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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU DE DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE DO ARRANJO JURÍDICO INSTITUCIONAL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O DESAFIO DAS PORTAS DE SAÍDA Larissa Verena Rocha Batista São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU DE DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:

ANÁLISE DO ARRANJO JURÍDICO INSTITUCIONAL DO PROGRAMA BOLSA

FAMÍLIA E O DESAFIO DAS PORTAS DE SAÍDA

Larissa Verena Rocha Batista

São Paulo

2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU DE DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:

ANÁLISE DO ARRANJO JURÍDICO INSTITUCIONAL DO PROGRAMA BOLSA

FAMÍLIA E O DESAFIO DAS PORTAS DE SAÍDA

Larissa Verena Rocha Batista

TIA: 7135039-1

Dissertação apresentada à Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial

para obtenção do Título de Mestre em Direito

Político e Econômico.

Orientador: Professor Doutor Hélcio Ribeiro

São Paulo

2016

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B333d Batista, Larissa Verena Rocha

Direito e políticas públicas: análise do arranjo jurídico institucional do

programa bolsa família e o desafio das portas de saída. / Larissa Verena Rocha

Batista. – 2016.

270 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016.

Orientador: Hélcio Ribeiro

Bibliografia: f. 252-270

1. Arranjo jurídico-institucional. 2. Políticas públicas. 3. Programa bolsa família.

4. Programas complementares. 5. Portas de saída. I. Título

CDDir 341.252

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LARISSA VERENA ROCHA BATISTA

TIA: 7135039-1

DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:

ANÁLISE DO ARRANJO JURÍDICO INSTITUCIONAL DO PROGRAMA BOLSA

FAMÍLIA E O DESAFIO DAS PORTAS DE SAÍDA

Dissertação apresentada à Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial

para obtenção do Título de Mestre em Direito

Político e Econômico.

Aprovada em ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

Professor Doutor Hélcio Ribeiro - Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Doutor Arthur Roberto Capella Giannattasio Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professora Doutora Camila Villard Duran Universidade de São Paulo

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Dedico esse trabalho ao meu sonho em forma de gente e que traz já no nome a sua real doçura, Mel. Ela que ainda na barriga da minha irmã trouxe-me para São Paulo, para mais perto deste outro sonho, o mestrado. Uma nova história. Novos sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Ao Senhor que reina sobre minha vida e que sonhou esse sonho antes mesmo do meu nascimento. Deus, obrigada pela vida de todos aqueles que, de maneira especial, colocastes em meu caminho, tornando-o florido e acolhedor. Somente a Deus, toda Honra e toda Glória. Para as flores do meu caminho, um agradecimento especial...

Ao meu porto seguro de todo os dias, minha irmã Lidi, meu cunhado Roberto e nosso sonho em forma de gente, a Mel; obrigada por serem, respectivamente, minha inspiração de mulher, meu pai-irmão presente em todas as boas e más horas e meus muitos motivos para sorrir e acreditar. Lidi, desde sempre, tudo começa com você, passa por você e se realiza graças a você. Obrigada por ter nascido antes e sempre preparar meus caminhos.

A minha mãe Lulu e queridas tias-mães Regina e Aidil porque mesmo longe se fazem perto e sempre estarão na primeira fila da vida, torcendo e acreditando.

Aos meus amigos de longe, minha superliga da amizade nascida e crescida em Recife com integrantes que alçaram voos bem longínquos, mas todos com coração e alma pernambucanos, para sempre. Cynthia, Tiago, Mateus, Olga e Remulo, obrigada pelas gargalhadas virtuais garantidas quase que de forma ininterrupta. E no meio desse caminho, ainda foram eu mesma, dada a minha ausência, no momento do Adeus a minha dama de ferro, Tia Olga, mulher forte que plantou as minhas sementes morais e intelectuais, deixando um exemplo inabalável de retidão e generosidade.

À amiga de longe que veio para perto, Marcela, como é bom ter você perto e como foi restaurador passarmos tardes juntas no meio da semana. Aos amigos de perto que se fazem presentes de tantas formas. Alci, Gigicotinha, Cris e nosso eterno chefe Pierre, essa que sempre será minha equipe de trabalho, porque são dessa gente que gosta de gente e faz questão de extrapolar os limites das baias de trabalho e serem os melhores exemplares de pessoas para se conviver.

As minhas Bonitas dessa caminhada no Mackenzie, Cintia Flor, Maricotinha e Ju que tornaram suaves e acolhedoras as nossas aulas; A Paula Brasil, por ser gente que muda a vida da gente! Paulinha, você entrou e tomou conta, com sua segurança e disposição de ser o que é. Em tempos difíceis, você foi abrigo acolhedor e força para continuar. Chegou, ficou e de quebra, foi diretamente responsável por restaurar uma família. Eu e a nossa Fran lhe seremos eternamente gratas.

A querida demais Vanessa Cardoso, representando a minha Igreja da Comunhão Ágape Butantã, com sua doce e firme presença essencial nos últimos tempos; foi com ela que chorei lágrimas de angustia porque tudo parecia não acontecer...e foi ela instrumento de Deus para orar e interceder pela minha vida. Van, obrigada pelo coração disposto, pelo incentivo e, sobretudo, por me ensinar caminhos para romper em Fé.

Ao Seu Mario Randich e família, a minha eterna gratidão por terem reconhecido em mim talentos que me trouxeram até aqui. E mais, agiram e fizeram acontecer esse sonho. Seu Mario, você foi um pai em momentos decisivos. Amou, cuidou, agiu e acreditou em mim. Obrigada por ter tornado esse sonho possível.

Aos queridos professores Gianpaolo Smanio e Solange Teles por terem sido incentivadores das minhas ideias, ainda nas primeiras aulas de Ensino e Pesquisa; O

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Prof. Smanio ainda me deu a honra de estar na Banca de Qualificação e contribuir com todo seu conhecimento de forma humilde e humana. À Maria Paula Dallari Bucci cuja tutoria foi uma grata realidade que saltou dos meus sonhos enquanto estudava os seus livros. Foi precioso esse começo. À Patrícia Tuma por ser o que é...humana por excelência, profissional que inspira e mulher que muda a forma de ser mulher. Obrigada desde o começo e para sempre por ser uma referencia. A Cristiane e ao Gabriel da Coordenação pela presteza e olhares compreensivos em meio as nossas dificuldades. Ao Mackenzie, pela oportunidade.

Ao professor Hélcio Ribeiro, meu orientador, não bastarão todas as palavras de agradecimento pela seriedade, disponibilidade, paciência e acima de tudo competência. Cabeça pensante e brilhante, sem dúvida, mas, em especial, sua generosidade e olhar humano impressionaram-me e foi capaz de fazer-me forte para continuar quando eu achava que não conseguiria. Obrigada por permitir que este trabalho seja apresentado à comunidade acadêmica e, sobretudo, obrigada por não desistir de mim e por me conduzir por águas mais tranquilas, ainda que as circunstâncias tenham sido turbulentas. É orientador e humano porque ensina enquanto compreende o outro.

Toda a minha gratidão e respeito à Professora Camila Villard Duran que como examinadora da Banca de Qualificação descortinou um novo caminho de ideias desafiadoras, com sugestões de mudanças estruturais, repleta de excelentes indicações bibliográficas, olhar e críticas que me levaram por uma estrada menos cômoda e por isso, mais difícil. Certamente, a segurança e conhecimento de uma pesquisadora conceituada que de forma humilde trouxe valiosos ensinamentos permitiu-me chegar até aqui. Espero que a minha pesquisa ao final corresponda de alguma forma à valorosa contribuição da Prof. Camila que passou a ser uma inspiração. Obrigada por isso também!

Por último e porque comecei falando de flores...todo o meu amor e gratidão aquele que me descobriu flor e transformou a minha vida num jardim cuidado e amado, em cada detalhe; ao jardineiro da minha vida.... ele tira os espinhos, poda os excessos, coloca adubo e faz novos plantios para evitar a solidão. Você que é meu Coração Valente que cuida e guarda o meu coração. O meu presente de Deus com o qual sonhei a vida toda e chegou infinitamente melhor que o sonho; o homem da minha vida que me deu de presente uma família abençoada que passou a ser minha também; a sua mãe, Dona Deci, mulher de Deus que nos cobre com suas orações e muito tem me ensinado com seu exemplo de fé e inteligência emocional, mesmo em meio aos dias tão chuvosos. Obrigada, meu amor, pelos incentivos sem fim, pelo apoio incondicional sob todos os aspectos. Meu suporte espiritual, por tantas vezes financeiros e, sobretudo, emocional pelo que tem me ensinado a viver. Denis, o amado da minha alma, a quem agradeço por me trazer à vida com o doce sabor do amor.

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Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder.

(Noberto Bobbio, em A Era dos Direitos)

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RESUMO

Adotando-se o entendimento de que o estudo das políticas públicas favorece a concretização de previsões constitucionais, como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, situa-se o debate dentro de um contexto mais amplo da institucionalidade das políticas sociais no país, buscando-se compreender as origens do Programa Bolsa Família e as relações de suas ferramentas com aspectos históricos. A partir da análise da relação entre o Direito e o Bolsa Família evidencia-se a necessidade de um olhar mais apurado sobre o descompasso entre a caixa de ferramentas do direito e o mundo que ele pretende descrever, analisar e operar. Aborda-se ainda, a necessidade de adensamento de políticas públicas voltadas para inclusão social dos beneficiários desse Programa que completou dez anos, em 2013, sendo o mais amplo programa de transferência de renda da história do Brasil. O foco está no seu terceiro eixo cujo objetivo oficial é promover o desenvolvimento de capital humano e a autonomização das famílias beneficiárias para que consigam superar a situação de vulnerabilidade e de pobreza. A perspectiva de inclusão social pressupõe a oferta de serviços de qualidade de educação e de saúde e de programas complementares pelas esferas governamentais, em parceria com a sociedade civil organizada, o que constitui um eixo essencial para a efetividade do combate à pobreza, contribuindo para as chamadas ―portas de saída‖ do Programa. Aponta-se para o desafio dessas iniciativas estarem afinadas às necessidades dos beneficiários, considerados os potenciais e as lacunas locais. O PBF não constituirá um programa estruturante sem a oferta de reais condições ao seu público alvo para a superação da pobreza e ampliação das chances de vida. Palavras-chave: arranjo jurídico-institucional; políticas públicas; programa bolsa família; programas complementares; portas de saída.

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ABSTRACT

Adopting the understanding that the study of public policy favors the implementation of constitutional provisions, such as the eradication of poverty and the reduction of social inequalities, It lies the debate within a wider context of institutions of social policies in the country, seeking to understand the origins of the Bolsa Família Program and the relations of their tools with historical aspects. From the analysis of the relationship between law and the Bolsa Família Program arises highlighted the prompting jurists to the need for a closer look at the mismatch between the law in theory and the world that we all intend to describe, analyze and operate.This research focuses on the study of the need for public policies of consolidation aimed at social inclusion for the beneficiaries of the family scholarship program, which has completed ten years in 2013, with the title of widest income transfer program in Brazilian history. Focus is on his third basis of support structure whose official purpose is to promote the development of human capital and the empowerment of beneficiary families, so that they are able to overcome the situation of vulnerability and poverty in which they live. In this sense, the prospect of social inclusion requires the provision of quality education and health services and complementary programs by the governments, in partnership with organized civil society, which is a key aspect for the effectiveness of the fight against poverty, contributing to the way out of the program. The research focusses on the challenge of these initiatives are tuned with the needs of beneficiaries, considering the potential and the problems caused by government negligence. The family scholarship program cannot be a structural program if it cannot offer real conditions to its target audience to overcome poverty and expansion of life chances. Keywords: legal and institutional arrangement; public policy; family scholarship program; complementary programs; getaway doors.

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ABREVIATURA E SIGLAS

Benefício de Prestação continuada da Assistência Social – BPC

Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico

Centro de Referência de Assistência Social - CRAS

Centro de Referência Especializada de Assistência Social - CREAS

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL

Comissão Intergestores Tripartite - CIT

Constituição Federal da República de 1988 – CFR/88

Controladoria-Geral da União - CGU

Coordenadoria Geral da Política de Alimentação e Nutrição – CGPAN

Departamento de Atenção Básica - DAB

Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - FIBGE

Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS)

Índice de Desenvolvimento Humano - IDH

Índice de Exclusão Social – IES

Índice de Gestão Descentralizado - IGD

Instituto de Pesquisa e Econômica Aplicada – IPEA

Índice de Pobreza Multidimensional - IPM

Instâncias de Controle Social – ICS

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Instituto Nacional do Seguro Social - INSS)

Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS

Ministério da Educação e Cultura – MEC

Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA

Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate a Fome – MDS

Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar - MESA

Ministério do Trabalho e Emprego - MTE

Organização das Nações Unidas- ONU

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO

Objetivos do Milênio – ODM

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Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD

Plano Brasil Sem Miséria – BSM

Política Nacional de Assistência Social – PNAS

Produto Interno Bruto - PIB

Programa Bolsa Família - PBF

Programa Brasil Alfabetizado - PBA

Programa de Aceleração do Crescimento - PAC

Programa de Erradicação do trabalho Infantil - PETI

Programa de Garantia de Renda Mínima - PGRM

Programa de Fortalecimento da Agricultura Família - PRONAF

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD

Programas de transferências condicionadas de renda - PTCR

Relatório de Desenvolvimento Humano - RDH

Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias – SAIP

Secretaria de Atenção à Saúde - SAS

Secretaria de Avaliação e Gestão de Informação – SAGI

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD

Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS

Secretaria Nacional de Renda de Cidadania – SENARC

Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional – SESAN

Sistema de Condicionalidades - SICON

Sistema de Gestão de Benefícios – SIBEC

Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN

Sistema Informatizado de Controle de Óbitos - SISOBI

Sistema Único de Assistência Social – SUAS

Sistema Único de Saúde - SUS

Tribunal de Contas da União – TCU

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................13

CAPÍTULO 1. O BOLSA FAMÍLIA E O DESAFIO DAS PORTAS DE SAÍDA.............17

1.1. Dez anos de Bolsa Família......................................................................................19

1.1.1. Crescimento econômico e Desigualdade social................................................35

1.1.2. Impacto no quadro social de pobreza................................................................49

1.1.3. Pesquisas qualitativas e a voz dos beneficiários...............................................68

1.2. Exigência e viabilização das condicionalidades: punição ou incentivo?...............76

1.3. Gargalo do programa: inclusão social produtiva.....................................................98

CAPÍTULO 2. O ARRANJO JURÍDICO INSTITUCIONAL DO BOLSA FAMÍLIA......107

2.1. Teoria da constituição e constitucionalismo social................................................111

2.2. Direito e políticas públicas para erradicação da pobreza......................................126

2.2.1. Inclusão social e Programas de transferência de renda.................................145

2.3. Capacidades políticas e institucionais do Bolsa Família.......................................166

2.3.1. Ciclo das políticas públicas e o desafio da definição de competências.........176

2.3.2. Ferramentas e instrumentos jurídicos do Programa........................................181

2.4. Cultura política da cidadania e judicialização de políticas públicas......................190

2.4.1. Modelo distributivo, descentralização e participação......................................198

CAPÍTULO 3. PARA ALÉM DO BOLSA FAMÍLIA.....................................................207

3.1. A articulação entre políticas púbicas sociais.........................................................208

3.2. Programas complementares e a inclusão social dos beneficiários.......................215

3.2.1. Programas complementares federais e Boas práticas locais...........................223

3.3. Direito, Desenvolvimento e Novos desafios na agenda governamental..............229

CONCLUSÃO...............................................................................................................243 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................252

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INTRODUÇÃO

A erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das

desigualdades sociais e regionais, previstas no inciso III do artigo 3º da Constituição

Federal de 1988, entre os seus objetivos sociais e, numa perspectiva de virar a outra

face da moeda, a necessidade da inclusão social e produtiva destacam-se como

desafio de uma realidade diária de milhões de brasileiros que consiste no extremo

oposto dessa previsão constitucional que se assenta no pilar de um Estado

Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, caput, da Magna Carta de 1988, num

contexto de Direitos Sociais garantidos constitucionalmente.

O enfrentamento da pobreza no Brasil deve levar em consideração a

magnitude da população pobre e sua heterogeneidade, a natureza multidimensional da

questão e as dificuldades existentes na matriz institucional das políticas sociais,

marcada pela falta de articulação, ausência de sistemas integrados de informação e da

de portas de entrada efetivas para o sistema de proteção social que assegurem o

acesso a todas as políticas sociais por parte das populações mais pobres de modo que

tenham o acesso pleno a todos os serviços sociais e direitos de cidadania.

Em meados da década de noventa, considerando-se que o simples

crescimento econômico não havia trazido avanços referentes à inclusão social, passou-

se a considerar a necessidade de construção de uma estrutura institucional abrangente

de desenvolvimento social. O governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC -

(jan/1995 a dez/2002) apresentou um viés social, em conjunto com estratégias

econômicas (plano real) dando início a uma estabilidade econômica que abriu caminho

para melhoria da qualidade de vida das pessoas. Algumas políticas foram

implementadas objetivando a melhoria da renda e da qualidade de vida da população

mais pobre como, por exemplo, o Programa de Erradicação do trabalho Infantil (PETI),

o Agente Jovem, o Sentinela, o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás.

Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) assumiu a presidência da República em

janeiro de 2003, defendendo a continuidade dos avanços econômicos conquistados

pelo governo anterior, mas reconhecendo o momento de priorização de projetos de

inclusão social como o Fome Zero e, posteriormente, o Programa Bolsa Família – PBF.

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O PBF é a principal política social do governo federal e nessa pesquisa

serão apresentados dados e estudos que confirmam sua relevância, ressalvados os

seus limites e desafios. Apesar dos seus expressivos ganhos redistributivos e da sua

contribuição para melhoraria das condições de vida dos beneficiários, tem-se que o

programa por si só não garante a efetiva inclusão social do seu público alvo. Aponta-se

para uma necessária articulação com outras políticas públicas rumo ao

desenvolvimento das capacidades dos beneficiários.

Num contexto do arranjo jurídico institucional do PBF e sua articulação com

programas complementares, importa pensar sobre questões como: na perspectiva de

ação do poder público, por que, apesar da existência de ações e programas

implementados no curso do PBF, eles não estariam trazendo os efeitos esperados no

tocante às portas de saída do programa por parte dos beneficiários, apontando-lhes e

garantindo-lhes uma efetiva inclusão social? na perspectiva dos beneficiários, por que

não estamos vendo repercussões do seu papel ativo nesse conjunto de ações com

vistas ao seu exercício consolidado da cidadania?

No decorrer desta pesquisa, algumas questões parecem insistir como

problemas. A falta de articulação entre políticas públicas que, não dialogando entre si

comprometem a efetivação dos direitos sociais e descortina a necessidade do

enfrentamento da desarticulação de estratégias governamentais, ao passo que se

busque soluções para promover uma integração entre os atores envolvidos nas

diferentes etapas do ciclo dessas ações que pode ter na centralização um dos seus

grandes obstáculos a serem superados.

O grande desafio de pautar e priorizar o público atendido pelo PBF, uma

parcela da população não acostumada com o exercício da cidadania, abrindo-lhes

novos espaços de inclusão e ampliando os existentes. Os motivos e condições da

saída do programa compõem um cenário cujo plano de fundo deve ser o planejamento

de uma saída sustentável. É pensar para além do bolsa família; é a estruturação da

vida pós bolsa família rumo a efetivação da cidadania ativa e participativa.

Para tal intento, a presente pesquisa presta-se a analisar o papel do direito

na história da implementação do PBF. Revisita o padrão de políticas sociais

historicamente seguido no Brasil a partir de 1930, a literatura sobre a criação do

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Programa, percebendo-o como representativo de um modelo de política social que

contém novos atributos, apontando para a tendência de um arranjo mais distributivo,

descentralizado e participativo, ainda que com muitos desafios nesse sentido.

Apresentam-se algumas das suas ferramentas de gestão, bem como seus

mecanismos de implementação, a sua correspondência com instrumentos jurídicos, a

partir do que se percebe haver uma distância entre a forma dinâmica como o direito

das políticas públicas opera na prática e o modo estático como ele é sistematizado e

apresentado em manuais, o que pode prejudicar a orientação dos gestores e dos

juristas que as operacionalizam.

Ao que parece, a análise das características do programa e dos processos

de mudanças pelos quais passou desde sua criação aponta para uma ―caixa de

ferramentas‖ dos juristas com ―apetrechos enferrujados‖, segundo a analogia sugerida

por Maria Paula Bucci. É que o PBF tem ilustrado a distância entre a perspectiva de

análise comumente adotada em manuais que apresentam e sistematizam categorias

do direito e a forma como as políticas públicas vão se estruturando no dia-a-dia de sua

implementação concreta. Eis um ponto de desafio para o pesquisador na área jurídica:

estudar políticas públicas ―sujando as mãos‖. É preciso ir além dos manuais.

Acredita-se que o ensino/pesquisa do direito estar restrito ao uso de

manuais é privar o pesquisador das informações e elementos necessários para

enfrentar os desafios impostos pela sociedade e pelo próprio ordenamento jurídico. É

preciso suscitar uma visão critica e dialética sobre as questões que se colocam,

ultrapassando o nível do sentido ―comum teórico dos juristas‖ que valoriza quase que

exclusivamente uma abordagem sistemática e lógico-dedutiva, ―abrindo caminho para

que o ‗pedantismo da ligeireza‘ sirva de critério para o prevalecimento, no âmbito do

corpo docente, de um tipo modal de mestre acrítico, burocrático e subserviente aos

clichês e estereótipos predominantes entre os juristas de ofício‖.1

Trata-se de uma batalha travada contra o formalismo jurídico e a

permanência de uma visão disciplinar estanque que impede que os juristas enxerguem

os problemas jurídicos em seu contexto político, social e econômico. Diante disso, a

1FARIA,José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor 1987.p.47

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opção dessa pesquisa por uma perspectiva interdisciplinar, capaz de integrar os

indispensáveis elementos de economia e política ao direito, buscando refletir sobre as

finalidades e elementos constitutivos do saber jurídico, a noção de justiça, a construção

socioeconômica dos conflitos e a observação da produção, prática e efeitos do direito

nas políticas públicas, intento que é estimulado e instrumentalizado graças ao caráter

multidisciplinar do programa de direito político e econômico desta Instituição.

O cénario é uma sociedade variada demais e complexa demais para

análises sob óticas disciplinares únicas e excludentes. Considera-se, por exemplo, as

implicações jurídicas decorrentes da implantação, consolidação e expansão do

fenômeno sócio-econômico-cultural da globalização no mundo contemporâneo, e

ataques a direitos fundamentais dos cidadãos conquistados ao longo de séculos.2 São

tempos em que se alega crise do Direito como reflexo do declínio do Estado nação,

bem como declínio da cidadania e da democracia representativa.

(...) qual é a viabilidade do ―direito social‖ num período histórico em que a maioria dos países, principalmente os em desenvolvimento, vêm competindo acirradamente entre si para oferecer um ambiente interno ―atraente‖ para esses investimentos? Em suma, que nível de efetividade poderá esse tipo de direito realmente alcançar numa societas mercatorum e numa ―economia-mundo‖, em cujo âmbito os homens estão deixando de ser ―sujeitos de direito‖ para se converterem em ―sujeitos organizacionais‖.3

É um cenário de mundo globalizado, descortinado em alguns dos seus

possíveis desdobramentos institucionais, tal como se pôr em xeque a eficiência da

intervenção governamental, a força e soberania do estado nação. É um tempo fruto do

desenvolvimento humano, da capacidade criativa e transformadora do homem e que

parece não apontar vilões únicos e isolados nos conflitos que apresenta, em especial a

realidade dos interesses cada vez mais (apenas) mercantilistas de um sistema de

produção/consumo atentatório aos direitos humanos fundamentais e direitos sociais

que vem sendo conquistados ao longo de uma história profundamente marcada por

mazelas sociais. Eis o Brasil de hoje, na expectativa de que não seja o de amanhã.

2FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo, Malheiros, 2004.

3FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo, Malheiros, 2004.

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CAPÍTULO 1. O BOLSA FAMÍLIA E O DESAFIO DAS PORTAS DE SAÍDA

O PBF foi concebido no âmbito das políticas públicas como direito no

contexto do desenvolvimento econômico e social, sempre envolto em discursões sobre

seu assento numa visão meramente compensatória e assistencialista que marcou a

história da política social no Brasil. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento

Social e de Combate a Fome – MDS são 14 milhões de famílias alcançadas pelo

programa e um histórico de retirada de 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza4.

O valor médio do benefício passou de R$ 73,70 em outubro de 2003 para R$

167,79 em abril de 2015. O programa custa o equivalente a 0,5% do PIB5, um custo-

benefício apontado por Marcelo Néri como a maior vantagem desse modelo brasileiro

de transferência de renda condicionada, considerando que cada R$ 1 transferido para

as famílias se transforma em R$ 1,78 na economia do país.6 Dada a magnitude

alcançada pelo Programa, visto sob a perspectiva orçamentária e financeira (segundo o

MDS, uma década após a sua criação fechou 2013 com o recorde de R$ 24,5 bilhões

transferidos a famílias de baixa renda; o programa transferiu R$ 164,7 bilhões nos seus

dez anos), e ainda, pela sua abrangência social (numero de beneficiários) tem-se que

ele figura no centro de grande debate.

Fala-se em armadilha da pobreza como o fenômeno ao qual estariam

sujeitos os programas de transferências de renda, considerando-se que iniciativas

assim podem resultar em estimulo aos seus beneficiários para que permaneçam nessa

condição e assim possam continuar alvos do benefício. Contrariamente:

O PBF inicia a superação da cultura de resignação e propõe-se a mudar o cenário político, ajudando a combater o clientelismo eleitoral. Pode ser visto como um programa de política de urgência moral, entretanto, possui em germe condições de se transformar em política pública de cidadania (…) Trata-se da sua potencialidade de dar início ao círculo

4CAMPELLO, Tereza. Sobre os resultados do PBF nos seus 12 anos de história. Disponível em:

http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2015/outubro/tereza-campello-destaca-avancos-do-bolsa-familia-nos-ultimos-12-anos. Acesso em 04 de dezembro de 2015. 5MDS.Disponível:http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2015/abril/mais-de-3-1-milhoes-de-

familias-sairam-voluntariamente-do-bolsa-familia. Acesso em 29 de abril de 2015. 6Marcelo Neri era o presidente do IPEA em 2013 quando o programa completou uma década. Disponível

em:http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/05/bolsa-familia-75-4-dos-beneficiarios-estao-trabalhando. Aceso em 25 de maio de 2015.

