o tema.

A primeira lei, após 1988, a mencionar a identificação criminal, porém sem

regulamentá-la, foi a Lei 8069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) – artigo 109 – que

segue a linha constitucional ao proclamar que “o adolescente civilmente identificado não será

submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para

efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.” Interessante mencionar que esta disposição

ainda se encontra em vigor.

Outra norma que igualmente tratou do assunto, também sem regulá-lo, foi a Lei

9.034/1995, antiga lei de organizações criminosas. O artigo 5º da referida lei trazia uma exceção

à regra constitucional, determinando que “a identificação criminal de pessoas envolvidas com

22 As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que possuem aplicabilidade direta e imediata, mas que podem vir a ser restringidas pelo legislador – ao criar uma norma infraconstitucional.

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a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da

identificação civil.”

Essa norma, todavia, foi tacitamente revogada pela Lei 10.054/2000, que doze anos após

à Constituição Federal de 1988 veio a regulamentar a temática das identificações criminais. O

artigo 2º da lei, primeiramente, determinava que a prova da identificação civil seria feita

“mediante apresentação de documento de identidade reconhecido pela legislação”. O artigo

seguinte trazia as exceções em que, mesmo diante da identificação civil, deveria ser promovida

a identificação criminal obrigatoriamente. Isso se daria não só quando ocorressem problemas

com a apresentação de documentos civis, mas também em um rol taxativo de crimes previstos

na legislação. Dentre outros previstos, constavam os crimes de homicídio doloso e receptação

qualificada.

Com o advento da Lei 12.037/09 (Lei de Identificação Criminal – L.I.C), as prescrições

de 2000 foram expressamente ab-rogadas pelo artigo 9º daquela. Algumas mudanças

significativas no tratamento legal da identificação criminal vieram em 2009. Primeiramente, a

lei – ao contrário da anterior – trouxe um rol de documentos que serão aceitos para fins de

identificação civil, em seu segundo artigo. Mais relevante que isso, no entanto, foi a feliz

retirada do rol de delitos de identificação criminal obrigatória, que somente promoviam a

estigmatização dos referidos crimes. Agora, vigoram exceções à regra constitucional em

circunstâncias onde o documento civil não logra êxito para identificar o indivíduo

(independente do crime cometido), bem como quando for “essencial às investigações policiais,

segundo despacho da autoridade judiciária competente, [...]23” Eficiente, também, a nova lei,

ao trazer garantias protetivas – não previstas anteriormente – à imagem e intimidade do

identificado, a partir de disposições como os artigos 4º, 6º e 7º, que serão analisadas com mais

destaque futuramente.

Esta norma, como também aprofundaremos em momento posterior, foi recentemente

alterada pela Lei 12.654/2012, que acrescentou nova modalidade de identificação criminal: por

perfil genético.

3.3. A Lei 12.037/09 e seus desdobramentos

No presente tópico, abordaremos os principais aspectos das espécies de identificação

criminal vigentes no Brasil – quais sejam: fotográfica, datiloscópica e pelo perfil genético –

objeto central desta obra.

23 Artigo 3º, IV, Lei 12.037/09 (BRASIL, 2009)

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3.3.1. As espécies de identificação criminal no Brasil

Em nosso país, até 2012, dois eram os procedimentos legalmente expressos de

identificação humana com propósito criminal no Brasil: a fotográfica e a datiloscópica. Assim

prevê o caput do quinto artigo da Lei de Identificação Criminal de 200924.

O advento da Lei 12.654/2012 promoveu significativas alterações na L.I.C., incluindo,

dentre outras coisas, um parágrafo único no supramencionado artigo 5º25. A partir de tal

mudança legislativa, institui-se nova modalidade para identificar alguém criminalmente, qual

seja, pelo perfil genético, mediante extração de DNA.

Sendo assim, cabe a nós, nessa ocasião, analisar as três espécies de identificação

criminal previstas na legislação brasileira em vigor.

3.3.1.1. Identificação Criminal Fotográfica

Conforme já exposto em oportunidade anterior, a fotografia se encaixa como modelo de

identificação criminal no Brasil a partir de 1891, cabendo a cidade de São Paulo o título de

pioneiro.

Interessante notar que ocorre de maneira semelhante ao que vemos em filmes

hollywoodianos que envolvem o tema de prisão – via de regra. Consiste em capturar imagens

do identificado em determinada posição: de frente e de perfil.

Sem prejuízo dos problemas mencionados à esta espécie – dificuldade de organização

de quantidade exuberante de fotos e mudança fisionômica natural ou forçada por parte do

indivíduo – essencial que a conheçamos, eis que está prevista expressamente na Lei

12.037/2009. Apesar da norma não trazer hierarquia, compreendemos que, por sua menor

eficiência, deve ser a fotografia mera acessória ao método datiloscópico (mais eficaz).

3.3.1.2. Identificação Criminal Datiloscópica

A datiloscopia é o principal método de identificação civil e criminal no Brasil

atualmente. Advém da papiloscopia e consiste em individualizar um indivíduo a partir de suas

24 Artigo 5º, caput, Lei 12.037/2009: “A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.” (BRASIL, 2009) 25 Artigo 5º, § único, Lei 12.037/2009: “Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (BRASIL, 2009)

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impressões digitais. HERCULES (apud NICOLITT e WEHRS, 2015, p. 183) explica de forma

científica o procedimento:

Nossa pele é constituída por duas camadas sobrepostas: a mais superficial por tecido epitelial e a mais profunda por tecido conjuntivo. O tecido epitelial forma a epiderme e o conjuntivo, a derme. O epitélio de revestimento da pele é formado por camadas superpostas de células, sendo as mais superficiais de forma achatada e, em contacto com o meio ambiente, transformadas em material duro, a queratina. A partir do tecido conjuntivo da derme que está em contacto com a epiderme é mais frouxa do que a situada mais profundamente. Apresenta projeções que elevam a epiderme, cuja forma varia de acordo com a região do corpo. Nas regiões palmar e plantar, essas projeções assumem a forma de cristas sinuosas e separadas por sulcos pouco profundos. Essas cristas podem ser vistas a olho nu sob a forma de linhas paralelas. Tais linhas formam o desenho das impressões digitais.

Foi introduzido no Brasil oficialmente em 1903, a partir do já mencionado Decreto

4.764/1903, que regulamentou a Lei 947/1902. O método foi ganhando força e hoje é o mais

usado em nosso país, tendo previsão, hodiernamente, na Lei 12.037/2009.

A datiloscopia é muito elogiada, dentre outras coisas, em razão de sua simplicidade,

eficácia (imutabilidade) e baixo custo, principalmente se comparada à espécie que trataremos

em sequência. Além de ter sido indispensável para auxiliar na solução de muitos crimes ao

longo da história.

Por esses motivos, compreendemos a datiloscopia como regra em nosso país. Deve

prevalecer, somente devendo ser substituída pela fotografia quando efetivamente comprovada

a impossibilidade de sua utilização.

3.3.1.3. Identificação Criminal pelo Perfil Genético: o advento da novel Lei

12.654/12

Com a chegada da Lei 12.654/2012, adotamos no Brasil um modelo de identificação

criminal a partir do perfil genético do indiciado – método já antes implantado em quase toda a

Europa e na América do Norte.

A perita criminal federal Meiga Aurea Mendes Menezes explica que no território

brasileiro, a extração de material biológico se dá a partir do “swab bucal”, que se configura com

raspagens na parte interna da bochecha do indivíduo, utilizando-se para tal um “cotonete” por

apenas alguns segundos26. No entanto, é possível adquirir a informação genética necessária por

outros meios – utilizados em outros países, inclusive – como, por exemplo, pelos, unhas, dentes,

esperma ou mediante exame de sangue.

26 Citação retirada de texto disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-26/pf-coleta-dna-condenados-nao-fere-direito-fundamental> Acesso em: 26/05/2018.

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A nova espécie, aqui estudada, ganha ainda notável relevo diante da grandiosíssima

fiabilidade de seus resultados. Como veremos adiante (ponto 6.3.), trata-se de uma prova em

que a chance de erro é mínima, não obstante não seja infalível.27 Nos termos usados por Norma

Bonaccorso (apud LEMOS, 2014, p. 25)28, “as análises de DNA podem ajudar a ligar suspeitos

a locais de crime ou, ainda, um local de crime a outro por meio do estudo de vestígios

biológicos, oriundos da saliva, de células da pele, de pelos ou cabelos, etc.”

Como bem aduz CUNHA (2012)29,“a identificação humana pelo DNA já vinha sendo

aplicada em larga escala nos testes de paternidade, estudo que alcança a impressão digital do

DNA do indivíduo, revelando seu código genético (único e inconfundível).” Com previsão

no artigo 2º-A, parágrafo único, da Lei 8.560/199230 (inserido pela Lei 12.004/2009),

seguindo a linha da Súmula 301 do STJ31, percebemos que a genética forense já vem há algum

tempo sendo utilizada no direito interno, mais especificamente no que tange às questões de

família – havendo, inclusive, presunção de paternidade para o indivíduo que recusa a se

submeter a tal exame.

Em ambiente criminal, no entanto, a questão não é tão pacífica. Como a identificação

criminal pelo perfil genético traduz-se em verdadeira intervenção corporal, surge à tona

diversos princípios que podem vir a ser violados: autodeterminação corporal, vedação à

autoincriminação, proporcionalidade, presunção de inocência, entre outros. Em razão do último

citado, não há nem que se cogitar a possibilidade de “presunção de culpabilidade” em caso de

recusa do indicado à submissão ao exame.

Diante de considerável polêmica, os autores vão sugerir diferentes soluções para a

questão32, que traremos de maneira organizada no Capítulo 7 de nosso trabalho.

27 Para ler mais sobre isso, remetemos o leitor ao tópico 7.7. do presente trabalho. 28 Artigo disponível para leitura em: <http://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2017/03/cristiane_lemos_2014_2.pdf >. 29 CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12654/12 (identificação genética): nova inconstitucionalidade (?), 2012. Texto disponível em: <https://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/121814909/lei-12654-12-identificacao-genetica-nova-inconstitucionalidade> . 30 Art. 2º-A, § único, Lei 8.560/1992: “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.” (BRASIL, 1992) 31 Súmula 301, STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.” 32 O advogado e consultor Filipe Martins, em seu blog pessoal, por exemplo, aventa pela subsidiariedade da identificação criminal genética em relação às demais espécies de identificação, em razão de sua invasividade ao corpo humano. Seria, para o autor, a opção que melhor respeitaria os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Para ler mais sobre o que diz o referido, o texto encontra-se disponível em: <https://lipezmartins.jusbrasil.com.br/artigos/121943801/lei-12654-12-a-identificacao-criminal-por-perfil-genetico-no-brasil>.

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4. PROCESSO LEGISLATIVO DA LEI 12.654/12

4.1. O PL 93/2011 e sua célere tramitação no Congresso Nacional

O que hoje conhecemos como Lei 12.654/2012 (Lei da Identificação Criminal Genética

– assim a denomino), já foi tida como mero projeto de lei: tratava-se do PL 93/2011 (autor:

Senador Ciro Nogueira, à época integrante do PP-PI). Vejamos que, na contramão da grande

maioria das leis em nosso país, marcadas por uma demora exagerada do Poder Legislativo em

discutir e votá-las em prazo razoável, a lei objeto desse debate teve aceleradíssima tramitação.

Levou pouco mais de um ano para se transformar em lei ordinária federal.

Juntaremos ao presente trabalho a justificação dada pelo senador ao apresentar o PL

(apud MAHMOUD e MOURA, 2012, p. 342-343):

O presente Projeto de Lei vem para reforçar um processo já em andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já tardiamente, com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência. O sistema, denominado Codis (Combined DNA Index System) é o mesmo usado pelo FBI, polícia federal dos Estados Unidos, e por mais 30 países. O processo para implantação do Codis começou em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias oficiais dos Estados, com dados retirados de vestígios genéticos deixados em situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de cabelo ou pele.

O Codis prevê ainda um banco de identificação genética de criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua implantação depende de lei. É do que trata o presente Projeto. De fato, uma coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios; outra é poder contar também com o material genético de condenados, o que otimizaria em grande escala o trabalho investigativo.

A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal.

Evidências biológicas (manchas de sangue, sêmen, cabelos, etc.) são frequentemente encontradas em cenas de crimes, principalmente aqueles cometidos com violência. O DNA pode ser extraído dessas evidências e estudado por técnicas moleculares no laboratório, permitindo a identificação do indivíduo de quem tais evidências se originaram. Obviamente que o DNA não pode, por si só, provar a culpabilidade criminal de uma pessoa ou inocentá-la, mas pode estabelecer uma conexão irrefutável entre a pessoa e a cena do crime. Atualmente os resultados da determinação de identificação genética pelo DNA já são rotineiramente aceitos em processos judiciais em todo o mundo.

O DNA pode ser encontrado em todos os fluídos e tecidos biológicos humanos e permite construir um perfil genético individual. Além disso, características moldadas ao longo da história evolutiva dos seres vivos adaptaram o DNA para ser uma molécula informacional com baixíssima retroatividade química e grande resistência à degradação. Essa robustez da molécula faz com que o DNA seja ideal como fonte de identificação resistente à passagem do tempo e às agressões ambientais frequentemente encontradas em cenas de crimes.

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A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos e campos de batalha, determinar paternidade, elucidar trocas de bebês em berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de patologia clínica. (grifo meu)

RITTER33 promove severas críticas à forma exageradamente célere com que tramitou o

PL até sua posterior sanção pela então presidente Dilma Rousseff. Reprova o autor a

fundamentação dada pelo parlamentar ao tratar de norma que dispõe sobre intervenções

corporais, às vezes até de maneira coercitiva. Segundo ele, aspectos relevantíssimos não foram

sequer debatidos, como, por exemplo, as garantias individuais constitucionais em jogo e as

“consequências de sua implementação.”

Por sua vez, BOTTINI (apud CALLEGARI, WERMUTH e ENGELMANN, 2012, p.

64) determina um procedimento que, em nossa visão, deveria ter sido aplicado ao projeto de

lei:

fundamental estabelecer, em paralelo, as regras para a gestão dos riscos, destacando-se as seguintes etapas: “[...] (i) a definição destes riscos; (ii) os juízos de valor sobre eles e; (iii) o estabelecimento de pautas de conduta para reduzi-los ao mínimo necessário para o funcionamento social” (BOTTINI, 2006, p. 51)

Nada disso, porém, foi feito durante a tramitação do PL 93/2011. Como bem explicitam

MAHMOUD e MOURA (2012, p. 344), nem sequer audiência pública – que seria de grande

valia para escutar opiniões especialistas – para debater o tema foi organizada.

A alteração legislativa promovida somente aproximou-se das devidas críticas ao chegar

na Comissão de Constituição e Justiça, quando o relator Demóstenes Torres, do DEM-GO, em

seu discurso34, aludiu pela primeira vez aos princípios da dignidade da pessoa humana e

integridade física. Apesar disso, negou qualquer violação a tais princípios, já que a proposta se

referiria a intervenção corporal não invasiva.

Mais que isso, encorajou – e vislumbrou êxito – a alteração da redação do texto para

não englobar as lesões corporais leves no caso da extração de material genético dos condenados.

Justificou a mudança na desproporcionalidade da medida ante ao crime de menor potencial

ofensivo. Há de se elogiar a postura do parlamentar, já que de maneira isolada, levantou algum

questionamento e impulsionou relevante mutação no texto que viria a ser definitivamente

aprovado a posteriori.

33 RITTER, Ruiz. A “politização” do Direito Penal à luz da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2015. 34 O voto do relator Demóstenes Torres pode ser visualizado na íntegra pelo seguinte endereço eletrônico: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4105280&disposition=inline.> Acesso em: 07/05/2018.

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A despeito disso, não poderia deixar de concordar com os demais autores supracitados,

no sentido de que faltou debate antes da outorga da Lei 12.654/2012. Aspectos como o princípio

da presunção de inocência ou do nemo tenetur se detegere, por exemplo, sequer foram

mencionados ao longo da tramitação do PL 93/2011. Fica a sensação, como veremos no tópico

seguinte, que a prematura aprovação foi uma tentativa de resposta do legislador aos anseios

populacionais contra a criminalidade expressivamente crescente em nosso país.

