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1 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CCBS - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Curso de Psicologia Ações e Limitações: O papel do técnico na aplicação da medida socioeducativa na região da Zona Noroeste de São Paulo. Paula Renata D’Elia Orientadora: Profa. Dra Vânia Conselheiro Sequeira São Paulo 2012

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CCBS - Centro de ... · Trabalho de Conclusão do Curso apresentado ao Curso de Psicologia, do Centro de Ciências ... Paula Renata D’Elia

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CCBS - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde

Curso de Psicologia

Ações e Limitações: O papel do técnico na aplicação da medida

socioeducativa na região da Zona Noroeste de São Paulo.

Paula Renata D’Elia

Orientadora: Profa. Dra Vânia Conselheiro Sequeira

São Paulo

2012

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PAULA RENATA D’ELIA

Ações e Limitações: O papel do técnico na aplicação da medida

socioeducativa na região da Zona Noroeste de São Paulo

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado ao

Curso de Psicologia, do Centro de Ciências

Biológicas e da Saúde, como requisito parcial para

a obtenção do Diploma de Graduação em

Psicologia da Universidade Presbiteriana

Mackenzie.

Orientadora: Profa. Dra. Vânia Conselheiro Sequeira

São Paulo

2012

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AÇÕES E LIMITAÇÕES: O PAPEL DO TÉCNICO NA

APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA NA REGIÃO DA

ZONA NOROESTE DE SÃO PAULO.

Paula Renata D’Elia

Vânia Conselheiro Sequeira

As políticas públicas voltadas para os jovens em conflito com a lei, entendendo-os

como sujeitos em desenvolvimento, são recentes e provocam discussões acerca da

prática dos profissionais, que deveriam basear a sua atuação neste novo paradigma. O

que deveria proporcionar, não somente um novo modo de pensar, mas, acima de tudo,

novas maneiras de executar as medidas socioeducativas (MSEs). O objetivo geral do

presente trabalho foi compreender o papel do técnico no cumprimento das MSEs. Os

objetivos específicos compreenderam o levantamento de material bibliográfico e

mapeamento de documentos sobre a temática do ato infracional e da aplicação de MSE,

e a verificação das intervenções técnicas na prática, por meio de entrevistas

semiestruturadas com sete técnicos de MSEs. Os dados foram analisados e organizados

em quatro categorias: “Causas do ato infracional”, “Família”, “Políticas Públicas” e “O

trabalho do técnico”. Com base nos dados analisados, pode-se pensar que a atuação do

técnico deve fundamentar-se na compreensão de que seu trabalho está para além do

acompanhamento judicial/burocrático da medida, está na (re)construção da perspectiva

do jovem, autor de ato infracional, com relação á sua cidadania, às suas possibilidades,

abrangendo diferentes aspectos de seu desenvolvimento: social, familiar, educacional,

cultural e profissional. Deste modo, a atuação desse profissional deve estar pautada nos

princípios socioeducativos da medida, visando à garantia de direitos e a construção da

autonomia desse jovem. Sendo assim, o técnico deve estar preparado para lidar com

jovem em sua totalidade, tendo em vista os vários fatores geradores do ato infracional,

sejam o contexto de vulnerabilidade social deste e de sua família, os direitos

fundamentais violados, valores contraditórios da sociedade contemporânea com ideais

baseados na lógica do consumo, entre outros. Não se trata de um trabalho simples, visto

que o técnico também é um indivíduo que está inserido nesta sociedade e, portanto, suas

ações e ideologias são perpassadas pelos valores culturais dessa. O resultado de sua

atuação é alcançado em longo prazo, e exige persistência, uma vez que as políticas

públicas e as redes de apoio possuem falhas. No entanto, este profissional deve repensar

a sua função, os seus limites e as suas possibilidades, a todo o momento, assumindo sua

responsabilidade, junto com outros atores sociais, para o desenvolvimento pleno desse

jovem. Por este motivo, deve-se levar em conta a necessidade de investir na capacitação

desse profissional, já que ele pode contribuir significativamente para o sucesso da MSE.

Palavras-chave: medidas socioeducativas, ato infracional, técnicos, ECA, SINASE.

[email protected]

[email protected]

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SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO .................................................................................................. 05

II REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................... 07

2.1 Histórico ............................................................................................... 07

2.2 Políticas Públicas – Garantia de direitos e Redes de apoio ............. 09

2.3 Causas do ato infracional ................................................................... 11

2.4 Família................................................................................................... 13

2.5 O papel dos técnicos ............................................................................ 14

III MÉTODO ......................................................................................................... 19

3.1. Participantes.......................................................................................... 19

3.2 Instrumentos ........................................................................................ 19

3.3 Cuidados éticos .................................................................................... 19

3.4 Procedimentos ...................................................................................... 20

3.5. Análise de dados ................................................................................... 20

IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................. 21

4.1 Políticas Públicas .................................................................................. 21

4.1.1 Garantia de Direitos ................................................................... 21

4.1.2 Redes de Apoio ............................................................................ 23

4.2 Causas do ato infracional .................................................................... 25

4.3 Família .................................................................................................. 28

4.4 O trabalho do técnico ........................................................................... 31

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 40

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 43

VII. ANEXOS ....................................................................................................... 47

7.1 Roteiro de entrevista............................................................................. 47

7.2 Entrevistas Transcritas........................................................................ 48

7.3 Carta de Informação à Instituição e TCLE....................................... 78

7.4 Carta de Informação ao sujeito de pesquisa e TCLE ...................... 79

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I. INTRODUÇÃO

Muitos são os jovens em situação de conflito com a lei, segundo Conselho

Nacional de Justiça1 cerca de 28,4 mil jovens estavam no ano passado cumprindo algum

tipo de Medida Socioeducativa (MSE). Desse total de jovens, mais de 17 mil cumprem

MSE em unidades de internação em todo o país, segundo informação do site

g1.globo.com, publicada em 20 de abril de 2012. São estes mesmos jovens que, em sua

maioria, encontram-se em situação de vulnerabilidade. E que por este motivo precisam

de uma atenção mais focada, por parte dos técnicos (psicólogos, assistentes sociais e

pedagogos), com intervenções técnicas que, de fato, possam reinseri-los na sociedade e

transformar a sua realidade.

Inicialmente a Psicologia e o Serviço Social, enquanto campos do conhecimento

científico, foram inseridos no contexto jurídico como prova processual. Dessa forma, a

atuação desses profissionais foi compreendida como uma atividade pericial, ou seja, um

dispositivo a mais para auxiliar a decisão judicial. Historicamente, a demanda inicial

dos psicólogos no âmbito jurídico, era realizar diagnósticos para melhor classificar os

indivíduos, assim como a psiquiatria, que auxiliava o judiciário como uma forma de

controle e contenção de atos socialmente desviantes. Por este motivo, por muito tempo,

a intervenção destes profissionais ocorreu de maneira restrita e, muitas vezes,

estigmatizante (PAIVA, 2005).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é muito recente, comparado a

outras legislações, ele representou a luta por uma sociedade mais democrática, além de

ser um marco na modificação das políticas públicas voltadas para os jovens em conflito

com a lei, concretizando o direito à cidadania (FRANCISCHINI e CAMPOS, 2005). Da

mesma forma, são recentes as discussões acerca deste assunto e da prática dos

profissionais que baseiam a sua atuação neste novo paradigma. Principalmente os que

possuem contato mais próximo com esses jovens: os técnicos.

1 Em reportagem publicada pelo site da Folha.com, em 19 de janeiro de 2012.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1036960-lei-permite-visita-

intima-a-adolescentes-infratores.shtml

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A mudança de paradigma proporcionou, não somente um modo de pensar, mas

acima de tudo, novas maneiras de agir perante o jovem que cometeu um ato infracional.

Do mesmo modo, esse novo sistema exige a necessidade de repensar os papéis dos

profissionais envolvidos com o cumprimento MSE, para que essa nova intervenção

possa colaborar de forma efetiva para o retorno do adolescente ao convívio familiar e

social. Por este motivo, vale ressaltar, que o intuito deste trabalho foi verificar como se

dá atuação dos profissionais em MSE.

,Objetivos

Objetivo geral

Compreender o papel do técnico no cumprimento das Medidas Socioeducativas.

Objetivos Específicos

Levantar material bibliográfico sobre a temática do ato infracional e da

aplicação de medidas socioeducativas;

Levantar material bibliográfico específico sobre o trabalho técnico em MSE;

Mapear documentos específicos sobre orientações técnicas de aplicação de

MSE;

Verificar as intervenções técnicas práticas com os adolescentes em

cumprimento de MSE. Incluindo uma discussão sobre especificidades de

cada profissional (assistente social, psicólogo e pedagogo).

Justificativa social e científica

Esta pesquisa visou contribuir com a ampliação da produção de conhecimento

nessa área, pois, em levantamento bibliográfico inicial, percebeu-se que não há muitos

trabalhos que fazem referência, especificamente, à psicologia na aplicação de Medidas

Socioeducativas.

Considerando que a humanização do atendimento pode gerar uma maior

vinculação do jovem com o técnico e, consequentemente, maior adesão às medidas,

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além da diminuição da reincidência destes, o trabalho busca, por meio da análise,

contribuir para a reflexão da atuação dos técnicos e, assim, a garantia do

desenvolvimento pleno dos jovens em conflito com a lei.

II. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 HISTÓRICO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

(ECA) E MEDIDAS SOCIOEDUCATICAS (MSE)

A Doutrina da Situação Irregular se refere a uma política de atendimento, cujos

preceitos basearam a promulgação do Código de Menores em 1927. Esta foi a primeira

legislação que começou a dar ênfase à infância, no entanto, com uma visão tutelar que

colocava o adolescente em uma posição de inferioridade. Carregada de uma ótica

paternalista, autoritária e assistencialista, o jovem era tido como “objetos do direito”,

cuja tutela era do Estado, por entender que sua família não tinha condições de assumir

responsabilidades sociais e/ou econômicas para com este jovem, justificando assim, que

eram merecedores de cuidados e que, dessa forma, só possuíam necessidades e não

direitos. Nesta Doutrina, os pais e familiares, assim como o Estado, tinham total poder

sobre as decisões em relação à vida dos jovens; o Estado em particular, tutelava os

menores quando estes se apresentavam em determinadas situações, tais como:

abandono, filho do pobre e os que haviam cometido algum delito. Dessa forma, “o

poder do Estado era tão grande que o juiz podia decidir o que entendia como sendo o

melhor para o jovem, sem que ele tivesse acesso aos direitos mais elementares da

justiça, como direito à ampla defesa” (SEQUEIRA, et al, 2009, p. 121)

Concomitantemente, foram construídas instituições que pudessem abrigar jovens

que tivessem cometido algum delito, os carentes e abandonados. Como foi o caso da

FEBEM – Fundação para o Bem Estar do Menor. Por conseguinte, a mesma se tornou

uma instituição que, de forma implícita, funcionava para segregar os jovens

marginalizados que ameaçavam o equilíbrio social, cuja lógica é baseada,

historicamente, pela visão higienista, assim contribuindo para a maior disseminação do

preconceito. (SEQUEIRA, et al, 2009)

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Entretanto em 1988, a Doutrina da Situação Irregular foi substituída pela

Doutrina da Proteção Integral, que como um conjunto de princípios e valores, vai

fundamentar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº

8.069, de 13 de julho de 1990, a fim de contestar um “passado de controle e de exclusão

social.” (SINASE, 2006, p.15). Neste novo paradigma, a criança e o adolescente

passaram a ser considerados como “sujeitos de direitos e deveres e não mais objetos

passivos da justiça [...] independente da sua condição econômica, social, racial, etc.”

(SEQUEIRA, et al, 2009, p.122), responsabilizando assim o jovem pelos seus atos,

sendo ele o protagonista de sua história. A este indivíduo deve ser assegurado os

direitos humanos fundamentais e proteção integral pelo Estado, sociedade e família,

assim sendo, garantindo “o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,

em condições de liberdade e de dignidade” (Art.3° - ECA, BRASIL, 1990).

Juntamente com a mudança de paradigma, em Dezembro de 2006, a antiga

FEBEM passou a se chamar Fundação CASA – Fundação Centro de Atendimento ao

Adolescente. A sua missão é aplicar as MSE de acordo com as diretrizes e normas

previstas no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE – guia

nacional da implementação das MSE, criado em 2004) e no ECA. No entanto, este

último, “muito embora apresente significativas mudanças e conquistas em relação ao

conteúdo, ao método e à gestão, essas ainda estão no plano jurídico e político-

conceitual, não chegando efetivamente aos seus destinatários.” (SEDH/CONANDA,

2006, p.15)

De acordo com o ECA, é considerado adolescente, o individuo de 12 a 18 anos

de idade. Este adolescente ao cometer um ato de transgressão à lei é considerado,

segundo o art.104°, sujeitos inimputáveis penalmente. Dessa forma, a ele é aplicada as

MSE que são caracterizadas como sanções coercitivas para responsabilizar este sujeito

pelo ato cometido. As medidas que poderão ser aplicadas são: “I - advertência; II -

obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade

assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento

educacional” (Art.112° - ECA, BRASIL, 1990). Segundo o 1° inciso do art. 112°, o

adolescente em conflito com a lei receberá a medida, de acordo com a infração,

circunstâncias e capacidade do adolescente de cumprir a lei. Por fim, a MSE devem ter

uma proposta educativa e “deveriam ser uma política de atenção aos direitos violados,

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uma política de inclusão, que oferece pertença e cidadania.” (SEQUEIRA et al 2009,

p.142), sendo assim, proporcionar a autonomia e a inserção social do jovem, no sentido

de garantir o seu desenvolvimento pleno.

2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS - GARANTIA DE DIREITOS E REDES DE

APOIO

2.2.1 Garantia de Direitos

Políticas Públicas trata-se do modo pelo qual o Estado regula a si próprio e a

sociedade. As mesmas devem ser adaptadas de acordo com as peculiaridades das

sociedades em desenvolvimento, mas devem atingir todos de maneira igualitária. Para

tanto existe um sistema de garantia de direito, e dentro deste há subsistemas que tratam

de situações peculiares. Sobre o ambiente específico, dos quais os princípios e as

normas regem a política de atenção a crianças e adolescentes, está o SINASE. Este “se

comunica e sofre interferência dos demais subsistemas internos ao Sistema de Garantia

de Direitos (tais como Saúde, Educação, Assistência Social, Justiça e Segurança

Pública).” (SEDH/CONANDA, 2006 p.22).

Dentre as políticas públicas que envolvem os adolescentes em conflito com a lei,

constam no ECA (Título II - Dos Direitos Fundamentais) a garantia dos direitos à:

Vida e à saúde (Capítulo I);

Liberdade, ao respeito e à dignidade (Capítulo II);

Convivência familiar e comunitária (Capítulo III);

Profissionalização e proteção no trabalho (Capítulo V);

Educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (Capítulo IV);

No entanto, existe uma falha na aplicabilidade destas políticas públicas, sendo

assim, de acordo com Segalin e Trzcinski (2006), os direitos fundamentais não são

efetivados, para a maior parte da população que se torna marginalizada e vulnerável ao

cometimento de delitos, como única via de acesso à justiça.

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O adolescente, autor de ato infracional, acessa ao sistema de justiça pela via

da infração e não pela perspectiva do direito, uma vez que o Estado tem-se

revelado incapaz de assegurar a operacionalização da lei, déficit relacionado

à falta de políticas públicas para a infância e juventude, em atenção às suas

necessidades e direitos. (SEGALIN e TRZCINSKI, 2006)

Portanto, pode-se refletir que a falta da garantia de direitos está fortemente

associada a sua influência no cometimento do ato infracional. Por conseguinte,

pressupõe-se que assegurar que as políticas públicas funcionem, seria uma forma de

evitar problemas sociais e, concomitantemente, muitas infrações deixariam de ser

cometidas.

2.2.2 Redes de Apoio

Para Viana et al. (2011), redes são sistemas dinâmicos de relações e trabalhos

coletivos de cooperação, que possuem a capacidade de envolver diversos atores sociais

em volta de objetivos comuns. É um recurso de suma importância na área social, pois,

surge como uma alternativa prática de organização que possibilita o atendimento das

demandas com uma atuação flexível e interconectada entre diversos tipos de serviços.

Diante das demandas sociais, é necessário que haja uma “responsabilidade

compartilhada” entre diversas instituições, assim como, também a sociedade civil e o

Estado, e que essas organizações compartilhem dos mesmos valores e objetivos,

constituindo assim, uma rede de apoio. O funcionamento desta rede estará em pensar

respostas que realizem o enfrentamento do problema. (VIANA et al., 2011). O conceito

de responsabilidade compartilhada está na necessidade do reconhecimento dos atores

envolvidos. Esse reconhecimento de co-responsabilidade se faz necessário no processo

de envolvimento dos atores sociais, para que o trabalho em rede possa provocar

mudanças nos processos sociais e, assim, produzir impactos eficazes no enfrentamento

da demanda.

É fundamental que no trabalho em rede haja uma troca de informação, para que

sejam pensadas propostas conjuntas, tornando-se assim, um trabalho capaz de cultivar

transformações sociais e também de potencializar resultados no enfrentamento conjunto

dos problemas sociais. Vale ressaltar que, considerando o princípio da incompletude

institucional, não se pode criar expectativas de que apenas uma instituição possa

solucionar todos os problemas estruturais ou atender todas as demandas de um

adolescente. Sendo assim, torna-se necessária a articulação de ações governamentais e

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não governamentais no atendimento aos jovens. Pois, é por meio dessa articulação

“entre políticas de educação, saúde, trabalho, cultura, esporte, segurança pública e

justiça que a violência pode ser combatida.” (SEQUEIRA et al 2009).

2.3 CAUSAS DO ATO INFRACIONAL

Vivemos em uma sociedade contraditória, que está pautada nas leis do consumo

e no avanço tecnológico. Entretanto, este avanço que traz um progresso é o mesmo

avanço que exclui, pois há o aumento da dificuldade de acesso da maior parte da

população ao mesmo. Nesta sociedade, somos influenciados a sermos consumidores,

não somente de produtos, mas de relações e identidade. “O movimento deve ser rápido,

quase instantâneo. Somos levados de forma veloz, a descartar e, novamente, obter.

Contudo, a tecnologia não é um bem universal, ao qual todos tenham acesso de forma

igualitária.” (CASTRO, 2006).

As relações de consumo permeiam os vários setores de uma sociedade,

influenciando, inclusive, na construção da identidade e no sentimento de pertença. Se

pensarmos no consumo como um aparelho de comunicação social, no qual os produtos

e bens são constantemente associados a distintos significativos “o ato de consumo

transforma-se, neste caso, num ato de adesão simbólica em que a escolha do objeto se

torna uma escolha estratégica, por meio da qual o consumidor vai continuamente

definindo e redefinindo sua identidade.” (RETONDAR, 2008). Ou seja, As identidades

sociais são produzidas por meio do ato do consumo, e o indivíduo ao consumir, passa

por um processo de identificação social, no qual influencia e é influenciado e, portanto,

também se torna agente no processo de identificação social. (op cit, 2008).

Para Adorno, (apud RETONDAR, 2008) a indústria cultural produz

uniformização das escolhas, aniquilando assim, qualquer processo de escolha e/ou

expressão subjetiva do indivíduo. Conseqüência da criação de um sistema massificado

da cultura pela “mercadificação” dos bens culturais. Além disso, de acordo com

Siqueira (2003), possuímos hoje uma configuração que ele nomeia como “economia da

transitoriedade”,

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que parte do princípio de que é economicamente racional construir objetos

baratos, que não podem ser consertados e que sejam descartáveis, ainda que

eles possam durar menos. Este é um princípio impulsionador do consumo,

que leva os indivíduos a uma ligação por períodos muito curtos com uma

sucessão de objetos, os quais, em uma estratégia de lucro, vão se tornando

obsoletos. (p.3)

Neste contexto, onde o progresso não atinge a todos, a maior parte da população,

principalmente os jovens, não possui acesso aos bens de maneira igualitária, dos quais

estes bens abrangem o conhecimento, a educação e, inclusive, a um projeto de futuro.

Os jovens, por conseqüência disso, buscam de outras formas, muitas vezes ilícitas, a

inserção no grande mundo do consumo.

Segundo Castro (2006), “vivemos em uma sociedade regulada pelas leis de

mercado, caracterizada por um modelo sócio-econômico e cultural, onde o grande valor

é possuir bens que a ampla maioria das pessoas jamais terá.” (CASTRO, 2006, p.19).

Dessa maneira, podemos dizer que o poder hoje é mensurado pelo o que se pode ter,

consumir e, assim, o poder é representado pelo alto valor aquisitivo, em suma: o

dinheiro.

Uma ideologia, que ainda permeia o imaginário da população, que aponta como

um dos disparadores do ato infracional, é a família desestruturada. O próprio termo

pressupõe a existência de uma família estruturada ou, em outras palavras, como uma

estruturação psíquica saudável. Isso levaria a uma “culpabilização da família, sobre os

eventuais fracassos dos seus membros” (SEQUEIRA, 2007, p.79).

Além disso, na atualidade, os valores familiares estão pautados, historicamente,

no poder patriarcal, no qual este poder era inquestionável e a decisão do pai era

fundamentada na ciência e na razão. Deste modo, “o poder paterno era a forma suprema

de poder masculino (...) os deveres de um bom pai era controlar sua mulher, bem educar

os seus filhos, bem governar os seus criados.” (ARIÈS, 1973 apud SEQUEIRA, 2007,

p. 82). Sendo assim, um discurso que é possível se deparar, diz sobre a ausência dessa

figura no seio familiar, que representaria a interiorização da autoridade, e que

consequentemente, essa ausência influenciaria na maior incidência de cometimento de

transgressões pelos adolescentes.

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2.4 FAMÍLIA

Tanto o ECA como o SINASE dispõem sobre as responsabilidades e os deveres

da família, da sociedade e do Estado. No primeiro, pode-se constatar no Art. 4º sobre o

dever de “assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida,

à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,

à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (Art.4° -

ECA, BRASIL, 1990); e no segundo, pode-se verificar a responsabilidade da família

pela promoção e a defesa dos direitos da criança e do adolescente, além da co-

responsabilidade com relação à experiência socioeducativa.

A família é a principal responsável pelo processo de socialização do sujeito, pois

é nela que se estabelece o primeiro contato com o outro, no qual o indivíduo passa a ter

consciência de si e do mundo (BERGER e LUCKMANN, 2003). Sendo assim, a família

“funciona, fundamentalmente, como elo entre indivíduo e o coletivo, dando sustentação

para o novo membro na comunidade, transmitindo-lhe valores daquela cultura em que

está inserido, dando-lhe pertencimento.” (SEQUEIRA, 2007, p. 95). Ou seja, é a família

que estabelece condições propiciadoras para que a criança se torne indivíduo e possa

viver em sociedade e da mesma maneira, ensina valores e transmite cultura, e devido à

sua alta influência emocional difunde modos de pensar e hábitos, moldando, assim, o

caráter de uma criança (LASCH, apud SEQUEIRA, 2007).

A família no contexto de um país que possui um dos maiores índices de

desigualdade econômica e social, também se torna vítima deste sistema, onde os direitos

fundamentais não estão acessíveis a maior parte da população. A casa deveria ser o

local onde são sanadas as necessidades básicas, mas “para a família pobre, marcada pela

fome e pela miséria, a casa representa um espaço de privação, de instabilidade e de

esgarçamento dos laços afetivos e de solidariedade” (GOMES e PEREIRA, 2005).

De acordo com os Parâmetros da Gestão Pedagógica no Atendimento

Socioeducativo, no SINASE, a participação familiar é fundamental para a consecução

dos objetivos da MSE aplicada ao adolescente. Deve ser proporcionada a participação

ativa e qualitativa da família no processo socioeducativo,

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possibilitando o fortalecimento dos vínculos e a inclusão dos adolescentes no

ambiente familiar e comunitário. As ações e atividades devem ser

programadas a partir da realidade familiar e comunitária dos adolescentes

para que em conjunto – programa de atendimento, adolescentes e familiares –

possam encontrar respostas e soluções mais aproximadas de suas reais

necessidades. Tudo que é objetivo na formação do adolescente é extensivo à

sua família. (SEDH/CONANDA, 2006).

