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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura
FLAVIA MARIA GONÇALVES LOBO
A CREDIBILIDADE DA IMAGEM FOTOGRÁFICA
NA ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL
São Paulo
2011
2
FLAVIA MARIA GONÇALVES LOBO
A CREDIBILIDADE DA IMAGEM FOTOGRÁFICA
NA ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como parte dos
requisitos exigidos para obtenção do título de
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.
Orientadora: Profª. Drª. Petra Sanchez Sanchez
São Paulo
2011
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FLAVIA MARIA GONÇALVES LOBO
A CREDIBILIDADE DA IMAGEM FOTOGRÁFICA
NA ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como parte dos
requisitos exigidos para obtenção do título de
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.
Orientadora: Profª. Drª. Petra Sanchez Sanchez
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Profª. Drª. Petra Sanchez Sanchez – Orientadora
_____________________________________________
Profª. Drª. Sônia Regina Fernandes
_____________________________________________
Profª. Drª. Glaucia Eneida Davino
São Paulo
2011
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AGRADECIMENTOS
À Deus por todas as bençãos que me concedeu, que muitas pessoas chamam de sorte
ou de coincidência.
Aos meus pais, Odair Peixoto Lobo e Zilda Gonçalves Lobo que, com muito carinho
e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida.
Ao Roberto Gomes Martins, meu marido, pelo companheirismo, apoio moral e
logístico durante todo o processo de formulação deste trabalho.
À Profª. Drª. Petra Sanchez Sanchez, minha orientadora, pela paciência, confiança e
indicações oferecidas ao longo do processo de construção desta pesquisa.
À Profª. Drª. Sônia Regina Fernandes pelas contribuições teóricas e sensibilidade que
a diferencia como educadora e por dividir sua sabedoria com interesse e amizade.
À Profª. Drª. Glaucia, pela amabilidade, apoio e sugestões à minha dissertação.
À Profª. Drª. Simonetta Persichetti, pelas contribuições teóricas e seus conhecimentos
sobre o fantástico mundo da fotografia.
À todos os professores da Pós Graduação da Universidade Mackenzie pela
contribuição na minha formação nas mais diferentes maneiras, aulas, conversas nos
corredores, exemplos de vida, etc.
À Cindy e Regianne, secretárias da Pós - EAHC, pelo apoio constante.
Aos colegas do Mestrado pela convivência e amizade durante todo o curso.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – , pela
bolsa de estudos concedida, e ao fundo Mackenzie de Pesquisa – Mackpesquisa –,
pelo apoio financeiro por meio da reserva técnica.
Ao casal amigo Ricardo Leça e Ana Paz, pelo carinho e ajuda pontual.
À minha prima Luiza Helena Gonçalves D’Avola, pelo incentivo e amizade para além
do parentesco.
Ao meu amigo Dr. João Esteves, por suas sábias palavras que até hoje continuam
ecoando em minha mente.
7
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – , pela bolsa
de estudos concedida, e ao fundo Mackenzie de Pesquisa – Mackpesquisa –, pelo apoio
financeiro por meio da reserva técnica.
8
Tudo que a programação realista da fotografia efetivamente
implica é a crença de que a realidade está escondida.
O que quer que a câmara registre é uma revelação.
Susan Sontag (1933-2004)
9
RESUMO
O estudo procura elucidar a questão da credibilidade da imagem fotográfica depois que surgiram aparelhos fotográficos mais avançados em tecnologia e em precisão de imagem. Não é uma pesquisa pautada pela discussão se a fotografia mostra o real ou um traço do real. Esta pesquisa menciona tal questão, porém mais como parte do percurso da história dos estudos já realizados até hoje com a imagem fotográfica, mesmo porque essa é uma discussão que já estaria muito acirrada nos meios acadêmicos e entre os entusiastas do assunto. Os estudos direcionaram-se mais para a credibilidade do ponto de vista mais amplo no que se refere aos indivíduos em geral, os leigos, amadores da fotografia, aos leitores de jornais e revistas, enfim, às pessoas em geral. Depois da tecnologia digital, dúvidas sobre a credibilidade da imagem fotográfica começaram a pairar no ar, pelo fato de que as pessoas anteriormente não se davam conta de que as fotografias pudessem ser alteradas, que a fotografia era um processo que sempre fora alterado, que já nasceu manipulada por ser um processo físico/químico. A pesquisa caminha ao lado da socioeconomia, pois foi com a evolução tecnológica que essas questões vieram à tona, os indivíduos começaram a comprar câmeras em número muito maior do que compravam há trinta anos, inúmeras pessoas possuem câmeras compactas, câmeras nos celulares, assim como quase todo mundo acessa a internet e veem imagens sendo transmitidas simultaneamente em vários lugares interagindo intensamente. Hoje vivemos uma sociedade imagética. A imagem fotográfica está perdendo força no que diz respeito à sua credibilidade.Pesquisaram-se diversos gêneros de representação da fotografia; jornalística, amadora, autoral, conceitual e publicitária, desde sua produção analógica até os nossos dias com a profusão imagética da era digital. Em cada linguagem fotográfica a pesquisa revela diferentes comportamentos no que se refere à credibilidade das produções fotográficas de quem está “ atrás da câmera”.
PALAVRAS-CHAVE: Fotografia, fotografia analógica, fotografia digital, imagem fotográfica, credibilidade da imagem.
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ABSTRACT
This research tries to elucidate the question of the credibility of the photographic image after the technological age. That is, it is not a research that works pautada in the untiring quarrel if the photograph shows to the real or a trace of the real, this is a philosophical and semiótic bias, however to this research it more mentions this problematic one as part of the passage of the history of the carried through studies already until today with the photographic image, moreover this is a quarrel that already very was incited in the half academics and for the enthusiastic ones of the subject. The studies had been directed more for the credibility of the ampler point of view as for the individuals in general, the laypeople, fans of the photograph, to the readers of periodicals and magazines, at last, the people in a general way. After the digital technology doubts on the credibility in the photographic image they had started to hang in air, for the fact of that previously the people did not give account that the photographs could be modified, that the photograph is a process that always was modified, that already it was born manipulated for being chemical a physical process. The research walks to the side of sociology, therefore it was with the technological evolution that these questions had come to up, the individuals had started to buy cameras in very bigger number of what they bought has 30 years behind, the majority of the people has a compact cameras, cameras in the cellular ones, as well as almost everybody has access the internet and see transmitted images being of a side for the other, interacting of this form intensely. Today we live a imagétic society. In way that the photographic image is losing force in what its credibility says respect. One searched diverse sorts of representation of the photograph; journalism, authorial, conceptual and advertising, since its analogical production until our days with the imagétic profusion of the digial age and in each photographic language the research in shows different behavior to them with respect to credibility in the respective photographic productions.
KEYWORDS: Photograph, analogical photograph, digital photograph, photographic image, credibility of the image.
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 14
1.1 HIPÓTESE ..................................................................................................... 20
1.2 OBJETIVOS................................................................................................... 20
1.2.1 Objetivo geral.................................................................................................. 21
1.2.2 Objetivos específicos ...................................................................................... 21
1.3 METODOLOGIA ........................................................................................... 21
1.3.1 Métodos de abordagem ................................................................................... 21
1.3.2 Métodos de procedimentos ............................................................................. 22
2 DOS SAIS DE PRATA AOS SENSORES LUMINOSOS ........................ 24
3 FOTOGRAFIA JORNALÍSTICA.............................................................. 38
4 FOTOGRAFIA DOCUMENTAL............................................................... 44
5 FOTOGRAFIA AUTORAL ........................................................................ 49
6 FOTOGRAFIA CONCEITUAL ................................................................. 63
7 FOTOGRAFIA CONCEITUAL PUBLICITÁRIA .................................. 81
8 FOTOGRAFIA AMADORA....................................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 112
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 119
12
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1: Câmara Obuscura, 1649.......................................................................... 28
FIGURA 2: James Nachtwey, 1981........................................................................... 39
FIGURA 3: Robert Capa, 1932 .................................................................................. 40
FIGURA 4: Jornal El Pais, 2004................................................................................. 42
FIGURA 5: Jornal do Brasil, 2004 ............................................................................. 42
FIGURA 6: Sebastião Salgado. Tigre, 1986............................................................... 45
FIGURA 7: Sebastião Salgado. Etiópia, 1985............................................................ 45
FIGURA 8: Alexander Rodchenko, 1925................................................................... 57
FIGURA 9: Alexander Rodchenko, 1932................................................................... 57
FIGURA 10: Alexander Rodchenko, 1928................................................................. 58
FIGURA 11: Henri Cartier-Bresson, 1945 ................................................................. 60
FIGURA 12: Robert Doisneau, 1966.......................................................................... 60
FIGURA 13: Robert Doisneau, 1950.......................................................................... 62
FIGURA 14: Lászlo Moholy-Nagy, 1928 .................................................................. 69
FIGURA 15: Lászlo Moholy-Nagy 1928 ................................................................... 70
FIGURA 16: Misha Gordin, 1999 .............................................................................. 72
FIGURA 17: Misha Gordin, 2000 .............................................................................. 72
FIGURA 18: Thomas Barbèy, 2005 ........................................................................... 74
FIGURA 19: Thomas Barbèy, 2006 ........................................................................... 74
FIGURA 20: Rosângela Rennó, 1998 ........................................................................ 77
FIGURA 21: Rosângela Rennó, 1999 ........................................................................ 78
13
FIGURA 22: Eustáquio Neves, 1995......................................................................... 78
FIGURA 23: Propangada Bières de le Meuse, 1889 ................................................. 84
FIGURA 24: Propangada Allenburys, 1914............................................................... 86
FIGURA 25: Propaganda Aqua Velva, 1953 ............................................................. 89
FIGURA 26: Propaganda Kolynos, 1945 ................................................................... 90
FIGURA 27: Propaganda Walita, 1957 ...................................................................... 91
FIGURA 28: Propaganda Volkswagen, 1965............................................................. 92
FIGURA 29: Propaganda Tangee, 1974..................................................................... 92
FIGURA 30: Câmera Kodak, 1888 ............................................................................ 97
FIGURA 31: Álbum de Família, 1910 ....................................................................... 99
FIGURA 32: Câmera Fotográfica, 1940................................................................... 101
FIGURA 33: Câmera Kodak Instamatic, 1963......................................................... 103
FIGURA 34: Fotografia Instantânea, 1968............................................................... 106
FIGURA 35: Fotografia ”galera”, 2011.................................................................... 108
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1 INTRODUÇÃO
Desde sua invenção no decorrer no século XIX, a fotografia instiga os seres humanos.
Com efeito, ela retrata a imagem do homem, fato que sempre fascinou os seres
humanos, curiosos por natureza em querer saber como eles próprios são e como são
vistos pela sociedade que os cerca.
Com isso a fotografia, tornou-se uma importante ferramenta no campo da sociologia
porque ela ainda hoje não se limita a mostrar a própria figura humana, além disso,
também “aprisiona” o tempo, uma vez que guarda fatos e imagens de situações da
vida pessoal do passado que se perderiam no tempo e, portanto, também se perderiam
na memória.
Por evidente, não é preciso dizer que, no campo das artes, a fotografia tem dado uma
grande contribuição para a sociedade. Além de demonstrar a criatividade nos
trabalhos e conceitos dos seus autores, ela impulsiona outras artes, área onde se pode
perceber a enorme evolução que ocorreu nos prodigiosos anos que compuseram o
século XX.
Na sua característica de documento, a fotografia, antes da era da tecnologia digital,
tinha sido uma prova irrefutável de que um fato era verídico, ou seja, aconteceu
realmente. Por esse motivo, no começo do século XIX as publicações de qualquer
espécie substituiram as suas ilustrações em forma de desenho, por fotografias, uma
vez que estas passavam uma maior credibilidade aos seus leitores.
Quando se tratava de produzir um trabalho mais bem elaborado e com um projeto
definido, as fotografias documentais tornaram-se obrigatórias para publicações
15
científicas ou documentais de maior valor histórico. Dessa maneira, de simples
indicador de imagem pessoal ou de fatos reais, a fotografia passou a ser um ícone na
sociedade dos anos 60 e 70 do século passado. Como consequência, também assumiu
um papel importante na publicidade.
De qualquer modo, por questões socioeconômicas, sempre foi um hobby caro,
impossibilitando uma grande maioria da população de exercer o hábito de fotografar.
Com a era da fotografia digital, essa impossibilidade não existe mais; hoje, tirar
fotos passou a ser o passatempo de crianças, de jovens e de adultos. A fotografia
deixou de lado a necessidade de revelações e rolos de filmes e então, o custo diminuiu
drásticamente. Possibilitou ainda o exercício de fotografar em profusão em quase
todas as camadas da população, em uma era em que as pessoas são incentivadas a
consumir desenfreadamente.
Nesse novo cenário, porém, a paixão pela fotografia – a exemplo dos anos que
antecederam a era digital – continua prevalecendo, e os homens também continuam
sentindo necessidade de “aprisionar” o seu tempo e de manter “viva” a sua memória;
só que, hoje, com uma dimensão praticamente sem fronteiras. Sendo assim, além de
querer ver e mostrar sua vida pessoal com seus pertences e redes sociais da internet
(facebook, twitter …), o ser humano transformou a fotografia em um instrumento
onipotente e onipresente. Na verdade, ela ocupa espaço nas revistas, nos outdoors, nas
propagandas, nos porta-retratos familiares e em inúmeros outro lugares.
Essa nova realidade deixa no ar a seguinte pergunta: A fotografia está perdendo sua
credibilidade e sua eficiência como registro de fatos ou estamos vivendo uma era de
grandes transformações onde a “linguagem” fotográfica está evoluindo em função de
todas as conquistas tecnológicas de cunho positivo?
16
Com 8 anos, ganhei a minha primeira câmera fotográfica de meu pai. Embora menina,
vivi intensamente os anos 60 e brincava fotografando. Aos 18 anos, comecei a
trabalhar na Rede Globo de Televisão como operadora de video. Dessa época em
diante, começei a enchergar a fotografia como arte. Com essa compreensão, decidi
estudar a fotografia com Cláudio Feijó, conceituado fotógrafo brasileiro. No ano de
1983 aperfeiçoei os estudos de fotografia na Polytechnic of Central, em Londres,
onde comecei a trabalhar como correspondente de revistas brasileiras. Já no Brasil,
fotografei para revistas e jornais como, Meio e Mensagem, Mídia e Mercado, O
Estado de S. Paulo, Vogue, e também para agências de publicidade, tais como, Young
& Rubricam, Dennison Propaganda e Agnelo Pacheco entre outras. Somaram-se
mais de vinte anos com experiência em fotojornalismo e correspondência
internacional, quando senti a necessidade de aprofundar meus estudos sobre os
diversos conceitos de imagem fotográfica e analisar sua relação como linguagem,
suas narrativas e seus significados. Mas, foi durante a pós-graduação (lato sensu) em
História das Artes, Teoria e Crítica, cursada na Faculdade Paulista de Artes, em 2008,
que surgiu essa inquietação frente à profusão imagética que nos foi trazido pela
fotografia digital.
Tendo em mente essa inquietação, nasceu o intuito deste trabalho. Ele trás em seu
âmago a proposta de traçar um percurso histórico sobre a fotografia e analisar
diferentes gêneros dentro da arte de fotografar para que possamos evidenciar a
fotografia como fenômeno sociocultural que nos foi trazido pela fotografia digital.
Nessa perspectiva, o trabalho analisa as contribuições de estudos feitos sobre
fotojornalismo no qual a credibilidade e o imediatismo são sua maior referência.
17
Paralelamente, compara os atributos que cercam esse trabalho com a fotografia
documental – que também espelha uma realidade – porém com uma elaboração maior
sobre o tema a ser narrado pela fotografia.
Pelo aprimoramento na finalidade de narrar uma realidade, a fotografia documental
nos força compará-la à fotografia autoral na qual o autor/fotógrafo se expõe e, dessa
forma, como e até que ponto ela se aproxima da arte.
A fotografia amadora foi um ponto importante na pesquisa embora poucos dão
atenção a esse gênero os amadores com seus álbuns de família é a linguagem
fotográfica que muito tem a ser estudada através de sua história. A pesquisa aborda
também a evolução da fotografia publicitária. Ela se desenvolveu com a revolução
industrial e constitui parte importante da história com suas peculiáridades e
artificialidades na forma em que se apresenta.
O mesmo peso tem ainda a análise pontual quanto à fotografia como um bem de
consumo, e quanto ao uso da imagem fotográfica como veículo para o imaginário de
banalidades. Como relata o professor e pesquisador em arte e estética André Rouillé
(2009, p. 414), ambos os casos se convergem em traços comportamentais, oriundos
das facilidades trazidas pela imagem digital, transformando-se em uma nova
linguagem, numa ecosfera carregada de imagens e pontos de vista, nas quais uma
nova linguagem da arte fotográfica está sendo estruturada. Rouillé ressalta:
A arte-fotografia procede, então, a uma ampla abertura temática, a
uma imensa renovação das visibilidades. (...). Diante das tecnologias
que incessantemente ampliam os limites do visível, diante das mídias
18
que sonham em projetar os espectadores aos confins do mundo,
diante das imagens de sínteses que afogam o real nas miragens do
virtual, diante das sofisticações gráficas da indústria cultural, a
publicidade, a televisão, a imprensa, o turismo, etc. Nessa situação,
um número crescente de artistas utiliza a fotografia ( considerada
simples, grosseira e mesmo pobre) para descobrir o próximo, o
imediato, o aqui, o banal, o ordinário. Simplesmente, sobriamente,
diretamente. Ao inverso das imagens pomposas, enfáticas e vazias
das mídias (ROUILLÉ, 2009, p. 415).
Diante dessas possibilidades de análise, verificou-se que havia uma escassez de
trabalhos teóricos que citaram a produção fotográfica de uma forma positiva no que
dizia respeito a nossa contemporaneidade; uma onda de pessimismo nesse gênero
considera a fotografia atual como banalizada. Por que a imgem fotográfica na era
da tecnologia digital está sendo desacreditada? Este foi o questionamento que nos
impulsionou a desenvolver a pesquisa.
Para tentar elucidar a problemática, seguiremos os percursos históricos apoiados por
teóricos como Roland Barthes, especialista em semiologia, e o filósofo Vilém Flusser
o sociólogo Pierre Boubieu e o estudioso da imagem fotográfica André Rouillé. Eles
nos ajudarão a responder à questão que se faz presente na nossa realidade social no
que diz respeito à arte fotográfica. Para tanto, vai desenvolver-se em quatro partes,
assim discriminadas:
A primeira parte será dedicada à análise dos conceitos do real, da credibilidade no
fotojornalismo e na veracidade passada pela fotografia documental. Para tanto, a
pesquisa se apoiará nas afirmações teóricas de Philipe Dubois, Susan Sontag e Pedro
Sousa.
19
Na segunda parte apresentaremos a fotografia de autor, a fotografia autoral, a
cumplicidade que o fotógrafo tem com a imagem, tornado-a sua assinatura, e
transformando-a em fotografia artística, apoiados nas menções teóricas de Vilém
Flusser, Boris Kossoy. Para elucidar alguns pontos, analisaremos obras atemporais
dos fotógrafos Aleksandr Rodechenko, Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau.