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18

vicioso de direitos (um direito se expande e dá origem a novas reivindicações por outros direitos e assim indefinidamente, acabando com o ciclo vicioso da pobreza.7

O PBF é o programa social em vigor de maior destaque e tem o mérito de

enfrentar importantes questões ligadas à pobreza, apresentando resultados positivos ao

longo dos seus mais de dez anos, sobretudo com a retirada de alguns milhões de

pessoas do estado agudo e absoluto de pobreza. Contudo, não pode distanciar-se do

alvo de uma efetiva mudança econômica e social de seus beneficiários de forma que

consigam superar em definitivo a condição de vulnerabilidade em que se encontram. O

Programa dever ser, portanto, uma grande porta de entrada para a cidadania.

Considera-se o seu impacto a curto prazo na vida dos beneficiários e passa-

se a necessidade de uma abordagem sobre as chamadas portas de saída, ponderando-

se sobre os seus efeitos a médio e longo prazo, considerando fatores tais como o

programa estar associado a mudanças estruturais, afinal se os determinantes da

pobreza não forem alterados, novos contingentes nessa situação surgirão.

Como bem se considerou na apresentação do Plano Brasil Sem Miséria -

BSM, em 2011, com o objetivo de superar a extrema pobreza, a renda é variável

fundamental, mas a extrema pobreza se manifesta de múltiplas formas (insuficiência de

renda, insegurança alimentar e nutricional, baixa escolaridade, pouca qualificação

profissional, fragilidade de inserção no mundo do trabalho, acesso precário à água, à

energia elétrica, à saúde e à moradia são apenas algumas delas) e por isso, superar a

extrema pobreza requer a ação intersetorial do Estado.8

Ao que parece, fórmulas messiânicas que prometem acabar com os maiores

males do Brasil de uma só vez não são a saída. Um dos caminhos, talvez, seja dotar o

país de um sistema eficiente e democrático de proteção social, uma tarefa complexa

que não se esgota nas responsabilidades do governo federal e não se realiza de uma

hora para outra. Exige a ação responsável dos três poderes da República, o

envolvimento empenhado dos demais setores de governo, a participação ativa e

responsável da sociedade civil e de suas organizações. Uma tarefa de toda a Nação.

7REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Liberdade, dinheiro e autonomia: O caso do Bolsa

Família. In: Política e Trabalho. Revista de Ciências Sociais, 38, Abril de 2013, pp.21-42. 8Plano Brasil Sem Miséria. Disponível em: http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao. Acesso 24

de maio de 2015.

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19

1.1. Dez anos de Bolsa Família

Identificam-se diferentes momentos dentro da própria história da

implementação do PBF. A divisão a seguir considera a existência de quatro fases,

aproveitando ideias presentes nas sistematizações de Coutinho9 que identifica três

períodos diferentes na história do programa (2003-2004; 2005- 2006 e 2007-2008), e de

Paiva, Falcão e Bartholo10 que incluem uma quarta fase de 2009 a 2010. Uma quinta

fase é adicionada a essas, buscando-se compreender o período de 2010 a 2013.

Na primeira fase do programa (2003-2004) foram enfrentadas dificuldades

políticas e operacionais referentes à tarefa de implementar novas políticas, enquanto

gerenciava-se as anteriores.11 Também considera-se nessa fase, o incremento da

cobertura do programa (incluindo a migração de famílias já beneficiárias e a inclusão

das que ainda não recebiam transferência de renda) e as fragilidades iniciais da

construção do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico,

ferramenta que concentra os registros dos potenciais beneficiários do programa.12

A segunda fase (2005-2006) foi marcada por esforços para consolidar a

moldura legal do programa, havendo uma intensa ―juridificação‖ e um fortalecimento

nas relações com estados e municípios e entre os ministérios responsáveis por sua

execução.13 Destacam-se a criação do Índice de Gestão Descentralizada - IGD para

9COUTINHO, Diogo Rosenthal. Decentralization and Coordination in Social Law and Policy: The Bolsa

Família Program. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, 2013. 10

PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013. 11

COUTINHO, Diogo Rosenthal. Decentralization and Coordination in Social Law and Policy: The Bolsa Família Program. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, p. 321. 12

PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013.p. 28. 13

COUTINHO, Diogo Rosenthal. Decentralization and Coordination in Social Law and Policy: The Bolsa Família Program. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, 2013.p.321.

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20

mensurar a qualidade da gestão local e determinar a transferência de recursos - e uma

remodelagem no acompanhamento das condicionalidades em articulação com os

Ministérios da Saúde e da Educação.14

Na terceira fase (2007-2008) começou a ser discutida a questão das ―portas

de saída‖, entendidas como medidas graduais para os beneficiários que alcançassem

um nível de renda que os colocasse fora do público-alvo do programa.15 O PBF passou

a incorporar uma regra de permanência, segundo a qual, dentro de um período de dois

anos, a renda familiar per capita poderia variar acima do critério de elegibilidade sem

que a família tivesse que deixar o programa.16

Em uma quarta fase (2009-2010) foram ampliadas as estimativas de

atendimento alcançando o número de 13 milhões de famílias. Houve um avanço na

aproximação com a rede de assistência social na medida em que as famílias

beneficiárias em situação de descumprimento de condicionalidades passaram a ter

prioridade de acompanhamento por essa rede.17

É possível perceber, nesse sentido, um estreitamento das relações entre o

PBF e o Sistema Único de Assistência Social - SUAS nos últimos anos, a exemplo da

aprovação, pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), do Protocolo de Gestão

Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda que evidenciou a

interdependência entre o SUAS, o CadÚnico e o PBF.18

14PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria:

um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013.p.28 15

COUTINHO, Diogo Rosenthal. Decentralization and Coordination in Social Law and Policy: The Bolsa Família Program. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, 2013. p.321. 16

PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013.p. 28. 17

PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013.p.29. 18

COLIN, Denise Ratmann Arruda; PEREIRA, Juliana Maria Fernandes; GONELLI, Valéria Maria de Massarani. Trajetória de construção da gestão integrada do Sistema Único de Assistência Social, do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família para a consolidação do modelo Brasileiro de proteção

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21

Com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria em 201119 identifica-se uma

quinta fase que trouxe uma ampliação da agenda de superação da miséria. O Plano

apresenta como eixos a garantia de renda, o acesso a serviços e a inclusão produtiva.

O BSM levou ao reajuste de benefícios, ao aumento do limite de benefícios variáveis

por família de três para cinco, à implementação efetiva de benefícios para nutrizes e

gestantes, à adoção da estratégia de ―busca ativa‖ e, mais para frente, a um novo

benefício chamado de ―Benefício de Superação da Extrema Pobreza‖ para fazer com

que a renda das famílias alcançasse esses setenta reais por pessoa por mês.20

O PBF foi criado em outubro de 2003 pelo então Presidente Lula, através da

Medida Provisória nº 132 e confirmado pela Lei Federal nº 10.836, de 9 de janeiro de

2004 21, regulamentado pelo Decreto nº 5.209 de 17/09/04 e alterado pelo decreto n°

6.157 de 16/07/2007 e surgiu do processo de unificação dos programas: Nacional de

Renda Mínima vinculado à saúde – Bolsa Alimentação, associado à educação – Bolsa

Escola, acesso à alimentação – Cartão Alimentação e o Auxílio Gás. Em 2005, foram

incluídos também o PETI e o Agente Jovem.

Draibe identifica que a criação do PBF veio acompanhada do discurso de

superação das falhas detectadas no período anterior, destacando-se a realização de

ações integradas para superação da fragmentação e superposição de esforços, a

aplicação de enfoque intersetorial, a associação com a sociedade civil organizada e a

conjugação de esforços e recursos com estados e municípios.22

social. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013. 19

Segundo dados oficiais, em março de 2013, os últimos brasileiros do PBF que ainda viviam na miséria transpuseram a linha da extrema pobreza. Com eles, 22 milhões de pessoas superaram tal condição desde o lançamento do Plano. Mas ainda há três grandes desafios pela frente. Um deles é o da busca ativa para que nenhuma família com o perfil do BSM fique fora do CadÚnico. O segundo é o de aperfeiçoar ainda mais as estratégias de inclusão produtiva. E o terceiro é o de ofertar mais serviços de qualidade, concebidos de forma a acolher e incluir quem mais precisa. Disponível em: http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao. Acesso 24/05/15 20

PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2013. 21

BRASIL. Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/Lei/10836.htm>. 22

DRAIBE, Sonia Miriam. Brasil: Bolsa-Escola y Bolsa-Família. In: COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando (coords.) Transferencias com corresponsabilidad. Uma mirada latinoamericana. Cap. III. México D. F.: FLACSO, 2006.

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22

Assim, o PBF se traduz na transferência de renda às famílias pobres e

extremamente pobres e, estrategicamente, tem como foco a unidade familiar e não

mais os seus membros separadamente considerados23. Acredita-se que a partir da

interação entre os Governos Federal, Estadual e Municipal, a liberação dos recursos

tornou-se mais rápida, com menos burocracia e com melhor sistema de controle.

Embora a estratégia de programas de transferência de renda tenha sido

pensada e considerada por vários políticos e governantes como Eduardo Suplicy,

Cristovam Buarque e Antônio Palocci, o PBF propriamente dito foi instituído pela Lei

10.836/04, vinculado e subordinado diretamente ao Gabinete da Presidência da

República. Em janeiro de 2004, migrou para o MDS que passou a fazer a sua gestão e

do CadÚnico por meio da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC).

Atualmente, o PBF integra o Plano BSM24 que tem como foco de atuação os

milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$77 mensais e, segundo

discurso oficial possui três eixos principais: a transferência de renda promove o alívio

imediato da extrema pobreza; as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais

básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas

complementares, numa perspectiva de inclusão produtiva para aumentar as

capacidades e as oportunidades de trabalho e geração de renda, de modo que os

beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade.

O PBF é um programa de transferência direta de renda com

condicionalidades que atende famílias pobres (renda mensal por pessoa entre R$ 77,01

e R$ 154) e extremamente pobres (renda mensal por pessoa de até R$ 77). São vários

tipos de benefícios, utilizados para compor a parcela mensal que os beneficiários

recebem e são baseados no perfil da família registrado no CadÚnico. Entre as

informações consideradas estão a renda mensal por pessoa, o número de integrantes,

o total de crianças e adolescentes de até 17 anos e a existência de gestantes. 25

23WEISSHEIMER, Marco Aurelio. Bolsa família: avanços, limites e possibilidades do programa que está

transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. 24

Em 2 de junho de 2011, o Governo Federal lançou, por meio do Decreto nº 7.492, o Plano Brasil Sem Miséria (BSM) com o objetivo de superar a extrema pobreza até o final de 2014. Disponível em: http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao. Acesso em 24 de maio de 2015. 25

MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios. Acesso 24 de maio de 2015.

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23

São estabelecidos os seguintes tipos de benefícios: Benefício Básico de R$

77 concedido apenas a famílias extremamente pobres; Benefício Variável de R$ 35

concedido às famílias com crianças ou adolescentes de 0 a 15 anos de idade; Benefício

Variável à Gestante de R$ 35 concedido às famílias que tenham gestantes em sua

composição; Benefício Variável Nutriz de R$ 35 concedido às famílias que tenham

crianças com idade entre 0 e 6 meses em sua composição. Os benefícios variáveis

referidos acima são limitados a 5 (cinco) por família. O Benefício Variável Vinculado ao

Adolescente de R$ 42 é concedido a famílias que tenham adolescentes entre 16 e 17

anos, limitado a dois benefícios por família; Benefício para Superação da Extrema

Pobreza a ser calculado e transferido às famílias atendidas pelo PBF que continuem em

situação de extrema pobreza, mesmo após o recebimento dos outros benefícios.26

O artigo 8º da lei que criou o PBF dispõe que a execução e gestão do

programa são políticas públicas e governamentais. O município ou estado compromete-

se, numa espécie de pacto de adesão, com o desenvolvimento de ações específicas no

sentido de apoiar a implementação, a gestão, o controle social e a fiscalização. A

integração entre ele e as iniciativas próprias dos estados e municípios no tocante à

transferência de renda são resultado dessa pactuação.27

Dessa forma, a gestão do programa é descentralizada e compartilhada entre

a União, estados, Distrito Federal e municípios. Os entes federados devem trabalhar em

conjunto para aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução. A seleção das famílias é feita

com base nas informações registradas pelo município no Cadastro Único, instrumento

de coleta e gestão de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de

baixa renda existentes no Brasil. Com base nesses dados, o MDS seleciona as famílias

que serão incluídas para receber o benefício. Contudo, o cadastramento não implica a

entrada imediata das famílias no programa e o recebimento do benefício.28

È prevista a participação da sociedade em sua implementação e fiscalização,

competindo aos Estados proporcionar estrutura para funcionamento do programa, além

de sensibilizar e articular os gestores municipais. Aos municípios compete a

26MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios. Acesso 24 de maio de 2015.

27BRASIL. Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/Lei/10836.htm>. 28

MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia Acesso dia 24 de maio de 2015.

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24

administração mais imediata, como estabelecer a inscrição dos beneficiários; constituir

uma coordenação intersetorial que será responsável pelas ações do programa no

âmbito municipal; constituir órgão de participação social; promover a articulação entre

os demais membros da federação, para o acompanhamento das condicionalidades.29

Pesquisas qualitativas e percepções do programa pelos beneficiários,

exploradas em tópico adiante, apontam significativa melhora na qualidade de vida dos

mesmos, em especial, quanto ao acesso à alimentação, à educação e à saúde. Ainda

assim, há que se considerar também as severas críticas das quais é alvo.

Alguns o têm na esteira de tantos outros programas assistencialistas que

marcaram a história do Brasil que em lugar de provocar a emancipação dos seus

beneficiários, mantém-nos marginalizados, excluídos nessa condição de dependência,

sem acesso aos seus direitos de cidadania. Afirma-se que são verdadeiros estímulos à

vagabundagem, muitas vezes destinado a quem dele não precisa. É comum em rodas

de conversas, as pessoas siarem com frases do tipo ―as mulheres vão ter mais filhos

para receber mais dinheiro do governo‖; ―as pessoas vão deixar de trabalhar para viver

de benefício social‖; ―é claro que as famílias vão gastar mal o dinheiro‖.

Durante os protestos de junho de 2013 alguns cartazes pediam a revogação

do direito de voto dos beneficiários do Bolsa Família. Um eco das ideias veiculadas nas

redes sociais depois das eleições de 2010, segundo os quais a atual presidente da

República, Dilma Rousseff só se elegera por causa dos votos das famílias beneficiárias,

assim como teria acontecido com a reeleição do Lula em 2006, fortemente associada

aos ditos retornos eleitorais frutos da ampliação do PBF, envolto ao que se chamou de

Lulismo, dado a centralidade da figura do Lula.

Também sob a forma de críticas destacam-se as divergências relacionadas à

eficácia e, antes disso, à necessidade das condicionalidades associadas ao programa,

assunto explorado em tópico adiante. No rol de criticas ainda, estão questões

envolvendo os impactos efetivos do programa, o que abrange discussões no entorno

das chamadas "portas de saída" para os beneficiários, além de tantas dúvidas

associadas a sua sustentabilidade política e econômica, considerando um longo prazo.

29Artigos 11, 14 e 15 do Decreto nº 5.209 de 17/09/04 e alterado pelo decreto n° 6.157 de 16/07/2007.

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25

A focalização versus a universalização das políticas sociais, mais adiante

abordada, constitui-se em outro ponto de tensão no entorno do programa. A focalização

que consiste em estabelecer critérios de seleção da população-alvo do programa,

considerando aqueles que dele mais necessitem, foi apresentada como forma de

inserção dos mais pobres, dos excluídos do processo produtivo. Essas políticas de

tratamento diferenciado propõem-se a instrumentalizar o acesso a direitos negados, a

conta de uma posição oposta ao modelo universalista e isonômico da cidadania.

Ocorre que o artigo 5º da CFR/88 estabelece uma igualdade que não atinge

a grande maioria da população. A questão do direito de acesso às políticas públicas

perpassa os aspectos formal e material do princípio da igualdade. Se por um lado

exige-se a universalidade no acesso às políticas públicas, por outro, as prestações

sociais destinam-se à correção das desigualdades sociais. Nesse contexto, revela-se a

importância da reflexão sobre o papel do Estado na inclusão social de forma efetiva,

com planejamentos, estratégias e, consequentemente, ações.

A partir das dimensões de cidadania definidas por Marshall30 que entende a

cidadania como um sistema de direitos civis (surgidos no século XVIII), políticos

(surgidos no século XIX) e sociais (surgidos no século XX) e traduzindo-se no exercício

dos direitos e não nos direitos em si mesmo, considera-se que no Brasil a cronologia e

lógica da sequência descrita por Marshall foram invertidas. Primeiro os direitos sociais

foram implantados, num contexto político no qual um ditador que se tornou popular

suprimiu direitos políticos e reduziu direitos civis. Noutro período, caracterizado por uma

ditadura popular, a ampliação dos direitos sociais também estava em foco.

A partir do pensamento de Marshall, tem-se que a cidadania da sociedade

moderna foi sendo estruturada ao passo que o capitalismo ―que é um sistema não de

igualdade, mas de desigualdade‖31, também se desenvolvia. Pobreza e desigualdade,

analisadas na perspectiva das imperfeições do mercado da economia moderna, são um

problema do Estado e da sociedade civil e cuja superação perpassa o entendimento de

que o mundo contemporâneo, visto quanto à sua organização social, resulta da

evolução dos direitos civis, políticos e sociais.

30MARSHALL, T. H. Cidadania, classe Social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

31MARSHALL, T. H. Cidadania, classe Social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p.76.

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26

Para Smanio, ―O Brasil teve uma formação dos direitos de cidadania tardia,

uma vez que, realizada, em suma, no decorrer do século XX e sempre com matriz

excludente, pois nunca foram direitos universalizados, o que reflete a desigualdade

social que persiste e é de difícil superação em nossos dias‖.32

Hoje, as grandes questões estão relacionadas à ampliação dos demais

direitos civis e políticos e à universalização dos direitos sociais. São objetivos

institucionalizados na CFR/88 a serem alcançados via políticas públicas sociais33, dado

que a institucionalização formal não tem garantido a igualdade e universalização

desses direitos, apresentando muitos limites à realização da cidadania plena.

A CFR/88 reflete os interesses das mais diversas camadas da sociedade

brasileira e a expressiva gama de direitos fundamentais é um forte indicativo disso.

Mas, o grande desafio está na sua efetivação, sobretudo os direitos sociais que exigem

a atuação direta e efetiva do Poder Público. Para Bonavides, a supremacia da

Constituição e o caráter vinculante dos direitos fundamentais são dois traços

característicos fundantes do Estado constitucional de direito, um modelo de Estado de

direito pautado pela força normativa dos princípios constitucionais e pela pretensão de

consolidação de um modelo de justiça substancial.34

Enquanto isso, para Faria, no mundo globalizado a estrutura jurídica reveste-

se de um caráter pluralista e ao mesmo tempo autônomo, fragmentado e ao mesmo

tempo harmônico, descentralizado e ao mesmo tempo autorregulador, formando em

sua essência um paroxismo próprio da miscelânea cultural, organizacional presente em

diversos Estados-Nações. Nesse contexto, surge uma corrente de juristas que

defendem a aplicação do Direito Reflexivo como uma forma de acompanhar as

evoluções trazidas com a expansão do fenômeno da globalização.

Faria ressalta que os teóricos desse direito reflexivo ressaltam que a

desterritorialização da produção industrial, a produção de cadeias produtivas

controladas em escala mundial por instituições financeiras internacionais e por

32SMANIO, Gianpaolo Poggio. Cidadania e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio;

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BRASIL, Patrícia Cristina; (Orgs.). O Direito na fronteira das políticas públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015. 33

CARVALHO, José Murilo. A Cidadania no Brasil: O longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2008. p.219. 34

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.p.584.

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27

conglomerados internacionais ou companhias globais, a proliferação de subsistemas

econômicos autorregulados e a perda tanto da centralidade quanto da exclusividade do

Estado-nação acabaram trazendo consigo um novo tipo de democracia, a

organizacional35 que estaria preterindo ou colocando em segundo plano os direitos

oriundos da prática da cidadania, fator extremamente negativo sob o ponto de vista da

sociedade dos homens do mundo explorado ou subdesenvolvido que perdem espaço

conquistado ao longo de séculos de lutas e discursos das legítimas autoridades

legislativas da democracia representativa.

Segundo Faria, com o advento da globalização estaria havendo um maior

―pressionamento‖ por parte dos Estados desenvolvidos em relação aos Estados do

mundo subdesenvolvido para que estes procedam a alterações constitucionais e

legislativas com vistas à flexibilização dos direitos fundamentais e sociais. A este

fenômeno de flexibilização dos direitos legais e constitucionais chama o autor de

―desconstitucionalização‖ e ―deslegalização‖, o que levaria ao enfraquecimento dos

direitos fundamentais.36 Para o autor, são os reflexos do fenômeno da globalização

sobre a economia e ainda sobre a relativização dos direitos individuais e que produzem

mudanças na competitividade, na produtividade e na integração, no plano econômico,

produzindo ainda a fragmentação, exclusão e marginalidade no plano social.

Para atenuar tais distorções surge a necessidade do fortalecimento do

Direito Social. Para Faria, ao contrário dos direitos individuais, civis e políticos e das

garantias fundamentais desenvolvidos pelo liberalismo burguês com base no

positivismo normativista, cuja eficácia requer apenas que o Estado jamais permita sua

violação, os direitos sociais não podem simplesmente ser atribuídos aos cidadãos;

necessitam de ampla e complexa gama de programas governamentais e de políticas

públicas dirigidas a segmentos específicos da sociedade; políticas e programas

especialmente formulados, implementados e executados com o objetivo de concretizar

tais direitos e atender às expectativas gerados pelo mesmo com a sua positivação.

Sob outra perspectiva, Yazbek destaca as tensões que envolvem as políticas

atuais, cada vez mais restritas, com alto grau de seletividade, voltando-se paras ações

35FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo, Malheiros, 2004.

36FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo, Malheiros, 2004.

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extremas. Nesse contexto, a autora assente que tais políticas são feitas nesses moldes,

pois existe uma ―incompatibilidade entre os ajustes estruturais da economia à nova

ordem capitalista internacional e os investimentos sociais do Estado‖37.

Os programas de natureza compensatória originaram-se da prática

assistencialista iniciada pela Igreja, objetivando o aumento do bem comum para alívio

das implicações da pobreza. Sua base é a solidariedade e não a equidade, sendo

focalizados e não universais. Os programas compensatórios não são dispensáveis,

apesar de não alterarem significativamente o nível de bem estar dos beneficiários, pois

a magnitude de indigência que ainda hoje compromete o desenvolvimento do país não

permite que se descartem essas medidas38.

Kowarick expõe a questão social traduzida em termos de comiseração:

Em consequência, tem ocorrido amplo e diverso processo de desresponsabilização do Estado em relação aos direitos de cidadania, dando lugar a ações de cunho humanitário que tendem a equacionar as questões da pobreza em termos de atendimento particularizado e local. Dessa forma, veem-se atuações no mais das vezes marcadas pela boa vontade do espírito assistencial, voltadas a resolver problemas emergenciais, descapacitando os grupos a enfrentar suas marginalizações sociais e econômicas, pois essas vulnerabilidades deixam de aparecer como processos coletivos de negação de direitos39.

Diante disso, Yazbek avalia que, no caso do Brasil, considerando a

dificuldade em se estabelecer o limiar entre as políticas assistencialistas e os direitos de

cidadania, é necessário rever-se o papel do Estado proposto pelo neoliberalismo.40 O

direito não é o mesmo para incluídos e excluídos. A sua utilização como instrumento de

igualdade e a constatação prévia de que direito é discurso de universalidade, contrasta

com a realidade e suas marcas de desigualdades tão elevadas.

Para Neves, as discriminações sociais negativas contra minorias seria

37YAZBEK, Maria Carmelita. O Programa Fome Zero no contexto das políticas sociais brasileiras. São

Paulo. Perspec., São Paulo, v.18, n. 2, abr./jun. 2004. Disponível em:> http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000200011&script=sci_arttext>. 38

LAVINAS, Lena, Combinando compensatório e redistributivo: o desafio das políticas sociais no Brasil.

Texto para discussão n. 748. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. p.8-9. 39

KOWARICK, Lucio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. jul2002. http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/20080627_viver_em_risco_1.pdfp15-16 p.20. Acesso em 24 de abril de 2015. 40

Yazbek. Maria Carmelita. O Programa Fome Zero no contexto das políticas sociais brasileiras. São Paulo. Perspec. São Paulo, v.18, n. 2, abr./jun. 2004. Disponível em:> http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000200011&script=sci_arttext>.

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compensada com a discriminação positivas que, segundo ele ―rompem com a

concepção universalista dos direitos dos cidadãos, abrindo-se fragmentariamente às

diferenças e condições particulares de grupos minoritários, sem que disso resulte

negação do princípio da igualdade. Há apenas a pluralização da cidadania41.

Seria necessário não só igualdade de oportunidades, mas também de

condições, mediante a criação de possibilidades concretas de democratizar a satisfação

das necessidades sociais na forma de acesso aos bens, aos serviços sociais e aos

direitos. Numa sociedade capitalista, onde prevalecem os interesses individuais, de

pessoas ou grupos, aos sociais, o fato empírico do crescente processo de concentração

de renda fortalece a iniquidade. Logo, a questão crucial da pobreza e da desigualdade

remete ao necessário enfretamento da questão da distribuição de renda.