Pode-se pensar que a participação ativa da família e o fortalecimento dos

vínculos entre os membros, contribuem positivamente no processo da execução da

medida, caso contrário, de acordo com Gomes e Pereira (2005): “a perda ou

rompimento dos vínculos produz sofrimento e leva o individuo à descrença de si

mesmo, tornando-o frágil e com baixa auto-estima.” (GOMES e PEREIRA, 2005).

2.5 O PAPEL DOS TÉCNICOS

Historicamente a Psicologia teve um papel subsidiário no âmbito da Justiça, pois

a sua primeira demanda foi na área da psicopatologia. Sua atuação se baseava em emitir

um parecer técnico com a finalidade de informar a instituição, nesse o indivíduo era

classificado de forma objetiva, por meio de uma análise subjetiva individual e

descontextualizada. Neste contexto, o psicólogo atuou como ouvinte, mas que não

permitia o outro falar. Limitou-se a laudos técnicos de confirmação ou não do desvio de

conduta esperado, sem que houvesse a contextualização psicossocial da conduta

delitiva. “Um ciclo perverso na própria intervenção técnica”. (XAUD, 2005)

Posteriormente, a lei entendeu a necessidade da atuação do psicólogo em

diferentes casos, como nas prisões, onde se instituíram as comissões técnicas para

realizar a avaliação para progressão; e na área da família, incluindo as crianças

abandonadas e/ou infratoras. E, a partir disso, houve um reconhecimento social

(MIRANDA, 1998). O mesmo autor traz uma reflexão acerca do que atualmente é

exigido do psicólogo, e a incerteza de quem se configura como o seu cliente, o

indivíduo ou a instituição. A atuação desses profissionais, nas MSE, estava para além da

perícia e o colocava como um agente da instituição, que realizava diagnósticos

situacionais e acompanhava psicologicamente o jovem e/ou sua família. Desde então,

surgiram muitos problemas relacionados tanto como a indefinição do papel nos fóruns,

como uma identidade profissional dentro dessa instituição. E segundo Guirado (2008),

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“Exercer a psicologia, no interior dos discursos e dos procedimentos jurídicos, é um

constante desafio ao que se costuma chamar de ‘identidade profissional’.” (GUIRADO,

2008, p.250). Entretanto, Xaud fala sobre a possibilidade de atuação dos profissionais,

de forma que atenda adequadamente a sua função:

O psicólogo inserido no sistema judiciário tem o papel de interlocutor

entre a instituição para a qual presta serviço e o adolescente, seu

cliente. Sua tarefa é, de um lado, sensibilizar o adolescente para o

processo sócio-educativo que se pretende desenvolver e de outro,

facilitar, para o discurso institucional, a percepção objetiva desta

ampliação de espaço para crianças e adolescentes, minimizando a

subjetividade que tem causado enormes prejuízos, em diferentes

contextos, para as relações humanas (XAUD, 2005, p.90 e 91).

Antes da mudança da Doutrina da Situação Irregular para a Proteção Integral, a

criança era, aos olhos do Estado, objeto de correção e tratamento, o que acabou

contribuindo para a criação de políticas específicas de atendimentos voltadas para este

público, sendo o marco inicial em 1959, por meio da Declaração de Direitos da Criança

(TAMASO, 2000). De acordo com o código de menores de 1979 (Lei federal nº6.697),

o Juiz deveria proporcionar “Assistência, proteção e vigilância” aos menores de 18 anos

que estivessem em situação irregular, e que como previa o art. 4º, parágrafo III, “o

estudo de cada caso, realizado por equipe de que participe pessoal técnico, sempre que

possível”. Com isso houve a criação de Audiências Interprofissionais que

compreendiam a atuação do psicólogo como um auxiliar direto do juiz e membro da

equipe multidisciplinar.

O ECA provocou uma transformação da mentalidade, pois a visão

assistencialista foi substituída em detrimento da visão educativa. Esse novo paradigma,

que traz a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e deveres, provocou

mudanças significativas dentro da dimensão institucional e pessoal. Na primeira

dimensão, houve uma reestruturação do sistema de administração da justiça para a

Infância e Juventude, exigindo a criação de órgãos específicos e especializados. E na

segunda, estabeleceu-se uma nova cultura de atendimento, um novo pensar, onde está a

maior possibilidade de atuação do psicólogo.

Da mesma forma, esta nova visão possibilitou a participação popular, como os

Conselhos de Direitos e Tutelares e também colocou o psicólogo em um papel

fundamental a ser executado juntamente com uma equipe interprofissional. Sua atuação,

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além de auxiliar o Juiz, está em realizar um papel educativo frente às crianças e aos

adolescentes, assim como sua família, comunidade e toda a equipe. Também, com o

ECA, as equipes interprofissionais tornaram-se obrigatórias no âmbito judiciário, como

previsto nos artigos 150 e 151.

O SINASE propõe que haja uma equipe técnica, multiprofissional, geralmente

composta por assistente social, psicólogo e pedagogo, que trabalhe na efetivação MSE.

A mesma deve ter um perfil capaz de atender e acompanhar o adolescente e sua família,

assim como os funcionários envolvidos com o mesmo. Sendo assim, é imprescindível

que tal equipe possua conhecimento específico na área de sua atuação profissional, pois

são importantes e complementares no atendimento ao adolescente. Esses profissionais

devem realizar atendimento psicossocial individual e com freqüência regular,

atendimento grupal, atendimento familiar, atividades de restabelecimento e manutenção

dos vínculos familiares, acesso à assistência jurídica ao adolescente e sua família dentro

do Sistema de Garantia de Direitos e acompanhamento opcional para egressos da

internação. (SEDH/CONANDA, 2006)

Segundo Bernardi (1999), é função do profissional da psicologia, tratar a criança

e o adolescente como sujeitos em desenvolvimento e que estão tendo seu destino

decidido judicialmente, buscando atuar, de forma que, envolvam não somente a criança

e o adolescente, mas também sua família ou responsáveis e colaterais, na busca da

compreensão de seu mundo relacional no contexto sócio-cultural onde vive. E a

“importância da atuação do psicólogo na instância judiciária repousa na possibilidade

desse profissional abordar as questões da subjetividade humana, as particularidades dos

sujeitos e das relações nos problemas psicossociais” (BERNARDI, 1999, p.108).

De acordo com Oliveira (2007 apud SEQUEIRA et al 2009), a medida

socioeducativa pode ser vista pelo técnico de duas formas, como uma punição ou como

socioeducativa. Na primeira lógica, o profissional se preocupa somente com a

freqüência do jovem, deixando em segundo plano o acompanhamento e a orientação.

Na segunda lógica,

o orientador focaliza sua atenção para o jovem em sua totalidade, não o reduz

ao ato, nem ao cumprimento da medida, enfatiza as atividades do adolescente

e auxiliando na conquista da cidadania plena com acesso a cultura, educação,

saúde, entre outros. (OLIVEIRA 2007 apud SEQUEIRA et al 2009, p. 140).

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Por sua vez, o assistente social atua de forma a realizar atendimentos onde busca

orientar o adolescente em seus projetos de vida, envolvendo profissionalização e

escolarização. Porém, Freitas (2011) traz uma crítica a este tipo de intervenção, pois é

realizada de forma individual, aproximando-se da atuação clínica realizada por

psicólogos. Ressalta que o assistente social pode contribuir mais quando se atua em um

formato mais coletivo, porém o “hábito institucional” tende a direcionar tais

atendimentos individualizados, sendo assim, cabe ao assistente social construir formas

diferenciadas que proporcionem uma ação mais específica de seu conhecimento. “O

acompanhamento da medida e o atendimento ao adolescente se dão também na busca de

programas e projetos nas comunidades, que atendam o adolescente em suas

necessidades, como saúde, tratamento de drogadição, profissionalização, assistência

religiosa, entre outros.” (FREITAS, 2011).

O SINASE dispõe de atividades mínimas previstas para o trabalho do técnico em

MSE, tais como os atendimentos individuais e grupais, além das atividades externas,

como as visitas domiciliares e as buscas de novas parcerias para a melhor reinserção do

jovem à comunidade (SEDH/CONANDA, 2006). Além disso, existem três fases do

atendimento socioeducativo: acolhimento, acompanhamento e fechamento. A primeira

está relacionada ao atendimento inicial, que se caracteriza pelo acolhimento do jovem e

sua família e o esclarecimento das informações e orientações sobre a medida a ser

aplicada. A segunda etapa se caracteriza pelo atendimento individual ao jovem e as

inserções necessárias do mesmo. Por fim, na terceira é elaborado um relatório do que foi

realizado. (TEIXEIRA, 2003 apud SEQUEIRA, 2009).

O Plano Individual de Atendimento (PIA) é elaborado na primeira fase do

atendimento e para isso é necessário, segundo documento “Referências técnicas para

atuação de Psicólogos no âmbito das medidas socioeducativas em unidades de

internação”:

A construção do PIA junto com o adolescente implica conhecê-lo (sua

história de vida, suas habilidades, seus interesses, suas dificuldades e a

prática do ato infracional situada no contexto de sua biografia) e, sempre que

possível, conhecer sua família ou seus responsáveis, no sentido de garantir a

viabilidade do plano e os incentivos necessários ao adolescente, durante e

após o cumprimento da medida de internação (CREPOP; CFP, 2010, p.30).

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E, segundo Mendez (2002 apud SEQUEIRA et al, 2009), é a primeira oportunidade da

instituição estabelecer um bom vínculo com o jovem, e a qualidade desta, pode

determinar o sucesso ou fracasso do processo.

Dentre os principais objetivos do PIA, está a garantia de acesso aos programas

públicos e comunitários, previstos no capítulo “Direitos Humanos” do SINASE

(SEDH/CONANDA, 2006). Deste modo, os encaminhamentos devem atender às

necessidades de cada adolescente, de acordo com sua demanda pessoal e familiar, nos

aspectos jurídicos, pedagógicos e psicossociais. Sendo assim, é direito do jovem a

reinserção na escolarização formal, inserção em atividades profissionalizantes, em

programas que atendam a saúde, alimentação, entre outros, inclusão no mercado de

trabalho, além do acesso à documentação necessária ao exercício da sua cidadania. Os

“Técnicos e educadores são os responsáveis pelo direcionamento das ações, garantindo

a participação dos adolescentes e estimulando o diálogo permanente.”

(SEDH/CONANDA, 2006).

Por fim, o novo sistema de justiça traz a necessidade de repensar os papéis dos

profissionais, para que transcenda o discurso e, havendo um comprometimento com

uma intervenção inovadora que favoreçam as dimensões pessoais e institucionais,

colabore de forma efetiva para o retorno do adolescente em conflito com a lei ao

convívio familiar, comunitário e social. Segundo Xaud (2005), é preciso transmudar o

agir, o que significa “ampliar a permissividade pessoal para rever crenças e valores,

significa adotar postura coerente e mais, abandonar definitivamente o caráter moralista,

preconceituoso, preconcebido e discriminativo de velhas práticas.” (XAUD, 2005, p.93)

De acordo com Sequeira et al (2009), o profissional se encontra em uma

“posição paradoxal nada simples, pois sofre pressão dos dois lados, o Estado que deve

garantir o cumprimento das leis por meio dos seus programas e a sociedade civil que

coloca todas as dificuldades de uma sociedade extremamente injusta.” (SEQUEIRA et

al, 2007, p. 153)

O psicólogo deve ter o cuidado em dimensionar o tamanho correto do motivo

que levou o adolescente a cometer o ato infracional. A escuta deve manter-se crítica,

para que não acabe na psicologização que considera todo ato socialmente desviante,

segundo Miranda Junior (1998). Dentro das medidas socioeducativas, a tarefa de um

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psicólogo é contextualizar o adolescente, dando início ao processo educativo.

Proporcionar um encontro mais humano que incentive o crescimento pessoal e social do

adolescente, considerado um ser humano em desenvolvimento.

III. MÉTODO

De acordo com Sampieri (2006), uma pesquisa qualitativa tem como objetivo

entender um determinado fenômeno, a partir de um processo indutivo no qual,

considerando a observação dos dados e sua interpretação em meio ao contexto em que

estão inseridos para a extração de um significado para eles. E segundo González Rey:

“não se orienta para a produção de resultados finais que possam ser tomados como

referências universais ou invariáveis, mas à produção de novos momentos teóricos que

se integrem organicamente ao processo geral de construção de conhecimento.”

(GONZÁLEZ REY, F. L., 2005, p. 125)

3.1 Participantes

Técnicos de três instituições de aplicação de medida socioeducativa em meio

aberto e uma instituição em meio fechado, ligadas à Fundação CASA ou a SMADS que

realizassem acompanhamentos de medidas diretamente com os jovens. O critério de

inclusão foi que exercessem a atividade no mínimo há seis meses.

3.2 Instrumentos

Entrevistas semi-estruturadas, com roteiro pré-estabelecido, sobre as

intervenções técnicas dos profissionais de cada área (assistente social, psicólogo e

pedagogo).

3.3 Cuidados éticos

A pesquisa envolveu riscos mínimos ao participante, já que o tema envolve o

trabalho com os jovens e não conteúdos particulares dos sujeitos. Foram tomados os

devidos cuidados para a entrevista não causar desconforto nos participantes.

Independentemente da prévia assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido,

os técnicos puderam optar por encerrar a colaboração antes ou durante a realização da

entrevista sem qualquer ônus ou prejuízo. O procedimento só ocorreu mediante o

consentimento de cada um dos profissionais e da instituição. A divulgação do trabalho

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terá finalidade acadêmica, esperando-se contribuir para a expansão do conhecimento a

respeito do tema estudado. Nenhum sujeito ou instituição foi identificado.

3.4 Procedimentos

Por se tratar de uma pesquisa com seres humanos, os cuidados adotados foram: o

envio do projeto à Comissão Interna de Ética, após aprovação pela mesma, a

autorização dos colaboradores e das instituições envolvidas, bem como o

esclarecimento a estes sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa. Foi feito um

contato via telefone com as instituições selecionadas para apresentação do projeto de

pesquisa, por meio de uma carta com uma síntese do projeto, com objetivo,

procedimentos e cuidados éticos, enviadas por email, de acordo com a solicitação das

instituições. Uma vez autorizada a pesquisa pelo responsável da instituição, os técnicos

foram convidados a participar e quem aceitou, assinou o TCLE para ser entrevistado.

A data, o horário e o local para a entrevista foi combinado com os próprios

técnicos, de acordo com suas disponibilidades. Mediante previa autorização dos

sujeitos, as entrevistas foram gravadas, a fim de otimizar a coleta de dados, garantindo a

fidelidade das informações coletadas e evitando repetições desnecessárias de respostas.

Não havendo autorização para gravação, em apenas uma instituição, as respostas foram

registradas na hora por meio de anotações.

Os técnicos puderam encerrar a colaboração antes ou durante a realização da

entrevista, sem quaisquer prejuízos. Em todos os casos, ficam preservados o anonimato

e o sigilo das informações.

3.5 Análise dos dados

Bardin (2000) descreve que análise de conteúdo como “um conjunto de técnicas

de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de

descrição do conteúdo das mensagens”. (BARDIN, L., 2000, p.38). E segundo o mesmo

autor, engloba a análise documental e a análise do discurso, no qual visam analisar os

significados e os significantes, ou seja, compreender não somente o discurso trazido,

mas a mensagem que está por trás dele.

Após a coleta dos dados, as falas dos participantes foram organizadas, visando

identificar e destacar os pontos mais relevantes para a pesquisa, transcrevendo-os para

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um texto corrido, e juntamente com os documentos selecionados buscaram-se

convergências ou divergências nos conteúdos. O procedimento de análise dos dados

visando organizar e interpretar as categorias, os temas e os padrões encontrados, e,

dessa forma, compreender e explicar os contextos, situações, fatos e fenômenos

observados e registrados.

IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Políticas Públicas

4.1.1 Garantia de Direitos

O tema das Políticas Públicas surge quando os entrevistados são questionados se

haveria uma maneira de “prevenir” o ato infracional. Todos trazem a questão do sistema

de garantia de direitos, ou no caso, ausência destes. De acordo com o entrevistado C.:

(...) a questão da exclusão social, 80/90% dos adolescentes que estão aqui,

são oriundos de alta vulnerabilidade social. São famílias que estão nas

regiões mais periféricas da cidade, sem nenhuma estrutura pra se viver.

Vivem em condições muito ruins, desde a questão da moradia, saneamento

básico. (...) Junta com o não ter acesso a nenhum tipo de política pública,

questão da educação, saúde, lazer, cultura; são famílias que não estão

inseridas em nada disso (Entrevistado C.).

E o técnico também argumenta:

Prevenir é levar para essas comunidades serviços que possam ir ao encontro

com suas necessidades, educação, lazer, cultura, oferecer oportunidades. (...)

A proteção básica seria responsável por essa prevenção. (...) dentro da

educação, da saúde, dessas secretarias, isso tudo tem que ser aproximado das

periferias e não chega (Entrevistado C.).

Dessa maneira, a falta da garantia de direitos está intimamente relacionada à sua

influência no cometimento do ato infracional. Visto que, o jovem que possui uma vida

marcada pelas privações das necessidades básicas, seria levado a não se reconhecer

como possuidor de recursos pessoais significantes, que acaba por assumir, como ultimo

recurso que lhe resta, a identidade do delinqüente (SILVA, 2001 apud SEQUEIRA et

al, 2009). Da mesma maneira, as diferentes formas de exclusão levariam a um conjunto

de vulnerabilidades e, assim sendo, o adolescente, entraria no meio ilícito como uma

maneira de sobreviver e/ou aumentar sua renda familiar. (FEIJÓ, 2004).

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Segundo o técnico G.:

se nós tivéssemos uma boa saúde, educação de qualidade, moradia,

alimentação e incentivos para práticas de esportes e lazer, participação na

cultura, acredito que, com certeza, teríamos um número muito menor de

adolescentes em prática de ato infracional (Entrevistado G.).

Ao encontro desta fala, Segalin e Trzcinski (2006), descrevem que, devido ao Estado ter

se mostrado incapaz de assegurar a operacionalização da lei, o jovem que comete ato

infracional, não acessa ao sistema de justiça pela via do direito, mas sim pela infração,

ou seja, muitas vezes o jovem terá contato, pela primeira vez como os seus direitos,

após transgredir. “Toda a proteção deveria estar lá fora, as garantias de direitos, mas,

muitas vezes, o jovem vai ver isso, pela primeira vez na vida, dentro da Fundação (...)

Quando o adolescente chega aqui é como se tivéssemos que dar conta de todas as falhas

anteriores..”. (Entrevistado A.)

Outra questão trazida pelos técnicos, é que a escola deveria funcionar como um

direito das crianças e adolescentes, dispõe o Artigo 54º do ECA sobre o dever do Estado

em assegurar educação às crianças e as adolescentes, mais especificamente, dos

parágrafos I ao VII dissertam sobre o ensino obrigatório e gratuito, que possa atender as

necessidades de acordo com a faixa etária e disponibilidade, quando se trata do

adolescente trabalhador. Os técnicos apontam: técnico B.: “Falo das políticas públicas,

como prolongamento da escola, por exemplo, que não fique solto, e/ou fora do olhar

parental.” técnico A.: “Que a escola seja atrativa para o jovem, infelizmente a escola

não é.”. Porém, além de a maioria destes não estar inserida em alguma instituição de

ensino, a escola, muitas vezes, também funciona como dispositivo de exclusão social.

Com relação a escola se tornar um dispositivo excludente, o entrevistado C. afirma:

é uma educação que também exclui. Não é só estar dentro da escola, hoje em

dia as crianças tem vaga na escola, mas é como a educação funciona, que

acaba por afastar essas pessoas, adolescentes que, desde pequeno começam a

mostrar algum tipo de comportamento, de indisciplina, ao invés de ter um

olhar diferenciado pra essa menino, essa família, pelo contrário, a escola

ajuda a expulsar, a tirar esse menino. Então, nós temos um sistema de

garantias de direitos que não funciona pra essas famílias (Entrevistado C.).

De acordo com Feijó (2004), essa exclusão se caracteriza pela exclusão cultural, no qual

priva o adolescente de uma escolaridade que seria o instrumento para ter mais chances

de um emprego melhor remunerado, assim como, obter acesso a informações que o

possibilitem de exercer sua cidadania de forma integral.

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4.1.2. Redes de Apoio

Diante das demandas sociais, é necessário que haja uma “responsabilidade

compartilhada” entre diversas instituições, assim como, também a sociedade civil e o

Estado, e que essas organizações compartilhem dos mesmos valores e objetivos,

constituindo assim redes de apoio. O funcionamento destas redes estará em pensar ações

que realizem o enfrentamento das questões discutidas acima (VIANA et al., 2011). Os

entrevistados A e B não têm contato direto com as medidas socioeducativas e, portanto

com as redes de apoio, no entanto argumentam que, pelo o que escutam dos técnicos

com quem trabalham, é que a rede está saturada, devido a alta demanda e poucos

serviços disponíveis. Segundo o entrevistado D. o principal problema do

encaminhamento para as redes de apoio é a grande demanda, existe muitos pedidos de

ajuda e baixa capacidade para atendê-las,

tem a ver com os benefícios, é a mãe que precisa da bolsa aluguel, bolsa

família ou cesta básica. Eles são cadastrados, mas demora pra vir, e a mãe

vem falar que está pra ser despejada, vem com aquele sofrimento e você

encaminha e o CRAS fala que tem uma demanda muito grande, ou as vezes

uma comunidade que pega fogo, tem que destinar todas as bolsas pra eles,

então o pronto atendimento não acontece, é tudo a longo prazo e tem coisas

que não da pra esperar. Então, às vezes falamos pra eles pedirem ajuda em

instituições particulares ou paróquia, pois a demanda é muito grande no

CRAS (Entrevistado D.).

Para além da dificuldade de rede, em termos de não ter estrutura para suportar a

grande demanda, também a questão mais presente no cumprimento de medida da

Prestação de Serviço a Comunidade (PSC), segundo entrevistados, seria o preconceito

para com os adolescentes. De acordo com o entrevistado A: “Quem vai querer apoiar

uma ONG que trabalha com jovem infrator?” A maioria dos técnicos cita a PSC como a

pior medida socioeducativa, tendo em vista que as instituições a recebem como mais

uma medida de punição para o jovem, e na maior parte das vezes a atividade na PSC

não tem nenhuma relação com o ato cometido, o que não propicia uma reflexão acerca

do ato. Apenas o técnico F. menciona que há uma rede ampla de atendimento e que, no

geral, todos os jovens são bem acolhidos na rede, embora existam alguns casos pontuais

de preconceito. Sobre a PSC segue os relatos: técnico E.:

tivemos problema com preconceito nas unidades, as instituições não querem

receber, porque para eles, os meninos são criminosos e vão causar riscos aos

usuários. (...) não tem o entendimento que o menino já foi punido e está indo

cumprir uma pena, então muitos deles querem ainda puni-lo dentro do

serviço. (...) eu sou contra PSC, não vejo como positivo, devido a esse

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preconceito, ao invés de obrigar ele fazer 4 horas de serviço comunitário,

obrigar ele a fazer um curso, que não exija que ele esteja na escola, porque

90% não estão. Ou um curso que aceite que ele esteja fora da escola, que não

saiba ler e escrever (Entrevistado E.).

O técnico C.:

A PSC eu não vejo nada de positivo, não concordo, não acho que tenha

significado para o adolescente, ter que trabalhar de graça para poder retribuir

pra sociedade aquilo que ele fez. Ele também enxerga isso como uma

punição, mesmo porque as unidades não estão preparadas para receber esses

meninos. Eles acabam fazendo uma atividade que é, simplesmente uma

punição. Não existe uma relação em que ele possa dar um significado

praquilo. A unidade recebe porque é obrigatório e fica um trabalho solto. A

maior parte dos descumprimentos é em PSC (Entrevistado C.).

