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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS MESTRADO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA MARIA HELENA MACHADO FARINA PORQUE SOMOS HELENAS Uma passagem entre linguagens São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA

MARIA HELENA MACHADO FARINA

PORQUE SOMOS HELENAS Uma passagem entre linguagens

São Paulo

2011

MARIA HELENA MACHADO FARINA

PORQUE SOMOS HELENAS: Uma passagem entre linguagens

Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito obrigatório à obtenção do título de mestre em Educação, Arte e História da Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Rizolli

São Paulo

2011

MARIA HELENA MACHADO FARINA

PORQUE SOMOS HELENAS: Uma passagem entre linguagens

Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito obrigatório à obtenção do título de mestre em Educação, Arte e História da Cultura.

Aprovada em 26 de agosto de 2011.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Marcos Rizolli – Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Mirian Celeste F. Dias Martins – Examinadora Interna

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Janete de Andrade Sartori – Examinadora Externa

Faculdade Mozarteum de São Paulo

Aos meus sobrinhos Vinicius, Felipe, Pedro e Fábio.

AGRADECIMENTOS

Ao MackPesquisa, cujo apoio foi fundamental para a realização deste trabalho.

À minha mãe, Maria Lucia Machado, que sempre me apoiou e ajudou.

Ao meu querido orientador, Professor Doutor Marcos Rizolli, que acreditou

mais em mim do que eu mesma.

À querida amiga Keller Regina Duarte, que nunca me deixou desistir e sempre

me ajudou em tudo que pôde.

À Adriana Pessolato, que mandou de Paris um texto sobre Helene Schjerfbeck,

que foi fundamental para o meu trabalho.

Aos meus queridos professores e colegas do curso Educação, Arte e História

da Cultura, que foram essenciais no meu processo.

À banca examinadora, pelas contribuições no direcionamento do trabalho.

À Professora Doutora Mírian Celeste, pelas preciosas sugestões.

Ao meu querido irmão Roberto Machado Farina (Bé), pela disponibilidade em

me ajudar na composição do painel de autorretratos.

À Míriam Dascal, que iluminou meu caminho com sua sabedoria e sua dança.

Ao amigo Aírton dos Santos Filho (Antenorzinho), pela ajuda no cenário e na

iluminação.

À amiga Milene Féo e seu grupo Agruppaa, que ajudaram a me “destravar” nos

primeiros ensaios.

Ao amigo Fábio Vinasci, que me ajudou na elaboração do roteiro.

Às amigas: Beth Ziani, Celi Denise Cavallari e Mônica Cossalter pela

disponibilidade em me ajudar sempre que precisei.

À Fernanda Pereira, pela revisão do meu texto.

À Joana Salles, pela concepção do figurino.

À Maria Isabela Farina, por ceder o espaço para gravação do vídeo.

Aos amigos Rui Minharro e Edson Assunção, pela gravação do vídeo.

Diante de um autorretrato revejo, revivo

(chegando, às vezes, às raias da

alucinação) minhas próprias paradas

diante do espelho (Philippe Lejeune).

RESUMO

A presente pesquisa consiste no estudo e registro da semiose na

passagem da linguagem pictórica para a cênica de alguns autorretratos da

pintora finlandesa Helene Schjerfbeck. Busca compreender o percurso criativo

e o processo de construção e desconstrução existentes nesta passagem em

um contexto de espaço e tempo diferentes. Registra o trabalho de criação em

seu movimento, em sua forma imprecisa, problemática, instigante, com o intuito

de trazer novas utilizações dos códigos da linguagem cênica, por meio do

rompimento dos limites entre as linguagens artísticas, em que novas

possibilidades criativas surgem. Constitui um desafio de comunicação e

interação de universos próximos, porém distintos. Investiga de que maneira a

síntese interpretativa da vida desta artista plástica em seus autorretratos pode

ser transformada em expressão cênica, em personagem que se expressa

principalmente por meio do corpo, do gesto, da face, do olhar. Pesquisa de que

forma o que é envolvido pela moldura destes quadros, sob a visão de uma

atriz, dirigida pelo encenador Fábio Vinasci, em um processo de criação cênica,

pode ser transposto para a cena teatral. Assim, recupera a atribuição de

sentido expresso na tela e “vivifica-o” na representação cênica.

Palavas-chave: 1.Helene Schjerfbeck 2.Autorretrato 3.Processo de criação

4.Performance 5.Linguagem.

RESÚMEN

La presente investigación consiste en el estudio y registro de la semiose

en el pasaje del lenguaje pictórica para el escénico de algunos autorretratos de

la pintora finlandesa Helene Schjerfbeck. Busca comprender el recorrido

creativo y el proceso de construcción y desconstrucción existentes en este

pasaje en un contexto de espacio y tiempo distintos. Registra el trabajo de

creación en su movimiento, en su forma imprecisa, problemática, provocativo,

con el intuito de traer nuevas traducciones de los códigos del lenguaje

escénico, al través del rompimiento de los límites entre los lenguajes artísticos,

en que nuevas posibilidades creativas surgen. Constituye un desafío de

comunicación e interacción de universos próximos, pero distintos. Investiga de

qué manera la síntesis interpretativa de la vida de esta artista plástica en sus

autorretratos puede ser transformada en expresión escénica, en personaje que

se expresa principalmente al través del cuerpo, del gesto, del rostro, del mirar.

Investiga de qué forma lo que es envuelto por la moldura de estos cuadros bajo

la mirada de una actriz orientada por el director Fábio Vinasci, en un proceso

de creación escénica puede ser transpuesto para la escena teatral. Así,

recupera la atribución de sentido expreso en el lienzo y lo “vivifica” en la

representación escénica.

Palabras-clave: 1.Helene Schjerfbeck 2. Autorretrato 3. Proceso de creación

4.Performance 5. Lenguaje.

Sumário

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................ 9

1. AUTORRETRATOS: PAINEL VISUAL.........................................................11

1.1 AUTORRETRATOS: UMA HISTÓRIA VISUAL ........................................ 20

1.2 Breve história do autorretrato ............................................................. 24

1.3 Espelho, narcisismo, identidade ......................................................... 26

2. HELENE SCHJERFBECK ........................................................................... 31

2.1 Autorretratos de Helene Schjerbeck ................................................... 31

2.2 A relação do atelier modernista com o contexto da artista .............. 36 2.3 A relação do atelier modernista com o contexto da artista...............42 3. LINGUAGENS…………………………………………………………………….45

3.1 A linguagem visual e sua leitura semiótica ........................................ 45

3.2 A linguagem cênica .............................................................................. 48

3.3 A Performance e sua história ............................................................. 50 4. PROCESSO CRIATIVO DA PERFORMANCE "PORQUE SOMOS HELENAS" .......................................................................................................55 5. DVD DA PERFORMANCE “PORQUE SOMOS HELENAS” ...................... 79

CONSIDERAÇÔES FINAIS ............................................................................. 80

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 82

LISTA DE IMAGENS ....................................................................................... 82

9

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No meu trabalho de atriz, a angústia na busca da personagem, a

revelação de “eus” escondidos, o processo artesanal dos ensaios, a magia da

improvisação e a relação ator-plateia sempre me fascinaram.

Durante o curso de Educação, Arte e História da Cultura, na disciplina

Teoria e Crítica das Artes, orientada pelo professor Dr. Marcos Rizolli, foi

proposto que construíssemos uma “engenhoca” como atividade de avaliação.

Considerando minha experiência em Artes Cênicas, construí a “Monalisa

através dos tempos”, usando meu corpo, figurino e objetos cênicos. Monalisa

de Leonardo da Vinci, personagem “performática” feita por mim, se

transformava em Monalisa de Duchamp e, em um terceiro momento, na

Monalisa de Vik Muniz.

Surpreendi-me com a possibilidade desta transformação, dos quadros

“saltarem” da tela e adquirirem vida. Até então, só havia experimentado algo

parecido a partir de textos literários: dramaturgia, poemas, contos... mas

pintura, nunca! Porém, a partir deste momento, redirecionei minha pesquisa na

passagem da linguagem visual para a linguagem cênica.

Minha proposta foi pesquisar o processo de criação da passagem desta

linguagem pictórica para a linguagem cênica, isto é, num processo de

recriação, buscar as transformações dos signos visuais em signos teatrais,

num contexto com tempo e espaço diferentes. Para tal, escolhi a pintora

Helene Schjerfbeck.

As autorrepresentações da artista finlandesa Helene Schjerfbeck (1862–

1946) me impactaram pela força expressiva e pela representação da passagem

do tempo: autorretratos desde muito jovem até seus últimos anos de vida. No

seu percurso artístico altera sua pintura conforme suas próprias

transformações corporais e emocionais, acompanhando sempre as mudanças

nas artes visuais. Seus autorretratos sugerem estados emocionais individuais e

arquetípicos.

10

Pretendi registrar o processo criativo de desconstrução/construção

dessas linguagens artísticas, explorando seus limites e intersecções. O diálogo

entre as artes, a interface entre diferentes linguagens e expressões

caracterizam um movimento dos artistas contemporâneos. Neste sentido,

muitas experimentações têm ocorrido desde os anos 70.

Para isto investiguei de que maneira a síntese interpretativa da vida

desta artista plástica em seus autorretratos pode ser transformada em

expressão cênica, em personagem que se expressa principalmente pelo corpo,

gesto, face, olhar. Pesquisar de que forma tudo que é envolvido pela moldura

destes quadros seria transposto para a cena teatral. Assim, recuperar a

atribuição de sentido expresso na tela e “vivificá-lo” na representação cênica.

Desenvolver uma pesquisa que ofereça possibilidades de novas traduções dos

códigos da linguagem cênica através dos ensaios em seu movimento, em sua

forma imprecisa, equívocos e descobertas. Todo este processo constitui um

desafio de comunicação e interação entre universos próximos, porém distintos.

O procedimento do meu trabalho consistiu numa relação constante entre

a prática de ensaios e a reflexão sobre este processo, levando sempre em

conta que não é o enredo que importa, mas a dinâmica cênica. A criação a

partir de imagens amplia as possibilidades de exploração de outros tipos de

expressão.

Contemplação e análise de cada autorretrato escolhido, movimentos

corporais, auto-observação, jogos de improviso, questionamentos e tudo o

mais que possa surgir em um processo criativo será objeto de reflexão da

pesquisa.

A partir desta contínua metamorfose, a obra foi aos poucos sendo

revelada. E é o prazer da descoberta e da criação que fez avançar a pesquisa.

A metodologia utilizada foram ensaios, reflexões e discussões em um

processo de construção colaborativa entre atriz, encenador, figurinista,

iluminador e artista plástica.

11

AUTORRETRATOS:

Painel Visual

Notável criatura são os olhos! Sermão das Lágrimas de São Pedro

Antonio Vieira

12

13

14

15

16

1 Leonardo da Vinci (1452–1519), italiano

2 Albrecth Dürer (1471–1528), alemão

3 Francis Bacon (1561–1626), inglês

4 Caravaggio (1571–1610), italiano

5 Velázquez (1599–1660), espanhol

6 Rembrandt (1606–1669), holandês

7 Gustave Coulbert (1819–1877), francês

8 Paul Cézanne (1839–1906), francês

9 Paul Gauguin (1848–1903), francês

10 Van Gogh (1853–1890), holandês

11 Edvard Münch (1863–1944), norueguês

12 Andy Warhol (1863–1944), alemão

13 Henri Matisse (1869–1954), francês

17

14 André Derain (1880–1954), francês

15 Pablo Picasso (1881–1973), espanhol

16 Natalia Goncharova (1881–1962), russa

17 Hopper (1882–1967), estadunidense

18 Kokoschka (1886-1980), austríaco

19 Tarsila do Amaral (1886–1973), brasileira

20 Chagall (1887–1985), bielorrusso

21 Anita Mafalti (1889–1984), brasileira

22 Shiele (1890–1918), austríaca

23 Lasar Segall (1891–1957), brasileiro

24 Joan Miró (1893–1983), espanhol

25 Di Cavalcanti (1897–1976), brasileiro

26 Lempika (1898–1980), polonês

18

27 Reneé Margritte (1898–1967), belga

28 Flavio Carvalho (1899–1973), brasileiro

29 Dubuffet (1901–1985), francês

30 Cândido Portinari (1903-1962), brasileiro

31 Victor Brauner (1903–1966), romeno

32 Salvador Dali (1904–1989), espanhol

33 Frida Khalo (1907–1954), mexicana

34 Maria Helena Vieira da Silva (1908–1992),

portuguesa

35 Louise Borgeois (1911-2010), francesa

36 Joseph Beuys (1921-1986), alemão

37 Lucian Freud (1922–), alemão

38 Botero (1932–), colombiano

39 Paula Rego (1935–), portuguesa

19

40 Hockney (1937–), inglês

41 Chuck Close (1940–), estadunidense

42 Ana Mendieta (1948–1985), cubana

43 David Nebreda (1952–), espanhol

44 Cindy Sherman (1954–), estadunidense

45 Haring (1958–1990), estadunidense

46 Basquiat (1960–1981), estadunidense

47 Vik Muniz (1961–), brasileiro

48 Marc Quinn (1964–), inglês

20 1.1 AUTORRETRATOS: UMA HISTÓRIA VISUAL

Neste painel, que contém uma história visual do autorretrato, estão

contemplados artistas que pintaram, fotografaram, esculpiram autorretratos.