Kerstenetzky afirma que não basta a discussão sobre o papel do Estado. É

preciso debruçar-se na análise da forma que ele realiza a promoção da justiça social.

As políticas sociais voltadas para os mais pobres percebidas no entorno de estruturas

que priorizam a eficiência e a racionalidade econômica, em detrimento de direitos de

cidadania e de noções de equidade, revelam a existência de uma determinada noção

de justiça social, conhecida como de justiça de mercado42.

Para a minimização dos mecanismos de concorrência as políticas sociais

voltadas para os mais pobres seriam as mais adequadas, pois atuariam de forma

residual na realidade dos indivíduos excluídos dos processos econômicos,

assegurando-se que os mais pobres da pirâmide social sejam alcançados pelos

recursos financeiros disponíveis. Assim, tem-se um critério para identificação dos

grupos mais marginalizados dentro do programa sócio econômico do país. A necessária

promoção da igualdade justificaria um tratamento diferenciado dos mais pobres, de

forma que lhes possam reduzir as desigualdades prévias. É perspectiva do princípio da

equidade cuja efetivação demanda a utilização de parâmetros de justiça distributiva.

Nesse contexto, a compreensão de focalização como residualismo, como

41NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Dados – Revista de

Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 37, n. 2, 1994. p.255. 42

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização? Universidade Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. Disponível em: <http://www.uff.br/econ/download/tds/UFF_TD180.pdf>

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condicionalidade e como ação reparatória. Como residualismo culmina numa espécie

de reação negativa dos interlocutores, tendo-se em mente os ideais de justiça

distributiva com os quais eles se identificam e associam à concepção de justiça de

mercado. A favor da concepção de focalização como condicionalidade tem-se o

argumento da busca pelo foco correto para chegar-se à solução de um problema mais

especifico. Como ação reparatória, diferente da política residual, é tida como necessária

para restituir o acesso efetivo a direitos universais (formalmente iguais), aos grupos

sociais que restaram prejudicados por injustiças passadas, tais como, desiguais

oportunidades de realização de gerações passadas que foram se perpetuando num

círculo de desigualdade dos recursos e capacidades, até as presentes gerações. 43

Em uma sociedade muito desigual, as políticas sociais terão necessariamente um componente de ―focalização‖, se quiserem aproximar o ideal de direitos universais a algum nível decente de realização. A focalização seria um requisito da universalização de direitos efetivos, compatível com o princípio da retificação ou da reparação (...)44.

Entende-se que as concepções de focalização como condicionalidade e

como ação reparatória, enquanto estilos de política social, e universalização podem ser

harmonizados, numa conjugação que obtenha a máxima eficiência dos dois métodos,

com vistas à realização social45. Essa conclusão é melhor elaborada ao final do tópico

2.2.1, no qual se explora o debate sobre focalização e universalização que marca a

história das políticas de transferência de renda no Brasil.

Quando da sua criação o PBF explicitou dois objetivos macros: reduzir a

pobreza e interromper seu ciclo intergeracional. Enquanto o primeiro objetivo seria

atendido pelas transferências diretas de renda, o segundo seria alcançado por meio das

condicionalidades de educação e saúde. Nesse contexto, considera-se que o impacto

43KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização? Universidade Federal

Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. Disponível em: <http://www.uff.br/econ/download/tds/UFF_TD180.pdf> p.4. 44

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização? Universidade Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. Disponível em: <http://www.uff.br/econ/download/tds/UFF_TD180.pdf>. 45

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização? Universidade Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. Disponível em: <http://www.uff.br/econ/download/tds/UFF_TD180.pdf>.

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mais imediato do PBF sobre cidadãos brasileiros beneficiados é possibilitar a conquista

do primeiro degrau dos direitos fundamentais, qual seja o direito à alimentação

adequada sem o qual não há como construir o direito à vida, à dignidade humana, o

acesso aos direitos e aos deveres de nacionalidade e da cidadania.46

Sobre a repercussão de políticas redistributivas, tal como o PBF, no processo

de democratização num contexto de desigualdade como o do Brasil, a partir de uma

reflexão política Rodrigues expõe duas hipóteses. Tem-se que a sociedade, em geral, e

os beneficiários do programa, em particular, tendem a aguçar a sua percepção de

cidadania, contribuindo, pois, não só para o enfraquecimento de práticas paternalistas-

clientelistas, mas, sobretudo, para a expansão dos direitos civis e sociais no plano da

subjetividade. Por outro lado, os programas de transferência de renda podem confirmar

um sistema de política paternalista-clientelista, traduzindo-se em estigmas aos

beneficiários, e, além disso, na promoção de uma cidadania que se pode denominar de

passiva, característica de uma democracia eleitoral47.

Em pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas -

IBASE que permite a inserção de um diálogo sobre os problemas estruturais da

pobreza, voltados principalmente para o seu combate e o da miséria, constatou-se que

o recebimento do benefício não fazia com que as pessoas deixassem de procurar

trabalho. Percebeu-se, nos grupos focalizados, que há abandono de trabalho quando

este é de extrema precariedade, o que incluiu, nos relatos, situações de trabalho

análogo à escravidão48. Nesse ponto, diga-se, verifica-se uma das consequências

positivas do programa, ao possibilitar aos mais pobres romper com os tradicionais

vínculos de clientela. Nesse compasso, o combate à exclusão contribui para a

unificação do mercado de trabalho e ações como o PBF devem se propor a estimular a

inserção ativa na economia capitalista.

Pesquisa sobre impactos do programa, em 2007, negou a hipótese de

46WEISSHEIMER, Marco Aurelio. Bolsa família: avanços, limites e possibilidades do programa que está

transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. p.11. 47

RODRIGUES. Marta Maria Assumpção. Políticas Redistributiva e Direitos Civis e Sociais no Brasil: O dilema de construir a democracia num ambiente de desigualdade. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/42P.pdf p.11. 48

IBASE (2008). Repercussões do Programa Bolsa-Família na Segurança Alimentar e Nutricional das famílias beneficiadas. Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/documento_sintese.pdf p.15. Acesso em 13 de agosto de 2013.

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vagabundagem mostrando resultado que demonstra que a participação no PBF, após o

tratamento dos dados, tinha como consequência uma taxa de participação 2,6% mais

alta no mercado de trabalho. No caso das mulheres, a diferença foi de 4,3%49. No

mesmo sentido, segundo o Censo 2010 do IBGE, 75,4% dos beneficiários do Bolsa

Família trabalham. E ainda, em 2014, segundo dados oficiais, cerca de 350 mil pessoas

que receberam o auxílio hoje são microempreendedores individuais50. Para Moreira as

pesquisas não mostram nenhuma tendência dos beneficiários a deixar o mercado

formal de trabalho ou a trabalhar menos; o número de microempreendedores

individuais, aqueles com rendimento anual de até R$ 60 mil – oriundos do Bolsa Família

saltou de pouco mais de 100 mil, em 2011, para cerca de 350 mil, atualmente51.

Nas eleições presidenciais de 2006, quando da reeleição do Lula, às voltas

com as recorrentes criticas ao programa visto como prática eleitoreira e clientelista, a

relação de reciprocidade entre o coronel e o voto, descrita com propriedade por Leal, é

então considerada sobrevivente, sob novas formas do coronelismo no Brasil, com a

alegação de que o PBF sustentaria as lideranças dos coronéis modernos.

O fenômeno do coronelismo influenciaria no resultado do desenvolvimento

das famílias, considerado o seu ponto primordial da manutenção das pessoas pobres

na situação de dependência financeira absoluta. O sistema coronelista seguiria

resistindo às diversas alterações e modernizações de sociedade, numa roupagem

diferencidada, em virtude do desenvolvimento das famílias, aumento do grau de

educação, ainda que precário, do nível de esclarecimento e de conscientização.

Até os anos 90 os coronéis valiam-se simplesmente de suas reputações e do nível de influência psicológica que exerciam sobre as famílias pobres das regiões rurais. Contudo, em decorrência da modificação do perfil dessas mesmas famílias, os coronéis passaram a enxergar a necessidade de alterarem sua forma de atuação junto a elas. (...) tornou-

49OLIVEIRA, A.M.H.C ; ANDRADE, M.V ; RESENDE, A.C.C. ; RODRIGUES, C. G. ; SOUZA, L.R. ;

RIBAS, R. P. Primeiros resultados da análise da linha de base da Pesquisa de Avaliação de Impacto do Bolsa Família. In: Jeni Vaitsman; Rômulo Paes-Sousa. (Org.). Avaliação de Políticas e Programas do MDS - Resultados. Brasília: Cromos, 2007. p. 49. 50

Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/05/bolsa-familia-75-4-dos-beneficiarios-estao-trabalhando publicado: 20/05/2014 12h37 última modificação: 30/07/2014 01h29. Acesso em 25 de maio de 2015. 51

MOREIRA. Rafael de Farias Costa. Empreendedorismo e Inclusão Produtiva: uma análise de perfil do microempreendedor individual beneficiário do Programa Bolsa Família. 2013. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/radar/130507_radar25.pdf.

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se necessário o oferecimento de vantagens financeiras e serviços àquela população, obrigando os coronéis a mostrarem-se disponíveis durante todo o mandato do governo e não só por ocasião da eleição.52

No que se refere à utilização do programa para finalidades eleitoreiras, as

conclusões constantes do TC n.º 022.093/2006, do Tribunal de Contas da União - TCU

que avaliou todo o processo de concessão são no sentido de que ―não se constatou

favorecimento político a partido político específico, nem descumprimento de norma legal

que pudessem caracterizar utilização do programa com finalidades eleitoreiras no nível

federal‖. O percentual de cobertura do programa nos municípios administrados pelos

quatro maiores partidos políticos brasileiros não apresentou diferenças significativas,

em que pese discrepâncias existentes em algumas localidades53.

Assim, essas conclusões não descartam a possibilidade de ter havido uso

promocional indevido do programa em nível local, afinal o PBF tem impactos na vida de

significativa parcela da população brasileira, o que por certo pode ser convertido em

votos, ainda que não se possa aferir a quantidade desses votos por um ou outro

candidato em função da existência ou não de um programa governamental.

A partir de uma pesquisa de campo feita com alguns gestores do PBF, com o

objetivo de investigar se o programa, considerando sua estrutura em 2009, permitiria a

superação da pobreza através de uma distribuição justa das riquezas sociais e ainda,

se existem, efetivamente, perspectivas dos seus beneficiários saírem dele de forma

autossustentada, concluiu-se que ainda se tem um caminho muito longo a percorrer,

considerando o problema complexo e multidimensional da pobreza, a necessidade de

integração entre diferentes níveis governamentais e setores, o que torna mais complexo

e difícil de ser ajustado e ainda, ao longo do desenvolvimento de qualquer política

pública é necessário recorrer a ajustes, novas demandas, arranjos com outras políticas

públicas, no sentido de enfrentar a questão de forma mais ampla possível.54

52ABREU, Lidiane Rocha. Direitos Sociais no Brasil: Programa Bolsa Família e Transferência de Renda,

2011. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)–Universidade Presbiteriana Mackenzie. 53

BRASIL. 2006. Relatório de Acompanhamento do Programa Bolsa Família. Tribunal de Contas da União. Ubiratan Aguiar (Ministro relator) TCU. Brasília. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/assistencia_social/Relat%C3%B3rio%20de%20Acompanhamento%20do%20PBF_janeiro_0.pdf>. p.14 e 42. 54

SOUSA, Juliane Martins Carneiro de. A superação da pobreza através da distribuição justa das riquezas sociais: uma análise da consistência teórica do Programa Bolsa Família e das perspectivas dos

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O resultado daquela pesquisa apontou, após a análise do conteúdo das

entrevistas, para o sentido de considerar-se que o PBF ainda não cumpre integralmente

o papel de viabilizar a promoção social, apesar de necessário para a vida dos seus

beneficiários. Diante dessa realidade, tem-se que a busca pelo desenvolvimento social,

certamente, perpassa a questão de investimentos nas áreas de educação, de saúde, de

nutrição, dentre outras, mas também, deve orientar-se pela emancipação, bem como

pela facilitação do uso das capacidades do indivíduos, de forma que se permita,

efetivamente, uma superação autossustentada da pobreza55.

Inobstante a variedade de críticas que lhe são direcionadas, em especial,

aquelas relativas a tê-lo como de pouco alcance no processo de emancipação do

individuo na conquista da cidadania, o PBF, na qualidade de ação de inclusão social,

presta-se a uma ação reparatória, propondo a restituição do acesso aos direitos básicos

de saúde e educação, ao passo que ―aumenta a percepção de empoderamento e

aprendizagem de seus beneficiários para a participação política‖.

A ampliação dos direitos sociais caminha rumo à consolidação da

democracia, bem como de um regime político mais responsável, num contexto de

desigualdade social extrema56. Lembrando que ―Quanto mais inclusivo for o alcance da

educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que mesmo

os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria‖57.

A essa altura, um primeiro ponto a se concluir: no estudo da problemática em

torno pobreza e sua superação, percebendo-se as suas demandas complexas e

heterogêneas, o sentido desse estudo passa a ver um conjunto diversificado de ações e

políticas no sentido da integração, de maneira que assistir e emancipar tornam-se

processos indissociáveis, deixando, portanto, de serem ações contraditórias.

beneficiários de saída autossustentada do Programa, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração Pública)FGV.Disponível:<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3351/juliane.M.pdf?sequence=1>.p.156. 55

SOUSA, Juliane Martins Carneiro de. A superação da pobreza através da distribuição justa das riquezas sociais: uma análise da consistência teórica do Programa Bolsa Família e das perspectivas dos beneficiários de saída autossustentada do Programa, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração Pública)FGV.Disponível:<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3351/juliane.M.pdf?sequence=1>. p.157. 56

RODRIGUES. Marta Maria Assumpção. Políticas Redistributiva e Direitos Civis e Sociais no Brasil: O dilema de construir a democracia num ambiente de desigualdade. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/42P.pdf p.5. 57

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p.124.

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35

1.1.1. Crescimento econômico e Desigualdade social

No elenco dos princípios fundamentais da federação, o artigo 3° da CFR/88

incluiu a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades

sociais e regionais. A própria Constituição cria as bases para a responsabilidade e

cooperação entre os entes federados, determinando que a atuação do Estado na

redução da pobreza, da desigualdade e da exclusão social deve ser realizada

conjuntamente por esses entes. Assim, o modelo federativo implementado no Brasil a

partir de 1988, traz como principal marca a descentralização política e administrativa

refletida na perda de poderes da União e na transferência de atribuições para as

esferas subnacionais, extinguindo o modelo unionista autoritário em vigor desde 1964.58

A partir da CFR/88 estados e municípios passaram a desempenhar um novo

papel na esfera das políticas públicas, na gestão das políticas sociais. Os municípios,

reconhecidos como entes federativos autônomos, passaram a deter competência para

organizar e prestar serviços públicos de interesse local, diretamente ou através de

regime de concessão ou permissão. O governo federal transferiu para os estados, e

mais ainda, para os municípios, responsabilidades e prerrogativas na gestão das

políticas, de programas e na prestação de serviços sociais e assistenciais. Para

Menucucci, a municipalização consiste na capacidade que o município passa a ter para

incentivar a cooperação social na busca de respostas integradas a problemas como

emprego, educação, cultura, moradia, transporte, entre outros59.

Considera-se ―(...) a percepção de que não bastava a Constituição Federal

dispor enorme gama de direitos sociais e tratar dos instrumentos para sua realização. A

concretização desses direitos dependia de uma atuação eficaz dos Poderes e órgãos

do Estado, bem como de um trabalho eficiente do governo.60

Direitos sociais indissociáveis à existência do cidadão é a concepção que

58MESQUITA, Camile Sahb. Contradições do processo de implementação de políticas públicas: Uma

análise do Programa Bolsa Família 2003-2006. In: Revista do Serviço Público, vol, 57, nº 4 - Out/Dez 2006. Brasília: ENAP, 2006. 59

MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Intersetorialidade, o desafio atual para as políticas sociais. In: Revista Pensar BH/Política Social. Maio/Junho de 2002. p.10-13. 60

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.3.

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está na base do conceito de Welfare State ou Estado de Bem Estar Social61 pelo qual

todo o indivíduo tem direito a bens e serviços a serem fornecidos pelo Estado, direta ou

indiretamente, através do seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. São

direitos que contemplam cobertura de saúde e de educação em todos os níveis, auxílio

ao desempregado, garantia de uma renda mínima, dentre outros.

É nesse contexto que a partir de 1991, o debate sobre Programas de

Transferência de Renda passa a fazer parte da agenda política do país e ―A

redemocratização do país fez crescer a percepção de que a efetivação dos direitos

sociais depende de políticas eficazes que devem ser elaboradas e realizadas pelo

Estado, em parceria com a sociedade civil organizada, mas, sobretudo, deve haver um

controle efetivo sobre essas políticas e a forma de sua consecução.62

Com o advento do Plano Real, a partir de 1994 ocorreram novas

transformações no federalismo brasileiro, sobretudo nas áreas fiscal e financeira, com

ajustes que buscaram minimizar os efeitos perversos da descentralização desordenada

ocorrida até então. Uma mudança significativa foi a introdução da vinculação de gastos

dos três níveis de governo nas políticas de educação e saúde, que passaram por um

processo de descentralização coordenada, sobretudo na segunda metade da década

de 1990, que ampliou oportunidades de negociação intergovernamental, respondendo à

demanda por maior uniformidade e regularidade no padrão de oferta dessas políticas.63

Em meados da década de 1990, as iniciativas voltadas ao combate da pobreza ainda não tinham iniciado um processo mais consistente de descentralização.(...) a União reconheceu a iniciativa meritória das demais esferas de governo na implementação de programas de transferência condicionada de renda e, graças à maior disponibilidade de recursos, viabilizada, inclusive, pela aprovação do Fundo Constitucional de Combate à Pobreza, em 2000, passou a adotá-los em nível nacional.64

61MARSHALL, T. H. Cidadania, classe Social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p.12-97.

62SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In:

SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.3. 63

LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb; CURRALERO, Claudia Regina Baddini. Desafios para a Coordenação Intergovernamental do Programa Bolsa Família. In Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5, set-out 2011. 64

LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb; CURRALERO, Claudia Regina Baddini. Desafios para a Coordenação Intergovernamental do Programa Bolsa Família. In Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5, set-out 2011.

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37

Nas duas últimas décadas persistiram elevados níveis de pobreza e

desigualdade na distribuição de renda no Brasil, bem como a exposição ao desafio

histórico de atuar frente a uma herança de injustiça social e combater a exclusão que

assola milhares de brasileiros que não têm acesso a condições mínimas de dignidade e

cidadania. O Brasil é um país marcado por enraizados contrastes sociais e econômicos,

apresentando uma das mais elevadas taxas de desigualdade da América, associadas

aos seus elevados índices de pobreza, pelo que ―(...) as desigualdades sociais e

econômicas tornaram-se intoleráveis para grande parte da população, principalmente

de nosso País, que passa a exigir soluções de garantia de direitos fundamentais, que

se reflete na cidadania do Estado brasileiro.65.

A história da desigualdade de renda no país, traduzida por grandes abismos

entre pobres e ricos, dera origem às mais diversas teorias explicativas cujas análises

partem das suas peculiares características.

Ao atribuir tratamento particular à sociedade de modernização periférica,

Souza insiste que o Brasil teve uma experiência marcada por ausências consideradas

essenciais ao processo de cidadania. O aspecto singular desse tipo de sociedade

relaciona-se com a forma pela qual se deu a sua modernização. No caso do Brasil,

houve uma combinação da ―esquematização‖ resultante da sua herança escravocrata,

condicionante do que se denomina de ―subgente‖. Assim, percebe-se a realidade do

dependente de qualquer cor, vivendo sob essas condições especificamente modernas.

É a produção social, nas sociedades periféricas, de uma ―ralé estrutural‖66.

Para Souza o valor que se atribui ao pobre brasileiro compara-se ao do

animal doméstico, caracterizando de forma objetiva o seu status subumano. Afirma que

em países periféricos, tal qual o Brasil, existe estrato de pessoas excluídas e

desclassificadas. Acredita que o brasileiro integrante da classe média não seria capaz

de confessar o fato de que considera os seus compatriotas integrantes das classes

65SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In:

SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.4. 66

SOUZA, Jesse. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG: Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006. p.177-184.

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baixas como ―subgente‖67. Ainda que se considere o crescente avanço da participação

política e econômica no país, é pungente uma específica contradição de interesses

entre as classes mais importantes dessa modernidade periférica. Uma articulação entre

uma espécie de ―ralé‖ de excluídos num polo e no outro, todos os incluídos.68

O Brasil é um exemplo contundente de país que tem pobres e desigualdade.

Com amplos recursos e elevado PIB apresenta altos índices de desigualdade. E, claro,

está-se diante de um fenômeno com influência direta nas disfunções sociais69. O Banco

Mundial destaca o Brasil como um gigante econômico e entre os dez maiores PIBs do

mundo (7ª maior economia mundial). Por outro lado, ocupa posições bastante

discrepantes do seu potencial econômico, tal qual visto sob a 79ª posição no ranking

mundial de desigualdade, segundo dados do PNUD 2013.

Ao que parece o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos

pobres. Esses elevados níveis de pobreza que oprimem a sociedade encontram seu

principal determinante numa estrutura de desigualdade na distribuição da renda e das

oportunidades de inclusão econômica e social. Detentor de imensos recursos naturais e

de um forte potencial de desenvolvimento industrial, mas que ainda sofre com esse

grande abismo entre ricos e pobres. É a desigualdade social um abismo que separa a

realidade diária de milhões de brasileiros da realidade cidadã prevista na CFR/88.

Além de preservar-se os incentivos para o crescimento da renda de todos,

faz-se mister chegar-se às causas mais fundamentais da desigualdade, perpassando

as diferenças intergeracionais de oportunidades70. O crescimento econômico é sempre

bem vindo, mas se ocorre acompanhado por aumento da desigualdade, seu impacto

sobre a pobreza pode ser nulo. É fundamental a intervenção estatal por meio das

políticas públicas sociais para garantir que todos sejam beneficiados pelo crescimento,

especialmente os pobres.

67SOUZA, Jesse. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade

periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG: Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006. p.174-175. 68

SOUZA, Jesse. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG: Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006. p.185. 69

AGUIAR, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Henrique. Bolsa Escola. Educação para enfrentar a pobreza. Brasília UNESCO, 2002. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129723m.pdf. 70

NERI, Marcelo Cortez (Coord.). Atlas do Bolso Brasileiro do Brasileiro - Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2009. Disponível em: http://www.fgv.br/cps/atlas/ p.12.

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Destaca-se o período da história brasileira, estatiscamente documentada,

desde 1960, em que houve significativa redução da desigualdade observada desde

2001. O país cresceu um terço do crescimento dos anos 70, mas reduziu-se mais a

pobreza na primeira década dos anos 200071. O comportamento da desigualdade de

renda no Brasil a partir de 1970 até o ano de 2007 foi analisado em dois relatórios

(Notas Técnicas) publicados pelo IPEA. A Nota Técnica nº 60 de 2010 avaliou o período

de 1970 a 2007 e a Nota Técnica de 2006, o período de 2001 a 2004. A Nota Técnica

n°60 foi mais abrangente, vez que a análise deu-se no âmbito das regiões do Brasil; o

estudo realizado em 2006 sobre a queda da desigualdade de renda no Brasil foi

direcionado especialmente aos indivíduos e famílias no período de 2001 a 2004.

De acordo com a Nota Técnica de 2006, houve um incremento na

transferência de recursos e investimentos públicos nas regiões menos desenvolvidas

do Brasil. O PBF e obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento,

PAC feitas a partir de 2003 impulsionaram a economia de muitos municípios. A

desigualdade de renda familiar per capita no país caiu de forma contínua e substancial,

entre os anos de 2001 a 2004, alcançando seu menor nível naqueles últimos 30 anos.

Ressalta-se que esta Nota Técnica contempla apenas o período inicial de atuação do

PBF (2004), que naquela época, havia alcançado 6,5 milhões de famílias. A partir do

ano 2006, o Programa já beneficiava mais de 11 milhões de famílias.72.

Efetuando-se uma análise da Nota Técnica nº 60, de 2010 constata-se que a

desigualdade na distribuição de renda sempre foi elevada no Brasil. Após o fim da 2ª

Guerra Mundial, o Brasil assim como os demais países do mundo, entrou em um

vigoroso processo de industrialização. No seu caso, sobretudo a partir dos anos 50,

várias fábricas multinacionais instalaram-se no seu território brasileiro, gerando milhares

de empregos diretos e indiretos. O problema é que esse desenvolvimento foi

especialmente concentrado em poucas regiões do país, principalmente no Sudeste, ao

passo que as demais regiões careceram de desenvolvimento em suas áreas73.

71NERI, Marcelo Cortez (Coord.). Atlas do Bolso Brasileiro do Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS,

2009. Disponível em: http://www.fgv.br/cps/atlas/ 72

WEISSHEIMER, Marco Aurelio. Bolsa família: avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo:Fundação Perseu Abramo,2006. p.113. 73

IPEA. Nota técnica n° 60 de 2010. Desigualdade da renda no território brasileiro. p.4.

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Olhando-se mais para dentro do Brasil, conforme Nota Técnica de 2010, ao

segmentar-se os dados entre as 5 regiões políticas do Brasil, percebe-se que as

regiões que mais se desenvolveram também foram aquelas que tiveram um maior

aumento na desigualdade de distribuição da renda. O progresso e o acúmulo de

riquezas por um país ou por uma determinada região não significa, necessariamente,

que todos ou a maioria dos habitantes daquela região serão beneficiados, podendo a

riqueza acumulada estar concentrada nas mãos de poucos.

Diante dos resultados analisados nas notas técnicas, considerou-se aquela

década como da redução da desigualdade de renda, do mesmo modo que a década de

1990 foi a da estabilização, e a de 1980, a da redemocratização74. Por outro lado, de

acordo com a Nota Técnica 2006, apesar daquela queda na desigualdade, o Brasil

continuava a ser um dos países mais injustos neste quesito. Em conformidade com o

estudo do IPEA e os dados do IBGE, a renda recebida pelo 1% mais rico da população

equivalia à renda recebida pelos 50% mais pobres. E por isso, está atrás de 95% dos

países que possuem dados sobre desigualdade de renda75.