Com isso, pode-se perceber, a partir das falas, que o cumprimento da PSC está muito

aquém do que de fato necessita este jovem, pois seu contexto vai além da medida e do

ato que foi cometido.

De acordo com Viana et al. (2011), o conceito de responsabilidade

compartilhada está na necessidade do reconhecimento por parte dos atores envolvidos,

de que também são responsáveis pelas demandas, das quais se exige um trabalho em

rede. Esse reconhecimento de corresponsabilidade se faz necessário no processo de

envolvimento dos atores sociais, para que o trabalho em rede possa provocar mudanças

nos processos sociais e, assim, produzir impactos eficazes no enfrentamento da

demanda. Conforme a fala do técnico G. pode-se perceber a dificuldade que se tem

nessas parcerias, devido a falta da compreensão da responsabilidade da sociedade como

um todo. Técnico G.:

Embora a sociedade, de uma forma geral, ainda não compreendeu a sua

responsabilidade voltada pra estas questões de cuidar do outro. Porque cuidar

do outro é uma responsabilidade de todos, e essa compreensão ainda tem que

avançar. Temos as dificuldades? Sim, justamente por isso, na PSC, por

exemplo, tem muitos locais que recebem o adolescente, mas, o fato do

menino faltar já é motivo para não querê-los mais. Isso porque ele não se

sente responsável pelo menino. (...) Se tivéssemos todos engajados, num

mesmo objetivo, teríamos outro resultado. Mas temos sim parceiros e a rede

de alguma forma funcionando, mas ainda falta sensibilização para a questão

do papel de cada um (Entrevistado G.).

Embora os entrevistados argumentem que a Prestação de Serviço à comunidade

não seja apropriada, se ela for realizada de maneira que o adolescente, ao desenvolver

uma atividade, que se adéqüe ao seu perfil, habilidades e interesses, também terá a

prestação como um elo de inserção no mercado de trabalho. Configurando-se como uma

medida eficaz na superação da exclusão social. Esta medida amplia a visão do jovem

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sobre o bem público e o valor da relação comunitária. Além de desenvolver sentimentos

de solidariedade, responsabilidade e consciência das atitudes construtivas e de sua

cidadania. (SPOSATO, 2004). As parcerias com as redes de apoio são essenciais para a

inclusão do jovem autor de ato infracional no convívio social. Portanto, é função das

instituições de atendimento socioeducativo e, consequentemente dos técnicos, buscarem

as articulações necessárias para a boa execução da medida.

4.2 Causas do Ato Infracional

Castro (2006) faz uma reflexão acerca da sociedade contemporânea e as suas

contradições, a principal delas é o avanço tecnológico, que por um lado traz o progresso

e, por outro, o aumento da dificuldade de acesso da maior parte da população ao

mesmo. E complementa que nesta sociedade, somos influenciados a sermos

consumidores, não somente de produtos, mas de relações e identidade. Da mesma

maneira, somos induzidos tanto a consumir, quanto a descartar de forma rápida, para

então consumir novamente. No entanto, esse avanço não é acessível a todas as camadas

da população de maneira igualitária. Isso pode ser visto na fala do entrevistado F., que

reflete e enfatiza a questão do sistema capitalista, ele aponta que “é um sistema

excludente, desigual e injusto (...). Sendo assim, a desigualdade de condições de acesso

às informações e à bens de consumo, acaba fazendo com que parte dessa sociedade

fique alijada do processo de consumo como um todo.”

É neste contexto, onde a grande desigualdade faz com que o consumo e o

progresso não atinjam a todos, que os jovens estão inseridos, e que por decorrência

disso, acabam buscando por meio de outras estratégias, que não lícitas, a inserção nessa

sociedade. Ao encontro desta afirmação o entrevistado C. enfatiza:

uma sociedade, que hoje em dia, tem um discurso dominante do consumo,

que não presa outros valores, você só é, você só existe, se você consumir, se

você ter. Você não é visto pelo o que você pensa, pelo o que você é, mas pelo

o que você tem, pelo o que você compra, pelo o que você consome

(Entrevistado C.)

As relações de consumo permeiam os vários setores de uma sociedade, influenciando,

inclusive, na construção da identidade e no sentimento de pertença. As identidades

sociais são produzidas por meio do ato do consumo. O indivíduo ao consumir, passa por

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um processo de identificação social, no qual influencia e é influenciado. E, portanto,

também se torna agente no processo de identificação social. (RETONDAR, 2008).

Diante deste cenário, o adolescente que não possui poder aquisitivo, fica à margem, uma

vez que não consegue consumir e, consequentemente, se reconhecer como sujeito.

Por traz desse discurso do consumo, temos uma indústria cultural que representa

umas das principais influências para a sociedade; segundo Castro (2006), a propaganda

é feita para atingir a toda a população, embora a minoria tenha a capacidade de

consumir o que é ofertado. Sendo assim, são gerados sentimentos de frustrações que são

traduzidos em situação de violência e cometimento de transgressões. Essa afirmação

pode ser ilustrada pela fala do entrevistado F.:

O consumo é estimulado via indústria cultural para todo mundo de forma

igual, eu não tenho uma propaganda para o pobre e uma para o rico, eu tenho

uma televisão, um rádio, uma internet que veicula, o tempo todo, consumo e

produto.(Entrevistado F.)

O mesmo técnico argumenta que na grande parcela desfavorecida da sociedade, estão

inclusos os adolescentes, que também possuem desejos, da mesma maneira que os

adolescentes de famílias privilegiadas, levando os primeiros a buscarem por meios

ilícitos, tudo o que julgam ser necessário, devido imposição de uma indústria cultural.

Para Adorno, (apud RETONDAR, 2008) a indústria cultural produz uniformização das

escolhas, aniquilando assim, qualquer processo de escolha e/ou expressão subjetiva do

indivíduo. Conseqüência da criação de um sistema massificado da cultura pela

“mercadificação” dos bens culturais.

Os entrevistados concordam que a mídia, por meio de propagandas veiculadas

nos meios de comunicação em massa (rádio, televisão e internet), acaba por influenciar

e/ou induzir o consumo, principalmente quando envolvem personalidades que estão em

destaque naquele momento. A maioria dos técnicos traz para a entrevista a figura do

jogador de futebol bem sucedido e as marcas que são a ele vinculadas; que pode ser

exemplificada na seguinte fala do técnico G.:

a mídia é a maior colaboradora disso (...) Todo o dia eu vejo o Ronaldinho, o

Ganso, o Neymar exibindo o seu tênis de vários modelos ou exibindo o

celular, as camisetas, os bonés, tudo isso diz que, para eles pertencerem, eles

precisam daquilo ali (Entrevistado G.).

Além disso, a mídia de massa também veicula, a todo instante, o que é esperado

e adequado para que se possa pertencer a esta sociedade, neste sentido estamos falando,

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não somente de produtos, mas de valores, comportamentos, entre outros. No entanto,

todas estas questões (consumir, ser e pertencer), também, são perpassadas pela questão

do imediatismo. Segundo o entrevistado G.: “ele não tem muita definição dessa questão

de conseqüências, ele só quer fazer, o imediatismo. (...) A sua mãe pode até comprar e

pagar em 24 vezes, porém após três ou quatro meses já querem outro.”. De acordo com

Siqueira (2003), possuímos hoje uma configuração que ele nomeia como “economia da

transitoriedade”, trata-se de um princípio que baseia o consumo, visto que ao produzir

produtos baratos, não passíveis de conserto e descartáveis, leva os indivíduos a

consumirem num curto prazo de tempo. Tornando uma estratégia de lucro a substituição

de objetos que se tornam rapidamente obsoletos. Dessa forma, não basta consumir, é

necessário consumir imediatamente, uma vez que, o que foi adquirido, em pouco tempo,

se torna defasado e cai em desuso. Para tanto, o dinheiro deve vir de maneira prática e

rápida. “O que conta bastante para o adolescente é o conquistar naquele momento, o

pertencer, porque é isso que está sendo vendido a ele.” (Entrevistado G.)

Todos os entrevistados trouxeram relatos de jovens que tem consciência da

rapidez que conseguem o dinheiro advindo dos trabalhos ilegais, dos quais o principal é

o tráfico. Os técnicos relatam, técnico E.: “...tem aquele menino que não quer nada,

porque no tráfico ele ganha um valor altíssimo em três horas trabalhadas.”, técnico G:

“O tráfico de drogas oferece de R$ 400,00 a R$500,00 no mínimo, por dia, que para

eles se torna uma forma de trabalho.” E, por fim, o técnico F.: “Tem adolescente que

chega e fala: ‘o que você ganha em um mês eu ganho num dia no tráfico’, tem essa

questão do dinheiro rápido.”. Segundo Castro (2006), a sociedade em que vivemos, está

pautada pela lei de mercado, no qual o grande valor vigente é ter bens, condição esta

que grande parte da população jamais possuirá. Dessa maneira, podemos dizer que o

poder hoje é mensurado pelo o que se pode ter, consumir e, dessa forma, o poder é

representado pelo alto valor aquisitivo, em suma: o dinheiro. Sendo assim,

compartilhando deste valor, o adolescente encontra no tráfico uma maneira rápida de

adquirir dinheiro, já que por meio legais, a curto prazo, talvez, ele não conseguiria obter

o mesmo resultado.

É neste momento, que nos deparamos com o primeiro desafio enfrentado pelos

técnicos: lidar com os adolescentes inseridos nessa sociedade de consumo. Segundo o

entrevistado C.:

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É muito difícil você falar para um menino, que ele tem que largar o tráfico

onde ele ganha R$200 por dia, ganha, às vezes, cinco vezes mais que o pai ou

a mãe, então ele é a maior renda da casa, para ir trabalhar num lugar que vai

pagar R$400/R$500 (Entrevistado C.).

Segundo o técnico F., por mais que o dinheiro advindo do tráfico seja rápido, não se

trata de um dinheiro fácil, visto que este tipo de trabalho envolve muitos riscos à vida

do adolescente e das pessoas que o cercam. Por este motivo, o trabalho do técnico,

segundo o mesmo, seria o de mostrar os possíveis desfechos desse trabalho ilícito, “que

existem outras formas de se inserir socialmente e pertencer a um grupo, a partir do seu

consumo, e que existe um caminho lícito para fazer isso.”. Acrescenta que é necessário

deixar claro que existe uma dificuldade, numa sociedade de competição, de estar em

igual condição a uma pessoa favorecida, tendo em vista o contexto em que este

adolescente vive.

Dessa maneira, é possível notar a contradição em que os jovens estão inseridos,

pois, a indústria cultural transmite um ideal de que é preciso “ter” para “ser”, e com

isso, os de classes desfavorecidas encontram nos trabalhos ilícitos um meio para

conquistar este ideal. Em contrapartida, existem as regras sociais, que dizem ao jovem

que, a maneira que ele utilizou para conquistar este ideal, é ilícita. A atuação do

profissional está em refletir, juntamente ao adolescente sobre as contradições que

cercam suas atitudes, enfatizando uma reflexão sobre cada fase da vida, e a adolescência

em sua totalidade, de forma que seja uma reflexão ética e não moralista. (VELTRI,

2006 apud SEQUEIRA et al 2009).

4.3 Família

A família é a principal responsável pelo processo de socialização do sujeito, pois

é nela que se estabelece o primeiro contato com o outro, no qual o indivíduo passa a ter

consciência de si e do mundo, sendo a família a influência mais importante para a

constituição do sujeito que, a partir de então, começa a fazer parte da sociedade

(BERGER e LUCKMANN, 2003). Ou seja, é a família que estabelece condições

propiciadoras para que a criança se torne indivíduo e possa viver no coletivo; e da

mesma maneira, ensina valores e transmite cultura, e devido à sua alta influência

emocional difunde modos de pensar e hábitos, moldando, assim, o caráter de uma

criança. (LASCH, apud SEQUEIRA, 2007). O entrevistado E. argumenta que o jovem,

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ao cometer um ato infracional, apenas reproduz um comportamento familiar, sendo

assim,

muitas vezes a família não se aproxima também, porque ela deve, então o

adolescente apenas reproduziu, mas quando ela se apresenta no acolhimento

ela não entende porque o filho está cumprindo a medida, e ao longo da

medida descobrimos que a mãe acabou de sair da cadeia, está envolvida com

alguma coisa ou que já foi presa, ou que o pai era traficante... (Entrevistado

E.).

No entanto, embora represente a matriz das relações sociais, a família não está alheia as

influências da cultura e do meio em que está inserida. Num país em que se tem um dos

maiores índices de desigualdade social, a família também se torna vítima deste sistema,

onde os direitos fundamentais, como saúde, educação entre outros, não estão acessíveis

a maior parte da população. Por este motivo, o técnico não deve reproduzir uma visão

preconceituosa e reducionista, como a percepção do técnico acima.

Devido à precariedade social pela qual passa a família, a casa, que deveria ser o

local onde são sanadas as necessidades básicas, acaba por representar, segundo Gomes e

Pereira (2005) “um espaço de privação, de instabilidade e de esgarçamento dos laços

afetivos e de solidariedade.”. Segundo o entrevistado C.:

Nós temos mães e pais que estão lutando para sobreviver, para comer e,

dificilmente, quando você tem famílias que precisam se preocupar em comer

pra não morrer, em sustentar tantas bocas, dificilmente essa família vai dar

conta de todas as outras funções que uma família tem que dar (Entrevistado

C.)

Sobre a questão social que permeia as relações familiares, o entrevistado G. explana que

a ausência da mãe, que tem que sustentar a família, faz com que muitas vezes, a criança

esteja na companhia de outrem que não os pais, dessa forma não pode haver um

diálogo, fazendo com que a criança cresça sem ter alguma referência. Dessa forma, a

criança carece do convívio familiar, no qual a família funciona como elo entre indivíduo

e coletivo, dando sustentação e pertencimento ao novo membro da comunidade.

(SEQUEIRA, 2007)

Com base no relato acima podemos observar a influência na atuação do técnico

em MSE, diante desta questão, cujas famílias se encontram em situação de

vulnerabilidade, as principais vítimas se tornam as crianças e os adolescentes. O técnico

deve levar em consideração as privações pelas quais o adolescente e sua família passou

e/ou passa. A maior dificuldade está em trazer a responsabilidade e o apoio a todos, e

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não tentar encontrar um culpado. O profissional deve atuar, também, de forma a tentar

garantir os direitos fundamentais, que outrora foram violados ou que ainda são. Ou seja,

os direitos básicos que deveriam ser garantidos a toda a população, acabam chegando ao

jovem, muitas vezes pela primeira vez, quando a este é aplicado uma medida.

A maioria dos entrevistados mencionou, como parte do perfil do jovem que

comete ato infracional, além da questão sócio-economica, o altíssimo índice da ausência

paterna no seio familiar, como afirma o entrevistado E.: “80% dos casos não têm o pai

por perto” e que, muitas vezes, esta ausência está relacionada ao envolvimento deste

com a vida do crime, como pôde ser explicitado na fala do entrevistado C.: “Grande

parte não tem a figura paterna, ou porque não assumiu, ou porque estão separados,

porque o pai batia nele e/ou batia na mãe, ou envolvido com drogas, criminalidade.”

Segundo todos os entrevistados, 90% dos educandos são do sexo masculino (em média

9 meninos para 1 menina em cumprimento de MSE), e para estes há a ausência de uma

referência masculina na família. Por meio deste discurso, pode-se concluir que, para os

técnicos, um dos impulsionadores para o cometimento do ato infracional, também seria

a falta dessa figura, que representaria a interiorização da autoridade, visão equivocada e

obsoleta que está pautada na antiga cultura patriarcal, em que somente o homem era

responsável por prover o lar e bem educar seus filhos.

Além da privação econômica, há uma privação dos vínculos afetivos, assim

como afirmam os entrevistados A. e B. respectivamente: “Não se pode negar as

privações das misérias que não são materiais, mas privações afetivas.”, “Eu diria sobre a

privação no sentido mais amplo, uma privação emocional mesmo.”; Quando

questionados sobre as causas do ato infracional, os entrevistados D. e E. argumentam:

técnico D: “Em letra maiúscula? Família! A gente pega casos muito complicados, de

situação de conflito, o meio...”, técnico E: “O abandono do vínculo afetivo entre os

membros da família, acho que é a maior causa...”, técnico D: “A oportunidade até tem,

porque a gente oferece, mas se a família não da ‘aquele’ estímulo... já tem essa cultura

que não tem que estudar, as vezes a mãe parou na 4ª série, não incentiva o filho a fazer

alguma coisa...”, técnico E: “A reprodução do histórico familiar. Então esse vínculo que

não existe, ou pouco existe, deve contribuir muito.” Estas argumentações vão ao

encontro da análise de Gomes e Pereira (2005), que afirmam que uma das causas do

sofrimento e, consequentemente, leva o individuo à descrença de si mesmo, tornando-o

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frágil e com baixa auto-estima, é a perda ou rompimento dos vínculos. Portanto,

segundo quatro dos entrevistados, a falta de incentivo, de apoio e de vínculo familiar

podem ser responsáveis em influenciar, tanto para o cometimento do ato infracional,

quanto para a menor adesão do jovem a medida socioeducativa.

Dentro dos Parâmetros da Gestão Pedagógica no Atendimento Socioeducativo,

no SINASE, a participação familiar aparece como fundamental para a consecução dos

objetivos da medida aplicada ao adolescente. Deve ser proporcionada a participação

ativa e qualitativa da família no processo socioeducativo, para que se possa fortalecer os

vínculos e a inclusão dos adolescentes no ambiente familiar e comunitário. A maioria

dos entrevistados concorda que para o bom andamento da medida, é necessária a

participação ativa dos familiares dos adolescentes, uns afirmam que “o cumprimento da

medida é do adolescente e da sua família, porque ela precisa participar ativamente.”

(Entrevistado G.), outros mencionam que quando ocorre a boa participação desses na

MSE, acabam “muitas vezes, contribuindo mais do que nós.”. (Entrevistado E.). Se

referindo à atuação dos próprios técnicos, na busca da ressocialização dos jovens.

Foi possível perceber que os entrevistados parecem compartilhar o entendimento

que a família também merece atenção especial durante o cumprimento da medida, no

entanto, ainda tendem a culpabilizá-la pelo ato infracional. Constatou-se que uma

dificuldade no trabalho do técnico, diz respeito à sensibilização contínua da família,

para a realização de um trabalho em conjunto, trazendo a corresponsabilidade desta na

participação do cumprimento da medida. O desafio está em fazer com que a

participação não seja somente mediante ordem judicial, mas de maneira que eles

percebam a importância para este jovem ser acompanhado e reinserido na sua

comunidade.

4.4 O trabalho do técnico

Quando se fala em trabalho do técnico em MSE, existem atividades mínimas

previstas pelo SINASE (SEDH/CONANDA, 2006), tais como os atendimentos

individuais e grupais, além das atividades externas, como as visitas domiciliares e as

buscas de novas parcerias para a melhor reinserção do jovem à comunidade. Diante

disso, o entrevistado E. menciona que realizam o atendimento inicial, voltado à

interpretação da medida (IM), e que se programam de forma a

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fazer esse atendimento de terças, quartas e quintas, eles vêm mais nas terças e

quintas, então evitamos fazer um trabalho externo, para ter um maior numero

de técnicos aqui pra acolher os jovens. Geralmente na segunda de manhã

reunimos a equipe e fazemos reuniões, sobre informações ou estudo de casos,

segundas e sextas. E nos outros dias fazemos escala, como somos em quatro,

dois saem pra fazer visitas domiciliares, busca de novas instituições para

PSC, ou reuniões que somos convocados. Nunca todos saem ao mesmo

tempo. E de terça a quinta, acompanhamos os casos (Entrevistado E.).

De acordo com o SINASE (SEDH/CONANDA, 2006), existem três fases do

atendimento socioeducativo, a primeira está relacionada ao atendimento inicial, ou

como pontuam alguns dos técnicos, “o acolhimento”; e que como o próprio nome diz,

se caracteriza pelo reconhecimento do jovem no seu processo de convivência individual

e em grupo. É nesta fase que será elaborado o Plano Individual de Atendimento (PIA).

Para a elaboração do mesmo é necessário, segundo documento “Referências técnicas

para atuação de Psicólogos no âmbito das medidas socioeducativas em unidades de

internação” (CREPOP; CFP, 2010) conhecer a história de vida do adolescente,

abrangendo as suas habilidades, interesses, dificuldades e a compreensão do contexto

em que foi praticado o ato infracional. E, segundo Mendez (2002 apud SEQUEIRA et

al, 2009), é a primeira oportunidade da instituição estabelecer um bom vínculo com o

jovem, e a qualidade desta, pode determinar o sucesso ou fracasso do processo.

Sobre esses procedimentos, o entrevistado C. explica que a família comparece

para um atendimento inicial, e que neste é realizado a interpretação da medida (IM),

visando entender quais os objetivos esperados e a maneira como se pretende alcançá-

los:

A partir disso, desenvolver junto a família o PIA, que são as metas que se

pretende alcançar, enquanto o adolescente estiver aqui, (...)E ao longo desse

período você vai trabalhando para alcançar esses objetivos, que muitas vezes

já vem pré-estabelecido pelo próprio poder judiciário (Entrevistado C.).

Segundo Sposato et al (2004), o PIA, compartilhado com o adolescente e sua família,

funciona como uma estratégia importante para o sucesso da intervenção socioeducativa.

É possível constatar nos relatos dos entrevistados, que o PIA é um procedimento

burocrático, no entanto, nenhum deles o menciona como um projeto com o jovem e com

sua família nem a questão da construção de um vínculo com estes. O que pode

comprometer a adesão do jovem à medida.

Dentre os principais objetivos do PIA, está a garantia de acesso aos programas

públicos e comunitários, previstos no capítulo “Direitos Humanos” do SINASE

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(SEDH/CONANDA, 2006). Deste modo, os encaminhamentos devem atender às

necessidades de cada adolescente, de acordo com sua demanda pessoal e familiar, nos

aspectos jurídicos, pedagógicos e psicossociais. Sendo assim, é direito do jovem a

reinserção na escolarização formal, inserção em atividades profissionalizantes, em

programas que atendam a saúde, alimentação, entre outros, inclusão no mercado de

trabalho, além do acesso à documentação necessária ao exercício da sua cidadania. Tais

direitos aparecem na fala do entrevistado C. que narra sobre as primeiras medidas a

serem tomadas, no comparecimento do jovem ao Núcleo:

Escolarização: é obrigatório que ele seja reinserido. A questão da

documentação, são as primeiras coisas que temos que nos atentar, pode não

estar com a documentação correta com a sua idade, às vezes eles não tem RG

ou mesmo Certidão de nascimento. A questão da profissionalização, atuar de

forma a ajudá-lo a ser inserido no mercado de trabalho, cursos

profissionalizantes. Todas as demandas apresentadas pela família, fora o que

já foi imposto pelo judiciário (Entrevistado C.).

Dessa maneira, dá-se início às primeiras etapas do atendimento, visando sempre a

garantia de direito dos adolescentes, para assim dar um bom andamento à execução da

medida.

Com relação à proposta pedagógica do PIA, existem as oficinas, que devem

enfocar os interesses, potencialidades, dificuldades e necessidades dos jovens. Segundo

os entrevistados, as oficinas ocorrem: “temos oficina de corte de cabelo masculino e de

hip-hop e grafite. Uma oficina é profissionalizante e a outra cultural, que trabalha a

questão da cidadania através do hip-hop. A de cabelo é semanal e a de hip-hop

quinzenal.”. (Entrevistado C.). “Uma vez por semana realizamos oficina, o oficineiro

vem. (...) Oficina de Arte digital, desenho e informática.”. (Entrevistado E.). Dentre os

técnicos entrevistados apenas um mencionou que a oficina é elaborada de acordo com a

demanda levantada dos jovens,

Oficinas pontuais, de acordo com a pesquisa que fazemos do interesse deles,

por exemplo, vai ter de bolo e salgados, fizemos há pouco tempo massa de

biscuit, colagem. Os grupos também são temáticos, tivemos um que era sobre

fortalecimento de vínculos familiares, teve outro direitos e deveres,

cidadania, folclore, sempre voltado com a relação à MSE (entrevistado G.).

