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Universidade Presbiteriana Mackenzie Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico Sergio Paulo Gomes Gallindo MARCO CIVIL DA INTERNET E SERVIÇOS NA NUVEM Hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica São Paulo 2016

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Programa de Pós-Graduação em

Direito Político e Econômico

Sergio Paulo Gomes Gallindo

MARCO CIVIL DA INTERNET E SERVIÇOS NA NUVEM

Hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica

São Paulo

2016

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 2/226

Sergio Paulo Gomes Gallindo

MARCO CIVIL DA INTERNET E SERVIÇOS NA NUVEM

Hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Direito Político e Econômico da Faculdade de Direito da

Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito

parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Eduardo Marcial Ferreira Jardim

São Paulo 2016

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 3/226

G169m Gallindo, Sergio Paulo Gomes.

Marco Civil da Internet e serviços na nuvem : hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica / Sergio Paulo Gomes Gallindo. – 2017.

222 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) -

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. Orientador: Eduardo Marcial Ferreira Jardim. Referências bibliográficas: f. 215-223.

1. Marco Civil da Internet. 2. Neutralidade da rede. 3. Sopesamento

de princípios. 4. Serviços na nuvem. 5. Hipótese de incidência tributária. 6. Direito econômico. I. Título.

CDDir 340.0285

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 5/226

A todos que, motivados por mentes

inquietas, encontram na reflexão

acadêmica o instrumento e o espaço para

dar vazão à punção de busca do

conhecimento e da verdade, em prol do

bem social e para a realização de uma

existência racional digna e significativa.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 6/226

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela existência.

A Deus, pela razão.

A Deus, pela existência racional.

A Lidia, amor da minha vida, instigadora da minha jornada no Direito, pelo companheirismo

nas reflexões.

A Gabriel e Michelle, filhos do amor, alvos do amor, pela reciprocidade no amor e pelo futuro.

A Lucio e Cleida (in memorian), amor de pai e mãe, pelo amor ao educar e à educação.

A Eduardo e Arianny, amor fraternal, por momentos em família, musicais e tecnológicos.

A Ana Carolina, Guilherme, Juliana e Felipe, sobrinhos amados, pela esperança no futuro.

A Nicinha, querida e especial cunhada, pela contagiante alegria de viver.

A Rosane e Arlindo, cunhados queridos, pelos vínculos indeléveis.

Aos amados, in memoriam, tio Gilson e tia Vani, por vibrarem comigo em cada passo trilhado.

Aos queridos afilhados do coração, oficiais e oficiosos, e seus queridos, pelo amor de família.

A Dr. Fernando e Regina, anjos da saúde e da fé, pela amizade e os cuidados transfronteiras.

Aos queridos Ester e Josmeyr, Natália, Eliana e Cícero (in memoriam), pela amizade sincera.

Ao Rev. Longuini e ao Rev. Jouberto, companheiros de reflexões teológicas, pela vivência.

Ao Dr. Ronaldo e ao Dr. Rassi, mestres, primeiros, no direito, pela amizade para além da

cátedra.

À Brasscom, pelo apoio nesta jornada acadêmica e por suscitar a reflexão a partir da prática.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, por ter me acolhido, filho tardio do Direito, o mais

jovem mackenzista.

Ao Prof. Dr. Eduardo Marcial Ferreira Jardim, orientador e amigo, pelo apoio de primeira hora

e companheirismo no desenvolvimento destas reflexões.

Ao Prof. Dr. Alessandro Serafin Octaviani Luis, amigo e visionário, por descortinar o Direito

Econômico da Inovação Tecnológica, pavimentando o caminho e qualificando estas reflexões.

Aos mestres e colegas do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo ambiente aberto, receptivo e estimulante.

Aos queridos companheiros de reflexão, de labuta, de fé, de sonhos e de realizações, que não

caberiam em muitas e muitas folhas, mas que cabem todos no coração e na razão.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 7/226

Resumo

A Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014, usualmente referida no Brasil como Marco

Civil da Internet e no exterior como The Internet Bill of Rights, representa uma importante

experiência legislativa. A rede mundial tornou-se um serviço essencial para os cidadãos, os

Estados e os negócios, em função do seu alcance geográfico, vocação de universalidade e

ambiente aberto propiciador de acelerado compartilhamento de informações e desenvolvimento

de aplicações. Na medida em que o Marco Civil da Internet começa a produzir seus efeitos no

mundo jurídico e sobre os atores sociais que operam neste complexo ecossistema no âmbito

pátrio, aumenta a necessidade de aprofundar-se a exegese do diploma.

Tradicionalmente, equipamentos informáticos são comercializados como mercadoria,

em transações de compra e venda mediante a tradição do bem. Programas informáticos

(software) são comercializados mediante licença de uso perpétuo. Em ambos os casos, o modelo

comercial é usualmente de preços não recorrentes e a compra é contabilmente depreciável como

ativo. Devido à expansão da Internet e à evolução tecnológica, novos modelos de negócio têm

surgido em torno de certo conceito denominado, mercadologicamente, Serviços na Nuvem

(Cloud Services). Tais ofertas disponibilizam, através da Internet e na medida da necessidade,

capacidade de processamento e licenças de software, pagas mensalmente conforme o uso.

Este trabalho apresenta reflexões sobre a hermenêutica jurídica aplicável, à Lei 12.965

de 2014, empreendidas com base no conceito de princípios jurídicos e na técnica de

sopesamento de princípios colidentes, deitando foco especial sobre a Neutralidade de Rede e

investiga as hipóteses de incidência tributárias (fatos geradores) aplicáveis às modernas

soluções de tecnologia da informação e comunicação levando em conta a natureza jurídica. As

reflexões têm como pano de fundo a perspectiva do Direto Econômico e as formas de atuação

do Estado na economia, em especial a forma indutiva.

Palavras-chave

Marco Civil da Internet; Neutralidade de Rede; Sopesamento de Princípios; Serviços na

Nuvem; Hipótese de Incidência Tributária; Direito Econômico.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 8/226

Abstract

Brazilian Law 12.965, 23 April 2014, referred to as The Internet Bill of Rights (Marco

Civil da Internet in Brazil), represents an important landmark in Brazil´s legal system. Given

its geographical reach, universality and its open environment, conducive to information sharing

and development of applications, the Internet has become an essential service to citizens, to

governments and to the business, transcending national borders. As The Internet Bill of Rights

starts producing effects within Brazilian legal environment and upon social actors operating in

such a complex ecosystem, there is a growing need to deepen the exegesis of the legal diploma.

Traditionally, hardware is sold as merchandise in buy-and-sell transactions concluded

perfected by the equipment delivery. Software as commercialized as perpetual right of use

license. In both cases, the commercial model is usually based in non-recurring prices, and the

purchase is accounted as asset subject to depreciation. Given the Internet expansion and the

technology evolution, new business models have emerged around a certain concept, known in

the market as Cloud Services. Such offerings make available processing capacity and software

licenses, through the Internet, in accordance to the customer´s need, and paid on recurring

charges based on the usage.

This work presents considerations about interpretation applicable to Law 12.965/2014,

undertaken on the basis of its own legal principles and on the weighting of colliding principles,

focusing on Net Neutrality and investigates taxation regimes (tax incidence hypotheses)

applicable to new information and communication technologies, taking into account the

juridical nature of the solutions. Considerations hereto presented rely on Economic Law as

backdrop, regarding, in particular, ways in which the State intervenes in the economy,

especially using the inductive form.

Keywords

The Internet Bill of Rights; Net Neutrality; Weighting of Principles; Cloud Services;

Taxation; Economic Law.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 9/226

Gráficos Gráfico 1 – Investimentos (capex) e custos operacionais (opex) em datacenters .................. 168

Gráfico 2 – Proporção das operações comerciais dos Serviços na Nuvem ............................ 169

Gráfico 3 – Controvérsias tributárias sobre Nuvem do Exterior e Cargas Tributárias .......... 175

Gráfico 4 – Controvérsias tributárias sobre Nuvem Local e Cargas Tributárias.................... 178

Gráfico 5 – Relação entre Demanda e Preço .......................................................................... 184

Gráfico 6 – Impacto linear de uma terceira variável sobre a Demanda ................................. 185

Gráfico 7 – Relação entre Oferta e Preço ............................................................................... 187

Gráfico 8– Impacto linear de uma terceira variável sobre a Oferta ........................................ 187

Gráfico 9 – Equilíbrio entre Demanda e Oferta ..................................................................... 189

Gráfico 10 – Novo equilíbrio entre Demanda e Oferta devido a Demanda Forte .................. 190

Gráfico 11 – Desequilíbrio demanda-oferta causado pela tributação ..................................... 191

Gráfico 12 – O novo equilíbrio demanda-oferta em face a tributação ................................... 193

Gráfico 13 – Variação de Preço Unitário x Quantidade no tempo para TIC.......................... 200

Gráfico 14 – Decomposição da Demanda de TI em f(p) e u(t) .............................................. 203

Gráfico 15 – Estratégias de tributação .................................................................................... 206

Imagens Imagem 1 – Nuvem de palavras da Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet ....................... 17

Imagem 2 – Softwares “de prateleira”: invólucros, mídias e palavras-chave ........................ 140

Imagem 3 – Lojas virtuais (esq. p/ dir.): Google Play, Apple App Store, e Microsoft Store 148

Imagem 4 – Portais de Comércio Eletrônico: Alibaba e Submarino.com .............................. 148

Imagem 5 – Lojas Virtuais como Apps de smartphone: Submarino, Alibaba e Kalunga ...... 151

Imagem 6 – Comercialização de licenças de software por tempo definido ........................... 152

Imagem 7 – Arquitetura de Datacenters definidos por Software ........................................... 159

Imagem 8 – Configuração da oferta de computação na nuvem Amazon EC2 ....................... 160

Imagem 9 – Precificação e pagamento da computação na nuvem Amazon EC2144............... 161

Imagem 10 – Liderança do mercado de computação na nuvem, base 3T-2016 ..................... 162

Imagem 11 – Softwares na nuvem: TOTVS (ERP); Salesforce (CRM); Dropbox. ............... 163

Quadros Quadro 1 – Histórico dos marcos jurídicos pertinentes a ICMS sobre software .................... 123

Quadro 2 – Aumento de carga tributária decorrente do Decreto nº 61.522/2015-SP ............ 133

Quadro 3 – Incidência Tributária sobre Nuvem com Procedência do Exterior...................... 174

Quadro 4 - Incidência Tributária sobre Nuvem com Procedência Local ............................... 176

Quadro 5 – Desempenho dos perfis de tributação .................................................................. 207

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 10/226

Abreviaturas ADI ou ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade ADSL Asymmetric Digital Subscriber Line

Anatel Agência Nacional de Telecomunicações CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPE Customer Premise Equipment CRTC Canadian Radio-television and Telecommunications Commission

CTN Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional CTS-FGV Centro de Tecnologia e Sociedade

Fundação Getulio Vargas Direito Rio FUST Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações GPS Global Positioning System (Sistema Global de Posicionamento) IaaS Infrastructure as a Service (Infraestrutura como Serviço) IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Serviços, disposto da

CF/88, Art. 155, II. IOF Imposto sobre Operações Financeiras, a saber, o imposto sobre operações

de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários disposto da CF/88, Art. 153, V.

IP Internet Protocol (Protocolo da Internet) IPTV TV over IP (Televisão sobre IP) ISSQN ou ISS Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, disposto da CF/88, Art.

156, III. MCI A Lei Nº 12.965 de 23 de abril de 2014, Marco Civil da Internet MPLS Multi-Protocol Label Switching

NIST National Institute of Standards and Technology

U.S. Department of Commerce

PaaS Platform as a Service (Plataforma como Serviço) PIS Programa de Integração Social PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios QoS Quality of Service

RE ou RExt Recurso Extraordinário REsp Recurso Especial SaaS Software as a Service (Software como Serviço) STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TI Tecnologia da Informação TIC Tecnologia da Informação e Comunicação VoIP Voice over IP (Voz sobre IP)

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 11/226

Sumário Resumo ....................................................................................................................................... 7

Palavras-chave ............................................................................................................................ 7

Abstract ....................................................................................................................................... 8

Keywords .................................................................................................................................... 8

1 Introdução - A relevância da Internet e seus desdobres jurídicos ..................................... 13

2 Neutralidade de Rede no Marco Civil da Internet ............................................................. 16

2.1 Marco Civil da Internet à luz do Direito Econômico .................................................... 16

2.2 Colisão e sopesamento de princípios ............................................................................. 20

2.3 Dos princípios do Marco Civil da Internet (Art. 2º) ...................................................... 32

2.4 Das garantias do Marco Civil da Internet (Art. 3º) ........................................................ 35

2.5 Da preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede (Art. 3º, V) ....... 37

2.6 Da liberdade dos modelos de negócio promovidos na Internet (Art. 3º, VIII) .............. 39

2.7 Princípios teleológicos, econômicos e sociais e (Art. 2º, Art. 3º e Art. 4º) ................... 40

2.8 Neutralidade de rede como princípio (Art. 3º, IV e Art. 9º) .......................................... 46

2.9 Priorização de tráfego e neutralidade básica de rede ..................................................... 56

2.10 Subsídio comercial e princípios sociais da Internet ...................................................... 59

2.11 Ordem-moldura, ordem-fundamento e espaços de discricionariedade ......................... 66

2.12 Normativos conceituais para regulamentação do Marco Civil da Internet ................... 71

2.13 Considerações finais sobre Neutralidade de Rede ......................................................... 74

3 Tributação sobre Serviços na Nuvem................................................................................ 76

3.1 Serviços na nuvem, o novo fenômeno econômico na Internet ...................................... 76

3.2 A importância de uma tributação adequada .................................................................. 77

3.3 Natureza técnica do hardware e do software ................................................................. 79

3.4 Natureza jurídica do hardware e do software ................................................................ 85

3.4.1 Natureza jurídica do hardware ................................................................................... 85

3.4.2 Natureza jurídica do software .................................................................................... 86

3.4.3 Natureza jurídica do software no direito internacional .............................................. 93

3.5 Relevância dos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias .............................. 98

3.6 Incidência tributária sobre hardware ........................................................................... 104

3.6.1 Incidência tributária sobre hardware conforme a Constituição ............................... 104

3.6.2 Da incidência de imposto sobre aluguel de hardware .............................................. 108

3.7 Incidência tributária sobre software ............................................................................ 114

3.7.1 Tributação sobre software conforme ordenamento complementar .......................... 114

3.7.2 Controvérsias concernentes a tributação de software .............................................. 121

3.7.3 Incidência tributária sobre software conforme a Constituição ................................ 137

3.8 Incidências tributárias constitucionais sobre serviços na nuvem ................................ 157

3.8.1 Controvérsias tributárias sobre a nuvem e efeitos na carga tributária ..................... 170

4 Tributação ótima sobre produtos de Tecnologia da Informação ..................................... 180

4.1 Funcionamento teórico do mercado e o efeito da tributação ....................................... 182

4.1.1 Demanda e oferta ..................................................................................................... 182

4.1.2 Demanda e oferta em mercados perfeitamente competitivos .................................. 188

4.1.3 Impacto da tributação sobre o equilíbrio demanda-oferta ....................................... 190

4.1.4 Demonstrações relevantes ........................................................................................ 194

4.2 Otimização da tributação de bens e serviços de TI e TIC ........................................... 196

4.2.1 Marco teórico aplicável à questão............................................................................ 196

4.2.2 Ciclo de vida mercadológico de bens e serviços de TI e TIC .................................. 198

4.2.3 Preço e utilidade como propulsores da demanda ..................................................... 200

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 12/226

4.2.4 Função indutora e extrafiscalidade .......................................................................... 203

4.2.5 Análise comparativa de estratégias tributárias de viés extrafiscal ........................... 205

4.3 Considerações finais sobre tributação ótima ............................................................... 207

5 In Fine - Hermenêutica, contribuições e conjecturas ...................................................... 209

Referências ............................................................................................................................. 218

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 13/226

1 Introdução - A relevância da Internet e seus desdobres jurídicos

A Internet é um importante fenômeno tecnológico, econômico e social desdobrado em

escala global. A partir de um projeto com foco em defesa, empreendido nos Estados Unidos na

década de 1960, a Internet expandiu-se ao ser absorvida pelas universidades e empresas de alta

tecnologia norte-americanas, transformando-se em tecnologia multifacetada, viabilizadora e

impulsionadora de várias atividades, e que evolui permeando inúmeros aspectos da vida social

e econômica. É inegável o papel da Internet como o mais ágil e abrangente meio de conexão

entre pessoas e empresas, possibilitando a livre circulação de ideias, informação, conhecimento

e cultura. Transformou-se também em um espaço de negócios, no qual transações de compra e

venda são realizadas, hodiernamente, com rapidez sem precedentes, chegando a incríveis

intervalos de milissegundos, como é o caso das transações financeiras através de redes de baixa

latência. A Internet se tornou um espaço de ativismo político, tendo sido essencial para os

movimentos sociais conhecidos como Primavera Árabe, eclodidos no norte da África e no

Oriente Médio em 2010 e nas manifestações populares ocorridas no Brasil em 2013.

De acordo com o portal Internet World Stats, a Internet conectava cerca de 3,1 bilhões

de usuários no mundo em meados de 2014, representando uma penetração de 42,3% em relação

à população mundial de 7,2 bilhões de pessoas. De acordo com a PNAD, Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios do IBGE, publicada pelo portal Teleco, o Brasil encerrou 2013 com

85,6 milhões de usuários conectados à Internet, representando 49,4% da população com idade

igual ou superior a 10 anos. Tal percentual é superior à média mundial, mas substantivamente

inferior à penetração na América do Norte, Austrália/Oceania e Europa, com 87,7%, 72,9% e

70,5% respectivamente. Todavia, segundo dados da Anatel, publicados pelo portal Teleco, ao

final de 2014 o Brasil contava com 180,6 milhões de acessos banda larga, sendo 22,7 milhões

de acessos fixos, 6,4 milhões de acesso máquina-a-máquina e os restantes 151,5 milhões de

acesso via celulares 3G e 4G. Ou seja, o Brasil teria entrado em 2015 com cerca de 85,9 acessos

banda larga para cada 100 habitantes, posicionado logo atrás da América do Norte. A

comparação entre número de usuários de internet e a quantidade de acessos banda larga

demonstra haver concentração da disponibilidade de acesso em detrimento de acesso

universalizado. Há, portanto, que se continuar fomentando a Internet no Brasil como meio de

integração social e desenvolvimento condizente com a era da economia do conhecimento.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 14/226

O Marco Civil da Internet comporta ampliação de escopo de pesquisa em várias outras

áreas, das quais destacamos direito consumerista, defesa da privacidade e proteção aos dados

pessoais e conflitos de jurisdição internacional.

A Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014, usualmente referida no Brasil como Marco

Civil da Internet e no exterior como The Internet Bill of Rights, representa, no tocante ao

Internet como fenômeno econômico e social, uma importante experiência legislativa. A rede

mundial tornou-se um serviço essencial para os cidadãos, os Estados e os negócios, em função

do seu alcance geográfico, vocação de universalidade e ambiente aberto propiciador de

acelerado compartilhamento de informações e desenvolvimento de aplicações. Na medida em

que o Marco Civil da Internet começa a produzir seus efeitos no mundo jurídico e sobre os

atores sociais que operam neste complexo ecossistema no âmbito pátrio, aumenta a necessidade

de aprofundar-se a exegese do diploma, principalmente em relação à temas polêmicos, como é

o caso da Neutralidade de Rede e os novos modelos de negócio desenvolvidos na rede mundial.

A incidência tributária sobre os fatos jurídicos de origem tecnológica também passa a

ser um desafio. Tradicionalmente, equipamentos informáticos são comercializados como

mercadoria, em transações de compra e venda mediante a tradição do bem. Programas

informáticos (software) são comercializados mediante licença de uso perpétuo. Em ambos os

casos, o modelo comercial é usualmente de preços não recorrentes e a compra é contabilmente

depreciável como ativo. Devido à expansão da Internet e à evolução da tecnológica, novos

modelos de negócio têm surgido em torno de certo conceito denominado, mercadologicamente,

Serviços na Nuvem (Cloud Services). Tais ofertas disponibilizam, através da Internet e na

medida da necessidade, capacidade de processamento e licenças de software, pagas

mensalmente conforme o uso. Tal evolução tem sido fonte de insegurança jurídica do seio de

interpretações díspares por parte de entes federados, desaguando em bitributação. Se faz mister,

portanto, o aprofundamento dos fatos jurídicos de origem tecnológica para a determinação de

incidências tributárias que sejam estabelecidas em conformidade com o Sistema Tributário

Constitucional.

Este trabalho (i) apresenta reflexões sobre a hermenêutica jurídica aplicável, à Lei

12.965 de 2014, empreendidas com base no conceito de princípios jurídicos e na técnica de

sopesamento de princípios colidentes, deitando foco especial sobre a Neutralidade de Rede,

(ii) investiga as hipóteses de incidência tributária (fatos geradores) aplicáveis às modernas

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 15/226

soluções de tecnologia da informação e comunicação levando em conta a natureza jurídica dos

fatos tecnológicos e (iii) explora os efeitos da tributação sobre a economia, a partir da teoria

microeconômica do equilíbrio oferta-demanda, deitando luzes sobre o uso da extrafiscalidade

como instrumento de maximização do benefício econômico-social agregado para bens de

tecnologia da informação e comunicação. Estas reflexões têm como pano de fundo a perspectiva

do Direto Econômico e as formas de atuação do Estado na economia, em especial a forma

indutiva.

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2 Neutralidade de Rede no Marco Civil da Internet

2.1 Marco Civil da Internet à luz do Direito Econômico

O Marco Civil da Internet é naturalmente atrelado aos grandes ramos do direito que se

tratam da proteção dos direitos dos usuários, tanto de viés consumerista quanto relativamente

à privacidade, bem como o disciplinamento da responsabilidade civil dos próprios usuários e

dos atores envolvidos com o provimento de serviços, conexões ou aplicações, nos casos de usos

indevidos causadores de danos a terceiros ou de perpetração de condutas ilícitas. Temas

pressupostamente mais técnicos, tais como estabilidade e neutralidade de rede, sobressaem-se,

em uma primeira aproximação do texto legal, mais pelos efeitos protetivos e assecuratórios em

favor dos usuários, do que por quaisquer implicações econômicas que possam ensejar, em que

pese serem admitidas de forma genérica.

Uma rápida análise sobre a frequência com que termos e expressões aparecem no texto

da lei confirma a ênfase em certos temas em detrimento de outros. A alta incidência dos termos

provedor(es), com 16 ocorrências, e usuário(s), com 10 ocorrências, revela foco nos atores

sociais envolvidos com a Internet, seus direitos e suas condutas. Com efeito, a palavra direito

aparece 17 vezes no texto legal. Os aspectos tecnológicos também merecem destaque no texto,

como evidenciado pelo aparecimento da palavra tecnologia em 8 circunstâncias. O foco nos

aspectos pessoais dos usuários também se faz realçar pela ocorrência de 5 repetições da palavra

intimidade e 4 da palavra privacidade, quase sempre acompanhadas da palavra proteção que é

repetida 8 vezes. Todavia, a importância da Internet como fenômeno econômico é indubitável,

de tal sorte que não seria razoável supor a ausência do indispensável olhar do direito econômico

sobre o tema. Neste sentido, o termo econômico(a) aparece 6 vezes no texto e as expressões

correlatas livre iniciativa, livre concorrência e negócios, aparecem uma vez. São também

significativas as 2 ocorrências da palavra inovação, que congrega significado técnico e de

negócios com desdobre econômico.

Esse tipo de levantamento quantitativo tornou-se muito frequente no âmbito da própria

Internet, sendo importante ferramenta de análise de tendências nas redes sociais. O resultado é

comumente expresso com um gráfico denominado nuvem de palavras (word cloud), no qual as

palavras mais frequentes aparecem com mais destaque. A Imagem 1, mostra, à guisa de

exemplo, dentre as estatísticas suprarreferidas as mais relevantes para estas reflexões.

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Imagem 1 – Nuvem de palavras da Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet

Ao aproximar o Marco Civil da Internet do Direito Econômico se faz mister perscrutar

o seu posicionamento em face a atuação econômica pretendida pelo Estado. Primeiramente, de

acordo com a categorização dos instrumentos de execução de política pública proposto por

Fábio Konder Comparato, estamos diante de ato de império materializado por uma norma

impositiva, denotando forma de intervenção direta.1 Todavia, os dispositivos concernentes aos

aspectos econômicos, que situam-se nos Arts. 2º, 3º e 4º da lei, ao consubstanciarem o conjunto

principiológico do diploma, fogem ao figurino impositivo vislumbrado por Comparato, que

inclui disposições bastante mais prescritivas, tais como, emissão, valor e circulação de moeda,

crédito, sistema bancário e de seguros, entre outros. Princípios são normativos particulares, que

cumprem papel diferenciado no âmbito do direito e que, por esta razão, são objeto de

hermenêutica própria, tema que abordaremos com mais detalhes em seções subsequentes deste

texto. No tocante à classificação esboçada por Eros Grau2 e esposada por Alessandro

Octaviani3, não resta dúvida de que o Marco Civil da Internet, com base em seus princípios

1 “Na execução de sua política econômica, o Estado pode agir unilateralmente, exercendo prerrogativas de

imperium ou entrar em colaboração com os agentes privados da economia, numa posição de relativa igualdade. Atuando da forma imperativa sobre as estruturas econômicas, o Estado poderá agir diretamente ou por intermédio de entidades públicas de descentralizadas. No primeiro caso, a ação estatal traduzir-se-á por um conjunto de normas impositivas, disciplinando [...]” (COMPARATO, 1978, p.467) (Grifamos)

2 “Passa o Estado a dinamizar técnicas específicas de atuação, técnicas que – a partir do direito brasileiro – assim classifico: 1. Atuação na economia: 1.1 atuação por absorção, quando o Estado assume, em regime de monopólio, o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor; 1.2 atuação por participação, quando o Estado assume parcialmente (em regime de concorrência com agentes do setor privado) ou participa do capital de agente que detém o controle patrimonial de meios de produção e/ou troca de determinado setor; 2 atuação sobre a economia: 2.1 atuação por direção, que ocorre quando o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo normas de comportamento compulsório para os agentes econômicos; 2.2 atuação por indução, que ocorre quando o Estado dinamiza instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados. (GRAU, 2008, p.27) (Grifamos)

3 “(vi) o direito econômico, surgido desse quadro tenso, ainda quando não chegue ao ponto de ser postulado como reformulador do próprio modo de produção capitalista, terá em suas hipóteses de incidência os principais eixos da acumulação econômica, submetendo-os, via de regra, a normas gerais obrigatórias, de

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econômicos, é instrumento de atuação sobre a economia, visto que não propugna, absorção ou

participação direta na atividade econômica relacionada à Internet, muito embora, tampouco

vede a atuação participativa. No tocante à participação do Estado por absorção, ainda que não

tenha sido explicitamente vedada no texto do Marco Civil da Internet, deve ser considerada

tacitamente ab-rogada, pois, do contrário, precisaria ser explicitamente disposta em lei, uma

vez que equivale a atuação monopolista, excluindo a participação da iniciativa privada.

Questão relevante se apresenta ante a dificuldade de se enquadrar mandamentos

principiológicos nas categorias erigidas por Grau. Não resta dúvida quanto ao aspecto

imperativo dos princípios, o que poderia, de antemão, fazer pressupor, como decorrência, uma

atuação por direção. Todavia, a efetiva aplicação de princípios é limitada pela sua própria

generalidade. É a projeção de sua generalidade sobre à especificidade de casos concretos que

faz exsurgir sua própria aplicação. Neste sentido, repita-se, embora mandamentos imperativos,

princípios não são prescritivos por natureza, sendo, não raro, moduladores da prescritividade

de outros normativos. Assim sendo, embora os princípios do Marco Civil da Internet se

enquadrem como instrumentos de atuação por direção, estão longe de constituir normas

compulsórias a moldar condutas específicas. Neste sentido, a diretividade da atuação ganha

contornos de orientatividade, no sentido de ser comando de viés mais aspiracional do que

literalmente mandatório. Sem embargo do exposto em que pese características peculiares das

normas principiológicas, parece pertinente a caracterização do Marco Civil da Internet como

ferramenta legal de atuação por direção. Esta conclusão, porém, poderia induzir a conclusão

precipitada sobre a não caracterização do diploma da Internet como instrumento de atuação por

indução, seja por mera exclusão, ou pelo entendimento de que princípios, por serem normativos

imperativos, ou normas-objetivo, não agasalham facultatividade, característica nuclear

identificada por Octaviani.4 Com efeito, a facultatividade não é da natureza dos princípios,

principalmente de princípios constitucionais, como são vários dos enunciados no Marco Civil

da Internet. Todavia, ao atuar como moduladores de outros dispositivos legais e infralegais, os

princípios acabam por propiciar, aos atores sociais interessados, um amplo espaço de escolha

de condutas e, decorrentemente, de defesa das mesmas em caso de contestação judicial.

Observa-se, então, um efeito similar ao da facultatividade, a saber, a escolha de condutas a

cunho cogente (atuação do Estado SOBRE o domínio econômico por direção ou atuação Estado NO domínio econômico por absorção ou por participação), ou de normas gerais de adesão individual e facultativa (atuação do Estado SOBRE o domínio econômico por indução)” (OCTAVIANI, 2014, p.17) (Grifamos)

4 Ibidem, p.17, in fine.

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adotar e a não adotar, por parte dos atores sociais, possibilitada por certa latitude jurídica ex

legis. Neste sentido, princípios são análogos ao sistema de transmissão automotivo. Quando

confrontado com o desafio de subir uma ladeira, o motorista tem à sua disposição a

possibilidade de reduzir a marcha para aumentar o torque. Ao ver superado o aclive e vendo-se

em uma autoestrada, o condutor passa a elevar as marchas, buscando maior velocidade5. Assim

sendo, já de plano se pode considerar que a conjugação e a aplicação harmoniosa dos princípios

do Marco Civil da Internet constituem, também, forma de atuação sobre a economia por

indução. Os efeitos evidenciadores de tal caracterização serão explorados ao longo deste texto.

Comparato e Grau realçam a importância do planejamento como instrumento de atuação

do Estado sobre a economia. Com efeito, ainda hodiernamente, é pela via do planejamento e de

sua materialização em ordenamento legal e infralegal que se leva a efeito a implementação de

muitas políticas públicas com objeto econômico. Há que se desafiar este senso comum com

base no substantivo aumento de complexidade dos diversos ecossistemas de atores sociais

envolvidos em temas econômicos e a velocidade com que tais atores e seus ecossistemas se

comunicam, tanto intra quanto interssistemicamente, tomam decisões, colaboram e competem,

produzem e vendem, contratam e rescindem, buscando sempre permanecer sob o manto da

segurança jurídica. Cada vez mais, alarga-se a base dos destinatários de normas e princípios,

alcançando, para além dos atores sociais diretamente envolvidos com as questões de certo

desafio econômico, tais como, produtores e consumidores, um universo mais abrangente de

atores dotados de algum poder de influência ou até mesmo de diretividade, tais como,

operadores do direito (juízes e desembargadores, Ministério Público e advogados), agências

reguladoras, autoridades policiais, órgãos de defesa do consumidor, organizações

representativas da sociedade civil, dentre outros. Os princípios e as normas do Marco Civil da

Internet alcançam todos os possíveis atores interessados e a sua interpretação é,

indubitavelmente, indutora de condutas, que poderão ser melhores ou piores, no sentido da

consecução dos objetivos político-econômicos, quão mais bem harmonizadas e balanceadas as

próprias interpretações estiverem teleologicamente. Neste sentido, o aspecto funcional do

direito econômico acaba por transcender a ação pressupostamente direta e objetiva que embasa

a concepção e a execução de um plano econômico, influenciando percepções individuais e

5 Analogamente, se consideramos princípios jurídicos como semelhantes a ingredientes de uma receita de bolo, o

sopesamento é a dosagem de cada ingrediente em função do resultado buscado: (i) mais açúcar para um bolo doce, (ii) mais fermento para um bolo grande e fofo, (iii) menos manteiga para um bolo mais “seco”. Com os mesmos ingredientes pode-se produzir um bolo pequeno, massudo e dulcíssimo ou um bolo grande, aerado e delicadamente suave.

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coletivas sobre fenômenos econômicos de grande alcance social, cada vez mais corriqueiros

nas economias de massa, tanto em ambiente político democrático ou não.

A par de todos os demais propósitos que o motivaram ou que dele tenham decorrido, o

Marco Civil da Internet é, com efeito, um poderoso instrumento de Direito Econômico, sendo

imperioso considerá-lo como tal. Necessário se faz, destarte, o empenho em aprofundar a

reflexão sobre as técnicas jurídicas apropriadas, visando maximizar a eficácia dos seus efeitos.

2.2 Colisão e sopesamento de princípios

A questão da neutralidade de rede surgiu nos Estados Unidos na década de 90 a partir

de denúncias de práticas de bloqueio ou retardamento de tráfego realizadas por operadoras de

telecomunicação de forma discriminatória em relação à certos provedores de aplicação,

notadamente, conferências de voz ou vídeo, ou replicação e compartilhamento de conteúdo,

usualmente música ou filmes. Deste então o tema tem se avultado, tanto como debate técnico

quanto jurídico. No Brasil o tema polarizou o debate durante a tramitação do projeto de lei do

chamado Marco Civil da Internet, terminando por ser positivado nos artigos 3º e 9º.

Àqueles menos afetos à interpretação jurídica, princípios aparentam ser dicções vagas,

quase meramente ideológicas. Outros poderiam vê-los como fruto da prudência do legislador,

que, por receio de incorrer em omissões quanto à aspectos relevantes, enuncia dispositivos

genéricos com base no senso comum para promover certo nível de completude ou exaustividade

ao texto da lei. Alguns se questionam se asserções assim genéricas são aplicáveis de plano.

Longe de tais impressões equivocadas, princípios e garantias são elementos essenciais de

sistemas jurídicos, tendo incorporado importância crescente, como técnica legislativa e como

balizadores da hermenêutica jurídica, tanto em sede de direito constitucional, quanto nos vários

outros ramos do direito nos quais são empregados.

Quanto à sua natureza princípios são enunciados mandamentais do alto nível de

abstração que se prestam a nortear um sistema normativo. Neste sentido, vemos a perspectiva

de Celso Antonio Bandeira de Mello:

É por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (BANDEIRA DE MELLO, 1995, p.537)

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De plano, salta aos olhos a noção de sistema que nos remete à conceituação de

Hans Kelsen sobre a natureza sistêmica de ordens jurídicas que comungam o mesmo

fundamento de validade.6 Em especial neste ponto, é importante não perder de vista que estamos

diante da Ordem Constitucional Brasileira, ordem esta, de tipo dinâmico7 que tem como critério

de validade o poder constituinte originário de 1988, mas que agrega, na sua essência, o tipo

estático,8 que se manifesta pela pressuposta expectativa de coerência lógica. Os princípios

constantes no texto magno, projetam seus efeitos normativos próprios por todo o ordenamento

pátrio, legal ou infralegal, com base no mesmo fundamento de validade e, portanto, de forma

equipotente. Tais efeitos se desdobram em dois aspectos distintos. O primeiro, realçado no

escólio de Bandeira de Mello, diz respeito à compreensão do próprio sistema por intermédio da

interpretação das diversas normas que o compõem, que devem ter, nos princípios, fundamento

e balizamento. O segundo, não transparecido no referido excerto, é a necessária vinculação que

a produção normativa a jusante de uma norma – ou conjunto de normas – conferidora de

validade deve ter com esta norma hierarquicamente superior. Tal vinculação é, conforme

Kelsen, consequência da estrutura escalonada da ordem jurídica9 que se desdobra nos âmbitos

formal e material, aquele em função da criteriosa observância da competência e dos ditames do

processo legiferante e, este, mercê da coerência lógica que as normas derivadas por dependência

devem necessariamente ter com as correspondentes normas superiores. Embora relevantes no

tocante aos requisitos de validade incidentes sobre produção normativa, é na coerência lógica

– ou de espírito, como alegoriza Bandeira de Mello – que os princípios exibem extraordinária

importância e alcance.

Não sem razão, portanto, a dogmática constitucional relacionada a direitos

fundamentais é permeada pela discussão em torno de princípios jurídicos. Observa-se

6 “Uma ‘ordem’ é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo

fundamento de validade.” (KELSEN, 2006, p.33) 7 “O tipo dinâmico é caraterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter conteúdo senão a

instituição de fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora.” (KELSEN, 2006, p219)

8 “O princípio estático e o princípio dinâmico estão reunidos numa e na mesma norma quando [...] uma autoridade legisladora... ou uma outra por ela instituída não só estabelecem normas pelas quais delegam noutras autoridades legisladoras mas também normas pelas quais se prescreve uma determinada conduta dos sujeitos subordinados às normas e das quais – como o particular do geral – podem ser deduzidas novas normas através de uma operação lógica.” (KELSEN, 2006, p.220)

9 “A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante [...]” (KELSEN, 2006, p.247)

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significativa profusão conceitual nesta seara, alcançando também o direito econômico,

compendiada por Grau10 em sua interpretação e crítica da ordem econômica da Constituição de

1988. Iniciando pela distinção entre princípios explícitos, princípios implícitos e princípios

gerais de direito, o autor prossegue fazendo referência a três juristas representativos das

tradições jurídicas norte-americana, europeia e brasileira. De Dworkin, destaca a distinção entre

princípios e diretrizes (“policy”), e a proximidade conceitual entre diretrizes e o seu próprio

conceito de norma-objetivo. De Canotilho, enumera a classificação dos seus princípios

jurídicos constitucionais, a saber: (a) princípios jurídicos fundamentais, (b) princípios políticos

constitucionalmente conformadores, (c) princípios constitucionais impositivos e (d) princípios-

garantias. Por fim, de José Afonso da Silva aproveita a distinção entre normas constitucionais

de princípio, normas constitucionais de princípios gerais (normas-princípios) e princípios

gerais de direito constitucional. Sem embargo da valorização do papel das taxonomias no

entendimento científico de questões complexas e multifacetadas, Dworkin, na mesma obra

citada por Grau, sugere que a distinção inicialmente proposta pode ser integralizada sob uma

perspectiva utilitarista na qual princípios de justiça são objetivos disfarçados em enunciados

jurídicos. De tal perspectiva, congruente com o conceito de norma-objetivo de Grau, reluz uma

característica essencial e altamente relevante dos princípios: sua natureza teleológica. Tratam-

se de enunciados jurídicos que visam moldar as condutas dos atores sociais, sem excetuar o

Estado, direcionando-as à consecução e materialização de resultados pretendidos. Princípios

são, portanto, o elo jurídico de mais alto nível entre abstração e concretude, entre intenção e

realização, entre mandamento e finalidade. Representam, também, o primeiro indício da função

que se pretende exercida pelo direito, ante as dicotomias aludidas por Bobbio,11 a saber, entre

(i) a função repressiva ou distributiva-promocional versus (ii) a função de conservação-

estabilização ou inovação. Ora, o aspecto finalístico e funcional se mostra fulcral no diploma

vertido sobre um fenômeno tecnológico, econômico e social da envergadura da Internet, do

qual se espera expressiva evolução, tanto pelos efeitos da massificação do uso quanto pela

continuidade da inovação tecnológica, mesmo considerando-se o expressivo impacto evolutivo

já logrado até então.

Harmonia, em sentido musical, é o encadeamento de acordes, dentro de um sistema

tonal, segundo certo padrão estético, de modo a constituir-se em uma sucessão agradável de

10 Ref. (GRAU, 2010, p.154-159) 11 Ref. (BOBBIO, 2008, p.108-109)

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sons.12 O conceito pressupõe consonância, congruência e beleza. Quando aplicado ao direito,

como no excerto de Bandeira de Mello, o conceito é desafiado pelo fato de que sistemas

jurídicos não são imunes a contradições que emergem tanto do próprio processo democrático –

do qual deriva a atividade legiferante – quanto do próprio conflito de interesses que o direito

visa disciplinar com o fito de gerar paz social. Tais conflitos, quando plasmados no

ordenamento, geram antinomias, que são ameaças à pretendida harmonia sistêmica no âmbito

jurídico.

Ronald Dworkin, filósofo e constitucionalista norte-americano, em um deliberado e

manifesto ataque ao positivismo, observa que, ao desenvolver arrazoado em sede de litigâncias

envolvendo direitos e obrigações, em particular nos casos mais desafiadores nos quais ambos

os conceitos demonstram-se agudamente problemáticos, advogados lançam mão de referenciais

(standards) que não figuram como regras, pois, de modo diverso, operam como princípios

jurídicos, diretrizes (policies) ou ainda outros tipos de referenciais, tais como, éticos, morais ou

consuetudinários. Discorrendo sobre exemplos jurisprudenciais,13 nos quais as cortes norte-

americanas decidiram com base em princípios, Dworkin conclui que a diferença entre

princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica, pois, embora ambas se

consubstanciem em referenciais balizadores de decisões sobre direitos e obrigações in casu,

diferem no modo com as norteiam:

Rules are applicable in all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision.

(DWORKIN, 1978, p.24) 14

[…]

12 Ref. a verbetes do dicionário Aurélio digital e do mini Houaiss, 4ª edição, 2010 13 No caso Riggs v. Palmer a corte americana decidiu que o sucessor assassino do próprio avô não receberia sua

herança. Tal decisão, a despeito da inexistência de dispositivo proibitório nas leis testamentárias, foi baseada na consideração de que leis e contratos têm sua operação e efeitos sujeitos a máxima da Common Law de que ninguém pode lucrar com a própria fraude, ou auferir vantagem do próprio ilícito ou ainda postular direito com base na própria iniquidade.

No caso Henningsen v. Bloomfield Motors, Inc. o demandante logrou-se bem sucedido com base em conjecturas principiológicas que atenuaram a imutabilidade contratual (pacta sunt servanda) tais como: (i) “Existe um princípio mais familiar e mais firmemente imbricado na história do direito anglo-americano que a doutrina na qual as cortes não se permitirão ser usadas como instrumentos de inequidade ou injustiça?” e (ii) “Mais especificamente, as cortes geralmente recusam-se a sustentar a manutenção de uma “barganha” na qual uma parte auferiu injusta vantagem da necessidade econômica da outra...”

14 Cf. (DWORKIN, 1978, p.24) Tradução livre do autor: “Regras são aplicadas no ‘tudo ou nada’. Se os fatos estipulados pela regra

ocorrem, então ou a regra é válida e, nesta hipótese, o que ela prescreve deve ser aceito, ou a regra não é válida, e, nesta hipótese, ela não contribui em nada para a decisão.”

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Principles have a dimension that rules do not – the dimension of weight or importance. When principles intersect (the policy of protecting automobile consumers intersecting with principles of freedom of contract, for example), one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each. This cannot be, of course, an exact measurement, and the judgment that a particular principle or policy is more important will often be a controversial one. Nevertheless, it is an integral part of the concept of a principle that it has this dimension that it makes sense to ask how important or how weighty it is.

(DWORKIN,1978, p.26-27)15 (Grifamos)

Dworkin identifica significativa aceitação, por parte das cortes norte-americanas, de

princípios gerais da Common Law, máximas de cunho moral e, até mesmo, de posicionamentos

assentados sobre o conceito de justiça, representando um alto grau de permeabilidade a fontes

de direito estranhas ao meramente estatuído em lei, com força até mesmo para balizar decisões

intrincadas. Tal constatação leva Dworkin a reconhecer uma técnica decisória particular

empregada na apreciação destes referenciais jurídicos não positivados, que não são

enquadráveis no critério binário de aplicabilidade versus irrelevância in casu. Os ditos

referenciais, reunidos em suas diversas fontes e formas sob o conceito de princípios, são

apreciados pelas cortes a partir de um critério de avaliação de importância, na qual cabe

gradação. Ou seja, ao se levar em conta princípios como balizadores de uma decisão, as cortes

norte-americanas avaliam a sua importância, relativamente a outros princípios e até mesmo

relativamente a textos legais ou contratuais. Dworkin não só reconhece a prática como também

a subscreve como adequada, como forma de “se levar os direitos à sério”.

No mesmo sentido apontado por Dworkin, e a partir da experiência jurisprudencial do

Tribunal Constitucional Federal alemão, o jurista e filósofo do direito Robert Alexy

sistematizou sua teoria dos direitos fundamentais na qual figura, com clareza, a técnica de

hermenêutica jurídica de princípios. A perspectiva do autor é a de que a distinção entre regras

e princípios está no âmbito das diferenciações teorético-estruturais, sendo a mais importante

para a resolução de problemas que envolvem restrições de direitos fundamentais. O autor

ressalta também que a referida distinção é instrumento que permite clarear as questões de

competência entre as cortes constitucionais e o poder legiferante. Após discorrer sobre os

15 Cf. (DWORKIN,1978, p.26-27) Tradução livre do autor: “Princípios têm uma dimensão que regras não têm – a dimensão do peso ou de

importância. Quando princípios se intersectam (a diretriz de proteger o consumidor de automóveis intersecta com princípios da liberdade de contratar, por exemplo), aquele que deve resolver o conflito tem que levar em conta o peso relativo de cada um. Isto, claramente, não pode ser uma medida exata e o julgamento de que um certo princípio ou diretriz é mais importante será frequentemente controverso. Todavia, é ínsito ao conceito de princípio que ele tenha tal dimensão, de modo que faz sentido questionar o quão importante ele é ou o quanto ele pesa.”

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critérios que tradicionalmente são empregados para distinguir regras de princípios, o pensador

enuncia o seu próprio:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas de ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é o determinando pelos princípios e regras colidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. [...] Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não uma distinção em grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio. (ALEXY, 2015, p.90-91) (Grifamos)

A denotação de princípios como mandamentos de otimização traz à tona duas

características importantes. A primeira, de natureza operativa, é expressa pelo próprio autor

como o fato de que a aplicação dos princípios não se dá de forma binário-proposicional, como

é o caso das regras. Ainda que não se constituam em variáveis matemáticas, passíveis de

assumir valores diversos em função de condições de contorno, o atendimento do ditame

emanado de certo princípio deve ser objeto de gradação que leve em consideração a situação

fática que evocou sua aplicação e a confrontação com outros princípios, de natureza distinta,

também aplicáveis à referida situação em tela. Tal operatividade é observada no caso Lebach,

apresentado a título de exemplo pelo autor, no qual se contrapõe a proteção da personalidade

com a liberdade de informar via radiodifusão.16 A segunda caraterística vem à luz ao

perscrutarmos o que se pretende otimizar, que vem a ser o efeito que o direito produz no mundo

fenomênico, seja por intermédio de sua aplicação pela via jurisdicional para pacificação de

conflitos – que a paz alcançada seja a mais perene e abrangente possível –, seja pela sua

materialização através das condutas de atores sociais ou de políticas públicas, redundando em

efetivo e abrangente benefício social ou econômico. Trata-se aqui de uma otimização do

resultado produzido a partir da aplicação do direito, ou seja, uma otimização de viés finalístico.

Em função da distinção conceitual entre princípios e regras, Alexy introduz, também,

uma terminologia própria e distintiva para qualificar as antinomias verificadas no âmbito dos

dois tipos de norma, definindo-as como colisões, quando incidentes sobre princípios, e

16 Cf. (ALEXY, 2015, p.164)

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conflitos, quando envolvem regras. Desta sorte, a diferenciação se torna mais aguda a partir da

elaboração dos processos de resolução de antinomias. No caso de conflito de regras, o critério

é o da mútua-exclusividade, a saber, ao final e ao cabo do processo exegético somente uma

regra se mantém como juridicamente válida em relação à situação concreta e, por conseguinte,

passível de ser aplicada:

[...] o conceito de validade jurídica não é graduável. Ou a norma jurídica é válida, ou não é. Se uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa que também sua consequência jurídica é válida. Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então, pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida.

A constatação de que pelo menos uma regra deve ser declarada inválida quando uma cláusula de exceção não é possível em um conflito entre regras, nada diz sobre qual das regras deverá ser tratada desta forma. Esse problema pode ser solucionado por meio de regras como lex posteriori derrogat legi priori e lex specialis derogat legi generali, mas também é possível proceder de acordo com a importância de cada regra em conflito.

(ALEXY, 2015, p.92-93) (Grifamos)

No tocante aos princípios, Alexy defende que, ante a situações fáticas sobre as quais

dois ou mais princípios são aplicáveis, ao invés de se buscar regras de exceção que invalidem

juridicamente todos os princípios colidentes a menos do que restar aplicável, procura-se avaliar

a relevância com a qual se reveste a aplicação de cada princípio colidente in casu, para

determinar aquele que, pelo grau de relevância relativa, se apresenta preponderante sobre os

demais.

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre por exemplo quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido – um dos princípios tem que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. [...]

Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.

(ALEXY, 2015, p.93-94) (Grifamos)

Como já observamos, a noção de peso é também identificada por Dworkin como uma

característica intrínseca dos princípios jurídicos e neste ponto observamos congruência entre os

dois autores.

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Alexy propõe uma lei de colisão que resolve o choque entre dois princípios em função

de um condicionante decorrente do caso concreto que suscita a colisão. O resultado deste

método é a prevalência de um dos princípios colidentes sobre o outro. Podemos sumarizar esta

lei por intermédio de duas asserções proposicionais, a saber:17

Considerando que P1 e P2 são princípios jurídicos distintos e que CA e CB são

condicionantes fáticos relativos a situações fáticas, também distintos, temos:

Asserção I: Se ocorrer CA então (P1 colide com P2) e (P1 prevalece sobre P2).

Asserção II: Se ocorrer CB então (P1 colide com P2) e (P2 prevalece sobre P1).

O autor acrescenta que, da precedência (ou prevalência) de um certo princípio sobre o

outro decorre uma norma jurídica aplicável à situação fática caracterizada, a saber, aquela

abstratamente descrita no condicionante. Nos casos que deram origem à conceituação de colisão

de princípios, tais consequências são decisões judiciais do Tribunal Constitucional Federal

alemão, mas vemos a mesma mecânica nas decisões das cortes norte-americanas citadas como

exemplos por Dworkin. Note-se, ainda, que a expressão condicionante denota a descrição

hipotética de um fato jurídico que, caso se verifique no mundo fenomênico, faz exsurgir a

consequência jurídica que emana do princípio prevalente18. Um certo condicionante só se

verifica in casu quando ocorre um fato jurídico que se subsume à sua hipótese. Pode-se, então,

complementar as asserções anteriores, no sentido de que produzam efeitos no mundo

fenomênico.

Considerando que P1 e P2 são princípios jurídicos distintos, que CA e CB são

condicionantes fáticos também distintos, que FA e FB são dois fatos jurídicos que se subsumem

respectivamente CA e CB, e que N1 e N2 são normas jurídicas que decorrem dos princípios P1 e

P2, respectivamente, temos:

Asserção I-1: Se ocorrer CA então (P1 colide P2) e (P1 prevalece P2) e então surge N1.

Asserção I-2: Se ocorre FA subsumindo-se a CA então aplique-se N1.

17 Utilizamos uma notação diferente da empregada pelo autor em favor da maior aderência ao idioma pátrio e

maior grau de intuitividade. 18 Observa-se marcada similitude com o conceito de Regra-Matriz de Incidência Tributária introduzido e

detalhado por Paulo de Barros Carvalho em sua obra Curso de Direito Tributário – 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Asserção II-1: Se ocorre CB então (P1 colide P2) e (P2 prevalece P1) e então surge N2.

Asserção II-2: Se ocorre FB subsumindo-se a CB então aplique-se N2.

Congruentemente com o exposto, a lei de colisão enunciada por Alexy, tem a seguinte

dicção:

As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica que tem precedência. (ALEXY, 2015, p.99)

Do enunciado de Alexy, resta evidente que a lei de colisão é completamente expressa

pelo primeiro par de asserções, quando seus enunciados são tomados em sua generalidade. O

outro par de asserções tem, portanto, valor meramente didático na medida em que deixa claro

que a prevalência dos princípios colidentes pode mudar em face a outro condicionante, daí

decorrendo um consequente jurídico-normativo diverso.

Alexy diz, ainda, que quando um princípio prevalece sobre o outro é porque o seu peso

é maior que o peso do outro à luz do condicionante fático em questão. Assim, podemos

transcrever as referidas asserções de modo mais sucinto recorrendo à notação da lógica

proposicional matemática:

Considerando que

• P1 e P2 são princípios jurídicos distintos;

• x é conectivo que denota colisão entre princípios;

• · é conectivo que denota operação lógica e; • → é conectivo que denota implicação lógica; 19

• CA é um condicionante fático descrito abstrata e hipoteticamente;

• Peso(Pn) denota o peso de um certo princípio jurídico;

• Existe(N1) denota o exsurgimento de uma norma jurídica, ou seja, sua existência;

• N1 é uma norma jurídica decorrente do princípio P1; • ≡ é conectivo que denota subsunção;

• FA é um fato jurídico que se subsume a CA; e

19 O conectivo → denota implicação lógica que é expressa na sentença: Se ... então ... Ou seja, (A → B) significa

Se A é verdadeiro então B é verdadeiro. O conectivo · denota a operação lógica ‘e’. A saber (C · D) significa que: se C é verdadeiro o resultado da expressão (C · D) é verdadeiro independentemente de D; se D é verdadeiro o resultado da expressão (C · D) é verdadeiro independentemente de C; e se C e D forem falsos o resultado da expressão (C · D) é falso.

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• Aplique(N1) denota a validade de N1 in casu e sua consequente aplicação;

então temos as seguintes asserções:

Asserção 1: ���� → ��� � · ������� > ���� ��� → ��������� Leia-se: Se em face a um condicionante fático, abstratamente descrito, dois princípios jurídicos colidem e um dos princípios, prevalece sobre o outro, ou seja, tem peso maior que o outro, então existe uma norma jurídica que incorpora os deônticos do princípio prevalente.

Asserção 2: ��� ≡ ��� → ���� !���� Leia-se: Se um fato jurídico concreto se subsume ao condicionante abstrato que dá origem a uma colisão de princípios, então aplique-se a norma que incorpora os deônticos do princípio prevalente.

Ressalte-se que a ordem de ocorrência das asserções no universo fenomênico pode se

dar de duas maneiras distintas. Na atividade judicante o mais provável é que a constatação do

fato jurídico FA preceda o surgimento da norma jurídica N1, já que a ocorrência do fato é trazida

à luz do direito no seio de uma ação judicial. Assim, é na busca de uma sentença, em sede de

processo, que, por intermédio de hermenêutica jurídica referenciada na argumentação dos

advogados das partes e no arcabouço de direito aplicável – constitucional, legal, infralegal, e

jurisprudencial – que o juízo deriva a condicionante abstrata CA a partir do fato concreto FA e,

sopesando os princípios P1 e P2, cria a norma N1 aplicável. Usualmente a norma N1 é aplicável

in casu. Todavia, pode vir a ser, também, norma geral erga omnes, seja pelo fato de se tornar

precedente em caso de alta relevância, situação típica da tradição Common Law, ou nas decisões

de tribunais superiores, seja por ser proferida por tribunal constitucional, ou, no caso pátrio, em

sede de ações de controle concentrado de constitucionalidade ou quando reconhecida a

repercussão geral ou, ainda, quando assentada em súmula vinculante. Nestas circunstâncias, o

fato FA surge primeiro, dele decorre a concepção abstrata da condicionante CA, o vislumbre da

Asserção 1, a concepção da norma jurídica N1 e, posteriormente, a sua aplicação, conforme

determina a Asserção 2. Por outra banda, a Asserção 1 tende a preceder a Asserção 2 na

atividade legiferante, quando o legislador se debruça sobre os princípios constantes em

diplomas jurídicos com o fito de produzir outros diplomas, sejam de mesmo nível hierárquico,

sejam de nível hierárquico inferior, objetivando disciplinar situações nas quais impera anomia.

Empreendendo reflexão sobre hipóteses ou condicionantes fáticos abstratos não cobertos por

regras já positivadas, o legislador gera novas normas a partir de sopesamento ex ante de

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princípios, sejam elas, regras ou novos princípios mais específicos, caracterizando, dessarte, a

Asserção 1. A Asserção 2 só virá a ser aplicada quando a condicionante abstrata, pressuposto

da norma, vier a ocorrer como fato jurídico. Tal procedimento de produção normativa está no

âmago do exercício da discricionariedade do legislador, tanto no espaço estrutural quanto no

espaço epistêmico, ambos discutidos mais adiante.

Tanto o pensamento de Dworkin quanto à lei de colisão proposta por Alexy têm como

base o sopesamento de princípios, ou seja, a determinação qualitativa da importância relativa

de um certo princípio em relação à um outro princípio colidente, a saber, um princípio do qual

decorra um deôntico em sentido contrário. Ou seja, a exegese da colisão entre princípios é

baseada na determinação do peso relativo de cada princípio colidente e a concepção de uma

solução jurídica baseada na prevalência de um princípio sobre o outro. Tal técnica aparenta ser

limitada ante de algumas situações práticas.

Como sopesar quando estamos diante de mais de dois princípios colidentes?

É possível conceber uma consequência jurídica adequada quando o peso de dois

princípios colidentes for igual ou muito semelhantes?

Tais situações, que à primeira vista aparentam ser demasiado abstratas e teóricas, são

encontradas, na prática, na exegese do Marco Civil da Internet. Sem antecipar o tratamento

específico de tais desafios, que será oportunamente empreendido, cabem neste momento

algumas considerações preliminares.

Uma técnica plausível para a situação na qual se está diante de vários princípios

colidentes é a da agregação de alguns princípios que gozam de certa similitude ante o

condicionante fático. A agregação de princípios, que apresentam um baixo grau de colisão entre

si, em um arquiprincípio possibilita a exegese com base na lei de colisão a partir de um grau de

abstração mais elevado. À guisa de exemplo, pode-se aglutinar os princípios da livre iniciativa

e da livre concorrência em um arquiprincípio de liberdade econômica.

No tocante à situação na qual a diferença de peso entre dois princípios colidentes for

percebida como muito pequena, duas soluções são plausíveis. Primeiramente, há que se

perquirir se não se trata de colisão entre arquiprincípios, passíveis de serem decompostos em

princípios de menor grau de abstração. Tal decomposição pode viabilizar a exegese pela

aplicação da lei de colisão em face de condicionantes circunscritos a situações fáticas mais bem

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delineadas. Alternativamente ou complementarmente, pode-se empreender a concepção de uma

consequência jurídica que atenda a certos aspectos de cada princípio colidente, ou seja, um

consequente jurídico no qual os deônticos de um princípio são mitigados ou limitados pelo

dever-ser do outro princípio. Nesta situação, não cabe falar em prevalência de um princípio em

relação ao outro, mas de uma mútua-limitação ou mútua-mitigação. Esta situação é

formalmente enunciada pelas asserções 3 e 4, a seguir:

Considerando que

• CZ é um condicionante fático descrito abstrata e hipoteticamente;

• ≈ é conectivo que indica igualdade ou alto grau de semelhança;

• N1,2 representa norma jurídica que combina prescritivos deônticos decorrentes dos princípios P1 e P2 em mútua-limitação ou mútua-mitigação; e

• FZ é um fato jurídico que se subsume à condicionante fática abstrata CZ;

então temos as seguintes asserções:

Asserção 3:��"� → ��� � · ������ ≈ ���� �� ∙� → ��������, � Leia-se: Se em face a um condicionante fático, abstratamente descrito, dois princípios jurídicos colidem e nenhum dos princípios prevalece sobre o outro, ou seja, ambos têm pesos iguais ou similares, então existe uma norma jurídica que incorpora parcialmente os deônticos dos dois princípios em mútua-limitação ou mútua-mitigação.