4.2. “Politização do Direito Penal”: uma verdade dolorosa ou mero exagero?

Como já analisamos na introdução desta obra, o Brasil vivencia uma verdadeira guerra

contra a criminalidade. Em 2017, pesquisa divulgada pela OMS 35alocou o país como detentor

da nona maior taxa de homicídios do mundo: 30,5 assassinatos para cada 100 mil pessoas.

Outra, referente a um ano antes, afirmou que ocorrem 135 estupros por dia aqui.36

A população está verdadeiramente amedrontada. A mídia não ajuda, com manchetes e

notícias muitas vezes sensacionalistas. Nesse contexto, crê-se que o legislador brasileiro, com

interesses políticos, ratifica o discurso repressivo de parte dos cidadãos e baixa leis que

restringem direitos e garantias fundamentais constitucionais, abrindo as portas para atuações

arbitrárias do Estado.

Isso tudo, é claro, em uma óbvia tentativa de manter a clientela eleitoral – em um cenário

de constantes manifestações populares e falta de representação política – mediante normas que

agradem os anseios da população, que clamam por mais segurança e pelo “controle da

criminalidade a qualquer preço”37.

É o que Ruiz Ritter38 nomeia de “politização do Direito Penal”. Este ramo do direito

começa a ser visualizado “enquanto “arma política” [...] por meio do qual os poderes públicos

deixam de se preocupar com o que pode ser feito de melhor para se preocupar com o que pode

ser transmitido de melhor” (CALLEGARI, WERMUTH e ENGELMANN, 2012, p. 32). A

pressa empregada na aprovação da Lei 12.654/2012, discutida no tópico anterior, é mais um

demonstrativo da razão com que as teses dos autores caminham.

Ainda segundo CALLEGARI, WERMUTH e ENGELMANN (2012, p. 24)

passou-se a preconizar a expansão do raio de intervenção do Direito Punitivo, bem como a destacar a importância de se relegarem ao segundo

35 Ler mais em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-9-maior-taxa-de-homicidios-do-mundo,70001788030> 36 Ler mais em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1931609-brasil-registrou-135-estupros-e-12-assassinatos-de-mulheres-por-dia-em-2016.shtml> 37 RITTER, Ruiz. A “politização” do Direito Penal à luz da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2015. 38 RITTER, Ruiz. A “politização” do Direito Penal à luz da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2015.

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plano princípios e garantias que davam sustentação à sua teorização liberal, em nome de uma maior eficiência no “combate.

Nessa esteira, caminhamos para o que BARATTA (2000, p.41) denomina de “modelo

totalitário de política criminal”, caracterizado por uma verdadeira supressão de direitos e

garantias fundamentais em prol de um discurso simplista de luta contra a criminalidade – que

agrada, como já dito, as pretensões de uma sociedade apavorada.

A Lei 12.654/12 – Lei da Identificação Criminal Genética – pouco debatida na esfera

legislativa, é mais um reflexo desta chamada “politização do direito penal”, que gradativamente

inclui no ordenamento jurídico normas inarmônicas com a Constituição da República de 1988.

Parece-nos, pois, que essa expressão trazida por Ruiz Ritter e alguns outros autores39 para

retratar a produção legislativa penal no Brasil é sim uma dolorosa realidade e não mero exagero.

39 À exemplo de autores que tratam da temática: CEPEDA, Ana Isabel Pérez. La seguridad como fundamento de la deriva del derecho penal postmordeno. Madrid: Iustel, 2007; GARLAND, David. La cultura del control. Barcelona: Gedisa, 2005.

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5. AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS ADVINDAS COM A LEI 12.654/12

Salientamos que este quinto capítulo do trabalho busca tão somente informar cada umas das

mudanças que a Lei 12.654/2012 promoveu no âmbito da Lei da Identificação Criminal e na

Lei de Execução Penal. O clímax, com pareceres positivos ou negativos acerca das

transformações, fica, majoritariamente, para o capítulo 07.

Nessa perspectiva, vamos nos abster de pontuações críticas no que tange a cada alteração,

trazendo apenas de forma objetiva as pontuações cabíveis.

5.1. As principais mudanças na Lei 12.037/2009

A Lei 12.037/2009 – Lei da Identificação Criminal (LIC) – foi o principal alvo da novata

legislação de 2012. Preliminarmente, o artigo 1º desta acresce um parágrafo único no artigo 5º

da LIC.

Esta primeira alteração traz para o ordenamento jurídico brasileiro nova modalidade de

identificação criminal – qual seja, pelo perfil genético. E mais: estipula que tal espécie só poderá

ser aplicada na prática na hipótese do artigo 3º, IV – situação de essencialidade às investigações,

por decisão judicial – afinal, envolve restrição de direitos e garantias fundamentais previstas na

Carta da República de 1988.

Pois bem, inserido novo procedimento de identificação criminal, mais tecnológico, é

preciso regrá-lo, de modo a evitar ao máximo arbitrariedades do poder público. É isso que se

propõem a fazer os artigos 5º-A, 7º-a e 7º-B da LIC, introduzidos pela Lei 12.654/12.

Ab initio, o artigo 5º-A, em seu caput, determina que “os dados relacionados à coleta do

perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por

unidade oficial de perícia criminal.” Com isso, Thiago Ruiz40 conclui que “descarta a hipótese

de os laboratórios particulares custodiarem dados que sirvam à persecutio criminis.”

Desde 2004, um programa nacional relacionado ao uso do DNA em casos criminais vem

capacitando e treinando peritos estaduais e federais para lidar gradativamente com casuístas

relacionadas à temática41¨42.

O primeiro parágrafo do artigo 5º-A é de grande valia na proteção de direitos e garantias

individuais do indiciado ou acusado. Ordena que as informações genéticas contidas nos bancos

40 RUIZ, Thiago. Banco de dados de perfis genéticos e identificação criminal: breve análise da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013. 41 Ler mais em: <http://www.apcf.org.br/Portals/0/revistaAPCF/24.pdf>; p. 26. 42 Ler mais em: AGUIAR, S. M. et al. Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos e a implantação do CODIS no Brasil. Congresso Brasileiro de Genética Forense. 3. ed. Porto Alegre. Disponível em: <http:// web2.sbg.org.br/congress/CongressosAnteriores/Pdf_resumos/IIICBGF/CBGF033.pdf>.

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de dados de perfis genéticos “não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais

das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e

internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.” (grifo meu)

Nesse prisma,

veda-se o foco do banco de dados de perfil genético no prisma comportamental, eliminando-se a possibilidade de uso dessas características para apurar o modo de ser e agir do sujeito identificado. Seria arriscada aventura a revelação de traços somáticos e comportamentais, pois não representam dados para a identificação, além de viabilizar análises inconclusivas a respeito de temperamento, caráter e personalidade. Além disso, poderia propiciar a pretensa formação de um estereótipo de delinquência, nos moldes lombrosianos, algo invasivo e infundado. (NUCCI, 2014, p. 384)

Podemos adiantar – sem roubar o discurso que se segue no Capítulo 06, que explicará

de maneira técnica – que o impedimento diz respeito à parte do DNA que revela características

físicas e corporais, raça, etnia, feições, desvios comportamentais, etc.

Como bem aduz RODRIGUEZ (apud RUIZ, 2013), o direito à proteção dos dados

pessoais é um direito fundamental. Por isso, a vedação deste parágrafo ao uso de traços

somáticos e comportamentais é elogiadíssimo na doutrina como forma de proteger a intimidade

genética e a honra dos indivíduos submetidos a esta forma de identificação criminal.

Neste mesmo horizonte de proteção de direitos e garantias constitucionais –

especialmente a intimidade – vem o segundo parágrafo do artigo 5º-A da Lei 12.037/2009. A

norma garante sigilo aos dados extraídos e juntados no banco de dados, “respondendo civil,

penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos

dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.”

Nesse mesmo sentido, o artigo 16 da Declaração de Dados Genéticos da Unesco de 2004

que assim dispõe:

Os dados genéticos humanos, os dados proteómicos humanos e as amostras biológicas recolhidos para uma das finalidades enunciadas no artigo 5º não deverão ser utilizados para uma finalidade diferente incompatível com o consentimento dado originariamente, a menos que o consentimento prévio, livre, informado e expresso da pessoa em causa seja obtido em conformidade com as disposições do artigo 8º (a) ou a utilização proposta [...] (grifo meu)

Como ensina RUIZ43,

As mostras indiretas, aquelas extraídas de laboratórios particulares, de origem clínica ou provenientes de doações de sangue ou esperma, por exemplo, não podem servir de fonte primária de comparação a outra mostra genética de uma

43 RUIZ, Thiago. Banco de dados de perfis genéticos e identificação criminal: breve análise da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013.

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investigação criminal e, assim, não podem integrar banco de dados genéticos constituído para fins de identificação criminal.

No mesmo sentido, RANGEL (apud GRECO, 2013)44 que preconiza no sentido de que

“a Lei é clara em dizer que a coleta de dados é para fins de identificação criminal para a

essencialidade das investigações policiais. Usá-la fora disso será ilegal.” Com toda razão, ao

meu ver, enfrenta a questão o supracitado autor. Parece-nos, inclusive, que desrespeitar o sigilo

garantido legalmente levaria à materialidade do crime previsto no artigo 325, CP45, qual seja,

“violação de sigilo funcional”.

Por sua vez, o terceiro – e último – parágrafo do artigo 5º-A impõe que “as informações

obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial

firmado por perito oficial devidamente habilitado.” Semelhante ao disposto no caput do artigo,

reforça a ideia de indispensabilidade do laudo ser feito por um profissional da perícia oficial,

reduzindo-se as chances de fraudes.

Uma das mais importantes disposições trazidas pela Lei 12.654/12 para regulamentar a

identificação criminal genética foi o artigo 7º-A da Lei 12.037/2009. Esta acolhe

definitivamente a tese de que “a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no

término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”

A norma faz completo sentido, veja: identificar alguém criminalmente repercute de

maneira relevante apenas naquele crime ao qual o indivíduo vem sendo acusado como autor.

Além de trazer à tona a identidade do suposto responsável pela autoria do delito, muito se afirma

que tal procedimento tem cunho iminentemente probatório. Ambas as finalidades, no entanto,

relacionam-se ao crime investigado. O artigo 107, IV, do diploma penal brasileiro impõe a

extinção da punibilidade na ocorrência de prescrição. Ou seja: não podendo mais o autor ser

apenado pelo crime prescrito, não haveria razão que justificasse a permanência de suas

informações genéticas no banco de dados. Portanto, perfeita a previsão legal do artigo 7º-A.

PACELLI (2017, p. 207) vai mais além, ao predispor que

na hipótese de absolvição ou decisão extintiva da punibilidade já passada em julgado, a solução será a mesma, confortada por semelhança – analogia – do quanto contido em relação à identificação fotográfica estabelecida na mesma lei (art. 7º - Lei nº 12.037/09), [...]

44 GRECO, Rogério. COLETA DE PERFIL GENÉTICO COMO FORMA DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL. Revista Jurídica Consulex nº 389. 2013. 45 Art. 325, CP: “Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de 6(seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.” (BRASIL, 1940)

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Com igual lógica, LOPES JR (2016, p. 453-454), que com esplêndida didática leciona

que

[...] rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou absolvido sumariamente ou absolvido ao final do processo, poderá o interessado (não mais réu, pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a ele) solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu material genético; e ainda a retirada de seu material genético e respectivos registos, do banco de dados. Não se justifica que nestas situações se constranja alguém a figurar eternamente no banco de dados genético. Haveria uma absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado, uma injustificável estigmatização, violadora da presunção de inocência e demais direitos da personalidade. Excetua-se, neste caso, a situação do “arquivamento”, pois a teor da Súmula 524 do STF (a contrário sensu) poderá ser proposta a ação penal em caso de novas provas.

Apesar de existir divergência doutrinária46 quanto a visão oferecida acima, parece-nos

ser a corrente mais adequada. O direito penal e processo penal lidam com um dos bens

existentes mais valiosos: a liberdade. Em razão disso, entendemos que a interpretação ampla de

uma norma favorável ao réu encontra total fundamento dentro de um Estado Democrático de

Direito. Não existiriam motivos para restringir a aplicação legal em prejuízo do acusado – parte

frágil do processo penal.

Finalmente, o artigo 7º-B da Lei 12.037/2009 (introduzido pela Lei 12.654/2012) dispõe

que “a identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme

regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.”

A norma reforça a indispensabilidade de sigilo para que se proteja a intimidade genética

e a integridade moral do identificado. E, ao final, exige regulação pelo Poder Executivo – uma

vez que não trouxe “uma diretriz mínima a respeito da gestão desta base de dados” (RUIZ,

2013)47. A regulamentação já veio, através do Decreto 7950/201348, que institui o Banco

Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.

5.2. As principais mudanças na Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal)

A Lei da Identificação Criminal Genética promoveu pequenas, porém significantes

alterações na Lei de Execução Penal, n. 7210/1984. Basicamente, foi promovido o acréscimo

de um único artigo: 9º-A.

46 LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado; Ed. JusPodivm; 2016, p. 79. 47 RUIZ, Thiago. Banco de dados de perfis genéticos e identificação criminal: breve análise da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013. 48 Acesso em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7950.htm> Acesso em: 02/06/2018.

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O caput desta norma, ipsis literis, obriga os condenados por crime doloso praticados

com violência grave contra pessoa ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei

8.072/90 – Lei de Crimes Hediondos – a se submeter à identificação do perfil genético,

mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor.

O objetivo dessa previsão legal é a prevenção ou até mesmo facilitação na investigação

de crimes futuros – mantendo um banco de dados com as informações genéticas destes

indivíduos. Apesar da norma não mencionar expressamente, resta evidente, em função do

princípio da presunção de inocência, a necessidade de a condenação já ter transitado em julgado.

A primeira grande divergência acerca deste dispositivo é quanto à inclusão ou não de

indivíduos condenados por crimes equiparados aos hediondos. MAHMOUD e MOURA (2012,

p. 353) entendem que “teria sido excluída parcela do contido no art. 2º, figuras assemelhadas,

como o tráfico de drogas e, em parte, o crime de tortura – que não estão previstos no art. 1º da

Lei dos Crimes Hediondos.” Em outra vertente – minoritária – CUNHA49 inclui no rol os crimes

hediondos por equiparação, a partir de uma lógica sistêmica em que os crimes equiparados

caminhariam lado a lado dos previstos no primeiro artigo da Lei 8.072/1990.

Outro relevante questionamento que é feito é no que diz respeito à natureza jurídica

desta obrigatoriedade prevista em lei. Soa, para MAHMOUD e MOURA (2012, p.353), bem

como para NICOLITT50como mais um efeito da condenação – semelhante aos previstos nos

artigos 91 e 92 do Código Penal. No entanto, seria um efeito perpétuo da pena ter informações

genéticas mantidas em um banco de dados?

Curiosamente, a lei não trouxe – à semelhança do que fez na Lei 12.037/2009 – um

limite temporal para os dados pessoais permanecerem no banco genético. A princípio, parece-

nos que a omissão foi intencional – assim como ocorre em inúmeras legislações alienígenas

(que aprofundaremos no capítulo 7). Entretanto, parte da doutrina busca soluções caseiras para

a questão.

LOPES JR51 entende “ser sustentável a aplicação, por analogia, do instituto da

“reabilitação” (art. 93 e ss. Do CP), permitindo-se a retirada dos registros após decorridos dois

anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução.” Na mesma

linha, NICOLITT, que chama atenção para o fato de o Decreto 7.950/2013 também ter

49 CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12.654/12 (identificação genética): nova inconstitucionalidade (?). Texto extraído de página de internet: <https://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/121814909/lei-12654-12-identificacao-genetica-nova-inconstitucionalidade>. 50 NICOLITT, André. Banco de dados de perfis genéticos (DNA). As inconstitucionalidades da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013, p. 16. 51 LOPES JR, Aury. Lei 12.654/2012: é o fim do direito de não produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere)? Boletim IBCCRIM; 2012, p. 06.