Devido ao fato da oficina não contemplar os interesses dos jovens, um dos técnicos

manifestou o seu descontentamento, alegando que esse seria um dos motivos que

contribuiria para a melhor adesão do adolescente a medida. Técnico D.:

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Na minha opinião, eu tiraria os atendimentos individuais e aqui viraria várias

oficinas, de várias coisas dos interesses deles, para que eles sintam prazer de

vir até aqui. Algo que eles se sintam pertencentes, sou a favor de oficinas que

despertem o interesse deles. Também levar para atividades externas, futebol,

cultura; somente atendimento individual não funciona (Entrevistado D.).

Neste caso, pode-se dizer que, o pensamento do técnico é interessante, no sentido de ter

mais oficinas como estratégia de vinculação do jovem com a medida, mas seria

importante não retirar os atendimentos individuais, tendo em vista que é neles que se

acompanha a medida de forma particular, que se constrói um vínculo. No entanto, é

válido ressaltar que as atividades que estejam mais adequadas aos interesses dos jovens,

facilitam a adesão destes à medida. Como diz o técnico C: “Eu sou a favor de trabalhar

com aquilo que vem do adolescente, as vontades e os desejos dele. Isso é histórico de

achar que ele não sabe o que quer.”. Foi possível notar que os técnicos sabem que seria

interessante escutar os desejos dos jovens, mas em nenhum momento se vislumbrou um

real esforço da parte dos técnicos em busca de novas parcerias e/ou novas estratégias

que pudessem atender às necessidades e os interesses dos jovens atendidos.

Com relação à capacitação dos técnicos que atuam com MSE, o SINASE

(SEDH/CONANDA, 2006), propõe que é dever do Estado, Distrito Federal e

Municípios, proporcionar formação inicial e continuada sobre a temática “Criança e

Adolescente” para as equipes das entidades conveniadas envolvidas no atendimento ao

jovem em conflito com a lei; em especial é dever do município criar e manter os

programas de atendimento para a execução das medidas em meio aberto. Sobre isso o

entrevistado C. narra que eles possuem

uma supervisão técnica semanal, que é um sociólogo que faz, que trabalha

com a gente há muito tempo. É um momento de discutir casos e refletir sobre

isso, mas também refletir sobre a nossa própria atuação, nossas angustias.

Fora isso tem os cursos, que a gente vai sabendo por email, correndo atrás, e

vamos encaminhando de acordo com a preferência de cada um. Quando é

possível vai toda a equipe, e também fazemos capacitação interna. Uma vez

por mês um técnico traz um tema e faz a capacitação para os demais, estuda

um texto, procura algo que seja interessante pro trabalho. E fora isso há uma

verba que vem das SMADS para esse tipo de capacitação, este profissional

que vem de fora, é previsto na verba. Tem muito curso gratuito sobre esse

assunto, então a maioria não é pago, então da pra ir tranquilamente

(Entrevistado C.).

Da mesma maneira os técnicos D. e E. dissertam respectivamente: “Temos formações

para dar um suporte, mais para PIA.”, “ Participamos de seminários e palestras, (...).

Também tem uma verba em prol da formação continuada, e estamos trabalhando com

uma profissional, para aprimorar o nosso atendimento individual.” Os entrevistados F. e

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G. também narram a existência de uma capacitação voltada para o aperfeiçoamento do

PIA, e que participam de alguns seminários. De acordo com Sequeira et al (2009), é

necessário uma constante formação, no qual seja possível refletir sobre os seus limites e

possibilidades, permitindo que repensem o seu papel constantemente. No entanto, nota-

se que os eventos e cursos realizados são de caráter esporádico, o que não caracteriza

uma capacitação continuada, conforme descrito.

Com relação à estrutura da equipe, o SINASE (SEDH/CONANDA, 2006),

aponta que para a aplicação de medida socioeducativa em meio aberto, é necessário

haver uma composição mínima do quadro profissional dos técnicos, para suportar o

número de jovens atendidos na instituição, de maneira que se possa realizar um trabalho

com melhor qualidade, sendo assim, um técnico acompanha, no máximo, vinte

adolescentes. Os entrevistados narram acompanhar uma média de 15/16 jovens, dentro

do estabelecido. De acordo com os procedimentos burocráticos, o entrevistado C. relata

que os técnicos:

são responsáveis por articular a rede de garantia de direitos, pra fazer as

inserções necessárias. Eles que fazem os grupos, acompanham as oficinas,

mesmo que são profissionais de fora que são contratados. (...) é responsável

por encaminhar os relatórios pro judiciário (Entrevistado C.).

Sendo assim pode-se pensar, que o trabalho do técnico, não está desvinculado ao

sistema judiciário, de forma que se deve, a todo momento, prestar contas as instâncias

responsáveis. Podemos assim, retomar Xaud (2005), que traz a idéia do papel do

técnico, como interlocutor entre o adolescente e a instituição para o qual presta serviço.

Ou seja, ora ele deve trabalhar a fim de sensibilizar o jovem para processo sócio-

educativo, ora facilitar o discurso institucional. No entanto, essa parece ser uma das

dificuldades apontadas pelos técnicos entrevistados, pois segundo o técnico E.: “Por

mais que tente melhorar o atendimento, aqui é um serviço que responde ao judiciário.”,

esta fala fica melhor explicitada na narrativa do técnico C.:

É um serviço muito difícil, porque eu vejo a dificuldade que é... porque tem a

cobrança do judiciário, tem um tempo pra responder a uma determinada coisa

que o judiciário ta esperando. Tem a parte das exigências e também a

realidade daquele adolescente, e sabe que não consegue, muitas vezes, fazer

nada daquilo que está imposto (Entrevistado C.)

De acordo com Oliveira (2007 apud SEQUEIRA et al 2009), a medida socioeducativa

pode ser vista pelo técnico por um viés, que implica na lógica da punição, onde o

profissional se preocupa somente com a freqüência do jovem, deixando a segundo plano

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o acompanhamento e a orientação. Ou seja, a ênfase de sua atuação se da nas questões

burocráticas.

Outra atuação do técnico que é transpassada pelas questões jurídicas, de acordo

com os entrevistados, são as inserções nas redes de apoio, “Muitas vezes o juiz, não

quer que seja apenas um trabalho, ele quer que seja inserido num trabalho CLT, pra

colocar a Carteira de Trabalho no relatório, conseguir um bico pra eles já é difícil, e

fazer com que eles saiam do tráfico é um avanço, na visão do judiciário não serve.”.

(Entrevistado C.) Ou como o técnico D. menciona: “A gente sempre questiona o

atendimento com os adolescentes, essa coisa de “preencher formulário”, precisamos

fazer algo diferente. Como trabalhar o ato infracional e a família, de uma forma lúdica

que possa transformar.” Todas estas falas trazem um descontentamento dos técnicos

perante as questões jurídicas/burocráticas que devem cumprir. No entanto, é importante

ressaltar que as estratégias adotadas para a melhor inserção do jovem no cumprimento

da medida, podem variar de acordo com a criatividade e a necessidade dos atores

envolvidos. (CARDOSO; COCCO, 2003 apud SEQUEIRA et al 2009). Neste caso, o

técnico não deve se estagnar diante das impossibilidades, mas sim elaborar as melhores

táticas de atuação para atender ao socioeducativo da medida.

É possível perceber que os trabalhos realizados pelos entrevistados têm seguido

os parâmetros mínimos estabelecidos por lei. Com relação à equipe, embora a formação

acadêmica dos técnicos seja de áreas distintas, foi relatado que “o trabalho dos técnicos

é o mesmo, é o trabalho de acompanhar, então eles são responsáveis pelo acolhimento, e

pela execução em si da MSE.” (Entrevistado C.). Da mesma maneira, os entrevistados

argumentam que as atividades não são diferentes, pois visam uma atuação que se

categorize como multidisciplinar, de acordo com o entrevistado E.: “O que favorece a

prática é a formação de cada um. Em estudo de caso ajuda muito por sermos de

diferentes áreas.”, portanto, sugere estar de acordo com o que se espera de uma equipe

multidisciplinar. Conforme SINASE (SEDH/CONANDA, 2006), foi possível constatar,

nas instituições visitadas, a existência de equipes técnicas multidisciplinares, que dizem

sobre as diferentes áreas do conhecimento e especialidades que se formam levando em

consideração, a reinvenção de suas interfaces. Segundo o entrevistado F.:

trabalhamos com a perspectiva de multidisciplinaridade, então temos aqui

assistentes sociais, bacharel em direito, pedagogos professores,

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psicopedagogo, trabalhando e acreditando que cada um contribui em cada

caso específico. A rotina, não só no atendimento individual e em grupo, mas

também compartilhar com os colegas as experiências adquiridas em outros

casos. Nada mais justo do que você discutir esses atendimentos para

aumentar o seu conhecimento. O meu olhar, por mais completo que seja, vai

ser pouco de um olhar multidisciplinar (Entrevistado F.).

o técnico G. complementa:

Enquanto profissional, cada um tem uma forma de olhar, e isso faz com que

junto possamos olhar pra história daquele adolescente e sua família, da

melhor maneira possível, formando assim um quadro maior e mais amplo.

Dando um melhor auxílio ao adolescente e sua família (Entrevistado G.).

Neste sentido, os técnicos atendem os princípios da multidisciplinariedade, e

reconhecem os benefícios que este trabalho em conjunto pode proporcionar, ou seja,

uma visão mais ampla do jovem em cumprimento de MSE. Este trabalho

multiprofissional deve ser de parceria, socialização e construção de conhecimento.

Havendo uma interlocução em todas as áreas do saber, aludiria a uma visão ampliada da

função e atuação dos técnicos envolvidos. Referências técnicas para atuação de

Psicólogos no âmbito das medidas socioeducativas em unidades de internação”

(CREPOP; CFP, 2010)

Como as instituições selecionadas para a coleta de dados atuam somente com as

medidas de Prestação de Serviço a Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (LA),

foram analisadas as normatizações destas medidas em específico. Segundo Sposato et al

(2004), deve constar no projeto pedagógico, parâmetros pré-estabelecidos de atenção à

profissionalização, escolarização, planos individualizados de atendimento e em grupos.

Além disso, projetos de inserção no mercado de trabalho, a realização de

acompanhamento familiar, incluindo visitas familiares, a promoção da convivência

social e comunitária. Com relação a estes parâmetros o entrevistado C. nos traz o

seguinte relato:

O nosso trabalho é possibilitar as atividades fora, fazer encaminhamentos e

inserções em escolas, cursos... isso é muito difícil, é um mundo ideal do

judiciário, é muito difícil, primeiro pela quantidade, não existe na região

serviços que atendam, e quando existe, muitas vezes, não quer atender esse

público, não quer receber pela questão do preconceito, e quando aparecem

coisas bacanas está muito distante da região de moradia (Entrevistado C.).

Como mencionado, ainda há muito preconceito e estigmatização do jovem autor

de ato infracional, reduzindo-o ao ato cometido, o que dificulta a atuação do técnico, em

concretizar a reinserção do adolescente. “Quanto a PSC, tivemos problema com

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preconceito nas unidades, as instituições não querem receber, porque para eles, os

meninos são criminosos e vão causar riscos aos usuários.” (Entrevistado E.) Segundo

Konzen (2006, apud SEQUEIRA et al, 2009), o objetivo da MSE deveria proteger o

jovem de uma aplicação injusta, que viola os direitos e que se pauta na vingança social.

No entanto, embora as dificuldades da inserção nas redes existam, é função do técnico

realizar um trabalho continuo de sensibilização das entidades que recebem os jovens,

para a responsabilização e para que se alcance o objetivo pedagógico da medida.

A dificuldade da concretização da reinserção social do adolescente, aponta a

falha das políticas públicas e também os valores culturais que ainda pautados nos

antigos paradigmas do menor infrator. Sendo assim, o adolescente, que tem consciência

das dificuldades dessa sociedade em que está inserido e, concomitantemente, de suas

próprias dificuldades, acaba por desacreditar de uma real transformação de sua

realidade. Isso pôde ser constatado na seguinte fala: técnico C.:

Fica muito no discurso, na teoria. Eles vêm aqui e sabem, que por mais que

você acredite no seu trabalho, na prática não acontece. (...) O adolescente só

vai aderir bem à medida, quando, de fato, a rede começar a funcionar, quando

ele chegar e perceber na prática que as políticas estão funcionando, que existe

uma possibilidade de mudar de vida. Enquanto ele perceber que essa

possibilidade não existe, ficar só no discurso ele não vai aderir (Entrevistado

C.).

De acordo com Sposato et al (2004), a medida de PSC possibilitaria a ampliação

da visão do bem público e do valor da relação comunitária; além de contribuir com o

desenvolvimento dos sentimentos de solidariedade, o senso de convivência social, de

responsabilidade, e ainda a consciência de atitudes construtivas e de sua cidadania. No

entanto, na prática relatada pelos entrevistados a PSC não se equivale a sua forma

teórica. Tal fato pode ser constatado nas seguintes falas dos entrevistados: E: “Essas

unidades acolhedoras, não tem o entendimento que o menino já foi punido e está indo

cumprir uma pena, então muitos deles querem ainda puni-lo dentro do serviço”, Técnico

C:

A PSC eu não vejo nada de positivo, não concordo, não acho que tenha

significado pro adolescente ter que trabalhar de graça pra poder retribuir pra

sociedade aquilo que ele fez. Ele também enxerga isso como uma punição,

mesmo porque as unidades não estão preparadas para receber esses meninos.

Eles acabam fazendo uma atividade que é, simplesmente, uma punição. Não

existe uma relação em que ele possa dar um significado praquilo. A unidade

recebe porque é obrigatório e fica um trabalho solto. A maior parte dos

descumprimentos é em PSC (Entrevistado C.).

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Com relação às implicações pessoais que envolvem o trabalho do técnico, foi

possível observar a ambivalência de sentimentos, ora apontando uma desesperança e um

cansaço, ora mostrando que há muitas possibilidades de mudança. Técnico A.: “É um

trabalho que traz esperança, mas ainda é preciso mudar a postura ideológica da

sociedade.”, técnico E.:

às vezes, nós mesmos como técnicos, duvidamos da medida, tem momentos

que desacreditamos, em outro momento a gente pensa que está em processo

de construção. (...) Tem dias que eu acho que meu trabalho foi um máximo, e

tem dias que eu acho que eu sou a pior técnica, que não fiz nada

(Entrevistado E.).

Os aspectos positivos trazidos se referem à possibilidade efetiva de mudança, e a

responsabilidade que se tem diante de um ser que está em fase peculiar de seu

desenvolvimento. Técnico F.:

então me vejo como um agente de uma possível transformação social que

começa muito pequena, no núcleo da sociedade, que é o indivíduo, mas que

abra a possibilidade pra um, dois, dez adolescentes de que no futuro eles

possam se tornar agentes de transformação social, de mudança para uma

sociedade mais igualitária, solidária, menos competitiva e um pouco mais

feliz para todos (Entrevistado F.).

Os aspectos negativos na maior parte das vezes estão situados na estrutura física e social

que cercam a atuação profissional. De acordo com o técnico G.: “No aspecto negativo é

que muitas vezes não temos ferramenta o suficiente pra fazer mais. Na realidade na

questão negativa é a rede, ela precisa ser melhor, capacitada, talvez ter uma melhor

formação para que compreenda o seu papel e possa trabalhar junto.”

De acordo com Sequeira et al (2009), o profissional se encontra em uma posição

paradoxal, visto que sofre pressão tanto do Estado, que deve garantir o cumprimento das

leis, quanto da sociedade que coloca impossibilidades de uma sociedade injusta. O

reflexo desta atuação, que não é simples, aparece na fala do técnico C.:

Eu vejo que as vezes afeta o pessoal também, porque eles vão embora

questionando tudo, ficam muito críticos com relação a sociedade, ao sistema;

vão ficando cansados, porque parece que o está sendo feito não está

adiantando.(...) O retorno não é tão grande, quando você entra aqui, você

acha que vai revolucionar e percebe que não é assim. Você não pode

desmotivar, continuar acreditando, mas, também, não colocar tanta

expectativa pra não sofrer tanto.(...) As vezes temos que entender que o nosso

trabalho não é imediato, talvez o que você fale hoje pro menino não faça

sentido, mas que talvez daqui há dois anos faça. Tem que acreditar nisso.

Mas é difícil, é ambíguo (Entrevistado C.).

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Pode se pensar, também, que o trabalho do técnico exige bastante persistência com que

se propõe a ser feito, visto que os resultados alcançados, geralmente não são vistos a

curto prazo, podendo causar uma desmotivação para o trabalho.

Pode-se e constatar que, em seus aspectos burocráticos, os técnicos cumprem os

parâmetros estabelecidos pelas legislações vigentes; no entanto, a atuação do técnico

deveria estar para além do cumprimento de protocolo, buscando o socioeducativo que a

medida se propõe. Isso pode ser constatado quando os técnicos dissertam sobre a

medida de PSC, nas dificuldades que elas apresentam, das barreiras que advêm de uma

cultura que ainda está pautada nas perspectivas punitivas e estigmatizantes, e como

aponta o entrevistado E.

às vezes, nós mesmos como técnicos, duvidamos da medida, tem momentos

que desacreditamos, em outro momento a gente pensa que está em processo

de construção. A gente precisa ainda melhorar muita coisa, desde o

atendimento, o trabalho de formação com os técnicos (Entrevistado E.).

E assim como expressa o entrevistado C.: “estamos indo na contra-mão, temos que

trabalhar valores que estão contrários ao que pregado na sociedade, e é difícil porque

estes meninos estão inseridos na sociedade.”. Segundo Sequeira et al (2009), para um

eficaz atendimento socioeducativo do jovem em conflito com a lei, deve-se pensar a

conscientização e participação de todos os autores como meios fundamentais.

E da mesma forma, os profissionais, muitas vezes, esquecem que também são

sujeitos constituintes desta sociedade. Dessa maneira se faz necessário a capacitação

constante desses técnicos, para que eles possam ter mais clareza da sua responsabilidade

como técnico e, consequentemente, de sua atuação. Para que assim possa se fortalecer

como profissional, já que sua contribuição é significativa para o sucesso da MSE.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho se propôs compreender o papel do técnico no cumprimento

das Medidas Socioeducativas (MSE), para isso houve levantamento de material

bibliográfico e mapeamento de documentos sobre a temática do ato infracional e da

aplicação de MSE, e a verificação das intervenções técnicas na prática. Desta forma,

essa pesquisa visou contribuir com a ampliação da produção de conhecimento na área,

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pois, em levantamento bibliográfico inicial, percebeu-se que não há muitos trabalhos

que fazem referência, especificamente, a psicologia na aplicação de MSE.

Com base nos dados analisados, pode-se pensar que a atuação do técnico deve

fundamentar-se na compreensão de que seu trabalho está para além do

acompanhamento judicial/burocrático da medida, está na (re)construção da perspectiva

do jovem, autor de ato infracional, com relação á sua cidadania, às suas possibilidades,

abrangendo diferentes aspectos de seu desenvolvimento: social, familiar, educacional,

cultural e profissional. Sendo assim, não reduzindo o jovem ao ato cometido e,

consequentemente, não atuando de maneira estigmatizante. Deste modo, a atuação desse

profissional deve estar pautada nos princípios socioeducativos da medida, visando à

garantia de direitos e construção da autonomia desse jovem.

A maioria dos técnicos mencionou, como parte da constituição do perfil do

jovem que comete ato infracional, o altíssimo índice da ausência paterna no seio

familiar, que para eles seria um dos impulsionadores para o cometimento do ato

infracional, pois tal figura representaria a interiorização da autoridade. Um discurso que

parte de uma visão pautada na antiga cultura patriarcal, em que somente o homem era

responsável por prover o lar e bem educar seus filhos. Um preconceito com as novas

configurações familiares e a antiga concepção de família desestruturada aparecem no

discurso dos técnicos (SEQUEIRA, 2007).

A família desse jovem, vive além da privação econômica, privação dos vínculos

afetivos. Foi constatado que isso se dá porque os pais, para proverem o sustento da

família, se ausentam e não conseguem assumir os papéis fundamentais que esta possui

na constituição do sujeito. Portanto, o técnico deve levar em consideração as privações

pelas quais o adolescente e sua família passou e/ou passa. A maior dificuldade está em

trazer a responsabilidade à todos, e não tentar encontrar um culpado. Observou-se

então, outro eixo de atuação do técnico, que está na sensibilização contínua da família,

trazendo a corresponsabilidade na participação do cumprimento da medida. O desafio

constatado está em fazer com que a participação não seja somente mediante ordem

judicial, mas de maneira que eles percebam a importância para este jovem ser

acompanhado e reinserido na sua comunidade.

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Entretanto, também afirmaram que a exclusão social na sociedade de consumo e

a falta da garantia de direitos são os principais influenciadores para o cometimento do

ato infracional. Dessa maneira, neste contexto de grande desigualdade social e

econômica que os jovens estão inseridos, e por decorrência disso, acabam buscando por

meio de estratégias ilícitas, a inserção nessa sociedade. Sendo assim, o adolescente

encontra, principalmente, no tráfico uma maneira rápida de adquirir dinheiro, já que por

meio legais, a curto prazo, talvez, não conseguiria obter o mesmo resultado. O trabalho

do técnico, portanto, está em refletir, juntamente ao jovem sobre as diferentes

possibilidades de “ser” nesta sociedade, sem que para isso precise atuar ilicitamente. E,

também, desconstruir o ideal que é passado pela sociedade de consumo, construindo

outra realidade com novas possibilidades. Não se esquecendo que deve atuar,

igualmente, de forma a tentar garantir os direitos fundamentais, que constam no artigo

4º do ECA, que outrora foram violados.

Diante das demandas sociais, é necessário que haja uma “responsabilidade

compartilhada” entre diversas instituições, assim como, também a sociedade civil e o

Estado, e que essas organizações compartilhem dos mesmos valores e objetivos,

constituindo assim redes de apoio. Embora os entrevistados argumentem que a

Prestação de Serviço à comunidade não seja apropriada, tendo em vista a falta de

preparo das instituições que recebem, se ela for realizada de maneira que o adolescente,

ao desenvolver uma atividade, que se adéqüe ao seu perfil, habilidades e interesses,

também terá a prestação como um elo de inserção no mercado de trabalho.

Configurando-se como uma medida eficaz na superação da exclusão social. Portanto, é

função das instituições de atendimento socioeducativo e, consequentemente dos

técnicos, buscarem as articulações necessárias para a boa execução da medida. Foi

possível notar que os técnicos sabem que seria interessante escutar os desejos dos

jovens, mas em nenhum momento das entrevistas se vislumbrou um real esforço da

parte dos técnicos em busca de novas parcerias e/ou novas estratégias que pudessem

atender às necessidades e os interesses dos jovens atendidos.

Por fim, o técnico deve estar preparado para lidar com jovem em sua totalidade,

tendo em vista os vários disparadores do ato infracional, sejam o contexto de

vulnerabilidade social deste e de sua família, os direitos fundamentais violados, valores

contraditórios da sociedade contemporânea, entre outros. Dando ênfase na interlocução

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entre indivíduo, sociedade e Estado. Não se trata de um trabalho simples, visto que o

técnico também é um indivíduo que está inserido nesta sociedade e, portanto, suas ações

e ideologias são perpassadas pelos valores culturais dessa. O resultado de sua atuação é

alcançado em longo prazo, e exige persistência, uma vez que as políticas públicas e as

redes de apoio possuem falhas. No entanto, este profissional deve repensar a sua função,

os seus limites e as suas possibilidades, a todo o momento, assumindo sua

responsabilidade, junto com outros atores sociais, para o desenvolvimento pleno desse

jovem. Foi constatado que os eventos relacionados ao aprimoramento dos técnicos

ocorrem de forma esporádica. Por este motivo, deve-se levar em conta a necessidade de

investir na capacitação desse profissional, já que ele pode contribuir significativamente

para o sucesso da MSE.

