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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE RENATA MARGARIDO CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA LÍNGUA EM FUNÇÃO São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RENATA MARGARIDO

CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS

E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS

EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA

LÍNGUA EM FUNÇÃO

São Paulo

2010

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RENATA MARGARIDO

CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS

E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS

EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA

LÍNGUA EM FUNÇÃO

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Letras, Área de Estudos Linguísticos.

ORIENTADORA: Profª. Drª. Maria Helena de Moura Neves

São Paulo

2010

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M327c Margarido, Renata.

Construções (coordenadas) adversativas e construções

(subordinadas) adverbiais concessivas em português: pontos de

contato e de contraste na língua em função. / Renata

Margarido. -- 2010.

188 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) -

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.

Bibliografia: f. 182-188

Orientador: Maria Helena de Moura Neves

1. Construções adversativas. 2. Construções concessivas. 3. Pontos

de contato. 4. Pontos de contraste. 5. Teoria funcionalista da

linguagem. I. Título. CDD 415

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RENATA MARGARIDO

CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS

E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS

EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA

LÍNGUA EM FUNÇÃO

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Letras, Área de Estudos Linguísticos.

Aprovada por

__________________________________________ Profª. Drª. Maria Helena de Moura Neves – orientadora

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

_____________________________________________

Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

_________________________________________ Profª. Drª. Maria Célia Pereira Lima-Hernandes

Universidade de São Paulo (USP)

______________________________________________

Profª. Drª. Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) – suplente

_______________________________________________

Profª. Drª. Maria Suely Crocci de Souza – suplente

Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP)

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Prof.ª Maria Helena de Moura Neves, pelo apoio, pelo incentivo

e pelos valiosos ensinamentos.

À Prof.ª Diana Luz Pessoa de Barros, pelo apoio.

À FAPESP, pelo financiamento desta pesquisa.

À Prof.ª Maria Célia Pereira Lima-Hernandes e ao Prof. Ronaldo de Oliveira Batista,

pelas preciosas sugestões dadas em Exame de Qualificação.

À minha mãe, pelo apoio.

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é comparar as construções adversativas e as construções

concessivas presentes em editoriais. Baseia-se, aqui, na teoria funcionalista da linguagem,

segundo a qual, na análise linguística, deve haver a integração dos componentes sintático,

semântico e pragmático. Levando-se isso em consideração, pretende-se investigar, entre

outros aspectos, as possíveis motivações para o uso de uma das construções em estudo em vez

de outra em certos contextos. Os resultados alcançados mostram que, por um lado, há pontos

de contato entre as construções adversativas e as construções concessivas porque elas se

incluem na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Por outro lado, há pontos de contraste entre

essas construções devido ao fato de que cada uma delas desempenha um papel específico em

certos contextos, o que é decorrente da condição particular de “margem” (LONGACRE,

2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988), “realce”

(HALLIDAY, 2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e

“tema” (GARCÍA, 1994) das adverbiais concessivas. Na análise empreendida, observou-se

que muitas das diferenças entre as construções em estudo estão relacionadas ao fato de que o

segmento concessivo, como margem ou satélite, pode apresentar mecanismo de antecipação,

sendo produzidos efeitos de sentido particulares.

Palavras-chave: construções adversativas, construções concessivas, pontos de contato, pontos

de contraste, teoria funcionalista da linguagem.

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ABSTRACT

The aim of this work is to compare adversative constructions and concessive constructions

which occur in editorials. This paper is based on the theory of functional grammar, which

postulates the conjunction of syntactic, semantic and pragmatic factors in the analysis of

linguistic use. Taking these aspects into consideration, it intends to investigate possible

reasons which motivate the use of one construction instead of the other in particular contexts.

The results reached show that, on one hand, there are areas of overlap between adversative

constructions and concessive constructions for the fact that they display “relation of

preference” (GARCÍA, 1994). On the other hand, there are areas of contrast between these

constructions due to the fact that each of them plays a particular role in certain contexts,

which is resulted from the specific functions fulfilled by a concessive element, as “margin”

(LONGACRE, 2007), “satellite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988),

“enhancement” (HALLIDAY, 2004), “guidepost” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993),

“background” (GIVÓN, 1990) and “theme” (GARCÍA, 1994). In the analysis, it was observed

that most of the differences between the constructions in discussion are related to the fact that

specifically the concessive element, as margin or satellite, can present mechanism of

anticipation, displaying particular effects.

Keywords: adversative constructions, concessive constructions, areas of overlap, areas of

contrast, theory of functional grammar.

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RELAÇÃO DE QUADROS

Quadro 1

Tipo textual nos segmentos da construção adversativa ..................................... 91

Quadro 2

Tipo textual e valores semânticos na construção adversativa ..............................

92

Quadro 3

Tipo textual nos segmentos da construção concessiva ........................................

95

Quadro 4

Tipo textual nos segmentos da construção concessiva (córpus de controle) .......

96

Quadro 5

Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva ...............................

96

Quadro 6

Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva (córpus de

controle) ...............................................................................................................

97

Quadro 7

Estatuto informacional nos segmentos da construção adversativa ......................

144

Quadro 8

Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva .......................

145

Quadro 9

Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva (córpus de

controle) ............................................................................................................... 146

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SUMÁRIO

Introdução ………………………………………………………….

1

9

1. Pressupostos teóricos ……………………………………………

1

13

2. Adversativas e concessivas: fluidez semântica ………………...

1

17

2.1 O compartilhamento de valores semânticos ……………………………

1

17

2.2 Bases semântico-argumentativas do cotejo …………………………….

0

27

2.3 Bases lógico-semânticas do cotejo ……………………………………

0

34

3. Adversativas e concessivas: especificidades e aproximações

sintáticas e discursivas ……………………………………………..

0

43

3.1 Construções adversativas e construções concessivas: visão tradicional e

visão funcionalista ……………………………………………………..

0

43

3.2 A organização das construções adversativas e das construções concessivas

no fluxo de informação …………………………………………………

0

55

3.3 A condução argumentativa nas construções adversativas e nas construções

concessivas ……………………………………………………………

0

63

4. Procedimentos metodológicos ………………………………….. 0

73

4.1 Procedimentos estabelecidos para análise ……………………………... 0

73

4.2 Córpus: o editorial ………………………………………………….. 0

78

4.3 Seleção e delimitação do córpus ……………………………………... 0

82

4.4 Objetivos e critérios de análise ………………………………………. 0

83

5. Análise das construções adversativas e das construções

concessivas em editoriais: motivações de uso …………………….

0

89

5.1 Adversativas e concessivas: inserção textual, uso argumentativo e

interpretação semântica …………………………………………………

0

89

5.1.1 Identidade de tipo textual nos segmentos da construção ………………. 0

91

5.1.2 Não identidade de tipo textual nos segmentos da construção …………... 0

136

Considerações gerais …………………………………………………... 0

140

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5.2 Adversativas e concessivas: estatuto informacional …………………….

0

143

5.2.1 Identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção …….. 0

147

5.2.2 Não identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção ... 0

163

Considerações gerais …………………………………………………... 0

174

Conclusões …………………………………………………………. 0

178

Referências bibliográficas ………………………………………… 0

182

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INTRODUÇÃO

O objetivo geral desta dissertação é estabelecer pontos de contato e de contraste entre

as construções (“coordenadas”) adversativas com mas e as construções (“subordinadas”)

adverbiais concessivas com embora.

O objetivo específico é examinar a junção operada pela conjunção “coordenativa

adversativa” mas e pela conjunção “subordinativa (adverbial) concessiva” embora. São

objetivos intermediários: i) a investigação do estatuto funcional das classes tradicionalmente

chamadas de “coordenada” e de “subordinada”; ii) a investigação do estatuto funcional das

classes tradicionalmente denominadas de “adversativa” e de “adverbial concessiva”.

Toma-se como base a teoria funcionalista da linguagem e se considera, em

consonância com os objetivos apresentados, que os fatores semântico e sintático devem estar

integrados ao componente pragmático na análise das adversativas e das concessivas. Dessa

forma, observam-se os usos efetivos dessas construções, o que contribui para que se

demonstrem, assim, as possíveis motivações para a utilização de uma construção em vez de

outra.

Para a análise das adversativas e das concessivas, selecionaram-se construções do

português escrito contemporâneo. O córpus se constitui de um conjunto de editoriais dos

jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Optou-se por utilizar editoriais como córpus

pelo fato de esse gênero discursivo ser essencialmente argumentativo, o que, em princípio,

contribuiria para a frequência das adversativas e das concessivas.

O interesse pelo tema aqui proposto surgiu quando foi desenvolvido (de 2005 a 2006)

trabalho de Iniciação Científica intitulado “Avaliação do material de apoio usado no

tratamento escolar da gramática (Ensino Fundamental: 5ª a 8ª série) em confronto com a

proposta de uma gramática do português baseada nos usos”. No decorrer da pesquisa,

verificou-se que grande parte das coleções de livros didáticos analisadas tratava as classes

gramaticais desconsiderando, em geral, seus usos efetivos. Duas das classes tratadas nas

lições didáticas como categorias “fechadas” são a “coordenada adversativa” e a “subordinada

adverbial concessiva”. Observou-se, entre outros aspectos, que o tratamento tradicional dado

a essas classes dificulta a contemplação tanto dos pontos de contato quanto dos pontos de

contraste entre elas.

Embora esta dissertação não esteja relacionada especificamente com o ensino de

gramática, entende-se que, a partir da revisão do tratamento tradicional dado às adversativas e

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às concessivas, podem-se oferecer contribuições para que se pense nos pontos de contato e de

contraste entre essas construções.

A escolha do tema também se justifica pelo fato de que a relação entre as adversativas

e as concessivas ainda não é ponto de consenso entre os estudiosos da língua, o que mostra

que tal questão merece uma investigação acurada.

Para a comparação entre as adversativas e as concessivas, colocam-se em xeque duas

dicotomias usualmente determinadas nas gramáticas tradicionais: uma referente ao fator

sintático (coordenação x subordinação) e outra atinente ao aspecto semântico (oposição x

concessividade).

Tradicionalmente se atribui às adversativas o estatuto sintático de “coordenação” e o

valor semântico de “oposição” e às concessivas o estatuto sintático de “subordinação” e o

sentido de “concessividade”. Essa separação rígida faz pensar que cada construção possui

exclusivamente características que lhe são inerentes, não havendo aproximações entre elas.

Entretanto, quando se faz uma análise das adversativas e das concessivas ligada a seus usos

efetivos, verifica-se que, apesar de serem incluídas pelos gramáticos tradicionais em classes

distintas, elas apresentam pontos de contato.

No que diz respeito ao fator sintático, tradicionalmente se concebe que as coordenadas

adversativas são independentes e que as concessivas são dependentes. No entanto, quando se

considera que essas construções se encontram, como se verá, em um continuum, observa-se

que seria problemático estabelecer uma separação rígida entre elas.

No que se refere ao fator semântico, como se verá, “oposição” e “concessividade” não

se opõem, pois a concessão pode ser incluída no grupo da oposição. Daí a possibilidade de as

adversativas e as concessivas apresentarem valores semânticos semelhantes.

Considerados os pontos de contato entre as adversativas e as concessivas, é possível

identificar certas diferenças de uso. Como se verá neste trabalho, muitas das diferenças de

comportamento entre as adversativas e as concessivas estão relacionadas ao fator pragmático.

Isso mostra a necessidade de se atrelarem, na análise das adversativas e das concessivas, o

componente pragmático aos componentes semântico e sintático.

Levando-se em consideração essa integração de componentes, a hipótese que norteia

esta pesquisa é a de que os pontos de contato entre as adversativas e as concessivas se

relacionam especialmente à “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Por outro lado, os pontos

de diferenciação entre essas construções são decorrentes da condição de “margem”

(LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988),

“realce” (HALLIDAY, 2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993), “fundo”

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(GIVÓN, 1990) e “tema” (GARCÍA, 1994) das adverbiais concessivas, em contraste com as

adversativas.

A partir dos resultados de análise deste trabalho, observou-se que a principal

particularidade das concessivas, resultante de sua natureza de margem, de satélite, é que a

maioria dos segmentos adverbiais vem na posição anteposta. Devido a isso, no decorrer da

análise, procurou-se chamar mais atenção para os diferentes efeitos de sentido produzidos nas

concessivas com segmento adverbial anteposto em relação às adversativas.

A seguir, trata-se de aspectos relacionados à estrutura deste trabalho.

No que se refere à organização, há 3 capítulos teóricos, 1 capítulo sobre os

procedimentos metodológicos e 1 capítulo de análise.

No capítulo 1, expõem-se os principais pressupostos gerais da teoria funcionalista da

linguagem e os postulados dessa teoria que dizem respeito especificamente ao fluxo de

informação, um dos aspectos que, neste trabalho, será relacionado às adversativas e às

concessivas.

No capítulo 2, trata-se, sobretudo, da fluidez semântica existente entre as adversativas

e as concessivas. Partindo-se das considerações da gramática tradicional, inicia-se a discussão

no tópico 2.1, que trata do compartilhamento de valores semânticos entre essas construções.

Em seguida, é vista a aproximação entre elas considerando-se, no tópico 2.2, o aspecto

semântico-argumentativo e, no tópico 2.3, o aspecto lógico-semântico envolvido no cotejo,

sendo este último aspecto voltado especialmente para as concessivas.

No capítulo 3, trata-se, sobretudo, das especificidades sintáticas e discursivas das

adversativas e das concessivas. No tópico 3.1, apresenta-se a visão tradicional (coordenação x

subordinação) e a visão funcionalista (parataxe x hipotaxe) das construções em estudo. Na

seção 3.2, discorre-se sobre a organização das adversativas e das concessivas no fluxo de

informação, com o tratamento, por exemplo, da questão da distribuição de informação (par

informação conhecida/ informação não conhecida) e do relevo informativo (par figura/fundo).

No tópico 3.3, trata-se do uso argumentativo das construções em questão, que envolve,

necessariamente, o aspecto discursivo.

No capítulo 4, trata-se da metodologia utilizada, com a indicação dos critérios

estabelecidos para a seleção e delimitação do córpus e dos grupos de critérios utilizados na

análise das construções em estudo. Nesse capítulo, discorre-se, ainda, sobre as características

do editorial, gênero que constitui o córpus deste trabalho.

No capítulo 5, apresenta-se a análise das adversativas e das concessivas em editoriais,

observando-se as possíveis motivações de uso de cada construção. Na seção 5.1, investigam-

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se os tipos textuais (e as funções) presentes nos segmentos das adversativas e das concessivas.

Nesse exame, inclui-se a interpretação semântica dessas construções: relacionam-se os tipos

textuais presentes nelas com os seus valores semânticos. Além disso, considera-se o uso

argumentativo das adversativas e das concessivas, e se observam, por exemplo, as possíveis

estratégias argumentativas utilizadas pelo locutor. No tópico 5.2, por sua vez, trata-se do

estatuto informacional dos segmentos das construções adversativas e das concessivas.

Em todos os tópicos de análise, procura-se investigar de que forma as particularidades

das adverbiais concessivas influem para determinar diferentes efeitos de sentido. Por fim,

apresentam-se as conclusões desta dissertação.

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1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Algumas posições funcionalistas que sustentam a investigação que aqui se faz

apresentam-se a seguir, com recurso a propostas da teoria funcionalista da linguagem

assentadas em Halliday (1978), Dik (1989) e Givón (1995) e desenvolvidas em Neves (2004)

e em Cunha et al. (2003).

Neves (1997) diz que os desenvolvimentos mais significativos do funcionalismo são

associados, frequentemente, às concepções da Escola Linguística de Praga, para a qual a

linguagem possibilita ao homem referir a realidade extralinguística.

Afirma Halliday (1978) que a língua se desenvolveu para atender a certas funções

chamadas de “funções sociais”. Como o autor aponta, tais funções são os contextos

significativos, na medida em que o homem é capaz de especificar parte do potencial de

significado que está associado a ele.

Como mostra Neves (2004), o funcionalismo se preocupa com as funções dos meios

linguísticos de expressão. Assim, diz a autora, o estudo da língua se dirige para uma

consideração das estruturas linguísticas exatamente pelo que elas representam de organização

dos meios linguísticos de expressão das funções a que serve a linguagem.

Para a verificação do que tais estruturas representam em relação à organização desses

meios linguísticos, consideram-se os contextos de uso da língua, pois, como apontam Cunha

et al. (2003), em um tratamento funcionalista procura-se explicar as regularidades observadas

no uso interativo da língua a partir da observação das condições discursivas em que se dá esse

uso.

O funcionalista Dik (1989), propondo um modelo de interação verbal, mostra o papel

do componente pragmático (referente às condições discursivas) no processo comunicativo.

Nesse modelo, observa-se que, para construir o enunciado linguístico, o falante antecipa uma

possível interpretação do ouvinte, ao passo que, para interpretar esse enunciado, o ouvinte

reconstrói a intenção comunicativa do falante. Assim, para Dik (1989), no processo de

interação verbal, o ouvinte interpreta os enunciados por meio das informações contidas nas

expressões linguísticas e, também, por meio de sua informação pragmática1, enquanto o

falante produz seu enunciado levando em consideração a imagem que faz sobre a informação

de que o ouvinte dispõe no momento do processo de comunicação.

1 Dik (1989) dá a seguinte definição para “informação pragmática”: o repertório de conhecimento, crenças,

inferências, opiniões e sentimentos de um indivíduo em algum ponto da interação verbal.

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Dik (1989) afirma que, em uma abordagem funcional da linguagem, a pragmática se

integra com os demais componentes presentes nas análises linguísticas, o sintático e o

semântico. Assim, tais fatores são interdependentes, sendo a pragmática o componente que

engloba os demais. Dessa forma, diz o autor, a sintaxe serve para que os usuários da língua

formem expressões (complexas) a fim de expressar sentidos (complexos), e esses sentidos

servem para que as pessoas se comuniquem de formas diferentes.

No modelo proposto por Dik (1989), fica evidenciado, assim, que não se pode

desconsiderar o papel que os usuários da língua cumprem na construção dos enunciados.

Como bem diz Givón (1995), é consenso entre os autores funcionalistas que a língua não é

autônoma, pois ela deve ser vista segundo parâmetros como cognição e comunicação,

processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução.

Isso mostra que a língua está sujeita a pressões de uso, estando implicada, portanto, a situação

comunicativa em que se produzem os enunciados linguísticos, incluindo o contexto de uso e

também os usuários da língua.

A partir disso, objetiva-se mostrar, neste trabalho, que os usos efetivos das construções

adversativas e das construções concessivas são contemplados considerando-se a situação

comunicativa na qual elas ocorrem.

Tendo isso em vista, em primeiro lugar observa-se que, embora cada construção seja

incluída tradicionalmente em uma classe particular, por vezes uma construção pode ser

empregada em vez de outra em certos contextos.

Nesse caso, está envolvida a questão da prototipia, tal como é definida por Taylor

(2003). O autor afirma que o protótipo é um tipo específico de entidade visto como exemplar

em um grupo. A associação de membros a esse grupo se dá pela semelhança que eles têm com

o protótipo: quanto mais próxima do protótipo estiver uma entidade, mais central é o seu

status dentro da categoria. Isso mostra que as categorias não são “fechadas”, pois certos

membros do grupo são tidos como mais exemplares que outros.

Dessa forma, Taylor (2003) questiona a teoria clássica da categorização, segundo a

qual as categorias são definidas em termos de condições necessárias e suficientes, que exibem

limites claros, havendo, assim, apenas dois graus de associação ao grupo: membro ou não

membro do grupo. Para o autor, não é possível estabelecer essa dicotomia rígida, visto que os

limites entre as categorias de um grupo são fluidos. Considerando isso, não é de estranhar que

as adversativas e as concessivas apresentem fluidez semântica, podendo ser, portanto,

intercambiáveis.

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Em segundo lugar, há possíveis motivações que determinam o uso de uma construção

em vez de outra, o que é observado quando se leva em consideração também o fator

pragmático.

Para a verificação das motivações de uso (o aspecto pragmático) das adversativas e

das concessivas, observa-se, entre outros aspectos, a diferença de natureza sintática entre

essas construções.

Como se verá detalhadamente no capítulo 3, que tratará, entre outros aspectos, da

articulação das orações, as adversativas têm natureza paratática – são, de certa forma,

independentes e possuem rigidez posicional – e as concessivas são hipotáticas adverbiais –

são relativamente dependentes e possuem flexibilidade posicional. Além disso, as orações

adversativas realizam expansão paratática de extensão, ao passo que as orações concessivas

manifestam expansão hipotática de realce. Assim, as primeiras expandem uma oração

acrescentando um conteúdo, enquanto as últimas expandem uma oração qualificando-a com

uma circunstância (a de concessão) (HALLIDAY, 2004).

Essas observações serão consideradas na análise das adversativas e das concessivas

quando se tratar, entre outros aspectos, do fluxo de informação, pois os elementos do fluxo de

informação são organizados nos enunciados linguísticos de acordo com as escolhas feitas pelo

falante. É ele que determina a estrutura de seu enunciado segundo seus propósitos

comunicativos em relação ao ouvinte.

No tratamento do fluxo de informação, consideram-se a distribuição de informação, o

relevo de informação e as funções pragmáticas.

Está relacionada à distribuição de informação a questão do estatuto informacional.

Para o estudo dessa questão, utiliza-se, aqui, a tipologia estabelecida por Prince (1981), que

propõe as categorias informação nova, informação evocada e informação inferível. A autora

diz que a informação nova é a que o falante introduz pela primeira vez no discurso. Ela é tida

como “totalmente nova” quando o ouvinte tem de criar uma nova entidade e é considerada

“não usual” quando o falante supõe que o ouvinte tem uma entidade correspondente em seu

próprio modelo e precisa, simplesmente, colocá-la no modelo discursivo. A informação

evocada, por sua vez, pode ser textualmente evocada, quando o ouvinte a tinha evocado

anteriormente nas porções do texto (seguindo as instruções do falante), e situacionalmente

evocada, quando o ouvinte pôde evocar a informação por si próprio devido a razões

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situacionais. A informação é inferível quando o falante pressupõe que o ouvinte possa inferi-

la a partir de entidades já evocadas ou outras entidades inferíveis presentes no discurso 2.

Alguns autores, como Towsend (1997) e Martelotta (1998), tratam do estatuto

informacional com base na tipologia estabelecida por Chafe (1987), que propõe a categoria de

informação dada, referente aos conceitos que já estão ativos na mente do falante e que se

supõe que também estejam ativos na mente do ouvinte, e a de informação nova, concernente

aos conceitos inativos na mente do ouvinte, mas que estão ativos na mente do falante. Serão

apontadas as observações de Towsend (1997) e de Martelotta (1998) para o tratamento do

estatuto informacional, no entanto, a tipologia aqui adotada para a análise das construções

adversativas e das construções concessivas é a de Prince (1981).

Estão relacionados ao relevo de informação os conceitos de figura/fundo. Segundo

Givón (1990), no processo comunicativo, a figura representa a linha principal do enunciado,

ao passo que o fundo é a porção tida como satélite (adicional). Nesse caso, está envolvido o

papel do falante, que é quem atribui maior relevo (o caráter de figura) ou menor relevo (o

caráter de fundo) a determinadas porções do enunciado, de acordo com os objetivos que visa

atingir na interação verbal.

Ainda no que se refere às funções pragmáticas, podem-se apontar os pares tópico/foco.

Consoante Dik (1989), a topicidade caracteriza as entidades sobre as quais a informação é

requerida no discurso e a focalidade, por sua vez, diz respeito às partes da informação que são

mais importantes ou mais salientes em relação às modificações que o falante deseja fazer na

informação pragmática do ouvinte.

Como se verá, os postulados da teoria funcionalista da linguagem apresentados neste

capítulo trazem contribuições para que se estabeleçam pontos de contato e de contraste entre

as construções adversativas e as construções concessivas. Assim, no decorrer desta

dissertação, serão retomadas as questões tratadas neste capítulo.

2 É importante sublinhar que Prince (1981) propõe uma outra terminologia para se referir ao que costuma ser

chamado de “shared knowledge” (“conhecimento compartilhado”). Para a autora, o que está em jogo quando o

falante considera algo como informação dada ou compartilhada é o que ele pressupõe que o ouvinte pressupõe.

Assim, dizer que o conjunto de crenças dos indivíduos pode constituir conhecimento compartilhado é considerar

que o falante é um observador onisciente. Dessa forma, a autora considera que o termo “assumed familiarity”

(“familiaridade pressuposta”) é mais apropriado do que “shared knowledge”.

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2. ADVERSATIVAS E CONCESSIVAS: FLUIDEZ SEMÂNTICA

2.1 O compartilhamento de valores semânticos

Nesta seção, mostra-se que as construções adversativas e as construções concessivas,

embora sejam incluídas tradicionalmente em classes diferentes, a da “coordenação” e a da

“subordinação”, respectivamente, compartilham valores semânticos.

Para a investigação das aproximações semânticas das construções em estudo, parte-se

das considerações feitas nas gramáticas tradicionais.

A seguir, expõe-se um quadro que registra os valores semânticos atribuídos às

construções adversativas e às construções concessivas em gramáticas tradicionais da língua

portuguesa:

AUTORES VALORES SEMÂNTICOS ATRIBUÍDOS

Construção adversativa Construção concessiva

Said Ali (1964)

Exprime-se contradição,

restrição.

Exprime-se um fato (real ou

suposto) que, mesmo que possa

contrariar a realização de outro fato

principal, deixa de produzir o efeito

esperado ou possível.

Kury (1973)

Acrescenta-se uma ideia de

contraste, compensação.

Denota-se que se admite ou

concede um fato contrário à

declaração principal, mas que não

impede a sua realização.

Cunha & Cintra

(1985)

Apresenta-se a ideia básica de

oposição, de contraste e pode-

se, também, exprimir restrição,

retificação, atenuação (ou

compensação) e adição.

Na oração subordinada, admite-se

um fato contrário à ação principal,

mas incapaz de impedi-la.

Cegalla (1994) Exprime-se contraste,

oposição, ressalva. ______________

Rocha Lima (1994)

Relacionam-se pensamentos

contrastantes.

Expressa-se um fato (real ou

suposto) que poderia se opor à

realização de outro fato principal,

mas não frustra o cumprimento

deste fato.

Bechara (2003a,

2003b) Marca-se oposição, contraste,

compensação, ressalva.

A oração concessiva exprime que

um obstáculo (real ou suposto) não

impedirá ou modificará a

declaração da oração principal.

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A observação das informações contidas nas gramáticas citadas permite alguns

comentários.

Em relação às construções adversativas, nota-se que todos os autores citados fazem

referência a um valor semântico comum, o de oposição, que é chamado também de

“contradição”, “contraste”, “contraposição”. Tal fato não surpreende, pois o próprio termo

“adversativo”, empregado para nomear a classe das construções com mas, já sugere a ideia de

oposição.

Nas gramáticas tradicionais citadas, não se especifica se o valor de “oposição” das

adversativas é visto em sentido lato ou estrito. No entanto, pelos exemplos presentes, observa-

se que a oposição é vista ora em sentido estrito, ora em sentido lato.

Nos trechos arrolados a seguir, há oposição em sentido estrito:

1) “Acabou-se o tempo das ressurreições, mas continua o das insurreições” (BECHARA,

2003a, p. 321)

2) Quebrou a corda, porém logo a consertaram. (SAID ALI, 1964, p. 133)

3) O mar é generoso, porém, às vezes torna-se cruel. (CEGALLA, 1994, p. 283)

Nesses casos, há o que Neves (2000) chama de contraste entre elementos de

significação oposta, como se verá adiante. Em 1, há oposição entre acabou-se x continua e

entre ressurreições x insurreições; em 2, há oposição entre quebrou x consertaram e, em 3,

há oposição entre generoso x cruel.

Nas gramáticas de Kury (1973), Cunha & Cintra (1985) e Rocha Lima (1994), porém,

não se identificaram construções adversativas que apresentem oposição em sentido estrito,

como se vê no trecho a seguir, que é utilizado por Cunha & Cintra (1985) para exemplificar o

valor de contraste:

4) Apetece cantar, mas ninguém canta. (M. Torga, CH, 44) (CUNHA & CINTRA, 1985, p.

566)

Isso já mostra que os valores semânticos da construção adversativa envolvem certa

complexidade3, o que ficará mais evidente quando se apresentarem as contribuições trazidas

pelos linguistas em geral a respeito das adversativas.

Além do valor de oposição, os gramáticos em geral registram o valor de restrição (ou

ressalva) (SAID ALI, 1964; CUNHA & CINTRA, 1985; CEGALLA, 1994; BECHARA,

3 Essa consideração pode ser feita a partir da consulta de gramáticas tradicionais que trazem frases de uso real,

como a de Bechara (2003a) e a de Cunha & Cintra (1985).

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2003a, 2003b) e o de compensação (KURY, 1973; CUNHA & CINTRA, 1985; BECHARA,

2003a, 2003b), ambos exemplificados a seguir, na ordem em que foram referidos:

5) Vai, se queres, disse-me este, mas temporariamente. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)

6) Uma luz bruxuleante, mas teimosa continuava a brilhar nos seus olhos. (CUNHA &

CINTRA, 1985, p. 571)

No entanto, das gramáticas tradicionais consultadas, é a de Cunha & Cintra (1985) que

traz um maior leque de valores semânticos do mas. Eles indicam dois valores que não são

apontados nas demais gramáticas, o de retificação e o de adição, que são aqui exemplificados.

Apresentam-se, a seguir, construções adversativas trazidas por Cunha & Cintra (1985,

p. 570) para ilustrar o valor de retificação do mas:

7) Eram mãos nuas, quietas, essas mãos; serenas, modestas e avessas a qualquer

exibicionismo. Mas não acanhadas, isso nunca. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)

8) - O major, hoje, parece que tem uma idéia, um pensamento muito forte. - Tenho, filho, não de hoje, mas de há muito tempo. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)

Observa-se que, nesses casos, há negação em um dos segmentos da construção. Em 7,

a construção pode ser representada pela fórmula X, mas não Y e, em 8, pelo esquema Não X,

mas Y. Como se verá na próxima seção, há a consideração de um desses tipos de construção

(a que é exemplificada em 8) em Ducrot & Vogt (1980), que apontam duas funções para o

mas: a retificadora e a concessiva.

No excerto seguinte, apresenta-se construção concessiva trazida por Cunha & Cintra

(1985, p. 571) para exemplificar o valor de adição do mas:

9) Era bela, mas principalmente rara. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 571)

Neste trabalho, considera-se, entretanto, que o mas não estabelece relação aditiva,

pois, como se mostrará, ele sempre marca uma desigualdade entre os segmentos que conecta.

A própria estrutura argumentativa da construção com mas evidencia que o segmento

adversativo não traz, simplesmente, um acréscimo de informação ou argumento, pois se

acrescenta algo que se faz prevalecer.

Cunha & Cintra (1985), diferentemente dos outros gramáticos citados, também

parecem incluir os valores da conjunção mas, especificamente, em dois grupos, pois eles

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afirmam que tal conjunção apresenta, por um lado, a “ideia básica” de oposição, contraste e,

por outro lado, os valores de restrição, retificação, atenuação (ou compensação) e adição.

O tratamento desses autores em relação aos valores semânticos do mas também se

diferencia, de certa forma, do dos outros gramáticos citados pelo fato de que eles indicam a

possibilidade de ocorrência do mas em início de frase e dizem que é importante o emprego da

conjunção mas “para mudar a sequência de um assunto, geralmente com o objetivo de retomar

o fio do enunciado anterior que ficara suspenso” (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 571). Este é

o trecho fornecido por eles para exemplificar esse caso:

10) Mas os dias foram passando. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 571)

Entretanto, observa-se que nesse excerto não fica claro o papel desempenhado pelo

mas como item sequenciador, já que o segmento adversativo vem isolado. Essa função

exercida pela conjunção mas pode ser verificada em Neves (2000), que registra, por exemplo,

esta ocorrência:

11) Nada de subjacente, nada que estivesse lá dentro como na polpa de um fruto se esconde o

âmago de um duro e imprevisto caroço a determinar, sem que se saiba, o volume e a forma

exterior da casca... Mas tornemos de novo à sala onde Eulália tocava valsa francesa.

(NEVES, 2000, p. 769).

Como se verá adiante, aqui há o que Neves (2000) chama de contraposição em direção

independente, caso em que o conteúdo do segmento adversativo serve, por exemplo, para

mudar foco, como ocorre em 11, ou introduzir novo tema.

Em construções como esta apresentada por Neves (2000), o mas, segundo Silva

(2005), tendo arrefecido seu valor contrastivo, contribui mais especificamente para a

progressão textual.

Isso mostra que não seria exato dizer que a construção adversativa com mas expressa,

simplesmente, contraste, pois há casos em que esse valor fica menos evidente, como em 11.

Além disso, existe uma grande variedade de valores semânticos que aparecem na adversativa,

o que já é evidenciado na gramática de Cunha & Cintra (1985), que, como se mostrou, indica

um maior leque de valores do mas, embora um desses valores (o aditivo) não seja considerado

neste trabalho.

Nas gramáticas citadas, procurou-se verificar, também, se alguma delas estabelecia

aproximação semântica entre as adversativas e as concessivas. Um dos gramáticos citados,

Rocha Lima (1994), aponta que a concessão pode ser expressa por conjunções adversativas. O

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autor diz que os elementos adversativos porém, todavia, contudo, entretanto e no entanto não

exprimem contraste como o mas, mas uma espécie de “concessão atenuada”. Este é um dos

exemplos fornecidos pelo autor:

12) Ele falou bem; todavia, não foi como eu esperava. (ROCHA LIMA, 1994, p. 185)

A partir dessa informação, já se poderia pensar em uma aproximação semântica entre

as construções adversativas e as construções concessivas4, pois, como se sabe, é próprio das

concessivas expressar concessão. A construção adversativa apresentada, por exemplo, teria

como correspondente a seguinte construção concessiva:

13) Embora ele tenha falado bem, não foi como eu esperava.

Feitas essas observações a respeito do tratamento dado nas gramáticas à construção

adversativa (com mas), passa-se a discorrer sobre a construção concessiva (com embora).

No que se refere às construções concessivas, como se verá a seguir, uma das noções

comumente atribuída a elas pelos linguistas é a de “contrariedade à expectativa”. Das

definições apresentadas no quadro exposto, percebe-se que apenas na definição trazida por

Said Ali (1964, p. 158) tem-se a noção de “contrariedade à expectativa”, pois se diz que um

fato “deixa de produzir o efeito esperado”. Como exemplo, fornece-se o seguinte trecho:

14) Embora protestasse energicamente, sempre acabou por submeter-se. (SAID ALI, 1964,

p. 139)

Nesse caso, como alguém protestava energicamente, esperava-se que essa pessoa não

se tivesse submetido, mas essa expectativa é contrariada, pois essa pessoa sempre acabou por

se submeter.

Embora, nas demais gramáticas citadas, não se faça referência à noção de

contrariedade à expectativa, os exemplos oferecidos permitem que se atribua essa noção às

concessivas, como se vê a seguir:

15) Embora chova, sairei. (BECHARA, 2003a, p. 497)

16) Embora estudasse, não tirou boa nota. (KURY, 1973, p. 179)

17) Comprarei o livro, embora o ache caríssimo. (ROCHA LIMA, 1994, p. 186)

4 Adiante-se que a construção adversativa com mas também pode expressar concessão, como se apontará.

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Em 15, o fato de que chove leva a pensar que alguém não sairá, mas essa expectativa é

contrariada quando se diz que a pessoa sairá. Em 16, o fato de que a pessoa estudou leva a

pensar que ela tirou boa nota, mas essa expectativa é contrariada quando se diz que essa

pessoa não tirou boa nota. Em 17, por sua vez, o fato de que alguém acha o livro muito caro

leva a pensar que essa pessoa não o comprará, mas essa expectativa é contrariada, pois se

afirma que o livro será comprado.

Ainda em relação às concessivas, observa-se que, em algumas gramáticas referidas no

quadro, como a de Kury (1973) e a de Cunha & Cintra (1985), diz-se, em geral, que um fato

contrário/oposto não é capaz de impedir a realização de outro fato. Nota-se, assim, que a

noção de oposição também está presente na definição das concessivas, o que parece indicar

uma aproximação entre concessão e oposição e, consequentemente, entre as construções

concessivas e as construções adversativas. Essa relação entre concessão e oposição será

discutida mais adiante.

No que se refere às construções concessivas, observa-se, também, que, em duas das

definições apresentadas, a de Kury (1973) e a de Cunha & Cintra (1985), diz-se que se

concede ou se admite um fato contrário. Como diz Bechara (1954), a tecnologia gramatical

emprega o termo “concessão” para indicar a concessão que o falante faz às possíveis objeções

do ouvinte (negando, contudo, a consequência que daí todos poderiam esperar). Entretanto,

essa ideia não fica claramente explicitada em definições oferecidas nas gramáticas dos autores

referidos, como se vê aqui: as concessivas “denotam que se admite ou concede um fato

contrário à declaração principal, mas que não impede a sua realização” (KURY, 1973, p. 179)

/ as concessivas “iniciam uma oração subordinada em que se admite um fato contrário à ação

principal, mas incapaz de impedi-la” (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 572)

Nas demais gramáticas consultadas, a noção de concessão também não fica clara,

como se vê nesta definição: “a oração concessiva expressa um fato – real ou suposto – que

poderia opor-se à realização de outro fato principal, porém não frustrará o cumprimento

deste” (ROCHA LIMA, 1994, p. 276).

Pode-se entender que, como aponta Gouvêa (2005), a semântica, por si só, não é

suficiente para dar conta do fenômeno de concessão, havendo a necessidade de um tratamento

discursivo. No capítulo 3, quando se tratar do uso argumentativo das concessivas, essa

questão ficará mais bem esclarecida.

Pelo que foi exposto, verifica-se que, no que se refere ao aspecto semântico, as

gramáticas tradicionais, em geral, indicam simplesmente que as construções adversativas

expressam basicamente contraste e que as construções concessivas exprimem um fato

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contrário que não impede a realização de outro. Apesar de se considerar que as concessivas

expressam um fato contrário, apenas as adversativas são incluídas no grupo da oposição.

Como se verá mais adiante, nas concessivas não deixa de estar envolvida certa relação

opositiva.

Feitas essas observações, passa-se a verificar as lições dos linguistas que se debruçam

sobre o compartilhamento semântico dos dois tipos de construção em estudo, em busca de um

equacionamento que contemple as similaridades e as diferenças.

Sabe-se que, na área semântica de oposição, englobam-se tanto as conjunções

adversativas quanto as concessivas (MONNERAT, 2001a). Da mesma forma, como mostra

Gouvêa (2001), os conectivos adversativos, assim como os concessivos, veiculam a ideia de

concessão, apesar de esse valor nem sempre estar presente nas adversativas. Visto isso,

restaria verificar, em primeiro lugar, de que forma as definições oferecidas pelos linguistas

permitem que se perceba essa semelhança entre as adversativas e as concessivas.

Vilela & Koch (2001) incluem no grupo de “oposição” a conjunção embora,

juntamente com os elementos tradicionalmente tidos como opositivos (mas, contudo, todavia,

porém, no entanto, não obstante, antes) e “criam” o grupo da “concessão opositiva”, no qual

englobam os conectivos concessivos, como embora, apesar de que, ainda que. Assim, fica

sugerido aí que a concessão tem algo de oposição.

Azeredo (2008), por sua vez, considera que a conjunção adversativa mas expressa

basicamente uma relação de contraste entre dois fatos ou ideias, podendo o valor contrastivo

consistir:

- em uma simples oposição de dois conteúdos:

18) A secretária dele é antipática, mas competente.

- na quebra de uma expectativa criada pela primeira proposição:

19) O lutador era magrinho, mas derrubava todos os seus adversários. (AZEREDO, 2008,

p. 305)

O autor mostra, também, que a construção adversativa pode expressar um valor

normalmente atribuído à construção concessiva: o de “quebra de expectativa” (contrariedade à

expectativa). Assim, aí também fica sugerido que a concessão tem algo de oposição.

Há autores, ainda, que, além de mostrar que há aproximações semânticas entre as

adversativas e as concessivas, incluem os conectivos adversativos e os concessivos em uma

única classe.

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Van Dijk (1989) inclui as construções adversativas e as concessivas no grupo das

contrastivas, que indicariam: i) cursos de eventos excepcionais; ii) eventos inesperados ou

indesejados; iii) a não satisfação de condições possíveis, prováveis ou necessárias. O autor

mostra que podem expressar essas relações conectivos como but (mas), though (embora),

although (embora), nevertheless (no entanto), in spite of / notwithstanding (apesar de).

Citam-se trechos em que aparecem as conjunções but (mas) e although (embora):

A) Cursos de eventos excepcionais:

20) João é muito prestativo, mas fez um trabalho ruim na pintura de sua casa.5

21) Embora tenhamos dormido tarde, conseguimos pegar o barco.6 (VAN DIJK, 1989, p. 81)

B) Eventos inesperados ou indesejados:

22) Eu fui pescar, mas não consegui pegar nada.7

23) Embora Peter seja muito esperto, não é muito gentil.8 (VAN DIJK, 1989, p. 81)

C) Não satisfação de condições possíveis, prováveis ou necessárias:

24) Peter quer comprar um carro, mas não tem dinheiro.9 (VAN DIJK, 1989, p. 82)

Apesar de englobar tanto as construções com but quanto as com although em um

mesmo grupo, Van Dijk (1989) mostra que o uso de although seria inaceitável em 22 e em 24.

Assim, o autor salienta que a relação de “condição não satisfeita” parece ser diferente da

relação de “consequência não satisfeita ou inesperada”, relação em que o but é

semanticamente equivalente ao although.

Halliday & Hasan (1997) também incluem as construções adversativas e as

concessivas em um mesmo grupo e atribuem a ele a denominação de “relação adversativa”.

Os autores dizem que o sentido básico desse tipo de relação é “contrariedade à expectativa”

(contrary to expectation), e a expectativa resulta do conteúdo do que está sendo dito ou do

processo de comunicação entre falante e ouvinte. Os autores mostram que essa relação é

expressa em construções que trazem but (mas), though (embora), however (no entanto),

despite this (apesar disso), como se vê a seguir:

5 John is very handy, but he made a miserable job of painting his house.

6 Although we slept late, we were still able to catch the boat.

7 I went fishing, but I didn‟t catch anything.

8 Although Peter is very clever, he is not very kind.

9 Peter wants to buy a car, but he does not have any money.

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25) Embora tenha dado o melhor de si, ela fracassou.10

(HALLIDAY & HASAN, 1997, p.

252)

26) Todo esse tempo, Tweedledee fez o possível para fechar o guarda-chuva com ele mesmo

dentro ... Mas não teve muito êxito, e acabou virando e se enrolando todo no guarda-chuva,

ficando somente com a cabeça para fora.11

(HALLIDAY & HASAN, 1997, p. 250-251)

Além de atribuir um sentido básico à chamada relação adversativa, Halliday & Hasan

(1997) apontam valores mais específicos: a relação contrastiva (contrastive relation), que é

expressa por termos como but (mas), however (no entanto), on the other hand (por outro

lado), in fact (de fato), actually (realmente); a relação de retificação (corrective relation), que

é expressa por elementos como instead (em vez de), on the contrary (ao contrário), I mean

(quero dizer); e a relação de rejeição (dismissive relation)12

, que é exprimida por elementos

como in any/either case event (em todo caso), in any/either way (de qualquer forma),

whichever happens (o que quer que aconteça). Exemplifica-se, aqui, o primeiro tipo de

relação citada, que é a que pode ser manifestada pela conjunção “coordenativa” but (mas):

27) Ele não é muito bonito. Mas é inteligente. (HALLIDAY & HASAN, 1997, p. 252)

Saliente-se que Halliday & Hasan (1997), apesar de indicarem que as adversativas,

assim como as concessivas, têm o valor básico de “contrariedade à expectativa”, incluem

apenas as conjunções adversativas (como but e however) no grupo da relação contrastiva.

Verifica-se, assim, que Halliday & Hasan (1997), assim como o faz Van Dijk (1989),

incluem as construções adversativas e as concessivas em um mesmo grupo, como já se disse,

mas indicam casos em que apenas um tipo de conjunção (a adversativa) pode ser utilizado.

Isso demonstra a necessidade de se investigarem os possíveis contextos de uso em que se

deveria optar pelo uso de uma conjunção em vez de outra.

Há linguistas, ainda, como Bello (1988) e König (1985), que incluem as adversativas e

as concessivas em grupos diferentes, mas não deixam de mostrar que há uma aproximação

semântica entre elas.

Bello (1988) aponta dois usos da conjunção concessiva aunque (embora) em espanhol:

10 Although she‟d tried her best, she failed.

11 All this time Tweedledee was trying his best to fold up the umbrella, with himself in it ... But he coudn‟t quite

succeed, and it ended in his rolling over, bundled uo in the umbrella, with only his head out. 12

Nesse tipo de relação, indica-se que, independentemente das circunstâncias, algo ocorre.

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28) Tenho de sair embora chova.13

(BELLO, 1988, p. 749)

29) Escreve bem, embora devagar.14

(BELLO, 1988, p. 750)

O autor mostra que, em 29, diferentemente do que ocorre em 28, existe uma

“transformação” da conjunção aunque (embora) em conjunção adversativa, que une toda

espécie de elementos denotando certa oposição.

König (1985), também tratando da conjunção concessiva, mostra que, em inglês,

although (embora), além de expressar uma relação concessiva, pode apresentar uma relação

adversativa. No exemplo a seguir, trazido pelo autor, a construção concessiva expressa uma

relação adversativa, o que fica claro pela possibilidade de se ter uma construção adversativa

correlata:

30) Embora nós não tenhamos sido derrotados, não vencemos também.

31) Nós não fomos derrotados, mas não vencemos também. (KÖNIG, 1985, p. 7)

Entretanto, o autor estabelece uma diferenciação entre a relação adversativa e a

concessiva. Levando em consideração que nem todas as línguas apresentam conectivos

concessivos, mas todas trazem conectivos adversativos, König (1985) sugere que as relações

adversativas são mais gerais e básicas, e as relações concessivas são uma variedade específica

das primeiras15

.

García (2000) também aponta para o caráter derivado que apresentam as concessivas

frente às adversativas. Para o autor, isso explica por que a propriedade mais característica de

uma relação adversativa – o contraste – passe a fazer parte da definição semântica de qualquer

expressão concessiva. Sendo assim, pode-se dizer que as concessivas expressam uma relação

opositiva em sentido lato, o que levaria a incluí-las no grupo da oposição, juntamente com as

adversativas.

Pelo que foi exposto até aqui, observa-se que as construções adversativas e as

construções concessivas apresentam aproximação semântica. Isso já fica sugerido em certas

gramáticas tradicionais, como na de Rocha Lima (1994), mas é a partir das lições oferecidas

pelos linguistas em geral que o compartilhamento semântico entre as construções referidas

fica mais evidenciado, pois alguns autores, como Halliday & Hasan (1997) e Van Dijk (1989),

chegam até mesmo a incluir as adversativas e as concessivas em um mesmo grupo.

13 Tengo de salir aunque llueva.

14 Escribe bien, aunque despacio.

15 Vale comentar que, em gramáticas mais antigas da língua portuguesa, como na de Ribeiro (1885), não há o

registro da relação de “subordinação” concessiva, mas apenas o da relação de “coordenação adversativa”.

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Por fim, verifica-se que o próprio fato de a relação concessiva ser uma variedade da

relação adversativa, como consideram König (1985) e García (2000), mostra que existe, de

fato, uma aproximação entre as construções em estudo.

Na sequência, ainda se considerando a aproximação semântica entre as adversativas e

as concessivas, passa-se a vê-las sob uma perspectiva semântico-argumentativa (na seção 2.2)

e sob um ponto de vista lógico-semântico (na seção 2.3).

2.2 Bases semântico-argumentativas do cotejo

Como já se apontou, as adversativas e as concessivas se aproximam semanticamente.

Aqui, mostra-se que, na base dessas construções, está envolvido não somente o aspecto

semântico como também o argumentativo.

A observação da origem da conjunção mas contribui para que se estabeleça um cotejo

entre as adversativas (com mas) e as concessivas (com embora), levando a que seja

contemplado também o aspecto argumentativo.

Com base no fato de que a conjunção mas deriva do item linguístico latino magis (que

era advérbio comparativo de superioridade), Ducrot & Vogt (1980) oferecem explicações para

demonstrar a relação de sentido existente entre a conjunção mas e o advérbio que constitui o

seu étimo. Os autores dizem que as línguas românicas que utilizam o derivado de magis como

conjunção adversativa principal atribuem-lhe duas funções: a de masSN (correspondente ao

espanhol sino) e a de masPA (correspondente ao espanhol pero). O masSN tem a função de

retificar: no segmento inicial introduz-se uma proposição negativa (não-p), e no segmento

iniciado por mas introduz-se uma proposição (p) que substitui a proposição negada. Por outro

lado, no caso do masPA, no segmento inicial se introduz uma proposição (p) que leva a uma

certa conclusão (r), e no segmento iniciado por mas introduz-se uma proposição (q) que

conduz a outra conclusão (não-r), contrária à da primeira proposição. Como salientam os

autores, o masPA é argumentativo em sentido estrito, diferentemente do mas SN. Estes são

alguns exemplos oferecidos:

32) Ele não é inteligente, masSN apenas esperto. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)

33) Ele é inteligente, masPA estuda pouco. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)

Em 32, há construção com masSN: um elemento presente no segmento adversativo

(esperto) substitui um elemento expresso no segmento inicial (inteligente). Em 33, há

construção com masPA: o argumento da oração inicial (ele é inteligente) conduz à conclusão

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de que ele estuda bastante, no entanto o argumento que vem expresso na oração adversativa

(estuda pouco) aponta para a conclusão contrária.

Ducrot & Vogt (1980) mostram que a existência dos dois subtipos de mas representa

um estilhaçamento semântico do advérbio comparativo de superioridade. Esse elemento,

ilustrado pela estrutura “A mais que B”16

, pode expressar desvalorização de B e valorização

de A simultaneamente, enquanto, na construção com masSN (representada pela estrutura

“Não-B, masSN A”), há a desvalorização de B e, na construção com masPA (simbolizada pela

estrutura “B, masPA A”), há a valorização de A.

Para estabelecer o cotejo entre a estrutura comparativa e as estruturas adversativas,

Ducrot & Vogt (1980) utilizam-se das noções de “negação” e de “manutenção”. Em relação à

estrutura comparativa, toma-se como exemplo o seguinte trecho citado pelos autores:

34) [Pedro]A é mais inteligente que [João]B.17

(DUCROT & VOGT, 1980, p. 119)

[A] mais que [B]

Nesse caso, pelo fato de um dos elementos comparados ser desvalorizado (B)18

, ele é

negado sob o ponto de vista argumentativo.19

A negação demonstra a presença do outro no

enunciado, pois, ao negar algo, o locutor se opõe a uma afirmação de um interlocutor, mesmo

que seja imaginário. Essa negação confere um peso menor ao discurso do outro. Da mesma

forma, na estrutura comparativa o elemento B é mantido, e a manutenção consiste no relato do

discurso do interlocutor. Sendo assim, embora seja negado, o discurso do outro é considerado

no enunciado do locutor.

Também na estrutura de masSN e de masPA, a negação e a manutenção dos elementos

estão presentes, o que já demonstra certa relação com a estrutura comparativa. A diferença é

que a negação e a manutenção possuem graus diferentes em cada caso. Retomam-se os

exemplos citados anteriormente:

35) Ele não [é inteligente]B, mas [apenas esperto]A. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)

Não-[B], masSN [A]

16 A magis quam B em latim.

17 Os colchetes e termos A e B foram acrescentados à frase (e a outras frases que serão citadas mais adiante) para

fins metodológicos. O esquema indicado abaixo da frase também foi acrescentado. 18

Ao se dizer que Pedro é mais inteligente que João, valoriza-se Pedro e, consequentemente, desvaloriza-se

João. 19

Os autores alertam para o fato de que não se trata de negação lógica.

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36) [Ele é inteligente]B, mas [estuda pouco]A. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 154)

[B], masPA [A]

Na construção com masSN (primeiro trecho), toma-se B como tema (objetiva-se

desvalorizar esse elemento que vem expresso no segmento inicial). Dessa forma, existe uma

negação forte de B (pois B é refutado, o que vem marcado pela negação gramatical não) e

uma manutenção fraca de B (o discurso do interlocutor é apenas registrado, havendo pouca

adesão por parte do locutor). Na construção com masPA, por outro lado, toma-se A como tema

(pretende-se valorizar esse elemento). Sendo assim, existe uma manutenção forte de B (faz-se

uma concessão ao discurso do interlocutor – com o intuito de valorizar A) e uma negação

fraca de B (a eficácia argumentativa é retirada de B).

