25
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Centro de Ciências Biológicas e da Saúde FELIPE TADEU GALANTE ROCHA DE VASCONCELOS ESTUDO DAS CAUSAS GENÉTICAS DO ALBINISMO EM MACACO-PREGO (SAPAJUS SP) São Paulo 2014

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE · para identificar a mutação gênica responsável pelo albinismo. Este projeto foi ... in TYR gene cause the phenotype of albinism a syndrome

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Centro de Ciências Biológicas e da Saúde

FELIPE TADEU GALANTE ROCHA DE VASCONCELOS

ESTUDO DAS CAUSAS GENÉTICAS DO ALBINISMO EM

MACACO-PREGO (SAPAJUS SP)

São Paulo

2014

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Felipe Tadeu Galante Rocha de Vasconcelos

ESTUDO DAS CAUSAS GENÉTICAS DO ALBINISMO EM

MACACO-PREGO (SAPAJUS SP)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da

Universidade Presbiteriana Mackenzie como parte

dos requisitos exigidos para a conclusão do Curso

de Ciências Biológicas.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Daniela Maria Oliveira Bonci

São Paulo

2014

AGRADECIMENTOS Agradeço à Profª Drª Daniela Maria Oliveira Bonci, por ter me aceito como aluno

de iniciação científica, por todas as conversas sobre o projeto e por ter demonstrado

o verdadeiro significado de “mãe científica”.

Agradeço à Drª. Einat Hauzman, além das conversas informais, por todo o apoio

durante o projeto, permitindo a apresentação deste trabalho e por ter participado da

arguição e contribuindo ainda mais para este trabalho.

Agradeço também à Drª Ana Paula Pimentel Costa pela participação na arguição

e contribuições e este trabalho.

Agradeço à minha família, minha mãe Rosana, minha avó Rosina, meu pai José

Flávio e meus tios José Luiz e Patrícia por terem me educado, me dado todo o apoio

emocional e financeiro para que eu pudesse chegar a esse momento.

Agradeço a todos os queridos amigos do laboratório, pelas conversas e

brincadeiras, tanto dentro quanto fora do laboratório, deixando o ambiente mais

descontraído, o que ajudou bastante durante o ano de trabalho, além do apoio

durante todo o ano.

Agradeço aos meus amigos Luiz Baran, Natália Carnevale e Gabrielly Souza que

foram mais que importantes e estiveram ao meu lado durante toda a minha trajetória

na faculdade e fora dela, sabendo que estarão ao meu lado em todos os momentos.

Por fim, agradeço a meus amigos mais antigos, pois mesmo que a vida nos

tenha levado a rumos diferentes, sempre encontramos um jeito de nos encontrar,

reviver lembranças antigas e viver outras novas, e que também sei que posso

sempre contar com essas pessoas maravilhosas em minha vida.

Resumo

Melanócitos são células pigmentadas que produzem e armazenam a melanina. O

gene da tirosinase (TYR) tem importante papel na via de síntese da melanina.

Mutações ou deleções neste gene causam o fenótipo de albinismo, síndrome

caracterizada pela perda de pigmentação na pele, olhos e cabelo, nistagmo e

diminuição de acuidade visual. Entre populações selvagens, o albinismo é

considerado um evento raro, devido à forte pressão seletiva. Animais albinos não

têm as mesmas habilidades de camuflagem, e são mais suscetíveis à predação,

além de apresentarem alterações visuais e imunológicas. O objetivo deste projeto foi

identificar a mutação genética responsável pelo albinismo em um indivíduo macaco-

prego do gênero Sapajus sp. Foram analisados onze macacos-prego, mantidos na

Escola Experimental de Primatas da UFPA, dos quais um indivíduo era albino e dez

não albinos. Estes últimos constituíram o grupo controle. O DNA dos animais foi

extraído a partir de 3 ml de amostra de sangue e a reação em cadeia da polimerase

(PCR) foi realizada para amplificar o gene TYR. Os produtos de PCR foram

sequenciados e, em seguida, foi realizada uma análise comparativa das sequências

para identificar a mutação gênica responsável pelo albinismo. Este projeto foi

aprovado pelo comitê de Ética da UFPA, processo Nº PS001/2005. A partir das

análises comparativas das sequências de DNA foi observada, apenas no indivíduo

albino, uma mutação C → T no nucleotídeo 64, códon 22, localizado no éxon 1 do

gene TYR. Nos indivíduos controle, o códon 22 (CGA) codifica o aminoácido

arginina, enquanto a mutação observada no indivíduo albino gera um stop codon

(TGA) que interrompe a leitura da sequência do gene da tirosinase. O albinismo

observado no Sapajus spp é causado por uma mutação do tipo nonsense C22TER

no exon 1 do gene TYR. Mutações do tipo nonsense no gene TYR também foram

previamente encontradas em macaco-rhesus (Macaca mulatta) e em humanos. A

mutação encontrada não foi descrita nem em humanos nem primatas não humanos

até o presente momento.