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silenciado sobre o tópico em debate (2015, p. 204-205). Reitera, por fim, pela impossibilidade

de se manter tais dados perpetuamente – ainda que não haja previsão normativa quanto a sua

exclusão – “seja por violação ao dispositivo constitucional da vedação a penas de caráter

perpétuo, seja por violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e das

garantias fundamentais à intimidade e privacidade” (2015, p. 207).

O parágrafo primeiro tem redação idêntica ao do artigo 7º-B da Lei 12.037/2009. Em

razão disso, remetemos o leitor ao tópico 5.1, onde já elaboramos as devidas considerações

relativamente a este dispositivo.

Concluindo, o segundo parágrafo do artigo 9º-A da LEP é a última alteração promovida

pela Lei da Identificação Criminal Genética. Esta propõe que “a autoridade policial, federal ou

estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco

de dados de identificação de perfil genético.”

Aqui há uma interessante diferença entre o tratamento dado ao indiciado e ao

condenado. O primeiro, por ainda ter em seu favor o princípio da presunção de inocência, bem

como o que veda à autoincriminação, só será compelido à extração de DNA na exclusiva

hipótese em que o juízo competente deferir a medida, essencial às investigações. O último, no

entanto, não dispondo mais da proteção constitucional destes princípios, sempre será submetido

a este procedimento interventivo (caso tenha sido condenado pelos crimes já acima

mencionados), independentemente de autorização judicial. Somente dependerá do crivo do

judiciário o acesso da polícia ao banco de dados que contenha a informação genética desses

condenados, consoante a previsão expressa do parágrafo destacado.

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6. ASPECTOS BIOLÓGICOS DA IDENTIFICAÇÃO HUMANA PELO DNA

6.1. Origem do DNA e suas características

O DNA foi descoberto em 1869 pelo estudioso alemão Johann Friedrich Miescher

“quando este buscava determinar os componentes químicos do núcleo celular e usava os

glóbulos brancos contidos em uma secreção de ferimentos para suas pesquisas.” (BASSO,

2014, p. 35). NICOLITT e WEHRS (2015, p. 65) o definem como

[...] uma molécula que se encontra em cada célula do nosso corpo, contendo toda a informação genética necessária para o funcionamento do nosso organismo. O DNA possui subunidades denominadas genes, que têm a função de criar proteínas distintas, ou seja, o DNA é responsável pela síntese de proteína.

Para ser mais específico, o ácido desoxirribonucleico (como também é conhecido) é

encontrado, em regra, no núcleo das células (com exceção dos glóbulos vermelhos/hemácias,

que não possuem núcleo, nem DNA, por conseguinte). Assim complementam BARROS e

PISCINO (2008, p. 04):

O DNA constitui parte dos cromossomos, sendo encontrado no núcleo das células e sua estrutura é responsável pela transmissão das características genéticas dos seres vivos, de geração para geração, resultando no código genético individual. Sabe-se que o DNA de uma pessoa é igual em todas as células do seu organismo e se compõe a partir da informação genética proveniente de seus genitores, metade da mãe e metade do pai biológico. Entre humanos, o DNA se diferencia somente em 0,2% de pessoa para pessoa. Ainda assim, a sequência de DNA de uma pessoa nunca é igual à de outrem. É uma diferenciação mais precisa do que as digitais das mãos humanas, que também não se repetem.

Essa substância química, também conhecida como ADN, possui três destacadas

finalidades, quais sejam:

[...] (i) a de armazenarem a herança genética, ou seja, a transmissão para os descendentes de todas as características físicas; (ii) a individualização dos animais superiores, ou seja, os indivíduos são geneticamente distintos uns dos outros, pois o DNA não é completamente idêntico; e (iii) a evolução, pois é a partir de ligeiras imperfeições na replicação do DNA que são possibilitadas as mutações. (SANCHEZ apud NICOLITT e WEHRS, 2015, p. 67)

Com a evolução das pesquisas científicas, em 1953, dois biólogos – James Dewey

Watson e Francis Compron Crick – concluíram que a estrutura do ácido desoxirribonucleico

comporta uma dupla hélice, formada pelo pareamento entre adenina com timina e guanina com

citosina. Nesse sentido, BUTLER (apud BASSO, 2014, p. 36) clarifica a temática, contando-

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nos que os ácidos que compõem o núcleo celular – incluindo, por óbvio, o DNA – são

compostos por unidades chamadas “nucleotídeos”, que se estruturam em três componentes:

nucleobase, açúcar e fosfato. O primeiro deles se subdivide em quatro: adenina (A), timina (T),

guanina (G) e citosina (C) – acima mencionadas.

Como já dito anteriormente, o DNA está localizado, via de regra, no núcleo das células.

Este é conhecido como DNA nuclear. Todavia, existe também o DNA mitocondrial52 – fora do

núcleo (e que só é transmitido pela mãe). Mais importante que tal distinção, porém, é a

classificação que o subdivide em “codificante” e “não codificante”. SANCHEZ (apud

NICOLITT e WEHRS, 2015, p. 67) conta que

[...] o DNA não codificante, por ter grande variação entre os indivíduos, é de grande importância para a individualização dos seres humanos. Com exceção dos gêmeos univitelinos, não há duas pessoas que ostentem o mesmo código genético. Daí a relevância do DNA não codificante para a investigação criminal. (grifo meu)

No mesmo sentido, explica LEMOS:

O ADN (ácido desoxirribonucleico) ou DNA – em inglês, deoxyribonucleic acid – é a molécula que carrega toda informação genética de uma pessoa e subdivide-se em uma parte codificante e outra não codificante. A primeira indica todas as informações genéticas do seu titular, desde suas características físicas até a propensão a uma determinada doença. A segunda pode ser comparada a um código de barras que serve apenas para identificar, sem informar características. Nos países onde já se utilizam bancos de dados genéticos, eles são alimentados com amostras de DNA não codificantes, “simples” marcadores genéticos, denominados perfis genéticos.53(grifo meu)

No entanto, o tema não é pacífico no ramo científico. Há vozes que sustentam ser

possível, a partir de qualquer tipo de amostra genética – ainda que “não codificante” –

manipular e colher todas as informações genéticas dos indivíduos cadastrados. Esta é uma

importante constatação, tendo em vista que, à luz desse pensamento minoritário – mas ainda

assim relevante – qualquer colheita de material biológico do indiciado significaria verdadeira

restrição ao direito fundamental à intimidade genética. A princípio, porém, deixemos um pouco

essa discussão de lado, eis que o foco de nossa obra é outro.

52 O DNA mitocondrial, como explicam NICOLITT e WEHRS (2015, p. 67), “foi muito utilizado em diversos casos de repercussão mundial, como na pesquisa de desaparecidos políticos na Argentina, quando se criou um Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG), por meio do qual se buscava estabelecer relações de parentesco entre avós e netos.” 53 Citação retirada de: LEMOS, Cristiane Chaves. A coleta de perfil genético como forma de identificação criminal – entre a lógica do controle e a fragilidade do processo penal; 2014, p. 17 Acesso em: <http://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2017/03/cristiane_lemos_2014_2.pdf> .

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Esse ponto em específico é de suma relevância no tema da identificação criminal

genética prevista na Lei 12.654/2012. Isto porque, como já explicado no tópico 5.1.– ao qual

remetemos o leitor – o artigo 5º-A, § 1º, da Lei 12.037/2009 (acrescentado pela norma de 2012)

impede que se revelem traços somáticos e comportamentais do indiciado na identificação

criminal pelo perfil genético.

De grande vulto a conceituação trazida por ANDREUCCI (2013, p. 212):

Traços somáticos são traços relacionados à morfogênese e traços antropológicos e biológicos, próprios de uma raça ou etnia, tais como feições, conformação física e corporal, cor da pele, etc., enfim, traços da morfologia externa da pessoa. Traços comportamentais (behavioral traits) são os relativos ao comportamento da pessoa no cotidiano, nas relações sociais, profissionais, familiares...

Em vista disso, a extração de material genético busca colher DNA não codificante que

– já salientamos – não revela aspectos comportamentais ou somáticos dos indivíduos.

Assim também explica Maria Auxiliadora Minahin54:

Em vista da dimensão que vêm ganhando a neurocriminologia e a neurogenética, teme-se que o ADN recolhido possa ser utilizado com o fim de estabelecer novas correlações entre o crime e estrutura genética, criando vínculos entre etnia, sexo e outros dados físicos e desvios comportamentais. Ocorre, todavia, que a parte do ADN usada para obter impressão genética é considerada imprestável para qualquer outro fim, por isto considerada não codificante, já que não traz informação alguma sobre uma pessoa além daquela necessária para a identificação criminal. (grifo meu)

O pioneiro no uso de material genético na prática forense foi Alec Jeffreys, em 1985, na

Inglaterra. De lá para cá, a biologia tem tido grande valia na solução de casos penais por todo

o planeta. Destacamos – para melhor desenhar o mérito da técnica – um “case” em que o DNA

inocentou indivíduos, ao invés de condená-los. Remetemos à 1997, quando o Tribunal

Supremo, na Europa, pôs em liberdade Abderrazak M. e Ahmed T., condenados por estupro

três anos antes. A inocência foi comprovada a partir de informações do Instituto Nacional de

Toxicologia de que o fragmento de sêmen encontrado na roupa da vítima não coincidia com as

amostras genéticas colhidas dos condenados (NICOLITT e WEHRS, 2015, p. 70).

Mencionamos aqui, por fim, caso de maior conhecimento público em que a prova de

origem genética foi a grande protagonista para inocentar alguém. Nos referimos à Steven Avery

– que inspirou a famosa série documental da Netflix, “Making a Murderer”. Na circunstância,

54 MINAHIN, Maria Auxiliadora. Lei 12654: identificação genética ou obtenção constrangida de prova? 2012. Acesso em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/lei-12654-identificacao-genetica-ou-obtencao-constrangida-de-prova/8838>.

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Steven ficou em cárcere por dezoito anos, após ser condenado por estupro e tentativa de

homicídio. Até que em 2003 um exame de DNA demonstrou sua inocência nestas infrações

penais, ocasionando sua liberação imediata.

6.2. Métodos de Colheita

Existem muitas maneiras de se coletar material genético – algumas mais invasivas e

onerosas, enquanto outras nem tanto. São algumas delas a extração de sangue, análise de

tecidos, sêmen, saliva, unha, pelos, etc. Ao nosso entendimento, o mais polêmico é o método a

partir do sangue, eis que para retirá-lo será necessário inserir uma agulha na pele do indivíduo,

o que enseja discussões quanto à possível violação ao princípio da autodeterminação corporal

(integridade física).

No Brasil, ganha enorme notoriedade a utilização da saliva para a extração do DNA. De

acordo com BASSO (2014, p. 62), é a fonte preferida dos profissionais, já que é relativamente

barata, de fácil aplicação, eficiente, não invasiva e indolor – que se materializa pela colheita de

células epiteliais da boca da pessoa.

O procedimento é conhecido como “swab bucal”. Meiga Aurea Mendes Menezes, perita

criminal federal – já mencionada em tópicos precedentes – o descreve como uma raspagem na

parte interior da bochecha do condenado com uma espécie de cotonete por poucos segundos,

para retirada do material genético.55 Sobre isso, BOTELHO (2013, p. 166)56 explica mais

tecnicamente:

A saliva, por sua vez, não contém nenhum DNA, mas, muito frequentemente, dela é possível recolher restos epiteliais do interior da cavidade bucal (do palato ou da língua), por exemplo, e, a partir daí obter amostras do DNA. O mesmo sucede com a caspa que, em si, não contém células e, portanto, também não contém DNA. Contudo, normalmente é possível encontrar na caspa restos de pele que se desprendem do couro cabeludo e daí extrair DNA.

NICOLITT e WEHRS (2015, p. 64-65) entendem a técnica – também nomeada de

“zaragatoa bucal” – como uma forma de intervenção corporal leve, dependendo, portanto, da

anuência do examinado para sua lícita efetivação. Nos literais dizeres dos respeitados

professores:

[...] a zaragatoa, que é pincel feito com um bocado de algodão hidrófilo enrolado na extremidade de uma vareta, que em regra serve para

55 Citação retirada de texto disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-26/pf-coleta-dna-condenados-nao-fere-direito-fundamental> Acesso em: 18/05/2018. 56 Citação retirada de texto disponível em: < https://editorialjurua.com/revistaconsinter/revistas/ano-iii-numero-v/reforma-constitucional/a-constitucionalidade-da-identificacao-e-armazenamento-do-banco-de-dados-de-perfis-geneticos-de-condenados-por-crimes-violentos-ou-hediondos-no-brasil/> Acesso em: 18/05/2018.

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pincelar a garganta com remédio, ou para colher um exsudado, pode ser usado para recolher pequenas amostras de saliva para exames periciais.

Trata-se também de uma intervenção corporal leve que exige colaboração do examinado. Em todo caso, a invasividade dessas práticas é muito pequena.

Não obstante a saliva ser uma das principais – senão a principal – fontes para extração

de DNA em nosso país, as demais supramencionadas não estão descartadas – veja, por exemplo,

a relevância do sêmen na decifração da autoria dos crimes sexuais. Da mesma forma, é praxe

pela perícia encontrar vestígios de sangue ou fios de cabelo em cenas de crime, o que muito

colabora para a investigação dos referidos.

6.3. Probabilidades, Cuidados e Riscos de Falhas

Sempre que se fala em DNA, pensamos instantaneamente em efetividade. São

incontáveis os relatos de casos solucionados pela substância química – seja na busca de crianças

e adolescentes desaparecidos ou na identificação de corpos ou até mesmo na busca pela

paternidade e na solução de investigações penais.

O DNA tem grande resistência à degradação. Em ambiente adequado, pode durar anos

e ainda assim manter seu nível de eficiência. LEMOS (2014, p. 25) diz que “a estabilidade

química e térmica do DNA permite a obtenção de padrões genéticos, mesmo após longo período

de tempo transcorridos.”

ALMEIDA (apud FEIJÓ, p. 217) fala um pouco acerca de porcentagens relativas a

aplicação do DNA em testes de paternidade:

Em sede de identidade genética verificamos uma impossibilidade de repetição no padrão do DNA de cada pessoa, exceto na hipótese de gêmeos univitelinos, o que foi constatado pelo cientista inglês Alec Jeffreys, em 1985. Esta constatação científica aplicada na questão da paternidade em casos de identidade incerta do suposto pai, através do exame no DNA pode excluir com margem de probabilidade correspondente a 100% um homem de ser o pai biológico de determinado indivíduo ou apontar a probabilidade de 99,9999% de que ele realmente seja o pai biológico.

[...] a técnica de DNA assumiu um valor diferenciado das demais técnicas de conhecimento científico da verdade biológica, em razão da propriedade intrínseca e única do ácido desoxirribonucleico. (grifo meu)

Segundo o FBI, o software desenvolvido para banco de dados de perfis genéticos, o

CODIS – Combined DNA Index System – auxiliou, até março de 2018, quase quatrocentas mil

investigações criminais.57Esses números, por si só, demonstram a importância do uso genético

em processos penais.

57 Disponível em: <https://www.fbi.gov/services/laboratory/biometric-analysis/codis/ndis-statistics>. Acesso em 25/04/2018.

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Entretanto, seria imprudente considerar a prova genética como absoluta. Precisamos nos

acostumar com a ideia de que o DNA não é 100% infalível, estando suscetível a erros – ainda

que em menores proporções que outras espécies probatórias.

O biólogo e perito criminal André Luís Smarra (apud LEMOS, 2014, p.26) afirma que

o DNA “costuma ser apresentado como algo isento de erros e inclusive muitos juízes pensam

que isso é verdade, mas existem muitos casos de contestações judiciais e invalidação de

exames”. Estas falhas podem decorrer meramente da porcentagem mínima de erro existente –

que por muitas vezes é erroneamente descartada pelo senso comum – mas principalmente se

sucedem em função de riscos de contaminação em laboratório (por exemplo, por estarem em

ambientes incorretamente esterilizados). Não podemos excluir ainda a possibilidade de trocas

ou até mesmo fraudes visando manipular a evidência genética adquirida a partir do DNA. Isto,

no entanto, será alvo de maior debate no último tópico do próximo capítulo, quando

abordaremos a temática da (ir)refutabilidade destas provas.