Ao explicar o funcionamento do masPA e do masSN, Ducrot & Vogt (1980) mostram

que as noções de negação e de manutenção têm caráter gradual. A negação constitui uma

atitude argumentativa de oposição que é suscetível de diversos graus, indo da simples recusa

de argumentar ao ato de refutação. Da mesma forma, a manutenção apresenta o grau de

adesão ao discurso do outro, que pode variar do simples registro à concessão.

Assim, pode-se dizer que, quando a construção com mas apresenta a simples recusa de

argumentar (negação fraca) e a concessão ao discurso do interlocutor (manutenção forte), ela

se aproximaria do comportamento de uma construção concessiva. Para exemplificar tal fato,

utiliza-se a conjunção concessiva embora em uma construção citada aqui:

37) [Embora ele seja inteligente]B, [estuda pouco]A.20

Observa-se que, nesse caso, também há uma manutenção forte de B (faz-se uma

concessão como estratégia para valorizar o outro segmento) e uma negação fraca de B (a

eficácia argumentativa é retirada de B).

A partir dessas considerações, observa-se que a construção do tipo masPA, ao

apresentar o mesmo jogo entre negação e manutenção expresso na construção concessiva (ou

seja, manutenção forte e negação fraca de B), aproxima-se do comportamento semântico e

argumentativo desta, pois expressa concessão. O masSN, ao contrário, não expressa concessão,

o que mostra que nem todos os tipos de construções com mas se aproximam das construções

concessivas.

20 Ducrot & Vogt (1980) não comparam a construção adversativa do tipo masPA com a construção concessiva.

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As observações feitas por Neves (2000) também permitem que se estabeleça uma

comparação entre as adversativas (com mas) e as concessivas (com embora) no que se refere

à questão semântico-argumentativa.

Neves (2000), partindo das considerações de Ducrot e Vogt (1980), propõe o valor

semântico básico de “desigualdade”21

para o mas. A autora diz que essa conjunção expressa

uma relação entre dois segmentos de certa forma desiguais entre si porque cada um deles não

só é externo ao outro (“coordenado”), mas, também, marcadamente diferente do outro.

Levando isso em conta, Neves (2000) estabelece esta tipologia de valores semânticos

para o mas:

1. Contraposição: o elemento do segmento com mas admite aquele que lhe precede (não o

elimina), mas se contrapõe a ele.

1.1 Contraposição em direção oposta: o elemento do segmento adversativo vai em direção

contrária ao do segmento inicial.

1.1.1 Contraste

38) Se é pecador; não sei, mas de uma coisa eu sei: é que eu era cego e agora vejo. (p. 758)

39) Vou bem. Mas você vai mal. (p. 758)

40) Muitos dos nossos homens dispuseram-se com nobreza e veemência a desfazer, aos

poucos, mas constantemente, equívocos passageiros. (p. 759)

Cada trecho exemplifica um tipo de contraste apontado por Neves (2000): entre

elementos polares (não sei x sei), entre expressões de significação oposta (bem x mal) e entre

elementos diferentes (aos poucos x constantemente), respectivamente.

1.1.2 Compensação

41) Tinha de resignar-se a tolerar, durante algumas horas, a presença de Susana, seu olhar

sardônico, as vingativas perguntas que não deixaria de fazer. Mas havia o menino,

conversaria com ele. (p. 759)

Nesse caso, o fato de a presença de Susana ser incômoda é compensado pelo fato de

que haveria o menino.

21 Neves (1984) diz que a desigualdade é registrada em relação a várias escalas (diferença de natureza, de

direção, de grau em uma mesma direção) e pode estar relacionada, ainda, a variáveis, como o tempo.

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1.1.3 Restrição

42) Queria que o filho fosse ministro, sim, mas ministro protestante. (p. 762)

43) Para onde fugir? Nenhum navio no porto. Restaria entrar num daqueles botes e remar,

içar velas. Mas ir para onde? (p. 768)

Em 42, o conteúdo da oração adversativa restringe o conteúdo da oração inicial: não se

trata de qualquer ministro, mas de ministro protestante. Neves (2000) mostra que, em 43, o

emprego do mas é típico de início de turno, obedecendo a determinações pragmáticas. No

trecho aqui oferecido, a restrição se dá, de acordo com a autora, por pedido de informação:

questiona-se o que foi enunciado.

1.1.4 Negação de inferência

44) Estamos em Brasília agora – de novo em frente ao deserto, contemplando um mundo que

é nosso, mas que precisamos conquistar. (p. 762)

O conteúdo do primeiro membro oracional faz que se infira que o mundo não precisa

ser conquistado, já que é “nosso”. No entanto, o conteúdo do segundo membro oracional nega

essa inferência, pois se mostra que o mundo precisa ser conquistado.

1.1 Contraposição na mesma direção: o segundo argumento é superior ou, pelo menos, não

inferior ao primeiro, e a valorização é comparativa ou superlativa.

45) O sertão, para ele, não é uma coisa, mas principalmente uma idéia e um sentimento. (p.

763)

Nesse caso, o conteúdo da primeira oração não é desconsiderado, mas, na segunda

oração, expressa-se algo que é mais valorizado: o sertão é mais uma ideia e um sentimento do

que uma coisa.

1.2 Contraposição em direção independente: no segundo segmento é enunciado um

argumento ainda não considerado no primeiro.

46) A empresa construtora o deixou a ver navios. Tanto que eles, condôminos, é que lhe

requereram a falência. Mas, como disse você ainda agora, passemos adiante: onde estão os

condôminos? (p. 769)

Nessa ocorrência, a oração iniciada por mas muda o foco da oração anterior. Diz-se

que os condôminos requereram a falência da empresa e, em seguida, pergunta-se onde estão

os condôminos.

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2. Eliminação: o conteúdo do membro iniciado por mas elimina o conteúdo do membro

anterior.

47) Ela abriu a boca para responder à insolência. Mas conteve-se. (p. 765)

Nesse caso, a ação de responder passa a ser interrompida quando se diz que a pessoa a

que se faz referência se conteve.

A partir da tipologia proposta por Neves (2000), observa-se, entre outros aspectos, que

o mas pode apresentar uma grande variedade de valores semânticos, o que mostra que, como

diz a autora, não é possível determinar classes fechadas na classificação das diversas

manifestações da conjunção mas. Assim, a autora afirma que, na análise das relações

semânticas presentes entre os segmentos da construção com mas, “se passa de uma

desigualdade pouco caracterizada, para o contraste, a contrariedade, e se chega à oposição, à

negação, à anulação” (NEVES, 1984, p. 23).

Dessa forma, Neves (1984, p. 23), aceitando a consideração de Ducrot & Vogt (1980)

de que a estrutura adversativa é regida por um princípio de argumentatividade22

, propõe que,

“em todo enunciado em que ocorre o elemento mas, há algo de oposição (que vai de um

mínimo, a condição de simples desigualdade, a um máximo, a anulação) e algo de admissão

(que vai de um mínimo, o simples reconhecimento ou registro de existência, a um máximo, a

concessão)”. Assim, pode-se pensar que, ao atingir o grau máximo de admissão, a construção

adversativa se aproximaria mais semanticamente de uma construção concessiva.

Da mesma forma, a construção concessiva, denotando relações de desigualdade entre

os segmentos, aproxima-se semanticamente da construção adversativa. É o que se explicita a

seguir.

Neves (1999), levando em consideração a natureza lógico-semântica da construção

concessiva, postula que o seu valor é o de negação de inferência23

. No entanto, a autora

mostra que tal construção expressa, ainda, relações de desigualdade (antonímia, restrição e

diferença de grau), do mesmo tipo que ocorre em contextos de construções com mas.

Exemplificam-se esses valores com trechos oferecidos pela autora:

48) ... normalmente eu não estou assim muito por dentro dos preços dos alimentos ... embora

eu ouça minha tia às vezes falar que está tudo muito caro... (NEVES, 1999, p. 554)

22 Lembre-se que Ducrot & Vogt (1980) tratam de noções ligadas à argumentatividade, a de manutenção e a de

negação, mostrando que elas têm caráter gradual. 23

A autora não designa a relação concessiva de “contrariedade à expectativa”, denominação comumente

atribuída às concessivas. Em vez disso, emprega o termo “negação de inferência”, que deixa mais evidente a

natureza lógico-semântica da construção concessiva, como se verá a seguir.

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Nesse caso, o conteúdo expresso na oração nuclear nega a inferência que se pode fazer

a partir do conteúdo expresso na oração concessiva: o fato de eu não estar por dentro dos

preços dos alimentos nega a inferência de que eu estou por dentro dos preços dos alimentos.

49) ... a verdade é que tanto no sexo feminino quanto no masculino há sempre uma produção

significante embora pequena mas de hormônio do sexo oposto... (NEVES, 1999, p. 577)

Nesse trecho, há uma relação de antonímia (contraste) entre as expressões significante

e pequena, presentes, respectivamente, na oração nuclear e na oração concessiva.

50) Mesmo que seja só de nome a gente já ouviu falar nessa taxionomia. (NEVES, 1999, p.

577)

Nesse excerto, a expressão só de nome (presente na oração concessiva) restringe a

expressão a gente ouviu falar (presente na oração nuclear).

51) Eles querem sempre... por mais que a gente dê, eles querem sempre mais coisas, né?

(NEVES, 1999, p. 577)

Nesse trecho, há uma relação de diferença de grau, pois, na oração concessiva, mostra-

se que se dão muitas coisas e, na oração nuclear, explicita-se que se quer mais do que se dá.

Como se vê, de acordo com a tipologia de Neves (1999, 2000), apesar de as

adversativas apresentarem “contraposição” e as concessivas expressarem “concessão”, as

construções adversativas, assim como as concessivas, podem indicar negação de inferência, e

as concessivas podem exprimir contraste, restrição e diferença de grau, valores ligados à

relação de desigualdade, que é exibida pelas construções adversativas. Daí se dizer que tais

construções, por vezes, compartilham valores semânticos.

No entanto, Neves (1999) salienta que “concessão” e “contraposição” não se

confundem nem se opõem. A autora faz a seguinte afirmação: “a questão da contraposição se

refere à diversidade que, realmente, o mas evidencia; a questão da concessão, por sua vez, se

refere a uma admissão (real ou retórica) que precede a expressão da diversidade” (NEVES,

1999, p. 576).

Entende-se que as considerações de Neves (1999, 2000) a respeito dos valores do mas

e do embora oferecem uma orientação que permite contemplar tanto as afinidades quanto as

especificidades semânticas das adversativas em relação às concessivas.

A partir do que se expôs, de acordo com as considerações de Ducrot & Vogt (1980),

observa-se que as adversativas se aproximam das concessivas sob um ponto de vista

semântico-argumentativo por apresentarem o mesmo jogo entre manutenção e negação

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presente nestas, expressando, da mesma forma, concessão, apesar de que, conforme se

mostrou, isso nem sempre ocorre. Como se viu, Neves (1984, 1999, 2000) aceita esses

postulados de Ducrot & Vogt (1980) e acrescenta que as adversativas e as concessivas

compartilham os valores de negação de inferência, contraste e restrição.

2.3 Bases lógico-semânticas do cotejo

Na conexão operada pelas conjunções adversativas e concessivas, além de estarem

envolvidos aspectos semântico-argumentativos, como se apontou na seção anterior, estão

envolvidos aspectos lógico-semânticos.

Para que as adversativas e as concessivas sejam aqui vistas sob a perspectiva lógico-

semântica, explicitam-se, primeiramente, conceitos referentes a três processos lógicos:

pressuposição, implicação e inferência.

No que se refere ao processo de pressuposição, Mateus et al. (1983) dizem que uma

asserção A1 pressupõe outra asserção A2 se a verdade de A2 for condição necessária mas não

suficiente para a verdade de A1, ou seja, a verdade de A2 não garante a verdade de A1:

A1) Todos os cães da quinta são mansos.

A2) A quinta tem cães. (MATEUS et al., 1983, p. 166)

As autoras explicam que o fato de que todos os cães da quinta são mansos pressupõe o

fato de que a quinta tem cães. No entanto, o fato de que a quinta tem cães não garante que

todos os cães são mansos. Em outras palavras: a verdade de A2 não garante a verdade de A1,

pois os cães podem ser selvagens, traiçoeiros, manhosos, entre outros aspectos.

Em relação ao fenômeno de implicação, Mateus et al. (1983) afirmam que A implica

B se a verdade de B depende necessariamente da verdade de A:

A) Ontem à noite a Helena viu aquele deputado na boite.

B) Aquele homem foi visto ontem à noite na boite. (MATEUS et al., 1983, p. 165)

Como explicam as autoras, se alguém é deputado, então é, necessariamente, homem.

Sendo assim, a frase B está implicada na frase A. Dessa forma, se a frase implicante A é

verdadeira, a frase implicada B é, necessariamente, verdadeira, uma vez que constitui um

subconjunto das condições de verdade da frase implicante.

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Martin (1976, apud CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2006, p. 404) afirma que

a pressuposição se opõe à implicação. Na relação de pressuposição, a proposição p pressupõe

a proposição q se q, que é necessariamente verdadeira se p é verdadeira, mantém-se

necessariamente verdadeira mesmo quando p é negada (“Pedro impediu Maria de partir”

pressupõe “Maria tentava partir”).24

Na relação de implicação, por outro lado, se q é apenas

implicada por p, essa proposição, que é necessariamente verdadeira se p é verdadeira, pode

ser verdadeira ou falsa se p é negada (“Pedro vendeu seu fusquinha” implica “Pedro vendeu

um carro”).

No que diz respeito ao fenômeno de inferência, Charaudeau & Maingueneau (2006)

afirmam que se trata de uma atividade de raciocínio que diz respeito à passagem de uma

proposição a outra quanto a seu possível valor de verdade, o que distingue a relação de

inferência da relação de implicação. O autor diz que, na relação de inferência, há dois casos

particulares: a dedução e a indução. A dedução é o modo de inferência que liga duas

premissas à conclusão; ela vai do geral ao particular. A indução, por sua vez, é o modo de

inferência que conclui o geral a partir do particular.

Tais conceitos referentes aos processos lógicos são aqui invocados porque as

construções concessivas em especial são associadas aos fenômenos de pressuposição, de

implicação ou de inferência, o que demonstra a sua natureza lógico-semântica. Essas

construções também possuem natureza argumentativo-pragmática, de que se passa a tratar

mais detidamente na seção 3.3.

Thompson et al. (2007) dizem que a construção concessiva apresenta em sua estrutura

dois elementos: asserção e pressuposição. Os autores oferecem o seguinte exemplo:

52) Embora ela odeie Bartók, ela aceitou ir ao concerto.25

(THOMPSON et al., 2007, p. 263)

O seguinte esquema explica o funcionamento lógico-semântico dessa construção:

Asserção: ela aceitou ir ao concerto

Pressuposição: há uma expectativa de que, se ela odeia Bartók, então o fato de que ela

aceitaria ir ao concerto não seria verdadeiro

24 As letras p e q são notações lógicas utilizadas para indicar diferentes proposições.

25 Although she hates Bartók, she agreed to go to the concert.

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Aqui, verifica-se que a construção concessiva viola o elemento pressuposto, pois se

pressupõe que, se ela odeia Bartók, ela não aceitou o convite, mas, na construção concessiva,

afirma-se que ela o aceitou.

Lakoff (1971) mostra que a conjunção but (mas) também pode estabelecer a relação de

pressuposição. O autor fornece os seguintes exemplos:

53) John é alto, mas Bill é baixo.26

54) John é alto, mas ele não é bom em basquete.27

(LAKOFF, 1971, p. 133)

Em 53, há expressões antônimas (alto opõe-se a baixo). Assim, não há como dizer

que, como a primeira proposição é verdadeira, a segunda deveria ser falsa28

. Em 54, por outro

lado, há asserção e pressuposição implícitas na sentença, como se vê a seguir:

Asserção: John é alto e ele não é bom em basquete.

Pressuposição: Se alguém é alto, então se espera que ele seja bom em basquete.

26 John is tall but Bill is short.

27 John is tall but he‟s no good at basketball.

28Alguns autores, como Rivas (1989), consideram que tanto as adversativas quanto as concessivas exibem

sempre um valor pressuposicional:

a) Erasmo é inteligente, mas Evaristo é tonto.

b) Evaristo é tonto, mas Erasmo é inteligente.

c) Embora Erasmo seja inteligente, Evaristo é tonto. (RIVAS, 1989, p. 245)

Rivas (1989) postula que os conteúdos de a e b não são coincidentes, pois, nesses casos, tal como ocorre

em c, as frases têm valor pressuposicional; é por meio da comparação das pressuposições correspondentes que

podem ser identificadas as diferenças conceptuais. Assim, para a autora, a e b relacionam-se, respectivamente, a

expectativas deste tipo:

c) Erasmo é inteligente – Evaristo é inteligente

d) Erasmo é tonto – Evaristo é tonto

A autora salienta que o valor pressuposicional de uma construção não constitui nem um traço de

concessividade nem um de adversatividade se não está apoiado por uma conjunção específica, como se mostra a

seguir:

e) Erasmo está doente e sai.

Dessa forma, a autora considera que é a presença de uma conjunção do tipo pero (mas) ou aunque

(embora) que remete sempre a um valor pressuposicional, pois os membros conectados não possuem por si

mesmos esse valor.

Neste trabalho, entretanto, considera-se que, tal como mostra Lakoff (1971), as adversativas terão valor

pressuposicional apenas quando exibirem o sentido de “negação de expectativa”, que, para o autor, também pode

ser expressado pelas concessivas.

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Lakoff (1971) atribui ao mas do primeiro exemplo (em 53) o valor de “oposição

semântica” e, considerando que a pressuposição sempre envolve uma expectativa, atribui ao

mas do segundo exemplo (em 54) o valor de “negação de expectativa”.29

Para Lakoff (1971), as construções com but (mas) que expressam “negação de

expectativa” têm como correspondente uma construção com although (embora). Assim, a

construção concessiva correspondente da construção adversativa citada anteriormente, por

exemplo, seria Embora John seja alto, ele não é bom em basquete. Dessa forma, observa-se

que, do mesmo modo que a construção adversativa, a construção concessiva apresenta

asserção e pressuposição. No caso da construção concessiva aqui considerada, a asserção e a

pressuposição são equivalentes às da construção adversativa John é alto mas, ele não é bom

em basquete.

Longacre (2007), por outro lado, atribui a noção de “implicação frustrada” a

construções que exibem “contrariedade à expectativa” (“expectancy reversal”). O autor diz

que, na frase “Mesmo quando eu tiver dinheiro, não me casarei com ela”, há uma expectativa

implicada (“quando eu tiver dinheiro, me casarei com ela”) que não se cumpre (LONGACRE,

2007, p. 385-86). Da mesma forma, o autor mostra que em frases como “Ela foi envenenada,

mas não morreu”, há uma “causa eficiente frustrada”, pois se espera que o veneno cause a

morte (LONGACRE, 2007, p. 386). Como se vê, o autor mostra que tanto estruturas

concessivas quanto estruturas adversativas frustram uma implicação, desde que tenham o

valor de “contrariedade à expectativa”.

Observa-se que Lakoff (1971) e Longacre (2007) apontam casos tanto de construções

concessivas quanto de adversativas que envolvem relação lógica por expressarem uma

expectativa contrariada.

Neves (1984, 1999), por sua vez, mostra que a construção adversativa, assim como a

concessiva, pode expressar o que chama de “negação de inferência”, como já se mostrou neste

capítulo. Em uma construção concessiva, representada pela fórmula embora p, q, “q nega a

inferência de p” (fórmula da concessiva) ou “p nega a inferência de q” (fórmula da concessiva

invertida). Da mesma forma, em uma construção adversativa, simbolizada pela fórmula p,

29 Lakoff (1971) diz que, em alguns contextos de uso, o but pode ter tanto o sentido de oposição semântica

quanto o de negação de expectativa, tal como ocorre nesta frase: John é rico mas bobo. (LAKOFF, 1971, p. 133)

O autor explica que, se a mãe quer que sua filha se case com John porque ele é rico, a filha, caso não queira se

casar com John, pode argumentar que ele é rico, mas bobo, para expressar oposição semântica: ser rico é um

ponto positivo, mas ser bobo é um ponto negativo. Por outro lado, se a mãe tiver como pressuposto que as

pessoas ricas são espertas, a filha deve utilizar a expressão John é rico mas bobo com o sentido de negação de

inferência, mostrando que John é rico, mas não é esperto.

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mas q, “q nega a inferência de p” ou “p nega a inferência de q” (fórmula que corresponderia à

“concessiva invertida”). A seguir, exemplificam-se os tipos de construção referidos:

- q nega a inferência de p:

55) Normalmente eu não estou assim muito por dentro dos preços dos alimentos (q), embora

eu ouça minha tia às vezes falar que está tudo muito caro (p). (NEVES, 1999, p. 554) (a

inferência de p, que é negada, é a de que “eu estou por dentro dos preços dos alimentos”)

56) Ora, eu não me chamo José ... Esqueci meu nome, é verdade (p); mas sei que não era

José (q). (NEVES, 1984, p. 29) (a inferência de p, que é negada, é a de que “eu não esqueci

meu nome”).

- p nega a inferência de q:

57) Eu ouço minha tia às vezes falar que está tudo muito caro (q), embora normalmente eu

não esteja assim muito por dentro dos preços dos alimentos (p). (NEVES, 1999, p. 554) (a

inferência de q, que é negada, é a de que “eu estou por dentro dos preços dos alimentos”)

58) (...) E seu coração se apertou, de repente (p). Mas sabia que não devia sentir saudades

(q). (NEVES, 1984, p. 30) (a inferência de q, que é negada, é a de que “seu coração não

deveria se apertar”).

Até aqui, mostrou-se que a construção concessiva e a construção adversativa podem

ser vistas sob um ponto de vista lógico-semântico, pois são relacionadas a essas construções

noções lógicas de “pressuposição” (THOMPSON et al., 2007; LAKOFF, 1971), de

“implicação” (LONGACRE, 2007) ou de “inferência” (NEVES, 1984, 1999, 2000).

Entretanto, costuma-se dispensar um tratamento lógico-semântico à construção

concessiva, pois, como se verá, essa construção possui certa relação com causa e com

condição30

. A relação adversativa, por outro lado, como diz Rodríguez (1990), tem sido

considerada como uma relação de oposição, pois a adversatividade se situa na conexão de

contra-argumentos para uma conclusão. Assim, passa-se a tratar aqui da construção

concessiva, especificamente, sob um ponto de vista lógico-semântico.

O que se pretende mostrar é que a relação estabelecida entre a construção concessiva e

a pressuposição/implicação/inferência demonstra que tal construção apresenta certa conexão

com causa e com condição, pois, como se verá, a partir do que é expresso na construção

30 Como apontam König & Siemund (2000), novas denominações têm sido propostas à relação concessiva, como

as de “não-causal” (“incausal”), de “causa inoperante” (“inoperant cause”), de “anticausa” (“anticause”), de

“causa contrária” (“cause contraire”), de “causalidade oculta” (“hidden causality”), de “condição contrária”

(“condition contrecarré”). Tais designações já deixam mais evidente que a relação concessiva possui certa

conexão com a relação causal e com a condicional.

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concessiva, é possível verificar uma causa e uma condição pressuposta/implicada/inferida,

causa e condição que são negadas na construção31

, daí a violação da

pressuposição/implicação/inferência envolvida nessa construção.

Primeiramente, pode-se pensar na relação que se estabelece entre as concessivas e as

causais. Hermodsson (1996) mostra, por exemplo, que a conjunção obwohl (apesar de), em

alemão, tem sentido oposto ao de uma expressão causal, pois anula uma causalidade prevista:

59) Eu não posso derrubar essa árvore apesar de que o machado está afiado.

60) Eu posso derrubar a árvore porque o machado está afiado. (HERMODSSON, 1996, p.

11)

O autor diz que se obtém na construção concessiva citada uma informação que é

considerada como imprevista, já que o conteúdo dessa construção nega uma relação causal

pressuposta, a de que eu posso derrubar a árvore porque o machado está afiado. Dessa forma,

o autor sugere a denominação de “não-causal” às construções concessivas.

Verhagen (2000) chega à mesma conclusão: a negação de uma causalidade resulta em

uma interpretação concessiva. O autor diz que a inferência causal, que pode ser simbolizada

pela fórmula “p, então q”, é invalidada em uma construção concessiva, pois a verdade de q

(do conteúdo expresso na nuclear da construção causal) passa a ser negada na construção

concessiva. Assim, essa negação de inferência causal pode ser descrita nesta fórmula: embora

p, ~q32

.

Rodríguez (1990), por sua vez, diz que, em uma construção concessiva A, aunque B

(A, embora B), B é a causa inoperante que implica não A, apesar de que se dá A. Considere-

se esta frase:

61) O Governo estuda a especialidade em Gerontologia, embora ela ainda se encontre em

fase embrionária33

. (RODRÍGUEZ, 1990, p. 50)

Em 61, há a implicação (causal) de que o fato de a especialidade em Gerontologia

estar em fase embrionária leva o Governo a não estudar essa especialidade, mas essa

implicação é violada, e o Governo a estuda.

31Saliente-se que, quando a construção adversativa estiver relacionada à pressuposição/implicação/inferência,

assim como a concessiva, ela, necessariamente, também apresentará certa relação com causa e com condição,

pois haverá uma causa e uma condição pressuposta/implicada/inferida na construção. Entretanto, trata-se, aqui,

especificamente da relação entre causa/condição e concessão, visto que, como já se apontou, existem aspectos

lógico-semânticos envolvidos especialmente na construção concessiva. 32

O símbolo ~ corresponde ao termo não. 33

El Gobierno estudia la especialidad en Gerontología, aunque todavía se halla en fase embrionária.

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Até aqui, mostrou-se que a construção concessiva envolve uma causa

pressuposta/inferida/implicada. Cita-se, ainda, Di Meola (1998, p. 348, apud KÖNIG &

SIEMUND, 2000), que afirma que a relação concessiva não envolve uma causa apenas, como

se vê a seguir:

62) Embora Carol esteja doente, ela vai ao trabalho hoje.34

63) Como Carol está doente, ela não pode ir ao trabalho.35

64) Como há uma importante reunião de negócios hoje, Carol vai ao trabalho.36

Mostra-se, aí, que a construção concessiva (em 62) é baseada nas duas causas

hipotéticas citadas (em 63 e em 64), prevalecendo uma delas. Em 63, estar doente seria causa

para não ir ao trabalho e, em 64, ter uma importante reunião de negócios seria causa para ir ao

trabalho. Observando-se a construção concessiva exemplificada em 62, nota-se que a segunda

causa (em 64) prevalece, o que leva a autora a denominar a relação concessiva de

“causalidade oculta”37

.

Como se mencionou anteriormente, a relação concessiva também se liga à relação

condicional. König (1985) diz que, na construção concessiva, que pode ser representada pela

fórmula “embora p, q”, há uma implicação de incompatibilidade entre os fatos expressos na

oração concessiva e na nuclear. Essa incompatibilidade viola a condição descrita no seguinte

esquema: “normalmente, se p, então ~q” (KÖNIG, 1985, p. 4).

Rivas (1989), por sua vez, diz que as construções concessivas expressam uma

condição ineficaz para que algo ocorra. Estes são os exemplos fornecidos pela autora:

65) Embora chova, sairei.38

66) Normalmente, se chove, não saio.39

(RIVAS, 1989, p. 241)

A autora assevera que a oração “embora chova” constitui condição ineficaz para o

cumprimento do que vem expresso na oração principal (“sairei”), ao contrário do que ocorre

na construção condicional, na qual “se chover” constitui condição eficaz para o cumprimento

34 Although Carol is ill, she goes to work today.

35 Since Carol is ill, she cannot go to work today.

36 Since there is an important business meeting today, Carol goes to work.

37 Como a autora faz referência à “causa hipotética”, observa-se que também estão envolvidas na construção

citada em 62 duas condições, prevalecendo uma delas. 38

Aunque llueva saldré. 39

Normalmente, si llueve no salgo.

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do que vem expresso na oração principal (“não saio”). Assim, a autora diz que existe entre os

membros da construção concessiva uma relação de não implicação frente a uma relação de

implicação, que pode ser descrita na construção condicional (citada).

Como se vê, as construções concessivas apresentam conexão causal, de um lado, e

possuem conexão condicional, de outro. Saliente-se que o próprio fato de as concessivas

possuírem certa relação com as causais já deixa implícito que também apresentam alguma

conexão com as condicionais, pois, como mostra Harris (1988), há uma conexão causal (em

sentido amplo) expressa nas concessivas e nas condicionais. Para o autor, há um espectro

semântico que parte das construções causais (nas quais a conexão causal entre a oração causal

e a nuclear é afirmada), via construções condicionais (nas quais a conexão causal é

hipotética), chegando, por fim, às construções concessivas (nas quais o vínculo causal entre a

oração concessiva e a nuclear é negado).

Verifica-se, assim, que as construções causais em sentido lato são vistas em um

continuum. A existência das construções condicionais concessivas, por exemplo, que, nesse

continuum, encontram-se entre as construções condicionais e as construções concessivas,

deixa evidente que, como afirma Harris (1988), não existe um limite claro entre as categorias

desse espectro semântico. Para ilustração, mostra-se, a seguir, por meio de exemplos

oferecidos por Harris (1988), que as construções condicionais concessivas compartilham

traços tanto das condicionais quanto das concessivas:

67) Oração condicional: se ele vier amanhã40

,

68) Oração condicional concessiva: mesmo se ele vier amanhã41

,

69) Oração concessiva: embora ele venha amanhã42

, (HARRIS, 1988, p. 73)

Harris (1988) diz que, em 67, a sentença não envolve nem o antecedente nem o

consequente43

, mas afirma a verdade do consequente caso a hipótese se realize; em 68, a

sentença envolve o consequente independentemente da realização da hipótese de uma

circunstância normalmente vista como incompatível com o consequente; em 69, por sua vez, a

sentença envolve tanto o antecedente quanto o consequente: o antecedente é tido como

incompatível com o consequente, mas este não é mais visto como hipotético. A partir dessas

informações, pode-se asseverar que a oração condicional concessiva apresenta hipótese,

40 If he comes tomorrow.

41 Even if he comes tomorrow.

42 Although he comes tomorrow.

43 Antecedente e consequente correspondem, respectivamente, à oração nuclear e à oração adverbial.

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característica da condicional, e incompatibilidade, traço da concessiva. Daí não ser possível

incluir essa construção em uma classe discreta, ou seja, em uma categoria que traz

características discretamente definidas de uma única classe.

A partir do exposto nesta seção, nota-se que estão envolvidos, especialmente nas

concessivas, aspectos lógico-semânticos. Nessas construções, está presente uma causa ou uma

condição pressuposta/implicada/inferida, que é negada. Assim, verifica-se que as adversativas

se aproximam das concessivas por apresentarem relação de

pressuposição/implicação/inferência negada.

No capítulo a seguir, trata-se das adversativas e das concessivas em relação aos

aspectos sintático e discursivo, verificando-se tanto os pontos de contato quanto os de

contraste entre elas.

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3. ADVERSATIVAS E CONCESSIVAS: ESPECIFICIDADES E

APROXIMAÇÕES SINTÁTICAS E DISCURSIVAS

3.1 Construções adversativas e construções concessivas: visão tradicional e

visão funcionalista

Nas gramáticas tradicionais, as orações adversativas e as orações concessivas são

incluídas nos processos sintáticos de coordenação e de subordinação, respectivamente. Ambos

os tipos de orações atuam em um período composto: na coordenação (adversativa), há a

oração coordenada inicial e a oração coordenada adversativa e, na subordinação (concessiva),

há a oração principal e a oração subordinada adverbial concessiva, colocada em qualquer

ordem (anteposta, posposta ou intercalada).

Nas gramáticas tradicionais se mostra que há diferentes formas de manifestação das

coordenadas e das subordinadas. As orações coordenadas (adversativas) são classificadas

como: i) assindéticas (não apresentam conjunção); ii) sindéticas (apresentam conjunção). As

orações subordinadas (adverbiais concessivas), por sua vez, são classificadas como: i)

desenvolvidas (ocorrem na forma verbal); ii) reduzidas (manifestam-se nas formas nominais

de infinitivo, gerúndio ou particípio); iii) justapostas (não apresentam conjunção). Como se

vê, tanto nas coordenadas quanto nas subordinadas, pode haver a presença ou não de

conjunção.

Nessas gramáticas a conjunção é definida, em geral, como o vocábulo gramatical que

serve para “ligar” orações ou termos (CUNHA & CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 1994;

BECHARA, 2003a). No entanto, ao se tratar do processo de coordenação e de subordinação,

enfatiza-se, em geral, a junção entre orações.

Quando se trata de outros tipos de conexões que não a que se dá entre orações, faz-se

referência à possibilidade, em específico, de a conjunção coordenativa “ligar” unidades

menores (chamadas, aqui, de sintagmas). Bechara (2003b), por exemplo, diz que “as

conjunções não só ligam orações, pois as coordenadas ligam ainda expressões do mesmo

valor”, e exemplifica: “o e (ou qualquer conjunção coordenativa) entre duas expressões

(Pedro e Paulo, no dia de ontem e no dia de hoje) é conjunção, e não preposição.”

(BECHARA, 2003b, p. 117)

Além disso, nas gramáticas tradicionais em geral, não se aponta que a conjunção une,

também, unidades maiores que a oração (aqui chamadas de enunciados). Apesar disso, em

algumas gramáticas há exemplos, nos quais está envolvida a conjunção coordenativa, que

ilustram esse caso, como se vê a seguir:

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70) Eram mãos nuas, quietas, essas mãos; serenas, modestas e avessas a qualquer

exibicionismo. Mas não acanhadas, isso nunca. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)

Em 70, a conjunção coordenativa (mas) estabelece junção entre enunciados, que se

caracteriza pela maior pausa entre os segmentos, marcada, em geral, pelo ponto final.

Como se vê, quando se trata da conjunção coordenativa, embora por vezes não se

explique que ela pode estabelecer diferentes tipos de conexão, não é raro identificar exemplos

nas gramáticas que ilustrem os três tipos de conexão: entre sintagmas, entre orações e entre

enunciados. No entanto, quando se trata da conjunção subordinativa, não se encontram

exemplos que ilustrem tipos de conexões que não ocorram entre orações.

Neste trabalho, dado que se analisam os usos efetivos das construções adversativas

(com mas) e das construções concessivas (com embora), não só a conexão entre orações mas

também a conexão entre sintagmas e entre enunciados são consideradas em ambos os tipos de

construção.

Vistos esses aspectos, passa-se a verificar quais são as definições tradicionalmente

oferecidas para os diferentes processos aqui estudados (a “coordenação” e a “subordinação”)

e, a seguir, passa-se às diferenciações.

Nas gramáticas tradicionais, é fortemente estabelecida uma dicotomia entre

coordenação e subordinação. Diz-se que as orações coordenadas possuem função sintática

idêntica (CUNHA & CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 1994; MELO, 1971), já que uma

oração não funciona como termo de outra, e que as orações subordinadas (substantivas,

adverbiais e adjetivas) exibem funções sintáticas dependentes (MELO, 1971), pois a oração

subordinada atua como um constituinte da oração principal.

Desse modo, afirma-se que a oração coordenada, por não funcionar como termo de

outra oração, é independente, e que a oração subordinada, por servir de termo de outra oração,

é dependente (MELO, 1971; CEGALLA, 1994, ROCHA LIMA,1994; BECHARA, 2003b).

Nesse caso, a distinção entre ambos os tipos de processos é feita com base em critérios

sintáticos. Contudo, os gramáticos, em geral, também utilizam, por vezes, critérios semânticos

para definir os processos de coordenação e de subordinação44

. Cegalla (1994), por exemplo,

em relação à coordenação, diz que “no período composto por coordenação as coordenadas são

independentes (isto é, não funcionam como termos de outras)” (CEGALLA, 1994, p. 282) e,

44 Quando o aspecto semântico é considerado, costuma-se dizer que as orações coordenadas (independentes) têm

“sentido completo” (BECHARA, 2003b), “sentido próprio” (BRANDÃO, 1963; CUNHA & CINTRA, 1985),

“sentido pleno” (OLIVEIRA, 1960) ou “autonomia” (MELO, 1971; CUNHA & CINTRA, 1985).

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no que se refere à subordinação, afirma que “oração subordinada é a que depende da

principal: serve-lhe de termo e completa-lhe o sentido” (CEGALLA, 1994, p. 285). Como se

vê, ao definir o processo de coordenação, o autor utiliza critério sintático e, ao conceituar o

fenômeno de subordinação, faz uso de critério sintático e, também, semântico.

Bechara (2003b), por outro lado, conceitua coordenação com base em critério sintático

e semântico e define subordinação com base em critério sintático apenas. No que concerne ao

processo de coordenação, o autor diz que “independente é a oração que não exerce função

sintática de outra a que se liga” (aspecto sintático) e que “as orações de sentido completo se

chamam independentes” (aspecto semântico) Em relação ao processo de subordinação, o

autor afirma que “dependente é a oração que exerce função sintática de outra a que se liga

(...)” (BECHARA, 2003b, p. 114).

Assim, observa-se que tanto as orações coordenadas quanto as orações subordinadas

são definidas com base ora em critérios sintáticos ora em critérios semânticos (ou em ambos

os critérios). Além disso, como se viu, em uma mesma gramática chega-se até mesmo a

utilizar diferentes critérios para definir coordenação e subordinação.

Poucos são os casos nos quais, em uma mesma gramática, empregam-se os mesmos

critérios para definir os processos de coordenação e de subordinação. Das gramáticas

consultadas, a de Oliveira (1960), por exemplo, diferentemente das gramáticas tradicionais

em geral, conceitua coordenação e subordinação com base nos mesmos critérios. O autor

afirma que, no período composto por coordenação, as orações são independentes porque “uma

oração não depende de outra, quanto ao sentido” (OLIVEIRA, 1960, p. 136) e porque a

oração coordenada “não está exercendo nenhuma função (de S, PD, OD, etc.)” (OLIVEIRA,

1960, p. 142). Em relação à oração subordinada, o autor assevera que ela é dependente, pois,

“isolada, não tem sentido”; a “oração subordinada sempre exerce uma função” (de sujeito,

objeto direto, adjunto adverbial, entre outras) (OLIVEIRA, 1960, p. 142). Assim, os

fenômenos de coordenação e de subordinação são conceituados de acordo com critérios

semânticos e sintáticos.

Esse tratamento tradicional dado à coordenação e à subordinação tem sido questionado

por linguistas, como Carone (1991), Decat (1993) e Sousa e Silva & Koch (1998).

Carone (1991, p. 61) considera que o único sentido válido em que se pode entender a

independência das orações coordenadas diz respeito ao fato de que a conjunção coordenativa,

diferentemente da subordinativa, não insere uma oração em algum ponto de outra para estar a

seu serviço. A autora, assim, reconhece que, sintaticamente, as orações coordenadas são, de

certa forma, independentes, mas questiona a atribuição de independência semântica às orações

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coordenadas, e diz que uma frase como “Mas você não responde!” é tão dependente como “Se

eu fosse um mágico...”.

Decat (1993) também apresenta uma visão crítica a respeito da dicotomia

tradicionalmente estabelecida entre coordenação e subordinação. A autora defende que o

estabelecimento dessa separação com base na possibilidade de uma oração poder, ou não,

constituir por si só um enunciado é refutável. Assim, Decat (1993, p. 109) mostra que em uma

frase como “Eu o esperei mas ele não veio”, não se pode dizer que a oração adversativa tem

autonomia de sentido. Da mesma forma, em um enunciado como “Se ao menos alguma coisa

acontecesse!”, há uma frase completa, embora seja originalmente uma subordinada.

Vale citar, ainda, Sousa e Silva & Koch (1998), que dizem que, do ponto de vista

semântico e pragmático, as frases de um período composto (tanto por coordenação quanto por

subordinação) são necessariamente interdependentes. Repare-se que as autoras se referem não

só ao aspecto semântico como também ao pragmático. Koch (1997) explica que, em qualquer

período composto por duas ou mais orações, há entre elas uma interdependência, pois a

presença de cada uma delas é necessária para veicular o sentido pretendido. Embora, em

muitos casos, a primeira oração do período possa ser enunciada independentemente, o

acréscimo da segunda traz um novo significado para o conjunto: ora é responsável pela

introdução de relações semânticas como as de causa/consequência, meio/fim,

condição/condicionado, entre outras, ora encadeia-se sobre a primeira contribuindo para a

progressão do discurso e apresentando, consequentemente, valores pragmáticos.

Pelo que foi exposto até aqui, observa-se que tanto as ditas orações subordinadas

quanto as chamadas orações coordenadas são, de certa forma, interdependentes semântica e

pragmaticamente, o que levaria a que se questionasse o estabelecimento da dicotomia

“coordenação” x “subordinação”. Além disso, coloca-se em xeque até mesmo a dicotomia

dependência x independência sintática tradicionalmente determinada, posto que, como se

verá a seguir, no grupo das subordinadas (em específico), há tipos de orações que apresentam

diferente natureza sintática. Antes que se mostre isso, apresentam-se as considerações que

aparecem nas gramáticas tradicionais a respeito dos tipos de subordinação.

São dadas, nas gramáticas tradicionais, classificações particulares aos tipos de

subordinação: classificam-se as subordinadas em substantivas, adjetivas e adverbiais. Diz-se

que as subordinadas substantivas, as subordinadas adjetivas e as subordinadas adverbiais

desempenham funções que “são comparáveis às exercidas por substantivos, adjetivos e

advérbios” (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 584), respectivamente. Ou seja, como aponta

Bechara (2003b), a oração substantiva exerce todas as funções sintáticas que, na oração, pode

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desempenhar um substantivo45

; a oração adjetiva funciona como adjunto adnominal de um

termo antecedente; e a oração adverbial atua como adjunto adverbial da oração principal.

Apesar de serem atribuídas três denominações às orações subordinadas, nas

gramáticas tradicionais em geral essas orações são divididas em dois subgrupos. Como aponta

Brandão (1963, p. 137), subordinação é a proposição: i) “que se prende intimamente a outra,

completando-a como sujeito ou complemento necessário (Convém QUE NÃO FAÇAS ISSO.)”;

ii) “que restringe ou modifica um termo de outra, servindo-lhe de complemento atributivo ou

circunstancial” (É interessante o livro / QUE LI.) / (Sairei QUANDO CHEGARES.).

Como se vê, são incluídas no primeiro grupo as subordinadas substantivas e, no

segundo grupo, as subordinadas adjetivas e as subordinadas adverbiais. Isso ocorre porque,

nas gramáticas tradicionais em geral, o adjunto, função atribuída às orações adjetivas e às

orações adverbiais, é considerado “termo acessório”, ao passo que o sujeito, o predicado, o

objeto (direto e indireto), o complemento nominal e o agente da passiva, funções de que se

incumbem as orações substantivas, não são tidos como “termos acessórios”. Pelo contrário, as

duas primeiras funções referidas (sujeito e predicado) são consideradas “básicas” (ROCHA

LIMA, 1994) ou “essenciais” (CUNHA & CINTRA, 1985) e as demais são tidas como

“termos integrantes” (ROCHA LIMA ,1994; CUNHA & CINTRA, 1985)46

.

A partir dessas observações presentes nas gramáticas tradicionais consultadas, caberia

perguntar se deveriam ser incluídas no mesmo grupo (o da subordinação) orações que

atuariam como “adjunto” e orações que não atuariam como “adjunto”.

Além disso, caberia pensar se seria pertinente incluir em um mesmo grupo (o do

“adjunto”) as adjetivas restritivas e as adjetivas explicativas. Cunha & Cintra (1985, p. 588-

589) dizem que as orações adjetivas restritivas restringem a significação do termo

antecedente, sendo “indispensáveis ao sentido da frase”, e que as orações explicativas “não

são indispensáveis ao sentido essencial da frase”, pois acrescentam ao antecedente uma

qualidade “acessória”. Rocha Lima (1994, p. 271), bem como os gramáticos em geral,

apresenta considerações semelhantes às de Cunha & Cintra (1985) no que se refere às duas

subclasses de oração adjetiva. O autor afirma que a oração restritiva delimita o antecedente,

formando “um todo significativo” e, assim, não pode ser suprimida, sob pena de a oração

45 Na gramática tradicional, confunde-se, nesse caso, classe gramatical com função sintática. Pode-se dizer que

as chamadas orações substantivas exerceriam papel que exerce o sintagma nominal (que é função sintática), e

não o substantivo (que é classe gramatical). 46

Há, ainda, a função de aposto, que também é atribuída às orações substantivas, mas não se diz se o aposto é

termo “essencial” ou “integrante”.

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principal ficar prejudicada em sua compreensão. A oração explicativa, por outro lado, é termo

“adicional”, que não é indispensável para a compreensão do conjunto.

Essas observações feitas nas gramáticas fazem pensar que são apenas as orações

adjetivas explicativas que têm natureza mais compatível com a de adjunto, tal como este é

concebido tradicionalmente, já que elas são tidas como elementos “acessórios” ou

“adicionais”, ao contrário das adjetivas restritivas, que, como sugerem os gramáticos em

geral, incidem sobre um termo para restringi-lo. Apesar disso, como já se apontou, ambos os

tipos de construção são incluídas em uma mesma classe, o que contradiz, de certa forma, as

próprias afirmações presentes nas gramáticas. Portanto, como se disse, caberia pensar se tal

classificação adotada tradicionalmente se mostra adequada para a contemplação da natureza

real das construções em questão.

Mais adiante, ao se tratar do aspecto sintático das adversativas e das concessivas sob

um ponto de vista funcionalista, procura-se trazer respostas para esses questionamentos.

Na sequência, partindo-se das considerações apresentadas nas gramáticas tradicionais

sobre os processos de coordenação e de subordinação, reflete-se sobre os processos sintáticos

sob um ponto de vista funcionalista.

Os autores funcionalistas, em geral, colocam em xeque a divisão tradicionalmente

estabelecida pela gramática entre “coordenação” e “subordinação”. Autores como Givón

(2001) e Hopper & Traugott (1994) propõem que a dita coordenação e a chamada

subordinação não são categorias estanques. Portanto, de acordo com a visão funcionalista da

linguagem, não se deve fazer uma separação rígida entre coordenação e subordinação.

Givón (2001, p. 328) questiona o estabelecimento de uma separação rígida entre

coordenação e subordinação porque nenhuma oração presente em um discurso coerente é

completamente independente de seu contexto local (linear) ou global (hierárquico)47

. Assim, o

autor considera, por exemplo, que a dimensão funcional da integração dos eventos e a

dimensão sintática da integração das orações formam duas escalas “isomórficas” paralelas, ou

seja, a integração das orações está diretamente relacionada com a dos eventos.

Hopper & Traugott (1994), também questionando a existência de independência total

entre orações, propõem que três grupos de relações se apresentam em um continuum, que

pode ser assim representado:

47 Givón (2001) considera “local” a relação que se estabelece entre orações adjacentes e “global” o contexto

discursivo mais amplo.

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Parataxe Hipotaxe Subordinação

- dependência + dependência + dependência

- encaixamento - encaixamento + encaixamento

Para os autores, na parataxe, as orações possuem relativa independência48

; na

hipotaxe, as orações são relativamente dependentes, pois há um núcleo e uma ou mais

sentenças que não podem ocorrer isoladamente; na subordinação, por seu turno, há

dependência total entre as orações, pois a margem49

(a oração subordinada) é inteiramente

encaixada num constituinte do núcleo (a oração nuclear).

Hopper & Traugott (1994) estabelecem uma relação entre os processos sintáticos e a

gramaticalização: as três etapas descritas (parataxe, hipotaxe e subordinação)

corresponderiam a três fases do processo de gramaticalização das “orações complexas”50

. De

acordo com tais autores, as orações se apresentam em um continuum, no qual se parte da

parataxe, passa-se pela hipotaxe e se chega à subordinação. Os autores afirmam que, quanto

mais próximas da parataxe, menos integradas são as orações e, quanto mais próximas da

subordinação, mais integradas são as orações.

Na tipologia de Hopper & Traugott (1994), a parataxe inclui grupos de orações que

denotam desde relações mais simples (justaposição) até relações mais complexas

(coordenação); a hipotaxe engloba as orações adjetivas explicativas e as orações adverbiais, e

a subordinação, por sua vez, abrange as orações adjetivas restritivas e as orações substantivas.

Halliday (2004), por sua vez, ao tratar da articulação de orações, faz referência ao

sistema lógico-semântico. No entanto, da mesma forma que Hopper & Traugott (1994), o

autor estabelece três tipos de processos sintáticos, embora não os inclua em um continuum.

Halliday (2004) postula que há dois sistemas que determinam a maneira pela qual as

orações se relacionam: o do grau de interdependência e o da relação lógico-semântica.

No sistema do grau de interdependência, há duas relações: a parataxe e a hipotaxe. No

sistema de relação lógico-semântica, também há duas relações: a expansão (que ocorre por

meio de elaboração, extensão ou realce) e a projeção. A seguir, apresenta-se um esquema

dessas relações, desconsiderando-se, entretanto, a projeção, que não será tratada neste

trabalho.

48 Dizem os autores que, para serem independentes, basta que as orações façam sentido e que obedeçam ao

princípio de relevância. 49

A relação entre “margem” e “núcleo” será tratada de forma mais detalhada a seguir, quando se apresentarem

as considerações de Longacre (2007). 50

Os autores chamam de “orações complexas” as orações que integram o período composto.

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1) Sistema do grau de interdependência (sistema tático):

a) Parataxe (orações de mesma natureza): um elemento dá início à estrutura oracional e outro

dá continuidade a ela.

b) Hipotaxe (orações de natureza distinta): um elemento é tido como dominante e outro como

dependente na estrutura oracional.

2) Sistema da relação lógico-semântica:

a) Expansão: a segunda oração expande a primeira por meio de elaboração, extensão ou

realce.

- Elaboração: uma oração expande a outra por elaboração especificando ou exemplificando.

- Extensão: uma oração expande a outra por extensão acrescentando informações novas ou

oferecendo alternativas.

- Realce: uma oração expande a outra por realce qualificando esta com circunstâncias de

tempo, lugar, causa, condição.

Halliday (2004) mostra que os sistemas de grau de interdependência e de relação

lógico-semântica estão inter-relacionados, sendo determinadas, assim, diferentes

combinações. Oferecem-se, no quadro a seguir, algumas construções que ilustram os tipos de

combinações possíveis entre os dois sistemas:

Sistema

Lógico-

Semântico

Sistema Tático

Parataxe Hipotaxe

Elaboração John não esperou; foi embora.51

John fugiu, o que surpreendeu todos.52

Extensão John fugiu e Fred ficou para

trás.53

John fugiu, enquanto Fred ficou para

trás.54

Realce John ficou assustado, então fugiu.

55

John fugiu porque estava assustado.

56

Adaptação de quadro apresentado por Halliday (2004, p. 380)

51 John didn‟t wait; he ran away.

52 John ran away, which surprised everyone.

53 John ran away and Fred stayed behind.

54 John ran away, whereas Fred stayed behind.

55 John was scared, so he ran away.

56 John ran away, because he was scared.

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Na classificação proposta por Halliday (2004), a construção adversativa

corresponderia à relação paratática de extensão e a construção concessiva equivaleria à

relação hipotática de realce. Assim, na construção adversativa, o segmento iniciado pela

conjunção (mas) acrescenta informações novas e, na construção concessiva, o segmento

iniciado pela conjunção (embora) funciona como um realce e apresenta a circunstância de

concessão.

Halliday (2004) distingue, ainda, as relações táticas (parataxe e hipotaxe) das relações

de encaixamento. O autor diz que a parataxe e a hipotaxe são relações entre orações, ao passo

que o encaixamento é um processo no qual uma oração ou um sintagma funciona como um

constituinte dentro da estrutura de um grupo, que, por seu turno, é um constituinte de uma

oração.

Matthiessen & Thompson (1988) aceitam o postulado de Halliday (2004) de que

existem dois tipos de articulação de oração no sistema tático (parataxe e hipotaxe) e

acrescentam algumas considerações ao contemplar as orações em um âmbito discursivo. Para

os autores, a estrutura oracional reflete a organização do discurso. O texto é composto por

componentes (codificados por orações) denominados unidades retóricas do discurso. As

relações estabelecidas por essas unidades no texto são definidas de acordo com a função que

cumprem. Sendo assim, essas unidades podem apresentar dois tipos de relações, de núcleo-

satélite e de listagem, que correspondem, respectivamente, à distinção gramatical entre

hipotaxe e parataxe. Na relação de núcleo-satélite, assim como na de hipotaxe, um membro da

estrutura oracional é ancilar do outro e, na relação de listagem, assim como na de parataxe,

nenhum membro é ancilar do outro.