Conforme demonstrado pela Nota Técnica de 2006 do IPEA, a desigualdade

de renda caiu no Brasil naquela década retirando milhões de pessoas das linhas da

pobreza e de extrema pobreza. Isso não foi o resultado de um único fator, mas de um

conjunto, embora alguns fatores tenham sido mais importantes do que outros. Dentre

os mais importantes estão a transferência de renda por meio de benefícios sociais e a

redução na desigualdade de remuneração76. Além do Bolsa Família, as pensões e

aposentadorias pagas pelo INSS, além de outros programas de assistência e

transferência de renda oferecidos pelo governo foram fundamentais para dito resultado.

A tendência precisa manter-se de forma equilibrada e principalmente,

sustentável. Para o Brasil crescer em competitividade internacional, precisa-se de anos

e anos de queda contínua. O IPEA apontou para algumas direções que deveriam ser

contempladas por uma estratégia de combate a desigualdade como capacitação de

mão de obra e otimização de carga tributária e de gastos públicos. O relatório sugere

74NERI, Marcelo Cortez (Coord.). Atlas do Bolso Brasileiro do Brasileiro - Rio de Janeiro: FGV/IBRE,

CPS, 2009. Disponível em: http://www.fgv.br/cps/atlas/. p.13. 75

IPEA. Nota técnica n° 60 de 2010. Desigualdade da renda no território brasileiro. p.19. 76IPEA. Nota técnica n° 60 de 2010. Desigualdade da renda no território brasileiro. p.5.

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investimento em micro e pequenos empreendimentos, facilitando o acesso ao crédito e

à tecnologia, por exemplo. Otimizar o gasto público é forma de atuar no combate a

fraudes e também dos recursos serem direcionados a quem mais precisa.77

Rodrigues aponta para o reconhecimento de que as precárias condições de

vida de grande parte da população brasileira decorre, sobretudo, da má distribuição dos

recursos, e não da escassez absoluta deles. Diante disso, em pauta, as

recomendações de políticas sociais no sentido da diminuição da desigualdade, da

pobreza e da fome78. E isso não ocorrerá apenas por meio da economia, mas,

sobretudo, será alcançada através de um grande investimento no capital humano.

Trata-se da essencial capacitação do ser humano para que este passe a ter condições

de vivenciar a realidade constitucional que lhe é garantida.

A política social deve ser parte do plano estratégico de combate à pobreza

fundamentada na necessidade e na urgência de uma política de assistência aos mais

pobres como meio de alivio imediato da pobreza e de garantia de sobrevivência. Assim,

―Evitar o agravamento da pobreza depende tanto de intervenções sobre o mercado de

trabalho, objetivando especificamente tornar a reestruturação produtiva menos penosa

para os mais pobres, como de políticas de transferência de renda‖79.

O beneficiário de um programa social passa a desenvolver um sentido de

pertencimento, solidariedade e de responsabilidade social, vendo-se a si mesmo como

um cidadão potencialmente ativo e participativo. Enquanto isso, a sociedade que adota

esses programas redistributivos, o faz reconhecendo os efeitos da sua implementação

como uma janela de oportunidades que culminará numa democracia mais cidadã80.

Fruto do sucesso da estratégia de crescimento adotada pelo Brasil em 2003,

a distribuição de renda contribuiu para a inclusão no mundo do consumo de grandes

contingentes populacionais que antes mal tinham capacidade para comprar o

77IPEA. Nota técnica n° 60 de 2010. Desigualdade da renda no território brasileiro. p.10.

78RODRIGUES. Marta Maria Assumpção. Políticas Redistributiva e Direitos Civis e Sociais no Brasil: O

dilema de construir a democracia num ambiente de desigualdade. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/42P.pdf p.5. 79

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.15. 80

RODRIGUES. Marta Maria Assumpção. Políticas Redistributiva e Direitos Civis e Sociais no Brasil: O dilema de construir a democracia num ambiente de desigualdade. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/42P.pdf p.11.

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estritamente necessário para a sobrevivência expandindo o mercado interno81. O

aumento da renda familiar permite o consumo imediato das famílias, ao passo que se

afigura como um potencializador do capital financeiro das mesmas. É importante

considerar os estudos que demonstram o alcance do PBF ao seu público alvo e assim,

ele consegue chegar às famílias mais pobres que historicamente ficavam à margem das

políticas públicas brasileiras. A esse fato, diga-se, atribui-se muitos dos seus resultados

positivos, portanto o foco nos mais pobres teria sido uma decisão acertada.

Pesquisadores apontam que as estratégias de combate à pobreza

consideradas de curto prazo foram alcançadas. Segundo eles, o valor monetário pago

pelo programa contribuiu de maneira substantiva para a queda da desigualdade e da

redução da pobreza no país nos últimos anos, fazendo com que milhões de pessoas

pudessem ter rendimentos mínimos que permitissem a elas garantir a sua

sobrevivência82. Por outro lado, as estratégias de médio e longo prazo merecem

reflexões mais apuradas, talvez na dependência do fator tempo para que haja um

consenso sobre as contribuições do PBF no combate efetivo à pobreza.

É importante notar ainda, que a transferência de renda limita-se a reduzir a

pobreza no que ela depende da renda para consumo no âmbito privado, sendo

indispensável à manutenção de políticas voltadas para o atendimento de outras

necessidades dos mais pobres, como educação, saúde e nutrição, saneamento, etc. 83.

Sen acredita que a contribuição do crescimento econômico deve ser percebida também

pela expansão de serviços sociais, o que inclui, em muitos casos, as redes de

segurança social, e não apenas pelo aumento de rendas privadas84.

Diante da questão da exclusão social verifica-se a opção pela intervenção no

que é periférico, focando-se nas intervenções setoriais, sob o escudo do princípio da

economia e da dificuldade da implementação de políticas preventivas mais amplas. Mas

―É no coração da condição salarial que aparecem as fissuras que são responsáveis

81Disponível: <http://www.nospodemos.org.br/upload/tiny_mce/quarto_relatorio_acompanhamento.pdf.>

4° Relatório Nacional de Acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio, p.37. 82

SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS M.; OSÓRIO, R. G. Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade. Rio de Janeiro: Ipea, out. 2006. (Texto para discussão, 1228). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1228.pdf>. 83

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006. 84

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010. p. 61.

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pela exclusão; é sobretudo sobre as regulações do trabalho e dos sistemas de proteção

ligadas ao trabalho que seria preciso intervir para lutar contra a exclusão‖85. A exclusão

é uma questão estrutural e por isso, as políticas para combatê-la devem atuar de forma

preventiva, em especial, nos fatores de desregulação da sociedade salarial, dos

processos de produção e da distribuição das riquezas sociais; devem ser políticas que

visem mudanças do modelo econômico.

Portanto, se nada de mais profundo for feito, a ―luta contra a exclusão‖ corre o risco de se reduzir a um pronto socorro social, isto é, intervir aqui e ali para tentar reparar as rupturas do tecido social. Esses empreendimentos não são inúteis, mas deter-se neles implica na renúncia de intervir sobre o processo que produz estas situações86.

Segundo os autores Aguiar e Araújo é possível a afirmação de que

programas de garantia de renda mínima quando isoladamente aplicados não

contribuem de forma efetiva para a quebra dos ciclos geracionais de pobreza e da

desigualdade, afinal não atacam diretamente suas causas. Não são questões apenas

de renda pelo que nenhuma renda distribuída aos mais pobres, por mais alta que fosse,

sozinha, poderá garantir o mínimo de bens e acessos a serviços básicos de qualidade

necessários para sair da condição de pobreza e da exclusão social.87

Programas de transferência de renda, no contexto de grandes

desigualdades, fazem diferença na vida dos cidadãos, considerando que mobilizam a

economia local e ainda, ajudam a sedimentar a percepção que estimule as pessoas a

lutarem pela conquista de novos direitos88.Além da garantia de condições dignas de

sobrevivência, o acesso à renda traduz-se em poder de escolha; contribui para o

incremento de bens sociais, proporcionando os meios para a construção de uma

sociedade mais igual. Por tudo isso, a ideia de uma garantia de renda dissociada do

85CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social / orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus,

Maria Carmelita Yazbek. – São Paulo : EDUC, 2000.p.36. 86

CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social / orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. – São Paulo : EDUC, 2000.p.28. 87

AGUIAR, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Henrique. Bolsa Escola. Educação para enfrentar a pobreza. Brasília UNESCO, 2002. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129723m.pdf. 88

RODRIGUES. Marta Maria Assumpção. Políticas Redistributiva e Direitos Civis e Sociais no Brasil: O dilema de construir a democracia num ambiente de desigualdade. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/42P.pdf p.13.

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trabalho mais uma vez ganha força como alternativa de assegurarem-se meios para

uma vida saudável e autônoma.

Todavia, a transferência de renda não é solução bastante em si para as

questões das desigualdades e da pobreza. O Brasil estará no rumo certo para tornar-se

uma sociedade mais justa e capaz de oferecer condições de vida adequadas para

todos os seus membros se mantiver um ambiente econômico propício para o

desenvolvimento, aperfeiçoando as políticas para a garantia de direitos, a proteção

social e a geração de oportunidades.89

Melhorias tem sido propostas no que tange à execução do PBF. A questão

da focalização tem se destacado, considerando que os gestores tem direcionado os

benefícios para as famílias mais necessitadas. Tem-se buscado aperfeiçoar os

controles internos no intuito de se evitar os erros, sejam de inclusão por conceder-se

benefícios a quem não cumpre os critérios do programa ou de exclusão relacionado

com o fato de deixar de fora do programa que cumpre seus requisitos.90

O Brasil é uma inspiração para o resto do mundo. Embora tenha uma longa história de desigualdade, é um dos poucos países que conseguiram reduzir a desigualdade através de políticas públicas nos últimos anos(...) O Brasil é um exemplo de que o governo tem a opção de agir.91

Reconhece-se que o PBF não é capaz, por si só, de eliminar as

desigualdades sociais e a exclusão, mas pode colaborar para um processo de

ampliação dos direitos e da cidadania. Sob essa perspectiva, as políticas públicas de

combate à exclusão assumem lugar de destaque, considerando que já da sua

formulação e implementação sejam percebidas como planos integrantes de uma

89Disponívelem>http://www.nospodemos.org.br/upload/tiny_mce/quarto_relatorio_acompanhamento.pdf.4

Relatório Nacional de Acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio>. p. 37. . 90

BRASIL. Fiscalis n.º 12/2009. Relatório de Acompanhamento do Programa Bolsa Família. Tribunal de Contas da União. Brasília. Secretaria de fiscalização e avaliação de programas de governo Disponível: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/assistencia_social/Relat%C3%B3rio%20de%20Acompanhamento%20do%20PBF_janeiro_0.pdf. p.42. 91

PHILLIPS, Ben. Coordenador de Campanhas e Políticas da ONG ActionAid, organização não governamental internacional que luta contra pobreza, tem programas de patrocínio de crianças e bases operacionais em vários países, incluindo Brasil. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150430_action_aid_entrevista_jc_lg Acesso em 25/05/2015

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estratégia maior para o combate à questão social da exclusão no Brasil e não apenas

como um fim em si mesmo.

Um grande desafio é fazer com que os benefícios do crescimento sejam

distribuídos a todas as camadas da população, diminuindo a desigualdade social que

tem influencia direta no processo de redução da pobreza. Torna-se importante

conhecer-se como a pobreza distribui-se espacialmente, percebendo-se onde ela é

mais intensa. Apenas através de adequada focalização será possível tornar eficientes

os mecanismos de combate à pobreza e por isso são necessárias ações que levem ao

crescimento econômico de forma mais igualitária.

Nesse contexto, ressalta-se o enfoque econômico das políticas públicas no

Brasil. Os argumentos relacionados ao custo (econômico) da concretização das

promessas da Constituição cidadã, as limitações orçamentárias e a doutrina da reserva

do possível, aliados à questão da capacidade do Poder Público em bem gerenciar o

orçamento público, bem como inúmeros ruídos e interferências ilegítimas (corrupção e

ineficientes sistemas de controle) na eleição das prioridades da ação estatal, acabam

por entravar ainda mais a concretização daquelas promessas festejadas na CFR/88.

Sobre a necessária relação entre Direito e Economia, Duran pondera:

Não estou aqui defendendo a colonização do sistema jurídico pelo sistema econômico. De forma alguma defendo que a razão jurídica deva se pautar pela eficiência de mercado. A colonização da vida social pelo juízo econômico da eficiência seria bastante perversa. O impacto para o sistema jurídico seria a ignorância de certos valores que são tutelados e deveriam ser instransponíveis pela ação política(...) A racionalidade de meios é muito cara aos juristas. No entanto, a interpretação de uma regra de direito precisa considerar sua finalidade e seus resultados futuros.92

Para Helcio Ribeiro, ―o enfretamento do modelo econômico que se baseia na

hegemonia neoliberal‖ é um dos sentidos do grande desafio político que se coloca

diante da implementação das políticas públicas e na efetivação dos direitos sociais

92DURAN, Camila Villard. O STF e a constitucionalidade dos planos econômicos. Artigo publicado na

edição nº 161 da Revista JC Constitucional, Economia, 14/01/2014. Disponível em: http://www.editorajc.com.br/2014/01/stf-constitucionalidade-planos-economicos/

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contidos na CFR/88.93 O autor destaca as tendências antidemocratizantes mais visíveis

desde os anos 1990, com ―(...) tentativas permanentes de restringir cada vez mais a

esfera pública, a democracia e os direitos, aprofundando a tensão entre capitalismo e

democracia, fazendo governos recorrerem cada vez mais a medidas de urgência que

invadem o ordenamento jurídico, desfigurando a ideia tradicional de Constituição.‖94

Baseando-se nas ideias de Faria95, tem-se que a globalização econômica faz

surgir um direito que põe em xeque o modo tradicional de pensar as relações entre

direito e mudança social. Considerada a crise do Estado intervencionista, a partir da

década de 1970, comprometida a capacidade diretiva do direito (instrumentalizado

politicamente pelo Estado-Nação), houve distorções no plano econômico e uma crise

de racionalidade no direito positivo.96 Considera-se que a financeirização da economia

capitalista, a reestruturação dos processos produtivos e as reformas do Estado voltadas

para o mercado compromete a lógica universalista das políticas econômicas.

O Estado de Bem Estar, em suas diversas variantes nacionais, empenhou-se durante décadas em um processo de intervenção estatal intensa no sentido de obter o desenvolvimento econômico, proteger a empresa nacional e distribuir a renda por meio de políticas públicas universalistas, mas a partir dos anos de 1990, fortes tendências de cortes nos gastos sociais e financeirização da economia comprometeram os direitos sociais e o papel das Constituições, levando o Estado a iniciar um processo de substituição das políticas públicas universalistas pelas políticas focalizadas, especialmente voltadas para o combate à pobreza.97

Considerado todo o exposto acima, a concretização dos direitos sociais

parece exigir um profundo redimensionamento do papel do Direito e das instituições

jurídico-democráticas, requerendo um modelo de Estado de direito inclusivo, que

93RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio;

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.44. 94

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.49. 95

FARIA, José Eduardo. Estado e direito depois da crise. São Paulo: Saraiva, 2001. 96

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.49. 97

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.50.

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assume obrigações perante os cidadãos e procura dialogar com os anseios dos mais

diferentes conjuntos de atores sociais.

Em artigo intitulado ―O bolsa família e a ralé brasileira‖, em 2010, Jesse

Souza argumentava que os índices mostravam que a pobreza absoluta vinha

diminuindo, mas alertava para a desigualdade como um conceito relacional. Afirmava

ser o Brasil uma das sociedades complexas mais desiguais do planeta e considerava

que entre 30% e 40% de sua população tem inserção precária no mercado e na esfera

pública. Avaliando o PBF, considerou que tem extraordinário impacto social, econômico

e político, com investimento público relativamente muito baixo. Por outro lado, sozinho

não tem condições de reverter o quadro de desigualdade e "incluir" e "redimir" a "ralé".

Segundo ele, um desafio de toda a sociedade e não apenas do Estado. ―É claro que

houve avanços nas duas últimas décadas, mas mudança social é muito mais do que

condições econômicas favoráveis‖.98

A obra recém lançada de Souza, atualmente presidente do IPEA, ―A tolice da

inteligência brasileira‖ traz argumentos de um ―economicismo‖ superficial que nos

domina e assim, temos a tendência de achar que o crescimento econômico por si só

traz todas as mudanças de que o país precisa.99 Segundo ele, isso não é verdade e já

foi mostrado, por exemplo no período entre 1930 e 1980 em que o Brasil cresceu mais

que qualquer outra sociedade e manteve teimosamente seus excluídos sociais. Dessa

forma, para o autor, o tema da produção e reprodução das classes sociais no Brasil que

poderia estruturar uma concepção verdadeiramente crítica sobre o Brasil

contemporâneo é dominado por uma leitura ―economicista‖ e redutora da realidade

social.100

Nesse contexto, esta pesquisa faz uma crítica ao modelo das políticas

públicas centradas apenas em dados econômicos, seja numa gestão política da Direita

ou da Esquerda. Uma cegueira que reside no fato de não se perceber ―que o capital

econômico não é única determinação importante da vida social. Ao contrário, sem, por

98 SOUZA, Jessé; O bolsa família e a ralé brasileira. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 2010.

99SOUZA, Jesse. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São

Paulo: LeYa, 2015. 100

SOUZA, Jessé. A Cegueira do Debate Brasileiro sobre as Classes Sociais. Disponível em:http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2014/outubro/14.10-Cegueira-Classes-Sociais.pdf p.35.

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exemplo, a percepção dos capitais cultural e social, o próprio capital econômico se

torna incompreensível‖. É preciso ir além ―da ―cegueira‖ da percepção unilateral e

amesquinhada da determinação econômica, seja na produção seja no consumo‖.101

Certamente, a economia tem muito a contribuir para o esclarecimento da realidade

social confusa. Mas, para Souza, ela ―aparenta‖ dar mais coisas do que efetivamente

dá. Aí temos o economicismo: uma visão empobrecida e amesquinhada da realidade,

como se fosse toda a realidade social.102

Diante do exposto e sob o enfoque das pesquisas de Jesse de Souza, tem-

se que, apesar dos dados e estatísticas que mostrem, por exemplo, a desigualdade

continuar caindo e a renda real do trabalho subindo, dentre outros, o problema se dá

nos aspectos conjunturais, especialmente no mercado de trabalho, onde o desemprego

aumentou, especial considerado o atual cenário do semestre de 2015. Tudo combinado

mostra que o modelo de desenvolvimento com ascensão social dos mais pobres não

está liquidado. Mostra, inclusive, extraordinária capacidade de resistência.

Para Souza, o processo de aprofundamento da democracia está sob ameaça

e o espaço que temos nessa luta tem a ver com uma postura crítica também quanto às

ideias que dominam as cabeças da direita e da esquerda que parecem sequestrar a

inteligência do povo brasileiro que passa a comprar uma legitimação de interesses que

só servem a uma minoria. Em vista do novo cenário econômico, político e social

brasileiro, Souza aponta que o país corre o risco de perder as conquistas sociais dos

últimos anos e vê a realidade de 2015 muito parecida com a do pré-golpe em 1964.

―Antes do golpe o país tinha que escolher dois caminhos: se ele seria uma sociedade

de massas mais inclusiva, ou uma sociedade pra 20% - e a escolha feita com o golpe

foi a escolha por essa minoria. A sociedade deve perceber o que ela tem a perder e o

preço que isso envolve‖.

101SOUZA, Jessé. A Cegueira do Debate Brasileiro sobre as Classes Sociais. Disponível em:

http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2014/outubro/14.10-Cegueira-Classes-Sociais.pdf p.36-37. 102

SOUZA, Jessé. A invisibilidade da luta de classes ou a cegueira do economicismo in BARTELT, Dawid Danilo (org.) A "nova classe média" no Brasil como conceito e projeto político. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll.p.56

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1.1.2. Impacto no quadro social de pobreza

Considerando o Estado Democrático de Direito estabelecido na CFR/88 e

com vistas à garantia dos direitos humanos, em especial os direitos sociais nela

previstos, os governos federal, estadual e municipal devem estabelecer políticas

públicas que sejam capazes de atender às diversas realidades da sociedade, pois ―A

realidade social de hoje demanda do Estado uma enorme gama de atividades para

garantia da cidadania e a efetivação dos direitos fundamentais, daí a afirmação de que

o Estado é Democrático e Social de Direito, significando que o Estado deve realizar

políticas ou programas de ação, para atingir determinados objetivos sociais‖.103

A perspectiva da dignidade impõe ao Estado a meta permanente de

proteção, promoção e realização concreta de uma vida digna, o que inclui o dever de

remover os obstáculos que sejam contrários a essa meta104. O comprometimento do

Estado com a igualdade de direitos e o desenvolvimento do homem criou compromisso

de ação e de omissão, considerado o dever de não tomar atitudes contrárias aos

direitos constitucionalmente garantidos; a sua atuação normativa através das

instituições é indispensável à garantia da cidadania plena.

A cidadania, que ganhou uma nova visão constitucional em 1988, passando a ser fundamento do nosso Estado Democrático e Social de Direito, com amplos direitos assegurados na Constituição, precisa também ser efetivada em nossa vida social, deixando de ser apenas uma previsão formal do sistema jurídico.105

A ―Cidadania e Direitos Fundamentais passam a constituir um ―Núcleo Duro‖

do Estado Democrático e Social de Direito, trazendo as Políticas Públicas para o centro

103SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania.

In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.6 104

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.108-109. 105SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.4

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do debate jurídico‖.106 A concretização dos direitos sociais previstos na CRF/88 passa

essencialmente pelas políticas públicas que efetivam a letra constitucional.

As políticas públicas a serem desenvolvidas em nosso país devem ter o norte da concretização da cidadania em todas as suas dimensões, integrando os diversos aspectos sociais, políticos e econômicos, bem como atendendo às necessidades de inclusão social, pois esta é a

determinação constitucional de 1988.107

As políticas públicas revelam o Estado em ação e "cada modelo estatal

produzirá seu modelo próprio de políticas públicas, considerando a dinâmica do

governo, sua relação com a sociedade e a capacidade desta em organizar-se para

fiscalizar e cobrar a execução de direitos"108.

Essa pesquisa adota o entendimento de Diogo Coutinho para quem o papel

do Direito em relação às políticas públicas não se resume ao seu elemento constitutivo.

Além de diretriz normativa, tem-se o Direito como parte da dimensão institucional das

políticas públicas, ao estruturar seu funcionamento, regular seus procedimentos e se

encarregar da viabilização da articulação entre atores direta e indiretamente ligados a

tais políticas. Ressalta que o direito permite a calibragem e a autocorreção das políticas

públicas; podendo provê-las ainda, de mecanismos de deliberação, participação,

consulta, colaboração, promovendo participação e prestação de contas.109

Nesse estudo, abordam-se as políticas sociais como programas que

possuem o objetivo de proporcionar condições básicas, como saúde, alimentação e

educação, especialmente à população mais carente, mediante a constituição de direitos

e deveres, tanto por parte do gestor da política quanto dos beneficiários dos referidos

106SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.4 107

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a Efetivação da Cidadania. In O Direito e as Políticas Públicas no Brasil. Org. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins e SMANIO, Gianpaolo Poggio. São Paulo: Atlas, 2013. p.12 e 13. 108

CHRISPIANO, Álvaro. Binóculo ou luneta: Os conceitos de política pública e ideologia e seus impactos na educação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. Rio Grande do Sul, v. 21, n. 1/2, p.61-90, jan./dez. 2005, p.66 109

COUTINHO, Diogo. O direito nas políticas públicas. Disponível em: http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/item_766/14_05_12_16O_direito_nas_politicas_publicas_FINAL.pdf. Acesso em: 04 julho de 2014.

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programas.110 Importante é o planejamento estatal e sua interação com as normas

constitucionais para delimitar os alvos para a promoção dos objetivos fundamentais do

Estado Social previstos constitucionalmente, explicita ou implicitamente.

A proteção social implica a instituição de seguranças dadas ao indivíduo em decorrência de sua participação em um coletivo social (...) O pressuposto de tal garantia é a existência de um compromisso entre diferentes setores da sociedade em torno da implantação de um regime de solidariedade garantido pelo Estado e tendo como objetivo a redução da vulnerabilidade, da insegurança e do risco da pobreza.111

Na perspectiva do desenvolvimento como liberdade, Sen distingue o sujeito

social entre agente e paciente. Como agente é dotado de oportunidades sociais

adequadas, de liberdades políticas, estando exposto a condições de boa saúde, de

educação básica, de incentivos, uma conjuntura que lhe possibilita de forma efetiva

construir o seu próprio destino, ajudando os seus pares, de forma livre e sustentável. O

indivíduo beneficiário passivo tornar-se paciente de programas de desenvolvimento112.

A partir da perspectiva do desenvolvimento das capacidades das pessoas,

torna-se imprescindível a erradicação das fontes de privação de liberdade, tais como,

pobreza e tirania, ausência de oportunidades econômicas e negligência dos serviços

públicos.113 O desenvolvimento como liberdade perpassa a questão da eliminação das

privações materiais, das privações políticas e da efetivação de direitos civis básicos. Há

um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto

de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. Afinal, ―Sem

o mínimo necessário a existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem,

desaparecem as condições iniciais de liberdade‖.114

Destaca-se que a expansão das capacidades influenciadas pelo exercício

das liberdades dos indivíduos são traduzidas em iniciativas e em escolhas com reflexos

diretos na sociedade. Numa espécie de circulo virtuoso, uma política pública contribui

110CARDOSO JR., José Celso; JACCOUD, Luciana. Política Social no Brasil: organização, abrangência e

tensões da ação estatal. Questão social e políticas sociais no Brasil Contemporâneo.Brasília:IPEA -2005. 111

JACCOUD, Luciana. Pobres, pobreza e cidadania: os desafios recentes da proteção social. In: FAGNANI, E. (Org.). Previdência social: como incluir os excluídos. São Paulo: LTr, 2005, p. 19. 112

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p.18. 113

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p.16. 114

TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (org) Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro, 2009. p.266 e 263.