Palavras-chave: Genética, albinismo, tirosinase, Sapajus

5

Abstract

Melanocytes are pigmented cells that produce and store melanin. The tyrosinase

gene (TYR) has an important role in synthesis of melanin. Mutations or deletions

in TYR gene cause the phenotype of albinism a syndrome characterized by loss of

pigmentation in the skin, eyes and hair, nystagmus, and decreased visual acuity.

Among wild populations, albinism is considered a rare event, due to strong

selective pressure. Albino animals do not have the same skills of camouflage, and

are more susceptible to predation, besides presenting visual and immunological

impairments. The objective of this project was to identify the gene mutation

responsible for albinism in a capuchin monkey Sapajus sp. Eleven capuchin

monkeys maintained at the Experimental School of Primates UFPA were

analyzed, which an individual was albino and ten were non albino. The non-albino

animals constituted the control group. The DNA of each animal was extracted from

3 ml blood samples and the polymerase chain reaction (PCR) was carried out to

amplify the TYR gene. The PCR products were sequenced, and then, a

comparative sequence analysis to identify the mutation responsible for albinism

was performed. This project was approved by the Ethics Committee of the UFPA,

No. PS001 / 2005. From the comparative analysis of DNA sequences was

observed only in the albino monkey a mutation C → T at nucleotide 64, codon 22,

located in exon 1 of the TYR gene. In control subjects, the codon 22 (CGA)

encoding the amino acid arginine, whereas the mutation observed in the individual

albino generates a stop codon (TGA) which stops the reading sequence of the

tyrosinase gene. The albinism observed in Sapajus sp is caused by a nonsense

mutation in exon 1 C22TER TYR gene. Nonsense mutations in TYR gene have

been previously described in rhesus monkey (Macaca mulatta) and humans. But,

the mutation described here was not found or described in human or nonhuman

primates to date.

Keywords: Genetic, albinism, tyrosinase, Sapajus

6

Sumário Resumo .................................................................................................................. 4

Abstract ................................................................................................................. 5

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 7

1.1. Pigmentação .............................................................................................. 7

1.2. Albinismo ................................................................................................... 8

1.3. Sapajus sp ................................................................................................ 11

2. JUSTIFICATIVA .............................................................................................. 14

3. OBJETIVO ....................................................................................................... 14

4. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................ 14

4.1. Macaco-prego .......................................................................................... 15

4.2. Extração de DNA ...................................................................................... 15

4.3. Reação em Cadeia da Polimerase .......................................................... 16

4.4. Sequenciamento do DNA ........................................................................ 17

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................... 18

6. CONCLUSÕES ................................................................................................ 19

7. REFERÊNCIAS................................................................................................ 20

Anexos ................................................................................................................ 24

7

7

1. INTRODUÇÃO

1.1. Pigmentação

A pigmentação da pele, cabelo e olhos em mamíferos é determinada por

uma mistura de fatores genéticos e ambientais. A herança genética é multifatorial

poligênica, na qual a determinação do fenótipo do individuo é resultado de vários

genes em conjunto com a influência do ambiente, como a exposição ao Sol (OTTO

et al, 1998).

Os grânulos de pigmento são produzidos e armazenados nas células

pigmentares ou cromatóforos. Em aves e mamíferos a diversidade de cromatóforos

foi perdida e o único tipo de célula pigmentada presente é o melanócito, célula que

sintetiza e armazena melanina (Bluhm et al., 2005). Os melanossomos, que são

organelas especializadas presentes nos melanócitos, são os responsáveis pela

síntese (dependente de diferentes genes) e deposição da melanina, além de

armazenarem a tirosinase sintetizada pelos ribossomos (MIOT et al, 2009).

A melanina é um polímero insolúvel que protege a pele contra os raios

ultravioletas, protegendo também contra alguns tipos de câncer, alem de conferir

cor à pele (MIOT et al, 2009). Ela é produzida a partir da tirosina, a qual é

convertida em Dopa e depois Dopaquinona pela tirosinase. A partir desse ponto a

via se divide em duas para a formação da eumelanina e da feomelanina pela ação

de diferentes agentes (LEVIN & STROH, 2011). A Figura 1 representa o esquema

da melanogênese (modificado de MIOT et al, 2009).