Matthiessen & Thompson (1988), atendo-se especificamente à relação de núcleo-

satélite, dizem que, nessa relação, certas porções do texto (os núcleos) representam os

objetivos centrais do emissor, ao passo que outras (os satélites) trazem os objetivos

suplementares. Os autores salientam que é o usuário da língua, por meio de suas percepções,

que determina o que é nuclear e o que é suplementar no texto. A relação hipotática apresenta

essa mesma organização: há o núcleo (oração nuclear), que expõe os objetivos principais do

locutor, e o satélite (oração adverbial), que traz informações suplementares. Assim, os autores

veem a relação hipotática como uma gramaticalização da relação núcleo-satélite.

Dik (1989), embora não adote, tal como Matthiessen & Thompson (1988), um

tratamento discursivo, também atribui ao elemento adverbial o caráter de “satélite”. Ele

propõe quatro níveis de organização da estrutura frasal: 1º) predicador (designa relações e

propriedades) e termos (refere-se a entidades que ocupam casas argumentais); 2º) predicação

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(designa um estado de coisas); 3º) proposição (indica um fato possível); 4º) frase

(corresponde a um ato de fala). Considerando-se esses níveis, o autor faz a distinção entre o

argumento e o satélite. O argumento é o elemento requerido pelo predicado para formar a

predicação nuclear, sendo, portanto, essencial para denotar o estado de coisas designado pela

estrutura do predicado. O satélite, por outro lado, não é requerido pelo predicado, pois fornece

informação opcional relacionada a características (adicionais) do estado de coisas (satélite de

nível 1), à localização do estado de coisas (satélite de nível 2), à atitude/avaliação do falante

em relação ao conteúdo proposicional (satélite de nível 3) ou ao caráter do ato de fala (satélite

de nível 4). Assim, o autor afirma que os argumentos são obrigatórios e os satélites são

opcionais na estrutura frasal.

O autor diz que há critérios gramaticais estabelecidos para a diferenciação entre

argumentos e satélites, como se observa a seguir:

71) *Peter tirou a tampa, e ele fez isso do pote57

.

72) *Peter tirou do pote, e ele fez isso à tampa58

.

73) Peter tirou a tampa do pote, e ele fez isso cautelosamente/com uma chave de fenda/para

Mary/em um minuto/rapidamente.59

(DIK, 1989, p. 195)

Considerando-se que as expressões a tampa e do pote funcionam como argumentos e

que as expressões cautelosamente, com uma chave de fenda, para Mary, em um minuto e

rapidamente atuam como satélites, é possível verificar que os argumentos não podem ser

separados da predicação nuclear, diferentemente dos satélites, que não fazem parte da

predicação nuclear.

Tais observações se mostram pertinentes aqui porque os argumentos e os satélites,

além de poderem ser vistos no nível do sintagma (como se exemplifica em 71, 72 e 73),

podem ser vistos no nível oracional.

Dessa forma, é possível distinguir as “orações subordinadas substantivas” e as

“orações subordinadas adjetivas restritivas” das “orações subordinadas adjetivas explicativas”

e das “orações subordinadas adverbiais”, já que os dois primeiros tipos atuam como

argumentos e os dois últimos funcionam como satélites. Retiraram-se trechos de uma das

gramáticas consultadas para demonstrar essa questão:

57 *Peter removed the lid, and he did it from the jar.

58 *Peter removed from the jar, and he did it the lid.

59 Peter removed the lid from the jar, and he did it cautiously/with a screwdriver/for Mary/in a minute/quickly.

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74) Não me esqueço de que estavas doente quando ele nasceu. (CUNHA & CINTRA, 1985,

p. 585)

75) És um dos raros homens que têm o mundo nas mãos. (CUNHA & CINTRA, 1985, p.

589)

76) Tio Cosme, que era advogado, confiava-lhe a cópia de papéis de autos. (CUNHA &

CINTRA, 1985, p. 589)

77) Ainda que não dessem dinheiro, poderiam colaborar com um ou outro trabalho.

(CUNHA & CINTRA, 1985, p. 589)

Nas duas primeiras frases, as expressões em negrito são argumentos, pois fazem parte

da predicação nuclear: em 74, é necessário que se acrescente um argumento (a “oração

subordinada substantiva” destacada), pois, quando se esquece, esquece-se de algo; em 75,

deve-se acrescentar um argumento (a “oração subordinada adjetiva restritiva” destacada) para

que se especifique a que tipo de raros homens se faz referência. Nas duas últimas frases (em

76 e em 77), por outro lado, as expressões destacadas, que correspondem, respectivamente, à

“oração subordinada adjetiva explicativa” e à “oração subordinada adverbial concessiva”, são

satélites, pois poderiam ser retiradas da frase sem que a predicação nuclear ficasse

comprometida60

.

Isso mostra que a denominação de “subordinação” a todos os tipos de construções

“subordinadas” não é exata, já que algumas construções apresentam menor grau de

subordinação. As “subordinadas” substantivas, por exemplo, são mais “subordinadas” que as

“subordinadas” adverbiais.

Longacre (2007) atribui um papel semelhante ao de Dik (1989) ao elemento adverbial,

denominando-o de “margem”. O autor afirma que, em uma sentença, há margens e núcleos. O

núcleo da sentença corresponde à sua parte mais característica, que é independente da

margem. A margem, ao contrário, pode combinar-se com uma variedade de núcleos e é a

parte não-característica da sentença, que está subordinada aos elementos sentenciais restantes.

Longacre (2007, p. 373) diz que todos os tipos de orações adverbiais funcionam como

margens. Para demonstrar a relação entre margem e núcleo, o autor oferece os seguintes

exemplos:

60 Faça-se a ressalva de que isso não significa que a retirada do elemento que funciona como satélite não muda o

sentido da frase.

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Parte A Parte B

Maria ficou alegre, mas João ficou triste e pensativo.61

Quando eles ouviram a notícia Maria ficou alegre e João também.62

Maria ficou tão alegre que dançou um “jig”.63

O autor indica que a parte A corresponde à margem e a parte B ao núcleo. Além de

distinguir margem e núcleo, mostra que o núcleo é formado, em geral, por conjunção e por

bases64

. Nos exemplos citados, os seguintes excertos constituem bases: Maria ficou alegre;

João ficou triste e pensativo; João também; dançou um “jig”.

As considerações expostas neste tópico permitem que se faça uma configuração geral.

De acordo com as tipologias de Hopper & Traugott (1994) e Halliday (2004), não há

dois processos de articulação de orações, como considera a gramática tradicional, mas três: a

parataxe (em que se incluem as “orações coordenadas”), o encaixamento ou subordinação (em

se englobam as “orações subordinadas substantivas” e as “orações subordinadas adjetivas

restritivas”) e a hipotaxe (em que se incluem as “orações subordinadas adjetivas explicativas”

e as “orações subordinadas adverbiais”). Levando-se em consideração essa classificação, as

construções adversativas e as concessivas pertenceriam, respectivamente, ao grupo da

parataxe e da hipotaxe (adverbial). Entretanto, não se trata apenas de uma nova denominação

para os processos sintáticos, mas de outra forma de concebê-los, distinguindo-se os diferentes

graus de integração entre as orações: as orações substantivas, por exemplo, não são incluídas

no mesmo grupo que o das orações adverbiais.

Ao determinarem uma hierarquia entre os processos sintáticos, os autores citados

relativizam a dicotomia tradicionalmente estabelecida entre coordenação e subordinação e

consideram que não existe independência ou dependência sintática total entre orações. A

partir dessas considerações, pode-se afirmar que as adversativas e as concessivas apresentam

graus diferentes de integração sintática, o que não significa que as primeiras sejam

completamente independentes e que as últimas sejam totalmente dependentes.

As observações feitas por Dik (1989) e por Longacre (2007) também oferecem

contribuição para que se estabeleça um cotejo entre as adversativas e as concessivas em

61 When they heard the news, Mary elated but John was sad and thoughtful.

62 Mary was elated and so was John.

63 Mary was so elated that she danced a jig.

64 O termo “base” é usado para descrever a subparte funcional do núcleo.

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relação ao aspecto sintático. Ao atribuírem ao elemento adverbial o papel de “satélite” (DIK,

1989) e “margem” (LONGACRE, 2007), os autores mostram que a oração hipotática

adverbial possui uma função que lhe é particular: a de atuar como uma porção que se encontra

em um diferente “nível” em relação àquela que lhe serve de núcleo, sendo, de certa forma,

opcional na estrutura frasal.

Por fim, considera-se, também, a proposta de Matthiessen & Thompson (1988), que,

ao tratarem da articulação de orações, aliam o aspecto sintático ao discursivo, mostrando que

existem duas relações: a de listagem (que corresponderia à parataxe) e a de núcleo-satélite

(que corresponderia à hipotaxe). Isso mostra que, no tratamento dos diferentes processos

sintáticos, é pertinente que se observem os aspectos discursivos, questão que não é

considerada nas gramáticas tradicionais.

Assim, observa-se que as propostas de autores funcionalistas expostas revelam

aspectos definitórios do aspecto sintático das construções adversativas e das construções

concessivas.

No tópico seguinte, partindo-se das considerações feitas neste tópico, relacionam-se os

aspectos sintáticos aos aspectos discursivos para o tratamento das construções adversativas e

das construções concessivas.

3.2 A organização das construções adversativas e das construções

concessivas no fluxo de informação

De acordo com Chafe (1987), o fluxo de informação se refere ao modo como o

conteúdo do enunciado é empacotado e apresentado ao interlocutor. O locutor organiza seus

enunciados de acordo com suas intenções comunicativas em relação ao interlocutor.

Um dos aspectos do fluxo de informação que tem sido discutido, especialmente em

relação às construções hipotáticas, diz respeito ao estatuto informacional das orações65

.

Em relação à construção “subordinada”, Towsend (1997) considera que a oração

“subordinada” frequentemente contém informação pressuposta ou dada, ao passo que a oração

“principal” traz em geral informação asseverada ou nova. O autor diz que na frase “Sara sabe

65 Em relação ao estatuto informacional, os autores a serem citados fazem referência ao par “informação dada

(velha)” / “informação nova”, pois tomam como base a tipologia proposta por Chafe (1987, 1994). Lembre-se,

entretanto, que a análise dos dados será feita com base na tipologia estabelecida por Prince (1981), como se

mencionou no capítulo 1.

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que a aula começa às 9h em ponto”66

a informação dada é “que a aula começa às 9h em

ponto”67

, e a informação nova é “Sara sabe”68

(TOWSEND, 1997, p. 267).

O tratamento dado por Winter (1982, apud MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988) à

construção “subordinada” se aproxima do de Towsend (1997). O autor estabelece um

contraste entre oração “independente” (ou seja, coordenada) e oração “subordinada” no que

diz respeito ao seu estatuto informacional, novo e dado, respectivamente.

Matthiessen & Thompson (1988), por outro lado, consideram que essa dicotomia deve

ser revista. Os autores mostram que, em seu córpus, nenhuma das orações adverbiais traz

informação dada (no sentido de que se assume que o ouvinte conheça a informação), como se

vê nos dois trechos destacados pelos autores:

a) Meus dedos polegares começaram a me dar problemas há cerca de 4 meses

b) e eu marquei uma consulta com o melhor cirurgião de mão do Valley

c) para ver se minhas atividades de trabalho eram o problema.

d) Usar os polegares não é o problema

e) mas a herança é

f) e o resultado final não é o uso dos polegares

g) se eu não fizer algo agora.69

(MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988, p. 313)

Givón (1979) também questiona a atribuição do estatuto de pressuposição ou

informação velha à oração “subordinada” adverbial, discutindo estes exemplos:

78) Porque João saiu, Maria saiu também.70

79) Se João sair, Maria sairá também.71

(GIVÓN, 1979, p. 176)

O autor diz que o trecho destacado na primeira frase é pressuposto e, assim,

presumivelmente não asseverado. O trecho destacado na segunda frase, por outro lado, não é

pressuposto72

.

66 Sarah knows that class starts at 9:00 a.m. sharp.

67 that class starts at 9:00 a.m. sharp

68 Sarah knows

69 a) Thumbs began to be troublesome about 4 months ago

b) and I made an appointment with the best hand surgeon in the Valley

c) to see if my working activities were the problem.

d) Using thumbs is not the problem

e) but heredity is

f) and the end result is no use of thumbs

g) if I don’t do something now. 70

Because John left, Mary left too. 71

If John leaves, Mary Will leave too. 72

Givón (1979) considera que uma sentença que traz informação/asserção nova é “menos pressuposicional”.

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Como se vê, Matthiessen & Thompson (1988) e Givón (1979) colocam em xeque o

estabelecimento da dicotomia oração “subordinada” (dado) x oração “principal” (novo).

Pode-se dizer que, no texto, deve haver, de fato, um balanceamento entre informação

dada e nova, pois, como diz Koch (2000, p. 31), “é com base na informação dada, responsável

pela locação do que vai ser dito no espaço cognitivo do interlocutor, que se introduz a

informação nova, que tem por função introduzir nele novas predicações a respeito de

determinados referentes, com o objetivo de ampliar e/ou reformular conhecimentos já

estocados”. No entanto, isso não significa que se pode pré-determinar qual será a informação

dada e a nova na construção “subordinada” (e em qualquer tipo de construção), pois,

dependendo do contexto em que se insere uma determinada construção, o tipo de estatuto

informacional de seus segmentos pode variar. Além disso, ambos os segmentos da construção

podem, por vezes, apresentar o mesmo tipo de estatuto informacional, como se verá na análise

dos dados.

Outra questão a ser discutida diz respeito à associação posição inicial-informação dada

/ posição final-informação nova. É consenso entre os autores funcionalistas, como Givón

(1990) e Chafe (1984, apud DECAT, 1993), que, no fluxo de informação, em geral se parte de

uma informação dada para uma informação nova, ou seja, a informação dada tende a ocorrer

em posição inicial e a informação nova tende a aparecer na posição final73

.

Isso levaria a pensar, por exemplo, que a oração “coordenada” adversativa, por ocorrer

sempre na posição posposta, traz geralmente informação nova, e que a oração “subordinada”

adverbial concessiva, que pode aparecer em diferentes posições sintáticas, apresenta

informação dada quando vem em posição inicial (caso da posição anteposta) e informação

nova quando ocorre em posição final (posposta). Entende-se, aqui, que isso também pode ser

questionado, pois, como já foi discutido, o contexto de uso influi na determinação do estatuto

informacional das orações.

Assim, levando-se em consideração o contexto de uso, pretende-se verificar, neste

trabalho, com base em Prince (1981), por que os segmentos da construção adversativa e da

construção concessiva veiculam um tipo de estatuto informacional e não outro.

Martelotta (1998), por exemplo, registra que o segmento adversativo costuma trazer de

forma mais recorrente informação nova, mas que, quando carrega informação dada, apresenta

retomada de assunto (retomada do que já foi mencionado) ou conclusão (conclusão de um

73 Ressalte-se que essa distribuição pode dar-se tanto entre constituintes de uma oração quanto entre orações.

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conjunto de argumentos a partir da retomada de argumentos básicos ou a ideia central desses

argumentos)74

.

Thompson et al. (2007), por sua vez, tratando especificamente das adverbiais

concessivas, apontam um caso em que ambos os segmentos da construção fazem referência a

conteúdos anteriores, servindo a construção toda como uma espécie de resumo, como se vê na

seguinte passagem de texto, apresentada pelos autores numa sequência de frases:

a) A Febre Mediterrânea é uma doença „periódica‟.75

b) A partir do momento em que os sintomas, febre e mal-estar, apareceram, eles recorrem

esporadicamente e imprevisivelmente durante toda a vida do indivíduo.76

c) Há, pelo menos, febre, que dura um ou dois dias, dores na junta e dor no peito e no

abdómen.77

d) Em casos mais graves, há comprometimento da articulação, descalcificação dos ossos e

insuficiência renal.78

e) Embora muitos dos indivíduos afetados não fiquem permanentemente e seriamente

incapacitados, cerca de 10% dos casos estudados até hoje apresentaram complicações

renais.79

(THOMPSON et al., 2007, p. 286)

Os autores apontam que, nesse caso, a oração adverbial destacada parece se referir ao

conteúdo de a, b e c, ao passo que a oração nuclear parece fazer referência ao conteúdo de d.

Sendo assim, a construção concessiva toda (o segmento concessivo e o nuclear) apresentaria

uma espécie de resumo que traz as possíveis consequências da doença.

Observações como essas que se acaba de apresentar podem servir como

encaminhamento para a investigação do estatuto informacional nas adversativas e nas

concessivas.

Outra questão referente ao fluxo de informação é o relevo informativo, representado

pelo par figura/fundo. Como se apontou no capítulo 1, consoante Givón (1990) a figura é a

linha principal do enunciado e o fundo é a porção tida como adicional.

Pesquisas desenvolvidas por McClure & Geva (1983) indicam que a conjunção but

(mas), como figura, introduz informação saliente, enquanto although (embora), como fundo,

introduz informação menos saliente. Tal fato, de certa forma, não surpreende, pois a oração

adversativa (com mas) introduz argumento forte e a oração concessiva (com embora) introduz

74 O autor não oferece exemplos.

75 a) Mediterranean Fever is a „periodic‟ disease.

76 b) Once the symptoms, the fever and malaise, have begun, they recur sporadically and unpredictably during

the individual‟s lifetime. 77

c) At least there is fever, lasting a day or two, joint pains, and chest and abdominal pain. 78

d) In advanced cases, there is a joint involvement, decalcification of the bone and kidney insufficiency. 79

e) Though most of the affected individuals are not permanently or seriously disabled, about 10% of cases

studied to date succumbed to renal complications.

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argumento fraco, como se verá ainda neste capítulo. Além disso, no caso das concessivas

(com embora), especificamente, o segmento adverbial, como se mostrou no tópico 3.1, por ser

satélite, margem, traz informação adicional, o que seria compatível com a natureza de fundo.

A questão do relevo informativo, representada pelo par figura/fundo, é relacionada,

por vezes, à questão representada pelo par dado/novo, na distribuição da informação. Como já

se mostrou, Givón (1979), por exemplo, chama a atenção para o fato de que alguns autores

funcionalistas consideram que a oração “subordinada” adverbial traz informação dada

(pressuposta). Acrescenta-se, aqui, que, como informa o autor, a oração “subordinada”

adverbial vem associada à informação dada porque essa oração atua como fundo. No entanto,

como se verá na análise dos dados, apesar de a oração adverbial (concessiva) atuar mais

caracteristicamente como fundo, na maioria das vezes ela não traz informação dada. Isso

levaria a se questionar a dicotomia oração adversativa (informação nova) x informação

concessiva (informação dada).

Na questão do fluxo de informação, estão envolvidas também as funções discursivas

que são particulares da construção (adverbial) concessiva. A condição de “margem”

(LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON) da oração

concessiva faz que ela, por vezes, atue como “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993) ou

como elemento topicalizador (ZAMPRONEO, 1998).

Chafe (1984, apud DECAT, 1993) mostra que a informação trazida na oração

adverbial anteposta pode orientar a informação que será veiculada na oração “principal”,

servindo de “guia”. Trata-se da estratégia de fornecer uma moldura antes de fornecer o

conteúdo da moldura. Decat (1993, p. 186), com base em Chafe (1984) oferece exemplos de

construções em que a oração adverbial atua como “guia”, dentre os quais se destaca este:

80) então quando eu voltei... eh em oitenta e quatro... tá? o tipo de crime... da cidade havia

mudado um pouco a característica.

A autora afirma que, nesse caso, o trecho destacado serve como uma orientação para o

material seguinte ou como um guia para a atenção do receptor.

Decat (1993, p. 187) mostra, ainda, que, em alguns casos, a oração adverbial anteposta

não só orienta, guia, como também delimita a interpretação da porção de discurso

subsequente, como se vê neste excerto:

81) se a escola... domestica... eh... o corpo como que a Educação Física pode contribuir para

a NÃO domesticação... desse corpo né?

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Zamproneo (1998, p. 157), por sua vez, mostra que a oração adverbial (concessiva)

intercalada pode funcionar como elemento topicalizador:

82) A ambivalência material/humano no artefato, ainda que pareça abstrata, adquire

importância capital.

Nesse caso, a oração concessiva topicaliza o sujeito da oração nuclear (“a

ambivalência material/humano”). No entanto, a autora mostra que a oração concessiva

intercalada pode operar topicalização de outros elementos da oração nuclear, como o verbo.

Assim, parte-se, aqui, do pressuposto de que a anteposição e a intercalação da oração

adverbial concessiva do córpus em análise podem ser motivadas, entre outros aspectos, pela

necessidade de orientar conteúdo subsequente (função de guia) ou de topicalizar algum

elemento da oração (função de elemento topicalizador), respectivamente. Isso levaria a pensar

que a opção pelo uso de uma construção hipotática adverbial concessiva, em vez de uma

construção paratática adversativa, poderia ocorrer pela possibilidade de as concessivas

exercerem funções discursivas que lhe são particulares, obtendo-se, assim, diferentes efeitos

de sentido.

Por outro lado, Decat (1993, p. 184), com base em Chafe, afirma que a posposição das

hipotáticas adverbiais, como decorrência de necessidade de realçar/emoldurar, faz que certas

ocorrências se assemelhem a adendo (afterthoughts), como se verifica neste trecho

apresentado pela autora:

83) “então eh eh ... aí nós começamos a trabalhar formamos dois subgrupos ... não é?

Fundamentos I e Fundamentos II... embora a minha ambição no projeto inicial... era a de

fazer todo um trabalho ... das das áreas de de to/que integrasse todas as disciplinas de

formação específica... no curso normal...”

O adendo constitui uma pós-reflexão sobre o que já foi enunciado; trata-se de uma

informação acrescentada que não teria sido planejada ao mesmo tempo em que o enunciado.

Devido a isso, é provável que o adendo ocorra com mais frequência na fala do que na escrita.

O trecho citado, por exemplo, foi retirado de córpus que traz um conjunto de textos da língua

falada.

Entretanto, verifica-se que a hipotática adverbial concessiva (posposta), quando ocorre

em textos escritos, também pode atuar como adendo. Martelotta (1998, p. 49), por exemplo,

identifica 4 (de 13 ocorrências) segmentos concessivos pospostos que funciona como adendo,

dentre os quais um deles ocorre em texto de língua escrita:

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84) Alguma coisa tem que ser feita, e sem dúvida tem que começar por nós, mesmo sabendo

que o resultado não virá tão cedo. Daqui a 20, 50 anos, quem sabe...

Martelotta (1998) mostra, ainda, que o segmento adversativo também funciona como

adendo: de 153 ocorrências, em 13 delas o segmento adversativo tem essa função. No entanto,

o autor não oferece ocorrências para exemplificação.

Sendo assim, verifica-se que o segmento adverbial concessivo, quando vem posposto,

não apresenta uma função que lhe seja particular (diferentemente do que ocorre na posição

anteposta e na intercalada), pois, como se viu, o segmento adversativo também funciona como

adendo. Contudo, procura-se investigar, na análise dos dados, se um dos tipos de construção

(a parataxe ou a hipotaxe adverbial) favoreceria a presença de tal função.

Há outra questão ainda, referente ao fluxo de informação, que pode ser tratada para

comparar as adversativas com as concessivas. García (1994) mostra que cada tipo de

construção atua de forma particular no que se refere à relação tema/rema80

.

O autor afirma que o tema é caracterizado prioritariamente por ser conhecido e

subsidiariamente por ser inicial (ou seja: o tema é a figura do par informativo e o fundo do par

sequencial). O rema, por sua vez, se define prioritariamente por ser não inicial e

subsidiariamente por ser novo (isto é: o rema é a figura do par sequencial e o fundo do par

informativo).

De acordo com o autor, tais considerações estão de acordo com a observação de

alguns fenômenos que têm chamado a atenção dos estudiosos: i) o fundamental na unidade

temática é trazer algo novo, daí existirem orações que não possuem tema, mas não existirem

orações sem rema; ii) enquanto o tema pode pospor-se, o rema não pode antepor-se. É

possível, por exemplo, que uma oração concessiva ocorra tanto anteposta (embora não

estivesse seguro, me decidi) quanto posposta (me decidi, embora não estivesse seguro), mas

só é possível, por exemplo, que uma oração adversativa ocorra em posição posposta (não

estava seguro, mas me decidi), pois, se ocorresse na posição anteposta, a construção

adversativa seria agramatical (*mas me decidi, não estava seguro). (GARCÍA, 1994, p. 105)

Pelos exemplos aqui citados, observa-se a possibilidade de a oração concessiva, dada a

sua condição de membro “interordenado” (hipotático adverbial), ocorrer anteposta ou

posposta, o que faz que ela atue como tema; a oração adversativa, por outro lado, visto a sua

80 Saliente-se que García (1994) não adota uma abordagem funcionalista, no entanto entende-se que as

considerações feitas no que se refere ao par tema/rema podem servir como encaminhamento para uma análise

funcionalista das adversativas e das concessivas, pois já está em García (1994), por exemplo, a consideração de

que existem elementos novos e elementos dados nas construções.

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condição de segmento “coordenado” (paratático), só pode aparecer na posição posposta, o que

faz que ela funcione como rema.

Assim, García (1994, p. 105) mostra que expressões como tinha medo / me dominei

podem ser organizadas de duas maneiras: com ênfase no tema (embora tivesse medo, me

dominei) ou com ênfase no rema (tinha medo, mas me dominei). Entretanto, o autor faz a

ressalva de que a concessiva não enfatiza simplesmente um tema, mas um tema que se apoia

em um tema anterior, ao qual se junta um rema anterior que contradiz o rema da construção

concessiva. A construção embora tivesse medo, me dominei, por exemplo, tem como

informação contextual (ou textual) prévia (de tipo causal) o medo faz perder o domínio de si

mesmo. Desse modo, o tema embora tivesse medo reitera seu tema implícito (o medo), mas

não compartilha seu rema implícito (faz perder o domínio de si mesmo). Da mesma forma, a

adversativa não enfatiza meramente um rema próprio, mas um rema que se apoia em um rema

anterior, ao qual se junta um tema anterior, que contradiz o tema da adversativa. A construção

tinha medo, mas me dominei supõe uma informação prévia não ter medo faz dominar-se. O

rema dessa frase (faz dominar-se) coincide com o rema da construção adversativa (mas me

dominei), mas o tema (não ter medo) contradiz o tema da construção adversativa (tinha

medo).

Dessa forma, pode-se afirmar que a opção pelo uso de uma das construções tem a ver

com as estratégias utilizadas: reitera-se um tema implícito, deixando o rema no segundo plano

(caso das concessivas), ou se reforça um rema implícito, colocando o tema no segundo plano

(caso das adversativas).

A partir do exposto, verifica-se que, quando está em questão o fluxo de informação, as

adversativas e as concessivas podem ser comparadas levando-se em conta a distribuição de

informação (par dado/novo), o relevo de informação (par figura/fundo) e a articulação

tema/rema81

. Além disso, cabe considerar a questão das funções discursivas: a de adendo, que

pode aparecer no segmento concessivo e no adversativo, e as de guia e elemento

topicalizador, que ocorrem especificamente no segmento concessivo.

Esses aspectos aqui tratados são investigados na análise deste trabalho a fim de cotejar

as concessivas e as adversativas. Nesse exame, tem-se como foco a rigidez posicional das

adversativas e a flexibilidade posicional das adverbiais concessivas.

81 Na análise dos dados, relaciona-se o par dado/novo ao par tema/rema.

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3.3 A condução argumentativa nas construções adversativas e nas

construções concessivas

Ducrot (1981) afirma que muitos atos de enunciação têm função argumentativa, pois

objetivam levar o destinatário a uma determinada conclusão ou desviá-lo dela. Tal função

possui marcas na estrutura do enunciado: a frase pode apresentar expressões ou termos que,

além de seu conteúdo informativo, servem para dar uma orientação argumentativa ao

enunciado, conduzindo o destinatário a uma determinada direção.

Nessa linha, será mostrado o comportamento argumentativo das construções

adversativas e das construções concessivas, pois tais construções dão orientação

argumentativa ao enunciado.

A partir das observações de Ducrot e Vogt (1980), verifica-se que, na construção

adversativa, o mas conduz a conclusões contrárias: introduz-se uma proposição q que orienta

para uma conclusão não-r oposta a uma conclusão r à qual p poderia conduzir.

Retoma-se um exemplo citado na seção 2.2:

85) Ele é inteligente, mas estuda pouco. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)

Essa frase pode ser lida da seguinte forma:

Argumento 1 Conclusão 1

Ele é inteligente estuda bastante

Argumento 2 Conclusão 2

Estuda pouco não estuda bastante

Como se viu no capítulo 2, o argumento da proposição p (ele é inteligente) aponta para

uma conclusão r (estuda bastante) e o argumento da proposição q (estuda pouco) aponta para

uma conclusão não-r (não estuda bastante). Nesse caso, é o argumento da oração adversativa

que prevalece (trata-se de argumento forte), o que se apontou na seção 2.2.

Ressalte-se que a construção concessiva também pode ser representada por esse

esquema argumentativo, pois, como diz Camarero (1999, p. 189), toda estrutura contra-

argumentativa, na qual se incluem tanto as construções adversativas quanto as concessivas,

contém um enunciado p, apresentado como um argumento possível para uma conclusão r, e

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outro enunciado q, orientado para uma conclusão oposta (não-r). O autor traz um exemplo de

construção concessiva, representando-a no esquema argumentativo:

86) Embora um perigo desta nova medicina de bem-estar seja o fato de ela poder forjar em

alguns uma visão simplista e enganosa da natureza humana, penso que seu objetivo principal

é admirável: facilitar-nos a busca da felicidade e as oportunidades para encontrá-la.

Podemos pedir mais? 82

Argumento 1 Conclusão 1

esta nova medicina de bem-estar esta medicina pode ser prejudicial

pode forjar uma visão simplista

e enganosa da natureza humana

Argumento 2 Conclusão 2

o objetivo principal é admirável esta medicina é benéfica

Em 86, o argumento da proposição p (esta nova medicina de bem-estar pode forjar

uma visão simplista e enganosa da natureza humana) orienta para a conclusão r (esta

medicina pode ser prejudicial), mas o argumento da proposição q (o objetivo principal é

admirável) conduz para a conclusão não-r (esta medicina é benéfica). Aqui, o argumento da

oração concessiva não é o que prevalece (trata-se de argumento fraco).

Considerando que a construção adversativa e a construção concessiva se situam na

conexão de contra-argumentos para uma conclusão, levando, assim, a conclusões contrárias,

diz-se, em geral, que tais construções estabelecem oposição (RODRÍGUEZ, 1990) ou

contraste (GARCÍA, 2000) entre fatos.

Entretanto, a diferença fundamental entre a construção adversativa e a construção

concessiva, como apontam Rodríguez (1990), Camarero (1999) e García (2000), está no

argumento que se destaca: como se viu, a oração adversativa constitui um argumento forte e a

oração concessiva se apresenta como um argumento fraco. Assim, a construção adversativa e

a construção concessiva trazem, como diz Guimarães (2007), diferentes orientações

argumentativas83

. Dessa forma, como afirma o autor, em cada caso o texto progride em uma

determinada direção. Nos exemplos citados a seguir, pode-se verificar essa diferença de

comportamento:

82 Aunque un peligro de esta nueva medicina del bienestar es que puede fomentar en algunos una visión

simplista y engañosa de la naturaleza humana, pienso que su objetivo principal es adimirable: facilitarnos la

búsqueda de la felicidad y las oportunidades para encontrarla. Podemos pedir más? 83

Entende-se como orientação argumentativa a apresentação de um argumento como algo que se considera que

deve fazer o interlocutor chegar a uma determinada conclusão.

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87) / Os incidentes de Leme envergonham o país / , / mas o país não parece estar

envergonhado / . / A nação não está tomada por um sentimento doloroso de esturpor ou de

indignação. /

Outras coisas não aconteceriam em países modernos ou democráticos, a começar por

uma greve de cortadores de cana obrigados a cumprir sua tarefa sem que o patrão lhes

forneça luvas ou facão. Mas nada disso chega a sensibilizar os brasileiros que vivem

conforme os padrões materiais entre aceitáveis e excelentes, e que convivem sem maiores

tormentos com a miséria da maioria dos seus patrícios (esta palavra castiça de raízes latinas

tem algo de irônico: em latim, patrício quer dizer nobre e rico). Assim, em lugar de entender

que os incidentes como os de Leme teriam de caber apenas em filmes de aventuras medievais,

ou do gênero faroeste, os brasileiros bem postos na vida tratam do assunto como se a

violência brotasse de um duelo entre forças iguais. (GUIMARÃES, 2007, p. 112)

88) ... Já pelos temas, fica bem marcado o caráter interdisciplinar da reunião.

/ Embora o tema central enfatizasse a necessidade de uma discussão ampla dos

problemas do Oeste brasileiro como um todo / , / o Pantanal acabou por se tornar a grande

estrela do evento / , / o que, afinal, já era de esperar, visto que o encontro atraiu para Campo

Grande as maiores autoridades brasileiras do assunto. / (GUIMARÃES, 2007, p. 112)

Em 87, o autor diz que, como é a oração adversativa que traz o argumento

predominante (forte), o texto progride levando em conta a direção indicada por esse

argumento. Observe-se que a ideia da acomodação do país diante dos fatos aparece na oração

adversativa (o país não parece estar envergonhado) e prevalece no decorrer do texto, como

exemplificam os seguintes trechos: mas nada disso chega a sensibilizar os brasileiros que

vivem conforme padrões materiais entre aceitáveis e excelentes; os brasileiros bem postos na

vida tratam do assunto como se a violência brotasse de um duelo entre forças iguais.

Em 88, por sua vez, o autor diz que, como é a oração nuclear que apresenta o

argumento predominante (forte), o texto progride levando em consideração a direção indicada

por esse argumento. Note-se que o texto progride levando em conta a ideia de que o congresso

não se ateve ao tema proposto, conclusão tirada a partir do fato expresso na oração nuclear (o

Pantanal acabou por se tornar a grande estrela do evento). A expressão o que já era de

esperar, que ocorre após a construção concessiva, mostra que esse acontecimento não

surpreende, embora fosse imprevisto antes.

Como se vê, cada construção indica uma orientação argumentativa, fazendo que o

texto progrida em determinada direção. Essa distinção se dá, como se disse ainda há pouco,

pelo fato de que o segmento adversativo e o segmento concessivo apresentam diferentes

forças argumentativas.

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Por outro lado, é possível afirmar que as adversativas e as concessivas se

assemelhariam pelo fato de trazerem concessão84

. Como mostra Koch (1997, p. 65), quando

se indica concessão, “em vez de se apresentar o argumento como resultado de uma

argumentação por autoridade, de maneira “ditatorial”, reconhecem-se estrategicamente as

razões do outro.” (grifo meu) Trata-se daquilo que Garcia (1997, p. 375) chama de

“concordância parcial”: reconhece-se um argumento para, em seguida, refutá-lo.

Grote et al. (1997, p. 93-94) apresentam três motivações para a presença de concessão

em construções adversativas e/ou concessivas, a saber:

A) Concessão I: Convencer o leitor

89) Embora seja verdade que o Windows é barato, eu, no entanto, não compraria, porque ele

tem muitos defeitos85

.

Trata-se, nesse caso, da concessão do tipo argumentativo, já que o objetivo é

convencer o leitor, parafraseando contra-argumentos já explicitados ou antecipando aqueles

que ainda não foram enunciados para concedê-los, ao mesmo tempo em que se insiste na

dominância de outro argumento.

B) Concessão II: Prevenir falsas implicações

90) As salas de aula são pequenas, mas não inadequadas86

.

Na concessão do tipo II, o locutor tem de antecipar inferências que o interlocutor

poderia fazer a partir de um fato presente no discurso. Como apontam Grote et al. (1997), esse

tipo de concessão aparece principalmente na língua falada.

C) Concessão III: Informar sobre eventos inesperados

91) Embora fosse Dezembro, não nevou e a temperatura subiu para 20 graus87

.

Na concessão do tipo III, o principal objetivo é simplesmente informar sobre dois

eventos, enfatizando que a correlação entre eles não é comum ou não é esperada.

Na análise dos dados desta dissertação, consideram-se as concessões do tipo I e III,

pois elas aparecem com mais frequência no córpus.

84 Saliente-se que, como já se disse, a construção adversativa (com mas) nem sempre expressa concessão.

85 Although you are correct that Windows is cheap I nevertheless wouldn‟t buy it, because it has many bugs.

86 The classrooms are small, though not unsuitable.

87 Although it was December, no snow fell and the temperature rose to 20 degrees.

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Apesar de tanto as adversativas quanto as concessivas apresentarem concessão, por

motivações particulares, como as apontadas por Grote et al. (1997), pode-se considerar que

cada tipo de construção constitui uma estratégia argumentativa particular. Caberia ao locutor

optar por utilizar uma das estratégias de acordo com as necessidades comunicativas.

Neves (2000) afirma que, nas adversativas, o falante admite uma proposição e, nas

concessivas, refuta uma proposição, como se verifica nestes esquemas oferecidos em sua

obra:

92. Eu não assistia a todas as aulas, mas começava a aprender com elas.

93. Embora eu não assistisse a todas as aulas, começava a aprender com elas.

Esquema adversativo

a) eu admito que eu não assistia a todas as aulas;

b) (de qualquer modo / ainda assim) eu começava também a aprender com elas. (NEVES,

2000, p. 876-77)

Esquema concessivo

a) alguém/você pode me objetar que eu não assistia a todas as aulas, e eu não desconheço

isso;

b) (de qualquer modo / ainda assim) eu começava também a aprender com elas.

Observe-se que, em 92, vem expressa uma admissão na oração inicial da construção

adversativa (o falante admite algo ao ouvinte) e, em 93, apresenta-se uma refutação na oração

concessiva (ao prever uma possível objeção do ouvinte, o falante já faz a refutação).

Guimarães (1981), por outro lado, considera que a estratégia do mas é a de frustrar a

expectativa e a do embora é a de manter a expectativa. Na estrutura A, mas B, diz-se algo que

pode ser assumido como argumento válido e, em seguida, nega-se a validade de tal

argumento, pois se apresenta outro argumento que aponta para conclusão oposta. Na estrutura

Embora B, A, ao contrário, apresenta-se um argumento para uma conclusão já se antecipando

que o que prevalecerá é o outro argumento que ainda será apresentado. Obviamente, essa

diferenciação entre as conjunções referidas é válida apenas quando o embora ocorre em

segmento adverbial anteposto. Apesar disso, as observações feitas por Guimarães (1981) se

mostram pertinentes para a análise aqui empreendida, pois, como se verá, no córpus

examinado a conjunção embora aparece, na maioria das vezes, na posição anteposta.

Guimarães (2007), além de apontar essas diferenças entre as adversativas (com mas) e

as concessivas (com embora), mostra, com base na semântica argumentativa, que, por outro

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lado, tais construções se aproximam por exibirem, igualmente, o fenômeno de polifonia. Com

base em Bakhtin, o autor explica que a polifonia é a convivência de vozes diferentes no

discurso e, consequentemente, de perspectivas distintas.

O autor mostra que, no discurso, poderão ser ocupados diferentes papéis: o de

enunciador, o de locutor e o de alocutário. O enunciador é a posição do sujeito que estabelece

a perspectiva da enunciação. O locutor L é aquele que se representa como fonte do dizer e o

locutor Lp é o locutor que constitui pessoa no mundo. Por outro lado, o alocutário AL é a

representação do ouvinte no discurso e o alocutário ALp é o alocutário que constitui pessoa

no mundo. A partir dessas informações, é possível fazer uma leitura polifônica dos exemplos

87 e 88 citados.

Em 87, o texto se constrói na perspectiva do locutor L, que vai na direção de o povo

não se revolta (conclusão tirada a partir do argumento da oração inicial), e busca uma adesão

do alocutário ALp à revolta do locutor Lp, que apresenta outra perspectiva, a de que o povo

deve se revoltar, conclusão tirada a partir do argumento da oração adversativa. Nesse caso, a

perspectiva do locutor L e a perspectiva do locutor Lp constituem diferentes pontos de vista.

Em 88, por sua vez, também se representam duas perspectivas. A oração concessiva,

que conduz à conclusão o congresso se ateve ao tema central proposto, traz a perspectiva dos

formuladores do tema do encontro (o título não é escolhido da perspectiva do locutor, mas

imposto pela perspectiva do tema do encontro). Por outro lado, a oração nuclear, que leva à

conclusão o congresso não se ateve ao tema central proposto, apresenta a perspectiva do

locutor, que, ao expô-la, faz uma avaliação (o que era de se esperar).

A polifonia presente na construção adversativa e na construção concessiva evidencia

que não é possível compreender o funcionamento real dessas construções sem que se leve em

consideração a relação estabelecida entre locutor e interlocutor.

Essa relação também fica evidente quando as adversativas e as concessivas são vistas

na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994), uma categorização bastante reveladora desses dois

tipos de construção.

Para que se entenda o funcionamento da lei da preferência, é necessário saber,

primeiramente, qual é a concepção de signo adotada pelo autor. Com base em Peirce, García

(1994) propõe que o signo é dialógico, pois a língua é um fato social. O autor diz que, no

signo dialógico, há a associação de um significante dito por um falante com o significado que

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é suscitado em um ouvinte88

. Dessa forma, verifica-se que, por parte do emissor, a forma

pronunciada é dominante (figura) em relação ao sentido recessivo (fundo) e, por parte do

receptor, o sentido que se desenvolve em sua mente é dominante (figura) em relação à forma

recessiva (fundo) que ele chega a captar89

.

García (1994) mostra, assim, que há diversas instâncias semióticas resultantes das

tensões que geram as formas e os sentidos do emissor e do receptor. A partir disso, o autor

propõe leis perceptivas, dentre as quais a lei da preferência.

Na lei da preferência, há o enfrentamento do sentido captado pelo receptor, elemento

forte que funciona como figura, com o sentido do emissor, elemento fraco que atua como

fundo. A preferência pode ser explicada da seguinte maneira: o ouvinte entende um certo

sentido ilocucional emitido pelo falante90

e acrescenta a disposição de responder de uma certa

maneira no turno seguinte segundo seu conhecimento das convenções sociais e das

circunstâncias91

.

García (1994) mostra que tal lei pode ser manifestada por diferentes opções: a

“coordenativa” (aqui chamada de paratática), associada à construção do tipo alter, e a

“interordenativa” (aqui denominada hipotática adverbial), associada à construção do tipo

alius.

Na construção do tipo alter, um dos turnos representa a contribuição de um

participante, e o seguinte, a intervenção de outro participante (embora pudesse haver mais

participantes), e cada turno não responde exclusivamente ao anterior, mas ao tema geral da

conversação de que se trata. Por outro lado, na construção do tipo alius, um dos turnos

representa a contribuição do falante, que propicia a do ouvinte, e o outro, a intervenção do

ouvinte, que é suscitada pela do falante e responde a ela.

O autor diz que, quando a conversação se projeta na estrutura da expressão composta,

a construção do tipo alius se transforma em interordenação e a construção do tipo alter em

coordenação. Na coordenação (tipo alter) cada sequência é atribuída a um participante

indiferenciado, pois a informação relevante deve aparecer no princípio; caso contrário, seria

88 O autor diz que, no signo dialógico, tem-se a impressão de que se pode associar em um diálogo (e em geral na

comunicação, caso em que o falante se converte em emissor e o ouvinte em receptor) a forma do falante com o

sentido que se desenvolve na mente do ouvinte. 89

García (1994) diz que, na “fala real”, a forma da mensagem é menos percebida que o sentido. Basta pensar,

por exemplo, que, como mostra o autor, passado certo tempo desde a emissão de uma mensagem pelo falante, o

ouvinte nem sequer pode recordar a forma utilizada pelo falante para transmitir sua mensagem. Mesmo assim,

reconstrói o sentido do falante e enriquece o sentido do falante com todo tipo de inferências. Daí o sentido do

receptor ser figura e a forma captada por ele ser fundo. 90

Pode ser um convite, uma pergunta, uma ordem, etc. 91

As preferências são sentidos fortes acrescentados pelo receptor.

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possível interpretar que o participante do qual depende a sequência seguinte introduz

informação nova. Na interordenação (tipo alius), por outro lado, a primeira sequência depende

de um falante que mantém uma interlocução com o ouvinte sobre um tema conhecido de

ambos, sendo indiferente a ordem em que aparece a informação, pois falante e ouvinte se

movem em um universo semântico fechado.

Assim, García (1994) considera que as adversativas e as concessivas constituem duas

formas diferentes de manifestação da lei da preferência, a construção coordenada (do tipo

alter) e a construção interordenada (do tipo alius), respectivamente. Visto isso, restaria

verificar como a adversativa (construção “coordenada”) e a concessiva (construção

“interordenada”) expressam a relação de preferência.

No caso das construções concessivas, na relação Concedente (oração adverbial

concessiva) + Concedido (oração nuclear), o concedente, que revela o conjunto de

convenções sociais e culturais, preferiria o contrário do que é dito no elemento concedido. No

entanto, o sujeito da enunciação, que também participa do sistema de preferências, pode ter

uma preferência individual que é contrária à social. Assim, García (1994) propõe a seguinte

fórmula para as construções concessivas:

[Fundo: concedente] ativador de preferência

[FIGURA: CONCEDIDO] antipreferência manifestada

No trecho

94) Embora neve, sairei.92

(GARCÍA, 1994, p. 169),

a oração concessiva embora neve funciona como ativadora de preferência (ativa-se a

ideia de que nevar é, segundo as convenções sociais e culturais, condição para impedir que o

fato a ser expresso posteriormente ocorra)93

e a oração nuclear sairei expressa uma

antipreferência (não é a preferência social que se mantém, mas a do sujeito enunciador).

Dessa forma, o concedente registra um enunciado do qual segue uma implicação de

preferência que, no entanto, é desautorizada pelo concedido.

Para as construções adversativas, por sua vez, García (1994, p. 346) propõe o seguinte

esquema:

92 Aunque nieva, saldré.

93 Nesse caso, dado o sistema social de preferências, apoia-se no que o ouvinte poderia dizer.

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{FIGURA: EXPRESSÃO PLENA} {fundo: expressão adversa}

(sentido do emissor) (SENTIDO DO RECEPTOR) preferido

No exemplo

95) Ele ganha pouco, mas trabalha94

. (GARCÍA, 1994, p. 348),

o que se impõe é a preferência representada pela implicação que se extrai do segmento

adversativo (não está parado, tem trabalho).

Saliente-se que, na construção adversativa, no entanto, há, segundo o autor, uma

“contradição”, pois, do ponto de vista informativo, a expressão adversativa apresenta um

simples acréscimo de informação, já que atua como fundo. Entretanto, do ponto de vista

semântico, a expressão adversativa traz um conteúdo “forte” que se comunica ao receptor95

,

ou seja, a força argumentativa da oração adversativa que está a favor de uma conclusão C é

maior que a força argumentativa da oração inicial que está a favor de uma conclusão contrária

a C96

.

Observa-se que, embora tanto as adversativas quanto as concessivas sejam incluídas

na lei da preferência, na construção concessiva se expressa uma relação de antipreferência

(uma “restrição desprezada”) e na construção adversativa está presente uma relação de

preferência (uma “restrição mantida”).

Considerando-se a lei da preferência e, também, o fenômeno de polifonia, observa-se

que, na construção adversativa e na construção concessiva, no segmento que traz argumento

forte manifesta-se o ponto de vista do locutor e naquele que apresenta argumento fraco traz-se

ponto de vista do interlocutor. No entanto, Gouvêa (2002), analisando o mecanismo de

concessão em textos jurídicos, verifica que, em alguns casos de adversativas e de concessivas,

apresenta-se posicionamento do locutor no segmento que traz argumento fraco, fenômeno que

a autora denomina de “mudança de posição do locutor”. Para exemplificar isso, apresentam-se

estas ocorrências trazidas por Gouvêa (2002):

96) O Prof. Emanuel Kadt dizia não conhecer outro país onde a medicina fosse tão

descaradamente comercializada como no Brasil, embora o fato não possa ser desvinculado

do modelo econômico geral. (GOUVÊA, 2002, p. 182)

94 Gana poço, pero trabaja.

95 O autor toma como base os postulados de Ducrot e sua escola.

96 Saliente-se que García (1994) julga que o segmento adversativo é fundo apenas sob o ponto de vista

informativo. Neste trabalho, considera-se que, sob um ponto de vista semântico-pragmático, esse segmento deixa

de constituir um mero acréscimo de informação e passa a atuar como figura.

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A autora diz que, nessa construção, o locutor argumenta da perspectiva mais fraca (ou

seja, a sua voz se manifesta no segmento concessivo) porque o depoimento do professor era

mais importante do que uma ressalva qualquer que o locutor tivesse de fazer às palavras desse

professor.

97) (...) Portanto, teria pago valor superior ao dos objetos por cuja subtração foi acusado

pelo Ministério Público, que lhe imputa este peculato impróprio, consistente em subtrair para

si objeto de que não tem a posse, mas ao qual tem acesso, em razão da qualidade de

funcionário. (GOUVÊA, 2002, p. 101)

Como mostra a autora, nessa construção o argumento da perspectiva mais fraca (no

segmento inicial) direciona o raciocínio para a tese que o locutor, que é o juiz, vai defender na

sentença: a de que a denúncia oferecida contra o réu é improcedente. Nesse caso, segundo

analisa a autora, o juiz se posicionou na perspectiva mais fraca porque não poderia omitir o

que determinava um dos parágrafos registrados em documentos que representam a lei, que

seria decisivo para a interpretação do delito em questão.

Sendo assim, observa-se que, apesar de, nas adversativas e nas concessivas, o

argumento forte se relacionar com o ponto de vista do locutor, há casos em que, por

motivações particulares, é o argumento fraco que exibe o posicionamento do locutor. No

entanto, acredita-se que a “mudança de posição” ocorra em casos excepcionais, dado que, nas

construções em questão, o segmento que traz argumento forte (o segmento adversativo e o

segmento nuclear nas adversativas e nas concessivas, respectivamente) atua, em geral, como

figura, trazendo, assim, informação mais saliente.

A partir do que se expôs, nota-se que, por um lado, a construção adversativa e a

construção concessiva são igualmente argumentativas e são incluídas na lei da preferência (ou

no fenômeno de polifonia), sendo utilizadas para fazer prevalecer um dos argumentos

apresentados, que, por vezes (quando há “mudança de posição”), pode corresponder ao do

interlocutor. Por outro lado, cada tipo de construção exibe uma orientação argumentativa

específica, dado que o segmento adversativo e o segmento concessivo trazem diferentes

forças argumentativas. Além disso, cada construção constitui uma estratégia argumentativa,

cabendo ao locutor a escolha de uma das estratégias, de acordo com suas intenções

comunicativas.

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4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 Procedimentos estabelecidos para a análise

Como vem sendo apontado, estabelece-se, neste trabalho, uma comparação entre as

construções adversativas com mas e as construções concessivas com embora.

O critério utilizado para a consideração das conjunções mas e embora,

especificamente, deu-se pela (maior) frequência de uso. No que se refere às adversativas, em

específico, desconsideram-se, na análise, as construções em que o mas ocorre em correlação

com outro item.

As adversativas (com mas) e as concessivas (com embora) consideradas na análise

deste trabalho são vistas em diversos níveis de conexão, já que, neste trabalho, pretende-se

observar os usos efetivos dessas construções.

Oferecem-se, a seguir, as ocorrências de concessivas que exemplificam os diferentes

níveis de conexão identificados no córpus:

I) Sintagma-Sintagma:

98) Eu acho que é sabedoria do povo brasileiro”, arrematou, em seguida a uma tirada

brilhante, embora um nonsense tomado ao pé da letra: se tivesse sido entrevistado, enfatizou,

“não seriam 63%, seriam 64%” os desfavoráveis à sua permanência no Planalto além do

tempo regulamentar. (OESP, 04/12/07)

II) Oração-Oração:

99) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a

julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.

(FSP, 31/12/2007)

III) Oração-Sintagma97

:

100) Os fiscais agiram: embora com uma pequena equipe de 30 agentes, de janeiro de 2005

a outubro deste ano, 5.786 estabelecimentos foram notificados por estarem fora da lei, 1.065

foram multados e 189 fechados. (OESP, 30/11/07)

No caso das adversativas, apesar de elas poderem manifestar essas mesmas conexões,

opta-se por considerar os diferentes tipos de junção que podem ser estabelecidos apenas por

segmentos “coordenados” no nível do enunciado: entre parágrafos, por exemplo. Dessa

forma, é possível mostrar que, já em relação ao nível de conexão, as adversativas e as

97 A ordem considerada é esta: segmento nuclear + segmento concessivo.

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concessivas apresentam uma diferenciação, comentando-se as possíveis consequências dessa

distinção.