6.4. Funcionamento dos bancos de dados genéticos para fins criminais

Em princípio, precisamos entender o que é um banco de dados de perfis genéticos. Para

NUNES (2012, p. 16) – influenciado por Casabona – “são conjuntos estruturados de resultados

de análises de perfis genéticos mantidos, em geral, em uma base de dados informatizada.”

Segundo o autor, a finalidade é trazer contribuições probatórias às ações penais.

Parece complexo, mas é mais simples do que muitos imaginam. De acordo com BASSO

(2014, p. 54-55), “existem dois bancos de dados: um de perfis genéticos obtidos de amostras

coletadas em locais de crime e outro com perfis genéticos de referências”. O resultado esperado

decorre do cruzamento entre as informações obtidas nos bancos – que irão ou não coincidir,

atingindo então um resultado conclusivo.

O legislador infraconstitucional do Brasil não teve a nitidez necessária para esmiuçar

essa diferença no texto legal. No entanto, parece-nos ser a interpretação mais correta para que

se possa verdadeiramente garantir a efetividade um banco de dados de perfis genéticos.

Em 1989, os Estados Unidos começaram a debater a possibilidade destes bancos de

dados. A ideia ganhou força mundialmente, com inúmeros países, a partir do ano seguinte,

passando a importá-la. Dentre eles, Islândia, Estônia, Japão, Suécia, Singapura, Áustria e a

Inglaterra (GUEDES apud MARTINS, 2013, p. 30).

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Em igual perspectiva, Thiago Ruiz58 elabora um apanhado com diversos países que

criaram seus próprios sistemas genéticos:

Nos Estados Unidos, o Federal Bureau of Investigation (FBI) desenvolveu o software denominado CODIS – Combined DNA Index System – no ano de 1990. Por sua vez, a União Europeia, por meio da Resolução 193/02, de 09 de junho de 1997, estabeleceu o intercâmbio de análise de DNA entre os Estados-membros, que ficaram de legislar a respeito de quais delitos e condições poderiam ensejar a inserção nos registros. Posteriormente, em Europa, diversos países assinaram o Tratado de Prum, de 27 de maio de 2005, em que os Estados se comprometeram a estabelecer uma relação de cooperação de intercâmbio de dados de DNA, com o fim de facilitar o acesso a informações e possibilitar uma investigação criminal mais profunda. Em decorrência do tratado assinado na cidade alemã que leva seu nome, a Espanha promulgou a Lei Orgânica 10/2007, que regula a base de dados sobre identificadores obtidos de DNA para fins de investigação criminal.

A Argentina, mediante a Lei 26.548 de 2009, estendeu o arquivo nacional de dados genéticos, que era atinente a conflitos no âmbito civil, que giram em torno da filiação, para também assegurar a obtenção, o armazenamento e a análise das informações genéticas que possam servir como provas para esclarecer os delitos de desaparição forçada – que ocorreram durante o período da ditadura –; conduta criminosa considerada pelo seu legislador como de lesa humanidade.

Sem embargos, contudo, podemos afirmar que o maior e mais importante banco de

dados genéticos funcionando nos dias atuais é o modelo inglês – que veio a surgir oficialmente

em 1995. Estima-se que mais de sete milhões de pessoas estejam lá registradas. Segundo

BASSO (2014, p. 54-55), lá as pessoas detidas pela polícia já são imediatamente identificadas

pelo DNA.

Em território nacional, o surgimento é recente – com a Lei 12.654/2012 e o Decreto

7.950/2013. Porém, desde 2010 já existia uma Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos

(RIBPG) – sem ainda previsão legal ou administrativa. O que existia, segundo Thiago Ruiz59,

era uma estrutura relacional entre laboratórios federais e estaduais que já mantinham perfis

genéticos – inclusive já se valendo do software CODIS, internalizado em 2009 a partir de um

termo de compromisso subscrito.60 Já era um sintoma do que estava por vir dois anos depois.

A criação do banco de dados brasileiro contou com o apoio e a colaboração de diversos

peritos estaduais e federais especialistas, bem como de professores universitários.61 E, como já

58 RUIZ, Thiago. Banco de dados de perfis genéticos e identificação criminal: breve análise da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013. 59 RUIZ, Thiago. Banco de dados de perfis genéticos e identificação criminal: breve análise da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013. 60 Informação disponível em: <https://editorialjurua.com/revistaconsinter/revistas/ano-iii-numero-v/reforma-constitucional/a-constitucionalidade-da-identificacao-e-armazenamento-do-banco-de-dados-de-perfis-geneticos-de-condenados-por-crimes-violentos-ou-hediondos-no-brasil/> Acesso em: 28/04/2018. 61 Disponível em: <http://www.apcf.org.br/Portals/0/revistaAPCF/24.pdf> Acesso em: 28/04/2018.

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mencionado acima, instrumentalizou-se através do CODIS – que se originou nos Estados

Unidos e é o mais conhecido e utilizado do mundo.

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7. ANÁLISE JURÍDICA DA LEI 12.654/2012

7.1. Pontos Relevantes

Três pontos – trazidos pela Lei 12.654/2012 – têm grande relevo e necessitam de uma

breve lembrança antes de atingirmos o clímax deste trabalho, a partir do ponto subsequente: a

autorização judicial, o sigilo e a duração das medidas interventivas.

a) Quanto à autorização judicial

A priori, devemos rememorar que a identificação criminal pelo perfil genético poderá

ocorrer com dois distintos escopos: relativamente ao investigado ou indiciado, os fins são

eminentemente probatórios. Por outro lado, no que tange ao condenado, soa mais como um

efeito da condenação, visando auxiliar na solução de infrações penais futuras.

A Lei 12.037/2009 (L.I.C) condiciona a identificação genética do indiciado à dois

requisitos concomitantes: sua imprescindibilidade às investigações – tendo em vista que

estamos falando de uma intervenção corporal restritiva de direitos fundamentais, devendo,

portanto, ser a “última ratio do sistema” (LOPES JR., 2012, p. 06) – e autorização judicial.

LOPES JR (2012, p. 06) sustenta ainda que “a prova genética somente poderá ser

utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição (daquele crime)”.

É o que o autor chama de “vinculação causal” (princípio da especialidade).

Sobre a necessidade de autorização judicial, se faz necessária, pois é uma medida

interventiva que relativiza direitos e garantias individuais. O artigo 3º, IV, da Lei 12.037/09 diz

que este consentimento do juiz ocorrerá mediante representação de autoridade policial,

Ministério Público, defesa ou até mesmo de ofício. Esta última possibilidade é alvo de severas

críticas de parcela da doutrina, uma vez que violaria o sistema acusatório acolhido pelo

constituinte originário em 1988 – consoante disposição do artigo 129, I, da Carta

Constitucional. Seguindo esta linha de pensamento, o Estado-juiz, ao agir de ofício, fere sua

inércia natural e sua imparcialidade (afastado da gestão da prova).

Na perspectiva do condenado por crimes hediondos ou dolosos praticados com violência

grave à pessoa, a situação é outra. Neste caso, como bem aduz Nicolitt62’63, a extração de DNA

é efeito da condenação. Sendo assim, a Lei 12.654/2012 – alterando a Lei de Execução Penal –

62 NICOLITT, André. Banco de dados de perfis genéticos (DNA). As inconstitucionalidades da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013, p. 16. 63 Neste mesmo sentido: MAHMOUD, Mohamed Ale Hasan; MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A Lei 12.654/2012 e os direitos humanos; 2012; RBCCrim; p. 353.

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entendeu não ser necessária autorização judicial para realização desta medida, mas apenas para

acesso futuro ao banco de dados pela autoridade policial, quando já houver inquérito instaurado.

Assim proclama o artigo 9º-A, § 2º, da Lei 7.210/1984 – LEP.

b) Quanto ao sigilo

Parece-nos evidente que, por estarmos falando de uma medida interventiva que revela

aspectos pessoais de determinado indivíduo, o sigilo deve ser a regra. Assim também entendeu

o legislador infraconstitucional. Tanto o artigo 7º-B da Lei 12.037/09 como o artigo 9º-A, § 1º,

da Lei 7.210/84 expressam o mesmo mandamento: “A identificação do perfil genético será

armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder

Executivo.”

Ou seja, os dados genéticos adquiridos a partir da extração de DNA de indiciado ou

condenado serão sigilosos, afinal, há a privacidade, honra e um nome a serem preservados

naquelas informações ali contidas. Ainda que não revele traços somáticos ou comportamentais,

faz-se necessário restringir o acesso a tais dados, sob pena de violar os direitos fundamentais à

intimidade, vida privada, bem como à integridade moral. Inclusive, compreendemos o sigilo

como mecanismo eficaz para evitar discriminações, tendo em vista que indivíduos ligados de

alguma forma a crimes acabam por ser estereotipados e marginalizados em nossa sociedade

repressiva.

No mesmo sentido da lei interna dispõe o artigo 9º da Declaração Universal sobre

Bioética e Direitos Humanos de 2005:

A vida privada das pessoas em causa e a confidencialidade das informações que lhes dizem pessoalmente respeito devem ser respeitadas. Tanto quanto possível, tais informações não devem ser utilizadas ou difundidas para outros fins que não aqueles para que foram coligidos ou consentidos, e devem estar em conformidade com o direito internacional, e nomeadamente com o direito internacional relativo aos direitos humanos.

Com isso, responderá civil, penal e administrativamente quem violar o sigilo das

informações genéticas, utilizando para fins diversos dos almejados. Assim dispõe o artigo 5º-

A, § 2º, da Lei 12.037/09. Apesar de não ter disposição semelhante na Lei de Execução Penal,

cremos que esta regra lá terá igual aplicação, eis que o disposto decorre da própria sistemática

de nosso ordenamento jurídico protetivo.

c) Quanto à duração das medidas interventivas

A Lei 12.654/2012, ao dispor sobre a duração que as informações genéticas do indiciado

ou acusado permanecerão em poder das autoridades públicas, trouxe regras apenas para o

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primeiro. Ausentou-se – intencionalmente, ao que parece – de normatizar a questão para os

condenados identificados pelo DNA. A partir de agora, vamos analisar cada um desses casos.

Preliminarmente, em relação ao indiciado, a Lei 12.037/09 (alterada pela Lei

12.654/2012) prevê que os perfis genéticos serão excluídos no momento em que o crime

discutido prescrever – artigo 7º-A. É realmente o que mais faz sentido, pois sua finalidade

principal é probatória no processo penal. Assim dispõe PACELLI (2017, p. 207):

E como a finalidade é essencialmente probatória, subordinada aos resultados úteis da jurisdição criminal, foi prevista também a exclusão do perfil genético no prazo prescricional do delito investigado (art. 7º-A, Lei nº 12.037/09, c/redação da Lei nº 12.654/12).

Além disso, ocorre um debate acerca da aplicação analógica do artigo 7º da Lei

12.037/09 64aos perfis genéticos. De início, cabe destacar que é quase unânime na doutrina que

este artigo não se aplica à identificação criminal datiloscópica. Isso porque originalmente a lei

já previa tanto o método fotográfico quanto datiloscópico de identificação humana. E o artigo

7º, com redação originária, só prevê a possibilidade de retirada de fotografias que identificam

criminalmente o sujeito e não da datiloscopia.

Quanto à retirada do perfil genético nessa hipótese, há ampla discussão doutrinária. A

título de exemplo, LOPES JR (2016, p. 453) – já citado neste trabalho – apresenta posição no

sentido de se aplicar por analogia o artigo 7º à identificação criminal genética. Explica que,

salvo exceções, não se justificaria constranger alguém a figurar infindavelmente no banco de

dados genéticos. Do contrário, estaria violada, dentre outros princípios, a presunção de

inocência do indivíduo.

LIMA (2016, p. 81), por outro lado, entende que a Lei 12.654/12, ao promover

alterações na Lei 12.037/09 poderia ter alterado o artigo 7º, que continua somente prevendo a

retirada da identificação fotográfica nos casos mencionados. Segundo ele,

Objetivando preservar a imagem da pessoa identificada criminalmente, a Lei n. 12.037 prevê que, no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil (art. 7o). Perceba-se que a lei previu apenas a retirada da identificação fotográfica. Logo, a identificação datiloscópica deve permanecer nos autos do inquérito ou processo criminal. Na mesma linha, segundo o art. 7o-A da Lei n. 12.037/09, com redação dada pela Lei n. 12.654/12, a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá

64 Art. 7º, Lei 12.037/2009: “No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.” (BRASIL, 2009)

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no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. (LIMA, 2016, p. 81). (grifo meu)

Vemos, portanto, que a questão é controvertida. Parece-nos mais adequada a primeira

posição. Principalmente por ser a posição mais razoável ante a um Estado Democrático de

Direito, marcado pela proteção constitucional de direitos e garantias fundamentais. Na dúvida,

entendemos por uma interpretação menos restritiva dos direitos do acusado.

Por fim, compreendemos como de grande valia levantar todas as posições possíveis. Em

virtude disso, juntamos a posição quase isolada de NUCCI, que promove críticas as disposições

do artigo 7º e 7º-A da Lei 12.037/09, que tratam da exclusão da identificação criminal. Ele

entende que

Esta disposição não se encontra em harmonia com o contexto geral da segurança jurídica exigível. Afinal, se houve identificação criminal quer-se crer não ter havido suficiente identificação civil anterior. Portanto, a mantença dos dados colhidos (impressão dactiloscópica ou foto ou ambos) na peça processual arquivada não nos parece dano potencial. Aliás, a previsão feita no art. 7.º desta Lei somente pode referir-se a um Estado incapacitado de guardar sigilo em relação aos documentos oficiais. Se houve inquérito, processo e, ao final, absolvição, por vezes, anos após, qual motivo levaria o indiciado/réu a pretender retirar sua foto dos autos? O temor de vazamento. Se os autos ficassem bem abrigados ou até fossem destruídos, nada disso seria necessário [...] [...] o ideal seria a identificação civil ser aperfeiçoada, contendo não somente a impressão datiloscópica e a fotografia, mas também o material biológico. Enquanto isso não se der, a identificação criminal acaba sofrendo uma estigmatização, como um fardo pendente em relação ao indiciado ou acusado. Por tal motivo, estabelece-se que a prescrição do crime (em abstrato ou em concreto) provocará a exclusão do perfil genético do banco de dados. Segundo nos parece, uma vez realizada, deveria permanecer em definitivo, sempre coberta pelo sigilo. (NUCCI, 2014, p. 385)

Em contrapartida, a Lei 12.654/12, ao promover alterações na Lei de Execução Penal,

não previu expressamente a duração pela qual o perfil genético do condenado ficará nas mãos

do Estado. Parece-nos ter sido opção do legislador a ausência de previsão nesse sentido,

buscando um efeito condenatório de caráter perpétuo.

A doutrina, entretanto, não se contenta com tal opção. Muitas vozes sustentam que se a

Constituição da República de 1988 não admite penas de caráter perpétuo – art. 5º, XLVII, b) –

tampouco permitiria efeitos perpétuos da condenação. Por conta disso, LOPES JR (2012, p. 06)

sustenta “a aplicação, por analogia, do instituto da “reabilitação” (art. 93 e ss. do CP),

permitindo-se a retirada dos registros após decorridos dois anos do dia em que for extinta, de

qualquer modo, a pena ou terminar sua execução.”

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7.2. Argumentos pela constitucionalidade da Lei 12.654/12

Muitos autores se posicionam pela constitucionalidade da lei que traz o método genético

de identificação humana para o Brasil – e aqui nos referimos à compulsoriedade desta medida,

eis que não há discussão quando o indiciado concordar ou se tratar de um pedido da própria

defesa. Destacamos aqui alguns dos principais argumentos que justificam esta opção

doutrinária.

O primeiro fundamento se daria a partir de uma análise histórica e teleológica do

princípio nemo tenetur se detegere (já explicado nesta obra – tópico 2.3.). Segundo tal corrente,

este princípio – que veda a autoincriminação – não é tão amplo como alguns sustentam em

nosso país. Uma das principais vozes nessa acepção é PACELLI, que promove duras críticas a

sua injustificável ampliação interpretativa:

Está-se criando no Brasil – e somente aqui! – um conceito absolutamente novo da não autoincriminação, ausente nos demais povos civilizados. Não há mesmo precedente em outro universo normativo. [...]