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VII. ANEXOS

7.1 Roteiro de entrevista semi-estruturada:

Há quanto tempo trabalha na instituição?

O que o motivou a trabalhar com a aplicação de medidas socieducativas?

Em sua opinião, quais as causas do ato infracional?

Como fazer trabalhos de prevenção?

A instituição desenvolve algum projeto nesse sentido. Conhece algum projeto em algum

lugar assim?

Qual o perfil do jovem em cumprimento de MSE aqui na instituição?

Como funciona a rotina do local?

Como é formada a equipe? Quais as atividades de cada profissional e rotina deles.

Existe alguma atividade de aperfeiçoamento para e equipe técnica?

Quais as atividades que os jovens fazem aqui? E fora?

Como funciona a parceria com outros equipamentos? Fale sobre a rede

Em sua opinião, o que pode ser feito para que ocorra maior adesão do jovem ao

cumprimento da MSE?

Em sua opinião, quais são os aspectos postivos e negativos da execução da medida?

Qual a relação da família com o jovem e com a instituição? Desenvolve algum trabalho

com familias?

Como você avalia o trabalho do técnico na MSE? Aspectos positivos e negativos.

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7.2 Entrevistas Transcritas

Entrevistados (A) e (B)

Há quanto tempo trabalha na instituição?

A: 9 anos, quase 10

B: 8 anos e 9 meses.

O que o motivou a trabalhar com a aplicação de MSE?

A: Na faculdade mesmo, comecei a ter uma experiência com adolescentes em situação de risco. Tive dois

professores muito bons, o que me motivou foi o trabalho nessa área. Assim que me formei, passei no

concurso público e comecei a trabalhar com avaliações, seleção de cargos de gestão para trabalhar no

centro e atendimento aos funcionários, até 2007. A partir de 2007 comecei a dar supervisão em programas

de saúde voltados para os adolescentes. Quando passei no concurso, achei que ia trabalhar direto com os

adolescentes, na época antiga FEBEM, essa visão vem mudando um pouco, mas não mudou totalmente.

Era o que eu queria e todos ficavam preocupados, mas o trabalho era indiretamente com os adolescentes,

hoje aprendi a gostar, é um trabalho importante.

B: Eu, assim que me formei, comecei a trabalhar na área de treinamento, fiquei um ano fora da

psicologia. O concurso foi uma forma de me recolocar na psicologia. Entrei em Julho de 2000 – com 30

anos, recém casada. Tinha dificuldade em voltar pro mercado de trabalho. Então, fui trabalhar com os

meninos, no atendimento direto.

Fiquei 5 anos no atendimento no complexo Vila Maria, Tatuapé; depois comecei a trabalhar no

atendimento ao servidor, na área da saúde. Depois entrei para a gerência dos projetos dos funcionários,

trabalhando alguns aspectos como a questão do uso de drogas, o que faço até hoje.

Na época dentro da CASA, acompanhava um grupo de 20 adolescentes desde a chegada até a saída deles,

com aconselhamento. No Centro tinha acesso direto ao ato infracional, de forma mais objetiva.

Um grupo de psicólogos que acompanham a medida e utilizam a PB e o psicodrama.

Tem também o atendimento à família que busca analisar o aqui-agora, fazê-los voltar para o momento

atual, um tipo de diagnóstico polidimensional, entre as relações, uma demanda mais espontânea.

Tudo isso é bem diferente da terapia clínica e é muito difícil com os profissionais novos que chegam,

muitas vezes recém formados não entendem, porque é assim que aprendem na faculdade, só atendimento

clínico individual.

*Hoje ambas trabalham com a capacitação de profissionais que trabalham com as MSE, na questão do

uso de drogas. Atuando com psicólogos que atendem diretamente na Unidade, trabalham com casos mais

específicos, com base no psicodrama e na psicoterapia breve, não trabalham diretamente com a MSE.

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Vêm trabalhando com a questão de tirar o caráter do técnico, para que os psicólogos assumam a sua

identidade profissional. Para que não vise só o processo, o acompanhador da medida. Pode e deve

trabalhar com as questões afetivas.

UIP (45 dias) trabalhando diagnóstico, não no sentido de classificação, mas para entender o adolescente,

sua dinâmica psíquica.

Quais as causas do ato infracional?

A: Multifatorial! Não surgiu do nada, por geração espontânea e também não é herança genética. Claro,

não da pra negar as questões sociais, não é nexo causal, existe a influência social, mas ela é mais

multifatorial.

É preciso pensar na história do sujeito, observar o fator de risco e o fator de proteção, a capacidade de

resiliência, as figuras de referência.

Não se pode negar as privações, das misérias que não são materiais, privações afetivas. Quando se fala

em ECA, remete-se a crianças pobres e não é isso. Quem é essa família? Esse sujeito? Quais as rupturas

dessa família? ‘O Zezinho ta denunciando algo pra gente’. Mas também se deve tomar cuidado porque

pode acabar por culpabilizar a família. Correr o risco de achar os culpados – “família disfuncional”.

Quando se faz uma investigação não é da ordem policial.

B: Eu diria sobre a privação no sentido mais amplo, uma privação emocional mesmo.É claro que temo

que olhar o histórico brasileiro de exclusão, o motivo do ECA ser construído não é só para atender os

pobres. Mas a idéia não é achar culpados.

Como fazer trabalhos de prevenção?

B: A prevenção deve ser feita na comunidade, escola. Por meio da educação, saúde, acionar a rede para

atuar nesse sentido.

Creio que é uma falha de todas as outras políticas públicas.

Um bom meio são os equipamentos da prefeitura para os jovens ficarem no contra turno escolar.

A: Prevenção é possibilitar para a juventude sonhos possíveis, fomentar sonhos!

A instituição desenvolve algum projeto nesse sentido? Você conhece algum projeto assim?

A: Dentro da Casa a prevenção é no sentido da não reincidência, então o trabalho é vincular a outros

equipamentos, a família. Acionar a saúde, a educação, acionar essa rede de sistema de garantia de

direitos. O que me ocorre quanto a isso, é que muitas pessoas acham que os adolescentes são

responsabilidade da fundação e não da população, se pudessem enviariam para marte!... Então, acho que é

possibilitar sonhos possíveis, não quer dizer que é preciso que a pessoa se torne o Neymar, mas fazer com

que ela tenha um objetivo que possa ser tangível.

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B: Falo das políticas públicas, como prolongamento da escola (por exemplo), que não fique solto, e/ou

fora do olhar parental. O foco da prevenção é na reincidência. Verificar o fator de proteção e risco na

comunidade, minimizar os riscos e reforçar a proteção.

A: Que a escola seja atrativa para o jovem, infelizmente a escola não é. Quando o adolescente chega aqui

é como se tivéssemos que dar conta de todas as falhas anteriores.

Como é feito o trabalho com a família?

A: Com a família é feito um trabalho, pois o entendimento judicial é que ela é co-responsável. Dá-se

importância aos pais, uma responsabilização, não culpabilização.

Quando se fala em MSE, a família é co-responsável (isso judicialmente). O PIA contempla a família.

Assistente Social faz visitas familiares, se a família não vem, ela vai ser convocada por determinação

legal.

Como funciona a rotina do local?

B: Eles acordam, arrumam cama, tomam banho, depois vem o café, escovam os dentes. 7 horas aula na

escola, depois tem o curso extracurricular, curso de iniciação profissional que é trazido por algumas

ONGs, parcerias e tem o atendimento. Tem atendimento grupal, mas alguns casos individuais.

Como é formada a equipe? Quais as atividades de cada profissional e rotina dos profissionais?

A: A equipe é formada por 3 superintendências: Saúde, pedagógica e de segurança.

Na saúde temos a medicina, farmácia, nutrição, psicólogos e assistentes sociais.

Na área pedagógica a educação de arte e cultura, profissional, escolar e educação física.

Na segurança os agentes de apoio sócio-educativos.

Existe algum atividade de aperfeiçoamento para e equipe técnica?

A: Desde 2010 realizam fórum permanente para reunir os profissionais da região e discutirem o seu

trabalho, nunca é o suficiente. Para os psicólogos há uma capacitação sobre o tema drogadição

(CRATOD). Tem a psicoterapia grupal, acontece toda quarta, para discussão casos e instituição. Há um

fortalecimento do trabalho técnico do psicólogo. Tem que ser eletivo do profissional, e buscar o que é seu

e que se relaciona com o seu trabalho. Senão seria autoritário. Toda quarta-feira vem outra supervisora

clínica (de fora), é discussão do caso e ela não entra na parte institucional.

Como funciona a parceria com outros equipamentos? Fale sobre a rede.

Não sabiam comentar muito bem o assunto, pois o trabalho que fazem é mais vinculado a medida de

privação, mas, pelo o que escutam, a rede está saturada. Outra questão é que tentar fazer uma parceria é

difícil, também pelo preconceito. Quem vai querer apoiar uma ONG que trabalha com jovem infrator? É

como foi dito, preferem que fossemos para marte, para que não precisassem entrar em contato, de fato,

com eles.

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Em sua opinião o que pode ser feito para que ocorra maior adesão do jovem ao cumprimento da

MSE?

A: Antes de mais nada, o jovem tem que querer mudar. Se ele não estiver disposto a isso, não adianta

tentarmos fazer nada, pois não irá ter efeito nenhum. Tem que ter sentido pra ele. A partir do momento

que ele abre uma fresta, podemos tentar agir. E também cabe ao profissional saber aproveitar e intervir de

forma que ele possa aceitar aquilo que está sendo dito.

B: Bom trabalho desenvolvido pela equipe técnica.

Em sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos da execução da medida?

B: Negativo é a privação da liberdade. A privação da liberdade deve ser o ultimo recurso, um ano na vida

de um jovem não é pouca coisa.

Positivo que o adolescente reconhece seus direitos e deveres. É a garantia dos direitos. Toda a proteção

deveria estar lá fora, as garantias de direitos, mas, muitas vezes, o jovem vai ver isso, pela primeira vez na

vida, dentro da Fundação.

A: Se o delito é um sintoma, ele pode ser denunciar de outra maneira. Não queremos sujeitos dóceis, mas

fazer essa denuncia de outra forma.

Como você avalia o trabalho do técnico na MSE? Aspectos positivos e negativos.

A: Temos bons e maus profissionais. Se o trabalho estiver dentro das diretrizes, pode ser um bom

trabalho. A mudança não é da noite para o dia, de FEBEM para Fundação CASA, a instituição somos nós,

temos o papel de promover pequenas mudanças, pois a cultura não é da Fundação CASA, mas sim da

sociedade. É um trabalho que traz esperança, mas ainda é preciso mudar a postura ideológica da

sociedade.

B: Depende de cada profissional. Temos tanto os bons, que se empenham com o trabalho e se motivam

para tentar ajudar o jovem, como aqueles que não estão preocupados e não entendem direito o papel dele.

Entrevistado (C)

Há quanto tempo trabalha na instituição?

Desde abril de 2009.

O trabalho de MSE em meio aberto é municipalizado, antes ficava a cargo do Estado, através da

Fundação CASA. De uns anos pra cá, as medidas em meio aberto foram municipalizados (LA e PSC), as

de meio fechado, internação e semi, continuam com o Estado.

Por uma questão de estrutura, a prefeitura trabalha com convênios com ONGs, pra abertura de

determinados serviços, como é o caso das MSE. A prefeitura entra com a parte financeira, repassa a verba

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para essa entidade, desde a manutenção da casa e dos materiais, salário dos funcionários, RH, ela arca

com as despesas. Na realidade os trabalhadores são funcionários da ONG, mas a verba para desenvolver

esse trabalho vem da verba pública.

O que o motivou a trabalhar com a aplicação de medidas socieducativas?

Sempre gostei da área social, desde a época da faculdade, desde que comecei já queria atuar na área

social. Na faculdade eu queria trabalhar na Fundação CASA. Quando eu me formei eu trabalhava com

crianças com transtornos mentais, mas não era o que eu queria, eu queria área social, da assistência social,

e surgiu a oportunidade de vir pra cá. O que motivou é porque eu sempre fui muito insatisfeita com a

política, a situação atual; um desejo não de mudar, porque sei que não vou conseguir mudar sozinha, mas

de oferecer outros caminhos, outras oportunidades, porque eu cresci aqui perto, vivi na periferia e sempre

tive muito contato com esta população. Acabei tendo oportunidade, meus pais, graças a Deus, tiveram

condições de oferecer educação e saúde de qualidade, mas eu cresci vendo o descaso com essa população,

então cresci com isso dentro de mim, de fazer algum trabalho que pudesse oferecer uma nova

possibilidade pra esse povo que é tão esquecido dos governantes.

Quais as causas do ato infracional?

Muitas! Primeiro é o que falei agora, da questão da exclusão social, 80/90% dos adolescentes que estão

aqui, são adolescentes oriundos de alta vulnerabilidade social. São famílias que estão nas regiões mais

periféricas da cidade, sem nenhuma estrutura pra se viver. Vivem em condições muito ruins, desde a

questão da moradia, saneamento básico, são pessoas que já começam não tendo um lugar digno para se

viver, morar. Junta com o não ter acesso a nenhum tipo de política pública, questão da educação, saúde,

lazer, cultura; são famílias que não estão inseridas em nada disso. Mesmo a educação, que a gente sabe,

que dentre essas políticas todas, a educação acaba atendendo parte dessa população, mas é uma educação

que também exclui. Não é só estar dentro da escola, hoje em dia as crianças tem vaga na escola, mas é

como a educação funciona, que acaba por afastar essas pessoas, adolescentes que, desde pequeno

começam a mostrar algum tipo de comportamento, de indisciplina, ao invés de ter um olhar diferenciado

pra essa menino, essa família, pelo contrário, a escola ajuda a expulsar, a tirar esse menino. Então, nós

temos um sistema de garantias de direitos que não funciona pra essas famílias. A questão da própria

família, por conta de toda uma história, por conta dessa exclusão, eu não gosto de usar o nome

desestruturada, mas nós temos famílias, que, de alguma maneira, também não tão conseguindo viver bem.

Nós temos mães e pais que estão lutando para sobreviver, para comer e, dificilmente, quando você tem

famílias que precisam se preocupar em comer pra não morrer, em sustentar tantas bocas, dificilmente essa

família vai dar conta de todas as outras funções que uma família tem que dar. Esse adolescente cresce

numa família que tem toda essa complicação, a questão da ausência figura paterna, é berrante, são muitos

meninos criados pela mãe, avó, sempre por figuras femininas, então falta muito essa figura masculina, de

referência na vida deles, tudo isso que te falei, da família, juntando com a exclusão social, juntando com

uma sociedade, que hoje em dia, tem um discurso dominante do consumo, que não presa outros valores,

presa o consumo, você só é, você só existe, se você consumir, se você ter. Você não é visto pelo o que

você pensa, pelo o que você é, mas pelo o que você tem, pelo o que você compra, pelo o que você

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consome. Então junta tudo isso, essa necessidade de existir nesse contexto, e existir é ter esses bens, e são

famílias que não pode ter esses bens... então eu acho que dá no que dá. A gente não pode esperar coisas

muito diferentes, mesmo porque é a referência que eles têm na comunidade, quem se da bem nessa

comunidade é o traficante, o cara que se envolveu no crime, esse é o cara que tem a moto bacana, o carro

bacana, as menininhas a seus pés; é uma questão de identidade. Então com que eu vou me identificar? Eu

tenho na minha casa um modelo suficientemente forte pra me identificar dentro do meu lar? Muitas vezes

eu não tenho, eu tenho um sistema de políticas que me exclui, que não me da oportunidade para que eu

possa ser alguma coisa diferente, que eu possa crescer e evoluir de outra forma. Então, em quem eu me

identifico, nos mais próximos, naquele meu contexto, na minha comunidade e quem, de alguma maneira,

consegue ser bem sucedido (entre aspas) são essas figuras, é o cara que assalta que faz um corre, esse é o

“bambambam”, eu acho que é um aprendizado, eles aprenderam e cresceram no meio disso tudo.

Como fazer trabalhos de prevenção?

Prevenir é você fazer um trabalho que pudesse atender todas essas questões que falei, tem que levar para

essas comunidades serviços que possam ir ao encontro com suas necessidades, educação, lazer, cultura,

oferecer oportunidades. Trabalhar lá em baixo, esse é um tipo de serviço que não atua na prevenção,

MSE, a área da Assistência Social hoje é dividida em sistemas de proteção básica, serviço de proteção

especial. A proteção básica seria responsável por essa prevenção, a especial atua quando esse direito já foi

violado, quando essa pessoa está em uma situação de risco maior, a proteção básica deveria atuar com

essa prevenção, isso dentro da área social. Se for ver dentro da educação, da saúde, dessas secretarias,

isso tudo tem que ser aproximado das periferias e não chega. Essa região, por exemplo, é de muita

vulnerabilidade, até nas estatísticas, com um índice de violência e um índice de mortes em adolescentes

grande. E não chega um serviço nessas regiões, agora que a assistência social está começando a chegar,

mas as outras políticas não chegam. A educação ta aí, mas é o que falei, não tem funcionado, lazer,

esporte e cultura muito menos. Esse ano temos uma fábrica de cultura que oferece várias coisas, mas está

distante pra eles, vai atender a necessidade de outra população, mas não da periferia que está escondida.

Não chega este tipo de direito até essas pessoas. Prevenção seria as pessoas terem acesso a esse tipo de

serviço, mas com qualidade. Atuar mais na periferia, a partir da realidade deles, o que eles mostram como

necessidade, não vir com uma política pronta, a partir do que a gente acredita como melhor. A gente tem

que fazer um estudo de território, porque em São Paulo, cada região tem suas características e

necessidades. É preciso ser feito um estudo de território, para entender as necessidades destes, e a

política atuar dessa maneira. E tem outras questões, a do sistema capitalista, do discurso do consumo

desenfreado.

Qual o perfil do jovem em cumprimento de MSE aqui na instituição?

Meninos, em sua maioria. De 129 são 8 meninas. Faixa dos 12 ao 18 anos, excepcionalmente 21 anos. A

maioria na faixa dos 15 aos 17 anos. São poucos os de 12 e 13 anos. Pobres, oriundos de famílias que não

tem qualquer tipo de acesso a informação financeira/econômica, que de alguma maneira, já estão

necessitando de ajuda há muito tempo, mãe que está em situação psicológico bastante abalada, que tem

um histórico difícil, um pai que abandonou. Grande parte não tem a figura paterna, ou porque não

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assumiu, ou porque estão separados, porque o pai batia e/ou batia na mãe, ou envolvido com drogas,

criminalidade. Negros 50%. Meninos com dificuldade na fala, repertório de linguagem muito escasso, que

entra na parte da educação, da escola que não conseguiu incentivar. Então são meninos com auto-estima

muito baixa. São extremamente inseguros para lidar com qualquer outra situação, dentro desse universo

do crime eles estão conseguindo, de alguma maneira, se sobressair, ganhar uma identidade, um espaço,

porque em outros espaços eles não conseguem. Esse repertório de linguagem é muito característico, são

pessoas que não conseguem desenvolver um diálogo, são monossilábicos muitas vezes, não conseguem

desenvolver uma idéia. Alguns conseguem, e muitas vezes você percebe que ele quer falar, mas não tem

um repertório de linguagem nem para se expressar, falta de estímulo mesmo.

São meninos de famílias numerosas, com muitos irmãos, dificilmente filhos únicos, ou que só tenha um

irmão. Pouquíssimos estão na escola, a maioria abandonou há um ou dois anos.

Como funciona a rotina do local?

O judiciário encaminha o adolescente que infracionou, o policial leva o adolescente pra delegacia,

dependendo do caso ou da infração, o próprio delegado pode liberar o adolescente, com um termo para

que ele compareça no DEIJE, e nessa audiência, qual medida ele vai receber. Ou dependendo do caso, o

delegado pode encaminhar direto para a Fundação CASA, e o adolescente aguarda internado, pela

audiência, internação provisória (máximo 45 dias).

Na audiência, às vezes mais que uma, o juiz decide qual medida vai aplicar, LA, PSC ou as duas, porque

pode ser cumulada. Decido em meio aberto, o adolescente com o responsável sai da audiência com um

“Termo de medida”, que especifica onde ele deve comparecer, qual o serviço ele vai prestar.

A família comparece aqui, em qualquer dia da semana, das 8h as 17h. Na verdade eles vêm sem saber o

que vai acontecer. Inicialmente fazemos a IM – interpretação da medida - um dos técnicos faz o

acolhimento, faz a interpretação, o que é esperado, como vamos poder trabalhar, e as entrevistas

psicossociais. A partir disso, desenvolver junto a família o PIA – plano individual de atendimento - que

são as metas que se pretende alcançar, enquanto o adolescente estiver aqui, na LA (que é no mínimo seis

meses) há um tempo maior para estabelecer essas metas. E ao longo desse período você vai trabalhando

para alcançar esses objetivos, muitas vezes já vem pré-estabelecido pelo próprio poder judiciário, baseado

na lei – ECA e SINASE. Escolarização: é obrigatório que ele seja reinserido. A questão da documentação,

são as primeiras coisas que temos que nos atentar, pode não estar com a documentação correta com a sua

idade, as vezes eles não tem RG ou mesmo Certidão de nascimento. A questão da profissionalização,

atuar de forma a ajudá-lo a ser inserido no mercado de trabalho, cursos profissionalizantes. Todas as

demandas apresentadas pela família, fora o que já foi imposto pelo judiciário. Muitas vezes aparecem

questões com violência, alcoolismo, drogadição. Atualmente tem aparecido bastante casos de transtornos

mentais, uma coisa que não era comum quando entrei, esse ano teve uma quantidade não grande, mas

que já é um indicativo, tivemos 5 meninos diagnosticados com algum tipo de transtorno, não sei se é por

decorrência da droga. Todas as demandas, o técnico junto com a família tem que tentar orientar.

No caso da L.A, o atendimento previsto é de uma vez por semana, o adolescente, vai voltar, das outras

vezes, não é necessário que venha com responsável, ele pode vir sozinho, no começo com o responsável

para que a gente possa conhecer e fazer as entrevistas; vem aqui uma vez por semana, participar do

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atendimento individual, porque cada técnico é responsável por uma quantidade de adolescente, no

atendimento é quando o técnico levanta as demandas e vai se vinculando ao adolescente, faz trabalho de

escuta também. Fora os atendimentos, temos as oficinas, aqui nesta unidade temos oficina de corte de

cabelo masculino e de hip-hop e grafite. Uma oficina é profissionalizante e a outra cultural, que trabalha a

questão da cidadania através do hip-hop. A de cabelo é semanal e a de hip-hop quinzenal. Tem os grupos

socioeducativos, uma vez por mês, com a família também uma vez por mês. A rotina varia de acordo com

a necessidade do adolescente, alguns não vêm, mas vai com a característica de cada um.

Vamos supor que este jovem venha apenas uma vez e não venha mais, o que é feito neste caso?