Destacam-se os tipos de conexão da construção adversativa identificados no córpus:

I) Sintagma-Sintagma:

101) Atualmente, os crimes de trânsito – de lesão corporal culposa (sem intenção), de

embriaguez ao volante ou de participação em rachas – podem ser julgados em juizados

especiais, com tramitação mais rápida, mas com penas mais brandas. (OESP, 24/12/2007)

II) Oração-Oração:

102) A produção de álcool a partir do milho se concentra no Meio-Oeste, mas os grandes

mercados estão nas costas Leste e Oeste. (FSP, 25/12/2007)

III) Trecho de oração-Oração:

103) É verdade que as condições atuais - em termos de taxa média de juros e prazos- são

melhores, mas ainda estão longe do ideal. (FSP, 27/12/2007)

IV) Oração-Sintagma:

104) O conservadorismo excessivo do Banco Central tem prejudicado a consecução desse

objetivo, mas apenas em parte. (FSP, 19/11/2007)

V) Enunciado-Enunciado:

105) Parte da lenta gestão orçamentária se deve ao contingenciamento de verbas necessário

para o cumprimento das metas de superávit primário. Mas outra parte se deve ao próprio

Ministério da Agricultura. (OESP, 25/11/07)

VI) Trecho de enunciado-Enunciado:

106) A segunda parte é mais fácil, pois Morales sustenta índices de popularidade de 60%.

Mas enfrenta oposição bem-articulada, que comanda seis dos nove departamentos do país –

sobretudo na faixa leste, a mais rica – e tem votos suficientes na Assembléia para impedir

que o governo obtenha maioria qualificada. (FSP, 27/11/2007)

VII) Enunciados-Enunciado:

107) As pessoas têm uma compreensível empatia com o sofrimento de animais. Sentem

repulsa diante de procedimentos que possam causar estresse, dor ou até a morte de cobaias.

Mas, infelizmente, não existem métodos alternativos ao emprego de animais em vários

estudos imprescindíveis para criar tratamentos destinados a curar seres humanos. (FSP,

12/11/2007)

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VIII) Parágrafo-Enunciado:

108) Para que os EUA voltem a crescer, a desvalorização pode tornar-se imprescindível. Ao

facilitar as exportações americanas e inibir as importações, o dólar barato tende a ajudar na

diminuição do seu déficit comercial com o resto do mundo.

Mas, para tanto, a administração de um dilema de curto prazo pelos principais bancos

centrais fará toda a diferença. De um lado está o risco de recessão, que recomenda redução

das taxas de juros de curto prazo. Do outro está um fenômeno que sugere a terapia oposta: a

inundação de capitais em busca de aplicações rentáveis infla o preço dos produtos, moedas e

títulos emergentes. (FSP, 27/11/07)

IX) Trecho de parágrafo-Enunciado:

109) O metrô continua sendo o meio de transporte mais bem avaliado pela população, mas

nos últimos oito anos, conforme pesquisa realizada pela Associação Nacional de Transportes

Públicos (ANTP), o número dos passageiros que consideram os serviços satisfatórios tem

apresentado quedas significativas. Entre 2006 e 2007, o “índice de satisfação” caiu de 93%

para 85%. A redução era esperada, afirma o secretário dos Transportes Metropolitanos, José

Luiz Portella. Segundo ele, o acidente ocorrido na Estação Pinheiros, o desalinhamento na

escavação do túnel da Linha 4 e três greves dos metroviários foram fatos que tisnaram a

imagem do sistema de metrô em 2007.

Mas nada disso impediu que a demanda do serviço continuasse crescendo. Ao

contrário, seus trens transportaram diariamente, no primeiro bimestre, 2,629 milhões de

passageiros – 300 mil a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado. O

número de pessoas transportadas pelo metrô vem crescendo, em média, 15% ao ano. (OESP,

21/12/07)

X) Parágrafos-Enunciado:

110) Não bastasse a cúpula do setor público – estimada nas reportagens em 74 mil pessoas

– sugar do contribuinte (em salários) 24,5 vezes mais do que ele aufere, em média, ante 4,5

nos EUA e 4,4 na Espanha, as regalias de que desfrutam incluem frotas de Ômegas

australianos e outras marcas luxuosas, usados também pelos familiares, moradias gratuitas

com enxovais periodicamente renovados, serviços de massagem, acupuntura, “ginástica

laboral” nos locais de trabalho, hidromassagem, aulas de “gerenciamento de estresse”, etc.

E roupas, manjares, pedômetros, TVs de plasma, taças “selo ouro” para bebidas alcoólicas,

porta-perfumes “em aço inox com gravação a laser” – um desafio à imaginação. O Planalto

pode não ser o que mais gasta, mas, sob Lula, gasta cada vez mais, com um abandono de dar

gosto – R$ 29 milhões na média mensal deste ano, ante R$ 18,5 milhões em 2003.

Impossível saber a destinação de toda a dinheirama porque R$ 4,8 milhões dos R$ 4,9

milhões gastos em 2006 pela Secretaria de Administração da Presidência com cartões de

crédito estão sob sigilo “para garantia da segurança da sociedade e do Estado”.

Mas o governo recusa-se a reduzir gastos. Lula está com a consciência tranqüila.

Afinal, 11 milhões das famílias mais pobres do Brasil recebem o Bolsa-Família. (OESP,

21/11/07)

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XI) Parágrafo-Parágrafo:

111) O vultoso aporte para a caixa do Tesouro, em janeiro, é um dinheiro extra, que não

constava dos orçamentos oficiais. Corresponde a um mês e meio da arrecadação que seria

propiciada pela extinta CPMF. Justifica-se plenamente, portanto, o comentário do

superintendente de serviços privados da Anatel, Jarbas Valente, de que os recursos do leilão

ajudarão a cobrir parte das despesas que o governo pretendia fazer se dispusesse da CPMF.

Mas o Tesouro ainda terá a vantagem dos recolhimentos de tributos sobre as novas

atividades e sobre os bens que serão fornecidos para a telefonia 3G. (OESP, 22/12/07)

No exame das adversativas e das concessivas, apesar de serem considerados esses

diferentes tipos de conexão apontados, eles não serão codificados, sistematicamente. No

entanto, no decorrer da análise, quando se julgar pertinente, será feita referência ao tipo de

conexão das construções em estudo, pois, em alguns casos, isso influi na determinação de

efeitos de sentido particulares.

Na análise empreendida, também se consideram, com base em Neves (1999, 2000), os

valores semânticos das adversativas e das concessivas, que se exemplificam aqui.

Quanto às concessivas, os valores semânticos identificados foram estes:

I. Negação de inferência:

112) Embora seja prevista pela Lei de Diretrizes e Bases, editada em 1996, até hoje essa

medida não havia sido implementada. (OESP, 25/12/07)

II. Restrição:

113) Utilizando outra metodologia e outro grupo de empresas, a Sondagem da Indústria de

Transformação de Fundação Getúlio Vargas (FGV) também constatou, embora com números

diferentes, a disposição da maioria das indústrias de investir mais no próximo ano. (OESP,

03/12/07)

III. Contraste:

114) Embora mostrem alguma divergência, estimativas feitas por órgãos do governo e por

institutos privados coincidem num ponto: a agricultura prepara-se para quebrar novos

recordes, agora não só de produção, mas também de renda. (OESP, 12/11/07)

No que tange às adversativas, os valores semânticos encontrados foram os seguintes:

I. Contraposição em direção oposta - contraste:

115) O Índice das Condições Econômicas Atuais, um dos componentes do indicador geral,

diminuiu 3,3% em relação ao de novembro, mas o de Expectativas aumentou 7%. (OESP,

29/12/07)

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II. Contraposição em direção oposta - restrição:

116) O Brasil deveria seguir esse exemplo, mas sem recair no estatismo populista. (FSP,

29/11/07)

III. Contraposição em direção oposta – negação de inferência:

117) O Ministério da Defesa e a Anac estão tratando sintomas com remédios heróicos, mas

não atacam a raiz do mal. (OESP, 10/12/07)

IV) Contraposição em direção oposta – compensação:

118) As medidas adotadas pelo Conselho Monetário Nacional não foram as esperadas pelos

clientes que consideram escorchantes as tarifas cobradas até agora. Mas pelo menos

permitirão que o cliente atento faça comparações entre os bancos. (OESP, 09/12/07)

V) Contraposição na mesma direção:

119) A economia está crescendo com força, o que facilita a diluição dos custos do ajuste.

Mas é preciso, sobretudo, que governo e oposição voltem logo às negociações com espíritos

desarmados e ambições mais elevadas. (FSP, 14/12/07)

VI) Contraposição em direção independente:

120) Fizeram-no mais para evitar ser responsabilizados por um eventual fracasso, mas o fato

é que pela primeira vez estavam todos lá e viram Olmert discursar. (FSP, 28/11/07)

VII) Eliminação:

121) No começo o Brasil até tentou embargar – mas desistiu – o texto da Organização das

Nações Unidas (ONU) que concita o País a indenizar as vítimas de torturas em suas prisões,

afirma que a impunidade dos autores desses crimes prisionais, no Brasil, é a regra, além de

enfatizar que aqui as cadeias são “imundas, desumanas e asfixiantes”. (OESP, 25/11/07)

VIII) Valor não previsto:

122) Desde 2004, a pesquisa inclui toda a malha federal pavimentada. Mas o total

pesquisado vem crescendo seguidamente, por causa da incorporação de estradas estaduais e

a ampliação da malha federal. (OESP, 13/11/07)

Na análise dos dados, apesar de serem apresentadas porcentagens relativas a todos os

valores semânticos das adversativas e das concessivas, procura-se focar os valores

compartilhados entre essas construções: o de contraste, restrição e negação de inferência.

A seguir, antes que se passe a tratar dos procedimentos adotados para a seleção e a

delimitação do córpus, trazem-se informações sobre a natureza do córpus utilizado neste

trabalho: o editorial.

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4.2 Córpus: o editorial

Neste tópico, trata-se das características do editorial, que, como se mencionou,

constitui o córpus deste trabalho. Como o editorial é um gênero discursivo, antes que se passe

a apontar tais características, apresenta-se brevemente, com base em Bakhtin (1992), a

definição de gênero.

Bakhtin (1992) afirma que a língua se efetua em forma de enunciados concretos,

provenientes de certas esferas da atividade humana, que determinam as condições específicas

e as finalidades de produção. Cada uma das esferas elabora seus tipos relativamente estáveis

de enunciados, denominados de gêneros do discurso. O autor considera que os enunciados que

compõem os gêneros são relativamente estáveis porque as atividades humanas são

inesgotáveis. Cada esfera de atividade traz um repertório de gêneros que vai diferenciando-se

e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve.

Tendo isso em vista, informe-se, em primeiro lugar, que o editorial é um gênero

discursivo pertencente à esfera jornalística. Como tal, o editorial compartilha certas

características98

com os demais gêneros do jornalismo, como o artigo, a notícia, a reportagem.

Dentre elas, destacam-se, aqui, a função e a linguagem.

Segundo Hudec (1980), é próprio do jornalismo a transmissão de informações

(notícias) atuais e a orientação do público. Essas funções podem ser atribuídas aos gêneros

jornalísticos em geral, embora eles sejam divididos, normalmente, em gêneros informativos

(como a notícia, a reportagem) e opinativos (como o editorial, a carta, a resenha) (MELO,

2003).

No que se refere à linguagem jornalística, Lage (2001) aponta três aspectos: os

compromissos ideológicos, os registros de linguagem e o processo de comunicação. No que

diz respeito ao compromisso ideológico, ele está presente porque não se faz jornalismo fora

da sociedade e do tempo histórico. Em relação aos registros, a linguagem jornalística fica

entre o registro coloquial (típico da modalidade falada) e o formal (próprio da modalidade

escrita), dado que se alia a necessidade de usar a norma culta à de ter eficiência na

comunicação. No que concerne à questão comunicativa, a linguagem jornalística é, por

98 Aqui, não se pretende oferecer uma “lista” de características do editorial, já que se adota a concepção

bakhtiniana de gênero discursivo, segundo a qual, como se viu, os gêneros se compõem de tipos relativamente

estáveis de enunciados. Assim, procura-se apontar apenas alguns aspectos do editorial para que se possa vê-lo

como um gênero específico.

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definição, referencial, pois trata de algo do mundo, exterior ao emissor, ao receptor e ao

processo comunicativo.

Dentre os aspectos arrolados a respeito da linguagem, cabe tecer comentários a

respeito do processo de comunicação. A linguagem referencial, utilizada nos gêneros

jornalísticos, caracteriza-se essencialmente pela neutralidade da informação (pela

imparcialidade). Contudo, como afirmam Faria & Zanchetta (2002), mesmo utilizando essa

linguagem, os jornalistas acabam por revelar seus posicionamentos. Isso mostra que a

objetividade em textos jornalísticos, como diz Rossi (2000), é um mito. Mesmo assim, o

jornalista tem um compromisso com a objetividade, motivo pelo qual, segundo o autor,

introduziu-se, no jornalismo, a lei de ouvir os dois lados, partindo-se do pressuposto de que

há, pelo menos, dois lados opostos em uma mesma história, cabendo ao leitor formar sua

própria opinião.

Vistos esses aspectos gerais referentes aos gêneros da esfera jornalística, passa-se a

tratar especificamente do gênero estudado neste trabalho: o editorial.

Armañanzas & Noci (2000) apontam como funções do editorial: i) explicar os fatos;

ii) dar antecedentes; iii) prever o futuro; iv) estabelecer juízos.

Os autores mostram que o leitor busca, em um editorial, uma opinião sobre o que está

acontecendo no momento. O editorialista faz uso de dados informativos com o intuito de

centrar o tema em sua totalidade (contextualizar o tema) – para relembrar os leitores dos fatos

ocorridos – ou de fornecer um fio condutor para as opiniões apresentadas. O editorialista

também explica o tema com o intuito de mostrar sua importância; ele chega a interpretar

colocando em relevo a significação “escondida” dos fatos e conjugando informações

procedentes de diferentes fontes, que servem a uma interpretação unitária.

No entanto, como expõem Armañanzas & Noci (2000), o editorialista vai além da

interpretação da notícia, pois deve saber distinguir o que é passageiro do que é acidental,

prevendo, a partir de hoje, os acontecimentos futuros. O editorialista também deve tomar

partido, informando o que está bom ou ruim no mundo com o intuito de convencer o leitor, o

que já demonstra a natureza essencialmente argumentativa do editorial. Esse papel pode ser

desempenhado com tom crítico, criando-se uma imagem de imparcialidade, de independência

ante todo tipo de poder.

Como se mostrou ainda há pouco, Rossi (2000) diz que, no jornalismo, na busca pela

objetividade, introduziu-se a lei de ouvir os dois lados. Isso fica evidenciado na tessitura dos

argumentos apresentados no editorial, pois, como afirma Beltrão (1980), no editorial há que

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pensar como pensariam sobre o assunto discutido os opositores. Há que se antecipar às

críticas e destruir previamente as objeções que seriam formuladas do ponto de vista oposto.

Como qualquer gênero, o editorial se constrói pela relação que se estabelece entre

locutor e interlocutor. Melo (2003) diz que o editorial é um gênero jornalístico que expressa a

opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior repercussão no momento. A opinião

contida no editorial, como informa o autor, pretende orientar a opinião pública. Sendo assim,

o editorial é dirigido à coletividade. No entanto, o autor assinala que isso ocorre nas

sociedades que possuem opinião pública autônoma. Para ele, esse não é o caso da sociedade

brasileira, cuja organização política tem no Estado uma entidade presente em todos os níveis

da vida social. Dessa forma, os editoriais difundidos pelas empresas jornalísticas, embora se

dirijam formalmente à opinião pública, na verdade encerram uma relação de diálogo com o

Estado.

Bond (1962) define o editorial como um ensaio curto embebido do senso de

oportunidade. O autor diz que Arthur Brisbane acreditava que a oportunidade do editorialista

era quádrupla: podia ensinar, atacar, defender e louvar. Destaca, assim, que o editorialista

frequentemente produz uma prosa que é, ao mesmo tempo, elegante, convincente, informativa

e estimulante. No entanto, mantém-se livre para convencer o leitor da maneira que considere

apropriada.

Como mostram Armañanzas & Noci (2000), embora exista liberdade estilística na

redação de textos argumentativos, o editorial é uma espécie de texto que cumpre uma série de

normas tanto em relação à sua estrutura quanto em relação a seu estilo. Para Santamaría

(1990, apud Armanãnzas & Noci, 2000), o bom editorial requer a competência do redator em

relação aos três estilos da retórica literária: descritivo, narrativo (ambos encaminhados à

seleção de dados) e argumentativo (proporciona ao leitor o conhecimento retórico mais que

lógico).

Esses estilos são o que Travaglia (2002) denomina de tipos de texto: há o tipo

narrativo, o descritivo e o dissertativo99

. O uso de cada um desses tipos textuais no editorial,

assim como em qualquer gênero, se dá por certas motivações. Como mostra Travaglia (2002),

em cada tipo textual observa-se, entre outros aspectos, o propósito do enunciador e a forma

como se instaura o interlocutor. No que se refere ao objetivo do enunciador, na descrição,

pretende-se caracterizar, dizer como é; na narração, objetiva-se relatar os fatos; na dissertação,

busca-se refletir, avaliar, expor ideias para dar a conhecer. No que concerne à forma como se

99 O autor também considera o tipo textual injuntivo, que não será tratado neste trabalho, visto que, em princípio,

não é característico do gênero editorial.

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instaura o interlocutor, observa-se que: na descrição, ele se apresenta como o “voyeur” do

espetáculo; na narração, ele é o espectador que toma conhecimento dos fatos ocorridos; na

dissertação, ele é ser pensante, que raciocina (TRAVAGLIA, 2002).

Já que, no editorial, tem-se, como se mostrou, o objetivo de orientar o leitor,

convencendo-o, em princípio o tipo dissertativo seria o predominante, servindo, em geral, à

função argumentativa. No entanto, como no editorial se utilizam, conforme se disse, dados

informativos para contextualizar o tema ou para sustentar a argumentação, o tipo narrativo e o

tipo descritivo não deixariam de estar presentes nesse gênero de texto.

Além disso, cada tipo textual apresenta, em primeira instância, uma função

predominante, de acordo com o gênero no qual se insere (o editorial aqui em questão).

Segundo Neves (no prelo), nas sequências textuais100

há funções como a constatativa, a

avaliativa/opinativa, a questionadora, a relativizadora e a justificativa. Como no gênero

editorial as sequências dissertativas estariam a serviço da argumentação, em princípio elas

apresentariam funções como a avaliativa/opinativa. Por outro lado, como no gênero editorial

as sequências narrativas e descritivas serviriam, em primeira instância, para informar, elas

trariam, predominantemente, a função constatativa.

Na análise a ser empreendida, que, como se verá, incluirá o tratamento dos tipos

textuais e das funções presentes nas adversativas e nas concessivas, observa-se se essas

considerações se confirmam.

Há autores, ainda, como Beltrão (1980) e Palacio (1984), que apontam as partes que

formam a estrutura do editorial. Beltrão (1980) mostra que o editorial é composto de título,

introdução, discussão e conclusão. O título objetiva atrair a atenção do leitor; a introdução

visa a despertar-lhe o interesse para que prossiga na leitura; a discussão expõe argumentos

para a interpretação dos fatos, e a conclusão pretende levar o leitor a aceitar a ideia exposta e

enquadrar seus procedimentos nas diretrizes traçadas.

Palacio (1984), por outro lado, considera que o editorial é iniciado pelo título, que

sugere o ponto de vista adotado. O editorial propriamente dito se inicia com a notícia, a base

sobre a qual ele se constrói. À base segue o corpo do editorial, que traz interpretação, opinião

ou reação. Põe fim ao editorial uma breve oração ou parágrafo, que destaca o ponto mais

importante ou recapitula os argumentos expostos.

Observa-se que as funções atribuídas pelos autores às partes do editorial nem sempre

são as mesmas, o que mostra que a estrutura do editorial, apesar de passar por tentativas de

100 A expressão sequência textual é utilizada aqui como sinônima de tipo textual.

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padronizações, tem certa variação. Além disso, como reconhece Beltrão (1980), em alguns

casos as partes do editorial não estão divididas em unidades distintas. Isso demonstra que a

estruturação do editorial depende, entre outros aspectos, do estilo. Em alguns editoriais que

compõem o córpus deste trabalho, por exemplo, que, como se apontou, são coletados nos

jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, não se identificam partes bem definidas.

Pelo que foi exposto, fica explicitado que o gênero editorial se caracteriza por ser

essencialmente argumentativo. Além disso, tal gênero, assim como qualquer gênero existente,

apresenta certos tipos textuais (e funções) que servem a propósitos particulares. Ademais,

observa-se que, embora haja regras que normatizem a estrutura do gênero editorial, existe

certa liberdade de composição, o que está em conformidade com o que estabeleceu Bakhtin

(1992), segundo o qual os gêneros (em geral) são relativamente estáveis.

As informações apresentadas neste tópico servirão como encaminhamento para a

análise das adversativas e das concessivas em editoriais.

Na próxima seção, apresentam-se informações referentes à seleção e delimitação do

córpus deste trabalho.

4.3 Seleção e delimitação do córpus

Para a comparação entre as construções adversativas e as construções concessivas,

selecionou-se um córpus que traz ocorrências do português escrito contemporâneo. Constitui

o córpus um conjunto de textos jornalísticos do gênero editorial presentes em dois jornais101

: a

Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo. A opção pelo gênero editorial para a constituição

do córpus se deu pela natureza altamente argumentativa desse gênero, o que, em princípio,

favoreceria a ocorrência de adversativas e concessivas, para a observação mais ampla desse

campo de expressão.

Apesar de se selecionarem como córpus editoriais de dois jornais, eles não serão

considerados como grupo de fatores de variação, ou seja, não será levado em consideração o

estilo de cada jornal como determinante na análise, o que, aliás, poderá ser feito em outro

estudo. O objetivo é observar apenas as questões relacionadas ao gênero (o editorial),

levando-se em conta que, como observa Decat (1993), o estilo influi menos que o gênero para

101 Infelizmente, não se dispõe de um córpus da mesma amplitude que representa a língua falada contemporânea

brasileira que permita o mesmo tipo de tratamento.

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determinar a forma do discurso102

. Além disso, os jornais Folha de S. Paulo e Estado de S.

Paulo se dirigem a um mesmo público-alvo, o que contribui para que a linguagem de ambos,

de certa forma, seja aproximada.

Selecionaram-se, nos jornais referidos, editoriais do dia 12 de novembro ao dia 31 do

mês de dezembro de 2007. Como nessas publicações há mais de um editorial por dia,

coletaram-se dois editoriais de cada jornal, totalizando, assim, 172 editoriais.

Esse recorte, no entanto, não se mostrou suficiente para a análise empreendida, pois o

número de concessivas obtido (36 ocorrências) foi bem inferior ao de adversativas (315

ocorrências). Dessa forma, optou-se por selecionar um córpus de controle referente às

concessivas, obtendo nele 72 ocorrências. Nesse córpus suplementar, há editoriais do dia 9 de

outubro ao dia 31 de dezembro de 2007. Com ele, o total de editoriais corresponde a 336.

No capítulo de análise deste trabalho, os dados referentes a esse córpus de controle

serão registrados paralelamente aos dados atinentes ao córpus inicial para que se possa chegar

a resultados mais seguros em relação às concessivas.

Ressalte-se que a predominância das adversativas com mas em relação às concessivas

com embora já era esperada. García (2000), por exemplo, diz que, em espanhol, a instrução

cognitiva que o falante dá quando usa a conjunção concessiva aunque (embora) é de maior

complexidade do que a utilizada no caso da conjunção adversativa pero (mas), daí a menor

frequência do conectivo concessivo. Acredita-se que o mesmo ocorre no caso das conjunções

mas e embora do português.

A seguir, apresentam-se os critérios estabelecidos para a análise das adversativas e das

concessivas, retomando-se os objetivos propostos para este trabalho.

4.4 Objetivos e critérios de análise

Como se apontou na introdução deste trabalho, a análise das adversativas e das

concessivas objetiva investigar, com base na teoria funcionalista da linguagem, o estatuto

funcional das classes “coordenada” e “subordinada” e das classes “adversativa” e

“concessiva”. Em consonância com esses objetivos, considera-se que os fatores semântico e

sintático devem estar integrados ao pragmático para que se observem os diferentes efeitos de

sentido produzidos em cada construção, vista em seu uso real.

102 Decat (1993) faz essa observação ao analisar as construções hipotáticas adverbiais. Entretanto, entende-se

aqui que essa consideração se aplica a qualquer tipo de construção presente no texto.

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Levando-se isso em consideração, empreende-se uma análise qualitativa que será

pautada por uma análise quantitativa, a ser obtida por uma codificação dos dados segundo

grupos de critérios que se mostraram relevantes para a comparação entre as adversativas e as

concessivas, que se destacam a seguir:

1. Valores semânticos da construção adversativa e da construção concessiva

2. Tipo textual presente nos segmentos da construção adversativa e da construção concessiva

3. Função textual presente nos segmentos da construção adversativa e da construção

concessiva

4. Estatuto informacional presente nos segmentos da construção adversativa e da construção

concessiva

5. Função discursiva presente no segmento adversativo e no segmento concessivo

6. Posição sintática do segmento concessivo

No capítulo de análise, são relacionados grupos de critérios a fim de verificar, entre

outros aspectos, de que forma o caráter hipotático (adverbial) das concessivas influi para a

determinação de efeitos de sentido particulares.

Como se mostrou na seção 4.2, o editorial, como qualquer gênero, caracteriza-se por

apresentar diferentes tipos textuais, embora haja a predominância de algum dos tipos

existentes. Apontou-se que, no editorial, o tipo descritivo e o narrativo seriam voltados para a

seleção de dados informativos e o tipo dissertativo para a apresentação de ideias, de

argumentos. Além disso, indicou-se que os tipos textuais trariam determinadas funções.

Assim, analisam-se, no tópico 5.1, as adversativas e as concessivas considerando-se os

tipos textuais e as respectivas funções presentes nos segmentos dessas construções para que se

possam identificar os diferentes contextos de uso de cada uma delas, dentre outros aspectos,

indicados a seguir.

No tópico 5.1, analisa-se o tipo textual (TRAVAGLIA, 2002) e a função textual

presentes em ambos os segmentos das construções em estudo para observar, por exemplo, se

o caráter hipotático das concessivas (a relativa dependência entre os segmentos) influi em

maior frequência de ocorrências com identidade de tipo e função textual entre os segmentos.

Além disso, relacionam-se os tipos textuais às funções textuais presentes nas construções em

estudo para verificar as possíveis motivações de uso de cada construção. Investiga-se, por

exemplo, de que forma a condição de margem ou satélite das concessivas influi na

determinação de efeitos de sentido particulares, nos casos em que as adversativas e as

concessivas apresentam o mesmo tipo textual e/ou a mesma função textual.

Nessa análise, consideram-se as diferentes posições sintáticas ocupadas pelo segmento

concessivo, apresentando-se porcentagens quando se julgar pertinente. Ademais, levam-se em

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conta os valores semânticos dessas construções, que são associados aos tipos textuais a fim de

verificar de que forma essa relação pode influir na determinação de efeitos de sentido

particulares. Entretanto, saliente-se que não se pretende fazer uma análise exaustiva da

relação entre valores semânticos e tipos textuais, pois isso foge ao objetivo central deste

trabalho.

Leva-se em consideração, ainda, o uso argumentativo das construções estudadas.

Estão relacionadas a esse uso, por exemplo, a “lei da preferência” (GARCÍA, 1994) e a

“mudança de posição do locutor” (GOUVÊA, 2002). Além disso, trata-se das possíveis

estratégias utilizadas pelo locutor para reforçar o argumento defendido.

No tópico 5.2, com ponto de partida na tipologia de Prince (1981), examina-se o

estatuto informacional dos segmentos das construções em estudo. Como se apontou no

capítulo 1, a autora propõe a existência de informação nova, evocada e inferível. No exame

dos dados, não deixam de ser considerados esses três tipos de estatuto, no entanto opta-se por

utilizar a dicotomia informação não conhecida (que se refere à informação nova) e informação

conhecida (que inclui a informação evocada e a inferível), apontando-se porcentagens

relativas a esses dois tipos de informação.

Faça-se uma ressalva no que se refere à questão do estatuto informacional. Considera-

se, aqui, que a informação inferível, por um lado, aproxima-se da informação nova, e, por

outro, alia-se à informação evocada. A informação inferível se aproximaria da informação

nova porque, como mostra Paiva (1994), embora possa ser deduzida, ela não é explicitamente

mencionada no discurso anterior, opondo-se, assim, à informação evocada (“velha”). Com

base em Prince (1981), a autora propõe a divisão “informação não mencionada” (nova,

inferível, disponível103

) x “informação já mencionada” (velha). Da mesma forma, a

informação inferível se avizinha da informação evocada pelo fato de que, tal como esta, tem a

condição de “familiar” para o ouvinte, como aponta Görski (2000). Assim, com base em

Chafe (1984) e em Prince (1988), essa autora estabelece a separação “informação familiar”

(evocada e inferível) x “informação não familiar” (nova). Trata-se de dois pontos de vista

divergentes: para Paiva (1994), o locutor é o foco, pois é este que menciona ou não uma

informação e, para Görski (2000), coloca-se o interlocutor como foco, pois é para este que

uma informação é familiar ou não.

Neste trabalho, adota-se o ponto de vista de Görski (2000), mas, em vez de serem

utilizadas as denominações “informação familiar” / “informação não familiar”, usam-se, para

103 Neste trabalho, esse tipo de informação é traduzido por informação não usual.

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os mesmos significados, os termos “informação conhecida” / “informação não conhecida”,

considerando-se, ainda subdivisões dessa classe.

Levando-se em consideração essas questões, no tópico 5.2 procura-se observar, por

exemplo, se o caráter hipotático das concessivas influi para uma maior frequência de

ocorrências com identidade de estatuto informacional entre os segmentos. Além disso,

relacionando-se o estatuto informacional à posição sintática do segmento concessivo, verifica-

se, por exemplo, se a condição de tema, ou de fundo, do segmento hipotático concessivo

favorece a ocorrência de um determinado tipo de estatuto informacional nesse segmento (a

informação dada).

A questão da “função discursiva”, termo utilizado para referência aos fenômenos de

adendo, guia e elemento topicalizador, será tratada em todos os tópicos de análise, e serão

apresentadas porcentagens relativas às (duas primeiras) funções quando se julgar pertinente.

Ainda quanto à explicitação de noções e de termos utilizados na análise, cabe

esclarecer (e distinguir) o uso de certos termos e expressões que aparecem no capítulo de

análise, a saber: não se aplica, função discursiva x função textual, sequência textual x tipo

textual, avaliação/opinião, valor não previsto, caixa de texto, construção contrastiva.

No tópico 5.1, o termo não se aplica é utilizado para apontar casos nos quais não se

aplica o critério identidade x não identidade de tipos textuais nos segmentos da adversativa.

Como se verá, isso ocorre, em geral, quando a porção inicial da construção adversativa

constitui um parágrafo ou um conjunto de enunciados.

No tópico 5.1, as expressões sequência textual e tipo textual são utilizadas como

sinônimas: um segmento da construção (adversativa e concessiva) corresponderá a uma

sequência ou a um tipo textual. No entanto, evita-se o uso do termo sequência pelo fato de

que esse termo pode dar a ideia de que está envolvida uma porção maior do texto.

Nesse tópico, ainda, a expressão função textual é usada para referir-se às funções

presentes em certos tipos/sequências textuais. Com o acréscimo do termo textual, pretende-se

diferenciar essas funções das funções discursivas

Ainda no tópico 5.1, utiliza-se a expressão avaliação e/ou opinião. Optou-se por não

tratar das funções de avaliação e de opinião separadamente porque nem sempre a distinção

entre essas funções fica clara. Apresentam-se estas ocorrências retiradas do córpus para

esclarecer a questão:

123) A obra é muito discutível, mas a atitude do bispo é indefensável. (OESP, 21/12/07)

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124) Embora o caráter protecionista da medida seja óbvio, seria ocioso bradar contra ela.

(FSP, 17/12/07)

Em 123, pode-se dizer que se faz uma avaliação sobre a obra e sobre a atitude do

bispo. No entanto, ao mesmo tempo, apresenta-se uma opinião, pois a obra pode ser discutível

para uma pessoa e não para outra, e a atitude do bispo pode ser indefensável para uma pessoa

e não para outra.

Em 124, pode-se afirmar que se faz uma avaliação do caráter da medida e da

pertinência ou não de bradar contra ela. Contudo, ao mesmo tempo se apresenta opinião, pois

se pode dizer que o que é óbvio para uma pessoa não é para outra, e que, se para alguém seria

ocioso bradar contra a medida, pode ser que para outra pessoa não o seja.

Por outro lado, há casos em que a diferenciação entre avaliação e opinião fica mais

clara, como se vê nas ocorrências a seguir:

125) Para o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, a entrada da OGX e da

Vale na exploração de hidrocarbonetos “não significa que são empresas assustadas com o

risco de faltar gás no País”. Mas é bom recordar o que disse o presidente da vale, Roger

Agnelli, após o apagão do gás natural do início do mês: a produção tem de ser acelerada o

mais rapidamente possível. (OESP, 29/11/07)

126) A perda de água na cidade de São Paulo é menor que a perda média nas demais

capitais estaduais, mas está absurdamente longe do nível internacional. (OESP, 23/11/07)

Em 125, fica evidente que ambos os segmentos da construção trazem opinião. Em 126,

por sua vez, fica claro que, no segmento inicial, traz-se uma avaliação, pois o traço de

subjetividade fica mais “apagado” nesse caso, não se confundindo, assim, avaliação com

opinião.

Essas observações explicam por que se utiliza, neste trabalho, o termo avaliação e/ou

opinião para referência aos casos em que as adversativas e as concessivas apresentam tais

funções textuais.

Na seção 5.1, a expressão valores não previstos é utilizada para fazer referência aos

valores semânticos das adversativas identificados no córpus que não se incluem em nenhuma

das classificações apontadas por Neves (2000). Observou-se que, quando há valor não

previsto, em geral a relação adversativa entre os segmentos da construção não fica tão clara,

dando-se a impressão de que o segmento adversativo traz um simples acréscimo de

informação ou argumento, como se vê nestas ocorrências:

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127) Desde 2004, a pesquisa inclui toda a malha federal pavimentada. Mas o total

pesquisado vem crescendo seguidamente, por causa da incorporação de estradas estaduais e

a ampliação da malha federal. (OESP, 13/11/07)

128) A legislação não estipula uma carga horária para o estágio, mas a jornada não pode

atrapalhar o horário de aula dos estudantes. (OESP, 12/11/07)

No tópico 5.2, utiliza-se o termo caixa de texto para referência àquilo que se encontra

entre as duas colunas do editorial, na qual há frase que se assemelha a subtítulo. Como se

verá, a caixa de texto está presente apenas nos editorias publicados no jornal Estado de S.

Paulo. Nos editoriais presentes na Folha de S. Paulo, há subtítulo.

Em todos os tópicos de análise, é utilizada a expressão função discursiva para

referência aos fenômenos de adendo, guia e topicalização. Utiliza-se, também, no decorrer da

análise, a expressão construção contrastiva para alusão tanto às adversativas quanto às

concessivas, já que se adota o ponto de vista de que as concessivas estão incluídas em uma

noção geral de oposição.

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5. ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES ADVERSATIVAS E DAS

CONSTRUÇÕES CONCESSIVAS EM EDITORIAIS: MOTIVAÇÕES DE

USO

5.1 Adversativas e concessivas: inserção textual, uso argumentativo e

interpretação semântica

Volta-se, aqui, aos tipos textuais – o dissertativo, o narrativo e o descritivo

(TRAVAGLIA, 2002)104

– para vê-los no editorial. Por outro lado, também já se indicou que

os tipos textuais cumprem certas funções, como a constatativa, a avaliativa/opinativa, a

questionadora, a justificativa e a relativizadora (NEVES, no prelo).

Levando-se em consideração essas classificações, põe-se, aqui, sob exame a inserção

textual das adversativas e das concessivas a fim de verificar as suas possíveis motivações de

uso. Inclui-se na análise a relação entre tal inserção e os valores semânticos das construções

em estudo. Além disso, considera-se o uso argumentativo dessas construções, verificando-se,

por exemplo, as possíveis estratégias utilizadas para reforçar argumento que se pretende fazer

prevalecer.

Nesta investigação, além de se observarem os efeitos de sentido particulares

produzidos nas adversativas e nas concessivas, procura-se verificar se o caráter de “margem”

(LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988) das

hipotáticas adverbiais (concessivas) influi para determinar, entre outros aspectos, identidade

de tipo e de função textual nos segmentos da construção.

Inicia-se a análise pelos dados referentes à construção adversativa. A primeira

observação a empreender é se os segmentos dessa construção exibem o mesmo tipo de

sequência textual.

Observa-se que em cerca de 94% dos casos (298 ocorrências) há identidade de tipo

textual nos segmentos e em pouco mais de 1% (4 ocorrências) não há identidade. Pode-se

dizer que a maior frequência de construção adversativa que traz identidade de tipo textual nos

segmentos se deve ao fato de que tal construção estabelece um contraste, o que envolve,

necessariamente, uma comparação entre elementos. É de esperar que os elementos

comparados tenham alguma aproximação entre si, embora sejam contrastados. Como diz

Neves (1984, p. 22), a expressão de desigualdade é “um dos traços básicos do espírito

104 Lembre-se que o tipo textual injuntivo, um dos sempre presentes nas diversas tipologias (TRAVAGLIA,

2002), não aparece, em princípio, em textos de caráter opinativo, como o editorial.

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humano que, sobre o eixo de semelhanças, distingue diferenças”105

. Assim, pode-se afirmar

que um dos critérios dessas aproximações estaria centrado no tipo textual presente nos

segmentos da construção adversativa. Por outro lado, a existência de casos em que não há

identidade de tipo textual nos segmentos da construção adversativa parece dever-se ao caráter

paratático dessa construção: a (relativa) independência entre os segmentos favoreceria a

mudança de tipo textual no segmento adversativo.

Identificaram-se, ainda, ocorrências nas quais o critério identidade x não identidade de

tipo textual não se aplica (ou seja, não é verificável): em pouco mais de 4% das adversativas

(13 ocorrências). Nota-se que, nesses casos, a porção inicial da construção adversativa

apresenta mais de um tipo textual por constituir ou um conjunto de enunciados ou um

parágrafo. Sendo assim, pode-se asseverar que aí a natureza paratática das adversativas

também influi, pois é próprio dos segmentos paratáticos unir porções maiores do texto. As

particularidades de comportamento da conjunção mas dentro do grupo das construções

paratáticas também justifica esse resultado obtido. Como afirma Mesquita (2003), o mas,

diferentemente da aditiva e e da alternativa ou, é uma conjunção que une preferencialmente

partes maiores do texto em que está inserida106

.

Quanto à função textual, no córpus analisado há quase 82% de adversativas (258

ocorrências) que apresentam identidade de função nos segmentos e pouco mais de 13% (42

ocorrências) que não trazem identidade nos segmentos. O predomínio de ocorrências com

identidade de função textual pode ter sido favorecido pelo fato de os segmentos das

construções paratáticas (adversativas) apresentarem a mesma função sintática, não havendo,

assim, hierarquia entre eles. Nos casos restantes, que representam quase 5% das construções

adversativas do córpus (15 ocorrências), o critério identidade x não identidade não é

verificável, o que também se justifica pelo fato de o mas unir porções maiores do texto.

Da mesma forma que ocorre no caso das construções adversativas, nas concessivas se

destaca a identidade de tipo textual entre os segmentos, que está presente em 100% dos casos

registrados no córpus inicial e no de controle. Isso também poderia ser explicado pela

natureza contrastiva da construção concessiva, mas parece que, nesse caso, o caráter

hipotático das concessivas influi de forma mais determinante, pois não há casos em que o

critério identidade x não identidade não se aplique. Isso se justifica pelo fato de que a

105 A autora faz tal afirmação ao tratar dos valores semânticos do mas, entretanto entende-se que tal consideração

também pode ser aplicada ao caso aqui tratado. 106

Ressalte-se que o mas diverge ainda mais da alternativa ou, o que se verifica pelos próprios resultados obtidos

por Mesquita (2003): o ou estabelece conexão entre enunciados em menos de 1% das ocorrências identificadas

em seu córpus, que traz construções do português brasileiro e do europeu.

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conjunção “subordinativa” embora, diferentemente da conjunção “coordenativa” mas, em

geral une porções menores do texto. Registre-se que não se identificaram, no córpus

analisado, construções com embora operando conexão entre enunciados.

Em relação à função textual, identificaram-se pouco mais de 72% de concessivas (26

ocorrências) que trazem identidade de função nos segmentos e quase 28% (10 ocorrências)

que não apresentam identidade nos segmentos. Apesar de haver predomínio de identidade de

função, tal como acontece nas adversativas, verifica-se que, diferentemente do que se dá

nestas, há uma porcentagem relativamente maior de ocorrências nas quais os segmentos não

têm a mesma função.

No córpus de controle, as porcentagens registradas se aproximam, de certa forma,

daquelas presentes no córpus inicial: há 75% de concessivas (54 ocorrências) com identidade

de função nos segmentos e 25% (18 ocorrências) que não trazem identidade de função. Isso

confirma a diferença observada entre as adversativas e as concessivas, o que pode explicar-se

pela natureza hipotática adverbial destas últimas. Como há uma hierarquia entre os segmentos

da construção, representada pela presença de margem e núcleo, não é de estranhar que, nas

concessivas, haja mais casos de não identidade de função nos segmentos.

Vistos esses resultados, passa-se a tratar, em dois tópicos, os diferentes casos aqui

registrados: i) quando há tipo textual idêntico nos segmentos da construção (adversativa e

concessiva); ii) quando não há tipo textual idêntico nos segmentos da construção (adversativa,

em específico) e quando a identidade de tipo textual nos segmentos não se aplica (na

construção adversativa, em específico). Os dados referentes às funções textuais são

registrados a partir da seção “A”, quando se começam a analisar as ocorrências do córpus.

5.1.1 Identidade de tipo textual nos segmentos da construção

Para o tratamento dos tipos textuais presentes nos segmentos das construções em

estudo, apresentam-se, primeiramente, os dados referentes à construção adversativa:

Tipo textual nos segmentos da construção adversativa

Tipo textual Nº %

Narração 55 18,4%

Descrição 28 9,3%

Dissertação 215 72,1%

TOTAL 298 94,6%

Quadro 1. Tipo textual nos segmentos da construção adversativa

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No que se refere às adversativas, pode-se dizer que a maior frequência de segmentos

com tipo textual dissertativo se justifica pela natureza essencialmente argumentativa do

gênero editorial: o editorialista procura expor ideias e apresentar fatos com o intuito de levar o

interlocutor à reflexão. O tipo textual dissertativo, portanto, serviria à função argumentativa,

visto que, como já se apontou, por meio da dissertação, busca-se refletir, avaliar, expor ideias.

O segundo tipo textual mais frequente nos segmentos da construção adversativa é,

como se vê, a narração, o que parece dever-se ao fato de que, no editorial, relatam-se os fatos

ocorridos para, em seguida, opinar sobre eles. Entretanto, como se mostrará na análise dos

dados, algumas construções adversativas com tipo textual narrativo trazem, por exemplo,

crítica, servindo, assim, à função argumentativa, o que justificaria a porcentagem

relativamente significativa de construções adversativas com tipo textual narrativo.

A menor ocorrência do tipo textual descritivo nos segmentos da construção

adversativa, por sua vez, já era esperada, dado que o editorial se caracteriza por apresentar

situações de fatos e opinar sobre eles. Mesmo que as sequências descritivas tragam, muitas

vezes, qualificações, elas vêm seguidas, em geral, por sequências dissertativas, pois o objetivo

principal do editorial é discutir os fatos, oferecendo, assim, uma orientação ao leitor.

Visto isso, restaria observar se a relação entre os tipos textuais e os valores semânticos

presentes na construção adversativa se mostra significativa para a análise. Apresenta-se

quadro a seguir para verificar essa questão:

CONSTRUÇÃO ADVERSATIVA

TIPO

TEXTUAL

VALORES SEMÂNTICOS

Contraposição em direção oposta

Contr

aposi

ção

na

mes

ma

dir

eção

Contr

aposi

ção

em d

ireç

ão

indep

enden

te

Eli

min

ação

Val

ore

s não

pre

vis

tos

TOTAL

Contr

aste

Res

triç

ão

Neg

ação

de

infe

rênci

a

Com

pen

sa

ção

Narração 9

21,9%

9

8,4%

21

30,8%

6

19,3%

--- ---

3

33,3%

7

35%

55

18,4%

Descrição 7

17%

8

7,5%

6

8,8%

4

12,9%

1

6,25%

1

14,2%

---

1

5%

28

9,3%

Dissertação 25

60%

89

83,9%

41

60,2%

21

67,7%

15

93,7%

6

85,7%

6

66,6%

12

60%

215

72,1%

TOTAL

41

13,7%

106

35,5%

68

22,8%

31

10,4%

16

5,3%

7

2,3%

9

3%

20

6,7%

298

94,6%

Quadro 2. Tipo textual e valores semânticos na construção adversativa

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93

Antes que se trate da relação entre os tipos textuais e os valores semânticos presentes

nas adversativas, comentam-se os resultados obtidos em relação aos valores semânticos em

específico.

No que diz respeito aos valores semânticos, observa-se que os dois mais frequentes

são o de restrição e o de negação de inferência, o que parece dever-se ao fato de que nas

adversativas que trazem esses valores geralmente há concessão, mecanismo largamente

empregado em gêneros altamente argumentativos, como o editorial.

Por outro lado, a baixa ocorrência de construções com contraste não era esperada,

visto que se trata de um dos valores mais comumente atribuídos às adversativas por

gramáticos tradicionais e por linguistas em geral. Entretanto, lembre-se que não foram

analisadas as adversativas em correlação, o que pode ter influído nesse resultado obtido. Além

disso, nas adversativas contrastivas, não fica tão evidente, muitas vezes, a presença de

concessão, que, como se disse, é muito utilizada em gêneros argumentativos.

A baixa ocorrência de adversativas com valor de compensação também não era

esperada, pois, nesse tipo de construção, pesam-se pontos positivos e pontos negativos. A

presença de pontos negativos no segmento adversativo serviria, por exemplo, para criticar,

intenção comunicativa que é bastante comum no gênero editorial. No entanto, o próprio fato

de o segmento adversativo trazer argumento defendido pelo locutor já parece ser suficiente

para demonstrar o que ele considera como ponto negativo ou não, o que justificaria a baixa

frequência do valor de compensação no córpus analisado.

Por outro lado, a baixa frequência de adversativas com eliminação não surpreende,

pois esse valor seria mais próprio de textos narrativos, nos quais a anulação ou interrupção de

ações ou processos contribui para dar maior dinamismo aos fatos narrados.

Verifica-se, também, que são pouco frequentes as adversativas com contraposição na

mesma direção e as adversativas com contraposição em direção independente, o que se

explicaria pelo fato de que, nesses casos, a relação de desigualdade é menos caracterizada.

Por fim, nota-se que há valores não previstos, aqueles que não se incluem na tipologia

aqui adotada (a de Neves (2000)). Tais valores, entretanto, não são tão frequentes, o que se

justifica pelo fato de que, como já se mencionou no capítulo 4, nesses casos, a relação

adversativa entre os segmentos não fica tão clara.

Vistos esses resultados em relação aos valores semânticos, passa-se, agora, a associá-

los aos tipos textuais presentes nas adversativas.

A partir dos dados registrados no quadro 2, verifica-se que a adversativa apresenta de

forma mais frequente o tipo textual dissertativo, independentemente do valor semântico

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presente na construção. Isso corresponde à expectativa, visto que o córpus deste trabalho é

constituído de apenas um gênero, o editorial, que possui, predominantemente, tipo textual

dissertativo.

Entretanto, alguns dados se revelam significativos para esta análise. Observa-se que

em apenas três casos são numerosas (mais de 80%) as ocorrências com tipo textual

dissertativo: quando estão envolvidos os valores de restrição, de contraposição na mesma

direção e de contraposição em direção independente.

Isso ocorre no caso das adversativas restritivas porque, como se verá, o valor de

restrição favorece o aparecimento de certas funções textuais que, pelo que sugerem os

resultados obtidos, são mais relacionadas ao tipo dissertativo: a relativizadora e a

questionadora. Além disso, como se mostrará, esse valor semântico favorece a presença de

adendo no segmento adversativo, função discursiva que também parece estar mais ligada ao

tipo dissertativo, já que é acionada para reforçar argumento defendido pelo locutor,

contribuindo, assim, para convencer o interlocutor de algo.

Nas adversativas com contraposição na mesma direção, também há mais casos de tipo

textual dissertativo porque, nestas, não se acrescentam, simplesmente, informações, mas

argumentos. Nas adversativas com contraposição em direção independente ocorre algo

semelhante: os segmentos adversativos são mais voltados para acrescentar um argumento

ainda não considerado.

Por outro lado, nota-se que em três tipos de construção há mais de 30% de ocorrências

com tipo textual narrativo: nas adversativas com negação de inferência, com eliminação e

com valores não previstos.

Lembre-se que, em Grote et al. (1997), mostra-se que as construções contrastivas que

expressam concessão podem ser utilizadas para informar sobre eventos inesperados. Verifica-

se que nas adversativas com negação de inferência que expressam concessão fica mais

evidenciado o efeito de surpresa produzido para informar sobre eventos inesperados, o que se

justificaria pelo próprio fato de que, ao negar-se inferência, quebra-se a expectativa. As

adversativas com valor de eliminação, embora não expressem concessão, não deixam de

manifestar de forma bastante evidente o efeito de surpresa, pois a anulação de ações ou de

processos também contribui para quebrar a expectativa. Isso explicaria a frequência

significativa de adversativas com negação de inferência e com eliminação que trazem tipo

textual narrativo.

No caso das adversativas com valores não previstos, verifica-se que, em geral, o fato

de tais construções não exibirem de forma tão clara o caráter opositivo, como já se mostrou,

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pode ter contribuído para que elas sejam utilizadas mais frequentemente para acrescentar

informações.

Por fim, observa-se que, nos casos em que as adversativas trazem contraste ou

compensação, as porcentagens registradas em relação aos diferentes tipos textuais se

distribuem de forma mais equilibrada do que nos casos restantes de valores semânticos

apresentados no quadro 2 (embora seja mais frequente o tipo textual dissertativo). Isso

aconteceria devido à presença de características peculiares das adversativas que trazem os

valores de contraste e de compensação. Nas adversativas contrastivas opõem-se elementos em

sentido estrito e nas adversativas com valor de compensação pesam-se pontos positivos e

negativos. Parece que tais características não levariam tais tipos de construções a favorecer a

presença de uma tipologia textual em específico107

.

Na análise dos dados, retomam-se algumas dessas observações feitas a respeito da

relação entre os tipos textuais e os valores semânticos presentes nas adversativas. Faça-se a

ressalva, porém, de que se examinam mais detidamente as adversativas que trazem os valores

compartilhados com as concessivas: o de contraste, de restrição e de negação de inferência.

Adiante, registram-se os resultados referentes à relação entre tipos textuais e valores

semânticos das concessivas para compará-las com as adversativas. No entanto, trata-se

primeiramente dos tipos textuais isoladamente, observando-se os dados presentes neste

quadro:

Tipo textual nos segmentos da construção concessiva

Tipo textual Nº %

Narração 6 16,6%

Descrição 3 8,3%

Dissertação 27 75%

TOTAL 36 100%

Quadro 3. Tipo textual nos segmentos da construção concessiva

Verifica-se que, da mesma forma que ocorre na construção adversativa, na concessiva

o tipo textual dissertativo é mais frequente. As justificativas apresentadas quando se tratou das

107 Vale comentar que Duque (2008), analisando o mas na fala e na escrita (e em diversos gêneros discursivos),

registra que o valor de compensação ocorre, principalmente, em segmentos com tipo textual descritivo. No

córpus aqui analisado, o valor de compensação não aparece com frequência em segmentos com tipo descritivo, o

que poderia ser explicado pelo fato de que o córpus deste trabalho é constituído de apenas um gênero, que

privilegia a presença do tipo textual dissertativo, como já se disse.

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adversativas também se aplicam no caso das concessivas. O tipo textual dissertativo seria o

mais recorrente pela própria natureza do córpus. Nota-se, também, que as porcentagens

referentes a cada tipo textual se aproximam daquelas registradas no quadro 1, que traz os

dados atinentes às adversativas.