8

Figura 1. Esquema ilustrando o processo de melanogênese. Modificado de Miot et al.

(2009).

Alguns genes já são conhecidos pela sua relação com a pigmentação, como

os genes: ASIP, DCT, OCA2, SCL24A5, SCL45A2, TYR, TYRP1 e o MC1R. Este

último, quando expresso estimula a produção da eumelanina. Quando ocorre uma

mutação nesse gene impedindo sua expressão há uma produção aumentada de

feomelanina, resultando num individuo de pele clara e cabelo ruivo. Além disso, o

MC1R está envolvido também na suscetibilidade a formação de câncer de pele

(DESSINIOTI et al, 2011).

Além das mutações relacionadas a genes de pigmentação que produzem

indivíduos com cabelos ruivos, outras mutações são responsáveis pelo albinismo.

1.2. Albinismo

O albinismo é uma síndrome, caracterizada pela ausência ou perda de

pigmentação na pele, no cabelo e nos olhos, além de ser observado nistagmo,

fotofobia, estrabismo e perda de acuidade visual (MÁRTINEZ-GARCÍA &

MONTOLIU, 2013).

9

Existem duas classificações principais de albinismo em humanos:

- albinismo ocular (Ocular Albinism – OA), doença que afeta somente os

olhos, com redução da acuidade visual e fotofobia, com padrão de herança ligada

ao X, com mutações no gene GPR143 (LEVIN & STROH, 2011);

- albinismo oculocutâneo do tipo 1 (OCA 1), causado por mutações no gene

TYR o qual é responsável pela expressão da enzima tirosinase, e do tipo 2

(OCA2), causado por mutações no gene P o qual expressa a proteína P da família

das permeases. A proteína P não tem função totalmente conhecida, mas acredita-

se que ela está envolvida com o transporte de tirosina, regulação do pH e

maturação do melanossomo, além de possivelmente servir como ponto de controle

chave para determinação da variação da cor de pele (LEVIN & STROH, 2011).

Em humanos, sabe-se que o albinismo do tipo OCA1 ocorre por erro na

atividade da tirosinase e é uma herança autossômica recessiva, ao contrário do

albinismo do tipo OCA2 no qual o erro está ligado ao mau funcionamento do influxo

de tirosina no melanossomo (estrutura produtora de melanina, presente no

melanócito) e sua herança pode ser autossômica recessiva, com raras

observações de uma herança dominante (LEVIN & STROH, 2011).

Em animais não-humanos são consideradas outras anomalias (Miller, 2005),

como:

- o piebaldismo, caracterizado por uma perda de pigmentação em algumas

partes do corpo mantendo a pigmentação dos olhos;

- o leucismo, caracterizado pela perda total ou parcial da pigmentação por

todo o corpo, com exceção das extremidades e dos olhos negros ou azuis;

- e o albinismo, caracterizado por ausência de pigmentação do corpo (varia

entre branco e amarelado) e olhos de cor rosa, os quais também podem aparecer

azul claros ou verdes.

Leucismo, piebaldismo e albinismo foram registrados em muitas espécies de

vertebrados neotropicais, incluindo cobras (SAZIMA & DI-BERNARDO, 1991;

SILVA et al., 2010), anuros (SANABRIA et al., 2010), morcegos (VEIGA &

OLIVEIRA, 1995), aves (FRANZ & FLECK, 2009; MANCINI et al., 2010), peixes

(SAZIMA & POMBAL, 1986; BRITO & CARAMASCHI, 2005; LEAL et al., 2013) e

10

em vários mamíferos como gambá (ABREU et al., 2013) leão marinho (ACEVEDO

E AGUAYO, 2008), veado (OLIVEIRA, 2009b) entre outros (Tabela 1).

Tabela 1. Descrição das mutações no gene TYR responsáveis pelo albinismo em

diferentes animais.

Organismos Gene Mutação Local da mutação Referência

Macaco-rhesus TYR Nonsense (S184TER) éxon 1 Ding et al,

2000

Búfalo TYR Nonsense (W477TER) éxon 5 Damé, et al, 2012

Gato TYR Frameshift (c.975delC) éxon 2 Imes, et al

2006

Gato TYR Missense(G227W) Missense(G302R)

éxon 1 éxon 2

Lyons et al,2005

Gado TYR Frameshift (c.316insCCCC) éxon5 Schmutz et

al, 2003

Baleia jubarte TYR Frameshift (c.264delC) éxon 1 Polanowski et al, 2011

Entre os primatas, um único trabalho foi publicado por Ding et al. (2000)

descrevendo albinismo em macaco-rhesus (Macaca mulatta). Este estudo mostra a

presença de uma mutação no éxon 1 do gene TYR em dois indivíduos. A mutação

responsável pelo albinismo nestes macacos foi descrita na posição 184 o que gera

um códon de parada formado pela substituição do nucleotídeo citosina por

adenina, resultando na não produção da tirosinase.