Asserção 4:��" ≡ �"� → ���� !����, � Leia-se: Se em face a um condicionante fático, abstratamente descrito, dois princípios jurídicos colidem e um dos princípios, prevalece sobre o outro, ou seja, tem peso maior que o outro, então existe uma norma jurídica que incorpora os deônticos do princípio prevalente.

O sopesamento de princípios revela-se uma poderosa técnica de hermenêutica que

possibilita a superação da aparente antinomia entre a neutralidade de rede e os princípios

econômicos e sociais do diploma legal.

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2.3 Dos princípios do Marco Civil da Internet (Art. 2º)20

Pode-se dizer que o Marco Civil da Internet faz jus à alcunha de “Constituição da

Internet”, ao menos em termos da estrutura do seu texto, que enuncia nos Arts. 2º, 3º e 4º um

extenso rol de princípios e garantias de viés constitucionalista, alguns reiterando, literalmente,

congêneres do Texto Magno.

Os princípios fundamentais do Marco Civil da Internet são enunciados no Art. 2º e seus

seis incisos. A redação do Parágrafo Único do Art. 3º adverte que os princípios legalmente

enumerados não se constituem uma lista exaustiva, tendo em vista que não excluem outros

princípios previstos no ordenamento ou em tratados internacionais pertinentes. Tal abertura é

consistente com a natureza da rede mundial, objeto da lei, e, neste sentido, há que saudá-la.

Todavia, a não taxatividade dos princípios não deixa de ser fonte de insegurança jurídica para

os atores sociais, especialmente aqueles que investem pesadamente na Internet em função dos

seus negócios. Não se supõe, por óbvio, que princípios jurídicos representem, em decorrência

de sua generalidade, um salvo conduto para perpetração de condutas enviesadas ou ilícitas por

parte dos atores sociais envolvidos com a rede mundial.21 Assim sendo, é de suma importância

que sejam analisados como um conjunto harmônico e funcional de acordo com as técnicas

jurídicas mais apropriadas, em especial as já anteriormente discutidas.

A liberdade de expressão, primeiro fundamento do Marco Civil da Internet, é lastreado

no Art. 5º, IV, CF, sendo por ele disciplinado quanto à vedação ao anonimato. Certos incisos

do Art. 2º reiteram, ipsis litteris, princípios constitucionais, a saber, cidadania (Art. 1º, II, CF),

direitos humanos (Art. 4º, II, CF), livre iniciativa (Art. 1º, IV, CF), livre concorrência e defesa

do consumidor (Art. 170, IV e V, CF). Outros são análogos a aglutinadores de princípios

constitucionais positivados, tais como: (i) desenvolvimento da personalidade, no inciso II,

símile ao desenvolvimento da pessoa referido no Art. 205, CF, que introduz a seção sobre

educação; (ii) pluralidade, no inciso III, que abarca a sociedade pluralista definida como valor

20 Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão,

bem como: I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede.

21 Considerações relevantes em (MORAIS, 2002, p.60)

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supremo no preâmbulo da Magna Carta, o pluralismo político do Art. 1º, V, CF, e o pluralismo

de ideias do Art. 206, III, CF; e (iii) diversidade, no inciso III, abarcando a diversidade étnica

e regional (Art. 215, V, CF) e diversidade das expressões culturais (Art. 216-A, I, CF). A

reiteração de princípios constitucionais tem o condão de sujeitar as relações e a conduta dos

atores sociais na Internet a vários ramos do direito. Sobressaem-se, altaneiros, os direitos

humanos, o direito do consumidor e o direito da ordem econômica e financeira.22 Todavia, para

além da reiteração, sempre louvável, por desambiguadora, o Marco Civil da Internet inova na

introdução de certos princípios que abordam, de maneira mais próxima e específica, as

características da grande rede. Passamos a considerá-los com o devido aprofundamento.

O Art. 2º, I, introduz o princípio do “reconhecimento da escala mundial da rede”. Há

que se considerar diversos aspectos que se desdobram deste reconhecimento e que são

decorrentes da própria natureza da rede bem como das trocas que se tornaram viáveis através

de dela, quais sejam:

I. A rede congrega atualmente cerca de 2,9 bilhões de usuários, a saber 40% da população mundial, com potencial de atingir todos os povos, nações, idiomas, dialetos e culturas na medida em que o acesso segue se massificando. A diversidade se impõe, fática, em escala jamais experimentada, demandando abertura e colaboração de todos e cada um dos atores sociais na manutenção e no aperfeiçoamento de um ambiente plural e benéfico para todos.

II. Sendo a Internet um mundo digital sem fronteiras, impõe às jurisdições nacionais e comunitárias uma convivência para a qual não estão preparadas23. A persecução penal e responsabilização civil transfronteiras, por exemplo, se tornam mais complexas, demandando estreita colaboração entre Estados e possivelmente o desenvolvimento de novos instrumentos de direito internacional.

III. A Internet é também uma infraestrutura global, composta de: fibras ópticas que cruzam países e oceanos; equipamentos de transmissão ópticos, elétricos ou por radiofrequência; roteadores IP e sistemas de gerenciamento de rede. A infraestrutura é fragmentada em sub-redes distintas, que se interconectam por intermédio de padrões internacionais que garantem a interoperabilidade. A propriedade das diversas sub-redes é distribuída entre diferentes atores econômicos, que incluem grupos nacionais e transnacionais. A operação e a garantia de

22 Considerações sobre livre-iniciativa, livre-concorrência e defesa do consumidor em (DEL MASSO, 2014,

pp.41- 53) 23 Natalino Irti, em palestra proferida na USP, Universidade de São Paulo, comenta sobre o enorme desafio que a

Internet representa para o direito. Sendo este um sistema baseado no conceito de soberania que, até hoje, está inarredavelmente vinculado à territorialidade – trata-se de um Geodiritto – carece de mecanismos adequados para lidar com a fenomenologia da plataforma global presentada pela Internet. O eminente jurista italiano alude ao desenvolvimento da Lex Mercatoria como possível inspiração para a harmonização entre Internet e Jurisdição.

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interoperabilidade da Internet dependem de um grande contingente de profissionais especializados espalhados por todos os rincões onde chega a rede.

O reconhecimento da natureza global da Internet, conforme positivado no Art. 2º, I,

confere extensão substantivamente maior aos demais princípios enumerados no Art. 2º,

notadamente aos enunciados nos incisos II e III, a saber pluralidade, diversidade, abertura e

colaboração. Os princípios fundantes do Marco Civil da Internet são norteadores de conduta

tanto no âmbito doméstico quanto no internacional, aplicáveis a todos os atores sociais

envolvidos com a Internet. Ou seja, a conduta dos agentes sociais, e bem assim do Estado

Brasileiro, deve sempre levar em conta a natureza global da rede e de seu ecossistema

operacional e os impactos que venha a produzir tanto no âmbito pátrio quanto no concerto das

nações.

A governança da Internet, que inclui diversos aspectos – inclusive alguns bem técnicos,

tais como, faixas de endereçamento, domínios da web, padrões técnicos de conexão e

interoperabilidade – se organizou em torno de várias organizações que contam com

representantes dos diversos conjuntos de atores sociais, a saber, setores, que colaboram e

contribuem para o funcionamento da grande rede. Essa governança, que incorpora tanto

aspectos tecnológicos quanto práticas comuns, é estruturada de forma peculiar, não seguindo

os moldes das organizações internacionais multilaterais, nas quais os Estados têm papel de

proeminência, sendo implementada com um modelo que se convencionou denominar de

multistakeholder, palavra traduzida para o português como multissetorial,24 e que na essência

significa o envolvimento e agregação colaborativa de todas as partes interessadas, incluíndo,

Estados, a sociedade civil, a academia e os agentes econômicos privados. O princípio garantidor

da preservação na natureza participativa da rede, Art. 3º, VII, está intimamente ligado à

governança multistakeholder na medida em que neste modelo se reconhece, em equivalência

de estatura e importância, todos os interessados no desenvolvimento da Internet.

Ao ser a Internet objeto de disciplinamento legal no País, é importantíssimo que se

reitere o compromisso com o modelo atual, sob pena de isolamento, e se reforce o interesse em

participar ativamente do seu desenvolvimento. Neste sentido, realce-se que o Marco Civil da

Internet é um notável referencial positivo a ser saudado, como evidenciado pela ampla acolhida

24 O termo multistakeholder significa “múltiplas partes interessadas” em algo. O termo multissetorial, embora

tenha similitude semântica precária em comparação com a dita expressão, tem a vantagem de ser sucinta. Arguivelmente, poder-se-ia empregar os termos multipartes ou múltiplos-interessados.

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e receptividade internacional. O reconhecimento na natureza global da rede e de sua governança

não deve ser considerado como uma afronta à soberania nacional, mas um necessário e saudável

exercício de ponderação, realizado no melhor interesse do País. É através do grau de

envolvimento com a governança e a capacidade de inovar e contribuir com o ecossistema, como

um todo, que o País, na prática, sopesa soberania e multissetorialismo.

Ante o exposto, recomenda-se que seja continuamente reiterado e enfatizado o princípio

do reconhecimento da escala global da rede, conforme Art. 2º, inciso I, bem como o que dele

decorre, e neste sentido, oferece-se o Norm. 1º, cuja dicção se encontra na última seção deste

artigo.

2.4 Das garantias do Marco Civil da Internet (Art. 3º)25

Alexandre de Moraes ensina que distinção entre direitos e garantias fundamentais não é

nova. Rui Barbosa discernia os direitos fundamentais como disposições declaratórias que

introduzem direitos (eticamente ou moralmente) reconhecidos no universo jurídico e

considerava como garantias as disposições assecuratórias em defesa dos direitos

fundamentais.26 O Marco Civil da Internet não faz tal distinção de maneira estrita, todavia, pela

sua dicção, é possível considerar que o Art. 3º enumera garantias providas pelo Estado

Brasileiro aos atores sociais. Sem embargo da distinção, direitos e garantias fundamentais têm

natureza de princípios jurídicos. Portanto não causa estranheza que a ressalva quanto

exaustividade dos princípios enunciados na lei seja positivada no Parágrafo Único do Art. 3º.

Cumpre-nos algumas considerações quanto à certas garantias enumeradas.

O inciso I estabelece que a liberdade de expressão é garantida nos termos da CF, que,

como já nos referimos, implica vedação ao anonimato, conforme Art. 5º, IV, CF. O inciso II

garante a proteção da privacidade. Sendo a violação desta um ato ilícito nos termos dos Arts.

25 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de

expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede; VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

26 Cf. (MORAES, 2002, p.61)

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186 e 187 do Código Civil, enseja a reparação conforme disposto no Art. 927 do mesmo

diploma. Neste sentido, a Seção III do Marco Civil da Internet disciplina a responsabilização

civil por danos causados por terceiros por intermédio do uso da rede. O inciso III garante a

proteção de dados pessoais, tema abordado na Seção II do diploma da rede mundial e que

atribui aos provedores pertinentes a responsabilidade no tocante aos registros de conexão e

acesso às aplicações, aos dados pessoais e ao conteúdo das comunicações. O inciso II in fine

dispõe que a proteção dos dados pessoais se dá na forma da lei, o que dá margem para

elaboração de lei específica que transcenda ao já disposto na Lei 12.965 de 2014. O inciso IV

dispõe sobre a preservação e garantia da neutralidade de rede, tema que será abordado com

mais detalhes em seção específica deste documento. O inciso VII, que garante a preservação

da natureza participativa da rede, está intimamente relacionado com o conceito geral de

neutralidade da rede, inciso IV, e será abordado em conjunto.

A partir deste brevíssimo panorama geral é possível agrupar os princípios enumerados

no Marco Civil da Internet. Um primeiro grupo, composto pelos princípios que têm sobejo

tratamento em outros diplomas, inclui os incisos I e II, a saber, liberdade de expressão e

proteção da privacidade. O segundo grupo é composto por princípios que são detalhados no

próprio diploma da rede, quais sejam, proteção da privacidade (inciso II), proteção dos dados

pessoais (inciso III), neutralidade de rede (inciso IV) e responsabilização dos agentes de

acordo com suas atividades (inciso VI). O terceiro grupo, que abarca os princípios

remanescentes, a saber, preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede

(inciso V), preservação da natureza participativa da rede (inciso VII), liberdade dos modelos

de negócios promovidos na internet (inciso VIII), congrega princípios com maior grau de

especificidade, tendo em vista que são voltados especificamente à própria rede. Tratamos

destes três princípios com um pouco mais de profundidade ao longo destas reflexões.

Em se tratando de um fenômeno novo marcadamente dinâmico, impõe tanto ao

legislador quanto ao operador do direito, constante labuta no aprofundamento dos desdobres

dos princípios, como é o caso da proteção à privacidade, que ganha matizes específicos no seio

da rede. É de se antever a necessidade de profícua reflexão doutrinária, alargando e

aprofundando os significados práticos dos princípios enunciados. Tal exercício, diga-se, merece

ser empreendido com máxima porosidade epistemológica, não se restringindo às situações e

práticas atuais, mas levando em conta as possíveis consequências das novas tendências, de tal

sorte que os efeitos destas sejam antecipados.

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2.5 Da preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede

(Art. 3º, V)27

O Art. 3º, inciso V, determina a preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade

da rede. No Brasil, a Internet é fruto do esforço coletivo e colaborativo empreendido por

provedores de telecomunicações, tanto de serviço fixo como móvel, e provedores de acesso,

pelo CGI, Comitê Gestor da Internet, órgão que materializa a governança multissetorial da

Internet no País, e a Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações. Os elos desta cadeia são

reciprocamente indispensáveis e dependentes, sendo que uma falha em um ponto de

interconexão pode comprometer o acesso de um número significativo de usuários. Em

decorrência desta faina coletiva e interdependente, entende-se que o disposto neste inciso trata

especificamente da rede. Assim sendo, ficam excluídos da garantia de preservação da rede os

provedores de aplicações, uma vez que, uma falha de aplicativo compromete tão somente ele

próprio, não alcançando comprometer a rede como um todo.

Entende-se por estabilidade o funcionamento contínuo da rede dentro dos padrões de

desempenho esperados. A contrario sensu, uma rede que está constantemente indisponível ou

que opera frequentemente com desempenho degradado não pode ser considerada uma rede

estável.

Entende-se por uma rede segura aquela que assegura a inviolabilidade das informações

transmitidas e que seja imune a tentativas de invasão e de ataques externos que provoquem

interrupção do serviço. A inviolabilidade dos dados não é uma característica originária da

grande rede, mas a sua proteção pode ser implementada com protocolos seguros que empregam

técnicas de criptografia, tais como, IPSec e SSL. Todavia, boa parte dos dados são trafegados

sem encriptação, sendo tal situação motivo de acalorado debate em âmbito mundial. Os ataques

à Internet têm sido cada vez mais frequentes e mais sofisticados. Dentre os mais comuns

destacam-se os de Spam, DDoS e Intrusão28. A proteção contra tais ataques depende da

detecção tempestiva dos ataques e da adoção de medidas que neutralizem seus efeitos.

27 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...] V - preservação da

estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

28 Spam é o envio massivo e artificial de mensagens eletrônicas (e-mails) inúteis com o fito de gerar tráfego excessivo para degradar o desempenho da rede ou bloquear uma caixa postal de usuário. DDoS, Distributed

Deny of Service, é o envio direcionado de grande quantidade de tráfego a um ponto de interconexão na rede com o objetivo de isolar o segmento servido pela interconexão em decorrência da incapacidade de lidar

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A funcionalidade da rede consiste na transmissão de pacotes de dados desde o terminal

originador até o destino final, passando por pontos intermediários de roteamento. A transmissão

bem-sucedida dos pacotes, dentro das especificações técnicas de latência, jitter e nível de perda,

caracteriza uma rede funcional.

O inciso V in fine estabelece o modo pelo qual deve-se preservar a estabilidade, a

segurança e a funcionalidade da rede, destacando-se a referência aos padrões internacionais.

Estes são compostos de especificações técnicas abertas, publicadas por órgãos especializados

de modo a viabilizar a sua implementação por todos os fabricantes e prestadores de serviço.

Considerando a rápida evolução tecnológica, a gama de possibilidades usualmente disponíveis

para os provedores de telecomunicações, provedores de acesso e provedores de aplicação, é

importante que os órgãos responsáveis pela recomendação de padrões sejam ágeis e disponham

de mecanismos infralegais apropriados para acompanhar a dinâmica da Internet.

Vê-se, claramente, que a preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da

rede é tarefa coletiva empreendida colaborativamente por atores públicos e privados.

Recomenda-se que este ecossistema seja fortalecido e que se evite que a regulamentação do

diploma legal se constitua um fator inibidor da evolução tecnológica e da inovação, em função

de serem ambas intimamente relacionadas com a velocidade com que novos padrões e práticas

internacionais são adotados. O CGI e a Anatel, sem embargo de suas competências legais,

devem se esmerar no esforço de acompanhar a dinâmica de introdução de novas tecnologias e

de fiscalizar a adoção, por parte dos atores envolvidos, de arquitetura de rede aberta e distribuída

e de padrões internacionais abertos que garantam a interoperabilidade e a livre circulação das

comunicações. É mister, também, reiterar a aplicabilidade da Declaração Multissetorial do

NETmundial no tocante a segurança, estabilidade e resiliência; arquitetura aberta e distribuída;

e governança multissetorial em âmbito global da Internet.

Assim sendo, no tocante ao Art. 3º, inciso V, do diploma da rede mundial, oferece-se o

Norm. 2º, detalhado na última seção.

adequadamente com o volume de tráfego. A Intrusão é a entrada de um usuário não credenciado em áreas da rede ou em aplicações.

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2.6 Da liberdade dos modelos de negócio promovidos na Internet (Art. 3º, VIII)29

A Internet proporcionou significativos avanços tecnológicos que se traduziram em

novos modelos de negócio. No passado recente, o mercado de software e aplicações era

lastreado na comercialização de licenças perpétuas. A introdução de novas versões implicava

uma nova compra de licença por parte do usuário. Hoje já se observa o provimento de software

e aplicações comercializados mediante mensalidades, modelo usualmente referido como

Software as a Service ou SaaS, ou ainda o provimento de aplicações gratuitas na Internet,

subsidiadas por receitas de propaganda e marketing veiculados na própria Internet.

Fenômeno semelhante ocorreu no provimento de conexões à Internet. No passado

distante, as conexões eram realizadas através de linhas telefônicas discadas e eram cobradas

com base nas tarifas de voz. Com a introdução das conexões de banda larga – ADSL, fibra

óptica, TV a cabo, acesso móvel ou WiFi – a precificação passou a ser uma mensalidade fixa

em função da velocidade. Atualmente vemos um sem número de modelos de negócio, incluindo

tarifas para uso ilimitado por um dia em planos móveis pré-pagos, tarifas relacionadas com

franquia de tráfego e tarifas aplicáveis sobre o excedente, a saber, tráfego usado além do limite

da franquia. Estes novos planos são baseados tanto na velocidade da conexão como no tráfego

cursado.

Observamos, também, o surgimento do tráfego subsidiado por provedores de aplicação,

tais como, aplicações de mensageria e acesso a serviços bancários, que tem impulsionado a

massificação de novas facilidades, principalmente para usuários que têm no serviço móvel pré-

pago o principal meio de acesso à rede. A importância desta modalidade comercial se faz refletir

pelo vertiginoso aumento do contingente de celulares pré-pagos, que atingiu 213 milhões em

2014.30

Trata-se, portanto, de um princípio fundamental a impulsionar a continuidade da

inovação e da difusão de novas tecnologias e que interage intensamente com os princípios

econômicos e com os princípios sociais do diploma.

29 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...] VIII - liberdade dos modelos

de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

30 Estatísticas de Celulares no Brasil. Portal Teleco, Inteligência em Telecomunicações. Disponível na Internet, http://www.teleco.com.br/ncel.asp , acessada em 26/09/2015.

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2.7 Princípios teleológicos, econômicos e sociais e (Art. 2º, Art. 3º e Art. 4º) 31

Tanto o Art. 3º quanto o Art. 4º fazem referência à “disciplina de uso da Internet”. Ora,

tendo o Brasil escolhido disciplinar a matéria por intermédio do direito, sendo, neste mister uma

destacada exceção em âmbito global, é de se supor que os princípios enumerados em ambos os

artigos tenham, também, natureza de princípios formais, a saber, princípios orientadores da

produção normativa à jusante do diploma da rede mundial. Os princípios enunciados no Art. 4º

têm viés finalístico, sendo, portanto, altamente congruentes com a natureza dos princípios como

mandamentos de otimização propugnada por Alexy. Além de serem princípios em sua própria

natureza, os incisos do Art. 4º consubstanciam-se, também, como critérios a serem empregados

no sopesamento de princípios, tanto na atividade jurisdicional, quanto de forma ex ante em

atividade legiferante.

A análise dos princípios teleológicos revela uma multiplicidade de facetas que ferem

várias esferas do direito. A promoção do direito de acesso à Internet a todos, Art. 4º, inciso I,

se desdobra em dois aspectos: (a) o aspecto formal do direito de acesso, que veda qualquer

prática discriminatória, seja por qualquer pretenso fundamento, e (b) o aspecto material da

viabilização econômica do acesso, oferecido no seio de uma sociedade marcada por

significativas diferenças de poder aquisitivo entre as classes.

No tocante ao inciso II, infere-se que a regulamentação infralegal deve impor o livre e

irrestrito acesso ao conteúdo disponibilizado através da rede e completa e desimpedida

interação com outros usuários, atores econômicos e atores públicos que estejam conectados de

alguma forma à rede. O Princípio da Neutralidade de Rede, Art. 3º, IV, é, sem dúvida,

instrumento essencial para a consecução de tais objetivos, em que pese não ser o único. A

projeção do princípio do Art. 4º, inciso II, a saber, da promoção do acesso à informação e à

participação, sobre o princípio da neutralidade de rede traz à luz consequências importantes,

não inteiramente cobertas pela dicção do Art. 9º. Aprofundaremos esta discussão mais adiante.

31 Art. 4º A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: I - do direito de acesso à internet

a todos; II - do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e IV - da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados.

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O inciso III, da promoção da inovação e do fomento à ampla difusão de novidades, é

um princípio de direito econômico por excelência, com características schumpeterianas e de

universalização de serviço público, incorporando dois tipos de condicionantes a serem

observados pelos operadores do direito, pelos que concebem políticas públicas e pelos

legisladores. Primeiramente, em se tratando de um objetivo promocional e de fomento, o

princípio se constitui em um mandamento positivo, determinando que o Estado busque

ativamente a consecução de tais objetivos através de instrumentos de ação, com

desdobramentos na esfera social. Por outra banda, este princípio se posiciona como um critério

de limitação a ser considerado em face a outros princípios, verdadeiro cão de guarda contra

normativos que tenham o condão de inibir a inovação, apequenar a difusão de novas tecnologias

e, bem assim, a restringir a difusão de novos modelos de uso e de acesso.

É interessante tangibilizar como a inovação impacta os atores sociais que se utilizam da

rede. O surgimento da tecnologia de geoposicionamento com base no padrão GPS, possibilitou

o surgimento da primeira geração de dispositivos de auxílio aos motoristas, que, com base no

ponto de partida e no destino desejado, traçavam rotas e guiavam o condutor com imagens e

orientações audíveis. Os dispositivos de primeira geração eram capazes de detectar uma não

observância da rota traçada por parte do motorista e, automaticamente, determinar uma nova

rota para o mesmo destino. A disponibilização de conexões GPS em smartphones e tablets, que

também são conectados à Internet por intermédio de acesso banda larga móvel sem fio,

possibilitou o surgimento de aplicativos que substituem, com vantagens, os antigos dispositivos

puramente GPS e desconectados. Estes novos aplicativos32 usam capacidade de processamento

tanto dos dispositivos móveis, quanto de potentes servidores instalados em datacenters

localizados em vários lugares do mundo33. Por estarem conectados, através da Internet, os

aplicativos têm acesso à várias fontes de dados em tempo real, tais como, informações de

tráfego geradas por centros públicos de engenharia de tráfego e informações geradas por outros

usuários conectados ao aplicativo, agregados como uma rede social de propósito específico.

Assim, os aplicativos GPS da geração smartphones e tablets são capazes de informar as

condições de tráfego nas cidades, avaliar, em tempo real, o impacto na rota traçada para seus

usuários e ainda, mudar automaticamente as rotas em decorrência de congestionamento

repentino na rota inicialmente traçada. Com a massificação dos smartphones e dos tablets tais

32 Google Maps e Waze são dois eloquentes exemplos. 33 Tal configuração é típica dos serviços na nuvem, hoje cada vez mais disseminados.

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aplicativos ganharam ares de serviço de utilidade pública, sendo usados hodiernamente em

telejornais e radiojornais locais para orientar motoristas na sua faina diária no trânsito das

grandes cidades. Aplicativos desta natureza merecem ser fomentados, ao invés de combatido e

inibidos, sem embargo das devidas considerações sobre segurança ao volante.

Quanto ao Art. 4º, inciso IV, que dispõe sobre a adesão a padrões tecnológicos abertos

que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases

de dados, é cristalina a finalística operacional da primeira parte no que tange ao funcionamento

da rede, em clara conexão com o que já comentamos em relação ao Art. 3º, V. Destaque-se,

todavia, a amplitude do termo acessibilidade no tocante ao uso de tecnologias que viabilizam o

adentrar, na Internet, de pessoas com deficiência. Para além dos óbvios benefícios pessoais e

sociais de autoestima e inclusão atinentes a uma população frequentemente e injustificadamente

relegada a segundo plano, a acessibilidade na Internet é também importante instrumento

viabilizador de inserção no mercado de trabalho, ainda mais potencializado pela tendência,

proporcionada pela própria Internet, de que o trabalho seja feito remotamente, a partir da própria

residência do empregado com deficiência, proporcionando realização pessoal e profissional,

bem como melhoria da condição financeira.

Resta evidente que, no âmbito do Marco Civil da Internet, o critério teleológico é

prestigiado com quatro princípios de disciplina de uso. Dessarte, pode-se inferir que, para além

da relevância ínsita per se, os quatro princípios enunciados no Art. 4º materializam critério

adequado para discernir o peso relativo entre os vários princípios colidentes observados no seio

do diploma da grande rede.

A livre iniciativa, a livre concorrência, a defesa do consumidor (Art. 2º, V) e a liberdade

dos modelos de negócios promovidos na internet (Art. 3º, VIII) formam o quadripé

principiológico da ordem econômica e financeira aplicada à Internet pela Lei 12.965/2014. A

livre iniciativa e a livre concorrência têm raízes no ideário liberal que permeou a escola clássica

da economia, na esteira da revolução industrial que introduziu o modelo capitalista, e que foi

reiterado pela escola neoclássica. A defesa do consumidor apresenta-se como um mitigador do

livre mercado lastreado no direito contemporâneo, que expressa o reconhecimento de que o

funcionamento eficiente do mercado passa pela consideração da dignidade humana e do

consequente estabelecimento de mecanismos protetivos que equalizem a hipossuficiência do

consumidor ante os produtores e comerciantes dos bens e serviços necessários à sua existência

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digna e ativa. Pode-se dizer que o direito do consumidor, como ramo do direito, é também fruto

do sopesamento de princípios, conforme observa Ronaldo Alves de Andrade:

Assim, o capitalismo que junge as atividades econômicas não é mais fundado no liberalismo absoluto e no laissez-faire, mas na função social que deve ter toda e qualquer atuação no mercado econômico, como forma de evitar opressões e injustiças econômicas.

(ANDRADE; 2006, p.7-8)

Neste sentido, a liberdade dos modelos de negócios no seio da Internet é uma reiteração

dos princípios liberais, com matizes de especificidade. Tendo em vista o exposto, que

demonstra serem estes quatro princípios intimamente ligados à noção de livre mercado,

denominamo-los Princípios da Economia de Mercado na Internet, observando que,

agregadamente, têm natureza de arquiprincípio.

No tocante ao princípio da liberdade dos modelos de negócios promovidos na Internet,

não deve escapar ao exegeta do direito a limitação positivada em temos condicionais, a saber,

“desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei”. Há que se

interpretar a dicção do legislador à luz da sistemática de Alexy. Salta aos olhos que, quando o

legislador se refere a conflito, está contrapondo o princípio da liberdade de conceber modelos

de negócio com os demais princípios do Marco Civil da Internet, na medida em que as

características dos possíveis novos modelos de negócio violem os demais princípios. Assim, se

faz mister interpretar o aludido conflito como colisão. Ora, de acordo com Alexy, não há como

evitar colisões de princípios, mas há como resolvê-las por intermédio da lei de colisão, da qual

emerge uma nova norma jurídica para cada caso. Assim sendo, poder-se-ia dizer que a ressalva

do Art. 3º, VIII, in fine, é desnecessária, visto que, no âmbito dos princípios há que se sopesá-

los sempre que conflitem. Tomemos a prudência do legislador como fruto da incerteza diante

de um fenômeno novo.

Lado a lado aos princípios da economia de mercado, encontramos outros princípios

econômicos, de distinto jaez, a saber: (a) o da promoção da inovação e do fomento à ampla

difusão de novas tecnologias, de novos modelos de uso e de novos modelos de acesso (Art. 4º,

III)34 e (b) o da liberdade de desenvolver “novos” modelos de negócios promovidos pela

Internet (Art. 3º, VIII). Estes princípios também têm viés econômico, mas em um sentido

diverso à economia de mercado. Aqui o diploma legal refere-se a Princípios da Economia da

34 A repetição da expressão dos(as) novos(as) tem função elucidativa do texto da lei.

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Inovação na Internet, estes, também, com natureza de arquiprincípio. A importância da

inovação, como característica distintiva do sistema capitalista, foi amplamente discorrida e

teorizada por Joseph A. Schumpeter, economista austríaco de marcada relevância pela sua obra

e influência no moderno pensamento econômico. O cerne deste pensamento é expresso por John

E. Elliot na introdução da obra seminal do autor publicada pela Transaction Publishers:

The “essential point to grasp about capitalism,” however is that it is an “evolutionary process,” [...] Capitalism is “by nature a form or method of economic change and, not only never is, but never can be stationary.” […]

The strategic stimulus to economic development in Schumpeter’s analysis is innovation, defined as the commercial or industrial application of something new – a new product, process, or method of production; […] a new form of commercial, business, or financial organization.

(ELLIOT in SCHUMPETER, 1982, p.212-223)35

O que o autor descreve é precisamente o que temos observado no seio da Internet. A

rede mundial já produziu impactos significativos em áreas de negócio, tais como, propaganda

e marketing, como evidenciado (i) pela massiva transferência de verbas de anunciantes, outrora

devotadas para os canais de TV, para os provedores e aplicações na Internet; (ii) pelo comércio

eletrônico, seja com entrega de produtos em formato eletrônico, tais como softwares ou e-

books, seja com entrega física em domicílio; e (iii) pela transformação da comercialização de

capacidade computacional, software e aplicações para um novo modelo de pagamento por uso,

a partir de datacenters espalhados por todos os cantos do planeta, modelo usualmente conhecido

como serviço na nuvem. Elliot entende que a inovação é da essência do capitalismo, como um

sistema de produção que está sempre a se reinventar:

The innovational process, Schumpeter subsequently observed, “incessantly revolutionizes de economic structure from within, incessantly creating a new one. This process of Creative Destruction is the essential fact about capitalism”.

(ELLIOT in SCHUMPETER, 1983, p.233)36

A Internet é, sem dúvida, uma destas inovações que promoveram e continuam a

promover a Destruição Criativa teorizada por Schumpeter. Neste sentido, portou-se

35 Tradução livre do autor: “O ‘ponto essencial a ser apreendido sobre o capitalismo’, todavia, é que se trata de

um ‘processo evolutivo’, [...] O capitalismo é, ‘na sua natureza, uma forma ou método de mudança econômica e, não somente nunca é, mas também nunca pode ser estacionário.” [...]

O estímulo estratégico ao desenvolvimento econômico, na análise de Schumpeter, é a inovação, definida como a aplicação de algo novo – um novo produto, processo, ou método produtivo; [...] uma nova forma de comercialização, negócio, ou organização financeira.”

36Tradução livre do autor: “O processo de inovação, observa Schumpeter subsequentemente, “revoluciona incessantemente a estrutura econômica, a partir do seu interior, destruindo incessantemente o antigo e criando incessantemente o novo. Este processo de Destruição Criativa é uma característica essencial do capitalismo.”

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soberbamente o legislador do Marco Civil da Internet ao positivar princípios que visam a

preservação da Internet como um ambiente propício e indutor da inovação, característica ínsita

do sistema capitalista e absolutamente essencial no seio da nova economia do conhecimento,

que está no centro da era que já adentramos.

Ao lado dos princípios econômicos, o Marco Civil da Internet também contém diversos

princípios de natureza social, a saber: a finalidade social da rede (Art. 2º, IV), o direito de acesso

à Internet a todos (Art. 4º, I), o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida

cultural e na condução dos assuntos públicos (Art. 4º, II), e a ampla difusão de novas tecnologias

e modelos de uso e acesso (Art. 4º, III). Agregadamente, estes princípios refletem a importância

da Internet para a coletividade como meio de acesso ao conhecimento, a interação fluida e

sempre disponível entre seus diversos usuários e a disponibilização de novas tecnologias,

impulsionadoras e dinamizadoras de todos os aspectos sociais. Com efeito, a rede mundial tem

relevante função social e para que esta função seja realizada, fazendo jus ao seu potencial, é

essencial que seja acessada por todos. Assim, não surpreende a reiteração desta preocupação

sob as dicções de “acesso à internet a todos” e de “ampla difusão [...] de modelos de uso e

acesso”. Quanto maior a massificação da Internet, não apenas a sua disponibilização potencial,

mas do efetivo uso e fruição por parte de todos os brasileiros, o que implica o acesso à rede e

disponibilidade de dispositivo para dela fazer uso, maior o benefício em termos de

desenvolvimento social e consequentemente econômico. Assim, podemos nos referir aos

Princípios Sociais (de Universalização) da Internet, como um arquiprincípio na sua essência,

que deve ser considerado com muita atenção nos exercícios de sopesamento.

Cremos que o melhor entendimento da Neutralidade de Rede, passa pela sua exegese

tanto como princípio, positivado no Art. 3º, IV, quanto como regra, de acordo com a dicção do

Art. 9º. A hermenêutica de princípios nos levará a constatar colisão do Princípio da

Neutralidade de Rede com os Princípios da Economia de Mercado na Internet, com os

Princípios da Economia da Inovação na Internet e com os Princípios Sociais da Internet.

Como veremos, estas colisões podem ser substantivamente agravadas se forem analisadas à luz

de uma interpretação literalista do Art. 9º. Com base em análise epistêmico-empírica,

abrangendo aspectos históricos, tecnológico-evolutivos, empírico-econômicos e prognósticos

baseados nas tendências tecnológicas e de mercado, propomos normas abstratas decorrentes do

sopesamento de princípios que se distanciem da indesejável inibição da contínua evolução do

fenômeno tecnológico, econômico e social que é a rede mundial.

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Cumpre ressaltar, incidentalmente, que o sopesamento dos princípios do Marco Civil

da Internet, embora desejável e possivelmente necessário, não é suficiente, per se, para abordar

desvios de conduta ou abusos empreendidos por atores sociais em relação aos próprios

princípios ante o direito econômico e concorrencial. Regras de fiscalização e punição de ilícitos

podem ser implementadas no âmbito do ordenamento ordinário visando preservar a higidez

jurídica em relação à estes aspectos. Neste sentido, realce-se o Art. 173, §4º, CF,37 que cumpre

o papel de propulsor constitucional da Lei 12.529 de 2011 que estrutura o Sistema Brasileiro

de Defesa da Concorrência.

Feita a ressalva, prosseguimos com a hermenêutica da Neutralidade de Rede.

2.8 Neutralidade de rede como princípio (Art. 3º, IV e Art. 9º)38

A questão da neutralidade de rede surgiu nos Estados Unidos na década de 1990 a partir

de denúncias de práticas de bloqueio ou retardamento de tráfego realizadas por operadoras de

telecomunicação de forma discriminatória em relação à certos provedores de aplicação de

Internet, notadamente, aplicações de voz ou vídeo39 e replicação e compartilhamento de

conteúdo, usualmente música ou filmes. Deste então o tema tem se avultado, tanto no âmbito

37 Art. 173, §º4º, CF - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à

eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 38 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...]

III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;

Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.

§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de: I - requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e II - priorização de serviços de emergência.

§ 2º Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1o, o responsável mencionado no caput deve: I - abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; II - agir com proporcionalidade, transparência e isonomia; III - informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e IV - oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.

§ 3º Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.

39 Usualmente referidos como VoIP, Voice over IP.

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técnico quanto no jurídico. No Brasil o tema polarizou o debate durante a tramitação do projeto

de lei do Marco Civil da Internet, terminando por ser positivado nos artigos 3º e 9º.

O Marco Civil da Internet conceitua Neutralidade de Rede, no Art. 9º, de uma forma

técnica e demasiado restritiva, o que já vem se demonstrando, na prática, um importante desafio

ao intérprete do direito, quando confrontado com a constante evolução do estado da arte.

Possíveis exegeses jurídicas estritas têm o condão de inibir a inovação tecnológica e econômica,

característica maior da Internet. É precisamente em relação à tais riscos interpretativos que a

hermenêutica com base no sopesamento de princípios se apresenta como poderosa ferramenta.

O protocolo de comunicação IP, que está no coração da Internet como a conhecemos,

foi criado em 1980 com duas políticas essenciais de transmissão de pacotes:40 (i) o

encaminhamento do pacote pela rota mais favorável e (ii) a entrega de pacotes baseada em

melhores esforços (best effort), a saber, sem garantia de entrega ao destinatário. Os pacotes são

tratados pelo protocolo IP sem distinção de conteúdo ou priorização relativa. Em 1999, foi

publicada a primeira versão do protocolo MPLS, que, operando em conjunto com o protocolo

IP, permite a criação de Classes de Serviço, diferenciando pacotes e possibilitando a alocação

específica de banda41 para cada classe, de modo a obter Qualidade de Serviço (QoS) adequada

aos requisitos das diversas aplicações que se comunicam através da rede. Em 2002, os

protocolos IntServ e DiffServ foram introduzidos, aumentando o leque de possibilidades para

implementação de QoS. Serviços empregando MPLS foram amplamente disponibilizados pelas

operadoras de telecomunicações e se tornaram dominantes nas redes empresariais. Todavia, a

implementação de QoS não foi estendida à Internet. Com o aumento do poder de processamento

dos equipamentos de rede, outras técnicas de priorização de pacotes foram desenvolvidas,

algumas com base no exame do conteúdo dos pacotes para determinação do tipo de aplicação

trafegada.

A dicção do Art. 9º, caput, “tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem

distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”, aparenta ser inspirada

nas características do protocolo IP, que são a base do serviço de Internet atualmente

disponibilizado ao público. Trata-se, portanto, de uma redação limitativa que ignora os avanços

40 Pacote é um certo número de bytes transmitido através da Internet. Um byte é composto por 8 bits, que a

menor unidade de informação em representação binária, a saber 0 ou 1. 41 Alocação de banda significa a designação de uma parte da capacidade de transmissão da rede para uma certa

conexão ou, no caso do protocolo MPLS, para uma Classe de Serviço.

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tecnológicos já disponíveis para a implementação de políticas de qualidade de serviço (QoS).

Não faz jus, portanto, à extensão e à profundidade do Princípio da Neutralidade de Rede

enunciado no rol do Art. 3º, no seu inciso IV, à luz de interpretação sistemática em concertação

com os demais princípios, violando o princípio da liberdade dos modelos de negócio (Art. 3º,

VIII) e os objetivos de promoção da inovação e do fomento a ampla difusão de novas

tecnologias (Art. 4º, III). A leitura sistemática dos parágrafos 1º e 2º do Art. 9º induz à ideia de

que os pacotes devem ser tratados igualitariamente. Mas é pacífico em direito que só há

isonomia material quando os desiguais são tratados desigualmente visando a justiça.

Em termos abstratos, o Princípio da Neutralidade de Rede impõe que a rede deve se

apresentar neutra, a saber, não interferente, perante o usuário e suas escolhas. Susan Crawford,

professora visitante na Harvard Law School, publicou em seu blog uma analogia interessante e

útil: “A Neutralidade de Rede não diz respeito aos carros na Superautoestrada da Informação

ou Internet, diz respeito às Autoestradas”.42 No âmbito desta analogia entendemos que os carros

são como os pacotes emanados pelas aplicações que usamos. Em uma suposta malha viária

pública,43 como é a Internet, não é lícito que sejamos impedidos de chegar a uma cidade por

um bloqueio instalado arbitrariamente pelo concessionário da estrada. Tão pouco é lícito que

sejamos compelidos discricionariamente pelo concessionário da estrada, a trafegar em uma

pista de terra ao lado de uma pista de asfalto, em função exclusivamente da marca do nosso

veículo ou porque saímos de um vilarejo que tem querelas com a concessionária. A primeira

situação é análoga ao bloqueio discriminatório e arbitrário de acesso a sites e aplicações, a

segunda à discriminação arbitrária de tráfego pela sua natureza e a terceira representa a

discriminação arbitrária de tráfego pelo originador. Todavia, ainda inspirados na analogia, é

absolutamente lícito que o concessionário da estrada ofereça ao condutor, em algum ponto de

certa estrada, a opção de se seguir viagem em uma pista pedagiada na qual é permitido maior

limite de velocidade. Tal opção é usualmente bem informada ao condutor através de placas de

sinalização. Não se caracteriza como ilicitude o fato de a pista com pedágio não dar acesso a

um certo vilarejo, desde que a pista sem pedágio o viabilize e que tal distinção esteja claramente

sinalizada para que o condutor tome sua decisão de maneira informada. Esta última analogia

42 “Net Neutrality isn’t about the cars on the Super information Highway or the Internet, it’s about the roads.”

Disponível na Internet, https://blogs.law.harvard.edu/berkmannews/2014/11/13/harvardprofsaysnetneutralitygivesinternetoversightwgbhnews11november2014/ , acessado em 17 de fevereiro de 2015.

43 Tanto a Internet como o sistema viário são considerados serviços públicos que podem ser explorados em caráter privado sob contratos de concessão, para ambos os serviço, ou autorização no caso das telecomunicações.

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está intimamente relacionada com os Princípios da Economia de Mercado na Internet,

notadamente o expresso no Art. 3º, VIII, com a finalística expressa no Art. 4º, III.44

O Princípio da Neutralidade de Rede é, na sua essência, um norteador da relação dos

provedores – que, isolada ou agregadamente, materializam o serviço de Internet – com todos

os demais atores sociais, incluindo os econômicos, que “adentram” à rede para, no ambiente

por ela propiciado, realizar a utilidade desejada, em linha com a legítima e razoável expectativa

decorrente do serviço contratado. Não faz sentido que o Princípio da Neutralidade de Rede

seja considerado um dispositivo jurídico de natureza técnica, mas sim um moldador de condutas

imponíveis aos atores envolvidos com a rede, ou seja, àqueles que têm alguma participação no

provimento da infraestrutura e dos serviços que viabilizam a troca de informações,

notadamente, os prestadores de serviço de Internet. Se faz mister, portanto, compreender os

seus desdobramentos, inclusive à luz de outros princípios do Marco Civil da Internet, iniciando-

se pela conscientização das múltiplas naturezas da Internet, relevantes para o direito, a saber:

a. A Internet é um ecossistema de atores sociais conectados, incluindo, usuários, provedores de Internet – de acesso ou de telecomunicações, individual ou agregadamente –, provedores de aplicação, provedores de serviço, provedores de conteúdo e provedores de mercadoras por intermédio de comércio eletrônico. Com o advento da nova onda tecnológica denominada Internet da Coisas, dispositivos inteligentes conectados, incluindo sensores e atuadores, passam a ser parte relativamente autônoma do ecossistema.

b. A Internet é um espaço público, no qual usuários e provedores de aplicação, de conteúdo, de serviços ou de mercadorias estabelecem relações jurídicas com os provedores de Internet para “adentrar” à rede e exercer os seus direitos. Neste espaço se materializam os Princípios Sociais da Internet e os Princípios da Economia de Mercado da Internet.

c. A Internet é uma rede de comunicação, que transporta pacotes de dados de acordo com certas características técnicas e de modo não discriminatório. Neste espaço se materializa o Princípio da Neutralidade e os Princípios da Economia da Inovação da Internet.

44 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...]

VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Art. 4o A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: [...] III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso;

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d. A Internet é um mercado no qual os atores sociais conectados estabelecem, entre si, relações jurídicas visando a fruição da utilidade econômica pretendida. Neste espaço se materializam os Princípios da Economia de Mercado e da Economia da Inovação da Internet.

À vista do arrazoado, identificamos as seguintes características ínsitas ao Princípio da

Neutralidade de Rede, expressas sob a forma de máximas ou critérios referentes à relação

entre os provedores de Internet e os contratantes do serviço, a saber, os atores sociais que dela

fazem uso, seja a título oneroso ou não, contratantes diretos ou beneficiários de um contrato

efetivado por terceiros, usuários ou provedores de aplicação, de conteúdo, de serviços ou de

mercadorias:

i. Transparência dos termos e condições do serviço de Internet, que devem ser claros e explicitados em linguagem acessível a todos, de tal sorte que contratação se dê de maneira informada e consciente;

ii. Isonomia nos termos e condições ofertados, implicando que todo e qualquer contratante que se enquadre nos pré-requisitos dispostos na oferta, faz jus as mesmas características técnicas e comerciais de qualquer outro contratante;

iii. Liberdade de escolha do contratante em face as opções de planos de serviço oferecidos pelos provedores de Internet, tanto do ponto de vista comercial, quanto das características técnicas ofertadas, bem como do usuário em relação às aplicações que deseja usar, aos conteúdos que deseja acessar e aos usuários com quem deseja se comunicar;

iv. Não interferência do provedor de serviço de Internet na efetiva prestação do serviço, que deve ser feita em consonância com as escolhas do contratante;

v. Não prejudicialidade em relação às características do serviço de qualquer contratante em decorrência das escolhas de outro contratante;

vi. Inviolabilidade das comunicações circulantes na Internet, por parte dos provedores.

A transparência não é propriamente uma característica intrínseca da rede, mas é o

pressuposto principal da sua neutralidade, na medida em que qualquer possível obscuridade

sobre os termos, condições ou características pelas quais se dá a prestação do serviço de Internet

a macula e desnatura. A máxima em tela está positivada no diploma da rede nas garantias

enumeradas nos incisos VI e VIII do Art. 7º. Observe-se ainda que caso o serviço de Internet

seja provido gratuitamente, é mister que o usuário esteja plenamente informado sobre as

características do serviço que desfruta, não cabendo, portanto, excepcionar a transparência no

provimento não oneroso, sob pena de afronta aos ditames legais do Marco Civil da Internet. Se

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houver limitações decorrentes de imposições alheias à vontade do prestador e que lhes sejam

insuperáveis, tais como, por exemplo, a inacessibilidade de certos sítios por bloqueios impostos

no país no qual estão hospedados, as mesmas devem ser explicitadas sob pena de

responsabilização do prestador. A infraestrutura de transporte da Internet não é homogênia. Em

certos lugares, a capacidade de transmissão é limitada e possivelmente aquém da demanda.

Assim, particularidades de desempenho decorrentes de limitações técnicas justificáveis são

aceitáveis, uma vez claramente informadas.

Isonomia não significa igualdade. Os tipos de serviços ofertados por um certo prestador

de Internet podem ter diferentes características técnicas e comerciais, e podem também

estabelecer pré-requisitos específicos e distintos. É legítimo que um serviço de maior

velocidade tenha um preço superior a um outro de menor banda. As aplicações ofertadas em

conjunto com o serviço de conexão, por exemplo, número de contas de webmail,

armazenamento de páginas, firewall, antivírus, antispam e outros, podem diferir em função da

banda do enlace ou do preço. Porém, uma vez liberada ao público, uma certa oferta deve

necessariamente ser acessível a todo e qualquer pretendente a contratante, exceto se a prestação

do serviço for impossibilitada pelas condições de infraestrutura da localidade na qual o

contratante pretenda instalar ou usar o serviço.

A liberdade de escolha tem duas facetas correlatas, porém distintas. A primeira é a

efetiva materialização das escolhas informadas do contratante, no tocante às características do

serviço contratado, no serviço efetivamente prestado, decorrência natural do princípio pacta

sunt servanda. O prestador do serviço de Internet não pode inovar os serviços, afastando-se das

condições acordadas com o contratante, sem a aquiescência deste. A característica mais comum

é a velocidade do plano, que deve ser honrada pelo prestador nas condições anunciadas, tais

como, por exemplo, banda mínima garantida, latência, jitter, etc. O mesmo vale para aplicações

que estejam atreladas ao serviço contratado, tais como, antivírus, antispam, portal de webmail,

e outros. O prestador não está adstrito a se manter prestando o serviço previamente contratado,

mas tampouco pode alterar as suas características sem antes informar o contratante e obter dele

a autorização para mudar a efetiva prestação. Poder-se-ia conjecturar que alterações realizadas

em benefício do contratante, por exemplo, aumento da velocidade, prescindiriam de sua

aprovação. Todavia, tal conduta não é de todo recomendável, pois é por intermédio da

informação clara e detalhada, espargida pela transparência, que o contratante se torna

instrumentalizado para se beneficiar da suposta melhora. É por intermédio da transparência e

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do respeito às escolhas do contratante da Internet que é nutrida a confiança entre os atores

sociais da Internet. A transparência é, portanto, pressuposto essencial da liberdade de escolha

relativa à contratação.

A segunda faceta da liberdade de escolha diz respeito ao uso do serviço contratado.

Nem sempre o usuário da Internet é o contratante do plano. Em ambiente familiar, um plano de

Internet é usualmente contratado pelo ente familiar que dispõe sobre o orçamento e é usado de

forma compartilhada pelos membros da família que compartilham o domicílio, ou, em casos de

planos móveis, que compartilham franquias de dados. As aplicações, quando atreladas ao plano,

usualmente permitem vários usuários, como, por exemplo, no caso de webmails. Assim, a

liberdade de escolha dos diversos usuários que compartilham um plano de serviço de Internet

está vinculada e adstrita às latitudes definidas pelo contratante. Pais podem contratar

ferramentas de controle parental, restringindo o acesso de seus filhos civilmente incapazes a

certos portais e tipos de conteúdo. Nos ambientes empresariais não é incomum a imposição de

restrições de acesso a tipos de conteúdo e aplicações por parte das empresas, sob o válido

pressuposto de que o serviço de Internet é provido aos empregados para a realização das

atividades de interesse da empresa. Nos limites estabelecidos pelas restrições impostas pelo

contratante do serviço de Internet, seja familiar ou empresarial, deve o usuário gozar de plena

liberdade no tocante aos sítios e à informação que desejar acessar, as aplicações que desejar

usar e aos usuários com quem aspirar se comunicar.

Uma vez firmada a contratação, mediante o livre exercício das escolhas do contratante

com base na informação transparentemente prestada pelo provedor, o serviço deve ser fielmente

prestado. Não há margem para interferências por parte do prestador, ainda que episódicas.

A não interferência é, portanto, a tradução da neutralidade de rede no dia a dia da

prestação do serviço que deve ser livre de práticas discriminatórias perpetradas à revelia do

contratante e dos usuários que estejam a ele vinculados, tais como, por exemplo: bloqueio de

acesso a páginas ou aplicações, degradação injustificada de tráfego ou de outros aspectos de

desempenho da rede e outras condutas congêneres. Ressalve-se que a degradação de

desempenho é aceitável em certas circunstâncias, conforme disposto no Art. 9º, §1º. Tais

exceções são justificáveis com lastro no princípio da preservação da estabilidade, segurança e

funcionalidade da rede, estatuído no Art. 3º, V. Assim sendo, o que fere a neutralidade de rede

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é a interferência arbitrária e injustificável no serviço prestado, que o faça destoar das

características esperadas pelo contratante.

Neste ponto, cabe a seguinte indagação: fere a neutralidade de rede o fato de certo

prestador oferecer um serviço que bloqueie o acesso a certos sítios ou aplicações, se tais

restrições forem transparentemente informadas? À primeira vista a resposta parece ser não.

Afinal, sendo o bloqueio explicitado na oferta, o contratante tem condições de exercer

soberanamente o seu direito de escolha. Neste contexto, o bloqueio não poderia ser qualificável

como interferência indevida. Por outro lado, se o bloqueio for aplicado somente aos usuários

que assim o escolherem, fica preservada a não prejudicialidade aos demais usuários. A situação,

que aparenta estar logicamente articulada, claudica, todavia, quanto à coerência com o espírito

da própria rede mundial, que se desenvolveu em torno do ideário de conectar todos, a todo e

qualquer conteúdo, a toda e qualquer aplicação e a todos os demais conectados. Este ideário de

conectividade universal, é um pressuposto fundante e ontológico da Internet. Assim sendo,

entendemos que serviços restritivos não violam a neutralidade de rede fundada no pressuposto

da conectividade universal, quando também são oferecidas alternativas não restritivas, em

condições equivalentes ou mais vantajosas. Serviços de Internet que ofereçam, por exemplo,

ferramentas de controle parental são úteis e desejáveis, pois pressupõem que não obstem a

disponibilização de acesso universal a contratantes civilmente capazes. Todavia, o bloqueio a

conteúdos com base em critérios políticos, ideológicos, religiosos, étnicos e outros que possam

ensejar cerceamento dos direitos fundamentais de liberdade de opinião, expressão, crença, ou

qualquer opção individual lícita, implicará violação da neutralidade de rede, caso tais bloqueios

não sejam eletivos, por parte do contratante, e não sejam ofertados serviços alternativos com

acesso universal, ou seja, livre de bloqueio. Do pressuposto da conectividade universal extrai-

se o princípio da sua defesa, que é reconhecido, ainda que tangencialmente, no Art. 3º, incisos

I e VII do Marco Civil da Internet.45 O pressuposto da conectividade universal também esparge

seus efeitos sobre as ofertas de serviço por parte dos provedores de Internet na medida em que

as ofertas de serviço devem ser disponibilizadas com a máxima universalidade possível ante as

limitações geográficas e de infraestrutura do provedor. Nenhum pretenso contratante ou grupo

de pretensos contratantes deve ser omitido, em bases discriminatórias, da divulgação de ofertas.

45 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; [...] VII - preservação da natureza participativa da rede;

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A não prejudicialidade implica que as escolhas de um contratante não devem afetar as

escolhas dos demais contratantes de serviço de Internet e tampouco devem prejudicar o serviço

usufruído por nenhum outro contratante. O prestador de serviço de acesso à Internet deve

garantir que o serviço seja prestado tal como contratado, não podendo escudar-se em alegações

fundadas em limitação de infraestrutura. Se, à guisa de exemplo, um prestador introduz uma

nova oferta com velocidade máxima de, digamos, 10 Mbps em certa vizinhança na qual seus

assinantes contrataram acessos com a antiga velocidade máxima de 2 Mbps, este prestador tem

a obrigação de preparar a infraestrutura de tal sorte que o aumento de velocidade daqueles que

venham optar pelo serviço mais veloz, e possivelmente mais caro, não degrade o desempenho

daqueles que decidirem permanecer com a velocidade mais baixa. A observância da não

prejudicialidade possibilita ao provedor ampla liberdade de desenvolvimento e oferta de novos

planos de serviços, em consonância com o que se espera da dinâmica da própria Internet, desde

que não haja impactos negativos nos serviços já contratados.

Excetuando-se os pacotes de dados que tenham sido objeto de encriptação antes de ser

transmitidos, todos os pacotes que transitam pela rede estão tecnicamente sujeitos a ter seus

conteúdos examinados. Neste ponto reside uma importante diferença entre os pacotes de dados

transmitidos através da Internet e as cartas transportadas e entregues pelos Correios. Estas

podem ter a privacidade do seu conteúdo protegidas por envelopes. Tal proteção, que pese seja

tênue no âmbito físico em função da opacidade do material do envelope, é efetiva no âmbito da

responsabilidade formal dos Correios – ou da empresa responsável pela entrega da carta ou

encomenda – à luz da obrigação legal e em decorrência do papel comunicativo do envelope

como confirmação, por parte do remetente, da opção pelo sigilo da correspondência.

Consequentemente, a inviolabilidade da informação circulada na Internet é função de uma

obrigação de não fazer imponível ao prestador do serviço de Internet, a saber, abster-se de

analisar os dados trafegados – de forma inteiramente exposta, sem véu técnico ou físico –

visando extrair informação, obrigação, esta, positivada no Art. 7º, incisos I, II e III do Marco

Civil da Internet.46 Em outras palavras, ao prestador do serviço Internet é vedado, como regra

geral, exercer atividade cognoscente sobre os dados trafegados na Internet. Todavia, esta

46 Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes

direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

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vedação não pode ser considerada absoluta. Recorrendo a analogia das correspondências, ao

enviar um cartão-postal com uma mensagem escrita, o remetente abre mão, explicitamente, da

inviolabilidade da comunicação, revelando, intencionalmente, tanto as localidades de envio e

destino, quanto o teor da mensagem que desejou compartilhar com o destinatário. De maneira

semelhante, nada deveria obstar o desenvolvimento de aplicações ou serviços que, tendo como

base o exame e a cognição da informação trafegada, agregassem serviço aos usuários, desde

que, as características do serviço sejam transparentemente informadas e seja garantido ao

contratante a plena liberdade de contratar ou não o dito serviço. A inviolabilidade não deve ser,

portanto, considerada um conceito irremediavelmente absoluto, mas sim um direito disponível

do contratante, passível de relativização, sempre que em benefício do contratante e por

intermédio de sua decisão plenamente informada. As aplicações de antivírus e antispam são

exemplos concretos de afastamento da inviolabilidade, quando vista de forma estrita, na medida

em que examinam todas as mensagens endereçadas ao usuário. Fica claro que tais aplicações,

ao varrerem todo o conteúdo das mensagens, executam atividade cognoscente específica, a

saber, a identificação de códigos maliciosos. Nestes casos temos um desrespeito a

inviolabilidade teleologicamente justificável, ou ainda, uma exceção finalística da

inviolabilidade. Entendemos que, sempre e desde que devidamente autorizadas pelo

contratante, no pleno e informado exercício de sua liberdade de escolha o afastamento da

inviolabilidade é não somente justificável, mas também desejável. Este entendimento está

assentado no sopesamento de princípios, expresso pela Asserção 2, no qual o princípio da

inviolabilidade da sua comunicação é parcialmente afastado em favor do interesse do

contratante e da utilidade por ele auferida, na condição de exceção finalística.

As seis máximas da neutralidade de rede e o pressuposto da conectividade universal são

poderosos instrumentos para se perscrutar se certas modalidades de serviço são condizentes

com Princípio da Neutralidade de Rede plasmado no Marco Civil da Internet. O Norm. 3º,

enunciado na seção correspondente, sumariza o entendimento do Princípio da Neutralidade de

Rede com base nesta exegese.

Como, então, harmonizar este princípio, na amplitude discutida até então, com a

disposição restritiva do Art. 9º?

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2.9 Priorização de tráfego e neutralidade básica de rede

Como já comentamos, o desenvolvimento da tecnologia aplicada à Internet fez surgir

vários protocolos que permitem a priorização de tráfego, notadamente o DiffServ e o MPLS47,

que possibilitam a implementação da diferenciação da qualidade de serviço para atender às

necessidades de certas aplicações. Com o aumento do poder de processamento dos

equipamentos de rede, outras técnicas de priorização de pacotes foram desenvolvidas, algumas

com base no exame do conteúdo dos pacotes para determinação do tipo de aplicação trafegada

e consequente priorização do tráfego e correspondente alocação de banda. A utilidade de tais

técnicas é crescente, na medida em que se diversificam as aplicações disponibilizadas sobre a

Internet.