Recorreu-se ao córpus de controle para observar se esses dados se confirmam:

Tipo textual nos segmentos da construção concessiva Córpus de controle

Tipo textual Nº %

Narração 10 13,8%

Descrição 6 8,3%

Dissertação 56 77,7%

TOTAL 72 100%

Quadro 4. Tipo textual nos segmentos da construção concessiva (córpus de controle)

Nota-se que, no córpus de controle, a porcentagem referente às concessivas com

sequência dissertativa se aproxima daquela registrada no córpus inicial, o que confirma os

dados obtidos.

Apesar disso, observou-se que, no córpus inicial, as concessivas trazem, em relação às

adversativas, uma porcentagem ligeiramente menor de casos em que há tipo narrativo. Tal

resultado se confirma no córpus de controle, pois, neste, as porcentagens referentes ao tipo

narrativo se aproxima daquelas registradas no quadro 3. Tal diferença entre as adversativas e

as concessivas será justificada na análise a ser empreendida.

Visto isso, passa-se a registrar, agora, os resultados obtidos no exame da relação entre

os tipos textuais e os valores semânticos das concessivas:

CONSTRUÇÃO CONCESSIVA

Tipo textual

VALORES SEMÂNTICOS

Contraste Restrição Negação de

inferência TOTAL

Narração

--- 1

25%

5

17,8%

6

16,6%

Descrição 1

25%

2

50% ---

3

8,3%

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Dissertação 3

75%

1

25%

23

82,1%

27

75%

TOTAL 4

11,1%

4

11,1%

28

77,7%

36

100% Quadro 5. Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva

A primeira observação a fazer é que a maioria das concessivas traz valor de negação

de inferência, o que era de esperar, pois, como se apontou no capítulo 2, trata-se de um valor

mais próprio dessas construções.

No que diz respeito à relação entre tipos textuais e valores semânticos, verifica-se que

o tipo dissertativo predomina quando estão envolvidas apenas as construções com contraste e

com negação de inferência.

Além disso, nota-se que há, em relação às adversativas, um número relativamente

maior de concessivas com negação de inferência que trazem tipo dissertativo e um número

relativamente menor de concessivas com esse valor que apresentam tipo narrativo.

Faz-se necessário, porém, analisar os resultados obtidos no córpus de controle para

verificar se esses dados se confirmam:

CONSTRUÇÃO CONCESSIVA

Córpus de controle

Tipo textual

VALORES SEMÂNTICOS

Contraste Restrição Negação de

inferência TOTAL

Narração

1

16,6%

1

12,5%

8

13,7%

10

13,8%

Descrição 1

16,6%

2

25%

3

5,1%

6

8,3%

Dissertação 4

66,6% 5

62,5%

47

81%

56

77,7%

TOTAL 6

8,3%

8

11,1%

58

80,5%

72

100% Quadro 6. Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva (córpus de controle)

A partir dos resultados registrados no quadro 6, nota-se que o valor semântico de

negação de inferência ainda é predominante, o que era de esperar. Observa-se, também, que o

valor de restrição é o segundo mais recorrente, mas não é possível chegar a conclusões

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definitivas, visto que, mesmo no córpus de controle, o número de ocorrências não se mostra

suficiente.

No que se refere à relação entre tipo textual e valor semântico, verifica-se que o tipo

dissertativo prevalece não apenas nas concessivas com negação de inferência e com contraste,

mas também nas concessivas com restrição, o que corresponde à expectativa, já que o gênero

editorial traz, predominantemente, o tipo textual dissertativo.

Nota-se, também, no quadro 6, que as porcentagens registradas em relação às

concessivas que trazem, ao mesmo tempo, negação de inferência e tipo dissertativo e às

concessivas que apresentam, ao mesmo tempo, negação de inferência e tipo narrativo se

aproximam daquelas obtidas no quadro 5.

No que concerne às concessivas restritivas, também se observa que, apesar de

predominar o tipo textual dissertativo, a porcentagem que representa esse tipo de construção

não chega a atingir 80% (no córpus inicial e no de controle), diferentemente do que se dá nas

adversativas restritivas. Contudo, como foram identificadas apenas 8 concessivas restritivas,

não é possível dizer se essa distinção entre as adversativas e as concessivas se confirma.

Feitas essas considerações, analisam-se, adiante, as adversativas e as concessivas

tendo-se em vista, entre outros aspectos, os tipos textuais, as funções textuais e os valores

semânticos identificados nessas construções. Ressalte-se que serão tratados os valores

semânticos das construções referidas quando se obtiverem resultados que se mostrarem

relevantes para os objetivos propostos neste trabalho.

A seguir, analisa-se, separadamente, cada tipo textual presente nas construções em

estudo. Inicia-se a discussão com o tipo textual mais frequente nas adversativas e nas

concessivas: o dissertativo.

A) Adversativas e concessivas com tipo textual dissertativo

Não é novidade que as adversativas e as concessivas, quando trazem tipo textual

dissertativo, são utilizadas, normalmente, para convencer o interlocutor de algo. Assim, o que

se pretende investigar, levando-se em conta as funções presentes nessas construções, é a

forma pela qual as particularidades de cada construção influem para a determinação de

diferentes efeitos de sentido.

Em relação às adversativas e às concessivas com tipo textual dissertativo, ocorrem nos

segmentos dessas construções, em geral, as funções de avaliação e/ou opinião e de

constatação, mas a função de avaliação e/ou opinião é mais frequente em ambas as

construções.

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O mais comum é que, nessas construções, a função de avaliação e/ou opinião apareça

em ambos os segmentos, independentemente do valor semântico108

envolvido. Isso ocorre em

pouco mais de 79% das adversativas e em pouco mais de 70% das concessivas (no córpus

inicial e no de controle).

A grande recorrência da função de avaliação e/ou opinião tanto nas adversativas

quanto nas concessivas se justifica pelo fato de que, no editorial, para sustentar um ponto de

vista, com o intuito de convencer o interlocutor, o locutor deve apresentar avaliações e

opiniões sobre os fatos relatados. Visto isso, caberia verificar quais seriam as possíveis

motivações para a utilização de uma construção em vez de outra.

Para iniciar a discussão, apresentam-se, primeiramente, construções adversativas nas

quais há função de avaliação e/ou opinião:

129) A obra é muito discutível, mas a atitude do bispo é indefensável. (OESP, 21/12/07)

130) Mesquita, cujas credenciais técnicas para ocupar o cargo são inquestionáveis, não é o

maior nem o único culpado pelo desastre que se avizinha, mas faria melhor se não tentasse

travestir o fracasso de modernidade. (FSP, 17/11/07)

131) O cenário pode ser preocupante para alguns analistas, mas o Brasil pode estar diante

de uma oportunidade preciosa de bons negócios. (OESP, 16/12/07)

Quando se apresenta avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos da construção

adversativa, como ocorre em 129, 130 e 131, a avaliação ou opinião expressa no segmento

inicial serve para fazer prevalecer a avaliação ou opinião que se apresentará no segmento

adversativo, que traz argumento defendido pelo locutor. Assim, reconhece-se uma possível

avaliação ou opinião do interlocutor para, em seguida, fazer-se prevalecer a avaliação ou

opinião do locutor.

Como se vê, é evidente que a predominância de uma avaliação ou opinião se dá pelo

próprio fato de ela ser apresentada no segmento adversativo, no qual se mantém a

“preferência” (GARCÍA, 1994). Em 129, por exemplo, verifica-se que o locutor pretende

chamar atenção para a atitude reprovável do bispo, e não para o fato de que a obra é

discutível. Isso fica mais claro quando se observa que o texto progride levando em conta a

direção indicada por esse argumento: no último período do editorial, diz-se que “A sua

108 A partir daqui, sempre que se fizer referência a valor semântico, trata-se, especificamente, dos valores

compartilhados entre as adversativas e as concessivas: de contraste, negação de inferência e restrição. No

entanto, quando se discorrer sobre a inserção dessas construções em trechos narrativos, faz-se alusão ao valor de

eliminação, que é particular das adversativas.

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100

transgressão [a do bispo], insista-se, foi a tentativa de prevalecer sobre o governo de uma

nação em que Estado e Igreja são entes distintos”.

Na concessiva, a predominância de uma avaliação ou opinião também se dá pelo fato

de essa construção ser incluída na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994):

132) A escalada autocrática de Chávez é notória, embora ocorra sem ruptura formal da

democracia. (FSP, 25/11/07)

133) Por esse motivo, é bastante provável que também os dados do emprego industrial no

País relativos a novembro, embora possam indicar queda na comparação com outubro,

confirmem a melhora em relação a 2006. (OESP, 15/12/07)

Em 132 e 133, a avaliação e/ou opinião que prevalece é, obviamente, aquela que

aparece no segmento nuclear, no qual está presente a preferência. Em 132, por exemplo, o

locutor pretende destacar um ponto negativo de Chávez: a sua escalada autocrática. No

editorial, o texto progride levando em conta a direção indicada por esse argumento, pois se

objetiva mostrar a inconveniência de o Brasil aceitar a Venezuela como sócia plena no

Mercosul, como se verifica neste trecho, que aparece em uma porção posterior do editorial:

Dar a Chávez o poder de veto no Mercosul seria caminhar no sentido contrário.

Entretanto, há que diferenciar as concessivas das adversativas segundo a posição

sintática em que se manifesta o segmento concessivo na maior parte das ocorrências. Nota-se

que, na maioria das concessivas que trazem avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos, o

segmento adverbial vem na posição anteposta (em cerca de 68% e em 71% das ocorrências do

córpus inicial e do de controle, respectivamente), como se exemplifica a seguir:

134) Embora o caráter protecionista da medida seja óbvio, seria ocioso bradar contra ela.

(FSP, 17/12/07)

135) Embora seja difícil convencer o usuário disso, o modelo paulista é defensável. (FSP,

15/11/07)

136) Embora mostrem alguma divergência, estimativas feitas por órgãos do governo e por

institutos privados coincidem num ponto: a agricultura prepara-se para quebrar novos

recordes, agora não só de produção, mas também de renda. (OESP, 12/11/07)

A possibilidade de antepor o segmento concessivo ao segmento nuclear faz que seja

produzido um efeito de sentido particular. Nesses casos, por meio da anteposição do segmento

concessivo, já se antecipa que a avaliação ou opinião apresentada nesse segmento não é a que

prevalecerá, reforçando-se, assim, o argumento que virá no segmento posterior.

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101

Desse modo, pode-se afirmar que, embora seja possível apresentar avaliação e/ou

opinião tanto nas adversativas quanto nas concessivas, em geral se opta por utilizar a

construção concessiva, por exemplo, para antecipar que o locutor fará objeções ao argumento

(à avaliação ou opinião) do interlocutor.

Contudo, quando a construção concessiva que traz avaliação e/ou opinião tem valor de

restrição, o segmento adverbial ocorre, no córpus de controle, na posição posposta em 50%

dos casos registrados, como se vê a seguir:

137) Nunca antes neste mundo, parafraseando o presidente Lula, as condições materiais de

existência de tantas centenas de milhões de pessoas mudaram espetacularmente para melhor

em tão pouco tempo – embora os beneficiários desse salto quântico ainda sejam apenas mais

ou menos 1/3 da população de 1,3 bilhão. (OESP, 22/10/07)

Acredita-se que a frequência significativa de segmentos concessivos pospostos nos

casos em que há restrição se deve ao fato de que esse valor seria mais relacionado a uma pós-

reflexão.109

Em 137, por exemplo, para que se especifique, no segmento concessivo, a

quantidade de pessoas beneficiadas, deve-se ter em mente que já foi dito anteriormente que

certas pessoas foram beneficiadas.

Nas demais concessivas restritivas que trazem avaliação em ambos os segmentos, há,

no córpus de controle, segmento adverbial intercalado em 25% dos casos e segmento

adverbial anteposto em 25% das ocorrências.

De qualquer forma, a antecipação é o mecanismo mais utilizado nas concessivas em

geral que trazem avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos. Ressalte-se que, nas

ocorrências em que estão envolvidos os valores de negação de inferência (como em 134 e

135), ou de contraste (como em 136), há antecipação, respectivamente, em cerca de 78% dos

casos (e em quase 72% no córpus de controle) e em cerca de 66% dos casos (e em 50% no

córpus de controle).

Entretanto, em relação às adversativas, ressalte-se que, como afirma Gouvêa (2006),

quando no argumento do interlocutor (segmento inicial, no caso aqui em questão) há marcas

do locutor, como as expressões modalizadoras, fortalece-se o ato de conceder razão ao

argumento do interlocutor e antecipa-se que o locutor fará objeções ao argumento do

interlocutor110

. No córpus analisado, há construções adversativas que trazem avaliação e/ou

109 Como se verá mais adiante, o valor de restrição favorece, de certa forma, a presença de adendo no segmento

concessivo (do mesmo modo que no segmento adversativo). 110

Lembre-se a indicação de Ducrot (1987, p. 181) sobre a possibilidade de ocorrência de estruturas como Pode

ser p, mas q: Pode ser que você tenha dormido, mas, de qualquer forma, você, (sic) roncou solenemente.

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102

opinião que exemplificam esse caso apontado em Gouvêa (2006). Nesta ocorrência retirada

do córpus, por exemplo, o primeiro segmento é iniciado por expressão modalizadora:

138) Pode ser que as coisas decorram do modo imaginado pelo presidente. Mas é preciso

não esquecer que, com a linha de apoio ao comércio varejista, o BNDES entraria numa área

onde o volume de crédito cresce muito depressa e já preocupa os analistas do sistema

financeiro. (OESP, 08/12/07)

Nessa ocorrência, é a expressão pode ser que opera modalização, indicando uma

possibilidade. Dessa forma, fica evidente, já no segmento inicial da construção, que o locutor

se coloca na posição do interlocutor, reconhecendo que é possível que as coisas decorram do

modo imaginado pelo presidente. Assim, já se antecipa que se farão objeções, posteriormente,

ao argumento do interlocutor. Poder-se-ia argumentar que a expressão pode ser, por si só, não

seria suficiente para fazer essa antecipação. Entretanto, ao considerar que ela se encontra em

editorial, gênero que, por sua natureza altamente argumentativa, traz estratégias para o

convencimento do interlocutor (como a de antecipação), é possível sustentar esse ponto de

vista.

Verifica-se, assim, que, em 138, a estratégia não é a mesma usada na maioria das

construções adversativas, como em 129, 130 e 131. Em 138, por meio da expressão

modalizadora, mantém-se a expectativa de que se farão, posteriormente, objeções ao

argumento do interlocutor. Em 129, 130 e 131, por outro lado, não se cria, no segmento

inicial da construção, essa expectativa, pois não se inicia o segmento com nenhuma expressão

que demonstre a marca do locutor no enunciado, ou seja, o reconhecimento do locutor pelo

argumento do interlocutor. Observa-se em 131, por exemplo, que, embora haja, no segmento

inicial, a expressão pode ser, ela não inicia o segmento e, portanto, não faz antecipação,

diferentemente do que ocorre em 138.

Além das expressões modalizadoras, há outras expressões avaliativas ou opinativas

que, quando iniciam o primeiro segmento da construção adversativa, criam o efeito de

antecipação. Garcia (1997, p. 377) mostra que expressões como é verdade que, é certo que, é

evidente que, quando iniciam a construção adversativa,

“têm a função, primeiro, de indicar em que termos ou extensão

se concorda com o que está declarado antes, e, segundo, de

preparar o espírito do leitor, ou ouvinte, para a restrição

(contestação, discordância, objeção parcial) que se vai enunciar a

seguir (a partir da oração adversativa)”.

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No córpus analisado, identificaram-se, por exemplo, estas ocorrências que ilustram o

caso indicado pelo autor:

139) É verdade que as condições atuais – em termos de taxa média de juros e prazos – são

melhores, mas ainda estão longe do ideal. (FSP, 27/12/07)

140) É evidente que em alguns corredores das áreas periféricas há trânsito pesado em

horários de pico, mas isso não justifica restringir a circulação durante o dia todo. (OESP,

08/12/07)

141) É claro que já houve recurso à Justiça, por parte da estatal, e foi expedido mandado de

reintegração de posse. Mas, como já é costume neste país – em grande parte decorrente da

força política adquirida por movimentos ilegais, como o MST e assemelhados –, as decisões

judiciais precisam ser negociadas a posterior, para serem (eventualmente) obedecidas.

(OESP, 12/12/07)

142) Não há dúvida de que se trata de plano engenhoso, mas com suas limitações. (FSP,

14/12/07)

143) É compreensível que, aproximando-se as festas de fim de ano e as férias de verão, o

governo queira adotar medidas para amenizar os transtornos que há mais de um ano se

tornaram rotineiros para quem viaja de avião. Mas o pacote anunciado pelo ministro da

Defesa, Nelson Jobim, tem escassas probabilidades de produzir os resultados esperados pelo

governo. (OESP, 22/12/07)

144) De fato, algumas empresas usam estagiários como mão-de-obra barata. Mas a

responsabilidade de fiscalizar os falsos estágios cabe ao Ministério do Trabalho. (OESP,

12/11/07)

Nessas ocorrências, há avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos da construção,

e as expressões que iniciam a construção (aqui sublinhadas), por demonstrarem concordância

com o interlocutor, já antecipam que o locutor concede o argumento do interlocutor para, em

seguida, fazer uma objeção.

Verifica-se, assim, que, quando há avaliação e/ou opinião no segmento inicial da

construção adversativa (com tipo textual dissertativo), pode haver antecipação, o que

contribui para reforçar o argumento que se apresentará em seguida. No córpus analisado, essa

antecipação ocorre em pouco mais de 7% das adversativas que trazem avaliação e/ou opinião

no segmento inicial. Isso mostra que a antecipação não é exclusividade das construções

concessivas com segmento adverbial anteposto.

Apesar disso, há de considerar que, quando ocorre antecipação nas adversativas e nas

concessivas, produzem-se diferentes efeitos de sentido em cada uma das construções. Como

se mostrou, Garcia (1997) afirma que expressões como as citadas nas ocorrências de 9 a 15

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têm a função de mostrar em que termos ou extensão se concorda com o que foi enunciado

anteriormente. Pode-se dizer que as expressões é verdade que e é compreensível que, por

exemplo, indicam diferentes “graus” de adesão do locutor ao argumento do interlocutor.

Parece que a expressão é compreensível que indica menor grau de adesão, pois, na semântica

do termo compreensível – “entender (alguém), aceitando como é” (FERREIRA, 2004) –, traz-

se a ideia de que aquele que compreende é apenas tolerante, mas não adere ao ponto de vista

alheio. Além disso, pode-se considerar que são expressos diferentes valores nas expressões

avalativas/opinativas: a expressão pode ser, por exemplo, tem valor eventual.

No entanto, lembre-se que, nas concessivas, a antecipação é mais frequente. Parece

que isso ocorre porque o segmento concessivo (anteposto) já seria uma forma “padrão”

utilizada para fazer antecipação, dada a flexibilidade de posição sintática das adverbiais

concessivas. Além disso, nas adversativas, ao contrário do que ocorre nas concessivas, há

antecipação apenas quando está presente a função de avaliação e/ou opinião no segmento que

traz argumento fraco, ou seja, no segmento inicial. A partir da comparação das ocorrências

apresentadas a seguir, é possível demonstrar isso:

145) Costumava-se falar das afinidades entre petistas e tucanos. Mas, estruturalmente, o

partido se parece, mais do que com qualquer outro, com o PMDB. (OESP, 19/12/07)

146) O ministro Paulo Bernardo afirma que as alternativas existentes para remediar a perda

de receita causada pela extinção da CPMF devem ser discutidas entre o Executivo e o

Legislativo, em busca de “um ponto de equilíbrio”. Mas primeiro é preciso que os dois

principais ministros da área econômica cheguem, eles próprios, não a um ponto de

equilíbrio, mas a um entendimento básico. (OESP, 20/12/07)

147) Mas, embora os tribunais já tenham firmado entendimento sobre a matéria, o INSS

insiste em negar os benefícios reclamados pelos segurados, obrigando-os a procurar os

Juizados para defender seus direitos. (OESP, 29/10/07)

148) Embora o governo federal tenha erigido o raciocínio em política oficial, as importações

prosseguem, seja por força de medidas liminares, seja por procederem de nações parceiras

do Mercosul (Uruguai e Paraguai). (FSP, 10/12/07)

Em todas as ocorrências citadas, há constatação no primeiro segmento da construção e

avaliação e/ou opinião no segundo segmento da construção. Por exemplo: em 145, mostra-se,

no segmento inicial, que é fato que se costumava falar das afinidades entre petistas e tucanos e

se avalia, no segmento adversativo, que o partido se parece mais com o PMDB; em 147,

mostra-se, no segmento concessivo, que é fato que os tribunais firmaram entendimento sobre

a matéria e, no segmento nuclear, avalia-se que o INSS insiste em negar os benefícios.

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Quando, nas adversativas e nas concessivas, há constatação em um dos segmentos e

avaliação/opinião em outro, em geral esta última função aparece no segmento que traz

argumento forte – em cerca de 90% das adversativas e em 75% das concessivas (no córpus

inicial e no de controle) –, como se vê nas ocorrências de 145 a 148. Isso se justifica pelo fato

de que a avaliação/opinião estaria mais relacionada a um posicionamento pessoal do locutor,

que é apresentado comumente no segmento que traz argumento forte.

Apesar dessa semelhança entre as construções estudadas, nota-se que há antecipação

(decorrente da anteposição do segmento concessivo) apenas em 147 e 148, pois em 145 e 146

o primeiro segmento da construção não é iniciado por expressão avaliativa e/ou opinativa.

Ressalte-se que, nas concessivas com avaliação/opinião em um segmento e constatação em

outro, o mecanismo de antecipação está presente em 75% dos casos (no córpus inicial e no de

controle).

A partir disso, pode-se afirmar que tanto nas concessivas quanto nas adversativas pode

haver o efeito de antecipação, o que contribui para reforçar o argumento que se quer defender.

Entretanto, isso ocorre nas adversativas apenas quando o segmento inicial traz avaliação e/ou

opinião, ao passo que, nas concessivas, isso pode acontecer independentemente da função

expressa no segmento adverbial anteposto, já que a antecipação, nesse caso, é decorrente,

simplesmente, da anteposição do segmento adverbial. Vale registrar que, do total de

concessivas que apresentam sequência dissertativa, quase 63%, no córpus inicial, e quase

68%, no córpus de controle, trazem segmento adverbial anteposto.

Observa-se, também, que a antecipação ocorre nas adversativas quando estão

envolvidos, em geral, os valores de restrição (como se vê em 138, 139, 140, 142 e 144) e de

negação de inferência (como se vê em 141 e 143). Em 139, por exemplo, o conteúdo do

segmento adversativo restringe o que vem enunciado anteriormente (mas ainda estão longe

do ideal), com o que se obtém relativizar a indicação de que as condições atuais são melhores.

Em 141, por sua vez, o conteúdo do segmento adversativo nega a inferência que se pode fazer

a partir do conteúdo do segmento inicial: a de que não houve recurso à Justiça (por parte da

estatal) e não foi expedido mandado de reintegração de posse.

Não se identificaram casos de adversativas com contraste nas quais haja antecipação, o

que não é de estranhar, dado que essas construções, em geral, não expressam concessão111

.

111 Registre-se que, em casos excepcionais, as adversativas com valor de contraste expressam concessão, como

se vê nesta ocorrência: “Os professores novatos podem se sentir intimidados com a medida, mas os bons terão

oportunidade de se destacar”, afirma a professora Gislaine da Costa Cabral, que foi aprovada para dar aula de

educação artística a partir de 2008. (OESP, 19/11/07)

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Apesar disso, nas adversativas contrastivas também há a possibilidade de reforçar-se

argumento defendido pelo locutor, o que ocorre, por exemplo, quando se opõem

opiniões/avaliações de diferentes pessoas entrevistadas, como se vê a seguir:

149) Para o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, a entrada da OGX e da

Vale na exploração de hidrocarbonetos “não significa que são empresas assustadas com o

risco de faltar gás no País”. Mas é bom recordar o que disse o presidente da Vale, Roger

Agnelli, após o apagão do gás natural do início do mês: a produção tem de ser acelerada o

mais rapidamente possível. (OESP, 29/11/07)

150) Isso demonstraria, segundo o presidente do IBP, a maturidade do setor de petróleo no

Brasil e a opção pela concorrência no setor. Mas o diretor do Centro Brasileiro de Estudos

em Infra- Estrutura (Cbie), Adriano Pires, ainda tem dúvidas.112

(OESP, 29/11/07)

Em 149 e 150, verifica-se que o locutor faz uso de “vozes autorizadas” (de pessoas

entrevistadas) para apoiar uma delas. Isso fica ainda mais evidente em 149, pois, nesse caso,

há, no segmento adversativo, uma opinião “dentro” de outra opinião: ao dizer que é bom

recordar o que disse o presidente da Vale, o locutor já opina e mostra qual opinião vai apoiar:

a do presidente da Vale, que considera que a produção tem de ser acelerada o mais

rapidamente possível.

Como aponta Sella (2006), o acionamento de vozes autorizadas no texto contribui para

dar maior credibilidade ao que se diz. Dessa forma, pode-se dizer que o argumento expresso

no segmento adversativo vem ainda mais reforçado pelo fato de que é avaliação e/ou opinião

de uma voz autorizada (que se opõe à opinião/avaliação de outra voz autorizada).

Não é raro aparecerem ocorrências desse tipo no córpus analisado, o que se explicaria

pelo fato de que é próprio de textos jornalísticos mostrar, de forma democrática, os “dois

lados” de uma questão.

Nas construções concessivas contrastivas com tipo textual dissertativo não se

identificaram casos em que se apresenta avaliação e/ou opinião de uma voz autorizada em

cada segmento. No córpus analisado, isso acontece, no entanto, em 1 ocorrência de concessiva

contrastiva que traz tipo textual narrativo, como se vê a seguir:

151) Embora Vaccarezza tenha divulgado nota afirmando que o projeto de lei não altera a

legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a sistematizar normas já

existentes, juízes trabalhistas afirmam que o projeto interfere nas negociações entre patrões e

empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do

112 Nesses casos, todo o conteúdo de cada segmento da construção adversativa constitui um escopo, pois o

contraste se dá entre pontos de vista, e não entre elementos presentes nos segmentos dessa construção. A

oposição entre pontos de vista, que é operada pela conjunção mas, é apontada por Silva (2005).

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trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do

tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores. (OESP,

29/10/07)

No segmento concessivo, mostra-se a opinião de Vaccarezza, segundo o qual o projeto

de lei não altera a legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a

sistematizar normas já existentes, e, no segmento nuclear, expõe-se a opinião dos juízes

trabalhistas, segundo os quais o projeto interfere nas negociações entre patrões e

empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do

trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do

tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores.

Em 151, o locutor também opõe duas opiniões para apoiar uma delas (a que é

apresentada no segmento que traz argumento forte). No entanto, como, nesse caso, as

sequências são narrativas – o que representa que o objetivo principal é relatar os fatos –, as

opiniões/avaliações apresentadas ficam em segundo plano, diferentemente do que acontece

em 149 e 150113

.

Outra forma de dar maior destaque ao argumento defendido pelo locutor é imprimir

tom de crítica no segmento que traz esse argumento. No córpus analisado, o tom de crítica

vem, em geral, nos segmentos que desempenham a função de avaliação e/ou opinião. Para

tratar essa questão, exemplificam-se, primeiramente, as construções adversativas:

152) Ficasse apenas nisso, Hugo Chávez seria apenas um problema que, mais cedo ou mais

tarde, os venezuelanos teriam de resolver. Mas o coronel golpista, em seus delírios, acha que

é o centro do universo – e se comporta como tal. (OESP, 24/11/07)

153) Fosse ele um leigo anônimo, o seu jejum seria relegado pela mídia ao rodapé das

bizarrices do dia-a-dia. Mas, sendo um prelado católico, com o sacrifício auto-imposto,

abusou da autoridade moral da sua Igreja que o povo brasileiro, em sua maioria católico,

reconhece e acata. (OESP, 21/12/07)

Em ambas as ocorrências, há avaliação e/ou opinião nos dois segmentos da

construção. No entanto, uma das avaliações/opiniões apresentadas é mais destacada porque

está presente em segmento (o adversativo) que vem com crítica: em 152, a crítica fica

evidente, por exemplo, pela presença de expressões como golpista e em seus delírios e, em

153, pelo uso do termo abusou.

113 Como se verá mais adiante, quando se tratar do tipo textual narrativo, a apresentação, em segundo plano, de

avaliação/opinião de voz autorizada é uma estratégia do locutor.

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Há casos, ainda, em que a avaliação e/ou opinião apresentada no segmento

adversativo, além de vir com crítica, vem com ironia, como se vê nestes trechos:

154) De fato, a própria BBC por vezes é acusada de partidarismo. Mas o ministro parece

acreditar que a independência fica assegurada pelos 15 "representantes da sociedade civil"

no Conselho Curador – todos nomeados por Lula. (FSP, 02/12/07)

155) O Planalto pode não ser o que mais gasta, mas, sob Lula, gasta cada vez mais, com um

abandono de dar gosto – R$ 29 milhões na média mensal deste ano, ante R$ 18,5 milhões em

2003. (OESP, 21/11/07)

Quando há tom ironia no segmento adversativo, a presença da crítica fica ainda mais

evidente, pois, como diz Ducrot (1987), a ironia consiste em fazer ouvir uma voz que não é a

do locutor e que sustenta o insustentável.

Na construção concessiva, a crítica também pode ocorrer no segmento que traz

argumento defendido pelo locutor, como se vê a seguir:

156) Mas, embora os tribunais já tenham firmado entendimento sobre a matéria, o INSS

insiste em negar os benefícios reclamados pelos segurados, obrigando-os a procurar os

Juizados para defender seus direitos. (OESP, 29/10/07)

Em 156, o segmento nuclear traz avaliação e/ou opinião que vem com crítica, o que é

evidenciado pelo uso dos termos insiste e obrigando-os. Nesse caso, a crítica também serve

para dar maior destaque ao argumento apoiado pelo locutor, mas, diferentemente do que se dá

nas ocorrências de 152 a 155, há, ainda, o mecanismo de antecipação que também reforça o

argumento defendido.

A partir do que se mostrou, pode-se dizer que, tanto nas adversativas quanto nas

concessivas, é possível apresentar crítica no segmento que traz argumento defendido para

destacá-lo. Era de esperar que a crítica estivesse presente no segmento que traz argumento

forte, dado que ele funciona, em geral, como figura, plano que fica em maior evidência.

Contudo, observa-se que, especificamente nos casos das adversativas, a crítica pode estar

presente em ambos os segmentos da construção:

157) O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Itamaraty continuam absorvidos em planos

mirabolantes de exportação de etanol, cuja produção mal dá para atender à demanda

nacional, mas não demonstram preocupação quanto à produção e comercialização dos

alimentos, cuja demanda crescente em mercados de todo o mundo temos todas as condições

para atender. (OESP, 16/12/07)

158) Para isso, exerce pressão continuada sobre os meios de comunicação e, depois de

prometer “salvar o mundo”, apresenta-se como “salvador da pátria”... alheia – no caso a

Colômbia. Mas Chávez esquece que, no relacionamento com países soberanos, não pode

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empregar os mesmos métodos ditatoriais que usa no trato com os venezuelanos. (OESP,

27/11/07)

Em 157 e 158, há, em ambos os segmentos da construção, a função de avaliação e/ou

opinião, mas ela vem com crítica, o que contribui para destacá-la. Em 157, verifica-se que há

crítica no segmento inicial pela presença de expressões como planos mirabolantes e mal dá

para atender e, no segmento adversativo, pela presença de expressões como não demonstram

preocupação. Em 158, por sua vez, observa-se que há crítica no segmento inicial pela

ocorrência de expressões como exerce pressão continuada e, no segmento adversativo, pela

ocorrência de expressões como esquece que114

e métodos ditatoriais.

Pode-se perguntar por que é possível a presença de crítica também no segmento inicial

da construção adversativa, já que é no segmento adversativo que se mantém a “preferência”

(GARCÍA, 1994). Ressalte-se que, em 157, por exemplo, fica claro que é o argumento

presente no segmento adversativo que deve prevalecer pelo fato de que o texto progride

levando em conta esse argumento, como se observa neste excerto, presente em uma porção

anterior do editorial: O País continua, claramente, sem uma política de produção e de

comercialização para o agronegócio. Os agricultores, criadores e industriais ligados ao

setor podem fazer e têm feito muito para modernizar sua atividade, mas o governo não tem

acompanhado esse esforço.

Assim, a presença da crítica não é suficiente para fazer que o argumento do segmento

inicial prevaleça: apresenta-se crítica em ambos os segmentos da construção, mas a que vem

no segmento adversativo é a que prevalece. Em 157, interessa mostrar que o presidente e o

Itamaraty devem envolver-se na questão da produção e comercialização de alimentos e, em

158, interessa mostrar que Chávez não deve empregar métodos ditatoriais com os países

soberanos.

Pode-se entender que a crítica no segmento inicial da adversativa é favorecida pela

ausência de concessão nessa construção, como se vê em 157 e 158. A concessão, como diz

Monnerat (2001b), quando situada no início da argumentação, ou seja, no primeiro segmento

de uma construção, é uma estratégia “preventiva”: o locutor resguarda-se contra fortes

objeções ou poupa a face do outro. Nota-se que isso não ocorre em 157 e 158 (no segmento

inicial), pois a intenção do locutor não parece ser a de prevenir-se, mas a de atacar (por meio

de crítica).

114 Ressalte-se que essa expressão também vem com tom irônico.

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110

Como se vê, nas construções adversativas a avaliação e/ou opinião pode vir com

crítica tanto no segmento adversativo quanto no inicial, apesar de ser mais comum no

segmento adversativo.

Observa-se que, nas construções concessivas, por outro lado, a avaliação e/ou opinião

vem com crítica apenas quando aparece no segundo segmento da construção, como se vê em

156. Isso parece ocorrer porque a maioria das concessivas traz segmento adverbial anteposto.

Nesse caso, a concessão vem no início da argumentação, manifestando-se, em geral, o que

Monnerat (2001b) chama de estratégia “preventiva”, que, como se mostrou ainda há pouco,

não favoreceria a ocorrência de crítica no início da argumentação115

. Em 134, por exemplo, ao

reconhecer que o caráter protecionista da medida é óbvio, o locutor poupa a face do outro,

pois se coloca na posição daqueles que bradam contra ela (embora, em seguida, afirme que é

ocioso bradar contra ela). Em 135, por exemplo, ao afirmar que é difícil convencer o usuário,

o locutor já se previne contra fortes objeções, pois, em seguida, defende que o modelo ao qual

se refere é defensável. Nessas ocorrências, parece que não se tem a finalidade de atacar por

meio do conteúdo do segmento concessivo.

Essas observações contribuem para demonstrar que a concessão no primeiro segmento

da construção não favorece a presença de crítica nesse segmento. Restaria pensar por que, no

caso das adversativas, há a possibilidade de trazer crítica em ambos os segmentos ao mesmo

tempo. Isso se explicaria pelo fato de que os segmentos da construção adversativa se

encontram no mesmo plano, não havendo, assim, uma hierarquia entre eles. Dessa forma, se a

construção é iniciada com tom de crítica, espera-se que esse tom permaneça também no

segundo segmento da construção.

Até aqui, mostraram-se os casos em que estão presentes na construção adversativa e na

construção concessiva com tipo textual dissertativo a função de avaliação e/ou opinião (que

podem vir com crítica) e a de constatação, havendo motivações particulares para o uso de

cada construção. No entanto, essas não foram as únicas funções identificadas nesses dois tipos

de construção.

Verifica-se que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas, pode estar presente a

função de relativização, mas, quando isso ocorre, não deixa de haver a função de avaliação

115 Como se verá adiante, registrou-se 1 ocorrência de concessiva com sequência descritiva na qual há crítica no

segmento adverbial posposto. Nessa ocorrência, também não se exibe a estratégia preventiva, dado que a

concessão vem no final da construção. Daí ser favorecida, nesse caso, a presença de crítica.

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111

e/ou opinião, pois, para relativizar, é necessário avaliar116

. Inicia-se explicação a partir das

ocorrências de adversativas:

159) O Brasil deveria seguir esse exemplo, mas sem recair no estatismo populista. (FSP,

29/11/07)

160) É que não conseguem entender que os cárceres numa democracia sempre precisarão

existir, sim, mas sem horrores e sem privilégios. (OESP, 25/11/07)

161) Não há dúvida de que se trata de plano engenhoso, mas com suas limitações. (FSP,

14/12/07)

Em 159, diz-se que o Brasil deveria seguir o exemplo em uma condição específica e,

em 160, afirma-se que os cárceres precisarão existir em uma determinada condição. Em 161,

por sua vez, relativiza-se no segmento adversativo a eficácia do plano proposto pelo governo,

pois se considera que ele tem limitações. Assim, verifica-se que, nessas ocorrências, há

avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos, mas, no segmento adversativo, há, ainda,

relativização.

Nas ocorrências a seguir, da mesma forma que acontece nas adversativas, há avaliação

e/ou opinião em um dos segmentos e relativização em outro:

162) Perpassa o documento certo desconforto (que por vezes resvala no ciúme) diante da

adesão do governo Lula a um conjunto de políticas públicas identificado com os anos FHC.

Essa apropriação de fato ocorreu – embora a paternidade de instituições como a "rede de

proteção social", obra coletiva, não possa ser conferida apenas aos tucanos – e também

contribuiu para esvaziar o discurso do PSDB. (FSP, 21/11/07)

163) Nunca antes neste mundo, parafraseando o presidente Lula, as condições materiais de

existência de tantas centenas de milhões de pessoas mudaram espetacularmente para melhor

em tão pouco tempo – embora os beneficiários desse salto quântico ainda sejam apenas mais

ou menos 1/3 da população de 1,3 bilhão. (OESP, 22/10/07)

Em 162, o segmento concessivo traz relativização para indicar que a apropriação

ocorrida não é decorrente apenas da paternidade que é atribuída aos tucanos. Em 163, por sua

vez, relativiza-se, no segmento concessivo, a melhora das condições materiais da população,

pois se diz que os beneficiários correspondem a apenas cerca de um terço da população.

Observa-se que os segmentos adversativos e os concessivos que cumprem a função

relativizadora têm, necessariamente, valor semântico de restrição, o que não é de estranhar,

116 Não se apresentam, aqui, porcentagens atinentes à função de relativização porque, como se disse, a ocorrência

de tal função já implica a presença de avaliação.

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112

pois, para relativizar, o falante volta ao que foi enunciado anteriormente, fazendo alguma

delimitação.

No entanto, verifica-se que, nas adversativas, a relativização vem no segmento que

traz argumento forte, como se vê nas ocorrências de 159 a 161, e, nas concessivas, no

segmento que traz argumento fraco, como ocorre em 162 e 163.

Essa diferenciação, de certa forma, chama a atenção, pois é de esperar que o papel de

relativizar ou de restringir seja incumbido ao locutor, e não ao interlocutor. Seguindo-se essa

linha de raciocínio, pode-se pensar que a função relativizadora não apareceria no segmento

concessivo, já que este traz argumento que não é defendido pelo locutor (ou seja, argumento

fraco).

Entretanto, observa-se que, em 162 e 163, ocorre o que Gouvêa (2002) chama de

“mudança de posição” do locutor, caso em que a voz do locutor aparece no segmento que traz

argumento fraco. Analisando o fenômeno de concessão em textos jurídicos, a autora mostra

que a voz do locutor (o juiz) pode aparecer no segmento que traz argumento fraco para

priorizar, por exemplo, por motivações particulares, o ponto de vista da lei, que é expresso no

segmento que apresenta argumento forte.

Em 162, a mudança de posição do locutor acontece para fazer prevalecer o ponto de

vista de um partido brasileiro (o PSDB), que apresenta documento no qual perpassa certo

desconforto (...) diante da adesão do governo Lula a um conjunto de políticas públicas

identificado com os anos FHC. Em 163, por sua vez, a mudança de posição do locutor ocorre

para priorizar o ponto de vista do governo chinês, já que se trata, no editorial, do

desenvolvimento da China, que é enfatizado por esse governo. Fica claro que é o governo

chinês que enfatiza o desenvolvimento do país neste trecho, que aparece no fechamento do

editorial: Hu enfatizou no discurso de abertura que a maior conquista nos últimos cinco anos,

ou seja, a dele, foi “o desenvolvimento rápido”. Assim, pode-se dizer que o locutor teria

optado por deixar em maior evidência o ponto de vista do governo chinês porque pretendia

dar maior ênfase ao rápido desenvolvimento da China do que às conquistas que ainda

deveriam ocorrer no país.

Pelo que se mostrou, verifica-se que tanto as adversativas quanto as concessivas

podem trazer relativização, mas, como se viu, nas concessivas, diferentemente do que

acontece nas adversativas, a relativização vem apresentada no segmento que traz argumento

fraco. Assim, é possível dizer que a opção pelo uso de uma construção concessiva com função

relativizadora em vez de uma adversativa com essa função poderia ser devida à necessidade

(determinada pelo contexto de uso) de fazer prevalecer o ponto de vista do interlocutor.

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Dessa forma, a partir do recorte selecionado, pode-se dizer que a mudança de posição

do locutor nas concessivas seria decorrente da presença de restrição, ou relativização, no

segmento adverbial concessivo, que traz argumento fraco, pois, como já se disse, caberia ao

locutor restringir, relativizar.

Por outro lado, observa-se que em algumas ocorrências nas quais se manifesta a

função constatativa também ocorre a mudança de posição do locutor, como exemplificam

estes trechos:

164) Com 25% das intenções de voto, [Marta Suplicy] está em empate técnico com Alckmin,

mas vem dizendo que não disputará o cargo. (FSP, 13/12/07)

165) Embora nada disso esteja sendo feito, o embaixador Hugueney afirmou que “o

Mercosul é prioridade absoluta para o Brasil, por isso a negociação tem de tornar

compatível a liberalização multilateral com a integração regional. (FSP, 12/10/07)

Em 164 o locutor se posiciona no segmento que traz argumento fraco (o inicial), que

aponta para a conclusão de que Marta concorrerá à disputa, pois, em uma porção posterior do

editorial, o locutor reconhece que A verdade é que os três [candidatos] estão quase

condenados a concorrer.

Em 165 o locutor também se posiciona no segmento que traz argumento fraco (o

concessivo), que aponta para a conclusão de que o Mercosul não tem sido tratado como

prioridade. A partir da observação do trecho que acompanha essa construção concessiva, isso

fica ainda mais claro: O discurso não comoveu os representantes de Paraguai e Uruguai, os

outros membros plenos do Mercosul.

Quando há mudança de posição do locutor, o segmento que traz argumento forte pode

constituir um relato, como se vê em 164 e 165. Isso se justifica pelo fato de que, dessa forma,

o locutor coloca em destaque afirmações feitas por pessoas entrevistadas, criando, assim, uma

“imagem” de imparcialidade, preceito forte no âmbito jornalístico, que visa a que o leitor

forme sua própria opinião a respeito dos fatos. Em 164 e em 165, com o intuito de transmitir

essa “imagem” de imparcialidade, o locutor muda de posição para colocar em xeque de

forma mais discreta a veracidade das afirmações feitas pelas pessoas entrevistadas (por

Marta Suplicy e por Hugueney em 164 e 165, respectivamente).

A partir disso, pode-se dizer que uma das motivações para a presença da função

constatativa (ligada, por vezes, a relato) em ambos os segmentos das adversativas (em 4% dos

casos) e das concessivas (em cerca de 14% no córpus inicial e no de controle) seria o

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propósito de trazer mudança de posição, criando uma imagem de imparcialidade: apresentam-

se duas constatações, mas a que prevalece é a do interlocutor.

Ressalte-se que, quando há mudança de posição, não deixa de estar envolvida, nas

adversativas e nas concessivas, a “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Verifica-se que,

nesses casos, embora a voz do locutor apareça no segmento que traz argumento fraco, a

preferência está presente no segmento que traz argumento forte, como ocorre em 164 e 165,

dando-se credibilidade à voz do interlocutor.

Até aqui, tratou-se das funções textuais presentes tanto nas adversativas quanto nas

concessivas com tipo textual dissertativo, apontando-se as possíveis motivações de uso dessas

construções. Cabe acrescentar que, no córpus analisado, há quatro funções que se manifestam,

especificamente, nas adversativas com tipo dissertativo, a justificativa (em quase 2% das

ocorrências), a questionadora (em pouco mais de 2% das ocorrências), a volitiva (em 0,5%

das ocorrências) e a preditiva (em quase 2% de ocorrências). Embora tais funções apareçam

com pouca frequência, se forem somadas as porcentagens, elas totalizam em cerca de 6%.

Acredita-se que a “ligação” frouxa presente na construção adversativa, ou seja, a

(relativa) independência entre os segmentos, da mesma forma que contribui para a ocorrência

de maior variedade de valores semânticos, também favorece a presença de um maior leque de

funções textuais. No entanto, há de se notar que a limitação do córpus também pode ter

influído na presença de menor variedade de funções textuais nas concessivas. De qualquer

forma, trata-se dos casos em que as adversativas exibem as funções referidas. Comentam-se

esses casos a seguir, iniciando com as ocorrências que trazem função justificativa:

166) Realmente, esse “direito à nossa vez”, que parece “justo”, mais justo seria se houvesse

muitos globos terrestres disponíveis e muito mais tempo para degradá-los. Mas, quando

houve a Revolução Industrial, a humanidade ainda não conhecia os efeitos do aquecimento

global. (OESP, 18/12/07)

167) As pessoas têm uma compreensível empatia com o sofrimento de animais. Sentem

repulsa diante de procedimentos que possam causar estresse, dor ou até a morte de cobaias.

Mas, infelizmente, não existem métodos alternativos ao emprego de animais em vários

estudos imprescindíveis para criar tratamentos destinados a curar seres humanos. (FSP,

12/11/07)

A função justificativa é expressa no segmento adversativo, o que era de esperar, já que

caberia ao locutor, e não ao interlocutor, fazer uma justificativa. Pode-se dizer que tal função

seria mais uma das funções acionadas para convencer o locutor, pois, ao justificar, o locutor

demonstra a pertinência do argumento defendido.

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115

Em 166, o locutor explica, no segmento adversativo, por que não há muitos globos

terrestres disponíveis e muito mais tempo para degradá-los. É interessante notar que, nessa

ocorrência, há, ainda, expressão avaliativa/opinativa no segmento inicial (realmente), que já

antecipa que o argumento do locutor prevalecerá. Assim, tanto a função justificativa quanto a

antecipação contribuem para revelar que o argumento trazido no segmento adversativo é o do

locutor. Em 167, por sua vez, o locutor justifica, no segmento adversativo, o uso de métodos

que causam estresse em animais.

No córpus analisado identificaram-se, ainda, adversativas que exibem a função

questionadora, como se exemplifica a seguir:

168) Mais uma vez, o PMDB apresenta a conta ao governo federal: terá o Ministério dos

Transportes. Mas que PMDB? (FSP, 26/12/07)

169) “Se não houver nenhuma negociação, cumpriremos a qualquer momento a decisão da

Justiça”. Mas como assim? (OESP, 12/12/07)

170) Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no

País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do

padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto

demais é apenas um dos problemas da TV digital. (OESP, 08/12/07)

Como se vê, a função questionadora pode estar presente tanto no segmento

adversativo, tal como ocorre em 168 e 169, quanto no segmento inicial, como acontece em

170. No entanto, em 80% dos casos essa função aparece no segmento adversativo, o que

corresponde à expectativa, pois o questionamento seria uma das funções acionadas pelo

locutor para reforçar a argumentação.

Em 168, questiona-se algo que é apresentado no segmento inicial. Nesse caso, o

questionamento serve para requerer outro tipo de informação ainda não explicitada: pergunta-

se a quais políticos do partido (do PMDB) se faz referência. Em 169, questiona-se a atitude

tomada por quem faz a declaração apresentada entre aspas. Em 170, no segmento inicial

questiona-se para levantar uma hipótese. Em alguns casos, o questionamento vem com tom de

crítica, como acontece nas ocorrências 169 e 170, nas quais ele serve para colocar em xeque a

atitude tomada por alguém. Como se percebe, as funções se acionam segundo diversas

motivações.

Observa-se que, quando há questionamento no segmento adversativo, o valor

semântico presente nesse segmento é o de restrição. Isso não surpreende, pois, como se

mostrou no capítulo 2, Neves (2000) aponta casos nos quais o segmento adversativo restritivo

ocorre em início de turno, como questionamento a algo que já foi enunciado.

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Essa já seria uma diferença em relação às concessivas: nas adversativas, o valor

semântico de restrição favoreceria a presença da função de relativização e de questionamento,

ao passo que, nas concessivas, esse valor favoreceria a presença apenas da relativização.

Por outro lado, pelo que sugerem os dados obtidos na análise, o valor de restrição, seja

no segmento adversativo, seja no segmento concessivo, favorece o aparecimento da função

discursiva de adendo, pois essa função aparece apenas em segmentos (adversativos e

concessivos) restritivos, contribuindo, assim, para reforçar argumento presente nesses

segmentos. Parece que isso ocorre porque, para que se faça uma restrição, é necessária uma

volta ao que foi enunciado; a própria restrição seria algo (uma informação ou um argumento)

a ser acrescentado ao que já se disse, sendo compatível, portanto, com a natureza de adendo,

que constitui uma pós-reflexão ao que foi enunciado.

Nas adversativas, além do valor de restrição, a conexão enunciado-enunciado, que se

manifesta em quase 36% das adversativas restritivas com tipo textual dissertativo – como nas

ocorrências de 168 a 170 –, também contribui para a ocorrência de adendo, pois, nesse tipo de

conexão, há uma maior pausa entre os segmentos. De qualquer forma, a conexão entre

enunciados não é imprescindível para a manifestação de adendo, pois as concessivas com

adendo não trazem tal tipo de conexão.

Apesar disso, verifica-se uma diferença entre as adversativas restritivas e as

concessivas restritivas com adendo. Nas adversativas, o adendo restritivo aparece em

segmento adversativo que apresenta questionamento, como em 168 e 169, avaliação e/ou

opinião, como em 170, ou relativização, tal como se vê nesta ocorrência:

171) Devido ao encarecimento dos alimentos, antecipava-se uma taxa relativamente salgada,

mas nem tanto. (FSP, 26/12/07)

Nesse caso, volta-se ao que foi enunciado anteriormente para relativizar a elevação da

taxa.

Nas concessivas, por outro lado, o adendo restritivo aparece apenas quando o

segmento adverbial apresenta relativização, como se vê em 163, por exemplo. No entanto, não

é possível chegar a conclusões definitivas pelo baixo número de concessivas restritivas no

córpus.

De qualquer forma, a partir do recorte selecionado para análise, pode-se afirmar que

uma das possíveis motivações para o uso das adversativas em vez das concessivas seria, por

exemplo, a necessidade de haver adendo restritivo em segmento que tem a função de

questionamento.

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Saliente-se que não é possível verificar em qual das construções em questão o adendo

restritivo aparece com mais recorrência, pois, nas concessivas pospostas com sequência

dissertativa, é apenas no córpus de controle que se manifesta o adendo restritivo: em 100%

dos casos. Nas adversativas, por outro lado, o adendo restritivo aparece em 11% dos casos.

Por outro lado, a função discursiva de guia aparece frequentemente no segmento

concessivo anteposto com sequência dissertativa (em 86% e em cerca de 91% dos casos no

córpus inicial e no de controle, respectivamente). São amostras:

172) Embora seja difícil convencer o usuário disso, o modelo paulista é defensável. (FSP,

15/11/07)

173) Embora o argumento possa explicar em parte a atitude, jamais terá o poder de justificá-

la. (FSP, 13/11/07)

Nessas ocorrências, o segmento concessivo orienta para o que virá posteriormente. Por

vezes, além de se orientar, antecipa-se algo sobre a objeção que o locutor fará ao argumento

do interlocutor. No primeiro caso, ao se afirmar que é difícil convencer o usuário de algo, já

se antecipa que se apresentará um argumento para convencer. No segundo caso, ao se dizer

que o argumento pode explicar em parte a atitude, já se antecipa que será considerado que o

argumento não justifica de todo a atitude.

Sendo assim, verifica-se que, nos segmentos concessivos antepostos, além de se

orientar para o conteúdo que virá posteriormente, por vezes já se faz certa delimitação desse

conteúdo, contribuindo, assim, para reforçar o argumento a ser defendido. Essa seria uma

diferença em relação às adversativas, nas quais, pela posição fixa, não se orienta conteúdo e

não se delimita algo sobre a objeção a ser feita.