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para o desenvolvimento de capacidades humanas que geradas e expressadas

culminarão em influencia na definição das novas políticas públicas. Considerada a

participação dos cidadãos uma imposição constitucional, o poder público deve manter

interação constante com a sociedade, o que solicita uma sociedade consciente e

cidadãos participantes capacitados a cobrar do Estado as suas atribuições115. Os

direitos sociais são conquistas que exigem uma resposta legítima do Estado, não são

moedas de troca político-partidária. Nesse sentido, a não observância de instrumentos

de participação e controle social pode culminar no esvaziamento do próprio direito

constitucional à assistência social cedendo lugar a práticas clientelistas.

Esta pesquisa acredita que ―As Políticas Públicas pressupõem as relações

do Estado com a sociedade, pois que a via da participação dos cidadãos dever ser o

método a ser buscado, tano para sua formulação, quanto para sua execução.‖116 Perez

formula a participação como um principio da Administração Pública, trazendo os

institutos de participação que são os conselhos, comissões, comitês participativos,

audiências públicas, consultas públicas, orçamento participativo, referendo e plebiscito,

instrumentos concretos do diálogo entre a sociedade e a Administração Pública117.

A participação acarreta necessariamente a cooperação entre Estado e

sociedade, bem como entre os próprios cidadãos, criando um círculo virtuoso de

legitimidade para as Políticas Públicas, porque é uma garantia de que efetivamente as

necessidades da população estão em decisão e execução. Assim é que ―A qualidade

da democracia implica na qualidade das Políticas Públicas efetivadas e, portanto, na

garantia dos Direitos Fundamentais e da Cidadania.‖118

Segundo Smanio, ―A democracia representativa liberal sofre atualmente

inúmeras criticas, principalmente por não conseguir efetivar a garantia do exercício da

115PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008.

116SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania.

In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.10. 117

PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. P.163-176. 118

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.11.

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cidadania e dos direitos fundamentais a toda população.‖119Nesse contexto, autores

como Paulo Bonavides120 pretendem a institucionalização que efetive uma maior

participação dos cidadãos nas decisões do Estado, teoria da Democracia Participativa;

outros com a visão da Democracia Deliberativa tratada por Habermas121 tratam de um

sistema regulador de debate e da discussão crítica; e ainda outros que pretendem um

aprofundamento dos espaços democráticos na sociedade, qual seja a Democracia

Social proposta por Bobbio122.

Mas, sem dúvida um dos desafios da atualidade democrática ―é efetivar esta

democracia integral, que possa acolher a cidadania e seu pleno desenvolvimento‖123. E

as Políticas Públicas são importantes instrumentos para isso, conclamando a atuação

da Administração Pública, dos órgãos e Poderes do Estado e ainda, o arcabouço

normativo que as constitui deve trazer a sua legitimação e eficiência.124

O PNUD 2000 entende pobreza como multidimensional relacionando-a a

múltiplas formas de privações e não apenas à renda. Define pobreza como a falta de

acesso e recursos que possibilitem um padrão de vida em que sejam supridas as

necessidades básicas, como alimentação, higiene, vestuário, educação, lazer. São

pobres aqueles que além de não possuírem renda suficiente para satisfação de suas

necessidades e nem acesso a alternativas para satisfazê-las, não são valorizados e

respeitados como cidadãos. A falta de acesso pela negação da possibilidade de

escolhas e oportunidades submete a uma condição de vida subalterna.125

Esta visão de pobreza das Nações Unidas está alinhada com a concepção

de Amartya Sen que a tem como privação das capacidades básicas do ser humano.

119SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania.

In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.11. 120

BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001. 121

Habermas, Jurgen. Facticidad y validez. Madrid: Trota, 1998. 122

Bobbio, Noberto. O futuro da democracia. 10 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. 123

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.12. 124

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.12. 125

PNUD-2000. Glossário de direitos humanos e desenvolvimento humano - Conceito de pobreza humana e privação de renda. Junho 2000. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDHglobais/hdr_2000_en.pdf. Acesso em 13 de agosto de 2013.

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Capacidades significam a possibilidade de escolher por uma vida que se tem razão de

valorizar, em dar oportunidade real para as pessoas promoverem seus objetivos. Uma

visão que não reduz a pobreza ao baixo nível de renda, mas reconhece sua importância

afinal, ―a renda é um meio importantíssimo de obter capacidades"126.

Sen destaca que a redução de renda não pode ser vista como a principal

motivação das políticas públicas de combate à pobreza. Investir em educação, saúde

etc. para reduzir a pobreza de renda seria confundir os fins com os meios. "O que a

perspectiva da capacidade faz na análise da pobreza é melhorar o entendimento da

natureza e das causas da pobreza e privação desviando a atenção dos meios (...) para

os fins que as pessoas têm razão para buscar e, correspondentemente, para as

liberdades de poder alcançar estes fins".127

Santos apresenta três formas de pobreza vivenciadas no último meio século.

A pobreza instituída, uma pobreza incidental. A segunda, a marginalidade produzida

pelo processo econômico da divisão do trabalho, internacional ou local. E a pobreza

estrutural, não local e nem nacional, presente em toda parte do mundo, globalizada.

Diante disso, os pobres como objetos da dívida social já foram os ―incluídos‖, depois

―marginalizados‖, e hoje, são os ―excluídos‖128.

Na compreensão de Rocha, uma definição relevante de pobreza passa pela

percepção do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são

atendidas em determinado contexto socioeconômico. Nessa linha de pensamento, ser

pobre é o mesmo que não dispor de meios para ―operar adequadamente no grupo

social em que se vive‖129. Diante dessa constatação, a partir da problemática da

pobreza em países ricos desenvolveram-se estudos sobre o caráter relativo que

envolve a concepção da pobreza.

A situação da pobreza dos países com diferentes níveis de desenvolvimento

social e produtivo remonta às noções de pobreza absoluta versus a relativa. Rocha

enfatiza a concepção de pobreza absoluta, vinculada ao não atendimento do mínimo

126SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p.112.

127SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p.112.

128SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de

Janeiro: Record, 2007. p.74. 129

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.9-10.

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vital, enquanto a pobreza relativa está relacionada às necessidades a serem satisfeitas

levando em conta os parâmetros predominantes na sociedade em questão. Para Rocha

quanto mais rica a sociedade em questão, mais distante está do conceito relevante de

pobreza (como dito, relacionado ao não atendimento das necessidades básicas), afinal

nesses países o mínimo vital já é garantido a todos e o conceito torna-se irrelevante.130

Diante disso, para o Brasil a noção de pobreza absoluta ainda é relevante.

O PBF tem como foco uma parcela da população que se encontra em

situação de pobreza e extrema pobreza que há muito anseia ser vista e priorizada.

O Bolsa Família alcança uma parcela da população, à qual o Estado devia e ainda deve muito em termos de políticas públicas adequadas. Tratava-se de cidadãos reiteradamente vitimados pela exclusão social ou com acesso limitado aos programas de transferência de renda e, por essa razão, apresentavam dificuldades em conseguir os elementos básicos para sua sobrevivência. De fato, era necessário dar vazão a um programa social dessa envergadura131.

Dada a diversidade econômica de cada região e a pobreza nela encontrada

o PBF termina por não atingir de forma regular todo o território nacional. O relatório de

Gestão do PBF de 2007 já revelava essa diversidade, conquanto a região Nordeste

ficava com 69,1% da distribuição total do Programa, a Sudeste com 19,1%, a Norte

8,0%, a Sul 1,4% e a Centro Oeste 2,4%.132 Em 2011, a mesma tendência foi

confirmadas no estudo "Presença do Estado no Brasil: Federação, suas Unidades e

Municipalidades", divulgado em 2012 pelo Ipea. A Região Nordeste foi a maior

beneficiada pelo PBF durante a distribuição de dezembro de 2011, recebendo 51,1% do

total disposto pelo programa; o Sudeste foi a segunda maior com 24,7% dos benefícios

distribuídos. Na sequência, o Norte (11,1%), o Sul (7,8%) e o Centro-Oeste (5,4%).

Quanto ao perfil dos titulares do programa, pesquisa realizada pelo IBASE,

em 2008, revelou que em sua maioria são mulheres (94%), a maior parte são pretos ou

130ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.11 e 14.

131ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Principio democrático e constitucional da dignidade de pessoa

humana e a existência do programa bolsa família. 2009. Apontamentos sobre direitos elementares dos cidadãos de baixa renda. <http://online. unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/763/1002>. 132

OLIVEIRA, A.M.H.C ; ANDRADE, M.V ; RESENDE, A.C.C. ; RODRIGUES, C. G. ; SOUZA, L.R. ; RIBAS, R. P. Primeiros resultados da análise da linha de base da Pesquisa de Avaliação de Impacto do Bolsa Família. In: Jeni Vaitsman; Rômulo Paes-Sousa. (Org.). Avaliação de Políticas e Programas do MDS - Resultados. Brasília: Cromos, 2007. p.181.

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pardos (64%), a maior parte das mulheres tem entre 15 e 49 anos (85%), 78% das

famílias residem em área urbana e 22% em áreas rurais, destacando-se que a maior

concentração das famílias em áreas rurais está no Nordeste (50%), 81% dos titulares

sabem ler e escrever e desses 56% estudaram até o ensino fundamental. No tocante

ao uso dos recursos proporcionados pelo Programa, seus beneficiários chegam a

gastar 87% dos recursos com alimentação, considerando-se que no Nordeste esse

percentual chega a 91%, enquanto no Sul é de 73%133.

Esse estudo revelou que alimentação, material escolar e vestuário são os

itens em que as famílias mais gastam o benefício mensal. A pesquisa pediu que os

titulares do cartão apontassem os itens em que o dinheiro do Bolsa Família era mais

aplicado, podendo indicar até três. No geral, 87% das famílias apontaram a alimentação

como principal gasto – na região Nordeste esse percentual chegou a 91% e, no Sul,

73%. O material escolar aparece em segundo lugar, com 46%, e o vestuário com 37%.

Segundo dados oficias, estudos mais recentes têm confirmado essa

tendência. No Norte e Nordeste, por exemplo, o impacto do programa é 31,4% maior

que no restante do país. Além disso, as famílias atendidas pelo PBF gastam mais do

que as não-beneficiárias com grãos e cereais, aves e ovos, carnes, pães, legumes,

óleos e bebidas não alcoólicas, indicando que o programa contribui para a segurança

alimentar e nutricional de crianças e adolescentes.134

O mito de que o PBF estimula o aumento do número de filhos e faz prolongar

o ciclo geracional da pobreza parece se desconstruir ao longo dos seus mais de dez

anos. O número médio de filhos entre as mulheres mais pobres diminuiu. Análise feita

com base nos Censos populacionais de 2000 e 2010 do IBGE aponta que o grupo de

mulheres mais pobres apresentou recuo de 30% no número médio de filhos, enquanto

a média nacional foi de 20,17%.135

Merece destaque a elevação da autoestima das mulheres beneficiadas pelo

133IBASE (2008). Repercussões do Programa Bolsa-Família na Segurança Alimentar e Nutricional das

famílias beneficiadas. Disponível: http://www.ibase.br/userimages/documento_sintese.pdf p.16. Acesso em 13 de agosto de 2013. 134

Disponível:http://www.brasil.gov.br/cidadaniaejustica/2014/05/bolsafamilia754dosbeneficiariosestaotrabalhando publicado: 20/05/2014 12h37 última modificação: 30/07/2014 01h29 Acesso 25 maio de 2015. 135

Disponível:http://www.brasil.gov.br/cidadaniaejustica/2014/05/bolsafamilia754dosbeneficiariosestaotrabalhando publicado: 20/05/2014 12h37 última modificação: 30/07/2014 01h29 Acesso 25 maio de 2015.

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programa, vez que passam a ter o controle da renda familiar, fortalecendo a sua

presença no grupo. A mulher passa a ser mais respeitada no meio social, vez que a

certeza da liquidez do recurso financeiro dar-lhe o status de boa compradora, reforça-se

o principio da dignidade da pessoa136. Confirma-se o aumento da independência

financeira das mulheres, a sua maior influência no planejamento dos gastos, enquanto

que na família e na comunidade também passam a infundir esse respeito. Por outro

lado, atenta-se para o baixo investimento em políticas complementares que garantiriam

melhores condições para a inserção das mulheres no mercado de trabalho137.

As perspectivas reconhecem as contradições e as dificuldades do programa,

mas também é fato que se está avançando para um Sistema de Assistência Social

integrado a mais ampla lógica do Sistema de Proteção Social e, cada vez mais,

distancia-se daquela realidade da década de 80, caracterizada por atitudes de

benevolência e uma atuação estatal residual ligada às figuras das Primeiras Damas.138

O PBF, frequentemente, defronta-se com dificuldades operacionais,

entretanto, esses obstáculos por si só, não deveriam ser vistos como caracterizadores

de uma política clientelista ou assistencialista. Algumas iniciativas, tais como a

consolidação do banco de dados do Governo federal, o pagamento do benefício por

meio de cartões magnéticos de débito, sem intermediários, através de um banco federal

(Caixa Econômica) com grande autonomia em relação aos poderes locais resultam num

programa que reduziu o espaço de práticas clientelistas.

Os beneficiários do PBF tem, proporcionalmente, significativo aumento em

seu poder de compra. Contudo, não raras às vezes, o beneficio é a única renda regular

garantida e por isso mesmo, essas pessoas não estão em um patamar de consumo no

qual o fato de aumentar o poder de compra implique na compra de supérfluos. Na

verdade, existe a necessidade reprimida por alimentos e insumos básicos para a vida

136ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Principio democrático e constitucional da dignidade de pessoa

humana e a existência do programa bolsa família. 2009. Apontamentos sobre direitos elementares dos cidadãos de baixa renda. <http://online. unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/763/1002>. p.3. 137

IBASE (2008). Repercussões do Programa Bolsa-Família na Segurança Alimentar e Nutricional das famílias beneficiadas. Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/documento_sintese.pdf p.17. Acesso em 13 de agosto de 2013. 138

LAVINAS, Lena; NICOLL, Marcelo. Pobreza, transferências de renda, e desigualdades de gênero: conexões diversos. Parcerias Estratégicas, Brasília, n. 22, junho 2006, p. 39-76. Disponível em: <http://www.cgee.org.br/arquivos/pe_22.pdf>

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digna. O resultado da pesquisa do IBASE/2008 demonstrou que os beneficiários fazem

uso do recurso para comprar mais alimentos e variar a alimentação, o que não significa,

necessariamente, uma alimentação mais saudável139.

Segundo o Radar Social de 2006, documento elaborado pelo departamento

de programas sociais do governo federal, os programas focalizados nos excluídos,

associados à estabilidade econômica, e ainda, alguma recuperação do poder de

compra do salário mínimo, vinham contribuindo no processo de diminuição da

indigência, bem como influenciado na pequena redução dos índices de exploração do

trabalho infantil, da mortalidade infantil, entretanto, sem alterar a pobreza e a

desigualdade, fato atrelado à histórica herança de iniquidade e exclusão no país.140

A posição do Brasil em relação à realidade da exclusão social, segundo

ranking do ano 2000 (considerou a análise de 175 países) era 71ª posição no índice de

pobreza no mundo, ao mesmo tempo em que estava na 167ª colocação quanto à

desigualdade. Estas colocações aliadas aos demais índices de desemprego, de

alfabetização, de escolarização superior, de homicídios e população infantil alocavam o

país na 109ª posição de exclusão social. 141

Em 2014, a Cortez Editora publicou ―Atlas da Exclusão Social no Brasil: Dez

Anos Depois‖, demonstrando que apesar dos avanços observados na década passada

com relação à exclusão social, ainda há uma desigualdade regional e estadual muito

acentuada. O conceito de exclusão social utilizado pelos autores representa uma

ampliação das visões acerca da pobreza e desigualdade pelo que interpretam a

exclusão social como parte integrante do processo de desenvolvimento capitalista. Para

eles, no Brasil, o processo de acumulação de capital ocorreu historicamente de maneira

deslocada da integração e homogeneização social.142

139IBASE (2008). Repercussões do Programa Bolsa-Família na Segurança Alimentar e Nutricional das

famílias beneficiadas. Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/documento_sintese.pdf p.17. Acesso em 13 de agosto de 2013. 140

RADAR social 2006. Principais iniciativas do Governo Federal / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Brasília: MP, 2006. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=230. 141POCHMANN, Márcio et. al (Org.). Atlas da exclusão social, volume 4: A exclusão no mundo. São Paulo: Cortez, 2004. p.189-206. 142

POCHMANN, Márcio et. al (Org.). Atlas da exclusão social: a dinâmica da exclusão social na primeira década do século 21. São Paulo: Cortez, 2015.

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Nas décadas de 1960 e 1970, o crescimento econômico foi um dos mais elevados de todo o século 20, porém, a ausência de democracia e política social distributiva, tornou mais excludente a sociedade. Em virtude disso, o Brasil que em 1980 situou-se entre as oito maiores economias capitalistas também ocupou a terceira posição na hierarquia da desigualdade no mundo. Crescimento econômico, por si só, sem redistribuição de renda, resulta em mais exclusão social. Por outro lado, as décadas de 1980 e 1990 apresentaram a retomada da democracia desacompanhada do crescimento econômico.143

Segundo Pochmann, as políticas sociais estabelecidas pela

CFR/88 pouco puderam fazer para atender ao seu objetivo de atacar a desigualdade,

sobretudo diante do receituário neoliberal de regressão econômica e social. Sem

crescimento econômico considerável pouco resta para distribuir, mesmo havendo

democracia e instrumentos políticos para atacar a desigualdade. De acordo com o

economista, para que o país possa acumular na segunda década do século 21

resultados exitosos cabe assegurar uma convergência tríade: democracia decente,

crescimento satisfatório e política social distributiva ativa e universal.

Em 2010, de acordo com relatório do IPEA resultou demonstrado o impacto

positivo do PBF sobre o nível de pobreza das famílias brasileiras, bem como na

redução da desigualdade social. Segundo esse relatório foram 16,5 milhões de pessoas

que ultrapassaram a linha de pobreza, durante o período de 2003 a 2007. Em março de

2013, segundo dados do MDS, os últimos brasileiros do PBF que ainda viviam na

miséria transpuseram a linha da extrema pobreza.144

O desenvolvimento econômico sustentável não é possível numa sociedade

marcada pela desigualdade. Essa foi a conclusão de estudos realizados na década de

90 e a partir da qual, o Brasil e mais 189 países e ainda, mais uma coalizão de

agências multilaterais firmaram o compromisso denominado de objetivos do milênio –

OMD, entre os quais está a redução da pobreza extrema com as seguintes metas: A)

reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a

um dólar PPC por dia; B) reduzir a um quarto, entre 1990 e 2015, a proporção da

população com renda inferior a 1 dólar PPC por dia; C) alcançar o emprego pleno e

143POCHMANN, Márcio et. al (Org.). Atlas da exclusão social: a dinâmica da exclusão social na primeira

década do século 21. São Paulo: Cortez, 2015. 144

Plano Brasil Sem Miséria. Disponível em: http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao Acesso em 25 de maio de 2015.

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produtivo e o trabalho decente para todos, incluindo mulheres e jovens; D) reduzir pela

metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população que sofre de fome; E) erradicar a

fome entre 1990 e 2015.145

Segundo o PNUD, o Brasil foi um dos países que mais contribuiu para o

alcance global da meta A do ODM, reduzindo a pobreza extrema e a fome não apenas

pela metade ou a um quarto, mas a menos de um sétimo do nível de 1990, passando

de 25,5% para 3,5% em 2012. O país, considerando os indicadores escolhidos pela

ONU para monitoramento do ODM1, alcançou tanto as metas internacionais quanto as

nacionais. Outro fator em que houve mudanças foi o analfabetismo na extrema

pobreza. Em 1990, a chance de uma família liderada por um analfabeto estar em

situação de pobreza extrema era 144 vezes maior que a de uma família liderada por

alguém com curso superior. Essa razão diminuiu em 2012 e passou a ser de 11:1.146

Verificou-se uma ascensão social e financeira de grande parte das famílias

brasileiras, nos últimos anos e, segundo Weissheimer ―Essa nova classe média foi

responsável pelo aumento do consumo e, portanto, pelo fortalecimento do mercado

interno, mostrando que políticas de distribuição de renda não se resumem a um caráter

meramente assistencialista‖. Para ele, tais políticas ―induzem o crescimento econômico

e desenvolvimento social ao retirarem da marginalidade e da pobreza extrema, milhões

de pessoas que se tornaram, assim cidadãos e consumidores (...)‖.147

Por outro lado, essa nova classe média é vista por Jesse Souza sob ótica

diversa, no contexto dos estudos mais atuais sobre o desenvolvimento brasileiro. O mito

da ―Nova Classe Média‖ que então legitima uma realidade pela qual a classe denomina-

se e é tratada pela Sociologia como ―média‖ é para ele ―uma classe que sofre, trabalha

14 horas por dia, não tem férias, não tem lazer, está endividada com o banco por 10

anos e pensa que é livre. A sociologia da dominação não é capaz de mostrar que nesta

145A ONU estabeleceu em 2000 oito pontos que refletiam os maiores problemas mundiais e que ficaram

definidos como sendo os Objetivos do Milênio: acabar com a fome e a miséria; educação básica de qualidade para todos; igualdade entre os sexos e valorização da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde de gestantes; combater a AIDS, a malária e outras doenças; qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e todo o mundo trabalhando pelo desenvolvimento. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ODM1.aspx Acesso em 25 de maio de 2015. 146

PNUD. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ODM1.aspx Acesso em 25 de maio de 2015. 147

WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: Avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de família no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. p.34.

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―Nova Classe Média‖ o capitalismo continua se alimentando do sangue de quem

trabalha. Como então falar de uma Nova Classe Média?‖.148

Souza é o atual Presidente do IPEA (desde abril de 2015) e defende que

essa ―Nova Classe Média‖, na verdade, vive numa sociedade perversa, às voltas com

um sistema político que com ela não se preocupa, ao passo que a mídia contribui,

diretamente, para a manutenção desse status, estando ambos pautados nas

orientações do mercado.149

Na mesma linha, Santos afirma que a publicidade, nos dias atuais, tem

grande penetração em todas as atividades, sendo a propagação rápida e considerando

que a própria política está, em grande parte, subordinada às suas regras. Para Santos,

a perversidade da evolução negativa da humanidade, junto com suas mazelas são,

direta ou indiretamente, impostas pelo processo de globalização150.

Para Souza, a ―ralé‖ brasileira tornou-se invisível ao longo das décadas.

Discordando da vinculação dos estudos das classes sociais à renda, aponta para o que

considera equívoco da Sociologia com o seguinte exemplo: ―um professor universitário

com título de Mestre ou Doutor recebe no sudeste algo em torno de seis mil reais, e um

mecânico da Renault no Rio Grande do Sul recebe um pouco mais do que este valor,

mas cada um vive realidades imensamente distintas‖. Nesse compasso, questiona o

autor essa relação entre a compreensão de uma classe à sua renda. Segundo ele,

―fala-se em ‗classes sociais‘, para não se falar de verdade em Classes Sociais‖.

Acredita que esta é a tendência dos estudos sobre as desigualdades151.

A análise de Jessé Souza adiciona dimensões importantes à análise da tão

proclamada classe média. Criticando a ―cegueira do economicismo‖, Souza demonstra

que as vantagens estratégicas da classe média tradicional não se materializam apenas

pela renda maior, mas pelo capital social e cultural que detém e que os trabalhadores

―batalhadores‖ da Classe C não têm, e menos ainda os da chamada por ele de ―ralé‖,

148SOUZA, Jesse. Conferência do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em UFRN-RN.

Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/31741320/Artigo-Jesse-de-Souza-a-voz-da-rale-brasileira. 149

SOUZA, Jesse. Conferência do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em UFRN-RN. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/31741320/Artigo-Jesse-de-Souza-a-voz-da-rale-brasileira. 150

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2007. p.40 e 20. 151

SOUZA, Jesse. Conferência do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em UFRN-RN. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/31741320/Artigo-Jesse-de-Souza-a-voz-da-rale-brasileira.

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classe mais empobrecida da sociedade. Eles carecem de relações sociais que ajudem

no mundo social e profissional, de tempo para estudar, de competências sociais como

disciplina e autocontrole, indispensáveis para ser bem-sucedido no capitalismo

moderno, e até de uma autopercepção como ―dignos‖ e, portanto, portadores de

direitos. No entanto, para ele, não há classe condenada para sempre e de fato os

batalhadores têm obtido algum sucesso.152

O autor enfatiza, entretanto, que não se pode falar da sociedade brasileira de

hoje sem reconhecer que esta classe continua sendo sistematicamente explorada,

profundamente dominada e socialmente humilhada. O aumento substancial da renda

das classes baixas não é equivalente a uma substancial redução da desigualdade no

Brasil. O índice Gini baixou efetivamente no Brasil, ainda que de um nível obsceno a

um nível ainda intolerável, mas ele mede a distribuição de renda por salários e

remunerações monetárias numa sociedade e não inclui a propriedade, imobiliária e

fundiária, fonte da riqueza da classe média alta e alta no Brasil. As políticas distributivas

atuam sobre os efeitos e não sobre as causas das desigualdades estruturais.153

Para Rodrigues, no período entre 2001 e 2004, a queda da inflação, desde a

implementação do Plano Real (1994), a recuperação do salário mínimo, desde 1995, e

que tem gerado impactos positivos na vida de importantes segmentos da sociedade

brasileira, em especial, para os 62,4% dos aposentados que recebem um salário

mínimo por mês, a queda do valor médio da renda do trabalho por família e domicílio e

o gasto promovido pelo governo com Assistência Social, seriam as hipóteses que

teriam colaborado para a redução da desigualdade no país, no referido período154.