Existe um prazo de um mês para esse adolescente vir, se em um mês ele não vier, configura

descumprimento da medida. Mas nesse mês, são feitas várias ações para evitar que ele entre no

descumprimento. O técnico tem que ir atrás, entrar em contato com a família, com o adolescente,

remarcar, conversar, sensibilizar. Se marcou e não veio de novo, tem que fazer visita domiciliar, esta

visita já é obrigatória no acompanhamento, tem que ter no mínimo duas ao longo do processo, mas essa

no caso do descumprimento é pra levar uma convocação, a pessoa que receber assina, nesta há uma data

para que ele compareça para retomar a medida. Não veio mesmo assim, encaminha via correio outra

convocação. São todas essas ações, para que o adolescente retome o serviço; se ele não retomar mesmo

assim, aí configura o descumprimento. Então encaminhamos um relatório que chamamos de “Relatório

informativo” pro judiciário informando que o adolescente não está vindo e quais foram as ações que

foram tomadas. Então o juiz vai emitir um mandado de intimação, vem uma cópia pra gente, e um oficial

de justiça leva na residência do adolescente, geralmente neste caso eles voltam. Se ele não comparecer

você informa novamente, se depois da segunda intimação o adolescente ainda não comparecer,

provavelmente o juiz vai dar uma “busca e apreensão”, é como se estivesse foragido, tanto que não chega

à casa dele; nessa busca um policial pode realizar essa busca, mas isso é muito raro, geralmente ele é pego

quando menos se espera. Por exemplo, ele está na rua, acontece uma batida policial e resolvem revistar

todo mundo; nessa, pega o documento do adolescente, olham no sistema e descobrem que ele está sob

“busca e apreensão”, então ele é levado pra Fundação CASA. Passa um período lá, e depois é designado a

voltar e a retomar a medida. Geralmente nós vamos tentando outras formas pra não descumprir, cada caso

é um caso, por exemplo, tem meninos que tem problemas com drogadição, são menos que não estão em

condição de cumprir MSE nenhuma, eles precisam de um tratamento, nem eram pra estar cumprindo

medida, na minha concepção. São casos que não vamos prejudicar os adolescentes, tentamos de outras

maneiras, cada caso é um caso.

Como é formada a equipe? Quais as atividades de cada profissional e rotina dos profissionais?

A equipe desse MSE é formada por 11 profissionais. O quadro de RH é de acordo com a quantidade de

adolescentes que cada serviço tem capacidade de atendimento. Esse atende 105 adolescentes. Temos um

do apoio operacional, que é responsável pela limpeza da casa e pelo lanche dos meninos, dois auxiliares

administrativos, um atua mais com a parte financeira de prestação de contas, e outra pela parte de coleta

de dados, planilhas, entrada e saída de adolescentes, sete técnicos sociais, dentro de cinco áreas de

formação (direito, psicologia, assistência social, pedagogia e sociologia). São: 1 pedagoga, 3 psicólogos,

1 sociológa e 1 assistente social e 1 que está estudando da assistência social. Porque antes de 2010, não

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havia essa exigência do ensino superior, era preferencial e não exigência. Então a prefeitura deu um prazo

para o que já trabalhavam, se formarem até 2012. E uma gerente, que sou eu, psicóloga.

Eles possuem atividades diferentes, os técnicos?

Não, o trabalho dos técnicos é o mesmo, é o trabalho de acompanhar, então eles são responsáveis pelo

acolhimento, e pela execução em si da MSE. No nosso caso, em média, cada técnico atende 16/17

adolescentes, cada técnico vai fazer o acompanhamento, ele é responsável por encaminhar os relatórios

pro judiciário, no caso eu analiso e corrijo. Eles também são responsáveis por articular a rede de garantia

de direitos, pra fazer as inserções necessárias. Eles que fazem os grupos, acompanham as oficinas, mesmo

que são profissionais de fora que são contratados. E a minha função é de coordenar, nessa parte mais

burocrática, o apoio aos técnicos, fazer discussão dos casos, pensar no PIA, as demandas mais urgentes,

oferecer capacitação...

Existe algum atividade de aperfeiçoamento para e equipe técnica?

Existe, nós temos uma supervisão técnica semanal, que é um sociólogo que faz, que trabalha com a gente

há muito tempo. É um momento de discutir casos e refletir sobre isso, mas também refletir sobre a nossa

própria atuação, nossas angustias. Fora isso tem os cursos, que a gente vai sabendo por email, correndo

atrás, e vamos encaminhando de acordo com a preferência de cada um. Quando é possível vai toda

equipe, e também fazemos capacitação interna, uma vez por mês um técnico traz um tema e faz a

capacitação para os demais, estuda um texto, procura algo que seja interessante pro trabalho. E fora isso

há uma verba que vem das SMADS, para esse tipo de capacitação, este profissional que vem de fora, é

previsto na verba. Tem muito curso gratuito sobre esse assunto, então a maioria não é pago, então da pra

ir tranquilamente.

Quais as atividades que os jovens fazem aqui? E fora?

Fora, geralmente ele não ta fazendo nada, estão fora da escola, não estão trabalhando... O nosso trabalho é

possibilitar as atividades fora, fazer encaminhamentos e inserções em escolas, cursos... isso é muito

difícil, é um mundo ideal do judiciário, é muito difícil, primeiro pela quantidade, não existe na região

serviços que atendam, e quando existe, muitas vezes, não quer atender esse público, não quer receber pela

questão do preconceito, e quando aparece coisas bacanas está muito distante da região de moradia e são

famílias que não condições de arcar com a condução. A parte mais difícil do trabalho é a questão com a

rede.

Em sua opinião o que pode ser feito para que ocorra maior adesão do jovem ao cumprimento da

MSE?

Eu não acho que o numero de descumprimento é tão alto como dizem, eu acho que quando eles

descumprem, é uma série de fatores. Muitas vezes eles já chegam aqui, de uma maneira, muito

envolvidos em uma situação que para tirá-los é muito complicado. Porque são meninos que estão

inseridos na questão da violência há muitos anos, e as vezes só é pego com 15/16, que já estão há muito

tempo, e de alguma maneira já conseguiram se estabelecer dentro disso, ganhar uma importância/

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identidade, conseguiram ganhar dinheiro com isso. É muito difícil você falar para um menino, numa

sociedade que preza a questão do consumo, que ele tem que largar o tráfico que ele ganha R$200 por dia,

ganha as vezes, 5 vezes mais que o pai ou a mãe, então ele é a maior renda da casa dele, pra ir trabalhar

num lugar que vai pagar R$400/R$500. Pra fazer faxina, não que não seja merecido, mas que

oportunidade que esse menino tem, que é um menino que não sabe ler, escrever. São meninos que não

tem formação necessária para serem inseridos no mercado de trabalho, e eles sabem disso. E por mais que

você faça todo um trabalho para ser inserido, no fundo ele sabe, que para ele ser inserido é difícil. Por

mais que eu tente fazer esse trabalho, de pensar nas escolhas, em outras possibilidades, resignificar a vida,

acaba não funcionando, porque é como falei, eu quero inserir na rede e não consigo, eu quero inseri-lo em

um trabalho, não consigo, colocá-lo na escola, ele não quer mais, porque a escola não tem mais sentido

pra esse menino, ele já rompeu o vínculo com a escola a dois ou três anos. Nossa maior dificuldade aqui é

fazê-los voltar pra escola, eles têm pavor de escola. Então, como vou ajudar esse menino a traçar um novo

caminho que muitas vezes não existe, infelizmente, no mundo de hoje, pra muitos é muito difícil. Fica

muito no discurso, na prática enquanto técnico, a gente não consegue, e muitas vezes nos deparamos com

isso, que valores vamos trabalhar, valores humanos? a gente vive numa sociedade que preza por valores

humanos ou pelo capital? Então estamos indo na contra-mão, temos que trabalhar valores que estão

contrários ao que pregado na sociedade, e é difícil porque estes meninos estão inseridos na sociedade.

Eles sabem onde eles estão e qual o discurso. De repente eles não conseguem aderir porque sabem que

não conseguem uma mudança efetiva, nos tivemos um caso a pouco tempo. Era um menino que estava

bastante envolvido com a prestação, ele tinha uma questão com o tráfico, vinha apresentando uma

melhora, mostrava vontade de voltar a estudar. E quando foi despertado esse desejo de mudar, foi

divulgado um curso em uma empresa grande, que era voltado pra esse público; esse curso tinha uma

bolsa, a partir dos 15 anos, tinham que passar por um processo seletivo, fazer provas e entrevistas, isso

era uma superação muito grande pra ele, e ele passou em tudo isso, a pessoa ligou aqui e disse que ele

tinha sido ótimo, que todos tinham adorado ele, mas que tinha a questão da idade, o curso era pra 16 anos

em diante, houve um erro no edital, foi divulgado errado. E pensamos: ‘e agora?’ Bom, esse menino, ele

estava certo que ia conseguir, e ele andou para trás muito, tudo o que tínhamos trabalhado, por conta de

um fato isolado, é o que ele falou “quando eu tento, quando eu quero, fecham as portas, então eu não

quero saber, eu vou roubar mesmo” enfim... é muito difícil. Fica muito no discurso, na teoria. Eles vêm

aqui eles sabem, que por mais que você acredite no seu trabalho, na prática não acontece. Então ele vai

pra onde ele acha que ele vai ser alguém, ter identidade, vai ter dinheiro. O adolescente só vai aderir bem

a medida, quando de fato a rede começar a funcionar, quando ele chegar e perceber, que de fato, na

prática as políticas estão funcionando, que existe uma possibilidade de ele mudar de vida, enquanto ele

perceber que essa possibilidade não existe, ficar só no discurso ele não vai aderir.

Em sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos da execução da medida?

A L.A. vejo como positiva, não vejo aspectos negativos, porque acredito que as medidas em meio

fechado não funcionam, mesmo com o novo modelo, a gente sabe que no fundo continua funcionando da

mesma maneira, houve sim uma pequena melhora, mas a grande maioria das Fundações trabalham com

os mesmos moldes da antiga FEBEM, é repressão, é tratado como objeto, enchem esses meninos de

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cursos, bijuteria, de não sei o que, como se esse monte de cursos pudessem oferecer uma possibilidade de

ele chegar aqui fora e se inserir no mercado de trabalho, mentira, a gente sabe que não, então, não

trabalham com a família. Claro que se você falar com alguém que trabalha na Fundação ele vai dizer o

contrário, mas na minha visão não trabalham com a família, muito pouco. Então na L.A. trabalha bastante

com a família. Nas medidas em meio aberto existe uma possibilidade maior de trabalhar com a família, do

que em medida de meio fechado e semi-liberdade, e também porque eu não acredito que privar a

liberdade de um adolescente seja resocializadora e educativa, mesmo se a Fundação CASA fosse uma

maravilha, que já tivesse dentro do modelo previsto pelo SINASE, mesmo que já tivesse assim, ainda

assim não acho que é uma medida eficaz privar o adolescente da liberdade. O adolescente está em plena

fase de desenvolvimento e você tirar dois ou três anos, é muita coisa. Pra um adolescente é punição o

suficiente. A privação da liberdade é uma coisa que eu discuto, mas concordo que tem casos que não há

muito o que ser feito, crimes mais hediondos, atos infracionais mediante violência ou grave ameaça a

vítima. A gente entende que este adolescente precisa responder a sociedade pelo o que ele fez, se ele

cometeu algo grave e continua apresentando um risco pra sociedade, eu entendo, que mesmo não sendo a

mais apropriada, a internação é o que venha atender melhor as necessidades da sociedade e não do

adolescente. Mas mesmo assim, esses casos de crimes hediondos é a minoria, na Fundação, pouquíssimos

cometeram assassinatos ou crimes considerados hediondos, são poucos, a grande maioria são por tráfico,

roubo, furto e reincidência. Não pelo ato, mas pela quantidade de vezes que cometeu. Eu não acredito que

a internação possa ter algo de muito bom, no caso da L.A, você pode atuar com esse adolescente que tem

a liberdade preservada, e tentar, de alguma maneira, fazer as inserções. Se toda a rede funcionasse, eu iria

conseguir uma nova possibilidade dentro da Fundação CASA; o que eu to oferecendo pra esse

adolescente? Eu estou punindo, não existe trabalho, pode até existir, mas é uma punição privar da

liberdade. Nas medidas de meio aberto eu consigo oferecer uma nova trajetória, ajudar, orientar, inserindo

nas políticas, mas o ponto negativo é que estas não funcionam. Fica num trabalho de “enxugar gelo”,

porque na teoria é linda, toda proposta de L.A é linda, mas muitas vezes, quando ela não funciona é por

conta das políticas que não estão preparadas para receber esses meninos, mas de todas as medidas

previstas no ECA a L.A é a mais adequada na minha concepção. A PSC eu não vejo nada de positivo, não

concordo, não acho que tenha significado pro adolescente, ter que trabalhar de graça pra poder retribuir

pra sociedade aquilo que ele fiz. Ele também enxerga isso como uma punição, mesmo porque as unidades

não estão preparadas para receber esses meninos. Eles acabam fazendo uma atividade que é,

simplesmente, uma punição. Não existe uma relação em que ele possa dar um significado praquilo. A

unidade recebe porque é obrigatório e fica um trabalho solto. A maior parte dos descumprimentos é em

PSC. Teoricamente seria uma medida mais fácil, tanto que ela é determinada quando a infração é mais

leve. Por mim extinguia a PSC.

Qual a relação da família com o jovem e com a instituição? Desenvolve algum trabalho com

famílias?

O trabalho é familiar sempre, tem mediação de conflito, quando necessário, os grupos. A ONG tem oito

serviços conveniados com a prefeitura, todos da área social. Um deles é o MSE, mas tem serviços que

atende desde a criança até o idoso, toda a família. Que são projetos da proteção básica.

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Como você avalia o trabalho do técnico na MSE? Aspectos positivos e negativos.

É um serviço muito difícil, porque eu vejo a dificuldade que é... porque tem a cobrança do judiciário, tem

um tempo pra responder a uma determinada coisa que o judiciário ta esperando. Tem a parte das

exigências e também a realidade daquele adolescente, e sabe que não consegue, muitas vezes, fazer nada

daquilo que está imposto. Então tenta trabalhar com a autonomia do adolescente. Eu não posso ser

ingênua de falar pra esse menino que se ele voltar pra escola, tudo mudará na vida dele. A escola deixou

de ser uma garantia, como era antigamente, de que ia conseguir um desenvolvimento mais saudável na

sociedade. Na nossa concepção, temos um pensamento que a escola não deveria ser obrigatória, porque

qual o significado que essa escola tem pra esse adolescente, ele vai pra escola e traz o papel pra encerrar a

medida, aí depois de um mês você liga pra saber e ele já está fora da escola. São meninos que percebem

que não vai fazer diferença na vida deles. Eu sou a favor de trabalhar com aquilo que vem do adolescente,

as vontades e os desejos dele. Isso é histórico de achar que ele não sabe o que quer. Ele está em

desenvolvimento, ele sabe totalmente o que ele quer da vida? Não totalmente, pra isso existe uma medida

pra orientar, claro que precisa sempre do apoio familiar, mas pra muitas coisas ele sabe o que é melhor

pra vida dele. Muitas vezes o juiz, não quer que seja apenas um trabalho, ele quer que seja inserido num

trabalho CLT, pra colocar a Carteira de Trabalho no relatório, conseguir um bico pra eles já é difícil, e

fazer com que eles saiam do tráfico é um avanço, na visão do judiciário não serve. Pra um técnico é muito

difícil trabalhar com as exigências do sistema e com a realidade do adolescente. Eu vejo que eles sofrem,

porque tem casos que eles estão mais próximos, vinculados. Eu vejo que as vezes afeta o pessoal também,

porque eles vão embora questionando tudo, ficam muito críticos com relação a sociedade, ao sistema; vão

ficando cansados, porque parece que o está sendo feito não está adiantando. É muito comum um menino

que está caminhando, e de repente você fica sabendo que ele foi apreendido novamente, ou começa a

faltar. O retorno não é tão grande, quando você entra aqui, você acha que vai revolucionar e percebe que

não é assim. Você não pode desmotivar, continuar acreditando, mas, também, não colocar tanta

expectativa pra não sofrer tanto. O desafio é esse, tem questão de morte dos adolescente, por questões de

overdose ou de “corre” como eles dizem.

Tem muitos casos legais, e é nesse que eu tento trabalhar, como gerente. Porque muitas vezes se apega

naquilo que não deu certo. Mas temos que lembrar os que deram certo. As vezes temos que entender que

o nosso trabalho não é imediato, talvez o que você fale hoje pro menino não faça sentido, mas que talvez

daqui há dois anos faça. Tem que acreditar nisso. Mas é difícil, é ambíguo.

Entrevistados (D) e (E)

Há quanto tempo trabalha na instituição?

D: Na instituição estou há 2 anos e meio, peguei um pouco antes da portaria, comecei como orientadora

socioeducativa e aí todo mundo virou técnico depois da portaria. Sou formada em psicopedagogia, fiz pós

em psicopedagogia institucional.

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E: Estou aqui há um ano, sou formada em pedagogia, com especialização em psicopedagogia.

O que o motivou a trabalhar com a aplicação de MSE?

D: Quando eu comecei, eu nem sabia o que era direito. Mas o que motivou foi acreditar na transformação,

foi um desafio; tanto que eu morria de medo do público, “eles vão me pegar na rua, vou ter que entrar no

meio da comunidade”, e fiquei com medo, quase não aceitei. Mas foi mais a questão da transformação, de

acreditar no próximo.

E: Eu tenho experiência em outras instituições e a minha penúltima foi com população de rua. Trabalhei

como técnica de uma equipe que trabalhava com crianças e adolescentes em situação de rua, e foi nessa

época que conheci o trabalho de um NPPE, que na época era esse nome, hoje é MSE. Tivemos contatos e

reuniões na época, com técnicos de dois NPPEs, e eu me encantei com o trabalho. Depois sai dessa

instituição, recebi o convite para participar de um processo seletivo. E eu me encantei, também acredito

na transformação. A partir do momento que o adolescente tenha oportunidades, claro que tem que partir

dele: ‘eu quero mudar’, mas acredito que o educador pode contribuir muito com essa transformação. Pra

mim foi um máximo. No começo a gente se frustra, porque não são todos os casos que se conseguem

caminhar junto, pensei que não fosse dar conta, e já estou há um ano.

Quais as causas do ato infracional?

D: Em letra maiúscula? Família. A gente pega casos muito complicados, de situação de conflito, o meio...

E: O abandono do vínculo afetivo entre os membros da família, acho que é a maior causa...

D: Com certeza, essa questão, a gente percebe que, não sei se está ligada a ausência paterna, mas 80% dos

casos não tem o pai por perto, a mãe que é pai e mãe ao mesmo tempo, a falta de apoio. A oportunidade

até tem, porque a gente oferece, mas se a família não da aquele estímulo... já tem essa cultura que não tem

que estudar, as vezes a mãe parou na 4ª série, não incentiva o filho a fazer alguma coisa...

E: A reprodução do histórico familiar. Então esse vínculo que não existe, ou pouco existe, deve contribuir

muito. Aí chega ao ponto do uso de drogas...

Então pra vocês, a família seria o primordial?

D: A família e o meio são a chave, não tem como falar que seja outra coisa.

E: Com certeza, até no início da medida, os pais chegam muito adoecidos e eles criam uma expectativa

com o nosso trabalho e muitas vezes acabam se acalmando. Durante o processo da medida eles acabam,

muitas vezes, contribuindo mais do que nós, e no término nos agradece. A família é sem dúvida é

primordial.

D: É que na frente da mãe o menino é uma coisa e por trás ele desenvolve muito mais, conversa com

você, se a mãe não está preparada pra falar com o adolescente, aí começam os conflitos...

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Qual o perfil do jovem em cumprimento de MSE?

D: A maioria é menino, acho que temos umas 5 meninas.

E: 98% são meninos. Atendemos 70, e mais ou menos 58 meninos. De histórico com pais separados, ou

pai que foram assassinados ou presos, ou nem conheceram os pais.

D: Também atendemos adolescente que tem grana, do Brooklin, Alto de Pinheiros, Lapa. Então você fala,

‘ah não é só aquele que vive na comunidade?’ Não! São aqueles que também vem de lá de cima, que

batem e tal.

E: Envolve conflito familiar, independente da classe social...

D: Tendo dinheiro ou não.

E a faixa etária?

E: O mais novo tem 13, é difícil surgir com 12 anos, o numero maior é entre 16 e 19 anos.

Como fazer trabalhos de prevenção? Algo que anteceda o ato infracional?

D: Eu tenho uma crítica, nos tínhamos um projeto aqui chamado “Ciclo de violência”, antes desses

meninos cometerem o ato infracional, eles podiam participar do núcleo, nos tínhamos convênio para 120

adolescentes, e eles tinham acesso as oficinas, tinha de violão, reforma de violão... Tinha acesso às

palestras, grupo temáticos, tudo o que o adolescente de medida fazia, ele também tinha acesso, então

vinham por livre e espontânea vontade. E aí a prefeitura cortou, inclusive atendíamos famílias, tinha

grupo terapêutico com os pais, e nós ficamos decepcionados, consequentemente, técnicos foram

mandados embora, teve que cortar a equipe pela metade. Era um trabalho preventivo.

A instituição desenvolve algum projeto nesse sentido? Você conhece algum projeto assim?

D: Aqui no serviço de medida não.

E: Nós apresentamos uma proposta pra diretoria da organização e eles estão num processo de construção.

Pensamos em trabalhar as famílias, porque elas nos procuram muito, e nós não temos estrutura para

atender a todos, que acabam vindo nos procurar. Atendemos e conversamos, encaminhamos para algum

serviço, conforme a demanda, mas ainda é muito pouco. Eles estão construindo um projeto, é um trabalho

tanto preventivo, quanto de dar um suporte ao nosso trabalho. Mas ainda está encaminhando.

D: Tem um projeto que é o CCA – Centro para crianças e adolescentes, que é um trabalho de prevenção

também, nós montávamos uma apresentação e levávamos para criancinhas a partir de 7 anos: “o que era o

ato infracional, o que era MSE, como prevenção”. É que nós temos uma demanda grande, e não tem

tempo pra fazer, mas seria um trabalho preventivo.

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E: Muitos deles já têm situações na própria família, mas não se fala sobre. E o diálogo que não existe

entre os próprios familiares. Então a intenção dessa palestra era tirar a dúvida, para orientar e esclarecer

todo o processo, desde o ato infracional, o funcionamento... foi uma experiência interessante, a escola nos

convidou, é uma pena não conseguimos dar continuidade.

D: É legal trabalhar com preventivo, porque falávamos assim pras crianças: ‘bulling também pode gerar

uma medida, passar RG falso, agressão, se você bater no colega’ e eles falavam: ‘nossa tia, mas se eu

bater no colega eu vou parar na Fundação? Vou receber medida?’, elas ficavam curiosas.

Como funciona a rotina do local?

E: Nós realizamos o atendimento inicial: a IM – interpretação da medida, quando o adolescente é

encaminhado pra cá, com o oficio em mãos. Nós nos programamos para fazer esse atendimento de terças,

quartas e quintas, eles vêm mais nas terças e quintas, então evitamos fazer um trabalho externo, pra ter

um maior numero de técnicos aqui pra acolher os jovens. Geralmente na segunda de manhã reunimos a

equipe e fazemos reuniões, sobre informações ou estudo de casos, segunda e sextas. E nos outros dias

fazemos escala, como somos em 4, dois saem pra fazer visitas domiciliares, busca de novas instituições

para PSC, ou reuniões que somos convocados. Nunca todos saem ao mesmo tempo. E de terça a quinta,

acompanhamos os casos. Uma vez por semana realizamos oficina, o oficineiro vem. Mensalmente tem o

grupo de família, que acontece aos sábados, e tem o grupo temático, que é um grupo com todos os

adolescentes do serviço.

Essa oficina é do que?

E: Arte digital, desenho e informática.

D: Quando os adolescentes pegam a medida, eles vêm aqui uma vez por semana. E cada técnico tem o seu

tempo, uns demoram 15 minutos, outros uma hora, depende da demanda do adolescente. E tem as mães

que também marcam atendimento, as vezes o técnico precisa conversar e pede, também, pra mãe

comparecer, esses atendimento são marcados de terça, quarta e quinta. E segunda e sexta a gente prioriza

as visitas (domiciliares ou institucionais) inserção em PSC.

Vocês falaram de resistência, em determinado momento, o que acontece quando o jovem para de

comparecer e não da satisfação?

E: Quebra a medida. O maior motivo são as drogas, às vezes eles têm recaídas, ou mesmo compromisso

com o tráfico, eles acabam relatando que não foram dispensados.