A perda de pigmentação são eventos considerados raros em populações

selvagens (WALTER, 1914), devido ao fato destes animais perderem o mecanismo

de camuflagem, tornando-se mais visíveis aos predadores (SAZIMA & DI-

BERNARDO, 1991; PARSONS & BONDERUP-NIELSEN, 1995). Além disso, existe

uma série de patologias que podem surgir em associação com o albinismo, como

defeitos visuais (PÉREZ-CARPINELL et al., 1992; GRANT et al, 2001; GARIPIS &

HOFFMANN, 2003) e imunológicos (MANGALANI et al, 2004; SUMMERS, 2009;

CARRETERO et al., 2009).

11

1.3. Sapajus sp

O objeto do presente estudo é um indivíduo albino do gênero Sapajus sp (Figura 2),

popularmente conhecido no Brasil como macaco-prego, nome provavelmente

relacionado com a aparência de seu pênis quando ereto, semelhante a um prego

(Carvalho, 2013).

Figura 2. Sapajus apella, o macaco-prego: Extraído de <

http://livelikedirt.blogspot.com.br/2014/03/primate-monday-sapajus-apella.html >

Sabe-se que os macacos-prego são animais de hábitos diurnos e

arborícolas, encontrados desde a Venezuela até o Rio Grande do

Sul. Seu habitat é o mais diversificado entre os primatas

neotropicais, utilizando todos os estratos arbóreos de florestas

chuvosas inundáveis ou não, florestas primárias, secundárias,

caatinga, palmeiras, campos e mangues (AURICCHIO, 1995). A

maioria dos macacos-prego é classificada como onívora e se

alimentam principalmente de frutos, nozes, sementes, flores,

insetos, ovos e pequenos vertebrados, podendo ser importantes

12

dispersores de sementes e polinizadores (FREESE &

OPPENHEIMER, 1981; VISALBERGHUI, 1990; DE LILLO et al,

1997; ROCHA et al, 1998; SILVEIRA et al, 2005; FRAGASZY et al,

2004).

Até o trabalho de Silva (2001), os macacos-prego eram classificados como

Cebus sp dentro do mesmo gênero dos caiararas. Após vários estudos genéticos e

considerando também modos de vida e diferenças morfológicas entre os animais,

foi proposta a separação destes animais em dois gêneros, Cebus e Sapajus, sendo

que os cairaras permaneceram dentro do gênero Cebus compondo quatro

espécies: C. albifrons, C. capucinos, C. olivaceus e C. kaapori; enquanto os

macacos-prego passaram a representar o gênero Sapajus. Este contém mais sete

espécies, como mostrado na Figura 3 (Guimarães, 2012). Nesta figura podemos

observar como ocorreu o deslocamento desses animais pela América do Sul

durante milhões de anos e como está a distribuição atual das doze espécies que,

ao todo, representam ambos os gêneros mencionados.

13

Figura 3. Esquema ilustrando a dispersão de macacos-prego e caiararas nos

últimos seis milhões de anos. Fonte: < http://revistapesquisa.fapesp.br >.

14

2. JUSTIFICATIVA

O tema desenvolvido neste trabalho, “genética do albinismo em um indivíduo

macaco-prego” teve início com a chegada de um macaco-prego albino na Escola

Experimental de Primatas (EEP), da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém,

Pará, em 2011. Este animal foi recebido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) após ser resgatado por um morador

da região de Breves, na Ilha do Marajó o qual encontrou o animal abandonado

nesta região. Segundo o Ibama, o animal estava muito magro, teve o rabo cortado

e as presas cerradas. Por decisão do Ibama, o animal foi deixado sob os cuidados

da EEP da UFPA. Desde então, o animal vem recebendo cuidados adequados e

tem suas funções visuais avaliadas no laboratório coordenado pelo Prof. Dr. Olavo

F. Galvão e pelo Prof. Dr. Paulo R. K. Goulart da UFPA. Os pesquisadores avaliam

funções visuais como acuidade visual, discriminação de cores e contrastes através

de testes comportamentais e genéticos em parceria com o laboratório coordenado

pela Profa. Dra. Dora F. Ventura no Instituto de Psicologia da USP, em São Paulo.