Nesse contexto, revela-se a importância de estudos sobre Direito e Políticas

Econômicas, tal como os da pesquisadora Camila Villard Duran:

É por essa razão que a política de gestão monetária é relevante: a moeda é o elemento de coesão da sociedade de mercado, e sua gestão atinge indistintamente todo indivíduo em comunidade. Seus efeitos

152 SOUZA, Jessé. A invisibilidade da luta de classes ou a cegueira do economicismo. In: Bertelt, Dawid..

(Org.). A nova classe média no Brasil. Sao Paulo: 2013, p.56-68. 153

SOUZA, Jessé. A invisibilidade da luta de classes ou a cegueira do economicismo. In: Bertelt, Dawid.. (Org.). A nova classe média no Brasil. Sao Paulo: 2013, p.56-68. 154

RODRIGUES. Marta Maria Assumpção. Políticas Redistributiva e Direitos Civis e Sociais no Brasil: O dilema de construir a democracia num ambiente de desigualdade. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/42P.pdf p.7.

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podem, até mesmo, propagar-se globalmente, especialmente se se tratar de moeda aceita como meio de pagamento internacional e constituir reserva de Estados.(...) É nesse debate que se insere a reflexão sobre o papel do direito na organização dos instrumentos institucionais de responsabilização política e social do processo decisório da autoridade monetária.155

Considerando-se os resultados positivos, resta saber se, a longo prazo, as

taxas de desigualdade social continuarão a cair e se serão mantidas as atuais políticas

de (re)capacitação do Estado para o desempenho adequado de suas funções de

regulação e de gestão das atividades econômicas e sociais, contribuindo para a

organização de um demos mais igualitário156.

Tudo isso está relacionado à melhoria da qualidade de vida das pessoas e

com estreita relação com a empregabilidade. O alto nível de desemprego e

subemprego presentes em nossa sociedade, registrado em estudo estatístico realizado

pelo PNAD, em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas, no ano 2000 157 pode ter

motivado os Governos em todas suas esferas, a objetivarem o crescimento da geração

de empregos às populações em situação de pobreza e extrema pobreza, como o

caminho para o atingimento da independência financeira e sustentável das famílias.

Nesse sentido, resultados apresentados pelas PNAD´s 2004-2006, executadas pelo

IBGE mostraram que o Brasil vinha reduzindo a pobreza bem como a desigualdade.

Em 2004, o PBF contou com o apoio do Banco Mundial que lhe emprestou

US$ 572 milhões, no intuito de auxiliar no seu desenvolvimento, fortalecendo-o e

expandindo-o, pelo que considerava os progressos significativos do país, desde 2003,

na redução da pobreza, da desigualdade, apontando-se que o PBF estaria se revelando

fundamental na rede de proteção para reduzir o impacto sobre os pobres dos aumentos

nos alimentos e no petróleo, e ainda da crise financeira e recessão global158.

155DURAN, Camila Villard. A Moldura Jurídica da Política Monetária: um estudo de caso. Tese Doutorado.

Universidade de São Paulo Faculdade de Direito Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito São Paulo 2012 sob a orientação do Professor Titular José Eduardo Campos de Oliveira Faria e do Professor Jean-Marc Sorel.p.60-61. 156

MELO, Carlos Ranulfo; SÁEZ, Manuel Alcântara (orgs.). A Democracia Brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.p.133. 157

FGV. Disponível em: <www.fgv.br/ibre/cps/artigos/conjuntura/2002>. 158

Disponível:BancoMundial<http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/HOMEPORTUGUESE/EXTPAISES/EXTLACINPOR/BRAZILINPOREXTN/0contentMDK:22709242~menuPK:3817263~pagePK:1497618~piPK:217854~theSitePK:3817167,00.html>.

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Em 2006, o Brasil investiu 0,5% do seu PIB, cerca de R$ 8,5 bilhões, no

PBF. Já em 2009 foi cerca de 11,3 bilhões, 0,39% do PIB de 2008, o que aponta para

um custo relativamente baixo do programa, tendo em vista os seus objetivos no tocante

à redistribuição de renda, ao combate à pobreza e à inclusão social159. No Brasil, cerca

de 20% do seu PIB destina-se ao gasto social, o que inclui os gastos com previdência,

saúde e educação. Rocha afirma que a persistência da pobreza não tem a ver com à

insuficiência do gasto público, mas com a mudança na natureza do gasto social, bem

como com melhoria na sua eficiência160.

Nesse sentido, ―Aos mais vulneráveis, para os quais a renda do grupo

familiar não é capaz de neutralizar o alijamento do mercado de trabalho, evitar a

pobreza do ponto de vista da renda depende, essencialmente, de benefícios

previdenciários e de políticas compensatórias por parte do poder público‖161.

Considera-se as políticas públicas sociais como capazes de implementar

inovações que contribuem para o aperfeiçoamento da estrutura da administração

pública e para o aumento de sua eficiência, consolidando o principio do Estado

Democrático de Direito, pelo que ―por meio das políticas públicas o Estado poderá, de

forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição, sobretudo no

que diz aos direitos fundamentais que dependam de ações para sua promoção‖162.

Políticas Públicas eficientes com programas de distribuição de renda

mostram-se de extrema importância e urgência, considerando-se que o Brasil contava

com cerca de 15,7 milhões de pessoas vivendo na pobreza, dos quais 6,53 milhões

abaixo dela, conforme análise social da PNAD 2012. Em 2011, esses números eram de

7,6 milhões de pobres e em torno de 19,2 milhões de pessoas na extrema pobreza.

Para efeito de comparação, em 2002 o PNAD revelou que havia 41 milhões de pobres

no País, com cerca de 15 milhões vivendo na extrema pobreza. A pesquisa revelou

ainda que a renda real média dos brasileiros cresceu 8% acima da inflação no ano de

159WEISSHEIMER, Marco Aurelio. Bolsa família: avanços, limites e possibilidades do programa que está

transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. p.35. 160

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.193. 161

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.132. 162

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. Revista de Direito Administrativo, v. 240, p. 83-103, 2005. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf. p.10.

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2011, contra 0,9% de crescimento do PIB do País em 2012. Assim, o PNAD de 2012

revelou o impacto das políticas econômicas e de transferência de renda do governo

sobre a população mais pobre e a mais rica.163

A PNAD de 2013 foi divulgada retratando um avanço modesto em relação a

2012. Nesse início de século 21, a apropriação de renda daqueles que estão na faixa

dos 10% mais elevados passou de 47,44% em 2001 para 41,55% em 2013. Já aqueles

que estão nas faixas 50% mais baixas passaram de 12,6% para 16,41%. Os 0,9% mais

ricos detêm entre 59,90% e 68,49% da riqueza dos brasileiros.

Ao examinar obras recentes dos economistas Márcio Pochmann164 e Marcelo

Néri165 sobre a ―Nova Classe Média‖, Souza comprova a hipótese de um economicismo

cego que não entrega um diagnóstico mais completo de nossos problemas e desafios,

conforme referido no tópico 1.1.1. O ponto que destaca da pesquisa de Pochmann é a

tese de que todo o movimento positivo da pirâmide social brasileira, na primeira década

do século XXI envolveu postos de trabalho que se encontram na base da pirâmide

social. Segundo ele, o trabalho de Néri, assim como o de Pochmann é também o

trabalho de um virtuoso no uso dedados estatísticos. A miríade de dados dos órgãos

censitários e de pesquisa do governo são tornados compreensíveis e agrupados de

modo a estabelecer relações estatísticas importantes.166

Para Souza, ambos louvam os mesmos aspectos principais do fenômeno

recente que são, para os dois, a expansão do emprego formal com carteira assinada, o

potencial de mobilidade ascendente acompanhado de inclusão no mercado de bens e

consumo e a diminuição da abissal desigualdade brasileira. Até os fatores causais

dessa mudança são percebidos por ambos do mesmo modo, na medida em que os

ganhos de salário real e o aumento real do salário mínimo, por um lado, e o sucesso do

Bolsa Família e do microcrédito, por outro lado, são compreendidos como elementos

decisivos. As análises de ambos possuem os mesmos pontos fortes e fracos: excelente

tratamento estatístico dos dados, por um lado, e carência de qualquer força explicativa

163Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2013/10/mais-de-3-5-milhoes-sairam-da-

pobreza-em-2012-diz-ipea Acesso em 25 de maio de 2015. 164

POCHMANN, Marcio. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. Boitempo, 2012. 165

NERI, Marcelo. A nova classe media: o lado brilhante da base da pirâmide, Saraiva, 2012. 166

http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2014/outubro/14.10-Cegueira-Classes-Sociais.pdf p.35-36

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mais profunda do fenômeno analisado, por outro.167

Sobretudo, o principal, o ―economicismo‖ que para Souza é ―a crença

explícita ou implícita, de que a variável econômica por si só esclarece toda a realidade

social está presente nos dois autores e contamina todas as suas hipóteses e

conclusões‖. Diante disso, uma importante contribuição da análise de Souza sobre

estudos e realidades com enfoque econômico, é o entendimento de que ―não é

simplesmente apresentando os dados – ainda que muito bem agrupados e esclarecidos

– da estrutura ocupacional que se conhece e se compreende qualquer coisa relevante

acerca da dinâmica das lutas de classe do Brasil contemporâneo‖.168

Cabe reiterar a necessidade de reconhecer que as bases do PBF, que

incluem distribuição de renda, aumento da escolaridade e melhoria da saúde da

população que não possui acesso aos meios mais eficientes de saúde e educação,

oferecidos pelas iniciativas privadas, poderão colaborar para o desenvolvimento

econômico e social dessas famílias a longo prazo. Assim, a emancipação dos

beneficiários projeta ao PBF um caráter mais educativo de promoção cidadã, sendo

necessário que os beneficiários produzam sua própria renda, sem depender do poder

público e minimizem o risco de retornar à situação de miséria e, para isso, os meios

seriam: cursos profissionalizantes, a formação de cooperativas, os restaurantes

populares, os bancos de alimentos, os comitês gestores, dentre outros.

É um fato o alcance do PBF nas demandas mais urgentes, como a fome.

Mas, a questão é se um programa assim será suficiente para dar as respostas aos

graves problemas que envolvem as questões sociais do país. Para aqueles que não o

enxergam como passo para superação dessas questões, os principais obstáculos

concentrar-se-iam na falta de referência a direitos a todos os indivíduos, sem distinção,

e na possível perpetuação de dependência e acomodação dos beneficiários sem a real

promoção da cidadania, contribuindo para a percepção do benefício tão somente como

uma ajuda do governo e não um direito. O PBF desfavoreceria o desenvolvimento das

capacidades dos seus beneficiários como agentes autônomos de suas próprias vidas.

167SOUZA, Jessé. A Cegueira do Debate Brasileiro sobre as Classes Sociais. Disponível em:

http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2014/outubro/14.10-Cegueira-Classes-Sociais.pdf p.35-36 168

SOUZA, Jessé. A Cegueira do Debate Brasileiro sobre as Classes Sociais. Disponível em:http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2014/outubro/14.10-Cegueira-Classes-Sociais.pdf p.36.

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A eficácia do PBF estaria relacionada à progressividade dos seus benefícios,

direcionados aos mais pobres, atingindo-se o objetivo da redução da desigualdade. Em

contrapartida, o seu impacto seria pequeno no tocante à redução da proporção dos

pobres, fato atribuído ao baixo valor dos benefícios transferidos, aqueles que estão

abaixo da linha da pobreza. Diante disso, assente-se no sentido de uma necessária

reestruturação do gasto social e de redesenhar-se os mecanismos direcionados aos

pobres, especificamente. Assim, no contexto da operacionalização de políticas

antipobreza, é imprescindível a utilização de recursos em políticas públicas focalizadas

nos mais necessitados, garantindo-se eficiência operacional a essas políticas que

amenizam os sintomas da pobreza, mas também que tenham o poder de romper com o

seu vicioso círculo de forma definitiva169.

Helcio Ribeiro considera que ―Os objetivos sociais da Constituição de 1988

enfrentam inúmeros dilemas. Os dois mais importantes são o advento da economia

globalizada e o caráter cada vez mais complexo das sociedades altamente

diferenciadas.‖170 O autor destaca o processo contraditório na avaliação das políticas

sócias do Brasil pós-constituição de 1988, pelo que houve sim avanços, na diminuição

das desigualdades por exemplo, mas houve desvios dos objetivos constitucionais.

Contradição que, para o autor, faz cair a tese da constituição simbólica de

Neves171, ao passo que impõe um desafio ao Neoconstitucionalismo que, segundo

Ribeiro, ―precisa incorporar a crítica do modelo socioeconômico vigente, enfrentar os

problemas oriundos da crescente complexidade social e definir melhor o modelo de

democracia que está implícito em sua teoria.‖ E Mais, ―O papel da sociedade civil na

expansão da esfera pública e da participação cidadã na implementação das políticas

sociais precisa ser avaliado pelo Neoconstitucionalismo, sob pena de acabar

incorporando uma concepção liberal requentada da democracia.‖172

169ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.193.

170RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio;

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.58. 171

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 172

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.59.

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1.1.3. Pesquisas qualitativas e a voz dos beneficiários

O PBF com seus mais de dez anos é a face visível da transformação da

política social. Mas, a mudança é profunda e tem seus percalços. Ainda há

desconfiança do mau uso dos recursos, dado o paternalismo e o assistencialismo que

marcam séculos de nossa convivência social e que precisam assimilar a possibilidade

de construção de uma sociedade igualitária, em que todos têm voz.

As pesquisas sobre os aspectos macroeconômicos e macro políticos do PBF

devem ser acompanhadas de estudos amplos sobre o cotidiano, a mentalidade, a

subjetividade, as expectativas e mudanças de hábitos das famílias beneficiadas para

que se possa medir de maneira efetiva os impactos do Programa.

O livro Vozes do Bolsa Família173 é resultado de um trabalho de pesquisa

qualitativa realizada ao longo de cinco anos (de 2006 a 2011) com as mulheres

beneficiárias do PBF que residem nas regiões consideradas mais desassistidas do país

(sertão de Alagoas, zona litorânea de Alagoas, Vale do Jequitinhonha/MG, interior do

Piauí, interior do Maranhão, as periferias de São Luís/MA e de Recife/PE). Os autores

mostram como o recebimento do benefício, muitas vezes a primeira experiência de

renda regular das famílias, tem modificado a vida das beneficiárias e de suas famílias,

evidenciando, assim, ―os efeitos políticos e morais nada secundários do PBF [...]‖174.

Os autores partem da hipótese que os mitos que culpam o acaso ou os

próprios pobres pela pobreza secular herdada legitimam a indiferença dos ricos e

humilham os pobres até levá-los à resignação ou, mais raramente, à violência. No

Brasil, o predomínio de uma visão liberal que culpa os pobres por sua pobreza tem

raízes históricas profundas. Seus antecedentes são os estereótipos que taxaram

homens livres e pobres como vagabundos depois da abolição e que estigmatizavam o

escravo como preguiçoso, leniente, lascivo que só trabalharia sob coerção.

Os autores partem da teoria de Georg Simmel a respeito do poder liberatório

do controle do dinheiro sobre relações de dependência pessoal opressora e para a

173REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e

cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.15. 174

REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.15.

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construção de subjetividades autônomas. Todavia, rejeitam a proposta liberal que a

transferência de renda monetária deva substituir e não complementar outras políticas

sociais e de desenvolvimento regional, sem as quais o processo de habilitação de

cidadãos não avançará. Sem escolas de qualidade, infraestruturas que aumentem o

acesso a serviços públicos e apoio a atividades econômicas locais, as capacitações

necessárias para a superação social da pobreza terão um desenvolvimento limitado.

As entrevistas revelaram que o PBF é a primeira experiência de renda

regular para boa parte das beneficiárias. Uma experiência que parece mudar a

subjetividade e iniciar a superação da cultura da resignação com sua sina da qual

esperam subtrair os filhos. Para muitos inaugura a experiência de planejamento do uso

do dinheiro e de formação de economias para gastos maiores. Constatou-se

planejamento do gasto voltado à garantia da alimentação dos filhos, roupas e material

escolar, complementando outras fontes de renda, com o tempo. Diante dos resultados

colhidos, o desperdício com cachaça é concluído apenas como um mito conveniente.

Nessa obra, a investigação dos efeitos políticos e morais do PBF sobre os

usuários é feita à luz de uma concepção de autonomia individual baseada no capability

approach desenvolvido por Amartya Sen e Martha Nussbaum e da conexão entre renda

monetária e autonomia individual teorizada em particular por George Simmel175. A partir

da perspectiva de Sem, o quarto capítulo aborda a questão da pobreza enquanto

conceito multidimensional, abordando-se várias de suas dimensões, em especial as

dimensões da vergonha, da desigualdade interna às famílias, da invisibilidade e da

mudez, para além das dimensões propriamente econômicas e materiais.

A partir dos discursos dessas mulheres combate-se de forma minuciosa e

com fundamentação teórica e empírica preconceitos sociais arraigados numa

sociedade patrimonialista, afinal ―No caso brasileiro, o debate sobre o Bolsa Família é

um bom exemplo de repetição histórica do preconceito e da força dos estereótipos‖176.

Somente duas das 150 entrevistadas declararam ter deixado de trabalhar depois de

passarem a receber o benefício (portanto, o PBF não estimula o ―não trabalho‖); o gasto

175REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e

cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.15. 176

REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p. 225.

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do recurso é dirigido à alimentação (principalmente das crianças), e não ao consumo de

bens supérfluos; boa parte delas consegue se libertar da violência doméstica, a partir

do momento que contam com uma fonte de renda; a educação das crianças é

valorizada, assim como sua saúde.

(...) constata-se que o programa BF garante o direito à vida a milhões de brasileiros; não resolve, contudo, o problema da pobreza. Isso se destaca particularmente quando observamos a situação dos homens pobres no quesito renda regular e aumento de autoestima. Na verdade, os maridos, normalmente, não têm nenhuma perspectiva de trabalho e de melhora de vida; não possuem futuro nessas regiões nas quais se realizou a pesquisa.(...)São pessoas de vida precária em todos os sentidos: precariedade de vínculos, de sentimentos, de relações sociais sempre provisórias, pois provisórios são seus subempregos.177

O pobre no Brasil é associado pela classe média ao marginal e preguiçoso, o

que justificaria sua situação socioeconômica. Esse pensamento se perpetua para os

beneficiários do PBF, gerando quase um duplo estigma, a pobreza em si mesma e

acusações de serem acomodados, de quererem mais filhos para receber mais dinheiro

sem trabalhar. Tais argumentos, frutos do preconceito e da cultura do desprezo pelo

pobre, no entanto, são rebatidos através do resultado dessas entrevistas.

Umas das grandes contribuições atreladas ao PBF é o fato de ele ser

considerado uma renda fixa para essas famílias; fixa no sentido de não ser inconstante

como os ―bicos‖, que apenas vez por outra se consegue encontrar. Nesse sentido, o

PBF pode ser considerado uma espécie de renda, ainda que mínima, e esse aspecto

contribui para o alívio imediato da pobreza, bem como para a possibilidade de quebra

do ciclo vicioso da pobreza nas gerações futuras.178

A partir disso, ―o Bolsa Família pode ser visto como política de urgência

moral, capaz de estabelecer as condições mínimas para o desenvolvimento de

autonomia ética e política‖179. Nesse sentido, o Programa tem contribuído positivamente

para a autonomia das mulheres beneficiárias. No entanto, a grande mudança está por

177REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e

cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.185. 178

REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.147. 179

REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.215.

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vir e é ansiosamente aguardada para a geração dos filhos dessas mulheres

beneficiadas, pois que já há a possibilidade de sonhar com um futuro diferente; embora,

na maioria dos casos, o sonho não as inclua, porque a esperança chegou tarde demais.

Mas é sobre os filhos dessas mulheres que está depositada a expectativa da quebra de

um ciclo vicioso de pobreza e o início de um novo ciclo, um ciclo virtuoso de direitos.

Nesse contexto, reafirma-se a importância do PBF, mas muito ainda precisa

ser feito para que o Brasil se torne um país de cidadãos munidos de direitos iguais. A

renda mínima regular que o programa proporciona aos beneficiários contribui para ―o

início da superação da cultura da resignação, ou seja, da espera resignada pela morte

por fome e doenças ligadas à pobreza‖180.

Em outra pesquisa sobre a contribuição do PBF para o enfrentamento da

pobreza e uma maior autonomia dos sujeitos beneficiários foram coletados dados

quantitativos com 103 famílias beneficiárias, complementados com entrevistas

qualitativas com profissionais e famílias. A investigação foi conduzida junto aos Centros

de Referências da Assistência Social de Porto Alegre. Entre as formas de privação, a

educação mostrou-se o aspecto de privação que obteve os melhores resultados na

percepção das famílias na busca da autonomia. A participação em atividades de apoio

social tem efeito direto na percepção de melhoria da situação da família; entretanto, a

participação das famílias mostrou-se incipiente. Essas atividades contribuem para o

desenvolvimento da autonomia e podem ser compreendidas como o principal

mecanismo do programa para as pessoas encontrarem as "portas de saída".181

Para serem autônomas, as famílias devem ser capazes de superar as

privações impostas pela renda, através do trabalho, mas também ser capazes de

superar as privações derivadas da baixa educação, dos problemas de saúde, da

alimentação pobre, da violência nas relações sociais, entre outros aspectos. Todos

esses elementos têm potencial para impedir que indivíduos possam superar uma

180REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e

cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. p.190. 181

TESTA, Maurício Gregianin; FRONZA, Paula; PETRINI, Maira; PRATES. Análise da contribuição do Programa Bolsa Família para o enfrentamento da pobreza e a autonomia dos sujeitos beneficiários. Rev. Adm. Pública vol.47 no.6 RJ Nov./Dec. 2013. Disponível: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003476122013000600009&script=sci_arttext Acesso 14/05/2015.

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condição de pobreza e viver de acordo com seus valores e desejos, constituindo,

assim, formas de privação da liberdade.182

Cohn usou cartas escritas ao presidente Lula para analisar como vivem os

pobres e como vivenciam a presença ou ausência de proteção social. As 1375 cartas

selecionadas intencionalmente foram escritas entre 2004 e 2006, durante os três

primeiros anos do PBF, e expressam de forma espontânea as experiências de vida, as

frustrações, os desejos, as necessidades e as expectativas dos remetentes. Muitas

vezes escritas com esforço são cartas simples de brasileiros que haviam esgotado sua

habilidade para lidar com as autoridades locais ao buscar o acesso a direitos.183

As cartas reiteradamente referem-se ao PBF como um direito. No entanto, ao

contrário do BPC, das aposentadorias e pensões, o PBF não é um direito e não tem as

características do direito - estabilidade, garantia dos valores, regras iguais para todos.

Porém, segundo a autora, dada a sua apropriação pela sociedade, "sua penetração e

seu enraizamento na sociedade, ele se configura como um quase direito"184.

É justamente por não ser um direito, não ter qualquer garantia de

permanência (tem caráter temporário, sendo a elegibilidade das famílias revista a cada

dois anos) e significar um valor mínimo, que o PBF constitui um benefício que

paradoxalmente garante a sobrevivência das famílias ("uma tábua de salvação") e, ao

mesmo tempo, as impede de sair da "situação de miséria e degradação absoluta do seu

cotidiano", planejar minimamente a própria vida, estabelecer qualquer plano de futuro.

Sobrevivem, porém limitados ao "tempo do 'aqui e agora', que é próprio da vida

daqueles que vivem em situação de miséria ou de extrema pobreza".185

Cohn lembra que o PBF não faz parte do texto constitucional, por isso, as

reservas orçamentárias do programa dependem exclusivamente da vontade do

presidente, o que muitas pessoas consideram preocupante. A necessidade de garanti-

182SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010.

183COHN, Amélia. Cartas ao Presidente Lula: Bolsa Família e direitos sociais. Rio de Janeiro:

Pensamento Brasileiro; 2012. 184

COHN, Amélia. Cartas ao Presidente Lula: Bolsa Família e direitos sociais. Rio de Janeiro: Pensamento Brasileiro; 2012.p.25. No último tópico desta pesquisa, 3.3., foram abordadas diferenças entre Direitos Sociais e Políticas Sociais que, ao nosso ver, servem bem para explicar essa questão do bolsa família visto como um quase direito. 185

COHN, Amélia. Cartas ao Presidente Lula: Bolsa Família e direitos sociais. Rio de Janeiro: Pensamento Brasileiro; 2012.p.170 e 127.

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lo na Constituição voltou à agenda política depois que, em julho de 2013, rumores

sobre o seu cancelamento produziram uma corrida aos terminais eletrônicos da Caixa

Econômica Federal onde foram sacados milhões, em um fim de semana.

O PBF é um programa transversal no qual a intersetorialidade deveria ser um

elemento central, seja por induzir o acesso aos direitos universais de educação e

saúde, seja por prever as 'portas de saída' do benefício por meio de atividades de

geração de trabalho e renda. As cartas são um testemunho de que isso não acontece.

Para Cohn, o PBF absorve as insuficiências e preenche as lacunas das

demais políticas setoriais: substitui a previdência social, tanto a aposentadoria quanto o

auxílio doença; é a 'bolsa permanência' na escola, a 'bolsa farmácia' e o 'seguro saúde'.

Em relação à saúde fica evidente o que autora chama de 'suprir as insuficiências do

SUS', os recursos do PBF sendo usados para comprar medicamentos não disponíveis

no sistema público de saúde, tratar dos dentes, realizar procedimentos médicos no

setor privado, em particular os cirúrgicos com longas filas de espera. Assim, "Em muitos

casos o BF funciona mais como a presença de uma renda que significa a garantia de

acesso à assistência médica do que à própria renda em si para cobrir necessidades

básicas como alimentação e habitação"186.

O PBF tem o potencial de provocar um círculo virtuoso no qual alimentação

adequada, escolarização e cuidados de saúde recomendáveis teriam como

desdobramento a saída das famílias da linha de pobreza e de extrema pobreza que

sendo de forma autossustentada faria surgir uma população com maior conscientização

política que escolherá mais criteriosamente seus governantes. A caminho da

construção de um país melhor e mais desenvolvido, com um povo que gere riqueza e

usufrua de seus direitos, tendo as ações governamentais atreladas ao ordenamento

jurídico do país, ressaltando-se que é indispensável para a obtenção desses resultados

positivos a participação efetiva da sociedade e atuação do Poder Público, inclusive no

que se refere à criação de empregos e a capacitação profissional dos cidadãos.