E mais. Não se encontra o aludido direito a não autoincriminação em nenhum Tratado Internacional. O que neles se contem é o direito a permanecer em silêncio e não sofrer ingerências abusivas e ilegais [...] (PACELLI, 2011, p. 04) (grifo meu)

Na mesma obra, o autor proclama que ingerências corporais são aceitas em grande parte

dos países, ainda que prevejam direito semelhante ao nosso:

[...] nenhum texto de tratado internacional abrange as pretensões de extensão da não autoincriminação para além de suas forças, isto é, como o direito (esse sim!) de não depor contra si e nem se declarar culpado e como garantia individual de proteção contra intervenções corporais ilegítimas. Nos EUA, na Alemanha, na Espanha, na Itália, na Inglaterra, na França, em Portugal, etc. etc., colhem-se impressões datiloscópicas, material para exame de DNA, fotografias (frente e verso), desde que autorizado na forma constitucional (em geral, pelo Judiciário). (PACELLI, 2011, p. 04)

Ou seja, segundo o autor, a visão extensiva do direito a não autoincriminação é uma

peculiaridade brasileira, eis que não se encontraria no direito comparado análises interpretativas

nesta perspectiva (PACELLI, 2017, p. 204). Para ele, tal regra se limita ao direito ao silêncio e

a não depor contra si mesmo, bem como de não se declarar culpado e não se submeter a

intervenções corporais ilegítimas (apud VAY e SILVA, 2012, p. 13). Assim, existindo previsão

legal e passando a identificação genética pelo crivo do judiciário – como já ocorre em inúmeros

países – não haveria que se falar em ilegitimidade da ingerência, vedando-se, de qualquer

forma, tratamentos vexaminosos e abusivos que violem a dignidade da pessoa humana e os

direitos da personalidade.

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ROXIN (apud VAY e SILVA, 2012, p. 13) tem entendimento congruente. Explica que

o nemo tenetur se detegere garante ao indiciado o direito de não colaborar com as autoridades

policiais por meio de comportamentos ativos. Entretanto, teria o dever de suportar

(comportamento passivo) intervenções corporais legítimas e essenciais às investigações.

Notemos que todas as formas de identificação humana – inclusive a civil – exigem um

comportamento passivo do indivíduo – sem que haja violação ao princípio em toga. Existem

também precedentes do STF que consideram crime do artigo 307 do Código Penal o indiciado

que falsamente se identifica perante a autoridade policial, ainda que sob argumento de

autodefesa65. Contudo, há outras situações previstas na legislação processual penal brasileira

que exigem condutas de mera aceitação do acusado. Vejam os exemplos da busca e apreensão,

interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, condução coercitiva66 – todos,

curiosamente, dependem de previsão legal e autorização judicial.

Portanto, o que se nota é que para esta parcela da doutrina o direito à não

autoincriminação não é tão amplo a ponto de impedir a identificação criminal a partir da

extração compulsória de material genético do acusado. Assim também já entendeu o Tribunal

Europeu dos Direitos do Homem, ao dispor que

o direito de não se auto incriminar impõe que se respeite a vontade do arguido de não falar e manter o silêncio, no entanto este direito não contempla a impossibilidade de utilização no processo de meios de prova que sejam obtidos através do arguido independentemente de sua vontade (ou mesmo, contra a sua vontade) por poderes de autoridade, tais como [...] recolha de amostras e exames de sangue, urina, saliva, cabelo, voz ou recolha de outros tecidos orgânicos para a realização de testes de DNA. (Stedh, caso JALLOH c. Alemanha, j. 11.06.2006, § XVIII e ss.)

Para legitimar o discurso, os autores trazem à tona diplomas internacionais que limitam

de maneira significativa o nemo tenetur se detegere. Destaque para o artigo 8.2-g) do Pacto de

San José da Costa Rica, que dispõe meramente sobre o “direito de não ser obrigado a depor

contra si mesma, nem a declarar-se culpada”, bem como o artigo 14, item 3.g) do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que prega a simples garantia de “não ser

obrigada a prestar declarações contra si própria nem a confessar-se culpada.”

65 STF. RE 640139 RG / DF. Rel. Min. DIAS TOFFOLI. Dje 22/09/2011. 66

Ementa: em 14/06/2018, o plenário do STF decidiu, em julgamento das ADPFs 395 e 444 pela não recepção da condução coercitiva do acusado para interrogatório.

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O professor HELMHOLZ (apud MORO)67, ao opinar sobre a temática, remonta as

origens históricas do direito ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo em São

Crisóstomo:

O texto de autoridade mais utilizado para justificar a regra era um extrato de um comentário sobre a Carta de São Paulo aos hebreus pelo chefe de igreja do quarto século São João Crisóstomo, O texto, inserido no Decretum de Gratiam, estabelecia: ‘Eu não digo que vocês devem trair-se a si mesmos em público ou acusar a si mesmos perante outros, mas que vocês devem obedecer o profeta quando disse: Revele seus atos perante Deus’. Comentaristas medievais leram essas palavras como estabelecendo um argumento jurídico: homens e mulheres devem confessar seus pecados a Deus, mas eles não devem ser compelidos a revelar seus crimes a mais ninguém. A técnica jurídica usual do ius commune, lendo textos a contrário sensu, levaria a essa conclusão.

A invocação, como sugere Albert ALSCHULER, mais se preocupou em estimular

confissões religiosas do que garantir propriamente um direito ao silêncio. Ainda assim, com o

passar da história e a inclusão dos advogados em processos criminais, passou-se a valorizar

mais e mais esse direito, que por muito tempo preveniu e ainda previne com eficiência a

extração de confissões forçadas, impede a submissão do investigado ao terrível dilema de

confessar o seu crime e, portanto, trair-se, ou cometer perjúrio, etc. (MORO, 2006, p. 03 e 04).

Completa, contudo, o autor que “não se vislumbram com facilidade argumentos

pragmáticos que justifiquem a ampliação do direito ao silêncio para resguardar comunicações

não-verbais” (MORO, 2006, p. 04) – que seria mera criação doutrinária e jurisprudencial

brasileira, não encontrando fundamento no direito comparado e nem sequer na legislação

interna (artigo 5º, LXIII, CRFB/1988 e artigo 186, CPP tratam unicamente do direito ao silêncio

– stricto sensu).

Sendo assim, toda essa vertente doutrinária assegura que o princípio vedatório à

autoincriminação – por não ser tão amplo como alguns tentam propor – não pode ser

considerado empecilho à colheita compulsória de DNA do indiciado. Em consequência, a

recusa deste “não constituirá exercício de qualquer direito, mas violação a uma regra de dever”

(PACELLI, 2011, p. 05). Dito isso, a pergunta que fica é: quais seriam os meios legítimos para

obrigar o indivíduo a fornecer seu material genético?

AVENA (2014, p. 227) sustenta possibilidade de uso da força física para compelir o

indiciado:

Eventualmente, pode acontecer que o indivíduo, comparecendo perante a autoridade (espontaneamente ou por meio de condução), recuse-se ao procedimento de colheita de impressões digitais, de material fotográfico e de

67 Ver mais em: MORO, Sergio Fernando. Colheita compulsória de material biológico para exame genético em casos criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 95, n. 853, p. 429-441, nov. 2006.

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material biológico (na hipótese prevista no art. 5.º, parágrafo único, da Lei 12.037/2009 e no art. 9.º-A da Lei 7.210/1984). Nesse caso, presentes as situações legais, faculta-se o uso da força para obrigá-lo à prática do ato. Logicamente, deve ser usada a força moderada, isto é, apenas aquela necessária e suficiente para a realização da identificação criminal. Excessos injustificados tipificam o crime de abuso de autoridade, contemplado no art. 4.º, b, da Lei 4.898/1965 (“submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”).

A condução coercitiva – prevista no artigo 260 do CPP68-69 e usualmente usada no

processo penal brasileiro – seria um exemplo de uso da força autorizada por lei para sujeitar o

acusado a determinado comportamento necessário à solução do crime. Nessa linha, não haveria

que se falar em tortura, uma vez que a autoridade estaria em estrito cumprimento de dever legal,

que exclui a ilicitude do fato – artigo 23, III, do Código Penal.

BARROS e PISCINO (2008, p. 21) entendem que a negativa do investigado induziria a

presunção juris tantum dos fatos alegados pertinentes à referida prova pericial – semelhante ao

que ocorre, no direito de família, ao homem que se recusa a fazer teste de paternidade pelo

DNA. Esta não parece ser a solução mais correta, em função do princípio da presunção de

inocência, de índole constitucional e basilar do processo penal. A dúvida sempre favorece o

réu, nunca a acusação, logo não há que se falar em culpa presumida por negativa de submissão

ao procedimento de identificação.

NUCCI (2014, p. 381), junto a considerável parcela da doutrina, entende que se o

indiciado se recusar à identificação criminal pelo perfil genético, estará incorrendo no crime de

desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal.70 Parece-nos ser a opção mais razoável.

O segundo fundamento pela constitucionalidade da Lei 12.654/2012 seria o fato de que,

ainda que o nemo tenetur se detegere seja tão amplo como afirmam doutrina e jurisprudência

brasileira, ele não é absoluto. Seguindo esta linha, como aprendemos, se tal princípio conflitar

com outro previsto constitucionalmente, a elucidação da questão se dará através da técnica da

ponderação de interesses.

Veja bem: a ideia de identificação criminal genética contrapõe o princípio que veda a

autoincriminação e os valores da segurança pública, paz social, busca da verdade real e de uma

persecução penal eficaz – todos interesses públicos. E segundo esta fatia relevante da doutrina,

salvo situações excepcionais, não seria proporcional vedar um procedimento de identificação

68 Art. 260, CPP: “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.” (BRASIL, 1941) 69 Ementa: em 14/06/2018, o plenário do STF decidiu, em julgamento das ADPFs 395 e 444 pela não recepção da condução coercitiva do acusado para interrogatório. 70 Art. 330, CP: “Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.” (BRASIL, 1940)

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considerado como ingerência corporal levíssima, tendo em vista que o meio usado para tal, em

regra, é o swab bucal (já explicitado no capítulo anterior). Por conseguinte, a partir da

ponderação, prevaleceria o interesse público supracitado em relação ao do acusado não produzir

prova contra si mesmo (que, ainda por cima, seria controvertido quanto ao seu real alcance).

Nessa ótica, NUCCI:

Por isso, acrescendo-se ao campo da identificação criminal, que já conta com a impressão datiloscópica e a fotografia, a coleta de material biológico, aperfeiçoa-se o sistema, permitindo-se maior segurança. Segundo cremos, esse modelo deveria ser implantado no cenário da identificação civil, como regra, para todos os brasileiros. Nada seria mais seguro e garantido. [...] não vislumbramos nessa colheita nenhuma invasão à intimidade ou à vida privada, nem tampouco a qualquer direito ou garantia na área processual penal, pois se volta à correta identificação individual, algo que não é abrangido por qualquer direito vinculado à defesa do réu. Tanto é certo que, no interrogatório de qualificação, o acusado não pode silenciar nem faltar com a verdade. (NUCCI, 2014, p. 384) (grifo meu)

NUCCI anuncia também um terceiro fundamento, que seria a possibilidade de se evitar

o temido erro judiciário – que costumeiramente gera indenizações de grande vulto contra o

Poder Público. De acordo com o referido autor:

tratando-se de identificação criminal, não possui o acusado o direito de se omitir ou de se recusar a colaborar com o Estado para individualizá-lo. Não se trata a identificação criminal de uma aceitação de culpa, mas de um procedimento para tornar exclusiva determinada pessoa, direito do Estado, evitando-se, com isso, o nefasto erro judiciário. (NUCCI, 2014, p. 381) (grifo meu)

Consoante já dispusemos no tópico 6.3 do presente trabalho, o DNA jamais será uma

prova absoluta para condenar alguém. Sempre será preciso analisá-la junto ao conjunto

probatório formado no processo para que o juiz possa formar sua convicção. Todavia, poderá

ser tido como prova cabal para inocentar determinadas pessoas.

O quarto fundamento alegado pela doutrina para afirmar que a Lei 12.654/2012 é

constitucional é que o direito à intimidade e vida privada não são absolutos. Tanto é verdade

que existem diversas previsões no diploma processual penal em vigor – já acima mencionados

– que restringem tal direito, como por exemplo a possibilidade de busca e apreensão e quebra

de sigilo bancário.

Nesse aspecto, a lógica é a mesma usada quando falamos do princípio do nemo tenetur

se detegere, ou seja, devem-se ponderar interesses para saber o que prevalece: a intimidade e

vida privada do investigado ou a ingerência corporal na busca da verdade real e da segurança

pública.

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MORO (2006, p. 02) entende que o limite para restringir a privacidade do identificado

se encontra no princípio da proporcionalidade. Por isso, para ele, “a colheita de material

biológico do acusado ou do investigado para exame genético somente se justifica se existirem

indícios prévios de autoria e materialidade”. Não seria razoável extrair DNA de um indivíduo

sem a mínima suspeita decaindo sobre ele.

Logo em seguida, MORO diz, ademais, que seria desproporcional a retirada de material

genético “quando houver risco à integridade física ou à saúde do investigado ou do acusado”.

SCHOLLER (2000, p. 239) cita decisão do Tribunal Federal Constitucional Alemão nesse

sentido, que “entendeu que as sequelas da investigação e determinação da autoria e

responsabilidade pelo delito não poderão atingir o autor de forma mais gravosa do que a sanção

penal a ser aplicada no caso.”

Finalmente, só poderia haver proporcionalidade no ato de identificação humana pelo

perfil genético se esta fosse restrita a determinados crimes mais graves, onde fosse

integralmente imprescindível para as investigações – assim como ocorre na Lei 9.296/1996 (Lei

da Interceptação Telefônica), por exemplo.

Então, nesta vertente ideológica, o direito fundamental à intimidade e vida privada não

constituem, por si só, óbices à correta aplicação da Lei 12.654/12 – salvo as situações

desproporcionais já reportadas. Como perfeitamente aduz o brilhantíssimo professor e juiz

Carlos Henrique Borlido Haddad:

A admissão do exame de DNA compulsório no processo penal brasileiro, posto que seja uma novidade em relação ao tipo de prova que disponibilizará, não representará nenhuma inovação acerca das restrições e bens jurídicos que já suporta o acusado. A pena privativa de liberdade, a prisão provisória de finalidade instrutória indireta, o monitoramento ininterrupto de diálogos, a sanção capital e a medida de segurança de caráter indeterminado são superlativamente mais lesivas do que a colheita do material orgânico, mormente em relação àquela que não possui o caráter de invasividade. É preciso apenas voltar os olhos para as provas e sanções atualmente existentes no processo penal e lembrar-se da existência de medidas de caráter restritivo para superar a cultura de intangibilidade absoluta do acusado.71

Em conclusão, interessante apontar a posição mais intermediária de alguns nomes

consagrados da doutrina, como Rogério Greco e Paulo Rangel. Estes, apesar de entenderem

pela constitucionalidade da Lei da Identificação Criminal Genética, promovem sobre ela uma

interpretação bem mais restritiva.

71 Citação retirada de texto disponível em: <https://lipezmartins.jusbrasil.com.br/artigos/121943801/lei-12654-12-a-identificacao-criminal-por-perfil-genetico-no-brasil> Acesso em: 05/05/2018.

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Com este pensamento, sustentam que a identificação criminal genética pode ocorrer

com um único fim: identificar. Pode soar bem redundante, mas o que os autores querem

expressar é que este procedimento somente será viável com relação a infrações penais em que

“a coleta de perfil genético em nada interferirá na produção de prova contra o indiciado”

(GRECO, 2013)72. Ou seja, segundo ele, não poderá o DNA servir para fins probatórios –

exceto quando houver anuência do indiciado ou se tratarem de vestígios encontrados fora do

corpo do indivíduo – sob pena de violação ao nemo tenetur se detegere. Nesse horizonte,

RANGEL (apud GRECO, 2013)73:

o perfil genético não poderá ser usado para outros fins que não a identificação criminal, tem caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial (art. 5º-A, parágrafo 2º, Lei 12654/12). Ora, a Lei é clara em dizer que a coleta de dados é para fins de identificação criminal para a essencialidade das investigações policiais. Usá-la fora disso será ilegal. (grifo meu)

No que tange às alterações legislativas realizadas na Lei de Execução Penal, contudo,

GRECO74 se posiciona claramente pela constitucionalidade. De acordo com o criminalista, já

se possibilita a realização de identificação datiloscópica e fotográfica contra a vontade do

condenado. Não teria porque trazer tratamento distinto ao método genético, até porque havendo

condenação transitada em julgado, não há mais que se falar em presunção de inocência, nem

no direito a não autoincriminação.