Este trabalho contribui para a elucidação das causas genéticas do albinismo neste

indivíduo.

Assim, a realização deste trabalho poderá trazer novos dados a respeito da

mutação do albinismo em primatas, uma vez que o único trabalho realizado foi com

macaco rhesus. Os resultados do trabalho poderá auxiliar o entendimento das

consequências dessa mutação no albinismo em humanos.

3. OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é identificar a mutação responsável pelo albinismo em um

indivíduo macaco-prego (Sapajus sp).

4. MATERIAL E MÉTODOS

15

4.1. Macaco-prego

Um macaco-prego albino macho (Figura 4) e dez macacos-prego não albinos (sete

machos e três fêmeas) mantidos na Escola Experimental de Primatas da

Universidade Federal do Pará foram avaliados. Este trabalho tem aprovação no

comitê de ética PS001/2006.

Figura 4. Sapajus sp, macaco-prego albino: Extraído de < http://www.jb.com.br/ciencia-e-

tecnologia/noticias/2011/06/17/macaco-prego-albino-e-resgatado-na-ilha-de-marajo-no-

para-2/>.

4.2. Extração de DNA

16

Para a análise genética foi realizada uma coleta de 3ml de sangue de cada

indivíduo em tubos contendo citrato de sódio ou EDTA por um veterinário

especializado da Escola Experimental de Primatas da Universidade Federal do

Pará. A extração do DNA foi realizada utilizando o kit PUREGENE DNA purification

Kit (Gentra Systems) de acordo com o protocolo do fabricante.

4.3. Reação em Cadeia da Polimerase

A técnica de PCR (Reação em Cadeia de Polimerase) foi realizada com o kit

Platinum® Taq DNA Polymerase (Life Technologies). Para a realização da reação

com os exons 1 (11 e 12), 2, 3, 4 e 5 utilizou-se em cada amostra 40,3 µl de água

destilada (H2Od) autoclavada, 5 µl de tampão (10x Buffer), 1 µl de

deoxinucleotideos trifosfatos (dNTPs), 0,5 µl de cada primer , 1,5 µl de MgCl2 e 0,2

µl da enzima Platinum Taq.

As condições de PCR foram inicialmente 94 ºC por 1 min, seguido de 37

ciclos de 94 ºC por 15 seg, 30 seg na temperatura de anelamento e mais 30 seg a

72 ºC, finalizando com 7 min a 72 ºC. Em todos os experimentos foram adicionados

controles negativo (sem DNA) e positivo (amostra padronizada para a reação). Os

primers utilizados e suas respectivas temperaturas de anelamento estão descritos

na Tabela 2.

Tabela 2. Descrição dos primers e respectivas temperaturas de anelamento ao

DNA.

Sequência amplificada

Identificação do iniciador

Temperatura de

Anelamento

Sequência de nucleotídeos do iniciador

Exon 1, gene TYR

TYR11 59 ºC FW_CCAATTAGCCAGTTCCTGCAGA RV_CACAGTTGAATCCCATGAAGTTGC

Exon 1, gene TYR

TYR12 57 ºC FW_TATAATAGGACCTGCCAGTGCTCTG RV_AATGTCTCTCAAGATTTCAGATCCC

Exon 2, gene TYR

TYR2 60 ºC

FW_TTGTTTAACATGAGGGTGTTTTGTACAG RV_GGACTTTGGATAAGAGACTGTAAATATG

17

Exon 3, gene TYR

TYR3_Sb 59 ºC FW_TCCATTTACTGGGATAGCAGATG RV_GTGAAGAAGGAAGATGGGATCAT

Exon 4, gene TYR

TYR4_Sb 59 ºC FW_GAAGGCATCGCCCTCTTCTA RV_AGGTAGCTATAGTCATAGCCCAGA

Exon 5, gene TYR

TYR5_Sb 60 ºC FW_CCCAGACTCTTTTCAAGACTAACATT RV_AATAAAGATGGGGCCAATAAAAA

Os iniciadores para os éxons 1 e 2 (Tabela 2) foram obtidos no trabalho de

Preising et al. (2011) que desenvolveu esses primers a partir de sequências do

gene TYR humanas (M27160.1, NM_000372.4). Os primers para os éxons 3, 4 e 5

foram desenhados no programa Primer3 (Untergasser et al, 2007) a partir da

sequência do gene TYR de Saimiri boliviensis (HM757583.1).