Diante do que foi exposto nesse tópico, reflete-se o Direito como instrumento

de desenvolvimento, trabalhada em estudos como o movimento ―Law and

186COHN, Amélia.Cartas ao Presidente Lula: Bolsa Família e direitos sociais. Rio de Janeiro: Pensamento

Brasileiro; 2012.p.92.

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Development‖ com liderança de David Trubek. Questiona-se sobre a capacidade do

Direito em modificar comportamentos sociais, modernizar a economia e promover

justiça social. Para Faria, é possível sim utilizar o Direito como instrumento de justiça

social, alertando que para isso é necessário um Estado forte (não significa autoritário) e

capaz de utilizar elementos fiscais que transfiram renda do ponto de vista setorial,

trabalhando uma justiça distributiva187.

Para Faria, a democracia representativa é um conceito que tem uma base

territorial (representativa dos limites de um território), mas as decisões econômicas são

cada vez mais transterritoriais e por isso, vem à tona a necessidade de se repensar o

controle político dessas decisões. Por outro lado, ele enxerga o Brasil no seu todo e

percebe as regiões Norte e Nordeste como bolsões de um Brasil pré-moderno.188

Nesse contexto, Roberto Mangabeira Unger, quando Secretário de Assuntos

Estratégicos, levantou a questão de como administrar um país com tantas

desigualdades e como corrigir essas disparidades. Como caminho aparece a

necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento brasileiro, ou seja, não se pode

aceitar a idéia de que o nordeste replique o que ocorreu no sul e no sudeste. Teria que

se repensar um projeto para o nordeste e nas condições de implementação.

Segundo Faria, vivemos um paradoxo, uma armadilha perigosíssima. O

crescimento da economia brasileira depende muito da sua inserção externa. O Brasil

não teria capacidade de autosustentar o seu crescimento. Se o país quiser promover

inclusão social tem de crescer e para tal tem de exportar, tendo que se inserir em novas

regras globais. O problema dessas regras é que elas têm um custo social muito alto,

abrem caminho para cortes de gastos, direitos e programas sociais.189

Faria acredita que a capacidade que o Direito positivo tem de lidar com uma

sociedade complexa se exauriu, ―A sociedade é variada demais, complexa demais, e,

187FARIA, José Eduardo. Em entrevista ao Comercialista, um jornal criado pelos estudantes de

graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em: http://rafazanatta.blogspot.com.br/2011/10/entrevista-de-jose-eduardo-faria-ao.html Acesso em 28/08/15. 188

FARIA, José Eduardo. Em entrevista ao Comercialista, um jornal criado pelos estudantes de graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em: http://rafazanatta.blogspot.com.br/2011/10/entrevista-de-jose-eduardo-faria-ao.html Acesso em 28/08/15.. 189

FARIA, José Eduardo. Em entrevista ao Comercialista, um jornal criado pelos estudantes de graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em: http://rafazanatta.blogspot.com.br/2011/10/entrevista-de-jose-eduardo-faria-ao.html Acesso em 28/08/15.

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ao tentar padronizá-la por meio de códigos – corpos padronizadores – vou atuar como

uma camisa de força, frente à natural expansão da Economia e da sociedade. Para

tanto, preciso abrir mão dos códigos e acabo, assim, por substituí-los por leis

complementares‖. Nesse contexto, a partir 1980, 1990 percebe-se a tendência do

Estado de não intervir, através de um processo de deslegalização, de

desconstitucionalização de direitos, de flexibilização, de desregulamentação

econômica, de descriminalização de determinados comportamentos. O Estado enxuga

o Direito e diminui seu alcance.190 É uma perspectiva do cenário a se considerar.

Considerando as ideias de Faria, no processo de transformação profunda da

economia capitalista, destaca-se a dimensão da crise do Estado-Nação como resultado

da complexa rede de relações entre empresas, instituições internacionais, agências de

avaliação de risco, movimentos sociais e organizações não governamentais. Para

Ribeiro ―Como um projeto idealista da sociedade moderna, o direito não pode mais dar

conta da complexidade social e do pluralismo inerente às sociedades contemporâneas

afetando diretamente o papel da Constituição na ordem social.191 Para Canotilho ―(...) a

teoria da constituição não compreendeu a diferenciação funcional das sociedades

complexas. Tudo isto colocou um série de problemas à teoria da constituição.‖192

Diante de tudo isso, a teoria constitucional vem buscando renovar as

técnicas de interpretação e concretização da Constituição por meio de novas

metodologias que permitam a adaptação do direito ao novo contexto, para Ribeiro,

muito mais complexo, cambiante e heterogêneo. Além disso, os desafios da

Constituição na realização das políticas públicas no século XX estão associadas a um

problema fundamental: ―as visíveis tendências de declínio da democracia no mundo

contemporâneo.‖193. Mais uma perspectiva do cenário a se considerar.

190FARIA, José Eduardo. Em entrevista ao Comercialista, um jornal criado pelos estudantes de

graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em: http://rafazanatta.blogspot.com.br/2011/10/entrevista-de-jose-eduardo-faria-ao.html Acesso em 28/08/15.. 191

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins(Orgs.)O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo:Atlas, 2013.p.52. 192

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p.1998. / CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Brancosos e interconstiucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2008. p. 218, ss. 193

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.53 e 59.

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1.2. Exigência e viabilização das condicionalidades: punição ou incentivo?

O PBF constitui-se em um programa de transferência de renda condicionada,

destacando-se na medida em que repassa numerário a uma família ao invés de bens e

produtos, fazendo com que o indivíduo passe a ter autonomia sobre o uso do recurso.

As condicionalidades para concessão do benefício às famílias podem contribuir para a

melhoria do nível educacional e de saúde no país.

As condicionalidades são os compromissos assumidos pelos beneficiários e

pelo poder público para ampliar o acesso dessas a direitos sociais básicos. Por um

lado, as famílias devem assumir e cumprir esses compromissos para continuar

recebendo o benefício. Por outro, as condicionalidades responsabilizam o poder público

pela oferta dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social.194

Na área de saúde, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de

acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças

menores de 7 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o

acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e o

acompanhamento da sua saúde e do bebê. Na educação, todas as crianças e

adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados e com

frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16

e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%.195

O MDS faz o acompanhamento das condicionalidades de forma articulada

com os Ministérios da Educação e da Saúde. Nos municípios, o acompanhamento deve

ser feito intersetorialmente entre as áreas de saúde, educação e assistência social. Os

objetivos do acompanhamento das condicionalidades são monitorar o cumprimento dos

compromissos pelas famílias beneficiárias; responsabilizar o poder público pela garantia

de acesso aos serviços e pela busca ativa das famílias mais vulneráveis e identificar,

nos casos de não cumprimento, as famílias em situação de maior vulnerabilidade e

orientar ações do poder público para o acompanhamento dessas famílias.196

O controle da frequência escolar deve ser feito pela Secretaria de Educação

194MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades Acesso 24 maio de 2015.

195MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades Acesso 24 maio de 2015.

196MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades Acesso 24 maio de 2015.

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Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do MEC. A Portaria Interministerial

MDS/MEC nº 3.789, de 17 de novembro de 2004, dispõem que as Secretarias

Municipais de Educação devem informar a frequência escolar a cada bimestre. A cadeia

que se forma para o acompanhamento dessas condicionalidades envolve as seguintes

etapas: as escolas controlam a frequência escolar e preenchem um formulário sobre os

motivos das faltas; as secretarias de educação locais recebem os formulários

preenchidos e registram no Sistema Presença; a Caixa Econômica Federal recebe os

dados consolidados de cada município ou estado e compila as informações nacionais

antes de passá-las ao MEC que consolida novamente e transmite ao MDS.197

No caso das condicionalidades da saúde, a Coordenadoria Geral da Política

de Alimentação e Nutrição (CGPAN), do Departamento de Atenção Básica (DAB), da

Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), dentro da estrutura administrativa do Ministério

da Saúde é a área responsável pelo seu acompanhamento que é feito semestralmente,

através do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), acessível às

Secretarias Municipais e Estaduais de saúde via internet. O sistema disponibiliza uma

relação das famílias beneficiárias do programa com perfil de acompanhamento pela

saúde e a partir disso, serão registrados os dados de vacinação das crianças e o pré-

natal das gestantes. O processo de acompanhamento inicia-se com os agentes de

saúde locais que repassam informações coletadas às autoridades de saúde que

consolidam a informação recebida e inserem-na no SISVAN para acesso do MS, que,

por sua vez, consolida as informações em nível nacional e as transmite ao MDS198.

Destaca-se o papel das equipes do programa Saúde na Família, muito

importantes para a realização do acompanhamento. Os percentuais de

acompanhamento são significativamente maiores onde há cobertura dessas equipes.199

Para viabilizar o controle social, o acesso às informações e à avaliação das

atividades de cada município, em relação às condicionalidades do PBF, o Governo

197LINDERT, Kathy; LINDER, Anja; HOBBS, Jason; BRIÈRE, Bénédicte de La. The Nuts and Bolts of

Brazil’s Bolsa Família Program: Implementing Conditional CashTransfers in a Decentralized Context. Social Protection Discussion Papers 0709,World Bank, 2007.p. 63. 198

LINDERT, Kathy; LINDER, Anja; HOBBS, Jason; BRIÈRE, Bénédicte de La. The Nuts and Bolts of Brazil’s Bolsa Família Program: Implementing Conditional CashTransfers in a Decentralized Context. Social Protection Discussion Papers 0709,World Bank, 2007.p.66. 199

Curralero et al. As condicionalidades do Programa Bolsa Família. In: CASTRO, Jorge Abrahão de. MODESTO, Lúcia (orgs.).Bolsa família 2003-2010: avanços e desafios. Vol. 1. Brasília: IPEA, 2010. p.170

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Federal criou o Sistema de Gestão de Benefícios (SIBEC – sistema online)

regulamentado pela Portaria GM/MDS nº 555 de 2005, através do qual os órgãos

municipais, responsáveis pela gestão do programa, podem acompanhar, obter

informações que compreendem as atividades de bloqueio, desbloqueio, cancelamento,

reversão de cancelamento, suspensão e reversão de suspensão de benefícios.

O descumprimento das condicionalidades do PBF por parte das famílias

pode gerar efeitos no benefício. Efeitos gradativos, conforme quadro que se segue,

tornando possível a identificação das famílias que não cumprem as condicionalidades e

acompanhá-las a fim de que os problemas que geraram o descumprimento possam ser

resolvidos. Ao final de cada período de acompanhamento, conforme o calendário de

cada condicionalidade, o MDS informa por meio do Sistema de Condicionalidades

(Sicon) as famílias que descumpriram as condicionalidades no período. A família em

descumprimento é notificada através de correspondência escrita e pela mensagem do

extrato bancário do benefício e o efeito vai para a folha de pagamento.200

Efeitos Gradativos

Nº Famílias BFA e BVJ DESCRIÇÃO DOS EFEITOS DE CONDICIONALIDADES AÇÃO NO

BENEFÍCIO

1º Advertência

A família é notificada sobre o descumprimento da

condicionalidade. Esse efeito fica registrado no histórico de

descumprimento da família durante seis meses. Após esse

período, se a família tiver um novo descumprimento, o efeito será

uma nova advertência.

Nenhum efeito no

benefício.

2º Bloqueio (30 dias) Se, no período de 6 meses da última advertência, a família tiver

um novo descumprimento, o efeito será o bloqueio.

O benefício é

bloqueado por 30

dias, podendo ser

sacado junto com a

parcela do mês

seguinte.

200MDS.

Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades/gestaodecondicionalidades/efeitos-de-descumprimento%20 Acesso em 24 de maio de 2015.

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3º Suspensão (60

dias)

Se, no período de seis meses após o efeito de bloqueio, a família

tiver um novo descumprimento, o efeito será a suspensão.

Se a família continuar descumprindo as condicionalidades dentro

do período de seis meses após a última suspensão, ela receberá

novo efeito de suspensão e, assim, sucessivamente — ou seja, a

suspensão será reiterada.

Se a família passar seis meses sem descumprir as

condicionalidades e, depois desse tempo, tiver um

descumprimento, o efeito será uma nova advertência.

O numero de suspensões reiteradas da família será monitorado

no Sistema de Condicionalidades (Sicon) e representará um

indicativo de que a família está em situação de vulnerabilidade,

necessitando de uma ação da Assistência Social.

O benefício é

suspenso por 60

dias e não poderá

ser sacado após

esse período.

Passados os dois

meses, a família

voltará a receber o

benefício do PBF.

4º Cancelamento

O benefício somente poderá ser cancelado se a família:

Estiver na fase da suspensão (período de seis meses após o último efeito de suspensão);

For acompanhada pela Assistência Social, com registro no Sicon; e

Continuar descumprindo as condicionalidades por um período maior do que 12 meses, a contar da data em que houver a coincidência de registro dos dois itens anteriores.

Cancelamento do benefício.

Fonte: Site do MDS - http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades/gestao-de-condicionalidades/efeitos-de-descumprimento%20

O tema das condicionalidades é controverso. Destacam-se duas principais

vertentes de críticas. Para militantes na área dos direitos humanos, as

condicionalidades significam uma ameaça ao pleno exercício dos direitos, em especial

do direito humano à alimentação, sendo um Programa que deve ser visto, ele próprio,

como um direito de cidadania indisponível. Enquanto isso, um outro aspecto dessas

críticas referem-se ao fato de que elas fazem parecer que as pessoas não acessam os

mecanismos de saúde e de educação porque não querem fazê-lo e não, porque os tais

mecanismos não são oferecidos a toda população de forma adequada201.

No tocante ao cumprimento das condicionalidades da saúde, um dos

problemas relaciona-se às dificuldades das famílias que vivem nas áreas rurais dos

municípios, considerando-se que, comumente, não há posto de saúde nas

201MESQUITA, Camile Sahb. Contradições do processo de implementação de políticas públicas: Uma

análise do Programa Bolsa Família 2003-2006. In: Revista do Serviço Público, vol, 57, nº 4 - Out/Dez 2006. Brasília: ENAP, 2006.

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proximidades e o custo para o deslocamento no intuito de cumprir-se as exigências é

alto. A efetividade das condicionalidades está por sua vez, diretamente ligada à

disponibilidade e à qualidade dos serviços prestados pelo Estado. Entretanto, quando o

serviço não é disponibilizado por ele, a condicionalidade é simplesmente suspensa, não

havendo penalização para o Estado (art. 28. § 5°, Decreto n° 5209/04). Diante disso, a

prática mostra que o não cumprimento das condicionalidades recai diretamente sobre a

família que perde o benefício, inexistindo penalização ao poder publico pela ausência

do serviço. Destaque-se, ainda, que o problema não recai exatamente sobre as

condicionalidades, mas na forma como estas são implementadas202.

As condicionalidades devem ser usadas para identificar as famílias mais

vulneráveis. As condicionalidades seriam um importante elemento de política pública,

uma vez que permitiriam ao Estado desenvolver ações voltadas a grupos familiares

específicos, além de possibilitar a integração de políticas sociais. O descumprimento,

das condicionalidades pelo beneficiário é um fracasso de toda a estrutura estatal203.

Nesse sentido, as famílias com dificuldades de cumprimento das condicionalidades

deveriam ser alvos de acompanhamento e atenção especial do poder Público e das

instâncias de controle democrático (art. 8°, IV, e, Instrução Normativa MDS n° 01/05).

O programa deve ser considerado uma barreira última em que se inserem as famílias mais vulneráveis da sociedade brasileira. Propõe-se a ser uma importante política pública de combate à pobreza política e material. Famílias (mesmo aquelas que agiram com negligência) que são retiradas do programa estarão sendo excluídas da ―ultima barreira‖ de combate à pobreza.204

Importa analisar o caráter problemático das famílias que não cumprem as

condicionalidades. É preciso levar em conta as condições de vida dessas pessoas,

atentando-se para questões do tipo alto grau de miséria em que vivem, problemas com

202MESQUITA, Camile Sahb. Contradições do processo de implementação de políticas públicas: Uma

análise do Programa Bolsa Família 2003-2006. In: Revista do Serviço Público, vol, 57, nº 4 - Out/Dez 2006. Brasília: ENAP, 2006. p.73. 203

ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Principio democrático e constitucional da dignidade de pessoa humana e a existência do programa bolsa família. 2009. Apontamentos sobre direitos elementares dos cidadãos de baixa renda. <http://online. unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/763/1002>. p.107 204

ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Principio democrático e constitucional da dignidade de pessoa humana e a existência do programa bolsa família. 2009. Apontamentos sobre direitos elementares dos cidadãos de baixa renda. <http://online. unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/763/1002>.

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81

alcoolismo, violência doméstica, distúrbios mentais, dentre outros. São estruturas

familiares que não respondem adequadamento ao programa justamente porque são

desestruturadas e por isso mesmo é que deveriam ter uma maior atenção da

assistência social. É por assim dizer uma lógica inversa de enxergar-se o programa.

Para a exclusão do programa é imprescindível que o descumprimento ocorra por

negligência, que o descumprimento seja uma opção. Afinal, é preciso ter em mente que

o programa busca promover a cidadania e por isso mesmo, a penalização pelo

descumprimento das condicionalidades não pode ser um foco.

As condicionalidades traduzem os direitos sociais cujo acesso deve ser

universal, conforme o ordenamento jurídico constitucional. A exigência de cumprimento

dessas contrapartidas possibilitaria a realização das condições fundamentais mínimas,

garantindo padrões básicos de cidadania aos seus beneficiários, para que esses

indivíduos, que estão socialmente marginalizados, lutem pelo acesso às condições

necessárias ao desenvolvimento de suas capacidades essenciais. Contudo, é

importante frisar a polêmica da contrapartida sob a forma de requisito para inserção e

permanência no programa como fator de restrição da cidadania.

A partir da análise do modelo de condicionalidades do PBF é possível

investigar em que medida e de que maneira foi possível rever e testar distintas

possibilidades quanto ao modelo de acompanhamento dessas contrapartidas,

abordando-se três pontos: a discussão, desde o inicio do programa, sobre o modelo de

condicionalidades que deveria ser adotado; a sua implementação com o olhar dirigido à

forma como mudanças significativas ocorreram a partir de atos normativos formalizados

no interior da burocracia (no ―topo‖); implementação da política nos municípios (na

―ponta‖), atrelando questões do âmbito local às transformações identificadas no topo.

Para esse intento, faz-se uso de documentos que relatam os debates

presentes no início do PBF, tais como textos escritos por gestores que narram a

experiência vivida nas raízes do programa, do arcabouço de Portarias e Instruções

Operacionais publicados desde a sua criação até 2013 (material disponível no sítio

eletrônico (MDS) e de estudos empíricos sobre a realidade local do programa, além de

documentos e relatórios que permitem compreender a dinâmica do acompanhamento

das condicionalidades de educação e saúde em alguns municípios.

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A gestão das condicionalidades sofreu alterações substantivas ao longo dos

mais de dez anos de implementação do programa, além de ser alvo de uma

permanente tensão na sua gestão quanto aos limites do que pode ser exigido dos

beneficiários como contrapartida ao benefício. A regulamentação das condicionalidades

é especialmente ilustrativa da possibilidade de processos de revisão e aperfeiçoamento

concomitantes à implementação de uma política.

As condicionalidades parecem mostrar a utilização de um mecanismo de

incentivos e estímulos para obtenção de determinadas finalidades, em lugar da

imposição de medidas coercitivas, na medida em que induzem que beneficiários façam

o acompanhamento de saúde de seus familiares e cuidem da frequência escolar de

crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que induzem também o Poder Público a

aprimorar a oferta local de serviços garantidores desses direitos. Ainda assim, a

questão das condicionalidades é polêmica, não sendo pacífica a afirmação de que elas

servem como incentivo. Existe a visão segundo a qual elas são mecanismos punitivos e

estão na contramão da lógica da garantia de direitos, mesmo no modelo mais recente.

A questão das condicionalidades envolve duas concepções distintas sobre o

que pode ser exigido de um beneficiário como contrapartida ao benefício que ele

recebe. De um lado, a possibilidade de uma racionalidade mais punitiva e, de outro,

uma opção mais atrelada à promoção de direitos por meio de uma lógica de estímulos.

As condicionalidades são constantemente alteradas, em maior ou menor grau, por

normas internas da burocracia federal. A partir disso, percebe-se um contraste entre o

modelo de condicionalidades inicial e um mais recente, com diferenças que parecem

refletir a existência de uma dinâmica de tentativas e testes.

O que estaria por trás desse contexto, como pressuposto, é justamente a

concepção de que as políticas públicas são moldadas ao longo de sua implementação

e que essas mudanças podem ocorrer tanto ―no topo‖ da burocracia estatal, mas

independentemente de alterações legislativas, quanto ―na ponta‖ da implementação por

meio do modo como os implementadores conduzem suas atribuições.205

205ANNENBERG, Flávia Xavier. Direito e políticas públicas: uma análise do direito administrativo a partir

do estudo de caso do Programa Bolsa Família. 2014. Dissertação - Faculdade de Direito da USP. Orientador: Diogo Rosenthal Coutinho.

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Segundo Sátyro e Soares, ―um dos pontos mais controversos do PBF é o

acompanhamento das contrapartidas exigidas das famílias‖. Isso porque essa questão

contrapõe duas correntes da literatura: a primeira delas defende ―serem as

contrapartidas tão ou mais importantes que o benefício em si‖, uma vez que o PBF é

um programa de ―incentivo ao capital humano das famílias mais pobres‖, e a outra

sustenta que a transferência de renda é um direito e que ―o PBF é, antes de tudo,

proteção social‖, apontando que as famílias mais vulneráveis são as que têm maiores

dificuldades para cumprir contrapartidas mais rigorosas.206

Esses autores consideram que a exigência de condicionalidades pode estar

presente em programas de garantia de renda mínima e em programas focados na

geração de oportunidades. A diferença deve estar na maneira como o cumprimento é

cobrado. Em programas de geração de oportunidades a transferência de renda deve

estar acoplada a programas de trabalho e renda, sendo as condicionalidades um

caminho para as famílias encontrarem as ―portas de saída‖. As contrapartidas devem

ser ―ampliadas e duramente cobradas‖ Em programas de garantia de renda mínima as

contrapartidas devem ser reduzidas e sua cobrança deve ser branda; do contrário, as

famílias mais vulneráveis serão desligadas do programa. O modelo de

condicionalidades adotado em um programa de transferência de renda parece estar

diretamente relacionado à proposta política que o sustenta.207.

Os autores ainda apontam que o PBF estaria inicialmente distante dos dois

extremos (garantia de renda mínima/geração de oportunidades), pois se ateve, ao

longo do tempo, à cobrança de poucas condicionalidades, tendo desligado um pequeno

número de famílias por descumprimento. Por outro lado, consideram que o programa

estaria migrando cada vez mais para um endurecimento na cobrança das

contrapartidas. Aponta que, apesar de um percentual bastante baixo de famílias ser

desligado do programa por conta do descumprimento, ―para quem tem uma visão de

206SÁTYRO, Natália. SOARES, Sergei. O Programa Bolsa Família: desenho institucional e possibilidades

futuras. In: CASTRO, Jorge Abrahão; MODESTO, Lúcia(orgs.). Bolsa Família2003-2010: avanços e desafios. Vol. 1. Brasília: IPEA, 2010. p.14. 207

SÁTYRO, Natália. SOARES, Sergei. O Programa Bolsa Família: desenho institucional e possibilidades futuras. In: CASTRO, Jorge Abrahão; MODESTO, Lúcia(orgs.). Bolsa Família2003-2010: avanços e desafios. Vol. 1. Brasília: IPEA, 2010.p.37.

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proteção social do PBF, as medidas tomadas são draconianas‖208.

Outros programas de transferência de renda condicionada foram

implementados em diversos países da América Latina, cada um com seu desenho

institucional próprio e peculiaridades na forma de implementação das

condicionalidades. Bastagli compara alguns programas desse tipo, especialmente os

implementados no Brasil (PBF), no Chile (Programa Puente), na Colômbia (Familias em

Acción), em Honduras (Programa de Asignación Familiar), no México (Progresa-

Oportunidades) e na Nicarágua (Red de Protección Social). Sua pesquisa revela que os

modelos de PTRC variam quanto ―à transferência de valores e cobertura, mecanismos

de focalização, condicionalidades e configurações institucionais‖. Em geral, os

programas latino-americanos adotam condicionalidades nas áreas de educação e

saúde, sendo que alguns elegem contrapartidas básicas, ao passo que outros contêm

uma lista detalhada de tarefas que devem ser cumpridas pelos beneficiários.209

O desenho e a implementação da condicionalidade levantam preocupações

sobre seu potencial para excluir beneficiários pobres, e trabalhar contra os objetivos do

programa, quando a participação está sujeita ao cumprimento de condições prévias e

quando o não cumprimento leva automaticamente à suspensão do pagamento do

benefício. Nesses casos, os beneficiários pobres com as maiores dificuldades em

cumprir as condicionalidades, aqueles que enfrentam elevados custos de oportunidades

determinados por baixos recursos e com acesso limitado a serviços, correm o risco de

experimentar uma maior probabilidade de exclusão do programa.210

Para Bastagli o caso do PBF tem o descumprimento entendido como uma

―bandeira de vulnerabilidade‖211. Essa função das condicionalidades é chamada por

alguns autores de emissão de ―sinais de alerta‖, uma vez que denunciam às

208SÁTYRO, Natália. SOARES, Sergei. O Programa Bolsa Família: desenho institucional e possibilidades

futuras. In: CASTRO, Jorge Abrahão; MODESTO, Lúcia(orgs.). Bolsa Família2003-2010: avanços e desafios. Vol. 1. Brasília: IPEA, 2010. p.15. 209

BASTAGLI, Francesca. From social safety net to social policy? The role of conditional cash transfers in Welfare State Development in Latin America. International Policy Centre for Inclusive Growth. Working paper 60, 2009. p. 4. 210

BASTAGLI, Francesca. From social safety net to social policy? The role of conditional cash transfers in Welfare State Development in Latin America. International Policy Centre for Inclusive Growth. Working paper 60, 2009.p.14. 211

BASTAGLI, Francesca. From social safety net to social policy? The role of conditional cash transfers in Welfare State Development in Latin America. International Policy Centre for Inclusive Growth. Working paper 60, 2009.p.9 e 15.