Destacaremos como questões fundamentais na terceira parte a imagem fotográfica
como arte conceitual e suas várias interpretações, tal como pensadas pelos autores,
Arlindo Machado, Martine Joly e Jean-Marie Schaeffer.
O mesmo peso terá ainda a análise pontual de algumas obras fotográficas como as de
Misha Gordin, Tomas Barbéy. Nelas, buscaremos detectar estratégias e alegorias
sobre a relação conceito/autoria.
É na quarta parte, porém, que o estudo tratará do questinamento sobre a credibilidade
da fotografia. Analisaremos, então, como as noções relativas ao “fato” e à
“representação” se embaralham nas sociedades industriais e consumistas. Esse
questionamento põe em evidência a história das pessoas comuns com a fotografia
amadora desde o início do século passado até a atualidade. Dando ênfase à fotografia
como fenômeno sociocultural, esse capítulo se servirá das teorias do filósofo Gilles
Lipovetsky e de Guy Debord, ambos participantes do movimento estudantil que
eclodiu na França em 1968. Por causa disso, novos e diferentes conceitos estavam
sendo cristalizados na contemporaneidade.
A fotografia contemporânea está passando por uma grande transformação, como
efeito da profusão imagética a partir de 1990. Apesar das aparências do caráter
positivo dessas transformações aos olhos menos atentos e sem conhecimento de
20
causa, o fato é que a sociedade está vivendo uma era de descontentamento diante de
inúmeras mudanças mal assimiladas. O resultado disso é, a título de exemplo, o
hiperconsumismo que convence o indivíduo a achar que muitos produtos já nascem
para ficarem obsoletos de imediato. Nessas circunstâncias de consumo, cada vez
mais, a fotografia adquire uma característica de mercado, que cria o hábito de
consumo rápido e descartável, como testemunha Arlindo Machado:
A fotografia, o vídeo e o computador foram também criados e
desenvolvidos objetivando os princípios de produtividade na lógica
da expansão capitalista (Machado, 2007, p. 11).
Nesse cenário de efervescente consumo de fotografia, os estudos desses autores
pretendem desmistificar a suposta banalização da imagem, para que o caminho da arte
fotográfica esteja sempre aberto a discussões positivas dentro da nova tecnologia.
1.1 HIPÓTESE
O pressuposto que motivou o desenvolvimento do presente estudo foi deixar evidente
(mostrar) que há credibilidade na imagem fotográfica contemporânea. Na verdade,
pressupõe-se, que existe uma nova e legítima linguagem referente ao ato/hábito de
fotografar.
1.2 OBJETIVOS
Partindo-se dessa pressuposição, foram definidos os objetivos a serem alcançados,
quais sejam:
21
1.2.1 Objetivo geral
Refletir sobre as semelhanças entre a estética da fotografia analógica e da fotografia
digital aplicadas em diferentes generos de linguagem fotográfica, em um ambiente de
contexto artístico, profissional e na vida cotidiana. Analisar, então, a credibilidade
através de um percurso histórico, para que possamos contextualizar a imagem
fotográfica da contemporaneidade.
1.2.2 Objetivos específicos
• Rever os conceitos de real entre fotojornalismo e fotografia documental.
• Investigar a pré e pós-produção de alguns trabalhos fotográficos.
• Analisar a credibilidade na fotografia digital.
• Estabelecer relações entre o passado e o presente na fotografia.
1.3 METODOLOGIA
1.3.1 Métodos de abordagem
Quanto à abordagem, o contexto até aqui explicitado permite supor que se trata de
diferentes enfoques do conteúdo fotográfico fundamentados em teorias. Nesse
sentido, o método percorrerá o trajeto histórico, examinando o surgimento desses
enfoques como forma concreta de elaboração teórica conceituados em função das
necessidades do tempo. Portanto, a trajetória metodológica se apresenta com um
caráter de pesquisa qualitativa. Valendo-se deste método, traçaremos um caminho de
verificações históricas das autorias de fotos, buscando elucidar as possíveis
fundamentações das posições de cada autor para, em termos de consistência e
22
validade de pensamento, dar conta de suas teorias. A esse respeito a opinião de
Zamboni:
Um dos vários fatores que distingue o artista pesquisador do artista
intuitivo é exatamente a consciência dos parâmetros teóricos em que
está atuando. Toda e qualquer atividade artística se realiza em um
contexo teórico e histórico, no qual a definição do objeto e a
identificação do problema da pesquisa tem de ser inseridas, e será
tanto mais elaborada a pesquisa quanto maior for o grau de
consciência desse fato pelo pesquisador (ZAMBONI, 2006, p. 62).
1.3.2 Métodos de procedimentos
Quanto aos procedimentos, alguns pontos podem ser discernidos neste caminhar:
· Um contato com o que tem sido escrito a respeito do assunto nos últimos
anos.
· Reconstrução dos caminhos históricos, não necessariamente nos detalhes,
mas nos seus eixos de compreensão.
· Elaboração teórica propriamente dita.
· Descrição dos possíveis trabalhos fotográficos e suas intervenções, com uma
ênfase especial na abordagem centrada na percepção da imagem (em sua
inspiração original e nos vários processos de manipulação e adulteração).
· Um olhar crítico sobre os diferentes conceitos .
A proposta desta metodologia é demonstrar através de uma pesquisa, como a junção
da forma e da função estão interligados ao objetivo de discurso, de transmissão de
informação e pensamento das áreas da fotografia acima apontadas, gerando uma fonte
23
de conhecimento desse processo construtivo. Fonte que irá contribuir para o
aprimoramento do saber de fotógrafos, alunos de fotografia, professores,
pesquisadores e estudantes de artes.
24
2 DOS SAIS DE PRATA AOS SENSORES LUMINOSOS
Quando viemos ao mundo, antes mesmo de falar, aprendemos a ver. O nosso primeiro
contato com mundo é através da visão, e com a visão, vamos identificando o que está
à nossa volta: cores, traços e muitos elementos que formam as imagens. Os indivíduos
se relacionam com o que veem nas imagens, de modo a captar e selecionar para si o
que interessa, formando assim, seu conhecimento, sua história e cultura. Jacques
Aumont comenta:
As imagens são feitas para serem vistas, por isso convém dar
destaque ao órgão da visão. O movimento lógico de nossa reflexão
levou-nos a constatar que esse órgão não é um instrumento neutro,
que se contenta em transmitir dados tão fielmente quanto possíveis,
mas, ao contrário, um dos postos avançados do encontro do cérebro
com o mundo: apartir do olho induz, automaticamente, a considerar o
sujeito que utiliza esse olho para olhar uma imagem, a quem
chamaremos, ampliando um pouco a definição habitual do termo, de
espectador ( AUMONT, 1993, p. 77).
A nossa pesquisa analisa a imagem fotográfica, que é um produto gerado pelo
aparelho fotográfico. Isso significa que é preciso um aparato técnico para que ela
aconteça. Técnica essa, que começou com a fixação da imagem com sais de prata e
segue até os dias de hoje, quando a leitura da luz se dá através de sensores digitais que
codificam a luminosidade. Esse processo resulta na imagem fotográfica que é
estudada como mimese ou seja, o espelho do real ou traço do real. Porém, a prática de
“espelhar” o real só é possível através do olhar do sujeito mediante sua interação com
seu tempo e espaço.
25
Em função do tema, é fundamental conceituar o significado correto das palavras
"fotografia" e "real".
Segundo o dicionário Aurélio, o significado técnico da palavra "fotografia" resulta de
dois vocábulos gregos photó, que significa “luz”, e grapho, que significa “escrever”,
“gravar”. Daí a definição: é o registro de imagens gravadas pela ação da luz sobre um
material fotossensível. Este pode ser, como nos primórdios da fotografia, uma placa
iodada, película (filmes) e, mais recentemente, sensores digitais. Quando mencionada,
a expressão “imagens fotográficas” é sempre referente ao resultado produzido por um
aparato técnico, formando, assim, um resultado obtido ou por técnicas analógicas ou
por técnicas digitais.
Já o conceito de “real” refere-se àquilo que existe, fora da mente ou dentro dela
também. Em sua obra “Ser e Tempo” o filósofo alemão Martin Heidegger escreveu:
“A ilusão, a imaginação, embora não esteja expressa na realidade tangível, não nega
a realidade da sua existência enquanto ente imaginário, idealizado.” Arlindo
Machado nos remete a outro filósofo para acrescentar:
Para Platão, existe uma distinção entre aparência (a imagem) e
essência (o real), por isso, afirma que a imagem é ilusão e que ela nos
distancia da verdade. Fundamentados na teoria de Platão, muitos
filósofos da pós-modernidade culparam a imagem eletrônica de uma
“pretensa ‘desrealização’ do mundo visível”, justamente porque não
conseguem pensar a imagem técnica desligada da sua função indicial,
isto é, do seu referente “real”, um discurso que “não admite qualquer
outro destino para as imagens fora dos limites estreitos da mimese”
(MACHADO, 1984, p. 32).
26
Segundo o pesquisador de culturas midiáticas Bruno Costa, o mundo das imagens é
um mundo das aparências, que parecem encobrir o real, muito embora estamos
sempre para desvelá-lo. A esse respeito Costa esclarece:
o apelo ao real parece dar-se através de uma busca por seu
desvelamento, como se ele estivesse encoberto por um mundo de
aparências enganadoras. Esta concepção de real parece incluir, duas
pressuposições. A primeira, de cunho platônico, é o pressuposto de
que estamos presos ao mundo das aparências e as aparências são tão
“reais” que precisamos desvelá-las. Essa posição nos leva à velha
dicotomia metafísica que existe entre o verdadeiro (Ser) e a aparência
– a mera aparência também chamada de “simulacro” por Platão – e
uma segunda aparência que, pelo contrário, seria um modo de fazer
parecer a essência ou o “ser” (COSTA, 2010, p. 9).
A cultura da visibilidade reproduz o mundo; essa reprodução é, em parte, uma
neutralidade do nosso real, pois prestamos mais atenção àquilo que é visível, mas que,
continuamente, não veríamos senão pelo intermédio da técnica dos aparelhos.
Essa visibibidade tem haver com a credibilidade que cada um vê nas imagens
fotográficas. A credibilidade é parte essencial para que o “ser” e “parecer” estejam em
harmonia um com o outro, pois o “parecer” é uma interpreretação do “ser”. No
dicionário Aurélio a palavra “credibilidade” é definido com “ser crível” algo que seja
acreditável.
Para a pedagoga e consultora organizacional Vera Martins (2004, p. 25), “a
credibilidade sempre foi um atributo essencial nos mais diversos tipos de
relacionamentos.” Assim como também na relação fotógrafo e espectador, ou seja, o
referente fotografado e a imagem reproduzida. Ainda citando Martins, ela esclarece:
27
Podemos afirmar que uma pessoa é digna de crédito quando ela
consegue estabelecer relações interpessoais em que o outro se sente
confortável em concordar ou discordar de suas idéias e escolhas. Para
melhor compreensão considere que SER refere-se aos
conhecimentos, habilidades e atitudes pertinentes ao contexto da
interação entre duas pessoas. Quando consideramos o PARECER nos
referimos à interpretação do SER na percepção do outro. Quanto
mais o SER e PARECER estiverem sintonizados e pertinentes ao
objetivo da comunicação maior será a credibilidade daquele que
transmite a mensagem ( MARTINS, 2004, p. 26).
Com base nessas definições, analisaremos a fotografia que, cada vez mais está mais
presente no nosso cotidiano, assim como as imagens que vemos espalhadas por toda
parte.
Mesmo com quase duzentos anos de existência da fotografia, as diferentes teorias
sobre a imagem fotográfica, no que diz respeito à sua legitimação e ao efeito do real,
continuam sendo pauta de quem estuda o assunto mais profundamente.
Desde a pré-história, o homem capta imagens do que vê, pintando em cavernas e,
muitas vezes registra também o que “vê” em sua imaginação, que provoca as crenças,
rituais e suas caças.
A professora e pesquisadora francesa Martine Joly, em seu livro Introdução à Analise
da Imagem, cita que Platão (347a.c.), filósofo e matemático da era clássica da Grécia
Antiga, já estudava as imagens, as sombras e os reflexos nas águas, assim como
28
vemos explicitadas no "Mito da Caverna"1 (JOLY, 1996, p. 7). Seu pupilo, o filósofo
grego Aristóteles (350 a.c.), também mencionava em seus escritos a existência da
câmera obscura (câmera escura), utilizada para observar eclipses solares.
Figura 1: Grande Câmara Obscura em forma de liteira, construida em Roma, 1646 Fonte: Livro de Ilusão Especular, Arlindo Machado.
A câmera obscura, que foi o princípio básico da fotografia, consistia em um cômodo
escuro que por um fenômeno fisico de refração da luz externa enviada por um
pequeno orifício, refletia a imagem externa invertida. Foi usada largamente no
período da Renascença por pintores e desenhistas, que chegaram a aperfeiçoar a
invenção, colocando lentes e espelhos, como descrito por Leonardo da Vinci, cujos
1 O Mito da Caverna, também chamada de Alegoria da Caverna, encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão, que nos aprisiona, através da luz da verdade.
Existem alguns prisioneiros numa caverna, acorrentados nela desde o seu nascimento. Eles estão presos de tal forma que tudo o que veem são sombras projetadas na parede diante deles. As sombras são reflexo de uma fogueira que arde atrás. Como tudo o que os prisioneiros conhecem são as sombras, eles acham que aquela é toda a realidade que existe. Mas, um dia, um deles consegue se soltar e sair da caverna. Lá ele encontra a esplendorosa luz do dia. Ver seu próprio reflexo na água, ver as plantas, as pedras percebendo que tudo é bonito e colorido. Então, ele se sente no dever de descer na caverna e chamar os amigos. Mas, acontece que os habitantes da caverna não querem sair, achando que na caverna está muito bom, sem conhecer de fato o caminho da luz.
29
manuscritos hoje pertencem à Biblioteca Ambrosiana, em Milão (Itália). Arlindo
Machado explica:
Quando as imagens dos objetos iluminados penetram num
compartimento escuro através de um pequeno orifício e se recebem
sobre um papel branco situado a uma certa distância desse orifício,
veem-se no papel, os objetos invertidos com as suas formas e cores
próprias. Leonardo da Vinci. In: Codex Atlanticus.2 (Machado, 1984,
p.18).
Em 1826, o francês Joseph Nicéphore (1765-1833), utilisando-se da câmera obscura,
fazia pesquisas com produtos químicos para fixar imagens fotográficas. No começo,
com um material chamado betume da Judeia, posteriormente, com sais de prata. Foi
porém, o pintor francês Louis Jacques Daguerre (1787-1851) que, em 1839, registrou
sua descoberta que consistia em fixar as imagens fotografadas em uma placa de cobre
com emulsão de iodeto de prata que era sensível à luz. Logo que se espalhou pela
Europa a notícia de que a invenção de Daguerre conseguia imprimir imagens como se
fossem espelho do real, começaram as polêmicas entre pintores e intelectuais da
época que, possivelmente, se viam ameaçados em seus trabalhos artísticos.
Históricamente, a arte da pintura acabava por não ter mais tanto compromisso com a
verdade. Em geral, na ocasião, as obras eram encomendadas, mas quem as
2 Codex Atlanticus ou O Código Atlântico, manuscrito de Leonardo Da Vinci, considerada a obra que reúne a mais ampla variedade de ideias do gênio da Renascença, a obra contém 1.119 páginas. Há diferentes tipos de páginas, algumas apenas escritas e incluindo fábulas e histórias engraçadas pelo escritor, assim como desenhos de engenharia e receitas de culinária. Cf. Don Francesco Braschi, da Biblioteca Ambrosiana de Milão
30
encomendava se negava a ser pintado como realmente era. Por muitas vezes, eram
modificadas à exaustão, até que o seu contratante ficasse satisfeito. Nesse processo
então, a pintura não estava retratando o real. Diferente, pois da fotografia a qual, o
escritor e cineasta André Bazin (1991, p. 56), é a arte de reproduzir fielmente o real,
liberando, assim, as artes plásticas de seu compromisso de reprodução fidedigna.
Com efeito, na fotografia, principalmente nos seus primórdios, quando não havia
ainda a técnica do retoque, a realidade era “retratada” tal como era. Por algum tempo,
permaneceu fixada na teoria de ser a cópia do real, uma vez que o resultado de sua
arte era obtido por intermédio do aparelho fotográfico; portanto, tratava-se de um real
não produzido pelo pincel do artista. O aparelho fotográfico trazia uma visão técnica
realista do que estava à sua frente. Para o estudioso da semiótica Roland Barthes
(1984, p.115) definiu de “isso foi” pois jamais um objeto, uma cena, um referente
fotografado poderia ser negado de que aquilo realmente esteve ali, diferentemente da
pintura. (Barthes, 1984, p.116).
Mesmo nesses primeiros estudos sobre o papel da fotografia na sociedade, havia
pessoas que viam com maus olhos essa técnica. O escritor e romancista francês
Charles Baudelaire (1821-1867), por exemplo, estava entre essas pessoas e chegou a
afirmar que a fotografia iria acabar com a obra de arte, sendo ela um grande mal do
século XIX, como esclarece Dubois (2009, p. 28).
Assim sendo, por décadas e décadas, a fotografia foi vista como algo que registrava a
verdade, pelo fato de não ter interferências da mão do homem, como acontece nos
quadros artísticos. Dessa forma adquiriu credibilidade pelas imagens gravadas. Era
como uma impressão de xerox que reproduz cópias fiéis da realidade presente.
Mas, com o passar do tempo, essa ideia da não interferência humana foi logo
31
superada porque percebeu-se que o homem se utiliza do seu olhar para fotografar;
então, existe uma escolha, se existe uma escolha tem uma interferência. Sobre isso
adverte a pesquisadora e fotógrafa, Vilma Sonaglio:
A fotografia é seu próprio gesto. Fotografias consideram como o
olhar é concebido pelo autor e não o que ele olhou. É o olhar que
molda, que testemunha a fotografia antes da sua materialização. O
ato de criação se transforma na atividade de traduzir e decifrar
possibilidades do olhar (SONAGLIO, 2004, p.175).
Entretanto, foi no período do pós-guerra que os estudos sobre a fotografia começaram
a ter outra dimensão. O cientista e físico Charles Pierce com seus estudos semióticos,3
definiu a fotografia a partir das três categorias de signo, que existem numa ordem de
importância e dependência umas das outras: o ícone, o índice e o símbolo. Diz esse
autor:
O ícone, que é uma representação qualitativa de um objeto; o índice,
que caracteriza um signo que se refere ao significante pela
causalidade ou pela contiguidade (às vezes diferenciado como índex,
como na leitura de Umberto Eco); e o símbolo, cuja relação com o
significante é arbitrária e definida por uma convenção (PIERCE apud
SANTAELLA 2008 p.110).
Com esse entendimento, estudiosos e artistas se preocupavam com o problema da
iconicidade da fotografia, isto é, com o potencial de sua imagem e com o caráter de
seu realismo. O escritor e pesquisador Philippe Dubois baseou-se nas teorias
semióticas de Charles Pierce para relacionar em seus estudos as diferenças entre
3 (semeion, sinal). Na lógica matemática, é a teoria dos símbolos. Teoria geral dos modos de produção, funcionamento e recepção dos diferentes sistemas de signos.