D: Muitos acreditam que a medida não da em nada, tem uns que já chegam com a idéia de que quebra a

medida não vai acontecer nada. Eles sabem que estão protegidos, eles sabem o ECA de cabo a rabo,

sabem todos os direitos, que quando completarem 18 anos o nome não ficará sujo e assim por diante.

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E: Eles levam um “chacoalhão” quando eles recebem uma intimação pedindo pra comparecer no núcleo

ou pra comparecer numa audiência.

Vocês se dividem para atender, como funciona?

E: Nós temos um numero exato para cada técnico, conforme vão entrando e saindo os adolescentes, a

cada um ou dois meses, em reunião redistribuímos os casos.

D: Pra cada técnico, são, no mínimo, 15 meninos. Tem época que ultrapassa, tem época que tem somente

10, é relativo.

E: Como também há grande rotatividade de técnicos, como em janeiro que só estávamos eu e D. com 60

jovens. Um técnico de férias, outro mandado embora...

D: Tem dias que é muito pesado, tem dias que é leve... as vezes a gente brinca um pouco pra tentar

relaxar...

E: A gente acaba ouvindo relatos de muita desgraça, perdas...

D: Relatos de mãe, que dizem que estão passando fome. Aí você encaminha pra rede...

E: E a Rede está toda furada.

Como é formada a equipe? Quais as atividades de cada profissional e a rotina?

D: Somo em quatro técnicos. L. que é pedagoga, eu psicopedagoga, G. que é psicólogo e A. assistente

social. Temos o G. gerente de serviço, formado em filosofia, B. que cuida da parte administrativa e L. que

cuida do operacional, limpeza, lanche dos meninos. Trabalhamos de segunda a sexta, das 8h às 17h. E um

sábado por mês o grupo de família. Os quatro técnicos têm a mesma função.

E: O que favorece a prática é a formação de cada um. Em estudo de caso ajuda muito por sermos de

diferentes áreas.

Existe alguma atividade de aperfeiçoamento para a equipe técnica?

D: Temos formações para dar um suporte, mais para PIA.

E: Participamos de seminários e palestras, este ano tivemos dois encontros com duas defensoras públicas

que nos orientaram sobre as dificuldades enfrentadas na época. Qualquer caso que estivermos

acompanhando, podemos ligar pra defensora pra ter um suporte. Também tem uma verba em prol da

formação continuada, e estamos trabalhando com uma profissional, para aprimorar o nosso atendimento

individual.

Quais as atividades que os jovens fazem aqui? E fora?

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D: Dentro são as oficinas e fora não estamos tendo, mas tínhamos passeios (Futebol, jardim botânico),

hoje fazemos por conta. Até porque não tem um número de técnicos o suficiente para acompanhar, somos

em quatro, tentamos não deixar um técnico sozinho. Precisamos retomar, contar com verbas, ou mesmo

encaminhamento que fazemos por conta, encaminhamos para clubes da região.

Como funciona a parceria com outros equipamentos? Fale sobre a rede.

D: Rede tem, tem o CAPS... que tem funcionado. Grupos de drogadição...

E: O grande parceiro no momento é esse CAPS.

D: Temos o “amor exigente”, que é um grupo de apoio às famílias, que trabalham com adolescentes em

situação de drogadição, alcoolismo, problemas familiares.

E: Os demais nos fazemos um encaminhamento e damos pra família levar, porque, na verdade é bem

difícil.

D: Tem LBV também, um ciclo de violência, que trabalham com casos de estupro, mas não tem muito

encaminhamento porque tem muito pouco relatos de estupro. UBS... tem os cursos profissionalizantes, a

Sociedade Bem Feitora. Só que as vezes a escolaridade dos meninos não batem para fazerem um curso

profissionalizante, eles têm ate vontade, mas pedem no mínimo oitava serie. São poucos parceiros.

E: Quanto a PSC, tivemos problema com preconceito nas unidades, as instituições não querem receber,

porque pra eles, os meninos são criminosos e vão causar riscos aos usuários. Mas houve uma operação

das supervisoras dos CRAS da região, fizeram um trabalho de conscientização, para tranqüilizar, para que

eles pudessem ter outra visão da medida de PSC, e de um tempo pra cá, acabamos tendo um numero

maior de parceiros. O CRAS encaminhou um documento para todos os serviços conveniados a ele, onde

tinham que falar sobre o serviço e oferecer, no mínimo, duas vagas. Obrigatoriamente, cada convênio

deveria receber dois adolescentes, mas o que vemos como positivo, foram as palestras, porque tiveram

outro olhar, puderam conhecer e ter maior contato com nós profissionais.

D: Tem um certo preconceito, que acabam resistindo...

E: Essas unidades acolhedoras, não tem o entendimento que o menino já foi punido e está indo cumprir

uma pena, então muitos deles querem ainda puni-lo dentro do serviço. Eles querem saber de toda a vida

do menino, obrigam os pais a irem na apresentação, lêem uma lista de normas e regras que o adolescente

fica numa situação... temos outros que contribuem e que vemos que a medida deu certo, pela participação

dos profissionais.

D: Quando eu falo do problema de encaminhamento, a grande demanda tem a ver com os benefícios, é a

mãe que precisa da bolsa aluguel, bolsa família ou cesta básica. Eles são cadastrados, mas demora pra vir,

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e a mãe vem falar que está pra ser despejada, vem com aquele sofrimento e você encaminha e o CRAS

fala que tem uma demanda muito grande, ou as vezes uma comunidade que pega fogo, tem que destinar

todas as bolsas pra eles, então o pronto atendimento não acontece, é tudo a longo prazo e tem coisas que

não da pra esperar. Então, às vezes falamos pra eles pedirem ajuda em instituições particulares ou

paróquia, pois a demanda é muito grande no CRAS.

Em sua opinião o que pode ser feito para que ocorra maior adesão do jovem ao cumprimento da

MSE?

D: Na minha opinião, eu tiraria os atendimentos individuais e aqui viraria varias oficinas, de varias coisas

dos interesses deles, para que eles sintam prazer de vir até aqui. Algo que eles se sintam pertencentes, sou

a favor de oficinas que despertem o interesse deles. Também levar para atividades externas, futebol,

cultura; somente atendimento individual não funciona.

E: Tem que ter um conjunto de coisas para oferecer. Por mais que tente melhorar o atendimento, aqui é

um serviço que responde ao judiciário. É diferente aquele adolescente que vem de uma delegacia, que é

primário; e aquele que vem de uma internação de 2/3 anos e chega aqui engessado, então trabalhar

vínculo de confiança, por exemplo, demonstrar que a nossa prática é diferente da instituição de

internação. Alem dessas oportunidades, tem o histórico de vida... É complicado, porque precisamos de

um ambiente de qualidade, de verbas para oferecer, precisamos da parceria, a gente se frustra muitas

vezes. Às vezes um atendimento em uma sala com duas cadeiras não funciona com um menino, mas pode

funcionar com outro.

D: Pela gente teria mais atividades esportivas, algo mais dinâmico. Tem que ter atendimento, ele precisa

estar ciente do que ele fez, refletir, isso é necessário, mas ele também precisa se sentir acolhidos,

precisam de mais atividades. No mês passado fizemos um cinema e foi muito bacana, todos prestaram a

atenção, gostaram.

E: Não podemos esquecer de puxar a responsabilidade pra eles, não pode também ser muito solto, porque

nós somos as pessoas que ficam menos tempo com eles, tem o envolvimento com o tráfico, o meio que

ele vive, o conflito familiar... é complicado.

Em sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos da execução da medida?

D: É muito legal quando a medida consegue fluir, quando ele está motivado, consegue a inserção, não sei.

Positivo é a mãe que participa e consegue mudar o jeito de conversar com o filho, a possibilidade de

mudança... E difícil falar sobre positivos e negativos...

E: É porque cada caso é um caso, o que pode dar certo com um, as vezes não da com outro. Por exemplo,

eu sou contra PSC, não vejo como positivo, devido a esse preconceito, ao invés de obrigar ele fazer 4

horas de serviço comunitário, obriga ele a fazer um curso, que não exija que ele esteja na escola, porque

90% não estão. Ou um curso que aceite que ele esteja fora da escola, que não saiba ler e escrever. Nos já

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tivemos parceiros que desenvolvem diversos cursos e encaminhos os adolescentes e os próprios

profissionais de lá ofereceram, que ao invés de ele cumprir o serviço, fizesse um curso, e já tivemos

experiência que o juiz não aceita. E tem caso que o menino não quer o curso. Ou tem aquele menino que

não quer nada, porque no tráfico ele ganha um valor altíssimo em três horas trabalhadas.

A própria rede, o próprio sistema, as vezes, nós mesmos como técnicos, duvidamos da medida, tem

momentos que desacreditamos, em outro momento a gente pensa que está em processo de construção. A

gente precisa ainda melhorar muita coisa, desde o atendimento, o trabalho de formação com os técnicos,

penso que deveria avaliar e reavaliar, ver o que está dando certo, o que não está. E a gente percebe que

isso também acontece em outros serviços, quando encontramos outros técnicos em seminários, eles

vivenciam as mesmas angustias.

D: E raramente nós temos a troca com outros MSEs, esse é um ponto negativo, porque as vezes tem uma

oficina que dá certo, mas só sabemos se perguntarmos, quando encontramos em seminários, mas não tem

uma troca.

E: A gente luta por um encontro que pudéssemos trocar, mesmo em regiões diferentes, porque

percebemos que as vezes são as mesmas dificuldades, ou mesmo se algo dá certo aqui e não da em outro.

Esse momento poderia contribuir muito com o trabalho do outro. Mas não conseguimos ainda reunir os

técnicos, ou mesmo realizar um dia do relaxamento, “cuidar do cuidador”, infelizmente não conseguimos

ainda.

D: Ponto positivo é quando o menino consegue um trabalho, sai estudando, é uma vitória. São poucos,

mas ficamos muito felizes quando isso acontece.

E: Outro ponto negativo é a reincidência, nós ficamos tentando entender em que momento houve a falha,

se foi atendimento com o técnico, se foi o meio. Outro ponto é o menino que não volta, seria interessante

se tivermos uma proposta de trabalho, uma ação pós-medida, pra saber o que aconteceu com aquele

menino 6 meses depois da medida. Às vezes a gente atende alguém da família, irmão, primo e ficamos

sabendo.

D: Continuar oferecendo coisas pra eles, mesmo depois que terminou a medida, nós costumamos falar

que eles podem voltar, pedir ajuda, se precisar de alguma orientação...

E: Outra coisa boa que acontece, mas é raro, é a parceria com a Fundação, quando o menino está

internado, e há um planejamento para desliga-lo da unidade. E eles marcam uma conversa conosco, e nós

sentimos que o menino está sendo acompanhado, e não sendo jogado. E percebemos essa diferença,

quando o adolescente é apresentado ao serviço, antes mesmo de ser desligado, ele vem com mais

segurança, sem aquele medo. Infelizmente isso ainda não acontece muito.

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Qual a relação da família com o jovem e com a instituição? Desenvolve algum trabalho com

famílias?

E: Nós temos 60 adolescentes, nos encontros de família geralmente vem, no máximo, 15 pais. Isso já

responde muito.

D: Isso quando vem 15, e as vezes são o casal de pais. A média é 5 pais.

E: Isso é muito pouco, eles nos procuram quando a corda quebrou, querem transferir a responsabilidade

pra nós. Tem um exemplo, de uma mãe que a gente nunca viu, mas aí o menino foi preso, e então eles

vem toda hora, ligam a todo momento. Às vezes termina a medida e nós nem conhecemos os pais. As

vezes em um visita surpresa acabamos conhecendo e eles geralmente falam ‘ah, você é boazinha, acho

que vou no próximo encontro de pais’.

D: Os pais que vem no grupo de família são sempre os mesmos. A gente até entende, porque muitas mães

precisam trabalhar pra sustentar a família. É muito relativo, tem a mãe que está interessada, mas as vezes,

não tem mesmo com vir, não podemos generalizar que eles não vêm porque não querem. Tem mãe que

pedem pra gente internar os filhos...

E: Muitas vezes a família não se aproxima também, porque ela deve, então o adolescente apenas

reproduziu, mas quando ela se apresenta no acolhimento ela não entende porque o filho está cumprindo a

medida, e ao longo da medida descobrimos que a mãe acabou de sair da cadeia, está envolvida com

alguma coisa ou que já foi presa, ou que o pai era traficante....

Como você avalia o trabalho do técnico na MSE? Aspectos positivos e negativos.

E: Tem dias que eu acho que meu trabalho foi um máximo, e tem dias que eu acho que eu sou a pior

técnica, que não fiz nada. Por isso precisamos de um tempo maior pra estudar, se aprimorar. Também não

podemos esquecer que nós temos nossa vida particular, então às vezes você está bem e o trabalho flui.

Temos que assumir que temos nossas particularidades.

D: A gente tenta não levar problema pra casa. A gente sempre questiona o atendimento com os

adolescentes, essa coisa de “preencher formulário”, precisamos fazer algo diferente. Como trabalhar o ato

infracional e a família, de uma forma lúdica que possa transformar.

E: Vejo como positivo, porque o adolescente muitas vezes traz que esse atendimento é importante, porque

ele é ouvido, ele acaba refletindo sobre diferentes ações, durante os atendimentos. É um momento dele

com ele, ele traz um mundo pra uma sala, e você tenta contribuir para que ele tenha outro olhar, mas é

negativo porque o técnico não é tudo, não dá conta de tudo. Da família, da saúde... não é. É positivo

quando o técnico se envolve, se dedica, mas não depende só do técnico, porque este também se frustra,

com o governo, com a política... É um conjunto, é uma rede, mas furada. Acontece de a gente se perder:

até onde é o meu limite?

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D: Você tem vontade de falar algumas coisas pro jovem, dar uns cutucões para a melhora dele, mas

depois você sai morrendo de medo, pensando que falou demais, porque ele me contou a vida toda dele,

‘será que ela vai contar tudo o que ela sabe sobre mim, me dedar’, a gente aqui dentro ta seguro, mas da

porta pra fora...

E: Muitas vezes você pensa o quanto é legal estar podendo contribuir, dando o melhor para a

transformação do outro. Mas tem que se cuidar, porque não é meu irmão ou meu visinho, então,

realmente, não dá pra falar tudo o que pensa ou sente.

D: É que vemos relatos, de uma técnica falar algo pro menino e este entrar aqui a noite e pichar a mesa

dela... você tem que saber controlar, porque vai que ele está sob efeito de drogas e quer quebrar tudo...

graças a Deus não temos tido isso, mas já aconteceu.

E: O legal é que percebemos que o trabalho do técnico é importante, porque você lida com pessoas e é

uma responsabilidade grande, pois faz um acompanhamento de um desenvolvimento que você acredita

que vai ter uma melhora, e você vai escrever sobre esse acompanhamento pra um setor judicial. Então a

vida do menino está na minha mão, não é uma garrafa. Estamos lidando com pessoas em fase de

transformação, então temos que estar o tempo todo nos reciclando, com os nossos valores, nossas crenças,

com a nossa ética. Mas quando dá certo, que pelo menos um pontinho conseguiu contribuir é muito

gratificante.

D: É muito gratificante quando o menino agradece, falando que mudou, ‘agora tenho um emprego, agora

eu sou pai’...

E: É legal quando ele fala que foi pra casa e ficou pensando naquilo que foi dito... a devolutiva.

Entrevistados (F) e (G)

Há quanto tempo trabalha na instituição?

F: Estou aqui de oito pra nove meses, entrei 02 de janeiro, tenho formação em Ciências Sociais.

G: To aqui desde outubro de 2011, sou ex-conselheira tutelar por dois mandatos, bacharel em Direito,

também sou do Fórum Estadual de Defesa dos direitos da Criança e adolescente – defensora popular, que

é uma formação que nós temos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

O que o motivou a trabalhar com a aplicação da MSE?

F: Sai da iniciativa privada que trabalhei durante 15 anos, não estava satisfeito então resolvi fazer a

mudança para a área social. Depois que eu me formei em Ciências Sociais, tive uma queda pela área

social e estou me sentindo bem realizado aqui, na medida em que se pode trocar um ambiente competitivo

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de trabalho por uma coisa que preza mais a solidariedade no meio social. Estou gostando muito de

trabalhar na área.

G: O que a motivou nesse trabalho, foi que desde a minha adolescência participo da área social, fui do

Grêmio Estudantil, na realidade Movimento Estudantil, termo usado na época onde não havia o conceito

Grêmio, e algum período da minha vida parei, e depois retomei, através dos movimentos Sociais,

principalmente na área de moradias, acabei me deparando com outro conceito que era os filhos daquelas

famílias em poder alcançarem uma faculdade, despertando assim novamente o interesse em retornar, de

outra forma, mais na área da juventude e adolescência, indo trabalhar como voluntária para uma

organização chamada Escapo – Educação para Auto Dependente Carente, onde tínhamos possibilidade de

trabalhar junto com jovens que almejavam cursar uma faculdade, seja ela pública ou privada.

Desde então me incentivaram a ir pro Conselho Tutelar, onde entrei em 2005 permanecendo durante 2

mandatos, e o desafio. Fora isso, sempre fui militante dentro da área pelo Fórum da defesa da criança e

adolescente.

Iniciei no Fórum Regional da Sé em 1999, em 2003 cheguei ao Fórum da Defesa Das Crianças e

Adolescentes e em 2008 no Fórum Estadual, onde estou até hoje como membro, onde todas as atas são

voltadas para os direitos da Criança e adolescentes, sendo um espaço político para que possamos cobrar

do Estado à efetivação das responsabilidades e compromissos, principalmente, na área da defesa dos

Direitos Humanos, de forma geral.

E a MSE faz parte da pauta de tudo o que foi falado, que eu pertenço. Quando terminei o Conselho

Tutelar, queria continuar especificamente nessa área, pelo desafio, porque durante o período que fiquei no

Conselho Tutelar percebemos que existe uma grande dificuldade, principalmente, na relação adolescente

com sua família. Dentro disso, temos um desafio maior que é, não só neste conflito de relacionamento,

mas também o que pode influenciar um adolescente à prática de um ato infracional; porque a gente tem

uma crítica muito grande na forma com que os educadores olham para esses adolescentes, mesmo sendo

educador. Porque hoje temos o ECA e parece que, na prática, a gente não utiliza e continua usando o

menino como se ele fosse à raiz do problema, enquanto o problema está muito anterior a tudo isso, e você

não faz o seu trabalho voltado para esse olhar, como sujeito de direito, em condição peculiar de

desenvolvimento, ou seja, é um ser em formação; nós adultos que necessitamos auxiliar para que ele

tenha outro olhar pra sociedade dentro dos princípios que regem a mesma.

Quais as causas do ato infracional?

F: Entendo que vivemos em uma sociedade que preza a doutrina Agonística, o que seria isso? O

capitalismo: o motor do progresso é a competição, que opera em nossa sociedade. O que acontece? O

capitalismo é um sistema excludente, desigual e injusto, onde causa problema de distribuição de renda,

sendo que o consumo é estimulado via indústria cultural pra todo mundo de forma igual, eu não tenho

uma propagando pra pobre e uma pro rico, eu tenho uma televisão, um rádio, uma internet que veicula, o

tempo todo, consumo e produto. Sendo assim, a desigualdade de condições de acesso à informações e à

bens de consumo, acaba fazendo com que parte dessa sociedade fique alijada do processo de consumo

como um todo. Essa parcela desfavorecida da sociedade inclui o adolescente que tem seus desejos da

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mesma maneira que as famílias privilegiadas, levando assim eles a buscarem por outro meios, ilícitos, a

terem tudo o que julgam serem necessários por imposição de uma indústria cultural.

Quando eles vêem o presidente da República ir à televisão dizendo para consumirem, claro que eles vão,

também, querer consumir. E para atingirem esses bens de consumo, e sentirem pertencentes a sociedade,

eles, não tendo dinheiro, vão usar de meio ilícitos para terem o que querem. O que todos os adolescentes

de qualquer classe social vão querer? um tênis bacana-camiseta – boné e outros bens que não tem acesso.

Então a desigualdade é o principal produto de fomentação de uma sociedade desigual.

Por outro lado o papel do Estado hoje é de bem Estar Social, então a gente entende que o Estado tenta

reduzir as desigualdades que são perpetradas por ele mesmo. São políticas de redistribuição de renda, que

são Bolsa Família, Bolsa Escola... Então o Estado tenta, assim, restituir algumas condições aos menos

favorecidos socialmente. Se for justo não sabemos. O Bem Estar Social propõe que se faça a

redistribuição da renda a partir do aumento de impostos da classe mais favorecidas e redistribuir para

serviço de pessoas menos favorecidas, lógico que isso é um paliativo, não estamos tratando do que é justo

ou injusto, mas de uma situação real. Nós somos cumpridores de direitos, que é o ECA e o SINASE,

então tentamos fazer a reinserção social desses adolescentes que cometeram ato infracional, e por que

cometeram? Porque são jovens que tem desejos e vontades, tal qual qualquer adolescentes. Então

tentamos mostrar pra eles que existem outras formas de se inserir socialmente e pertencer a um grupo, a

partir do seu consumo, e passar que existe um caminho lícito para se fazer isso. Mas deixamos claro a

dificuldade de se chegar numa sociedade de competição, a estarem em igual condição a uma pessoa

favorecida.

G: Colocando um pouco mais na prática, a gente encontra uma série de fatores, pois não tem um fator

determinante, a gente fala muito na questão da influência porque a mídia é uma influencia,o meio o qual

ele está é uma influência, a escola na qual ele está inserido também, ou seja, são inúmeros os fatores a

questão do mercado de trabalho para aquela mãe que sustenta aquela família é uma influência, porque ela

precisa trazer o alimento para sua casa. Sendo que muitas vezes essa criança, desde bebê, está sempre em

algum lugar, menos na companhia de sua mãe sem que possa haver um diálogo, para que essa criança

cresça com alguma referência, mas que foi construída durante o seu período de desenvolvimento,

geralmente não tem, em virtude dela ter passado pela casa da avó – do tio- do visinho – pela escola e por

uma série de lugares, porém não tendo nenhum que lhe desse uma atenção maior para essa criança,

independente do sexo.

Então nessa questão do mercado de trabalho, da industrialização... também é uma influência, a mídia é a

maior colaboradora disso e também a influência da comunidade, muitas vezes.

A questão da falta de oportunidade, muitas vezes, vem de outras formas, que é da forma ilícita. Todo o

dia eu vejo o Ronaldinho, o Ganso, o Neymar exibindo o seu tênis de vários modelos ou exibindo o

celular, as camisetas, os bonés, tudo isso diz que para eles pertencerem eles precisam daquilo ali. Agora

se eu não tenho nem lugar para dormir, nem uma boa alimentação como vou conseguir tudo aquilo?

Então chega diversos meios como o tráfico de drogas onde oferecem no final do dia de 400,00 a 500,00

no mínimo, por dia, que para eles se torna uma forma de trabalho.

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Imaginando assim como se encontra esse adolescente hoje, onde se sabe que no período da adolescência é

um período conflituoso e ele não tem muita definição dessa questão de conseqüências, ele só quer fazer, o

imediatismo. O que conta bastante para o adolescente é o conquistar naquele momento, o pertencer,

porque é isso que está sendo vendido a ele. Pois quando se é jovem e tem uma adrenalina na flor da pele e

quando os jovens querem para eles tem que ser agora. A sua mãe pode até comprar e pagar em 24 vezes,

porém após três ou quatro meses já querem outro, impossibilitando a mãe a comprar onde eles procuram

meio para poder adquirir.

Não temos um mercado de trabalho que de essas condições, sendo que mesmo começando a trabalhar aos

14 anos como aprendiz, ainda não terá condições para adquirir tudo o que quer, criando mais fatores que

acabam influenciando, e não justificando, a prática dos meio ilícitos.

E o nosso papel, enquanto técnicos, é tentar desconstruir, na construção dos direitos e mostrar outra forma

para conseguir e pensar em valores enquanto esporte, lazer, cultura, saúde... Não me colocar em risco,

qual é o valor da vida, o que significa a vida, então uma série de fatores que deve levar em consideração,

para realizar o trabalho técnico. Deixando claro, que nenhumas dessas influências justificam a prática do

ato ilícito, mas acabam cooperando para isso.