De qualquer forma, nas adversativas há, como se disse, uma maior variedade de

funções textuais. Outra função textual encontrada especificamente nessas construções é a

volitiva, como se verifica nesta ocorrência:

174) Antes fosse assim. Mas seria preciso um contingente multimilionário de investigadores e

delegados para que os prejuízos acarretados pela fisiologia viessem a eliminar-se

significativamente do cenário. (FSP, 26/12/07)

Nesse trecho, o segmento adversativo tem função avaliativa e/ou opinativa, mas, no

segmento inicial, manifesta-se a função volitiva, pois a expressão antes fosse assim sugere

que o locutor quereria/desejaria que algo ocorresse. Não é de estranhar que a função volitiva

apareça no segmento inicial, pois o locutor diz o que se desejaria que ocorresse para, em

seguida, fazer uma restrição, avaliando em quais condições ocorreria o que se deseja.

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Por fim, também se identificou na construção adversativa a função preditiva, como se

vê neste excerto:

175) As novas regras entrarão em vigor em abril de 2008, mas até lá nada impedirá novos

reajustes. (OESP, 09/12/07)

Nessa ocorrência, no segmento inicial se prevê quando as novas regras entrarão em

vigor, daí a função preditiva. No segmento adversativo, embora se possa dizer que é previsto

que até lá nada impedirá novos reajustes, fica em primeiro plano uma avaliação e/ou opinião

apresentada pelo locutor, pois outra pessoa poderia considerar que se impediriam novos

reajustes.

Nas concessivas também se identificaram casos em que a previsão vem em segundo

plano, como se observa nesta ocorrência:

176) Embora não preocupe no curto prazo, esse fenômeno será danoso caso se prolongue.

(FSP, 27/10/07)

Em 176, no segmento nuclear prevê-se que o fenômeno será danoso (caso se

prolongue), mas, ao mesmo tempo, avalia-se que ele será danoso.

Embora também se apresente previsão em certas construções concessivas, é apenas

nas adversativas que a função preditiva por vezes aparece sem ser sobreposta à função

avaliativa e/ou opinativa117

.

De qualquer forma, a função preditiva nas adversativas é pouco frequente, como já se

mostrou, o que se justificaria pelo fato de que, no editorial, dada a sua natureza

argumentativa, não basta, simplesmente, prever, mas avaliar a possibilidade de algo ocorrer,

orientando o leitor.

A partir do que foi exposto, observa-se que as adversativas e as concessivas que

apresentam tipo textual dissertativo trazem, muitas vezes, as mesmas funções, como a de

avaliação e/ou opinião e a de constatação. No entanto, as particularidades das adverbiais

concessivas influem para determinar a diferenciação entre essas construções.

Como se viu, mesmo que haja antecipação nas adversativas que trazem a função de

avaliação e/ou opinião, nas concessivas que possuem tal função produzem-se outros efeitos,

pelo fato de a antecipação ser decorrente da flexibilidade da posição sintática. Verificou-se,

também, que pode haver antecipação nas adversativas apenas quando o segmento inicial tem

117 A porcentagem de adversativas com função preditiva (2% de ocorrências), apresentada anteriormente, diz

respeito aos casos em que a ela não se sobrepõe a função avaliativa/opinativa.

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função de avaliação e/ou opinião, ao passo que, nas concessivas, isso pode ocorrer

independentemente da função presente, o que também se deve à flexibilidade de posição

destas últimas. Assim, é principalmente nas concessivas que se reforça, por meio do

mecanismo de antecipação, argumento defendido pelo locutor.

Nas adversativas, por outro lado, há possibilidade de destacar argumento defendido

quando se opõem opiniões de vozes autorizadas, fazendo prevalecer uma delas, e quando se

apresenta crítica no segmento adversativo.

Nas concessivas, também pode haver crítica, que serviria para atacar, mas, nestas, está

presente, sobretudo, a estratégia preventiva, favorecida pela anteposição do segmento

adverbial.

Observou-se que as adversativas e as concessivas também exibem a função de

relativização. Entretanto, naquelas, tal função aparece no segmento que traz argumento forte,

e nestas, no segmento que apresenta argumento fraco. Neste último caso, ocorre mudança de

posição do locutor para fazer prevalecer, estrategicamente, o ponto de vista do interlocutor.

A mudança de posição também ocorre, tanto nas adversativas quanto nas concessivas,

quando está envolvida a função constatativa. Nesse caso, também se dá voz ao interlocutor

estrategicamente.

Observou-se, também, que há uma maior variedade de funções nas adversativas –

apenas nelas há as funções justificativa, questionadora, volitiva e preditiva –, variedade que se

atribui ao caráter paratático dessas construções.

Na análise empreendida, também se levou em conta de que modo os valores

semânticos das adversativas e das concessivas influem para determinar diferentes efeitos de

sentido.

Observou-se que, nas adversativas, não há antecipação quando está presente o valor de

contraste, pois as adversativas constrastivas em geral não expressam concessão. Ademais,

notou-se que as concessivas muitas vezes não operam antecipação quando está envolvido o

valor de restrição, que favoreceria a posposição.

Além disso, verificou-se que o sentido de restrição favorece o aparecimento da função

de relativização nas adversativas e nas concessivas e de questionamento nas adversativas em

específico. Por outro lado, tanto nas adversativas quanto nas concessivas o valor de restrição

contribui para a presença de adendo, função discursiva acionada para reforçar argumento

defendido pelo locutor. No entanto, nas concessivas, a função discursiva mais recorrente, e

que lhe é particular, é a de guia, que contribui, por exemplo, para delimitar conteúdo a ser

apresentado, antecipando o que será objetado.

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Assim, embora as adversativas e as concessivas que trazem tipo textual dissertativo

sejam utilizadas, em geral, para convencer, cada uma dessas construções ocorre em contextos

particulares. De qualquer forma, ambas as construções se aproximam por se manifestarem na

“lei da preferência” (GARCÍA, 1994).

B) Adversativas e concessivas com tipo textual narrativo

No córpus analisado, as construções adversativas e as construções concessivas com

tipo textual narrativo trazem a função de constatação ou de avaliação/opinião.

No que diz respeito às adversativas, observa-se que, na maioria das vezes, a função

presente nos segmentos é a de constatação. Em pouco mais de 70% das ocorrências com tipo

textual narrativo, há função de constatação em ambos os segmentos da construção.

Apresentam-se algumas ocorrências para exemplificação:

177) Naquele dia, um ataque em Karachi (sul) matou mais de 130 pessoas que festejavam seu

retorno de oito anos de exílio, mas Benazir escapou. (FSP, 28/12/07)

178) Depois que a UE fracassou em seu intento de aprovar uma resolução mais dura,

chegou-se à solução de consenso de estender por mais um ano o mandato da enviada

especial de direitos humanos da ONU ao Sudão, Sima Samar, mas ela perdeu sua equipe de

apoio de sete investigadores especiais, que não tiveram seus mandatos renovados. (FSP,

15/12/07)

179) Foram reformadas as instalações e adquiridos equipamentos – mas a prioridade do

programa era outra. (OESP, 26/12/07)

180) A presidente da entidade, Maria Alice Soares, não se opõe à exigência de estágio

probatório aos docentes, diretores de escolas e funcionários de nível técnico da Secretaria da

Educação, mas questiona alguns pontos do decreto. (OESP, 19/11/07)

181) No começo, as autoridades brasileiras até resistiram à proposta de criação do Banco do

Sul, mas acabaram concordando – como tem ocorrido em outras negociações com parceiros

da região. (OESP, 11/12/07)

Nessas ocorrências, fica evidente que a função é constatativa porque se apresentam

fatos/eventos ocorridos. Em 177, por exemplo, é fato que um ataque em Karachi matou mais

de 130 pessoas e é fato que Benazir escapou.

Nas construções adversativas com tipo textual narrativo, a maior ocorrência da função

constatativa, ligada a relato, é devida ao fato de que, no editorial, o relato serve para informar

o leitor sobre os fatos ocorridos. Antes de avaliar os fatos e opinar sobre eles, o jornalista deve

oferecer ao leitor um panorama geral sobre esses fatos, que aparece, em geral, na introdução

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do editorial. Parece ser por isso que as construções adversativas que ocorrem no início do

editorial apresentam, muitas vezes, sequências narrativas, como é o caso das ocorrências 177

e 179.

No que concerne às concessivas, verifica-se que também há casos em que a função de

constatação está presente, como nestas ocorrências:

182) Embora tenha acatado o argumento brasileiro de que a proibição se deve a razões

ambientais e à necessidade de proteção da saúde da população, a OMC considerou que, se

quiser mesmo evitar problemas sanitários e ambientais, o governo brasileiro tem de proibir

todas as importações, e não apenas as procedentes da UE. (OESP, 05/12/07)

183) Embora o estudo pondere que em relação ao PIB per capita o valor não seja baixo,

indica que, em física e química, a remuneração desestimula a opção pelo magistério. (FSP,

31/10/07)

184) Embora Vaccarezza tenha divulgado nota afirmando que o projeto de lei não altera a

legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a sistematizar normas já

existentes, juízes trabalhistas afirmam que o projeto interfere nas negociações entre patrões e

empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do

trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do

tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores. (OESP,

29/10/07)

Nesses casos também se verifica que a função de constatação se liga a relato de fatos

ocorridos. Em 182, por exemplo, é fato que a OMC acatou o argumento brasileiro e é fato que

a OMC considerou que o governo brasileiro deve proibir todas as importações.

Nas concessivas, a função de constatação está presente em quase 17% das ocorrências

com tipo textual narrativo. Como se vê, essa porcentagem é bem inferior àquela referente às

adversativas, o que pode se dever ao baixo número de concessivas com tipo textual narrativo

no córpus inicial (6 ocorrências). Observa-se que, no córpus de controle, a porcentagem passa

a corresponder a 40%, mas, ainda assim, não é possível concluir se, nas concessivas, a função

constatativa é frequente, dado que no córpus de controle o número de construções

identificadas também é baixo (10 ocorrências).

A partir do que se mostrou, pode-se dizer que a função constatativa está presente nas

construções adversativas e nas concessivas quando se pretende informar, pois tal função é

relacionada a relato de fatos. No entanto, ficaria o seguinte questionamento: se as adversativas

e as concessivas que apresentam sequências narrativas têm função constatativa, servindo,

assim, para informar, por que fazer uso de uma construção de natureza contrastiva (em vez de

proposições simples) para informar?

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A questão é que as adversativas e as concessivas com sequências narrativas e função

constatativa não são utilizadas, simplesmente, para informar. Observa-se que as conjunções

mas e embora acionam uma oposição (em sentido lato) entre os fatos, de forma a provocar no

leitor surpresa quando se apresenta o segundo fato ocorrido (aquele que vem no segundo

segmento da construção). Como mostram Grote et al. (1997), as construções que trazem

concessão podem ser utilizadas para informar sobre eventos inesperados. Considera-se, aqui,

que, por vezes, mesmo quando não há concessão, as construções adversativas podem, de

forma evidente, trazer informação sobre eventos ou acontecimentos inesperados, como se verá

adiante.

Assim, pode-se dizer que tanto nas adversativas com constatação quanto nas

concessivas com constatação pode ser criado efeito de surpresa, que contribuiria para que o

leitor não criasse expectativas equivocadas em relação aos fatos ocorridos, já que um dos

atributos do jornalismo é a precisão da informação. Além disso, esse efeito serviria também

para “prender” a atenção do leitor. Como diz Bond (1962), o editorialista procura meios para

captar o interesse do leitor por meio, por exemplo, do método de apresentá-los. Uma das

formas seria, assim, relatar fatos por meio de construções contrastivas (adversativas e

concessivas), produzindo efeito de surpresa.

Observa-se que determinados valores semânticos podem contribuir para que esse

efeito fique ainda mais evidente. Um deles é compartilhado pelas adversativas e pelas

concessivas, o de negação de inferência, que está presente, por exemplo, nas ocorrências 179

e 182.

Em 179, o conteúdo do segmento adversativo nega a inferência que se tira a partir do

conteúdo do segmento inicial: a de que era prioridade reformar as instalações e adquirir

equipamentos. Em 182, da mesma forma, o conteúdo do segmento nuclear nega a inferência

que se faz a partir do conteúdo do segmento concessivo: a de que a OMC não acatou o

argumento brasileiro.

Por outro lado, nos casos em que as adversativas e as concessivas têm valor de

contraste, como em 180, 181 e 184, dificilmente se produz efeito de surpresa. Dessa forma,

essas construções serviriam, simplesmente, para opor fatos ou eventos. Em 180, por exemplo,

contrasta-se o fato de que Maria Alice Soares não se opõe à exigência de estágio ao fato de

que ela questiona alguns pontos do decreto. Em 184, opõem-se dois pontos de vista, o de

Vacarezza, que considera que o projeto não altera a legislação trabalhista de forma

significativa, e o de juízes trabalhistas, que julgam que esse projeto altera a legislação de

forma significativa.

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Era de esperar que o valor de negação de inferência, em específico, contribuísse para

criar o efeito de surpresa, dado que, ao negar-se inferência, tem-se o contrário do que se

pensa, ficando quebrada a expectativa, como se vê em 179 e em 182, por exemplo.

Parte-se do pressuposto de que o valor semântico de eliminação, próprio das

adversativas, também contribui para deixar mais evidente o efeito de surpresa, pois a

interrupção de ações e processos quebra a expectativa, como se verifica nesta ocorrência:

185) Os estudos e as propostas do empresariado cobravam do governo mais investimentos,

regras mais claras e duradouras para as ações da iniciativa privada, inclusive em parceria

com o setor público, e melhora da qualidade da administração dos portos.

Mas, agora, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conclui que só com a gestão

privada será possível dar eficiência à administração dos portos e eliminar de vez os riscos da

ingerência política, que afetam a qualidade das operações portuárias e comprometem a

competitividade dos produtos brasileiros. (OESP, 23/12/07)

Em 185, o conteúdo presente na porção adversativa deixa implícito que houve uma

interrupção de ação. Se, agora, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conclui que só

com a gestão privada será possível resolver os problemas, fica sugerido que se deixa de cobrar

do governo mais investimentos, regras mais claras e duradouras para as ações de iniciativa

privada e melhora na administração dos portos. Pode-se dizer que essa interrupção de ação

não era esperada, daí produzir-se efeito de surpresa, apesar de a construção exemplificada não

apresentar concessão.

No entanto, nem todas as construções adversativas com valor de eliminação produzem

efeito de surpresa, como se vê neste trecho:

186) No começo o Brasil até tentou embargar – mas desistiu – o texto da Organização das

Nações Unidas (ONU) que concita o País a indenizar as vítimas de torturas em suas prisões,

afirma que a impunidade dos autores desses crimes prisionais, no Brasil, é regra, além de

enfatizar que aqui as cadeias são “imundas, desumanas e asfixiantes”. (OESP, 25/11/07)

Em 186, há, no segmento inicial, os termos no começo e até, que contribuiriam para

antecipar ao leitor que a ação de embargar será interrompida.

Isso não significa, porém, que apenas quando está envolvido o valor semântico de

eliminação o efeito de surpresa pode não ficar tão evidente. As adversativas e as concessivas

com negação de inferência, apesar de expressarem, em geral, concessão, também não

manifestam de forma tão clara esse efeito em certos casos, como se vê em 183.

A partir disso, observa-se que, para que haja efeito de surpresa, é importante a

presença de concessão e/ou dos valores semânticos de negação de inferência e de eliminação

(embora, em alguns casos, esse efeito não se manifeste de forma clara). Isso parece justificar a

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frequência significativa de adversativas com negação de inferência e com eliminação em

sequências narrativas: essas construções seriam utilizadas para informar sobre fatos/eventos

inesperados. As concessivas com negação de inferência, por outro lado, aparecem com menos

frequência em sequências narrativas (em cerca de 18% dos casos), resultado que pode ter sido

influenciado pelo baixo número de ocorrências registradas no córpus (6 concessivas).

Como se viu até aqui, tanto as adversativas quanto as concessivas com função

constatativa são utilizadas, muitas vezes, para informar sobre fatos inesperados, criando-se

efeito de surpresa, que pode ficar ainda mais evidente quando está presente o valor de

negação de inferência e de eliminação (este último, no caso das adversativas, em específico).

Entretanto, verifica-se que, em alguns casos, fica em segundo plano, nas construções

em estudo, o propósito de convencer o leitor, como se exemplifica a seguir:

187) A OMC acatou o argumento do governo brasileiro de que o Brasil rejeita a importação

de pneus usados em razão dos problemas ambientais e de saúde pública que eles provocam,

como a dificuldade para sua destinação final e a proliferação de insetos causadores de

diferentes moléstias nos depósitos desses produtos. Mas decidiu que, se o Brasil fecha seu

mercado para a UE, deve fechá-lo para todos os países. (OESP, 05/12/07)

188) Embora tenha acatado o argumento brasileiro de que a proibição se deve a razões

ambientais e à necessidade de proteção da saúde da população, a OMC considerou que, se

quiser mesmo evitar problemas sanitários e ambientais, o governo brasileiro tem de proibir

todas as importações, e não apenas as procedentes da UE. (OESP, 05/12/07)

Nessas ocorrências, a avaliação feita pela OMC (a de que o governo brasileiro deve

proibir todas as importações) serve para sustentar a argumentação do locutor, já que este adere

ao ponto de vista da OMC. Isso fica claro porque, no editorial, o locutor apresenta, por

exemplo, o seguinte argumento: Se vale para um, a proibição deve valer para todos.

Considera-se, aqui, que a apresentação de avaliação e/ou opinião em segundo plano,

tanto em adversativas quanto em concessivas com função constatativa, seria uma espécie de

estratégia do locutor para fazer que o interlocutor adira ao seu ponto de vista. Observa-se que,

quando há avaliação e/ou opinião em segundo plano, recorre-se a vozes autorizadas: em 187 e

188, por exemplo, mostra-se o ponto de vista da OMC, que serviria para sustentar o ponto de

vista do locutor, como já se apontou.

No entanto, observa-se que, nas concessivas com tipo textual narrativo, sempre fica

em segundo plano o objetivo de convencer o interlocutor, ao passo que, nas adversativas que

trazem esse tipo textual, tal propósito pode não estar presente, como se vê nas ocorrências

177, 178, 179 e 181. Parece que essa diferença se deve ao fato de que a maioria das

concessivas com tipo textual narrativo traz segmento adverbial anteposto, o que, como já se

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disse, permite a antecipação, mecanismo utilizado para convencer o interlocutor de algo (já

que, por meio dele, é possível reforçar argumento defendido pelo locutor). Assim, as

concessivas com tipo textual narrativo, apesar de serem utilizadas para informar, serviriam à

função argumentativa.

Nas adversativas, isso ocorre, em geral, quando está presente a função de avaliação

e/ou opinião, que aparece, na maioria das vezes, em ambos os segmentos da construção, como

se vê a seguir:

189) Os setores que há tempos vêm liderando as vendas (móveis, eletrodomésticos e

equipamentos de informática e comunicação) desaceleraram um pouco. Mas houve forte

reação das vendas dos supermercados, que nos meses anteriores, prejudicadas pelo

encarecimento dos alimentos, vinham se revelando pouco dinâmicas. (FSP, 18/11/07)

Em 189, pode-se dizer que há avaliação porque no segmento inicial se afirma que os

setores desaceleraram um pouco e no segmento adversativo diz-se que houve forte reação

das vendas dos supermercados. Fica claro que não se pretende, simplesmente, informar, pois a

avaliação trazida no segmento adversativo serve para sustentar a argumentação do locutor.

Entretanto, em menos da metade das adversativas com sequência narrativa (em pouco

mais de 27% das ocorrências) há função de avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos.

Essa função é mais comum em sequências dissertativas e em sequências descritivas, o que

pode dever-se ao fato de que estas, diferentemente das sequências narrativas, não colocam

ênfase em ações situadas em um determinado tempo, mas abstraem o tempo para discutir os

fatos (nas sequências dissertativas) e para caracterizar os fatos (nas sequências descritivas).

Nas concessivas, por sua vez, não se encontraram casos em que há avaliação e/ou

opinião em ambos os segmentos da construção. Apesar disso, essas construções também

serviriam para sustentar ponto de vista do locutor, pois, como se mostrou, elas trazem, em

segundo plano, o propósito de convencer o interlocutor.

Quando a função avaliativa e/ou opinativa está presente nas concessivas, ela vem em

apenas um dos segmentos da construção, trazendo-se no outro segmento a função

constatativa, como se vê a seguir:

190) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a

julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.

(FSP, 31/12/07)

191) Mas a oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na

Comissão. (OESP, 06/12/07)

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Em 190, é fato que o Ministério do Meio Ambiente comemorou, mas não seria

necessariamente um fato que ele se acomodou, pois essa é uma avaliação e/ou opinião do

locutor. Da mesma forma, em 191, é fato que a oposição aprovou as inovações, mas não seria

simplesmente um fato que ela não se contentou, pois essa é uma avaliação e/ou opinião do

locutor.

Observa-se que, nas concessivas analisadas, quando há avaliação, essa função ocorre

em geral no segmento que traz argumento forte (ou seja, no segmento nuclear), como se vê

em 190 e 191. Parece que isso contribui para deixar mais marcado o contraste entre figura e

fundo na construção concessiva, pois a figura, como elemento mais saliente, traz função que

resulta de um posicionamento pessoal do locutor (a avaliativa e/ou opinativa).

Em relação às adversativas, também se identificaram casos em que há constatação em

um dos segmentos e avaliação e/ou opinião em outro:

192) No projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para a elaboração do Orçamento

de 2006, o Executivo propôs a fixação de um teto de 17% do PIB para as despesas correntes,

mas a idéia foi abandonada. (OESP, 18/11/07)

193) A reciclagem do lixo começou a ser discutida na capital na gestão Luiza Erundina

(1989-1992), que chegou a criar um programa de coleta seletiva no fim do governo. Mas,

depois disso, a Prefeitura progrediu muito pouco. (OESP, 16/11/07)

Nas ocorrências 192 e 193, da mesma forma que acontece em 190 e 191, a constatação

vem no segmento que traz argumento fraco, e a avaliação aparece no segmento que traz

argumento forte. A diferença é que, em 192, pela presença do termo abandonada e, em 193,

pela presença da expressão progrediu muito pouco, nota-se que há crítica. Assim, nesses

casos, devido à crítica, fica sugerido, em segundo plano, que a ideia não deveria ter sido

abandonada (em 192) e que a prefeitura deveria ter progredido mais (em 193). Isso parece

mostrar que, nesse caso, o contraste entre figura e fundo fica ainda mais claro.

Nessas ocorrências, torna-se ainda mais evidente que, nas construções adversativas, as

sequências narrativas não são utilizadas simplesmente para informar sobre fatos/eventos

inesperados. Pode-se dizer, assim, que, quando há a função de avaliação e/ou opinião, muitas

vezes essas sequências servem à função argumentativa, pois são utilizadas para convencer o

interlocutor.

Nas adversativas que trazem avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos, também

é possível haver crítica no segmento adversativo, como se vê nesta ocorrência:

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194) O pretexto era inaugurar uma ponte no país vizinho, mas a campanha chavista não

perdeu a oportunidade de faturar em cima da generosidade de Lula.118

(FSP, 18/11/07)

No segmento adversativo em 194, a crítica é percebida pela presença do termo faturar.

Nesse caso, fica implícito que a campanha chavista não deveria ter faturado em cima da

generosidade de Lula.

Pode-se perguntar por que trazer uma crítica em segmentos com relato, já que o relato,

em primeira instância, teria como função principal informar. Lembre-se, aqui, que o relato,

em geral, privilegia ações realizadas. Sabe-se que, no segmento adversativo com relato, se

apresentam essas ações para que, em seguida, elas possam ser criticadas, como ocorre em 192

e 194. Portanto, a crítica presente no segmento adversativo com relato serviria para colocar

em questão, por exemplo, um determinado modo de agir.

No que se refere à concessiva com tipo textual narrativo, não se encontraram casos em

que a avaliação vem com crítica. Ocorre, aqui, algo semelhante ao que acontece no caso das

concessivas que trazem tipo dissertativo. Na maioria dos casos em que há avaliação (em 80%

no córpus inicial e em pouco mais de 60% no de controle), o segmento concessivo vem

anteposto. Dessa forma, a concessão vem no início da construção, manifestando-se, muitas

vezes, a estratégia preventiva, que inibiria a presença de crítica. Em 190, por exemplo, o

locutor reconhece que o ministério comemorou a redução de 20% no desmatamento,

prevenindo-se contra possíveis objeções, mas, em seguida, defende que o ministério não se

acomodou.

A partir do que se mostrou até aqui, pode-se afirmar que tanto as adversativas quanto

as concessivas com tipo textual narrativo, quando têm função constatativa, podem ser

utilizadas para informar sobre fatos/eventos inesperados. No entanto, muitas vezes, essas

construções, além de informar, trazem uma avaliação do locutor, servindo, assim, à função

argumentativa. Nas adversativas, a avaliação/opinião pode vir, ainda, com crítica,

contribuindo para reforçar argumento defendido pelo locutor.

Contudo, mesmo quando está envolvida a função avaliativa e/ou opinativa em um dos

segmentos da construção adversativa e da concessiva, por vezes é produzido o efeito de

surpresa, como se vê nas ocorrências de 190 a 192, que trazem valor de negação de inferência.

Não se deixa de apresentar, nesses casos, informação sobre eventos/fatos inesperados porque

o relato está ligado à função informativa.

118 Considera-se que o conteúdo do segmento inicial não é mera constatação porque se diz que houve um

pretexto, o que mostra que se trata de uma avaliação pessoal do locutor.

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Visto isso, restaria observar quais seriam as possíveis diferenças entre essas

construções quando elas apresentam tipo textual narrativo.

Observa-se que as construções concessivas com sequência narrativa, tal como no caso

das concessivas que trazem sequências dissertativas, apresentam, na maioria das vezes (em

cerca de 60% dos casos no córpus inicial e no de controle), segmento concessivo anteposto.

Dessa forma, pode-se asseverar que, quando se manifestam em sequências narrativas, tanto as

adversativas quanto as concessivas podem informar sobre fatos/eventos inesperados, servindo,

por vezes, à função argumentativa. Entretanto, somente as construções concessivas podem,

devido à flexibilidade posicional, antecipar que se tratará de fato/evento inesperado, dado que,

nas adversativas com tipo narrativo, diferentemente do que é possível ocorrer nas adversativas

que trazem tipo textual dissertativo, não há expressões (no segmento inicial) que sirvam para

fazer uma antecipação119

.

Outra diferença observada é que os segmentos concessivos, por ocorrerem, sobretudo,

na posição anteposta, atuam, muitas vezes (em 100% e em pouco mais de 83% dos casos no

córpus inicial e no de controle, respectivamente) como guia: um relato orienta o leitor para o

relato que virá posteriormente. Em 190, por exemplo, o fato de que o Ministério do Meio

Ambiente comemorou a redução serviria como pano de fundo para o relato apresentado

posteriormente, o que fica ainda mais evidente quando se considera que, cronologicamente, o

fato apresentado no segmento concessivo é anterior ao que é apresentado no segmento

nuclear: primeiramente, o ministério comemorou e, em seguida, não se acomodou.

Apesar dessas diferenciações entre as construções em estudo, lembre-se que ambas se

incluem na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Nas ocorrências 187 e 188, por exemplo, a

preferência se mantém em um dos relatos, e a informação que se pretende destacar é a de que

a OMC decidiu que o Brasil deve proibir importações de todos os países, e não somente dos

países da UE. Como já se apontou, fica claro que é essa ideia que prevalece porque o locutor

traz no editorial este argumento: Se vale para um, a proibição deve valer para todos.

Pode-se dizer que, quando as adversativas e as concessivas trazem tipo textual

narrativo, a manifestação da lei da preferência fica mais clara quando se tem (em segundo

plano) o propósito de convencer o interlocutor, como nas ocorrências 187 e 188. Quando se

pretende informar, os fatos apresentados em ambos os segmentos das adversativas e das

119 Vale lembrar que as expressões que fazem antecipação no segmento inicial das adversativas são,

necessariamente, marcas que expressam concordância do locutor em relação ao argumento do interlocutor. Daí

essas expressões ocorrerem exclusivamente em casos de tipo textual dissertativo.

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concessivas vêm aparentemente “equilibrados”120

. No entanto, em geral há “pistas” no

editorial que apontam para a informação que o locutor objetiva fazer prevalecer.

Na construção adversativa, em 177, faz-se referência a Benazir especificamente no

segmento adversativo (que traz argumento forte) porque, no decorrer do editorial, tem-se

como foco Benazir. É possível verificar isso pela própria frase que acompanha a construção

adversativa citada em 177, na qual se faz alusão à Benazir: “Não teve a mesma sorte ontem”.

Além disso, no subtítulo, diz-se que “Morte de Benazir Bhutto deixa vácuo de poder no

Paquistão (....)”, delimitando-se o que será focado no decorrer do editorial.

Nas concessivas, embora o propósito de convencer o interlocutor sempre esteja em

segundo plano, há casos em que não fica tão clara a manifestação da lei da preferência, mas,

da mesma forma, há “pistas” que indicam a informação que deve prevalecer. Em 183, por

exemplo, verifica-se que vem um ponto positivo no segmento concessivo e um ponto negativo

no segmento nuclear. Percebe-se que é o ponto negativo que deve ser mantido pelo fato de

que, em seguida, o locutor apresenta argumento apontando outro ponto negativo: “Preocupa

também o peso dos inativos na despesa com educação”.

Nas adversativas e nas concessivas que trazem tipo narrativo observa-se que não há

mudança de posição do locutor em nenhum caso. Tal resultado parece explicar-se pelo fato de

que a mudança de posição seria uma estratégia do locutor para dar certa credibilidade à voz

do interlocutor, o que seria mais comum quando se colocam em questão ideias expostas e

pontos de vista defendidos, que vem, explicitados, em geral, em sequências dissertativas.

Verifica-se, ainda, que nas adversativas e nas concessivas com tipo narrativo há

apenas duas funções que também ocorrem nos casos em que há tipo dissertativo: a avaliativa

e/ou opinativa e a constatativa121

. Isso se justifica pelo fato de que certas funções, como a

justificativa e a questionadora, estão mais relacionadas ao tipo dissertativo, já que serviriam

ou para reforçar o argumento do locutor ou para demonstrar a pertinência do argumento

defendido pelo locutor.

É por isso que, nas adversativas e nas concessivas que trazem tipo narrativo, o valor de

restrição aparece com baixa frequência. Como se viu anteriormente, tal valor favorece a

ocorrência das funções textuais relativizadora e questionadora, mais relacionadas ao tipo

120 Considera-se que há, em primeira instância, um aparente equilíbrio entre os fatos contrastados porque a

simples apresentação de um fato no segmento que traz argumento forte não garante que tal fato seja privilegiado

pelo locutor, pois, como já se viu, nas construções contrastivas pode haver mudança de posição do locutor. 121

Ressalte-se que também se identificaram adversativas com sequência narrativa que trazem a função

relativizadora. Ela aparece, por exemplo, no segmento adversativo em 193. No entanto, como as construções

com restrição são menos frequentes em sequências narrativas, consequentemente a função referida aparece com

menos frequência.

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dissertativo, e da função discursiva de adendo, acionada quando se pretende reforçar

argumento defendido pelo locutor. Assim, as construções contrastivas com tipo narrativo

seriam mais “compatíveis” com o valor de negação de inferência122

, que contribui para que

seja criado efeito de surpresa nos relatos apresentados.

Pelo exposto, observa-se que as adversativas e as concessivas com tipo textual

narrativo e função constatativa podem ser utilizadas para informar sobre fatos/eventos

inesperados, o que fica mais evidente quando está envolvido, por exemplo, o valor de negação

de inferência. No entanto, é apenas nas concessivas que se antecipa que se apresentará

fato/evento inesperado. Além disso, as concessivas estariam mais voltadas para reforçar

argumento defendido, já que em todos os casos em que há função de constatação fica em

segundo plano o propósito de convencer o interlocutor. Em alguns casos, as adversativas e as

concessivas com sequências narrativas servem à função argumentativa. Isso ocorre quando se

apresenta avaliação/opinião de uma instituição, que seria uma voz autorizada. A presença de

crítica, em alguns casos, também deixa evidente que se está a serviço da função

argumentativa. Isso ocorre, especificamente, nas adversativas, pois as concessivas atuam mais

propriamente como estratégia preventiva.

Por outro lado, em ambas as construções estudadas há correlação entre

avaliação/opinião e constatação, ficando a avaliação, na maioria das vezes, no segmento que

atua como figura, o que se explicaria pelo fato de que a avaliação estaria mais relacionada a

um posicionamento pessoal do locutor. Apesar disso, é no caso das adversativas que a

avaliação e/ou opinião pode vir com crítica – a modos de agir, em geral –, deixando mais

marcada a figura e servindo, assim, à função argumentativa. Nas concessivas, por outro lado,

é a própria anteposição do segmento adverbial que contribui para deixar mais destacada a

figura, pois, por meio dela, opera-se a antecipação, que reforça o que vem apresentado no

segmento nuclear. Além disso, é apenas no caso das concessivas que um relato pode servir

como orientação para outro relato, já que o segmento adverbial anteposto atua, muitas vezes,

como guia.

De qualquer forma, tanto as adversativas quanto as concessivas se incluem na “lei da

preferência” (GARCÍA, 1994). Em ambas as construções, não há mudança de posição, o que

se explicaria pelo fato de que, como se mencionou, ela seria favorecida quando essas

construções aparecem em sequências dissertativas, e não narrativas.

122 Lembre-se que se procura focar, aqui, apenas os valores semânticos compartilhados entre as adversativas e as

concessivas.

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C. Adversativas e concessivas com tipo textual descritivo

Nas adversativas e nas concessivas com tipo textual descritivo, pode haver a função de

avaliação e/ou opinião, ou de constatação, assim como ocorre no caso das construções que

apresentam tipo narrativo.

Nas construções adversativas, há a função de avaliação e/ou opinião em ambos os

segmentos na maioria dos casos (em pouco mais de 55% das ocorrências). São amostras:

195) Na quarta-feira à noite, o presidente Álvaro Uribe dispensou, de forma seca, mas

protocolarmente correta, os serviços de Chávez. (OESP, 24/11/07)

196) Para apurar o número de matrículas “falsificadas”, o Ministério adotou uma

providência simples, mas eficiente. (OESP, 17/11/07)

197) O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e cinco de seus colegas sul-americanos

assinaram domingo, em Buenos Aires, a ata de fundação do Banco do Sul, uma instituição

ainda sem capital definido, sem regras de operação e sem finalidade claramente

estabelecida, mas, segundo o presidente brasileiro, decisiva para a integração da América do

Sul. (OESP, 11/12/07)

198) O justificado, mas vago, movimento de inconformismo significou apenas um desabafo

espasmódico, incapaz de abrir perspectivas reais de transformação política. (FSP, 25/12/07)

É muito comum que as construções adversativas que trazem sequência descritiva e que

têm função avaliativa ocorram no nível do sintagma, como é o caso das ocorrências de 195 a

198. Quando isso acontece, a sequência descritiva, em geral, acompanha uma sequência

narrativa, incidindo sobre algum elemento presente na narrativa para caracterizá-lo, como se

vê nas ocorrências de 195 a 197. Em 195, por exemplo, incide-se sobre o termo dispensou

para descrever modo (o modo como o presidente dispensou Chávez): de forma seca e

protocolarmente correta.

Nesses casos, pretende-se apontar características opostas (em sentido lato) dos

elementos da narrativa, mas, ao mesmo tempo, fazer prevalecer uma dessas características,

mediante sua posposição no segmento adversativo. Sendo assim, a descrição com avaliação

e/ou opinião presente na construção adversativa não serviria simplesmente para caracterizar,

mas para fazer prevalecer uma característica a fim de convencer o interlocutor. Isso

justificaria a maior ocorrência da função de avaliação e/ou opinião nas construções

adversativas que trazem tipo descritivo.

Nos casos restantes (em pouco mais de 44% das ocorrências), ambos os segmentos da

construção adversativa exercem a função de constatação, como se vê a seguir:

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199) A produção de álcool a partir do milho se concentra no Meio-Oeste, mas os grandes

mercados estão nas costas Leste e Oeste. (FSP, 25/12/07)

200) Outros oito municípios de São Paulo abrigam antros de costura similares, mas a

atividade ominosa se concentra em quatro bairros da capital: Bom Retiro, Pari, Brás e

Itaquera. (FSP, 24/12/07)

201) E aí não poderia estar fora a estapafúrdia idéia de ressuscitar a CPMF por Medida

Provisória – revelada em entrevista exclusiva a este jornal, gravada, mas depois desmentida

pelo entrevistado (para variar) como “interpretações” errôneas da imprensa123

. (OESP,

20/12/07)

Nessas ocorrências, como há função de constatação, a descrição presente na

construção adversativa não estaria, em princípio, a serviço do propósito de convencer o

interlocutor, diferentemente do que acontece nos casos de 195 a 198. Assim, pode-se dizer

que tanto as adversativas com tipo textual narrativo quanto as com tipo textual descritivo

podem ser utilizadas para informar sobre eventos inesperados.

No entanto, observa-se que, no caso das adversativas com descrição, o efeito de

surpresa muitas vezes não fica evidente. Nas ocorrências expostas, por exemplo, ele se

manifesta apenas em 201, o que se explicaria pelo fato de que a construção, diferentemente do

que ocorre em 199 e 200, tem valor de negação de inferência, que, como já se disse,

favoreceria o aparecimento desse efeito124

. Lembre-se que, nas adversativas que trazem

segmento descritivo, tal valor semântico se manifesta com baixa frequência, o que poderia

explicar o fato de o efeito de surpresa não ser tão comum nas construções com descrição.

Parece que esse efeito é mais comum na narrativa por ser utilizado como recurso para

despertar o interesse do leitor para o que ainda vai ser apresentado.

Assim, pode-se dizer que, nas adversativas, traz-se descrição geralmente para

contrapor, em sentido lato, dois cenários (como em 199 e 200) ou para contrastar, em sentido

estrito, características (como em 198), mas não para criar efeito de surpresa. Ressalte-se,

entretanto, que o número de ocorrências que apresentam a função de constatação é baixo, o

que não permite chegar a conclusões definitivas.

Nas construções concessivas, por sua vez, há função de avaliação e/ou opinião em

ambos os segmentos em apenas cerca de 33% dos casos (no córpus inicial e no de controle).

Nos demais casos, ou há constatação em ambos os segmentos (em cerca de 33% das

123 Na ocorrência em questão, fica implícita a expressão que foi antes dos elementos revelada e desmentida, o

que mostra que os segmentos da construção adversativa constituem orações adjetivas. Daí apresentarem

descrição. 124

Em 199 e 200, são expressos os valores de contraste e de restrição, respectivamente.

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ocorrências no córpus de controle), ou há constatação em um dos segmentos e avaliação em

outro (em pouco mais de 33% dos casos no córpus inicial e no de controle). No entanto, não é

possível chegar a conclusões definitivas, dado o baixo número de ocorrências. Apesar disso, a

partir dos resultados obtidos, é possível estabelecer uma comparação entre as concessivas e as

adversativas.

A primeira observação a fazer em relação às concessivas é que, tal como as

adversativas, elas podem trazer descrição que acompanha trecho narrativo, como se verifica a

seguir:

202) “Eu acho que é sabedoria do povo brasileiro”, arrematou, em seguida a uma tirada

brilhante, embora um nonsense tomado ao pé da letra: se tivesse sido entrevistado, enfatizou,

“não seriam 63%, seriam 64%” os desfavoráveis à sua permanência no Planalto além do

tempo regulamentar. (OESP, 04/12/07)

Como se vê, os termos sublinhados caracterizam um dos elementos do trecho

narrativo. Nesse caso, a avaliação não serve simplesmente para informar, mas revela o ponto

de vista do locutor, prevalecendo uma das características apresentadas. Dessa forma, pode-se

dizer que a descrição exposta nessa ocorrência estaria a serviço da função argumentativa, tal

como ocorre no caso das adversativas com tipo descritivo que trazem avaliação. O próprio

fato de haver crítica – apresenta-se um ponto negativo do presidente – no segmento

concessivo contribui para demonstrar isso.

Há casos, também, em que os segmentos da construção concessiva trazem constatação,

como se observa no seguinte trecho:

203) Pela legislação processual em vigor, embora os prazos de prescrição variem conforme

o tipo de crime, todos começam a contar a partir da data em que o delito foi cometido.

(OESP, 26/10/07)

204) Embora a taxa de fecundidade nas favelas cariocas seja de 2,6 filhos por mulher em

média, ante 1,7 no resto da cidade, o índice do Gabão é de 5,4, e o de Zâmbia, 6,1. (OESP,

26/10/07)

Essas ocorrências são utilizadas para informar, mas é apenas na primeira que o efeito

de surpresa fica mais evidente, o que parece explicar-se pelo fato de que nela fica mais

explícito o valor de negação de inferência.

Quando há constatação nos segmentos da construção concessiva, verifica-se que, em

100% e em 75% dos casos (no córpus inicial e no de controle, respectivamente), o segmento

adverbial vem anteposto, atuando como guia: o quadro (cenário) apresentado no segmento

concessivo orienta o leitor para o que virá posteriormente, como se vê, por exemplo, em 203.

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Essa seria uma diferença em relação às adversativas, que, devido à posição fixa, não

apresentariam cenário que funciona como guia.

Na construção a seguir, apresenta-se ocorrência que traz as funções de avaliação e de

constatação:

205) Os fiscais agiram: embora com uma pequena equipe de 30 agentes, de janeiro de 2005

a outubro deste ano, 5.786 estabelecimentos foram notificados por estarem fora da lei, 1.065

foram multados e 189 fechados125

. (OESP, 30/11/07)

Em 205, no segmento concessivo, avalia-se o tamanho da equipe e, no segmento

nuclear, traz-se constatação, pois é fato que 5.786 estabelecimentos foram notificados por

estarem fora da lei, 1.065 foram multados e 189 fechados. Nessa ocorrência, é o segmento

que traz avaliação que atua como guia: a avaliação feita no segmento concessivo serve como

pano de fundo para o que será apresentado posteriormente. Essa seria também uma diferença

em relação às adversativas, que podem trazer avaliação e/ou opinião no primeiro segmento

que traz descrição, mas sem a possibilidade de esse segmento atuar como guia.

Observa-se, assim, que a anteposição do segmento concessivo, que se manifesta em

ocorrências com tipo textual descritivo (em cerca de 66% dos casos no córpus de controle)126

,

cumpre um importante papel, da mesma forma que no caso das concessivas com tipo textual

narrativo e com tipo textual dissertativo, como já se viu.

Por outro lado, tanto as adversativas quanto as concessivas com tipo textual descritivo

se regem pela “lei da preferência” (GARCÍA, 1994), tal como ocorre nos casos de tipo textual

dissertativo e de narrativo. Em 195, por exemplo, pretende-se mostrar, no segmento

adversativo, que Álvaro Uribe agiu corretamente, ideia que é mantida no trecho que

acompanha esse segmento, no qual se justifica a atitude tomada por Uribe: “O caudilho

abusara da confiança nele depositada pelo governo colombiano, tomando iniciativas que

solapavam a autoridade do presidente Uribe e comprometiam a sua política de “segurança

democrática” (...). Em 205, a ideia de que os fiscais agiram fica sugerida, sobretudo, no

segmento nuclear, no qual se mostra que os fiscais notificaram e multaram estabelecimentos.

No decorrer do editorial, mantém-se o foco na ação dos fiscais: na caixa de texto do editorial,

por exemplo, há a frase “A Prefeitura vai conseguindo impor o Programa de Silêncio

Urbano”.

125 Trata-se de sequência descritivo-narrativa.

126 No córpus inicial, em cerca de 33% dos casos, o segmento concessivo aparece na posição anteposta e, em

pouco mais de 66% dos casos, na posição posposta. No entanto, o baixo número de ocorrências não permite

confirmar esse resultado obtido.

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Além disso, tanto nas adversativas quanto nas concessivas com tipo textual descritivo,

ocorre mudança de posição do locutor, da mesma forma que nos casos em que está envolvido

o tipo textual dissertativo. Em 197, fica claro que a característica apontada no segmento

adversativo não é atribuída pelo locutor, pois se diz que, segundo o presidente brasileiro, a

ata de fundação do Banco do Sul é decisiva para a integração da América do Sul. Além disso,

o conteúdo do segmento inicial, em 197, remete ao título e à caixa de texto do editorial, que

trazem ponto de vista adotado pelo locutor: o título é “Banco do Sul, ainda no escuro” e a

frase presente na caixa de texto é “Nem os objetivos e regras de operação foram ainda

claramente fixados”. Em 202, por sua vez, verifica-se que é o locutor que atribui à fala do

presidente o caráter de “nonsense”, dado que, no decorrer do editorial, são apontados pontos

negativos do presidente, como neste trecho: “(...) aproveitou para fustigar o antecessor (...)”.

Nesses casos, embora a “preferência” (GARCÍA, 1994) se mantenha nos segmentos

que trazem argumento forte (segmento adversativo e segmento nuclear, respectivamente, para

adversativas e para concessivas), a voz do locutor se manifesta nos segmentos que apresentam

argumento fraco. Por meio da mudança de posição do locutor, em 197, dá-se certa

credibilidade à voz do presidente (expressa no segmento adversativo) e, em 202, ameniza-se a

crítica que se faz ao presidente (que aparece no segmento concessivo).

Lembre-se que, como já se mencionou, a mudança de posição do locutor seria mais

comum quando estão em questão ideias expostas ou pontos de vista defendidos, presentes, em

geral, em trechos dissertativos. No entanto, observa-se que, na descrição, a própria

caracterização implica a apresentação de um ponto de vista, o que fica ainda mais claro em

197, no qual há a expressão segundo o presidente brasileiro. Isso explicaria a manifestação da

mudança de posição em certas construções adversativas e concessivas que trazem tipo

descritivo (e função avaliativa e/ou opinativa).

A partir do que se mostrou, verifica-se que tanto nas adversativas quanto nas

concessivas com descrição há as funções constatativa e avaliativa e/ou opinativa. Quando está

presente a função constatativa, tais construções podem ser utilizadas para informar sobre

eventos inesperados, embora isso não seja tão comum. Quando está envolvida a função

avaliativa e/ou opinativa, essas construções, por vezes, acompanham trechos narrativos,

fazendo-se prevalecer uma das características apontadas em relação a algum elemento

presente na narrativa. Também é nas construções (adversativas e concessivas) com avaliação

e/ou opinião que pode haver mudança de posição do locutor, pois, como se argumentou, a

caracterização de elementos deixa implícito o ponto de vista defendido pelo locutor.

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Por outro lado, é apenas nas concessivas que uma descrição apresentada pode servir de

cenário, de pano de fundo para outra, pois é próprio do segmento adverbial anteposto atuar

como guia. Apesar disso, como se mostrou, as construções em estudo se aproximam pelo fato

de se incluírem na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994).

5.1.2 Não identidade de tipo textual nos segmentos da construção

Como se verificou anteriormente, há casos em que não há identidade de tipo textual

nos segmentos da construção adversativa. Procura-se verificar, aqui, por que isso ocorre.

Para tanto, apresentam-se estas ocorrências:

206) O presidente da Funai foi desaconselhado a fazê-lo – por questões de segurança – por

representantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Mas, na

terça-feira, tomou emprestado um helicóptero do Ibama e foi sozinho à aldeia. Foi a primeira

vez que esse grupo indígena – em contato com os homens brancos há menos de 50 anos –

recebeu visita dessa importância. Assim, Meira foi recebido com festa e saiu com os reféns

libertados. Mas é claro que não se pode contar unicamente com arrojo – ou temeridade –

dessa espécie para resolver situações de intermitente conflito em que se envolvem populações

indígenas. Pouco antes desse seqüestro, a propósito, três policiais de Mato Grosso já haviam

se tornado reféns e 350 indígenas crenaques e pataxós já haviam ocupado a Fundação

Nacional de Saúde (Funasa). (OESP, 15/12/07)

207) Durante dois ou três dias, Chávez dirigiu insultos pesados contra Uribe, que o

dispensara da função de mediador entre o governo colombiano e as narcoguerrilhas das

Farc. O que disse de menos insultuoso foi que Uribe é “um servil instrumento do império

(...), um peão do império”. Depois, convocou o embaixador venezuelano em Bogotá para

consultas. Finalmente, declarou que não teria mais qualquer tipo de relacionamento com a

Colômbia, enquanto Uribe fosse presidente. Mas isso não significa que tenha rompido

relações diplomáticas com o país vizinho. Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe.

Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe. (OESP, 30/11/07)

No que se refere às adversativas, em todos os casos em que não há identidade de tipo

textual entre os segmentos, há tipo textual narrativo no segmento inicial e tipo textual

dissertativo no segmento adversativo, como acontece em 206 e 207. Nessas ocorrências, nota-

se que o segmento adversativo encerra uma sequência textual narrativa que vinha sendo

apresentada não somente no segmento inicial mas também em uma porção anterior do texto.

Isso mostra que o tipo textual presente no segmento inicial e no segmento adversativo é

diferente.

Como se vê, em 206 e 207 o mas ocorre em início de enunciado, havendo uma pausa

maior entre os segmentos da adversativa. Pode-se dizer, assim, que a mudança de sequência

textual é favorecida pela pausa que ocorre entre os segmentos da construção adversativa.

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Dessa forma, é possível afirmar que é o caráter paratático da adversativa que influi na

ocorrência de construções com segmentos que trazem diferentes tipos textuais, pois, na

relação paratática, a “ligação” entre os segmentos é mais frouxa.

Por outro lado, as concessivas identificadas no córpus, como já se apontou, trazem

categoricamente identidade de tipo textual nos segmentos. Isso corresponde à expectativa,

pois, na relação hipotática adverbial, o segmento hipotático é governado pelo segmento

nuclear, sendo, dessa forma, (relativamente) dependente deste último.

Nas concessivas, o que pode ocorrer é o “isolamento”, no segmento concessivo, de

trecho descritivo que remete, por exemplo, a algum elemento da narrativa apresentada no

segmento nuclear, como acontece nesta ocorrência:

208) Utilizando outra metodologia e outro grupo de empresas, a Sondagem da Indústria de

Transformação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também constatou, embora com números

diferentes, a disposição da maioria das indústrias de investir mais no próximo ano. (OESP,

03/12/07)

Em 208, o segmento concessivo traz descrição que remete ao termo constatou,

presente no segmento nuclear, que, por sua vez, traz predominantemente tipo textual

narrativo. Pode-se entender que é o tipo de conexão presente nessa construção, conexão

oração-sintagma, que favorece o isolamento de trecho descritivo no segmento concessivo.

Entende-se, aqui, que não se trata de mudança de tipo textual, mas apenas de

“isolamento” de um determinado tipo textual, pois a descrição remete a um elemento presente

no trecho narrativo. Esse isolamento, além de ser favorecido pela conexão oração-sintagma,

que ocorre com relativa frequência nas concessivas (em pouco mais de 16% dos casos no

córpus de controle), é decorrente da intercalação do segmento concessivo, que topicaliza

algum elemento do segmento nuclear, trazendo uma breve descrição sobre ele.

Como se vê, está envolvido aí o caráter hipotático das adverbiais concessivas. Nestas,

como demonstram os resultados obtidos na análise, não há conexão entre enunciados, que

faria que houvesse uma maior independência entre os segmentos da construção, favorecendo a

mudança de tipo textual, como ocorre no caso das adversativas. Além disso, as concessivas

especificamente, dada sua natureza de margem, de satélite, podem vir na posição intercalada,

favorecendo o “isolamento” de um certo tipo textual, como se vê em 208.

No caso das adversativas, diferentemente do que se dá em 208, haveria, realmente,

mudança de tipo textual, o que se verifica pelo fato de que em 207, por exemplo, no segmento

adversativo se inicia novo tipo textual (dissertativo) que se mantém na frase subsequente a

esse segmento. Diferentemente do que se dá no caso das concessivas, o caráter paratático das

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adversativas favoreceria a conexão entre elementos que se encontram acima do nível da

oração, o que, por sua vez, contribuiria para a ocorrência de mudança de tipo textual.

Registre-se que, no córpus analisado, em 47% das adversativas há tipos de conexão acima do

nível da oração.

Vale reiterar, no entanto, que o caráter opositivo (em sentido lato) de ambas as

construções em questão é determinante para a maior ocorrência de segmentos com identidade

de tipo textual, visto que, como já se disse, a relação contrastiva entre as construções implica,

necessariamente, a existência de alguma semelhança, que pode ser, por exemplo, a que se dá

entre tipos textuais.