32
ícone, símbolo e índice:
Ícone: A fotografia como espelho do real ( o discurso da mimese). O
efeito de realidade ligado à imagem fotográfica foi, a princípio,
atribuido à semelhança existente entre a foto e seu referente. De
início, a fotografia só é percebida pelo olhar ingênuo como um
"analogon" objetivo do real. Parece mimética por essência.
Símbolo: A fotografia como transformação do real (o discurso do
código e da desconstrução). Logo se manifestou uma reação contra
esse ilusionismo do espelho fotográfico. O princípio de realidade foi
então designado como pura "impressão", um simples "efeito". Com
esforço, tentou-se demonstrar que a imagem fotográfica não é um
espelho neutro, mas um instrumento de transposição, de análise, de
interpretação e até de transformação do real, como a língua, por
exemplo, e assim, também, culturalmente codificada.
Índice: A fotografia como traço de um real (o discurso do índice e da
referência). Por mais útil e necessário que tenha sido, esse
movimento de desconstrução (semiológica) e de denúncia
(ideológica) da impressão de realidade deixa-nos contudo um tanto
insatisfeitos. Algo de singular, que a diferencia dos outros modos de
representação, subsiste, apesar de tudo, na imagem fotográfica: um
sentimento de realidade incontornável do qual não conseguimos nos
livrar, apesar da consciência de todos os códigos que estão em jogo
nela e que se combinaram para a sua elaboração (DUBOIS,2009 p.
26).
Ao prosseguirmos no nosso estudo da imagem fotográfica, analisamos que,
independentemente de um fato histórico, ou de uma cena interessante, a imagem
fotográfica está sempre ligada ao repertório de conhecimento do
fotógrafo/observador. No caso de uma fotografia documental ou de uma fotografia
jornalística, ambas terão traços semelhantes com as referências ali expostas para
serem fotografadas.
33
Barthes, anteriormente referido, afirma que “jamais posso negar que a coisa esteve
lá”. A imagem fotográfica passa a ser como um ícone, pois uma imagem sempre vai
ser diferente do que realmente é na realidade; basta observarmos que, através de uma
câmera, existem limitações que ajudam a nos distanciar do que realmente vemos.
A câmera fotográfica age como um filtro que altera o que é real. Na verdade, existem
diversos fatores para que essas alterações modifiquem o ato fotográfico e a fotografia
como um produto final, como, por exemplo, a lente, com maior ou menor abertura,
incluindo ou excluindo da imagem fotográfica o que o observador determinar. Esse
recorte da cena é um recorte da realidade, que pode mudar toda uma narrativa do
ponto de vista do observador. Ele pode ser intencional ou não. A verdade, porém, é
que esse procedimento altera totalmente a cena a ser fotografada. Nas palavras de
Dubois:
Imagem fotográfica interrompe, para, fixa, imobiliza, separa, descola
a duração, captando apenas um único instante. Espacialmente, do
mesmo modo, fracciona, retira, extrai, isola, capta, recorta uma
porção de extensão (DUBOIS, 2009, p. 179).
A cor na fotografia é outro aspecto a ser considerado. Se ela for obtida em preto e
branco, dará uma outra conotação à imagem fotografada, dando maior expressão de
sentimento a uma ou a outra imagem. As cores também passam por várias
modificações, tanto na fotografia analógica, quanto na digital. A analógica depende
do filme, do tipo de sensibilidade, do fabricante, etc. Também a pós-produção
fotográfica com a revelação dos filmes, os banhos de revelação, com diferentes
produtos químicos dando um ou outro aspecto diferenciado na imagem final.
Todas essas alterações fazem uma grande diferença no resultado de uma imagem
34
fotografada. São muitos os fatores que envolvem a produção fotográfica para que ela
seja representada como um produto final ao gosto do fotógrafo, ou, em muitos casos,
quando se trata de defender interesses, ao gosto de um editor ou à política de uma
mídia ou empresa.
Ainda sobre esse tema, Dubois (2009, p. 180) nos elucida sobre o ato fotográfico com
seu texto o “Golpe de Corte”. Narra que o fotógrafo faz um recorte da realidade, mas
não conta uma história; apenas evidencia um momento. Assim sendo, o espectador
apenas observa algo que ele não viveu, apesar de real.
Por um longo período, a fotografia sofreu pouca evolução, ou seja, as câmeras
ficaram menores, mais leves e mais fáceis de carregar.Apesar da pouca evolução, o
processo de registro de uma película emulsificada e sensível à luz, a revelação em
químicos, a etapa da ampliação desses originais, gerando cópias em papéis,
mantiveram por assim dizer, o sistema que deu forma à fotografia analógica, que se
tornou tradicional. Com efeito era um processo tão mecânico mas que sempre passou
credibilidade; Tanto é que até a década de 1960, a fotografia foi pouco estudada ou
pesquisada.
Segunda Santaella (2008, p. 9), a comunicação dos seres humanos se deu em cinco
grandes eras civilizatórias: “a era da comunicação oral, era da comunicação escrita,
era da comunicação impressa, era da comunicação midiática e a era da comunicação
digital.”
É na era da comunicação digital que a fotografia passa por uma grande transfomação
no que diz respeito à sua forma de registro. O sistema fotoquímico é substituido por
um sensor eletrônico que lê a luminosidade e a transforma em sinais digitalizados, ou
seja, convertem a luminosidade em pontos (pixels) para serem gravadas e lidas em
35
forma de valores numéricos. Aos milhares esses pixels formam as imagens digitais.
Quanto mais pixels tem uma imagem, melhor a definição das imagens fotografadas.
Em contrapartida, na sociedade contemporânea a fotografia perde parte de sua
credibilidade. Com efeito, as imagens fotografadas puderam ser adulteradas com
muita facilidade, perdendo, assim, a noção de veracidade do seu referencial. Tal
facilidade, então, possibilita em uma imagem fotográfica acrescentar ou retirar
elementos de uma cena fotografada, como afirma o André Rouillé:
Do universo analógico ao universo digital, a passagem não é
simplesmente técnica; ela atinge a própria natureza da fotografia. A
ponto de não ser certo que a “fotografia digital” continue sendo
fotografia ( …). Ora, no caso da imagem tirada com a ajuda de um
aparelho digital, a etapa dos sais de prata desapareceu totalmente e,
com ela, os aspectos técnicos e estéticos da fotografia, assim como
seus modos de circulação, suas relações com o mundo e as coisas, e
seu regime de verdade (ROUILLÉ, 2009, p. 452).
A fotografia digital profissional, ou mais elaborada, também passa por um processo
de pós-produção, softwares, calibragens de cor, ajustes de monitores, entre outros
processos e equipamentos, até a finalização de uma imagem. De igual modo, é
possível com o recurso de arquivos fotográficos originais, suas sequências, deixar
evidente se uma fotografia foi alterada ou não, através de seus metadados, que são
códigos do registro original. Esses códigos ficam gravados com o arquivo gerado
junto com a imagem fotografada, de forma que, informações armazenadas irão ajudar
em caso de roubo de autoria, de adulterações, de fraudes e invasões.
Contudo, em 1960, o filósofo e educador Marshall McLuhan já previa em seu livro
Os Meios de Comunicação como extensão do homem – servindo-se de uma analogia –
que uma caneta podia ser a extensão do braço dos indivíduos, o mesmo se passa com
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uma folha de papel tornando-se uma extensão da memória. Disse ele:
o meio é a mensagem e que as consequências sociais e pessoais de
qualquer meio constituem o resultado do novo estalão introduzido
em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós
mesmos (MCLUHAN, 2005, p. 21).
Com a era da tecnologia avançada, notamos que isso parece um prenúncio do que se
passa com o computador em nossas vidas. Nota-se hoje que ele facilmente se tornou a
extensão dos indivíduos. Assim sendo, logo percebemos que, a qualquer lugar que se
vá, os indivíduos estão interagindo4 com computadores, notebooks ou tablets.
Estamos nos tornando dependentes dessa tecnologia, uma vez que nosso trabalho,
nosso lazer, e até nosso convívio social, estão intimamente ligados a essa estrutura.
McLuhan confirma:
[...] a reestruturação da associação e do trabalho humanos foi
moldada pela técnica de fragmentação, que constitui a essência da
tecnologia da máquina. O oposto é que constitui a essência da
tecnologia da automação. Ela é integral e descentralizadora, em
profundidade, assim como a máquina era centralizadora e superficial
na estruturação das relações humanas (MCLUHAN, 2005, p. 21).
Com toda essa relação de dependência homem/computador, vemos que existem três
categorias de imagens a ser diferenciadas na era tecnológica; a primeira é a fotografia
digital e sua expressão como espelho do real ou traço do que se foi; a segunda está
intrínsecamente ligada aos meios midiáticos na comunicação, bem próximo do que foi
4 Interação quer dizer que o observador se torna mais do que um espectador; ele se torna um interator: tem a possibilidade de agir sobre a obra, introduzir sua própria presença na presença da obra. Assim, vai-se encontrar a presença do autor. Sem presença, não existe interação (Couchot, 2003, p.47).
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citado por McLuhuan, que são a propaganda e a publicidade que se apoiam em uma
linguagem escrita que nos chegam de todas as formas; por fim, a terceiro, que é a
imagem com a qual interagimos desde quando ligamos um computador, a imagem da
tela, nos serviços gerais como agendas, calendários, o tocador de música, bancos
virtuais, etc. Dessa maneira, o historiador e pesquisador, conhecido por suas pesquisas
sôbre a arte numérica, Edmond Couchot (2003, p. 102) nos orienta quando diz que
elaborou uma análise dessas tecnologias usando essas três características
principais:
A primeira delas compara a imagem digital à fotográfica, definindo
aquela como uma simulação do real, enquanto esta seria uma
reprodução óptica; a segunda característica da imagem digital, se
refere à sua relação com a linguagem e, finalmente, a terceira, seria
seu modo conversacional ou interativo (COUCHOT, 2003, p. 87).
Couchot (2003, p. 88) também nos afirma que “ Este aspecto, essência da diferença
entre a imagem fotográfica e a imagem digital, permite a esta última ser livre de
suporte. Isto possibilita, por exemplo, a visualização de softwares em rede, com
pessoas visualizando simultaneamente a mesma imagem digital.” Outro aspecto da
fotografia digital é que milhares de pessoas podem estar vendo uma mesma imagem
fotográfica ao mesmo tempo nos mais diferentes lugares do mundo.
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3 FOTOGRAFIA JORNALÍSTICA
Outro fato nos faz pensar a fotografia como expressão da realidade: as fotografias
jornalísticas, mais conhecidas como fotojornalismo.
Foi por volta de 1880 que a fotografia começou a ser veiculada em revistas como
ilustração. No jornalismo, entretanto, foi somente em 1904, quando o jornal inglês
Daily Mirror imprimiu a primeira fotografia como parte de uma matéria. Com isso,
ocasionou uma enorme mudança no jornalismo diário. A resposta do público leitor foi
imediata, pois aumentou consideravelmente a credibilidade dos assuntos pautados
pelos jornais daquela época. Foi, então, que se deu o crescimento da profissão de
repórter fotográfico.
É difícil de precisar a noção exata do que é fotojornalismo, porque a profissão tem
diversos caracteres, e tem uma gama de interpretações muito difusa. Desse modo, a
melhor definição está sob a ótica de Pedro Jorge Sousa que diz:
Fotojornalismo (lato sensu). No sentido lato, entendemos por
fotojornalismo a atividade de realização de fotografias informativas,
interpretativas, documentais ou ilustrativas para a imprensa ou outros
projetos editoriais ligados à produção de informação da atualidade.
Nesse sentido, a atividade caracteriza-se mais pela finalidade, pela
intenção e não tanto pelo produto.
Fotojornalismo (stricto sensu). No sentido restrito, entendemos por
fotojornalismo a atividade que pode visar, informar, contextualizar,
oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar ponto de vista,
opinar, através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de
assuntos de interesse jornalístico (SOUSA, 1998, p.15).
39
Na atividade fotojornalística, a imagem fotográfica tende a reforçar o que o texto está
informando. Ela traz maior veracidade e ajuda a causar um impacto maior, dando,
assim, mais ênfase a um ou outro assunto; ela trabalha com a visão de testemunha;
tem a ação de intermediar entre o homem e o mundo, por isso, é uma importante
ferramenta para o jornalismo. Porém, o texto pode alterar completamente o sentido da
fotografia, razão pela qual a sua relação com a realidade é discutível. Na sequência
abaixo, uma amostra de foto jornalismo.
Figura 2: Fotógrafo surpreende o guerrilheiro. James Nachtwey. Kosovo,1981. Fonte: Site: James Nachtwey.
40
Figura 3: Momento em que o soldado é alvejado por bala. Robert Capa. Serro Muriano, 1932. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
Para Susan Sontag, em seus ensaios sobre fotografia, “fotografar é atribuir
importância”. (SONTAG, 2002, p.38). As imagens fotojornalísticas se vinculam à
instantaneidade, atualidade e notícia. Para o fotojornalismo diário, o profissional
nunca sabe ao certo o que vai fotografar. Normalmente ele passa por situações
inusitadas onde o improviso é sempre uma constante. O profissional tem que
enquadrar muito bem a imagem que pretende fazer, pois essa imagem é única; não se
repete mais. Mesmo fotografando inúmeras vezes e cenas parecidas, é provável que a
fotografia a ser publicada será somente uma; é nessa imagem fotográfica que terá que
conter toda a verdade do assunto em pauta.
Barthes, (1984, p. 65), classificou a fotografia jornalística como sendo “fotografias
unárias”, pois são fotos únicas, que falam por si só, relatam os fatos por completo,
sem sequer precisar de texto.
O mesmo não acontece nas revistas de publicação semanal; conforme o seu perfil as
41
fotos são mais elaboradas. Em cada matéria podem ser publicadas três ou mais
fotografias. Por vezes, é feita até uma pequena pré-produção antes do ato fotográfico,
como, por exemplo, maquiagem, luzes dirigidas e panos de fundo.
As características individuais do ser humano fazem com que cada fotógrafo tenha seu
modo de ver e narrar uma história. Como um escritor, o jornalista tem uma forma de
“escrever” que lhe é única e pessoal; como se fosse uma assinatura. Com a imagem
fotográfica acontece o mesmo; os fotógrafos têm ângulos, lentes e outros
equipamentos de sua preferência que deixam a imagem como um rastro de seu modo
de ver e perceber as coisas. Nesse sentido, é o que cita o fotógrafo francês Raymond
Depardon, “La signature d´un regard est un affaire intime” , ou seja, “A assinatura
de um olhar é um questão intima”.
Porém, em se tratando de realidade da era digital, no fotojornalismo não tem melhor
exemplo de realismo do que o triste fato que aconteceu em Madrid. Dia 11 de março
de 2004 houve um atentado à bomba no trem que ia em direção da cidade espanhola
de Atocha. O cruel ataque terrorista feriu cerca de 1.400 pessoas e matou outras 190.
Como não podia deixar de ser, foi destaque nos jornais do mundo inteiro.
O fotógrafo Pablo Torres Guerrero, que, no momento da tragédia passava pelo local,
registrou o ocorrido antes mesmo que o socorro chegasse. Registrou, então, os
próprios passageiros, socorrendo uns aos outros, imagens essas que rapidamente
chegaram às redações do mundo inteiro, como as primeiras fotos do atentado.
Foi interessante o que se sucedeu a partir disso, porque cada jornal resolveu editar a
foto de uma maneira. No canto esquerda da fotografia, por exemplo, parecia haver um
42
pedaço de carne humana, supostamente parte de um corpo de alguma vítima do
acidente. O primeiro jornal a dar a notícia foi o tradicional e conceituado jornal
espanhol El Pais, que publicou a fotografia sem alterações. No Brasil, o jornal Folha
de S.Paulo também fez o mesmo. Já o Jornal do Brasil eliminou o pedaço de carne
da imagem fotográfica, como fizeram outros periódicos no mundo. Todavia, como as
notícias se espalharam rápidamente pela internet, o fato de ter sido alterada a
realidade, provocou uma polêmica sobre a credibilidade do fotojornalismo atual.
Como podemos ver e comparar nas imagens abaixo:
Comparação de uma mesma fotografia, publicada por jornais diferentes. Figura 4: Imagem publicada na íntegra, pelo jornal espanhol EL Pais, 2004. Figura 5: A mesma imagem, já com alteração publicada pelo Jornal do Brasil, 2004. Fonte: Site: Google Image.
O que antes acontecia com sigilo nas redações de revista e jornais, atualmente não
tem mais como esconder. Tudo vem à tona. Essa é uma forma de perceber com maior
clareza, que, apesar da facilidade de adulterações, existe uma dificuldade em não
demostrar os fatos como eles acontederam de verdade. Com efeito todo mundo passou
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a fotografar a mesma coisa e também passou a existir uma quantidade de veiculação
da mesma matéria jornalística, divulgando as mesmas imagens. Nesse sentido, torna-
se muito mais fácil detectar uma distorção ou simulação de fatos verídicos.
Baudrillard nos chama à atenção para essa ruptura da realidade através da simulação:
A partir do momento em que vivemos no tempo real, em que os
acontecimentos desfilam como num “traveling”, o tempo de reflexão
sofre um curto-circuito. A tela quebrou a distância entre o
acontecimento o fato e a percepção (...) Com isso, comete-se uma
violência com essas imagens de violência. Acreditar que as imagens
possam testemunhar uma realidade é nutrir uma ilusão. A informação
é uma zona fria que se recebe como tal. A imagem é uma
representação além do real. É um objeto precioso quando nos damos
conta desse déficit de realidade, quando é ao mesmo tempo presença
e ausência (BAUDRILLARD, 1991, p. 31).
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4 FOTOGRAFIA DOCUMENTAL
Diferentemente da fotografia jornalística, a fotografia documental permite ao
fotógrafo ter mais liberdade para mostrar melhor o seu “olhar;” pode dirigir as cenas,
e as pessoas envolvidas montam a composição das fotos. Nem por isso, entretanto, a
fotografia documental deixa de mostrar uma realidade; ela é apenas mais trabalhada
para dar total veracidade ao que se deseja introduzir numa narrativa.
Como de hábito, essa espécie de registro fotográfico é formada por um conjunto de
imagens, editadas sob uma estética, de forma a dar um sentido de narrativa ao
espectador. Com esssa característica, ela conta uma história com começo, meio e fim.
Desse modo, leva a cada apreciador o sentido de interpretação.
O economista Sebastião Salgado abraçou o universo da fotografia e, em pouco tempo,
tornou-se um prestigiado fotógrafo. Fotografando sempre em branco e preto, e
realizando reportagens sobre a condição humana e social, costuma dedicar meses ou
até anos para desenvolver um mesmo tema. A seguir, alguns exemplos de seu
trabalho.
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Figura 6: Fotógrafo faz fotografias inéditas denunciando fome e pobreza extrema. Sebastião Salgado. Tigre, 1986. Fonte: Site: Foto&Jornalismo.
Figura 7: Fotógrafo faz fotografias inéditas denunciando fome e pobreza extrema. Sebastião Salgado. Etiópia, 1985. Fonte: Site: Foto&Jornalismo.
Na maioria das vezes, a fotografia documental é previamente estudada, pensada, e
elaborada sob forma de pesquisa; visa uma pequena produção e, por vezes,
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necessitando de equipamentos especiais para que seu resultado saia a contento. Em
geral, são imagens feitas com mais tempo, sem o compromisso com o aqui e agora.