Artistas de gêneros, épocas, nacionalidades e escolas diferentes. A maior parte

deles se utiliza da linguagem pictórica, que será o foco de nossos estudos.

Segundo Susan Woodford (1983, p.7-8), em A Arte de ver a arte:

as funções da pintura variam. Uma pintura de um bisão numa caverna pré-histórica da Espanha de mais de 15.000 anos pode ter uma função mágica: a de surpreender e matar o animal representado; já uma pintura de uma igreja cristã primitiva pode ilustrar histórias com maravilhosa clareza com a função de evangelização aos analfabetos. Uma pintura quinhentista pode transmitir uma máxima moral em personificações para provocar um público esclarecido e culto. Um quadro moderno pode pretender revelar a atividade criativa do artista.

Mas, independentemente da consciência que o espectador tem da

função da pintura ou das estratégias e técnicas que o pintor se utiliza para

produzir determinados efeitos, um simples olhar a um quadro é bastante para

nos dar alguma impressão a seu respeito.

Entretanto, quando tentamos ler uma obra de arte ou até mesmo uma

experiência artística, ela pode nos parecer perdida num abismo de

interpretações múltiplas, afinal, atribuímos a um retrato nossas percepções e

experiências. Questões aparecem: até que ponto esta representação diz da

realidade de quem pinta? Há realidade fora do olhar do espectador? Quando o

pintor se pinta, seleciona, escolhe, retira o quê? É o desejado de si? O

proibido, o imaginado? A busca em conhecer a própria identidade?

Por exemplo, no autorretrato de Frida Kahlo seu corpo aparece cortado,

dilacerado ao meio, paralisado, em contraste com o movimento do tecido que

parece uma dança. Tudo em volta é movimento. Já em Lempika, há a

expressão da sensualidade e em Louise Bourgeois a representação de uma

21 “coluna vertebral”. Por outro lado, Anita Malfatti é azul, enquanto Cindy

Sherman é plástica, cênica.

A leitura das imagens pode seguir diferentes critérios. Quanto ao

enquadramento do corpo, por exemplo, o autorretrato pode estar em primeiro

plano, dos ombros para cima: Goncharova, Di Cavalcanti, Velázquez e Hopper;

ou da cintura para cima (plano médio), como na maioria dos retratos,

representando uma identidade aparente, documental, talvez um “eu mais

social”: Dürer, Gauguin, Cézanne, Portinari seriam alguns exemplos deste

painel de autorretratos.

Pode também estar em close, como nos casos de Anita Malfatti, Andy

Warhol, Brauner, Chuck Close, por exemplo. No close, o artista busca uma

aproximação maior com o espectador, se expõe mais. Não há mediadores, é o

olho no olho no aqui e agora. A carga expressiva está no rosto, no olho. O

rosto representa o todo, representa o artista: metonímia.

O enquadramento pode ainda ser do joelho para cima, onde verificamos

a postura quase inteira do ator. A carga expressiva, a dramaticidade está nos

movimentos, nas tensões corporais. Exemplos: Frida Kahlo, Botero, Nebreda,

Schiele.

Para onde o autorretratado olha, se está de perfil, ou de frente (frontal),

altera nossa interpretação.

A materialidade, o que é pintura, o que é desenho, o que é foto, o que é

escultura, também interfere na nossa percepção da obra.

As cores, frias e quentes, contrastes, luz e sombra que dão a tonalidade

da imagem são muito diferentes. O amarelo forte com o fundo preto de Warhol

produz um impacto, as cores vívidas em Flávio de Carvalho ou em Paula Rego,

produzem outro. A partir do movimento do Expressionismo houve maior

liberdade no uso das cores. Neste painel, aparecem pintores que vão desde o

século XV, como Dürer e Da Vinci até os dias de hoje, como Cindy Sherman,

Lucian Freud, Vik Muniz, Chuck Close, Botero, Nebreda, Hockney, Paula Rego

e Marc Quinn, passando por representantes de várias escolas e tendências.

22

A relação entre figura/fundo também é importante numa leitura de

imagem, uma vez que pode haver contraste para valorizar a figura em

detrimento do seu cenário, ou então recursos visuais em que figura e fundo

quase se misturam para o exercício de outras ênfases expressivas. Como é o

caso do autorretrato de Munch em que a difusão do fundo, do cigarro e da

roupa causa a impressão de um homem surgindo de uma penumbra

misteriosa.

A linha pode delimitar o campo da figura. No autorretrato de Tarsila, por

exemplo, embora as cores do fundo sejam quase iguais às da figura, o rosto

fica bem delimitado pelo contorno.

Outro critério pode ser a luminosidade: se há pouca luz ou muita luz, de

onde ela vem, o que fica na penumbra. No quadro de Lucien Freud, relevos do

próprio rosto fazem sombra nele próprio provocando um efeito de intenso

realismo.

Os olhos formam elemento significativo de alta expressividade. Gustave

Coubert tem um olhar arregalado, o olhar de Tarsila é plácido, vazante...

ultrapassa, o de Gauguin é enviezado, o de Beuys, fixo.

A expressividade, a marca dos representados está na condição facial de

cada ”personagem”, desenho de bonecos, máscaras, onde tudo entra em jogo:

sobrancelhas, mãos, figurinos, acessórios. Detalhes expressam gestos.

Muitas vezes, o que sabemos da vida do artista intervém no nosso olhar

sobre a obra. No caso de Frida Kahlo, por exemplo, ao vermos este seu

autorretrato, se conhecemos sua história, naturalmente nos remetemos ao seu

trágico acidente. Assim como, se conhecemos a obra de Miró é inevitável

reconhecermos ele próprio no seu autorretrato, embora não haja nenhum traço

fisionômico. Reconhecemos pelo seu “jeito lúdico” de pintar. Assim como

Salvador Dali, sempre excêntrico em suas encenações com seu bigode

característico. Se soubermos um pouco da história da pintura da época e da

cultura do lugar que o pintor habita, teremos mais elementos de leitura. O

contrário também acontece: as pinturas, no geral, nos dizem a respeito das

culturas onde foram produzidas.

23

Segundo Ernst Rebel (2009, p.30), professor de História da Arte e

Educação Artística na Universidade de Munique, no quadro de Dürer “a

transformação do aspecto do artista como se fosse visto num espelho sob a

imagem idealizada de Jesus Cristo une todas as máximas da piedade e da

reflexão artística que vigoravam na passagem do século XV para o século XVI”.

Vincent Van Gogh apresenta-se como alguém que cometeu realmente

um ato de automutilação, o que, também para Ernst Rebel (2009, p.58) “retrata

o limiar da arte moderna, onde as fantasias destrutivas de gênios melancólicos

tinham-se tornado mortalmente graves”.

A figura de Picasso é geometrizada; a de Schiele parece desenhada e

redesenhada. Warhol (1967 apud REBEL, 2009, p.82), numa entrevista sobre

seus autorretratos diz: “basta olhar para a superfície de minhas pinturas... aí

estou eu. Não há nada escondido por detrás”.

Francis Bacon, em uma entrevista em 1973 (apud REBEL, 2009, p.84),

fala: “Fiz muitos autorretratos, de fato porque as pessoas à minha volta têm

morrido como moscas e já não tinha ninguém para pintar para além de mim”.

Hockney afirma numa entrevista com Marco Livingston em 1980 (apud

REBEL, 2009, p.86): “Penso que me conheço bastante bem, penso que em

primeiro lugar temos de estar um pouco mais sós para isso acontecer e lidar

com isso”.

Por sua vez, o espanhol Nebreda, diagnosticado esquizofrênico, neste

autorretrato do painel transmite uma cisão muito clara: cabeça iluminada,

adormecida num corpo esquálido, estranho.

Francis Bacon é intenso, deformado: numa cabeça imóvel, uma série de

cabeças.

“Se todo retrato é um espelho, um espelho aberto; então nós, os

espectadores, somos por nossa vez um espelho para o retrato, emprestando-

lhes sensibilidade e sentido” (MANGUEL, 2009, p.197).

Cada artista traz a sua poética pessoal nos seus autorretratos, que

refletem no espectador múltiplas sensações, fascínios, aversões,

identificações, estranhamentos.

24

Se eu imaginar que a tela é espelho, ela desaparece como pintura. O auto-retratista via em seu espelho um quadro (por fazer); eu vejo em seu quadro (feito) um espelho. O quadro é como um espelho sem aço: o pintor está atrás (do outro lado em relação a mim), e eu o surpreendo se olhando. Com isso, nos tornamos... contemporâneos (LEJEUNE, 2008, p.245-246).

1.2 Breve história do autorretrato

Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, uma outra que olha de fora para dentro... (Machado de Assis – O espelho).

Várias questões aparecem quando pensamos em autorretrato. O

espelho faz grandes e profundas revelações. O retrato desperta no artista um

sentimento de autoconhecimento, autoafirmação, busca constante pela

descoberta, reflexão. O autorretrato estabelece um elo entre o individual e o

coletivo. Seu conceito reúne várias visões.

Habituei-me a meu rosto, mas esse hábito não resiste à surpresa de uma passagem diante do espelho, nem a uma autocontemplação um pouco mais demorada. Olhos nos olhos, dissolvo-me. Com o pincel na mão, reconstruo-me, preencho as brechas, envolvo-me, circunscrevo-me, restauro-me, coloco-me em “bom estado”, em cena, para outrem, como outrem (LEJEUNE, 2008, p. 245).

Segundo Canton (2004), o autorretrato sempre acompanhou o ser

humano no desejo de deixar uma marca de sua própria imagem. Desde a pré-

história, identidades eram desenhadas com a marca das mãos dentro das

cavernas. Homens e mulheres colocavam as mãos contra a parede e

sopravam pó colorido, marcando suas formas nesses locais, para que ficassem

gravadas para a posteridade.

O pintor Giotto, do fim da Idade Média, incluiu-se num mural que pintou

entre 1304 e 1306, em Pádua, na Itália, chamado: Juízo Final. Giotto se incluiu

no meio dos homens eleitos ao Paraíso.

25

Fig. 01: Giotto di Bondone. Juízo final, 1305-1307. Pádua, Capela Scrovegni.

Fonte: Google Imagens (2011).

O primeiro artista do Renascimento a realizar uma série de autorretratos

foi o alemão Albrecht Dürer. Ele se encantou com a sua própria imagem

quando tinha apenas treze anos e desenhou seu autorretrato (CANTON, 2004).

Entretanto, foi Rembrandt quem pintou o maior número de autorretratos da

História, cerca de cem, desde os 23 anos até os seus últimos dias de vida

(CANTON, 2004). Rembrandt foi se metamorfoseando nos seus autorretratos,

em função de suas transformações como pessoa e como artista.

Os séculos XVIII e XIX fornecem novos contornos aos retratos,

representando figuras de segmentos sociais amplos (e não apenas dos círculos

aristocráticos) por meio de mais liberdade expressiva. Os pós-impressionistas,

26 por sua vez, rompem com o acento naturalista que marca a tradição

retratística. Num contexto de reflexão sobre as possibilidades e limites da

representação – que o advento da fotografia agudiza – e sobre o caráter

eminentemente interpretativo da obra pictórica, a produção de autorretratos se

acentua e vai até a contemporaneidade.