Consideremos alguns casos práticos...

Aplicações que transmitem voz através da Internet (VoIP)48 têm usualmente

desempenho sofrível, com sucessivos momentos de corte parcial no fluxo de áudio ou até

mesmo longos períodos de silêncio. A transmissão de vídeo pela Internet padece de males

similares, com “picotamentos” e congelamentos de imagem. Estas aplicações são denominadas

“aplicações de tempo real” pois dependem da entrega dos pacotes nos mesmo intervalos

temporais nos quais foram originados, sendo, portanto, muito sensíveis a congestionamento de

rede. Funcionariam bem melhor aos ouvidos e olhos dos usuários se os respectivos tráfegos

fossem priorizados em relação, por exemplo, ao tráfego gerado por e-mails. Se um conjunto de

pacotes de uma mensagem de e-mail chegar 1 minuto atrasado ao seu destino, não fará a menor

diferença para o usuário. Mas se um fluxo de videoconferência sofre um hiato de 1 minuto, o

usuário certamente ficará agastado. Ou seja, a discriminação criteriosa, transparente e não

discriminatória de pacotes é um importante instrumento para atender às características de uma

variada gama de serviços e aplicações, com requisitos técnicos tão diversos como: envio de e-

mails, aplicativos de chat ou mensageria, redes sociais, downloads de páginas web, upload de

informações, comércio eletrônico, internet banking, áudio e vídeo streaming, áudio e

videoconferências, IPTV, computação na nuvem49 e muitos outros.

47 Os protocolos DiffServ e MPLS são padronizados pelo IETF, Internet Engineering Task Force, nas RFCs,

Request for Comments, 2474 e 3031 48 VoIP é a abreviatura de Voice over IP. 49 Incluindo IaaS, Infrastructure as a Service, PaaS, Platform as a Service e SaaS, Software as a Service.

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Decerto vários usuários aceitariam pagar um valor maior por serviço de Internet com

Qualidade de Serviço que viabilizasse melhor desempenho das aplicações que mais lhe

interessam. A possibilidade de tal poder de escolha é condizente com os Princípios da Economia

de Mercado na Internet.

Se faz necessário, porém, analisar a priorização de tráfego à luz do Princípio da

Neutralidade de Rede, conforme balizamento oferecido na seção anterior em termos das seis

máximas ou critérios e do pressuposto da conectividade universal. Vejamos... A conformidade

com os critérios de transparência e de liberdade de escolha não parece ser um obstáculo, na

medida em que a contratação do serviço com priorização de pacotes se dê de maneira informada

e que haja alternativas sem priorização disponíveis para o contratante. Uma vez contratada, a

diferenciação no tratamento dos pacotes deve respeitar o critério da não interferência, ou seja,

a escolha deve ser realizada de forma consistente, sem degradações ou exclusões discricionárias

por parte do prestador. A priorização de certo tipo de tráfego em detrimento de outro deve afetar

exclusivamente o tráfego do contratante que optou por esta característica. A priorização do

tráfego de um contratante não deve reduzir a prioridade ou impactar, de qualquer outra sorte ou

sob qualquer outro pretexto, o tráfego de nenhum outro contratante, sob pena de violação da

máxima da não prejudicialidade. Os protocolos que implementam priorização estática do

tráfego são intrinsecamente aderentes à máxima da inviolabilidade. As soluções que priorizam

tráfego com base no exame do conteúdo do pacote de dados, com o fito de determinar o tipo de

aplicação à qual corresponde, enquadram-se na regra de exceção finalística da inviolabilidade,

discutida na seção anterior.

Fica claro que a priorização de tráfego não viola o Princípio da Neutralidade de Rede,

quando este é entendido com base em interpretação sistemática e ampla. É, também, evidente

que a implementação e oferta de serviços de Internet com priorização de tráfego atende,

indubitavelmente aos Princípios da Economia da Inovação na Internet e aos Princípios da

Economia de Mercado na Internet apresentados e discutidos anteriormente neste texto. Todavia,

quando se confronta a priorização de tráfego com o Art. 9º, vê-se claro o antagonismo com a

dicção do caput: “O responsável pela transmissão, [...] ou roteamento, tem o dever de tratar

de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, [...] ou

aplicação”. Se considerássemos que a dicção do caput do Art. 9º consubstancia cabalmente o

Princípio da Neutralidade de Rede – noção que, de plano, rejeitamos – estaríamos diante de

uma clássica colisão de princípios, a reclamar uma solução nos moldes da Asserção 2. Sob esta

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hipótese, tendo em vista a redução de relevância prática em decorrência de excessiva e

prejudicial conotação técnica de um princípio jurídico, que deve ser, na essência, abstrato e

abrangente, seria natural considerar que os Princípios Econômicos da Internet, agregando os

Princípios da Economia da Inovação e os da Economia de Mercado, têm peso maior do que o

Princípio da Neutralidade de Rede, impondo, como decorrência o afastamento deste em favor

daqueles na situação in casu. Todavia, a priorização de tráfego se coaduna perfeitamente com

a Neutralidade de Rede, quando analisada sob o crivo das seis máximas. Não é, portanto,

razoável atribuir ao Princípio da Neutralidade de Rede peso menor que aos Princípios

Econômicos da Internet. Ao contrário, tais princípios parecem ter peso equivalente, reclamando

uma solução exegética com base na Asserção 3, da qual deriva a disposição de uma norma que

harmonize os princípios colidentes.

Inspirados na analogia do sistema viário e na experiência brasileira com a regulação do

Serviço Telefônico Fixo Comutado, entendemos ser um instrumento essencial de

materialização do Princípio da Neutralidade de Rede e de promoção do acesso à Internet a todos

(Art. 4º, I) o estabelecimento de um “Serviço Básico de Internet”. Tal serviço caracteriza-se

análogo a uma estrada de asfalto equipada com sinalização, postos de serviço, segurança e apoio

ao condutor50 ou análogo a uma linha telefônica por meio da qual é possível, tão somente, fazer

e receber chamadas com qualidade de áudio que possibilite a inteligibilidade da conversação e

que não bloqueie originação ou recebimento de chamadas para qualquer outra linha telefônica,

fixa ou móvel, do sistema telefônico brasileiro.51 O referido Serviço Básico de Internet deve ser

mandatoriamente ofertado pelos provedores de telecomunicação e provedores de acesso em

conformidade com o disposto no Art. 9º e respectivos parágrafos, tomados, então, como norma

ordinária, a qual denominamos Regra da Neutralidade Básica de Rede.52 Em termos técnicos,

o Serviço Básico de Internet deve implementar o tratamento igualitário de pacotes e a entrega

de pacotes baseada em melhores esforços, características originais da Internet, devendo ser

disponibilizado tanto através de acessos de banda larga fixos ou móveis. O Serviço Básico de

Internet também deve ser aderente a parâmetros mínimos de qualidade, notadamente: garantia

de velocidade instantânea e mínima, latência bidirecional, jitter, perda de pacotes e

50 Serviço viário básico desejável para Brasil, cuja realidade ainda está aquém do necessário. 51 Serviços de valor agregado, tais como, identificação de chamada (caller id), encaminhamento de chamada

(call forward) e audioconferências (three way call) não estão incluídos no serviço básico 52 A regra da Neutralidade Básica de Rede consubstancia-se como a norma N1,2 que aparece na Asserção 3, como

resultado do sopesamento de princípios com iguais ou semelhantes, a saber o Princípio da Neutralidade de Rede os Princípios Econômicos da Internet.

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disponibilidade. Tal regulamentação já existe atualmente para os serviços SCM e SMP no

âmbito da Anatel.53

Estabelecida como limite mínimo a ser observado por todos os provedores de Internet,

a regra da Neutralidade Básica de Rede, disposta no Art. 9º, estabelece um padrão de serviço

abaixo do qual há violação irremediável do Princípio da Neutralidade de Rede estatuído no Art.

3º, IV, do Marco Civil da Internet. Por outro lado, este padrão básico pode ser excedido em

favor dos contratantes, respeitadas as características e desdobramentos exegéticos do Princípio

da Neutralidade de Rede e dos Princípios Econômicos da Internet. Harmonizam-se, desta

forma, o tratamento isonômico dos pacotes de dados, cerne da dicção do caput do Art. 9º, com

o tratamento priorizado de pacotes em função da aplicação à qual os dados estão relacionados,

desde que tal priorização seja fruto de uma escolha informada do contratante do serviço e que

tal priorização não prejudique ou degrade o serviço de nenhum outro contratante ou usuário da

Internet.

O Norm. 4º, enunciado na seção correspondente, oferece linguagem dispondo a

obrigação da oferta do Serviço Básico de Internet e o Norm. 5º e seu §2º oferecem linguagem

indicando as condições pelas quais serviços que implementam priorização de pacotes não

violem a Neutralidade de Rede.

2.10 Subsídio comercial e princípios sociais da Internet

Tem sido cada vez mais frequente o surgimento de planos de Internet que incluem, de

maneira explicita ou não, gratuidade do tráfego de determinados aplicativos. Tais ofertas,

vulgarmente referidas com zero rating, vêm suscitando debates em torno da possível violação

da neutralidade de rede. Canadá e Chile adotaram posições ab-rogando práticas de zero rating.

No mesmo sentido, manifestou-se o Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação

Getulio Vargas do Rio de Janeiro em contribuição feita à consulta pública sobre a

regulamentação do Marco Civil da Internet, ressaltando que as operadoras desobedecem ao

artigo 9º da lei com a prática de oferecer “acesso grátis às redes sociais para seus usuários”54.

53 Para discussão suplementar, referir-se ao capítulo de Silvia Regina Barbuy Melchior em (DEL MASSO, 2014,

p.120) 54 BUCCO, Rafael. Zero rating contraria Marco Civil da Internet, afirma FGVRIO. Portal Tele.síntese, Portal de

Telecomunicações, Internet e TICs, 23/02/2015. Disponível na Internet, http://www.telesintese.com.br/zero-rating-contraria-marco-civil-da-internet-afirma-fgv-rio, acessada em 07/09/2015.

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A questão merece, portanto, cuidadosas análise e reflexões.

Os planos de serviço de Internet usualmente atrelam o preço do serviço, à velocidade

da transmissão dos dados expressa em Mbps (Mega bits por segundo), e a uma franquia de

quantidade dados trafegados, usualmente expressa em MB ou GB (Mega bytes ou Giga bytes).

Consumida a franquia, o desempenho do acesso é drasticamente reduzido até o pagamento de

nova franquia. Zero rating é uma modalidade de subsídio comercial na qual o tráfego de dados

atrelado a certa aplicação não é descontado do total da franquia contratada, tornando o tráfego

dispendido com a aplicação subsidiada gratuito para o contratante do serviço de Internet.

Embora os exemplos práticos ofereçam gratuidade, nada obstaria ofertas com subsídio parcial,

tal como, à guisa de exemplo hipotético, um subsídio no qual para cada 3 bytes utilizados por

uma certa aplicação, 1 byte não seja debitado da franquia. Um tal serviço subsidiado, caso seja

transparentemente e isonomicamente ofertado, escolhido livremente pelo contratante, prestado

conforme ofertado, ou seja, sem interferência por parte do prestador, e que não implique ou

cause prejuízo a nenhum outro contratante ou usuário da Internet, não fere o Princípio da

Neutralidade de Rede, conforme defendemos.

É significativo o potencial dos serviços subsidiados como impulsionador da

massificação de serviços e tecnologias avançadas, principalmente considerando-se que a

esmagadora maioria dos acessos a Internet se dá através de conexões móveis contratadas na

modalidade de serviço pré-pago55. Tal efeito ocorreu nos primórdios da introdução do serviço

celular, quando os provedores subsidiaram a compra dos aparelhos. Artigo publicado no Portal

Telesíntese, em 2008, refere-se à “afirmação de Roberto Lima, presidente da Vivo, de que

através da política de subsídio o setor móvel fez uma forte transferência de renda, de mais de

R$ 15 bilhões, para os usuários dos planos pré-pago”.56 A matéria menciona ainda as

considerações de Luiz Eduardo Falco, à época, Presidente da Oi, indicando que a prática de

subsídios à aparelhos celulares voltados para assinantes de baixo poder aquisitivo, adquirentes

de planos pré-pagos, iniciou-se em 2001. Estatística publicada pelo Portal Teleco57 dá conta de

55 De acordo com o Portal Teleco, o Brasil terminou em dezembro de 2014 com 157,9 milhões de acessos banda

larga móveis, correspondendo 56,7% dos celulares no país, e 23,9 milhões de acessos banda larga fixos. Ainda segundo o portal, com base em informações da Anatel, 76,5% dos acessos celulares são pré-pagos.

56 Subsídio de Aparelho Celular Hoje é só para Pós-Pago. 05/03/2008. Disponível na Internet, http://www.telesintese.com.br/subsidio-de-aparelho-celular-hoje-e-so-para-pos-pago/ , acessado em 12/09/2016.

57 Seção: Celular & Smartphone. Produção de Telefones Celulares no Brasil (IBGE). Portal Teleco. 08/07/2015. Disponível na Internet, http://www.teleco.com.br/celprod.asp , acessado em 12/09/2015.

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que no período entre 2003 e 2008 foram vendidos no Brasil 199 milhões de aparelhos celulares.

Segundo dados de acessos a Telefonia Móvel publicados no portal da Anatel, Agência Nacional

de Telecomunicações,58 o serviço celular59 chegou a 174 milhões de assinantes em 2009, sendo

143,6 milhões na modalidade de serviço pré-pago. Acrescente-se que, de acordo com o Portal

Teleco, foram vendidos no Brasil 207,3 milhões de aparelhos celulares de 2011 a 2013. No

mesmo período foram produzidos 179,8 milhões de aparelhos dos quais 12,2 milhões foram

exportados. Segundo relatórios do IDC, no período entre 2012 e 2014 a comercialização de

telefones celulares, incluindo a nova geração de smartphones, movimentou R$ 90,2 bilhões,

cerca de 25,4% da produção total do setor de TI e TIC no período. A prática de subsídio ainda

persiste, em que pese venha sendo adaptada às novas realidades de mercado, dentre as quais o

fato de que o varejo substituiu em parte as operadoras de telecomunicações como supridoras

dos equipamentos, com boas ofertas de financiamento. Embora não haja estudos sobre o nível

de subsídios praticados pelas operadoras de telecomunicações no período, estimamos não ser

irrealista inferir que tenha havido uma transferência de renda nas cercanias dos mesmos R$ 15

bilhões referidos por Roberto Lima, presidente da Vivo em 2008, representando um subsídio

da ordem de 17% do volume total.

É, portanto, indubitável a importância do subsídio concedido pelas operadoras de

serviço móvel na aquisição de aparelhos celulares na consecução dos objetivos de

universalização, conforme disposto no Art. 18, III, da Lei 9.472/1997, conhecida como Lei

Geral da Telecomunicações, e em vários outros de seus artigos. Para além dos efeitos sociais

da massificação do serviço de telefonia móvel, observamos também, como efeito colateral, o

desenvolvimento de um pujante mercado comprador que se apresenta como viabilizador da

produção local de bens eletrônicos, inclusive com potencial de exportação. A conjugação dos

subsídios ofertados pelas operadoras de telecomunicação, concedidos espontaneamente a partir

da própria dinâmica do mercado e das latitudes conferidas pelo marco legal, com os incentivos

e fomentos concedidos pela União à produção, consubstancia o disposto na CF, Art. 219 e seu

parágrafo único,60 representando exemplo de (i) tangibilização da função social como

58 Dados. Telefonia Móvel – Acessos. Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações. Disponível da página

http://www.anatel.gov.br/dados/index.php?option=com_content&view=article&id=283, acessado em 12/09/2015.

59 O serviço celular, como é vulgarmente conhecido, é prestado por intermédio de autorização da Anatel sob a licença de Serviço Móvel Pessoal, SMP.

60 CF, Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

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subproduto desejável da atuação econômica das empresas e (ii) do efeito dos programas de

fomento, tais como, os estatuídos pela Lei 8.248/1991, Lei de Informática e pela Lei

11.196/2005, Lei do Bem.61 Tanto a oferta de subsídios por parte das operadoras, quanto os

incentivos à produção local são enquadráveis como atuação do Estado sobre o domínio

econômico por indução, sendo a primeira lograda de maneira indireta pela latitude do marco

legal. Ora, o Marco Civil da Internet comunga com a Lei Geral da Telecomunicações o objetivo

da promoção ao acesso universal, conforme disposto no Art. 4º, I, e, bem assim, outros

normativos finalísticos agrupados no que denominamos Princípios Sociais (de Universalização)

da Internet. Destarte, resta evidente que o subsídio ao tráfego de Internet se aninha

perfeitamente sob as asas dos Princípios Sociais da Internet e dos Princípios Econômicos da

Internet, tanto os da Economia de Mercado quanto dos da Economia da Inovação, tendo o

condão de contribuir para a massificação do uso da Internet e do desenvolvimento e proliferação

de aplicações inovadoras fomentadas pelo aumento do mercado consumidor.

A diferenciação das ofertas de serviços subsidiados com base no enquadramento do

contratante em certos pré-requisitos não se constitui, tampouco, em violação à isonomia, como

se poderia depreender da alusão feita pelo CTS da Fundação Getulio Vargas ao Art. 9º do Marco

Civil da Internet. Não é inaceitável que, por exemplo, maiores descontos sejam dados a clientes

que mantenham um maior nível de negócios com certos fornecedores. Tampouco é reprovável

a concessão de menores taxas de administração para investidores que a apliquem quantias mais

volumosas em certos produtos financeiros. A isonomia consiste em oferecer indistintamente as

mesmas condições àqueles que tem meios para aspirá-las, sem exclusões discricionárias ou

discriminatórias. Acrescente-se, ainda, que, atualmente, várias aplicações de Internet, tais

como, buscadores e redes sociais, são disponibilizadas gratuitamente aos usuários, sendo

subsidiadas por propaganda e marketing através da Internet. Tal modelo de negócio tem

contribuído para a massificação das aplicações, de modo semelhante ao proporcionado aos

canais de TV transmitidos por radiodifusão.

Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia.

61 Neste contexto, é considerada a dicção dos Arts. 28 a 30 da Lei do Bem anterior à adoção da Medida Provisória nº 690 de 2015.

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Sem embargo do exposto, a concessão de subsídios e benefícios comerciais pode trazer,

no seu bojo, práticas atentatórias ao direito concorrencial. No âmbito do tráfego subsidiado de

Internet, a CRTC, Comissão de Radiotelevisão e Telecomunicações do Canadá,62 proibiu as

operadoras de serviço móvel Bell Mobility e Vidéotron, de conceder condições mais favoráveis

aos seus próprios serviços de televisão móvel, que promovam vantagens competitivas

ilegítimas de mercado.63 O sumário da decisão CRTC 2015-26 é transcrito abaixo:

Complaint against Bell Mobility Inc. and Quebecor Media Inc., Videotron Ltd. and Videotron G.P. alleging undue and unreasonable preference and disadvantage in regard to the billing practices for their mobile TV services Bell Mobile TV and illico.tv

The Commission finds that Bell Mobility Inc. (Bell Mobility) and Quebecor Media Inc., Videotron Ltd. and Videotron G.P. (collectively, Videotron), violated subsection 27(2) of the Telecommunications Act by exempting their mobile TV services Bell Mobile TV and illico.tv from data charges. Subsection 27(2) prohibits Canadian carriers from conferring an undue disadvantage to others, or an undue preference to itself or others. Bell Mobility and Videotron have given an undue preference in favour of subscribers of their respective mobile TV services, as well as in favour of their own services, and have subjected consumers of other audiovisual content services, and other services, to a corresponding undue disadvantage.

In light of the above, the Commission directs Bell Mobility to eliminate its unlawful practice with respect to data charges for its mobile TV service by no later than 29 April 2015.

Further, the Commission directs Videotron to confirm by 31 March 2015 that it completed its planned withdrawal of its illico.tv app for Blackberry- and Android-based phones by 31 December 2014, thereby removing any undue preference for its mobile TV service, and ensure that any new mobile TV service complies with the determinations set out in this decision.

This decision will favour an open and non-discriminatory marketplace for mobile TV services, enabling innovation and choice for Canadians. The Commission is very supportive of the development of new means by which Canadians can access both Canadian-made and foreign audiovisual content. However, mobile service providers cannot do so in a manner contrary to the Telecommunications Act.64

A decisão do regulador canadense leva em conta os seguintes aspectos antecedentes:

(1) Os serviços de TV móvel ofertados pelas operadoras em tela são acessados por intermédio de aplicativos desenvolvidos pelas operadoras, sendo que os

62 CRTC, Canadian Radio-television and Telecommunications Commission, é agencia regulatória canadense

similar à Anatel. 63 CRTC continues to set the course for the future of television with Let´s Talk TV decisions. News Release.

Government of Canada. Disponível na Internet, http://news.gc.ca/web/article-en.do?nid=926529, acessada em 13/09/2915.

64 Canadian Radio-television and Telecommunications Commission. Broadcasting and Telecom Decision CRTC 2015-26. 29/01/2015. Disponível na Internet, http://www.crtc.gc.ca/eng/archive/2015/2015-26.htm , acessada em 13/09/2015.

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aplicativos da Videotron só foram disponibilizados para aparelhos Android e Blackberry.

(2) Os clientes da Bell Mobility têm mais opções de escolha de canais se também forem assinantes do serviço Bell Fiber ou do Bell Express Vu. Os clientes de Videotron só podem contratar o serviço de TV móvel se forem também assinantes do serviço de TV a cabo.

(3) A contratação do serviço de TV móvel da Bell Mobility só é possível mediante a contratação de um serviço de Internet da mesma operadora ou de uma das operadoras com as quais mantém relacionamento comercial e de serviço, tais como a Virgin Mobile.

Ora, o que vemos é um conjunto de práticas que atentam contra a isonomia na prestação

do serviço de Internet aos demais provedores de aplicação, e que não se resumem ao subsídio

ao tráfego. No caso do item (1) observamos que a operadora Videotron discrimina fabricantes

de aparelhos celulares, tipo smartphone, que não utilizem o sistema operacional Android ou

que não sejam fornecidos pela Blackberry. Assim, usuários de aparelhos da Apple, que utilizam

o sistema operacional iOS, e da Microsoft e seus fabricantes licenciados, que empregam o

sistema operacional Windows Mobile, ambos sistemas proprietários, são alijados da

possibilidade de usar o serviço da operadora québéquois, caracterizando benefícios

discricionariamente concedidos a terceiros. O item (2) revela a prática de venda vinculada,

amplamente considerada uma prática anticoncorrencial. O aspecto (3), além da reiteração da

venda vinculada, revela também a discriminação de outras operadoras como possíveis

provedoras de Internet para clientes dos respectivos serviços de TV móvel. Tal restrição impõe

inaceitável verticalização da prestação de serviços no âmbito de um mesmo grupo empresarial.

Essa verticalização é agravada pelo fato de operadoras de telecomunicações serem usualmente

cessionárias de serviços baseados em infraestruturas críticas das quais decorrem monopólios

naturais quanto à atividade econômica da prestação de serviços de telecomunicação. Não sem

razão, tais atividades são usualmente tratadas no âmbito da doutrina de essential facilities sendo

objeto de regulação.65 A situação em tela claramente agride, e o faz de forma contundente, duas

máximas da Neutralidade de Rede, a saber, a isonomia e a liberdade de escolha, bem como o

pressuposto da conectividade universal. Considerar que a decisão do regulador canadense,

CRTC, representa o banimento irrestrito da possibilidade de serviços subsidiados constitui uma

65 A experiência britânica na regulação de telecomunicações lastreada no conceito da segregação funcional

apresenta-se como merecedora de reflexão com vistas ao aperfeiçoamento de práticas isonômicas na prestação de serviços que dependam de infraestrutura essencial.

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visão limitada e simplificada da questão. Não deixa de ser emblemático que o resumo das

considerações publicado no sítio do regulador canadense não faça nenhuma referência à

expressão Neutralidade de Rede.

Em função do exposto, consideramos que uma interpretação jurídica dos princípios do

Marco Civil da Internet que conclua ser a Neutralidade de Rede um óbice intransponível à

prestação de serviços subsidiados não só prejudica a consecução do objetivo de promoção do

direito de acesso a todos, disposto no Art. 4º, I e também os demais dispositivos que compõem

os Princípios Sociais (de Universalização) da Internet, bem como atenta contra os Princípios

Econômicos da Internet, enunciados no diploma. A oferta de serviços subsidiados tem o poder

de fomentar o mercado de aplicações, possibilitando o aumento do mercado consumidor por

intermédio da viabilização do acesso de população com menor poder aquisitivo. Os benefícios

do tráfego subsidiado certamente se farão sentir na massificação, por exemplo, do comércio

eletrônico e da bancarização eletrônica, fenômenos nos quais o meio de acesso vem sendo

rapidamente transferido para dispositivos móveis do tipo smartphone ou tablets, relegando a

segundo plano o acesso por intermédio de enlaces fixos através de computadores. A

Neutralidade de Rede certamente cumpre um papel importante na apreciação de situações

anticompetitivas, mas não deve ser considerada como instituto legal preponderante nesta seara.

Neste sentido, recomenda-se criteriosa análise dos diversos aspectos atinentes a modelos de

negócio sob os quais pesem dúvidas, com emprego diligente da técnica de sopesamento de

princípios.

Uma crítica frequente que se faz ao subsídio comercial ao tráfego de Internet diz respeito

ao risco de concentração do uso em torno de provedores de aplicação de grande porte, que,

pressupostamente, teriam maiores e melhores condições de subsidiar tráfego de seu interesse

do que as pequenas e médias empresas. Tal assimetria de poder econômico poderia redundar

em efeito inibidor da inovação em decorrência da limitação do mercado endereçável pelas

startups em face a onerosidade do serviço de Internet. Tal crítica tem sua razão de ser, mas a

solução não nos parece passar pela vedação dos serviços subsidiados, mas, sim, por regulação

assimétrica que possibilite a equiparação de acesso ao mercado de usuários de Internet, aberto

e expandido pela oferta do subsídio. Uma possibilidade, sem exclusão de nenhuma outra, é a

destinação de verbas recolhidas pelas operadoras de telecomunicações ao FUST, Fundo de

Universalização dos Serviços de Telecomunicações, instituído pela Lei nº 9.998/2000, para

subsidiar o tráfego de Internet relativo a aplicações produzidas e comercializadas por pequenas

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e médias empresas. A destinação voltada ao subsídio de tráfego nada mais é do que a

materialização no ecossistema da Internet, do “objetivo de subsidiar serviços de

telecomunicações para as camadas mais pobres da população”, conforme enunciado na página

Internet do Ministério da Comunicação.66 O Norm. 5º e seu §1º oferecem linguagem sintética

autorizativa de serviços subsidiados com base em hermenêutica ex ante de princípios.

2.11 Ordem-moldura, ordem-fundamento e espaços de discricionariedade

Dworkin e Alexy desenvolvem o conceito de princípios jurídicos visando posicioná-los

no âmbito do direito com um papel distintivo e próprio, em complementariedade e mesmo em

contraposição à visão positivista. A forma como os princípios interferem nas decisões da cortes

norte-americanas, de acordo com a descrição de Dworkin, e a conceituação de colisão de

princípios e sistematização da mecânica de sopesamento empreendida por Alexy a partir da

jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, têm como pano de fundo uma

atividade judicante que, à primeira vista, aparenta extrapolar os limites aos quais os juízes

deveriam estar submetidos. Em outros termos, traz à tona a questão da discricionariedade.

Dworkin define discricionariedade lançando mão de uma analogia simples, porém

reveladora: “Discretion, like the hole in the doughnut, does not exist except as an area left open

by a surrounding restriction” (DWORKIN, 1978, p.31)67. Na visão do autor, discricionariedade

é o espaço deixado ao arbítrio de quem está cercado por barreiras limitadoras, algo assim como

um cercado de bebês.68 Neste sentido, o autor compara duas perspectivas sobre

discricionariedade esposadas por positivistas, a segunda delas dando ensejo ao papel dos

princípios:

The positivists […] say that a judge has no discretion when a clear and established rule is available.

[…]

Positivists hold that when a case is not covered by a clear rule, a judge must exercise this discretion to decide that case by what amounts a fresh piece of legislation.

66 FUST. Ministério da Comunicações. Disponível da página http://www.mc.gov.br/fundos/fundo-de-

universalizacao-dos-servicos-de-telecomunicacoes-fust , acessada em 13/09/2015. 67 Tradução livre do autor: “Discricionariedade, tal qual um donut (ou um pão em formato de rosca) não existe

senão como um espaço vazio circundado por restrições”. 68 Nos Estados Unidos é comum expressar figurativamente níveis de autoridade gerencial como “sandboxes”.

Desde que se mantenham no interior das suas respectivas caixas de areia, assim como as crianças podem brincar à vontade, os gestores têm liberdade para tomar decisões.

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(DWOKIN, 1970, p.34 e 31)69

Discricionariedade entra em jogo não só quando não existe uma regra claramente

aplicável in casu, mas também quando, em casos mais complexos, se constatam antinomias,

reais ou aparentes. A percepção usual (e superficial) é a de que a tradição Common Law está

primordialmente ligada aos precedentes, com um viés de estabilidade jurídica, o stare decisis,

que molda a atuação das cortes, minimizando o papel das leis. Dworkin afirma que não só a

relevância dos precedentes, mas também a doutrina da supremacia legislativa, são, em si,

decorrentes de princípios jurídicos assentados, e como tal, têm relevância, mas são desprovidos

de natureza estritamente impositiva70. Embora possa parecer um tanto surpreendente, Dworkin

estabelece seu pensamento a partir de uma posição crítica ao positivismo emanado no âmbito

da própria tradição da Common Law – de certa forma personificado pelo autor em H. L. A Hart,

pensador britânico, filósofo do direito e professor da Universidade e Oxford – exposta ao

diálogo dialético com a própria práxis das altas cortes dos dois lados anglo-saxões do Atlântico:

In most American jurisdictions, and now in England also, the higher courts not infrequently reject established rules. Common law rules – those developed by earlier court decisions – are sometimes overruled directly, and sometimes radically altered by further developments. Statutory rules are subject to interpretation and reinterpretation, sometimes even when the result is not to carry out what is called the ‘legislative intent’. If courts had discretion to change established rules, then these rules would not be binding upon them, and so would not be law on the positivists’ model…

When, then, is a judge permitted to change an existing rule of law? Principles figure in the answer […]

(DWORKIN, 1978, p.37)71

69 Tradução livre do autor: “Os positivistas [...] dizem que um juiz não tem discricionariedade quando há uma

regra clara e estabelecida. [...] Positivistas sustentam que quando um caso não é coberto por uma regra clara, o juiz deve exercer sua discricionariedade para decidir o dito caso, o que acaba por se constituir em um novo fragmento de legislação”.

70 “... any judge who proposes to change existing doctrine must take into account some of important standards that argue against departures from established doctrine, and these standards are also for the most part principles. They include the doctrine of “legislative supremacy”, a set of principles that require the courts to pay a qualified deference to the acts of the legislature. They also include the doctrine of precedent, another set of principles reflecting the equities and efficiencies of consistency. The doctrine of legislative supremacy and precedent incline toward status quo¸ each within its sphere, but they do not command it.” (DWORKIN, 1978, p.37-38)

Tradução do autor: “[…] qualquer juiz que propuser mudar doutrina preexistente, deve levar em conta alguns importantes referenciais que se opõem ao afastamento da doutrina estabelecida e tais referenciais são também, em sua maioria, princípios. Eles incluem a doutrina da “supremacia legislativa”, um conjunto de princípios que requerem que as cortes confiram deferência qualificada aos atos do legislativo. Eles também incluem a doutrina do precedente, um outro conjunto de princípios que refletem a equidade e eficiência decorrentes da consistência. As doutrinas da supremacia legislativa e do precedente se inclinam na direção do status quo, cada uma em sua esfera, mas não o determinam mandatoriamente”.

71 Tradução livre do autor: “Na maior parte das jurisdições norte-americanas, e atualmente também nas inglesas, a altas cortes rejeitam regras estabelecidas sem infrequência. Regras da Common Law – aquelas

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Para Dworkin a discricionariedade exercida pelas altas cortes no seio da tradição

Common Law é lastreada em uma exegese de princípios, a partir da qual são geradas novas

regras, fenômeno observado principalmente nos chamados hard cases:

After the case is decided, we may say that the case stands for a particular rule [...] But the rule does not exist before the case is decided; the court cites principles as its justification for adopting and applying a new rule.

(DWORKIN, 1978, p.28)72

Alexy parte de um contexto jurídico informado por uma constituição pós Weimar, na

qual os direitos fundamentais positivados se revestem de proporções e abrangência

significativamente avantajadas, extrapolando o papel tradicional de instrumentos reguladores

da relação Estado-cidadão, que marca os diplomas jurídicos do liberalismo europeu-continental

clássico. Neste contexto, os direitos fundamentais constitucionais galgam uma abrangência que

atinge as relações entre cidadãos, configurando-se, no dizer de Böckenforde, em uma

“’ordenação fundamental jurídica da coletividade’, que ‘já contém o ordenamento jurídico no

total [...] – no plano das normas-princípios com tendência de optimização’”73. Tratar-se-ia,

neste caso, de uma sobreconstitucionalização do sistema jurídico, no qual o tribunal

constitucional teria um papel hipertrofiado em relação aos outros poderes. Diante desta

perspectiva Forsthoff chega às raias do catastrofismo aludindo a uma “transição do Estado

legislativo parlamentar para um Estado judiciário constitucional”.74 Neste sentido, Alexy

conceitua como uma ordem-fundamento, no sentido quantitativo, uma constituição densamente

exaustiva e que nada faculta ao seu intérprete ou ao legislador. Ainda que consideremos a

ordem-fundamento um tipo provavelmente hipotético, as carregadas tintas dos críticos

germânicos servem como motivador de reflexão sobre o nosso sistema constitucional, de viés

marcadamente dirigente e abundante em normativos.

desenvolvidas por decisões anteriores de tribunais – são algumas vezes diretamente derrogadas, e, muitas vezes radicalmente alteradas por desenvolvimentos posteriores. Regras legisladas, são submetidas a interpretação e reinterpretação, mesmo quando, muitas vezes, o resultado não foi fruto de uma ‘intenção legiferante’, como se costuma dizer. Se as cortes têm discricionariedade para modificar regras estabelecidas, então tais regras não são vinculantes sobre as cortes, não se constituindo em lei no modelo preconizado pelos positivistas. [...] Quando é permitido, a um juiz, mudar uma regra jurídica existente? Princípios têm um lugar na resposta...”.

72 Tradução livre do autor: “Depois que o caso é decidido, podemos dizer que o caso se subsume a uma regra em particular. [...] Mas a regra não existe antes do caso ser decidido; a corte cita princípios como justificativa para adotar e aplicar uma nova regra”.

73 Cf. (ALEXY, 2015b, p.75) 74 Cf. (ALEXY, 2015, p.578)

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Que latitudes restariam ao judiciário e ao legislativo diante de uma estrutura

constitucional de tal sorte exauriente?

Alexy traz à baila a conceituação de constituição como ordem-moldura quando esta

limita o papel do legislador (e do intérprete) por intermédio de dispositivos ordinatórios e

proibitórios, ambos de natureza obrigatória – a moldura – e deixa ao seu alvedrio certas

faculdades, a saber o que não é explicitamente ordenado ou vedado – o espaço para a tela do

quadro.75 Alexy entende ser possível coexistirem os dois tipos de ordem em uma mesma

constituição, o que parece ser o caso na Magna Carta pátria:

Uma constituição é uma ordem-fundamento em sentido qualitativo ou substancial se por meio dela são decididas questões que sejam fundamentais para a comunidade. [...] Uma constituição pode decidir questões fundamentais, e, nesse sentido, ser uma ordem-fundamento, e, mesmo assim, deixar muitas questões em aberto, e, nesse sentido, ser uma ordem-moldura. De acordo com a teoria dos princípios, uma boa constituição deve conciliar as duas coisas.

(ALEXY, 2015, p.584) (Grifamos)

Alexy informa que o Tribunal Constitucional Federal alemão emprega sobejamente o

conceito de espaço em dicções variadas, tais como, “espaço de estimativa, de valoração e de

configuração”, “espaço de apreciação”, “espaço de atuação” e “espaço de decisão”76. Não

surpreende, portanto, a similitude entre os conceitos de moldura e espaço, com o “donut” de

Dworkin. Nos dois lados do Atlântico os autores referem-se a espaços de discricionariedade, os

quais, no contexto de um sistema constitucional têm natureza estrutural, a saber, as faculdades

deixadas pelo constituinte para o legislador, no interior da moldura. Alexy identifica três tipos

de discricionariedade no âmbito do espaço de discricionariedade estrutural. Quando o

constituinte deixa, em relação a um direito fundamental, uma autorização, condicional ou

incondicional de intervenção, se está diante de uma discricionariedade para definir objetivos.

Quando os direitos fundamentais proíbem intervenções e ordenam ação positiva, notadamente,

na dimensão da proteção, caracteriza-se uma discricionariedade para definir meios para

realizar a ação ordenada. Por fim, temos o espaço de discricionariedade para sopesar, que

decorre diretamente da teoria dos princípios e caracterização destes como mandamentos de

otimização. Segundo o autor, a busca pela otimização tem como condições de contorno as

possibilidades jurídicas e fáticas subjacentes e implica o emprego da “máxima da

75 Cf. (ALEXY, 2015, p.582) e (ALEXY, 2015b, p.77) 76 Cf. (ALEXY, 2015b, p.78)

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proporcionalidade com suas três máximas parciais – as máximas da adequação, da necessidade

e da proporcionalidade em sentido estrito”,77 sendo esta última bem traduzida pela lei de colisão

enunciada por Alexy.

Depreende-se, da teoria de Alexy, que um sistema constitucional tipo ordem-moldura,

por ter sua estrutura normativa permeada de princípios, lado a lado com normas-regra, tem um

alto grau de plasticidade estrutural. Princípios não deixam de ser dispositivos mandamentais.

Todavia, são aplicados in casu na medida das possibilidades jurídicas e fáticas. Assim, se

consideramos que princípios são parte da moldura, decorre que esta não é intrinsecamente

rígida, admitindo ser moldada pelo resultado do sopesamento dos princípios. Resta evidente

que, tal plasticidade não é ilimitada, uma vez que a técnica de sopesamento (como já

observamos) implica também um exercício mútua-limitação ou mútua-mitigação. O que se quer

dizer é que os princípios, e bem assim as colisões a que são submetidos, norteiam tanto a

atividade judicante quanto a legiferante, definindo contornos a partir dos quais emergem novas

regras, seja em sede de uma sentença interpartes, ou uma sentença de repercussão geral, ou

ainda em novo diploma legal ou infralegal. Esta visão um tanto mais formal, no âmbito

metodológico, porém maleável por ser assentada em ponderação, consubstancia a coerência

lógica de Kelsen e a harmonia de Bandeira de Mello, aterrissando-as das alturas aspiracionais

para o terreno operativo judicante e legislativo. Neste sentido, o Marco Civil da Internet, sendo

um diploma permeado de princípios, confere um amplo espaço de discricionariedade estrutural,

a ser explorado, tanto na atividade jurisdicional, que ora vemos em estágio infante, quanto na

produção infralegal, conforme inclusive reclamada pelo próprio diploma.

Como se não bastasse a complexidade do espaço de discricionariedade estrutural, Alexy

introduz ainda um espaço de discricionariedade epistêmica, a saber:

Uma discricionariedade epistêmica decorre não dos limites daquilo que a constituição obriga, ou proíbe, nas dos limites da possibilidade de se reconhecer o que a constituição [...] faculta. De uma forma exagerada, é possível afirmar que a discricionariedade epistêmica decorre dos limites da capacidade de se conhecer os limites da constituição. Os limites dessa capacidade podem ser tanto limites da cognição empírica quanto limites da cognição normativa. Saber se a constituição admite tais espécies de discricionariedade epistêmica é algo que depende dos princípios formais [...] (ALEXY, 2015, p.583)

77 Cf. (ALEXY, 2015, p.588)

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De especial interesse, no âmbito do Marco Civil da Internet, destacamos o espaço de

discricionariedade epistêmica com base em cognição empírica. Sendo a Internet um

fenômeno tecnológico com amplos desdobres jurídicos e com alto potencial evolutivo, é de se

esperar que dê vazão ao surgimento de inovações, as quais, não raro, têm o potencial de solapar

certos paradigmas jurídicos solidamente assentados. Novas realidades certamente demandarão

novas intervenções, tanto dos intérpretes da lei quanto dos legisladores, no enfrentamento dos

seus desafios e contradições. À luz deste plausível futuro, exsurgem três recomendações.

Primeiramente, a utilização ex ante do sopesamento de princípios é essencial para melhor

balizar a produção legiferante infralegal, de modo a incorporar perspectivas (empíricas) já

vislumbráveis em termos de tendências tecnológicas e de modelos de negócio, evitando que

novo arcabouço normativo tenha contornos restritivos que inibam a introdução das inovações,

com indesejáveis consequências econômicas e sociais. Em segundo lugar, que se acelere a

reflexão doutrinária relacionada à Internet de modo a melhor instrumentalizar as autoridades

judicantes no enfrentamento das lides erigidas em torno da Internet, realçando o papel relevante

do sopesamento dos princípios positivados no próprio Marco Civil da Internet, evitando, assim,

decisões mal informadas e contrárias ao melhor interesse público. Por último, que os espaços

de discricionariedade, tanto estrutural quanto epistêmica, em especial o de cognição empírica,

sejam criteriosamente explorados na produção normativa voltada a outros temas e aspectos que

tangenciam a Internet, tais como, privacidade, proteção de dados pessoais e políticas públicas

de fomento à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. O uso consistente de princípios em

novos diplomas legais tem o condão de conferir-lhes a plasticidade estrutural ínsita à ordem-

moldura constitucional, sendo um importante aliado do Direito Econômico na forma de atuação

sobre a economia por indução.

2.12 Normativos conceituais para regulamentação do Marco Civil da

Internet78

Diplomas jurídicos não deixam de ser uma forma sumarizada de dispor o direito. Neste

papel, representam um importante veículo de uniformização da linguagem e comunicação das

78 À data de submissão destas reflexões, já havia sido publicado o Decreto 8.771 de 11 de maio de 2016, que “Regulamenta a Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, para tratar das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indicar procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, apontar medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelecer parâmetros para fiscalização e apuração de infrações.” Todavia, o referido diploma infralegal, embora tenha introduzido algumas poucas flexibilidades no tocante ao gerenciamento de tráfego, foi tímido e omisso em lidar com as questões de priorização de tráfego e serviços

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hipóteses de subsunção dos fatos às normas e os correspondentes prescritivos, consequentes da

aplicação das normas.

Cremos, pelo exposto, ter demonstrado o poder e a utilidade da hermenêutica baseada

no sopesamento de princípios, e a pertinência de lançar mão da técnica desde a atividade

legiferante. Tal aplicabilidade se reveste de altaneira relevância na reflexão e entendimento do

Marco Civil da Internet, tanto pelo novidadismo do fenômeno tecnológico, econômico e social,

quanto pelas auspiciosas perspectivas de desenvolvimento futuro, cuja visão ainda é turvada

pela incerteza advinda do próprio processo de destruição criativa ínsito da economia da

inovação.

Assim, lançando mão do espaço de discricionariedade epistêmica com base em cognição

empírica, que, oxalá, tenhamos logrado transmitir e tenuemente tangibilizar, registramos aqui,

sob a forma de normativos, as principais conclusões e recomendações emanadas das reflexões

empreendidas neste texto sobre a Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet, seus princípios e,

com especial relevância, o Princípio da Neutralidade de Rede:

Norm. 1º - Na interpretação, aplicação ou materialização do disposto na Lei 12.965 de 2014, seus princípios, direitos fundamentais e garantias, deve-se sempre considerar a natureza global da rede, sua governança multissetorial e seus impactos no âmbito interno e nas relações internacionais.

Norm. 2º - A preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede é tarefa coletiva dos provedores de telecomunicações, tanto de serviço fixo como móvel, e dos provedores de acesso, do CGI, Comitê Gestor da Internet em alinhamento com a governança global da Internet e da Anatel, Agência Nacional de telecomunicações.

§1º- Os padrões e procedimentos técnicos operacionais a serem empregados no Brasil, devem observar aderência aos padrões internacionais e acompanhar a dinâmica de introdução de novas tecnologias e padrões.

§2º- A fiscalização das concessionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações fixo e móvel deve contemplar a adoção de arquitetura de rede aberta e distribuída e de padrões internacionais abertos que garantam a interoperabilidade e a livre circulação de pacotes de dados sempre observando a aderência aos padrões internacionais e acompanhando a dinâmica de introdução de novas tecnologias e padrões.

subsidiados, importantes questões amplamente debatidas nestas reflexões. O diploma também não foi feliz ao introduzir, por via infralegal, conceitos relativos dados pessoais, que ainda não estão plasmados em lei e que são, à data destas reflexões, objeto de intenso debate no Congresso Nacional, com base na tramitação de três projetos de lei, acarretando mais insegurança jurídica. Por outro lado, neste interim, o “Body of European Regulators for

Electronic Communications – BEREC” publicou o documento “BEREC Guidelines on the Implementation by

National Regulators of European Net Neutrality Rules” no qual os referidos temas são tratados, a saber, a priorização de tráfego, no âmbito de gerenciamento de tráfego voltado a características de QoS das aplicações, e serviços subsidiados no âmbito das práticas de zero-rating. Estudos de direito comparado são recomendáveis para aprofundamento dos dois temas.

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§4º- O Brasil propugnará, por intermédio dos órgãos competentes, por uma governança global da Internet baseada de processos multissetoriais, abertos, participativos, transparentes e responsáveis.

§5º- O Brasil trabalhará no combate ao crime cibernético em cooperação com outros países e organismos internacionais.

Norm. 3º - O Princípio da Neutralidade de Rede, conforme disposto na Lei 12.965/2014, Art. 3º, IV, é imponível a todos os serviços de internet, onerosos ou gratuitos, pré-pagos ou pós-pagos, ofertados por prestadores de acesso ou prestadores de serviços telecomunicações, fixos ou móveis.

§1º- Os prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações deverão adotar postura de transparência em relação aos serviços ofertados, informando claramente, e em linguagem acessível, as características técnicas e comerciais de suas ofertas.

§2º - Os termos e condições ofertados devem ser isonômicos, sendo vedada a discriminação de contratantes que preencham as exigências específicas previstas na oferta.

§3º - É garantida liberdade de escolha ao contratante dos serviços de acesso à Internet e dos serviços de telecomunicações subjacentes, quanto aos planos de serviço e suas características comerciais e técnicas e quanto ás aplicações que deseja usar, aos conteúdos que deseja acessar e aos usuários com os quais deseja se comunicar.

§4º- É vedado ao prestador do serviço de internet bloquear o acesso a qualquer página, sítio ou aplicação acessível pela Internet, salvo se explicitamente solicitado pelo usuário por razões que lhe sejam próprias.

§5º- É vedado ao prestador do serviço de internet degradar ou filtrar o tráfego de qualquer conexão, usuário ou prestador de aplicações de internet, independentemente do tipo de terminal usado, salvo em situações nas quais, havendo risco para estabilidade, segurança e funcionalidade da rede em face a congestão de tráfego, falhas de rede ou ataques cibernéticos, tais medidas sejam absolutamente necessárias para restaurar o serviço.

§6º- É vedado ao prestador do serviço de internet analisar o conteúdo dos pacotes de dados, salvo no caso das exceções estabelecidas em lei ou em regulamentação, salvo se explicitamente solicitado pelo usuário por razões que lhe sejam próprias.

§7º- A monitoração de tráfego só pode ser realizada pelo provedor e internet para fins de gerenciamento e resolução de situações de risco para estabilidade, segurança e funcionalidade da rede em face a congestão, falhas na rede, ou ataques cibernéticos, sendo permitida a identificação da conexão nestas circunstâncias e vedada a identificação dos usuários.

§8º- A fiscalização do disposto neste dispositivo e o provimento de informações que possibilitem a instrução jurisdicional em caso de suspeita de desvios.

Norm. 4º - O Serviço Básico de Internet deve ser ofertado por prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações, fixos ou móveis, em conformidade com o Art. 9º, da Lei 12.965/2014.

§1º- O Serviço Básico de Internet deve atender a requisitos mínimos de qualidade para comunicação fim-a-fim, na forma da regulamentação aplicável.

§2º- A regulamentação deverá prever a evolução dos requisitos mínimos de qualidade visando a promoção da inovação e a difusão de novas tecnologias e aplicações.

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§3º- O poder público fiscalizará o cumprimento do disposto neste dispositivo e o provimento de informações que possibilitem a instrução jurisdicional em caso de suspeita de desvios.

Norm. 5º - É facultado aos prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações, fixos ou móveis, ofertar serviços de internet que excedam as características técnicas do Serviço Básico de Internet, desde que estejam em conformidade com o Princípio da Neutralidade de Rede, conforme disposto no Art. 3º, IV, e os demais princípios da Lei 12.965/2014, em especial os dispostos no Art. 2º, V, no Art. 3º, VIII, e no Art. 4º, III.

§1º- Não viola Princípio da Neutralidade de Rede a prestação de serviços que sejam subsidiados, em parte ou integralmente, por provedores da aplicação, desde que:

I – Sejam explicitamente contratados com base em informações transparentes e claras;

II – A oferta de tais serviços subsidiados seja pública e isonômica sem discriminação de usuários ou provedores de aplicação, conforme for o caso;

III – Sejam atendidos os requisitos mínimos de qualidade do Serviço Básico de Internet, nada obstando que sejam excedidos;

IV – A responsabilidade pela prestação do serviço permanece com prestadores de acesso ou prestadores de serviços telecomunicações;

V – É vedado aos prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações não repassar, aos usuários, subsídios auferidos junto a prestadores de aplicação.

§2º- Não viola Princípio da Neutralidade de Rede a prestação de serviços que priorizem certos tráfegos em relação à outros, ainda que a priorização seja subsidiada pelo provedor da aplicação, desde que:

I – Sejam explicitamente contratados com base em informações transparentes e claras;

II – A priorização não implique em degradação desproporcional de outros tráfegos do usuário, em relação aos requisitos mínimos de qualidade do Serviço Básico da Internet;

III – A priorização não implique em degradação de tráfego de outros usuários;

IV – A priorização seja vantajosa para o usuário e não seja vinculada por interesses dos prestadores de acesso ou prestadores de serviços telecomunicações;

V – Caso a priorização do tráfego seja implementada com base na análise do conteúdo dos pacotes, tal característica seja informada e explicitamente permitida pelo usuário, sendo vedado o a identificação do usuário e o armazenamento dos pacotes e garantida a preservação da a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas.

2.13 Considerações finais sobre Neutralidade de Rede

Os princípios jurídicos desempenham importante papel no Marco Civil da Internet,

norteando tanto a atividade legislativa quanto a aplicação do direito por parte dos seus

operadores. Destaca-se neste sentido, a importância da sua hermenêutica a partir da

conceituação de Dworkin e Alexy e da utilização da técnica de sopesamento. As reflexões sobre

neutralidade de rede realçam a importância do sopesamento, como decorrência de lei de colisão,

expressa de maneira mais específica nas Asserções 1 e 3.

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Neste sentido, destacam-se o detalhamento das materialidades jurídicas abarcadas pelo

Princípio da Neutralidade de Rede, expressas no pressuposto da conectividade universal, nas

seis máximas, a saber, transparência, isonomia, liberdade de escolha, não interferência, não

prejudicialidade e inviolabilidade, bem como, a caracterização do Art. 9º como regra da

Neutralidade Básica de Rede, e o seu papel como nível de serviço mínimo a ser provido aos

usuários. Ressalte-se também a natureza desejável dos serviços subsidiados, tendo em vista o

seu impacto na massificação do serviço, e a destinação de verbas do FUST para subsidiar o

tráfego de aplicações de pequenas e médias empresas. Recomenda-se ainda a aplicação do

sopesamento dos princípios do Marco Civil da Internet na apreciação de situações nas quais há

indícios de práticas anticoncorrenciais.

A hermenêutica jurídica lastreada no sopesamento de princípios possibilita a antevisão

de normas autorizativas de novos modelos de serviço, que, se por um lado não são fulminados

por uma possível interpretação literalista da Neutralidade de Rede centrada no Art. 9º, tampouco

são dotados de latitude desmedida, na medida em que são limitados em função do sopesamento

de princípios envolvendo o Princípio da Neutralidade de Rede, os Princípios da Economia de

Mercado na Internet e da Economia da Inovação na Internet, bem como os Princípios Sociais

(de Universalização) da Internet.

A referida técnica jurídica também se demonstra um poderoso instrumento a serviço de

produção normativa que explore com eficiência o espaço de discricionariedade estrutural

provido pelo diploma da grande rede, bem como o espaço de discricionariedade epistemológica

empírica, descortinado pelo sopesamento dos seus princípios à luz de novas tendências.

Ressalte-se, por fim, sua importância em se tratando de ordenamento jurídico voltado a

inovações tecnológicas.

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3 Tributação sobre Serviços na Nuvem

3.1 Serviços na nuvem, o novo fenômeno econômico na Internet

Em decorrência da expansão da Internet e da evolução da tecnologia da informação e

comunicação, novos modelos de negócio têm surgido em torno de certo conceito de serviços,

denominados, mercadologicamente, Serviços na Nuvem, da congênere em inglês Cloud

Services. Dentre os diversos fatores que impulsionam a nova tendência, destacam-se: (i) o

expressivo aumento da capacidade de processamento e armazenamento de servidores

especializados e de alto desempenho, possibilitando substantiva redução no custo da

computação; (ii) a congregação de um grande número de servidores em datacenters79

conectados à Internet através de acesso em banda ultra larga; (iii) o alcance global da Internet

e massificação das conexões de banda cada vez mais larga, tanto através de meios físicos quanto

sem fio;80 e (iv) a disseminação de dispositivos conectados à Internet -- tais como, notebooks,

smartphones, tablets, e até mesmo os mais novos dispositivos vestíveis (wearables), tais como

óculos, relógios -- conferindo ao usuário interfaces gráficas intuitivas e alta capacidade

computacional a custos não proibitivos.

Tradicionalmente, equipamentos informáticos (hardware) são comercializados como

mercadoria, sujeitos, portanto, ao aperfeiçoamento da transação de compra e venda mediante a

tradição do bem. Para máquinas de maior porte, tais como mainframes e servidores, usualmente

agregam-se serviços de instalação e comissionamento. Programas informáticos (software) são

comercializados mediante contratos de licença de uso perpétuo. Em ambos os casos, a

comercialização é usualmente baseada em preços não recorrentes, sendo a compra

contabilmente capitalizável e depreciável como ativo. O conceito de Serviços na Nuvem foi

introduzido com as primeiras ofertas de capacidade de processamento disponibilizadas através

da Internet, contratada na medida da necessidade do cliente e paga mensalmente conforme o

79 Datacenters são instalações construídas para abrigar equipamentos computacionais. Um datacenter típico tem

área de 1.500 m2 e consumo energético de 25 MWh por ano. Usualmente são equipados com dupla entrada de energia, grupos geradores a diesel que atuam em caso de falha das linhas de transmissão, sistema de refrigeração e sistemas de controle predial sofisticados. São igualmente abordados por conexões de fibra óptica de ultra banda larga de várias operadoras de telecomunicações.

80 Dentre os meios físicos encontramos cabos de pares metálicos, cabos coaxiais e fibras ópticas. As conexões sem fio são viabilizadas por ondas de rádio frequência, usuais em serviços móveis 3G e 4G, conexões WiFi ou enlaces de rádio fixo ponto a ponto ou ponto-multiponto.

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uso. Tais ofertas, lançadas inicialmente por empresas norte-americanas, ficaram conhecidas

como Cloud Computing ou Computação na Nuvem.

Documento emitido pelo NIST81 define cinco características essenciais e três modelos

de negócio dos Serviços na Nuvem. As características são: (i) serviços consumidos sob

demanda com provisionamento via autosserviço; (ii) acesso através de redes banda larga; (iii)

recursos computacionais disponibilizados a partir da alocação dinâmica de um conjunto

compartilhado de processadores; (iv) serviço elástico, adequando-se às necessidades do cliente;

e (v) serviço mensurável. Quanto aos modelos de negócio, destacam-se dois: (a) Infraestrutura

como Serviço (ou IaaS)82, no qual processadores, armazenamento, acesso a redes de

comunicação e outros recursos computacionais são disponibilizados remotamente sem a

transferência de propriedade, mediante pagamentos mensais; e (b) Software como Serviço (ou

SaaS)83, no qual aplicações de software são acrescentadas sobre a infraestrutura computacional

mediante pagamentos mensais, sem que haja cessão de uso perpétuo.

Pesquisa realizada pela IHS Technology indica que o mercado mundial de Serviços na

Nuvem atingirá US$ 235,1 bilhões em 2017, quase triplicando o resultado de US$ 78,2 bilhões

verificado em 2011, representando uma taxa anual de crescimento de 20,1%.84 No Brasil,

segundo relatório da Frost & Sullivan os investimentos em Computação na Nuvem atingiram

US$ 328,8 milhões em 2013 e devem saltar para US$ 1,1 bilhão em 2012, crescimento médio

de 35,2% ao ano.85 A importância deste novo modelo de negócio é portanto indubitável.

3.2 A importância de uma tributação adequada

Uma tributação adequada de fenômenos econômicos tem o condão de produzir efeitos

benéficos de fomento aos negócios e de crescimento de arrecadação. Todavia, uma imposição

inadequada inibe negócios, impedindo que a arrecadação se dê de maneira otimizada ou até

mesmo afugentando atividades e secando a fonte produtora da riqueza.

81 MELL, Peter; GRANCE, Timothy. The NIST Definition of Cloud Computing. 82 Do inglês Infrastructure as a Service 83 Do inglês Software as a Service 84 Louis Columbus. Roundup of Cloud Computing Forecasts and Market Estimates. Forbes, 14/03/2014.

Disponível na Internet na página http://www.forbes.com/sites/louiscolumbus/2014/10/09/the-top-100-enterprise-analytics-startups-of-2014/, acessada em 12 de outubro de 2014.

85 Da Redação. Mercado de cloud computing movimentará U$1,1 bilhão em 2017. CIO.com.br, 28/03/2014. Disponível na Internet na página http://cio.com.br/noticias/2014/03/28/mercado-de-cloud-computing-movimentara-u-1-1-bilhao-em-2017/, acessada em 12 de outubro de 2014.

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No tocante à tecnologia da informação e computação (TIC) a situação se reveste de

surpreendente complexidade. Muitos dos serviços de TIC são prestados em escala global. Uma

empresa que necessita de um desenvolvimento de software pode contratá-lo junto a uma grande

empresa de um país tecnologicamente desenvolvido. Esta, por sua vez, após entender as

necessidades do seu cliente, pode perfeitamente especificar o software em seu país sede,

contratar seu desenvolvimento em um país com custos mais competitivos (tipicamente

emergente), contratar os testes em outro país (emergente) e implantar o software no país da

empresa contratante e ainda nos diversos países onde houver subsidiárias da contratante. O

Brasil pode estar inserido nesta cadeia em qualquer das etapas de produção ou na ponta da

contratação. A competitividade de um país no tocante a serviços de TIC determina sua

possibilidade de se tornar plataforma global, agregando valor e retendo talentos. O advento dos

serviços de nuvem segue a mesma lógica. Através da Internet, rede global por natureza, os

serviços são disponibilizados em qualquer país do mundo, a partir de qualquer outro país. Há

uma competição global pela condição de acomodar datacenters operá-los com pessoal

qualificado e desenvolver soluções de softwares e sistemas ofertados através da “nuvem”, no

modelo SaaS.