Trata-se de recursos para que as possibilidades narrativas que ela contém se
apresentem como construtora de sentido. A esse respeito, o depoimento de Schaeffer:
Uma obra fotográfica bem-sucedida não se limita necessariamente a
nos fazer ver. Com frequência, ela também nos faz pensar [...].Não
nos surpreenderemos, portanto, ao descobrir que o ingresso da
fotografia nos arcanos da arte fez ranger as engrenagens bem
lubrificadas do pensamento estético (SCHAEFFER, 2000 p.137).
Tanto os trabalhos de fotojornalismo como os de foto documental – hoje são
praticamente todos digitais, embora tenha uma pequena parcela de profissionais que
ainda trabalham com câmeras analógicas – também passam por um processo de pós-
produção. Esse processo utiliza softwares de tratamento e novos recortes; incluem ou
excluem algum item da cena; seus tons e cores são modificados. No final, o resultado
acaba sendo um tanto diferente em relação à cena primeira, que foi recortada apenas
pelo clique fotográfico. Esse é o momento que leva a se fazer a maioria das
indagações sobre o que é real, ou o que não é real em uma imagem fotográfica, ou
seja, se a imagem obtida corresponde ou não à realidade que se encontra diante do
fotógrafo.
De acordo com Dubois (2009 p.60), “todo dispositivo tecnológico pode, com seus
próprios meios, jogar com a dialética entre a semelhança e a dessemelhança, analogia
e desfiguração, forma e informe.”
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Embora com o uso da tecnologia se altere mais facilmente uma imagem, nota-se,
entretanto, com facilidade o que o fotógrafo está querendo informar com aquela
alteração da realidade. Acontece que a verdade da imagem fotográfica está em cada
pessoa, fotógrafo ou não, envolvido ou não, com uma mídia impressa, desde que seja
ético e honesto, no seu compromisso com a verdade.
O fotógrafo pode mesmo editar a fotografia, tirando ou colocando algo em que esteja
querendo evidenciar como verdade no contexto de uma narrativa que está sendo
construida; sempre, porém, a serviço da autenticidade. Nesse sentido, a pertinência da
famosa frase do fotógrafo e sociólogo americano Lewis Hine ao afirmar: “Embora as
fotografias não possam mentir, os mentirosos podem fotografar”.
O professor português Jorge Pedro Sousa realizou estudos analíticos sobre jornalismo
e foto documental e acredita que:
A alteração digital de fotografias jornalísticas, que apesar de as novas
tecnologias trazerem vantagens incontestáveis no que diz respeito à
qualidade da imagem, à expressividade e à capacidade de se vencer o
tempo e o espaço com maior rapidez e comodidade, as questões
ligadas à geração e manipulação digital de imagens são talvez das
mais relevantes para o fotojornalismo atual, especificamente no que
diz respeito à ética e à deontologia profissionais. Inclusivamente, a
tecnologia digital da imagem está a ter cada vez maior utilização e é
provável que venha a suplantar a fotografia tradicional, coisa que
possivelmente, afetará a nossa percepção do mundo, os processos de
geração de sentidos e , portanto, o processo de construção social da
realidade (SOUSA, 1998, p.43).
Em aspectos gerais, a fotografia, qualquer que seja a sua especificidade, não serve
apenas ao conteúdo de um projeto. A imagem fotográfica é também contemplativa,
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voltada para o prazer visual. No mais, ela tem uma validade atemporal e não tem um
papel importante em uma narrativa do ponto de vista cronológico. Uma fotografia
pode ser observada sozinha ou em outros contextos, ampliando, dessa maneira, uma
vasta gama de interpretações.
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5 FOTOGRAFIA AUTORAL
A arte de fotografar herdou, nos primórdios do século XIX, a estética já pré
estabelecida das pinturas do modernismo. Assim que as técnicas de revelação dos
filmes e o campo da ótica foram se desenvolvendo com uma linguagem própria e
com maor aprimoramento, essa arte passou a produzir a chamada fotografia artística.
As pessoas reuniam famílias, vestiam suas melhores roupas e, tal como era feito com
as pinturas encomendadas pelos nobres, a fotografia seguia os mesmos passos
daqueles tempos de nobreza. Porém, com uma forma de retratar muito mais fiel à
realidade, diferentemente do que acontecia com as pinturas. Por esse motivo,
transmitia maior credibilidade ao fato ou à pessoa que era retratada. A esse respeito,
Boris Kossoy:
Desde o seu surgimento e ao longo de sua trajetória, até os nossos
dias, a fotografia tem sido aceita e utilizada como prova definitiva,
testemunho da verdade do fato ou dos fatos. Graças à sua natureza
fisicoquímica, e hoje eletrônica de registrar aspectos (selecionados)
do real, tal como estes fatos se parecem, a fotografia ganhou elevado
status de credibilidade (KOSSOY 1989, p. 18).
Essa fidelidade ao real não exclui possiveis alterações. Com efeito, os fotógrafos,
mesmo no início da história da fotografia, desenvolveram técnicas de retoques a mão
para melhorar uma ou outra fisionomia que, por vezes, não era de natureza tão
privilegiada.
A arte de fotografar logo se disseminou e os fotógrafos começaram a não mais fazer
somente fotos posadas, fotos paradas, ou da natureza. As fotografias então,
50
começaram a ganhar movimento, a registrar pessoas nos seus afazeres cotidianos ou
fixar cenas inusitadas.
O artista plástico Eugéne Atget (1857-1927, por exemplo, tornou-se fotógrafo apenas
para documentar cenas para seus amigos pintarem; inovou em fotografar as ruas de
Paris, de manhã ou em horários que a cidade estava deserta. E foi severamente
criticada na época. Suas imagens eram comparadas a imagens fúnebres, sem vida e
sinistras. Walter Benjamim se manifesta a esse rspeito:
Porém quando o homem se retira da fotografia, o valor de exposição
supera pela primeira vez o valor do culto. O mérito inexcedível de
Atget é ter radicalizado esse processo ao fotografar as ruas de Paris,
desertas de homens, por volta de 1900 (…). Elas inquietam o
observador, que sente que deve seguir um caminho definido para se
aproximar delas (BENJAMIN, 1985, p 175).
Seguindo os passos de Atget – tão inovador na sua época – com o passar do tempo
essa atitude se tornou comum. Os fotógrafos com um olhar mais apurado, com a
intenção de obter boas fotografias, mesmo de cenas corriqueiras, saem com seu
equipamentos e tentam por meios de observação captar uma imagem externa que
condiz com seu pensamento interno. O fotógrafo atento, muitas vezes antevê um
acontecimento segundos antes de ele realmente acontecer. Esse misto de atenção e
concentração faz de sua obra um trabalho diferenciado, um trabalho que teve autoria,
e faz do autor um fotógrafo autoral.
Para o já citado Roland Barthes (1984, p.32), o mundo é o mesmo; não há alteração
nenhuma em sua natureza física; o que muda, porém, são os novos conceitos em
51
relação a ele. Trata-se de uma maneira de enxergar mais atentamente, algo que nos
parece comum à primeira vista pode não ser muito bem compreendida pelo
observador; este deve parar e observar melhor; isso faz com que o comportamento de
quem observa uma imagem também comece a se modificar pela interpretação do
olhar.
O conteúdo estético da fotografia é de extrema importância, e seus
elementos enaltecem a criação, a interpretação e a apreensão do
emissor e do receptor da imagem fotográfica, gerando diversas
leituras (…) “de qualquer modo, há tantas leituras de uma mesma
face” (…) (BARTHES, 1984, p. 28).
Esse autor definiu a imagem fotográfica como que possuindo dois tipos de
mensagem: uma denotativa e outra conotativa. A denotativa se manifesta com uma
linguagem mais direta; ao apreciarmos uma imagem, logo percebemos qual
mensagem está implícita na foto; ela é óbvia. Na mensagem conotativa a imagem não
revela de imediato a mensagem que o autor pretendeu transmitir através dela; é uma
forma mais interpretativa, mais obtusa ao olhar de outros.
Na fotografia autoral o observador é provocado a exercitar-se mentalmente ao ver o
mundo lá fora, diferente do que ele realmente é. As cenas no universo são coloridas,
mas no universo fotográfico elas podem apresentar-se em preto e branco ou cinzentas;
podem ser desproporcionais, econômicas ou exageradas. Com essas características, as
cenas são teóricas a respeito do mundo. A ausência ou a presença total de luz, a
instabilidade ou o equilíbrio são situações limite no sentido de fazer pensar e, às vezes
fazer olhar uma, duas ou três vezes; a cada olhar, há algo novo a ser acrescentado.
52
Para o filósofo Vilém Flusser (1988, p.7) a imagem fotográfica pode ser somente
conotativa. Todavia, partindo do pressuposto de que todas as imagens são superfícies
que pretendem representar algo, para esse autor tudo vai depender da intensidade do
olhar. Seu ponto de vista:
Ao circular pela superfície, o olhar tende a voltar sempre para
elementos preferenciais. Tais elementos passam a ser centrais,
portadores preferenciais do significado. Deste modo, o olhar vai
estabelecendo relações significativas (FLUSSER, 1988, p.8).
Quando alguém fotografa, é porque quer mostrar alguma coisa. A fotografia que faz
pensar pode passar ou não por várias transformações para ajudar o receptor a
interpretar a intenção do autor. Por outro lado, a fotografia em cor transmite, por
vezes, mais objetividade, já que enxergamos também colorido; mas pode-se carregar
em uma ou outra cor para dar mais impacto ou suavizar algo. Todavia a fotografia que
causa maior impacto e que transmite as subjetividades é a fotografia em preto e
branco. Destacando conceitos, Flusser ensina:
As fotografias em preto e branco são a magia do pensamento teórico,
conceitual, e é precisamente nisto que reside seu fascínio. Revelam a
beleza do pensamento conceitual abstrato. Muitos fotógrafos
preferem fotografar em preto e branco, porque tais fotografias
mostram o verdadeiro significado dos símbolos fotográficos: o
universo dos conceitos (FLUSSER, 1998 p. 45).
Fotografar sempre foi um ato solitário, decisão do próprio fotógrafo, dependendo,
assim, dos seus anseios e de sua vivência sociocultural.
53
Dessa maneira, ao observar uma imagem fotográfica, o individuo vai interpretá-la
também segundo suas experiências de vida, compreendendo mais ou menos a
intenção que o fotógrafo queria transmitir com aquela imagem.
A intenção de fotografar sempre é transmitir um acontecimento, um fato, ou um
evento. Recortando parte de uma realidade e excluindo tudo mais que está a sua volta
a pessoa que fotografa faz com que o observador fique a imaginar o que mais estaria
ao seu redor, construindo, então, uma outra percepção imagética sobre a cena
fotografada.
É no enquadramento, no recorte de uma cena que o fotógrafo conta somente o que
quer dizer ou mostrar. Incluindo ou excluindo elementos, pode mudar totalmente a
intenção de uma fotografia. A esse respeito, a opinião de Machado:
Da mesma forma como o recorte efetuado pelo quadro pressupõe
uma escolha e uma intenção que se materializa no resultado, outra
opção ideológica da mesma natureza vai ocorrer na determinação do
ângulo de tomada, ou seja, na posição que o olho/sujeito ocupa em
relação ao objeto fotografado (MACHADO, 2005, p.102).
É com recursos como enquadramentos e ângulos diferentes que uma imagem pode
obter expressões mais dramáticas ou artísticas em uma cena. Na fotografia de
Rodchenko, logo nas primeiras décadas do século XX, observamos que ele inovou
com um olhar bastante criativo, tornando, assim, as suas fotografias imagens mais
impactantes e artísticas.
A arte de fotografar consiste em empregar diferentes efeitos para transmitir ao
observador uma diferente atmosfera dentro de uma mesma cena. Gerando
54
dramaticidade, criando atmosfera de sonhos ou apenas mudando a direção de uma luz,
transformando uma imagem que foi fotografada em cor para preto e branco ou até
mesmo uma aberração cromática dando ênfase a uma atmosfera mais irreal. Neste
contexto, Kossoy afirma:
Na imagem fotográfica encontram-se, indissociavelmente
incorporados, componentes de ordem material que são os recursos
técnicos, químicos ou eletrônicos, indispensáveis para a
materialização da fotografia, e os de ordem imaterial, que são os
mentais e os culturais (Boris Kossoy, 1989, p. 27).
Pode acontecer que, para uma fotografia, não se usa só técnica ou acessórios para a
câmera; às vezes, quando fixamos uma imagem com um “clique”, selecionamos um
momento que não se teve tempo de observar melhor.
Com todas essas técnicas a fotografia é a assinatura do olhar de quem a fez, tornando,
assim, fotografias autorais ou fotografia de autor, como é o caso das imagens de
Cartier-Bresson.
Os fotógrafos autorais costumam registrar cenas comuns sob uma ótica diferente,
partindo de sua interpretação, tornando suas imagens diferentes do usual mesmo
reconhecendo um lugar ou uma pessoa por ele fotografado.
Aumont (1993, p.67) nos diz que a fotografia tida como artística começou de
maneiras diferentes em diferentes lugares. Nos Estados Unidos, Lewis Hine sempre
fotografou paisagens como cenário principal. Já na Europa, os fotógrafos autorais
tinham uma preferência em retratar pessoas nos seus afazeres do dia-a-dia, como
faziam Bresson e Doisneau, para citar aqui apenas os mais conhecidos.
55
O estilo de fotografar que vinha da Rússia, na primeira metade do século XX, em
plena era do construtivismo, socialista russo, as imagens de pessoas eram quase
sempre posadas; havia muitas fotografias de objetos, principalmente industriais.
Existem inúmeros fotógrafos que têm ou tiveram trabalhos marcantes relacionados
com o presente estudo. Para ilustrar a análise da fotografia autoral foram selecionados
alguns deles em função de suas obras que revelaram o seu mundo particular de forma
inovadora. São trabalhos que levam ao espectador um maior dinamismo de raciocínio,
uma retrospecção de seu passado, ou transporta-o para situações criativas, que saem
do habitual e, por vezes, quebrando paradigmas; por isso, surpreendente e
interpelativos.
Já no começo do século XX, alguns fotógrafos, ao explorar diferentes ângulos de uma
cena, aproveitavam melhor as linhas de objetos contidos nessa mesma cena, para criar
uma maior dinamismo e movimento; a ideia era que os objetos, as pessoas, ou os
motivos que eram fotografados não saissem com uma aparência de estagnação.
Como teoriza Aumont (1993, p. 69) sobre a percepção da forma nos estudos da
Gestalt,5 “ao invés da informação bidimensional sempre presente as imagens
possibilitam a percepção de uma realidade tridimensional, se estiver sido
cuidadosamente construída.”
5 A teoria da Gestalt, extraída de uma rigorosa experimentação, vai sugerir uma resposta ao porquê de umas formas agradarem mais e outras não. Esta maneira de abordar o assunto vem opor-se ao subjetivismo, pois a psicologia da forma se apoia na fisiologia do sistema nervoso, quando procura explicar a relação sujeito-objeto no campo da percepção. (Gomes Filho, 2008, p. 19).
56
Para o pintor e estudioso Wassily Kandinsky (2005, p.50), a linha representa um
dos elementos fundamentais na prática artística em geral. Funciona como um
dos fatores que possibilitam a interação entre a fotografia e atividades
diferentes como artes plásticas, design e cinema, cada uma com seu código
próprio.
Aleksandr Rodchenko6 fotografou a partir de diferentes pontos de vista totalmente
inusitados para a sua época. Com isso, podemos notar um maior dinamismo em suas
imagens a tal ponto que é necessária uma reestruturação da forma de enxergar a
fotografia. Imagens simples do cotidiano ganham nova interpretação e dimensão.
Como o próprio Rodchenko nos afirma:
A fim de ensinar o homem a ver de uma nova forma é necessário fotografar objetos ordinários e familiares em posições e pontos de vista totalmente imprevistos; e fotografar novos objetos a partir de diversos pontos de vista para dar ao espectador uma impressão completa do objeto (Rodchenko, 1996, p.38).
6 Aleksandr Mikhailovich Rodchenko (1891-1956), foi um artista plástico, escultor, fotógrafo e designer gráfico russo, um dos fundadores do construtivismo russo e design moderno russo. Sua fotografia era socialmente engajada, inovadora, e oposta ao retrato estético da época. Fotografou frequentemente seus assuntos em ângulos ímpares, geralmente muito de acima de ou abaixo - para chocar o espectador. (cf. www. pt.wikipedia.org acesso em: 21jul.2010).
57
Figura 8: Fotografia em diferente ângulo e grafismo. Aleksandr Rodchenko: Garota com a câmera Leica. Budapest, 1925. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
Figura 9: Fotografia explorando ângulo diferente. Aleksandr Rodchenko. London, 1932. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
58
Assim podemos observar na Figura 8 e na Figura 9, um bom exemplo de composição
linear, cujas imagens nos convidam a sair de uma visão comum; um modo de ver que
não é o ordinário e nos convida a mergulhar dentro da imagem, dentro da cena,
forçando-nos a um olhar mais demorado; explorando, portanto, melhor os elementos
da fotografia.
Figura 10: Fotografia em ângulo superior. Aleksandr Rodchenko. Moscow, 1928. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
Conforme Machado (2005, p.121), “as fotografias que hoje dificilmente estariam
inseridas nos meios de comunicação de massa, com uma comunicação e linguagem
diretas e muito claras, precisam de tempo de observação e absorção de detalhes.” A
idéia fundamental do processo de concepção desse tipo de imagem é concebida
conceitualmente antes de qualquer coisa.
59
Do ponto de vista da cronologia, a fotografia autoral marcou a fotografia artística das
primeiras décadas. A França, por exemplo, contribuía para a arte na fotografia com
nomes que mais impressionaram a arte de fotografar: Henri Cartier-Bresson e Robert
Doisneau. O testemunho de Soulage:
Para Cartier-Bresson, fotografar consiste em captar um
acontecimento característico de uma coisa, de um ser ou de uma
situação, ou melhor o “Acontecimento” característico. Para isso, o
fotógrafo deveria colocar-se à procura como um caçador: “Eu andava
o dia inteiro, a mente tensa, buscando nas ruas tirar ao vivo fotos
como flagrantes delito” (SOULAGES, 2010, p.39).
Na verdade, o próprio Bresson foi quem criou a expressão e o conceito de “fotografia
de autor”. Dentro desse conceito, o interesse era observar as pessoas no seu cotidiano
e nas circunstâncias excepcionais da vida.
60
Figura 11: Garoto com as garrafas de vinho. Henri Cartier-Bresson, Paris, 1945. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
Figura 12: Composição fotográfica incluindo policial francês. Robert Doisneau. Hells. Paris, 1966. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
61
O fotógrafo autoral prova que o resultado da arte fotográfica não está na câmera
fotográfica, mas, sim, no seu olhar que, de forma subjetiva, capta determinados
momentos do cotidiano.
Como afirma Sontag (2002, p.94), “a fotografia é uma obra de arte instantânea que
mostra a qualquer observador, a qualquer amante da arte, o prazer de apreciar e
contemplar as diferentes paisagens, de forma parecida como se aprecia na pintura”.