Haveria meios de prevenção desse ato infracional?

F: Prevenção aqui no nosso serviço, passa pela questão da reincidência, então o trabalho é voltado para

conscientização da importância da não repetição do ato, focando principalmente na educação, não

meramente escolar, mas sim de conscientização do adolescente em relação aos direitos, em relação à

política, cidadania onde temos que esclarecer que o ato infracional, muitas vezes relacionado com furto,

tráfico ou roubo envolve risco de sua vida muito grande e a sua integridade física, então a gente tenta

pontuar com ele os benefícios que eles têm dali para diante seguindo o meio lícito. No caso, tem

adolescente que chega e fala ‘que você ganha em um mês eu ganho num dia no tráfico’, tem essa questão

do dinheiro rápido, mas não é um dinheiro fácil, só que as vezes não tem consciência do risco, eles não

mensuram riscos, causas e conseqüências, onde muitas vezes tem a morte de adolescentes em virtude

desses problemas. Então trabalhamos muito nos casos da reincidência sempre pontuando esses reveses

que a vida no crime podem, a curto prazo de tempo, interferirem ou até interromperem a vida deles;

sempre esclarecendo que a vida é baseada em lutas, que o que vem fácil vai fácil, é um clichê, mas a

gente aplica isso como forma de despertar a consciência, desse risco que eles enfrentam na vida do ilícito,

demonstrando que eles tem que buscar uma vida regrada, estudando se especializando em alguma área,

fazendo cursos profissionalizantes. Na verdade despertar a potencialidade do adolescente que é um

método de prevenir a reincidência.

G: Ainda dentro disso, acredito que é termo muito antigo, que tenho receio para falar porque ainda em

virtude da má distribuição de renda e da falta de oportunidade, acredito que se nós tivéssemos uma boa

saúde, educação de qualidade, moradia, alimentação e incentivos para práticas de esportes e laser,

participação na cultura, acredito que, com certeza, teríamos um número muito menor de adolescentes em

prática de ato infracional. Pois não acreditamos no termo índole, pois o adolescente é um ser em

desenvolvimento que ainda está em formação e sofre as influências do meio em que vive. Acredito muito

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na política pública adequada e suficiente para atender as demandas, vivemos num país onde as crianças

menos favorecidas prefiro o termo menos abastecidas, porque elas não necessitam de favor, mas sim de

oportunidade, de políticas publicas fundamentais pro desenvolvimento humano, e isso vem desde a

educação infantil. Hoje, existe uma mentira que temos 70.000 crianças aguardando a demanda do Estado

de São Paulo, é mentira porque em 2010 tínhamos uma demanda de 150.000, onde o poder público

resolveu descadastrar todo esse número, para começar do zero. Aí da um número lá em baixo, porque eu

zerei a demanda, e eu passo um numero bem menor do que realmente existe. Numa cidade de 12.000

milhões de habitantes temos aproximadamente 120.000 crianças aguardando, então o circulo quebrou aí,

pois segundo estudiosos, a criança tem a formação do zero ao seis anos de idade, ou seja, é um faixa onde

necessita de todo o aparato e principalmente a educação infantil, que é o meio no qual ela vai se

relacionar durante o seu desenvolvimento. Então como isso vai refletir amanhã? Muitas vezes quando

saem uma vaga a criança já está chegando no primeiro ano do ensino fundamental. Esses pais saíram

para trabalhar é o irmão mais velho de 9 ou 10 anos que cuida dessas crianças. Que tipo de alimentação

ou moradia essa criança teve? Terá conseqüências futuras. Acredito na política de prevenção nesse

sentido, escola, saúde de qualidade.

E a família que está sem estrutura básica, para se sustentar também fica fragilizada no sentido do diálogo,

e também a falta de diálogo, não to dizendo que a família é culpada, pois está dando o que recebeu e o

que ela tem. Assim forma-se um conjunto de fatores que acabam favorecendo.

A instituição desenvolve algum projeto nesse sentido? Você conhece algum projeto assim?

F: Na verdade o objetivo de diminuir a reincidência é do dia-a-dia de todos os técnicos, tem o

compromisso com o serviço e o convênio com a Prefeitura e a entidade que nos mantém, para diminuir

sempre. Fora isso, temos algumas atividades como: Oficina Temáticas, todo mês, grupos de adolescentes,

grupo de pais responsáveis e a gente sempre faz essa pontuação, não especificamente na reincidência, mas

buscamos um processo de orientação do adolescente e da família para que tenha ciência do exercício da

cidadania e a questão da não reincidência sempre é trabalhada, mesmo que subliminarmente nos grupos,

temos grupos temáticos que falam de Folclore, de cidadania, de direitos, de consumo; porque são vários

fatores com relação a isso, então é uma política de ação constante no serviço de MSE a prevenção da

reincidência como forma de conscientização das famílias e dos adolescentes.

G: Tudo isso faz parte do que acreditamos de um desenvolvimento sadio. Tudo o que seria interessante

para o desenvolvimento, o que entende como essencial para o bom desenvolvimento. Então são todas as

questões juntas, que vai favorecer o sendo crítico. Temos atendimentos individuais e em grupos, e os

atendimentos externos que fazem parte da questão do lazer.

Como funciona a rotina do local?

F: Expediente de segunda a sexta feira, das 8 as 17 horas. Também existem algumas atividade feitas com

os pais, que por trabalharem são feitas reuniões após o horário das 20 as 22horas. Trabalhamos com L.A e

PSC. Então a gente faz o processo de acolhimento, após a ordem do juiz, e então traça um plano de

atendimento dentro do período proposto no cumprimento da medida, L. A. pode ser 6 meses ou 1 ano,

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onde vamos indicar para o juiz se dentro de determinado prazo foi feito a socialização ou não, e a medida

de prestação de serviço encaminhamos para entidades acolhedoras da região, para fazer a prestação de

serviço, dentro do prazo estipulado ou não determinado pelo juiz, sendo um prazo fechado ou aberto.

O atendimento é feito sempre tendo em vista que a família também é necessária no processo de

socialização, no serviço e em atividades externas, temos passeios a museus, Jardim Botânico e assim

ampliar seus horizontes, fazendo assim eles saírem um pouco do meio em que vivem, abrindo um leque

de opções que não fazem parte de sua rotina, onde só ficam dentro de um ambiente, escola – casa, no

entorno de onde moram. Assim tentar fazer uma expansão do olhar deles.

Qual o perfil do jovem em cumprimento de MSE aqui na instituição?

F: É complicado falar em termos de perfil, não se trabalha com essa perspectiva de determinar um perfil

de quem comete o ato infracional, mesmo porque a nossa prática acaba contradizendo qualquer

perspectiva de teorizar qualquer perfil. Mas em geral se trabalha com jovens do centro de São Paulo e há

sim algumas diferenças de perfil em relação a adolescentes da periferia. Aqui se trabalha com jovens de

classe bem desfavorecida, de classe média, jovens que estão em busca de adrenalina, por convencimento

de amigos, então temos as diversas motivações para o ato infracional. Podemos falar de algumas

características que os lavaram a cometer, mas é muito difícil trabalhar na formação de um perfil.

G: Concordo com a fala de F. a adolescência é um período de conflitos, onde se tem uma série de

perguntas sem respostas onde se tem uma série de vontades, onde se quer transgredir uma série de regras,

pois desde criança se ouve: ‘não faça isso não faça aquilo’.

Por isso o olhar do técnico é mais o olhar o adolescente e trabalhar na perspectiva de direito, não se leva

em conta o médio ou o longo prazo, só mesmo o adolescente e o período da adolescência que passa por

vários períodos porque embora muitos adolescentes não passou pela necessidade mas, passando por

outros tipos de problemas. O jovem diz a mãe que vai na casa de um amigo, porém vai a praça namorar,

ou que vai dormir na casa do amigo, mas vai nas baladas, são questões diferentes, mas você também

transgrediu, entrou em outra transgressão que não só fere a ele mesmo, como a sua família e a sociedade.

Seja em relação ao patrimônio público ou a outras questões, mas ele agrediu de outra forma. Por isso

todos os adolescentes necessitam de um auxílio, com a família junto, porque muitas vezes a família

também não está preparada para essa situação, não sabendo como lidar, nem entendendo porque o filho

chegou nisso. Onde se precisa trabalhar todo mundo junto nessa desconstrução e reconstrução, novamente

mostrando outras possibilidades e não só na que ele está inserido.

Há maior quantidade de alguma faixa etária?

G: É muito diverso, porque o ato infracional é considerado a partir dos 12 anos aos 21 anos –antes é

usado a medida protetiva. Temos a partir dos 12 até os 21, conforme previsto no ECA.

F: Em termo de gênero, a maior parte são meninos 9 pra 1.

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Surgiu uma curiosidade, quando há a classe desfavorecida, tem a questão do consumir para

pertencer, como vocês citaram. E no caso do jovem ser de uma classe que tem condições “de ter

para pertencer”, quais seriam as motivações desse jovem para cometer um ato infracional?

F: Nesse caso não seria pelo fato de pertencer pelo bem material, e sim pelo fato de querer pertencer a um

grupo para se afirmar. Amigos que cometem, o adolescente busca status nesse grupo, pela aventura, pela

adrenalina, pelo desafio, para dizer ‘eu também posso transgredir tal regra, eu também posso e sou capaz.

Já vimos adolescentes que transgrediram porque estavam chateados e teve alguma coisa parecida com um

surto e agrediu uma pessoa na rua, onde foi focalizado pela câmera, a imprensa da uma conotação que

interessa, onde a repercussão foi alem do factual, distorções que foram constatadas a partir do

atendimento, tendo outras implicações.

Como é formada a equipe? Quais as atividades de cada profissional e a rotina?

F: Não existe uma divisão muito clara, porque trabalhamos com a perspectiva de multidisciplinaridade,

então temos aqui assistentes sociais, bacharel em direito, pedagogos professores, psicopedagogo,

trabalhando e acreditando que cada um contribui em cada caso específico. A rotina, não só no

atendimento individual e em grupo, mas também compartilhar com os colegas as experiência adquiridas

em outros casos. Nada mais justo do que você discutir esses atendimentos para aumentar o seu

conhecimento. O meu olhar, por mais completo que seja, vai ser pouco de um olhar multidisciplinar.

G: Porque cada área tem o seu olhar, eu bacharel de direito, meu olhar nem é muito baseado na minha

formação, mas com as experiências adquiridas ao longo do tempo; e tudo isso traz um olhar diferenciado

com relação a sociedade. Enquanto profissional, cada um tem uma forma de olhar, e isso faz com que

junto possamos olhar pra história daquele adolescente e sua família, da melhor maneira possível,

formando assim um quadro maior e mais amplo. Dando um melhor auxílio ao adolescente e sua família.

É composta por quantos profissionais aqui?

F: São 8 técnicos para atender 120 adolescentes.

G: Na resolução são 15 para cada técnico, a média.

Existe alguma atividade de aperfeiçoamento para a equipe técnica?

G: Constantemente fazemos capacitação que é muito importante, estamos nos aperfeiçoando agora no

plano individual do adolescente, porque é uma construção, traçando as metas a curto, médio e longo

prazo. Tivemos capacitação, anteriormente, voltada para a compreensão do corpo do ser, trabalhando a

sexualidade e tudo o que reflete, quando se fala em sexualidade, durou 3 meses. Também participamos de

seminários.

F: Só queria acrescentar sobre o PIA, temos a necessidade de preencher esse documento levanto em conta

o histórico, os objetivos e as estratégias de como atingir estes objetivos que se propõe. Esse documento

vai pro juizado, DEIJE, que é um parecer multidisciplinar. E a outra perspectiva, é a nossa capacitação

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enquanto orientadores e técnicos sociais, de como lidar com os adolescentes, primeiro adquirir essa

formação para poder transmitir conhecimento ao adolescente e também pra prover o juizado competente

das informações que ele precisa.

Quais as atividades que os jovens fazem aqui? E fora?

F: Grupos aqui na medida, passeios...

G: Oficinas pontuais, de acordo com a pesquisa que fazemos do interesse deles, por exemplo, vai ter de

bolo e salgados, fizemos há pouco tempo massa de biscuit, colagem. Os grupos também são temáticos,

tivemos um que era sobre fortalecimento de vínculos familiares, teve outro direitos e deveres, cidadania,

folclore, sempre voltado com a relação a MSE.

E visando conseguir chegar a essa sensibilidade de compreender a diferença entre os dois mundos, o que

ele está inserido e essa nova proposta. Resgatando os valores, o que representação esses valores.

Como funciona a parceria com outros equipamentos? Fale sobre a rede.

G: Embora a sociedade, de uma forma geral, ainda não compreendeu a sua responsabilidade voltada pras

estas questões de cuidar do outro. Porque cuidar do outro é uma responsabilidade de todos, e essa

compreensão ainda tem que avançar. Temos as dificuldades? Sim, justamente por isso, na PSC, por

exemplo, tem muitos locais que recebem o adolescente, mas, as vezes, o fato do menino faltar já é motivo

para não querê-los mais. Isso porque ele não se sente responsável pelo menino. O artigo 4 diz: todos nós

somos responsáveis.

Se tivéssemos todos engajados, num mesmo objetivo, teríamos outro resultado. Mas temos sim parceiros

e a rede de alguma forma funcionando, mas ainda falta sensibilização para a questão do papel de cada um.

F: Temos uma rede ampla de atendimento e a grande maioria acolhe muito bem os adolescentes,

entendem o papel, obvio que temos algumas resistências pontuais, trabalhamos com rede de escolas,

clube, bibliotecas, centros educacionais, centro de convivência da mulher... No geral são todos bem

acolhidos na rede, apesar de existirem, pontualmente, algum preconceito.

Em sua opinião o que pode ser feito para que ocorra maior adesão do jovem ao cumprimento da

MSE?

G: Além do atendimento individual e em grupo, fazemos visitas domiciliares, mas é uma questão de

responsabilização. Há todo um trabalho para que ele compreenda que isso vai refletir na sua vida caso ele

não cumpra a medida. É todo um conjunto de atividades para fazer com que este menino cumpra até o

final. Acontece aqueles que acabam não cumprindo, que envolvem outras questões, como por exemplo os

usuários, e isso acaba influenciando no desenvolvimento de suas tarefas, ele acaba perdendo o horário,

não tem força para ir a aula... estas questões todas. Então estas visitas são para mostrar pra ele o que isso

pode refletir em sua vida.

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F: São os instrumentos de sensibilização, temos que ter em mente que o adolescente é refratário a coisas

que ele julga enfadonhas, que ele julga não ser interessantes, mas temos que dizer: ‘olha, estamos

ajudando você a cumprir a medida que o juiz determinou, pode não ser a coisa mais divertida e agradável

do mundo, mas estamos aqui para ajudar você a cumprir a medida’. Envolvendo família e outras

atividades, enfatizando que é necessário cumprir uma ordem judicial, envolvendo eles com a questão dos

direitos e deveres.

G: A dificuldade maior que percebemos é a questão da rotina mesmo, porque ele vai sair da rotina dele

para cumprir uma tarefa que não é habitual na vida dele, ele vem aqui uma ou duas vezes na semana. Por

exemplo L.A. cobra que ele organize sua vida dentro da perspectiva do direito, se ele tem um problema de

drogadição é necessário que se faça uma sensibilização para que ele diminua ou interrompa a prática.

Em sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos da execução da medida?

G: O aspecto positivo é a possibilidade de poder auxiliar o adolescente e mostrar uma nova construção de

vida. Mostrar outras perspectivas, outros sonhos... No aspecto negativo é que muitas vezes não temos

ferramenta o suficiente pra fazer mais. Na realidade na questão negativa é a rede, ela precisa ser melhor,

capacitada, talvez ter uma melhor formação para que compreenda o seu papel e possa trabalhar junto. É

isso, a compreensão da sociedade, um olhar que não traga um estigma. Porque pra gente não interessa o

que ele fez, o nosso olhar é pro ser humano em desenvolvimento que precisa de auxílio e é só isso; e isso

independe do que ele tenha feito.

F: E isso também é uma questão sigilosa, segredo de justiça, não cabe ao equipamento saber, isso não

entra em questão. Eu vejo como ponto positivo mais importante, pros jovens e pra nós, é a possibilidade

de interferência direta, uma ação direta no social, que fazemos aqui como forma de restituir direitos e

restituir os adolescentes ao convívio social, acreditamos, de forma mais harmônica do que antes. O

aspecto que vejo como negativo, as vezes, é o que G. disse sobre a instrumentalização do trabalho, se

tivéssemos mais ferramentas, espaço físico, condições de realizar coisas mais lúdicas, para efeito de

socialização dos meninos, se tivesse. Falta de subsídios materiais mesmo.

Qual a relação da família com o jovem e com a instituição? Desenvolve algum trabalho com

famílias?

F: Desenvolvemos grupos temáticos, atendimentos periódicos envolvendo a família, o primeiro

atendimento até a conclusão do PIA a gente precisa do envolvimento das famílias no processo, são visitas

domiciliares, alem das atividades em grupo. Tentamos enfatizar a participação da família no processo,

não só como participação por interesse nosso, mas porque eles são os primeiros responsáveis, então ter

que assumir esse papel e não falar: ‘ Toma Estado, que o filho é teu!’ não, partilhamos da opinião que

eles também são transformadores da realidade dos próprios filhos, enteados, enfim.

G: Dentro disso, a família tem que estar envolvida desde o primeiro momento, tanto que isso se quebrou

em algum momento, que o menino chegou na prática do ato, houve um descuido em algum momento,

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para que esse menino fosse para a prática do ato infracional, e essa família só descobriu a partir daquele

momento, com o que o adolescente estava envolvimento. Costumamos falar que o cumprimento da

medida é do adolescente e da sua família, porque ela precisa participar ativamente, porque quando ocorre

(a medida) os vínculos se fragilizam, e precisamos trazer junto, justamente para que possamos fortalecer

os vínculos, o diálogo, e até, talvez, fazer com que haja um diálogo que muitas vezes nem existia. O

nosso trabalho é um conjunto, não podemos olhar pra criança e dizer que ela é o problema, muitas vezes é

muito anterior a isso, não posso também olhar para a família e entendê-la como um problema. Mas

entender que a partir daquela família, do conjunto, possa auxiliar para que os problemas sejam sanados.

Como você avalia o trabalho do técnico na MSE? Aspectos positivos e negativos.

F: Avalio como um trabalho importante para os adolescentes, um trabalho necessário não só olhando sob

o ponto de vista do Estado, mas olhando sob o ponto de vista do adolescente, porque entendendo que, de

todas as minorias dessa sociedade desigual e injusta, as crianças e os adolescentes são as mais vulneráveis

por não serem porta-voz de si mesmos, então me vejo como um agente de uma possível transformação

social que começa muito pequena, no núcleo da sociedade, que é o indivíduo, mas que abra a

possibilidade pra um, dois, dez adolescentes de que no futuro eles possam se tornar agentes de

transformação social, de mudança para uma sociedade mais igualitária, solidária, menos competitiva e um

pouco mais feliz para todos. No futuro, esses jovens que trabalhamos hoje, ganhando essa consciência e

senso crítico, que muitas vezes a gente tem que se unir para conseguir transformar alguma coisa, para

fazer um país, uma sociedade, uma nação um pouco menos injusta do que ela é hoje.

G: Reforçando essa fala, do agente transformador, é justamente saber que podemos contribuir de alguma

forma, perceber que meu conhecimento serviu para ajudar alguém. Eu tenho esse olhar para o técnico

neste sentido, porque são pessoas que teve que chegar nessa situação para pensar que alguém percebe ele,

então quando eles chegam aqui no início com o pé atrás, durante os atendimentos começam a perceber

que alguém nota que ele existe de outra forma, não da forma como ele está acostumado a ser olhado. A

nossa proposta é contribuir, porque pela lei ele é protagonista de sua história, e nós enquanto adultos, não

damos essa oportunidade e nós temos esse papel de dizer que ele tem direitos e que ele é protagonista de

sua própria história. E aqui eles são ouvidos.

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CARTA DE INFORMAÇÃO À INSTITUIÇÃO

O presente trabalho se propõe Compreender o papel do técnico no cumprimento

das Medidas Socioeducativas. Os dados para o estudo serão coletados por meio de

entrevista semi-estruturada, com os técnicos das unidades de aplicação de MSE em

meio aberto e fechado seguindo roteiro de perguntas que será conduzido pelos

pesquisadores. Na instituição onde trabalha ou em outro local de preferência do

colaborador. As entrevistas serão gravadas, utilizando-se um gravador de voz, para que

se preserve a fidedignidade das respostas. Todas as informações coletadas serão

posteriormente analisadas, garantindo-se o sigilo absoluto sobre seu conteúdo e sendo

resguardados os nomes dos participantes, bem como a identificação do local da coleta

de dados.

Para tal, solicitamos a autorização do responsável pela instituição para triagem

de profissionais e para a aplicação do instrumento de coleta de dados, garantindo que

estes procedimentos não acarretarão riscos importantes, físicos e/ou psicológicos aos

colaboradores e à instituição envolvida. Quaisquer dúvidas que existirem agora ou a

qualquer momento poderão ser esclarecidas, bastando entrar em contato pelo telefone

abaixo mencionado. De acordo com estes termos, favor assinar abaixo. Uma cópia deste

documento ficará com a instituição e outra com os pesquisadores.

________________________________ _____________________________

Nome e assinatura do pesquisador Orientadora:

Telefone para contato:

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pelo presente instrumento, que atende às exigências legais, o(a) senhor(a)

________________________________, responsável pela instituição, após leitura da

carta de informação à instituição, ciente dos procedimentos propostos, não restando

quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu CONSENTIMENTO

LIVRE E ESCLARECIDO de concordância quanto à realização da pesquisa. Fica claro

que a instituição, por meio do seu representante legal, pode, a qualquer momento, retirar

seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do estudo

alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho realizado torna-se informação

confidencial, guardada por força do sigilo profissional.

São Paulo,....... de ..............................de..................

_________________________________

Assinatura do representante

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CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DE PESQUISA

O presente trabalho se propõe compreender o papel do técnico no cumprimento

das Medidas Socioeducativas. Os dados para o estudo serão coletados por meio de

entrevista semi-estruturada, com os técnicos das unidades de aplicação de MSE em

meio aberto e fechado seguindo roteiro de perguntas que será conduzido pelos

pesquisadores. As entrevistas poderão ser gravadas, utilizando-se um gravador de voz,

para que se preserve a fidedignidade das respostas, caso haja autorização da instituição e

dos sujeitos. Todas as informações coletadas serão posteriormente analisadas,

garantindo-se o sigilo absoluto sobre seu conteúdo e sendo resguardados os nomes dos

participantes, bem como a identificação do local da coleta de dados.

Avalia-se que a pesquisa envolve riscos mínimos ao participante, sendo que este

poderá interromper sua participação caso sinta algum desconforto durante sua

realização. Aos participantes cabe o direito de retirar-se da pesquisa a qualquer

momento se assim o desejarem, sem qualquer ônus ou prejuízo. O procedimento só

ocorrerá mediante o consentimento de cada um dos profissionais. A divulgação do

trabalho terá finalidade acadêmica, esperando-se contribuir para a expansão do

conhecimento a respeito do tema estudado.

_____________________________ ________________________

Nome e assinatura do pesquisador Orientadora

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pelo presente instrumento, que atende às exigências legais, o(a) senhor(a)

________________________________, sujeito de pesquisa, após leitura da CARTA DE

INFORMAÇÃO AO SUJEITO DE PESQUISA, ciente dos serviços e procedimentos

aos quais será submetido, não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e do

explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância

em participar da pesquisa proposta.

Fica claro que o sujeito de pesquisa ou seu representante legal podem, a

qualquer momento, retirar seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar

de participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho realizado torna-

se informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.

São Paulo,....... de ..............................de..................

___________________________________________

Assinatura do participante ou seu representante legal