A última observação a se fazer é referente à função textual presente nos segmentos das

construções contrastivas. Pode-se dizer que, nas adversativas, em específico, a conexão entre

porções maiores do texto, da mesma forma que determinaria mudança de sequência textual,

favoreceria, por vezes, mudança de função textual. Em 206, por exemplo, há função

constatativa na porção inicial e função avaliativa e/ou opinativa no segmento adversativo. Isso

não quer dizer, porém, que não possa haver a mesma função textual em ambas as porções da

construção adversativa, pois, como se viu, há funções que aparecem independentemente do

tipo textual presente na construção. Lembre-se, também, que, nas adversativas, há, na maioria

das vezes, identidade de função textual nos segmentos, o que seria relacionado ao fato de que,

nas paratáticas, existe identidade de função sintática, ficando os segmentos da construção,

assim, em uma mesma hierarquia.

Por fim, também se registram casos em que o segmento inicial da construção

adversativa traz mais de um tipo textual, não sendo verificável, assim, o critério identidade x

não identidade de tipo textual.

Como se apontou anteriormente, isso ocorre em pouco mais de 4% das adversativas

(13 ocorrências). Acrescenta-se, aqui, que em cerca de 69% desses casos (9 ocorrências) o

segmento adversativo traz tipo dissertativo e em pouco mais de 30% dos casos (4 ocorrências)

o segmento adversativo apresenta tipo narrativo.

Tal como se expôs, isso acontece, em geral, quando o segmento adversativo se liga a

porções acima do nível da oração, como se verifica neste trecho:

209) Percebem-se, de um só golpe, o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do

coronel Hugo Chávez pela maneira como conduz os negócios da Venezuela. O rompimento

de relações com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, contém esses dois elementos de

instabilidade. Durante dois ou três dias, Chávez dirigiu insultos pesados contra Uribe, que o

dispensara da função de mediador entre o governo colombiano e as narcoguerrilhas das

Farc. O que disse de menos insultuoso foi que Uribe é “um servil instrumento do império

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(...), um peão do império”. Depois, convocou o embaixador venezuelano em Bogotá para

consultas. Finalmente, declarou que não teria mais qualquer tipo de relacionamento com a

Colômbia, enquanto Uribe fosse presidente. Mas isso não significa que tenha rompido

relações diplomáticas com o país vizinho. Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe. Esse

comportamento não é novo. Repete o que fez em 2005, quando o então presidente Vicente Fox

não gostou de sua interferência no processo eleitoral mexicano. Confrontado, reage não

como chefe de Estado, mas como menino malcriado e cheio de vontades.

Mas há lógica nessa loucura. (OESP, 30/11/07)

O segmento adversativo destacado em negrito em 209 traz uma sequência dissertativa.

A porção à qual esse segmento está relacionado se inicia com sequência dissertativa, no

entanto há sequências narrativas (aqui sublinhadas) que se intercalam às sequências

dissertativas. Dado que o trecho que antecede o segmento adversativo constitui um parágrafo

do texto, é de esperar que ocorra mais de um tipo de sequência.

210) (...) Outra emenda ao projeto dos salários fixou um limite para o crescimento de gastos

com obras, instalações, construções de novas sedes e reformas de prédios da administração

pública. Esses gastos não poderão superar 25% do total das despesas de pessoal dos órgãos

interessados. Isso evitará obras suntuosas, segundo o autor da emenda, senador Antônio

Carlos Valadares (PSB-SE).

Mas a oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na

Comissão. (OESP, 06/12/07)

Em 210, por outro lado, o segmento adversativo traz tipo textual narrativo, e a porção

à qual esse segmento está relacionado é iniciada com sequência narrativa e finalizada com

sequência dissertativa (trecho sublinhado).

No entanto, na maioria dos casos identificados no córpus, na porção inicial da

construção adversativa as sequências dissertativas se intercalam a sequências narrativas, tal

como ocorre em 209. Essa intercalação entre sequências é significativa, pois, em muitos

casos, as sequências narrativas servem para sustentar a argumentação. Em 209, por exemplo,

para comprovar o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do coronel Hugo Chávez, o

locutor lança mão de sequências narrativas, que demonstram as atitudes tomadas por Chávez,

o que dá maior credibilidade aos argumentos apresentados, os quais têm função de

avaliação/opinião (o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do coronel / isso não

significa que tenha rompido relações diplomáticas com o país vizinho).

Essa já seria uma diferença em relação às construções concessivas: como estas não

trazem mais de um tipo de sequência textual em um dos segmentos, não seria possível elas

apresentarem sequências narrativas para dar maior credibilidade aos argumentos apresentados

na construção.

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Além disso, no córpus analisado, nos casos em que não é verificável o critério

identidade x não identidade de tipo textual, o critério identidade x não identidade de função

textual também não o é. Em 209, por exemplo, o primeiro período da porção inicial da

construção adversativa tem função constatativa e os demais períodos dessa porção trazem

função avaliativa e/ou opinativa.

Por outro lado, reitere-se que, nas adversativas, há, como se viu, um maior número de

ocorrências que trazem identidade de função textual do que nas concessivas, o que poderia ser

motivada pela identidade de função sintática das paratáticas (adversativas).

A partir do que se mostrou, verifica-se que especificamente nas adversativas pode

haver não identidade de tipo textual nos segmentos. Nesses casos, é comum que não haja

também identidade de função textual. Também é no caso das adversativas que o critério

identidade x não identidade de tipo textual não se aplica por vezes. Nesses casos, o critério

identidade x não identidade de função textual também não é verificável. Esses resultados,

como se mostrou, são decorrentes da condição paratática das adversativas, ou seja, da

existência de (relativa) independência nos segmentos paratáticos.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

No tópico 5.1, para a comparação das construções estudadas, observou-se de que

forma o caráter de margem, de satélite das adverbiais concessivas influi para determinar

efeitos de sentido particulares.

A primeira observação feita é referente ao critério identidade x não identidade de tipo

textual. Em relação às concessivas, há identidade de tipo textual em todas as ocorrências, o

que era de esperar, dada a (relativa) dependência entre os segmentos. Nas adversativas, por

outro lado, há casos em que não existe identidade de tipo textual nos segmentos e casos em

que não é verificável o critério identidade x não identidade, o que se deve à (relativa)

independência das paratáticas, produzindo-se, assim, efeitos de sentido particulares. De

qualquer forma, informe-se que, como as construções contrastivas (adversativas e

concessivas) estabelecem um cotejo, já era de esperar que houvesse poucas ocorrências com

não identidade de tipo textual em ambos os tipos de construção em estudo.

Para a comparação entre as adversativas e as concessivas, também se levou em conta o

critério identidade x não identidade de função textual. Verificou-se que, apesar de em ambas

as construções ser mais recorrente a identidade de função textual, há um maior número de

ocorrências de concessivas que trazem não identidade, resultado que se atribui, aqui, à relação

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hierárquica presente nas hipotáticas adverbiais, decorrente da condição de margem do

segmento hipotático adverbial.

Vistos esses aspectos, passou-se a verificar de que forma os tipos textuais e as funções

textuais presentes nas adversativas e nas concessivas determinam diferentes efeitos de

sentido.

Observou-se que, quando há identidade de tipo textual nos segmentos, as adversativas

e as concessivas manifestam os tipos textuais dissertativo, narrativo e descritivo. Como se viu,

quando está envolvido o tipo textual dissertativo, essas construções são utilizadas com o

propósito de convencer. Quando está em questão o tipo textual narrativo, as construções são

utilizadas, em geral, para informar sobre fatos/eventos inesperados, embora, por vezes, esteja

em segundo plano o objetivo de convencer o interlocutor, sobretudo nas concessivas. Quando

há tipo descritivo, por sua vez, as construções são utilizadas para informar ou para

caracterizar. Nesse caso, também pode haver o propósito de convencer, visto que a

caracterização implica um posicionamento pessoal.

Nota-se que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas com tipo textual

dissertativo, narrativo e descritivo, as funções textuais mais frequentes são a de avaliação e/ou

opinião e a de constatação. No entanto, em cada tipo de construção são produzidos efeitos de

sentido particulares, decorrentes, muitas vezes, da anteposição do segmento adverbial

concessivo, que se dá na maioria das construções concessivas, considerando-se os três tipos

textuais referidos: há pouco mais de 60% de concessivas com segmento adverbial anteposto

(no córpus inicial e no de controle).

É curioso notar que esse resultado diverge daqueles registrados por Zamproneo (1998)

e por Neves (1999). Zamproneo (1998), ao analisar as construções concessivas127

, identifica,

no total, 53% de ocorrências que trazem segmento adverbial posposto em textos de literatura

técnica, oratória e dramática. No que se refere às orações concessivas, em específico, a autora

encontra, em todos os tipos de literatura, maior porcentagem.

Neves (1999), ao analisar concessivas em textos da língua falada128

, também registra

que a maioria dos segmentos adverbiais vem na posição posposta: em 70,9% dos casos. Até

mesmo quando são considerados apenas os segmentos concessivos com embora, há, na maior

parte das vezes, segmento adverbial posposto: em 73% dos casos.

127 Os conectivos concessivos estudados foram os seguintes: embora, ainda que, mesmo que, por

mais/menos/muito/maior/menor que, quer ... quer, se bem que, mesmo se, nem que, conquanto, como/quem/onde

quer que, ainda quando. 128

Os conectivos concessivos analisados foram estes: mesmo que, ainda que, embora, apesar que, apesar de

que, se bem que e por mais que.

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Por outro lado, Decat (1993), ao analisar as construções hipotáticas adverbiais do

português, verifica que a maioria dos segmentos concessivos que ocorrem em texto

dissertativo escrito vem em posição anteposta. A autora diz que se trata de uma “localização

estratégica”129

do segmento concessivo, que, na posição anteposta, estaria servindo ao

encaminhamento do discurso. Pode-se dizer que algo semelhante ocorre com os segmentos

concessivos do córpus aqui analisado: quando eles estão presentes em textos dissertativos

escritos (os editoriais), o predomínio da posição anteposta também se configuraria como um

recurso para o encaminhamento do discurso. O próprio fato de muitos dos segmentos

antepostos atuarem como “guia”, tal como se apontou, contribui para demonstrar isso.

No entanto, há que considerar que, como se viu, além do tipo dissertativo, as

concessivas manifestam os tipos textuais narrativo e descritivo, e, em todos os casos, há

predomínio de segmento adverbial anteposto, que pode atuar, muitas vezes, como guia,

servindo, assim, ao encaminhamento do discurso.

Isso levaria a pensar que a anteposição do segmento concessivo é motivada, sobretudo,

pelo gênero discursivo no qual a construção concessiva está presente. Lembre-se que Beltrão

(1980, p. 59) aponta que o editorialista deve “antecipar-se às críticas e destruir previamente

as objeções que seriam formuladas ao ponto de vista expresso”. Sendo assim, parece que a

necessidade de antecipar-se às críticas levaria o editorialista a utilizar com mais frequência as

concessivas com segmento adverbial anteposto, já que, por meio dessa ordem, é possível

acionar a estratégia de antecipação, produzindo-se, assim, diferentes efeitos de sentido em

relação às adversativas.

Lembre-se, por exemplo, que, por meio da antecipação, exibe-se, muitas vezes, a

estratégia de preparação defensiva nas concessivas, que contribui para que o falante poupe a

face do outro ou para que ele se resguarde contra fortes objeções. Nas adversativas, por outro

lado, verifica-se que há, muitas vezes, o propósito de atacar, pois se traz crítica no segmento

adversativo. Identificou-se caso em que a concessiva traz crítica, reforçando, da mesma

forma, argumento defendido pelo locutor, mas, nessa construção, além da crítica, há o

mecanismo de antecipação, que, como se disse, também contribui para destacar argumento

defendido.

Verifica-se que, até mesmo quando não há segmento adverbial anteposto na

construção concessiva, motivações particulares determinam a utilização dessa construção em

vez da construção adversativa. Viu-se, por exemplo, que, nas concessivas, a função de

129 A expressão “localização estratégica” é utilizada por Labov (1972).

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relativização é apresentada no segmento que traz argumento fraco, diferentemente do que se

dá no caso das adversativas.

Afinal, observou-se que, na análise da inserção textual das adversativas e das

concessivas, pode ser incluído o papel desempenhado pelos valores semânticos dessas

construções.

Nas adversativas e nas concessivas com tipo textual dissertativo, destaca-se,

sobretudo, o papel exercido pelo valor de restrição. Esse valor favorece a presença da função

discursiva de adendo em ambas as construções. Por outro lado, tal valor contribui para a

ocorrência da função de relativização nas adversativas e nas concessivas e da função de

questionamento especificamente nas adversativas.

Nas construções em estudo que trazem o tipo textual narrativo, destaca-se

principalmente o papel desempenhado pelo valor de negação de inferência, que, como se viu,

contribui para que se crie efeito de surpresa.

Nas adversativas e nas concessivas que apresentam tipo descritivo, por outro lado,

parece que não se destaca um valor semântico em específico para o favorecimento de uma

dada função, apesar de haver a predominância de um dos valores semânticos no caso das

sequências descritivas.

Observa-se, ainda, que ambas as construções em estudo se regem pela “lei da

preferência” (GARCÍA, 1994), prevalecendo um dos argumentos apresentados, que, em casos

excepcionais – quando há mudança de posição em construções com sequência dissertativa ou

descritiva – é o do interlocutor.

A seguir, passa-se a tratar do estatuto informacional presente nos segmentos das

construções em estudo, verificando-se, entre outros aspectos, os diferentes efeitos de sentido

produzidos em cada uma delas.

5.2 Adversativas e concessivas: estatuto informacional

Para a comparação entre as adversativas e as concessivas, investiga-se a questão do

estatuto informacional a fim de verificar quais seriam as possíveis motivações de uso de uma

dessas construções em vez de outra.

Registram-se, primeiramente, os dados referentes à construção adversativa. No que diz

respeito a essa construção, a primeira verificação a fazer é se os segmentos presentes nela

exibem o mesmo tipo de estatuto informacional.

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Nas adversativas, há identidade de estatuto nos segmentos em quase 80% dos casos

(251 ocorrências) e não há em cerca de 20% dos casos (64 ocorrências). Nas concessivas, por

sua vez, verifica-se que há identidade de estatuto nos segmentos em pouco mais de 72% dos

casos (26 ocorrências) e não há identidade em cerca de 28% dos casos (10 ocorrências).

Como se vê, registra-se uma maior porcentagem de ocorrências de concessivas nas quais não

há identidade de estatuto informacional entre os segmentos.

Para que esses dados sejam confirmados, observam-se os resultados de análise obtidos

no córpus de controle. Nesse córpus, há identidade de estatuto nos segmentos em 75% dos

casos (54 ocorrências) e não há identidade em quase 25% dos casos (18 ocorrências). A partir

desses resultados, verifica-se que a porcentagem de casos em que há identidade e em que não

há identidade de estatuto informacional entre os segmentos da construção concessiva se

aproxima daquelas registradas no córpus inicial, confirmando, assim, os dados obtidos, ou

seja, que é maior o uso de construções concessivas que trazem não identidade de estatuto

informacional entre os segmentos. Acredita-se que isso se deve ao fato de que, na construção

concessiva, diferentemente do que ocorre na construção adversativa, os segmentos se

encontram em diferentes hierarquias, já que um deles atua como núcleo e o outro como

margem, ou satélite. Isso, de certa forma, favoreceria a não identidade de estatuto

informacional entre os segmentos da construção concessiva.

Apesar disso, tanto nas adversativas quanto nas concessivas (incluindo o córpus de

controle) há, na grande maioria das vezes, identidade de estatuto informacional entre os

segmentos, resultado que será justificado mais adiante.

Visto isso, passa-se a tratar das diferentes possibilidades de correlação de estatuto

informacional identificadas nas construções adversativas e nas construções concessivas.

Inicia-se a discussão pela observação dos resultados registrados no quadro a seguir,

que traz as correlações entre estatuto informacional nas adversativas:

Estatuto informacional nos segmentos da construção adversativa

Segmento Nº %

1º 2º

Informação

não conhecida

Informação

não conhecida 232 73,6%

Informação

conhecida

Informação

conhecida 20 6,3%

Informação

não conhecida

Informação

conhecida 43 13,6%

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145

Informação

conhecida

Informação

não conhecida 20 6,3%

TOTAL 315 100%

Quadro 7. Estatuto informacional nos segmentos da construção adversativa

Como já se mostrou, há, na maioria das vezes, identidade de estatuto informacional

entre os segmentos da construção adversativa. A partir dos dados registrados nesse quadro,

observa-se que apenas um tipo de correlação com identidade predomina: entre informação

não conhecida e informação não conhecida. Na análise dos dados, busca-se investigar o que

determinaria a maior frequência desse tipo de correlação.

Verifica-se também que, nas adversativas, a baixa frequência da correlação entre

informação conhecida e informação não conhecida mostra que não se segue, na maior parte

das vezes, o “princípio de ordenação linear” (GIVÓN, 1990), segundo o qual o que vem na

posição inicial é conhecido e o que vem na posição final é não conhecido. No segundo tipo de

correlação mais freqüente, entre informação não conhecida e informação conhecida, ocorre

justamente o inverso do que propõe esse princípio. Também se procura investigar, aqui, por

que isso ocorre.

No quadro a seguir, registram-se os dados obtidos para as construções concessivas:

Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva Segmento Posição sintática

TOTAL

1º 2º130

A131

I P

Informação

não conhecida

Informação

não conhecida

13

61,9%

2

9,5%

6

28,5%

21

58,3%

Informação

conhecida

Informação

conhecida

3

60%

2

40% ---

5

13,8%

Informação

não conhecida

Informação

conhecida ---

1

50%

1

50%

2

5,5%

Informação

conhecida

Informação

não conhecida

6

75%

1

12,5%

1

12,5%

8

22,2%

TOTAL 22

61,1%

6

16,6%

8

22,2%

36

100%

Quadro 8. Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva

A partir desses resultados, observa-se que, da mesma forma que ocorre no caso das

adversativas, é mais frequente a correlação entre informação não conhecida e informação não

130 Quando há segmento concessivo intercalado na construção, ele é considerado como 1º segmento, pois, para

saber se a informação trazida no segmento nuclear é conhecida ou não, é necessário visualizar todo o conteúdo

desse segmento. 131

As letras A, I e P indicam, respectivamente, as posições anteposta, intercalada e posposta.

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146

conhecida. Apesar disso, nas concessivas esse tipo de correlação aparece em cerca de 58%

dos casos, ao passo que nas adversativas ele se encontra em mais de 73% dos casos.

Verifica-se também que, nas concessivas, ao contrário do que ocorre nas adversativas,

o segundo tipo de correlação mais frequente está de acordo com o princípio de ordenação

linear, segundo o qual o que vem em posição inicial é elemento conhecido e o que vem em

posição final é elemento não conhecido.

Em relação à posição sintática das concessivas, chama a atenção o fato de que, em

todos os tipos de correlação, a posição anteposta é a que predomina. Isso não acontece apenas

no caso da correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, o que pode ser

decorrente do baixo número de ocorrências identificado com esse tipo de correlação.

Além disso, observa-se que a maior parte dos segmentos concessivos pospostos (75%)

aparece em construções que trazem a correlação entre informação não conhecida e

informação não conhecida.

Analisem-se os resultados registrados no córpus de controle para verificar se os dados

obtidos no quadro 8 se confirmam:

Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva Córpus de controle

Estatuto informacional Posição sintática TOTAL

1º segmento 2º segmento A I P

Informação

não conhecida

Informação

não conhecida

33

70,2%

3

6,3%

11

23,4%

47

65,2%

Informação

conhecida

Informação

conhecida

4

57,1%

3

42,8% ---

7

9,7%

Informação

não conhecida

Informação

conhecida

1

25%

1

25%

2

50%

4

5,5%

Informação

conhecida

Informação

não conhecida

10

71,4%

3

21,4%

1

7,1%

14

19,4%

TOTAL 48

66,6%

10

13,8%

14

19,4%

72

100%

Quadro 9. Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva (córpus de controle)

A partir dos dados apresentados no quadro 9, verifica-se que a porcentagem de

ocorrências que trazem a correlação entre informação não conhecida e informação não

conhecida e a de ocorrências que apresentam a correlação entre informação conhecida e

informação não conhecida é semelhante à porcentagem registrada no quadro 8. Isso mostra

que, no córpus analisado, as diferenças apontadas entre as adversativas e as concessivas são

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147

confirmadas. Na análise a ser empreendida, procura-se observar por que se dão essas

diferenças.

No quadro 9, observa-se também que, em todos os casos, as concessivas que trazem

segmento adverbial anteposto prevalecem. Isso não ocorre apenas quando está envolvida a

correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, mas, mesmo assim, não é

possível chegar a conclusões definitivas, dado o baixo número de ocorrências registradas que

trazem esse tipo de correlação.

Além disso, verifica-se que a maioria das concessivas que traz segmento adverbial

posposto (pouco mais de 78%) realmente exibe correlação entre informação não conhecida e

informação não conhecida.

Na análise a seguir, investigam-se as possíveis motivações para esses resultados

observados. Para suporte dessa análise, tratam-se, adiante, em tópicos separados, os diferentes

casos registrados nos quadros apresentados: i) casos em que há estatuto informacional

idêntico nos segmentos da construção (adversativa e concessiva); ii) casos em que não há

estatuto informacional idêntico nos segmentos da construção (adversativa e concessiva).

5.2.1 Identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção

A) Correlação: informação não conhecida + informação não conhecida

Como já se apontou, tanto nas adversativas quanto nas concessivas, a correlação mais

frequente é entre informação não conhecida e informação não conhecida. Acredita-se que esse

fato possa ser atribuído, em parte, ao gênero em que ocorrem essas construções: o editorial.

Pode-se dizer que é mais frequente a presença de informação não conhecida nas

adversativas e nas concessivas porque, no editorial, prima-se, entre outros aspectos, pela

concisão e pela brevidade, como defende Palacio (1984). Sendo assim, o editorialista

procuraria evitar a reiteração de argumentos (ou informações) para que possa oferecer ao

leitor um panorama geral do assunto em pauta. Afinal, como diz Palacio (1984), o editorial é

uma tomada de posição a respeito de uma questão debatida sobre a qual perfilam atitudes e

opiniões diversas.

Além disso, parece que a própria estrutura argumentativa das adversativas e das

concessivas favoreceria a presença de informação não conhecida nos segmentos, pois, como

já se mostrou, por meio do uso dessas construções prepara-se para uma possível contra-

argumentação do interlocutor, como se exemplifica a seguir:

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148

211) Os recursos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento para o saneamento,

de R$ 10 bilhões, são um sinal positivo. Mas esse montante não passa de um terço do que a

organização Trata Brasil considera necessário para evitar o agravamento do problema no

curto prazo. (OESP, 03/12/07)

212) Embora o projeto volte agora para a Câmara, parecem escassas as chances de o

imposto sindical ser extinto. (FSP, 03/12/07)

Em 211, antes que o interlocutor argumente que os recursos previstos são um sinal

positivo, o locutor o reconhece, mas, em seguida, defende que o montante indicado não é

suficiente para impedir o agravamento do problema em curto prazo. Em 212, antes que o

interlocutor argumente que o projeto volta para a Câmara, o locutor o reconhece, mas, em

seguida, defende que as chances de o imposto ser extinto são escassas132

.

Assim, pode-se dizer que, quando há informação não conhecida nos segmentos da

adversativa e da concessiva, fica ainda mais evidente que o locutor se prepara para uma

possível contra-argumentação, pois, nesse caso, no editorial não se trouxeram, anteriormente,

argumentos (do interlocutor) que pudessem colocar em xeque o argumento do locutor.

No córpus analisado, as adversativas e as concessivas que trazem informação não

conhecida em ambos os segmentos também servem para introduzir tema, como é o caso das

ocorrências citadas a seguir, que constituem o primeiro período do editorial em que estão

inseridas:

213) Empresas brasileiras, incluindo suas unidades no exterior, já respondem por mais da

metade das exportações mundiais de carne bovina, mas as autoridades não têm dado a

indispensável atenção à saúde do rebanho. (OESP, 18/12/07)

214) Embora a União seja cobrada pelo fato de o Brasil ostentar a carga tributária mais alta

dos países emergentes, a volúpia arrecadatória dos Estados não é menos vigorosa. (FSP,

17/10/07)

Gallardo (1997), ao analisar os conectivos contrastivos (os adversativos, em

específico) em matérias de jornais, mostra que o jornalista, algumas vezes, em vez de

introduzir o tema diretamente por meio de uma proposição apenas, prefere apelar para a

contraposição de fatos. Para a autora, essa escolha parece ter o objetivo de persuadir o leitor

do interesse do tema a ser discutido.

Pode-se entender que as ocorrências 213 e 214 também são utilizadas para persuadir o

leitor acerca do interesse do tema. Isso se torna ainda mais claro quando se considera que,

como diz Beltrão (1980), na introdução de um editorial (parte na qual se encontram essas

132 Como se referiu na seção 3.3, cada tipo de construção em estudo exibe uma estratégia particular. No entanto,

não se objetiva tratar disso aqui.

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ocorrências), visa-se a despertar o interesse do leitor, para que ele prossiga na leitura, como já

se apontou no capítulo 4.

No córpus analisado, identificaram-se, ainda, ocorrências de adversativas que

introduzem tema no subtítulo do editorial, como se vê nestes trechos:

215) Plano do governo Lula dá alguns passos para articular atividades de pesquisa, mas não

desata o nó gerencial. (FSP, 24/11/07)

216) Operação Condor merece reprovação moral, mas não justifica romper paradigmas

legais nem o pacto político da anistia MORAL, jurisprudência e bom senso político parecem

estar em conflito no complexo caso da Operação Condor. (FSP, 29/12/07)

Em 215 e 216, o uso da construção adversativa também contribui para despertar no

leitor o interesse pelo tema, pois, antes de iniciar o texto, já se apresenta uma problemática

(por meio da contraposição de elementos) em torno da qual o editorial se desenvolverá. O

título do editorial, por ser conciso, na maioria das vezes não é suficiente para transmitir

claramente a ideia principal. Assim, o subtítulo cumpre um papel fundamental: o de antecipar

ao leitor o que será tratado no editorial.

O título do editorial no qual ocorre o subtítulo citado em 215, por exemplo, é Da

ciência à inovação. Pelo título, simplesmente, não se sabe quem estará envolvido na questão

da ciência e da inovação, mas, quando o locutor apresenta o subtítulo, contrapondo dois fatos,

ele já antecipa que é a atitude do governo que será colocada em questão.

A construção adversativa pode aparecer, também, em caixa de texto que se encontra

entre as duas colunas do editorial133

, como se vê nestes trechos:

217) A obra é discutível, mas a atitude do bispo é indefensável. (OESP, 21/12/07)

218) A exportação tem crescido, mas não tanto quanto a de outros países emergentes.

(OESP, 20/11/07)

A informação trazida na caixa de texto cumpre função semelhante à do subtítulo: a de

antecipar o que será tratado no editorial, contribuindo para despertar no leitor interesse pelo

tema. Pelo simples título do editorial referente à ocorrência 217, por exemplo, que é O Jejum

do Bispo da Barra, não é possível saber se o locutor apoiará ou não a atitude do bispo, mas, a

partir da frase que aparece na caixa de texto, já se antecipa que a atitude do bispo será

criticada.

133 No jornal Folha de S. Paulo, alguns editoriais trazem subtítulo, ao passo que, no jornal Estado de S. Paulo,

aparece, em todos os editoriais, uma caixa de texto que traz frase que se assemelha a subtítulo.

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150

Entretanto, ressalte-se que apenas 4% das adversativas do córpus examinado

introduzem tema. As concessivas também não desempenham essa função com frequência:

identificou-se construção que introduz tema apenas no córpus de controle (em pouco mais de

1% das ocorrências). Esse resultado se explica pelo fato de que tais construções não seriam

tão voltadas para convencer o leitor do interesse do tema, mas para “conduzir” o leitor a uma

determinada ideia ou avaliação que prevalece, dada a estrutura argumentativa dessas

construções.

Vistas essas similaridades existentes entre as construções estudadas, restaria verificar

por que há uma maior porcentagem de adversativas que trazem a correlação entre informação

não conhecida e informação não conhecida.

Informe-se que é comum que as adversativas ocorram em partes do editorial nas quais

há, por exemplo, contextualização de fatos, como é o caso da construção adversativa presente

neste trecho:

219) No Rio de Janeiro, uma lei municipal (nº 4.685) chegou a ser sancionada – com erros –

pelo prefeito Cesar Maia (DEM). O projeto do vereador Cláudio Cavalcanti (DEM)

prescrevia multa para maus-tratos com animais, mas havia sido emendado em plenário

para isentar a pesquisa. Por erro da Câmara Municipal, foi enviado para sanção na versão

original, equívoco anulado depois por ato administrativo. (FSP, 12/11/07)

Acredita-se que o fato de a construção adversativa aparecer, por vezes, em trechos nos

quais há contextualização favorece o aparecimento de informação não conhecida, já que, ao

contextualizar, trazem-se, em geral, informações que se supõe serem necessárias para que o

leitor se situe.

Por vezes, as concessivas que trazem informação não conhecida em ambos os

segmentos também podem aparecer em porções do texto nas quais há contextualização, como

se vê a seguir:

220) As ações agressivas contra a Vale tendem a se intensificar em razão dos resultados que

o movimento “A Vale é Nossa” obteve no plebiscito que realizou entre os dias 1 e 9 de

setembro, ao qual a principal pergunta era se a Vale do Rio Doce deveria continuar sob

controle capital privado ou ser reestatizada. Embora o plebiscito tenha sido um fracasso –

votaram apenas 3,7 milhões de pessoas quando os organizadores esperavam de 7 a 10

milhões –, como em toda “eleição” em regime totalitário, houve maioria de 94,5% pela

reestatização. (OESP, 10/10/07)

No entanto, as concessivas, por apresentarem, na maioria das vezes, segmento

adverbial anteposto, seriam mais voltadas para reforçar argumento defendido pelo locutor.

Grote et al. (1997) dizem, por exemplo, que uma das formas de convencer o interlocutor de

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algo é antecipar contra-argumentos, sejam já enunciados ou não, concedendo-os e, ao mesmo

tempo, “insistindo” na dominância do argumento que será apresentado. Nos excertos a seguir,

ocorre antecipação de argumento ainda não enunciado, reforçando, assim, o novo argumento a

ser apresentado em seguida:

221) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a

julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.

(FSP, 31/12/07)

222) Embora o projeto volte agora para a Câmara, parecem escassas as chances de o

imposto sindical ser extinto. (FSP, 03/12/07)

Em 221, antecipa-se que o ministério comemorou a redução no desmatamento e, em

seguida, defende-se que ele não se acomodou. Em 222, antecipa-se que o projeto voltará para

a Câmara, mas, em seguida, defende-se que as chances de o imposto ser extinto são pequenas.

Pode-se entender que nas construções adversativas que trazem a correlação entre

informação não conhecida e informação não conhecida também é possível reforçar argumento

defendido pelo locutor, mas esse reforço se dá de outra forma, como se vê a seguir:

223) “Se não houver nenhuma negociação, cumpriremos a qualquer momento a decisão da

Justiça.” Mas como assim? (OESP, 12/12/07)

224) (...) Agora, o presidente fala em fim de novembro e em projeto mais simples, que muda

muito pouco o sistema atual e não trata da guerra fiscal.

Mas, também, mudar para quê? (OESP, 26/11/07)

225) Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no

País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do

padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto

demais é apenas um dos problemas da TV digital. (OESP, 08/12/07)

Nessas ocorrências, apesar de haver informação não conhecida em ambos os

segmentos da construção, observa-se que um dos argumentos (aquele que vem no segmento

adversativo) é reforçado porque traz adendo. Tal função discursiva, como já se apontou,

caracteriza-se por ser uma pós-reflexão sobre o que já foi enunciado e por ocorrer após uma

pausa maior entre os segmentos (que é favorecida, nos casos citados, pela conexão entre

enunciados). Devido a esse reforço, nessas ocorrências, o contraste entre fundo (segmento

inicial) e figura (segmento adversativo) fica ainda mais marcado.

Nos segmentos adversativos com informação não conhecida que trazem adendo, em

geral se questiona algo (em 223 e 224) ou se traz uma avaliação (em 225). Em 223, volta-se

ao que já foi enunciado para colocar em xeque a atitude daquele que faz a declaração que vem

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entre aspas. Em 224, volta-se ao que já se enunciou para ironizar a atitude do governo. Em

225, por sua vez, volta-se ao que já se enunciou para acrescentar uma avaliação: a de que a

TV digital tem outros problemas. A partir dessas ocorrências, verifica-se que a presença da

função discursiva de adendo contribui para reforçar o argumento que vem apresentado no

segmento adversativo.

No córpus analisado, 80% dos segmentos adversativos que atuam como adendo trazem

informação não conhecida, como acontece nas ocorrências de 223 a 225. Isso se justifica pelo

fato de que, como o adendo é uma pós-reflexão sobre algo, ou seja, uma informação

adicional, é de esperar que se transmita de forma mais frequente uma informação ainda não

conhecida pelo interlocutor. Martelotta (1998), ao analisar segmentos adversativos, registra

que todos os segmentos que funcionam como adendo transmitem informação nova. Paiva

(1991), por sua vez, ao examinar as “cláusulas134

causais”135

, observa que a maioria delas que

atua como adendo traz informação nova.

Pode-se argumentar que o adendo, por constituir uma informação adicional, não seria

compatível com o caráter de figura (informação saliente), próprio dos segmentos adversativos,

mas com a natureza de fundo (informação opcional). No entanto, o fato de o adendo constituir

informação adicional não significa que essa informação não possa ter relevo; pelo contrário,

em geral há relevo sugerido.

Parece que é justamente por isso que a maioria das construções adversativas de adendo

(60% dos casos) apresenta correlação entre informação não conhecida e informação não

conhecida. Quando há identidade de estatuto nos segmentos, como é esse caso, eles ficam, de

certa forma, no mesmo plano, e o contraste entre figura e fundo, consequentemente, não fica

tão marcado. No entanto, ao haver adendo em um dos segmentos, reforça-se o argumento que

aparece nele, ficando mais marcado, em consequência, o contraste entre figura e fundo.

Até mesmo quando está presente em segmentos concessivos, que atuam mais

caracteristicamente como fundo, o adendo não constitui, simplesmente, informação adicional,

como se vê nestes trechos:

226) Nunca antes neste mundo, parafraseando o presidente Lula, as condições materiais de

existência de tantas centenas de milhões de pessoas mudaram espetacularmente para melhor

em tão pouco tempo – embora os beneficiários desse salto quântico ainda sejam apenas mais

ou menos 1/3 da população de 1,3 bilhão. (OESP, 22/10/07)

134 A autora denomina como “cláusula” o que se chama, aqui, de segmento.

135 A autora inclui no grupo das “cláusulas causais” enunciados formados por cláusulas “coordenadas”

explicativas e conclusivas e por “subordinadas” causais.

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153

227) Lula, aliás, só toca no assunto quando provocado pela imprensa, embora seja certo que

esse tipo de “provocação” lhe dá a maior alegria. (OESP, 06/11/07)

A presença da função de adendo no segmento concessivo fica ainda mais evidente em

226, ocorrência na qual as orações são separadas por travessão, que marca uma maior pausa,

típica de adendo.

Nessas duas ocorrências, o adendo também contribui para reforçar um argumento

(aquele que vem no segmento concessivo), servindo para rever ou relativizar o que foi

enunciado anteriormente. Em 226, o locutor traz no segmento concessivo uma ressalva, a fim

de alertar para o fato de que as conquistas obtidas pelo governo não são suficientes, pois as

condições materiais melhoraram para a minoria da população. Em 227, o locutor também traz

no segmento concessivo uma ressalva, a fim de mostrar uma avaliação sua a respeito da

atitude de Lula.

Assim, pode-se dizer que, em 226 e 227, o fato de a voz do locutor vir no segmento

concessivo, trazendo ressalva, deixa evidente que o adendo presente nesse segmento contribui

para reforçar argumento defendido pelo locutor. Nesses casos, o adendo viria como reforço de

argumento do locutor para compensar o fato de a voz dele aparecer no segmento que traz

argumento fraco136

.

Nas construções concessivas, a função de adendo se manifesta exclusivamente quando

está envolvida correlação entre informação não conhecida e informação não conhecida, o que

favorece para marcar mais o contraste entre figura e fundo, tal como ocorre nas adversativas

com adendo. Tal resultado também contribui para confirmar que o adendo seria mais

compatível com informação não conhecida, como já havia sido sugerido quando se tratou das

adversativas com adendo.

Ressalte-se que, do total de concessivas pospostas com correlação entre informação

não conhecida e informação não conhecida, quase 17% e cerca de 27% no córpus inicial e no

de controle, respectivamente, trazem adendo. Nas adversativas que apresentam esse tipo de

correlação, por outro lado, há adendo em apenas 2,5% dos casos. Trata-se de uma diferença

significativa entre as construções em estudo, que será justificada mais adiante.

Nos casos em que o segmento concessivo posposto traz adendo, esse segmento não

atua como fundo, o que é típico de segmentos adverbiais (concessivos), mas como figura,

como se vê em 226 e 227. Isso contribui para confirmar que, pelo que sugere o exame do

136 Como se mostrou anteriormente, nas construções concessivas, a voz do locutor pode aparecer no segmento

que traz argumento fraco quando se pretende, por motivações particulares, “dar a voz” para uma avaliação ou

opinião do interlocutor.

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154

córpus, o adendo (presente no segmento adversativo e no concessivo) seria mais compatível

com o caráter de figura, e não com o de fundo.

Parece que a necessidade de colocar em relevo um argumento novo (que se “sobrepõe”

a outro argumento novo), por meio da utilização da função de adendo, explicaria a frequência

significativa de concessivas pospostas nos casos em que está envolvida correlação entre

informação não conhecida e informação não conhecida, pois a posição posposta favorece a

ocorrência de adendo.

Reitere-se que, nessas ocorrências, o segmento concessivo de adendo atua como

figura. Isso aproximaria o segmento concessivo do segmento adversativo, já que este atua

caracteristicamente como figura. No entanto, o segmento concessivo atua como figura apenas

em casos excepcionais: em menos de 5% do total de ocorrências do córpus inicial e do de

controle.

Na maioria das vezes, o segmento concessivo funciona como fundo, apresentando a

função de guia, que contribui para orientar o leitor para o conteúdo presente no segmento

subsequente, como ocorre nestas ocorrências:

228) Embora seja difícil convencer o usuário disso, o modelo paulista é defensável. (FSP,

15/11/07)

229) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a

julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.

(FSP, 31/12/07)

230) Embora o projeto volte agora para a Câmara, parecem escassas as chances de o

imposto sindical ser extinto. (FSP, 03/12/07)

Observa-se que a função de guia do segmento concessivo anteposto é particularmente

significativa quando o conteúdo a ser apresentado no outro segmento é novo, pois já fica

fornecida uma moldura que, por vezes, traz “pistas” para o leitor a respeito do que será

enunciado no segmento subsequente. Em 228, por exemplo, a partir do conteúdo do segmento

concessivo, o locutor traz, em seguida, um argumento com o intuito de convencer. Isso parece

explicar a alta frequência de segmento concessivo anteposto com função de guia quando se

manifesta a correlação entre informação não conhecida e informação não conhecida: em

quase 85% dos casos registrados no córpus inicial e no de controle.

Saliente-se que a função de guia pode aparecer em segmentos adverbiais (concessivos)

porque se manifesta sempre na posição anteposta. Portanto, a maioria das concessivas do

córpus se distinguiria das adversativas por atuar caracteristicamente como fundo e, também,

como guia.

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Todavia, mesmo quando o segmento concessivo atua, da mesma forma que o

segmento adversativo, como figura, nota-se que ele já se distingue deste por funcionar como

“realce” (HALLIDAY, 2004). Apresentam-se estas ocorrências para exemplificação:

231) Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no

País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do

padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto

demais é apenas um dos problemas da TV digital. (OESP, 08/12/07)

232) Lula, aliás, só toca no assunto quando provocado pela imprensa, embora seja certo que

esse tipo de “provocação” lhe dá a maior alegria. (OESP, 06/11/07)

Como se mostrou no capítulo 3, enquanto o segmento concessivo realça o segmento

nuclear, qualificando-o com circunstância de concessão, como em 232, o segmento

adversativo traz expansão por extensão (HALLIDAY, 2004), como em 231.

A função de realce das concessivas parece explicar por que, no córpus analisado, o

segmento concessivo posposto atua mais frequentemente como adendo do que o segmento

adversativo137

. Como diz Decat (1993), estabelece-se a função de adendo quando há

necessidade de realçar, de emoldurar. No entanto, ressalte-se que, como o segmento

concessivo ocorre, frequentemente, na posição anteposta, ele serve, na maioria das vezes,

como guia para o conteúdo a ser apresentado no segmento subsequente.

A partir do que foi exposto, pode-se entender que a correlação entre informação não

conhecida e informação não conhecida seja mais frequente tanto nas adversativas quanto nas

concessivas devido ao gênero discursivo no qual ocorrem e à própria estrutura argumentativa

dessas construções. Apesar disso, há mais construções adversativas que apresentam esse tipo

de correlação, o que se justificaria pelo fato de que essas construções ocorrem, por vezes, em

trechos nos quais há contextualização dos fatos, casos que favorecem a presença de

informação não conhecida.

As concessivas, como já se disse, seriam mais voltadas para reforçar argumentação,

pela antecipação de argumento não enunciado, caso em que o segmento adverbial atua como

fundo, ou pela presença da função de adendo em um dos segmentos que traz informação não

conhecida (o concessivo), caso no qual o segmento adverbial funciona como figura. Nas

adversativas, também pode estar presente a função de adendo em um dos segmentos (o

adversativo), reforçando-se, assim, o argumento trazido nesse segmento. No entanto, segundo

137 Lembre-se que, quando está envolvida a correlação entre informação não conhecida e informação não

conhecida, há uma maior porcentagem de concessivas pospostas com adendo do que de adversativas que trazem

adendo.

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o que sugerem os dados obtidos nesta análise, a função de adendo é mais própria do segmento

concessivo posposto, pois seria favorecida pelo caráter de realce desse segmento. Apesar

disso, a função mais frequentemente desempenhada pelos segmentos concessivos é a de guia,

que orienta o leitor para o conteúdo a ser apresentado.

Assim, pode-se considerar que a alta frequência de concessivas antepostas nas

construções que trazem correlação entre informação não conhecida e informação não

conhecida se daria pela necessidade de antecipar contra-argumento não enunciado,

reforçando-se o argumento defendido pelo locutor, e, também, pela necessidade de orientar

para novo conteúdo a ser apresentado, indicando-se, por vezes, “pistas” a respeito desse

conteúdo.

B) Correlação: informação conhecida + informação conhecida

Como já se mostrou, em ambos os segmentos da construção adversativa e da

construção concessiva pode haver informação conhecida. A seguir se procura investigar o que

motivaria a presença desse tipo de informação nos segmentos dessas construções.

Inicia-se a discussão a partir das seguintes ocorrências de adversativas:

233) Subtítulo: Reunião traça mapa vago para enfrentar mudança climática, e negociação

continua emperrada pela política interna dos EUA APENAS a ambivalência dos diplomatas permite qualificar como grande avanço o

"mapa do caminho" acordado em Bali. A conferência sobre mudança climática na ilha

indonésia, concluída em atmosfera abrasadora, com vaias e assobios contra os EUA, obteve

pouco mais que a permanência dos americanos nas negociações decisivas dos próximos dois

anos.

(...) Como a reunião de Bali chegou perto da ruptura completa, a mínima concessão

de última hora dos americanos pareceu uma guinada, e o acordo obtido, uma vitória.

(...) A ausência de avanço substantivo não deve ser debitada apenas na conta dos

EUA. Nações como China, Índia e Brasil também obstruíram a negociação batendo nas

mesmas teclas de sempre: os países desenvolvidos têm de fazer sua parte primeiro, além de

financiar e transferir tecnologia para corte de emissões, nas economias emergentes, e

adaptação da infra-estrutura.

Obtiveram concessões milimétricas nos últimos quesitos e fizeram outras idem,

como aceitar o compromisso genérico de reduzir emissões de modo "mensurável, reportável e

verificável", por exemplo pelo combate ao desmatamento.

Um avanço, decerto, mas diminuto. (FSP, 18/12/07)

Na passagem citada, o conteúdo do segmento inicial da construção adversativa é

apresentado em trechos anteriores a ela, sublinhados. O conteúdo do segmento adversativo,

por sua vez, é explicitado em porções que lhe são anteriores (em negrito).

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Nas construções adversativas que trazem informação conhecida em ambos os

segmentos, é comum que se indique conclusão (em 25% dos casos), como ocorre em 233.

Era de esperar que a construção adversativa indicasse conclusão, pois, na conclusão,

podem-se reunir argumentos contra o que o locutor defende (apoiando-os) ou a favor deles.

Percebe-se que isso ocorre especialmente em textos de caráter opinativo, como o editorial,

pois, tal como já se mostrou, Palacio (1984) diz que o editorial é uma tomada de posição a

respeito de uma questão debatida sobre a qual perfilam atitudes e opiniões diversas. Assim,

não seria raro que, na recolha dos argumentos apresentados no fechamento do editorial,

fossem retomados também os argumentos que não são defendidos.

No entanto, obviamente, na construção adversativa não se indica, simplesmente, uma

conclusão, pois, ao concluir, o locutor mostra qual argumento apoia, colocando-o no

segmento adversativo. É por isso que, na maioria das vezes, quando se indica conclusão na

construção adversativa, essa construção traz concessão, como se vê em 233: o locutor,

colocando-se na posição dos diplomatas, apenas reconhece que houve avanço, mas defende

que o avanço foi diminuto.

Dessa forma, a presença de informação não conhecida em ambos os segmentos da

construção adversativa seria motivada, entre outros aspectos, pela necessidade de indicar

conclusão, apresentando-se os “dois lados da questão” (remetendo-se, por vezes, à

problemática do editorial) para apoiar um deles.

No trecho a seguir, a construção adversativa também indica conclusão:

234) Subtítulo: Operação Condor merece reprovação moral, mas não justifica romper

paradigmas legais nem o pacto político da anistia

(...) Condenar moralmente os envolvidos na Operação Condor, e conhecer seus

abjetos pormenores, é iniciativa relevante do ponto de vista da educação democrática do

continente. Mas, também nos interesses do sistema democrático brasileiro, seria erro grave

romper o pacto político fundado na Lei da Anistia e ignorar a legislação sobre extradição e

prescrição de crimes.

Sem complacência, mas com serenidade: é desse modo que cabe encarar o problema.

O domínio da lei é o que diferencia as democracias das ditaduras. (FSP, 29/12/07)

Os segmentos da última construção adversativa citada indicam conclusão tirada a

partir de informações trazidas anteriormente: o argumento do segmento inicial é inferido a

partir do conteúdo de trechos anteriores sublinhados, e o argumento do segmento adversativo

é inferido a partir do conteúdo de porções anteriores em negrito. Nessa ocorrência, fica ainda

mais claro que a construção adversativa retoma a problemática do editorial (que indica os dois

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lados da questão), pois o conteúdo retomado aparece em duas construções adversativas que

ocorrem em porções anteriores do editorial, como se vê.

Ressalte-se, entretanto, que nem sempre as adversativas indicam conclusão, como se

observa no trecho a seguir:

235) É claro que os partidos ainda têm ampla condição de defesa, em várias instâncias

administrativas e judiciais. Mas os dirigentes partidários que até agora se manifestaram a

respeito do caso têm alegado, como argumento de defesa, apenas o fato de já “terem

sanado” algumas irregularidades que lhe são imputadas. Dessa maneira, confessam a

prática de irregularidades, mas não explicam por que as cometeram. (OESP, 30/12/07)

Em 235, as informações contidas nos segmentos da construção adversativa são

conhecidas porque são inferidas de trechos anteriores. Se os dirigentes partidários alegaram

ter sanado irregularidades, infere-se que eles confessam a prática de irregularidades. Da

mesma forma, se esses dirigentes apenas alegaram, como argumento de defesa, que já

sanaram as irregularidades, infere-se que não fica explicado por que as cometeram.

Pode-se até considerar que, nesse caso, o conteúdo da última construção adversativa

citada indica conclusão, tirada a partir do conteúdo exposto anteriormente, contudo, como

essa construção não está presente na parte final do editorial, não se trata de conclusão dos

argumentos centrais apresentados no fechamento do editorial.

Há casos também nos quais, mesmo que o conteúdo do segmento adversativo, por si

só, não indique conclusão de todo o conjunto de argumentos centrais do editorial, a

informação presente nesse segmento é retomada para dar encaminhamento a uma conclusão,

como se vê neste excerto:

236) Subtítulo: Furto de obras de arte assinala a necessidade de Estado e sociedade

reagirem ao abandono do museu paulistano

(...) No Masp, as cenas do crime são de visualização mais difícil. É que suas câmeras não

contam com dispositivos infravermelhos. Custariam R$ 30 mil, quantia que o Masp – cujo

acervo se calcula valer, no mínimo, US$ 1 bilhão – não tem de onde tirar. Alarmes? Sensores

de aproximação? Perguntar por tais cuidados parece até brincadeira, num museu que já teve

luz e telefones cortados por falta de pagamento.

(...) Atônitos, com mais razão, ficam todos os que se acostumaram a ver no Masp um dos

orgulhos da cidade – e assistem, há anos, ao declínio da instituição. Em crônicas

dificuldades financeiras, o museu – que é uma entidade de direito privado – vive uma crise

que tem evidente dimensão de interesse público.

(...) Algumas mudanças positivas vieram a público recentemente.

(...) Não basta, evidentemente. Em três minutos, ladrões levaram dois quadros da sala de

exibição. Alarmes não soaram nesta quinta-feira. Mas soam com estridência, há vários anos,

os sinais de crise no mais importante museu brasileiro. Sociedade e Estado não mais podem

consentir com seu abandono. (FSP, 22/12/07)

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A informação presente no segmento inicial da construção adversativa (a de que os

alarmes não soaram) é inferida a partir dos dados apresentados nos trechos sublinhados, e a

informação contida no segmento adversativo (a de que soam com estridência, há vários anos,

os sinais de crise no mais importante museu brasileiro) já havia sido apresentada nos trechos

em negrito. Nesse caso, a construção adversativa vem no fechamento do editorial (no último

parágrafo), juntamente com as frases que indicam conclusão dos argumentos centrais: Não

basta, evidentemente. / Sociedade e Estado não mais podem consentir com seu abandono.

Reitere-se que, quando os segmentos da construção adversativa trazem informação

conhecida, não é raro que se indique conclusão de argumentos centrais do editorial, pois,

dessa forma, remete-se à problemática desenvolvida, fazendo que o leitor relembre os dois

lados da questão discutida no decorrer do editorial.

No córpus analisado, também se encontraram casos em que a construção concessiva

indica conclusão de argumentos centrais do editorial, como se vê a seguir:

237) Subtítulo: Lula estimula debate sobre falsa solução boliviana no gás e se esquiva de

enfrentar a questão do setor elétrico

Os brasileiros têm motivo para redobrar sua preocupação com o abastecimento energético

no futuro próximo.

(...) A administração Lula, desconcertada com o apagão episódico no gás, na semana

passada, apressa-se em ludibriar o público com essa versão de que a Bolívia será a tábua de

salvação para o abastecimento do combustível. Falta dizer que qualquer investimento novo

que a Petrobras realize hoje dificilmente será capaz de trazer mais gás boliviano ao Brasil

em menos de dois anos.

O gasoduto Brasil-Bolívia já opera em sua capacidade máxima. Para cumprir o plano

original de elevar em cerca de 50% o fluxo atual, seriam necessárias melhorias – para

aumentar a compressão do gás transportado, por exemplo – que não estariam prontas antes

de 2010. Mas o plano original foi abandonado pela Petrobras, com razão, após o governo

Morales ter quebrado contratos, nacionalizado ativos da estatal brasileira e lhe imposto um

arrocho tributário.

(...) Enquanto estimula discussões sobre a falsa solução boliviana, o Planalto vai se

esquivando de tomar medidas que atinjam o cerne da crise – o setor elétrico. Por mais que o

preço do gás suba no mercado brasileiro, dificilmente a sua vantagem econômica em relação

ao petróleo, cujo barril já roça os US$ 100, vai desaparecer. Continuará havendo um

estímulo natural para o uso do gás.

Diante disso, medidas para inibir a demanda pelo gás natural, embora necessárias,

terão efeito limitado. (07/11/07)

Na construção concessiva destacada, presente no último parágrafo do trecho em

questão, o conteúdo do segmento nuclear é inferido a partir do conteúdo dos trechos

sublinhados e o conteúdo do segmento adverbial é inferido a partir do conteúdo do excerto em

negrito.