A disseminação de TIC é essencial para todos os agentes econômicos e os prestadores

de serviços públicos, redundando em competitividade, produtividade e eficiência. Neste

âmbito, uma tributação equilibrada sobre uma tecnologia tão transversal como TIC é fator

determinante para fomentar a sua adoção à luz da incessante necessidade de contínua

modernização, evolução e busca por eficiência dos seus compradores e clientes, sejam empresas

ou o próprio Estado.

A adequada incidência tributária sobre os modelos de negócios desenvolvidos em torno

da tecnologia da informação e comunicação é o desafio enfrentado neste capítulo. Sua

importância se justifica não só por conta da devida coerência com os contornos estatuídos

constitucionalmente no Sistema Tributário Nacional, mas também pelos efeitos da tributação

nos respectivos fenômenos econômicos em face a intensa competição em âmbito global.

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3.3 Natureza técnica do hardware e do software

Os termos hardware e software, hoje amplamente incorporados ao vernáculo português,

pelo menos do português brasileiro,86 com significados relacionados ao mundo da computação,

têm origem um tanto diversa no idioma de origem. De acordo com o dicionário Dictionary.com,

hardware significa: dispositivos metálicos tais como ferramentas, fechaduras, cadeados,

dobradiças, equipamentos mecânicos, armas militares, equipamento de combate e

computadores.87 Software, por outro lado, significa: materiais audiovisuais tais como filmes e

fitas, programas de computador.88

Nos EUA, o termo hardware ainda é muito vinculado ao significado mais primitivo,

como, exemplificado pela The Home Depot, uma das maiores cadeias varejistas de

equipamentos para uso residencial:

The Home Depot was founded in 1978… The first stores, at around 60,000 square feet each, were cavernous warehouses that dwarfed the competition and stocked 25,000 SKUs, much more than the average hardware store at that time.89

Software, por outro lado, tem o seu significado mais assentado em relação à

computação. Na prática, computação só existe com a conjugação dos dois, que têm, hardware

e software naturezas técnicas e jurídicas marcadamente distintas.

Passemos a entendê-los sob o aspecto técnico...

86 Em verdade, o português é único como idioma. Contudo, o idioma é empregado, tanto na forma falada como

na escrita, de maneira distinta por parte das populações dos diversos países lusofônicos, seja em função de palavras e expressões com conotações próprias da cultura local, seja com o uso de pronomes e tempos verbais que já caíram em desuso em outros países, ou até mesmo pela apropriação de vocábulos de outros idiomas, notadamente indígenas, africanos e árabes, muito prevalentes no Brasil, ou ainda de outras fontes, função de fluxos migratórios e influência econômica ou tecnológica. Tal fenômeno também é observável nos países anglofônicos, hispânicos e francofônicos, dentre outros. No âmbito da tecnologia da informação tais diferenciações foram contempladas nos corretores ortográficos automáticos, levando o setor a classificar os idiomas em função dos próprios países, por exemplo: (i) inglês dos Estados Unidos e inglês britânico, (ii) francês tradicional e francês canadense ou quebequense; (iii) espanhol da Espanha e espanhol argentino ou portenho. Assim também se convencionou português de Portugal e português brasileiro, o que, se de um lado não faz jus à unicidade do idioma, não deixa de reconhecer os regionalismos. Neste sentido, os novos sistemas movidos a inteligência artificial, que já são capazes de entender até ironias e metáforas complexas, estão levando a regionalização dos idiomas a patamares mais sofisticados e regionalizados.

87 Disponível em http://www.dictionary.com/browse/hardware?s=t acessado em 10/05/2016. 88 Disponível em http://www.dictionary.com/browse/software?s=t acessado em 10/05/2016. 89 Disponível em https://corporate.homedepot.com/OurCompany/History/Pages/default.aspx acessado em

27/05/2016. Trad. Autor: “The Home Depot foi fundada em 1978... as primeiras lojas, cada qual com cerca de 5.600 m2, eram armazéns amplos como cavernas que apequenavam a concorrência e armazenavam cerca de 25.000 unidades de manutenção de estoque, muito mais do que a média das lojas de ferramentas daquele tempo”.

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Computadores são dispositivos eletrônicos que executam operações lógicas e

matemáticas a partir de uma sequência de instruções gravadas como sinais elétricos em

substrato semicondutor, usualmente denominado RAM, do inglês Random Access Memory.90

A unidade básica de armazenamento é um bit, a saber, um sinal elétrico que, nos primeiros

micro processadores variavam entre 0 Volts, significando o valor binário 0, e 5 Volts,

significando o valor binário 1.91 Cada instrução é uma sequência de bits (4, 8, 16, 32, 64 ou

mais bits) cada qual com um significado específico. São lidas, entendidas e executadas pela

CPU, Central Processing Unit (unidade central de processamento). Exemplos de instruções

são:

(i) leia o valor armazenado na posição memória especificada a seguir

armazene-o do acumulador;

(ii) some o valor do acumulador com o valor armazenado na posição

memória especificada a seguir;

(iii) procure a próxima instrução na posição memória especificada a seguir;

(iv) leia o valor do dispositivo de entrada/saída especificado a seguir;

(v) escreva o valor do acumulador no dispositivo de entrada/saída

especificado a seguir;92

(vi) voltar à instrução armazenada no ponto inicial da memória, usualmente

denominada instrução Reset.

O conjunto das diferentes instruções inteligíveis e executáveis pela CPU é denominado

linguagem de máquina. O conjunto dos subsistemas construídos em semicondutores que

auxiliam e possibilitam o funcionamento da CPU é chamado de microprocessador ou

90 A expressão memória de acesso aleatório reflete uma técnica de acesso à informação, e sua dicção veio em

contraposição à memória de acesso sequencial, técnica que ficou restrita para leitura de maiores quantidades de dados usualmente armazenadas em discos magnéticos ou óticos.

91 Com a crescente demanda por menor consumo e maior velocidade, os fabricantes de semicondutores desenvolveram novas faixas de operação. O site Wikipédia informa que a família de processadores Intel Core i7 opera na faixa de 0,725 a 1,4 Volts. Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Consumer_Ultra-Low_Voltage, acessado em 27/05/2015.

92 Dispositivos de entrada/saída, ou I/O Devices, são substratos semicondutores específicos que permitem a comunicação com o mundo físico ou humano, por exemplo, ler uma temperatura, ou acender um LED específico em um painel contento vários.

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simplesmente processador. Uma sequência de instruções concebida por um programador é

denominada código-executável. Só existe uma linguagem de máquina para um certo tipo de

processador, mas podem existir vários códigos executáveis, concebidos por diferentes

programadores, para um certo tipo de processador. Estes códigos executáveis serão executados

da mesma maneira pelos diversos exemplares do dito processador, a saber, todos os

processadores que sejam do mesmo tipo.

A linguagem de máquina é clara e pouquissimamente inteligível ao ser humano pois é

expressa por uma sequência de zeros e uns, tal como:

011001011100011110111001000011110101001001001111110010010010

Desse modo, para facilitar a programação e a posterior cognição por parte de outros

programadores, os fabricantes compuseram uma linguagem mnemônica, denominada

Assembly, que associa à cada instrução uma sigla e alguns complementos. A título de exemplo,

enumeramos algumas instruções Assembly da notória família de processadores Intel 8080-8085

de 8-bits:

MOV r, M1

ADD M2

PUSH

CALL PROC1

HLT

O significado do fragmento de código Assembly não é relevante para o nosso estudo,

mas, sim, a evidência do nível de abstração entre o código-executável (zeros e uns) e um

código-fonte programado na linguagem nativa do processador. A conversão do código-fonte

em linguagem Assembly para o código-executável é realizada por um software de propósito

específico denominado Assembler, conforme ilustrado na figura abaixo.

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Figura 1 - Fluxo do Assembler e seus resultados93

Insatisfeitos com o nível de abstração oferecido pela linguagem Assembly, com o fato

de que tais linguagens serem específicas para cada processador e a consequente baixa

produtividade dos programadores com tais linguagens mnemônicas, os pesquisadores e

acadêmicos se devotaram a desenvolver linguagens com maior nível de abstração e que

gozassem de independência em relação aos processadores. Assim, vimos surgir um sem

número de linguagens de alto nível algumas também chamadas de linguagens estruturadas.

Apresentamos, a título ilustrativo, uma lista das principais linguagens de alto nível:

(i) Fortran (FORmula TRANslation): linguagem procedural criada na IBM por

John Backus em 1957, muito usada para cálculos matemáticos e matriciais;

(ii) Cobol (COmmon Business Oriented Language): linguagem procedural criada

no Departamento de Defesa dos EUA em 1959 por um grupo de

desenvolvedores sob a direção da contra-almirante Grace Murray Hopper, trata-

se de uma linguagem orientada ao processamento de bancos de dados muito

empregada no desenvolvimento de sistemas empresariais e financeiros;

93 Cf. (INTEL, 1977, p.1-2)

Trad. Autor: “Arquivo de Programa Fonte, Programa ‘Assembler”, Arquivo Objeto (equivalente a Arquivo de Código-executável), Listagem do Programa, Listagem de Referências Cruzadas”.

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(iii) Basic (Beginner's All-purpose Symbolic Instruction Code): criada em 1964,

pelos Profs. John G. Kemeny e Thomas E. Kurtz do Dartmouth College, em

New Hampshire, foi popularizada pela Microsoft como a linguagem principal

para desenvolvimentos avançados no pacote Office e de sua plataforma .NET;

(iv) C: linguagem estruturada desenvolvida no Bell Labs por Dennis Ritchie entre

1969 e 1973, popularizou-se como linguagem preferencial para o

desenvolvimento de sistemas operacionais, e aplicações;

(v) Pascal: linguagem estruturada desenvolvida pelo Prof. Niklaus Wirth em 1970

que teve grande impacto no ensino e nos meios acadêmicos;

(vi) C++: linguagem orientada a objeto desenvolvida no Bell Labs por Bjarne

Stroustrup em 1983, tornou-se, rapidamente, a linguagem preferencial para o

desenvolvimento e aplicações;

(vii) Java: linguagem orientada a objeto desenvolvida na Sun Microsystems por

James Gosling em 1995, tornou-se uma das principais linguagens de

desenvolvimento de aplicativos da Internet, sendo executada nativamente em

diversos navegadores Web (Internet Explorer, Chrome, Mozilla, etc);

(viii) Lisp: criada no MIT por John McCarthy em 1958 e implementada por Steve

Russell, tornou-se muito utilizada para programação de sistemas de inteligência

artificial.94

O breve resumo de linguagens de alto nível ora apresentando revela uma incrível

diversidade, fruto da constante tentativa de adequação a novos propósitos específicos e

velocidade na adoção nos diferentes mercados.

À título ilustrativo e em comparação com o excerto em linguagem Assembly 8080/8085

supra-apresentado, oferecemos, a seguir, um fragmento de código-fonte escrito em Pascal. O

entendimento do fragmento não é relevante para a continuidade das nossas reflexões, mas sim

a diferença quanto à inteligibilidade do programa, tendo em vista estar baseando em notações

matemáticas familiares:

94 Informação sobre criadores extraída da Wikipedia.com, várias páginas.

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program pares; var

x, y: integer;

begin

writeln('Digite os dois valores');

readln(x, y);

if (x mod 2) <> 0 then

x := x + 1;

while x <= y do

begin

writeln(x, ' - ');

x := x + 2;

end;

writeln('Fim da Lista');

end.

A tradução de programas desenvolvidos em linguagens de alto nível para códigos

executáveis é feita por um tipo de software especializado denominado compilador. Desse

modo, o compilador está para as linguagens de alto nível assim o assembler está para as

linguagens de baixo nível, tipo Assembly. Não é incomum que os compiladores gerem listagens

do resultado da compilação em linguagem Assembly para verificação por parte do

programador. Embora tal funcionalidade encontre uso cada vez mais restrito, ainda é útil para

programadores que desenvolvem software cujo objetivo é interagir diretamente com o

hardware. Este tipo de software, que usualmente vem embarcado com o hardware, é usualmente

chamado de firmware.

Em resumo, podemos dizer que hardware e software, no sentido computacional, só são

aptos a gerar utilidade quando operam de forma coligada, simbiótica. O hardware é um

equipamento ou dispositivo que, embora mais complexo, é semelhante a outros dispositivos

eletrônicos, com a diferença principal de ser inteiramente dependente do software para cumprir

algum papel. O software, é algo intangível. É materializado quando uma sequência de zeros e

uns é armazenada na memória RAM do hardware e é por este executada. A programação do

software é realizada por profissionais especializados que concebem um código-fonte em

linguagem de alto nível ou, infrequentemente, em Assembly. Estes códigos fontes passam por

processos de translação, compilação para linguagem de alto-nível e assembler para linguagens

tipo Assembly, cujo resultado final é a geração de um código-executável, inteligível ao

processador do hardware que se deseja empregar.

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Figura 2 – Fluxo de compilação e seus resultados95

3.4 Natureza jurídica do hardware e do software

3.4.1 Natureza jurídica do hardware

Como discorrido na explanação sobre natureza técnica, entende-se por hardware todo

dispositivo dotado de capacidade computacional, seja esta capacidade disponibilizada para

propósitos gerais, seja voltada para propósitos específicos. Como exemplo de hardware de

propósito geral temos: (i) os computadores de grande porte, também chamados de mainframe,

(ii) servidores computacionais; (iii) supercomputadores; (iv) computadores pessoais de mesa

ou desktop computers; (v) computadores pessoais ou notebook computers; (vi) tablets; (vii)

smartphones; e (viii) smartwatches. Exemplos de hardware de propósito específico são: (a)

equipamentos de transmissão de dados por fibra óptica; (b) comutadores (ou switches) e

roteadores (ou routers) de pacotes de comunicação de dados; (c) centrais de comutação

telefônica; (d) centrais de comutação de telefonia celular e respectivas estações rádio-base; (e)

equipamentos de acesso ou gateways de redes sem fio tipo WiFi; (f) equipamentos de exames

95 Há certas linguagens que são executadas diretamente do código-fonte por softwares denominados

interpretadores. Basic, Java e Lisp são três exemplos presentes na lista acima. Todavia, esta técnica torna a execução muito mais lenta e, portanto, é mais usada em ambientes de pesquisa, desenvolvimento e testes. Algumas destas linguagens possuem compiladores que são usados para geração de códigos executáveis voltados à distribuição em massa. Esta diferença técnica, em que pese seja digna de menção, não implica grandes impactos no tocante a natureza jurídica à tributação de software.

Código-

fonte Compilador

Listagens

Código-

fonte

Listagem

Assembly

(opcional)

Código-

executável

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médicos radiológicos ou de imagem, tais como, ultrassom, tomografia computadorizada,

ressonância magnética; (g) SmartTVs; e (h) equipamentos aviônicos que assistem os pilotos no

controle de voo das aeronaves.

Ante o exposto, fica claro o enquadramento do hardware na natureza jurídica de bens

móveis fungíveis, conforme disposto no Código Civil, Art. 82 e Art. 85.96 A fungibilidade,

todavia, se dá de forma limitada em função dos propósitos. Por exemplo, não é razoável dizer

que aparelhos iPhone 5, iPhone 6 e iPhone 6s Plus são fungíveis pois são modelos distintos de

smartphones, com algumas características técnicas de desempenho bem específicas e preços

que chegam a ser bem diferentes. Todavia, em uma situação de emergência e por um curto

período de tempo, a substituição temporária até pode ser aceitável.

Em decorrência da natureza de bem móvel, o hardware pode ser envolvido em

transações de compra e venda, outros tipos de alienação e de aluguel, cada qual com incidência

tributária própria, discutidas mais adiante.

3.4.2 Natureza jurídica do software

A natureza jurídica do software, em seio pátrio, é definida pela Lei 9.609 de 19/02/1998,

vulgo, Lei de Software, como propriedade intelectual protegida por direito de autor, conforme

excetos abaixo:

Lei 9.609 de 19/02/1998, Lei de Software

Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

(Grifamos)

96 Código Civil

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. [...] Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

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A dicção do Art. 1º é bastante imprecisa e atécnica. Talvez por isso dê margem a certa

confusão na caracterização jurídica de um fenômeno novo, mas que se torna cada vez

importante, permeando, inexoravelmente, a vida moderna. A programação de computadores

não se dá por intermédio de linguagem natural, mas por linguagem específica, com palavras

chave e rígida sintaxe predefinida, de modo a poder ser traduzida para linguagem de máquina,

por um outro programa, a saber, o compilador (Figura 2). Com as técnicas de Inteligência de

Artificial, ou mais recentemente, de Computação Cognitiva, os computadores passaram a ter

capacidade de entender, interpretar e reter informação a partir de linguagem natural, falada ou

escrita. Embora esta informação seja armazenada na memória dos computadores da mesma

forma que os programas, o software de inteligência artificial que captou, armazenou e derivou

conhecimento a partir da linguagem natural, foi desenvolvido em algum tipo de linguagem de

programação, a saber, lógica e estruturada. Adicionalmente, é mister entender que a expressão

“contida em suporte físico”, em pese ser demasiadamente aberta e genérica, deve abarcar duas

situações distintas. De um lado, refere-se ao substrato físico que retém ou armazena a sequência

de bits de linguagem de máquina, a saber, o código-executável. Este substrato pode ser de

natureza eletrônica, por exemplo, um chip semicondutor de memória, ou de natureza magnética,

tais como, discos do tipo hard drive (HD), ou ainda de natureza óptica, tais como, CD-ROMs

e DVDs. Geralmente, consideram-se, coloquialmente, os dispositivos magnéticos e ópticos

como espécies do gênero dispositivos eletrônicos. Por outro lado, o “suporte físico” refere-se

também ao substrato no qual é armazenado o código-fonte, que pode ser tanto papel, contendo

a impressão da sequência de instruções produzidas em linguagem de alto-nível, ou substratos

eletrônicos. Devido ao incrível volume de software produzido, o papel foi praticamente

abandonado.

O Art. 2º é direto na medida em que determina ser o programa de computador uma

propriedade intelectual e dispõe, inequivocamente, o seu regime de proteção como sendo o de

direitos autorais, em conformidade com a respectiva lei, a saber, a Lei 9.610, de 19 /02/1998,

vulgo, Lei de Direitos Autorais.

Quanto ao direito do autor, o Art. 2º, §3º da Lei do Software97 dispõe que não há

necessidade de registro para que seja assegurada sua proteção. Todavia, ao oferecer, no Art. 3º,

um mecanismo de registro, a Lei de Software impõe a originalidade como pré-condição, sendo

97 Lei do Software

Art. 2º, §3º A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 88/226

esta demonstrada por trechos do programa,98 fornecidos pelo autor ao órgão público competente

mediante garantia de sigilo.99 Ora como já demonstramos, somente códigos fonte, sejam eles

escritos em linguagem Assembly ou, principalmente, em linguagem de alto-nível são

razoavelmente cognoscíveis ao ser humano. Assim sendo, infere-se da exegese sistemática da

Lei de Software que o direito de autor é comprovado pelo domínio de um certo código-fonte

por parte de certo programador que o tenha criado. Portanto, é o domínio devidamente

registrado de um código-fonte que garante o direito de propriedade intelectual de um software.

Fica, portanto, claro tratar-se o software de um direito real ou bem intangível vinculado a um

titular especifico, a saber, aquele que tem o seu respectivo direito de autor.

O Art. 9º da Lei de Software dispõe que: “O uso de programa de computador no País

será objeto de contrato de licença”. A transação jurídica aludida pela lei no referido artigo é a

cessão parcial de direitos, a saber, o direito de uso.

Neste ponto, faz-se útil uma breve digressão sobre o conceito de direito real. Luciano

de Camargo Penteado, elaborando sobre o fundamento do direito das coisas, traz à tona as

teorias realistas e personalistas.100 A primeira, dominante por vários séculos, entende que o

direito real incide diretamente sobre a coisa, depreensível da relação entre o titular do direito e

o seu próprio objeto, sendo, neste contexto, irrelevante o papel dos demais integrantes da

coletividade. Já a teoria personalista, segundo Penteado, floresceu a partir do modelo das

relações jurídicas formulado por Savigny e que foi sistematizado por Bernard Windscheid,

referido pelo autor como o Príncipe da Pandectística. Em síntese, a nova perspectiva entende

que todo direito é subjetivo, uma vez que é exercido em relação a outra pessoa. Assim, nas

relações de direito identificam-se dois tipos de sujeito, ativo e passivo, sendo o primeiro aquele

que o exerce e o segundo aquele que se sujeita ao exercício do primeiro. Neste quadro

dogmático, o direito real deixa de ser considerado ontologicamente real (no sentido de ser uma

relação com a coisa) e passa a ser uma categoria de direito subjetivo caracterizado por um tipo

especial de sujeito passivo, e uma sujeição inespecífica e abrangente – salvo limitações ex lege

98 Lei de Software

Art. 3º, §1º, III - os trechos do programa e outros dados que se considerar suficientes para identificá-lo e caracterizar sua originalidade, ressalvando-se os direitos de terceiros e a responsabilidade do Governo.

99 Lei de Software Art. 3º, §2º As informações referidas no inciso III do parágrafo anterior são de caráter sigiloso, não podendo ser reveladas, salvo por ordem judicial ou a requerimento do próprio titular.

100 Eduardo Jardim e, bem assim, boa parte dos doutrinadores modernos, esposam a teoria personalista ou subjetivista.

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– consubstanciada no dever de não interferência ante o sujeito ativo. Segundo Penteado,

Windscheid cria uma categoria conceitual de sujeito passivo universal, que representa toda a

coletividade, à qual se impõe, ante a titulares de direitos (subjetivos) reais o dever legal de

respeito e não intromissão no quase ilimitado plexo de faculdades do titular. Neste sentido, é

proveitosa a transcrição de Karl Larenz, citado por Penteado ao comentar sobre o esvaziamento

empreendido por Windscheid no significado ético e existencial do conceito de propriedade,

tornando-o um conceito eminentemente formal:

O efeito da propriedade vê-lo ele não tanto no poder do proprietário de decidir o que quiser acerca da coisa (de dispor dela, fáctica ou juridicamente), mas na mera possibilidade de excluir os outros da mesma coisa: na soma de pretensões que lhe são conferidas para a defender de perturbações potenciais.

(LARENZ apud PENTEADO, 2008, p.60) (Grifamos)

Ao que o autor complementa com alongada citação de Windscheid:

Direitos reais são aqueles que por força dos quais a vontade do titular é decisiva para uma coisa. Isto não se deve entender no sentido de que seja a coisa aquela a quem, o ordenamento jurídico, ao conceder um direito real, impõe a sujeição. Isto não teria sentido. Todos os direitos subsistem entre pessoa e pessoa, não entre coisa e coisa. Mas com isto se quer dizer que a vontade do titular de um direito real é a norma para o comportamento respeitante à coisa, isto é, para o comportamento de qualquer um e não deste ou daquele. Mas o conteúdo do poder volitivo, que constitui o direito real, é negativo: aqueles que se encontram defronte do titular do direito devem abster-se de qualquer ação, ou de uma determinada ação sobre a coisa, e com o seu comportamento em relação à coisa não devem impedir a ação – uma qualquer ação, ou uma determinada ação – do titular sobre a coisa.

(WINDSCHEID apud PENTEADO, 2008, p.60) (Grifamos)

Constata-se, portanto, a pertinência da caracterização do software como direito real,

considerado este à luz da teoria personalista. Sendo um direito de autor, é incontestavelmente

um direito pessoal sobre uma coisa, a saber, um código-fonte de sua autoria. A violação do

domínio sobre código-fonte constitui-se ilícito de furto de propriedade intelectual (expressão

empregada em lato sensu). A cessão parcial do direito real para uso está inserida no plexo de

faculdades do seu titular. Porém, o uso não devidamente autorizado pelo titular do direito real,

vulgarmente conhecida como pirataria de software, caracteriza-se como uso ilícito, sendo

prática infelizmente muito mais comum do que seria de se esperar.

Há que se explorar a questão de forma mais aprofundada...

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O direto de uso é elencado no rol de direitos reais do Art. 1.225 do Código Civil, em

seu inciso V. Todavia, a dicção do Art. 1.412 é restritiva e assentada em conceitos de

propriedade imobiliária, urbana ou rural, que pouco refletem a realidade das modernas

tecnologias. Pontes de Miranda (2002, p.378) alarga este horizonte: “O uso consiste em

aproveitar-se da utilidade, excetuados os frutos.” Ao incluir o conceito de utilidade, o autor

abarca no direito de uso um sem número de vantagens auferíveis pelo usuário que vão além dos

frutos diretos, sem incluí-los, podendo redundar inclusive em vantagens pecuniárias que,

classificar-se-iam como vantagens pecuniárias indiretas.

Ao discorrer sobre direitos reais de gozo, Penteado afirma que:

A função de gozo [...] pertine ao fato de que se destinam à satisfação de necessidades, relacionando-se à utilidade que o bem proporciona ao seu titular. Gozar, em sentido mais estrito, é fruir, aproveitar-se de vantagens que o bem tem aptidão de gerar. (PENTEADO, 2008, p125)

(Grifamos)

A função de gozo – embutida, assim, no direito real de uso – agasalha tudo que um

software pode proporcionar ao cessionário do direito de uso, excluindo-se, por exemplo, o seu

aluguel ou subcessão a título oneroso, permitidos apenas se houver autorizativo explícito no

contrato de licenciamento. As utilidades auferíveis a partir de um software cobrem um amplo

raio de possibilidades, varrendo desde (i) entretenimento como, acesso a jogos, músicas, vídeos

e rede sociais, passando por (ii) ferramentas de produtividade pessoal, tais como editores de

texto, planilhas, elaboradores de apresentações, correios eletrônicos e comunicadores

instantâneos, passando, também, (iii) por complexas ferramentas de gestão empresarial capazes

de aumentar a produtividade e a lucratividade das empresas e chegando a (iv) softwares que

realizam cálculos complexos, tais como, estruturas construtivas, prospecção de petróleo,

simulação aerodinâmica, previsão climática, reconhecimento de imagens ou ainda sistemas de

inteligência artificial e computação cognitiva.

Mas como o direito de uso de software, cedido por intermédio de um contrato de

licenciamento, é efetivamente materializado?

No passado recente, o direito de uso de software licenciado era materializado por

intermédio da entrega do código-executável, armazenado em algum meio físico passível ser

lido pelo hardware, tipicamente disquete, CD-ROMs ou DVDs. Não é sem razão, portanto que

o Art. 6º da Lei de Software restringe ao usuário realizar apenas uma cópia destinada

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salvaguarda (backup),101 copia usualmente feita em meios físicos semelhantes ao meio original

atrelado a licenciamento. Todavia, a evolução tecnológica e a massificação da Internet vêm

transformando rapidamente esta realidade. Atuamente, a materialização do direito pode se dar

(i) pela transferência eletrônica do código-executável (download) diretamente para o hardware

do cessionário do uso do software ou (ii) pelo fornecimento, por parte do cedente, de uma

palavra-chave que permita ao cessionário realizar o download ou ainda (iii) pelo fornecimento

de uma palavra-chave que possibilite o cessionário usar o software que é executado em uma

infraestrutura computacional remotamente instalada e conectada à Internet. Esta última e mais

recente modalidade é denominada de Software na Nuvem.

O contrato de licenciamento de software é um instrumento de constituição de direitos

reais sobre coisa alheia. O código-fonte, que tangibiliza a propriedade intelectual protegida pelo

direito de autor, não é repassado ao usuário, pois caso fosse, seria equivalente à transferência

do domínio sobre a própria propriedade do bem intangível. É através da transferência do

código-executável, inteligível sobretudo ao hardware computacional, que o direito real de uso

e gozo é cedido. Esta situação encontra certo paralelo com o núcleo da doutrina de Penteado,

sobre direitos reais de gozo sobre coisa alheia:

Por isso, sempre que se tratar do usufruto, do uso, [...] a par da figura do titular destes direitos conviverá o a figura do proprietário. Como ele tem direito sobre a coisa própria, os demais se dizem titulares de um direito real sobre coisa alheia, isto é, do proprietário.

Estes direitos reais são formados a partir das estruturas componentes do domínio. No usufruto, por exemplo, destacam-se particulares elementos da propriedade de um sujeito, para proporcionar ao outro, usufrutuário, uma possibilidade de uso e retirada de vantagens do bem, sem a possibilidade de alienação, que é mantida ao proprietário. Reduz-se o plexo de faculdades da situação dominial, mas mantem-se a função de gozo, isto é, de conferir um meio aproveitamento e cria-se um novo direito real. Por isso qualifica-se o usufruto entre os direitos reais de gozo, nas sobre coisa alheia. (PENTEADO, 2008, p.126)

Neste sentido, direito real de uso que se estabelece com a licença de software implica

também o gozo da utilidade que dele advém, não deixando de ser um direito real de uso e gozo

sobre coisa alheia e estando adstrito aos temos da cessão expressos no contrato de

licenciamento.

101 Lei de Software

Art. 6º Não constituem ofensa aos direitos do titular de programa de computador: I - a reprodução, em um só exemplar, de cópia legitimamente adquirida, desde que se destine à cópia de salvaguarda ou armazenamento eletrônico, hipótese em que o exemplar original servirá de salvaguarda;

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É importante ressaltar que o titular do direito de autor tem o direito de aliená-lo total ou

parcialmente, gratuita ou onerosamente, a quem deseje. O Art. 4º da Lei de Software,102

enumera algumas circunstâncias nas quais a alienação se dá ex lege. Na prática, empresas que

se dedicam a desenvolver softwares para exploração comercial, a saber, por intermédio do

licenciamento de direito de uso, em geral não se interessam em aliená-lo. É mais comum que

entrem em uma transação de fusão e aquisição com uma empresa congênere e complementar,

de sorte que a empresa resultante tenha uma posição mais expressiva de mercado, combinando

as capacidades técnicas, especializações e participação de mercado das duas. Todavia, é mister

que se reconheça, que nada há que obste a pura e mera alienação de um software, alienação,

esta, que se aperfeiçoa pela tradição do código fonte.

Ante o arrazoado, podemos dizer que software é bem intangível do tipo propriedade

intelectual, protegido por direito real de autor, passível de cessão, onerosa ou gratuita, total

(transferência de titularidade) ou parcial (direito de uso e gozo). A caracterização da autoria se

dá com base no domínio do autor sobre o código-fonte, salvaguardadas as exceções do Art. 4º

da Lei de Software. O contrato de licenciamento de uso é o instrumento pelo qual o titular do

software cede o direito real de uso e gozo sobre coisa alheia, podendo ser a cessão realizada a

título oneroso ou não. A materialização da cessão se dá por intermédio da viabilização acesso

ao código-executável por parte do titular-cedente ao usuário-cessionário. A Figura 3 ilustra tais

aspectos materializadores do direito do autor e da cessão de uso por intermédio do contrato de

licenciamento.

102 Lei de Software

Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos. (Grifamos)

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Figura 3 -- Materialização do Direito Autoral e da Licença de Uso

3.4.3 Natureza jurídica do software no direito internacional

A Constituição dos Estados Unidos da América, no seu Article I, Section 8, 8th Clause,

referida como Copyright Clause confere ao Congresso vários “poderes”, apreensíveis pelo

direito pátrio como disposições de competências legiferantes, dentre as quais se destaca a

proteção do direito autoral:

THE CONSTITUTION OF THE UNITED STATES OF AMERICA

ARTICLE I.

[…]

Section 8. The Congress shall have Power […]

To promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited Tımes to Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries.

(USA, 2007, p.5)103 (Grifamos)

Observe-se, de plano, o viés teleológico, de âmbito econômico e social, embutido na

dita disposição de competência, expresso em termos do objetivo de promover o progresso da

ciência e das “artes úteis”, a saber, da tecnologia. A proteção, por tempo limitado, concedida a

autores e inventores sobre seus escritos e descobertas é um mecanismo de incentivo ao esforço

103 USA, The Constitution of the United States of America. July 2007. p.5

“Constituição dos Estados Unidos da América. Artigo I. [...] Secção 8. O Congresso tem poder [..] Para promover o Progresso da Ciência e das Artes Úteis, assegurando por Tempo limitado a Autores e Inventores o uso exclusivo dos seus respectivos Escritos e Descobertas.” (Trad. livre do autor)

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depreendido, permitindo-o monetizar o esforço empreendido até que os conhecimentos gerados

sejam considerados de domínio público.

A lei de direitos autorais norte-americana dispõe o seguinte:

COPYRIGHT LAW OF THE UNITED STATES, TITLE 17 OF US CODE, DECEMBER 2011

§101 · Definitions

Except as otherwise provided in this title, as used in this title, the following terms and their variant forms mean the following: […]

A “computer program” is a set of statements or instructions to be used directly or indirectly in a computer in order to bring about a certain result.

(USA, 2011, p.2)104 (Grifamos)

A definição de programa de computador, introduzida na lei em 12 de dezembro de 1980,

é similar à que consta na Lei 9.609 de 19/02/1998, tendo como principal virtude em face da

congênere brasileira, a generalidade decorrente da dicção sucinta. Chama a atenção o fato de o

ordenamento brasileiro só vir a incorporar o conceito e o tratamento jurídico sobre software 17

anos após os EUA o terem feito. A inclusão do programa de computador no escopo da

Copyright Law, protege-o como direito autoral, nos mesmos termos de disposições gerais

aplicáveis aos demais objetos da lei, conforme seu §102.

COPYRIGHT LAW OF THE UNITED STATES, TITLE 17 OF US CODE, DECEMBER 2011

§ 102 · Subject matter of copyright: In general

(a) Copyright protection subsists, in accordance with this title, in original works of authorship fixed in any tangible medium of expression, now known or later developed, from which they can be perceived, reproduced, or otherwise communicated, either directly or with the aid of a machine or device.

[…]

§ 117 · Limitations on exclusive rights: Computer programs

(a) Making of Additional Copy or Adaptation by Owner of Copy […]

(b) Lease, Sale, or Other Transfer of Additional Copy or Adaptation […]

(c) Machine Maintenance or Repair […]

(USA, 2011, p.8 e 73)105 (Grifamos) 104 USA, Copyright Law of the United States, Title 17 of US Code, December 2011. p.2

“Lei de Direitos Autorais dos Estados Unidos. Título 17 do Código dos EUA, dezembro de 2011. §101. Definições: Excetuando-se disposição em contrário neste título, na medida em que empregados neste título, os seguintes termos e suas formas variadas significam o seguinte: [...] Um “´programa de computador” é um conjunto de sentenças ou instruções a serem usadas diretamente ou indiretamente em um computador afim de obter um certo resultado, ” (Trad. livre do autor)

105 USA, Copyright Law of the United States, Title 17 of US Code, December 2011. p.8, 73 “Lei de Direitos Autorais dos Estados Unidos. Título 17 do Código dos EUA, dezembro de 2011. §102. Do Direito Autoral: Definição geral (a) A proteção do direito autoral incide, de acordo com o disposto

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Observem-se ainda as limitações, ou exclusões, do direito autoral aplicáveis ao

software, dispostas no §117, versando sobre várias possibilidades de se fazer cópias.

Similarmente aos EUA, a Europa também adota a proteção do direto autoral sobre

software, conforme a Diretiva 2009/24/EC do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, de

23 de abril de 2009. De acordo com o portal IPR Helpdesk da Comissão Europeia, a referida

diretiva visa harmonizar a legislação dos Estados-membros no que concerne à programas de

computador a partir de um nível mínimo de proteção, a saber, o código-fonte, conforme escrito

pelo programador. O texto ainda esclarece que nem a funcionalidade ou qualquer aspecto

relacionado ao desenvolvimento do programa, tais como a linguagem de programação e o

formato dos arquivos de dados empregados constituem a sua forma de expressão.106 A referida

Diretiva tem como base a Diretiva do Conselho Europeu 91/250/EEC de14 de maio de 1991, a

qual reconhecia, nas considerações preambulares, que, à época, (i) programas de computador

não gozavam de proteção clara por parte da legislação de todos os Estados-membros, e que, (ii)

mesmo nos países nos quais havia legislação, não havia uniformidade na caracterização da

proteção.

O Artigo 1 da referida Diretiva dispõe sobre o objeto da proteção, refletindo o cerne do

regramento comunitário europeu sobre o tema, reafirmando a natureza jurídica do direito de

autor:

DIRECTIVE 2009/24/EC OF THE EUROPEAN PARLIAMENT… OF 23 APRIL 2009

Article 1

Object of protection

1. In accordance with the provisions of this Directive, Member States shall protect computer programs, by copyright, as literary works within the meaning of the Berne Convention for the Protection of Literary and Artistic Works. For the purposes of this Directive, the term ‘computer programs’ shall include their preparatory design material.

[…]

neste título, sobre trabalhos originais de autores, plasmados em qualquer meio tangível de expressão, conhecido ou a ser desenvolvido, a partir dos quais possam ser percebidos, reproduzidos ou, de outra maneira, comunicados, tanto diretamente, quanto com apoio de uma máquina ou dispositivo. [...] § 117 Limitações de direito exclusivos: Programas de Computador (a) fazer cópia adicional ou adaptação por parte do possuidor da cópia [...] (b) Alugar, vender ou transferir copia adicional ou adaptação [...] (c) Manutenção ou reparo de máquina [..]” (Trad. livre do autor)

106 EUROPE, How can computer software be protected in Europe? Disponível na Internet, https://www.iprhelpdesk.eu/kb/1848-how-can-computer-software-be-protected-europe, acessada em 25/09/2016.

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3. A computer program shall be protected if it is original in the sense that it is the author's own intellectual creation. No other criteria shall be applied to determine its eligibility for protection.

(EUROPE, 2009, p.18) (Grifamos)107

O Artigo 2 da mesma Diretiva qualifica a elegibilidade dos titulares de direito e às

limitações à titularidade. Observe-se que o respectivo item 3 introduz ressalva excludente que

tem a mesma inspiração do Art. 4º da Lei de Software pátria, a saber, que não há retenção de

direito quando o autor desenvolve software no âmbito de uma elação empregatícia.

DIRECTIVE 2009/24/EC OF THE EUROPEAN PARLIAMENT… OF 23 APRIL 2009

Article 2

Authorship of computer programs

1. The author of a computer program shall be the natural person or group of natural persons who has created the program or, where the legislation of the Member State permits, the legal person designated as the rightholder by that legislation.

[…]

3. Where a computer program is created by an employee in the execution of his duties or following the instructions given by his employer, the employer exclusively shall be entitled to exercise all economic rights in the program so created, unless otherwise provided by contract.

(EUROPE, 2009, p.18)108 (Grifamos)

O regramento japonês também protege programas de computador por intermédio do

direito autoral, de acordo com o Copyright Act com as emendas de 1º de janeiro de 1986.109 Os

excertos a seguir demonstram a congruência conceitual com o diploma europeu:

COPYRIGHT LAW OF JAPAN

Section 1 Works

(Classification of works)

107 DIRECTIVE 2009/24/EC OF THE EUROPEAN PARLIAMENT… OF 23 APRIL 2009

Diretiva 2009/24/EC do Parlamento Europeu… de 23 de abril de 2009. Artigo 1. Objeto de proteção. 1. De acordo com o disposto nesta Diretiva, Estados Membros devem proteger programas de computador por direito autoral, tal qual obras literárias conforme entendimento da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas. Para os propósitos desta Diretiva, o termo ‘programas de computador’ devem incluir os respectivos materiais preparatórios do projeto. [...] 3. Um programa de computador deve ser protegido se for original, no sentido de que é criação intelectual do próprio autor. Nenhum outro critério deve ser aplicado para determinar a elegibilidade para a proteção.” (Trad. livre do autor)

108 DIRECTIVE 2009/24/EC OF THE EUROPEAN PARLIAMENT… OF 23 APRIL 2009 Diretiva 2009/24/EC do Parlamento Europeu… de 23 de abril de 2009. Artigo 2. Autoria de programas de computador. 1. O autor de um programa de computador deve ser a pessoa natural ou grupo de pessoas naturais que criaram o programa ou, quando a legislação do Estado-membro permitir, a pessoa jurídica designada como titular do direito conforme a legislação. (Trad. livre do autor)

109 LEE, Mark S.. Japan's Approach to Copyright Protection for Computer Software, 16 Loy. L.A. Int'l & Comp. L. Rev. 675 (1994). Disponível na Internet, http://digitalcommons.lmu.edu/ilr/vol16/iss3/4, acessada em 25/09/2016.

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Article 10. (1) As used in this Law, "works" shall include, in particular, the following:

[…]

(ix) program works.

Section 2 Authors

(Presumption of authorship)

Article 14. A person, whose name or appellation (hereinafter referred to as "true name"), or whose generally known pen name, abbreviation or other substitute for his true name (hereinafter referred to as "pseudonym") is indicated as the name of the author in the customary manner on the original of his work or when his work is offered to or made available to the public, shall be presumed to be the author of that work.

(Authorship of a work made by an employee in the course of his duties)

Article 15. (1) The authorship of a work (except a program work) which, on the initiative of a legal person or other employer (hereinafter in this Article referred to as "legal person, etc."), is made by his employee in the course of his duties and is made public under the name of such legal person, etc. as the author shall be attributed to that legal person, etc., unless otherwise stipulated in a contract, work regulation or the like in force at the time of the making of the work.110

(JAPAN, 2015)111 (Grifamos)

Assim sendo, concluímos que o regime de proteção ao software, com base no direito de

autor, é consistente com os de um representativo grupo de países líderes na produção de

tecnologia. Observamos também que os regramentos europeu e japonês dispõem a mesma

reserva de direito de autor para a empresa empregadora de profissionais programadores.

Embora não diretamente explicitado, os retrocitados regramentos aparentam comungar o

mesmo viés finalístico disposto da Constituição Norte-Americana, tanto no estímulo ao

110 JAPAN. .Copyright Law of Japan. Copyright Research and Information Center (CRIC) October, 2015.

Translated by Yukifusa OYAMA et al. Disponível na Internet, http://www.cric.or.jp/english/clj/doc/20151001_October,2015_Copyright_Law_of_Japan.pdf, acessada em 25/09/2016

111 COPYRIGHT LAW OF JAPAN Lei de Direitos Autorais do Japão. Secção 1 Obras. (Classificação das obras) Artigo 10. (1) Na medida em que usados nesta Lei, “obras” devem incluir, em particular, o seguinte: [...] (ix) programas. Secção 2 Autores (Presunção de autoria) Artigo 14. Uma pessoa, cujo nome ou sobrenome (doravante referido como “nome verdadeiro”), ou cujo nome literário usualmente conhecido, abreviação ou outro substituto para o seu nome verdadeiro (doravante referido como ‘pseudônimo’) é indicado, de maneira costumeira, como o nome do autor, no original da obra ou quando é oferecida ou disponibilizada ao público, deve ser presumida como o autor da obra. (Autoria da obra feita por empregado no cumprimento dos seus deveres) Artigo 15. (1) A autoria de uma obra (exceto um programa) que, na iniciativa da pessoa jurídica ou do empregador (doravante neste Artigo referida como ‘pessoa jurídica, etc’), é realizada por seu empregado no cumprimento dos seus deveres e is tornado público sob o nome da pessoa jurídica, etc. como o autor deve ser atribuída àquela pessoa jurídica, etc., salvo se estipulado de outra sorte em contrato, na regulamentação da obra ou similar vigente quando a obra foi produzida. (Trad. livre do autor)

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investimento na produção intelectual quanto no estímulo ao emprego especializado, fruto da

produção organizada empresarialmente.

3.5 Relevância dos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias

As nuances e controvérsias existentes a respeito da incidência tributária sobre software

e hardware, e consequentemente, sobre serviços na nuvem, são relacionadas a dois aspectos

principais: (i) a natureza jurídica dos fatos observados nas duas manifestações da tecnologia no

mundo fenomênico e sua pertinente subsunção a hipóteses tributárias estatuídas pelo Poder

Público no âmbito das competências tributárias constitucionais; e (ii) a observância dos ditames

constitucional e legalmente estabelecidos para o exercício das referidas competências. Quanto

ao primeiro aspecto, referimo-nos à elaboração já empreendida nos subcapítulos anteriores. O

segundo aspecto remete-nos, irrefugavelmente, ao Sistema Tributário Nacional, e todo o seu

plexo de princípios e ditames. Assim, impende-nos abordar seus institutos mais relevantes para

os temas objeto destas reflexões.

Realce-se, de plano, o princípio da estrita legalidade tributária que, lastreado na garantia

fundamental da legalidade geral, disposta no Art. 5º, II, CF/88112 e também no Art. 150, I,113

impõe a todos os entes federados o exercício de atividade legiferante como condição precedente

para exercício da correspondente competência tributária. Neste mister, vale ressaltar o

posicionamento de Eduardo Marcial Ferreira Jardim (2014), justificando o alicerce sobre o qual

repousa a exigência de preexistência de diplomas legais dispositivos de exações, a saber,

invasões na esfera patrimonial do cidadão-contribuinte:

Em princípio, o primado da legalidade ressoa no direito tributário com a mesma essência que noutros segmentos do direito público, conquanto se apresente com um conteúdo mais restritivo e angusto. A legalidade tributária costuma ser adjetivada de estrita em face da conjugação da legalidade genérica, já prevista no art. 5º, II, com o art. 150, I, da Constituição, o que se justifica em virtude da tributação exprimir uma das modalidades mais diretas de intervenção do Estado na ambitude da propriedade e da liberdade.

(JARDIM, 2014, p.157) (Grifamos)

112 Constituição Federal

Art. 5º, II - II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 113 Constituição Federal

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

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Segundo o autor, esta prudência formal se distingue como uma das principais

caraterísticas das modernas democracias: “Deveras, a legalidade, quer genérica, quer

especificamente tributária, simboliza componente quintessencial do Estado Democrático de

Direito e gravita sobranceira sobre governantes e governados” (JARDIM, 2013, p.103). Não

sem razão, Eduardo Marcial Ferreira Jardim e Luciano Amaro (2010) aludem ao princípio da

legalidade por intermédio de brocardo nulificante de pretensão: nullum tributum sine lege!114

Desnecessário é, mas nunca demais, reiterar que instrumentos infralegais não suprem o

requisito da legalidade estrita, sendo, portanto, injustificáveis as muitas tentativas do Poder

Público em curto-circuitar o devido processo legislativo na ânsia arrecadatória, seja pela

instituição de novas exações, seja pela elevação de gravames previamente estatuídos. Vale o

alerta de Amaro: “A legalidade implica [...] não a simples preeminência da lei, mas a reserva

absoluta da lei” (AMARO, 2010, p.134).

Eduardo Jardim elenca a tipicidade no rol de princípios constitucionais tributários

inexpressos, implicando tratar-se de princípio que se depreende da exegese do Sistema

Tributário Constitucional. O autor entende que a tipicidade tributária emerge da conjugação do

princípio da legalidade estrita, princípio regente da Administração Pública e que veda o Poder

Público empreender conduta não expressamente disposta em lei, com o princípio da estrita

legalidade tributária:

Destarte, a apontada legalidade imanente ao direito público, conjugada com a estrita legalidade tributária, rende margem ao reconhecimento do princípio da tipicidade, o qual significa adequação do fato à norma. Trata-se de diretriz implícita que informa todos os quadrantes da tributação, compreendendo, assim, a mesma magnitude dos princípios expressos. (JARDIM, 2013, p.119) (Grifamos)

Amaro perfila-se com a mesma noção, enfatizando que a autoridade administrativa não

tem poder discricionário para decidir, sem lastro legal preestabelecido, se uma certa situação

fática enseja ou não recolhimento de tributo. O autor ressalta que se faz mister que o lastro legal

de cada exação seja suficientemente detalhado e claro:

[...] para ser possível a concreção do dever tributário com a só ocorrência do fato gerador, há de estar já na própria norma legal a completa descrição dos fatos à vista de cuja realização ter-se-á, como decorrência necessária, o nascimento da obrigação tributária, no montante apurável segundo os critérios de medida definidos na lei.

[...]

114 Cf. (AMARO, 2010, p.133) e (JARDIM, 2014, p.157)

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Isso leva a uma outra expressão da legalidade dos tributos, que é o princípio da tipicidade tributária, dirigido ao legislador e ao aplicador da lei. (AMARO, 2010, p.135) (Grifamos)

À tipicidade tributária são agregadas adjetivações que buscam realçar a imperiosa

necessidade de clareza e completude na descrição abstrata do fato jurídico que se pretende seja

objeto de exação, a saber, tipicidade fechada ou cerrada. O comentário de Yonne Dolário de

Oliveira, transcrito por Luciano Amaro, informa que:

O que põe em relevo o caráter do tipo cerrado é a sua limitação precisa, o que se obtém, como no conceito abstrato, por meio de determinação exaustiva de suas características consideradas sempre necessárias. (OLIVEIRA, 1980, p.24, apud AMARO, 2010, p.135) (Grifamos)

Os referidos doutrinadores referenciam-se à obra de Alberto Xavier115 na qual, segundo

Eduardo Jardim, o autor destaca como traços da tipicidade tributária a (i) origem legal; (ii)

objeto; (iii) seleção; (iv) numerus clausus; (v) exclusividade; e (vi) determinação, detalhados

abaixo:

A origem legal resulta da estrita legalidade e os objetos são o fato e o efeito contemplado na estatuição normativa. A seleção pressupõe um conceito definido e não geral como pressuposto de tributação ao passo que o numerus clausus supõe uma tipologia taxativa na dimensão em que o fato jurídico tributário deve adequar-se à previsão legal em todos os seus elementos. Já o exclusivismo implica a descrição normativa completa dos elementos necessários à tributação e a determinação, por derradeiro, consiste na fórmula precisa da legislação que não autoriza qualquer subjetivismo na gestão dos tributos.

(JARDIM, 2013, p.120) (Grifamos)

O conceito de tipo é referenciado no instituto homônimo do direito penal. Todavia a

aplicação realizada pelos doutrinadores no âmbito tributário guarda marcadas distinções, como

explica Eduardo Jardim:

A exemplo do quanto ocorre nas províncias do direito penal, o princípio da tipicidade traduz linha diretiva de ponderável relevo no direito tributário. A tipicidade significa a exata adequação do fato à norma, e, por isso, o surgimento da obrigação se condiciona ao evento da subsunção, que é a estreita e plena correspondência entre o fato jurídico tributário (fato gerador) e a hipótese de incidência.

[...]

Sobremais, no direito tributário a tipicidade ganha assomos de maior rigor em relação ao direito penal. Esse é o magistério fecundo de Alberto Xavier. Com efeito, o festejado professor português assinala que no direito criminal o órgão aplicador do direito é investido de uma certa margem de subjetivismo ao fixar a medida da pena. Já nos lindes do direito tributário,

115 Cf. (XAVIER, 1978)

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além da adequação do fato à norma, a lei estipula o fundamento da decisão e bem assim o próprio critério de decidir. (JARDIM, 2014, p.178) (Grifamos)

Luis Eduardo Schoueri (2011), ao elencar e analisar a questão, informa que Roque

Carrazza também é adepto da noção de tipicidade fechada, mas manifesta entendimento

diverso, com base em elaborada exegese sobre os conceitos Tatbestandsmäßigkeit e Typicität,

debatido por autores alemães e austríacos, e sua translação para o mundo jurídico hispanófono

e lusófono. A principal divergência transparece girar em torno do conceito de tipo jurídico e

sua aplicabilidade aos rigores do âmbito tributário:

A incompatibilidade da ideia de tipo com a determinação normativa, proposta por Xavier, se nota quando se vê que o tipo, exatamente por não apresentar limites em sua descrição, permite uma evolução: com o correr do tempo é possível que algumas características típicas passem a predominar sobre outras, que podem perder sua força ou até desaparecer [...] A consequência é que toda vez que um que determinado objeto é reconhecido como pertencente a um tipo, o próprio tipo é modificado, uma vez que passa a adquirir novas características [...]

(SCHOUERI, 2011, p.284) (Grifamos)

O autor aponta, ainda, a congruência entre seu posicionamento e o de Misabel de Abreu

Machado Derzi, que é crítica ao uso da expressão tipo tanto no direito penal quanto no

tributário, conforme explicitado no excerto de citações feitas por Schoueri:

[...] grande parte do que se chama tipo jurídico é convertido, na realidade, em conceito fechado, pela lei ou pela Ciência do Direito [...] o pensar tipologicamente, o tipificar em sentido técnico, ao contrário do que se supõe, não é estabelecer rígidos conceitos de espécies jurídicas, baluartes da segurança do Direito. Essa função compete aos conceitos fechados, determinados e classificatórios. [...]

Identificar tipo a Tatbestand ou fato gerador é reduzir indevidamente o seu alcance, sentido e acepção. [...] Como sinônimo de Tatbestand ou fato gerador ou hipótese, o impropriamente chamado tipo não é uma ordem gradual, uma estrutura aberta, mas, ao contrário, um conceito que guarda a pretensão da exatidão, rigidez e delimitação.

(SCHOUERI, 2011, p.285) (Grifamos)

Schoueri conclui informando que a doutrinadora propõe o afastamento da expressão

princípio da tipicidade em favor de um “princípio da conceitualização normativa específica”.

Paulo de Barros Carvalho (2010) alude, em brevíssima síntese, ao princípio da tipologia

tributária, dando a impressão de se aninhar com o aparente ramo majoritário da doutrina. Para

além do princípio enunciado pelo autor, a sistematização da regra-matriz de incidência – a

priori como técnica de hermética jurídica das normas tributárias postas, com seu descritor e

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correspondentes critérios material, espacial e temporal, bem como, seu prescritor e

correspondentes critérios pessoais e quantitativo116 – encaixa-se, como luva de pelica, à

conformação da pretensão de exatidão, detalhamento, extensão e delimitação de alcance que se

espera de uma norma, tão invasiva na esfera patrimonial dos atores sociais, como a tributária.

Neste sentido, a tipologia de Barros Carvalho não só é congruente com a tipicidade do demais

doutrinadores, mas eleva-a a um nível de especificidade e justeza semântica que, à primeira

vista, justificaria as adjetivações à tipicidade, a saber, fechada ou cerrada.

Todavia, de acordo com o escorço histórico-analítico de Schoueri e Derzi, a noção de

tipicidade é contraditória ao conceito doutrinário germânico de Tatbestand, levando Derzi a

pugnar e pela ab-rogação da tipicidade, em favor de “conceitos normativos específicos”.

Aparentemente, a rejeição da tipicidade reforçaria a caracterização da regra-matriz como

instrumento, mais do que adequado de explicitação em matéria tributária. Todavia, observa-se,

na prática, uma dinâmica um tanto mais complexa. A proliferação de fatos jurídicos – acarretada

pela diversificação (a) de bens, tangíveis e intangíveis, (b) de serviços, de base infraestrutural

e laboral, e, ainda, (c) de transações, de compra, venda, aluguel, cessão, etc, com contornos

contratuais os mais variados – bem como, por exemplo, a proliferação de incentivos fiscais

como instrumentos de atuação indutiva sobre a economia, têm exigido do Poder Público um

constante labor de adaptação do ordenamento tributário à novas realidades fáticas e objetivos

de política pública. Tal faina, intensamente verificável na atividade normativa infralegal, tem

revelado um, outrora insuspeito, grau de plasticidade das leis tributárias, colocando em xeque

a suposição de ser ínsita, à sua natureza, a aludida conceituação de ser normativo dotado

especificidade.

Ora, a norma jurídica, interpretada sob a égide da regra-matriz de incidência, deve estar

a serviço da segurança jurídica, instituto plasmado, ainda que tangencialmente, no Art. 103-A,

§2º, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, e classificada como postulado

constitucional por Eduardo Jardim.117 Assim sendo, deve: (a) de um lado, ser delimitante quanto

à hipótese de incidência e precisa quanto critérios do descritor, de modo que a subsunção seja

precisa; (b) ser detalhada e exauriente quanto às prescrições pós materialização da obrigação

tributária; porém, por outro lado, deve (c) gozar de certa plasticidade jurídico-semântica para

acomodar a subsunção de novos fenômenos econômicos, subsunção esta que deve se pautar por

116 Cf. (BARROS CARVALHO, 2010, p.412-413) 117 Cf. (JARDIM, 2014, itens 7.1 e 7.2)

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sólidos critérios exegéticos, tais como, a natureza jurídica intrínseca do percebido novo fato

jurídico e sua afinidade com o critério material identificado por intermédio da regra-matriz de

incidência. Eis que, em meio a tal hibridismo, reluz o próprio conceito de Tatbestand, arrazoado

por Schoueri e Derzi, que tampouco é estranho ao direito penal. À guisa de exemplo, nem toda

morte provocada por terceiros se enquadra como homicídio simples, plasmado no Art. 121 do

Código Penal, visto que, para sua caracterização se faz mister a sua submissão ao tipo na sua

caracterização multifacetada, admitindo agravantes e atenuantes e excludentes de ilicitude, tais

como os enumerados no Art. 23 do Diploma Penal. Neste sentido, observemos o escólio de

Luiz Regis Prado:

O núcleo do tipo é representado pelo verbo matar. A conduta incriminada consiste em matar alguém – que não o próprio agente – por qualquer meio (delito de forma livre). [...]

O tipo subjetivo é composto pelo dolo (direto ou eventual), entendido como a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo de injusto doloso (tipo objetivo). [...]

No delito de homicídio, o conhecimento do dolo compreende a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento (morte), da lesão ao bem jurídico, dos elementos da autoria e da participação dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes, atenuantes e qualificadoras que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto [...] e dos elementos acidentais do tipo objetivos.

(PRADO, 2008, p.67) (Grifamos)

A plasticidade do tipo penal é evidenciada pela recente assunção de que a conduta de

dirigir alcoolizado é caracterizada como dolo eventual, modificando, significativamente, a

subsunção das mortes causadas por atropelamento ou acidentes. Tal entendimento altera o tipo

subjetivo penal, alargando sua superfície subsuntiva, a saber, a gama de condutas que se

conformam ao tipo.

Perfilamo-nos, portanto, com a pertinência da existência do princípio,

constitucionalmente inexpresso, da tipicidade tributária, valorizando sua carga semântica

inequivocamente assentada na doutrina pátria e ressaltando a natureza restrita da sua

plasticidade jurídica implícita, plasticidade e restrição a serem seriamente consideradas na

produção infralegal e interpretativa do Poder Público. Neste sentido, entendemos ser mais

adequado falar-se em tipicidade angusta ou estrita, (i) angusta no sentido de que, em que

pese ser estreita, não é, porém, fechada, e (ii) estrita, no sentido de não ser rígida, ou seja, ser

suscetível a certo grau de plasticidade.

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Cabe, ainda, realçar, a utilidade e a importância da regra-matriz de incidência como

instrumento a ser aplicado nas etapas legislativa e normativa em matéria tributária voltado a

determinação da precisão enunciativa do critério material, da completude dos demais critérios

do descritor e a precisão das disposições do prescritor. A sistemática submissão ex ante de

futuras normas tributárias ao crivo da técnica da regra-matriz de incidência constitui-se arrimo

da segurança jurídica.

3.6 Incidência tributária sobre hardware

3.6.1 Incidência tributária sobre hardware conforme a Constituição

Da caraterização do hardware como bem móvel fungível de origem industrial, conforme

exposto no subcapítulo 3.4.1, decorre, além da incidência de PIS/Cofins e de IPI, a subsunção

à duas cadeias de incidência tributária, aplicáveis em função do tipo de transação: (a) a

incidência de ICMS nas transações de circulação, incluindo as decorrentes de compra e venda,

e (b) a não incidência de ISSQN no aluguel.