Entender a fotografia como arte é um convite do fotógrafo a qualquer observador,para
que suas imagens sejas interpretadas, compreendidas e admiradas como obra de arte.
Exemplo dessa admiração é registrado no seguinte acontecimento: em meados de
1950, o fotógrafo Doisneau recebeu uma encomenda da revista americana Life para
ilustrar uma reportagem sobre jovens apaixonados em Paris. Foi quando Doisneau
conheceu jovens namorados, que cursavam teatro, tomando um lanche em um Café
de Paris. Sendo assim, convidou-os para posar, fazendo uma cena de beijo, o que eles
prontamente aceitaram. Passado alguns dias, Doisneau lhes enviou a foto de presente.
Trinta anos mais tarde, na década de 1980, a foto começou a circular por livrarias e
circuitos de arte de Paris, tornando-se célebre no mundo. Nessa ocasião, muitas
pessoas começaram a aparecer, pedindo direito de imagem, dizendo-se passar pelos
modelos da foto. Foi então que o próprio Doisneau, em uma entrevista, contou a todos
o segredo que havia guardado por tanto tempo, ou seja, que o beijo havia sido
combinado e a cena toda montada para parecer natural. Em 2005 essa fotografia foi
leiloada por 155 mil euros. Na figura abaixo, a famosa fotografia em questão, “O
Beijo”, de Robert Doisneau:
62
Figura 13: Casal encenando beijo, em frente a prefeitura de Paris. Robert Doisneau. O Beijo. Paris, 1950. Fonte: Site: O Século Prodigioso.
Com esse fato se desfaz mais um mito em torno de fotoreportagens e fotojornalismo,
evidenciando o quanto isso é comum nos jornais e revistas. No dia a dia de um jornal,
tudo ocorre muito diferente, pois o fotógrafo recebe uma pauta, uma encomenda, e a
fotografia tem que aparecer para ser veiculada. Então, artimanhas assim são muito
comuns de acontecer; elas chegam a fazer parte da história do jornalismo diário.
Kossoy nos deixa claro que:
Seja em função de um desejo individual de expressão de seu autor,
seja de comissionamentos específicos que visam uma determinada
aplicação (científica, comercial, educacional, policial, jornalística
etc.), existe sempre uma motivação interior ou exterior, pessoal ou
profissional, para a criação de uma fotografia e aí reside a primeira
opção do fotógrafo, quando este seleciona o assunto em função de
uma determinada finalidade/intencionalidade. Esta motivação influirá
decisivamente na concepção e construção da imagem final
(KOSSOY, 1989, p. 27).
63
6 FOTOGRAFIA CONCEITUAL
A arte conceitual – como o nome já dá a entender – considera que o conceito criado
em uma obra de arte é mais importante do que a própria obra em si. Nela está
embutida uma metáfora, uma concepção, de origem muitas vezes de um valor
histórico, ou de um tema específico. São fatores que servem de base para elaboração
dessa obra, que pode ser de origem pictórica, escultórica ou fotográfica; dessa
maneira, transforma-se algo que seja objetivo em subjetivo; Torna visível o que não é
exatamente aquilo que os olhos estão vendo. A esse respeito:
Os conceitos não significam fenômenos, significam ideias. Decifrar
textos é descobrir as imagens significadas pelos conceitos. A função
dos textos é explicar imagens; a dos conceitos é analisar cenas. Em
outros termos: a escrita é metacódigo da imagem (FLUSSER 1998.
P.10).
Com esse entendimento, é sem dúvida, uma difícil tarefa compreender a arte
contemporânea. É um problema que ocorre sempre e em qualquer época em que surge
um novo movimento artístico. Num primeiro momento, apenas as pessoas do meio
artístico, os intelectuais e os pesquisadores do assunto sabem interpretá-la. Porém, o
público, de uma maneira geral, demora um pouco mais para compreender e até aceitar
as novas tendências da arte. Entretanto, foi no começo do século XX que a arte
rompeu com as formas pictóricas e figurativas para se tornar mais representativa.
64
Conforme esclarece Dubois (2005, p.254), como exemplo desse rompimento observa-
se na arte a importância dos “Ready-Made7”, de Marchel Duchamp, e as obras de
Picasso e Braque na França, entre tantos outros que, com o cubismo, influenciaram a
criação da fotografia artística e conceitual do século XX.
Para delinear as circunstância desse periodo, o escritor espanhol Ángel Escárzaga
escreveu em seu livro Claves secretas de las vanguardias artísticas, que o intelectual
desse início de século não se contentava em ver as coisas como eram, mas em dar a
volta para ver o que as coisas tinham por trás.
A aristocracia de dinheiro, em parceria com a criatividade, provocou, mesmo
involuntariamente, uma forma de esnobismo intelectual. A grande aventura da
vanguarda artística e marchand começou em Paris, em tempo frenético e que
permeava as duas grandes guerras mundiais. Multimilionários americanos iam a Paris
para gastar seu dinheiro na elegância e no talento que irradiavam as casas de moda, os
salões de beleza, as joalherias e galerias de arte.
Em questão de elegância, o chique era adquirir joias de Cartier, vestir as senhoras com
os conceituados estilistas Poiret e Coco Chanel e reprimir o desejo pequeno-burguês
de ir ao último andar da Torre Eiffel, ou adquirir obras de arte moderna nas galerias
parisienses.
Escárzaga (1998) questionava o porquê de multimilionários americanos que
complicavam sua vida se interessando por desconhecidas artes contemporâneas, sendo
7 Marchel Duchamp foi o responsável pelo conceito de “ready made”. Basicamente é o transporte de um elemento da vida cotidiana, antes não reconhecido como artístico, para o campo das artes. (cf. www.wikipedia.pt/duchamp)
65
que podiam adquirir o melhor da arte sem ter dúvida quanto à sua qualidade. Não há
dúvidas de que o dinheiro dos norte-americanos não foi herdado; foi um dinheiro
conseguido com muito trabalho e empreendedorismo, que representava o poder da
iniciativa e da ousadia empresarial dessa nova aristocracia. Eles faziam como os
Medici do séc XV de Florença, apoiando e adquirindo uma arte inovadora do seu
tempo, quer dizer, exercendo o mercenato para os vanguardistas.
No cenário deste pano de fundo, a fotografia também começou a ser vista como arte,
surgindo, assim, exposições fotográficas individuais e coletivas em museus e galerias
de arte.
Como conceitua Aumont (1993, p. 235), hoje esse trabalho é produzido com muito
critério estético. Juntamente com a industrialização, a arte fotográfica começou a
fazer parte da arte conceitual. Com as fotomontagens, as fotografias abstratas dos
anos de 1960 e 1970 colocaram a fotografia conceitual em um lugar de destaque na
arte contemporânea. Desse modo, aos poucos podemos observar que museus e
espaços culturais estavam incentivando fotógrafos conceituais a terem suas
exposições permanentes.
Tanto a fotografia como a pintura contemporânea, constrói em sua arte uma metáfora
de variadas conotações, de maneira a transformar o resultado de seus pensamentos
objetivos em resultados subjetivos; torna o que vemos em uma imagem fotográfica,
não exatamente o que está exposto na fotografia.
A fotografia contemporânea conquistou, ao longo dos últimos cinquenta anos,
exposições permanentes em museus e espaços culturais, algo que até então era
privilégio de pinturas e esculturas. Foi com a fotografia abstrata e as fotomontagens
66
que marchands e curadores começaram a respeitá-la como arte.
Como esclarece Rouillé (2009 p.10), a fotografia começou a ser muito debatida nos
anos de 1960. Surgiram pensadores e ensaístas como os já citados Roland Barthes e
Susan Sontag – assim como outros autores ligados à filosofia e à arte – que se
preocuparam em estudar diferentes gêneros da fotografia artística e a conceituá-las,
elevando dessa forma, a fotografia como arte. Rouillé se manifesta deste modo:
A Historiografia sobre fotografia, restrita somente ao plano
internacional, também pôde contar com nomes como os de Victor
Burgin, John Berger, Dominique Baqué e Juan Fontcuberta, cujas
contribuições por diferentes vertentes teóricas enriqueceram muito
esse debate. Entretanto, aquele que completa o panorama dos anos
1980, pairando acima de todos, interagindo, completando ou
contestando todas essas reflexões, é o filósofo alemão radicado no
Brasil, Vilém Flusser e sua obra fundamental, A filosofia da caixa
preta (1985) (ROUILLÉ, A. 2009, p. 10).
Nos anos de 1970, até a virada deste milênio, houve um grande salto com a arte
contemporânea, e assim também ocorreu com a fotografia, com uma grande
valorização do trabalho fotográfico, tanto nas artes como no fotojornalismo.
Como especifica Machado (2005, p 87), “se pensarmos na trajetória da fotografia,
passando pela tentativa de afirmação como arte pelo seu vínculo com a pintura
acadêmica e depois, como meio autônomo, pelo modernismo”, e, pela sua ligação
com as artes de atitude na década 1960, estamos vivendo um momento paradoxal em
relação à imagem tecnológica, apesar da valorização do trabalho fotográfico que
caracterizou uma mudança conceitual.
67
Embora essa mudança no conceito de produção das imagens fotográficas possa ser
uma evolução, procuramos fazer uma comparação da fotografia, independentemente
da tecnologia utilizada, para ela continuar sendo um registro fiel da realidade.
Segundo Susan Sontag (2002, p.75), a fotografia é emissora de uma mensagem e
possui informação própria. Entretanto, o equipamento utilizado deve ser dominado de
forma, principalmente, a se entender seu potencial e limitações, e ter consciência de
que a máquina fotográfica funciona totalmente diferente do olho humano.
A essência da linguagem fotográfica é justamente interpretar o que os olhos estão
vendo e o cérebro está registrando. Enquanto o indivíduo admira uma fotografia, ele
experimenta sentimentos parecidos com os que o fotógrafo teve ao fotografar a cena
escolhida. São vários elementos que ajudam a interpretar uma imagem fotográfica;
nem sempre um fotógrafo consegue traduzir através de uma imagem o que realmente
ele quer transmitir. Aumont acrescenta:
O essencial da percepção visual realiza-se depois, através de um
processo de tratamento da informação que, como todos os processos
cerebrais, está mais perto de modelos informáticos (AUMONT,
1993, p.72).
O fotógrafo sempre tem um bom motivo para querer fazer uma fotografia. A
capacidade de registrar um bom momento vai além da sua vontade, pois muitas
vezes, as condições do ambiente não estão favoráveis para a execução daquela
fotografia; o próprio equipamento é o empecílho para que a foto imaginada
anteriormente tenha uma boa qualidade. Como sabemos, locais muito escuros e com
pessoas se movimentando rapidamente são um bom exemplo. Dessa maneira, o
68
fotógrafo se aproveita dessas situações para fazer registros abstratos ou fotografias
com efeitos diferenciados.
Na arte fotográfica, essa adulteração passa a não ser mais uma adulteração, e sim,
uma transfiguração a partir de um conceito pré-estabelecido pelo fotógrafo. Os
fotógrafos criam diferentes técnicas e maneiras para que o resultado não seja somente
um espelho do real e, sim, uma realidade ou conceito que está dentro do que ele criou
como arte ou maneira de se expressar.
Na verdade, a fotografia conceitual não despreza por completo a expressão de
realidade em suas imagens; agora, apenas existe um diálogo maior com a imagem
fotográfica para haver uma mediação entre o real e o que foi fotografado. Sempre
existe um elo entre a arte e a realidade apresentada pelo fotógrafo.
O fotógrafo húngaro László Moholy-Nagy (1889-1944) acreditava que a fotografia,
assim como as demais transformações tecnológicas impostas pela sociedade
industrial, determinava uma nova percepção do mundo que influenciava a arte de
maneira definitiva. Dizia ele:
Este é apenas um entre muitos pontos, mas é o ponto a partir do qual
temos que começar a dominar as propriedades internas da fotografia,
e no qual temos que lidar mais com a função artística da expressão
que com a função reprodutiva de retratar (MOHOLY-NAGY,
1999, p. 92).
Nesse contexto, a fotografia era um instrumento fundamental para desenvolver essa
nova visão – fotografia e arte – e devia ser considerada não apenas como mero meio
de reprodução da realidade, mas, principalmente, como meio de expressão artística,
com elementos específicos e características intrínsecas.
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Mesmo no início do século passado, Moholy-Nagy fez inúmeros ensaios fotográficos,
dando-lhes diferentes interpretações. Porém, suas preocupações giravam em torno da
busca de novas formas de expressão determinadas por um mundo em permanentes e
profundas transformações devido à revolução comunista da época.
Figura 14: Fotografia de uma pipeta de laboratório químico. Lászlo Moholy-Nagy, Humgria,1928 Fonte: Site: Fotografia:Linha do Tempo
70
Figura 15: Fotografia com materiais de escritório, sobre um vidro. Lászlo Moholy-Nagy. Humgria,1928. Fonte: Site: Fotografia:Linha do Tempo
Na esteira de fotógrafos conceituais, será apresentada a seguir uma amostra da
fotografia conceitual contemporânea. Começaremos com o trabalho de Misha Gordin,
que não manipula suas imagens digitalmente, fazendo uma produção complexa antes
do ato em si de fotografar. Em seguida, a título de exemplo, vem o trabalho de
Thomas Barbèy, que emprega softwares de manipulação digital, elaborando seu
conceito de imagem após a execução da fotografia pós-clique.
Misha Gordin é um fotógrafo russo nascido no pós-guerra, em 1946, e radicado nos
Estados Unidos desde 1970. Seu trabalho se distingue de outros pelo impacto que
causam suas imagens e pela criatividade e produção artistica em que ele está envolto.
Como define ele próprio, a fotografia começa com o aspecto conceitual, que é o
ingrediente mais forte de suas imagens, habitualmente produzido pela sua imaginação
ou vindo dos seus sonhos. Cada fotograma é cuidadosamente reproduzido por
71
processos tradicionais dentro do laboratório de revelação, sem o emprego de técnicas
e manipulação digital. O seu trabalho é feito somente com uso de químicos comuns e
processos convencionais; as imagens passam sempre uma simplicidade e são de
expressão minimalista; é feito, porém, um trabalho de pré-produção muito rigoroso,
que inclui escolha de pessoas, uso de maquiagens teatrais, elaboração de
endumentárias e cenários, tudo muito bem projetado, inclusive desenhado, antes de
cada seção fotográfica. É dele este ponto de vista:
Aponto a minha objetiva para fora, em direção ao mundo que me
rodeia, ou aponto-a para dentro, para mim mesmo? Devo fotografar a
realidade existente ou criar o meu próprio mundo, verossímil ainda
que inexistente? (GORDIN, site: bsimple)
Fica, então, evidente que, para ele, criar uma ideia é transformá-la em realidade; é o
processo essencial da fotografia conceitual. Gordin também diz que a fotografia vai
um passo além das demais formas artísticas, uma vez que, mesmo manipulada e
recortada, ela contém uma honestidade impossível, comparada às demais
manifestações.
72
Figura 16: Pessoas pintadas especialmente para a criação de arte fotográfica. Misha Gordin. The New Crowd. New York, 1999. Fonte: Site: Misha Gordin, B Simple.
Figura 17: Pessoas encenando para a criação de arte fotográfica. Misha Gordin. The New Crowd. New York, 2000. Fonte: Site: Misha Gordin, B Simple.
73
Machado, já referido em páginas anteriores, argumenta que a fotografia, desde a sua
invenção, teve décadas de aprisionamento em decorrência das técnicas empregadas,
de processos químicos. Do ponto de vista sociológico, esteve presa a conceitos que a
impediam de revelar a própria essência de sua arte. Daí a sua observação:
Mas o arranjo do objeto no seu espaço natural ou no estúdio, a
disposição da iluminação, a modelação da pose, os ajustes do
dispositivo técnico e todo o processo de codificação que acontece
antes do “clique” é tão fotografia quanto o que acontece no
“momento decisivo”. Da mesma forma, também faz parte do
universo da fotografia tudo o que acontece no momento seguinte: a
revelação, a ampliação, o retoque, a correção e processamento da
imagem, a posterização etc. Depois de mais de um século e meio de
restrições técnicas, conceituais e ideológicas, subvertidas apenas
marginalmente pelos artistas de vanguarda, a fotografia começa,
finalmente, a conhecer a sua emancipação e a derrubar as fronteiras
que a limitavam (MACHADO. A. 2005, p.138).
Quanto ao trabalho de Thomas Barbèy, fotógrafo estadunidense contemporâneo, ele
desenvolve narrativas históricas contadas através de um surrealismo8 construído a
partir da fusão de muitas imagens fotográficas.
Barbèy utiliza técnicas com o mesmo padrão de tons de cinza e de preto e branco,
sendo totalmente manipulado com tecnologia digital em um processo de pós-
produção fotográfica, ou seja, depois do clique. Como ele mesmo comenta, seu
8 Surrealismo: Foi um movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris dos anos 20, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Movimento profundamente ligado a uma filosofia de pensamento e ação, em que a liberdade era extremamente valorizada. As características deste estilo: uma combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente (Costa, 2003, p.13).
74
trabalho sofre influências diretas do pintor surrealista belga René Magritte (1898-
1967) e do desenhista holandês M.C. Escher (1898-1972).
Figura 18: Montagem fotográfica feita no computador. Thomas Barbèy. Puzzling Dream. New York, 2005. Fonte: Site: Thomas Barbèy.
Figura 19: Montagem fotográfica feita no computador. Thomas Barbèy. Spiritual-Re-Boot. New York, 2006. Fonte: Site: Thomas Barbèy.
75
Ao buscar uma realidade que está no subconsciente do artista, o surrealismo utilizado
na fotografia – à moda de Barbèy – vem reforçar a ideia de realidade, já que a
fotografia surrealista é o fator indicial de uma verdade cuja finalidade consiste na
própria linguagem fotográfica. Como afirma Sontag:
Ao ensinar-nos um novo código visual, a fotografia transforma e
amplia nossas noções sobre o que vale a pena olhar e o que
efetivamente podemos observar. Constitui ela uma gramática e, o
que é ainda mais importante, uma ética do ver (SONTAG, 2002, p.3).
O surrealismo na fotografia cria uma imagem com linguagem própria, com uma
gama de significados que, em sua grande maioria, traduz uma realidade do próprio
inconsciente artístico. Como observa Costa:
Os surrealistas buscavam modos de expressar seus sonhos e desejos
através da pintura. Tais elementos encontraram na livre associação,
caminhos para o inconsciente do artista surrealista através dos
pincéis: “A dimensão do inconsciente está colocada na medida em
que um ato precisa passar pelo corpo (seja pela voz, num ato de
palavra; seja pelo olhar, nas artes [...] (COSTA, 2003, p.13).
Na fotografia abstrata da nossa contemporaneidade verificamos traços e apenas
alguns vestígios sutis que nos levam a estabelecer relações com uma realidade a qual
a obra fotográfica busca se indentificar. O mesmo acontece com a arte abstrata, como
diz Aumont:
76
A arte abstrata só tem definição negativa: é a arte das imagens não
representativas ( diz-se “não figurativas”), a arte da perda da
representação. Como a maioria dos epsódios artísticos, este foi hoje
consideravelmente recuperado, banalizado por diversas artes
aplicadas ( tecido, decoração, meio ambiente). Guarda, entretanto,
no grande público, uma imagem de estranheza, como toda a
produção que está ou que esteve muito ligada a práticas
vanguardistas (AUMONT, 1993. P. 260).