1.3 Espelho, narcisismo, identidade

Quem sou eu? A máscara fica grudada? Os meus contornos me definem? Meu corpo? Meu nome? O espelho reflete aquilo em que me reconheço. Fragmentos, caleidoscópio.

É impossível não relacionarmos autorretrato com o conceito de espelho,

identidade, subjetividade, narcisismo. Caravaggio representou Narciso em sua

pintura e Freud elaborou a Introdução ao Narcisismo a partir deste mito grego.

Fig. 02: Narciso – Michelangelo Merisi da Caravaggio (1594-1596).

Fonte: Lasta (2011).

27

O adivinho Tirésias, representante da verdade, previu o destino de

Narciso, filho da ninfa Liríope e de Céfiso, deus fluvial: Narciso só teria vida

longa se não visse a própria face.

Narciso tinha uma beleza fora do comum. Embora assediado por muitas

moças e ninfas, sempre fora indiferente ao amor.

Eco era uma bela jovem ninfa, que, por um castigo de Hera, só

conseguia repetir as últimas palavras do que os outros diziam. Vagando pelos

bosques, encontrou Narciso e, ofuscada por sua beleza, enlouqueceu de amor.

Passou a segui-lo, mas foi completamente rejeitada por ele. Afastou-se

desesperada e morreu de amor.

A deusa Nêmesis era a personificação da vingança. Quando ouviu as

jovens desprezadas por Narciso pedirem vingança, convenceu Narciso a

participar de uma caçada e provocou um forte calor. O calor trouxe sede a

Narciso, que se debruçou numa fonte para saciá-la. Foi quando contemplou um

belíssimo rosto, que dentro da fonte, retribuía seu olhar. Apaixonado, ficou

totalmente distraído, absorvido pela própria imagem, e dali não saiu até morrer.

Depois de sua morte, apareceu uma flor no mesmo lugar, que recebeu

seu nome, dotada também de uma beleza singular, porém narcótica e estéril.

No Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (1992, p.287),

encontramos a seguinte definição de narcisismo:

por referência ao mito de Narciso, é o amor pela imagem de si mesmo. O termo narcisismo aparece pela primeira vez em Freud em 1910, [...] a descoberta do narcisismo leva Freud a propor – no caso Shreber, 1911 – a existência de uma fase da evolução sexual intermediária entre o auto-erotismo e o amor do objeto.

Segundo Freud, o indivíduo começa a tomar a si mesmo, ao seu próprio

corpo, como objeto do amor.

Ora, que impulso levaria um pintor a se autorretratar, principalmente a se

autorretratar muitas vezes? Quanta energia vital despendida na auto-

observação bem como na representação de si mesmo! O que se busca no

próprio reflexo?

28

“Conhece-te a ti mesmo”, diria Sócrates.

Segundo Diógenes Laércio, o filósofo Sócrates oferecia um espelho a

seus discípulos (apud MANGUEL, 2009, p.181). A investigação não é direta,

por meio da imagem refletida a verdade sobre si mesmo pode ser encontrada.

Muitos psicólogos e psicanalistas debruçaram-se sobre esta questão.

Para Carl Jung (1964), psicólogo suíço, um espelho nos sonhos pode

simbolizar o poder que tem o inconsciente de “refletir” objetivamente o

indivíduo – dando-lhe uma visão dele mesmo que talvez nunca tenha tido

antes.

Para a Psicanálise, a imagem do eu sempre foi produto de uma

construção imaginária. E esta construção imaginária está dentro da história, da

linguagem, da cultura e das relações de poder em que está inserida.

No caso do autorretrato, utilizando-se de técnicas próprias, o artista

expressa o espelho que reflete alguém em quem o pintor se reconhece. Porém,

o espelho pode nos surpreender: quando pensamos ter capturado nossas

feições num reflexo, elas já se transformaram em alguma outra coisa, pois

nunca somos quem somos, estamos sempre nos tornando. Por isso, Dorian

Gray, de Oscar Wilde, confrontado com a beleza de seu retrato e a

impossibilidade de mantê-la para sempre, promete sua alma em troca da

juventude eterna.

A imagem do próprio corpo se sustenta na imagem do outro, introduz uma tensão: o outro em sua imagem me atrai e me rejeita ao mesmo tempo; de fato, eu só sou no outro e, ao mesmo tempo, ele permanece alienus, estranho; este outro que é eu e diferente de mim mesmo (JULIEN, 1992, p. 24).

Na visão do psicanalista francês Jacques Lacan, o espelho é a matriz do

próprio nascimento do eu. O outro funciona como espelho, a realidade atribuída

à imagem é completa.

Para Lacan, ele (o ser, sujeito) é a imagem. O outro vem antes de si

mesmo. Si mesmo vem depois – como uma miragem. A imagem está sempre

perseguida de outro. Os outros olhos vão olhar esta imagem. De certa maneira,

29 não existe autorretrato, pois aquilo que o pintor vê e reproduz está fora dele, é

um outro. E será visto por outros. Mas até que ponto este eu (ou este outro) é

apreensível? Mais do que uma unidade fixa, são cadeias dinâmicas, são

“personagens” com características de vários “personagens”. A

autorrepresentação pela arte possibilita articulações simbólicas, abertura para

múltiplas associações.

Fig. 03: Autorretrato com máscaras James Ensor (1889).

Fonte: Musée Royal des Beaux-Arts (2011).

Santaella, professora da pós-graduação em Comunicação e Semiótica

da PUC-SP, no livro Corpo e comunicação (2004), observa que atualmente, no

lugar dos antigos “sujeito” e “eu” proliferam novas imagens de subjetividade. Os

“modos de subjetivação” estariam sempre transformando limites, isto é,

reconstruindo-se, com outras experiências, outras delimitações, outras

“molduras”.

O artista que se autorretrata com frequência, cada vez que se

representa, gera novos devires, outros que habitam nele, esconde, mostra,

gera sentidos ocultos, expande sentidos.

30

Em cada experiência de autorrepresentação do pintor há uma complexa

construção que propicia encontros com múltiplas fisionomias, num processo

intenso de forças visíveis e invisíveis.

Nos autorretratos da artista finlandesa Helene Schjerfbeck há signos que

permanecem e signos que se transformam durante o percurso da construção

deles. É como se ela buscasse incessantemente em seus reflexos a sua

reconstituição, isto é, como se cada autorretrato fosse uma re-visão de si

mesma.

31 2 HELENE SCHJERFBECK

2.1 Da história pessoal para a história da pintura

Michelle Focos, historiadora da arte e pesquisadora das pintoras

escandinavas do século XIX, escreve no artigo Os Autorretratos de Helene

Schjerfbeck –Revelação e Dissimulação, publicado no Woman’s Art Journal,

vol.16, n.1, 1995, sobre a vida da artista.

Segundo este artigo, desde seus dias como estudante até o fim de sua

vida, a artista finlandesa Helene Schjerfbeck (1862-1946) registrou seus

estados psicológicos e emocionais através de um exame intensivo de seu

próprio semblante. A complexidade desses autoencontros, o desejo de se

comunicar e de se esconder e o fato de vinte autorretratos serem executados

nos últimos seis anos de sua vida, a torna particularmente interessante. Nos

quadros finais, as pretensões eram irradiadas com uma honestidade brutal.

Helene Schjerfbeck era sueca por herança e finlandesa por

circunstância. Seu avô, um médico do exército, emigrou da Suécia para a

Finlândia no final do século XVIII e sua família pertenceu à minoria

consideravelmente grande dos finlandeses que falava sueco e habitava o sul

da Finlândia. Quando ela nasceu, sua família morava em Helsinque. Aos

quatro anos, Helene caiu das escadas e fraturou o quadril, que nunca se

regenerou completamente. Este machucado a deixou com uma leve

deformidade que a fazia mancar.

A solidão e sedentarismo de Schjerfbeck nos primeiros anos lhe

proporcionavam momentos em que se sentava e fazia seus esboços. Aos 11

anos, entrou na Escola Finlandesa de Arte em Helsinque. Sua primeira

exposição, na Associação de Artes desta cidade, em 1880, foi recebida com

entusiasmo.

No mesmo ano, ganhou uma viagem para Paris, estudou na

Universidade Colarossi, uma escola de arte independente patrocinada pelos

escandinavos e copiou também as pinturas do Louvre. O fato de ela ter

32 mudado permanentemente a grafia do nome Helena, do sueco, para Helene do

francês (sem acentos), indicou a significância pessoal da sua residência em

Paris.

Sempre escreveu amorosa, mesmo que nostalgicamente, sobre seus

anos em Paris.

Durante esses anos no exterior, Schjerfbeck ganhou fama. Recebeu

muitas bolsas de estudo, tinha uma vida social ativa na comunidade

escandinava, trabalhou muito em seus quadros e se apaixonou por um pintor

inglês. Na primavera de 1884, seu dinheiro acabou, o que a forçou a voltar para

Helsinque para ficar mais dois anos. Foi durante esta época que ela pintou seu

primeiro autorretrato em óleo. Nenhum documento estabelece se ela pintou seu

primeiro autorretrato em Paris ou depois que retornou a Helsinque.

Ainda para Focos (1995), a primeira tentativa de Schjerfbeck para um

autorretrato coincidiu com a emergência da ciência e da psicologia. O

neurologista parisiense Jean-Martin Charcot começou a fazer muita publicidade

sobre experimentos com hipnose em 1878. Sigmund Freud estava entre seus

colaboradores. Durante a década de 1880, quando Schjerfbeck estava em

Paris, o médico sueco Axel Munthe era um dos doutores mais famosos da

cidade. Ele se socializava com os artistas escandinavos no bistrô Le Coin e era

o assunto de quadros do artista sueco Richard Bergh, “Hypnotic Seance”

(1887, Museu Nacional de Estocolmo). Por causa de sua enorme influência

com o círculo de Munthe, Schjerfbeck ficou profundamente interessada em

psicologia.

Assim, como as obras de arte exerciam em Freud uma ação poderosa,

as descobertas do psicanalista sobre o inconsciente certamente influenciaram

movimentos e artistas modernos.

Depois de passar quase dois anos na Finlândia, com a ajuda de uma

bolsa de estudos, Schjerfbeck voltou a Paris no outono de 1886. Nesse

intervalo, seu noivo rompeu o noivado, referindo-se ao seu quadril deformado e

seu medo de contrair tuberculose dela; seu pai morreu prematuramente desta

doença, quando ela tinha 13 anos.

33

Schjerfbeck deixou Paris em julho de 1887 e foi para a colônia de

artistas ingleses em St. Ives, onde permaneceu até a primavera seguinte. Aí

concebeu seu trabalho mais conhecido: The Convalescent (1888).

Fig. 04: Convalescente, 1888, de Helene Schjerfbeck.

Fonte: JG (2006).

As circunstâncias financeiras e as exigências de uma mãe dominadora

levaram Schjerfbeck para Helsinque novamente em 1890. Ela se mudou para a

casa da mãe, Olga. Quando seu irmão se casou, em 1897, Helene esperava

que Olga se mudasse para a casa dele, mas ela se recusou. Helene, como

filha solteira, deveria assumir a responsabilidade de cuidar da mãe.

Embora Helene possuísse uma boa saúde geral, seus anos ao lado da

mãe foram marcados com acometimentos frequentes de doenças.

Em Helsinque, as realizações de Schjerfbeck ficaram logo conhecidas.

Em 1892 ela foi convidada a lecionar na Universidade de Artes, entretanto, sua

vida ficou progressivamente difícil, na profissão e pessoalmente, na década de

1890, quando houve uma mudança no ambiente artístico de Helsinque. No

meio da década de 1890 até o começo da década de 1900, somente os

pintores explicitamente patriotas eram aceitos no círculo artístico finlandês e

estes assuntos não eram interessantes para Schjerfbeck. De repente, ela se

34 viu isolada dos estabelecimentos de arte de Helsinque. Como os artistas se

reuniram para lutar, para se tornarem independentes da Rússia, a imagem

patriótica se tornou o centro da beleza natural prestigiada na Finlândia e sua

herança cultural nativa prosperou. Ainda na década de 1890, a agitação pela

emancipação atingiu seu apogeu, embora a independência só tenha sido

alcançada em 1917, com a revolução russa.