A incidência de ICMS nas transações de circulação de hardware tem fundamento na Lei

Complementar nº 87 de 1996, Art. 2º, incisos I, primeira parte, IV e V, transcritos:

Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996

Art. 2° O imposto incide sobre:

I - operações relativas à circulação de mercadorias, [...];

[...]

IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

(Grifamos) (Grifamos)

Por força dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária, já aludidos e arrazoados,

a efetivação da incidência de ICMS nos entes federados competentes deve se dar intermédio

das respectivas Leis Estatuais que dispõem a incidência do referido imposto. Neste sentido, e à

guisa de exemplo, temos a Lei nº 6.374 do Estado de São Paulo de 1989, cuja dicção dos artigos

correspondentes é transcrita abaixo:

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Lei nº 6.374 do Estado de São Paulo, de 01 de março de 1989

Artigo 2º - Ocorre o fato gerador do imposto:

I - na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

II - na saída de mercadoria de estabelecimento extrator, produtor ou gerador para qualquer outro estabelecimento, de idêntica titularidade ou não, localizado na mesma área ou em área contínua ou diversa, destinada a consumo ou a utilização em processo de tratamento ou de industrialização, ainda que as atividades sejam integradas;

[...]

IV - no fornecimento de mercadoria com prestação de serviços:

a) não compreendidos na competência tributária dos municípios;

b) compreendidos na competência tributária dos municípios, mas que por indicação expressa de lei complementar sujeitem-se à incidência do imposto de competência estadual;

[...]

VII - na entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado ou do Distrito Federal destinada a consumo ou a ativo fixo;

(Grifamos)

O criterioso exame da lei ordinária estadual institutiva do gravame na esfera de

competência do ente federado revela impropriedade técnica quanto à caracterização da hipótese

de incidência positivada no Art. 2º, inciso I e II, em face a competência magnamente estatuída.

Enquanto a primeira dispõe, no Art. 155, II, a incidência do gravame na circulação de

mercadorias, os referidos dispositivos estaduais referem-se à saída de mercadoria. Tal

incongruência é digna de censura por afronta à hierarquia do ordenamento jurídico, que tem na

Constituição o seu pináculo. Como fator, de certa forma, atenuante observamos que a dicção

do diploma estadual paulista é inspirada no Art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro

de 1968, que estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis a, entre outros, impostos

sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Todavia, seria de esperar que, a partir da

publicação da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, todos os diplomas estaduais

fossem harmonizados com a lei nacional regente e a Constituição.

Se faz mister, portanto, explicitar, a partir da doutrina, o critério material da incidência

tributária do ICMS emanado da Constituição e do ordenamento complementar. Neste sentido,

pondera Eduardo Jardim:

Bem, o fato jurídico tributário, denominado fato gerador pela legislação, não consiste na descrição contida no art. 1º do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, que integra o Código Tributário Nacional, segundo o qual o aludido fato repousa basicamente na saída da mercadoria de

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estabelecimento comercial, industrial ou produtor ou mesmo na entrada, em se tratando de mercadoria importada.

[...] o átimo temporal não se confunde com o fato jurídico propriamente. Ainda que a saída física da mercadoria decorra de fato jurídico tributário, é necessário reconhecer que são duas realidades inconfundíveis. [...]

Com efeito, o fato jurídico sujeito ao ICMS não é a saída física nem mesmo a entrada, mas a realização de operações relativas a circulação de mercadorias, na exata conformidade com a descrição positivada no art. 155, inciso II, da Carta da República.

Em obséquio à linguagem inserta no referido comando constitucional, a palavra ‘operações’ abriga o significado de negócio jurídico lícito, no caso, a realização de venda e compra, enquanto o termo ‘circulação’ não se restringe ao aspecto meramente físico, mas sim, à transferência de titularidade, ao passo que o objeto da operação diz respeito à mercadoria, vale dizer, algo dentro do comércio e, portanto, destinado à operação de compra e venda.

(JARDIM, 2013, 178-179) (Grifamos)

Neste mesmo diapasão temos o comentário de Misabel Derzi na obra de Aliomar

Baleeiro:

São clássicas as ponderações de Aliomar Baleeiro ao refutar a opinião de que mera saída física de mercadorias pudesse configurar hipótese de incidência do ICM. [...]

A operação que dá ensejo à circulação é, no dizer de Aliomar Baleeiro, “todo negócio jurídico que transfere a mercadoria desde o produtor até o consumidor final” ou, segundo Alcides Jorge Costa, “qualquer negócio jurídico ou ato jurídico material, que seja relativo à circulação de mercadoria”.

(BALEEIRO, 2010, p.375) (Grifamos)

Conclui-se que o núcleo da hipótese de incidência do ICMS relativamente à circulação

de mercadorias é a transferência onerosa de titularidade da mercadoria por intermédio de uma

operação de compra e venda, que é aperfeiçoada pela tradição. A saída ou entrada de mercadoria

são, tão somente, critérios temporais da incidência da exação que, conquanto relevantes na

operacionalização dos lançamentos tributários, nada dizem, per se, sobre o fato jurídico

tributário.

O detalhamento ou a explicitação de itens específicos, substituição tributária e regimes

especiais, pode se dar por intermédio de diplomas infralegais, como é o caso do Decreto 45.490

do Estado de São Paulo de 30/11/2000 que estabelece o Regulamento do ICMS. No referido

diploma figura, no Artigo 313-Z19, §1º, itens 20-27, uma lista de equipamentos, classificáveis

como hardware sujeitos a disposições sobre responsabilidade pela retenção e pelo pagamento

do imposto incidente nas saídas de mercadorias, conforme transcrito abaixo.

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Decreto 45.490 do Estado de São Paulo de 30/11/2000 – RICMS 2000

Atualizado até o Decreto 62.189, de 19/09/2016

Artigo 313-Z19- Na saída das mercadorias arroladas no § 1° com destino a estabelecimento localizado em território paulista, fica atribuída a responsabilidade pela retenção e pelo pagamento do imposto incidente nas saídas subseqüentes (Lei 6.374/89, arts. 8°, XLI, e 60, I):

I - a estabelecimento de fabricante ou de importador ou a arrematante de mercadoria importada do exterior e apreendida, localizado neste Estado;

II - a qualquer estabelecimento localizado em território paulista que receber mercadoria referida neste artigo diretamente de outro Estado sem a retenção antecipada do imposto.

III - a estabelecimento localizado em outra unidade da Federação, conforme definido em acordo celebrado por este Estado. (Inciso acrescentado pelo Decreto 55.000, de 09-11-2009; DOE 10-11-2009)

§ 1° - O disposto neste artigo aplica-se exclusivamente às mercadorias adiante indicadas, classificadas nas seguintes posições, subposições ou códigos da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado - NBM/SH:

[...]

20 - máquinas automáticas para processamento de dados, portáteis, de peso não superior a 10kg, contendo pelo menos uma unidade central de processamento, um teclado e uma tela, 8471.30;

21 - outras máquinas automáticas para processamento de dados, 8471.4;

22 - unidades de processamento, de pequena capacidade, exceto as das subposições 8471.41 ou 8471.49, podendo conter, no mesmo corpo, um ou dois dos seguintes tipos de unidades: unidade de memória, unidade de entrada e unidade de saída; baseadas em microprocessadores, com capacidade de instalação, dentro do mesmo gabinete, de unidades de memória da subposição 8471.70, podendo conter múltiplos conectores de expansão (“slots”), e valor FOB inferior ou igual a US$ 12.500,00, por unidade, 8471.50.10;

23 - unidades de entrada - exceto as do código 8471.60.54 -, 8471.60.5; (Redação dada ao item pelo Decreto 55.868, de 27-05-2010; DOE 28-05-2010; efeitos a partir de 01-07-2010)

23 - unidades de entrada, exceto as das posições 8471.60.54, 8471.60.5;

24 - outras unidades de entrada ou de saída, podendo conter, no mesmo corpo, unidades de memória, 8471.60.90;

25 - unidades de memória, 8471.70;

26 - outras máquinas automáticas para processamento de dados e suas unidades; leitores magnéticos ou ópticos, máquinas para registrar dados em suporte sob forma codificada, e máquinas para processamento desses dados, não especificadas nem compreendidas em outras posições, 8471.90;

27 - partes e acessórios das máquinas da posição 84.71, 8473.30;

Resta evidenciada a forma com a qual o autorizativo constitucional pode ser

desdobrado, com detalhes, no corpo normativo do ente federado. Observe-se, ainda, a

caracterização de hardware como equipamentos com capacidade de processamento de dados e

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seus equipamentos acessórios, apontando para a natureza jurídica de bem móvel, da qual se

depreende a incidência de ICMS nas operações de circulação e comercialização.

A comercialização de equipamentos informáticos (hardware) tem sido uma das molas

mestras do setor de TIC, tendo seu mercado sido inicialmente caracterizado pela venda de

equipamentos de alto poder computacional para equipar os antigos Centros de Processamento

de Dados – CPDs, tais como mainframes e supercomputadores, negócios estes realizados no

âmbito interempresarial, Sua evolução tem se dado por intermédio da massificação de

microcomputadores – tais como, desktops, laptops, notebooks e, recentemente, tablets e

smartphones – dando-se a comercialização tanto no âmbito do mercado empresarial quanto no

de consumo, como também de servidores e computadores de alto poder de cálculo e

desempenho, denominados de HPC118, para equipar datacenters, no âmbito do mercado

interempresarial119. Acrescente-se ainda a evolução do mercado de equipamentos de

telecomunicações, incluindo, sistemas de transmissão óptica ou por radiofrequência, centrais

de comutação de voz para telefonia fixa ou móvel, roteadores de protocolo IP, que

correspondem ao coração da Internet, e dispositivos de rede para funções especializadas, tais

como, gerenciamento e controle de tráfego, encriptação e gerenciamento de segurança, tais

como firewalls, entre outros.

3.6.2 Da incidência de imposto sobre aluguel de hardware

O aluguel de hardware também é pratica comum no mercado, com utilização

predominante no mercado interempresarial. As operações incluem computadores de diversos

tipos, portes e desempenho e equipamentos de rede para compor a rede corporativa, tais como,

centrais telefônicas, convencional ou VoIP, LAN switches e roteadores. O local de instalação

pode ser nas unidades do cliente, sejam escritórios, galpões ou unidades industriais – sendo

chamados de CPE120 –, ou ainda em datacenters, sejam do próprio cliente ou de terceiros. Os

contratos de aluguel de hardware são frequentemente acompanhados de contratos de serviços

de operação e manutenção, muito embora tal associação não seja necessariamente obrigatória

e ínsita à natureza da transação, como é o caso dos contratos de arrendamento mercantil ou

leasing. A operação dos equipamentos é usualmente realizada à distância, a partir de um centro

118 HPC – High Performance Computers 119 O mercado interempresarial é também referido como mercado business-to-business ou B2B e o mercado de

consumo como business-to-consumer ou B2C 120 CPE – Customer Premise Equipment

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de serviços compartilhados do provedor, e inclui configuração dos equipamentos, monitoração,

detecção de falhas e correção de falhas à distância ou acionamento da manutenção. Os serviços

de manutenção podem incluir a substituição de equipamentos defeituosos por sobressalentes e

o envio de equipes de campo para o reparo.

Em função de sua natureza como bem móvel tangível, a incidência de impostos sobre

locação de hardware é alcançada pela polêmica judicial erigida ao Pretório Excelso por

intermédio do Recurso Extraordinário 116.121/SP, cujo Acórdão redundou na edição da

Súmula Vinculante nº 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de

qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis” (Grifamos). Ora,

levando-se em conta (a) a vedação expressa na decisão sumulada e (b) que as operações de

locação não se subsumem hipótese constitucional de “circulação de mercadorias”, CF/88, Art.

155, II, e tampouco, e consequentemente, à hipótese congênere do Art. 2º, I, da Lei

Complementar nº 87 de 1996, conclui-se que não há incidência de qualquer imposto sobre o

aluguel de bens móveis, ou seja, nem ISS, nem ICMS. Tal conclusão, todavia, não é extensível

às contribuições sociais dispostas na CF/88, Art. 149 e Art. 195, I, ‘b’.121

O teor do debate doutrinário em torno do tema, empreendido pelos Eminentes Ministros

da Suprema Corte, é de profunda relevância para a discussão em torno da incidência de

impostos sobre software. Aprofundemos, então...

Conforme relatório do Min. Relator Octavio Gallotti, o Extraordinário se origina em

embargos à execução fiscal, opostos pela Ideal Transportes e Guindastes, contra a Prefeitura

Municipal de Santos, decorrente do lançamento de ISS sobre a locação de guindastes, com

questão prejudicial de inconstitucionalidade do item 52 da Lista de Serviços da Lei Municipal

correspondente por negativa de vigência dos Arts. 24, I e II da Carta Magna com a redação

121 Constituição Federal de 1988

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. [...] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: [...] b) a receita ou o faturamento; (Grifamos)

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conferida pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 e do Art. 110 da Lei nº 5.172 de 1966,

Código Tributário Nacional. O Eminente Ministro Relator faz referência à jurisprudência

assentada na Corte Suprema e ao relatório da Procuradoria Geral da República, favoráveis a

incidência do gravame sobre a operação em tela, conforme excerto extraído do julgamento do

RE nº 112.947-6/SP:

TRIBUTÁRIO. ISS na locação de bens móveis. O que se destaca, utilitatis causa, na locação de bens móveis, não é apenas no uso e gozo da coisa, mas sua utilização na prestação de um serviço. Leva-se em conta a realidade econômica, que é a atividade que se presta com o bem móvel, e não a mera obrigação de dar, que caracteriza o contrato de locação, segundo o artigo 1.188 do Código Civil.122

(STF, 2000, p.674)

Congruentemente com seu posicionamento já expresso em julgados precedentes, o Min.

Relator perfila-se a favor da incidência do ISS sobre as operações de bens móveis, em linha

com o Acórdão do Min. Oscar Corrêa, Relator no RE nº 115.103/SP, admitindo que “a locação

de bens móveis, embora”

[...] não seja de serviços ou fornecimento de trabalho, constitui venda de bem imaterial (serviço). Na locação de bens móveis, o objeto do contrato é a coisa (o bem móvel), jamais o fornecimento de trabalho, embora exista intimamente ligada à locação a função acessória de se manter a coisa a ser locada em estado de bem servir ao seu destino econômico. O que existe, já dissemos, é a venda de um bem imaterial (venda do direito de uso e gozo da coisa, fato que constitui serviço).

A incidência do ISS sobre a locação de bens móveis é de fácil justificativa. [...] Como inexiste transferência de propriedade do bem material, [...] não pode haver incidência de ICM. O legislador não desejou que a locação de bens móveis deixasse de ser onerada. Daí coloca-la no campo de incidência do único imposto (ISS) que poderia abranger.

(STF, 2000, p.678) (Grifamos)

O Min. Octávio Gallotti reconhece a primazia da vontade do legislador sobre a natureza

jurídica da transação, indicando ser esta a orientação aceita pela Corte no tocante ao item 52 da

Lista de Serviços do Decreto-Lei nº 834 de 1969, que convalidaria o item congênere da Lei

Municipal do Recorrido, em que pesasse a estranheza levantada por Geraldo Ataliba quanto à

ampliação da carga semântica do Texto Magno a partir da dicção e da interpretação de diploma

infraconstitucional. O voto do Min. Relator, no sentido do não provimento do Extraordinário,

reflete uma exegese que admite o alargamento da hipótese de incidência tributária com base na

instrumentalidade econômica, como se uma operação assessória de prestação de serviços

122 Código Civil de 1916, a saber, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, revogado pelo Código Civil de 2002.

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pudesse contaminar uma operação combinada – composta de aluguel e prestação de serviços,

justapostas no negócio jurídico porém tributariamente independentes – amalgamando as duas

operações em uma única incidência, curiosamente a de menor valor. É nítida a conveniência

desta postura para o ente público tributante, na qual maximiza a expressão do símbolo de

riqueza e, consequentemente, de potencial arrecadatório, ao arrepio, entretanto, da segurança

jurídica.

A posição do Min. Relator, embora acompanhada por outros membros da Corte

Máxima, não logrou maioria ante o voto em dissenso do Min. Marco Aurélio.

O voto condutor da decisão, precioso pela concisão e precisão exegética, é centrado na

perquirição da natureza jurídica da operação de locação de bens móveis e a verificação de sua

subsunção à norma tributária em berço constitucional.

[...] entendo que as noções são diversas: a relativa à prestação de serviços, em si, e a inerente à locação de bem móvel.

Na espécie, o imposto (ISS), conforme a própria nomenclatura revela e, portanto, considerado o figurino constitucional, pressupõe a prestação de serviços e não o contrato de locação. [...]

Em face do texto da Constituição Federal e da legislação complementar de regência, não tenho como assentar a incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência, que são os serviços. [...]

Em síntese, há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta do esforço humano, é o fato gerador do tributo em comento (ISS). Prevalece a ordem natural das coisas cuja força surge insuplantável; prevalecem as balizas constitucionais e legais, a conferirem segurança às relações Estado-contribuinte; prevalece alfim, a organicidade do próprio direito, sem a qual tudo é possível no agasalho de interesses do Estado [...]

(STF, 2000, p.705) (Grifamos) (Incluímos)

O voto condutor do Acórdão, predecessor da jurisprudência vinculante, reafirma o

primado da natureza jurídica da operação, como elemento a ser considerado para na análise de

subsunção à regra de incidência tributária, e o faz em obséquio à segurança jurídica.

Neste mesmo sentido, reverbera o Min. Celso de Mello ao afirmar:

[...] a qualificação da “locação de bens móveis”, como serviço, para efeito de tributação municipal mediante incidência do ISS, nada mais significa do que inadmissível e arbitrária manipulação, por lei complementar, da repartição constitucional de competências impositivas, eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigações e fazer, cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. [...]

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Insista-se, portanto, na asserção de que, para efeito de configuração do contrato de locação de coisas (locatio rerum, que se distingue, juridicamente, da locatio operarum e da locatio operis faciendi), a entrega de coisa não fungível constitui, nos termos de nosso estatuto civil (art. 1.188 c/c o art; 1.189, I)123, um dos essentialia negotii, como acentua MARIA HELENA DINIZ [...]

(STF, 2000, p.708-710)

O rigor quanto à caracterização da natureza jurídica da operação, à luz do direito civil,

como critério-mor para a aferição da subsunção tributária – ou mais especificamente, ao critério

da regra-matriz de incidência plasmada na norma tributária – superpondo-se, inclusive a

critérios teleológicos e econômicos, tão caros ao direito constitucional e ao direito político e

econômico, poderia, em análise superficial e apressada, ser alvo de críticas doutrinárias por

incorporar um viés por demais positivista. Se assim fora, não seria infundada a surpresa com o

seu prevalecimento no julgado em comento. Todavia, considerando que a atividade tributante

é das invasivas na esfera do cidadão – atrás, possível e tão somentemente, da persecução penal

– há que se impregná-la de temperança e de conservadorismo hermenêutico em face do imenso

poder coercitivo do Estado. Assim, não surpreende que ambos os julgadores retrocitados

ressaltaram o reconhecimento do próprio legislador quanto ao rigor exegético em matéria

tributária, plasmado no Código Tributário Nacional, Art. 110 e o escólio de Aliomar Baleeiro:

Combinado com o art. 109, o art. 110 faz prevalecer o império do Direito Privado – Civil ou Comercial – quanto à definição, conteúdo e ao alcance dos institutos, conceitos e formas daquele Direito [...]

Para maior clareza da regra interpretativa, o CTN declara que inalterabilidade das definições, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas do Direito Privado é estabelecida para resguardá-los no que interessa a competência tributária. O texto acotovela o pleonasmo para dizer que as “definições” e limites desta competência, quando estatuídos à luz do Direito Privado, serão as deste, nem mais, nem menos. 124

(BALEEIRO, 2010, p.687-688) (Grifamos)

Todavia, o debate doutrinário intenso, como revelado pelo apertado placar de 6 x 5 a

favor do posicionamento do Min. Marco Aurélio, não se esgotou com a decisão e, diga-se de

passo, ainda segue vivo, opondo, de um lado, os entes públicos responsáveis pela

123 Artigos do Código Civil de 1916 124 Código Tributário Nacional

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 113/226

regulamentação e aplicação do direito tributário e, de outro lado, os agentes econômicos,

predominantemente privados. Misabel Abreu Machado Derzi, em nota de atualização da

referida obra de Baleeiro, reporta a experiência pendular germânica sobre o tema:

A chamada interpretação segundo critério econômico, consiste em apreender o sentido das normas, institutos e conceitos jurídicos, de acordo com a realidade econômica subjacente. [...]

Depois de um período de franco declínio na Alemanha, em que, [...], a jurisprudência adotou a tese da primazia da “estrutura normativa do direito civil” e da concepção da unidade do ordenamento jurídico, ressurgiu, nos últimos 20 anos, depurada e renovada, a interpretação, que se norteia, em certas situações especiais, pelo critério econômico. O método teleológico forneceu-lhes os fundamentos e o princípio da igualdade, os valores. Sim, o novo método se situa “no campo de tensão entre a igualdade da tributação e o imperativo da segurança do direito” [...] O que é importante observar é que a interpretação “impropriamente chamada de econômica”, que tem prestígio na jurisprudência dos tribunais germânicos, objetiva a apreensão teleológica da norma tributária, norteando-se por meio do princípio da igualdade. Pretende que situações econômicas idênticas submetam-se a idêntico tratamento tributário, repelindo simulações e fraudes jurídicas. [...] Mesmo assim, não se pode perder seus limites, porque perdê-los seria o arbítrio e a insegurança.

(BALEEIRO, 2010, p.689) (Grifamos)

O embate transcende o campo doutrinário, ferindo a realidade prática da dinâmica

econômica. Insegurança jurídica, longe de ser um conceito dogmático etéreo, é um fator de

aumento de custos de transação, na medida em que prolifera a atividade litigante, que, no âmbito

tributário, se desdobra em, pelo menos, duas esferas: administrativa e judicial. A mera análise

do relatório do Min. Relator do Extraordinário 116.121/SP revela o emprego sistemático de

uma “interpretação econômica imprópria” – parafraseando Derzi – do direito tributário em

todas as esferas decisórias até às portas da Corte Suprema. Não fora a persistência irresignada

do contribuinte, a demanda teria sido selada com base em interpretação substantivamente

apartada dos ditames do Código Tributário Nacional. O custo da escalada das esferas recursais

é comparável a uma dor constante e não diagnosticada. Parece invisível mas debilita nos agentes

econômicos privados, tanto em decorrência dos custos diretos dispendidos com a litigância,

quanto com as expressivas provisões contábeis que reduzem o desempenho presente, mercê da

prudência à futuro.

Neste contexto, há que se festejar a decisão do Pretório Excelso em favor a orientação

emanada do Estatuto Tributário, cuja ementa se transcreve:

"Ementa: Tributo - Figurino constitucional. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Imposto sobre serviços - Contrato de locação. A terminologia

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 114/226

constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional." (RE 116121, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 11.10.2000, DJ de 25.5.2001) (STF, 2016)125 (Grifamos)

Em resumo, a tributação sobre aluguel de hardware é composta exclusivamente pelas

contribuições sociais e demais contribuições enumeradas na CF/88, Art. 149, aplicáveis

conforme disposto em lei, não havendo incidência de nenhum imposto sobre a operação, nem

ICMS, nem ISS.

3.7 Incidência tributária sobre software

3.7.1 Tributação sobre software conforme ordenamento complementar

A Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003 atualiza a disciplina do Imposto

sobre Serviços de Qualquer Natureza, ISSQN ou simplesmente ISS, uniformizando o

regramento referente à exação por intermédio da revogação, disposta no Art. 10, do

ordenamento anterior, composto de leis complementares e ordinárias, bem como decretos-lei.

De especial interesse para o tema em tela, temos a introdução da disciplina de segregação dos

campos de incidências do ISS e do ICMS e a introdução dos serviços de informática na Lista

de serviços anexa à Lei.

Por ser o diploma regente em vigor, se faz mister o aprofundar o seu entendimento.

Lei Complementar nº 116/2003 - ISSQN

Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

(Grifamos) (Grifamos)

No Art. 1º vemos a reiteração da técnica de circunscrição das hipóteses de incidência

do ISS por intermédio de uma lista anexa. É importante ressaltar o entendimento jurisprudencial

125 STF, Supremo Tribunal Federal. Portal. Jurisprudência. Aplicação das Súmulas no STF. 2016. Disponível da

página Internet http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1286, acessado em 30/10/2016.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 115/226

de sua taxatividade, conforme alude o Min. Celso de Mello, no seu voto do supra-analisado RE

116.121/SP, àquela época referindo-se ao Art. 8º do Decreto-Lei nº 406 de 1968: “A lista de

serviços é taxativa. [...] O rol que nela se contém constitui numerus clausus”.

Por ser matéria doutrinariamente controversa, a taxatividade da lista de serviços do

Decreto-Lei nº 406/1968, substituída posteriormente pela lista de serviços anexa à Lei

Complementar nº 116/2003, é merecedora de considerações um tanto mais detidas, iniciando

pelas observações de Eduardo Jardim:

[...] um ponto controverso na legislação consiste na taxatividade ou não da referida lista de serviços sujeitos à incidência do ISS. Com efeito, há duas posições diametralmente contrapostas, uma propugnada por Ruy Barbosa Nogueira (1971), abraçada pela doutrina tradicional e abonada pelos tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, e outra pioneiramente sufragada por Geraldo Ataliba (1968) e José Souto Mario Borges (1975), bem como por Aires Fernandino Barreto (2009) e Paulo de Barros Carvalho, entre outros. [...]

De outra parte, contudo, este [...] professa posicionamento exatamente oposto em relação ao tradicional, [...], na dimensão em que a lista teria natureza tão somente exemplificativa. [...]

No mérito, o entendimento pugnado tem supedâneo na autonomia municipal, que, a seu turno, reflete um dos matizes do pacto federativo. Por todas as veras, não se pode compatibilizar a autonomia municipal com uma suposta dependência legislativa tributária, segundo a qual o Município somente poderia tributar aquilo que fosse autorizado por legislação complementar [...]

(JARDIM, 2013, pp.201-202) (Grifamos)

Ao comentar a taxatividade da lista a partir da Constituição de 1988 na obra de Aliomar

Baleeiro, Misabel Derzi, na qualidade e atualizadora, faz referência à mesma polêmica

doutrinária aludida por Eduardo Jardim, acrescentando Rubens Gomes de Souza, Aliomar

Baleeiro José Afonso da Silva, Ives Gandra Martins e Gilberto Ulhôa Canto entre os perfilados

com a taxatividade e referindo-se a Roque Carrazza e Sacha Calmon como doutrinadores à ela

avessos. A transcrição da citação do último autor lança luzes sobre o tema:

Se o constituinte dissesse que competia ao Município tributar serviços definidos em lei complementar, excetuados os já atribuídos aos Estados, aí sim, caberia ao legislador complementar fazer a lista. A cláusula constitucional ‘serviços de qualquer natureza’ não compreendidos no art. 155, I, b, ao meu sentir, definiu por inteiro e por exclusão a área tributável posta à disposição dos Municípios.126 Ora, a lei complementar não pode reduzir nem aumentar a competência municipal.

126 Observe-se que este comentário foi realizado em obra inicialmente publicada antes da Emenda Constitucional

nº 3, de 1993 que alterou a numeração dos incisos sem alterar o sentido.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 116/226

Para que, então, lista de serviços posta por lei complementar que não pode diminuir nem aumentar o ditado constitucional?

(CALMON apud BALEEIRO, 2010, p.502)127

A indagação do autor é pertinente e sua resposta passa pelo princípio da tipicidade

tributária, progenitor da segurança jurídica no domínio de uma das atividades mais invasivas

do Estado sobre a esfera privada. Ao elucidar a corrente doutrinária divergente, Misabel Derzi

afirma que o ordenamento complementar, na qualidade de corpo normativo geral, deveria

restringir-se a dirimir conflitos de competência e definir os serviços tributáreis a partir da

formulação de conceitos abstratos e determinados. Na prática, todavia, mesmo ante o

norteamento constitucional lastreado em conceitos jurídicos bem assentados, observamos

extrapolações e exacerbamentos por parte dos legisladores de todas as esferas federadas.

Incidentemente, é precisamente em torno de tais incursões exegéticas empreendidas pelos entes

dos três níveis da República, para bem além das fronteiras conceituais magnamente plasmadas,

que giram as presentes reflexões. Ora, se mesmo em face a extensas listas ainda nos deparamos

com tamanha insegurança jurídica, quiçá se as listas tivessem sido deixadas ao inteiro alvedrio

dos vários legisladores ordinários? Eduardo Jardim (2013, p.200), referindo-se à Lei

Complementar nº 116/2003, observa que a falta de acurácia legiferante se observa mesmo ante

a problemática lista: “Essa lista não se exime de censuráveis inexatidões, a exemplo de

qualificar cessão de direitos como serviço, o que é uma inacreditável absurdez!” (Grifamos).

Mesmo assim, há que se admitir a persistência de certo desconforto dogmático. A nosso

ver, a antagonismo doutrinário é harmonizado se entendermos a lista como um instrumento de

delineamento da competência tributante por intermédio da enumeração de gêneros de serviços.

Estes podem ser alvo de ulterior detalhamento por parte do ente tributante, em uma atividade

apreensível como determinação das espécies sob os gêneros. Neste mesmo sentido, vemos a

observação de Aliomar Baleeiro (2010, p.501): “A lei complementar por ser mais ou menos

compreensiva e pode designar gêneros, do quais o intérprete extrai as espécies”. Resta claro

que o labor de determinar as espécies a partir dos gêneros de incidência tributária é tanto

prerrogativa do intérprete, quanto, e sobretudo, é dever e prerrogativa do legislador

infracomplementar e do regulamentador. Assim sendo, data máxima vênia aos ilustres

defensores da natureza exemplificativa das listas, entendo que a taxatividade consubstancia a

tipicidade, angusta ou estrita, caraterística da dogmática tributária, conferindo maior grau de

127 Cf. (CALMON, Sacha. Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário, 6ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1994, pp.263-266)

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 117/226

segurança jurídica aos agentes econômicos ante o já avantajado poder do Estado sobre a esfera

patrimonial de todos. Em suma, a preferência pela taxatividade representa um pendor pela

proteção do contribuinte diante dos avantajados poderes dos entes públicos, em detrimento de

uma opção pelo ente tributante pressupostamente de menor força no seio do pacto federativo.

Deixando a ponderação vicinal e retornando à análise da lei complementar em tela, vale

igualmente observar a ressalva in fine do dispositivo a reiterar que a subsunção da norma

tributária se dá sobre cada operação individualizadamente. Assim sendo, uma empresa poderá

estar sujeita ao recolhimento de vários tributos, não se excetuando as empresas de tecnologia

da informação e comunicação. Ainda no primeiro artigo, temos importante disciplina

introduzida no segundo parágrafo:

Lei Complementar nº 116/2003 - ISSQN

Art. 1º [...]

§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.

(Grifamos)

O início do dispositivo estabelece uma importante norma de mútua-exclusão entre dois

impostos: os serviços sobre os quais incidem o ISS, a saber os enumerados na lista anexa à lei,

não são alcançados pela incidência do ICMS. Não há, portanto, incidência concomitante de dois

impostos. Tal dispositivo apenas explicita o que já se depreende da repartição de competências

tributárias constitucionalmente plasmadas (Art. 155 e Art. 156). Embora prescindível, o

dispositivo não peca ao reiterar a ab-rogação à bitributação. Ao aludir a exceções, todavia, a

dicção passa uma impressão de anuir com incidências justapostas, noção que é afastada com a

análise dos itens objeto das exceções, a saber, os itens 7.02, 7.05, 14.01, 14.03 e 17.11 da lista

anexa:

Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003

7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). [...]

7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 118/226

pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). [...]

14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS). [...]

14.03 – Recondicionamento de motores (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS). [...]

17.11 – Organização de festas e recepções; bufê (exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao ICMS)

Observa-se, nos itens objeto da exceção aludida no Art. 1º, §2º, uma segregação do

campo de incidência tributária em operações de prestação de serviço que são necessariamente

acompanhadas de entrega de mercadorias. Trata-se, portanto, de operações que combinam

obrigações de fazer e de dar para a sua completa consecução. Optou o legislador complementar,

nestes casos, por segregar os escopos obrigacionais, dispondo as correspondentes e próprias

incidências tributárias. Contudo, a dita segregação não é uniformemente adotada pelo legislador

complementar, como, por exemplo, evidenciado nos itens 7.16 a 7.22 e 14.04 a 14.08 que

mesclam atividades de base laboral com utilização ou entrega de materiais circuláveis. É,

portanto, razoável conjecturar-se, que a decisão quanto à segregação, ou não, da incidência

tributária seja baseada em pelo menos dois critérios: (a) dificuldade operacional para segregar

os escopos de fazer e dar, ou (b) relevância econômica dos escopos e consequentemente de suas

respectivas arrecadações, ou (c) ambos. Fixe-se, em conclusão, que a segregação de incidência

tributária é expediente usado tanto pelo legislador, discricionariamente, quanto pela Corte

Constitucional Pátria no julgamento do RE 116.121/SP ao reconhecer a separação do aluguel

de bens móveis de outras prestações de serviço.

De ampla relevância para o objeto das reflexões ora empreendidas é a inclusão do item

1 e seus subitens, versando sobre serviços de informática e congêneres. Cumpre analisá-lo.

Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003

1 – Serviços de informática e congêneres.

1.01 – Análise e desenvolvimento de sistemas.

1.02 – Programação.

1.03 – Processamento de dados e congêneres.

1.04 – Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos.

1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

1.06 – Assessoria e consultoria em informática.

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1.07 – Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados.

1.08 – Planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas.

(Grifamos) (Grifamos)

Se faz mister admitir, desde já, que o legislador complementar optou pela incidência

do ISS sobre todas as atividades econômicas enumeradas sob o item 1 da referida lista anexa.

Entretanto, é também nítido que a lista mescla atividades heterogêneas, tanto em relação à

natureza jurídica quanto aos insumos para consecução.

As atividades dos subitens (1.01) desenvolvimento de sistemas, (1.02) programação,

(1.04) elaboração de programas de computadores e (1.07) de manutenção de programas de

computação, são caracterizadas como obrigação de fazer relativa à criação ou autoria de um

código-fonte, realizada por um prestador de serviço para um terceiro-contratante. A execução

de tais atividades usualmente comunga o pressuposto de que o prestador de serviços não retém

a titularidade autoral do software em função do disposto no Art. 4º da Lei de Software128 – salvo

disposição contratual em contrário – subsumindo-se, com assertividade jurídica, à hipótese de

incidência tributária sobre serviços. A situação que ocorre entre contratados e contratantes, no

que tange a titularidade do direito autoral, também se verifica na relação entre empregados e

empregadores, ou seja, os criadores do código-fonte não retêm o direito autoral. Todavia, não

há incidência de ISS na prestação de serviços no âmbito vínculo empregatício.

As atividades dos subitens (1.01) análise, (1.06) assessoria e consultoria (1.07) suporte

técnico, instalação, configuração de programas de computação e configuração e manutenção de

bancos de dados, e (1.08) planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas

eletrônicas, são caracterizadas como obrigação de fazer e, por conseguinte, se subsumem à

hipótese de incidência tributária sobre serviços, sem, no entanto, resvalar do âmbito do direito

autoral. No caso do subitem 10.8, há que se ressalvar que, com o avanço da tecnologia, páginas

eletrônicas passaram a ser dotadas de programabilidade, com linguagens tais como, Pearl, Java

128 Lei 9.609 de 1998, Lei de Software

Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos. (Grifamos)

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e .NET, podendo as atividades efetuadas implicarem em produção de código-fonte e

consequentemente em cessão ex lege ou exclusão contratual de direito de autor sobre software.

O licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação do subitem

1.05, tem natureza jurídica inteiramente diversa dos até então analisados. Como já discutido no

capítulo 3.4.2, trata-se de cessão de direito de uso (e gozo) de um bem intangível protegido ex

lege por direito de autor. Trata-se da conjugação de obrigação de dar, desdobrada em até duas

materializações decorrentes das especificidades técnicas dos programas de computador ou

software, a saber, (i) a obrigação de dar acesso ao uso (e gozo), que é usualmente

consubstanciado por uma palavra-chave que identifica a licença contratualmente estabelecida,

e (ii) a obrigação de dar o código-executável, seja em um substrato informático – tais como,

CD-ROM, DVD, pen drive, etc –, por transferência eletrônica ou download, ou ainda, pela sua

instalação em um computador instalado remotamente que seja acessível através da Internet ou

de uma rede de dados privativa. Vê-se, claramente, que a natureza da operação descrita no

subitem 1.05 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 não se coaduna com

a hipótese de incidência sobre prestação de serviços, sendo uma escolha altamente

discricionária e problemática do legislador complementar, que viola o Art. 110 do Código

Tributário Nacional. Não sem razão, portanto, constatamos o grau de controvérsia que envolve

a tributação sobre software, tendo como consequência a prática explícita de bitributação,

constituindo-se em verdadeira guerra fiscal entre Municípios e Estados.

Observe-se, ainda, que para fins de caracterização do direito de autor, é irrelevante se o

licenciante ou cedente desenvolveu ou subcontratou o desenvolvimento do software, no todo

ou em parte. É tão somente bastante que tenha a titularidade do mesmo, seja por ter sido o

criador ou por ter sido contratante com retenção do direito.

A atividade de processamento de dados, mencionada no subitem 1.03, refere-se a um

modelo de contratação no qual o contratante passa um certo conjunto de dados para um

contratado para que este o submeta a processamento. Fica subentendido que o processamento

é realizado com a utilização de algum software. Como exemplos desta atividade temos o

processamento de folhas de pagamento ou de registros contábeis para fins de geração de

relatórios financeiros. A atividade tem natureza de obrigação de fazer e portanto se subsume à

incidência tributária da prestação de serviços. O prestador de serviços pode realizar o

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processamento com base em meios próprios – a saber, hardware, software e força laboral – ou

de terceiros ou uma mescla dos dois, sem que tais escolhas desnaturem a obrigação de fazer.

É, entretanto, digna de contundente crítica, a expressão “e congêneres” agregada in fine,

por ser altamente atentatória aos princípios tributários, em especial ao princípio da tipicidade

tributária, debatido no capítulo 3.5. Tal expressão, semanticamente aberta por natureza,

representa um buraco negro legal capaz de atrair quaisquer atividades ao alvedrio do legislador

infracomplementar, sendo fonte de irrazoável e repudiável insegurança jurídica.

Reiterando a necessária congruência entre a natureza jurídica das operações gravadas e

a incidência tributária, retomamos o posicionamento do Min. Celso de Mello em seu voto no

Recurso Extraordinário 116.121/SP, analisado no capítulo 3.6.2: “eis que o ISS somente pode

incidir sobre obrigações de fazer [...]”. (STF, 2000, 708)

3.7.2 Controvérsias concernentes a tributação de software

O desenvolvimento da microeletrônica, nas décadas de 1980 e 1990, viabilizou a oferta

de microprocessadores, memórias e discos rígidos magnéticos a custos significativamente mais

acessíveis, possibilitando o início da era dos computadores pessoais com a introdução dos

modelos PC/XT e PC/AT. Com arquitetura de hardware aberta e equipados com sistema

operacional MS-DOS (software básico), com especificações abertas, as novas máquinas se

apresentavam como plataforma ideal para o desenvolvimento de softwares voltados à melhoria

da produtividade pessoal e empresarial, também chamados de software de aplicação ou

simplesmente, aplicativos. O que se viu, a partir de então, foi uma incrível proliferação de

editores de texto, planilhas eletrônicas, gerenciadores de banco de dados e outros afins. O

mercado ganhou ainda mais impulso com o lançamento dos sistemas operacionais com

interfaces gráficas, tais como o Windows, que acrescentou, à lista dos aplicativos, softwares de

apresentações, jogos eletrônicos (dissociados de hardware dedicado), softwares de engenharia

e navegadores da Internet usando a World Wide Web.

Os primeiros computadores pessoais eram equipados com drives (dispositivos de leitura

e escrita) de discos magnéticos removíveis, denominados diskettes. Com o tempo e o avanço

tecnológico, os computadores ficaram mais poderosos e passaram a ser equipados com discos

ópticos (CD-ROMs e depois DVDs). Em uma época na qual os enlaces de acesso à Internet não

existiam ou eram escassos, com banda estreita (baixa velocidade de transferência de dados) e

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economicamente inacessíveis, o meio de se fazer chegar software às mãos dos usuários era por

intermédio de um contrato de licenciamento em papel, acompanhado do código-executável

armazenado em um meio físico – inicialmente diskettes e depois meios ópticos –

disponibilizados em pontos de venda especializados e posteriormente no comercio varejista em

geral.

Tal situação, que, diga-se de passo, está desaparecendo rapidamente (como será

comentado adiante), gerou grande controvérsia em torno da correta tributação, envolvendo

Estados, Municípios e empresas, chegando a ser julgada pelo STF. Sem pretender ser exauriente

nos desdobramentos em todos os entes federados, empreenderemos uma análise da controvérsia

a partir da cronologia de alguns dos eventos relevantes e emblemáticos da questão,

compendiada no Quadro 1. Ressalte-se que o embate ainda persiste com cores e temperaturas

renovadas e mais quentes.

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Ano Diploma Dispositivo

1988 Constituição Federal Sistema Tributário Nacional

1989 Lei nº 6.374, de 01/03/1989 do Estado de São Paulo Dispõe sobre a instituição do ICMS

1992

Lei nº 8.198, de 15/12/1992 do Estado de São Paulo Institui, no Art. 3º, II, a incidência de ICMS sobre software

Decreto nº 35.674, de 15/09/1992 do Estado de São Paulo

Altera o RICMS - base de cálculo em operação com programa para computador (“software”), personalizado ou não, como o dobro do valor de mercado do seu suporte informático.

1996 Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996

Dispõe sobre o ICMS dos Estados e do Distrito Federal

1998

RE 176.626/SP Estado de São Paulo x Munps Acórdão em 10/11/1998

Recurso não conhecido. Relator, porém, opina que cabe plausivelmente cogitar a incidência de ICMS sobre software comercializado no varejo com corpus mechanicum.

Lei 7.098, de 30/12/1998

Estado do Mato Grosso do Sul Consolida normas do ICMS do MS e dispõe, no Art. 2º, VI, a incidência de ICMS sobre software,

1999 RE 199.464/SP Estado de São Paulo x Brasoft Acórdão em 02/03/1999

Recurso provido. Há incidência de ICMS sobre software comercializado no varejo com corpus mechanicum.

2000 Decreto nº 27.307, de 20/10/2000 Estado do Rio de Janeiro

Art. 1º Reduz a base de cálculo do ICMS nas operações com programa de computador (software) não personalizado, em meio magnético ou óptico (disquete ou CD-ROM)

2002 Decreto nº 43.080, de 13/12/2002 Estado de Minas Gerais

RICMS, Art. 43, XV – institui ICMS na saída ou no fornecimento de programa para computador e dispõe bases de cálculo para encomendante e comercialização.

2003 Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003

Dispõe sobre ISSQN de competência dos Municípios. Lista de serviços anexa, Item 1– Serviços de informática e congêneres.

2007 Decreto nº 51.619, de 27/02/2007 do Estado de São Paulo

Reitera base de cálculo do Decreto nº 35.674, excluindo videogames.

2015

Decreto nº 61.522, de 29/09/2015 do Estado de São Paulo

Revoga decreto anterior, pressupostamente aumentando alíquota

Convênio ICMS nº 181, de 28/12/2015, do Confaz

Autoriza redução da base de cálculo do ICMS sobre software para que a carga tributária seja de 5%

2016 Decreto nº 61.791, de 11/01/2016 do Estado de São Paulo

Reduz a base de cálculo do ICMS sobre software para que a carga tributária seja de 5%

Quadro 1 – Histórico dos marcos jurídicos pertinentes a ICMS sobre software

A Lei nº 6.374, de 01/03/1989 do Estado de São Paulo, doravante Lei do ICMS Paulista,

dispôs a cobrança do ICMS, no seio do ente federado, materializando sua competência tributária

no âmbito do então novo Sistema Tributário Nacional inaugurado pela Constituição de 1988.

Em 1992 o Estado de São Paulo publica a Lei nº 8.198, de 15/12/1992, na qual aparece o

seguinte dispositivo:

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Lei nº 8.198, de 15/12/1992 do Estado de São Paulo

Artigo 3.º - Fica dispensado o pagamento do Imposto de Circulação de Mercadorias - ICM e do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte lnterestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS em relação a operações ocorridas até a data da publicação desta lei, com:

[...]

II - programa para computador ("software"), personalizado ou não.

(Grifamos)

O referido diploma introduz alterações em duas leis estaduais, sendo uma delas a Lei

do ICMS Paulista, que é alvo dos seus Arts. 2º e 4º. Todavia, a disposição do Art. 3º é autônoma,

não faz referência a nenhuma outra lei e nem modifica a Lei do ICMS Paulista. A partir de tal

técnica legiferante, duas conclusões sobre o entendimento do Estado de São Paulo são

conjecturáveis: (i) que a incidência de ICMS sobre software, personalizado ou não, já estava

prevista na Lei do ICMS Paulista, com base em pressuposto entendimento de que software é

mercadoria, e (ii) que sendo o tributo devido desde, pelo menos, a publicação da Lei do ICMS

Paulista, o Estado de São Paulo concedeu uma ampla anistia quanto aos débitos

pressupostamente pregressos, reiterando a exigência do seu recolhimento a partir da data de

vigência do diploma em tela.

A diretriz legal foi regulamentada pelo Decreto nº 35.674, de 15/09/1992 do Estado de

São Paulo, que detalhou a base de cálculo da exação, por intermédio de alteração no RICMS,

Regulamento do ICMS Paulista:

Decreto nº 35.674, de 15/09/1992 do Estado de São Paulo

Artigo 1.º - Fica acrescentado o artigo 51-A ao Regulamento do Imposto de Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços, aprovado pelo Decreto n.º 33.118, de 14 de março de 1991:

"Artigo 51-A - Em operação realizada com programa para computador ("software"), personalizado ou não, o imposto será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático.".

(Grifamos)

Da dicção do Artigo 51-A inserido no RICMS Paulista, constata-se que: (i) a alíquota a

ser aplicada, conforme Art. 54, I, RICMS de então, alínea ‘a’, é de 18% (dezoito por cento), até

31 de dezembro de 1992 e conforme alínea ‘b’, é de 17% (dezessete por cento), a partir de 1º

de janeiro de 1993; (ii) apesar de o artigo se referir ao valor do suporte informático como base

de cálculo, o gravame é incidente sobre a operação de circulação do software, que é tido pelo

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Poder Público Paulista como mercadoria; e (iii) há uma aparente modicidade na exação na

medida em que o valor do suporte informático é muito inferior ao valor da licença do software.

A insurgência do setor empresarial se faz manifestada no judiciário em ações que

escalaram ao STF nos Recurso Extraordinários 176.626/SP e RE 199.464/SP. É importante e

proveitoso que os analisemos.

O RE 176.626/SP, interposto pelo Estado de São Paulo e tendo a relatoria do Min.

Sepúlveda Pertence, enfrentou tangencialmente a polêmica em torno da incidência, ou não, de

ICMS sobre software, como ficou refletido na sua respectiva ementa:

EMENTA:

I. Recurso extraordinário : prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). [...]

II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria.

Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário.

III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária.

Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” — matéria exclusiva da lide —, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo — como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) — os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.

Decisão: A Turma não conheceu do recurso extraordinário. Unânime. 1a. Turma, 10.11.98

(STF, 1998, p.305) (Grifamos)

Note-se que a ementa reconhece ser vedado aos Estados instituir ICMS sobre o

“licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador”, entretanto, em

intervenção a nosso ver infeliz, abre a possibilidade de um tratamento tributário diferenciado

para a circulação, no varejo, de cópias dos chamados “software de prateleira”, que

pressupostamente teriam natureza de mercadoria pela materialização da criação intelectual em

um corpus mechanicum.

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O Min. Relator faz referência à decisão do TJ/SP na Apelação nº 192.456-2/5, que negou

provimento em favor do Estado de São Paulo com base no seguinte entendimento do voto

vencedor proferido pelo Des. Marcello Motta:

[...] pareceu-me que a tributação do software pelo ICMS caracterizaria invasão indevida do Estado na competência tributária do Município. [...] Consoante à teoria da preponderância, o conceito de serviços é mais racionalmente assimilável nessa área do que o da circulação de mercadoria, restrito este último ao do simples suporte físico (ou disquete), desvinculado do conteúdo, que envolve a criação intelectual.

(STF, 1998, p.308) (Grifamos)

Todavia, se sensibiliza com a argumentação do Estado de São Paulo no sentido de que

haveria uma distinção entre tipos distintos de software:

No RE, deixa claro o recorrente que não pretende cobrar o imposto sobre a venda de programas feitos sob encomenda “para atender às necessidades específicas de um cliente”, quando o que se tem é serviço típico, sujeito, em princípio, à competência tributária dos Municípios. É diferente, no entanto – diz o Estado – “a hipótese do chamado ‘software de prateleira’ que, como o nome sugere, encontra-se à venda em indistintos pontos, servindo a uma gama tão grande de usuário que pode também ser chamado de ‘software produto’, já que é produzido em série, atendendo a um número infinito e indefinido de usuários”. Aí arremata, o que existe é circulação de mercadoria...

(STF, 1998, p.309)

Esta noção também está presente em trabalho acadêmico de Rui Saavedra, referenciado

no seu voto, no qual o autor identifica três tipos de software, saber, (i) software standard ou

software produto ou ainda software “off the shelf”; (ii) programa aplicacionais, feitos por

software houses para clientes conforme o pedido; e (iii) programas adaptados aos clientes ou

customized, que são uma forma híbrida entre os dois outros. Com base nesta distinção, o Min.

Relator alude a entendimento de juristas espanhóis de que o software standard houvera se

tornado uma mercadoria comercializada. Assim lastreado, e acatando a argumentação do

recorrente de que uma vez reproduzido em escala industrial e colocado à venda em lojas, o

software se torna mercadoria, o Ministro profere seu voto:

De fato, o comerciante que adquire exemplares para revenda, mantendo-os em estoque ou expondo-os em sua loja, não assume a condição de licenciado ou cessionário dos direitos de uso que, em consequência, não pode transferir ao comprador: sua posição, ai, é a mesma de vendedor de livros ou de discos, que não negocia com os direitos do autor, mas com o corpus mechanicum de obra intelectual que nele se materializa. [...] E é sobre essa operação que cabe plausivelmente a incidência do imposto questionado.

(STF, 1998, p.323)

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Sem embargo do arrazoado, a Primeira Turma do STF decidiu não conhecer o Recurso

Extraordinário.

A conjectura introduzida no RE 176.626/SP se tornou jurisprudência assentada no

RE 199.464/SP, igualmente recorrido pelo Estado de São Paulo, tendo como Relator o Min.

Ilmar Galvão, que em brevíssimo voto, remeteu a querela ao entendimento predominante no

seio da Suprema Corte, como demonstra a ementa:

TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF a distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado "de prateleira", e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS. Recurso conhecido e provido.

(STF, 1999, 307) (Grifamos)

Desta feita, com o conhecimento e o provimento do recurso, a conjectura sobre a

caracterização do software de prateleira e sua revenda por intermédio de corpus mechanicum

como operações de circulação de mercadoria passa a se tornar precedente jurisprudencial.

Data maxima venia aos Eminentes Julgadores, faz-se mister destacar vários pontos

problemáticos que indicam, desde logo, a premente necessidade de revisão dos conceitos que

lastrearam os acórdãos.

Primeiramente, há que se observar a grave incongruência entre o posicionamento do

Requerente, atestando interesse em tributar apenas softwares produtos e o disposto tanto no Art.

3º, II, da Lei nº 8.198, de 15/12/1992 do Estado de São Paulo, que instituiu na prática a

incidência do gravame, quanto no Art. 1º do Decreto nº 35.674, de 15/09/1992 do Estado de

São Paulo. Software personalizado é sinônimo de software sob encomenda e software não

personalizado é o mesmo que software de prateleira ou software produto. Assim sendo, o

julgamento não levou em conta a amplitude da pretensão do Estado de São Paulo, que, como

veremos, se espalhou rapidamente por várias outras unidades da federação.

Em segundo lugar, a segregação de softwares em diferentes tipos, conforme defendida

pelo Estado de São Paulo, teorizada por Rui Saavedra e acatada pelo Min. Sepúlveda Pertence

é, com efeito, decorrente de características técnicas e de modelos de negócio. E estas

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caraterísticas estão mudando aceleradamente, como aliás é da própria característica da

tecnologia da informação e comunicação na contínua faina de destruir o status quo para

substituí-lo por algo novo e mais aperfeiçoado. Se, de um lado, os chamados softwares de

prateleira, voltados ao mercado de massa, vêm se tornando cada vez mais personalizáveis –

possibilizando ao usuário modificar a interface ou até automatizar procedimentos por

intermédio de macros e até mesmo de programação – alguns softwares desenvolvidos sobre

encomenda, em transações típicas do mercado interempresarial, vem sendo “produtizados” e,

por conseguinte, ganhando escala.

Continuando, se no passado havia necessidade de corpus mechanicum para se fazer

chegar às mãos do cessionário do direito de uso e gozo uma cópia do contrato de licença – que

sempre esteve presente nas transações de mercado de massa – e o código-executável, meio pelo

qual o adquirente da licença de uso tem acesso ao objeto licenciado, hoje este código-executável

é transferido pela Internet, transferências, estas, referidas como downloads. Se no passado a

instalação de softwares se dava em computadores que muito provavelmente permaneceriam

instalados no mesmo lugar durante quase toda a sua vida útil, atualmente os softwares são

instalados em smartphones, o que pode ocorrer, por exemplo, durante uma viagem do licenciado

à Ásia e permanecer sendo usado no Brasil ou em qualquer outro lugar no mundo.

E por fim, há que se reconhecer que mesmo nas operações de varejo, o licenciamento

do uso nunca deixou de estar presente, usualmente identificado por uma palavra-chave a ser

fornecida no momento da instalação. Foi e ainda é através do mecanismo de licenciamento que

se garante a proteção do direito autoral pela limitação do número de cópias permitida ao

detentor do código-executável, seja por força de licença para múltiplos usuários ou para

salvaguarda (backup), conforme, inclusive, autorizado no Art. 6º, I, da Lei de Software.129

Assim sendo, a afirmação estampada na venerável decisão no RE 199.646/SP de que na

“produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum

da obra intelectual [...] não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra”

não faz jus à realidade fática das próprias operações. Diferentemente de um livro, não é o

domínio sobre corpus mechanicum que determina o direito de acesso à obra intelectual nele

129 Lei nº 9.609, de 19/02/1998, Lei de Software

Art. 6º Não constituem ofensa aos direitos do titular de programa de computador: I - a reprodução, em um só exemplar, de cópia legitimamente adquirida, desde que se destine à cópia de salvaguarda ou armazenamento eletrônico, hipótese em que o exemplar original servirá de salvaguarda; (Grifamos)

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plasmada, mas, sim, a licença de uso (e gozo) de pleno direito, materializada pela palavra-

chave. O uso de um software cujo corpus mechanicum tenha sido fraudado, constitui ilícito

contra o direito autoral, denominado coloquialmente de pirataria de software. O uso de uma

licença individual por vários usuários, a partir do compartilhamento da palavra-chave, também

é pirataria! A preponderância da operação reside no acesso ao uso (e gozo) da propriedade

intelectual fruto de esforço criador. O corpus mechanicum é um elemento absolutamente

acessório e que, inclusive, está se tornando obsoleto, à luz da massificação do acesso à Internet

por intermédio de conexões banda larga e do surgimento de lojas digitais, tais como, a App

Store, a Google Play e a Microsoft Store.

Ante a tal quadro dramaticamente mutante, o único invariante é a natureza jurídica do

software, a saber, de bem intangível, protegido por direito de autor e sujeito a cessão de direito

de uso e gozo por intermédio de contrato de licença de uso. Urge, portanto, rever a

jurisprudência!

Feita a ressalva preliminar, prossigamos com a análise histórica.

Nos anos que se seguiram à publicação do Acórdão do RE 176.626/SP, a produção

legiferante e normativa dos Estados voltada à positivação da incidência de ICMS sobre software

foi intensa. Destacamos três exemplos

O Estado do Mato Grosso do Sul publicou sua Lei 7.098, de 30/12/1998, dispondo

explicitamente a incidência do gravame sobre mercadorias:

Lei 7.098 do Mato Grosso do Sul, de 30/12/1998

Art. 2º O imposto incide sobre: [...] VI - sobre as operações com programa de computador - software -, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados.

Os Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais empreenderam ações similares pela via

infralegal:

Decreto nº 27.307 do Estado do Rio de Janeiro, de 20/10/2000

Art. 1.° Fica reduzida a base de cálculo do ICMS nas operações com programa de computador (software) não personalizado, em meio magnético ou óptico (disquete ou CD-ROM), de forma que a incidência do imposto resulte no percentual de:

I - 0% (zero por cento) sobre o valor da operação de importação;

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II – 1% (um por cento) sobre o valor das demais operações.

§ 1.º Entende-se por programa de computador não personalizado aquele destinado à comercialização ou industrialização.

[...]

Art. 3.º O ICMS não incide na operação realizada com programa de computador personalizado elaborado por encomenda do usuário, assim como sobre contratos de licença ou de cessão de direitos relativos a programa de computador personalizado ou não, nas formas de:

I - Transferência Eletrônica: download - transferência de programas do computador licenciante, diretamente para o computador do usuário, via Internet, intranet e processos similares;

II - Licenças múltiplas: contratos de licenciamento autorizando o usuário final a interligar uma determinada quantidade de microcomputadores ou terminais a um servidor central onde uma cópia do software que se pretende usar já se encontra instalada;

[...]

Art. 4.º Fica dispensado o pagamento do Imposto de Circulação de Mercadorias - ICM e do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS relativo às operações realizadas com programa de computador, personalizado ou não, incluindo-se aquelas em que se efetue o licenciamento ou cessão de direito de uso, até à data da entrada em vigor deste Decreto.

[...]

Art. 5.º O disposto neste Decreto não se aplica:

I - ao programa de computador (software), não personalizado, em meio magnético ou não, instalado sem a devida comprovação de licenciamento ou de cessão de uso;

II - ao firmware - programa de computador pré-gravado em processadores, eproms, placas, circuitos magnéticos ou similares;

III - ao programa de computador (software) alienado em conjunto com equipamentos, máquinas ou bens duráveis de consumo.

Decreto nº 43.080 do Estado de Minas Gerais, de 13/12/2002, RICMS

Art. 43. Ressalvado o disposto no artigo seguinte e em outras hipóteses previstas neste Regulamento e no Anexo IV, a base de cálculo do imposto é:

[...]