Porém, a arte fotográfica hoje tende a desconstruir o mito de que é o signo da verdade
enquanto representação do real. Dessa forma, a imagem fotográfica passa a ser como
um texto para ser lido, interpretado e questionado, e não mais como um documento do
real; o espectador tem que decifrar, não apenas permanecer numa contemplacão de
fácil absorção.
Aleem de Misha Gordin e Thomas Barbèy, existem fotógrafos brasileiros que também
fazem um trabalho conceitual já no campo da experimentação, porém de forma
totalmente analógica, ou seja, sem uso de material digital, como Rosângela Rennó,
que não fotografa. Seu trabalho consiste em usar negativos esquecidos no tempo e
originados dos fotógrafos populares como os “lambe-lambes”, e faz um resgate desse
material para suas instalações e montagens. Assim como Rennó, Eustáquio Neves
também é um fotógrafo conceitual construtivo, pois constrói as suas imagens
fotográficas a partir de coleções de fragmentos de negativos de outras fotografias,
reeditando, assim, uma outra realidade para as suas imagens. Como lembra Flusser:
A antologia fotográfica sempre nos revelou formas diretas ou
indiretas de interpretar as imagens, todavia, isso não acontece com a
fotografia contemporânea, pois há uma forte tendência de diferentes
77
construções de novas linguagens fotográficas. ‘Isto mostra que o
pensamento conceitual é mais abstrato que o pensamento
imaginativo (…)” (FLUSSER 1998. P.10).
Na fotografia abstrata contemporânea é difícil reconhecer pessoas ou paisagens, ou
qualquer coisa identificável em linhas gerais. Traços e objetos com significados
distantes que nos remetem a uma leitura subjetiva interpretativa. São trabalhos que
refletem uma sociedade multicultural e fragmentada, que se transforma rapidamente.
Figura 20: Montagem feita com negativos 3x4. Rosângela Rennó, Brasil, 1998. Fonte: Site: Rosângela Rennó.
78
Figura 21: Montagem feita com chapa de raiox, com negativo. Rosângela Rennó, 1999 Fonte: Sie: Rosângela Rennó.
Figura 22: Colagem feita com negativos variados. Eustáquio Neves, 1995 Fonte: Site: Pirelli.
O que o já citado Escárzaga, escreveu pode ser aplicado a toda arte conceitual
contemporânea: "para servir de apoio a propaganda da cultura de países que pretendem
situar-se no campo da liberdade e da modernidade, cometeram um enorme erro ao
renunciar à beleza significante em busca de um significado".
79
A fotografia contemporânea tal como se apresenta, a identidade nos aparece agora
como não identidade, como revelação de uma simples aparência, como o indício frágil
de uma subjetividade que não se deixa capturar facilmente.
O fato é que esse novo modo de representar está reinventando a fotografia. Ele
também amplia suas capacidades representativas ao mostrar outros caminhos para a
fotografia, além daqueles já estabelecidos. Prossegue Escárzaga:
Enquanto se segue exigindo que a arte satisfaça unicamente as
ambições intelectuais, eonômicas ou sociais, sua verdade
“secreta”, o desfrute da beleza permanecerá fechado e hermético
e inacessível a toda a teoria filosófica ou descritiva
(ESCÁRZAGA, 1998 p.155).
Para o filósofo alemão Walter Benjamin (1985, p.172), a obra de arte, e aí cabe-nos
falar que a arte fotográfica tem dois polos, dois valores distintos, um sendo o valor de
culto, ou seja, de admiração pelo o que ela é e representa, e o outro, é um valor de
exposição dessa mesma obra.
A arte fotográfica conceitual nem sempre é bem aceita e nem compreendida. Esse
tipo de fotografia circula bem nos meios da fotografia Fine Arts, museus, galerias e
espaços culturais, onde pessoas estão acostumadas a diferentes conceitos de arte.
Avaliar o momento da produção é a melhor maneira de interpretarmos a fotografia
conceitual. É também considerar o que o autor da foto tinha em mente e o que queria
representar, que códigos estavam nela embutidos, seja ela conceitual, seja autoral ou
seja documental.
80
Pode acontecer que a intenção de um fotógrafo é justamente burlar a expectativa do
observador; fazer com que ele pense sobre sua obra, reflita, se espelhe, por vezes
fique chocado, pois tem fotografias que são elaboradas no sentido de mexer com o
foro íntimo do observador e, em tantos outros casos, é apenas a intenção de divertí-
lo; assim como em outras artes, o fotógrafo tenta provocar, de um jeito ou de outro,
uma espécie de catarse ao apreciarem suas imagens fotográficas.
81
7 FOTOGRAFIA CONCEITUAL PUBLICITÁRIA
A fotografia publicitária também é chamada de fotografia conceitual por passar
conceitos comportamentais através de suas imagens. Todos sabemos que tanto
fotopublicidade quanto a fotopropaganda são linguagens não verbais. Uma está a
serviço da publicidade e a outra auxilia a propaganda; as duas servem para iludir e
induzir os indivíduos a consumirem produtos ou serviços de qualquer natureza.
A fotopublicidade e a fotopropaganda caminham sempre lado a lado; ambas
nasceram com a mesma finalidade de instigar as pessoas a adquirirem este ou aquele
produto ou a escolher este ou aquele serviço.
Porém, na linguagem da comunicação, elas são diferentes, ou seja, publicidade não é
a mesma coisa que propaganda. Etinologicamente, os dois vocábulos provem do
latim: publicus e propagandus. Publicus significa “relativo ao povo”; propagandus
que dizer “aquilo que deve ser divulgado”, equivamente ao gerúndio do verbo
propagare: propagar, prolongar, estender.
No caso aqui analisado, a propaganda tem a função maior de persuadir o cliente,
porque tem um patrocinador que veicula seu nome ou seu produto na mídia. Já a
publicidade tem um papel mais informativo, e o patrocinador permanece mais
discreto, deixando que a própria veiculação e o nome do produto convença o
consumidor. A publicitária e professora Esmeralda Rizzo em seu livro Propaganda e
Cia nos confirma essa afirmativa:
Publicidade, do latim publicus, que significa a qualidade do que
é publico, ou seja, tornar público um fato, uma ideia,
objetivando induzir ou convencer o público a uma atitude
82
dinâmica favorável a determinada ideia. Propaganda,
identifica-se como o meio utilizado para a divulgação de ideias
(RIZZO, 2003, p 65).
Apesar desses vocálulos serem familiares para quem estuda o assunto, popularmente
eles são entendidos de forma bem parecida, quando não, são usados como sinônimos.
O mesmo acontece com a fotopropaganda e a fotografia publicitária, sempre são
identificados e induzem à confusão.
No fim do século XIX a fotografia ainda não era vista como um meio de auxiliar nas
propagandas da época; ela estava começando tímidamente a aparecer na imprensa.
Por ser muito reticulada,9 não era interessante utilizá-la na propaganda que tinha já
uma ilustração muito bem desenvolvida e, por assim dizer, muito bem apropriada para
essa finalidade. Com efeito, na ilustração, os traços eram finos e variados; os modelos
de impressão daquela época conseguiam transmitir melhor o conteúdo. Também as
pessoas contemporâneas desse tempo não tinham o costume de ver, ou sequer
pensavam em utilizar, a fotografia em propagandas.
Por sua vez, a publicidade nessa ocasião era feita nos próprios jornais, ainda de forma
escassa quando aparecia alguma fotografia, era de fachadas de estabelecimentos
comerciais, nunca de produtos, mas sempre auxiliada por desenho. As poucas revistas
e almanaques também usavam essa mesma linguagem.
9 Retícula: A chamada retícula convencional são os pequenos pontos que formam as imagens impressas.. Cf. enciclopédia virtual, wikipédia: em www.wikipedia.com.
83
Entretanto, quase na virada do século, isto é, do século XIX para o século XX, em um
período da história que ganhou o nome de Belle Époque,10 tudo começa a mudar no
mundo das artes, da decoração, da arquitetura, inclusive na propaganda. As
sociedades europeias, com a chegada da luz elétrica, já bem industrializadas, ganham
um toque glamoroso e diferenciado com a art nouveau, “arte nova” em português.
Nessa ocasião, as propagandas começam a ficar bem mais requintadas, com o novo
estilo de arte e acabamento em seus folhetos, cartazes, e embalagens. Com muitas
flores, desenhos de roupas cheias de debruns e imagens de mulher envoltas em longas
cabeleiras, tudo era alongado e curvelíneo, dando leveza e um novo conceito de
sofisticação. Com isso, a fotografia – que era muito técnica e exata – não acompanhou
o empolgado momento que a propaganda começou a ter porque os desenhos e
ilustrações ganharam mais prestígio nessa época.
O historiador e político Giulio Argan, com um olhar sociológico argumenta que o
estilo Art Nouveau, foi um movimento artístico típicamente das grandes metrópoles.
Seu surgimento deve-se às insatisfações e inquietações oriundas das problemáticas
surgidas com a industrialização nos grandes centros. Argan nos diz que:
Apesar da amplitude de sua fenomenologia e seus diversos níveis, na
imagem do mundo traçada pelo Art Nouveau não há nada que revele
uma clara consciência da problemática social inerente ao
desenvolvimento industrial. Parece, que pelo contrário, que se
pretende dissimular a dramática condição de sujeição ao capital, de
10Belle Époque: (bela época em francês) foi um período de cultura cosmopolita na história da Europa que começou no final do século XIX (1871) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. A expressão também designa o clima intelectual e artístico do período em questão. Foi uma época marcada por profundas transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e viver o quotidiano. Cf: enciclopédia virtual, wikipédia: em www.wikipedia.com.
84
aviltamento econômico e moral, de desesperadora “alienação” da
nova classe trabalhadora, protagonista do progresso tecnológico
(ARGAN, 1988, p. 199) .
Podemos observar a (Figura 23) como uma típica propaganda da época. Trata-se de
um cartaz fazendo a divulgação de uma cervejaria, todo desenhado, com ramas, a
figura de uma mulher com longos cabelos esvoaçantes, segurando uma taça de
cerveja. Na parte de baixo, podemos ver que há fotografias de edificações que,
provávelmente, seriam a fábrica da cerveja, e uma imagem de mulher sentado em
meio a uma plantação de cevada.
Figura 23: Típica ilustração com fotografia do período Art Nouveau. Propangada da Cerveja Bières de le Meuse, Bélgica,1889. Fonte: Site: Bubles Trend
85
Considera-se uma arte que trás elementos os quais remetem à vida natural e aos
sonhos, pois seus desenhos alongados e estilizados fogem da dura realidade vivida
nos centros urbanos. Esse sutil paralelismo da figura da vida do campo com a vida da
metrópole vem de encontro com o que diz Argan:
O Art Nouveau é um fenômeno novo, imponente, complexo, que
deveria satisfazer o que se acredita ser a “necessidade da arte” da
comunidade inteira. Interessa a todos os países europeus e
americanos onde se alcançou certo nível de desenvolvimento
industrial. Instaura entre eles um regime cultural e de costumes quase
uniforme, apesar das ligeiras variações locais, e e caráter
explícitamente moderno e cosmopolita. É um fenômeno típicamente
urbano, que nasce nas capitais e se difunde para o interior. Interessa a
todas as categorias dos costumes: o urbanismo de bairros inteiros,
equipamento urbano e doméstico, a arte figurativa e decorativa, as
alfaias, o vestuário, o ornamento pessoal e o espetáculo (ARGAN,
1988, p. 199).
Nesse período começaram a surgir as colagens em que as fotografias serviam de
fundo, e enormes molduras eram desenhadas em volta, evidenciando um efeito
modernista, unindo a fotografia, que era algo tão inovador quanto os traços refinados
dos desenhos art nouveau. A figura 24, mostra uma das primeiras fotografias em
propaganda de que se tem notícia. Era uma propaganda inglesa da empresa de
laticínios The Allenburys Foods. Ela continha a fotografia de uma mãe alimentando
seu bebê – por suposto com o produto em questão -– e com a volta toda ornada com
os desenhos típicos do período do art nouveau.
86
Figura 24: Fotografia da mãe alimentando seu filho em anúncio para revista. Propaganda da indústria alimentícia Allenburys,. Inglaterra,1914. Fonte: Site: Antiques Adverts
Mas a própria publicidade enfrentava problemas de credibilidade. Com efeito, como
convencer os industriais, os negociantes ou os donos de estabelecimentos que eles
venderiam mais se anunciassem? Eles nunca tinham ouvido falar de estratégias de
mercado, e tudo parecia muito confuso, até mesmo porque, até então, eles procuravam
produzir e vender, sem que alguém anunciasse seus produtos ou serviços.
Foi neste momento que a fotografia começou a entrar na publicidade, exibindo
retrato de pessoas conhecidas que indicavam o uso deste ou daquele produto,
garantindo, dessa maneira, o produto e dando-lhe uma maior credibilidade.
Nessas circunstâncias, e com o desenvolvimento dos processos de impressão que
tinha meios-tons, a fotografia ganha mais definição e começa a ser usada como base
nas ilustrações. A foto era produzida e, depois, os ilustradores davam todo um
tratamento em cima da imagem obtida, dando brilho, criando contraste, realçando o
87
que era para ser realçado e ainda, claro, fazendo montagens dessas imagens
juntamente com o produto que se pretendia vender.
Mas, simplesmente só a fotografia de alguns objetos ou peça que se pretendia
vender, nem sempre seria convidativa para estimular o interesse de seu consumidor.
Desse modo, a fotografia de produto começou a usar ângulos mais baixos, para que o
produto parecesse maior, empregar luzes especiais para dar mais brilho ou ênfase,
fazer cortes e recortes para tornar esse produto mais vendável.
Segundo Barthes, a própria imagem fotográfica, quando usada para fins publicitários,
passa a ser uma mensagem sem código. O que vai dar sentido ao produto ou passar
uma ideia ou uma intenção de venda é uma legenda, uma frase, a qual dá o suporte
necessário para guiar a interpretação que se deseja como finalidade para aquela
publicidade. A semiótica, estudo cuja investigação criou força no começo dos anos de
1960, analisou essa forma de estrutura na comunicação publicitária. Com a
contribuição das teorias de Barthes sobre as formas de mensagens conotativas e
denotativas, já comentadas quando nos referimos ao fotojornalismo. Porém, na
fotopublicitária ela se torma mais conotativa, pois depende de um aspecto linguístico
para dar maior sentido.Quanto a esse aspecto, Barthes nos esclarece:
A legenda tem provavelmente, um efeito de conotação menos
evidente do que a manchete ou o artigo: título e artigo separam-se
sensivelmente da imagem; o título por seu destaque, a imagem por
sua distância: uma porque delimita, outro porque afasta o conteúdo
da imagem: a legenda, ao contrário, por sua própria disposição, por
sua extensão limitada para duplicar a imagem, isto é, participar de
sua denotação. (BARTHES, 1990, p. 20).
88
A linguista e escritora Nelly Carvalho, em seu livro Publicidade: a linguagem da
sedução, acrescenta mais um aspecto: o identificado. Ela, então, afirma que existem
três planos de inteligibilidade na mensagem publicitária. São eles:
O IDENTIFICADOR - Consiste na própria identificação do gênero
publicitário, ou seja, a função da mensagem, baseada na necessidade
de se reconhecer o caráter publicitário da informação, caracterizado
por uma certa lealdade do emissor para com o receptor.
O DENOTATIVO – Neste plano está contido o conjunto de
informações inscritas no texto e na imagem. O aspecto linguístico
preenche a função semântica de favorecer a inteligibilidade da
mensagem, mas também está ligado à determinação da mensagem ao
seu receptor, isto é, o público-alvo.
O CONOTATIVO – Engloba as predicações adicionais, a afirmação
de qualidades exclusivas feitas a partir da denotação (CARVALHO,
1996, p.15).
Ainda citando essa escritora, “A palavra permite ultrapassar o estágio individual e
afetivo: ela racionaliza, classifica, distingue e generaliza o pensamento, tornando-o
abstrato.”
Dessa forma, a publicidade acaba inserindo um recurso dirigido ao público para quem
ela quer passar a mensagem, usando por vezes uma mesma imagem para públicos e
interesses distintos, mudando apenas seu discurso léxico. Verificamos abaixo o que o
filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard nos diz:
A publicidade institui uma nova linguagem, porque as variantes
combinatórias recortam as significações, instauram um repertório e
criam um léxico em que podem inscrever as modalidades recorrentes
da palavra (BAUDRILLARD,1968, p. 324).
89
A publicidade e a propaganda usam mitos e valores que a sociedade assume como
princípios universais: família, lazer, férias, saúde, etc, como estrutura para que o
indivíduo se afirme como tal e passa, então, a perceber que aquele produto ou serviço
nasceu para ajudar na sua identidade, na sua qualidade de vida.
Através da fotografia publicitária que salienta mitos e valores, pode-se fazer estudos
sobre gostos, costumes e desejos dos indivíduos de décadas anteriores mais recentes.
Por exemplo, como podemos observar nos hábitos dos idos de 1940, o que as pessoas
usavam como vestimenta ou pequenos objetos de uso pessoal, produtos esses que não
seriam fotografados sendo usados, nem expostos e arquivados em álbuns de família.
Com essa peculiaridade da fotopublicitária, estudiosos, a exemplo de sociólogos,
antropólogos e psicólogos, conseguem fazer estudos minuciosos. Observamos nas
Figuras 25 e 26, exemplos de imagens fotográficas retocadas e ilustradas com os
traços os quais a publicidade da época entendia como eficiente, como foi o caso dos
produtos de higiene pessoal usados em um determinado período.
Figura 25: Fotografia com retoque e ilustrações. Propaganda Áqua Velva. Brasil, 1953. Fonte: Site: Almanaque da comunicação
90
Figura 26: Fotografia com retoque e ilustrações. Kolynos. Brasil, 1945. Fonte: Site: Almanaque da comunicação
Verdadeiramente, toda fotografia é manipulada, uma vez que sua elaboração sempre
usou químicos, ampliadores, diferentes luzes. Mesmo a escolha de ângulos e
enquadramentos, modificam a fotografia, como aliás, já foi analisado em páginas
anteriores deste estudo. A propósito a fotopublicitária é um gênero da fotografia que
sabidamente já nasceu manipulada. Como a fotografia era até então a prova cabal de
um acontecimento, os indivíduos começaram a enxergar na imagem fotográfica uma
grande aliada para o lançamento de produtos em revistas, folhetos e propagandas; só
que, dessa vez, usando seu poder informativo.
Essa realidade permite constatar que a fotografia tem um lado ambíguo. Em outros
termos, a ambiguidade se manifesta no fato de uma fotografia servir de base para
pesquisas científicas, seguindo uma linha de tempo ou não.
91
Por exemplo, nas figuras abaixo, podemos perceber os diferentes anseios e costumes
nas décadas de 50, 60 do século XX. Porém, aqui não vamos entrar no mérito de
nenhuma pesquisa sociológica. As fotografias mostradas servem apenas para
demostrar a fotopublicidade; não é apresentado como publicação ou como
propaganda; a intenção é mostrar sua aplicação como testemunha de épocas passadas.