Os produtos da PCR foram visualizados através da eletroforese em gel de

agarose (1%). Após eletroforese, o material genético amplificado foi purificado,

utilizando o kit Illustra™ GFX™ PCR DNA and Gel Band purification (GE

Healthcare) seguindo o protocolo do fabricante. As amostras foram mantidas a -

20°C para posterior sequenciamento.

4.4. Sequenciamento do DNA

O sequenciamento das amostras de DNA foi realizado com o kit Big Dye

Terminator (Life Technologies) utilizando o sequenciador 3500xL (Life

Technologies) do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein

em São Paulo, para comparação entre as sequencias do indivíduo albino e dos não

albinos. As sequências foram analisadas com o programa BioEdit v7.2.5.

18

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após as análises dos sequenciamentos observou-se que o indivíduo albino

apresenta uma mutação C → T no nucleotídeo 64, códon 22, no éxon 1 do gene

TYR, de modo a alterar o códon CGA para o códon TGA. Em todos os animais

controles foi possível observar o códon CGA; o códon TGA estava presente apenas

no indivíduo albino.

Essa mutação resulta na substituição do aminoácido Arginina codificada pelo

códon CGA por um código de parada (stop codon) codificado pela sequência TGA

(Figura 5).

Este tipo de mutação é chamada de nonsense. Mutações do tipo nonsense no

gene TYR também foram previamente encontradas em macaco-rhesus (Macaca

mulatta) e em humanos (DING et al, 2000).

A mutação R22TER encontrada no macaco-prego albino não foi descrita nem

em humanos nem em primatas não humanos até o presente momento.

Figura 5. Representação gráfica do eletroferograma de parte do exon 1 do gene

TYR de um indivíduo não albino (A) e a mesma região do gene TYR do macaco

albino (B). A substituição C → T no nucleotídeo 64 resulta na formação de um novo

códon (R22TER).

A

B

19

Assim como mostra a Tabela 1, o albinismo já foi estudado em diversos

animais e em sua maioria apresentam mutações no gene TYR. Este gene é

responsável pela produção da tirosinase, o que mostra que apesar de haver vários

genes envolvidos na pigmentação, o mais comumente afetado é o gene TYR. Como

mostra o estudo de GARGIULO e colaboradores (2011), mais de 70% dos casos

encontrados de albinismo são causados por mutações no gene que expressa a

tirosinase. Devido a importância da tirosinase na biossíntese da melanina, é

compreensível que a maioria das mutações relacionadas com o albinismo se

encontrem no gene TYR. Porém, em humanos, uma alta taxa de mutações é

encontrada no gene que expressa a proteína P (KAMARAJ & PUROHIT, 2014). Até

o momento, não foram descritas mutações neste gene relacionadas a albinismo em

animais não-humanos.

O albinismo, além de alterar a pigmentação da pele e pelos, também pode

causar dificuldades visuais, devido à perda de acuidade, fotofobia e nistagmo (DING

et al, 2000) que fazem com que o animal possa ter mais dificuldade de se locomover

no seu habitat, dessa forma tanto a predação quanto a fuga de predadores ficam

prejudicadas.

Essas mesmas alterações, somadas à hipoplasia foveal e cruzamento

anormal de fibras do nervo óptico como descrito por LEVIN & STROH (2011)

acometem humanos afetados pelo albinismo. Desse modo, os estudos com modelos

animais podem trazer grandes avanços no estudo da doença, suas consequências e

possibilidades de melhor diagnostico e eventual tratamento.

6. CONCLUSÕES

O albinismo observado no indivíduo do gênero Sapajus sp é causado por uma

mutação do tipo nonsense R22TER no éxon 1 do gene TYR.

O animal estudado, portanto, possui de fato uma mutação em um dos genes

responsáveis pela pigmentação, refletindo em fenótipo diferente ao encontrado em

macacos-prego comuns, possivelmente com problemas relacionados à visão.

Maiores estudos sobre os efeitos desta mutação nas funções visuais devem ser

realizados para correlação dos prejuízos fenotípicos com o tipo de mutação

encontrada.

20

7. REFERÊNCIAS ABREU, M. S. L. et al. Anomalous colour in Neotropical mammals: a review

with new records for Didelphis sp. (Didelphidae, Didelphimorphia) and

Arctocephalus australis (Otariidae, Carnivora). Brazilian Journal of Biology,

vol 73, nº1 p185-194, 2013.

ACEVEDO, J. and AGUAYO, M. Leucistic South American sea Lion in Chile, with

a review of anomalously color in otariids. Revista de Biología Marina y

Oceanografia, vol. 23, no. 2, p. 413-417, 2008 .