7.3. Argumentos pela inconstitucionalidade da Lei 12.654/12

Não são poucos os clamores pela declaração de inconstitucionalidade da Lei 12.654/12.

Tampouco são poucos os argumentos que justificam este modo de pensar.

Uma primeira justificativa – somente no âmbito das alterações promovidas na Lei

12.037/09 – seria a violação ao nemo tenetur se detegere – que decorre, por conseguinte, da

presunção de inocência. Ora, se ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, como

pode a autoridade policial forçosamente coletar material genético de um indivíduo com fins

predominantemente probatórios?

Diferente do que creem os pensadores supramencionados no tópico anterior, a doutrina

aqui interpreta o princípio que veda a autoincriminação de forma ampla, não englobando o mero

72 GRECO, Rogério. COLETA DE PERFIL GENÉTICO COMO FORMA DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL. Revista Jurídica Consulex nº 389. 2013. 73 GRECO, Rogério. Op., cit. 74 GRECO, Rogério. Op., cit.

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direito ao silêncio. CUNHA75 sugere a aplicação do Princípio da Interpretação Efetiva sobre

esse direito de defesa negativo, resultando no direito de não produzir prova contra si mesmo,

implícito na Carta Magna brasileira. De acordo com o autor, “obrigar alguém a fornecer

material para traçar seu perfil genético, mesmo que de forma indolor, é constrangê-lo a

produzir prova contra si mesmo.”

Inclusive, é esse sentido de interpretação ampliativa do princípio que tem os tribunais

superiores seguido recentemente. A título de exemplo, já entendeu o Supremo Tribunal Federal

válida a recusa do investigado em fornecer padrões gráficos do próprio punho com finalidade

pericial76. Igualmente, o Egrégio Tribunal decidiu pela validez da negativa de padrões vocais

com escopo probatório77. Há ainda precedente dos tribunais superiores que garantem o direito

de recusa a “soprar o bafômetro” – como já é de conhecimento comum.

BRITO E FABRETTI (apud VAY e SILVA, 2012, p. 13) fazem uma análise histórica,

contando que o princípio provém da expressão latina maior nemo tenetur prodere e ipsum, quia

nemo tenetur detegere turpitudinem suam que abrangeria não só o direito ao silêncio, como

também a vedação a autoincriminação compulsória e o direito de não produzir prova contra si

mesmo.

Cabe mencionar aqui, no entanto, que a discussão versa sobre o instante em que o

investigado recusa a liberação de seu corpo para retirada de DNA com estes fins. Não há

maiores discussões – sendo quase pacífico na doutrina – o entendimento de que amostras

desprendidas do corpo, encontradas na cena do crime ou em outro lugar podem legalmente ser

utilizados como prova no processo penal.

Outra virtuosa justificativa para alegar que a norma é inconstitucional decorre do

sistema predominantemente acusatório adotado pelo constituinte originário – consoante artigo

129, I, CRFB/198878. Lembremos que as bases de um modelo acusatório são a separação de

funções e a gestão da prova. O Estado-Juiz deve-se manter inerte e equidistante até ser

provocado pelos interessados e tem que garantir a imparcialidade – e por isso não pode produzir

75 CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12654/12 (identificação genética): nova inconstitucionalidade (?), 2012. Texto disponível em: <https://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/121814909/lei-12654-12-identificacao-genetica-nova-inconstitucionalidade> . 76 HC 77.135-8/SP, relator min. Ilmar Galvão, 1ª turma, j. 08.09.98. 77 HC 83.096/RJ, relatora min. Ellen Gracie, 2ª turma, j. 18.11.03. 78 O professor e juiz Sérgio Fernando Moro profere algumas críticas a este fundamento. Ele diz que que nos EUA há um modelo acusatório bem mais incisivo que o nosso, e nem por isso lá se reconhece direito dessa espécie. Até porque as bases desse sistema, quais sejam, a exigência de um acusador e que este prove a responsabilidade criminal do acusado persistem. Nada muda, apenas se exige que o acusado colabore na produção probatória, sob pena de não ser produzida prova relevante para o processo penal. (MORO, 2006, p. 06)

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elementos de prova. A função acusatória é própria do Ministério Público, órgão ao qual

incumbe exclusivamente o ônus da prova (em função do princípio da presunção de inocência),

restando a defesa rechaçar as alegações da acusação.

Permitir que o acusado produza provas contra si mesmo seria violar também o sistema

acusatório, portanto, uma vez que o investigado/réu estaria realizando o papel que deveria ser

chefiado pela acusação no processo penal. Segundo VAY e SILVA (2012, p. 13), “entender o

contrário seria exigir um inexplicável venire contra factum proprium, o que absolutamente não

pode ser admitido em um Estado que tem por princípio a dignidade da pessoa humana”.

Interessante mencionar ainda que a Lei 12.037/09 autoriza o juiz a decretar a identificação

criminal pelo perfil genético de ofício, o que significa dar ao órgão julgador a gestão da prova.

Aproximaria o processo penal brasileiro de um modelo inquisitório não adotado pela

Constituição da República.

Além disso, alguns autores anunciam que para obrigar o indiciado – e aqui também

valeria para o condenado – a se submeter a extração de material genético, seria preciso empregar

força física. Explica NICOLITT (2013, p. 15) nesse sentido:

O problema residirá quando não houver consentimento. No caso das intervenções invasivas, estas estariam vedadas pelo princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRF/1988), por afrontar o primeiro de seus componentes (teoria dos cinco componentes de Podlech e por coisificar o homem (fórmula-objeto de Durig) [...]

Já as intervenções não invasivas e não consentidas estariam proscritas pelo nemo tenetur se detegere, primeiramente e, também, pelo princípio da dignidade humana, pois, não havendo consentimento do indiciado, a colheita deverá ocorrer com o emprego de força sobre o corpo para vencer a resistência do indiciado, o que seria equivalente à tortura, nos termos da Convenção contra a tortura e outros tratamentos cruéis da Assembleia-Geral das Nações Unidas que fora ratificada pelo Brasil.79 (grifo meu)

Outro argumento muito utilizado por esta vertente doutrinária é que a medida prevista

em lei é desproporcional ante aos princípios do nemo tenetur se detegere e também dos direitos

fundamentais à intimidade genética, privacidade e integridade física. De início, NICOLITT e

WEHRS (2015, p. 152) explicam que a identificação criminal genética não é o meio adequado

para resguardar segurança jurídica, que nem sequer seria um direito fundamental. O próprio

constituinte trouxe em capítulo próprio a temática, resguardando-a.

Ainda que fosse adequado, entretanto, não seria necessário ao objetivo buscado. Há

meios menos gravosos, não violadores de direitos fundamentais, capazes de garantir a

79 NICOLITT, André. Banco de dados de perfis genéticos (DNA). As inconstitucionalidades da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013, p. 15.

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segurança pública ou buscar a verdade real – princípio este questionado por parte considerável

da doutrina à luz da inadmissibilidade de provas ilícitas no processo penal.

Finalmente, o procedimento genético não seria proporcional em sentido estrito,

conforme explicitam didaticamente VAY e SILVA (2012, p. 14):

[...] se diante de um caso concreto surgir dúvida sobre a possibilidade de se relativizar garantia fundamental do acusado em face de uma suposta posição favorável à pretensão acusatória, percebe-se uma exta hipótese em que, pelo contrário, é a pretensão acusatória que deva ser relativizada em nome da preservação de um direito de maior grandeza.

Em acepção semelhante a acima mencionada, também se encontram NICOLITT e

WEHRS (2015, p. 215):

Restou claro, ainda, que a intervenção corporal compulsória no particular, por meio da relativização de garantias fundamentais tão caras, a pretexto de garantir a segurança pública ou o direito de punir do Estado, não encontra refúgio na proporcionalidade e no princípio da proibição do excesso, em especial considerando-se que, conforme doutrina médico-legal, a datiloscopia é mais eficiente para descobrir-se a identidade de uma pessoa, sobretudo pelo fato de já haver banco de dados civil de impressões digitais. (grifo meu)

Portanto, não obstante sejam relativos, o princípio que veda a autoincriminação e os

direitos fundamentais à intimidade genética, privacidade e integridade física prevalecem sobre

um “interesse público” que em nada se confunde com aquele conceito difundido nas aulas de

Direito Administrativo da graduação. Até porque, como bem aduz o advogado do Instituto de

Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos, o DNA pode solucionar muitos

casos, mas também pode proporcionar algumas injustiças em outros – o que igualmente

conceberia o indesejado erro judiciário80.

E, sendo assim, não há outra conclusão senão a de que as provas obtidas através de

identificação criminal pelo perfil genético à luz da Lei 12.654/2012 seriam ilícitas, logo,

inadmissíveis no processo penal – devendo ser imediatamente desentranhadas dos autos, com

fulcro no artigo 157, caput, do Código de Processo Penal e no artigo 5º, LVI, da Carta da

República. NICOLITT81 elucida que

[...] a única interpretação conforme a constituição relativamente à lei em exame é a que, além da autorização judicial, exige consentimento informado do indiciado para a extração das amostrar biológicas mediante intervenção corporal.

80 Citação retirada de texto disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-26/pf-coleta-dna-condenados-

nao-fere-direito-fundamental> Acesso em: 27/04/2018. 81 NICOLITT, André. Banco de dados de perfis genéticos (DNA). As inconstitucionalidades da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013, p. 16.

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Quanto às mudanças oferecidas no âmbito da execução penal, as alegações de

inconstitucionalidade continuam. Ab initio, cabe destacar que é pacífico na doutrina brasileira

que quando a norma fala em “condenado”, necessariamente deve haver sentença condenatória

transitada em julgado, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.

Enfim, o primeiro fundamento para a inconstitucionalidade do artigo 9º-A da LEP é a

ausência de limite temporal para a extinção do perfil genético do condenado. Observe que a

identificação genética do condenado nada mais é do que um efeito condenatório. Podemos dizer

que os efeitos penais se submetem às mesmas regras da pena propriamente dita

(metaforicamente, “o acessório segue o principal”). E a Constituição de 1988, no artigo 5º,

XLVII, b), veda pena de caráter perpétuo. Portanto, por dedução básica, seria possível concluir

que os efeitos que dela decorrem também não poderiam o ser.

Mais que isso: o mesmo artigo 5º, XLVII, CRFB/1988, contudo agora na alínea e), veda

penas cruéis, das quais se incluem as de caráter corporal. Como já dito anteriormente, a

identificação genética é uma intervenção corporal, ainda que não invasiva (presumindo-se que

seja pelo swab bucal), porém que exige colaboração do condenado, sob pena da necessidade de

emprego de força física, que por conseguinte configuraria tortura – segundo parcela menor da

doutrina interna. Se são vedadas penas corporais – também em razão do artigo 5º, XLIX, da

Carta Constitucional – não há que se falar em efeito condenatório de cunho corporal. Não deve

sobreviver no ordenamento jurídico brasileiro efeito da pena mais grave que a pena

propriamente dita.

Apesar de não se aplicar aqui o princípio do nemo tenetur se detegere – afinal, o

condenado com decisão transitada em julgado não mais goza da presunção de inocência –

devemos ressaltar que, na visão desta parcela da doutrina, as alterações trazidas na LEP

violariam outro princípio: proibição do retrocesso (ou “Efeito Cliquet”), uma vez que traria de

volta resquícios de um direito penal de autor ao processo penal brasileiro. Segundo

MAHMOUD e MOURA (2012, p. 355), tal princípio

[...] encontra assento na Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 4º, n.3, relativamente à impossibilidade de restabelecer a pena de morte. Assim, em tempos de paz, sendo a privativa de liberdade a pena corporal mais rigorosa, não é viável, nesta quadra da evolução das instituições, retroceder para autorizar, ainda que a título de efeito da condenação, o avanço estatal sobre o organismo do ser humano. (grifo meu)

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Um último importante argumento a se destacar pela inconstitucionalidade do artigo 9º-

A da LEP é ressaltado por CUNHA e GOMES (apud GRECO, 2013)82. Dizem os professores

que a identificação do condenado pelo perfil genético não possui finalidade relevante ou

proporcional às restrições geradas: não é útil a nenhuma investigação em andamento, não

esclarece dúvida quanto à identidade civil, servindo meramente para abastecer banco de dados

sigiloso com escopo de prevenir crimes futuros. Assim, obrigar o condenado a se submeter a

esta ingerência seria desarrazoado e, portanto, inconstitucional, gerando uma “verdadeira

suspeita prospectiva” do sujeito identificado83.

7.4. Ensaio sobre o tema à luz dos Sistemas Jurídicos Estrangeiro

Neste tópico, buscamos trazer um apanhado geral de direito comparado acerca do objeto

de nosso trabalho. Para isso, trouxemos importantes referências de legislações alienígenas que

podem vir a influenciar o direito brasileiro – quais sejam: o modelo português, alemão,

espanhol e, por fim, argentino.

Primeiramente, quanto à Portugal, a Constituição da República não previu

expressamente o princípio que veda a autoincriminação. A melhor doutrina o compreende de

maneira implícita na Carta Maior. Entretanto, o Código de Processo Penal Português84 não

atravessou a temática calado: o artigo 61º, 1, d), garante ao acusado o direito a não

autoincriminação, na forma do direito ao silêncio. Já os artigos 343º, 1 e 345º, 1 garantem que

exercer este direito não poderá lhe trazer prejuízos no processo – ou seja, não pode contribuir

na formação da convicção do juiz.

Por outro lado, na contramão do princípio que veda a autoincriminação, o CPP

Português opta por permitir – desde que proporcionalmente e com consentimento judicial – a

realização de perícias no indivíduo, ainda que este não concorde. A previsão é do artigo 154º,

3. Mais especificamente, os artigos 171º, 1 c/c 172, 1 determinam a sujeição do indivíduo aos

exames necessários às investigações – o que, em nossa crença, inclui a extração de material

genético. Só é exigível a autorização judicial e que a medida seja proporcional ao fim visado,

garantindo-se o respeito à dignidade da pessoa humana durante a prática do procedimento

pericial (artigo 172º, 3).

82 GRECO, Rogério. COLETA DE PERFIL GENÉTICO COMO FORMA DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL. Revista Jurídica Consulex nº 389. 2013. 83 NICOLITT, André. Banco de dados de perfis genéticos (DNA). As inconstitucionalidades da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013, p. 16. 84

Acesso ao Código de Processo Penal Português em: < https://e-learning.mj.pt/dgaj/dados/0C/0CTEMA27.pdf > Acesso em 13/06/2018.

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No direito alemão também há previsão legal expressa do nemo tenetur se detegere. O §

136 da Ordenação Processual Penal Alemã (StPO) consagra o princípio segundo o qual

ninguém será forçado a se auto incriminar, proscrevendo-se emprego de meios degradantes,

cruéis e enganosos para cercear a liberdade de declaração do acusado (MARTELETO FILHO,

2012, p. 127-128). Em sentido semelhante ao português, o próprio StPO previu, no § 81 a

possibilidade de coleta de material genético do corpo do acusado, com finalidade probatória –

não estando limitado pelo nemo tenetur se detegere. Nos dizeres de LOPES JR (2016, p. 450):

Dispõe o § 81, a, da StPO que poderá ser determinada pelo juiz ou pelo Ministério Público (em situação de urgência) a extração de sangue, sempre que:

. seja de importância para o processo;

. seja realizada por um meio, segundo “as regras do saber médico”;

. não exista nenhum perigo para a saúde (do imputado).

Na Espanha, a Constituição reconhece expressamente o direito à não autoincriminação,

no artigo 17.3. Contudo, não existe no país qualquer impedimento para a realização de

intervenções corporais – dentre as quais inclui-se a identificação criminal pelo perfil genético.