Em 1903, Olga e Helene mudaram para Huvinkää, uma cidade de fácil

acesso para Helsinque por trem. Na década seguinte, no entanto, o único

contato de Schjerfbeck com o mundo da arte foi através das revistas que os

amigos mandavam.

Focos (1995) ressalta que trata-se de um período em que a

“personalidade” não é cultivada por seus valores sociais, em lugar disso, o

“indivíduo” torna-se consciente de seu isolamento, de sua desvinculação e

pode intensificar essa consciência a tal ponto que chegue a um estado de

autorrecusa ou autodesdém. Mas o resultado mais normal dessa

individualização é o voluntário isolamento do artista, que para motivar-se e

inspirar-se passa a contar apenas com sua subjetividade ou introspecção.

Embora Schjerfbeck tenha se isolado fisicamente, sua ligação com a

arte da época continuava, e seus quadros depois de 1900 confirmam que ela

estava atenta para a arte presente.

Ainda segundo a autora, em 1915, Helene conheceu o artista finlandês

Einar Reuter, que se tornou um grande amigo e seu primeiro biógrafo. Dois

anos antes, o negociante de artes de Helsinque, Gsta Steinman, fez sua

primeira visita a Schjerfbeck. Ele também se tornou seu grande amigo e

ocasionalmente trazia quadros originais de artistas conhecidos, como Juan Gris

e Marie Laurencin, para que ela olhasse.

Embora sua vida tenha sido difícil, Schjerfbeck teve um círculo devotado

de familiares (particularmente seus irmãos menores) e amigos com quem ela

se correspondia regularmente. Escrever cartas era uma das principais

atividades sociais dos artistas, e milhares delas sobreviveram. Schjerfbeck só

pintou seu autorretrato público em 1915, uma encomenda da Associação de

35 Artes da Finlândia. Ela foi a única mulher entre nove artistas finlandeses que

teve um quadro encomendado: Autorretrato com plano de fundo preto (ver fig.

10), notavelmente diferente de seus primeiros autorretratos. O estilo do retrato,

segundo Focos (1995), reflete o interesse da artista em uma tendência na arte

moderna inclinado à simplificação e distorção expressiva.

Sua primeira exposição solo, organizada por Stenman, foi em Helsinque,

no ano de 1917; a segunda em Estocolmo, vinte anos depois. Schjerfbeck

achava cansativo preparar uma exposição e não tinha vontade de participar

delas quando elas lhe roubavam o tempo que tinha para pintar.

Dois anos depois da morte de sua mãe, em 1923, Schjerfbeck mudou

para Tamissaari, onde já havia passado um longo verão, despreocupada,

pintando em 1909. Finalmente livre, concentrou-se em sua pintura, entretendo

visitantes ocasionais e deixando o pó se acumular na soleira da janela.

Focos (1995) ainda observa que Helene viveu em Tammissaari até que,

com o tempo da retirada da guerra, precisou mudar para a cidade de Luontola,

em 1942. Uma nova retirada aconteceu em 1944 e ela morreu em 1946 em

Saltsjöbadem, com 84 anos, num resort litorâneo perto de Estocolmo. Durante

seu último ano, aos 84 anos de vida, executou mais de meia dúzia de

autorretratos. Nessas últimas autoconfrontações públicas, criou uma série de

imagens penetrantes e sinistras que estão entre as mais inovadoras da arte do

século XX. Numa espécie de exercício macabro, a artista documentou a força

da sua vida minguando progressivamente.

36

2.2 Autorretratos de Helene Schjerfbeck

Fig. 05: Autorretrato (1884-85), de Helene Schjerfbeck.

Fonte: Lunardelli (2011).

Neste primeiro autorretrato escolhido de Helene Schjerfbeck (1884-85),

percebemos um desenho bem definido, com linhas definidas. A pintura é quase

um preenchimento dos espaços. O rosto é oval e centralizado.

Segue o esquema de desenhos de cabeça, ou seja, a proporção, as

medidas de cada parte do corpo é importante para o autorretrato manter-se

fidedigno ao modelo, uma vez que é uma pintura realista, que se empenha em

retratar com objetividade aquilo que pinta. Predomínio de cores ocres.

Fig. 06: Esquema de proporções do rosto.

Fonte: Google Imagens (2011).

37

O segundo autorretrato escolhido é de 1895, quando a artista teria cerca

de dez anos a mais do que na primeira obra selecionada para esta

investigação.

Fig. 07: Autorretrato, 1895, de Helene Schjerfbeck.

Fonte: Lunardelli (2011).

Neste autorretrato, ainda é o desenho, as linhas que predominam, e

embora o corpo seja em pose ¾, o olhar é frontal. Tons de azul, frios, figura e

fundo com movimento. Há uma luminosidade.

Fig. 08: Esquemas de desenhos de cabeça ¾.

Fonte: Google Imagens (2011).

38 A imagem seguinte refere-se ao seu autorretrato de 1912, em que se

percebe características expressionistas.

Fig.09: Autorretrato, 1912, de Helene Schjerfbeck.

Fonte: Lunardelli (2011).

O autorretrato de 1912 é uma figura mais borrada, mas mantém a

proporcionalidade. É figura composta por áreas de cor, que vai adensando o

caráter pictórico. .

39 Autorretrato de 1915: Autorretrato com plano de fundo preto, citado

anteriormente por ter sido encomenda da Associação de Artes da Finlândia.

Fig. 10: Autorretrato, 1915, de Helene Schjerfbeck.

Fonte: Lunardelli (2011).

Conforme já citamos anteriormente, segundo Focos (1995), ela foi a

única mulher, entre nove artistas finlandeses, que teve um quadro

encomendado: Autorretrato com Plano de Fundo Preto. Foi nesta obra que,

pela primeira vez, Helene Schjerfbeck incluiu atributos de sua profissão:

recipiente com pincéis.

40

No autorretrato de 1939, aos 77 anos, a artista se apropria mais do estilo

expressionista.

Fig. 11: Autorretrato, 1939, de Helene Schjerfbeck.

Fonte: Lunardelli (2011).

No autorretrato de 1939 há o cubismo como forma, seus olhos são

sínteses lineares, volta a linha. Luz e sombra: linha grossa. Volume achatado,

mais “pastelado”. Mais desenho do que pintura, embora as formas sejam

distorcidas, dando um caráter de monstruosidade.

41 Autorretrato de 1944, um dos últimos. É como se a artista quisesse

registrar o progressivo afastamento de sua presença no mundo.

Fig. 12: Autorretrato, 1944, de Helene Schjerfbeck.

Fonte: Lunardelli (2011).

Neste autorretrato há forma e figura diluídas. Manchas, borrão.

Penumbra. Um único pontinho vermelho.

Helene Schjerfbeck está imortalizada na sua obra. É como se os museus

“guardassem” sua história contada nos autorretratos. E estas imagens nos

tocam, nos incitam a conhecer a autora.

42 2.3 A relação do atelier modernista com o contexto da artista

O período da vida e obra de Helene Schjerfbeck, séculos XIX e XX, é

marcado por experimentações, pesquisas e maior liberdade expressiva nas

artes.

Segundo Rizolli (2005, p. 104): “artistas convivem com certezas coletivas

e dúvidas singulares”.

Na Paris modernista, o espaço da imaginação do artista era,

principalmente, o atelier. Marcos Rizolli, professor doutor em Educação

artística/Artes plásticas, afirma que trata-se de uma época em que a autoria, a

originalidade individual é mais importante do que o trabalho coletivo. Embora

houvesse todo um compartilhamento de descobertas nos cafés, bulevares e

cabarés, a criação e o fazer artístico ocorriam no isolamento dos ateliês.

“No atelier, o artista se reconhece e, na sua individualidade se ocupa de

suas pinturas – de suas necessidades expressivas, de seus desejos de formas,

de seus modos de linguagem” (RIZOLLI, 2005, p. 104). O atelier reflete, ainda,

a personalidade do artista que o ocupa.

Talvez este espaço de introversões, este refúgio, tão de acordo com a

época, facilitasse a Helene Schjerfbeck este encontro íntimo consigo mesma,

esta criação tão intensa e solitária do próprio espelho através dos tempos.

Época, local e circunstâncias compõem o cenário, o contexto da artista.

Helene Schjerfbeck nasceu na cidade de Helsinque, que é a capital, a

maior cidade e o maior porto da Finlândia. Está na parte do sul da Finlândia e

espalha-se por várias ilhas.

Foi fundada em 1550, por Gustavo I, rei da Suécia. No século XVIII, os

suecos construíram lá uma fortaleza, na tentativa de proteger a região do

expansionismo russo. Na sequência de várias guerras, a Rússia acabou por

ocupar a Finlândia e Helsinque tornou-se a capital da província autônoma

russa da Finlândia.

A Finlândia, era assim, um país de meio de caminho de disputas entre

Suécia e Rússia.

43

A Academia Real de Turku, foi transferida para Helsinque em 1827 e se

tornou a moderna Universidade de Helsinque. Essa e outras decisões

ajudaram a defini-la num caminho de crescimento contínuo, o que fica muito

evidente na parte central da cidade, que foi reconstruída em estilo neoclássico

para se assemelhar a S. Petersburgo. O movimento para a independência da

Finlândia teve início já no começo do século XX, após a revolução na Rússia,

motivado pelas consequências da derrota russa na Primeira Guerra Mundial,

inclusive pela deposição do czar na Rússia. Depois de vários conflitos entre os

não socialistas e os social-democratas sobre quem deveria ter o poder na

Finlândia, o Parlamento declarou finalmente a Finlândia como um Estado

independente em 06/12/1917 e reconhecido pela Rússia no ano seguinte.

O clima de Helsinque é temperado continental. Devido à influência

atenuante do mar Báltico, as temperaturas no inverno são mais elevadas. As

médias em janeiro e fevereiro estão próximas de -5 graus centígrados.

Temperaturas inferiores a -20 graus ocorrem normalmente apenas por uma

semana ou duas. No entanto, devido à latitude, o dia dura menos de 6 horas no

inverno.

Cada estação de ano tinge com sua própria luz a paisagem da Finlândia.

No inverno tudo se cobre de branco, mas os primeiros raios de abril descem

para descobrir os tons verdes suaves das paisagens finlandesas e os céus vão

clareando. A luz do local interfere na luz da pintura.

As mulheres finlandesas foram as primeiras na Europa a obterem em

1906, o sufrágio universal e também as primeiras no mundo a obterem a

elegibilidade nas eleições parlamentares. Na altura, a Finlândia pertencia,

como um Grão-Ducado autônomo, aos territórios governados pelo imperador

da Rússia. A reforma parlamentar, onde foi suprimida a antiga Assembleia, foi

parte do progresso nacional e político.

As mulheres finlandesas obtiveram os plenos poderes políticos numa

sociedade ainda com muitos laços patriarcais. Talvez isto tenha relação com a

autonomia e independência de Helene Schjerfbeck.

44

Em termos de situação jurídica, a mulher com 25 anos completos foi

autorizada a viver livre da tutela. A mulher casada ficou ainda sob tutela do seu

marido, até tornar-se juridicamente independente pela lei matrimonial,

promulgada em 1929.

A Finlândia foi em 1906 um dos países mais agrícolas da Europa. Numa

sociedade agrária, a vida das mulheres e dos homens não era radicalmente

diferente. Nas rigorosas condições de natureza da Finlândia, os trabalhos da

agricultura tinham que ser feitos quando o tempo assim o permitisse.Todos

tinham que participar do trabalho na altura própria.

No século XIX, a arte acadêmica, as belas-artes com regras impostas

pela academia passa a dar lugar a propostas construídas por artistas de outros

movimentos e contextos. Nasciam assim, os “ismos”, impressionismo, pós-

impressionismo, expressionismo, fauvismo, cubismo, futurismo, surrealismo.

Helene viveu numa época de vanguarda, em pleno Modernismo, um tempo rico

de descobertas artísticas: os movimentos criados estão ligados às noções de

novo e da ruptura. A atitude do novo se manifestava de forma cada vez mais

diferente, ampliando as possibilidades artísticas que o século XX trouxe.