XV - na saída ou no fornecimento de programa para computador:

a) exclusivo para uso do encomendante, o valor do suporte físico ou informático, de qualquer natureza;

b) destinado a comercialização, duas vezes o valor de mercado do suporte informático;

(Grifamos)

O Estado do Mato Grosso do Sul optou pela explicitação legal da exação, o que teria

sido louvável em termos de segurança jurídica, não fora pela bitributação. Por outro lado, a

utilização de decretos por parte de Minas Gerais e Rio de Janeiro tem como presunção a

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natureza mercantil do software e sua subsunção ao ICMS por força da interpretação de suas

respectivas Leis regentes da exação. Todavia, somente o Rio de Janeiro se mantém adstrito à

caracterização assentada na jurisprudência à época da edição do diploma, a saber, que a

circulação de mercadoria só se verifica para operações com programa de computador não

personalizado, destinado à comercialização ou industrialização. Observe-se, porém, que a

destinação à industrialização introduz certa insegurança semântica quando contrastado com a

expressão “reprodução em escala industrial”130 que consta da argumentação do Estado de São

Paulo transcrita no Relatório do RE 176.626/SP. Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, por outro

lado, dispõem incidência irrestrita, alcançando, inclusive, softwares criados sob encomenda, o

que não é condizente com a jurisprudência dos REs 176.626/SP e 199.464/SP. O decreto do

Rio de Janeiro explicitamente exclui a incidência do ICMS sobre downloads o que é condizente

com a retrocitada jurisprudência: sem corpus mechanicum não fica caraterizada a circulação de

mercadoria. A omissão dos outros dois Estados é fonte de insegurança jurídica. Minas Gerais

Rio de Janeiro e São Paulo escolheram ser módicos no gravame, o segundo pela explicitação

de alíquotas diferenciadas, a primeira delas (Art. 1º, I), equivalendo a uma isenção, e os demais

por intermédio da seleção de uma base de cálculo baseada no corpus mechanicum. A escolha

do suporte informático como base de cálculo pode passar a falsa impressão que o gravame

incide sobre uma mercadoria de fato, sendo insitamente legítimo em relação à natureza jurídica.

Não é o caso! O fato gerador do ICMS é a operação com software. O suporte informático

também é gravado com ICMS quando é sujeito a circulação per se, em seu estado virgem, ou

seja, sem ter recebido nenhum conteúdo. Os Estados que escolheram o valor do suporte

informático com expressão da base de cálculo do ICMS sobre o software o fizeram

discricionariamente, pressupostamente com o intuito de reduzir a onerosidade da exação, tendo

em vista a abissal diferença de valor entre um disquete, um CD-ROM ou um DVD e o valor da

licença do software contido neles. Só não se pode negar que tal técnica normativa torna a

situação um tanto quanto turva para o contribuinte desavisado.

O que transparece, já a partir de uma modesta amostragem, é um verdadeiro caos

tributário, consequência direta da repartição de competências, da independência dos entes

federados que leva à falta de alinhamento até mesmo com as mais altas jurisprudências, que,

acertadas ou questionáveis, deveriam ser respeitadas de modo a produzir efeito harmonizador

nas diversas esferas do poder público. Os custos de transação derivados desta complexidade,

130 Cf. (STF, 1998, 310)

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ainda que só qualitativamente cogitados, são incompatíveis com País e a imperiosa necessidade

ter uma economia eficiente e produtiva.

O advento da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, deveria ter representado

um marco harmonizador da matéria. A partir da manifestação explícita do legislador ordinário

de sua opção, certa ou questionável, pela incidência do ISS em todas as operações envolvendo

software, conforme disposto no item 1 da Lista de serviços anexa a diploma. De acordo com o

exposto e analisado no capítulo 3.7.1, seria de se esperar a imediata revogação de todos os

diplomas estaduais, legais e infralegais, que dispusessem a incidência de ICMS sobre software.

Tal reação seria natural tendo em vista a participação de representantes de todos os Estados nas

duas casas legislativas e o quórum diferenciado para aprovação de ordenamento complementar.

Contudo, e lamentavelmente, a realidade tem sido bem diferente da desejável!

Em 27 de fevereiro de 2007 o Estado de São Paulo publica o Decreto nº 51.619. Sob a

justificativa, conforme exposição de motivos do Secretário da Fazenda, de resguardar a

“competitividade da economia paulista” com base no artigo 112 da Lei do ICMS Paulista,131 o

diploma reitera a base de cálculo reduzida, estatuída no Decreto nº 35.674, de1992, excluindo

do benefício os videogames, que haviam se tornado populares.

Em 2015, em meio a grave crise fiscal que se abateu sobre o País, o Estado de São Paulo

revoga, por intermédio do Decreto nº 61.522, de 29 de setembro, o decreto anterior sem

estabelecer nenhuma outra disposição sobre base de cálculo, gerando uma enorme insegurança

jurídica. Teoricamente, duas interpretações, contraditórias, teriam sido passíveis após a edição

do decreto: (i) a de que São Paulo abrira mão de tributar software com ICMS;132 ou a de que

(ii) São Paulo mantivera inalterada a expectativa de tributante, desta feita com a alíquota de

18% sendo aplicada sobre o valor total da operação. A segunda hipótese significaria aumento

tão brutal de onerosidade que vale a pena estimá-la.

Consultando páginas de comércio eletrônico na Internet levantamos preços para seis

itens de “software de prateleira” e dois tipos de mídia (corpus mechanicum), arbitramos as

mídias com base em uma estimativa do volume de armazenamento necessário para cada

software e calculamos o valor do ICMS para a base de cálculo estatuída pelo Decreto nº

131 Lei n° 6.374 de São Paulo, de 1° março de 1989. 132 Convenhamos, hipótese altamente improvável a esta altura do escorço histórico!

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51.619/2007 – dobro do valor do suporte informático – e pelo novo do Decreto nº 61.522/2015

– total do valor da transação.133 O Quadro 2 a seguir sumariza a estimativa de aumento de

onerosidade, comparando as correspondentes cargas tributárias.

Quadro 2 – Aumento de carga tributária decorrente do Decreto nº 61.522/2015-SP

Salta aos olhos o aumento da carga tributária média de 0,8% na sistemática do Decreto

nº 51.619/2007 para 22%134 no Decreto nº 61.522/2015, correspondendo uma carga tributária

cerca de 50 vezes maior.

Não sem razão, portanto, mobilizaram-se vários Estados no Confaz, Conselho Nacional

de Política Fazendária, no sentido de um acordo em torno de uma carga tributária “mais

condizente com a capacidade contributiva dos consumidores de software”, claro, no juízo dos

entes tributantes. Assim, no apagar das luzes do ano de 2015, o Confaz aprova um convênio

autorizando os Estados a promover a redução da base cálculo, conforme abaixo:

Convênio ICMS 181, de 28 de dezembro de 2015

Cláusula primeira Ficam os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins autorizados a conceder redução na base de cálculo do ICMS, de forma que a carga tributária corresponda ao percentual de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da operação, relativo às operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, inclusive nas operações efetuadas por meio da transferência eletrônica de dados.

133 Consideramos, como assunção simplificadora, que o valor do software inclui as contribuições e o ISS. Assim

o ICMS foi estimando como uma sobretaxação, o que provavelmente inflou o valor do tributo. Apesar da imprecisão metodológica, o cálculo ilustra razoavelmente bem o aumento de onerosidade.

134 Considerando o cálculo sobre a receita bruta, vulgarmente chamado de cálculo por dentro.

Valor do

ICMS

Carga

Tributária

Valor do

ICMS

Carga

Tributária

Norton Antivirus - Symantec

1 usuário 49,00R$ DVD-R (4,7 GB) 0,76R$ 1,10R$ 2,2% 10,76R$ 22,0% 879,6%

10 usuários 229,00R$ DVD-R (4,7 GB) 0,76R$ 1,10R$ 0,5% 50,27R$ 22,0% 4478,3%

Microsoft Windows Home

Home 799,00R$ DVD+R (8,5 GB) 2,50R$ 3,60R$ 0,5% 175,39R$ 22,0% 4775,3%

Pro 1.399,00R$ DVD+R (8,5 GB) 2,50R$ 3,60R$ 0,3% 307,10R$ 22,0% 8436,3%

Microsoft Office

Home and Student 399,00R$ DVD+R (8,5 GB) 2,50R$ 3,60R$ 0,9% 87,59R$ 22,0% 2334,6%

Home and Business 1.029,00R$ DVD+R (8,5 GB) 2,50R$ 3,60R$ 0,3% 225,88R$ 22,0% 6178,6%

Médias 650,67R$ 1,92R$ 2,76R$ 0,8% 142,83R$ 22,0% 4513,8%

Aumento de

Carga

Tributária

Base de Cálculo

= Dobro da Mídia

Base de Cálculo

= Valor da OperaçãoSoftwares

Valor do

Software

Tipo da

Mídia

Valor da

Mídia

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Cláusula segunda O benefício previsto neste convênio será utilizado opcionalmente pelo contribuinte em substituição à sistemática normal de tributação, sendo vedada à apropriação de quaisquer outros créditos ou benefícios fiscais.

Cláusula terceira Ficam as unidades federadas referidas na cláusula primeira autorizadas a não exigir, total ou parcialmente, os débitos fiscais do ICMS, lançados ou não, inclusive juros e multas, relacionados com as operações previstas na cláusula primeira, ocorridas até a data de início da vigência deste convênio.

Parágrafo único. A não exigência de que trata esta cláusula:

I - não autoriza a restituição ou compensação de importâncias já pagas;

II - observará as condições estabelecidas na legislação estadual.

Cláusula quarta Este convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2016.

(Grifamos)

É evidente que o convênio tem como pressuposto a legitimidade, questionável, reitere-

se, da incidência do ICMS sobre software. É de se louvar, com a condescendência de nossa

posição refratária à dita incidência, a circunscrição do gravame aos programas padronizados.

Por outro lado causa espécie o brutal alargamento do critério material da incidência com a

agregação de “arquivos eletrônicos e congêneres”. Afinal, o que seriam arquivos eletrônicos e

congêneres? Imagens em formato JPEG e vídeos em formato MPEG estariam sujeitos ao

gravame? Em que tipo de transação? Arquivos de dados também? E o que se entende por

congêneres? Onde está o respeito aos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias?

Outro aspecto que chama a atenção é a inclusão das operações efetuadas por meio da

transferência eletrônica de dados ou downloads. Ora se o critério tangibilizador adotado pelos

julgadores dos REs 176.626/SP e 199.464/SP foi justamente a existência do corpus

mechanicum como materializador da transação de comércio, qual é o fundamento para a exação

na ausência do substrato informático? Neste mister, se faz necessário reviver as ponderações

do Min. Sepúlveda Pertence, registradas preambularmente no seu Relatório do RE 176.626/SP:

Passo ao exame do mérito do recurso.

Estou, desde logo, em que o conceito de mercadoria efetivamente não inclui bens incorpóreos, como direitos em geral: mercadoria é bem corpóreo objeto de atos de comércio ou destinado a sê-lo.

(STF, 1998, p.316)

Pouco tempo depois de ver firmado Convênio ICMS 181/2015, o Estado de São Paulo

publicou um novo decreto, modificando o Regulamento do ICMS Paulista em linha com os

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 135/226

seus termos, incidência e base de cálculo, diferindo porém a sua incidência sobre download até

a definição do critério espacial aplicável:

Decreto nº 61.791 de São Paulo, de 11 de janeiro de 2016

Introduz alterações no Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS

GERALDO ALCKMIN, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o disposto no Convênio ICMS-181/2015, de 28 de dezembro de 2015:

Decreta:

Artigo 1º - Ficam acrescentados os dispositivos adiante indicados ao Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS, aprovado pelo Decreto n° 45.490, de 30 de novembro de 2000, com a seguinte redação:

I - o artigo 37 às Disposições Transitórias:

“Artigo 37 (DDTT) - Não será exigido o imposto em relação às operações com softwares, programas, aplicativos, arquivos eletrônicos, e jogos eletrônicos, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, quando disponibilizados por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming), até que fique definido o local de ocorrência do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto.” (NR);

II - o artigo 73 ao Anexo II:

“Artigo 73 (SOFTWARES) - Fica reduzida a base de cálculo do imposto incidente nas operações com softwares, programas, aplicativos e arquivos eletrônicos, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, de forma que a carga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento) (Convênio ICMS-181/15).

Parágrafo único - O disposto no “caput” não se aplica aos jogos eletrônicos, ainda que educativos, independentemente da natureza do seu suporte físico e do equipamento no qual sejam empregados.” (NR).

Na mesma linha do Decreto nº 61.522/2015 do Estado de São Paulo, o Estado de Minas

Gerais publicou o Decreto nº 46.877, de 3 de novembro de 2015, revogando Art. 43, XV, do

Regulamento do ICMS Mineiro. Todavia, como Minas Gerais não havia aderido ao Convênio

ICMS-181/15, , à data destas reflexões135, é se supor que o Estado entenda devido o ICMS sobre

software com base de cálculo igual ao valor total da transação e alíquota de 18%.

É óbvio que os Municípios, tendo a arrimá-los, a Lei Complementar nº 116/2003, não

se emocionam com as atividades legiferantes e normativas dos Estados tendentes a tributar fatos

geradores que entendem estar sob suas competências constitucionais, assentadas em

135 Dia 1º de novembro de 2016

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 136/226

ordenamento complementar. Como é cediço, quando dois entes federados discordam sobre

competências tributárias, o contribuinte recolhe duas vezes sobre um mesmo fato gerador. Tal

situação não pode ser considerada normal, pois antes e bem ao revés, trata-se de exercício de

bitributação, prática constitucionalmente ab-rogada, como bem pontua Eduardo Jardim:

O Estatuto Supremo repartiu as competências tributárias de modo sobreposse rígido. Deveras, outorgou a cada pessoa política uma faixa de competência privativa e exclusiva, vedando, por essa forma, qualquer possibilidade de bitributação ou pluritributação.

(JARDIM, 2014, p.183)136

Claramente, o afã arrecadatório do Estado Brasileiro está por detrás do caos que se

estabeleceu sobre a matéria. A controvérsia e não só intelectual e doutrinária, pois desdobra-se

no dia a dia da economia, afetando todos os contribuintes, empresariais e consumidores. A

bitributação não é de hoje, e vem sendo indevidamente tolerada pelos agentes econômicos. Se

já era inaceitável à luz do bom direito, tornou-se insuportável com a elevação da onerosidade.

A tecnologia da informação e comunicação tem efeito transversal sobre toda a economia, sendo

fator essencial para ganhos de eficiência, produtividade e melhoria dos serviços, públicos e

privados. A bitributação e o aumento de onerosidade impactam, sem dúvida, as empresas, mas

prejudicam com maior gravidade as pequenas e médias e os cidadãos na medida em que podem

até se ver privados de modernas ferramentas de trabalho implementadas em software.

À data destas reflexões estavam propostas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade:

(i) a ADI 1.945/MS arguindo a Lei 7.098 do Mato Grosso do Sul, de 30/12/1998, proposta pelo

PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro, e (ii) a ADI 5.576/SP, proposta pela

CNS, Confederação Nacional de Serviços, requerendo a declaração de “inconstitucionalidade

da incidência de ICMS sobre programas de computador - software, com base na interpretação

conforme a Constituição da Lei Complementar 87/96 e da Lei 6.374/89 do Estado de São Paulo

– nos termos do art. 28, parágrafo único da Lei 9.868/99, e suspender a eficácia e declarar a

inconstitucionalidade do artigo 3º, II, da Lei 8.198, de 15 de setembro de 1992, do Decreto nº

61.522, de 29 de setembro de 2015 e do Decreto nº 61.791, de 11 de janeiro de 2016, todos do

Estado de São Paulo, que instituem a incidência do ICMS sobre as operações com programas

de computador – software”.137

136 Terceira Parte, Capítulo III, Item 9, Partilha de Competências Tributárias 137 Cf. (STF, 2016a). Esta ADI é fruto do trabalho conjunto entre a CNS e as associações representativas do setor de tecnologia da informação e comunicação: ABES, Assespro e Brasscom.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 137/226

3.7.3 Incidência tributária sobre software conforme a Constituição

Ao discorrer sobre conceitos constitucionais relativos ao direito tributário, Min. Octavio

Gallotti, Relator do RE 116.121/SP faz referência à esclarecido e esclarecedor posicionamento

do insigne Ministro Luiz Gallotti:

Tenho sempre em mente a advertência de meu saudoso pai, LUIZ GALLOTTI, em voto, aliás vencido, que proferiu no Recurso Extraordinário nº 71.758, sobre a impossibilidade de a lei tributária mudar o conceito dos institutos adotados, especialmente no direito privado, para estabelecer a incidência de tributos:

“Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema constitucional inscrito na constituição”. (RTJ 66, pág. 165)

(STF, 2000, p.682-683)

Pois é sobre a égide desta ilustrada ponderação e com lastro no Art. 110 do Código

Tributário Nacional e no primado da natureza jurídica da operação, como elemento a ser

considerado na subsunção à regra de incidência tributária, ambos critérios extraídos do

emblemático RE 116.121/SP, que empreendemos uma exegese conforme a Constituição

buscando determinar o critério material da incidência tributária sobre software.

Tanto o hardware computacional quanto o software são algo relativamente novo e sem

paralelo na história do desenvolvimento humano. A natureza do hardware é mais facilmente

assimilável pela sua tangibilidade, como um produto industrial, e, em termos de sua

funcionalidade, percebido como sucessor eletrônico dos ábacos e das réguas de cálculo. Não há

dúvida tratar-se de um bem móvel, nos termos do Código Civil Art. 82. Já o software, por ser

intangível, visto que só se materializa no universo da microeletrônica, mercê dos grandes

avanços tecnológico, é de difícil apreensão quanto à própria natureza. Daí ter sido muito feliz

o legislador ao perfilá-lo, em função de ser fruto da criação humana, como um direito real, erga

omnes, a saber, o direito de autor, conforme disposto na Lei nº 9.610/ 1998, Lei dos Direitos

Autorais, Art. 7º, XII. Este mesmo diploma, dispõe, no seu Art. 3º, que: “Os direitos autorais

reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis”. Decorre, portanto, desta disposição da lei

específica, o seu enquadramento no disposto nos Art. 83, III, do Código Civil, na qualidade de

“direitos pessoais de caráter patrimonial”.

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A enorme importância da tecnologia computacional, enquanto fenômeno econômico,

passa, entre outros fatores, pela sua rápida massificação, tanto por meio de transações

interempresariais, quanto na aquisição por parte dos indivíduos. O volume de comercialização

dos “artefatos” computacionais cresceu vertiginosamente. Até o fim da primeira década do

século XXI tínhamos um certo modelo de comercialização de hardware e software. A partir da

introdução das ofertas de computação na nuvem (cloud computing) e dos smartphones e tablets

vimos o surgimento de novos modelos de comercialização, que vêm se tornando rapidamente

dominantes. Se faz mister analisar ambos os modelos, os quais denominaremos de

Comercialização Tradicional e Comercialização da Era Digital.

Iniciemos a análise da Comercialização Tradicional...

No âmbito do hardware, as transações de compra de venda de equipamentos e

periféricos eram as dominantes junto aos consumidores e mesmo no âmbito interempresarial.

Fossem computadores pessoais ou servidores de alto desempenho ou ainda caríssimos

mainframes, o mais comum era a aquisição das máquinas pelos usuários e a correspondente

tradição do bem. Devido à natureza jurídica de bem móvel tangível, não havia dúvidas sobre o

enquadramento das transações comerciais como transações mercantis, atraindo, sem polêmicas

exegéticas, a incidência do ICMS. Aos poucos observou-se o surgimento de ofertas de aluguel

de hardware, usualmente acompanhadas de serviços de operação e manutenção. A partir do

Acórdão do RE 116.121/SP, no ano 2000, e da publicação da Súmula Vinculante nº 31, toda e

qualquer dúvida, que porventura poderia subsistir sobre as hipóteses de incidência, foram

sanadas: (a) ISS sobre a prestação de serviços e (b) não incidência de imposto sobre o aluguel

de bem móvel. Além dos modelos de compra e venda e de aluguel, algumas empresas prestavam

serviços de processamento de dados, utilizando hardware e software próprios ou de terceiros.

Se chegou a haver algum debate sobre a tributação, a publicação da Lei Complementar nº

116/2003 o dirimiu com o disposto no subitem 1.03 da Lista de serviços anexa.

Em relação ao software, a comercialização se dava por intermédio de contrato de

licenciamento de uso (e gozo), conforme veio a ser positivado na Lei de Software, Art. 9º.

Observe-se que a referida lei foi publicada em 1998, mas as operações já eram realizadas desta

maneira há muitos anos. É importante detalhar o negócio jurídico nos seus aspectos essenciais,

que ainda subsiste no mercado atual, ainda que venha sendo gradual a parcialmente substituído.

O sinalagma é estabelecido entre o titular do direito autoral do software, o cedente, e o

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 139/226

pretendente à usuário, o cessionário, tendo como objeto a cessão onerosa e não exclusiva do

direito de uso (e gozo) do software de interesse. Constituía-se o direito de uso em caráter

perpétuo, aplicável à versão específica do software objeto da cessão de direito, incluindo a

disponibilização de correções e atualizações (bug fixes ou patches) até data de encerramento do

suporte, comunicada pelo titular autoral do software. O negócio jurídico é consubstanciado por

um contrato de licenciamento, do tipo contrato de adesão, no qual somente o cedente é

identificado. Ao cessionário cabe o pagamento do preço avençado, obrigação de dar coisa certa

(CC/02, Art. 233 e ss). O pagamento tem efeito de aceitação tácita dos termos do contrato. Ao

cedente cabe dar o acesso ao software que se desdobra em duas obrigações, ambas de dar coisa

certa: (a) o código-executável, a ser instalado no hardware do adquirente, (b) a permissão ou

outorga para execução do código-executável, por intermédio de uma palavra-chave. Cumprida

a entrega dos elementos viabilizadores da cessão, ao cessionário incumbe proceder à instalação

do código-executável do software adquirido no seu hardware de escolha. Este processo se inicia

com a autenticação por intermédio da palavra-chave, e a oportunidade do cedente de se

identificar junto ao cessionário. Este procedimento legitima o código-executável e libera o

usuário para receber as atualizações. Ressalte-se que o direito cedido está atrelado à cópia do

software e não à pessoa do cessionário, tratando-se, portanto, de uma cessão ao portador do

contrato de licença, contrato este, sumarizado na palavra-chave. A Imagem 2 abaixo ilustra o

que foi descrito mostrando, para duas versões distintas (2003 e 2010) de um dos softwares “de

prateleira” mais populares, (a) o código-executável a ser instalado em satisfação ao direito de

uso (e gozo) cedido pelo titular do direito de autor e (b) a palavra-chave que evidencia a relação

contratual de licenciamento e outorga o uso (e gozo) entre o cedente e o cessionário.

Os invólucros e manuais são itens acessórios. As mídias contendo o código executável

e as palavras-chave são os elementos de outorga e materialização da cessão não exclusiva de

direito de uso (e principalmente gozo) do software, que, como produto de criação intelectual,

intangível, protegido por direito autoral pertencente à empresa cedente, representa o objeto

principal no negócio jurídico estabelecido com o cessionário.

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Imagem 2 – Softwares “de prateleira”: invólucros, mídias e palavras-chave

A questão que, então, se apresenta é: tem essa operação comercial natureza mercantil?

Alega o Estado de São Paulo no RE 176.626/SP que a reprodução em escala industrial

e a colocação à venda em lojas tornaria o software uma mercadoria circulável. Impende-nos

desconstruir esta ideia.

Em primeiro lugar, a produção de software não tem natureza industrial, mas sim

intelectual. Não se trata da transformação de matérias primas em produtos intermediários ou

acabados. No âmbito empresarial, é, com efeito, fruto de esforço coletivo de profissionais

altamente especializados, envolvidos em atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D). A

argumentação de que a “reprodução do software” é uma atividade industrial não resiste à

evidência de que, além de se tratar de uma atividade de baixíssimo valor agregado ante os

vultuosos investimentos em P&D, a reprodução era uma necessidade decorrente do estado da

arte das redes de comunicação. Com a massificação dos acessos banda-larga à Internet, o

código-executável passou a ser disponibilizado por intermédio de transferência eletrônica

(downloads), meio totalmente compatível com a sua natureza incorpórea.

No tocante ao aspecto circulacional, é cediço que a circulação de direitos não é nem

estranha e nem tão nova no direito, tendo, nos títulos de crédito, um importante instrumento

viabilizador, conforme lição de Tullio Ascarelli:

[...] os títulos de crédito formam um instituto jurídico destinado a facilitar a “circulação” dos direitos.

Facilitam o crédito enquanto lhe possibilita a mobilização; por isso, os princípios que o regem encontram a sua aplicação mesmo além dos direitos

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de crédito em sentido estrito, qual se dá com ações de sociedades anônimas, sempre que, mais vivas se façam sentir as exigências da circulação.

Por isso, já se propôs dizer, de um modo geral, títulos-valor em vez de títulos de crédito. (ASCARELLI, 2009, p.11)

A definição mais aceita é a de Cesar Vivante, sendo citada nas obras de Ascarelli, Fran

Martins e Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.:

Título de Crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado.

(VIVANTE, 1934, p.12 apud MARTINS, 2009, p.5)

De acordo com Da Rosa Jr., o Art. 887 do Código Civil138 abraça integralmente o

conceito do doutrinador ítalo, acrescentando in fine a exigência do cumprimento das

formalidades legais do direito pátrio. Dentre eles, realça, altaneiro, o aspecto documental. Fran

Martins elabora sobre sua importância e grau de amplitude:

Esse documento é necessário para o exercício dos direitos nele mencionado. O emprego da palavra necessário tem aqui, o sentido próprio de ser indispensável o documento para que os direitos nele mencionados sejam exercidos. Daí resulta ser o título de crédito um título de apresentação. Isso porque, no momento em que se desejar exercer os direitos mencionados no título, deve o possuidor (chamado de portador ou detentor) apresentar o documento ao devedor [...]

Os direitos mencionados no título são sempre direitos de crédito. Com o evoluir dos tempos, alguns documentos tomaram as características de título de crédito sem, contudo, se referirem a verdadeiras operações de crédito pecuniário, em que há gozo de dinheiro presente em troca de dinheiro futuro. [...] Por isso tais títulos são chamados de impróprios.

(MARTINS, 2010, p.6) (Grifamos)

Cotejemos o escólio do mestre comercialista como o negócio jurídico anteriormente

explanado. Após a compra e o pagamento do software “de prateleira”, dá-se a tradição do

invólucro para o comprador-cessionário, estando este já quite com a sua obrigação pecuniária

diante do cedente, ainda que indiretamente por intermédio de agente comercial. Neste átimo,

encontra-se o comprador-cessionário na condição de credor da materialização do direito de uso,

que é plasmado no contrato licença e outorgado pela palavra-chave. Uma cópia impressa do

contrato de licença era usualmente acondicionada no invólucro. Atualmente, tendo em conta a

natureza de contrato de adesão, é usual encontra-lo publicamente disponibilizado em páginas

da Internet. Observemos que, se por um retumbante azar, o comprador perdesse a palavra-chave

138 Código Civil

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

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junto com o documento fiscal139 relativo à aquisição, mantendo em seu poder a mídia contendo

o código-executável, este de nada lhe serviria. Não teria como comprovar ser credor do direito

de uso do software. Destarte, sendo a palavra-chave, outorgante do direito de uso, o elemento

indispensável, verdadeiro núcleo, da operação ocorrida no ponto de venda, parece-nos que

estamos diante da circulação de um título de crédito. Em face da suspeita, analisemos as

características dos títulos de crédito, de acordo com Da Rosa Jr.:

O conceito de título de crédito serve de base para que possam ser apontadas as suas características: a) natureza comercial; b) documento formal; c) bem móvel; d) título de apresentação; e) consubstancia obrigação líquida e certa; f) possui eficácia processual abstrata; g) corresponde a obrigação quesível; h) emitido, em regra, com natureza pro solvendo; i) título de resgate; j) título de circulação.

(DA ROSA JR., 2009, p.53)

Cotejemos, então, as características enumeradas por Da Rosa Jr. com as observadas na

palavra-chave do software “de prateleira” comercializado no comércio varejista...

(a) Natureza comercial. A natureza da transação de “aquisição” de um software “de

prateleira” é indubitavelmente comercial, porém, insista-se, não é mercantil por

tratar-se de bem intangível.

(b) Documento formal. O contrato de licenciamento de uso é um documento formal

referente a uma avença que é parcialmente aperfeiçoada pelo pagamento do preço

da licença por parte do cessionário, tendo como contrapartidas a emissão do

documento fiscal de aquisição (Lei de Software, Art. 9º, Parágrafo único) e a

entrega da palavra-chave, que passa ao domínio do cessionário. O contrato de

licenciamento, o documento fiscal e a palavra-chave, cumprem, conjuntamente, o

disposto no Art. 887 do Código Civil, tanto no requisito de formalidade quanto no

de legalidade.

(c) Bem móvel. A palavra-chave outorga o acesso a um direito de uso, caracterizado

como bem móvel de acordo com o Art. 83, III, do Código Civil, sendo, ela mesma,

um bem móvel.

139 O documento fiscal constitui-se comprovante alternativo da regularidade da aquisição da cessão do direito de

uso, conforme Art. 9º, Parágrafo único da Lei de Software.

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(d) Título de apresentação. De acordo com o autor, o título de crédito tem esta

característica quando sua apresentação é necessária para o exercício do direito. Ora,

na medida em que a palavra-chave deve ser necessariamente fornecida no momento

da instalação do software, constitui-se, indubitavelmente em um título de

apresentação.

(e) Consubstancia obrigação líquida e certa. Claramente, a obrigação do cedente é

líquida e certa, a saber, liberar a instalação do código-executável do software no

hardware de escolha do cessionário, viabilizando seu uso, respeitados dos requisitos

técnicos de compatibilidade hardware-software e não obstaculizar direta ou

indiretamente a sua execução.140

(f) Possui eficácia processual abstrata. Segundo Da Rosa Jr. esta característica

significa que o título tem força executiva que confere ao credor um poder processual

que independe do mérito da pretensão materializada no título. A obrigação do titular

autoral do software de viabilizar seu uso (e gozo) por parte do cessionário que tem

o domínio da palavra-chave, independe das circunstâncias que cercaram a aquisição

do direito de uso por parte do cessionário, e , portanto, goza de eficácia processual

executiva ex lege, depreensível da dicção do Art. 8º da Lei de Software.

(g) Corresponde a obrigação quesível. Segundo Da Rosa Jr. uma obrigação é quesível

quanto cabe ao credor dirigir-se ao devedor para exigir a quitação da obrigação. A

palavra-chave encerra uma obrigação quesível na medida em que a liberação do

direito de uso (e gozo) do software, do qual o portador da palavra-chave é credor,

depende de sua inciativa, pois, está sobre o seu alvedrio quando e onde instalar e

usar o software, sem que o cedente, devedor da liberação, tenha qualquer ingerência

sobre a oportunidade e solver sua obrigação.

(h) Emitido, em regra, com natureza pro solvendo. De acordo com o retrocitado autor,

a mera emissão do título de crédito não tem o condão de extinguir a obrigação que

lhe deu causa. Tal situação é precisamente o que ocorre com a emissão da palavra-

140 À guisa de analogia, não é razoável que o comprador de um automóvel à diesel tenha a expectativa de que ele

funcione sendo abastecido com gasolina ou álcool. Similarmente, é irrazoável a expectativa de que um software criado para o sistema operacional Windows funcione no sistema operacional do iMac. Em ambos os casos há incompatibilidade técnica.

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chave por parte do titular autoral do software, pois a mesma não se constitui, per

se, em ação que solve a débito obrigacional de materializar o direito de uso. A

obrigação originária só é solvida com a efetiva instalação do software e o início de

sua plena utilização.

(i) Título de resgate. Esta caraterística implica, segundo o autor, que o título é capaz

de realizar imediatamente o valor nele mencionado. Ora, o resgate do crédito do

cessionário que tem o domínio da palavra-chave, que é o acesso ao uso do software,

se dá, de imediato, por intermédio do fornecimento da palavra-chave durante o

processo de instalação.

(j) Título de circulação. De acordo com Da Rosa Jr. a circulabilidade é a função

precípua do título de crédito, sendo transferível a terceiros. A palavra-chave,

inominada, é livremente circulável, podendo ser transmitida, por parte do

adquirente-cessionário, a terceira pessoa, sem qualquer interveniência do cedente.

Tal circulabilidade é preservada inclusive depois da instalação software, mediante

a sua simples desinstalação.

Retomemos o ensinamento de Fran Martins, na procura de maior conforto:

[...] existem títulos de crédito em que não é expressamente mencionado o nome do beneficiário da prestação – são chamados de títulos ao portador. Nessas condições será considerada titular dos direitos incorporados no documento a pessoa que com ele se apresentar. Justifica-se a existência de títulos ao portador porque as obrigações assumidas pelos que participam dos títulos de crédito em regra não visam apenas uma pessoa determinada, mas a coletividade de pessoas que, futuramente, venham a participar dos mesmos [...] De fato, quando emite um título crédito, o emitente não se obriga apenas com o beneficiário imediato, pois estes títulos são destinados à circulação.

Impróprios são os títulos de crédito que não representam uma verdadeira operação de crédito, mas que, revestidos de certos requisitos dos títulos de crédito propriamente ditos, circulam com as garantias que caracterizam estes papeis. [...]

Por muitos incluídos entre os títulos de crédito impróprios, e, assim, não tratados isoladamente, mas dentro desta categoria, os títulos de legitimação são aqueles que dão ao portador não um direito propriamente dito, mas o de receber uma prestação de coisas ou serviços. É o caso dos bilhetes de espetáculos públicos, de passagens, conhecimentos de frete [...] com os quais o portador tem o direito de exigir a prestação de uma coisa ou serviço.

Dada sua grande difusão, os títulos de legitimação merecem fazer parte de uma categoria especial [...] já que a prestação a ser feita é futura, absorvem eles certas qualidades dos títulos de crédito, sendo, por isso, amparados por muitos dos princípios desses.

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(MARTINS, 2010, p.19, 22-23) (Grifamos)

Ante o exposto, resta altaneiramente claro, que as operações de comercialização de

software “de prateleira” têm natureza de operação comercial com títulos de crédito impróprios,

de legitimação e ao portador. O título, consubstanciado pela palavra-chave – verdadeiro sinal

de sua cartularidade – e tendo como pressuposto o correspondente contrato de licenciamento,

dá direito ao seu portador de concretizar, no futuro e sob sua vontade, o direito de uso (e gozo)

do software a partir da sua instalação. Observe-se que, diferentemente do que anota Fran

Martins, a prestação futura não é de coisas ou serviços, mas de gozo de um direito onerosamente

adquirido por via de cessão. Definitivamente, não se trata de operação mercantil, pois em

nenhuma etapa ou momento se observa, como objeto da transação, uma mercadoria, a saber,

um bem tangível.

Neste mesmo sentido observamos as considerações de Ascarelli, convalidando a noção

elástica dos títulos de crédito, que absorvem os títulos impróprios, dos quais a palavra-chave de

um software, apoiada no correspondente contrato de licenciamento, tipicamente de adesão, é

um exemplo hodierno e emblemático:

A característica comum dos títulos de crédito e dos títulos impróprios está na necessidade de apresentação do título para o exercício do direito e na sua função de legitimação; [...]

Nem, repetimos, há qualquer obstáculo lógico à adoção de um conceito mais vasto, porque nada veda aplicar o nome “título de crédito” a uma categoria mais ampla de documentos, na qual seriam distinguidos aqueles que a doutrina italiana aplica tal denominação.

(ASCARELLI, 2009, p.508)

Cumpre, ainda, perscrutar a motivação essencial para a emissão e circulação de títulos

de crédito na comercialização de licenças de software ao público de massa. A emissão, por parte

do titular autoral do software, de vários títulos de crédito com cessionários inominados,

viabiliza a distribuição, em larga escala, da cessão do direito de uso e a consequente

massificação do uso do software. De um lado, é indiferente, para o adquirente da licença, qual

outorga (palavra-chave) lhe será concedida, desde que lhe permita o acesso ao software, objeto

último da transação comercial. Por outro lado, os títulos podem ser livremente circulados no

mercado, dando fluidez à distribuição e comercialização. O fato dos títulos virem

acondicionados em chamativos e atraentes invólucros, é tão somente uma estratégia de

comunicação com os adquirentes da licença, não descaracterizando, por absoluto, a sua natureza

jurídica de cessão do direito de uso.

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Analisemos, então, a Comercialização da Era Digital...

A nova onda tecnológica, chamada de transformação digital, é caracterizada pela oferta

e o crescimento dos serviços na nuvem (cloud services), pela massificação do acesso à Internet,

por intermédio de acessos banda larga, e pela disseminação de novos dispositivos de acesso,

smartphones, tablets, dotados de alta capacidade de processamento e armazenamento, bem

como de interfaces gráficas de alta resolução, capazes de executar uma nova geração de

softwares de uso mais intuitivo e ricos em funcionalidades. Estas novas tecnologias estão

trazendo, consigo, o crescimento de alguns modelos de comercialização pré-existentes, porém,

não majoritários, e o surgimento de novas formas de comercialização.

Conforme já comentamos, as ofertas de aluguel de hardware não são novas. No entanto,

o crescimento e a diversificação das ofertas de aluguel aumentaram muitíssimo, transcendendo

a esfera dos equipamentos de mesa, desktops e notebooks. A proliferação de modernos

datacenters, com altos níveis de confiabilidade e disponibilidade, mercê (a) da redundância no

fornecimento de energia e na conexão com redes de dados – usualmente de alta velocidade via

fibras ópticas de várias operadoras distintas de telecomunicações – e (b) da segurança, tanto

física quanto cibernética, implementada com equipamentos de última geração e operada por

profissionais altamente especializados, potencializou o aluguel de servidores de alto

desempenho e dispositivos de armazenamento (storage) a partir um local distante da sede do

contratante. Mesmo sendo uma importante transformação cultural por parte das empresas

contratantes, acostumadas a acreditar na superioridade da segurança dos equipamentos de sua

propriedade e instalados “em casa”, esta modalidade também já vem sendo substituída pela

computação na nuvem (cloud computing) a ser abordada no próximo capitulo, e que também

tem como base o aluguel de hardware.

Em relação ao software, são duas as mudanças importantes trazidas pela Transformação

Digital: (a) a proliferação de lojas virtuais e entregas eletrônicas e (b) a comercialização de

licenças não perpétuas. É importante ressalvar que vivenciamos uma fase de transição, na qual

presenciamos a coexistência destas duas tendências com o modelo tradicional de licenciamento

perpétuo, na medida em que esse é substituído pelo modelo de comercialização da era digital.

O surgimento das lojas virtuais vem a reboque (a) da massificação dos acessos à Internet

em banda larga, com crescimento de 45,6% ao ano no Brasil desde 2009 até primeira metade

de 2016, chegando a 178,2 milhões de enlaces fixos e móveis, (b) do aumento de 91% da

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velocidade média dos enlaces fixos entre 2013 e o terceiro trimestre de 2016, chegando a 11,9

Mbps141 e (c) dos 152,1 milhões de enlaces móveis 3G/4G com velocidades entre 400 Kbps e

100 Mbps e velocidade média provida pelas operadoras no Brasil de 12,2 Mbps.142 São

exemplos de lojas virtuais: Apple App Store, Google Play e Microsoft Store. A Imagem 3 ilustra

as três referidas lojas.

Para usar a loja o candidato a usuário de software precisa se cadastrar. O processo

usualmente inicia-se com a escolha, por parte do usuário, de um identificador e uma senha, que

é uma espécie de identidade virtual, um endereço de correio eletrônico (e-mail), que equivale a

um domicílio da Internet. O usuário usará algumas destas informações, no futuro, para se

autenticar e ter acesso à loja – operação usualmente denomina log in ou login. A utilização de

dados biométricos, tais como, impressões digitais, já é realidade, substituindo, ainda que

parcialmente, as senhas. Complementarmente, o usuário fornece um meio de pagamento,

usualmente um cartão de crédito. Outras informações podem ser igualmente fornecidas pelo

usuário, tais como, endereço físico, número telefônico, e-mail alternativo, ou ainda, certas

preferências pessoais. Porém as essenciais são os dados de autenticação, o e-mail e o meio de

pagamento. O processo de compra se inicia com a autenticação do usuário na loja virtual, que

muitas vezes é substituído pela autenticação no dispositivo, smartphone, tablet ou mesmo

notebook. Após a seleção do software e a autorização de pagamento, o código-executável é

transferido eletronicamente para o dispositivo (download) e instalado automaticamente ou sob

comando do usuário. Dependendo da velocidade do enlace de acesso à Internet e do tamanho

do código-executável, a operação é concluída em um intervalo de alguns segundos até alguns

minutos. O contrato de licenciamento de software, com característica de contrato de adesão, é

usualmente disponibilizado na página do detentor do direito autoral na Internet, sendo esta

página usualmente referenciada na loja.

Há algumas diferenças importantes entre a compra de software em loja digital e a

compra tradicional de software. A primeira, e mais evidente, é a entrega do código-executável

por intermédio de download. Nada impediria que o código-executável continuasse sendo

141 Estatísticas derivadas das informações contidas em TELECO. Seção: Banda Larga Fixa. Estatísticas de Banda

Larga Fixa no Brasil. Acessos Banda Larga Fixa por Velocidade. Disponível na Internet na página http://www.teleco.com.br/blarga1.asp, acessada em 05/11/2015.

142 Valor médio derivada das informações contidas em: Tecnoblog. Qual operadora tem o 4G mais rápido do Brasil? Disponível na Internet na página https://tecnoblog.net/191851/4g-mais-rapido-brasil-operadoras/, acessada em 05/11/2015.

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entregue pelo correio no domicílio do usuário, armazenado em um corpus mechanicum, CD-

ROM ou DVD. Afinal, todas as mercadorias adquiridas em sítios de comércio eletrônico são

entregues desta maneira. Um enorme volume de TVs, geladeiras, tênis esportivos, compras de

supermercado, produtos de higiene e beleza e tantos outros, fabricados no Brasil ou importados,

já são adquiridos pela Internet e entregues fisicamente por intermédio de empresas de logística

e transporte (Imagem 4).

Imagem 3 – Lojas virtuais (esq. p/ dir.): Google Play, Apple App Store, e Microsoft Store

Imagem 4 – Portais de Comércio Eletrônico: Alibaba e Submarino.com

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De acordo com Fernando Santos, do portal e-commerce.org, o comércio eletrônico já é

um negócio por demais representativo no Brasil, movimentando R$ 52 bilhões e com sólidas

perspectivas de crescimento, em torno de 8% em 2016:

Qualquer análise, sob qualquer perspectiva, dos dados do comércio eletrônico no Brasil é impressionante. Enquanto a estimativa é de recuo do PIB em 3,35%, a expectativa de crescimento do e-commerce é de 8% no mesmo ano.

Esse mercado atende 66 milhões de clientes (sempre em crescimento) e movimenta 52 bilhões de reais.

Veja as características principais do e-commerce no Brasil:

– Moda é líder, responde por 14% das vendas;

– 30% das vendas são realizadas através de dispositivo móvel;

– 39% das vendas estão isentas de frete;

– R$ 298 é o ticket médio.

(SANTOS, 2016)143

Como se explica, então, que a entrega de software não se beneficie do mesmo modus

operandi do comércio eletrônico? Primeiramente, porque por mais veloz que uma encomenda

seja entregue por meio dos sistemas logísticos, a entrega via transmissão pela Internet é mais

rápida... muito mais rápida. Em segundo lugar, porque o código-executável, uma sequência de

bits (zeros e uns) que só existe em meios eletrônicos, magnéticos e ópticos, é intangível. Como

já dissemos, o código-executável, um bem intangível, dá acesso ao direito cedido uso (e gozo)

de um software, que por sua vez, também é um bem intangível, de acordo com Lei de Software,

Art.2º, visto que é direito de autor. Em suma, nem o código-executável e nem o software são

mercadoria e, portanto, jamais poderiam ser objeto da incidência do ICMS. Em que pese

sejam objeto de operações comerciais, tais operações não são classificáveis como mercantis.

Outra diferença importante é que a operação comercial efetuada em loja virtual

prescinde da palavra-chave. Mas como se explica? Ora, uma vez que o comprador da licença

de uso já está plenamente identificado na loja, não há a necessidade de um título de crédito. O

sinalagma é estabelecido diretamente entre as partes, a saber, entre o titular do direito autoral

sobre o software e cedente do direito de uso (e gozo) e o cessionário do direito de uso. As lojas

virtuais acabam se tornando verdadeiros cartórios eletrônicos, sendo curadoras do registro de

143 SANTOS, Fernando. O comércio eletrônico no Brasil. 28 de agosto de 2016. Disponível na Internet,

http://www.e-commerce.org.br/o-comercio-eletronico-no-brasil/, acessado em 06/11/2016

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todas as operações comerciais de licenciamento de software entre os cedentes e seu respectivos

cessionários. Se pairava, até então, alguma dúvida sobre a natureza na palavra-chave, no sentido

de ser pressupostamente a consubstanciação mercantil do software, sua prescindibilidade nas

transações por intermédio de lojas virtuais demonstra o contrário.

Também é óbvio que nas transações em lojas virtuais, não se observa nenhum resquício

das atividades que foram alegadas pelo Estado de São Paulo no RE 176.626/SP como

indicativas de operação mercantil. Não há uma produção industrial voltada à replicação do

software. Tampouco há formação de estoque no ponto de venda. A cópia do código-executável

armazenada na loja virtual é simplesmente transmitida através da Internet, para o dispositivo

computacional do comprador-cessionário.

Observe-se, ainda, que mesmo as lojas de empresas licenciadoras de software próprio

também comercializam licenças de software de terceiros. Note-se, de plano, que desaparece a

pretensão à exclusividade em favor da promoção do crescimento do próprio mercado como um

todo, indício de saudável autorregulação dos agentes econômicos em favor da maximização do

benefício-social (total-welfare). Por outro lado, há que se observar que os acordos de revenda

entre empresas licenciadoras de software próprio e empresas especializadas em comercialização

não são propriamente novos, pois já eram usados na comercialização tradicional. Com efeito, o

Art. 8º da Lei de Software faz alusão a dois sujeitos envolvidos na operação de comercialização

de software, a saber, o “titular dos direitos do programa” e o “titular dos direitos de

comercialização”. Assim previsto em lei, os titulares dos direitos de comercialização passam,

na Era Digital, a comercializar software de forma virtual, seja a partir de páginas na Internet,

seja a partir de seus próprios aplicativos de lojas virtuais, aplicativos, estes, que sendo também

softwares, são licenciados para uso em caráter não oneroso (vide Imagem 5).

Reitere-se, o que se espera já claro: não há natureza mercantil em operações de

comercialização de software por intermédio de lojas virtuais, como de resto, em nenhuma

modalidade de comercialização.

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Imagem 5 – Lojas Virtuais como Apps de smartphone: Submarino, Alibaba e Kalunga

Outro aspecto que tem se tornado cada vez mais prevalente na Era do Conhecimento é

o licenciamento de software por tempo definido, curto. A Imagem 6 ilustra a situação de

transição. Em meio a duas ofertas no modelo tradicional, despontam três ofertas de licença de

software com licenciamento apenas por um ano: (1) Office 365 Home Premium 5 Licenças

(PCs ou Macs) Assinatura Anual - Microsoft CX 1 UN; (2) Norton Security 3.0 3 dispositivos

1 Ano Symantec CX 1 UN; e (3) Office 365 Home Assinatura - Licença Anual - DOWNLOAD

Microsoft CX 1 UN. Destaque-se ainda que a entrega do item (3), supra, se dá por intermédio

de transferência eletrônica. Ora, a natureza perpétua das licenças comercializadas no modelo

tradicional do coloquialmente chamado de “software de prateleira” nunca fora inteiramente

perpétua, uma vez que o titular autoral do software sempre teve a prerrogativa de determinar

uma data a partir da qual deixaria de dar suporte, prerrogativa, aliás reconhecida pela Lei de

Software no Art. 7º sob a denominação de validade técnica da versão.144 O conceito de

licenciamento perpétuo pode ter sido um dos aspectos que induziram alguns a crer na natureza

mercantil do software, na medida em que se assemelha à tradição de uma mercadoria.

144 Lei nº 9.609/1998. Lei de Software

Art. 7º O contrato de licença de uso de programa de computador, o documento fiscal correspondente, os suportes físicos do programa ou as respectivas embalagens deverão consignar, de forma facilmente legível pelo usuário, o prazo de validade técnica da versão comercializada. (Grifamos)

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Entretanto, não existe limitação temporal para a cessão de direito, haja vista, à guisa de

exemplos, (i) o usufruto vitalício, que, embora não seja propriamente perpétuo, o é sob a ótica

do usufrutuário já que o direito tem efeito enquanto for vivo, e (ii) o usufruto indígena, previsto

na CF/88, Art. 231.

Imagem 6 – Comercialização de licenças de software por tempo definido

A introdução de licenciamento de uso do software por tempo definido – e

substantivamente mais curto que outrora – não enfrenta nenhum obstáculo legal, conforme

depreende-se do Art. 50 da Lei de Direitos Autorais,145 que autoriza cessão total ou parcial sem

referência a nenhuma limitação, desde que exercido na vigência do direito do autor disposto no

Art. 2º, §2º da Lei de Software,146 que é de cinquenta anos.

Esta nova modalidade de comercialização, combinada com a caracterização de

direito autoral como bem móvel, conforme disposto no Art. 3º da Lei de Direitos Autorais147

145 Lei nº 9.610/1998, Lei de Direitos Autorais

Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. 146 Lei nº 9.609/1998. Lei de Software

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. § 2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de computador pelo prazo de cinquenta anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação.

147 Lei nº 9.610/1998, Lei de Direitos Autorais Art. 3º Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.

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e, ainda mais, na qualidade de direito pessoal de caráter patrimonial, conforme disposto no

Código Civil, Art. 83, III,148 traz à tona o âmago da natureza jurídica do licenciamento de

uso (e gozo) de software: trata-se de aluguel de bem móvel!

Todavia, conforme comentamos no capítulo 3.7.1 e a contrario sensu desta conclusão,

temos o disposto no subitem 1.05 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003,

dispondo a incidência de ISS sobre “1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de

programas de computação”. O diploma complementar das obrigações de fazer – aprovado no

Congresso Nacional, pouco mais de três anos após votado o Acórdão relativo ao

RE 161.121/SP – incluía o subitem “3.01 – Locação de bens móveis”, em claro confronto com

a decisão do Pleno da Suprema Corte. Diligente com suas responsabilidades constitucionais, o

Presidente da República, ouvidos vários Ministérios, veta o referido subitem, justificando-o

com a Mensagem nº 362 de 31 de julho de 2003, transcrita a seguir:

Mensagem nº 362, de 31 de julho de 2003

Senhor Presidente do Senado Federal

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 161, de 1989 Complementar. [...]

[...] o Ministério da Fazenda optou pelo veto aos seguintes dispositivos: [...]

"3.01 – Locação de bens móveis."

Razões do veto

O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário [...] em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão "locação de bens móveis" constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional [...]. O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido [...] Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável." Em assim sendo, o item 3.01 da Lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado, fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis.

(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2003) (Grifamos)

148 Código Civil

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: [...] III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

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Pois bem, a mesma incompatibilidade constitucional observada pelo Presidente da

República também estava e ainda se faz presente no tocante ao subitem 1.05, tendo em vista

que o direito autoral de software tem natureza de bem móvel, de acordo com o inafastável

Código Civil, e que o seu licenciamento oneroso tem característica de aluguel, por se tratar de

obrigação de dar e não de fazer.

Em conclusão, a incidência tributária sobre o licenciamento de uso de software emerge

da interpretação conforme a constituição – em especial conforme o Sistema Tributário Nacional

em seus Arts. 155 e 156 – de dois diplomas complementares.

Primeiramente, é inconstitucional a incidência de ICMS sobre a comercialização de

licenças de uso (e gozo) de software, porquanto, não se verifica natureza mercantil. A cessão

de direito de uso (e gozo) de bem móvel intangível e protegido por direito de autor, realizada

comercialmente, não é comprometida e nem assume natureza mercantil quando se dá

acompanhada de corpus mechanicum, tendo em vista que (i) a palavra-chave é um título de

crédito ao portador, impróprio e de legitimação, que instrumentaliza a circulação do direito de

uso (e gozo), e que (ii) o substrato físico (óptico, magnético ou de qualquer outra natureza) que

armazena o código-executável – sendo, este, de natureza intangível – é o viabilizador do uso (e

gozo) de software – também um bem intangível – por parte do cessionário, por intermédio da

instalação. Tampouco há incidência de ICMS na comercialização de licenças de uso (e gozo)

software com transmissão eletrônica do código-executável, seja ela feita a partir de compras

realizadas em lojas físicas ou em lojas virtuais, tendo em vista que nem o modo de

comercialização e tampouco a transferência eletrônica desnaturam a essência do licenciamento

de uso (e gozo) como cessão de direito sobre bem móvel intangível.

Outrossim, é inconstitucional a incidência de ISS sobre a comercialização de licenças

de uso (e gozo) de software, porquanto, não se verificar natureza obrigacional de fazer, núcleo

da prestação de serviços que, no dizer do Min. Marco Aurélio é “envolvido na via direta do

esforço humano” e que, portanto, é fato gerador do ISS, tratando-se sim de um aluguel de bem

móvel intangível, subsumindo-se a jurisprudência assentada no RE 161.121/SP e plasmada na

Súmula Vinculante nº 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de

qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis” (STF). Assim sendo, o

subitem 1.05 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 é

inconstitucional e também deveria ter sido vetado, à exemplo do ocorrido com o subitem 3.01

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 155/226

Ante ao exposto – com lastro na doutrina e na jurisprudência – não cabe, no figurino

tributário constitucional, a incidência de qualquer imposto sobre a comercialização de

licenças de uso (e gozo) de software!

A moderna sistemática brasileira de controle concentrado de constitucionalidade conta,

dentre outros instrumentos, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória

de Constitucionalidade, ambas de competência originária do Supremo Tribunal Federal e

disciplinadas pela Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. O Art. 28, parágrafo único do

referido diploma enumera quatro possíveis resultados do escrutínio do Pretório Excelso sobre

arguições de constitucionalidade trazidas ao seu conhecimento, a saber: a declaração de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, a interpretação conforme a Constituição e a

declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Tendo em vista o exercício

hermenêutico empreendido a respeito da incidência tributária sobre software, e as conclusões

às quais chegamos, é útil enquadrá-las na moldura da técnica de apreciação de

constitucionalidade. O Min. Gilmar Mendes, em artigo intitulado “O Sistema Brasileiro de

Controle de Constitucionalidade” elabora, comparativamente, sobre interpretação conforme a

constituição e declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, técnicas pertinentes

ao exercício exegético que ora concluímos:

A interpretação conforme à Constituição levava sempre, no direito brasileiro, à declaração de constitucionalidade da lei. Porém, como já se disse, há hipóteses em que esse tipo de interpretação pode levar a uma

declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto.

[...]

Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica, expressas na parte dispositiva da decisão (a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro)

(MENDES, 2012, p.552)

Com base no ensinamento do Ministro, as conclusões a que chegamos sobre a incidência

de impostos sobre software podem ser sumarizadas em duas declarações:

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 156/226

(i) É inconstitucional a incidência de ISS sobre software em decorrência da

inconstitucionalidade do subitem 1.05 da Lista de serviços anexa à Lei

Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 por afronta à jurisprudência do

STF plasmada na Súmula Vinculante nº 31, pois, tendo em vista que o direito

autoral de software – disposto no Art. 2º da Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro

de 1998, “Lei de Software” – tem natureza jurídica de bem móvel – de acordo

com o Art. 3º da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, “Lei de Direitos

Autorais”, e com o Art. 83, III, do Código Civil, na medida em que o direito

autor é um o direito pessoal de caráter patrimonial –, o licenciamento ou cessão

de direito de uso de programas de computador (software) constitui-se em

aluguel de bem móvel; e

(ii) É inconstitucional a incidência de ICMS sobre software a partir de

interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, da Lei

Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, e de quaisquer leis ou decretos

de entes federados que gozem da correspondente competência tributária, pois,

tendo em vista que o direito autoral de software – disposto no Art. 2º da Lei

nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, “Lei de Software” – tem natureza

jurídica de bem móvel – de acordo com o Art. 3º da Lei nº 9.610, de 19 de

fevereiro de 1998, “Lei de Direitos Autorais”, e com o Art. 83, III, do Código

Civil, na medida em que o direito de autor é um direito pessoal de caráter

patrimonial – e que, portanto, não se coaduna com a natureza jurídica de

mercadoria, o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de

computador (software) constitui-se em aluguel de bem móvel, subsumindo-

se a Súmula Vinculante nº 31, e a circulação do licenciamento no mercado

consumidor constitui-se em circulação comercial de direito creditório, não

se caracterizando como circulação mercantil, seja com o código-executável

disponibilizado por intermédio de corpus mechanicum ou por transferência

eletrônica (download) ou embarcado em dispositivo computacional,

acompanhado ou não de palavra-chave, tendo, esta, a natureza de título de

crédito.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 157/226

3.8 Incidências tributárias constitucionais sobre serviços na nuvem

Os comercialmente denominados serviços na nuvem são fruto de vários

desenvolvimentos tecnológicos e econômicos ocorridos gradualmente ao longo dos últimos 20

anos. Para determinarmos a subsunção tributária é necessário entender a natureza técnica dos

fenômenos econômicos envolvidos como meio para se chegar a natureza jurídico-tributária das

operações.

O avanço na tecnologia de servidores, com contínuo aumento de capacidade

computacional e de armazenamento de dados, conjugado com o aumento da velocidade e a

banda de transmissão das redes ópticas permitiu que as infraestruturas computacionais

pudessem ser instaladas em lugares outros que não necessariamente nas instalações das

empresas, cada vez mais dependentes da tecnologia da informação e comunicação para

conduzir seus negócios com eficiência e agilidade. Tal evolução propiciou condições

mercadológicas para o surgimento de empresas interessadas em investir na construção de

datacenters, com o fito de prover infraestrutura computacional remota e serviços operacionais

correlatos especializados. As ofertas dos novos provedores de infraestrutura de TIC trouxeram,

como vantagens, ganhos de escala, equipes especializadas e constantemente atualizadas, alta

disponibilidade – em função de redundância das fontes de energia e das conexões com redes de

fibra ótica – e segurança operacional, tanto patrimonial quanto cibernética, compatível ou em

nível superior ao alcançado pelas empresas contratantes – que não têm na TIC sua atividade

principal – com suas infraestruturas e equipes próprias. Este modelo de negócios, denominado

nos seus estágios iniciais, de IT outsourcing (terceirização de TI), incluía, também, o

fornecimento de licenças de softwares de aplicação e outros serviços especializados, tais como,

service desk, a saber, suporte e atendimento remoto de computadores de mesa e notebooks, bem

como, manutenção, serviços de campo e gestão dos processos de governança de TI. Nos

primórdios, prevalecia o modelo de aluguel de espaço no datacenter, incluindo quota de

consumo de energia, conjugado à compra dos equipamentos (hardware) e softwares por parte

das empresas contratantes. Gradualmente, os provedores de datacenter – impulsionados,

possivelmente, por melhores condições de custo decorrentes de compras em escala e capacidade

de investimento – passaram a ofertar também o aluguel do hardware.

O salto para a oferta de computação na nuvem (cloud computing) se deu com a

tecnologia de virtual machines (máquinas virtuais, ou VM), que, embora já fosse utilizada em

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computadores mainframe desde a década de 1960, amadureceu e proliferou-se no hardware

típico dos computadores de mesa. É meritosa, portanto, uma breve incursão no tema. Os

softwares são tecnicamente classificados em função de sua funcionalidade e da proximidade

com o que operam com o hardware. Os sistemas operacionais – dos quais Windows, MacOS,

Linux, Android e iOS são exemplos emblemáticos – são classificados como softwares básicos,

na medida em que organizam a forma como os demais softwares fazem uso do hardware. Uma

aplicação de planilha eletrônica (Microsoft Excel ou Apple Numbers, por exemplo) ao ler ou

escrever um arquivo no disco do computador, o faz por intermédio do sistema operacional.