Figura 27: Composição com várias fotografias demostrando a vida de uma mulher prática e moderna dos anos 50. Propaganda de Eletrodomésticos da marca Walita. 1957, Brasil. Fonte: Site: Almanaque da comunicação
92
Figura 28: Fotografia produzida para demonstrar o carro ideal para uma família de classe média dos anos 60. Propaganda Volkswagen. Brasil, 1965. Fonte: Site: Almanaque da comunicação
Figura 29: Fotografia com uso de cores vibrantes para marca de batom. Propaganda de Cosmético. Marca Tangee. Inglaterra, 1974. Fonte: Site: Antiques Adverts
93
Com o passar do tempo, a fotografia publicitária foi se sofisticando a ponto de
adulterar uma imagem. Nesse contexto, apesar de se saber que a fotografia de um
produto é alterada desde quando surgiu o tal produto, mesmo assim ele é procurado,
desejado e vendido, sem que ninguém se sinta enganado por isso.
Na verdade, essa técnica de mercado deixa o produto tão atraente aos nossos olhos, a
ponto de, às vezes nos decepcionar quando vamos conhecê-lo “ao vivo” e
comparamos com a sua fotografia veiculada na mídia. Porém, ao mesmo tempo em
que a fotografia publicitária não inspira credibilidade no que se refere ao que é
mostrado na propaganda, ela paradoxalmente nos conta a verdade histórica de uma
sociedade, de uma época, de várias gerações e seus anseios. Não deixa de ser um
outro aspecto da ambiguidade já mencionada.
Com a proliferação da comunicação imagética na era digital, os efeitos fotográficos
da publicidade tomaram tomaram como paradigma usar a artificialidade para ressaltar
um produto ou um objeto. Como acima realçado, a publicidade, necessita chamar a
atenção para vender o produto de seu cliente. Nesse sentido o seguinte comentário:
Do ponto de vista prático, o papel da publicidade é simples e direto:
transmitir mensagens cuja intenção é persuadir os consumidores a comprar
determinados produtos ou serviços. Mas, como o público-alvo de um
anúncio em geral tem pouco interesse intrínseco pelo conteúdo dessas
mensagens, seus criadores têm de ser extremamente inovadores para que
seus anúncios sejam notados. Na verdade, o primeiro desafio de todo
anunciante é chamar e manter a atenção do público-alvo e, num mundo
onde a atenção é um bem escasso, isso não é tão simples de se obter
(CARVALHO, 1996, p. 31).
94
Cumpre ainda registrar que, do lado da exaltação de um produto, a fotopublicidade
também tem a capacidade de mostrar o quanto ficou obsoleto o tal produto que foi
anunciado e adquirido recentemente. Na produção digital a fotografia publicitária
ganhou novo emprego e infinita aplicação dada a quantidade de propagandas na
internet. Vinculada a uma nitidez – chamada “resolução” – bem menos exigente.
Mesmo sendo a publicidade tão rica em artimanhas, para provocar nos indivíduos
sensações de necessidade de consumo, é necessário que as pessoas aprendam a
interpretar melhor as imagens vistas, saber ler uma imagem, como nos adverte
BAUDRILLARD (1968, p. 56) “A alfabetização visual torna-se urgente em uma
época em que os textos multimodais predominam e exigem esse aperfeiçoamento,
tanto para a produção quanto para a interpretação de tais textos” .
Por outro lado, a “alfabetização visual” nos capacita a ler e a interpretar uma imagem.
Seremos então, capazes de enxergar além da fotopublicidade ou da fotopropaganda.
Mais do que a mensagem subjetiva e a mensagem explícita, poderemos ver e
interpretar uma imagem e sua contextualidade no campo da etnografia e sociologia,
contribuindo assim para futuras pesquisas no âmbito de outras ciências
antropológicas.
95
8 FOTOGRAFIA AMADORA
Este estudo tem um viés sociológico na arte de fotografar. Desse modo, não poderia
deixar de inserir um gênero tão importante da linguagem fotográfica que é a
fotografia amadora e sua significativa evolução através dos seus quase dezentos anos
de existência.
Ficou registrado em páginas anteriores que, com a chegada do século XX, a história
assistiu a evolução da fotografia e, com isso, também a evolução da fotografia
amadora.
Com a revolução industrial uma nova categoria social estava emergindo e disposta a
se solidificar como classe e como família; eram os burgueses que estavam em
ascensão. Com o advento da fotografia, tudo começa a ser documentado e com isso,
as pessoas passam a ter outra visão de mundo.
Nos dois últimos séculos que antecederam o século XVIII, a Europa vivenciou uma
série de mudanças com a expansão do mercantilismo: a descoberta do novo mundo,
a reforma religiosa protestante e, por fim, a revolução industrial, marcada pelas
profundas mudanças na mentalidade do homem europeu por ter acabado de vez com o
sistema feudal e consolidado a sociedade capitalista.
Sendo assim, com surpreendentes transformações na forma de pensar, surgiu uma
sociedade mais consolidada, mais independente, formando clãs e famílias com o
conceito de família tal como conhecemos hoje.
Segundo o professor e advogado José Carlos Moreira Alves, um estudioso em Direito
Romano, até a Idade Média um agrupamento de pessoas sob as ordens de uma mesma
96
autoridade eram chamadas de família, cujo termo vem de famulus do latim, que queria
dizer escravos domésticos. Durante aquele período, as pessoas começaram a se ligar
por vínculos de matrimônios e contratos por conveniência, gerando o conceito de
maternidade e paternidade espelhados pelas imagens pictóricas referentes ao exemplo
da família de Cristo. Todavia foi somente depois da Revolução Francesa em 1789,
que começaram a surgir os casamentos, priorizando os laços afetivos. Nesse sentido,
Alves demonstra:
Com a Revolução Francesa surgiram os matrimônios laicos no
Ocidente e, com a Revolução Industrial, tornaram-se frequentes os
movimentos migratórios para cidades maiores, construídas em redor
dos complexos industriais. Estas mudanças demográficas originaram
o estreitamento dos laços familiares e as pequenas famílias, num
cenário similar ao que existe hoje em dia. As mulheres saem de casa,
integrando a população activa, e a educação dos filhos é partilhada
com as escolas (ALVES, 2001, p 282).
No começo, a fotografia – que surgiu bem depois da Revolução Francesa – estava nas
mãos apenas de profissionais, pelo motivo de ser muito técnica e trabalhosa. Nessa
época a fixação da imagem ainda era feita em placas de vidros grandes, pesadas e
quebradiças, que eram os daguerreótipos – o aparelho inventado por Daguerre –
também era usado enormes tripés de madeira. Dessa forma, para retratar as pessoas,
era necessário ir até o fotógrafo ou contratar um, que não constituia um serviço muito
em conta.
Foi nesse periodo da história, mais precisamente em 1888, que o empresário Eastman
Kodak inventou uma câmera portátil que levou o seu nome. Tratava-se de uma caixa
de madeira com uma lente, medindo 10cm x 18cm. Dentro havia um rolo de papel
97
com uma camada de emulsão sensível à luz. Enrolado dentro dessa caixa, permitia
obter umas cem fotografias. Desse modo, quando esse filme (o rolo) acabava, as
pessoas iam até uma loja da Kodak e a caixa era deixada para a revelação; a pessoa
então já saia com uma outra câmera, igual à que havia deixado, com mais cem
chapas para fotografar. Juntamente com o slogan da Kodak “ Vocês apertam o botão e
nós fazemos o resto”, as pessoas que possuiam esses aparelhos, sentiam-se
estimuladas a produzir suas próprias recordações.
Figura 30 : Câmera para uso popular mendindo 10cm x 18 cm. Uma das primeiras Câmeras Portáteis. Câmera Kodak One – 1888 Fonte: Site: Obivius Mag.
Até o ano de 1900 já havia lojas da Kodak em várias cidades da Europa e dos
Estados Unidos, e ainda na primeira década do século passado, o mundo inteiro já
havia sido fotografado.
98
Para uma pessoa comum, contemporânea da época, ter cem fotos para serem
registradas, era considerado muito para um tempo em que não tinha ainda um
conceito de memória vista pela estética da fotografia.
Mas, no começo do século XX, as famílias viram nessa nova tecnologia a
possibilidade de ter sua imagem retratada e com isso, reafirmarem-se como famílias,
guardando para sempre a imagem de seus entes queridos, para deixar para seus filhos,
netos e gerações vindouras.
Entretanto, nas fotografias de família dessa época nada havia que demonstrasse muita
naturalidade. As pessoas posavam, vestiam suas melhores roupas, geralmente estavam
segurando livros para se dizerem letrados e cultos. Desse jeito, reproduziam nas fotos
a ideia com as quais as pessoas gostariam de serem lembradas, ou como elas
gostariam que as outras pessoas as vissem.
Começaram, assim, a formar os primeiros álbuns de família de que se tem notícia.
Esse era um trabalho de paciência e puramente feminino; eram as mulheres que
escolhiam cuidadosamente as fotografias, formando toda uma narrativa como elas
gostariam que fossem contadas.
99
Figura 31: Fotografia retrata uma famíla da década de 1910. Fonte: Foto divulgação da peça de teatro Álbum de Família, 2008, Minas Gerais.
Porém, quem julga que no álbum está registrado e arquivado a verdadeira história de
uma família, pode estar totamente equivocado. Essas fotografias eram bem pensadas
e escolhidas antes de serem expostas em belos álbuns. Fatos desagradáveis e pessoas
não gratas eram retirado, e as edições eram muito bem montadas; formava-se assim
uma nova postura cuidadosamente selecionada na qual a memória de uma família
estava sendo preservada.Em destaque no album sempre figurava a pessoa que era
importante ser mostrada. De igual modo ocorria com as roupas e os momentos que
davam maior prestígio. Fora desses quesitos, o que sobrava era rasgado ou, então,
escondido em caixas bem guardadas e esquecidas em fundos de gavetas. Não sem
razão, este comentário: “A fotografia não é apenas pseudopresença, mas também
símbolo da ausência” (SONTAG, 2002, p. 15).
Desse modo observamos que a realidade de uma época ou de uma família pode ter
sido puramente construída, de acordo com as circunstâncias. O real foi mascarado
segundo as conveniências e questões, cuja verdade o tempo apagou, deixando nos
100
assim a ideia de um passado que foi singelamente inventado e não que tenha sido
vivido da maneira como foi perpetuado na foto da família.
A propósito da questão do álbum de família, pode-se fazer das suas fotos uma
analogia com que o escritor e historiador húngaro Arnold Hauser pondera sobre a
verdade. Diz ele que a verdade nunca foi soberana em qualquer época da história; ela
foi sempre moldada e maleável de acordo com os interesses políticos e sociais.
Aquilo que damos o nome de verdade não passa, na realidade, de
mentiras e embustes para animar a vida e aumentar o poder, os quais
são necessearios para que a vida continue, em seus aspectos
essencias, o pragmatismo adota esse conceito ativista e utilitário de
verdade. A verdade é o efetivo, útil e proveitoso, o que suporta o
teste do tempo (HAUSER, 2003, p. 953).
Durante anos, os álbuns retratavam apenas as comemorações familiares mais
importantes, como nascimentos, casamentos, aniversários e um ou outro retrato já em
uma fase mais bem sucedida da família, depois do nascimento de todos os filhos.
Mesmo sendo portáteis e acondicionadas em elegantes estojos de couro, as câmeras
das primeiras décadas do século XX eram pesadas, não era o tipo de objeto que se
carregava para todo lugar. Para funcionar, era preciso abrir um dispositivo em forma
de fole flexível fixado entre a lente e o filme. Sendo assim, diante dessas
características, somente era levada em situações bem especiais. A figura abaixo é um
exemplo de câmera fotográfica fabricada na década de 1940.
101
Figura 32: Câmera Fotográfica de fole, da marca Zeis, fabricação alemã. Alemanha, 1940. Fonte: Arquivo pessoal.
Por evidente, de igual modo esse modelo foi muito usado para as fotos que
compuseram um álbum familiar. Portanto, faz também parte do passado. Na verdade,
quando vemos um álbum de família, estamos lutando contra o tempo que passou; é
uma constatação. A fotografia para esse tempo; mas quando observamos uma foto ou
um álbum antigo, existem simultaneamente um resgate desse tempo e uma evidência
que o tempo passou. Conforme Kossoy confirma:
Quando o homem vê a si mesmo através dos velhos retratos nos
álbuns, ele se emociona, pois percebe que o tempo passou e a noção
de passado se torna de fato concreta. Pelas fotos dos álbuns de
família; constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele
deixadas, apesar de nos álbuns só aparecerem os momentos felizes,
as famílias constroem uma pseudonarrativa que dá realce a tudo o
que foi positivo e agradável na vida, com uma sistemática supressão
do que foi sofrimento (KOSSOY, 1989, p. 106).
102
No resgate da trajetória da fotografia amadora é preciso incluir o começo da mudança
vertiginosa no comportamento e no estilo de vida dos cidadãos europeus e
estadonudenses nos anos que se seguiram à decada de 1960. O escritor francês Guy
Debord foi um dos pensadores responsáveis pela criação da Internacional
Situacionista11, de onde surgiram textos que ajudaram a desencadear os movimentos
estudantis em Paris em maio de 68. Nessa ocasião, a sociedade dá um grito em favor
da liberdade de expressão; mudanças de comportamento começam a surgir em várias
partes do mundo, exigindo transformações, exigindo, inclusive uma sociedade mais
equânime entre homens e mulheres e direito igual para todos. Com o movimento
conhecido como contracultura, uma era revolucionária eclodiu: na música, com os
Beatles; nas artes; com a Art Pop; de Andy Wahol, entre outros. O homem vai à lua e
nos revela que o planeta é azul, mudando, assim, toda a dimensão do nosso olhar
sobre o mundo. Em Londres, Mary Quant inventa a minissaia e as roupas ficam mais
coloridas. A partir daí, parece que o mundo fica mais colorido. Na esteira desses
acontecimentos, a Kodak lança sua câmera popular com filme para fotografar em
cores. O mercado da indústria fotográfica, percebendo ser necessário atender a
novidade, aprimorou máquinas fotográficas com maior portabilidade e usabilidade.
As fotos coloridas já existiam no comércio desde 1935 com o lançamento da
“kodacrome”, e aperfeiçoado pela Agfa-color em 1936. Mas, somente em 1963 a
Polaroid introduziu o filme colorido instantâneo. Nessa época, a Kodak encomendou
uma pesquisa ao sociólogo Pierre Bordieu para lançar a sua histórica câmera
Instamatic de tamanho reduzido, muito leve e com um pequeno flash descartável. 11 A Internacional Situacionista (IS) foi um movimento internacional de cunho político e artístico. O movimento IS foi ativo no final da década de 1960 e aspirava por grandes transformações políticas e sociais. A primeira IS foi desfeita após o ano de 1972. (Elliot, K. outubro de 1999. Situationism in a nutshell).
103
O surgimento de câmeras direcionadas para um público amador e que fosse de uso
popular, ou seja, abrangendo várias classes sociais, veio comfirmar o que os estudos
de Bordieu já indicavam: a fotografia era um meio de representar uma sociedade e
que as pessoas cada vez mais se preocupavam em registrar os acontecimentos de sua
trajetória de vida.
Figura 33: Câmera Kodak Instamatic. Câmera para uso popular. Primeira câmera com flash.1963. Fonte: Site: The Camera Site.
Com os indivíduos preocupados com a crítica social e empulsionados pelos valores
qualitativos de uma melhora de vida, começou a haver um processo de hierarquização
das classes sociais, formando, então, várias classes sociais, divididas em A, B, ou C.
A essas classes o consumo era sempre estimulado como comprovação de uma bem
sucedida aquisição. Nesse cenário, era importante fotografar viagens, ir a festas e ser
104
fotografada ao lado de pessoas importantes. Com isso, a fotografia era o documento
que comprovava a ascensão a uma classe social superior ou a um determinado grupo
social ao qual se pretendia impressionar. Bordieu “retrata” com alguns traços a
fotografia amadora da época:
A Galeria de Retratos democratizou-se e cada família tem, na pessoa
do seu chefe, o seu retratista. Fotografar as suas crianças é fazer-se
historiógrafo da sua infância e preparar-lhes, como um legado, a
imagem do que foram... O álbum de família exprime a verdade da
recordação social. Nada se parece menos com a busca artística do
tempo perdido que estas apresentações comentadas das fotografias de
família, ritos de integração a que a família sujeita os seus novos
membros. As imagens do passado dispostas em ordem cronológica,
"ordem das estações" da memória social, evocam e transmitem a
recordação dos acontecimentos que merecem ser conservados porque
o grupo vê um fator de unificação nos monumentos da sua unidade
passada ou, o que é equivalente, porque retém do seu passado as
confirmações da sua unidade presente. É por isso que não há nada
que seja mais decente, que estabeleça mais a confiança e seja mais
edificante que um álbum de família: todas as aventuras singulares
que a recordação individual encerra na particularidade de um segredo
são banidas e o passado comum ou, se quiser, o menor denominador
comum do passado, de nitidez quase coquetista de um monumento
funerário freqüentado assiduamente" (LE GOFF apud BOURDIEU.
1990, p. 466.).
A sociedade vivencia uma profusão imagética crescente, que se intensificou nos dias
de hoje. Por onde andamos, passamos a ver imagens, fotogafias impressas em
outdoors, revistas, nos carros, placas, estampadas em roupas, etc. De uma maneira u
de outra, esse fenômeno sociológico acaba por interferir e, o que é pior, artificializar a
realidade que vivemos dentro do nosso conceito histórico social.
105
O espectáculo proporcionado por uma imensa quantidade de imagens é meramente
ilusória, uma vez que engana e frustra as pessoas, tirando-as de seu contexto histórico
e real. “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre as
pessoas, mediada por imagens” argumenta Guy Debord (2008, p.14). O viver se
transforma em uma aparência, dando uma falsa impressão de realidade. Com isso as
pessoas se utilizam da imagem fotográfica para assegurar e reafirmar essa nova
narrativa voltada para suas próprias conveniências ou interesses. Na verdade, é uma
constante representação; é como se trocasse a essência pela aparência.
Debord, em seu livro A Sociedade do Espetáculo, deixa claro como o uso da imagem
afasta as pessoas da sua realidade social:
A sociedade capitalista se apresenta como sociedade do espetáculo,
tal qual definiu Debord. Importa mais do que tudo a imagem, a
aparência, a exibição. A ostentação do consumo vale mais que o
próprio consumo. O reino do capital fictício atinge o máximo de
amplitude, ao exigir que a vida se torne ficção de vida. A alienação
do ser toma o lugar do próprio ser. A aparência se impõe por cima da
existência. Parecer é mais importante do que ser (DEBORD, 2008,
p.125).
Com essa afirmação, podemos perceber o quanto as pessoas são mediadas pela
imagem. Em outras palavras, o quanto as imagens fotográficas tem uma real
importância representacional em uma esfera de natureza crítica social.