Cézanne, Munch, Matisse, Picasso são alguns nomes deste período. O

surrealismo propõe canais do inconsciente, e sua linguagem foi trabalhada em

muitos países e contextos culturais. Também em outras artes acontecem

grandes transformações como na dança, na virada do século XIX para o XX,

com Isadora Duncan. Helene Schjerfbeck nasceu na Finlândia, viveu em Paris

num período “fervilhante”, de muitas experimentações artísticas e morreu na

Suécia aos 84 anos.

45 3 LINGUAGENS

Considerando que meu processo parte de imagens pictóricas é

importante atentar num primeiro momento para a linguagem visual, seus

elementos, sua estrutura e semântica. Num segundo momento, apresento os

signos da linguagem cênica e exponho um histórico da performance para

contextualizar a ação proposta. Finalizando o capítulo, relato meu processo de

criação da performance.

3.1 A linguagem visual e sua leitura semiótica

Quando organizamos o signo, estamos também organizando a construção do olhar (PLAZA, 1987, p.52).

Julio Plaza, artista intermídia, escritor, gravador e professor, em seu livro

Tradução Intersemiótica, diz que: “não há reflexo ponto a ponto entre o real e a

representação que dele se faz” (PLAZA, 1987, p.47). Segundo o autor, “a

incompletude da percepção em relação ao real gera a inevitável incompletude

do signo” (PLAZA, 1987, p. 47).

No processo criativo da performance Porque somos Helenas, o

equivalente ao real, isto é, o objeto de observação, são os seis autorretratos de

Helene Schjerfbeck selecionados para esta pesquisa. A representação que

deles será feita, não será ponto a ponto, não será mimética, mas sim uma

criação a partir de sensações, análises e interpretações minhas enquanto

espectadora. De acordo com Plaza, “o olho não é passivo, mas formador de

olhares” (1987, p. 52).

O processo de criação consistiu numa tradução intersemiótica, ou seja,

“num diálogo de signos, como síntese e reestrutura da história, quer dizer,

46 como pensamento em signos, como trânsito dos sentidos, transcriação de

formas na historicidade” (PLAZA, 1987, p.14).

Esta criação atualiza o que era a verdade do passado, ou seja, significa

na atualidade aquilo que outrora teve outra significação.

Signos pictóricos serão transformados em signos cênicos. Cada

linguagem nos faz perceber o real de forma diferente, porque cada uma delas

tem a sua sintaxe, seu princípio interno de organização.

“Toda interpretação é signo. Qualquer coisa que substitui uma outra

coisa para algum intérprete é uma representação ou signo” (Pierce [18--] apud

Santaella, 2001, p. 31).

Santaella (2001, p. 43), no livro Matrizes da linguagem e pensamento,

define semiose como ação do signo e a ação do signo é a ação de ser

interpretado em outro signo.

Para Júlio Plaza (1987, p. 20), o signo não pode ser o objeto, pode

apenas representá-lo.

Segundo o autor:

tanto canais, instrumentos, quanto sistema de signos nos fornecem as condições e formas de apreensão dos signos que traduzem pensamentos no operar e transmitir informação estética (PLAZA, 1987, p. 46).

Em relação ao sistema de signos visuais, Plaza (1987) afirma que os

sentidos humanos e os caracteres materiais dos objetos determinam a

produção e a recepção sígnica.

No que diz respeito aos sentidos humanos, embora com primazia da

visão, não se deve perder a sugestiva importância dos outros sentidos.

Entretanto, considerando o sistema óptico, além de sua fisiologia anatômica, é

importante levar-se em conta a percepção humana das imagens a partir de

alguns conceitos da teoria da Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Forma,

que se baseia na teoria do isomorfismo, que relaciona a parte com o todo.

A Gestalt defende que o sentido da visão se apodera da forma

apreendendo um padrão global e não alinhavando-se as partes.

47

O primeiro sentimento, as primeiras impressões que temos das coisas e de suas relações é a percepção global. Neste sentido, o sentimento é a forma mais imediata de conhecimento (PLAZA, 1987, p. 84).

Sendo assim, a impressão sintética é anterior a qualquer análise. Para

minha criação, esta primeira sensação, apreensão, dos autorretratos de Helene

Schjerfbeck é importante não só no sentido de servirem como impulso criativo,

mas também como percepção da síntese de sua obra. Um primeiro olhar

global, ou ainda, superficial, se dá num movimento perpendicular em relação à

pintura. No entanto, a cada novo olhar sobre a mesma imagem, vê-se tudo de

uma única vez, desse modo, esta percepção global vai se aprofundando.

Entretanto, a análise das partes pode trazer elementos para uma

visão/percepção mais apurada de seus autorretratos. Assim, as partes

constitutivas da pintura, segundo Donis A. Dondis (2007), professora de

Comunicação em Boston, como cor, tom, textura, dimensão, proporção e suas

relações com o significado, bem como o processo de composição destas

partes têm forte relação com o que é percebido pelo espectador. Para ela, a

sintaxe visual consiste na disposição ordenada destas partes e as possíveis

variações de uma manifestação visual são infinitas.

Essas variações dependem da expressão subjetiva do artista, através da ênfase em determinados elementos em detrimento de outros, e da manipulação desses elementos através da opção estratégica das técnicas. É nessas opções que o artista encontra seu significado (DONDIS, 2007, p. 31).

Esta leitura do global e do parcial é dinâmica, aberta, portadora de

significados múltiplos e polivalentes, ressaltando a importância da ambiguidade

artística, característica da linguagem da arte.

48 3.2 A linguagem cênica

Depus a máscara e vi meu espelho [...]

depus a máscara, e tornei a pô-la. Assim é melhor, assim sou a máscara

(Álvaro de Campos).

O ator deve aprender a trabalhar seu corpo assim como o pintor, quando

ao misturar as cores, observa o efeito delas na composição de um quadro.

Corpo-realidade do eu, corpo-ficção do ator, fundem-se numa mesma

concretude. O trabalho do ator, portanto, é uma totalidade que pensa, sente,

age, no fenômeno da interpretação. O corpo nunca será um invólucro, mas a

concretude que torna visível a invisibilidade interior.

O corpo do ator no processo de criação é sempre um corpo

possibilidade. O ator recupera o diálogo com seu próprio corpo, captando

sensações, localizando-as. É necessária uma integração do corpo com o

pensamento para que as ações, os movimentos, os gestos, ocorram com toda

sua potencialidade.

É preciso que o ator saiba perceber a conexão entre imaginação e

sensações corporais correspondentes.

Para que o ator torne-se outro, deve escapar de seu cotidiano

transformando o seu corpo, sua voz, seu pensamento e suas ações.

O prazer do ator está na auto-ocultação, no mascaramento; o mundo do

outro. A concentração nos processos de metamorfose leva a outro modo de

percepção. O ator convive simultaneamente com seu próprio ser e o de sua

personagem.

Para que o Teatro exista, bastam duas coisas: ator e espectador. O

corpo do ator sempre estará presente.

Para Renato Cohen (2004, p. 18), pesquisador da performance, “essa

possibilidade do tête-à-tête da arte cênica, do aqui-agora, do risco, vai lhe

conferir uma característica de ritual, que se assemelha às antigas celebrações

religiosas do homem primitivo”.

49

Na performance há uma acentuação muito maior do instante presente. A

cena se desmancha, toda arte cênica é efêmera. Para a performance, é

importante reforçar o instante, o que está acontecendo no momento, na busca

de produzir um efeito “mágico”. O quadro resiste à passagem do tempo, é

eterno. A vida de Helene Schjerfbeck acompanhou a criação de seus

autorretratos, que sobreviveram a ela.

O espaço do Teatro é tridimensional. A pintura está na superfície, é

bidimensional. A arte cênica é essencialmente tridimensional, considerando o

ser humano e o espaço que ele ocupa.

Iluminação, figurino, som, maquilagem, máscaras, cenário, também

fazem parte da linguagem do Teatro. Na performance, todos estes elementos

são tão atuantes quanto o ator, fazem parte do mesmo todo.

O século XX é rico em manifestações que procuram uma maior

interação entre as linguagens, a performance é uma delas.

Para Cohen (2004, p. 140), “a performance, de uma forma genérica,

acaba conservando as principais características da linguagem cênica, ao

mesmo tempo que incorpora elementos das expressões afins”. Assim, se há

fala, pode ser fragmento de qualquer tipo de discurso, o performer pode

“mostrar” sua representação se caracterizando em cena, usando

metalinguagem. Isto é, a performance amplia os limites do que pode ser

classificado como expressão cênica. De acordo com o autor, “é impossível

falar-se de uma linguagem pura, ela é híbrida” (COHEN, 2004, p. 108).

50 3.3 A Performance e sua história

A arte é um pouco mais dilatada que a vida, é uma exaltação da vida, para isso é necessário um toque de loucura (Laurence Olivier).

A performance surge como proposta de ruptura das convenções do

Teatro. É vanguarda, experimentação.

RoseLee Goldberg, docente de New York University e curadora de

vários projetos internacionais na área da performance, no livro A arte da

Performance Do Futurismo ao Presente (2006), contextualiza o nascimento e

desenvolvimento da performance no cenário internacional.

Segundo este livro, no ano em que Marinetti, poeta italiano futurista,

voltou de Paris para a Itália, uma admirável performance foi apresentada por

Alfred Jarry: Ubu Rei.

Em 1910, jovens futuristas traduziram algumas das ideias sobre

“velocidade e amor ao perigo” em um projeto para a pintura futurista.

Segundo a autora, a música do ruído foi incorporada às performances,

geralmente como músicas de fundo a partir de 1913. Também construções de

criaturas não humanas, supermarionetes “contracenaram” com performers

futuristas.

Em 1915, o Teatro futurista sintético condensava em poucos minutos

poucos gestos e palavras, inúmeras situações, sensibilidade, símbolos.

A autora relata que em meados do século XX, os futuristas haviam

estabelecido solidamente a performance como um meio de expressão artística

independente. Os limites da performance eram infinitos.

Goldberg (2006) observa que a declamação e a performance eram a

chave para a redescoberta do prazer na arte. Segundo ela, 1919 foi marcado

pelo aparecimento, nos palcos dadaístas, do diretor Erwin Piscator. Ainda que

os parisienses aceitassem o termo “dadá” como uma descrição de suas obras,

muitas das performances do começo da década de 1920 já destilavam uma

51 fragrância claramente surrealista e poderiam num reexame entrar no rol das

obras pertencentes a esse movimento.

Conforme Goldberg (2006), em 1921, prenunciou um novo gênero na

performance francesa que misturava vários meios de expressão e

permaneceria à margem do Teatro, do balé, da ópera ligeira, da dança e das

artes plásticas.

A Bauhaus, uma instituição de ensino das artes, tinha aberto suas portas

em abril de 1919 e, contrária das provocações rebeldes dos futuristas ou

dadaístas, o Manifesto da Bauhaus, elaborado por Gropius, clamava pela

unificação de todas as artes em uma “catedral do socialismo”. Diferentes arte-

educadores, performers, diretores e encenadores deixaram suas marcas nos

palcos da Bauhaus.

John Cage, um jovem músico, traz inovações alegando que onde

estivermos o que ouvimos é basicamente ruído, o que é fascinante, e tentava

apreender esses sons como instrumentos musicais.

Os anos 60, 70 são repletos de experimentações, “ousadias” e

radicalidades estéticas. Alberto Miralles, em Novos Rumos do Teatro (1979),

relata que grupos como Bread and Puppet, com seus bonecos inorgânicos;

Open Theater, com seus rituais de sons, gestos, dança e mímica; Living

Theater, com seu teatro inovador e anárquico, San Francisco Mime Troup,

grupo ambulante, de guerrilha, Theatre de Soleil, de Arianne Mnouchkine, são

alguns exemplos de grupos performáticos da época. Eram grupos que

valorizavam a criação coletiva e integravam diferentes linguagens como

música, cinema e dança. Outro grupo famoso da época foi o Fluxus, cujo nome

vem do latim e significa modificação. O Bread and Puppet e o Theatre de Soleil

apresentavam-se em igrejas e campos abertos.