Quando um navegador da Internet acessa uma página Web, as mensagens enviadas e recebidas

através da rede local, são feitas por intermédio do sistema operacional. Usualmente, instalamos

somente um sistema operacional no hardware, seja um notebook, um smartphone ou um

servidor. Pois bem, as máquinas virtuais ou VMs, são implementadas por um software que

opera ainda mais próximo ao hardware (infra sistema operacional) possibilitando que

computador físico seja compartilhado por vários sistemas operacionais, como se fossem vários

computadores independentes. Em um mesmo computador tipo notebook, por exemplo, pode-se

ter duas máquinas virtuais, ou VMs, uma executando o Windows e outra MacOS, possibilitando

ao usuário da máquina “real” usar (e gozar) as aplicações de sua preferência, que funcionem

melhor em um ou outro sistema operacional.

Ora, com o aumento do poder computacional dos servidores, muitos deles passaram a

ficar ociosos por longos períodos. Por exemplo, o fechamento financeiro das empresas, ao final

de cada mês, costuma ser um período de alta demanda computacional, em comparação com dos

demais dias. Similarmente, o comércio, varejista ou eletrônico, usualmente atinge o pico das

suas transações no Dia das Mães, nas Festas Natalinas e no Fim de Ano. Durante as férias

escolares há um deslocamento da população consumidora para balneários e áreas turísticas,

reduzindo várias atividades nas grandes cidades. Assim, o compartilhamento da capacidade

computacional entre usuários, com distintos perfis de utilização, faz todo sentido econômico.

Pois bem, com a tecnologia de virtualização, várias VMs podem ser criadas sobre um mesmo

processador físico, cada qual podendo ser alugada para usuários distintos. A contínua evolução

da tecnologia possibilitou, ainda, a virtualização de hardware de armazenamento (storage) e de

rede, tipicamente, rede IP e respectiva conexão com a Internet. Avanços mais recentes nos

softwares de gestão de infraestrutura computacional, possibilitam, também, que a capacidade

computacional alugada possa ser aumentada ou reduzidas em função das necessidades e que a

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carga computacional seja balanceada entre várias máquinas físicas, podendo estar, até mesmo,

localizadas em distintos datacenters. A Imagem 7, que corresponde à visão da VMware, de um

relevante provedor de tecnologia, que ilustra, em grandes blocos, a arquitetura dos módulos de

software que compõe a solução de virtualização de datacenters, denominados pelo provedor de

Arquitetura de Datacenters definidos por Software (Software-Defined Datacenter — SDDC).149

Observa-se, na base, os três grandes módulos de virtualização, a saber, de computação,

armazenamento e rede, o módulo superior de gestão de nuvem e as aplicações que se apoiam

na estrutura virtualizada. A gestão da nuvem compreende a operação dos elementos (hardware

e software) que compõem a solução disponibilizada na nuvem, cloud ops, a produção de

indicadores de desempenho dos diversos elementos para fins de ajustes e otimização do uso dos

elementos, analytics, os módulos que viabilizam as ofertas comerciais, business, e a automação

de tarefas rotineiras, cloud automation.

Imagem 7 – Arquitetura de Datacenters definidos por Software150

Uma característica importante introduzida nas ofertas de computação na nuvem é

contratação realizada remotamente através da Internet, por intermédio de portais que permitem

149 Software-Defined Data Center (SDDC) Architecture 150 VMware, Inc. VMware Cloud Foundation: The Unified Platform For Private And Public Cloud. Disponível

na Internet, http://www.vmware.com/content/dam/digitalmarketing/vmware/en/pdf/whitepaper/products/vmware-cloud-foundation-whitepaper.pdf, acessado em 12/11/2016.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 160/226

ao usuário especificar, com agilidade, as características técnicas e a capacidade desejadas. A

Imagem 8 ilustra, esquematicamente, como o usuário pode configurar, remotamente, a

capacidade computacional e as características técnicas de CPU, memória e armazenamento,

além do sistema operacional de sua preferência, Linux ou Windows, no exemplo.

O modelo de contratação, conhecido como pay-per-use, é baseado em pagamento

realizado na medida da utilização da plataforma. O provedor determina um preço unitário, em

função do tipo de máquina virtual especificada, e uma unidade de utilização, por exemplo,

tempo de processamento ou de uso do armazenamento. O cálculo do valor devido pelo

contratante pode ser realizado ao final de um período avençado ou periodicamente, por

exemplo, mensalmente. A Imagem 9 ilustra o cálculo e a emissão da fatura para uma

modalidade de contratação denominada de on-demand, na qual o contratante não assume

nenhum compromisso de utilização mínima.

Imagem 8 – Configuração da oferta de computação na nuvem Amazon EC2151

151 Amazon EC2 – Hospedagem de servidor virtual. Disponível na Internet, https://aws.amazon.com/pt/ec2/,

acessada em 12/11/2016.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 161/226

Os exemplos de computação na nuvem referidos nas ilustrações são da oferta Amazon

Elastic Compute Cloud (Amazon EC2), que compõe o portfólio Amazon Web Services

(Amazon AWS). De acordo James Maguire,152 citando estudo do Gartner denominado Magic

Quadrant for Cloud Infrastructure, a Amazon é a líder no provimento de computação na

nuvem, estando a Microsoft em segundo lugar. Esta situação é ratificada em artigo publicado

por Pedro Hernandez no portal Datamation, com base em estudo do Synergy Research Group

que avalia também dois outros tipos de ofertas, a saber PaaS e Private Cloud, com base nos

resultados financeiros do 3º trimestre de 2016.

Imagem 9 – Precificação e pagamento da computação na nuvem Amazon EC2144

152 Webopedia. Cloud Computing Market Leaders, 2015, by James Maguire. Posted June 09, 2015. Disponível

na Internet, http://www.webopedia.com/Blog/cloud-computing-market-leaders-2015.html, acessada em 12/11/2016.

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Imagem 10 – Liderança do mercado de computação na nuvem, base 3T-2016

A oferta de computação na nuvem, conforme descrevemos, é referida pelos analistas de

mercado como Infrastructure as a Service ou IaaS. Há ainda outras duas categorias de ofertas.

Platform as a Service ou PaaS é usualmente caracterizada como sendo uma oferta de softwares

relacionados à infraestrutura podendo incluir softwares de apoio para aplicações de propósito

específico, tais como, sistema de gerenciamento de banco de dados e plataformas de

desenvolvimento ou integração de aplicações. Neste sentido, a oferta de PaaS pode ser ou não

conjugada à oferta de IaaS.

Software as a Service ou SaaS é usualmente caracterizado como sendo uma oferta de

softwares de aplicação, ou seja, são considerados mais distantes da camada de infraestrutura e

têm funcionalidades voltadas a problemas específicos. SaaS ou software na nuvem é

disponibilizado em diversas formas. Em computadores pessoais, é usual o acesso ao software a

partir de navegadores da Web153. Em smartphones ou tablets, aplicativos específicos são

disponibilizados para os vários sistemas operacionais, em complemento ao acesso através dos

navegadores da Web. O software na nuvem, em si, é usualmente executado em servidores de

alta performance localizados em datacenters conectados à Internet – daí o conceito de nuvem.

153 Exemplos de navegadores da Web (ou Web Browsers) são: Apple Safari, Google Chrome, Microsoft Internet

Explorer e Mozilla Firefox. Usualmente são softwares gratuitamente disponibilizados através de downloads.

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Os aplicativos de acesso (vulgarmente denominados Apps) são disponibilizados através de

download, em certos casos gratuitamente e em certos casos com custo. Quando o App é objeto

de cobrança, usualmente o preço cobre também o software executado nos servidores localizados

nos datacenters. A cobrança do software na nuvem é usualmente mensal, podendo variar em

função de certos parâmetros, tais como, número de usuários, capacidade de armazenamento,

extensões ou funcionalidades adicionais, voltadas ou não para clientes empresarias. Não se

verifica a comercialização de software na nuvem por intermédio de licença de uso perpétuo, em

consequência do desaparecimento do próprio conceito de versão. Espera-se, com o SaaS, um

processo contínuo de atualização do software na nuvem. A Imagem 11 apresenta exemplos de

software na nuvem: (a) os sistemas ERP, Enterprise Resource Planning, da TOTVS, ofertados

com base na solução de IaaS da Amazon;154 (b) sistema de CRM, Customer Relationship

Management para vendas da Salesforce; e (c) Dropbox, sistema de armazenamento de arquivos

em pastas.

Imagem 11 – Softwares na nuvem: TOTVS (ERP); Salesforce (CRM); Dropbox.

Ante o exposto, há quem possa ainda conjecturar: porque computação na nuvem?

154 A TOTVS é a maior empresa brasileira de software, especializada em sistemas ERP, Enterprise Resource

Planning, ferramentas essenciais de gestão empresarial. A empresa atingiu em 2015, após a fusão com a Bematech, uma receita total de R$ 2,26 bilhões.

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De acordo com Antonio Regalado, no relatório “Who Coined 'Cloud Computing'?”

publicado no MIT Technology Review155, a expressão surgiu inicialmente em 1996 num

relatório interno produzido por executivos de tecnologia da Compaq versando sobre o futuro

das aplicações na Internet. À época presenciava-se o início da disseminação do protocolo HTTP

da World Wide Web, impulsionado pela massificação do navegador Netscape.156 Na

Wikipedia157 encontramos uma explicação que, no meu entendimento, faz muito sentido, ainda

mais em termos de influência prévia sobre a inspirada conceituação que tiveram os jovens

executivos da Compaq. Entre as décadas de 1980 e 1990 as redes de dados passaram por grandes

transformações, evoluindo da arquitetura ponto a ponto, para redes de comutação de pacotes

com protocolos de conexão, tais como, X.25 e ATM, para, por fim, ver-se dominante, a adoção

do protocolo IP, com roteamento dinâmico sem conexões (connectionless protocol). As

apresentações técnicas e comerciais desta época comparavam as duas estruturas de rede a partir

de duas imagens marcadamente distintas. As redes com protocolo de conexão eram

representadas como linhas retas conectando cada par de elementos de rede – a saber,

computadores, servidores, etc, – apresentando-se como um verdadeiro emaranhado de linhas,

representativo da complexidade arquitetural e operacional. Em contraste, as novas redes IP

eram representadas pela substituição do emaranhado de “fios” por uma nuvem, à qual se

conectavam todos os elementos de rede por um “único fio”. Não é sem razão o comentário de

Reuven Cohen, citado por Antonio Regalado: “The cloud is a metaphor for the Internet. It’s a

155 Who Coined 'Cloud Computing'? by Antonio Regalado. October 31, 2011. MIT Technology Review.

Disponível na Internet, https://www.technologyreview.com/s/425970/who-coined-cloud-computing/, acessada em 13/11/2016.

156 No período entre 02/1995 e 07/1996 trabalhava eu no centro de pesquisa e desenvolvimento da Nortel Networks em Richardson, Texas, depois de ter concluído o Mestrado em Ciências da Computação na University of Texas at Austin. O ambiente tecnológico à época era de total ebulição. Presenciávamos várias tendências tecnológicas evoluindo paralelamente e invadindo o mercado com incrível velocidade. Após a disseminação do Mosaic, navegador da Web desenvolvido pela University of Illinois at Urbana-Champaign e distribuído gratuitamente para as universidades norte-americanas, víamos a disponibilização do Netscape para o grande público, na medida em vinham instalados nos novos notebooks com Windows. Michael Dell havia introduzido, a partir de Austin, o seu modelo de venda de notebooks pela Web, no qual os compradores podiam escolher a própria configuração. O FCC, após a quebra do monopólio da AT&T nas telecomunicações, licitava uma nova faixa de frequência para a nova geração dos serviços celulares, o PCS 1900, abrindo o caminho para a massificação das tecnologias digitais CDMA e GSM, que viriam viabilizar o início dos serviços de comunicação de dados sem fio (wireless), precursores dos atuais 3G/4G e do 5G que já começa a ser testado. No primeiro semestre de 1996, com base em proposta de minha iniciativa, o grupo da Nortel Networks no qual trabalhava desenvolveu a primeira interface de usuário com tecnologia Web para o módulo Billing Mediation Device que equipava as centrais de telefonia celular padrão GSM produzidas pela empresa. Mesmo com tantas inovações, era difícil antever o estágio em que chegamos. Porém, um olhar em retrospectiva, nos autoriza, agora, a imaginar um futuro ainda mais pujantemente inovador, tanto no tocante à evolução tecnológica quanto em relação ao desenvolvimento de novos modelos de negócio. De certo modo, é a Lei de Moore viabilizando a destruição criativa de Schumpeter.

157 Cloud computing. History. Origin of the term. Wikipedia. Disponível na Internet, https://en.wikipedia.org/wiki/Cloud_computing, acessada em 13/11/2016

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rebranding of the Internet”. Entendemos ser esta a melhor interpretação semântica da nuvem.

Se, na sua origem, a nuvem representava a rede IP incluindo cada um dos elementos conectados,

em especial os conectados à Internet, então, pela virtude de ser rede, a nuvem (ou “a cloud”,

como já se diz aportuguesadamente) é um locus que abrange tudo o que nela se conecta,

independentemente de onde estejam fisicamente. Daí a minha preferência pela preposição “na”

ao invés da preposição “em” na tradução da expressão inglesa. Trata-se de uma computação

ofertada e executada na nuvem, a saber, executada em algum computador, instalado em algum

datacenter, em algum lugar do mundo, que, estando conectado à Internet, se torna disponível

para o contratante, que também está, pressupostamente, conectado à Internet, também está na

nuvem. A Internet é o novo habitat no qual seres humanos, hardwares e softwares constroem

um novo ecossistema, ao qual já aludimos no capítulo 2.8, item ‘a’. Em seu artigo, Antonio

Regalado considera que, após um período marcado por muita polissemia, uso da expressão

cloud computing no sentido que a entendemos atualmente foi empregado pela primeira vez em

09/08/2006 por Eric Schmidt, então CEO do Google:

What’s interesting [now] is that there is an emergent new model,” Schmidt said, “I don’t think people have really understood how big this opportunity really is. It starts with the premise that the data services and architecture should be on servers. We call it cloud computing—they should be in a “cloud” somewhere.158 (Grifamos)

Com o lançamento das ofertas da Amazon, Microsoft e IBM, a expressão ganhou

popularidade na medida da expansão mercadológica.

Assim sendo, entendemos que cloud computing é melhor traduzido por computação na

nuvem e SaaS é mais adequadamente expresso como software na nuvem.

Passemos, então, à subsunção das ofertas aos conceitos jurídicos pátrios...

O primeiro desafio que devemos enfrentar é a da própria terminologia mercadológica

da oferta, que, adotou a posteriori, a denominação de serviço, a saber: IaaS, Infraestrutura como

Serviço; PaaS, Plataforma como Serviço; SaaS, Software como Serviço. Impende entender a

escolha da terminologia e desmistificá-la com base na análise comparativa entre a percepção

mercadológica e a caracterização jurídica. Em temos gerais, não é incomum a percepção de que

há dois mercados, caracterizados por dois tipos de operação, a saber, (a) as operações

158 Who Coined 'Cloud Computing'? by Antonio Regalado. October 31, 2011. MIT Technology Review.

Disponível na Internet, https://www.technologyreview.com/s/425970/who-coined-cloud-computing/, acessada em 13/11/2016.

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comerciais, envolvendo produtos primários, agrícolas ou minerais, e industrializados, e (b) as

operações de serviço, envolvendo todo restante, incluindo serviços financeiros, serviços de base

laboral e até alugueis. Tal conceituação dicotômica, possivelmente mercê de sua simplicidade,

permeia o senso comum. Relembremos, então, a partir das descrições e arrazoado dos capítulos

3.6 e 3.7, que os mercados de hardware e software vêm passando por várias e importantes

transformações, sendo uma das mais importantes, sob a ótica negocial, a disseminação das

contratações no modelo de aluguel em detrimento das operações de compra de venda. Tais

transformações ocorreram tanto no hardware, com o aluguel de equipamentos (hardware),

instalados tanto nas premissas dos contratantes quanto em datacenters de terceiros, quanto no

aluguel de licenças de uso (e gozo) de software, por tempo definido, ambos com pagamentos

usualmente mensais ou mesmo anuais. Ora, se tudo que não for compra e venda é, pelo senso

comum, serviço, então o aluguel de equipamentos em datacenters é mais facilmente

comunicável pela expressão “Infraestrutura como Serviço” e bem assim o aluguel de licença de

uso (e gozo) de software como “Software como Serviço”. Com efeito, e ainda para reiterar o

emprego do termo serviço, no âmbito da tecnologia de software, rotinas recorrentes são

usualmente denominadas como serviço.159 Todavia, como já observamos, a subsunção

tributária, conforme o Art. 110 do CTN, se dá a partir da definição, do conteúdo e do alcance

de institutos, conceitos e formas do direito privado, sejam eles expressos ou implícitos. De

acordo com a regra exegética do Diploma Tributário, a denominação comercial de uma

operação só tem relevância na medida em que, ela mesma, se coaduna com a conceituação

jurídica.

Vejamos então a incidência tributária... iniciando pela computação na nuvem.

Com base na descrição, empreendida neste capítulo, e as subsunções tributárias sobre

hardware e software, discutidas e evidenciadas dos capítulos 3.6 e 3.7, entendemos que a oferta

de computação na nuvem envolve três operações distintas: (i) a disponibilização onerosa e à

distância de servidor(es) e demais hardwares localizados em datacenters e que tem natureza

jurídica de aluguel bens móveis; (ii) o licenciamento oneroso de softwares, tais como,

virtualização de máquinas, sistema operacional e outros softwares de gestão de infraestrutura –

incluindo gestão de balanceamento de carga de processamento – que tem natureza jurídica de

159 À guisa de exemplo, ao executarmos o comando services.msc no Windows 10, o sistema abre uma janela com

uma lista de módulos denominados serviços. Dentre eles destacamos: Agente de Eventos do Sistema, Backup do Windows, Serviços de Criptografia, Windows Search e Windows Update.

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aluguel bens móveis por e se tratar de cessão onerosa de direito de uso (e gozo) de direito

pessoal intangível; e (iii) serviços técnicos de comissionamento, operação, suporte e

manutenção dos hardwares e dos softwares, serviços estes de base laboral e prestados no(s)

datacenter(s), e também serviços de atendimento e suporte aos usuário, usualmente prestados

à distância, também de base laboral. Avaliando-se as operações à luz do direito das obrigações,

constatamos que (i) e (ii) são obrigações de dar e (iii) congrega obrigações de fazer.

Assim sendo, no tocante às hipóteses de incidência tributária, conclui-se que:

(i) Aluguel de Hardware: na operação de disponibilização onerosa de hardwares

localizados em datacenters, por se tratar de aluguel de bens móveis, não há

incidência de ISS de acordo com a Súmula Vinculante nº 31, derivada do RE

116.121/SP, e, por conseguinte, não há incidência de nenhum outro imposto.

(ii) Licenciamento de Software: na operação de licenciamento oneroso de softwares

não há incidência de ICMS, por não se caracterizar a operação mercantil, e, por

se tratar de cessão de uso (e gozo) de direito pessoal de caráter patrimonial,

conforme o Art. 83, III, do Código Civil, tendo natureza jurídica de aluguel de

bens móveis, não há incidência de ISS de acordo com a Súmula Vinculante nº

31, derivada do RE 116.121/SP, e, por conseguinte, não há também incidência

de nenhum outro imposto.

(iii) Serviços Técnicos: na operação de prestação de serviços técnicos de base

laboral prestados à distância, há a incidência de ISS, conforme subitem 1.07 da

Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003160, devido no local do

prestador, quando este for no Brasil, de acordo com o Art. 3º do referido

Diploma Complementar, ou no estabelecimento do tomador ou intermediário

do serviço, quando o serviço for prestado a partir do exterior, conforme Art. 3º,

I, e Art. 1º, §1º, do mesmo referido diploma.

Como já visto na análise do RE 116.121/SP, a jurisprudência magna nacional entende

que não há óbice quanto à segregação dos fatos geradores em operações nas quais figuram,

160 Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003

1.07 – Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados.

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justapostas, incidências tributárias sobre aluguel de bens móveis e prestação de serviços.

Todavia, senão pela mera pertinência do debate acadêmico, seria admissível a arguição de

protesto pela averiguação do fato gerador dominante, na medida em que tal resultado poderia

alterar a subsunção tributária com base em exegese estendida alguns a subitens da Lista de

serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Consideremos, então, a proporção de cada

operação em relação ao todo.

Em 2012, em função de convênio firmando com o Ministério da Ciência, Tecnologia e

Inovação, a Brasscom contratou junto à Frost & Sullivan, um estudo de mercado de Análise

Competitiva do Mercado Brasileiro de Datacenters. O estudo, entre outros itens, avaliou a

composição dos custos de investimento (capex) e custos operacionais (opex) de datacenters no

Brasil. Naquela ocasião o estudo estimou um potencial de R$ 47 bilhões de investimentos em

novos datacenters no período de 2013 à 2017. A análise de capex, baseada na construção de um

datacenter com investimento total de US$ 60,9 milhões, revela a seguinte distribuição dos

investimentos: 58,5% em software e hardware, sendo US$ 7,6 milhões em software e

segurança; 20,4% em sistemas de energia e refrigeração; 16.9% em espaço físico e 4,2% em

infraestrutura de telecomunicações. A análise de opex aponta para um custo mensal de US$

950.000, com a seguinte distribuição: 33,0% com energia; 28,4% com manutenção; 26% com

mão de obra; e 12,6% com telecomunicações.

Gráfico 1 – Investimentos (capex) e custos operacionais (opex) em datacenters161

161 Fonte: Frost & Sullivan, Análise Competitiva do Mercado Brasileiro de Datacenters, dezembro de 2012.

Desenvolvido para MCTI, Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação e Brasscom, Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação.

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Alocando os custos, tanto capex como opex, às operações comerciais correspondentes

e considerando um período de retorno de investimento compatível com as práticas de mercado,

chegamos à seguinte distribuição de valor para cada fato gerador retrocitado: 72% referente a

aluguel dos equipamentos (hardware), 7% relativos ao licenciamento de software e 22%

correspondentes à prestação de serviços. Como já comentamos, a diferença entre as três ofertas

na nuvem, IaaS, PaaS e SaaS está na proporção de software agregado à solução. Assim sendo,

estimando que o montante de licenciamento de software pode triplicar na oferta de software na

nuvem, em relação à oferta de computação na nuvem, temos um rebalanceamento das

proporções com aluguel de hardware caindo para 63%, licenciamento de software aumentando

para 18% e a prestação de serviços de serviços experimentando uma modesta redução para

19%. O Gráfico 2 espelha os dois cenários.

Gráfico 2 – Proporção das operações comerciais dos Serviços na Nuvem

Consequentemente, ainda que com base em análises econômicas pouco aprofundadas

realizadas sobre estimativas empíricas, mas que, de todo modo, se apresentam em linha com o

sentimento qualitativo, observa-se que a operação dominante é o aluguel de bens móveis, tanto

relativamente a hardware, quanto ao licenciamento de software, totalizando entre 79% e 81%

do valor total das transações de Serviços na Nuvem. Não há, portanto, que se aludir a incidência

de ISS com base em exegese baseada na dominância da prestação de serviços sobre os demais

fatos geradores.

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3.8.1 Controvérsias tributárias sobre a nuvem e efeitos na carga tributária

Não fossem suficientes as controvérsias jurídicas já aludidas nos capítulos precedentes,

envolvendo incidência de ISS sobre aluguel de bens móveis e a incidência de ICMS sobre

licenciamento de software, em 2014 a Receita Federal do Brasil publicou o Ato Declaratório

Interpretativo nº 7 com a seguinte dicção:

Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7, de 15 de agosto de 2014

Dispõe sobre a natureza das operações realizadas por empresas contratadas no exterior para disponibilizar infraestrutura para armazenamento e processamento de dados em alta performance para acesso remoto, identificada no jargão do mundo da informática como data center.

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 280 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012, e tendo em vista o disposto nos arts. 585, 682 e 708 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, no art. 2º-A da Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000, e no art. 1º da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, declara:

Art. 1º Os valores pagos, creditados, entregues ou remetidos por residente ou domiciliado no Brasil para empresa domiciliada no exterior, em decorrência de disponibilização de infraestrutura para armazenamento e processamento de dados para acesso remoto, identificada como data center, são considerados para fins tributários remuneração pela prestação de serviços, e não remuneração decorrente de contrato de aluguel de bem móvel.

Parágrafo único. Sobre os valores de que trata o caput devem incidir o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (Cide-Royalties), a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação.

Art. 2º Ficam modificadas as conclusões em contrário constantes em Soluções de Consulta ou em Soluções de Divergência emitidas antes da publicação deste ato, independentemente de comunicação aos consulentes.

(Grifamos e Grifamos)

Salta aos olhos a dicção do Art. 1º que, sem nenhum pudor, afronta a jurisprudência

suprema plasmada na Súmula Vinculante nº 31, que versa justamente sobre incidência

tributária. A antijuricidade do artigo é intrínseca à sua própria dicção, uma clara contradictio in

adjecto, na medida em que define ser uma prestação de serviços, ou seja, uma obrigação de

fazer, a “disponibilização de infraestrutura”, indubitavelmente uma obrigação de dar.

Preliminarmente, consideremos o espaço de competências no qual o diploma está

inserido. Segundo a própria epígrafe, o autor do ato é o Secretário da Receita Federal do Brasil

que age com base no Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)

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plasmado na Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012, que dispõe no Art. 1º, III, entre outras

finalidades do órgão, a finalidade de “interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira,

de custeio previdenciário e correlata, editando os atos normativos e as instruções necessárias

à sua execução” (Grifamos). A competência para edição de atos normativos confere à

Secretaria da RFB um papel regulamentador orgânico em matéria tributária no âmbito da União.

A autoridade fazendária aponta, no epigrafo do diploma, um outro fundamento, assentado no

Art. 280, III, que dispõe como sua incumbência “expedir atos administrativos de caráter

normativo sobre assuntos de competência da RFB”. Trata-se, neste caso, da explicitação de

competência subjetiva por parte do Secretário da RFB, instrumentando-o a exercer poderes

normativos consentâneos com as finalidades do órgão que lidera.

Maria Silvia Zanella di Pietro, discorrendo sobre os poderes da Administração, em

particular o poder normativo, ensina o seguinte:

Normalmente, fala-se em poder regulamentar; preferimos falar em poder normativo, já que aquele não esgota toda a competência normativa da Administração Pública; [...]

Segundo lição de Miguel Reale (1980:12-14), podem-se dividir os atos normativos em originários e derivados. [...] os atos derivados têm por objetivo a “a explicitação ou especificação de um conteúdo normativo pré-existente, visando à sua execução no plano da práxis”; ato normativo derivado é o regulamento.

(DI PIETRO, 2009, p.89-90) (Grifamos)

O poder normativo da Administração, situado no âmbito infralegal, é insitamente

voltado ao desdobramento prático do disposto nas esferas constitucionais e legais,

subordinando-se, inconteste, aos princípios do Direito Administrativo, dentre os quais

destacam-se os princípios da legalidade e da finalidade, o primeiro plasmado no Art. 34 da

Constituição Federal e o segundo implícito, ou ainda, conforme Hely Lopes Meirelles, derivado

o princípio da impessoalidade162. É cediço que o princípio da legalidade se projeta sobre a

Administração na sua forma estrita, vedando a prática de qualquer conduta que não esteja

explicitamente disposta em lei.163 Meirelles, ao referir-se ao Art. 2º, Parágrafo único, inciso I,

da Lei 9.784/99,164 pondera que o alcance do princípio da legalidade expande-se para além da

162 “O princípio da impessoalidade, referido na Constituição/88 (art. 34, caput), nada mais é do que o clássico

princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal.” (MEIRELLES, 2013, p.95)

163 “O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. ” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p.105, 9)

164 Lei nº 9.784 , de 29 de janeiro de 1999 Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade,

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esfera legal na medida em que ao primado da Lei se acrescenta o primado do Direito, o que já

deveria ser hermeneuticamente dedutível, prescindindo positivação.165 Neste sentido, ressalte-

se a referência que o caput do retrocitado artigo faz ao princípio da segurança jurídica. Quanto

ao princípio da finalidade, se faz mister recorrer à valiosa orientação de Celso Antonio Bandeira

de Mello:

É que a lei, ao habilitar uma certa conduta, o faz em vista de um certo escopo. Não lhe é indiferente que se use, para perseguir um dado objetivo, uma ou outra competência, que se estribe em uma ou outra atribuição conferida pela lei, pois na imagem feliz do precitado Caio Tácito: “A regra de competência não é um cheque em branco”. [...]

Na verdade, só se erige o princípio da finalidade como princípio autônomo pela necessidade de alertar contra o risco de exegeses toscas, demasiadamente superficiais ou mesmo ritualísticas [...]

(BANDEIRA DE MELLO, 2009, p.107, 11-12) (Grifamos)

O Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7/2014 não se caracteriza como um mero Ato

de Gestão, voltado a estrutura interna da Receita Federal. A interpretação esposada pelo

diploma vincula a atuação dos auditores fiscais, compelindo os contribuintes a adotá-la sob

pena de sujeição autos de infração e imposição de multas. Assim, a interpretação contida no

diploma infralegal tem alma de Ato do Império, revestindo-se na prática, de força cogente

similar à dos diplomas legais. Ora, se ao legislador não é facultado se desviar dos princípios e

conceitos constitucionais e jurídicos assentados, e menos ainda confrontar jurisprudência

vinculante, quiçá ao Administrador no exercício do poder normativo infralegal. A interpretação

exposta no ato administrativo em comento extrapola as competências da autoridade

administrativa por flagrante violação do Direito e do princípio da legalidade, em especial do

princípio da legalidade tributária, conforme observa Di Pietro:

Em todas as hipóteses, ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade (arts. 5º,II. e 37, caput, da Constituição) (DI PIETRO, 2009, p.89-90)

Resta claro que o Ato Declaratório em tela não se presta a esclarecer aspectos que

permitam pôr em prática os ditames da lei e do direito referentes às hipóteses tributárias

aplicáveis. Visa, na prática, instituir incidências tributárias estranhas à natureza jurídica civil

motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito;

165 “A eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito.” (MEIRELLES, 2013, p.90)

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 173/226

das referidas operações econômicas, conforme amplamente discutido nestas reflexões, gerando

indesejável insegurança jurídica e desnecessários custos de transação e possivelmente litigância

entre os contribuintes e a Administração Pública Federal. Afronta, portanto, o princípio da

tipicidade tributária, conforme opinião de Roque Antonio Carrazza:

Como se vê, os tipos tributários, por assim dizer, fecham a realidade, não podendo ser alargados por meio de presunções, indícios ou, pior, suposições. Inadmissível que o agente fiscal abra aquilo que o legislador, atento aos ditames constitucionais, cuidadosamente restringiu. Afinal, o afã arrecadatório absolutamente não legitima o arbítrio.

(CARRAZZA, 2015, p.485)

Destarte, a conduta do Secretário da RFB deve ser considerada um grave desvio de

finalidade, conforme alerta Meirelles:

E a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade, que a nossa lei da ação popular conceituou como o “fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência” do agente (Lei 4.717/65, art. 2º, parágrafo único, “e”).

(MEIRELLES, 2013, p.95) (Grifamos)

Cabe ressaltar que o interesse público não se confunde com o interesse do Estado ou da

Administração. O verdadeiro interesse público é a maximização do benefício-agregado (total

welfare), traduzido nos efeitos econômicos e sociais, devendo levar, necessariamente, em conta

o impacto da tributação sobre o mercado. O afã arrecadatório, indisfarçavelmente presente na

interpretação esposada no referido Ato Declaratório, macula-o de violação do princípio da

pessoalidade, na medida em que vislumbra tão somente o interesse do Estado na maximização

dos seus ingressos, ao arrepio do Sistema Tributário Nacional, constitucionalmente estatuído e

legalmente positivado.

Objetivando tangibilizar economicamente os efeitos da postura do administrador

público da Receita Federal e dos demais agentes públicos envolvidos nas polêmicas relativas a

incidência de ISS e ICMS sobre hardware e software, analisemos as variações de carga

tributária sobre Computação na Nuvem e Software na Nuvem, providos no exterior e

localmente, considerando as interpretações manifestadas pelos vários órgãos da administração

pública e a interpretação conforme a constituição, defendida nestas reflexões.

Iniciemos pela Nuvem Provida a partir do Exterior. Conforme sumarizado no Quadro

3, a interpretação do Art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7/2014, considerada

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como status quo, aglutina as três operações comerciais em uma única hipótese de incidência

tributária, prestação de serviços, fazendo incidir as maiores alíquotas dos tributos federais, a

saber, PIS/Cofins Importação, CIDE-Royalties e IRRF, Imposto de Renda Retido na Fonte,

sobre o valor total da operação aglutinada. Ficam afastadas as incidências sobre Aluguel de

Hardware e Licenciamento de Software, que são muito menos onerosas. Ressalte-se que o

figurino constitucional aplicado às três operações que compõem os Serviços na Nuvem,

Aluguel de Hardware, Licenciamento de Software e Serviços Técnicos são alcançadas pelo

PIS/Cofins Importação e pelo IRRF sendo que só há incidência de CIDE-Royalties e ISS sobre

Serviços Técnicos. Ressalte-se, à guisa de clareza metodológica, que a incidência do ISS foi

considerada com base no ordenamento do Município de São Paulo.

Quadro 3 – Incidência Tributária sobre Nuvem com Procedência do Exterior

A análise comparativa entre o status quo, definido pelo ato administrativo infralegal e

a interpretação do ordenamento tributário conforme a Constituição Federal, apresentada no

Gráfico 3, índica que a interpretação da Receita Federal produz um aumento de 86% na carga

tributária média das duas modalidades de Serviços na Nuvem, elevando-a de 38,5% para

inimagináveis 71,7%. Considerando a transversalidade que tanto Computação na Nuvem

quanto Software na Nuvem têm em todos os setores da economia, representando instrumentos

de redução de custos, aumento de eficiência operacional e produtividade, o aumento

desproporcional de uma carga tributária já elevadíssima não pode ser considerado um ato em

prol do melhor interesse público. Evidencia-se, portanto, tingida de sérios e concretos traços de

desvio de finalidade de viés eminentemente arrecadatório.

Tributo (Lastro legal, jurisprudencial ou infralegal) AlíquotaStatus Quo

(Prest. de Serviços)

Conforme a Constituição

(Três operações)

PIS-Importação: Serviços

Lei nº 10.865/2004, Art. 3º,II, Art. 7º,II, e Art. 8º,II1,65% Valor Total Para cada operação

Cofins-Importação: Serviços

Lei nº 10.865/2004, Art. 3º,II, Art. 7º,II, e Art. 8º,II7,60% Valor Total Para cada operação

CIDE-Royalties: Serviços Técnicos

Lei nº 10.168/2000, Art. 2º,§2º e §3º10,0% Valor Total Serviços Técnicos

IRRF: Serviços Técnicos

Decreto nº 3.000/1999, Art. 708 e Lei nº 10.168/2000, Art. 2º-A15,0% Valor Total Serviços Técnicos

IRRF: Remuneração de Direitos

Decreto nº 3.000/1999, Art. 70915,0% Não Aplicável

Aluguel de Hardware

Licenciamento de Software

ICMS-SP: Licenciamento de Software

Decreto nº 61.791/2016 do Estado de São Paulo, Artigo 1º5,0% Não Aplicável Não Aplicável

ISS-SP: Licenciamento de Software

Lei nº 13.701/2003 da Cidade de São Paulo, Art. 1º, 1.05, e Art. 16,II2,0% Não Aplicável Não Aplicável

ISS-SP: Suporte Técnico e Manutenção

Lei nº 13.701/2003 da Cidade de São Paulo, Art. 1º, 1.07, e Art. 195,0% Valor Total Serviços Técnicos

Não incide ISS em aluguel de bens móveis

Súmula Vinculante nº 310% Não Aplicável

Aluguel de Hardware

Licenciamento de Software

Incidência Tributária sobre Conputação e Software na Nuvem com Procedência do Exterior

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Gráfico 3 – Controvérsias tributárias sobre Nuvem do Exterior e Cargas Tributárias

No tocante à Nuvem Local, sumarizada no Quadro 4, nos deparamos com duas questões

relevantes: (a) a situação de conflito interpretativo entre os Estados e Municípios em torno da

tributação sobre software, e (b) a relativa insegurança jurídica que paira sobre a incidência

tributária constitucionalmente adequada para as ofertas na nuvem. A primeira questão, tem

levado os agentes econômicos a uma situação de bitributação, totalmente incompatível com o

Sistema Tributário Constitucional Pátrio.

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Quadro 4 - Incidência Tributária sobre Nuvem com Procedência Local

A situação no Estado de São Paulo, que já permeou considerações pregressas, criada

pelo Decreto nº 61.791/2016, dispõe a redução da base de cálculo para que a carga tributária

seja igual a 5%. Consequentemente, entende-se que a alíquota de ICMS incidente sobre

software é a alíquota geral de 18%. O Estado de Minas Gerais, nos mesmos moldes do Estado

de São Paulo, editou o Decreto nº 46.877 de 3 de novembro de 2015, revogando o inciso XV

do art. 43 do Regulamento do ICMS Mineiro, cujas alíneas dispunham a redução de base de

cálculo sobre software, sem prover nenhuma nova diretriz. Como a posição manifestada por

Minas Gerais tem sido, reiteradamente, no sentido de ser devido o ICMS sobre software, há que

se entender que a revogação da redução de base de cálculo implica a pretensão de tributação

com base no valor total da operação pela alíquota de 18%.

No capítulo 3.7.3, já demonstramos a inconstitucionalidade da incidência de ICMS

sobre software. Todavia, tão somente à guisa de ponderação acadêmica, analisemos a alíquota

de 18% à luz do princípio da seletividade, positivado no Art. 155, §2º, III da Magna Carta.

Eduardo Jardim introduz o princípio como um modulador da onerosidade a partir da

essencialidade do fato jurídico alcançado pelo gravame:

Princípio da seletividade em função da essencialidade

A seletividade, contemplada no art. 155, § 2º, III, consiste na premissa pela qual o imposto deve ser quantificado para menos ou para mais, conforme o grau de necessidade da mercadoria ou serviço para a maioria da população, de tal modo que a cesta básica, por exemplo, assujeita-se a percentagens menores de incidência, dando-se o contrário em se tratando de bebidas destiladas ou armas e munições.

(JARDIM, 2014, p.217) (Grifamos)

Tributo (Lastro legal, jurisprudencial ou infralegal) AlíquotaStatus Quo

(Bitributação)

Conforme a Constituição

(Três operações)

PIS

Lei nº 9.718/1998, Art. 4º,IV0,65% Aplicável Para cada operação

Cofins

Lei nº 9.718/1998, Art. 4º,IV3,0% Aplicável Para cada operação

ICMS-MG: Licenciamento de Software

Decreto nº 46.877/2015 do Estado de Minas Gerais18,0% Bitributação Não Aplicável

ISS-BH: Serviços de informática e congeneres

Lei nº 8.725/2003 da Cidade de Belo Horizinte, Art. 14, IV5,0% Bitributação Não Aplicável

ICMS-SP: Licenciamento de Software

Decreto nº 61.791/2016 do Estado de São Paulo, Artigo 1º5,0% Bitributação Não Aplicável

ISS-SP: Licenciamento de Software

Lei nº 13.701/2003 da Cidade de São Paulo, Art. 1º, 1.05, e Art. 16,II2,0% Bitributação Não Aplicável

ISS-SP: Suporte Técnico e Manutenção

Lei nº 13.701/2003 da Cidade de São Paulo, Art. 1º, 1.07, e Art. 16

Instrução Normativa nº 8 de 2011, Prefeitura de São Paulo, Art. 1º

3,0% Aplicável Serviços Técnicos

Não incide ISS em aluguel de bens móveis

Súmula Vinculante nº 310%

ISS por receio de

insegurança jurid.

Aluguel de Hardware

Licenciamento de Software

Incidência Tributária sobre Conputação e Software na Nuvem com Procedência Local

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Schoueri empreende definição similar, acentuando a diferenciação entre seletividade e

progressividade:

Vê-se, [...], que a seletividade se encontra vinculada à essencialidade indicando que os referidos impostos podem ter alíquotas variadas, não em função da base de cálculo, como na progressividade, mas em função dos próprios produtos. (SCHOUERI, 2011, p.373)

A consagração da essencialidade de fatos geradores relacionados a subsistência humana

não chega a demandar grande esforço intelectual e nem suscitar demasiada polêmica. Alimentos

e vestuário são unanimidades ululantes. Do outro lado do espectro, itens supérfluos e artigos de

luxo tampouco são objeto de querela que a ninguém causa insônia. O desafio reside em

determinar a essencialidade das mercadorias e serviços que não se coadunam com nenhum dos

extremos. Num passado não muito distante, não era usual considerar-se tecnologia como

intrinsecamente essencial. Todavia, esta situação vem mudando na mesma velocidade em que

observamos a massificação do acesso a bens e serviços de base tecnológica, que passam a

permear o nosso dia a dia social e econômico. Eduardo Jardim já detectara esta tendência ao

erigir um protesto veemente quanto à exorbitante alíquota de ICMS sobre dois serviços, de base

eminentemente tecnológica, indubitavelmente essenciais à vida moderna:

Todavia, a legislação ordinária demonstra incredíveis desconcertos com o figurino constitucional, na medida em que a alíquota do ICMS em relação à telefonia e à energia elétrica no Estado de São Paulo é a máxima, ou seja, 25%! (JARDIM, 2014, p.217) (Grifamos)

A situação toma contornos confiscatórios quando constatamos: (i) que por força da

incidência sobre a receita bruta, a carga tributária decorrente de uma alíquota de 25% é de

33,33% do valor líquido da mercadoria ou serviço, e (ii) a insegurança jurídica em torno

cumulatividade ou não- cumulatividade do ICMS sobre telecomunicações e energia. De acordo

com o Portal Teleco, a alíquota de ICMS sobre serviços de telecomunicação chega à 30% em

vários Estados do País, incluindo Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul e a 37% em

Rondônia.166 É chocante! Quem, atualmente, diria em sã consciência, ser capaz de prescindir

de serviços de telecomunicações e de fornecimento de energia elétrica? Endereçando a questão,

Ruy Barbosa Nogueira, citado por Schoueri, amplia o alcance da essencialidade, projetando-o

para a esfera econômica, levando o autor a reformular o conceito de essencialidade:

166 Portal Teleco. Seção: Estatísticas Brasil. Carga Tributária. Disponível na Internet em

http://www.teleco.com.br/tributos.asp, acessado em 12/12/2016.

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Esta extensão do conceito de essencialidade também foi percebida por Ruy Barbosa Nogueira: “Quando a Constituição diz que esse imposto será seletivo em função da essencialidade dos produtos, está traçando uma regra para que este tributo exerça não só uma função de arrecadação, mas também de política fiscal [...] os produtos como máquinas e implementos necessários à produção, produtos de combate às pragas e endemias etc. também sofram menores incidências ou gozem de incentivos fiscais”. [...]

Daí justificar-se que se reformule o conceito de “essencialidade”, que deve ter duas perspectivas: o ponto de vista individual dos contribuintes e as necessidades coletivas. [...]

Assim, tanto será essencial o produto consumindo pelas camadas menos favorecidas da população dado o objetivo fundamental da República de “erradicar a pobreza e a marginalização” (artigo 3º,III,da Constituição Federal) como aquele que corresponda aos auspícios da Ordem Econômica, diante do objetivo de “garantir o desenvolvimento nacional” (artigo 3º,II). (SCHOUERI, 2011, p.373) (Grifamos)

A era da transformação digital, que meramente adentramos, será marcada pela

ubiquidade da tecnologia da informação e comunicação, por intermédio de hardware e software,

nas mais variadas formas e aplicações. Com base cristalina lição dos citados doutrinadores há

que se materializar a intuição que já nos assolava: uma alíquota de 18% sobre hardware e sobre

software – sendo, esta última, uma pretensão tributante inconstitucional – é indubitavelmente

uma afronta ao princípio da essencialidade.

Gráfico 4 – Controvérsias tributárias sobre Nuvem Local e Cargas Tributárias

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Levando-se em conta o cenário à época destas reflexões, torna-se útil e esclarecedor

cotejar as duas situações de status quo, a mineira e a paulista, com a interpretação conforme a

constituição, que são apresentadas no Gráfico 4. No pior caso, a saber, a situação em Minas

Gerais, a carga tributária média é 117,8% maior do que as das incidências conforme a

Constituição e no caso de São Paulo a onerosidade é superior em 41,8%. A Nuvem Local não

é tão dramaticamente gravada quanto à Nuvem do Exterior. Todavia, nada justifica que o

contribuinte seja indevidamente onerado em razão de insegurança jurídica ou por bitributação,

que é constitucionalmente inaceitável.

De acordo com estudo de mercado da Brasscom, com base em dados do IDC, o somente

mercado brasileiro de software movimentou R$ 27,8 bilhões no ano de 2015. Uma eventual

elevação de 5% na carga tributária, tal qual promovida pelo Estado de São Paulo, sequestraria

R$ 1,39 bilhões por ano em arrecadação de ICMS à guisa de bitributação. Se a elevação for a

possivelmente pretendida pelo Estado de Minas Gerais, o montante subiria para R$ 5,1 bilhões

por ano. O conflito tributário entre os entes federados tem significativo potencial deletério sobre

o subsetor de software.

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4 Tributação ótima sobre produtos de Tecnologia da Informação

O pensamento econômico inaugurado no Século XX, também denominado de

pensamento neoclássico, tendo Leon Walras como um dos expoentes, se baseou em dois pilares

fundamentais, que são influentes até os dias atuais, a saber: (i) presunção de que os agentes

econômicos são racionais e que buscam, constantemente, a maximização do benefício próprio

ou da utilidade, e (ii) a noção de que a economia evolui tendendo para o equilíbrio. O primeiro

pressuposto é basilar para a linha da norte-americana de pensamento de Direito Econômico

conhecida como Law & Economics, ou Análise Econômica do Direito. Claudio Napoleoni

informa que teoria walrasiana do equilíbrio econômico geral “se refere não só ao equilíbrio de

cada um dos atores econômicos isoladamente considerados, mas sobretudo à posição de

equilíbrio referida ao sistema econômico como um todo”.167 Otaviano Canuto ressalta que a

originalidade de Walras está em combinar a “teoria do valor baseada na escassez ou na utilidade

marginal com as equações de equilíbrio transportadas da estática”.168 Esta noção de equilíbrio

geral marginalista está na base dos modelos da microeconomia, que são utilizados para explicar

a relação entre oferta e demanda de produtos, que tem como pressuposto a alocação de riqueza

por parte de consumidores e produtores dotados de racionalidade economia.

A observação empírica, ainda que não cientificamente empírica, do comportamento de

mercado dos produtos de tecnologia da informação e informação espelham uma situação

marcadamente distinta. À guisa de exemplo, comparemos o consumo de energia elétrica com o

de computadores pessoais. Em condição de estabilidade, ceteris paribus, o consumo de energia

elétrica de uma determinada comunidade se manterá razoavelmente constante, salvaguardadas

as sazonalidades, em função do parque de equipamentos instalados que são repostos na medida

em que chegam ao fim da vida útil, como, por exemplo, ferros de passar, chuveiros elétricos,

lâmpadas, etc. Já com computadores ocorre uma situação distinta. Se os computadores pessoais

permanecessem inalterados em termos de sua capacidade de processamento e armazenamento,

após o lançamento do modelo inicial, se seguiria um grande surto de vendas, que rapidamente

se esvairia quanto todas as famílias estivessem satisfeitas. A partir deste ponto, o volume de

vendas seria residual, como a situação dos eletrodomésticos citados. Todavia, como é típico

dos produtos tecnológicos, de tempos em tempos, em intervalos cada vez mais curtos, os

fabricantes lançam novos modelos, mais avançados, com mais capacidade de processamento e

167 Cf. (NAPOLEONI, 1990, p.14) 168 Cf. (CANUTO in CARNEIRO, 2004, p.205)

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armazenamento, interfaces mais chamativas e maior oferta de softwares, mais interessantes,

diversificados e úteis. Cada novo lançamento evoca nos consumidores o impulso de comprar

pela percepção de maior utilidade em relação aos modelos anteriores. A dinâmica de mercado

da tecnologia da informação de comunicação encurta o período de obsolescência, podendo até

mesmo provocar a redução de consumo de outros itens, como por exemplo, a redução do

consumo de energia elétrica com o lançamento de equipamentos mais eficientes.

John E. Elliot, em sua introdução à obra de Joseph Schumpeter, informa que o autor

abraça a ideia do equilíbrio geral, mas vai além, ao identificar três classes de processos

econômicos, a saber, os processos de fluxo circular, os processos de desenvolvimento e os

processos que impedem o desenvolvimento.169 Schumpeter não despreza a noção equilíbrio em

meio ao fluxo circular, na medida em se constitui em um modelo mental útil para entender a

economia capitalista de mercado, se não fora pela coexistência da dinâmica de mudanças

revolucionárias típicas o desenvolvimento econômico. Elliot resume o pensamento de

Schumpeter sobre inovação como a mola mestra do desenvolvimento da economia capitalista:

The strategic stimulus to economic development in Schumpeter’s analysis is innovation, defined as the commercial or industrial application of something new—a new product, process, or method of production; a new market or source of supply; a new form of commercial, business, or financial organization. […]

The innovational process, Schumpeter subsequently observed, “incessantly revolutionizes the economic structure from within, incessantly destroying the old one, incessantly creating a new one. This process of Creative Destruction is the essential fact about capitalism.”

(ELLIOT in SCHUMPETER, 1982, pp.225-226)170 (Grifamos)

A tecnologia da informação e comunicação tem sido um dos fatores essenciais da

destruição criativa schumpeteriana e, portanto, é importante que entendamos sua dinâmica e os

fatores inibidores do seu desenvolvimento. Neste sentido, este capítulo explora, através de

modelos matemáticos simples, o impacto da tributação no equilíbrio oferta-demanda a partir do

modelo básico da microeconomia, constrói um modelo conceitual que reflite a dinâmica

mercadológica dos produtos de TIC e analisa os possíveis impactos de estratégias tributárias de

169 Cf. (ELLIOT in SCHUMPETER, 1982, p.173) 170 Tradução livre do autor: “O estímulo estratégico para o desenvolvimento econômico, na análise de

Schumpeter, e inovação, definida como a aplicação comercial ou industrial de algo novo – um novo produto, processo, ou método produtivo; um novo mercado ou fonte de suprimentos; uma nova forma de uma nova forma de comercialização, negócio, ou organização financeira. [...] Schumpeter subsequentemente observa que, o processo inovacional ‘incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir do seu interior, incessantemente destrói o antigo, incessantemente cria o novo. Este processo de destruição criativa é característica essencial do capitalismo.’”

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viés extrafiscal na maximização do benefício-agregado (total welfare). Constitui-se, assim, um

ensaio inicial sobre possíveis interações e interdependências do direito, com foco em política

tributária e seus efeitos econômicos, com fenômenos da economia da inovação.

4.1 Funcionamento teórico do mercado e o efeito da tributação

4.1.1 Demanda e oferta

A microeconomia introduz o funcionamento dos mercados a partir da decomposição do

comportamento dos agentes envolvidos na transação básica de compra e venda, a saber, o

cliente-comprador, que no coletivo é o gerador da demanda por certa mercadoria ou serviço,

que denominaremos genericamente – e de certo modo, atecnicamente – de produto, e o

produtor-vendedor, que, coletivamente, reponde pela oferta dos mesmos.

O senso comum indica que o preço do produto acaba sendo decorrência da tensão entre

a demanda, fruto da aspiração dos compradores, e capacidade de produção dos vendedores,

entendidos neste contexto como toda a cadeia de produção, distribuição e comercialização,

sendo a produção o elo mais relevante por ser, usualmente, o lócus de boa parte dos custos

envolvidos no desenvolvimento, produção e colocação do produto no mercado. A guisa de

exemplificação da referida tensão, consideremos que certo produto com preço de R$ 5,00 tem

um consumo mensal de 1 milhão de unidades. Se houver uma queda de 20% no preço é intuitivo

que a demanda aumentará, embora, não se possa precisar se o aumento da demanda será igual,

inferior ou superior à variação do preço do produto. Por outro lado, se, ao contrário, o preço for

majorado em 5%, intui-se, similarmente, que a demanda cairá.

Por outro lado, é também intuitivo que a demanda não é afetada somente pelo preço. A

oferta de uma nova margarina, que possivelmente seja melhor para a saúde, por exemplo, pode

afetar a demanda por manteiga. Semelhantemente, se o preço da gasolina aumenta e o do etanol

se mantém inalterado, é concebível que haja uma queda mais acentuada em função da opção

mais favorável pelo etanol viabilizada pela tecnologia dos motores Flex. Estas variações de

demanda são influenciadas por produtos substituíveis por outros produtos concorrentes. Estes

produtos que disputam a preferência dos compradores em caráter de mutuamente excludente,

tais como, por exemplo, já se noticiou que a demanda por smartphones afetou o consumo de

vestuário e até de entretenimento.

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Motivos diversos, tais como a sazonalidade, também podem afetar a demanda de certos

produtos, independentemente de terem ou não substitutos. O consumo de bebidas frias, tais

como, refrigerantes e cervejas, tende a se avolumar no verão, ao passo que, no inverno, o

consumo das bebidas quentes, tais como, vinhos, destilados, chás e café, tende a crescer as

expensas de uma queda no consumo das bebidas frias. Neste caso vemos claramente a

sazonalidade afetando a demanda de produtos substituíveis. Por outro lado, o consumo de

chocolate, por exemplo, tende a atingir o pico na celebração da páscoa, e o de panetone, no

período natalino, ambos por razões culturais. Neste mesmo sentido, também, um aumento na

renda de certo segmento, agregado a confiança na manutenção do emprego e da renda pode

provocar o aumento de demanda, por exemplo, serviços de lazer e entretenimento, tais como,

cinemas, shows ou mesmo ida com mais frequência a bares e restaurantes.

Ante arrazoado, pode-se considerar que a quantidade demandada de um certo produto é

uma função multivaríavel, generalizável pela notação matemática abaixo:

&' = )*, *+�, *+ , … , *+-, ., /, 0��12. 1� Na qual:

• QD é quantidade demandada de produtos

• p é o preço do produto

• ps1, ps2, ..., psn, são os preços de produtos substitutivos

• s representa a sazonalidade

• r é a renda dos potenciais compradores do produto

• g representa o gosto ou outros fatores subjetivos que afetam a demanda do produto

Um fenômeno dependente de tantas variáveis é de modelamento matemático complexo

. Assim sendo, a teoria microeconômica inclina-se a compartimentar a análise, de modo a

compreender o comportamento de uma variável isoladamente sob a condição de que as demais

se mantenham fixas. José Octávio de Campos Moreira e Fauzi Timaco Jorge explicam tal

metodologia:

Em linguagem econômica diz-se que se adotou a hipótese coeteris paribus171 – que as outras coisas permanecem constantes (como na expressão et

171 Observe-se a definição encontrada na Wikipedia: “Ceteris paribus, também grafado como coeteris paribus ('ce.te.ris 'pa.ri.bus na pronúncia eclesiástica ou ko.'e.te.ris 'pa.ri.bus, na pronúncia restaurada), é uma expressão do latim que pode ser traduzida por "todo o mais é constante" ou "mantidas inalteradas todas as outras coisas",

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coetera, a palavra latina coeteris significa literalmente “e outras coisas”; o termo paribus designa “iguais” ou “não diferentes”).

(MOREIRA; JORGE, 2009, p.27)

Seguindo nesta linha metodológica, N. Gregory Mankiw ensina que a relação entre

demanda e preço é tão universal que os economistas a consideram uma lei:

[...] lei da demanda: com tudo mais mantido constante, quando o preço de um bem aumenta, sua quantidade demandada diminui; quando o preço diminui, a quantidade demandada aumenta. (MANKIW, 2007; p.66)

Por simplicidade, os economistas costumam representar esta relação entre demanda e

preço como uma função linear inversa, como a mostrada no Gráfico 1 abaixo:

Gráfico 5 – Relação entre Demanda e Preço

Do gráfico depreende-se que ao aumento de preço, por exemplo, de p1 para p2 (p2 >

p1) corresponde uma redução da quantidade demandada de Q1 para Q2 (Q2 < Q1).

A introdução de uma segunda variável, dentre as relacionadas na [Eq.1], é facilitada

pela adoção de duas simplificações adicionais, a saber: (a) que apenas uma variável além do

preço, seja considerada em cada análise e (b) que é esta nova variável represente apenas um

disponível na Internet, https://pt.wikipedia.org/wiki/Ceteris_paribus , acessada em 01/11/2015. Os autores empregam as duas expressões indistintamente.

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deslocamento linear na curva, podendo ser aditivo ou subtrativo. O Gráfico 2 mostra a situação

na qual a demanda é positivamente impactada pela terceira variável.

Gráfico 6 – Impacto linear de uma terceira variável sobre a Demanda

O Gráfico 2 ilustra bem, por exemplo, a concorrência entre os combustíveis gasolina e

etanol, produtos substituíveis pela tecnologia dos motores flex. Consideremos uma situação

inicial de equilíbrio entre os dois combustíveis, representada pelo binómio (p,Q) relativo ao

etanol. Um aumento do preço da gasolina, cria a possibilidade para que o etanol também seja

reajustado sem que haja uma redução da demanda (pF,Q), representando, neste caso, uma forte

demanda sobre o etanol (reta D.Forte). Por outro lado, se o preço da gasolina for reduzido, o

preço do etanol também precisará de um ajuste (pf,,Q) em face a uma demanda mais fraca (reta

D.Fraca), caso os produtores queiram manter a demanda inalterada.

Neste caso, a [Eq.1] pode ser reescrita simplificadamente sob a forma de três equações,

a saber:

&' = )�*, *56+789-6� = )*��12. 2.1� &'.;<6=6 = )�*, *56+789-6� = )*� > * > *?��12. 2.2�

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&'.;7<@A = )�*, *56+789-6� = )*� > *; > *��12. 2.3� Todavia nada impede que uma nova variável acrescente uma diferença na inclinação de

uma das retas de demanda, D.Fraca ou D.Forte ou ainda uma diferença ainda mais complexa,

que seja função de uma terceira variável. É precisamente tal circunstância que exploraremos

quando analisarmos, posteriormente, o comportamento da demanda de produtos de tecnologia

da informação.

A oferta de produtos é modelada de forma muito similar à demanda. Vejamos o que

dizem Moreira e Jorge:

Enquanto a demanda procura retratar o comportamento dos compradores, a oferta ocupa-se em da análise dos vendedores, [...] mostrando como se dá a relação quantidade ofertada e preços de mercado.

Aqui, também, supõe-se que é desejo dos produtores – ou vendedores – oferecer uma quantidade maior quanto maior for o preço do bem.

Existe, pois, uma relação direta entre o preço e quantidades: a preços maiores corresponderão quantidades maiores que serão oferecidas, em certo período de tempo, ceteris paribus. Em outras palavras, estamos afirmando que quanto maior for o preço de um bem, mais interessante se torna produzí-lo.

(MOREIRA; JORGE, 2009, p.27)

N. Gregory Mankiw corrobora com este entendimento enunciando a chamada lei da

oferta:

[...] lei da oferta: com tudo mais mantido constante, quando o preço de um bem aumenta, sua quantidade ofertada desse bem também aumenta e, quando o preço de um bem cai, a quantidade ofertada desse bem também cai.