AURICCHIO, P. Primatas do Brasil. Terra Brasilis, 168p, São Paulo, 1995.

BRITO, MFG. and CARAMASCHI, EP. An albino armored catfish Schizolecis

guntheri (Siluriformes: Loricariidae) from an Atlantic Forest coastal

basin. Neotropical Ichthyology, vol. 3, no. 1, p. 123-125, 2005.

CARRETERO, PG., JULIAN, AN., CAMPOS, SR., GUASCH, CF. and SAMPOL,

LM. Síndrome de Griscelli-Prunieras: a propósito de dos casos. Anales de

Pediatría, vol. 70, no. 2, p. 164-167, 2009.

CARVALHO, C. E. DE. Estudo da motivação para manipulação e para

brincadeira social em macacos-prego (Sapajus sp). 2013. 94 pg.

Dissertação [Mestrado em Psicologia] - Instituto de Psicologia,

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

DAMÉ, M. C. F. et al. A nonsense mutation in the tyrosinase gene causes

albinism in water buffalo. Biomed Central Genetics, vol. 13, no.1, p.1-7,

2012.

DE LILLO, C. et al. The Organization of Exaustive Searches in a Patchy Space

by Capuchin Monkey (Cebus paella). Journal of Comparative Psychology,

vol. 111, no.1, p. 82-90, 1997.

DESSINIOTI, C. et al. Melanocortin 1 Receptor Variants: Functional Role and

Pigmentary Associations. Photochemistry and Photobiology, 87: 978–987,

2011.

DING, BO. et al. Molecular basis of albinism in the rhesus monkey. Mutation

Research - Fundamental and Molecular Mechanisms of Mutagenesis, 449(1-2),

1–6, 2000.

21

FRAGASZY, D. M. et al. The Complete Capuchin: the Biology of the Genus

Cebus. Cambridge, 2004.

FRANZ, I. and FLECK, R. Dois casos de leucismo em quero-quero Vanellus

chilensis (Molina, 1782) no sul do Brasil. Biotemas, vol. 22, no.1,p.161-

164,2009.

FREESE, C. H. & OPPENHEIMER, J. R. The Capuchin Monkeys, Genus Cebus.

In Coimbra-Filho, A. F. & Mittermeier (Eds), Ecology and Behaviour of

neotropical primates, vol.1, Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Ciências,

1981.

GARGIULO, A. et al. Molecular and Clinical Characterization of Albinism in a

Large Cohort of Italian Pacients. Investigative Ophtalmology & Visual

Science, vol 52, no.3, p. 1281-1289, 2011.

GARIPIS, N. and HOFFMANN, KP. Visual defects in albino ferrets (Mustela

putorius furo). Vision research, vol. 43, p. 793-800, 2003.

GRANT, S., et al. Rod photopigment deficits in albino are specific to mammals

and arise during retinal development. Visual neuroscience, vol. 18, p. 245-

251, 2001.

GUIMARÃES, M. Ramificações ancestrais. Pesquisa FAPESP online, junho 2012

IMES D. L., et al. Albinism in the domestic cat (Felis catus) is associated with a

tyrosinase (TYR) mutation. Animal Genetics, vol 37, p. 175-178, 2006.

JORNAL DO BRASIL. Macaco-prego albino é resgatado na ilha de Marajó, no

Pará. Disponível em < http://www.jb.com.br/ciencia-e-

tecnologia/noticias/2011/06/17/macaco-prego-albino-e-resgatado-na-ilha-de-

marajo-no-para-2/> Último acesso em 16 de novembro de 2014.

KAMARAJ B & PUROHIT R. Mutational analysis of oculocutaneous albinism: a

compact review. BioMed Research International, 905472, 2014.

LEAL, MATEUS EVANGELISTA et al. First record of partial albinism in two

catfish species of Genidens (Siluriformes: Ariidae) in an estuary of Southern

Brazil. Braz. arch. biol. technol., vol.56, n.2, pp. 237-240, 2013.

LEVIN, A. V.; STROH, E. Albinism for the busy clinician. Journal of AAPOS, vol

15, nº1, fevereiro 2011.

LYNCH ALFARO, J.W . et al. Explosive Pleistocene range expansion leads to

widespread Amazonian sympatry between robust and gracile capuchin

monkeys. Journal of Biogeography. vol. 39, n. 2, p. 272-88. fevereiro. 2012

22

LYONS, L. A. et al. Tyrosinase mutations associated with Siamese and Burmese

patterns in the domestic cat (Felis catus). Animal Genetics, vol. 36, p. 119-

126, 2005.