ASSIS (2014, p. 72) traz uma relevante análise da previsão legal legitimadora da extração

compulsória de material genético no país:

Em sede de legislação infraconstitucional, verifica-se que a Ley de Enjuiciamiento Criminal em seus artigos 326 e 363, com as alterações decorrentes da Ley Orgánica nº 15/2013, regula a possibilidade de obtenção de amostras corporais para a prática de análise de DNA.74 Anteriormente a tal regulação normativa, a doutrina espanhola se posicionava pela impossibilidade de intervenções corporais para obtenção de sangue ou outro material genético do indivíduo, ou para obtenção de informações relevantes sobre o fato criminoso e a elucidação da verdade, baseando-se na ausência de expressa e específica previsão legal.

Doutrinariamente, porém, entende-se pela necessidade de autorização judicial para a

realização do procedimento genético, respeitados os princípios da dignidade da pessoa humana

e da proporcionalidade – vedando-se completamente a medida, por exemplo, quando colocar

em risco a saúde do acusado.

Verifica-se então, que a discussão existente no país não se pauta pelo princípio do nemo

tenetur se detegere.

Finalmente, no âmbito da América do Sul, destacamos a Argentina – cujo regime

jurídico é semelhante ao da maioria dos países vizinhos, como Chile e Peru. Por lá, o artigo 18

da Constituição expressa que ninguém é obrigado a declarar contra si mesmo. É a

materialização da vedação à autoincriminação. No mesmo sentido, o artigo 296 do Código de

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Processo Penal do país assegura o direito ao silêncio do imputado. Nada disso, todavia, impediu

o legislador argentino de possibilitar ingerências corporais contra a vontade do indivíduo.

Assim, o artigo 218 do CPP local garante ao juiz o poder-dever de inspecionar física e

mentalmente o imputado, quando julgar necessário. Mais especificamente, o artigo 218-bis do

mesmo diploma, acrescentado pelo artigo 1º da Lei 26.549/2009, previu que o juiz poderá

determinar a extração de DNA do imputado, quando essencial para sua identificação ou para as

investigações em curso.

No âmbito jurisprudencial, já deliberou diversas vezes a Suprema Corte Argentina no

sentido da viabilidade desta ingerência corporal genética85.

7.5.Jurisprudência dos Tribunais (e em especial do STF) sobre a matéria

Como já foi dito e repetido algumas vezes ao longo deste trabalho, o DNA já foi

protagonista no desenlace de muitas investigações ao redor de todo o planeta. No território

nacional, isso não foi diferente. À título de exemplo, podemos citar os casos Pedrinho e

Nardoni. No primeiro, provou-se a partir do DNA obtido em uma “bituca” de cigarro descartada

que duas crianças – Pedrinho e Roberta Jamilly – haviam sido sequestradas logo após nascerem

por sua “suposta mãe”. Da mesma maneira, no caso Nardoni – de grande repercussão nacional

– o DNA foi decisivo para pronunciar Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá à júri popular

pela morte de Isabella Nardoni – filha e enteada, respectivamente, dos pronunciados

(MONTALVÃO apud MARTINS, 2013, p. 31).

Outro caso de relevante destaque em nosso país foi envolvendo o ex goleiro do

Flamengo, Bruno, acusado e condenado por participar do assassinato de Eliza Samúdio. Nesta

circunstância, todavia, o jogador se recusou a fornecer material biológico para fins periciais que

poderiam prejudica-lo no processo criminal (ZATZ, 2016, p. 176).

Não obstante já ter sido demonstrado a relevância da identificação criminal genética na

elucidação de casos criminais em nosso país, não há ainda jurisprudência consolidada dos

tribunais superiores nesta esfera. O máximo que temos é uma tendência do Supremo Tribunal

Federal – com base em julgados pretéritos – em dar interpretação ampliativa ao princípio do

nemo tenetur se detegere. Isso ocorreu, por exemplo, no HC 69.026-DF, julgado em dezembro

de 1991, em que a 1ª turma do Supremo decidiu não ser cabível obrigar o acusado a participar

de reconstituição de crime, sob pena de violação do direito à não autoincriminação. Com

85 À título de exemplo, mencionamos o case H.G.S. y otro – CSJN – Fallos 318:2518 – retirado do texto de MORO,

Sérgio Fernando. COLHEITA COMPULSÓRIA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA EXAME GENÉTICO EM CASOS CRIMINAIS; 2006, p. 05.

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mesmíssima fundamentação, desobrigou o investigado de fornecer padrões gráficos visando

comprovação do delito de falsificação de documento – HC 77.135, julgado em setembro de

1998, também pela 1ª turma. Seguindo entendimento de nossa Corte Suprema, igualmente o

STJ já se posicionou nesse sentido: veja o HC 166.377-SP, julgado em junho de 2010 pela 6ª

turma. Nesse caso, o Superior Tribunal confirmou a impossibilidade de obrigar condutor de

veículo a soprar o “bafômetro” para comprovar níveis de álcool ou substância análoga no

sangue.

Contudo, quando falamos em identificação criminal pelo perfil genético, à luz da Lei

12.654/2012, a questão fica mais nebulosa. Isto porque, como já dito, não há nenhuma

jurisprudência específica de tribunal superior no Brasil versando sobre a temática na órbita

penal. Os casos abaixo mencionados guardam relação com o assunto, porém todos eles têm

peculiaridades próprias que os afastam de ser um precedente ideal para a matéria.

Iniciemos pelos julgados que rodeiam o campo familiar. O primeiro e mais relevante

deles foi o HC 71.373-RS, envolvendo investigação de paternidade. Aqui, o Supremo Tribunal

Federal se pronunciou pela concessão da ordem, garantindo o direito do suposto pai de não ser

obrigado a fornecer seu material biológico. Eis a decisão:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. (STF - HC: 71373 RS, Relator: FRANCISCO REZEK, Data de Julgamento: 10/11/1994, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 22-11-1996 PP-45686 EMENT VOL-01851-02 PP-00397)

Um dos votos de maior destaque neste julgamento foi o do ilustríssimo ministro Marco

Aurélio Mello, segundo o qual é “irrecusável o direito do paciente de não permitir que se lhe

retire, das próprias veias, porção de sangue, por menor eu seja, para a realização do exame”.

Interessante mencionar também que alguns dos votos favoráveis ao paciente fundamentaram

sua decisão na ideia de que, do outro lado, o direito envolvido seria de índole patrimonial – o

que gerou muitas críticas por parte dos ministros vencidos.

Da mesma maneira, no HC 76.060-4/SC, a 1ª Turma do STF teve decisão similar. Aqui,

porém, tratava-se de caso de “submissão compulsória do pai presumido em ação movida por

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terceiro que pretendia o reconhecimento da condição de pai biológico” (MORO, 2006, p. 07).

Em seus votos, os egrégios levaram em conta muito mais o princípio da proporcionalidade do

que a integridade física do paciente para decidir em seu favor. Tal assertiva se comprova pelo

fato dos ministros vencidos no julgado supramencionado nos parágrafos anteriores, neste terem

optado por conceder a ordem ao indivíduo.

No campo do direito penal, o caso de maior destaque no Brasil envolveu a cantora e

atriz mexicana Glória Trevi. Enquanto detida junto à Polícia Federal, alegou ter sido estuprada

por autoridades policiais brasileiras. A gravidez da atriz teria decorrido deste estupro. Diante

disso, foi feito pedido para realização de exame de sangue para esclarecimento do ocorrido. Os

policiais federais envolvidos no caso da cantora se predispuseram a fornecer material genético

para esses fins, porém Glória se recusou.

Após muitas polêmicas, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal na Reclamação

2.040-1/DF. Nesta sede, autorizou o tribunal superior a utilização da placenta para o exame de

DNA em virtude da honra de 61 policiais federais em risco, que prevaleceria sobre a intimidade

genética da extraditanda. Segue a ementa da decisão:

Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averiguação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa", "persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5º, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da

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reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante.

(STF - Rcl-QO: 2040 DF, Relator: NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 21/02/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP-00129)

Veja que o caso em análise tem singularidades próprias que o tornam sui generis:

envolve a moralidade de uma instituição pública, honra de dezenas de agentes públicos, além

de se tratar de exame sobre “lixo biológico hospitalar”, descartado após o parto. Logo, o objeto

de perícia seriam resquícios desprendidos do corpo da pessoa, não caracterizando, portanto,

uma intervenção corporal propriamente dita – semelhante ao que ocorreu no já mencionado

“caso Pedrinho”.

Em outra decisão, agora na Reclamação 24.48486, a Ministra Cármen Lúcia – atual

presidente do STF – cassou decisão do TJMG que impedia a coleta de material genético de

condenada por homicídio qualificado. Antes, o juiz da Vara de Execução Penal havia admitido

o pedido do Ministério Público, porém a Defensoria recorreu e obteve acórdão favorável na 5ª

Câmara Criminal do TJMG, que alegou violação dos princípios constitucionais da presunção

de inocência e da não autoincriminação da sentenciada. O MP/MG recorreu ao STF e, neste

contexto, Carmen Lucia acabou por cassar a decisão do referido tribunal de justiça. No entanto,

sua fundamentação não dotava aspectos materiais do assunto, mas mera alegação de violação

da reserva de plenário pela Câmara Criminal. Segundo ela, haveria manifesto desrespeito à

Súmula Vinculante 10 do STF, que proíbe órgãos fracionários de tribunais de afastarem, no

todo ou em parte, a incidência de lei ou ato normativo do poder público sob alegação de

inconstitucionalidade. Sendo assim, a questão ainda não está definida: a relatora determinou

novo julgamento da questão, agora pelo Órgão Especial do Tribunal de Minas.

Por fim, trazemos aqui decisão liminar de final de 2017 da ministra do STJ Laurita Vaz,

no HC 407.62787: a defesa recorreu ao Superior Tribunal de acórdão do tribunal de justiça de

Minas Gerais, que deferiu pedido ministerial de coleta compulsória de material genética de

condenado por homicídio qualificado. Na ocasião, foi alegada violação aos princípios da

presunção de inocência e nemo tenetur se detegere, bem como inconsistências éticas e

científicas do procedimento. Apesar disso, a ministra negou a liminar, argumentando que

Não há falar-se em fumus boni iuris, porquanto a Lei 12.654/12 determina a coleta de material genético como forma de identificação criminal,

86 Ver mais em: <https://www.conjur.com.br/dl/stf-cassa-decisao-proibia-coleta-dados.pdf> Acesso em: 03/05/2018. 87 Ler mais em: <https://www.conjur.com.br/2017-ago-07/stj-admite-coleta-material-genetico-identificacao-criminal> Acesso em: 17/05/2018.

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seja durante as investigações, para apurar a autoria do delito, seja quando o réu já tiver sido condenado pela prática de determinados crimes, tais como: dolosos com violência de natureza grave contra pessoa ou hediondos.

O mérito da questão ainda não foi julgado e caberá à 5ª turma do tribunal superior, sob

relatoria do ministro Félix Fischer.

Notem, então, que não há na jurisprudência interna decisão definitiva sobre a validade

ou não da identificação criminal pelo perfil genético. As decisões existentes envolvem questões

de direito de família ou possuem peculiaridades que as tornam sui generis. Ou ainda não

exploraram os aspectos materiais do assunto, como por exemplo, eventuais ofensas ao direito à

intimidade ou ao princípio que veda a autoincriminação.

Entretanto, a polêmica pode estar – ao menos parcialmente – se aproximando de um

fim. O recurso extraordinário 973.837/MG, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, teve

repercussão geral reconhecida e aguarda julgamento, que discutirá as alterações conduzidas

pela Lei 12.654/2012 na Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

7.6. Visão do Autor: afinal, é a Lei 12.654/12 constitucional ou inconstitucional?

A resposta à pergunta feita no título do tópico é a mais comum entre advogados e juristas

atuantes em nosso país: depende. Em nosso entendimento, a conclusão varia consoante as

alterações promovidas pela Lei 12.654/2012. Em razão disso, dividiremos o tópico em duas

partes: na primeira, esmiuçaremos nossa opinião quanto aos dispositivos da Lei 12.037/09. Por

fim, encerraremos dispondo sobre o artigo 9º-A da Lei de Execução Penal.

No que tange às mudanças trazidas na Lei de Identificação Criminal de 2009,

entendemos sê-la constitucional. Data vênia o posicionamento de parte da doutrina e também

atualmente sustentada pelo Supremo Tribunal Federal em casos análogos, filiamo-nos a

corrente que, preliminarmente, interpreta o princípio do nemo tenetur se detegere de maneira

restritiva, isto é, unicamente como direito ao silêncio, proteção contra ingerências corporais

invasivas e ilegais, bem como garantia de que não será obrigado a se comportar ativamente na

produção de provas que podem lhe ser desfavoráveis. Não há nos sistemas jurídicos alienígenas

e nem mesmo no direito internacional normas que suficientemente comprovem a natureza

ampliativa do princípio que veda a autoincriminação – na verdade, os textos legais expressos,

em regra, limitam-se aos pontos supramencionados neste parágrafo.

A identificação criminal pelo perfil genético, no curso das investigações, já precisa

passar pelo crivo do judiciário, que analisará se no caso concreto a medida é realmente

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proporcional ao fim probatório a que se destina. Se fosse inconstitucional, como alguns

sustentam, também o seriam as interceptações telefônicas, quebra do sigilo fiscal e bancário,

bem como a busca e apreensão. Todas acabam por afetar a intimidade e vida privada do sujeito

e dependem de autorização do juiz para se efetivar na prática criminal.

Além disso, quase todos os países do mundo – inclusive os aqui mencionados no tópico

7.4. – preveem expressamente esta possibilidade, não obstante conservem um sistema

acusatório de processo penal e vivam em um Estado Democrático de Direito. A grande maioria

desses Estados, aliás, estão algumas escalas de desenvolvimento acima do nosso.

Mais que isso, o artigo 5º, II, da Carta Constitucional de 1988 garante que “ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Mais

especificamente, o inciso LVIII do mesmo dispositivo dispõe que “o civilmente identificado

não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.” Pois bem,

interpretando essas duas normas conjuntamente, entendemos que a Lei 12.654/12, que

excepcionalmente obriga alguém a se submeter a identificação criminal genética, possui

legitimidade e validade.

Ademais, não há que se falar em intervenção corporal invasiva. A técnica utilizada para

o procedimento, via de regra, é o “swab bucal”, que retira material genético do indivíduo por

meio da saliva. Dura segundos e não altera em nada a dinâmica corporal do sujeito identificado.

Assim, se percebe que não há razões jurídicas suficientes para impossibilitar o uso de

uma técnica tão moderna e efetiva de solução de casos criminais. Lembremos que a efetividade

que aqui nos referimos não é só na condenação de criminosos – buscando maior segurança

pública e eficiência na persecução penal – mas também na absolvição de inocentes injustamente

condenados, evitando o gravíssimo erro judiciário.

No entanto, é preciso fazer uma ressalva. Acreditamos que a lei foi demasiadamente

rasa ao tratar do assunto. Deveria ter desenvolvido melhor aspectos relativos ao princípio da

proporcionalidade, assim como fizeram inúmeros países, inclusive na América do Sul, como

Argentina e Chile. O que quero dizer com isso é que a Lei 12.654/12, a despeito de ter trazido

método absolutamente benéfico à persecução penal, precisaria apresentar maiores

preocupações com garantias do acusado.

Nessa perspectiva, entendemos que a lei poderia expressamente prever como requisito

para a identificação biológica a existência de indícios mínimos de autoria e materialidade.

Também limitar a aplicação de tal método apenas as hipóteses em que não houvessem riscos à

saúde física ou mental do investigado. Além disso, justo seria garantir a extração do material

genético por profissional da saúde devidamente habilitado para esta função. E, por fim,

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restringir a técnica apenas a crimes com determinada pena mínima – semelhante ao que fez o

legislador na Lei 9.296/1996 (Lei das Interceptações Telefônicas) – evitando, então, sua

banalização, além de diminuir o custo de investimento que se exige para sua implementação.