(MANKIW, 2007; p.71)

Com a mesma simplicidade, os economistas representam esta relação entre oferta e

preço como uma função linear direta, tal como mostrada no Gráfico 3 abaixo. Deste gráfico

depreende-se que ao aumento de preço, por exemplo, de p1 para p2 (p2 > p1) corresponde um

aumento quantidade demandada de Q1 para Q2 (Q2 > Q1).

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Gráfico 7 – Relação entre Oferta e Preço

A introdução de uma segunda variável, no caso da oferta, acompanha as mesmas

simplificações empregadas na análise da demanda, sendo representadas no Gráfico 4.

Gráfico 8– Impacto linear de uma terceira variável sobre a Oferta

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Este último gráfico espelha, por exemplo, duas situações distintas em relação aos custos

de produção. A primeira, representada pela reta O.Forte, correspondendo a introdução de uma

nova máquina, mais eficiente, possibilite o aumento de produção com a mesma base de custo.

O produtor-vendedor será estimulado a aumentar a quantidade produzida de Q para QF (Q <

QF) sem alterar o preço. Na segunda situação (O.Fraca), o produtor-vendedor pode ter

enfrentado um aumento excessivo do custo de energia, que o obrigou a reduzir a produção, e

reestruturar as margens operacionais.

Da mesma forma como mostrado na análise da oferta, é possível construir três equações

similares as congêneres [Eq.2.1], [Eq.2.2] e [Eq.2.3] para representar analiticamente as três

novas situações da oferta.

4.1.2 Demanda e oferta em mercados perfeitamente competitivos

Nem todos os tipos de mercados funcionam do mesmo modo. Há mercados

competitivos, mercados nos quais há um número reduzido de produtores e até mercados

servidos por empresas monopolistas, ou com posição participação significativa na oferta. A

teoria microeconômica introduz a análise dos mercados a partir da premissa da concorrência

perfeita, conforme definida por N. Gregory Mankiw:

Um mercado competitivo é um mercado em que há muitos compradores e muitos vendedores, de modo que cada um deles, individualmente, tem impacto insignificante sobre o preço de mercado.

[...]

Os mercados perfeitamente competitivos são os mais fáceis de analisar. Ademais, como há um certo grau de competição na maioria dos mercados, muitas das lições que aprendemos estudando a oferta e a demanda, sob condições de competição perfeita se aplicam também a mercados mais complexos. (MANKIW, 2007, p.64-65)

Nos mercados perfeitamente competitivos (em que pese tratar-se de um modelo teórico)

o mercado opera no ponto de equilíbrio entre a demanda e a oferta, que é representado pelo

cruzamentos das retas D(p) e O(p) mostradas nos capítulos 4.1.1 e 4.1.2. Esta situação é

mostrada no Gráfico 5. No ponto de equilíbrio (p1,Q1) a receita R1 auferida pelo produtor é a

área do retângulo construído desde o ponto (p0,Q0) até o ponto de equilíbrio. Ou seja:

C� = )*�, &�� = *� × &��12. 3�

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Um aumento de demanda, causada por qualquer outra das variáveis aventadas nas

[Eq.1], tais como, produtos substitutivos, renda ou gosto, provoca uma alteração no ponto de

equilíbrio em um novo ponto no qual a demanda e os preços são mais elevados, acarretando

também o aumento da receita auferida pelo produtor. Esta situação é mostrada no Gráfico 6.

Gráfico 9 – Equilíbrio entre Demanda e Oferta

A nova receita R2 auferida pelo produtor é dada pela área p2 x Q2, maior, portanto, que

a receita R1, uma vez que p2 > p1 e que Q2 > Q1.

A análise desenvolvida até então é inteiramente calcada na teoria microeconômica tendo

sido, também, objeto de descrição preambular empreendida por Luis Eduardo Schoueri (2011,

p.46-56).

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Gráfico 10 – Novo equilíbrio entre Demanda e Oferta devido a Demanda Forte

4.1.3 Impacto da tributação sobre o equilíbrio demanda-oferta

A tributação, embora seja no mais das vezes, tratada pelo seu viés teleológico, a saber,

como instrumento de conferir ao Estado as receitas que necessita para fazer frente aos seus

deveres constitucionais, é também uma interferência do Estado nos mercados, operada por

intermédio do direito. Embora os efeitos da tributação sobre o funcionamento dos mercados

sejam reconhecidos – ao menos qualitativamente, notadamente em relação às consequências

inflacionárias – é útil empreender análise mais aprofundada sobre os seus efeitos na relação

demanda-oferta e seus impactos do agregado econômico (total welfare).

Tomando como ponto de partida o equilíbrio demanda-oferta mostrado no Gráfico 9, e

assumindo que o produtor repassa integralmente a tributação para o preço, identificamos, por

intermédio do Gráfico 7, que produtor e vendedor passam a ter perspectivas distintas da situação

mercadológica.

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Gráfico 11 – Desequilíbrio demanda-oferta causado pela tributação

Ao repassar o tributo t integralmente para o preço p1 o produtor continua a perceber o

equilíbrio do mercado como sendo hipoteticamente no ponto (p1,Q1). Todavia, os compradores

passam a encarar um novo preço p2 que inclui a tributação (p2=p1+t) e portanto percebem o

ponto de equilíbrio como sendo (p2,Q2). Nesta situação, há desequilíbrio entre demanda e oferta.

Os compradores ajustam sua demanda para um patamar inferior ao da situação sem tributação,

visto que Q2 < Q1. Por outro lado, os produtores têm condições de produzir eficientemente para

uma demanda igual a Q1. Assim, como a quantidade que o mercado está disposto a comprar é

menor do que a quantidade que os produtores são induzidos a produzir, haveria, potencialmente,

um excesso de oferta e a quantidade de produtos (Q1-Q2) poderia ficar encalhada com os

produtores. Acrescente-se que, nesta circunstância, a receita dos produtores é menor do que a

auferida no equilíbrio demanda-oferta conforme demonstrado abaixo:

C = )*�, &�� = *� × &��12.4.1]

CE = )* , & � = *� × & [Eq. 4.2]

�FGF& H &�, IJKãFCE H C

Na qual:

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• R é receita auferida pelo produtor antes da introdução do tributo

• (p1,Q1) é o ponto de equilíbrio antes da introdução do tributo

• RL é receita líquida auferida pelo produtor após a introdução do tributo

• (p2,Q2) é o ponto de demanda percebido pelo mercado após a introdução do tributo

A arrecadação fiscal decorrente da introdução do tributo t é:

M = )* , & � = K × & �12. 5.1� K = * > *�� [Eq. 5.2]

1JKãF,M = )* , & � = * > *�� × & �12. 5.3� Tal situação evoca a possibilidade de um novo equilíbrio demanda-oferta de decorrência

da introdução do tributo (Gráfico 8, abaixo). O novo equilíbrio se estabelece para um preço p3,

No qual:

• Q3 = O(p3-t), a oferta é calibrada pelo novo preço sem tributo;

• Q3 = D(p3), a demanda é determinada pelo novo preço com tributo;

• (p3-t) < p1, o novo preço sem tributo é menor que o preço anterior, antes da introdução da tributação;

• Q2 < Q3 < Q1, a nova quantidade de equilíbrio é menor do que o a do equilíbrio demanda-oferta sem tributação e maior do que o demanda desequilibrada mostrada no Gráfico 11.

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Gráfico 12 – O novo equilíbrio demanda-oferta em face a tributação

O novo equilíbrio demanda-oferta é estabelecido para uma quantidade tal que a distância

entre as retas das funções D(p) e O(p) seja igual ao valor do tributo t. Nesta nova situação de

equilíbrio temos que:

(i) Já que Q3 > Q2, o novo equilíbrio é favorável ao mercado pois recupera o consumo em relação à situação de desequilíbrio mostrada no Gráfico 11.

(ii) Porém, como Q3 < Q1, o tributo efetivamente reduz a capacidade de consumo do mercado, não representando uma condição ideal para os compradores.

(iii) Como o tributo t permanece inalterado e Q3 > Q2, a arrecadação no novo equilíbrio demanda-oferta é superior à da situação de desequilíbrio, ou seja, [A*= f(p3,Q3) = (t ×Q3)] > [A= f(p2,Q2) = (t ×Q2)]. O novo ponto de equilíbrio é favorável ao fisco pois aumenta a sua arrecadação em função do aumento da quantidade consumida em relação à situação de desequilíbrio.

(iv) Entretanto, como nova quantidade é menor que a inicial, Q3 < Q1 e o novo preço líquido (p3-t) é menor que o preço inicial sem tributação p1. A nova receita liquida é menor que a inicial, RL

*= f(p3,Q3) < RL= f(p2,Q2). Ou seja, o novo equilíbrio demanda-oferta não é favorável ao produtor, que vê sua receita líquida reduzida.

Em síntese, a incidência de tributação em mercados perfeitamente competitivos reduz a

demanda e receita líquida do produtor forçando o surgimento de um novo equilíbrio demanda-

oferta. O mercado e os produtores se ajustam para gerar a arrecadação reclamada pelo fisco.

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Tal conclusão já era intuitivamente previsível. Os gráficos aqui apresentados têm o condão do

solidificar o entendimento, ainda que realizadas com base em modelos matemáticos

simplificados.

4.1.4 Demonstrações relevantes

Considerando-se demanda e oferta como funções lineares do preço, a saber D(p) e O(p):

12OPçõI.1: TU*� = >VW ∙ * +YW�12. 6.1�[*� = V7 ∙ * +Y7�12. 6.2�

\P]2OI:VW > 0,V7 > 0, YW > Y7

Considerando-se ainda que:

• A receita do produtor é representada pela função R(p)

• A receita líquida do produtor é representada pela função RL(p)

• O tributo é representado pela constante t

• A arrecadação do fisco é representada pela função A(p)

[Demo1]

Demonstrar que existe um ponto de equilíbrio (p1,Q1) que satisfaça as Equações1.

�FJ._`I/PJ`FU*� = [*� = &�

\IGF.2OI:*� = YW > Y7�VW + V7��12. 7.1� Dada a solução do sistema de Equações1 e as condições explicitadas, podemos afirmar

que:

• Existe p1, p1 > 0, uma vez que βd > βo e que αd > 0, αo > 0 e (αd + αo > 0)

• Da equação O(p), considerando que p1 > 0, αo > 0, temos que existirá Q1, Q1 > 0 e se αo • p1 > βo

• A situação Q1 < 0, embora matemática possível, não tem relevância prática, pois indica que não há demanda no preço de equilíbrio demanda-oferta

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[Demo2]

Demonstrar que Q2 < Q1 na situação de desequilíbrio demanda-oferta introduzido pela

tributação (Gráfico 11).

Resolvendo o sistema de equações abaixo:

12OPçõI.2: bU*�� = &� = >VW ∙ *� +YWU* � = & =>VW ∙ * +YW* =*� + K

Temos que:

&� = & + K ∙ VW Como t > 0 e αd > 0 então Q1 > Q2.

[Demo3]

Demonstrar que P3 < P1 e que Q3 < Q1 na situação na nova situação de equilíbrio demanda-

oferta estabelecido após a introdução da tributação (Gráfico 11).

Considerando que:

• O novo equilíbrio ocorre no ponto (p3,Q3) na reta da demanda e no ponto (p3-t,Q3) na reta da oferta. É um equilíbrio imperfeito.

• O tributo t é calculado pela multiplicação do preço p3 com a alíquota at sendo que a alíquota é um número maior do que zero e menor do que um.

Resolvendo o sistema de equações abaixo:

12OPçõI.3: cde U*f� = >VW ∙ *f +YW[*f > K� = V7 ∙ *f > K� +Y7U*f� = [*f > K� = &fK = *f ∙ P@, .IJ`F0 H P@ H 1

Temos que:

*f = YW > Y7�VW ∙ 1 > P@� + V7��12. 7.2�

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Donde se conclui que:

• Comparando as equações [Eq.7.1] e [Eq.7.2] e levando em conta que 0 < at < 1, então o denominador da [Eq.7.2] é menor do que o da [Eq.7.1] e p3 > p1, ou seja, o preço do novo equilíbrio imperfeito é maior que o preço do equilíbrio ideal.

• Adicionalmente, considerando que p3 > p1 e aplicando a relação à [Eq.6.1], constata-se que αd·p3 > αd·p1) e que, consequentemente, D(p3) < D(p1), ou seja, Q3 < Q1.

4.2 Otimização da tributação de bens e serviços de TI e TIC

4.2.1 Marco teórico aplicável à questão

A metodologia Law and Economics, também denominada de Análise Econômica do

Direito, e seus autores referencias tais como Steven Shavell, Cooter e Ulen, Mitchell Polinsky

e Richard Posner, é importante marco teórico para a avaliação de estratégias tributárias à luz da

maximização do agregado econômico. Em Tese de Láurea, introduzo-a como um método

analítico que busca perquirir o efeito que os dispositivos legais têm sobre a conduta dos atores

sociais172 em face ao exercício de custo-benefício que cada um continuamente realiza:

A análise econômica do direito volta-se para o processo decisório individual do qual decorre a escolha de um comportamento em face de um dispositivo legal, considerando que esta escolha guarda similaridade com as escolhas feitas pelos indivíduos ao se defrontarem com a decisão de arcar com um preço para auferir um benefício. A análise realizada por um indivíduo diante da norma jurídica é uma análise de custo-benefício e o objetivo do indivíduo ao fazê-la é maximizar o benefício em face ao custo incorrido.

(GALLINDO, 2011, p.19)

O Estado também é um ator social, sendo, portanto, dotado de racionalidade econômica

que permeia suas decisões, inclusive em matéria tributária. Qual então a postura do Estado

frente ao tributo? Schoueri identifica o tributo como receita derivada, conforme o excerto:

Na medida do agigantamento das tarefas estatais, cabe ao ordenamento prever os meios para o Estado financiar seus gastos. Cogita-se, aqui, da obtenção de receita pública.

[...] na receita derivada, se o Estado recebe os recursos é porque alguém a auferiu, originariamente, e, num segundo momento, a transferiu ao Estado.

172 Indivíduos e empresas são considerados atores sociais. Os autores de Law and Economics têm como pressuposto que os atores sociais são racionais e que tomam suas decisões com racionalidade. Atores sociais são também denominados de atore econômicos. (GALLINDO, 2011, p.22)

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Dentre as receitas derivadas onde se encontram, dentre outras, as multas, ocupa lugar de destaque a receita dos tributos, como sendo hodiernamente, a principal fonte de recursos financeiros do Estado.

(SCHOUERI, 2011, p. 119 e p.128)

Neste sentido, sendo a arrecadação tributária a principal fonte de suas receitas, é natural

que o Estado procure maximizá-la, da mesma forma que quaisquer outros atores sociais buscam

a maximização da utilidade, conforme a quarta premissa de A. Mitchell Polinsky173. Assim

sendo no exercício da competência tributante norteado pela busca de maximização da receita

derivada, o Estado se vê diante de dois desafios, frequentemente antagônicos: (i) aumentar a

arrecadação pela via do aumento da tributação, ou (ii) induzir o crescimento da arrecadação por

intermédio do aumento de volume de transações, impulsionado por uma tributação mais

comedida.174 Este dilema se reveste de especial relevância em face a um novo modelo de

negócios, que em si representa um novo fenômeno econômico.

Richard Posner, em sua obra Economic Analysis of Law aborda a questão tributária sob

a ótica da eficiência, considerando os diversos efeitos da tributação sobre a alocação econômica

de recursos e a obrigação distributiva implícita a ação do Estado:

Taxing an activity creates an incentive to substitute another activity that is taxed less heavily. Presumably, however, the switchers were more productively employed in the first activity, otherwise the imposition of a tax would not have been necessary to induce them to switch to the second.

[…]

The revenue-generating, resource-allocation-distorting, and distributive effects of tax are not the only criteria to consider in the design of an efficient tax system. Another is the cost administering the system.

(POSNER, 2011, p. 653 e p.655)175

Os serviços de TIC, dentre os quais os serviços na nuvem destacam-se como a nova

onda, são altamente transversais na economia, sendo potencializadores de eficiência para todas

as demais atividades. Tributação exagerada afeta equilíbrio entre oferta e demanda, inibindo a

segunda. Um possível efeito de uma política tributária onerosa é o retardamento da adoção de

173 (POLINSKY, 2003, p,10-11, op. cit., GALLINDO, 2011, p.21) 174 O impacto econômico da tributação sobre equilíbrio oferta-demanda é discutido com rigor matemático em (SCHOUERI, 2011, p.46 e ss) 175 “A tributação de uma atividade cria um incentivo de transferência para outra atividade que seja menos

onerada tributariamente. Entretanto, os que mudam de atividade eram, presumivelmente, mais produtivos na atividade anterior, e, não fosse pelo aumento da onerosidade tributária, não teriam necessariamente deixado a atividade original. [...] Os efeitos de geração de receita, distorção de alocação de recursos e distributividade da tributação não são os únicos critérios a serem considerados na concepção de um sistema tributário eficiente. Um outro critério é o custo de administração do sistema.” (Trad. livre do autor)

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tecnologias voltadas a eficiência, produzindo, como consequência, perda de competividade

relativa.

Assim sendo, uma política tributária bem concebida certamente será um poderoso fator

de indução do setor de TIC em ambiente pátrio. Já uma política tributária pouco informada tem

o condão de comprometer o florescimento do setor já no seu nascedouro.

4.2.2 Ciclo de vida mercadológico de bens e serviços de TI e TIC

Observa-se, empiricamente, que a comercialização de bens e serviços tecnológicos é

marcada por uma pela natureza cíclica composta de quatro fases bem demarcadas: (i)

introdução de um bem ou serviço notadamente inovador, fase caracterizada pelo alto preço de

comercialização e alta taxa de crescimento da demanda; (ii) maturidade mercadológica,

caracterizada pela estabilização do consumo e do preço; (iii) uma fase de senilidade, onde se

observa a redução concomitante do consumo e do preço praticado, ambos possivelmente

afetados pela concorrência com novas inovação introduzidas no mercado ou em função da mera

desnaturalização do aspecto inovador e consequente percepção do produto ou serviço como

commodity; e (iv) uma fase de comercialização residual, devotada a manutenção de base

instalada.

O Gráfico 9 abaixo mostra um modelo teórico exemplificativo, construído com o fito

de mostrar, ainda que conceitualmente, as fases típicas dos ciclos de comercialização de bens e

serviços tecnológicos, doravante denominado genericamente de produtos, relacionando a

variação de preço unitário com a quantidade comercializada ao longo de 10 anos, fracionados

em trimestres. A curva de quantidade comercializada revela as fases supra referias, a saber,

introdução, maturidade, senilidade e residual.

A fase introdutória se inicia no primeiro trimestre do Ano1 e se estende até o segundo

trimestre do Ano3 (10 trimestres). O preço inicial do produto é arbitrado em R$ 1.000,00,

podendo equivaler ao de um produto de consumo, tal como um smartphone popular. A

quantidade comercializada varia de um valor inicial de 241 mil unidades, no primeiro trimestre

após o lançamento, até 986 mil unidades, antes do início da fase de estabilidade. Nesta fase, o

modelo projeta, até o início da fase seguinte, uma redução de preço de 37,9% preço e um

aumento na demanda de 301%, correspondendo a uma redução de preço de 14,7% a.a. e

aumento na quantidade comercializada de 58,9% a.a.

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A maturidade se inicia no segundo trimestre do Ano3 e perdura por 1 ano e meio (6

trimestres). Neste período o preço unitário se mantém estável em R$ 621,00 e a comercialização

em 1 milhão de unidades por trimestre.

A senilidade se começa no primeiro trimestre do Ano5 e dura até o segundo trimestre

do Ano7 (10 trimestres). Neste período o preço unitário se cai 59,3%, atingindo o patamar de

R$ 203,30 no início período residual. A comercialização declina 76,6%, iniciando-se com

redução inicial para 985 mil unidades até chegar a 231 mil unidades por trimestre. A redução

de preço é de 14,7% a.a. e a de na quantidade comercializada é de 76,6% a.a.

Na etapa residual, o preço permanece fixo em R$ 230,00 e a comercialização em 231

mil unidades por um período de que vai deste o terceiro trimestre do Ano7 até o fim da vida

útil do produto, no final do Ano10 (14 trimestres).

Embora o gráfico retrate um ciclo em 10 anos, prologando-se até o completo esvaimento

do potencial de comercialização, e a despeito da brutal redução de preço, chegando a cerca de

77%, é importante ressaltar que, hodiernamente, já se observa uma tendência de encurtamento

dos ciclos e de interrupção prematura da fase residual, em favor de novas ondas de produtos.

Tal tendência de ciclos curtos é mais notória no mercado de consumo, onde inovações

disruptivas são mais comuns, sendo que no mercado corporativo (business-to-business ou B2B)

os ciclos mais longos ainda são prevalentes, em que pese permeados por introdução de

inovações incrementais.

A construção do modelo teórico levou em conta algumas evidências, fruto de pesquisa

em sítios de comercio eletrônico na Internet. Observou-se, por exemplo uma redução de preços

de smartphones Apple iPhone na ordem de 57% (redução de R$ 3.500,00 até R$ 1.500,00) e de

similares Samsung na ordem de 79% (redução de R$ 3.300,00 a R$ 700,00). Considerando que

tais produtos de consumo movimentam uma diversificada cadeia de fornecimento de partes e

peças, incluindo, dispositivos microeletrônicos, tais como, microprocessadores e memória,

discos rígidos, telas e monitores, bem como, componentes mecânicos, é de se esperar que as

fases produtivas dos insumos acompanhem, em termos de perfil temporal de variação de preços

e quantidades, as equivalentes dos produtos finais destinados ao consumo.

Possivelmente com variações menos elásticas, mas com o mesmo perfil, se comportam

os produtos tecnológicos voltados à infraestrutura, tais como, processadores de alta capacidade

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e dispositivos de storage voltados e equipar datacenters e equipamentos de telecomunicações,

tais como, estações rádio-base para redes celulares, ou ainda equipamento de transmissão ótica

ou por radiofrequência e roteamento de pacotes, típicos de redes de dados, notadamente a

Internet.

Gráfico 13 – Variação de Preço Unitário x Quantidade no tempo para TIC

4.2.3 Preço e utilidade como propulsores da demanda

Ao debruçarmo-nos sobre o perfil de variação da quantidade e do preço ao longo do

tempo constatamos que uma função linear relacionando a demanda com o preço possivelmente

não traduz inteiramente e fidedignamente a fenomenologia observada. É razoável supor que

tratar-se de verdadeiro fenômeno multifacetado e multivariável, conforme o elaborado

conceitualmente na [Eq. 1], de modo a identificar um outro fator que possa influenciar a

voracidade com a qual o mercado adere e consome produtos de TI e TIC.

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Os teóricos de Law & Economics entendem que os indivíduos balizam o seu o

comportamento pela busca da maximização da utilidade:

[...] individuals (and when relevant, firms) maximize their benefits less their costs. This is known as the assumption of utility maximization (or when firms are involved, profit maximization). (POLINSKY, 2003, p.11)176

Na teoria de welfare economics associa-se a maximização da utilidade a indivíduos e a

maximização de lucro a empresas. Deveras, o conceito de utilidade abarca não somente o

resultado de transações econômicas, tais como compra e venda, incluindo aspectos intangíveis

de bem-estar, tais como, satisfação, felicidade decorrentes de afetos, senso de estética, prazeres,

altruísmo, senso de justiça ou exercício de poder. Destarte, o conceito de utilidade abarca muitas

das variáveis enumeradas na [Eq. 1], sendo suficientemente aberto em termos semânticos para

agasalhar aspectos tais como percepção de aumento de produtividade pessoal ou empresarial,

aumento de grau de conexão com grupos de interesse, chegando até mesmo subjetivismos tais

como status social, modismo, etc. Como base nesta premissa, podemos reescrever a [Eq.1] da

seguinte forma simplificada:

Ugh = )*, O��12.7� Na qual:

• DTI e´a demanda por produtos de TI ou TIC

• p é o preço do produto de TI ou TIC

• u é a utilidade do produto de TI ou TIC

A relação entre demanda e preço é bem conhecida sendo, como já exploramos,

simplificadamente modelada como uma função linear inversa. Todavia, uma visão mais detida

sobre o Gráfico 9 revela que a utilidade parece responder a outro condicionante, que não o

preço. Com efeito, o preço varia sempre na descendente, ao passo que a quantidade

comercializada, responde de forma crescente, na fase de introdução e decrescentemente na

senilidade. Ora, o fator subjacente é o tempo. Quando uma inovação tecnológica é introduzida,

ela, usualmente, vem com recursos novos, podendo também trazer novos modelos de negócio.

Rompida a inércia inicial, a adoção de uma inovação bem-sucedida se acelera, por efeito da

massificação típica da sociedade moderna. Na medida em que a dita inovação é replicada por

176 “ [...] indivíduos (ou empresas, quando relevante) maximizam seus benefícios, após deduzirem seus custos.

Tal conduta é conhecida como o axioma da maximização da utilidade (ou no caso das empresas, maximização dos lucros).” (Trad. livre do autor)

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outros provedores, estabelece-se uma concorrência entre produtos por substituição – ou seja, o

que foi tratado como um fator separado, também pode ser embutido no conceito de utilidade.

Esta concorrência pode ser dar tanto pela diferenciação de certas características técnicas, tais

como, maior velocidade do processador, maior capacidade de armazenamento, maior resolução

da câmera fotográfica, entre outras, quanto pela redução dos preços. Ao cabo de certo tempo,

ou a diferenciação da utilidade se torna insignificante ou os preços se nivelam, ou ambos. Em

momentos como este, preliminares a estabilização do mercado em um estado concorrência

marginal, não é incomum a introdução de outra geração de inovações que tende a tornar

obsoleta a tecnologia anterior e seus produtos.

Portanto, com base no exposto, entendemos que o fator utilidade é melhor representado

como uma função não linear do tempo e que é passível de ser agregado à análise do ciclo de

vida mercadológico de TI como um termo aditivo à demanda determinada em função do preço.

Assim, reescrevemos a Eq. 7:

Ugh = & = )*� + OK��12.7P� Na qual:

• DTI é a demanda por produtos de TI ou TIC, traduzida na quantidade Q

• p é o preço do produto de TI ou TIC

• f(p) é uma função linear inversa descrita por equação do tipo α·p+β

• u(t) é utilidade do produto de TI ou TIC em função do tempo t

A curva da demanda mostrada no Gráfico 9 é então decomposta em suas duas funções.

A função linear f(p) foi arbitrada como base em julgamento de razoabilidade e a função u(t)

representou a diferença. O Gráfico 10 mostra o comportamento das respectivas funções.

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Gráfico 14 – Decomposição da Demanda de TI em f(p) e u(t)

Como já se podia antever, a função f(p) acompanha inversamente a redução do preço e

a função u(t) é uma cópia em escala da curva total de demanda, ambas referentes ao Gráfico 9.

A proporção da contribuição das funções f(p) e u(t) pode ser objeto de análise de sensitividade

em futuros ensaios, visando auferir o impacto das estratégias tributárias sobre o agregado

econômico. Todavia, como as estratégias tributárias só interferem na variação da quantidade

em função do preço, conforme analisamos no item 1.3, adotamos uma postura conservadora

para a variável de controle.

4.2.4 Função indutora e extrafiscalidade

No tocante às funções fiscais, Luis Eduardo Schoueri afirma que:

Com efeito, o cumprimento das funções fiscais é, primeiro, objeto da análise do orçamento público [...] O tributo, na função arrecadadora, tem uma relação mediata com as funções fiscais, tendo em vista que é o meio mais relevante para obtenção de recursos financeiros para o Estado. [...]

Paralelamente, pode-se apontar no tributo uma relação imediata com aquelas funções, quando se tem em conta sua função indutora de comportamentos.

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Esta característica impõe que se perceba que o tributo tem várias funções. Ao lado da mais óbvia – a arrecadadora – destacam-se as outras, comuns a toda a atividade financeira do Estado (receitas e despesas): as funções distributiva, alocativa (indutora) e estabilizadora. Ao afetar o comportamento dos agentes econômicos, o tributo poderá influir no equilíbrio antes assumido pelo mercado. (SCHOUERI, 2011, p.32)

A função indutora é muito relevante para o Direito Econômico na medida em que se

constitui em uma das formas de atuação do Estado sobre a Economia, conforme classificação

proposta por Eros Grau (2008, p.27): “atuação por indução, que ocorre quando o Estado

dinamiza instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o

funcionamento dos mercados”.

A extrafiscalidade presente no direito tributário, inclusive como parte do Sistema

Tributário Constitucional, é a característica que concretiza o aspecto indutor de certos tributos.

O instituto é definido por Geraldo Ataliba em citação de Eduardo Sabbag:

Segundo Geraldo Ataliba, “consiste a extrafiscalidade no uso de instrumento tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. (ATALIBA apud SABBAG, 2010, p.105)

Schoueri, todavia, ao alertar quanto ao cuidado para que não haja rigidez quanto aos

critérios classificatórios, comenta:

Há quem classifique os tributos a partir da extrafiscalidade, havendo arrecadatórios e os regulatórios.

A classificação merece crítica porque todos os tributos têm efeito arrecadatório em maior ou menor grau. Por isso mesmo, normas tributárias indutoras podem ser veiculadas em qualquer tributo.

(SCHOUERI, 2011, p.148)

A abertura consentida pelo autor abre possibilidades para a dinamização de certos

instrumentos tributários em função da natureza do fenômeno econômico tributado. Tal abertura

ganha amplitude e significância quando contrastada com a visão de Law and Econômics sobre

expressão social welfare. A mesma tem origem na disciplina de welfare economics e está

intimamente ligada a utilidade ou bem-estar social auferido no âmbito de um sistema social ao

invés de restrita a um contexto individualístico. Existe social welfare, portanto, quando a soma

dos benefícios auferidos por cada um dos atores sociais envolvidos em certa situação fática

excede a somas dos seus respectivos custos. Os atores sociais em questão podem incluir

indivíduos, empresas e o próprio Estado, sempre quando for o caso. Entendemos que a

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expressão benefício líquido social, ou por conveniência, simplesmente benefício-social

(considerando-o implicitamente líquido de custos) a melhor tradução para a expressão social

welfare. Trata-se, outrossim, de um conceito imediatamente derivado da análise de custo-

benefício sobre as transações econômicas envolvidas em uma determinada situação fática

decorrente da incidência de uma norma jurídica. O critério de avaliação normativa como

proposto por Shavell, lastreado em geração de benefício-social, é definido por Polinsky (2003,

p.7) como critério de eficiência, que corresponde à outra premissa fundamental da welfare

economics: a maximização da eficiência leva ao estabelecimento inevitável e espontâneo do

equilíbrio em todos os mercados. Cooter e Ulen (2011, p.38) denominam esta situação de

equilíbrio geral.

Conclui-se que a extrafiscalidade, lato sensu, comporta e autoriza a análise de

estratégias tributárias que maximizem a eficiência, traduzida, com amplitude de generalidade,

como benefício-social, ou em sentido econômico mais restrito, como maximização do agregado

econômico.

4.2.5 Análise comparativa de estratégias tributárias de viés extrafiscal

A análise ora empreendida visa perquirir o efeito da tributação sobre os fenômenos

econômicos ligados à inovação em tecnologia da informação e comunicação, comparando (i) a

estratégia convencional de tributação com alíquota fixa ao longo do tempo, com duas outras

estratégias teoricamente propostas, a saber, (ii) tributação com perfil variável ao longo do

tempo, acompanhando o perfil quase-gaussiano da quantidade consumida, e (iii) uma tributação

crescente com perfil de curva em S. Empregou-se nos nas alternativas (ii) e (iii) perfis de

tributação rígidos, fugindo da gradualidade mostrada nas curvas de preço e demanda propostas,

e, portanto, condizentes com as possibilidades típicas de um instrumento tributário. O Gráfico

15, abaixo, mostra os três tipos de tributação a serem analisados.

Para o perfil de alíquota fixa (i), adotou-se o percentual de 10%. O perfil de alíquota

variável (ii) acompanha o perfil da demanda total, conforme mostrado no Gráfico 13, inciando-

se com alíquota de 5% no primeiro trimestre do Ano1, aumento para 13,5% no primeiro

trimestre do Ano3 e posterior redução para 5% no quarto trimestre do Ano7, permanecendo

neste patamar até o fim da vida útil do produto. O perfil (iii), de alíquota crescente, inicia-se

com alíquota de 5% no primeiro trimestre do Ano1, aumento para 10% no primeiro trimestre

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do Ano3 e posterior aumento para 15% no primeiro trimestre do Ano5, permanecendo neste

patamar até o fim da vida útil do produto.

Gráfico 15 – Estratégias de tributação

O desempenho das três estratégias de tributação é sumarizado no Quadro 1. O perfil de

alíquota variável demonstrou-se o mais eficiente, tendo viabilizado o maior benefício-social em

termos de penetração, com 21,55 milhões de produtos vendidos e maximizado o agregado

econômico, com R$ 12.140 milhões de receita para o produtor e R$ 1.253 milhões de

arrecadação de tributos, representando uma carga tributária de 10,3%, e totalizando R$ 13.394

milhões de agregado econômico gerado.

Perfis de TributaçãoQtde

(mil)

Var Qtde

(%)

Receita

(milhões)

Var Rec.

(%)

Arrecadação

(milhões)

Var Arrec.

(%)

Carga

Trib (%)

Agregado

Econômico

(milhões)

Sem Tributação 22.073 12.448R$ -R$ 12.448R$

Alíquota Fixa 21.491 0,00% 12.081R$ 0,00% 1.208R$ 0,00% 10,0% 13.290R$

Alíquota Variável 21.550 0,27% 12.140R$ 0,49% 1.253R$ 3,72% 10,3% 13.394R$

Alíquota Crescente 21.496 0,02% 12.147R$ 0,55% 1.187R$ -1,76% 9,8% 13.334R$

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Quadro 5 – Desempenho dos perfis de tributação

O desempenho do perfil de alíquota fixa, perfil usual em termos de práticas tributárias,

foi o pior em benefício-social, com 21,49 milhões de produtos vendidos, 0,27% a menos que o

perfil de alíquota variável, e o pior em termos de receita, com R$ 12.081 milhões, cerca de 0,5%

abaixo do produzido pelo perfil de alíquota variável. Todavia, produziu o segundo melhor

resultado arrecadatório, com 10% de carga tributária. Logo, percebe-se que, embora efetivo do

ponto de vista arrecadatório, o perfil usual de alíquota fixa não maximiza o volume de negócios

e a penetração na sociedade, sendo que esta é capaz de gerar outras repercussões devido a

transversalidade da tecnologia de informação e comunicação.

Em que pese o desafio que pode representar o casamento temporal da alíquota variável

com o ciclo de vida mercadológico de cada produto, o resultado obtido pelo modelo teórico

aponta, no mínimo, para a necessidade de aprofundamento ulterior.

4.3 Considerações finais sobre tributação ótima

A análise dos efeitos da tributação sobre mercados perfeitamente competitivos a partir

do instrumental analítico microeconômico revelou que a introdução da tributação, produz um

novo equilíbrio demanda-oferta, em patamar de quantidade e preço menor do que o equilíbrio

original sem tributação, abrindo espaço para a arrecadação por parte do Estado. Tal equilíbrio

sub-ótimo, ao menos de acordo com nosso conhecimento, ainda não havia sido explicitado na

literatura.

O ciclo de vida mercadológico dos produtos de TI e TIC foi objeto de modelamento

teórico com uma curva de preço decrescente e uma curva de quantidade quase gaussiana, com

quatro fases bem demarcadas: introdução, maturidade, senilidade e residual. Para a geração da

curva de demanda identificou-se o papel da utilidade como fator impulsionador adicional a

variação do preço. Constatou-se ainda que a utilidade representa o elo com o tempo, sendo,

portanto, elemento invariante em relação ao preço. A curva de quantidade foi construída a partir

da soma das funções preço e utilidade, a saber DTI = Q = f(p) + u(t).

Aplicou sobre o modelo teórico de demanda e preço três perfis de tributação no tempo,

a saber, tributação com alíquota fixa, tributação com alíquota variável e tributação com alíquota

crescente, objetivando examinar o aspecto de extrafiscalidade, lato sensu, como instrumento

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indutor do mercado. O perfil alíquota variável apresentou o melhor desempenho nos quesitos

de benefício-social, pelo nível de penetração através da maximização das vendas, e de agregado

econômico, correspondendo a soma da receita e da arrecadação produzida.

O resultado deste estudo, que teve como marcos teórico a doutrina tributária brasileira

e Law and Economics, ambos tomando como base os mais relevantes autores nacionais e

estrangeiros, revela ângulos ainda pouco explorados e aponta para necessidade de pesquisas,

modelagens e análises de sensibilidade mais aprofundadas.

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5 In Fine - Hermenêutica, contribuições e conjecturas

Em sua obra introdutória ao direito, que em minha modesta avaliação é menos

introdutória e muito mais uma arrojada síntese do direito, e seus como métodos, como ciência

e instrumento para o exercício do poder e a organização social, Tercio Sampaio Ferraz Jr. nos

brinda com sua percepção de que “a hermenêutica é, ela própria, um poder de violência

simbólica que faz a lei falar”177 e complementa:

Não é sem razão que, pois, que a doutrina hermenêutica costuma dizer difusamente que a interpretação é um ato de síntese e que o interprete, para alcançar a ratio legis, deve lançar mão de todos os meios doutrinários a seu alcance.

(FERRAZ JR., 2007, p.313)

Não por acaso, portanto, elegemos hermenêutica jurídica como fio condutor destas

reflexões, na qualidade de poderosa ferramenta de agregação de dois temas aparentemente tão

dispares na essência jurídica, em que pese tão próximos como fenômenos tecnológicos.

Diríamos nós que, se que a “lei” referida por Tercio é também a representação, em alto grau de

abstração, de todo o ordenamento, então a hermenêutica jurídica é um poder que faz as leis

dialogarem umas com as outras. Com efeito, o ordenamento jurídico se apresenta como um

grafo matemático no qual cada nodo é um diploma jurídico e as conexões entre os nodos são

pontos de interdependência entre os diplomas conectados, ou, mais simbolicamente, canais de

comunicação. À primeira vista, a imagem que vêm à mente é a de uma teia de aranha ou de

uma rede de pescaria. Todavia, as conexões não físicas, mas, sim, lógicas, com distintas

intensidades e mutantes no tempo, sem serem uniformemente distribuídas, muito menos em

espaço bidimensional. O ordenamento é um emaranhado vivo de nodos e conexões em espaço

multidimensional. Neste sentido, nada se parece mais com o ordenamento do que a própria

Internet. A hermenêutica jurídica se assemelha, assim, a um mecanismo de busca que varre o

ordenamento procurando identificar as conexões mais fortes, ou os diálogos mais uníssonos,

entregando ao hermeneuta a visão mais harmônica do próprio ordenamento a respeito de um

desafio da vida real.

Tercio segrega duas doutrinas hermenêuticas, a subjetivista e a objetivista, antagônicas

no objeto da busca: voluntas legislatoris versus voluntas legis. O leitor destas reflexões, que

perseverantemente chegou a este ponto, poderá ter percebido um pendor na direção objetivista.

177 Cf. (FERRAZ JR., 2007, p.308)

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Não por acaso e nem sem razão! A objetividade é conselheira da segurança jurídica. Ficar preso

à percebida vontade do legislador, faz, de certa forma, com que o Direito fique datado,

vinculado ao passado. Mas a humanidade e a sociedade evoluem, pressionando o direito a dar

respostas aos desafios do aqui e agora. Em matérias de relevância econômica e de inovação

tecnológica, as respostas devem, inclusive, antever o amanhã, para que as decisões do presente

não comprometam o futuro. A práxis do Direito de desenvolve com altíssima inércia. O

princípio inexpresso do stare decisis perpassa o judiciário deste a primeira instância até a altas

cortes. O legislador se move a passos letárgicos, incompatíveis com a velocidade com a qual

avança a sociedade. Todavia, mesmo em meio ao ritmo prudentemente cadenciado dos

interpretes autênticos178 e dos legitimados fazedores de leis, vemos jurisprudências sendo

reformadas e leis sendo atualizadas. Segundo Tercio, a crítica que fazem os hermeneutas

subjetivistas e que “os objetivistas criariam, no fundo, um curioso subjetivismo que põe a

vontade do intérprete acima da vontade do legislador, tornando-se aquele [...] ‘mais sábio’ que

o legislador [...] (e que a) norma legislada”.179 A crítica procede, mas é passível de ser sanada.

O novo protagonista do hermeneuta objetivista precisa passar a ser o sujeito de Direito, isto é,

os cidadãos e suas organizações, na condição de agentes sociais, econômicos e políticos. A

ratio legis deve ser aquela que melhor atenda as demandas dos atores sociais, pessoas, empresas

ou organizações. Ao hermeneuta cabe calibrar o filtro com o qual perscruta o ordenamento para

que a vontade da Lei que emirja de sua labuta vá de encontro aos desafios dos que estão sujeitos

à Ela.

Não seria este, sobre qualquer outro, o olhar do Direito Político e Econômico?

Tercio traz à luz dois enfoques teóricos da ciência do direito, que perpassaram,

subliminarmente, essas reflexões:

[...] usando uma terminologia de Viehweg, temos um enfoque zetético, [...] (e), um enfoque dogmático. Zetética vem de zetein, que significa perquirir, dogmática vem doken, que significa ensinar. Doutrinar. Embora entre ambas não haja uma linha divisória radical (toda investigação acentua mais um enfoque que o outro, mas sempre tem os dois) sua diferença é importante. O enfoque dogmático releva o ato de opinar e ressalva algumas opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm função diretiva explícita e são finitas. [...] Por isso, o enfoque zetético visa saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático preocupa-se em possibilitar uma decisão.

178 Interpretes autênticos e doutrinários são definições de Kelsen Cf. (FERRAZ JR., 2007, p.263) 179 Cf. (FERRAZ JR., 2007, p.269)

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(FERRAZ JR., 2007, p.41) (Grifamos)

Em taxonomia sobre o tema, a autor classifica a economia política com uma abordagem

zetética empírica pura, a política legislativa como zetética empírica aplicada e a lógica do

raciocínio jurídico como zetética analítica aplicada. Identificamos estes temas como sendo,

claramente, objeto de interesse do Direito Político e Econômico, tendo perpassado muitas destas

reflexões, até mesmo porque, em se tratando de fenômenos tecnológicos novos, temas aqui

abordados não foram alvo, ainda, de sobeja produção doutrinária.

No tocante a dogmática o autor ensina:

Na verdade, a chamada ciência (dogmática) do direito, sendo uma sistematização do ordenamento e sua interpretação, suas “teorias” chamadas, no conjunto, de “doutrina”, são antes complexos argumentativos, e não teorias no sentido zetético. Ao contrário [...], quando o jurista discute temas [...] suas teorias (doutrina) constituem, na verdade, um corpo de fórmulas persuasivas que influem no comportamento dos destinatários, mas sem vinculá-los, salvo pelo apelo a razoabilidade e à justiça, tendo em vista a decidibilidade de possíveis conflitos. [...]

Deste modo, podemos dizer que a ciência dogmática cumpre as funções típicas de uma tecnologia. [...]

A ideia do cálculo em termos de relação custo/benefício está presente no saber jurídico-dogmático da atualidade. Os conflitos têm que ser resolvidos juridicamente com o menor índice possível de perturbação social. [...]

Ou seja, o cálculo jurídico leva em consideração os limites dogmáticos em face das exigências sociais, procurando, do melhor modo possível, criar condições para que conflitos possa ser decidíveis.

(FERRAZ JR., 2007, p.84-86) (Grifamos)

Nossas reflexões lidaram com muitos conflitos. Conflitos já instalados e conflitos

potenciais. Conflitos entre a visão de órgãos representativos da sociedade civil e agentes

econômicos. Conflitos entre normas, realidade fática e possibilidades futuras. Conflitos entre

julgadores de instância máxima e conflitos jurisprudenciais, nas próprias bases nos quais foram

assentados. Conflitos entre entes federados que resvalam no contribuinte. Assim, o recurso à

doutrina era previsível para que as reflexões pudessem apontar caminhos para a solução de

tantos conflitos, levando-se em conta a ausência postulatória e a não vinculatividade ínsitas do

âmbito acadêmico. Todavia, os cálculos empreendidos foram pinçados de um conjunto

ampliado traços e finalísticas, na medida em que, tanto visaram avaliar os impactos presentes

quanto às perspectivas futuras. Não se debruçaram somente na melhoria da relação

custo/benefício pela via da redução do custo, mas buscaram estimar os impactos no benefício-

agregado econômico-social (total welfare). Ocorre que, por conta do novidadismo das temáticas

abordadas, o arrazoado, que pressupostamente seria de viés eminentemente dogmático, foi

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encorpado com considerações empíricas de natureza técnica, de negócios e econômico-setoriais

– a saber, à guisa de exemplo, a natureza jurídica do software e os papeis do código-fonte, do

código-executável e da palavra-chave; priorização e subsídio de tráfego na Internet; efeito da

tributação sobre o mercado de software e sobre o ciclo de vida de bens e serviços de TIC –

ficando tingido com cores zetéticas. A experiência nos mostrou o quão tênue pode ser a linha

divisória, ou ainda, o quão larga por ser a intersecção entre as duas abordagens.

Lastreados em boa doutrina, passemos às autopercebidas contribuições...

Na reflexão sobre Neutralidade de Rede, enunciamos (i) as quatro naturezas da Internet,

a saber, ecossistema, espaço público, rede do comunicação e mercado, (ii) as cinco máximas

do Princípio Neutralidade de Rede, a saber, transparência, isonomia, liberdade de escolha, não

interferência, não prejudicialidade e inviolabilidade, e (iii) introduzimos uma interpretação

restritiva do Art. 9º do Marco Civil da Internet, denominando-o de Regra da Neutralidade

Básica da Rede, harmonizando-o com o Princípio Neutralidade de Rede plasmado no Art. 3º,IV.

O esforço hermenêutico tomou como base a doutrina do sopesamento de princípios de Dworkin

e Alexy e a lei de colisão deste último. Com parte essencial do processo empreendemos uma

releitura da lei de colisão usando logica matemática proposicional e concluímos pela sua

sistematização em duas asserções, uma descrevendo a lei de colisão em abstrato e a outra

especificando a lei de subsunção: Asserções 1 e 2. A releitura nos permitiu e enunciação de

uma lei de colisão alternativa que expressa uma nova possibilidade jurídica para resolver

situações de pesos relativos equilibrados: Asserções 3 e 4, que abriu caminho teórico para a

harmonização dos Arts. 3º, IV, e 9º.

Neste ponto, é importante façamos uma digressão metodológica.

A despeito de já ser natural no âmbito da escola de pensamento Law & Economics, de

origem norte-americana, o uso da matemática ainda não permeou o nosso universo de reflexão

jurídica, de modo que, não raro, deparamo-nos com certa perplexidade. Assim, se faz mister

qualificá-la e significar o seu uso. A matemática, em sua forma abstrata, nada mais é do que

uma linguagem! É composta de símbolos assim como o são as linguagens naturais, como, aliás,

pontua Tercio, detalhadamente.180 Todavia, delas se destaca por ser substantivamente mais

sucinta e precisa, reduzindo a polissemia. Assim, o ônus do relativo hermetismo acaba sendo

180 Cf. (FERRAZ JR., 2007, p.257)

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compensado pelos resultados em termos de aprofundamento do entendimento do tema objeto

de análise e na ampliação dos horizontes interpretativos. O próprio Alexy traduz a sua lei de

colisão em notação matemática de modo a esmiuçar, de forma mais rigorosa, o seu

funcionamento,181 e a expande expressivamente em obra posterior.182 A regra-matriz de

incidência, enunciada por Paulo de Barros Carvalho183, é um sistema de relações lógicas bem

definidas entre variáveis e parâmetros abstratamente bem definidos. O rigor com que o autor

emprega a lógica na sua construção dogmática jurídica e a felicidade na sistematização e a

simplicidade escolha das notações o fazem, sem dúvida, o grande precursor da matematização

no âmbito do direito. A conversão da regra-matriz de incidência em notação de lógica

matemática proposicional, realizada no artigo “Outorga onerosa de solo criado”184, a exemplo

do empreendido nestas reflexões, evidenciou sua inadequação para descrever a dinâmica das

taxas de poder de polícia e a posterior enunciação da regra-matriz de incidência de faculdade

tributária e as suas correspondentes regras de subsunção. Foi precisamente a obscuridade desta

sutil diferença que levou o Pretório Excelso a uma decisão, a nosso ver, equivocada no âmbito

declaratório. A sistematização matematizada da regra-matriz de incidência de Barros Carvalho

é uma preciosa ferramenta, não de hermenêutica jurídica, mas também de verificação de

coerência e completude ex ante no processo legiferante. Robert Alexy Acrescente-se no rol das

ferramentas matemáticas, os gráficos e quadros que são excelentes para condensar informação

numérica, sendo particularmente úteis para dados tributários ou econômicos. Schoueri também

lança mão de gráficos, alguns similares aos que trouxemos no capítulo 0, ao tratar contribuição

da ciência das finanças e da incidência tributária.185

Ainda no âmbito da Neutralidade de Rede, após qualificá-lo como princípio voltado ao

direito concorrencial, demonstramos que a priorização eletiva de tráfego e subsídio comercial

não são, com ele, incompatíveis, salvaguardado o respeito a Regra da Neutralidade Básica da

Rede. Estas contribuições, que já haviam sido materializadas no primeiro semestre de 2015,

foram substantivamente convalidadas agosto de 2016 com a publicação pelo BEREC – Body of

European Regulators of Electronic Communications do documento BEREC Guidelines on the

Implementation by National Regulators of European Net Neutrality Rules no qual encontramos

disposições sobre tráfego subsidiado, denominado de zero-rating no Article 3(2) 40-41 e

181 Cf. (ALEXY, 2015, p.94-99) 182 Cf. (ALEXY, 2015b, p.137--153) 183 Cf. (BARROS CARVALHO, 2010, pp.347-420) 184 Cf. (GALLINDO; JARDIM, 2016) 185 Cf. (SCHOUERI, 2011, p.28-32, 46-58)

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disposições sobre gerenciamento de tráfego e requisitos objetivos de QoS, qualidade de serviço,

no Article 3(3) third subparagraph 62-64. A admissão da compatibilidade dos dois aspectos, e

possivelmente outros mais, com a Neutralidade de Rede, amplia as possibilidades de

aprofundamento do debate. Por fim, apontamos a utilidade do sopesamento de princípios como

ferramenta ex ante de produção legiferante ou normativa-regulamentar, circunscritas às ordem-

moldura, ordem-fundamento e espaços de discricionariedade teorizados por Alexy, propondo

um normativo conceitual como exemplo,

A Neutralidade de Rede tem sido o centro de acalorados debates opondo, de um lado a

representação organizada da sociedade civil e vários operadores do Direito, e de outro, os

agentes econômicos envolvidos na economia da Internet. Entendemos que técnica hermenêutica

empregada se enquadra na categoria que Tercio denomina de interpretação extensiva com

auxílio do procedimento quase-lógico de indução amplificadora186. Com efeito, as ponderações

sobre impertinência de se considerar a dicção do Art. 9º do Marco Civil da Internet como a

materialização cabal do Princípio da Neutralidade de Rede, a subsequente propositura da

solução harmonizadora da Regra da Neutralidade Básica da Rede e, por fim, a conclusão da

não existência de incompatibilidade entre a priorização de pacotes e o subsídio de tráfego com

o Princípio da Neutralidade de Rede, embora tenham sido propostas por intermédio de discurso

dogmático, com assento em sólida teoria jurídica de direitos fundamentais, foram extensamente

alicerçadas em sobejas evidencias fáticas, tanto de práticas mercado, histórias ou hodiernas,

quanto em casos observados em outras jurisdições. As conclusões são, portanto, fruto, de um

exercício de zetética empírica sob o manto da hermenêutica dogmática, que se projetam para

um futuro ainda incipientemente explorado, sendo indutivo no método e visando ser indutor de

inovação pela via da segurança jurídica como fator de não-inibição da livre-iniciativa.

No tocante à tributação, a caracterização na natureza jurídica do hardware e a análise

crítica do RE 116.121/SP, precursor da contundente Súmula Vinculante nº 31, solidificou o

primado da natureza jurídica do bem e da natureza jurídica da operação comercial, à luz do

direito civil, como critérios de subsunção do fato gerador concreto à pertinente hipótese

incidência tributária, pavimentando o caminho exegético para a determinação dos mesmos

correspondentes aspectos em relação ao software. A enumeração e explicitação destes aspectos,

como fatores determinantes da correta incidência tributária de acordo com a Constituição está

186 Cf. (FERRAZ JR., 2007, p.309, 317-318)

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no rol das contribuições destas reflexões, a saber: (1) da natureza jurídica do software como

direito de autor, caracterizando-se como bem intangível e constituído como bem móvel pelo

Art. 83, III, do Código Civil; (2) do domínio sobre o código-fonte como elemento

materializador da proteção do direito autoral; (3) da faculdade legal de cessão de direito de uso

(e gozo) do software a título oneroso, por intermédio de contrato de licença de uso, caraterizada

como obrigação de dar, diferentemente da prestação de serviços que se perfila como obrigação

de fazer; (3) do papel do código-executável como viabilizador do uso (e gozo) por parte do

cessionário; (4) da natureza não-mercantil da operação de comercialização de licenças de uso

do software, em decorrência de sua natureza jurídica, não cabendo, portanto, a tributação com

ICMS; (5) da caracterização da palavra-chave, circulada no comercio, como título de crédito

ao portador, improprio e de legitimação a viabilizar o acesso ao direito de uso por parte do

cessionário inominado no contrato de licença; (6) do surgimento de novos modos de aquisição,

por intermédio de lojas digitais, que, por prescindirem da palavra-chave, se tornam repositórios

de contratos de licença com partes identificadas; (7) dos novos modelos de comercialização de

licenciamento de uso (e gozo) por tempo definido e pagamento recorrente, em substituição ao

modelo anterior de licenciamento perpetuo com pagamento integral adiantado. Em face a todo

o exposto, concluiu-se que o licenciamento de uso (e gozo) do software é, para efeito do direito

civil, caracterizada como aluguel de bem móvel e que, a incidência tributária aplicável,

conforme a constituição, deve ser regida pela Súmula Vinculante nº 31, que determina a não

incidência de ISS, restando, portanto, inconstitucional o subitem 1.05 da Lista de serviços anexa

à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

Os serviços na nuvem, notadamente a computação na nuvem e o software na nuvem

foram analisados à luz das características técnicas, demonstrando-se justaposição de três

operações comerciais – a saber, aluguel de hardware, licenciamento de software e prestação de

serviços técnicos de comissionamento, operação, suporte e manutenção – e a proporção relativa

de cada operação no todo das ofertas. Conclui-se pelas respectivas incidências tributárias,

condizentemente com o que já havia sido identificado. A análise das controvérsias demonstra,

claramente, o cenário de insegurança jurídica que envolve a tributação de software e da

novíssima tendência de ofertas na nuvem. Constatação dos impactos financeiros decorrentes

das controvérsias aponta na direção de sérios riscos de desarranjo do setor, com consequentes

impactos em toda a economia em virtude da transversalidade da tecnologia da informação e

comunicação, como fator de eficiência e produtividade.

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Na análise da tributação, entendemos ter aplicado a interpretação especificadora, assim

definida por Tercio:

Uma interpretação especificadora parte do pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra do seu enunciado. Tendo em vista a criação de condições para os conflitos sejam decidíveis com um mínimo de perturbação social (questão de decidibilidade), a hermenêutica vê-se pragmaticamente por um princípio de economia de pensamento.

(FERRAZ JR., 2007, p.305)

Por um lado, a hermenêutica tributária se pautou pela busca sistemática da subsunção

das operações fáticas à norma tributária condizente à luz do figurino constitucional, trazendo à

luz as conexões entre os vários diplomas e jurisprudências de relevo. Neste sentido, poderia ser

até mesmo crivada com a pecha de hermenêutica positivista. Todavia, a superação das

controvérsias demandou uma extensa pesquisa empírica sobre as práticas de mercado, que

permitiram vislumbrar conexões jurídicas insuspeitas, como a caracterização da palavra chave

como título de crédito, descaracterizando a natureza mercantil de sua circulação. Assim, embora

especificadora, a dogmática hermenêutica, a exemplo da experiência anterior, deitou âncora em

águas zetéticas.

A análise da tributação ótima sobre TIC nasce com viés não dogmático, a partir de uma

perspectiva econômica dos efeitos da tributação. Evidencia-se, com base na teoria

microeconômica aplicável aos chamados mercados estáveis ou marginais, que a demanda de

produtos ou serviços é reduzida pela introdução da tributação. Tal constatação não deveria ser

negligenciada pelo poder(es) público(o) encarregado pela propositura e tramitação de

ordenamento tributário. A brevíssima modelagem empírico-especulativa demonstra a

possibilidade concreta de se empreender a busca da maximização do benefício-agregado (total

welfare), como objetivo principal da formulação de políticas tributárias, valendo-se da

extrafiscalidade como instrumento da função indutora do Estado.

Por fim, é possível que tenha causado espécie à alguns a conclusão hermenêutica de que

a tributação segundo a Constituição, do aluguel de hardware e do licenciamento de uso de

software, ambos plenamente caracterizados como aluguel de bens móveis, seja regido por

jurisprudência vinculante que afasta a incidência de impostos típicos de consumo, a saber,

ICMS e ISS. Como assim não haver incidência de impostos? Não seria imoral? Pois bem, a não

incidência de impostos não equivale a isenção total de tributos, haja visto que as contribuições

sociais permanecem incidindo e exigíveis. Esta situação não deveria surpreender, tendo em

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vista o novidadismo dos fatos econômicos e as dificuldades inerentes submetê-lo corretamente

a um gravame de consumo. Ora, nenhum agente econômico rejeita a necessidade do

recolhimento de tributos, mas todos esperam que a carga tributária seja a mais modesta possível

e que haja previsibilidade e segurança jurídica em relação à exação, situação que absolutamente

não se verifica no tocante à tributação de software, computação na nuvem e software na nuvem.

À guisa de conjectura, haveria, possivelmente, duas maneiras de abordar a situação. A primeira

seria por intermédio do exercício da competência residual da União, disposta no Art. 154, I, da

Constituição Federal, definindo a hipótese tributária especifica para software, tal como

licenciamento, ou mais geral como aluguel de bens móveis, que cobriria também os serviços na

nuvem. Um tributo federal se encaixa bem melhor à a natureza das novas ofertas baseados em

mobilidade e nuvem, que não vinculação natural com fronteiras geográficas, evitando os

conflitos de competência tributária que grassam entre Estados e Municípios. Outra forma, ainda

mais recomendável por seu efeito estruturante, é a de promover a unificação dos tributos sobre

a receita (ou consumo), a saber, PIS/Cofins, CIDE, ICMS e ISS, repartindo a arrecadação de

forma equânime e similar ao que se verifica hoje, na prática, por intermédio do aperfeiçoamento

dos mecanismos dispostos na CF/88, Art. 159. Com a adoção de soluções de TIC, a repartição

pode ser automatizada de tal sorte que o fluxo das receitas se dê logo após o recolhimento,

realizado com base na emissão de documento fiscal único emitido eletronicamente.

A distribuição de competências tributárias, por si só, não garante a efetividade do pacto

federativo pois a verdadeira independência dos entes federados se dá pela divisão equânime da

arrecadação. A unificação dos tributos sobre a receita reduziria, sobremaneira, os custos de

transação e aumentaria o nível de segurança jurídica, induzindo o crescimento do mercado.

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