O artista alemão Joseph Beuys acreditava que a arte deveria

transformar concretamente a vida cotidiana das pessoas. “Sua idéia de

escultura social, que consistia em longas discussões com grandes grupos de

pessoas em contextos variados, era basicamente um meio de ampliar a

52 definição de arte, fazendo-a extrapolar a característica de atividade

especializada” (GOLDBERG, 2006, p. 141).

Ainda segundo a autora, a performance, no fim dos anos 60 e nos

primórdios dos anos 70, refletiu a rejeição, pela arte conceitual, de materiais

tradicionais como a tela, o pincel ou o cinzel, e os performers voltaram-se para

seus próprios corpos como material artístico. Alguns artistas assumiam poses,

criando “esculturas vivas” e obras autobiográficas, com aspectos de suas

histórias pessoais.

Goldberg (2006, p. 137) lembra que “o sedutor apelo contido no fato de

um artista tornar-se, ele próprio, o objeto de arte, apelo que gerou uma imensa

prole de esculturas vivas, foi em parte resultado do glamour do universo do

rock”. Lou Reed, por exemplo, criou quadros vivos.

Outros artistas forneciam instruções aos espectadores, propondo que

eles próprios fizessem as performances. O corpo dos artistas era manipulado

como se fosse uma escultura ou poema, ou era explorado como um elemento

no espaço.

Havia também performances de natureza mais emotiva e expressiva.

Em meados dos anos 70, um grupo considerável de performers, já se havia passado para os domínios do entretenimento, tornando a performance artística cada vez mais popular junto a vários segmentos do público. Festivais e apresentações coletivas eram organizados, alguns com duração de vários dias (GOLDBERG, 2006, p. 171).

A estética punk, com suas atitudes anarquistas e ostensivamente

sádicas e eróticas exerceu efeito sobre a obra de muitos performers. Grupos de

“new wave” também apresentaram trabalhos em espaços dedicados à

performance.

Segundo Cohen (2004, p. 144), em Performance como linguagem, nos

anos 80 houve uma passagem de Eros para Thanatos; o sonho hippie foi

absorvido pelo sistema e a violência, o lado podre do sistema passaram a ser a

“cara” do movimento de resistência dessa época.

53

Segundo Goldberg (2006), Robert Wilson e Richard Foreman

apresentavam performances em grande escala: teatro, dança, arquitetura. O

Teatro Histérico-Ontológico de Foreman refletia preocupações com a arte da

performance e com o teatro de vanguarda.

Enquanto as performances eram eventos rápidos, únicos, minimamente ensaiados e com duração de dez a quinze minutos, as obras ambiciosas de Wilson e Foreman eram ensaiadas ao longo de meses, duravam de duas a doze horas (GOLDBERG, 2006, p. 175).

As obras de Robert Wilson foram descritas como óperas.

Christopher Knowles é um autista, teve um longo trabalho terapêutico

com Robert Wilson e foi material de suas produções. “Wilson parecia associar

seu extraordinário mundo da fantasia e seu uso da linguagem à pré-

consciência e à consciência” (GOLDBERG, 2006, p. 176). Está provado que os

autistas têm maior desenvolvimento do hemisfério direito do cérebro, em

detrimento do esquerdo. Isto lhes outorga maior visualidade espacial em

detrimento do encadeamento lógico do discurso. O hemisfério direito está

relacionado com o pictórico, com as funções geométricas e espaciais. É ele

que organiza os processos gestálticos e a memória de imagens, e isto tudo se

relaciona com a performance. De acordo com Cohen (2004, p. 69),

Christopher Knowles podia dizer frases inteiras ao contrário, cortar letras de

seu discurso.

Segundo Goldberg (2006, p. 195), Pina Bausch fez experiências no

teatro visual semelhantes às de Robert Wilson. A dança-teatro de Bausch era a

antítese do teatro de viés mediático dos Estados Unidos. Igualmente atemporal

e incansavelmente físico era o teatro dança japonês Butô, de movimentos

lentos e gestos exagerados, às vezes sobrepostos a uma música estranha e

em outros instantes feitos em profundo silêncio.

Conforme a autora, nos anos 90, a cubana Mendieta expôs fotos de

suas performances ritualísticas baseadas no espírito afro-cubano em uma

grande exposição. Novas publicações cobriram a história da arte da

performance da América Latina, apresentando a um público muito mais amplo

54 as obras de artistas brasileiros, cubanos e mexicanos, como Lygia Clark, Hélio

Oiticica e outros (GOLDBERG, 2006, p. 201).

Ainda segundo Goldberg (2006, p. 202), a identidade da “alteridade”

também criou uma plataforma para os grupos marginalizados – “gays, lésbicas,

profissionais do sexo, travestis e até mesmo doentes crônicos e deficientes

desenvolveram um material performático intencional e profundamente

perturbador”.

A autora relata que, nos anos 90, muita tecnologia, performances com

vídeo eram utilizadas para criar paisagens conceitualmente provocadoras. A

montagem de cenários extravagantes para uma obra de grande porte foi um

influente estímulo para os artistas da geração que se seguiu à de Cindy

Sherman. A transição entre performance ao vivo e mídia gravada é contínua.

A performance provocou uma revitalização das artes, uma vez que é

uma linguagem pulsante, viva. Escolhi a linguagem da performance porque ela

é antes de tudo uma expressão cênica que continua atual e abrangente.

55 4. PROCESSO CRIATIVO DA PERFORMANCE “PORQUE SOMOS HELENAS”

Doce angústia criativa (Salvador Dali).

Minha primeira grande pergunta é: que significações estão impregnadas

nos autorretratos de Helene Schjerfbeck?

Ora, há uma ficção na construção que cada indivíduo faz da sua própria

imagem, sobretudo quando se expõe ao outro. Há uma parcela de mentiras

que faz parte da verdade de cada um, que é componente essencial da

realidade, pois somos o que somos, o que imaginamos e o que desejaríamos

ser. Até onde vão as barreiras entre mentira e ilusão, percepção e fidelidade,

verossimilhança e fantasia? O ator é aquele que empresta seu corpo, sua

aparência, sua voz para a personagem. A criação da personagem não

“despenca do céu”, não é fruto de uma iluminação especial, mas o ator, como o

escritor, o pintor, extrai dele mesmo a produção de sua obra. Assim, a atriz

quando revela a personagem, também é revelada por ela. Descobre-se através

da personagem. Reconhece a si no outro. A atriz não quer se limitar a repetir,

mas sim, viver na imaginação a ficção para que ganhe força de um fato real.

Tem a preocupação de entender o outro, ler e interpretar – no caso –

mensagens não verbais, visuais, aliadas a histórias que recolheu sobre a vida

da pintora. Em cena, não critica, não agride, ou seja, não julga, o que evita que

a personagem fique achatada e estereotipada. Isto é, a atriz não significa por

simples transposição e imitação: constrói as suas significações. Nesta teia

complexa de componentes próprios e do outro, existem sutilezas entre vida real

e vida interpretada. Quem é a verdadeira protagonista da história? Tudo tão

delicadamente real.

56

Fig. 13: Busca, movimento e expressão: Seis vezes Helene. Fonte: Cossalter (2011).

Disponho os seis autorretratos de Helene Schjerfbeck na minha frente e

contemplo. Fecho os olhos e revejo-os. Abro os olhos. Pergunto-me: como

despregá-los da moldura e incorporá-los? Como dar vida, movimento, a alguém

que está lá, parado, fixo, imóvel?

Fiquei angustiada e paralisada alguns dias.

“O artista mostra necessitar da paciência daqueles que trabalham sobre

o estímulo da esperança. Trabalho de quase Sísifo” (SALLES, 2009, p. 87).

Resolvi trabalhar imagem por imagem. Nesta preparação, decidi

trabalhar no coletivo: num processo colaborativo, recorri à bailarina Miriam

Dascal para ampliar meus recursos corporais, na busca de expressões cênicas

das imagens.

57

Fig. 14: Busca, movimento e expressão: Primeiros olhares.

Fonte: Dascal (2011).

Primeiro autorretrato de Helene Shjerfbeck (1884-1885). Que afetos ela

desperta em mim? Não sei. Sei que ela está bastante jovem nele. Tento

reconstruir aquilo que observo. Sinto um desconforto porque embora a cabeça

esteja virada para frente, o tronco, o ombro, está retorcido para o lado direito.

Por se tratar de uma pintura com características realistas, senti

necessidade de “montar” sua imagem o mais fielmente possível. Reli as situações da vida de Helene Schjerfbeck para que me

despertassem sentimentos, emoções. Quem sabe assim, “rechearia” a vida

interior da personagem dando-lhe mais sentido. Stanislavsky (1991, p. 77),

fundador do Teatro de Arte de Moscou, pontua a importância das

“circunstâncias dadas”: fatos, acontecimentos, época, tempo, local, condições

de vida da personagem como elementos que podem despertar uma atividade

58 interior e real; podem ser a alavanca para determinados atos e sentimentos

dessa pessoa imaginária.

Fig. 15: Busca, movimento e expressão: Helenas.

Fonte: Dascal (2011).

Após a releitura, refiz minha postura para reproduzir sua primeira

imagem, mas o peso e a densidade do meu gesto, do meu olhar não

correspondiam aos da figura de Helene em seu primeiro autorretrato.

Seres humanos são interpretadores dos fatos, tendendo a precipitar

entendimentos diante do desconhecido. A imagem escapou. Queria valorizar

apenas aquele momento, aquela imagem, apreendê-la no imediato. Fazer

pulsar em mim o que pulsava naquele autorretrato por meio de suas cores e

formas.

Forma, ritmo e fluxo. Eugênio Barba, fundador do Odin Teatret, ao tratar

da partitura, que é a manifestação objetiva do mundo subjetivo do ator, cita

quatro possibilidades: tratá-la como forma, como ritmo, como cores ou como

fluxo. Forma seria o desenho dinâmico no espaço; ritmo, a alternância de

59 tempos; cores, a qualidade de energia – macia ou vigorosa; fluxo seria como

um dique que contém o fluir orgânico das energias (BARBA, 2010, p. 69).

Fig. 16: Busca, movimento e expressão: Corpo no espaço.

Fonte: Dascal (2011).

Pensando nesses conceitos, olhei a primeira imagem de Helene, achei-a

jovem, provavelmente apaixonada por sua arte e comecei a dançar. Não havia

desejo de contar história nenhuma, era uma dança livre. Pretendia uma

comunicação subjetiva, e como a relação com os espectadores é prismática,

permitiria diversas afetações. Optei pela dança porque o espaço na

improvisação dá fluxo e na performance não há a interface entre teatro e

dança. O corpo expressava uma atmosfera, um estado de espírito. O

movimento, em dança pura era a poesia do corpo no espaço. As influências do

movimento eram musicais (testamos algumas músicas) e o conteúdo

emocional era a “vontade de pintar o mundo”, a aventura de descobrir-se por

meio da pintura.

60

“Os desenhos visíveis da dança podem ser descritos em palavras, mas

seu significado mais profundo é verbalmente inexprimível” (LABAN, 1971, p.

53).

Movimentos variados para cima, para baixo, direita, esquerda, frente e

trás percorriam o espaço como se o corpo estivesse pintando este espaço.

Mutantes expressões corporais traçavam um contorno complexo em

múltiplas combinações até o momento em que acontecia uma nova escolha na

forma dos gestos e postura corporal.

Fig. 17: Busca, movimento e expressão: Busca.

Fonte: Dascal (2011).

Neste instante, a ação era dotada de um objetivo específico: a

personagem começava a pintar seu primeiro autorretrato; colocava-se na

posição da imagem do autorretrato e ficava imóvel por uns instantes. Como se

quisesse fixá-la em uma moldura.

61

Segundo autorretrato de Helene Schjerfbeck (1895): Qual é a

singularidade de Helene Schjerfbeck? Algo se repete, mas algo se transforma.

Ela muda e se torna outra. Retorna sobre si, o que a modifica e a torna inédita.

O passado sai do campo de ação, mas coexiste. Ela se torna algo diferente

dela, apesar dela. Mudou, mas segue sempre sendo uma.

Perco-me em labirintos, hiatos, possibilidades.