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Na construção concessiva presente na passagem adiante também se indica conclusão:

238) Título: Algo foi salvo em Bali / Caixa de texto: O controle da emissão de gases estufa

começa a vencer resistências

Tudo levava a crer que a reunião internacional que pretendia chegar a algum consenso

sobre a necessidade de regras mais rígidas de controle de gases do efeito estufa a partir de

2013 – a 13ª Conferência do Clima (COP-13) que se encerrou em Bali nesse fim de semana

– redundasse num retumbante fracasso. No último momento, no entanto, algo pôde ser salvo

na reunião, especialmente porque se encontrou uma maneira de atrair, para algum

compromisso, o país que mais emite CO2 no planeta, os Estados Unidos da América, que

desde os tempos do Protocolo de Kyoto já resistia a qualquer forma de controle de suas

emissões.

(...) De qualquer forma, embora haja um certo ceticismo quanto aos avanços concretos

que a COP-13 possa ter representado, no combate ao aquecimento global, algum passo à

frente foi dado. (OESP) (18/12/07)

Nesse excerto, o segmento concessivo resume o primeiro período (em negrito), e o

segmento nuclear resume o segundo período (sublinhado) do editorial. Observa-se que o

conteúdo de um dos segmentos (o nuclear) também apresenta relação com o conteúdo

presente no título e no subtítulo do editorial.

As concessivas que trazem informação conhecida em ambos os segmentos apresentam

conclusão em 20% dos casos no córpus inicial. Como se vê, a porcentagem registrada no

córpus inicial se aproxima daquela obtida em relação às adversativas que trazem conclusão

(25%). No córpus de controle, há pouco mais de 28% de concessivas que trazem conclusão,

porcentagem que se aproxima, de certa forma, daquela referente ao córpus inicial, o que

parece confirmar a aproximação verificada entre as construções referidas. Tal resultado se

deveria ao fato de que em ambas as construções é possível reunir argumentos centrais do

editorial, já que, em sua estrutura argumentativa, apresentam-se, como se disse, argumentos a

favor do locutor e contra ele, mostrando os dois lados da questão discutida.

Nos casos em que a construção concessiva traz conclusão, também se remete à

problemática do editorial, ou seja, aos dois lados da questão. No entanto, as concessivas que

trazem informação conhecida em ambos os segmentos, tal como as adversativas, nem sempre

indicam conclusão, como se vê neste trecho:

239) Título: O caso dos pneus usados / Caixa de texto: A OMC diz que se o Brasil proíbe os

da Europa, que proíba de todos os países

A OMC acatou o argumento do governo brasileiro de que o Brasil rejeita a importação de

pneus usados em razão dos problemas ambientais e de saúde pública que eles provocam,

como a dificuldade para sua destinação final e a proliferação de insetos causadores de

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diferentes moléstias nos depósitos desses produtos. Mas decidiu que, se o Brasil fecha seu

mercado para a UE, deve fechá-lo para todos os países. Isso significa que, se não quiser

transformar o Brasil numa espécie de lixeira para os pneus usados de outros países, que não

têm como dar um destino a esses produtos sem causar danos ao meio ambiente, o governo

terá de proibir a entrada de pneus usados e reformados procedentes de países do Mercosul

(especialmente do Uruguai) e de conseguir que a Justiça não conceda liminares que

permitem a importação.

(...) Embora tenha acatado o argumento brasileiro de que a proibição se deve a razões

ambientais e à necessidade de proteção da saúde da população, a OMC considerou que, se

quiser mesmo evitar problemas sanitários e ambientais, o governo brasileiro tem de proibir

todas as importações, e não apenas as procedentes da UE. (OESP, 05/12/07)

Na ocorrência 239, da mesma forma que na ocorrência 238, o segmento concessivo

resume o primeiro trecho (em negrito) e o segmento nuclear resume o segundo trecho

(sublinhado). Também aí se vê que há uma relação entre o conteúdo da caixa de texto do

editorial, e também do título, e o conteúdo apresentado na construção concessiva. Além disso,

no último parágrafo do editorial, diz-se que o governo brasileiro dispõe de 60 dias para

obedecer à decisão da OMC. Nessa frase, bem como na construção concessiva citada, faz-se

referência à decisão da OMC. Isso mostra que o conteúdo presente na construção concessiva

(especialmente o que aparece no segmento que traz argumento forte), embora não constitua

conclusão, serve como encaminhamento para a conclusão a que se quer chegar no editorial.

Na ocorrência a seguir, mais uma vez, a construção concessiva, embora não indique

conclusão, serve como encaminhamento para a conclusão a que se pretende chegar no

editorial:

240) Título: Definições paulistanas

Alckmin ainda encabeça as intenções de voto (26%), mas perdeu quatro pontos em

relação ao levantamento anterior. Já Kassab ganhou três, passando a contar 13% das

preferências.

(...) Alckmin, embora tenha perdido pontos na pesquisa, ainda é o líder. (FSP, 13/12/07)

Em 240, o conteúdo do segmento concessivo remete ao trecho em negrito e o

conteúdo do segmento nuclear ao excerto sublinhado. Verifica-se que o conteúdo do

segmento concessivo serve como encaminhamento para a conclusão, pela ligação que ele

mantém com o título do editorial, que é Definições paulistanas.

Como se vê, tanto nas construções adversativas quanto nas concessivas, quando há

informação conhecida em ambos os segmentos, em geral se remete a argumentos centrais do

editorial, que constituem conclusão ou encaminham para uma determinada conclusão. Já era

de esperar que isso ocorresse em ambos os tipos de construção, dado que, nos dois casos,

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podem-se reunir contra-argumento e argumento, remetendo-se aos dois lados da questão

discutida. Entretanto, obviamente, os efeitos de sentido produzidos em cada construção são

particulares.

No córpus analisado, verifica-se que, na maioria das vezes em que a construção

concessiva traz informação conhecida em ambos os segmentos (em 80% e em pouco mais de

71% dos casos no córpus inicial e no de controle, respectivamente), o conteúdo dessa

construção já havia sido apresentado em uma construção adversativa138

, como se vê nas

ocorrências 238, 239 e 240. Parece que se traz conteúdo semelhante em duas construções

contrastivas quando se pretende deixar em maior evidência os argumentos centrais do

editorial (contra-argumento e argumento), como é o caso das ocorrências 238 e 239. Além

disso, há que considerar que, como se mostrou, conteúdo semelhante é veiculado em

diferentes tipos de construções: na adversativa e, em seguida, na concessiva. Quando isso

ocorre, na maioria das vezes (em 75% e em 80% dos casos no córpus inicial e no de controle,

respectivamente), o segmento adverbial concessivo vem anteposto, como acontece em 238 e

239.

Isso mostra que, ao se usar a construção concessiva para apresentar conteúdo

semelhante ao que foi explicitado anteriormente em construção adversativa, além de colocar

em maior evidência os argumentos centrais do editorial (contra-argumento e argumento), o

locutor reforça o argumento que defende, antecipando o contra-argumento. Observa-se que

até mesmo em 240, na qual o segmento concessivo vem intercalado, há antecipação, pois esse

segmento topicaliza o primeiro elemento do segmento nuclear (o sujeito).

Isso justificaria a frequência relativamente maior de concessivas, em relação às

adversativas, que trazem informação conhecida em ambos os segmentos. Nota-se que, em

234, por exemplo, a última construção adversativa apresentada traz conteúdo que remete

àquilo que foi explicitado em outras construções contrastivas, mas, nesse caso, diferentemente

do que pode ocorrer nas concessivas, não há reforço, por antecipação, do argumento

defendido pelo locutor, dada a posição fixa das adversativas.

Em resumo, observa-se que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas que trazem

informação conhecida em ambos os segmentos, pode-se remeter, por exemplo, a argumentos

centrais do editorial (contra-argumento e argumento), expressando-se conclusão ou

encaminhando-se para conclusão. Entretanto, é apenas no caso das concessivas que há, ainda,

reforço do argumento defendido pelo locutor.

138 Isso não ocorre apenas na construção concessiva identificada no córpus de controle.

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5.2.2 Não identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção

A) Correlação: informação não conhecida + informação conhecida

Como já se apontou, a correlação entre informação não conhecida e informação

conhecida aparece com mais frequência na construção adversativa. No decorrer desta análise,

procura-se verificar o que motivaria isso.

Pode-se dizer que, nas construções adversativas, a reiteração, no segmento

adversativo, de elementos já explicitados se dá pela necessidade de reforçar argumento

defendido, em geral para convencer o interlocutor, como se vê a seguir:

241) Ainda que seja insuficiente para reverter o brutal desrespeito à vida – que no caso se

pratica por motivos fúteis e banais –, o projeto de lei aprovado quarta- feira na Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que aumenta as penas para

motoristas que participarem de rachas, dirigirem embriagados ou sob efeito de drogas, não

deixa de ser uma importante contribuição para a redução de uma intolerável impunidade. De

fato, as penas hoje aplicadas são brandas demais. Atualmente, os crimes de trânsito – de

lesão corporal culposa (sem intenção), de embriaguez ao volante ou de participação em

rachas – podem ser julgados em juizados especiais, com tramitação mais rápida, mas com

penas mais brandas. (OESP, 24/12/07)

Em 241, o conteúdo do segmento adversativo já havia sido explicitado no trecho

sublinhado, mas é reiterado para reforçar o argumento do locutor. No entanto, observa-se que

fica mais evidente o objetivo de reforçar (por reiteração) o argumento defendido quando o

conteúdo que vem no segmento adversativo remete a argumentos centrais do editorial. É o

que ocorre com mais frequência no córpus em exame.

Nos casos em que há reiteração de argumentos centrais, o conteúdo do segmento

adversativo pode remeter a trechos do corpo do texto, ao título ou ao subtítulo (ou caixa de

texto) do editorial, como se mostra a seguir.

242) Título: E ainda saiu barato / Não foram poucas as concessões que o governo teve de

fazer para conseguir a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, do

projeto que prorroga a Contribuição Provisória (CPMF), mas tudo o que foi negociado está

lhe saindo barato. (OESP, 18/11/07)

Em 242, fica claro que o conteúdo presente no segmento adversativo remete ao título

do editorial, que é E ainda saiu barato. Era de esperar que houvesse, no segmento

adversativo, conteúdo que remetesse ao título, visto que, no título do editorial, muitas vezes já

se indica qual é a posição adotada pelo locutor, como é o caso dessa ocorrência apresentada.

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Na construção adversativa presente na passagem a seguir, também se remete a

argumentos centrais do editorial:

243) Título: O vilão errado / Caixa de texto: Os seqüestradores e traficantes das FARC é

que estão fora da lei

Quando era candidato à presidência da Colômbia, Álvaro Uribe anunciou que não

negociaria com as Farc, um grupo originalmente marxista que se transformou em bando

criminoso e há cerca de 40 anos desestabiliza regiões inteiras no interior do país. Depois de

eleito, Uribe se deixou convencer pela Igreja e por familiares de pessoas seqüestradas pela

narcoguerrilha de que era necessário libertá-las e isso só poderia ser feito por meio de

negociação. Em cinco anos, o governo fez pelo menos dez tentativas – inúteis – de negociar a

libertação dos reféns. A última foi a que teve o caudilho Hugo Chávez como mediador, uma

experiência encerrada por Álvaro Uribe porque o presidente venezuelano exorbitou,

entrando em contato direto com militares colombianos e prometendo fazer aos

narcoguerrilheiros concessões inaceitáveis para a Colômbia. Assim que Chávez foi

dispensado, os meios de comunicação passaram a difundir declarações e “análises” que

apresentavam o presidente Álvaro Uribe como um ogro insensível, cuja intransigência

irracional impedia a libertação de pelo menos 45 pessoas em poder das Farc. “Não entendo

o que ocorre com o presidente”, afirmou, por exemplo, a mãe da ex-candidata a presidente

Ingrid Betancourt, seqüestrada em fevereiro de 2002. “Ele disse que tinha coração, mas

estamos esperando há seis anos.” É compreensível a angústia dos familiares dos reféns. Mas

o fato é que não foi o governo colombiano que os seqüestrou e mantém presos em

condições degradantes. Os responsáveis pelo sofrimento dessas pessoas são, única e

exclusivamente, os narcoguerrilheiros. (OESP, 22/12/07)

Na ocorrência 243, é evidente que se pode inferir o conteúdo presente no segmento

adversativo a partir das informações trazidas no corpo do texto, mas esse conteúdo já pode ser

inferido a partir dos dados apresentados no título e na caixa de texto do editorial. Nesse caso,

no título e na caixa de texto vem explicitado o ponto de vista do locutor, o que justificaria a

reiteração das informações especificamente no segmento adversativo, que apresenta

argumento forte.

Pelo que se mostrou até aqui, vê-se que o locutor traz algo já conhecido no segmento

adversativo para reforçar um argumento, remetendo, muitas vezes, a argumentos centrais do

editorial, que, além de se encontrarem no corpo do editorial, podem estar presentes também

no título e no subtítulo (ou caixa de texto).

Acrescenta-se, aqui, que, por vezes, o segmento adversativo traz conclusão, como se

vê neste trecho:

244) Título: Efeito de euforia

Quem leu nosso editorial de segunda-feira sobre o assunto não se surpreendeu com o

descumprimento da promessa do presidente Lula de enviar até este fim de novembro ao

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Congresso o projeto da reforma tributária. Nele manifestamos nossas dúvidas de que uma

promessa que ele já fez várias vezes, sem a preocupação de cumpri-la, seria cumprida

agora. Aliás, não é apenas sobre questões tributárias que o presidente costuma dar o dito

pelo não dito, com uma despreocupação que só se explica pelo estado de euforia em que

vive.

(...) Deu tudo errado já no projeto piloto, lançado quase dois anos depois, e se

verificou que o plano não tinha pé nem cabeça num país onde a maioria das escolas não tem

computadores. Nesse meio tempo, sem alarde, o Ministério da Educação – que classificara a

promessa de Lula como um “delírio” –, em parceria com os Estados, conseguiu que 80% dos

estabelecimentos (ante 13% em 2004) repassassem regularmente informações sobre o

comparecimento dos alunos. Mas, inebriado pela sua popularidade, Lula vai continuar

prometendo, despreocupado com as possibilidades de cumprir. (OESP, 28/11/07)

Em 244, o conteúdo do segmento adversativo (em negrito) já havia sido explicitado

em trecho anterior em negrito no corpo do editorial. Além disso, o termo inebriado, presente

no segmento adversativo, remete ao título do editorial.

Como já se mostrou, ambos os segmentos da construção adversativa podem trazer

informação conhecida, apresentando, também, conclusão. No entanto, quando isso ocorre,

como há reiteração de ponto de vista defendido e, ao mesmo tempo, de ponto de vista

contrário ao defendido, a recolha de informações muitas vezes se dá especialmente para

retomar a problemática do editorial (os dois lados da questão), e não, simplesmente, para

reforçar o argumento defendido.

Uma das definições oferecidas em dicionário (BORBA, 2002) ao termo conclusão é

“opinião definitiva”. Dessa forma, é possível afirmar que, quando, nas adversativas, está

presente correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, a conclusão que

vem apenas no segmento adversativo (o que ocorre em quase 12% dos casos) deixa ainda em

maior evidência o argumento defendido pelo locutor, marcando-se, assim, um maior contraste

entre figura e fundo.

Nas adversativas, a reiteração de informação especificamente no segmento que traz

argumento forte ocorreria para compensar o fato de que, nessas construções, dada a posição

fixa do segmento adversativo, não se opera antecipação, mecanismo que em si reforça o

argumento defendido pelo locutor139

. Acredita-se que seja devido a isso o fato de que existe

um número relativamente maior de adversativas do que concessivas que trazem a correlação

entre informação não conhecida e informação conhecida.

139 Como se apontou na seção 5.1, nas adversativas pode haver antecipação quando o primeiro segmento da

construção é iniciado por expressão avaliativa e/ou opinativa. No entanto, isso ocorre, como já se mostrou, com

pouca frequência, o que leva a pensar que a reiteração de informação no segmento adversativo, que também

contribui para reforçar argumento defendido, seria uma forma de compensar o fato de não se operar em geral

antecipação na adversativa.

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166

No córpus analisado, a maioria das construções concessivas traz segmento adverbial

anteposto – em 60% e em cerca de 67% do total de ocorrências no córpus inicial e no de

controle, respectivamente – o que, como se sabe, possibilita que se antecipem contra-

argumentos, contribuindo para reforçar argumento defendido pelo locutor. Além disso,

quando estão envolvidas construções concessivas que não trazem identidade de estatuto nos

segmentos, em cerca de 60% dos casos (no córpus inicial e no de controle) o segmento

adverbial vem na posição anteposta. Daí se reforçar argumento defendido pela própria

anteposição do segmento concessivo, não havendo a necessidade de reiterar argumento que se

pretende defender.

No córpus analisado, identificaram-se apenas pouco mais de 5% de ocorrências de

concessivas em que há correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, e

há apenas 1 caso registrado de segmento concessivo anteposto. Na maioria das vezes, o

segmento concessivo vem na posição posposta, como se vê a seguir:

245) O governo federal poderá gastar e endividar-se folgadamente, nos próximos anos, sem

romper os limites que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) acaba de

aprovar. (...) Mas os dois projetos, na forma aprovada pela Comissão, correspondem na

prática a uma generosa autorização para gastar e para endividar o Tesouro. (...) Mas a

oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na Comissão.

(OESP, 06/12/07)

Em 245, como é o segmento que atua como fundo (o concessivo) que traz informação

conhecida, a reiteração de informação, aqui, diferentemente do que ocorre nos casos de

adversativas já comentados, não estaria a serviço do reforço do argumento defendido pelo

locutor.

Isso é o que ocorre na maioria das concessivas que apresentam não identidade de

estatuto informacional nos segmentos (em pouco mais de 87% e em 80% das ocorrências no

córpus inicial e no de controle, respectivamente): a informação conhecida vem no segmento

que traz argumento não defendido pelo locutor.

Apesar disso, da mesma forma que acontece nas adversativas, o conteúdo expresso no

segmento que traz argumento defendido pelo locutor por vezes remete a título ou a

subtítulo/caixa de texto do editorial, os quais podem indicar o ponto de vista adotado pelo

locutor, como já se referiu. Vale registrar a ocorrência de construção concessiva apresentada a

seguir:

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167

246) Caixa de texto: A exportação tem crescido, mas não tanto quanto a de outros

emergentes

(...) Esse crescimento [do Brasil] foi o dobro da expansão do comércio mundial, mas não

bastou para garantir uma classificação melhor entre as nações comerciantes. (...) Na lista

dos 50 países com maior faturamento em dólar, 24 exibiram crescimento maior que o

brasileiro. Destes ainda sobram 15, quando se excluem da lista os exportadores de petróleo,

beneficiados pelos grandes aumentos de preços.

(...) Autoridades brasileiras costumam confrontar o Brasil de hoje com o de ontem para

avaliar o progresso econômico e social. É um exercício útil, e até necessário, mas também é

preciso, para avaliação de resultados e formulação de políticas, comparar o desempenho

brasileiro com o de outros países.

Quando se olha para fora, os progressos obtidos no Brasil, embora importantes em vários

campos, parecem muito menos satisfatórios. (OESP, 20/11/07)

Na construção concessiva destacada, o segmento concessivo traz informação não

conhecida, e o nuclear apresenta informação conhecida, remetendo a porções anteriores do

corpo do editorial (em negrito) e, também, à caixa de texto.

Lembre-se que, quando a construção concessiva traz correlação entre informação

conhecida e informação conhecida, o segmento nuclear, por vezes, também remete a título ou

a subtítulo (ou caixa de texto) de editorial, como em 238 e 239.

Por outro lado, diferentemente do que acontece nas adversativas, não se identificaram

casos em que apenas um dos segmentos da construção concessiva (como o nuclear), por si só,

apresente conclusão (no fechamento do editorial), o que se explicaria pela existência de uma

maior integração entre os segmentos dessa construção. Observa-se que em 244, por exemplo,

introduz-se conclusão no segmento adversativo após certa pausa, favorecida pela conexão

entre enunciados.

No córpus examinado, também não há casos em que o segmento concessivo remete a

título ou subtítulo (e caixa de texto), o que era de esperar, pois, como já se apontou, esses

elementos do editorial trazem, muitas vezes, ponto de vista adotado pelo locutor.

A partir do exposto, verifica-se que a correlação entre informação não conhecida e

informação conhecida é mais recorrente nas construções adversativas. Nestas, reforça-se

argumento defendido pela reiteração de argumentos já explicitados no segmento adversativo.

Em geral, retomam-se argumentos centrais, encontrados em porções anteriores do corpo do

editorial, no título, no subtítulo ou na caixa de texto.

Nas concessivas que trazem correlação entre informação não conhecida e informação

conhecida, por outro lado, o reforço do argumento defendido se daria pela própria anteposição

do segmento adverbial. Apesar disso, existem casos em que há informação conhecida no

segmento nuclear, remetendo-se, por vezes, à caixa de texto do editorial. Por outro lado, no

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segmento concessivo, não se remete, em geral, a elementos do editorial (título, subtítulo ou

caixa de texto), dado que normalmente não se traz, nesse segmento, argumento defendido

pelo locutor. Além disso, observa-se que não se traz conclusão nas concessivas quando apenas

um dos segmentos dessas construções apresenta informação conhecida, diferentemente do que

se dá nas adversativas.

B) Correlação: informação conhecida + informação não conhecida

Como já se mostrou, nas concessivas a correlação entre informação conhecida e

informação não conhecida é mais frequente, o que se procura explicar a partir da análise a ser

empreendida.

Para justificar esse resultado obtido, leva-se em consideração a posição sintática

ocupada pelo segmento concessivo. Observa-se que, quando há correlação entre informação

conhecida e informação não conhecida na construção concessiva, na maioria das vezes (em

75% e em pouco mais de 71% dos casos no córpus inicial e no de controle, respectivamente),

o segmento adverbial vem na posição anteposta. Como se verá, tal posição das concessivas

favorece a ocorrência do tipo de correlação aqui referido.

Inicia-se a discussão com a observação da construção concessiva presente nesta

passagem:

247) Quanto a ações e iniciativas destinadas a melhorar o ensino, apenas pouco mais de

um quarto (27,5%) das prefeituras inclui a contratação de professores. Por isso, a

renovação do quadro de docentes é muito lenta e cresce a idade média dos profissionais na

sala de aula. As iniciativas mais citadas pelas autoridades municipais são capacitação de

professores, diminuição de evasão escolar e programas de assistência ao estudante (como

saúde, alimentação, material didático e transporte escolar.

Embora não coloquem a contratação de professores entre as ações mais relevantes

na área de educação, as prefeituras continuam a contratar pessoal em geral. (FSP, 03/11/07)

Em 247, o fato de que as prefeituras não colocam a contratação de professores entre as

ações mais relevantes é inferido a partir do conteúdo presente no excerto em negrito. Nesse

trecho se vê que o conteúdo ao qual o segmento concessivo remete vem em uma porção que

se encontra próxima dele.

Dessa forma, observa-se que os segmentos adverbiais concessivos, quando vêm

antepostos, parecem ter um papel mais diretamente relacionado à coesão, já que, em geral,

remetem ao conteúdo de uma porção imediatamente anterior para que o texto prossiga,

orientando para aquilo que virá posteriormente.

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Assim, pode-se dizer que, nos casos em que há correlação entre informação conhecida

e informação não conhecida nas concessivas, a função orientadora do segmento adverbial

anteposto fica ainda mais evidente, pois, geralmente, retoma-se uma informação presente em

uma porção imediatamente anterior para dar prosseguimento ao texto, como se disse. Isso

parece explicar por que todos os segmentos concessivos antepostos que fazem parte da

correlação aqui em questão exercem a função de guia, tendo-se como exemplo o segmento

concessivo apresentado em 247.

Até mesmo quando o segmento concessivo vem intercalado, remete-se, por vezes, a

uma porção imediatamente anterior do texto, como se vê nesta passagem, na qual o conteúdo

do segmento concessivo retoma o que vem no trecho em negrito:

248) Mas os petistas acusam o governo do PSDB de, por interesse eleitoral, elevar de

maneira excessiva os investimentos – que, dizem os deputados do PT, serão aplicados em

obras “vistosas” que apareçam bem para o eleitorado num ano de eleições municipais e

preparem o terreno para a futura campanha de Serra à Presidência da República em 2010 –

cortando na área social. Dizem, até, que a proposta de Serra, embora tenha elevado os

investimentos substancialmente, reduziu-os para a área de saúde. (OESP, 13/10/07)

Era de esperar que o segmento concessivo intercalado apresentasse, por vezes,

comportamento semelhante ao do segmento anteposto, ou seja, que remetesse a partes

imediatamente anteriores no texto, pois o segmento intercalado antepõe (e antecipa), de certa

forma, argumento ou informação, especialmente quando ele topicaliza o primeiro elemento do

segmento nuclear, que, no caso aqui em questão, atua como sujeito (a proposta de Serra).

Nas adversativas, também se identificaram casos em que o conteúdo do segmento

inicial remete a porções próximas no texto, como se vê neste excerto:

249) A UE ainda não especificou as medidas que adotará para restringir a entrada da

carne brasileira, mas sua Comissão de Saúde Animal já confirmou que restrições serão

impostas. Desde a identificação de focos de febre aftosa, a UE suspendeu a importação de

carne in natura procedente dos Estados atingidos pela doença, medida que foi depois

estendida ao produto originário de São Paulo. Além de manter essas restrições,

provavelmente reduzirá o número de empresas e frigoríficos autorizados a exportar para seu

mercado.

O governo brasileiro ainda não foi informado da decisão da UE, mas o ministro da

Agricultura, Reinhold Stephanes, adiantou que as exigências européias devem ser cumpridas

e tratadas de maneira técnica. (OESP, 18/12/07)

Observa-se que o conteúdo do segmento adversativo (o de que o governo brasileiro

não foi informado da decisão da UE) é inferido a partir do conteúdo presente em uma porção

próxima no texto, que está destacada em negrito.

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Entretanto, nas adversativas, diferentemente do que ocorre nas concessivas com

segmento adverbial anteposto, o conteúdo retomado no primeiro segmento da construção não

serve para orientar ou guiar a informação nova a ser apresentada no segundo segmento, dado

que essa função é própria de segmentos adverbiais (antepostos). Isso parece explicar por que,

nas adversativas, não seja tão comum ocorrências como a explicitada em 249, na qual, como

se disse, o conteúdo do segmento inicial remete a uma porção próxima no texto. Em geral, nas

adversativas que trazem correlação entre informação conhecida e informação não conhecida,

o conteúdo do segmento inicial remete a trechos apresentados no decorrer do editorial, como

se observa nesta passagem:

250) Seguindo o exemplo do governo estadual, que vem adotando importantes medidas

administrativas e pedagógicas para melhorar a qualidade da rede pública de ensino básico, a

Prefeitura de São Paulo acaba de enviar à Câmara dos Vereadores um projeto de lei que,

entre outras inovações, acrescenta uma hora aula nas escolas municipais de educação

infantil e prevê um provão anual para os docentes.

(...) No plano administrativo, a Prefeitura se inspirou nas medidas que vêm sendo adotadas

com sucesso pela Secretaria Estadual da Educação, contratando mais funcionários e

reduzindo o número de professores encarregados de tarefas exclusivamente burocráticas.

(...) A idéia é implantar na prefeitura o mesmo modelo adotado pela rede estadual, para

facilitar a ascensão funcional dos docentes na carreira.

(...) A rigor, nenhuma das medidas que compõem o pacote que a Prefeitura acaba de

anunciar para o setor da educação é nova. Mas esse é o grande mérito da reforma que

começa a ser implantada – a utilização de experiências bem-sucedidas que vêm sendo

promovidas em âmbito estadual pela secretária Maria Helena Guimarães de Castro. (OESP,

28/11/07)

Assim, como já se mostrou, a retomada de trechos presentes em porções próximas no

texto seria mais comum em segmentos adverbiais antepostos. Quando isso não ocorre, em

geral se indica resumo no segmento adverbial anteposto, como se vê no excerto a seguir:

251) Nem os sinais de desaceleração da economia americana, nem o dólar barato que

desestimula as exportações, nem os juros altos que tornam quase proibitivos os

financiamentos assustam a indústria brasileira. Seus investimentos estão crescendo e

muitas empresas estão dispostas a investir ainda mais no próximo ano. (...) Essa é a

conclusão de duas pesquisas anunciadas há pouco: a indústria brasileira projeta um 2008

melhor que 2007.

(...) Embora não iniba os investimentos, a desvalorização do dólar está forçando as

empresas a mudar suas políticas. (OESP, 03/12/07)

Na ocorrência 251, o segmento concessivo anteposto resume os trechos em negrito.

Ao que parece, a posição anteposta dos segmentos adverbiais favorece o aparecimento de

resumo, o que se confirma em Thompson (1987), que, ao analisar orações adverbiais

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temporais, identifica ocorrências nas quais essas orações, quando antepostas, trazem material

lexical utilizado para resumir.

Registre-se que, quando está envolvida a correlação entre informação conhecida e

informação não conhecida, do total de segmentos concessivos antepostos, indica-se resumo

em 50% e em quase 30% dos casos registrados no córpus inicial e no de controle,

respectivamente.

A partir do que se mostrou, fica sugerido que a posição anteposta das concessivas

favorece a retomada de informações: retomam-se informações explicitadas para, em seguida,

orientar o conteúdo a ser apresentado. Tal fato justificaria a maior frequência da correlação

entre informação conhecida e informação não conhecida, em vez da correlação entre

informação não conhecida e informação conhecida, nas construções concessivas identificadas

no córpus, que, como se apontou, traz, na maioria das vezes, segmento adverbial anteposto.

Assim, verifica-se uma diferença entre os segmentos concessivos antepostos e os

segmentos adversativos: estes seriam mais voltados para apresentar conclusão, remetendo a

argumentos centrais do editorial, já que trazem argumento defendido pelo locutor140

; e aqueles

apresentariam, por vezes, resumo, orientando para o conteúdo a ser apresentado no segmento

subsequente da construção.

Pode-se argumentar que a posição inicial de qualquer tipo de segmento de uma

determinada construção contribuiria para uma recolha de informações ou resumo, dado que,

de acordo com o princípio de ordenação linear, como já se indicou, parte-se da informação

conhecida para a informação não conhecida. Não se deixa de considerar, aqui, que, na

construção adversativa, o segmento inicial, que, como se sabe, ocorre sempre na posição

inicial, por vezes apresenta resumo, como se vê a seguir:

252) [Hugo Chávez] Interfere abertamente nos assuntos internos da Bolívia, Equador e

Nicarágua – e só não faz o mesmo no Peru e no México porque os presidentes Alan Garcia e

Felipe Calderón rechaçaram energicamente suas intromissões. Usa o dinheiro do petróleo

para ter ascendência sobre países e governos – como na Argentina. Quer entrar no Mercosul

para mudar a sua estrutura, adaptando-a ao seu anticapitalismo. Agora, comunica à

Comunidade Andina de Nações que voltará ao bloco se ele se sujeitar às condições do

“socialismo bolivariano”.

Em resumo, não respeita nada e ninguém – mas há muito método em sua loucura.

(OESP, 24/11/07)

140 Lembre-se que uma nas definições oferecidas para o termo conclusão é “opinião definitiva”.

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Entretanto, ressalte-se que, quando está envolvida correlação entre informação

conhecida e informação não conhecida, o segmento inicial da construção adversativa traz

resumo em apenas 5% dos casos.

Dessa forma, acredita-se que seja a função de “guia” que tem o segmento concessivo

anteposto a que favorece o aparecimento de resumo nesse segmento: como se disse,

recolhem-se informações para guiar o leitor para o que será apresentado posteriormente.

Por outro lado, não se identificaram casos de segmentos concessivos intercalados que

trazem resumo. Nesses segmentos, há, simplesmente, uma retomada de informação, como se

vê na ocorrência 248. No entanto, não é possível chegar a conclusões definitivas, visto que se

identificaram, no total, apenas 3 ocorrências com segmento concessivo intercalado que trazem

a correlação entre informação conhecida e informação não conhecida.

Outra questão observada é que, quando há correlação entre informação conhecida e

informação não conhecida, tanto o segmento inicial da construção adversativa quanto o

segmento adverbial anteposto da construção concessiva, embora tragam argumento não

defendido pelo locutor, podem remeter, por vezes, a elementos do editorial (título, subtítulo

ou caixa de texto), como se vê nas passagens a seguir:

253) Caixa de texto: Será uma grande surpresa se de fato ela for enviada ao Congresso

Motivos não faltam para o contribuinte receber com desconfiança a mais recente

promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fazer a reforma tributária. O projeto

da nova reforma, disse o presidente a empresários brasileiros e alemães reunidos em

Blumenau, será enviado ao Congresso Nacional até o dia 30 deste mês.

Quem acompanha o debate da reforma tributária nos últimos cinco anos sabe que não é

a primeira vez que o presidente fez essa promessa. Desde o início de seu primeiro mandato,

Lula fala dessa reforma. Chegou a mandar um projeto para o Congresso em abril de 2003,

mas, diante da resistência de governadores e prefeitos a diferentes pontos da proposta,

concordou em aprová-la apenas parcialmente, deixando as questões mais polêmicas para

nova discussão.

Será uma surpresa para os contribuintes a chegada ao Congresso do projeto

anunciado pelo presidente até o fim do mês. Mas, mesmo que isso aconteça, sua alegria vai

durar pouco. (OESP, 26/11/07)

Em 253, o conteúdo do segmento inicial da construção adversativa, além de remeter a

trechos presentes em porções anteriores no corpo do editorial (em negrito), remete ao

conteúdo que vem explicitado na caixa de texto.

Não é de estranhar que o conteúdo presente na caixa de texto, que apresenta ponto de

vista adotado pelo locutor, seja retomado no segmento inicial da construção adversativa – que,

como se sabe, traz, em geral, ponto de vista do interlocutor –, pois o locutor retoma o que foi

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enunciado para fazer, no segmento adversativo, uma restrição que prevalece. Observa-se que

já no segmento inicial, devido à presença da expressão será uma surpresa, sugere-se que Lula

não cumprirá sua promessa, mas é no segmento adversativo que essa ideia fica mais

claramente explicitada, pois o locutor se posiciona, fazendo a ressalva de que a alegria do

contribuinte vai durar pouco.

Apresenta-se, agora, excerto para discutir o caso da construção concessiva:

254) Título: A tartaruga de Doha / Subtítulo: Estudo da OCDE indica corte ínfimo de

subsídios agrícolas nos países ricos, principal obstáculo para negociações comerciais

O relatório mais recente sobre subsídios agrícolas da Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Econômico, clube de 30 países ricos, pouco tem de animador. Embora

registre progresso infinitesimal na redução de subsídios que sustentam a agricultura dos

países mais desenvolvidos, o documento de encarrega de solapá-lo ao mostrar que pesaram

mais fatores conjunturais do que um recuo palpável nos mecanismos que distorcem o

comércio mundial. (FSP, 25/10/07)

Como se vê, o conteúdo do segmento adverbial anteposto remete diretamente ao

trecho em negrito no subtítulo do editorial e, até mesmo, ao título, no qual já se sugere a ideia

de progresso ínfimo, dada a presença do termo tartaruga. Nesse caso, também não surpreende

que o segmento concessivo remeta a elementos presentes no subtítulo e no título do editorial,

pois se verifica que a intenção do locutor é mostrar o que foi constatado pelo estudo para, em

seguida, defender que não era de esperar que o documento se encarregasse de encobrir o que

foi constatado.

De qualquer forma, no córpus analisado, é mais comum que os segmentos – tanto nas

adversativas quanto nas concessivas – que trazem a voz do locutor (argumento forte), e não a

do interlocutor (argumento fraco), remetam a elementos do editorial (título, subtítulo ou caixa

de texto), dado que, como já se disse, esses elementos, muitas vezes, já manifestam ponto de

vista adotado pelo locutor.

A partir do exposto, observa-se que o segmento adverbial (concessivo) anteposto, que

se manifesta com frequência no córpus, favorece o aparecimento de informação conhecida,

dada a sua função guiadora: retomam-se informações, que podem vir como resumo ao que já

foi explicitado, para orientar novo conteúdo a ser apresentado. Esses aspectos diferenciam as

concessivas das adversativas, dado que, nestas, o conteúdo retomado no primeiro segmento da

construção não serve para orientar o que virá no segmento subsequente. Além disso, não é tão

comum a indicação de resumo na construção adversativa.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

A partir do que se mostrou nesta análise, fazem-se, a seguir, algumas observações

gerais.

Observou-se, primeiramente, que, na construção concessiva, a não identidade de

estatuto nos segmentos ocorre com mais frequência, resultado que se atribuiu à relação

hierárquica (margem + núcleo) entre os segmentos dessa construção. Visto isso, passou-se a

observar, em seguida, cada tipo de correlação de estatuto presente nas construções estudadas.

A correlação de estatuto mais frequente nas construções em pauta é entre informação

não conhecida e informação não conhecida, o que se deve à natureza do córpus e à própria

natureza dessas construções. Apesar disso, quando está envolvido esse tipo de correlação, a

função discursiva de adendo, que contribui para reforçar argumento defendido, se manifesta

mais recorrentemente no segmento concessivo posposto do que no segmento adversativo, o

que se justifica pelo caráter de “realce” (HALLIDAY, 1994) daquele segmento. No entanto,

nesse tipo de correlação, destaca-se, sobretudo, o papel particular desempenhado pelo

segmento concessivo anteposto, que antecipa contra-argumento não enunciado, reforçando

argumento a ser apresentado, e orienta conteúdo que se explicitará.

Outro tipo de correlação no qual há identidade de estatuto é entre informação

conhecida e informação conhecida. Verificou-se que, nesse caso, tanto as adversativas quanto

as concessivas remetem, em geral, a argumentos centrais do editorial (contra-argumento e

argumento), podendo indicar conclusão, dado que, em ambas as construções, um dos

segmentos traz argumento forte (defendido pelo locutor) e o outro traz argumento fraco (não

defendido pelo locutor).

No que se refere aos casos em que não há identidade de estatuto nos segmentos,

constatou-se que, nas adversativas, é mais frequente a correlação entre informação não

conhecida e informação conhecida, e, nas concessivas, ao contrário, é mais recorrente a

correlação entre informação conhecida e informação não conhecida. Como se mostrou, isso

ocorreria porque, nas adversativas, a reiteração de informação em apenas um dos segmentos

(o adversativo) contribui para reforçar argumento defendido pelo locutor; nas concessivas, por

seu turno, retomam-se, no segmento adverbial anteposto, informações já explicitadas para

orientar novo conteúdo a ser apresentado. Em decorrência dessa diferenciação entre as

construções estudadas, quando está envolvida informação conhecida, o segmento adversativo

seria mais voltado para indicar conclusão, que pode ser entendida como opinião definitiva, e o

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segmento concessivo anteposto apresentaria resumo, que contribui para orientar conteúdo a

ser apresentado.

A partir dos resultados obtidos na análise, é possível fazer, ainda, outras observações

gerais a respeito do segmento adversativo e do segmento adverbial concessivo.

Os dados de análise contribuem para demonstrar, por exemplo, que, diferentemente do

que postulam Towsend (1997) e Winter (1982, apud MATTHIESSEN & THOMPSON,

1988), o segmento “subordinado” nem sempre traz informação “dada”.

Por outro lado, quando se comparam os segmentos adverbiais concessivos com os

segmentos adversativos, verifica-se que os segmentos adverbiais apresentam informação

conhecida com maior frequência que os adversativos: aqueles têm informação conhecida em

cerca de 36% dos casos (e em 50% dos casos no córpus de controle) e estes em 20% dos

casos. Além disso, na maioria das vezes (em cerca de 69% e em quase 64% no córpus inicial

e no de controle, respectivamente), o segmento adverbial que traz informação conhecida vem

na posição anteposta. Isso levaria a pensar que, de certa forma, as concessivas e as

adversativas podem ser distinguidas em relação à dicotomia tema x rema. As concessivas se

caracterizariam pela sua natureza temática (de elemento que é conhecido e, subsidiariamente,

está em posição inicial) e as adversativas se caracterizariam pela sua natureza remática (de

elemento que está em posição final e, subsidiariamente, é não conhecido) (GARCÍA, 1994).

Retomam-se algumas ocorrências para exemplificação:

254) Estudo da OCDE indica corte ínfimo de subsídios agrícolas nos países ricos, principal

obstáculo para negociações comerciais. (...) Embora registre progresso infinitesimal na

redução de subsídios que sustentam a agricultura dos países mais desenvolvidos, o

documento de encarrega de solapá-lo ao mostrar que pesaram mais fatores conjunturais do

que um recuo palpável nos mecanismos que distorcem o comércio mundial. (FSP, 25/10/07)

255) O governo federal poderá gastar e endividar-se folgadamente, nos próximos anos, sem

romper os limites que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) acaba de

aprovar. (...) Mas os dois projetos, na forma aprovada pela Comissão, correspondem na

prática a uma generosa autorização para gastar e para endividar o Tesouro. (...) Mas a

oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na Comissão.

(OESP, 06/12/07)

Em ambos os trechos, o segmento concessivo traz elemento conhecido, característica

principal do tema. Por outro lado, verifica-se que o tema pode pospor-se, como se observa em

5, daí se dizer que o tema está, subsidiariamente, em posição inicial.

Comenta-se, agora, a construção adversativa a seguir:

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256) A UE ainda não especificou as medidas que adotará para restringir a entrada da carne

brasileira (...). O governo brasileiro ainda não foi informado da decisão da UE, mas o

ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, adiantou que as exigências européias devem

ser cumpridas e tratadas de maneira técnica. (OESP, 18/12/07)

257) (...) A ausência de avanço substantivo (...). Um avanço, decerto, mas diminuto. (FSP,

18/12/07)

Nesses casos, vê-se a característica principal do rema, que é a localização na posição

final da construção. Isso é decorrente da natureza paratática do segmento adversativo, que,

como se sabe, tem posição fixa. Em 256, observa-se, no segmento adversativo, a característica

secundária do rema: apresentar elemento não conhecido. Por outro lado, justamente por esse

elemento constituir característica secundária, é possível que ele não esteja presente no rema,

como se vê no segmento adversativo em 257, no qual há informação conhecida.

Como se vê, García (1994) estabelece uma hierarquia para definir tema e rema,

apontando características principais e secundárias desses elementos. As ocorrências aqui

apresentadas servem para exemplificar no segmento concessivo e no adversativo,

respectivamente, a presença dos elementos tema e rema, tal como esse autor os define. No

entanto, é importante ressaltar que, quando está em questão a língua em uso, nem sempre é

possível estabelecer hierarquias. Exemplo disso é o fato de que, no córpus examinado, o

segmento concessivo nem sempre exibe informação conhecida, elemento tido como

característica principal do tema.

De qualquer forma, reitere-se que, no córpus analisado, o segmento concessivo traz

informação conhecida com maior recorrência que o segmento adversativo, o que confirma as

observações feitas por García (1994). Ressalte-se que isso não ocorre apenas quando o

segmento concessivo vem na posição posposta. Nesse caso, há informação conhecida no

segmento adverbial em pouco mais de 12% dos casos. Contudo, no córpus de controle, a

porcentagem que representa as ocorrências de segmento concessivo posposto com informação

conhecida (cerca de 21%) não se aproxima tanto daquela obtida no córpus inicial, o que

mostra a necessidade de se investigar essa questão, já que, neste trabalho, até mesmo no

córpus de controle os dados referentes ao segmento concessivo posposto são limitados.

Outra diferença observada entre as adversativas e as concessivas diz respeito ao par

figura / fundo (GIVÓN, 1990). Como a análise mostrou, na maioria das vezes o segmento

concessivo atua como fundo (elemento adicional), diferentemente do segmento adversativo,

que funciona como figura (elemento saliente). Verificou-se que o segmento concessivo

funciona como figura apenas em casos excepcionais (normalmente, quando vem na posição

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posposta e traz adendo). Devido a isso, o segmento adversativo, como elemento saliente, seria

mais voltado a apresentar conclusão (opinião definitiva), ao passo que o segmento concessivo

(anteposto), como elemento adicional, não seria voltado a trazer conclusão, mas,

simplesmente, resumo.

A partir do exposto aqui, verifica-se que, quando há o tratamento da organização das

adversativas e das concessivas no fluxo de informação, essas construções podem ser

diferenciadas considerando-se certas particularidades das adverbiais concessivas, como sua

condição de “margem” (LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN &

THOMPSON, 1988), “realce” (HALLIDAY, 2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT,

1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e “tema” (GARCÍA, 1994).

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CONCLUSÕES

Nesta dissertação, objetivou-se, com base na teoria funcionalista da linguagem,

identificar os pontos de contato e de contraste entre as construções adversativas com mas e as

construções concessivas com embora presentes em editoriais.

No estudo das construções em questão, de acordo com a proposta funcionalista, levou-

se em conta que, na análise linguística, os componentes semântico e sintático devem estar

integrados ao pragmático. Isso permitiu que se observassem as possíveis motivações para o

uso de uma construção em vez de outra.

A hipótese que norteou este trabalho foi a de que os pontos de contato entre as

adversativas e as concessivas se relacionam à “lei da preferência” (GARCÍA, 1994) e a de que

a diferença entre tais construções é resultante da natureza de “margem” (LONGACRE, 2007),

“satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988), “realce” (HALLIDAY,

2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud, DECAT, 1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e “tema”

(GARCÍA, 1994) das adverbiais concessivas. Nas análises empreendidas, essa hipótese

levantada se confirmou.

Na seção 5.1 do capítulo de análise, na qual se tratou da inserção textual, do uso

argumentativo e da interpretação semântica das construções em estudo, verificou-se que as

adversativas e as concessivas, com sequência dissertativa, descritiva ou narrativa, incluem-se

na lei da preferência (GARCÍA, 1994), pois, em ambas as construções, um dos argumentos se

mantém: aquele que é defendido pelo locutor. Observou-se, porém, que, em alguns casos (em

construções com tipo dissertativo ou descritivo), o argumento sobre o qual se mantém a

preferência é o do interlocutor. Trata-se do caso em que, por motivações particulares, o

locutor pretende dar certo destaque à voz do interlocutor. Como se viu, a mudança de posição

é favorecida pela presença da função constatativa no caso das adversativas e das concessivas e

pela ocorrência da função relativizadora no caso das concessivas em específico.

Ainda na seção 5.1, verificou-se que, apesar de as adversativas e as concessivas

apresentarem tipos textuais (dissertativo, narrativo, descritivo) e funções textuais (avaliação

e/ou opinião, constatação, relativização) semelhantes, há diferenças entre essas construções,

que são decorrentes, muitas vezes, da condição de margem, de satélite e de guia das

adverbiais concessivas.

Observou-se que a natureza de margem, ou de satélite, das concessivas influi para

diferenciá-las das adversativas quanto ao critério identidade x não identidade de tipo textual e

função textual. Nas concessivas, diferentemente do que acontece nas adversativas, há

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identidade de tipo textual em todos os casos, dada a (relativa) dependência entre os

segmentos. Por outro lado, há um maior número de concessivas que trazem não identidade de

função textual, o que se deve à relação hierárquica presente nestas.

Outra questão relacionada à condição de margem, ou satélite, das concessivas é a

anteposição do segmento concessivo, que ocorre na maioria dos casos, independentemente do

tipo textual presente na construção. Isso influi para determinar efeitos de sentido particulares,

pois, como se viu, por meio da anteposição das concessivas, apresenta-se a estratégia de

antecipação, o que contribui para reforçar argumento defendido pelo locutor.

Nas adversativas também pode haver antecipação, mas, diferentemente do que se dá

nas concessivas – que, por terem flexibilidade de posição, podem exibir antecipação em

diversos contextos de uso –, esse mecanismo se manifesta, especificamente, nas construções

com tipo dissertativo e com função avaliativa e/ou opinativa, caso em que se podem trazer

marcas de concordância do locutor no primeiro segmento da construção. Assim, nas

adversativas, o reforço do argumento defendido pelo locutor por meio de crítica, por exemplo,

compensa o fato de não se dar, na maioria das vezes, estratégia de antecipação nessas

construções. Nas concessivas, também se pode reforçar argumento defendido pela presença de

crítica, mas a anteposição do segmento concessivo favorece, sobretudo, a estratégia

preventiva.

Mostrou-se que também se liga à condição de margem das concessivas (à maior

dependência entre os segmentos) a presença de uma menor variedade de funções textuais

nessas construções. Como se viu, é especificamente nas adversativas (com tipo textual

dissertativo) que aparecem as funções justificativa, questionadora, preditiva e volitiva.

A condição de guia das concessivas, favorecida pela predominância de segmentos

concessivos antepostos no córpus, independentemente do tipo textual envolvido, também

influi para distingui-las das adversativas, que, por terem posição fixa, não servem para

orientar ou encaminhar conteúdo a ser apresentado no segundo segmento da construção.

Na seção 5.1, verificou-se, por fim, que os valores semânticos compartilhados entre as

adversativas e as concessivas influem para a determinação de funções particulares. Nas

construções contrastivas com tipo textual dissertativo, o valor de restrição favorece a

ocorrência da função discursiva de adendo. Além disso, tal valor favorece o aparecimento da

função relativizadora tanto nas adversativas quanto nas concessivas. No entanto, nessas

construções se produzem diferentes efeitos de sentido, já que, como se viu, a relativização

vem no argumento forte nas adversativas e no argumento fraco nas concessivas. O valor de

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restrição também contribui para a ocorrência da função questionadora, mas isso ocorre

especificamente nas adversativas.

Nas construções contrastivas com tipo textual narrativo, exerce um importante papel o

valor de negação de inferência, que contribui para que se crie efeito de surpresa. Contudo,

como se viu, são produzidos efeitos particulares em cada construção em estudo: é apenas nas

concessivas, por exemplo, que se antecipa que se apresentará fato/evento inesperado. Nas

construções contrastivas com tipo textual descritivo, por outro lado, não parece haver um

valor semântico específico que favoreça a ocorrência de uma função particular.

Na seção 5.2 de análise, por sua vez, na qual se tratou do estatuto informacional das

construções estudadas, observou-se que a natureza de “margem” (LONGACRE, 2007),

“satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988), “realce” (HALLIDAY,

2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e “tema”

(GARCÍA, 1994) das adverbiais influi para diferenciá-las das adversativas.

Observou-se que, apesar de haver correlação entre informação não conhecida e

informação não conhecida na maioria das vezes tanto nas adversativas quanto nas

concessivas, é especificamente no caso destas últimas que, pela sua condição de margem,

antecipa-se argumento não enunciado, reforçando, assim, argumento a ser defendido. Por

outro lado, verificou-se que nas adversativas em que está envolvido o tipo de correlação

referido, reforça-se argumento defendido pela presença da função de adendo. No entanto, viu-

se que essa função aparece, sobretudo, nas concessivas, dado o seu caráter de “realce”.

Verificou-se, também, que, nas concessivas, há mais casos com correlação entre

informação conhecida e informação não conhecida, e, nas adversativas, há mais casos com

correlação entre informação não conhecida e informação conhecida. Assim, nas concessivas,

indica-se, por vezes, resumo, orientando o segmento adverbial anteposto para o conteúdo a ser

apresentado, e nas adversativas se apresenta, por vezes, conclusão, o que, como se mostrou, se

explica pelo fato de o segmento adversativo trazer opinião definitiva. Como se viu, nas

concessivas também se apresenta conclusão, mas isso ocorre quando está em questão

correlação entre informação conhecida e informação conhecida, caso em que se remete a

argumentos centrais apresentados.

Na análise dos dados, notou-se, ainda, que as adversativas e as concessivas, de certa

forma, podem ser diferenciadas quanto aos elementos tema / rema, tais como são concebidos

por García (1994), pois, como se mostrou, os segmentos concessivos, que, na maioria das

vezes, ocorrem na posição anteposta, trazem informação conhecida mais frequentemente que

os segmentos adversativos.

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Observou-se, também, que as adversativas e as concessivas podem ser distinguidas em

relação ao par figura / fundo. No córpus, o segmento adversativo atua como figura em todas

as ocorrências identificadas. O segmento concessivo, apesar de funcionar, por vezes (em

geral, quando se encontra em posição posposta e tem função de adendo), como figura, atua

mais caracteristicamente como fundo.

A partir do que se expôs, fica explicitado que, apesar de haver uma aproximação entre

as adversativas e as concessivas quanto à manifestação da lei da preferência, por exemplo, as

particularidades das adverbiais concessivas em relação às adversativas influem para que sejam

produzidos efeitos de sentido particulares naquelas.

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