MANCINI, PL., JIMÉNEZ, S., NEVES, T. and BUGONI, L. Records of leucism in

albatrosses and petrels (Procellariiformes) in the South Atlantic Ocean.

Revista Brasileira de Ornitologia, vol. 18, no. 3, p. 245-248, 2010.

MANGLANI, M., ADHVARYU, K. and SETH, B. Griscelli syndrome – a case

report. Indian Pediatrics, vol. 41, p. 734-737, 2004.

MÁRTINEZ-GARCIA, M.; MONTOLIU, L. Albinismo in Europe. Japanese

Dermatological association. Vol. 40. 2013. p.319-324.

MILLER, J. All About Albinism. Missouri Department of Conservation, 2005.

OLIVEIRA, S. V.Albinismo parcial em cutia Dasyprocta azara e Lichtenstein,

1823 (Rodentia, Dasyproctidae), no sul do Brazil. Biotemas, vol. 22, no. 4, p

243-246, 2009 a.

OLIVEIRA, SV. Registro de albinismo parcial em veado catingueiro Mazama

gouazoupira (G. Fischer, 1814) (Artiodactyla, Cervidae) na serra do

sudeste, Rio Grande do Sul, Brasil. Biodiversidade Pampeana, vol. 7, no. 1,

p. 13-15, 2009 b.

OTTO, P. G.; OTTO, P. A.; FROTA-PESSOA, O. Genética Humana e Clínica,

p245-246, 1998.

PARSONS, GJ. and BONDERUP-NIELSEN, S. Partial albinism in an island

population of Meadow Voles, Microtus pennsylvanicus, from Nova Scotia.

The Canadian Field-Naturalist, vol. 109, no. 2, p. 263-264, 1995.

PÉREZ-CARPINELL, J., CAPILLA, P., ILLUECA, C. and MORALES, J. Vision

defects in albinism. Optometry and Vision Science, vol. 69, no. 8, p. 623-

628, 1992.

POLANOWSKI, A. M. et al. Variation in the Tyrosinase Gene Associated with a

White Humpback Whale (Megaptera novaeangliae). The American Genetic

Association, p. 130-133, 2011.

ROCHA, V. J. et al. Uso de ferramentas por Cebus apella (Linnaeus) (Primates,

Cebidae) para obtenção de larvas de coleóptera que parasitam sementes

de Syagrus romanzoffianum (Cham.) Glassm. (Arecaceae). Revista

Brasileira de Zoologia, vol. 15, no 4, p.945-950.

23

SANABRIA, E. A., QUIROGA, L. B. and LASPIUR, A. First Record of partial

albinism and scoliosis in Odontophynus occidentalis tadpoles (Anura:

Cycloramphidae). Brazilian Archieves of Biology and Technology, vol. 53, no.

3, p. 641-642, 2010

SAZIMA, I. and DI-BERNARDO, M. Albinismo em serpentes neotropicais.

Memórias do Instituto Butantan, vol. 53, no. 2, p. 167-173, 1991.

SAZIMA, I. and POMBAL, JP. Um albino de Rhamdella minuta, com nota sobre

comportamento (Osteichthyes, Pimelodidae). Revista Brasileira de Biologia

= Brazilian Journal of Biology, vol. 46, no. 2, p. 377-381, 1986.

SILVEIRA, G. et al. Ordem primates. Mamíferos da Fazenda Monte Alegre –

Paraná, p.67-71, 2005.

SUMMERS, CG. Albinism: classification, clinical characteristics, and recent

findings. Optometry and Vision Science, vol. 86, no. 6, p. 659-662, 2009.

UNIVERSAL PROTEIN RESOURCE. Disponível em: <

http://www.uniprot.org/uniprot/Q04671 >. Último acesso em 24 de abril de 2014.

UNTERGASSER, A. et al. Primer3Plus, an enhanced web interface to Primer3.

Nucleic Acids Research, vol.35 (web server issue), p. 71-74, 2007.

VEIGA, LA. and OLIVEIRA, AT. Um caso de albinismo completo em morcego

Molossus molossus, Pallas (Chiroptera, Molossidae) em Santa Vitória do

Palmar, RS., Brasil. Arquivos de Biologia e Tecnologia, vol. 38, no. 3, p. 879-

881, 1995a.

VISALBERGHUI, E. Tool use in Cebus. Folia Primatologica, vol. 54, p. 146-154.

WALTER, HE.. Genetics: An Introduction of Study of Heredity. New York: Mac-

Millan. 272 p. 1914.

24

Anexos