Fig. 18: Busca, movimento e expressão: Pintando Helene.

Fonte: Dascal (2011).

Neste segundo autorretrato, Helene ainda é jovem, mas seu rosto, seu

olhar estão diferentes. Há uma diferença na pintura e nas cores.

A pincelada neste autorretrato tem movimento em torno da cabeça, as

cores do rosto, da roupa e dos cabelos são também as cores do fundo, o que

provoca uma harmonia, uma suavidade.

62

O rosto em posição ¾ traz um olhar mais enviezado para o lado,

provocando certo distanciamento em relação ao espectador. Este olhar dá a

impressão de que Helene se procura na imagem do espelho.

A roupa escura, com gola alta, valoriza o semblante de pele clara, numa

relação de alto contraste.

Olho para a imagem e para o espelho e faço uma posição corporal igual

a ela. Providencio pano azul, de tonalidade parecida com o azul do quadro,

pano é cênico, lúdico. Tem mobilidade, é mágico.

Fig. 19: Busca, movimento e expressão: Obliquamente.

Fonte: Dascal (2011).

Faço um olhar de lado, (desconfiado?), como o dela.

Fiquei parecida, mas ainda não estava satisfeita. De qualquer forma,

passei a contemplar o quadro seguinte.

63

Terceiro autorretrato de Helene Schjerfbeck (1912): A partir deste

autorretrato, não há mais compromisso com a “realidade” da imagem. Numa

fase já expressionista, pinta um olho de cada cor, uma sobrancelha de azul,

espalha círculos coloridos pelo rosto e a boca é pintada.

Cada olho tem uma cor. Olhar abandonado a si mesmo, desconfiado,

estrangeiro? Com que olho ela vê o quê?

Olho, fronteira móvel e aberta entre o mundo externo e Helene.

As cores expressam-na e escondem-na.

Fig. 20: Busca, movimento e expressão: Cores e formas I.

Fonte: Dascal (2011).

64

A primeira associação que faço é com o palhaço, que imprime em sua

fisionomia as mais disparatadas maquinações de cores.

O palhaço é brincante, é melancólico. O nariz vermelho é característico,

e ele só aparece numa relação com outra pessoa.

Helene está só, mas tento me relacionar com ela. O que esta imagem de

Helene revela?

Fig. 21: Busca, movimento e expressão: Cores e formas II.

Fonte: Dascal (2011).

O palhaço revela o ridículo de todos nós. E ela? Dor? Mesmo colorida,

sua expressão não é alegre.

65

Ando pelo espaço, procuro exprimir corporalmente o que este quadro me

transmite. Movimentos de tensão e encolhimento mesclados com movimentos

de relaxamento e liberdade expressavam a dialética dentro versus fora,

exposição versus esconderijo, choro versus riso.

A seguir, fitei-me no espelho alguns instantes e desenhei com batom

vermelho círculos no meu nariz, na bochecha, na testa. Olhei-me, olhei de lado,

me senti criança, brincante, atriz.

Quarto autorretrato (1915): Trata-se de uma mulher madura, que me

transmite segurança, altivez. Apropriada de si mesma e de sua função de

artista, uma vez que aparecem, pela primeira vez, objetos de pintura. Neste

retrato, o rosto é frontal, o olhar direto e a roupa é clara, com um broche.

Fig. 22: Busca, movimento e expressão: Persona.

Fonte: Dascal (2011).

Segundo Focos (1995), este autorretrato foi uma encomenda da

Associação de Artes da Finlândia. Ora, pressuponho, então, que ela mostrou-

se como queria ser vista.

66

Talvez seja como ela se apresenta no mundo, sua persona. Seu papel

social, a aparência exibida para facilitar a comunicação com o mundo externo,

com a sociedade em que vive.

Olho para o espelho, me penteio, faço maquiagem, me arrumo. Fito-me.

Penso na minha/dela identidade. Olho novamente para o quadro e observo os

signos que ela escolheu para representá-la: recipiente com pincéis, o que a

define como pintora; maquilagem, broche, apetrecho no cabelo lhe dão

identidade feminina.

Olho para ela, para mim, para o espelho.

Fig. 23: Busca, movimento e expressão: Através do espelho.

Fonte: Dascal (2011).

67

Quinto autorretrato (1939): Pintura dramática, subjetiva. Figura torta,

deformada, monstruosa. Máscara angustiante, estranha.

Sobrancelhas e olhos mais uma vez chamam a atenção. Uma

sobrancelha bem expressiva, a outra quase inexistente. Um olho diferente do

outro.

Ao contrário da imagem anterior, esta não possui características de

identidade definida, é quase uma máscara, que produz um impacto emocional

no espectador.

Observo o autorretrato e faço caretas exageradas, grito para exprimir

esta distorção. Que angústias esta imagem expressa e provoca?

Olho todos os autorretratos e percebo um movimento de Helene do

exterior para o interior, conforme ela fica mais velha. Há um amadurecimento

na idade e na pintura. De uma expressão realista, passa para momentos

expressionistas, em que deforma a figura para ressaltar o sentimento.

Conforme o tempo passa, a expressão do seu mundo psicológico adquire

maior importância do que seu mundo físico, aparente.

Na minha interpretação, o olho é a fronteira entre os dois mundos:

interno e externo. Lanço perguntas à imagem, especialmente aos seus olhos.

O que ressalta é sempre o olho. Qual olho revela, qual olho engana? As

percepções visuais são muitas vezes assimétricas e dinâmicas.

Fig. 24: Busca, movimento e expressão: Desconstrução.

Fonte: Dascal (2011).

68

Branca, “pastelada”, esta imagem nos remete a nossas partes obscuras,

malditas; um espelho de nossas distorções, contradições, aflições interiores.

Ela é patética, retorcida. A mim, me faz pensar em facetas da loucura, conflito

entre partes, caos interno.

Inevitável a associação com máscara, a imagem parece uma máscara,

que por sua vez, designa uma criação fantástica, feiticeira, relacionada a

manifestações diabólicas em torno de um mistério.

No Teatro primitivo, aquele que usa máscara perde a identidade, passa

a ser quem representa; é “possuído” pelo espírito daquilo que personifica e os

espectadores participam dessa transfiguração.

A máscara trágica procura reproduzir o patético e a dor.

A máscara expressionista na pintura exprime as convulsões da alma

humana; no teatro, ela representa o outro: o ator “perde” a identidade e passa a

ser quem representa, o que é compartilhado com quem o assiste (espectador).

Assim, a máscara relaciona de forma peculiar, o real e o imaginário, tem

valor simbólico, é arquetípica.

Planos e ângulos da iluminação no palco, relação de luz e espaço

cênico, ou seja, desenho de luz, construído com um iluminador, transmitem

efeitos análogos aos efeitos de jogos de contrastes, de luz e sombra na pintura.

Dão clima, valorizam expressões.

Este autorretrato me levou a exploração de outros signos cênicos:

máscara, iluminação.

Sexto autorretrato (1944): este autorretrato me colocou em contato com

sensações, emoções vinculadas à ideia de morte. É como se Helene

registrasse sua imagem esvaindo-se, já perto do final da vida. Trata-se de uma

pintura bem impactante, é quase um borrão, com um olho bem grande e o

outro praticamente apagado, só se vê sua sombra.

69

Fig. 25: Busca, movimento e expressão: Esvanecer.

Fonte: Dascal (2011).

Neste quadro, Helene Schjerfbeck tematiza sua própria finitude, a

imagem é dissonante, denuncia a ilusão da harmonia eterna que gostaríamos

de ter.

Lembrei-me da última cena do filme: Morte em Veneza, do diretor

italiano Luchino Visconti, produzido em 1971. Na cena a qual me refiro, o

maestro protagonista morre ao mesmo tempo em que a tinta de seus cabelos

escorre pela fronte. É uma cena muito bonita. Embora no filme a imagem

tivesse outros significados, meu pensamento sobre velhice, morte e pintura de

Helene me trouxe a imagem desta cena que também, entre outras coisas, se

relacionava com velhice, morte, arte, tinta escorrendo, vida acabando.

Como mostrar corporalmente um processo de desmaterialização, de

alguém que está indo embora, mas ainda vive? Difícil. Deixo meu corpo tenso,

encolhido, respiração ofegante. Um olho fechado, outro, aberto. Embora numa

postura desconfortante, angustiante, olhando no espelho, percebo que seu

efeito não impacta como eu gostaria.

70

Fig. 26: Busca, movimento e expressão: Movimento e gesto.

Fonte: Dascal (2011).

Trata-se de uma qualidade nova, um clímax, um conteúdo expressivo

diferente.

“À sublime beleza do viver justapõe-se o sentido da solidão essencial

ante o destino” (DA VINCI [14--] apud OSTROWER, 2004, p. 50).

Refaço meu gesto, encolho, respiro com dificuldade, mas não estou

satisfeita com o resultado. Apesar da intenção, sinto-me ainda distanciada

daquilo que quero expressar.

As cores da maquiagem cênica, bem como as cores na pintura,

expressam sensações e podem definir um contexto com diferentes

71 significados. Uma maquiagem escura, borrada, pode ter efeito parecido com o

“borrão” deste autorretrato.

Construir ou desfazer características do rosto, criar outra identidade são

funções da maquiagem cênica. Pode ser um recurso interessante a ser

experimentado. Experimento possibilidades.

Após esta imersão contemplativa com ensaios gestuais correspondentes

em cada autorretrato de Helene Schjerfbeck, resolvi sair das partes e pensar

no todo, num processo menos estanque. Este olhar mais gestáltico pode trazer

novos recursos, ideias, criações cênicas.

Até aquele momento tive um movimento de buscar minhas reações

corporais subjetivas a partir de cada imagem de Helene, tentando expressar o

efeito que eles produziam em mim. No momento seguinte comecei a pensar

nela como uma personagem propriamente dita e no conflito essencial que a

movia, resultando neste desejo de se autorretratar.

De que forma esses conflitos poderiam ser expressos por meio de

signos cênicos? O autorretrato possibilita um jogo de imagem entre o que a

artista pensa ser, deseja ser, finge ser... o resultado é a pintura na tela.

Cenicamente quais poderiam ser os signos representativos deste jogo, desta

oscilação e mescla entre revelar e esconder-se? Entre ser um e ser outros?

Com que objetos, suportes cênicos, a atriz poderia relacionar-se para significar

estes vaivéns?

Resolvi, então, procurar a colaboração de um encenador que me

ajudasse a refletir sobre o processo, com um olhar panorâmico. Desta forma,

com Fábio Vinasci, experimentei durante os ensaios alguns objetos que,

utilizados cenicamente, pudessem expressar o conflito que nasce do desejo de

se revelar e se enxergar e, ao mesmo tempo, se tornar outro como na pintura.

72

Fig. 27: Máscaras: Máscara I.

Fonte: Vinasci (2011).

Elegemos a utilização da máscara como ponto de partida para a

experimentação por ser um objeto que, em função das suas particularidades

(cores, formas, linhas e expressões), permite a ampliação do imaginário, tanto

do ponto de vista da criação do performer, quanto do olhar do espectador.

73

É importante ressaltar que nossa ideia não era criar um espetáculo de

máscaras, o que exigiria um processo de pesquisa mais longo e aprofundado,

mas aproveitar a gama de possibilidades desse elemento cênico para

enriquecer a minha performance. Tampouco tínhamos a intenção de utilizar

uma máscara que representasse de forma realista a figura de Helene

Schjerfbeck, e sim evocar sua presença em cena.

A máscara utilizada durante os ensaios foi criada a partir do meu próprio

rosto, o que me possibilitou experienciar a sensação de ter, por meio de outro

suporte, o meu autorretrato, uma vez que participei da sua confecção. No

entanto, ao me mascarar, perdi dois dos elementos de expressão mais

comumente utilizados no meu trabalho de atriz, que são o rosto e a voz. A

ausência desses dois recursos aliada ao uso da máscara reforçou a sensação

de ser outra pessoa em cena, mesmo utilizando sobre a minha pele um molde

do meu próprio rosto.

Fig. 28: Máscaras: Máscara II.

Fonte: Vinasci (2011).