Com o surgimento de câmeras cada vez menores e mais leves, as pessoas começaram
a produzir fotografias instantâneas, menos posadas. Ao fotografar pessoas estáticas,
perdia-se a naturalidade das pessoas e das situações em si. O instantâneo tornava tudo
106
mais natural e passava para as imagens fotográficas uma sensação maior de
realidade. A esse respeito, Rouillé nos diz:
Enquanto no protocolo da pose, as imagens eram polarizadas
pela relação entre os modelos e o operador, esse elo, que
construía as composições, foi quebrado pelos instantâneos,
onde personagens e operadores parecem evoluir em universos
diferentes uns dos outros, confrontar-se sem contato. Da
estação balneária à pistas de corridas, a preocupação principal
dos membros da nova “classe de lazer” é de parecer. O
instantâneo, aliás, tem necessidade de tais indivíduos para os
quais o parecer e o ser se confundem; indivíduos em perpétua
representação que, estando sempre expostos, não precisam nem
posar (ROUILLE, 2009, p. 92).
Abaixo, um exemplo de fotografia amadora da década de 1960, Nessa época, a
fotografia instantânea estava no ápice.
Figura 34: Menino andando de bicicleta estático, porém com fundo em movimento. Fotografia Instantânea. Feita com uma Kodak Instamatic. Brasil, 1968. Fonte: Arquivo Pessoal.
107
Somente na década de 1980 os historiadores passaram a reconhecer a fotografia
amadora como uma fonte histórica, sendo uma forte aliada do campo da sociologia e
da psicologia.
Com o aparecimento da era digital, o consumo triplicou, pelos mesmos motivos
competitivos que moveram as classes sociais nesses últimos quarenta anos e pela
própria obsolescência dos objetos desta era tecnológica. Na era digital, “tirar fotos” se
tornou onipresente; está nos aparelhos de celular, na facilidade de operar câmeras
minúsculas com alta tecnologia e preço para todas as classes sociais, caracterizando
ainda mais a fotografia amadora.
Mas, de onde vem o desejo de fotografar tanto? Nos dias de hoje, todos os motivos
interessam aos amadores. São tiradas muitas e muitas por assuntos, como por
exemplo, aniversários, festas, ou qualquer compromisso que se ache justificável fazer
uma fotografia.
A grande mudança e maior estímulo na relação homem/câmera fotográfica foi a
possibilidade de ver a fotografia no monitor da câmera segundos após ela ter sido
produzida. Não era o que acontecia com a fotografia analógica que causava
inquietação e desconforto ao fotógrafo que não via de imediato o resultado do que
fotografou. Com a facilidade das câmeras digitais, as pessoas obtem mais controle
sobre sua realidade construída; o fator tempo-espaço faz com que o instante
fotografado, caso não tenha o recortado do momento presente, repete-se muitas vezes
o ato de fotografar uma mesma cena. Assim sendo, ao compartilhar essas imagens,
pode-se obter várias outras que melhor fixem a realidade vivida naquele instante.
108
No que diz respeito aos aparelhos digitais, o seu consumo exagerado tem a ver com o
comportamento compulsivo das pessoas. Ou seja, pode-se interpretar esse
comportamento como se o tempo passasse tão depressa que, para segurá-lo, também
fotografamos compulsivalmente, no ritmo que ele, o tempo, nos impulsiona.
Como parte integrante do ritmo frenético de fotografar, os amadores não se limitam
hoje somente ao ato de fotografar. Com efeito, suas fotos passam rapidamente para os
sites de relacionamento e/ou para os fotoblogs, como são chamados os sites
especializados em organizar e exibir imagens na internet.
Figura 35: Resultado da ferramenta de busca no site Google, na consulta da palavra da “Galera”, 2011. Fonte: Site: Google Image.
Com isso, a fotografia que antes era tão bem escolhida e guardada para ser um
retrato/referência para o futuro, hoje é obtido tão às pressas que parece não registrar
situação de nenhuma serventia histórica e nem da vida pessoal. Não mais se leva em
conta a privacidade dos momentos familiares de duas décadas atrás comparado com o
momento atual, as fotos são amplamente compartilhadas nos sites de relacionamento,
109
nos blogs e fotologs12 da internet, não só por familiares, como por amigos, amigos dos
amigos e até por desconhecidos que, porventura, se dispunham a conhecer a história
de vida do “fotografado”.
Comparando ainda ante a fragilidade do papel fotográfico, nos dias de hoje, nos
deparamos com a fragilidade de arquivamento dessas imagens digitais. As mídias são
frágeis e tem um curto período de vida útil e se tornam logo obsoletas; exigem, assim,
uma grande capacidade de organização dos seus usuários para que não se percam. Um
simples descuido no armazenamento em um cartão de memória13 ou em um disco de
CD pode não mais funcionar e pôr em risco os acontecimentos fotografados.
Da mesma forma como nossos antepassados organizavam os álbuns de família, as
pessoas hoje, em um grau de maior individualismo, fazem a mesma coisa. A
exposição da vida particular continua a querer mostrar a mesma coisa. Milhares de
fotografias postadas sobre um mesmo evento, detalhes do cotidiano, a exibição de
uma contínua felicidade, parece que, inconcientemente, estamos devolvendo tudo que
ingerimos, nas propagandas maciças que só nos mostram imagens de pessoas
realizadas e felizes. Nesse sentido, explica o filósofo contemporâneo Gilles
Lipovetsky:
12 Fotolog é um site de fotografias. Seus usuários podem mandar todas suas fotografias e compartilhar com os amigo.
13 Cartão de memória ou cartão de memória flash é um dispositivo de armazenamento de dados com memória flash, utilizado em videogames, câmeras digitais, telefones celulares, palms/PDAs, MP3 players, computadores e outros aparelhos eletrônicos. Podem ser regravados várias vezes; não necessitam de eletricidade para manter os dados armazenados; são portáteis e suportam condições de uso e armazenamento mais rigorosos que outros dispositivos baseados em peças móveis.
110
Os Modernos, afirma Nietzsche, gostam de dizer que “inventaram a
felicidade”. Mesmo que, nesses termos, a afirmação seja
eminentemente discutível, não é menos verdade que, a partir do
século XVIII, a questão da felicidade adquire um novo significado,
bem como um relevo excepcional na paisagem da vida intelectual e
cultural (LIPOVESKY, 2007, p. 333).
Nos fotologs e sites de relacionamento, também é passada essa alegria constante, em
que as pessoas demonstram estar tão bem nas suas imagens quanto nos comerciais de
tv. Por isso, o consumo da fotografia assumiu proporção nunca vista antes A profusão
dos meios de comunicação – que hoje inclui a câmera digital e o celular – nos faz
entender o mundo por uma perspectiva imagética do que somos e do que
consumimos. Afinal somos o que consumimos e expomos para o mundo, pois, se
consumimos e não fotografamos é como se não tivesse existido. Conforme
Lipovetsky esclarece:
A ideologia do capitalismo de consumo constitui uma figura
tardia dessa fé otimista na conquista da felicidade pela técnica e
a profusão de bens materias. Simplesmente, a felicidade não é
mais pensada como futuro maravilhoso, mas como presente
radiante, gozo imediato sempre renovado, “utopia
materializada” da abundância (LIPOVESKY, 2007, p. 335).
Um exemplo simples é quando as pessoas vão a Paris e gostam de ser fotografadas
com a torre Eiffel atrás. A fotografia poderia ser em uma rua, em uma loja, mas o fato
é que, se não houver a foto junto à torre é como se não estivessem lá. E assim é com
milhares de códigos. Vivemos em um mundo codificado, representativo e imagético.
111
É a narrativa da comunicação na atualidade. Quando voltamos ao tema central do
nosso estudo sobre a credibilidade nas fotografias, e não estar mais representando o
que de real existiu em uma cena. Esse recurso tecnológico nos faz voltar ao passado e
observar que a cem anos atrás também não representavam com exatidão o que
aconteciam com aquelas famílias, pois as fotografias eram de igual maneira
selecionadas, editadas, de modo que só nos passavam os momentos bons e felizes de
todas as décadas. Portanto esse comportamento humano independe da fotografia ser
analógica ou digital.
As pessoas em sua grande maioria só fotografam com fórmulas parecidas com
fotografias já vistas anteriormente, formando assim um código representativo. As
sociedades criam maneiras de se representar, como forma de criar uma identidade.
Sempre tem uma questão social atrás da fotografia amadora e seu aspecto estético
nunca é de importância principal, tanto é que em muitos álbuns e fotologs encontram-
se fotos tremidas, desfocadas e até mesmo mal enquadradas, mas, como têm um forte
valor representativo, ela foi selecionada e posta no álbum ou postada na internet.
Cumpre registrar ainda que a fotografia amadora é o gênero mais difundido e suas
fotos são as mais vistas no mundo. São elas que ficam no imaginário das pessoas, e
ajudam a formar e a construir uma visão de mundo de como apresentamos a nós
mesmos e de como representamos a sociedade em que vivemos.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram estudadas diversos gêneros de representação da fotografia: jornalística,
documental, autoral, conceitual, publicitária e amadora. Desde a produção do sistema
analógico até os nossos dias com a profusão imagética da era digital e em cada
linguagem fotográfica, a pesquisa revelou diferentes e interessantes aspectos no que
se refere a credibilidade nas produções fotográficas de cada gênero, merecendo uma
análise teórica e prática.
No fotojornalismo, onde a credibilidade das imagens está atrelada à matéria, a
fotografia digital foi a que mais provocou mudanças que resultaram em descrédito.
Por exemplo, com imagens circulando pela internet, a maneira como se apresentavam
punha em dúvida se aquela imagem era verdadeira ou não. Então a credibilidade
passou a não ser mais da imagem, mas do jornal ou revista que estava publicando-a.
Se o orgão de imprensa é um jornal sério que tem credibilidade, a fotografia está
assegurada; se é um jornal pequeno, sem projeção junto ao público, a credibilidade é
nula. O mesmo acontece com os sites, quando se trata de comunicação eletrônica.
A era da comunicação tecnológica também provocou mudanças na profissão de
fotojornalista. Com efeito, na era analógica, operar uma câmera exigia conhecimento
técnico, regulagens de obturador, abertura, sensibilidade de filmes, entre tantos outros
detalhes técnicos. Hoje, porém, as câmeras principalmente as amadoras já vêm com
tudo pronto para boas fotografias, de maneira que qualquer indivíduo pode operá-las
razoávelmente bem. Com o jornalismo em tempo real, os sites e jornais estão fazendo
113
de cidadãos comuns seus fotógrafos; qualquer indivíduo pode fotografar com seu
celular ou com uma câmera compacta e enviar para os jornais e sites; basta estar no
lugar do acontecimento. Nesse novo panorama, existem milhares de fotógrafos
anônimos, atentos para ter seus quinze segundos de glória ao enviarem sua imagem
para serem aceitas e veiculadas pelos meios de comunicação. Com isso, porém
acontece um fenômeno interessante, e digno de ser considerado: com tantas pessoas
fotografando um mesmo fato, quando uma imagem fotográfica é alterada, todos
percebem que a foto foi adulterada, exatamente como aconteceu no atentado de
Madrid, quando vários jornais publicaram a mesma fotografia com váriações em seu
conteúdo.
O álbum de família sempre foi um espaço privilegiado para fotografias amadoras. A
disposição das fotos com as suas imagens passam a impressão de credibilidade em
realção ao fato que foi registrado. Entretanto, ao contrário do que se pensava, a
fotografia amadora nos álbuns de família sempre tiveram alterações em suas
montagens quanto à escolha e à ordem de colocação nos álbuns; alterações, excluindo
pessoas e privilegiando outras, sem que ninguém observasse que essas diferenças
mudavam a linguagem de uma história. Isso não acontece com as imagens digitais
postadas em sites de relacionamento e fotologs. Percebece com facilidade quando
uma imagem é adulterada, porque logo em seguida pode-se ver outra imagem que
não foi editada. Além de elas serem em grande número, muitas pessoas também
fotografam a mesma coisa nos mesmos lugares. Consideramos, então, que uma
fotografia digital pode ser alterada, mas duas ou mais jamais terão alterações iguais.
114
Com essa impossibilidade, conclui-se que está assegurada a sua referência como
indicativo da realidade fotografada.
Nossos estudos ainda evidenciaram outro fato com a fotografia de autor. Referíamos à
fotografia que tem um glamour que caracteriza as imagens produzidas nos anos de
1950 e que tanto nos passa credibilidade quanto aos flagrantes da vida cotidiana. Com
efeito essa credibilidade também foi quebrada ao analisar e descobrir que a famosa
foto “O Beijo”, de Robert Doisneau, foi montada. Na verdade, ele havia combinado o
“flagrante” para construir uma bela foto e entregá-la como produto encomendado.
Essa forma de trabalho montando cenas, utilizando técnicas para melhor expressar um
trabalho sempre foi comum para os fotógrafos analógicos ou digitais. Nesse caso, o
que importa para o fotógrafo é o que está no seu imaginário e na sua perspectiva.
Quanto a essa atitude, Flusser faz o seguinte comentário:
As imagens técnicas (e, em primeiro lugar, a fotografia) deviam
construir denominador comum entre o conhecimento científico,
experiência artística e vivência política de todos os dias. Toda
imagem técnica deveria ser, simultaneamente conhecimento
(verdade), vivência (beleza) e modelo de comportamento (bondade).
Na realidade, porém, a revolução das imagens técnicas tomou rumos
diferentes: ela não torna visível o conhecimento científico, mas o
falseiam; não reintroduzem as imagens tradicionais, mas as
substituem; não torna visível a magia subliminar, mas a substituem
por outra (FLUSSER, 1998, p. 20).
115
Com relacão ao gênero da fotografia publicitária, a pesquisa surpreendeu. Com efeito,
sempre soubemos que esse modelo era cheio de artificialidades, que nasceu para
vender produtos e que sempre foi ficcional. Surpreendeu porque, mesmo com todas
essas características, os trabalhos da imagem fotopublicitária, pelo seu conteúdo
conceitual, serviu e serve para estudos e pesquisas no âmbito de várias ciências.
Através de suas imagens, o observador é levado a perceber hábitos e comportamentos
de épocas tão distintas.
No aspecto da fotografia conceitual, a era da tecnologia digital foi a que mais
provocou avanços em termos de credibilidade de seu trabalho e no terreno da
divulgação de seus conceitos. Destaque para os sites que com as possibilidades e
facilidades da tecnologia de informação ela pode expandir-se de acordo com cada
conceito. Foi a época oportuna para entrar em museus e ser aceita nos meios
intelectuais e centros culturais. Ela se serviu da própria linguagem e da aceitação de
um público aberto ao uso de novas tecnologias e conceitos.
Porém, percebendo que trabalhos como os de Thomas Barbéy, que usa tanta
tecnologia expressando a surrealidade de seu imaginário, já era feita e produzida por
fotógrafos com Moholy Nagy na década de 1920, muito antes de qualquer tecnologia
digital. A filosofia de Flusser dos diz que:
as imagens são superfícies que pretendem algo. Na maioria dos
casos, algo que se encontra lá fora no espaço e no tempo. As imagens
116
são, portanto, resultado do esforço de se abstrair duas das quatro
dimensões de espaço-tempo, para que se conserve apenas a dimensão
do plano. Devem sua origem à capacidade de abstração específica
que podemos chamar de imaginação (FLUSSER. 1998, p. 8).
Todavia em todos os gêneros da fotografia existe a questão da visibilidade versus
invisibilidade. Além das alterações feitas em laboratórios fotográficos desde o
começo do século passado, o ato de fotografar é um filtro que altera o que é real e
camufla o visível. A fotografia sempre foi um processo manual, sempre foi
manipulada, apenas as pessoas não tinham esse conhecimento, no entanto, hoje as
pessoas sabem disso e por isso questionam sua credibilidade. Existem muitos fatores
para que essas alterações modifiquem a fotografia como um produto final, como por
exemplo, a iluminação usada, as lentes com maior ou menor abertura, as lentes de
maior ou menor alcance, também com ângulos diferentes de uma mesma imagem
podem obter expressões totalmente modificadas, os recortes e enquadramentos na
hora da escolha do que se quer fotografar incluindo ou excluindo da imagem
fotográfica pessoas e objetos, tormando assim, visível ou invisível o que o autor da
fotografia determinar, isso pode ser intencional ou não. A verdade, porém, é que esse
procedimento altera totalmente a visualidade de uma cena. Tornando invisível aquilo
quer era visível e por vezes indesejável ao resultado final de uma fotografia. Por outro
viés a fotografia em si é uma forma de tornar visível aquilo que nos é invisível, pela
forma apressada de como vivenciamos as coisas e os fatos, a fotografia é antes de
mais nada uma forma de comunicação, hoje com a tecnologia os caminhos apontam
para uma nova visualidade, uma nova forma de ver e perceber as coisas em um
mundo contextualizado e rodeado de imagens representativas.
117
Por último, não, porém menos importante, uma outra consideração sobre a
credibilidade das imagens fotográficas: elas são o meio, a intermediação da
comunicação mais eficiente dos indivíduos contemporâneos, como disse McLuhan
(2005, p.25): “o universo da comunicação é o centro dos fenômenos sociais,
econômicos e tecnológicos que abalam toda a humanidade nessa transição de
milênios. A mídia é o canal que veicula e transporta a ideologia da nova era, o
neoliberalismo, mas também é alvo desse processo de transformações”.
Acrescentando ao que McLuhan disse, o professor e pesquisador Carlos Pernisa
Junior faz uma análise sobre o tempo veloz em que toda uma sociedade de imagens
se insere, e que nós, os indivíduos dessa sociedade estamos adaptando nossa
visibilidade às novas possibilidades da visualidade das coisas em volta de nós.
A imagem é uma chave para se entender um pouco melhor a
sociedade contemporânea... não procuramos fazer sua apologia e, de
certa maneira, condenando mais seu uso do que sua natureza em si. É
a tentativa de observar como a percepção humana se altera com o
desenvolvimento de uma cultura baseada em alguns valores que se
poderiam chamar de velozes. Toda a questão da informação passa
por este sistema e principalmente o aparecimento e o
aperfeiçoamento dos meios audiovisuais vão trazer uma série de
consequências para aqueles que deles utilizam. Toda essa
preocupação com um mundo veloz passa a atmosfera de uma
sociedade que percebe as coisas de um modo bastante peculiar. Ao
mesmo tempo dá também a ideia de como tudo anda mais rápido a
partir de um contato com uma sociedade em que a aceleração e a
própria comunicação de massa já antigiram um estágio mais
avançado (PERNISA, 1999, p.156).
118
Como vimos, desde a pré-história o homem desenhava nas cavernas o que via, o que
caçava. Mas desenhava também o que não via; desenhava o que imaginava. Na
verdade, o tempo todo o ser humano foi um ser visionário. Além da realidade, ele
procurava expressar seus sentimentos através da arte, fossem eles alegrias, angústias e
sonhos. Com a fotografia também ocorre esse mesmo fenômeno. O homem
manipulou as imagens a seu gosto desde que ela foi criada. Entretanto, o seu caráter
de representatividade tornou-a quase inadmissível que não estivesse representando
uma verdade. Todavia, com a era da tecnologia, fica claro que os indivíduos querem
atingir uma imagem ideal de si mesmo e dos que os cercam, assim como era na
Grécia Antiga, como sempre foi. Por isso imaginam, e imaginação junto com a
tecnologia se enche de possibilidades. Esse imaginário se concretiza em virtual, e sua
realidade é construída em cima deste ideal. Adulterando, mascarando, assim, o que há
de real na própria existência do ser contemporâneo. Tomando para si o imaginário
idealizado.
119
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