Diante dessa posição, precisamos resolver, de imediato, quais seriam as consequências

para quem se recusasse à submissão ao método identificátorio por perfil genético. Esclarecemos

desde logo nossa posição completamente contrária à presunção de culpabilidade do investigado,

como alguns sustentam. Não podemos nos desapegar da noção de que a o princípio da

presunção de inocência – previsto no artigo 5º, LVII, CRFB/1988 – é garantia fundamental e

cláusula pétrea. Sendo assim, a solução não é simplesmente ignorar um dos mais importantes –

senão o mais – princípios constitucionais e trazer presunção juris tantum de culpa para aqueles

que dissentem em participar do exame pericial, assim como ocorre no âmbito das investigações

de paternidade.

Víamos como viáveis duas possibilidades – das quais apenas uma permanece sólida. A

primeira delas seria a condução coercitiva, prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal,

que preleciona no sentido de que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório,

reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá

mandar conduzi-lo à sua presença.” Todavia, esta sugestão está gravemente enfraquecida com

a decisão do Supremo Tribunal Federal nas ADPFs 395 e 444, nas quais entendeu por maioria

de 6 a 5 pela não recepção desta intervenção forçada pela Constituição de 1988 – decisão da

qual, data vênia, discordamos, apesar de acatarmos.

Não coaduno com a ideia, porém, de que o uso da força física para identificação genética

do acusado caracterizaria tortura, pois para uma conduta ser criminosa, precisa de três

elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. No ato em questão, não há ilicitude no ato da

autoridade policial, haja vista que agirá em estrito cumprimento do dever legal – artigo 23, III,

do Código Penal. De maneira semelhante ocorrerá quando um acusado impossibilitar entrada

de autoridade policial com mandado de busca e apreensão em sua residência. Igualmente, o uso

inadequado da interceptação telefônica levaria a violação da privacidade, intimidade e honra do

acusado, contudo, cumpridos os requisitos legais para sua utilização, o ato da autoridade

policial, apesar de típico, não será ilícito, vez que atua amparado pelo supracitado artigo do

código penal brasileiro.

Outra possibilidade, concomitante à mencionada dois parágrafos atrás, é ainda mais

aceita nas doutrinas interna e alienígena: caracterização do delito de desobediência, na forma

do artigo 330 do diploma penal de 1940. É isso que ocorre, por exemplo, se diante de um

mandado de busca e apreensão, se nega o indivíduo a abrir sua casa para a autoridade estatal.

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Finalmente, concebemos como imperioso fazer um adendo de natureza hipotética. Se o

Supremo Tribunal Federal, futuramente, vir a reconhecer a inconstitucionalidade das alterações

promovidas na Lei nº 12.037/2009, por consequência natural, as provas obtidas a partir da

extração compulsória de material genético do investigado serão ilícitas – assim como as dela

derivadas (Teoria dos frutos da árvore envenenada) devendo, portanto, ser imediatamente

desentranhadas dos autos do processo (artigo 157, caput e parágrafo primeiro, do CPP).

Todavia, se a prova pericial obtida através do DNA, contra a vontade do investigado/réu, vir a

lhe favorecer no processo, poderá ser admitida, em razão da proporcionalidade pro reo que

vigora no processo penal brasileiro. Assim entendemos, afinal o que está em jogo são dois dos

bens mais valiosos de um ser humano: a liberdade e a dignidade.

Por outro lado, o acréscimo do artigo 9º-A pela Lei 12.654/2012 na Lei de Execução

Penal, em nossa concepção, é inconstitucional. Eis abaixo as razões que justificam este modo

de pensar.

Primordialmente, a inconstitucionalidade se justifica pela vedação constitucional à pena

perpétua, no artigo 5º, XLVII, b) da Constituição Federal de 1988. Como já dito em tópico

anterior, não faria sentido admitir um efeito da pena que perdure por mais tempo que a pena

propriamente dita. Sendo esta regra cláusula pétrea, nem uma Emenda Constitucional seria

capaz de suprir tamanha ilicitude.

Em sequência, alertamos que a identificação do condenado não almeja nenhum fim

atual, apenas futuro. A doutrina majoritária, aqui, em virtude disso, opta pela inaplicação do

princípio da presunção de inocência, pois o indivíduo já teria condenação transitada em julgado.

Data vênia, discordamos. É sabido que o escopo dessa norma é prevenir crimes futuros, em que

a investigação criminal não esteja caminhando para o fim esperado. Ou seja, manter um banco

de dados de perfil genético de condenados por prevenção é antecipar suspeitas sobre um

indivíduo. Atrevemo-nos a afirmar que seria uma espécie de “presunção de culpabilidade” de

um crime que nem sequer veio a ocorrer ainda. O indivíduo já tem sua presunção de inocência

violada por antecipação, antes mesmo da prática da infração penal, o que é um completo

absurdo.

Por último, entendemos que a medida transgrediria o princípio da proporcionalidade,

mais especificamente nos subprincípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido

estrito. A priori porque é uma técnica que exige estruturação bastante onerosa, cujo finalidade

é a prevenção de supostos crimes futuros que possam vir a existir. Quer dizer, figura-se aí o

elemento da incerteza e do risco, afinal, é possível que a infração penal em questão jamais venha

a ocorrer. Soa, por isso, totalmente desproporcional a medida. Além disso, há meios menos

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gravosos – e talvez até mais baratos que previnem delitos, como por exemplo, investimento

inteligente e profissionalizante em segurança pública, melhoramento das condições dos

presídios, medidas efetivas de ressocialização do criminoso, dentre outros a serem

desenvolvidos em estudo próprio.

Portanto, podemos concluir que na visão do autor, a identificação criminal pelo perfil

genético à luz da Lei 12.654/12 realizada em indiciados ou investigados é constitucional.

Entretanto, se realizada em condenados por crimes hediondos ou dolosos praticados com

violência grave à pessoa, entendemos como inconstitucional.

7.7. Seria a prova originada da identificação criminal pelo perfil genético

irrefutável no processo penal?

Com o advento das novas tecnologias, se criou o mito da verdade absoluta, que já atraiu

e ainda atrai parcela relevante da população mundial. CALLEGARI, WERMUTH e

ENGELMANN (2012, p. 49) bem explicam que:

(...) a explosão das neurociências alimenta o sonho de uma verdade humana que pode ser lida por meio da ciência, como é o caso do detector de mentiras. Junte-se a isso a “medical imaging” e o “brain mapping”, que representam a esperança humana de poder fotografar os pensamentos (Garapon, 2010).

É preciso o máximo de cautela para não incorrermos nesse grave erro. A prova adquirida

a partir do DNA é realmente muito atraente e sedutora, mas está longe de ser absoluta ou

irrefutável. O juiz, então, deve analisá-la junto às demais provas produzidas no processo penal,

sem hierarquização. Nesse horizonte, LOPES JR (2012, p. 06):

Sob o manto do saber científico, opera-se a construção de uma (pseudo)verdade, com a pretensão de irrefutabilidade, absolutamente incompatível com o processo penal e o convencimento do juiz formado a partir do contraditório e do conjunto probatório.

Sequencialmente, o autor traz diversas situações que podem colocar em risco a

fiabilidade da prova genética. À título de exemplo, um fio de cabelo ou saliva encontrado na

cena de um bárbaro crime indica, no máximo – e ainda sem 100% de certeza – que aquela

pessoa esteve naquele local, e não que cometeu o crime. Para comprovar o nexo de causalidade,

outros aspectos probatórios far-se-ão necessários.

Um caso que bem expõe o perigo na crença de que o DNA é a “rainha das provas” é

mencionado pelo advogado Ronaldo Lemos em encontro organizado pelo Supremo Tribunal

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Federal em maio de 201788. No fato exposto, um taxista ficou encarcerado por quase um ano

após a prova genética indica-lo como culpado de determinado homicídio. Descobriu-se

posteriormente, no entanto, que na verdade ele detinha uma doença que o fazia deixar restos

genéticos em quantidades acima do comum por onde passasse – e somente por isso foi

encontrado seus componentes no local do crime.

Esse, no entanto, não é o único problema envolvendo esta espécie probatória. LOPES

JR (2012, p. 06) expõe ainda os riscos de contaminação das amostras em razão de ambientes

indevidamente esterilizados ou até mesmo manipulação, visando fraudar o DNA89. Isso

demonstra que a autoridade policial, diante de uma prova genética, não pode simplesmente

abandonar a investigação criminal ou ignorar outras possibilidades. Jamais poderemos concluir

apressadamente pela autoria da infração penal, sob pena de incorrermos em gravíssimo risco de

cometer equívocos irreversíveis, afinal – não custa lembrar – estamos lidando com a liberdade

dos indivíduos.

Portanto, o juiz deve se valer do seu livre convencimento motivado para analisar todas

as provas produzidas no processo penal antes de formar sua convicção, não caindo no “mito da

verdade absoluta do DNA”. A própria exposição de motivos do Código de Processo Penal já

diz por nós: “todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou

necessariamente maior prestígio que outra”, inclusive a confissão. Do contrário – se fossem as

provas genéticas absolutas nas causas criminais – não precisaríamos mais de juízes. Bastariam

os peritos para formarem seus laudos que suficientemente condenariam ou inocentariam os

indivíduos (LOPES JR, 2016, p. 457-458).

88 Ler mais em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-26/pf-coleta-dna-condenados-nao-fere-direito-fundamental> Acesso em 13/05/2018. 89 Aury Lopes Jr., no texto aqui mencionado, chama atenção para uma matéria de jornal do “The New York Times” sobre a facilidade de inserir o material genético de uma pessoa que se tenha acesso em determinado local desejado, com a finalidade, por exemplo, de incriminá-la. Essa matéria pode ser acessada no seguinte link, também disponível no texto deste autor: <https://www.nytimes.com/2009/08/18/science/18dna.html>.

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8. CRÍTICA SOCIAL ACERCA DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL PELO

PERFIL GENÉTICO NO BRASIL

Finalizaremos o presente trabalho trazendo um pouco dos riscos envolvidos na criação

de um banco de dados pelo perfil genético de condenados por crimes hediondos ou cometidos

com violência grave à pessoa. Juntaremos, ainda, nos “acréscimos do jogo” um correto elogio

feito pelo autor Thiago Ruiz à sistemática criada na Lei 7.210/1984.

De início, devemos refletir sobre as mudanças advindas na execução penal. Parece-nos,

que ao criar uma modalidade identificatória com escopo de prevenção de crimes futuros, a Lei

12.654/2012 já está dizendo, em outras palavras, que aqueles condenados têm tendências

criminosas e que, por isso, devemos estar constantemente atentas aos seus atos. Soa como o

retorno do determinismo de Cesare Lombroso – criador da Tese do Criminoso Nato – segundo

a qual determinados indivíduos já nasciam afetados à delinquência e que isso poderia ser

previsto e prevenido através da ciência.

Apesar da norma limitar a extração de DNA aos aspectos não codificantes do mesmo –

não revelando, assim, aspectos comportamentais do sujeito identificado – ainda assim, no

mínimo, resgatamos resquícios de um verdadeiro Direito Penal do Autor, eis que as suspeitas

se fundamentam em razão do ser, não do fato praticado. De igual maneira pensam NICOLITT

e WEHRS (2015, p. 22):

(...) a lei criou espécie de novo efeito da condenação penal, com o aparente intuito de criar banco de dados de pessoas consideradas potenciais riscos de prática delitiva (pessoas perigosas). Sujeita-se, assim, à possibilidade de que seja instaurado verdadeiro estado de vigilância a egressos do sistema penitenciário, mesmo após o cumprimento de suas penas. (grifo meu)

Seguindo essa lógica, há forte tendência dessa nova regra fortalecer ainda mais a

seletividade penal já existente em nosso país, uma vez que “ratificou-se a seleção dos

“inimigos” do Estado, que, agora, são também estigmatizados por meio de suas informações

genéticas.” (RUIZ, 2013, p. 04).

Em outros países, esse sistema já corroborou, por exemplo, o racismo institucional

enraizado em nossa sociedade. De acordo com NICOLITT (2013, p. 15), o Brasil inclina-se a

caminhar na mesma direção:

(...) o sistema inglês é seletivo, pois três em cada quatro jovens negros possuem seus registros em arquivos sem o equivalente na população branca. Negros e outras minorias étnicas estão sobrerrepresentados no banco de dados inglês. Como seria no Brasil, marcado pela seletividade penal?

Por outro lado, um importante elogio precisa ser feito ao artigo 9º-A da Lei de Execução

Penal – não obstante o consideremos inconstitucional. A norma restringe a identificação

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criminal pelo perfil genético apenas a crimes mais graves, quais sejam: hediondos e cometidos

com violência grave à pessoa. Com isso, evitamos um crescimento exponencial do número de

pessoas mantidas no banco de dados existente. Assim bem preleciona Thiago Ruiz90:

Ainda, merece consideração o fato de a novel lei limitar os delitos que podem ensejar a inscrição no banco de dados, posto que o uso indiscriminado do banco de dados como nos casos de previsão de inserção de perfil genético criaria o risco real de toda a população, direta ou indiretamente, restar gravada ou possa ser detectada por meio de buscas pelo parentesco genético. Tal risco reflete na possibilidade de que pessoas que sequer incorreram em condutas criminosas tenham seu perfil genético devassado em razão de similitude familiar, uma vez que as características genéticas são compartilhadas por parentesco. (grifo meu)

Em nosso entendimento, esta restrição deveria também ser promovida no âmbito da Lei

12.037/2009, como já explicitamos oportunamente no tópico 7.6. desta obra.

90 RUIZ, Thiago. Banco de dados de perfis genéticos e identificação criminal: breve análise da Lei 12.654/2012. Boletim IBCCRIM, 2013, p. 04.

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9. CONCLUSÃO

Caminhando para o fim deste trabalho, nos resta relembrar alguns pontos de maior

importância aqui dispostos. Ab initio, lembrar que desde 2012, com o surgimento da Lei

12.654/2012, o processo penal brasileiro passa a contar com três procedimentos de identificação

criminal: fotográfica, datiloscópica e – ai está a novidade! – pelo perfil genético.

Alvo de muita polêmica na doutrina e jurisprudência nacionais, a extração compulsória

de DNA de indiciados e condenados – com trânsito em julgado – por crime hediondo ou com

violência grave à pessoa trazem à tona discussões acerca de possíveis violações a princípios e

direitos fundamentais de índole constitucional – como por exemplo, presunção de inocência,

nemo tenetur se detegere, intimidade, vida privada, vedação às provas ilícitas, proibição do

retrocesso, humanidade da pena, dentre outros.

Devemos memorizar ainda que a finalidade de ambas é distinta. À luz da Lei

12.037/2009 (identificação de indiciados – conforme necessidade das investigações, artigo 3º,

IV, desta lei), o fim é probatório, eis que o DNA, nesta perspectiva, é muito eficaz, apesar de

não ser irrefutável (devendo ser analisada pelo juiz junto a todo conjunto probatório produzido

no processo).

Nesse âmbito, entendemos as alterações como constitucionais. Primeiro, porque

interpretamos o princípio que veda a autoincriminação de maneira restritiva, não englobando

comportamentos passivos do investigado. Ademais, parece ser uma tendência mundial – como

vimos no tópico 7.4 – a inclusão destas medidas como auxílio efetivo à persecução criminal,

até mesmo nos países que preveem o nemo tenetur se detegere em suas Cartas Constitucionais

e cujos modelos processuais penais são o acusatório. Por fim, respeita o princípio da

proporcionalidade, eis que é de grande valia na luta contra os erros judiciários, já tendo sido

muito utilizado na prática judiciária inocentando pessoas.

Por outro lado, no contexto das execuções penais – Lei 7.210/1984 – a finalidade não é

atual, mas futura: prevenir delitos que possam vir a ocorrer posteriormente. Nessa acepção,

entendemos a mudança legislativa como inconstitucional por três razões: 1ª) violação ao artigo

5º, XLVII, b) da Constituição da República (que veda pena perpétua em nosso país); 2ª)

transgressão, por antecipação, do princípio da presunção de inocência do indivíduo no que tange

ao suposto crime futuro; 3ª) desrespeito ao princípio da proporcionalidade, eis que trata-se de

uma restrição aos direitos e garantias fundamentais de um indivíduo visando prevenção de

infrações penais que talvez jamais venham a existir.

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