74

Entretanto, este processo revelou-se inadequado, e optamos pelo uso

de uma máscara industrializada. O uso da máscara nesse processo me

estimulou a experimentar outras possibilidades corporais, tornando meu

gestual mais expressivo e sensível à atmosfera que emana dos quadros de

Helene, percorrendo sua obra não apenas a partir de uma abordagem racional

e lógica, mas principalmente sob o prisma de uma percepção mais sensorial e

onírica.

Fig. 29: Máscaras: Máscara III.

Fonte: Vinasci (2011).

A busca pela forma e pela representação dessa identidade cênica a

partir da minha própria máscara e do universo pictórico de Helene será o

conflito motor por intermédio do qual se desencadearão as ações dramáticas

da minha encenação, que encontra paralelo com a necessidade de expressão

da pintura através de sua obra.

75

Estas fotos me levaram à percepção de enquadramento, o que trouxe

um diálogo do pictórico com o cênico.

Embora fosse a mesma máscara, magicamente ela mudava. Conforme a

relação da atriz com ela, da máscara com outros objetos, outros sons, climas

diferentes eram sugeridos e a máscara parecia outra.

Fig. 30: Máscaras: Máscara IV.

Fonte: Vinasci (2011). Além da máscara, relações com outros signos cênicos podem ser

experimentadas.

76

Uma janela, por exemplo, pode ser um elemento cenográfico

interessante, uma vez que pode ser o equivalente a uma moldura. Wim

Wenders, cineasta alemão, num depoimento no filme Janelas da alma (2001),

de João Jardim , relata que acha que ficamos mais conscientes no

enquadramento. Ele prefere os óculos às lentes porque eles dão

enquadramento, deixam a visão mais seletiva. Segundo ele, o enquadramento

nos dá mais consciência do que vemos de fato.

A janela é um “portal de contemplação”, permite e compartilha a

passagem do tempo. Fechada, é o silêncio.

A porta também é metafórica: pode receber, acolher, mas também

proteger e esconder.

A artista plástica Keller Duarte pintou os quadros que compuseram a

cenografia, uma vez que acompanhou o processo inteiro do trabalho.

Em princípio, o figurino deve acompanhar as mudanças de estilo da

pintora, a transformação da representação realista para a expressionista. Mais

próximo, no realismo, principalmente no que diz respeito às cores, depois fica

menos “engessado”, aborda um universo mais onírico, subjetivo. Cores mais

sóbrias, mais densas. Atmosfera.

Joana Salles, figurinista, foi convidada a assistir a um ensaio em que

também estava presente o diretor Fábio Vinasci, e fazer a concepção do

figurino. Assistindo, fez comentários sobre o clima da performance, perguntou

sobre a artista e sua época, expressou sua percepção, e juntos refletimos

sobre efeitos realistas e expressionistas.

Com base neste encontro, esboçou o figurino.

77

Fig. 31: Figurino.

Fonte: Joana Salles (2011).

78

No que diz respeito à trilha sonora, meu interesse não foi pesquisar a

música da época, nem do país de Helene Schjerfbeck, mas sim, dar vazão à

intuição durante os ensaios. Conseguir climas, atmosferas. Valorizar momentos

de intensidade interpretativa.

A luz sempre dialoga com os movimentos e o estado interior da atriz,

contracena com a música e o espaço cênico em todos os seus aspectos.

A iluminação pode dar ênfase a certos aspectos do cenário, pode

estabelecer relações entre a atriz e os objetos, pode enfatizar as expressões

da atriz, pode limitar o espaço de representação a um círculo de luz, e muitos

outros efeitos. Para tal, o iluminador Airton dos Santos Filhos, com sua técnica

de iluminação, buscou estes efeitos nos ensaios.

O corpo da performer estará produzindo significações, por meio de suas

relações com a plateia, com objetos cênicos, cenografia, música, iluminação e

espaço cênico.

Várias fases da vida de Helene Schjerfbeck são evocadas: o tempo da

juventude, da maturidade, da velhice; a passagem dos anos, a efemeridade da

vida, são panos de fundo para a busca de climas nas passagens. Embora

morta, sua presença no mundo não foi apagada.

“O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”

João Guimarães Rosa.

79

5. DVD PERFORMANCE “PORQUE SOMOS HELENAS”

80

CONSIDERAÇÔES FINAIS

O estimulante desafio da passagem da linguagem pictórica para a

linguagem cênica me proporcionou algumas descobertas e reflexões.

O processo de criação cênica, performática, a partir de pinturas, me

compeliu a ter um olhar mais cuidadoso com a contextura pictórica, isto é, seus

elementos, suas combinações, seus signos.

A invenção de novas experimentações cênicas a partir deste olhar

buscou privilegiar a função poética das linguagens. Explorar os limites da

linguagem para chegar a outra linguagem, testar possibilidades expressivas,

afina a sensibilidade e potencializa a criação. Desaloja certezas, tira categorias

estanques.

A imagem emoldurada é também um palco, autorretratos possuem carga

dramática, são personagens pictóricos. Da mesma forma, cenários e gestos

cênicos podem ser “verdadeiras pinturas”.

O processo de improvisações consistiu na criação de expressões

cênicas a partir de efeitos produzidos pelas imagens dos autorretratos

escolhidos. Assim, formas, cores, luzes se recriavam em gestos, movimentos,

máscaras, iluminação.

É importante ressaltar que cada gestual, ritmo, expressão, mesmo

quando decupada, formava conjuntos que se combinavam com outros

conjuntos, isto é, signos se recombinavam com outros signos; momentos

singulares resultantes de improvisações aos poucos se vinculavam ao conjunto

da representação, bem como cada elemento da pintura se compõe com outros

elementos formando um todo.

Percebi que, num processo de oficina de teatro, improvisações a partir

de autorretratos podem ser interessantes, uma vez que múltiplas construções e

associações podem advir desta relação. Multiplicidades são criadas a partir da

unidade, meios de expressão inéditos são explorados, experimentações

singulares transformam a percepção criativa. Outros rostos, outros olhares,

81 outras intensidades nos atravessam neste processo de semióticas polívocas e

devires multidimensionais.

A quebra da interface entre linguagens artísticas, como proposta

performática, permite associações entre cenas de filmes, textos poéticos,

lembranças musicais, movimentos de dança.

A pintora finlandesa Helene Schjerfbeck é inédita no Brasil, mas

conhecida em Paris e principalmente na Finlândia. Em sua obra, a artista

submergiu em diversos “espaços e silêncios” de diferentes fases de sua vida.

Registrou nos seus autorretratos seu ser no mundo e a fugacidade da condição

humana. Sua pintura incita um mergulho profundo, intenso, num contato com

emoções reprimidas, universais, arquetípicas. A sequência temporal de seus

autorretratos nos propõe uma constante metamorfose subjetiva.

Ao me comunicar com o universo da pintura e o das artes cênicas,

concluí que a grande diferença entre as duas linguagens é que, do ponto de

vista do criador, o ato cênico não é uma obra fechada, não tem uma forma

definitiva, não se conclui. Não há um controle do resultado final, é aberto, só se

concretiza no momento do acontecimento cênico, que varia conforme a

ocasião. O instante do performer, a relação com o público, o momento. Não se

perpetua, não é arte imorredoura.

A imagem pictórica se atualiza porque permanece, é imorredoura. A

relação com o espectador será sempre dinâmica e viva. Mas, do ponto de vista

do criador, a pintura, a escultura, uma vez acabada está pronta e é “guardada”,

permanece. O ato cênico pode ter um registro escrito sobre ele, pode ser

fotografado, filmado, mas enquanto característica própria é efêmero, não se

pode “guardá-lo.” Mesmo quando se repete, cada dia é de um jeito, é finito. A

tessitura de seu material não é concreta, te escapa. Além disso, o trabalho do

ator só tem sentido na perspectiva do olhar do outro, ou seja, do espectador. O

que ele sugere em cena deve ser percebido e identificado pelo espectador.

Uma apresentação cênica, um espetáculo, é um organismo vivo, em que

o encontro entre ator e espectador acontece pela força desta relação: o quanto

quem assiste afeta e é afetado por quem faz.

82

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85 LISTA DE IMAGENS

1. Painel de autorretratos – pp.: 12, 13, 14, 15.

2. Fig. 01:, Juízo final (1305 – 1307), Giotto di Bondone, pp. 25.

3. Fig. 02: Narciso (1594 – 1596), Michelangelo Merisi da Caravaggio.

Fonte: Lasta (2011) – pp. 26.

4. Fig. 03: Autorretrato com máscaras (1889), James Ensor. Fonte: Musée

Royal dês Beaux – Arts (2011). pp. 29.

5. Fig. 04: Convalescente, Helene Schjerfbeck, 1888. Fonte: JG (2006), pp.

33.

6. Fig. 05: Autorretrato (1884 – 85), Helene Schjerfbeck. Fonte: Lunardelli

(2011), pp. 36.

7. Fig. 06: Esquema de proporções do rosto. Fonte: Google Imagens

(2011), pp.36.

8. Fig. 07: Autorretrato (1895), Helene Schjerfbeck. Fonte: Lunardelli

(2011), pp. 37.

9. Fig. 08: Esquemas de desenhos de cabeça ¾. Fonte: Google Imagens

(2011), pp.37.

10. Fig. 09 Autorretrato (1912), Helene Schjerfbeck. Fonte: Lunardelli

(2011), pp. 38.

11. Fig. 10: Autorretrato (1915), Helene Schjerfbeck. Fonte: Lunardelli

(2011), pp. 39.

12. Fig. 11: Autorretrato (1939), Helene Schjerfbeck. Fonte: Lunardelli

(2011), pp. 40.

13. Fig. 12: Autorretrato (1944), Helene Schjerfbeck. Fonte: Lunardelli (2011)

– pp. 41.

14. Fig. 13: Busca, movimento e expressão: Seis vezes Helene. Fonte:

Cossalter (2011), pp. 56.

15. Fig. 14: Busca, movimento e expressão: Primeiros olhares. Fonte:

Dascal (2011), pp. 57.

86

16. Fig. 15: Busca, movimento e expressão: Helenas. Fonte: Dascal (2011),

pp. 58.

17. Fig. 16 – Busca, movimento e expressão: Corpo e espaço. Fonte: Dascal

(2011), pp. 59.

18. Fig. 17: Busca, movimento e expressão: Busca. Fonte: Dascal (2011),

pp. 60.

19. Fig. 18: Busca, movimento e expressão: Pintando Helene. Fonte: Dascal

(2011), pp. 61.

20. Fig. 19: Busca, movimento e expressão: Obliquamente. Fonte: Dascal

(2011) pp. 62.

21. Fig. 20: Busca, movimento e expressão: Cores e formas I. Fonte: Dascal

(2011), pp. 63.

22. Fig. 21: Busca, movimento e expressão: Cores e formas II. Fonte:

Dascal (2011), pp. 64.

23. Fig. 22: Busca, movimento e expressão: Persona. Fonte: Dascal (2011),

pp. 65.

24. Fig. 23: Busca, movimento e expressão: Através do espelho. Fonte:

Dascal (2011), pp. 66.

25. Fig. 24: Busca, movimento e expressão: Desconstrução. Fonte: Dascal

(2011), pp. 67.

26. Fig. 25: Busca, movimento e expressão: Esvanecer. Fonte: Dascal

(2011), pp. 69.

27. Fig. 26: Busca, movimento e expressão: Movimento e gesto. Fonte:

Dascal (2011), pp. 70.

28. Fig. 27: Máscaras: Máscara I. Fonte: Vinasci (2011), pp. 72.

29. Fig. 28: Máscaras: Máscara II. Fonte: Vinasci (2011), pp. 73.

30. Fig. 29: Máscaras: Máscara III. Fonte: Vinasci (2011), pp. 74.

31. Fig. 30: Máscaras: Máscara IV. Fonte: Vinasci (2011), pp. 76.

32. Fig. 31: Figurino. Fonte: Joana Salles (2011), pp. 77.

87

F225p Farina, Maria Helena Machado.

Porque somos Helenas: uma passagem entre linguagens/ Maria Helena Machado Farina. -

88 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.

Bibliografia: f. 82-87.

1. Schjerfbeck, Helene. 2. Autorretrato. 3. Processo de criação. 4. Performance. 5. Linguagem I. Título.

CDD 372.6