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autoridades famílias e regiões que enfrentam maiores dificuldades. A condicionalidade

pode ser entendida também como um mecanismo de cobrança e responsabilização

perante os órgãos públicos, partindo da noção de que a responsabilidade pelo

descumprimento das contrapartidas não pode ser imputada ao beneficiário quando o

próprio Estado não está exercendo seu papel de modo satisfatório.212

Fava e Quinhões entendem que as famílias que não cumprem com seus

compromissos pela falta de oferta de serviços básicos podem mostrar ao poder público

que estão enfrentando dificuldades. Acreditam que o descumprimento de

condicionalidades, além de acarretar consequências para as famílias, também gera

efeitos para os gestores municipais que são ―alertados da existência de famílias em

maior grau de vulnerabilidade e risco social‖213

Cunha aponta que as condicionalidades podem constituir uma espécie de

―contrato‖ entre as famílias e o Poder Público no qual há três responsabilidades

complementares. A primeira diz respeito à responsabilidade das famílias no

cumprimento de uma agenda de educação e saúde. A segunda corresponde ao

compromisso do Poder Público de prover esses serviços, considerando-se que a

condicionalidade apenas pode ser exigida se tais direitos estiverem garantidos. A

terceira se refere ao monitoramento do cumprimento, ao monitoramento do acesso das

famílias a direitos sociais básicos.214

Cohn alerta para a ambiguidade das condicionalidades na medida em que,

ao mesmo tempo em que atrelam um não direito a direitos constitucionais podem

acabar corresponsabilizando as famílias pela situação de pobreza em que vivem e

invadindo a esfera privada dos beneficiários por meio de um monitoramento tão

intensivo. É o perigo de transformar um meio, o monitoramento das políticas públicas

nas áreas da saúde e da educação, em um fim em si mesmo.215

212LINDERT et al.The Nuts and Bolts of Brazil’s Bolsa Família Program: Implementing Conditional

CashTransfers in a Decentralized Context. Social Protection Discussion Papers.World Bank, 2007. p.55. 213

FAVA, Virgínia; QUINHÕES, Trajano. Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos programas complementares do Bolsa Família. In: Revista do Serviço Público, vol. 61. ENAP. Brasília, 2010.p.77. 214

CUNHA, Rosani. A garantia do direito à renda no Brasil: a experiência do Programa Bolsa Família. 2008.Disponível<http://www.ipcundp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Artigos/ARTIGO_ROSANICUNHA.pdf> p.7. 215

COHN, Amélia. O PBF e seu potencial como política de Estado. In: CASTRO, Jorge Abrahão de; MODESTO, Lúcia (orgs.). Bolsa família 2003-2010: avanços e desafios. V.1. Brasília: IPEA, 2010.p. 230.

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86

Há diferentes visões acerca da forma como o PBF implementa e monitora as

condicionalidades exigidas das famílias beneficiárias. Esse debate esteve presente

entre os formuladores da política e, além disso, as divergências também se relacionam

às mudanças que ocorreram por meio de Portarias internas que alteraram diversos

aspectos das condicionalidades, refletindo uma flexibilidade do esqueleto normativo do

PBF. Não foi a lei de 2004 que determinou o modelo de condicionalidades do programa.

O modelo continua em processo de transformação, por escolhas de burocratas em

âmbito federal ou por ações dos burocratas locais.

Letícia Bartholo relata que houve um forte embate de perspectivas na criação

do programa: de um lado, defensores de programas puros de transferência de renda

com condicionalidades e, de outro, defensores da renda mínima216 para os quais eram

fundamentais alguns argumentos, tais com a impossibilidade de se impor condições ao

exercício de direitos, o princípio constitucional da universalidade (que impediria

tratamento diferenciado entre beneficiários e não beneficiários do PBF), o fato de que o

maior problema do ensino no Brasil seria sua qualidade e não acesso e frequência e,

por fim, a alegação de que o acompanhamento dos beneficiários seria um trabalho

adicional, excedendo as funções regulares dos gestores municipais217.

Cohn relata uma contraposição entre duas opiniões, sendo uma delas em

defesa de um controle mais estreito do comportamento dos beneficiários e outra que

sustentou que as condicionalidades não poderiam funcionar como ―castigos‖,

constrangendo os beneficiários. Essa última corrente, ao ―ceder‖ às condicionalidades,

teria visto a possibilidade de que elas servissem como ―instrumento de aperfeiçoamento

da implementação das demais políticas públicas‖, em especial na saúde e na

educação. A gestão das condicionalidades seria, portanto, instrumento de controle das

políticas públicas e não das famílias. Tal posição estava atrelada à crítica de que as

condicionalidades, se impostas de outra forma, poderiam transformar um direito em

uma obrigação tutelada pelo Estado.218

216Entrevista concedida por Letícia Bartholo, Secretária Adjunta da SENARC. MDS. Brasília, 2012.

217BRITTO, Tatiana; SOARES, Fabio Veras. Bolsa Família e Renda Básica de Cidadania: um passo em

falso?. Texto para discussão n. 75. Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal, 2010. 218

COHN, Amélia. O PBF e seu potencial como política de Estado. In: CASTRO, Jorge Abrahão de; MODESTO, Lúcia (orgs.). Bolsa família 2003-2010: avanços e desafios. V.1. Brasília: IPEA, 2010.p.221.

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Britto e Soares também identificam esse embate e concluem que ―de

maneira engenhosa, na regulamentação adotada em 2005 os gestores do programa

lograram conciliar diversas posições em jogo‖. Isso porque teria sido adotado um

modelo que permitiria transformar as exigências das condicionalidades em mecanismos

para identificação de famílias mais vulneráveis.219

Na formulação e implementação do PBF, havia, segundo Cohn, uma

permanente disputa, no interior do governo e na sociedade, entre dois paradigmas: o

chamado de ―conservador‖ e ―neoliberal‖ e o ―de bem-estar social‖. No primeiro, além

das condicionalidades terem viés punitivo, haveria também uma preocupação com as

―portas de saída‖ de modo que se deixasse de ―dar o peixe‖ o mais rapidamente

possível por meio da imposição de prazos para que os beneficiários se desligassem do

programa. As ―portas de saída‖ seriam delegadas às famílias, em contraposição à

concepção do segundo modelo para o qual elas implicariam a articulação do PBF com

outras políticas de cunho menos imediato e mais estrutural, a exemplo de políticas

habitacionais, de microprodução agrária e de trabalho.220

De maneira a sistematizar as divergências que se colocaram em torno das

condicionalidades no PBF, apresenta-se dois tipos extremos para analisar o modelo de

contrapartidas do programa: (i) cobrança mais rigorosa do cumprimento das

condicionalidades ao mesmo tempo em que os efeitos do não cumprimento são

entendidos enquanto sanções; (ii) cobrança mais flexível das condicionalidades e uso

dos efeitos do descumprimento para identificação de vulnerabilidades locais e

aprimoramento de políticas de assistência social, saúde e educação. O primeiro

assemelha-se ao modelo que Sátyro e Soares chamam de ―geração de oportunidades‖

e Cohn de ―conservador‖, enquanto o segundo relaciona-se ao ideal de ―garantia de

renda mínima‖, nos termos dos primeiro autores, ou de ―bem-estar social‖, na

terminologia de Cohn. Ao que parece, o PBF não se encaixa em nenhum dos tipos

extremos, ainda que exista um movimento de aproximação ao segundo.

A partir da comparação entre as três Portarias que regulamentaram a gestão

219BRITTO, Tatiana; SOARES, Fabio Veras. Bolsa Família e Renda Básica de Cidadania: um passo em

falso? Texto para discussão. Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal, 2010.p.13. 220

COHN, Amélia. O PBF e seu potencial como política de Estado. In: CASTRO, Jorge Abrahão de; MODESTO, Lúcia (orgs.). Bolsa família 2003-2010: avanços e desafios. V.1. Brasília: IPEA, 2010. p.223.

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das condicionalidades no PBF (Portaria GM/MDS nº 551/2005, Portaria GM/MDS nº

321/2008, que revoga a de 2005, e Portaria GM/MDS nº 251/2012, que revoga a de

2008) percebe-se que são elas instrumentos mais dinâmicos no processo de

implementação de uma política pública e, nesse caso a análise revela um processo de

transformação na gestão das condicionalidades, mostrando um PBF tendente à

primeira categoria em 2005 e mais próximo da segunda categoria em 2012.

Nesse contexto, também a análise de Instruções Operacionais (IO) que são

mecanismos de comunicação utilizados no interior do Poder Público para orientar

gestores estaduais e municipais a respeito de práticas condizentes com a

regulamentação. Quando há alterações em Portarias ou outros instrumentos, por

exemplo, são publicadas IO de modo a alertar os gestores sobre a forma como devem

realizar suas ações. É atribuída grande relevância à atividade do gestor local.

A partir da análise dos instrumentos normativos referidos logo acima, é

possível notar que estão em andamento mudanças relevantes no que diz respeito ao

modelo de condicionalidades adotado pelo PBF e essas mudanças estão ocorrendo por

meio de atos normativos editados no interior do governo federal, no topo da burocracia

estatal. Apenas posteriormente, elas são incorporadas à legislação ou, às vezes,

sequer são introduzidas na lei ou no decreto que regulamentam o PBF, havendo

alterações que se sustentam apenas em Instruções Operacionais e Portarias.

Toda a mudança do modelo de condicionalidades parece ter se dado por

meio desses atos normativos do Executivo, sem qualquer tipo de interação prévia com

o Poder Legislativo. Essa dimensão de análise é interessante porque mostra que há

métodos não tradicionais de construção e reconstrução do arranjo jurídico de políticas

públicas. O mero estudo das normas (leis e decretos), ao menos nesse caso,

certamente não traria informações essenciais para a compreensão do processo.

Importante aspecto dessa análise sobre o processo de implementação das

condicionalidades é a perspectiva das alterações do modelo em âmbito local. Uma vez

visto que existe um processo gradativo de mudanças no ―topo‖ do programa, parece

importante testar o quanto essa metamorfose se reflete na ―ponta‖. Espera-se

compreender em que medida mudanças que vêm ―de cima‖ se refletem na dinâmica

local e também analisar o quanto a própria implementação pode ter servido para

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aprimorar a formulação a partir de experiências concretas de sucesso ou fracasso.

Alguns autores identificam a centralidade do papel dos ―burocratas da linha

de frente‖ e dos ―burocratas de médio escalão‖. Os primeiros são ―funcionários que

trabalham diretamente no contato com os usuários dos serviços públicos, como

policiais, professores, profissionais de saúde, entre outros‖221 e os segundos ―gerentes,

dirigentes, supervisor e agentes encarregados de operacionalizar as estratégias

definidas nos altos escalões da burocracia, porém distanciados dos contextos concretos

de implementação das políticas públicas no ‗nível da rua‘‖222.

Os burocratas ―de rua‖ podem estar tanto negando a execução dessa

transformação quanto catalisando sua realização. Para Arretche, a implementação de

uma política pública ―pode ser encarada como um jogo em que uma autoridade central

procura induzir agentes (implementadores) a colocarem em prática objetivos e

estratégias que lhe são alheios‖223. Mas, é preciso uma boa estratégia de incentivos

para o sucesso dos programas e para a aproximação entre as intenções de

formuladores e implementadores.

A implementação é uma cadeia de relações entre formuladores e

implementadores e entre implementadores situados em diferentes posições na máquina

governamental. A maior proximidade entre as intenções do formulador e a ação dos

implementadores dependerá do sucesso do primeiro em obter a adesão dos agentes

implementadores aos objetivos e à metodologia de operação de um programa224.

O PBF é desenhado em âmbito federal, mas seu dia-a-dia é, em grande

parte coordenado pelos gestores municipais que, dentro de certos limites, decidem a

forma de colocar a política em prática. Com a Resolução CIT nº 7/2009 esse papel

tornou-se especialmente importante porque houve um aumento do poder decisório do

gestor local que passou a poder avaliar a pertinência da interrupção dos efeitos sobre

221LOTTA, Gabriela Spanghero. Implementação de políticas públicas: o impacto dos fatores relacionais e

organizacionais sobre a atuação dos Burocratas de Nível de Rua no Programa Saúde da Família. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.35 e 118. 222PIRES, Roberto Rocha C. Burocracias, gerentes e suas ‗histórias de implementação‘: narrativas do

sucesso e fracasso dos programas federais. In: FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (org.). Implementação de Políticas Públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: PUC Minas, 2012. p.184. 223

LAVINAS, Lena. Pobreza e exclusão: traduções regionais de duas categorias da prática. Econômica, v. 4, n. 1, jun. 2002. p.4. 224

ARRETCHE, Marta. Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma de programas sociais. Dados, v.45, n. 3, p. 431-458, 2002.p.5.

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os benefícios em casos de descumprimento de condicionalidades. Por meio do

acompanhamento das condicionalidades os gestores locais devem tomar contato com a

realidade dos beneficiários, tornando possível a identificação de insuficiências de

determinados serviços públicos e situações de maiores vulnerabilidades. Nesse

processo, deve haver uma interface com a assistência social nesse processo,

especialmente por meio do uso dos CRAS e dos CREAS.

O estudo da realidade do PBF nos diferentes estados e municípios

brasileiros mostra-se um desafio bastante complexo por conta da heterogeneidade de

organização, recursos disponíveis, infraestrutura, qualificação dos prestadores de

serviços, entre outros fatores. Os municípios tendem a imprimir uma dinâmica própria

ao processo de acompanhamento de condicionalidades. No mais, o PBF nem sempre

convive com os mesmos programas sociais, podendo compor uma política local

diversificada em que cada programa municipal adota seus próprios critérios de

elegibilidade e modelo de condicionalidades. Bichir faz referência a essas diferenças ao

descrever soluções locais criadas para lidar com estratégias nacionais do PBF,

apontando até mesmo práticas municipais contrárias às diretrizes federais225.

De acordo com as conclusões sobre a possibilidade do programa estar

caminhando para um tipo de condicionalidades mais próximo ao que se chama de

emissão de ―sinais de alerta‖, o monitoramento do descumprimento é um passo

necessário para que seja possível a percepção de carências locais e consequente

reestruturação de políticas públicas a partir desse diagnóstico. Para Cunha, o

acompanhamento familiar é uma atividade essencial e mais, ―essa concepção de

condicionalidade, como reforço do direito de acesso das famílias, só se viabiliza se o

acompanhamento das mesmas for compartilhado pelas três esferas de governo, com

uma abordagem intersetorial‖226.

O relatório de condicionalidades divulgado pelo MDS, em 2010, introduz

dados referentes aos beneficiários sem registro de informação e coloca que ―a redução

225BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades

institucionais locais. 2011. Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.p.201 e 207. 226

CUNHA, Rosani. A garantia do direito à renda no Brasil: a experiência do Programa Bolsa Família. 2008.Disponível:<http://www.ipcundp.org/doc_africa_brazil/Webpage/missao/Artigos/ARTIGO_ROSANICUNHA.pdf> p. 8.

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do universo de beneficiários com perfil educação sem registro de informação

permanece como um desafio‖. Naquele ano, quanto aos beneficiários de 6 a 15 anos

sem informações foi registrado um percentual de 14,3% e entre os de 16 e 17 anos, de

22,7%, ou seja, 15,1% do total ou 2,65 milhões de alunos. 227

Os dados referentes ao acompanhamento das condicionalidades de saúde

mostram um percentual menor do que da educação, mas maior do que os dos anos

anteriores. Em 2012, o acompanhamento da agenda de saúde foi de 73,12%, o que

significa um aumento de 8,64 pontos percentuais em relação a 2009 e de 1,27 pontos

percentuais em relação a 2011 (NT SENARC/MDS nº 69/2013). Já no que concerne

aos efeitos, em 2012, foram registrados aproximadamente 360 mil efeitos de suspensão

e 85 mil efeitos de cancelamento.228

No texto da NT SENARC/MDS nº 69/2013 reconhece-se o agravamento da

situação dessas famílias ―que já se encontravam em situação de vulnerabilidade ou

risco social, o que dificultava o acesso aos serviços básicos de educação e de saúde,

passam a ficar numa situação ainda mais difícil, devido à insuficiência de renda

causada pelo efeito sobre o benefício‖. O relatório citado acima aponta que apenas

20,7% das atividades realizadas com as famílias no processo de acompanhamento

familiar correspondiam a ―visita domiciliar‖. Ainda, chama a atenção o fato de 36,4% dos

motivos para não cumprimento registrados no SICON terem sido marcados como ―outro

motivo‖. Ou seja, as opções fornecidas pelo sistema ainda não dão conta de explicar o

que tem acontecido com essas famílias.

O Plano de Acompanhamento da Gestão Municipal do PBF e do CadÚnico

que acompanhou quase 40 municípios entre 2009 e 2010 detectou alguns problemas

relacionados a deficiências no acompanhamento das condicionalidades:

―acompanhamento familiar incipiente‖, ―não realização de busca ativa de famílias com

benefícios bloqueados‖, ―centralização da gestão do PBF e do CadÚnico‖, ―baixa

227MDS. Relatório de Condicionalidades. Brasília, 2010. Disponível em:

<http://www.mds.gov.br/biblioteca/secretaria-nacional-de-renda-de-cidadania-senarc/cadernos/relatorio-de-condicionalidades-2013-1b0-semestre-de-2010/relatorio-de-condicionalidades-2013-1b0-semestre-de-2010/?searchterm=relatório%20condicionalidades> p.7.. 228

Alguns estudos apontam que o acompanhamento das condicionalidades de saúde enfrenta uma série de problemas práticos. Curralero et al. As condicionalidades do Programa Bolsa Família. In: CASTRO, Jorge Abrahão de. MODESTO, Lúcia (orgs.)Bolsa família 2003-2010: avanços e desafios. Vol. 1. Brasília: IPEA, 2010.

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atualização do CadÚnico‖, ―deficiência no registro da frequência escolar dos alunos da

rede municipal e estadual de ensino‖, ―deficiência no registro/digitação dos dados

referentes à agenda de saúde‖, ―desconhecimento das funcionalidades do Sicon‖229.

Tanto nos municípios que realizam quanto nos que não conseguem realizar

o acompanhamento das condicionalidades há problemas de falta de atualização das

informações do CadÚnico oriundos de falhas no preenchimento do cadastro e da

mobilidade territorial da população, o que dificulta a localização das famílias a serem

acompanhadas. Nos grandes municípios, a essa dificuldade somam-se questões como

a magnitude do total de famílias beneficiárias e a violência urbana. Nos municípios

menores, principalmente nos rurais, os principais entraves são problemas de

acessibilidade aos serviços de saúde e a dispersão geográfica da população.230

A mesma pesquisa relata também que as maiores taxas de

acompanhamento têm relação com uma concepção da administração local segundo a

qual o monitoramento das condicionalidades é visto como estratégia para captação de

famílias em situação de vulnerabilidade ou como parte do desenvolvimento da atenção

à saúde. Em contraponto, nos municípios que menos monitoram as condicionalidades

há uma tendência de ―atribuir à falta de interesse ou de responsabilidade das famílias

no cuidado à saúde o motivo pelo descumprimento das condicionalidades‖.231 O estudo

indica que, nessa situação, a suspensão imediata do benefício é vista como uma

estratégia eficaz para fazer com que as famílias cumpram as condicionalidades.

Sobre a percepção local do acompanhamento das condicionalidades,

verifica-se um índice menor onde ele reveste-se de uma ―concepção burocrática‖,

estando associado ao medo de perda de recursos do IGD, levando os municípios a

adotarem ―estratégias de emergência‖ para atingirem o patamar mínimo exigido.

Nesses casos, ―o acompanhamento das condicionalidades se reduz ao cumprimento de

uma exigência do programa, mas com baixa repercussão em termos de melhoria de

229Informação obtida em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/gestaodescentralizada/plano-de-

acompanhamento-da-gestao-municipal/questionario (último acesso em 25/05/2013). 230

FUNDAÇÃO EUCLIDES DA CUNHA. Estudo sobre o desenho, a gestão, a implementação e os fluxos de acompanhamento das condicionalidades de saúde do PBF no nível municipal. MDS, jan. 2013. p.9. 231

FUNDAÇÃO EUCLIDES DA CUNHA. Estudo sobre o desenho, a gestão, a implementação e os fluxos de acompanhamento das condicionalidades de saúde do PBF no nível municipal. MDS, jan. 2013.p.9.

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acesso aos serviços de saúde e mesmo da qualidade da atenção prestada‖232.

Em municípios da Paraíba, outra situação percebida foi que os profissionais

que lidam cotidianamente com o PBF entendem que o monitoramento das

condicionalidades refere-se a dados de frequência escolar, deixando o campo da saúde

de fora do acompanhamento.233 Em municípios maranhenses, a debilidade dos serviços

locais de saúde tem dificultado o cumprimento das condicionalidades de tal forma que

os beneficiários entendem que estão tentando cumprir sua parte no ―acordo‖, ao passo

que o Poder Público não cumpre o que deveria. No que concerne ao uso dessas

debilidades como ―sinais de altera‖ para os gestores de alguns municípios do

Maranhão, os dados coletados no acompanhamento não têm sido utilizados como

subsídios para outras iniciativas de forma que tal acompanhamento ―não tem servido

como instrumento capaz de (re)orientar as Políticas Públicas‖.234

Em municípios do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco também

constata-se que a precariedade ou inexistência de serviços (não apenas de saúde, mas

também de educação) é um outro fator que dificulta o cumprimento das exigências do

programa, existindo duas razões centrais que levam as famílias ao descumprimento de

condicionalidades: ―capacidades dos beneficiários de se informarem, cumprirem e se

adaptarem às regras do Programa‖ e ―quantidade e a qualidade da oferta dos serviços

públicos de saúde e educação‖ (chamados de fatores de ordem estrutural).235

Considera-se que as condicionalidades do PBF estariam em uma espécie de

―terceira fase‖ que se diferenciaria da anterior ao buscar aproximar a transferência de

renda da assistência social. Essa suposição converge com o apontamento de Bichir

segundo o qual é recente o movimento do governo federal no sentido de utilizar o PBF

como ―eixo articulador da política de assistência social‖, aproveitando o Programa como

232FUNDAÇÃO EUCLIDES DA CUNHA. Estudo sobre o desenho, a gestão, a implementação e os fluxos

de acompanhamento das condicionalidades de saúde do PBF no nível municipal. MDS, jan. 2013. p.8. 233

MEDEIROS, Rogério de Souza; MACHADO, Nínive Fonseca. Condicionalidades e monitoramento: desafios à gestão do Programa Bolsa Família em municípios paraibanos. Brasília: MDS, 2011.p.69. 234

SILVA, Maria Ozanira da Silva; GUILHON, Maria Virginia Moreira. O Bolsa Família (BF) no contexto da proteção social: significado e realidade das condicionalidades e do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no Estado do Maranhão (sumário executivo). Brasília: MDS, 2011.p.91. 235

PIMENTA, Ligia Rosa de Rezende. Pesquisa qualitativa de avaliação sobre as condições de acesso aos serviços de saúde e educação, a partir do acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família (sumário executivo). Brasília: MDS, 2012.p.3.

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instrumento de estímulo à―implementação efetiva‖ do SUAS236. O PBF e a assistência

social parecem integrados ―na ponta‖, principalmente nos espaços participativos e

deliberativos institucionalizados.

Para Coutinho, o fato de tantas ICS serem conselhos municipais indica que

―o PBF e a assistência estão amalgamados na ‗ponta‘ de seus respectivos arranjos

político-institucionais, onde se unem por meio do ‗guarda-chuva‘ institucional do SUAS‖.

É interessante notar que esse entrelaçamento é mais intenso nos municípios do que na

gestão federal do programa, havendo uma certa dificuldade de diálogo ―no topo‖, entre

outros porque a concepção de transferência de renda não abarca todos os grupos

populacionais vulneráveis.237

Nesse novo desenho das condicionalidades, as famílias em situação de

descumprimento devem ser cadastradas na rede socioassistencial dos CRAS e

CREAS, possibilitando a interrupção dos efeitos sobre os benefícios das famílias mais

vulneráveis. Os CRAS e CREAS têm, portanto, um papel cada vez mais relevante na

dinâmica local do PBF. Em alguns municípios, o CRAS é, inclusive, responsável pela

realização do acompanhamento familiar e pela elaboração de parecer sobre esse

acompanhamento. Em diversos locais, ainda estão em processo de expansão, mas

configuram uma porta de entrada importante para a assistência social e para o PBF.

O estudo focado nos municípios paraibanos constatou um melhor

funcionamento do acompanhamento das condicionalidades em municípios de grande

porte em que a coordenação do PBF faz parte da estrutura funcional da Secretaria de

Desenvolvimento Social e realiza seus trabalhos no mesmo espaço físico da

coordenação dos CRAS. É o caso do município de João Pessoa cuja experiência revela

uma aproximação entre PBF e assistência social e uma ação mais integrada entre

benefícios, serviços e transferência de renda. Diferente a realidade de Campina Grande

onde o PBF está institucionalmente vinculado ao gabinete do Prefeito e funciona em

uma sede própria, conferido um grande distanciamento entre a equipe responsável pelo

PBF e os CRAS, o que acaba resultando em uma ―redução da capacidade de

236BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades

institucionais locais. 2011. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.p.20. 237

COUTINHO, Diogo Rosenthal. Capacidades estatais no Programa Bolsa Família: o desafio da consolidação do Sistema Único de Assistência Social.Texto para discussão n.1852.IPEA, 2013.p.33 e 18.

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acompanhamento das famílias, uma vez que os profissionais da assistência social

vinculados aos CRAS não realizam atividades relacionadas ao PBF‖.238

Ainda, as metas de expansão do número de beneficiários impostas pelo

governo federal fazem com que o cadastramento de novas famílias se sobreponha a

outras atividades, tais como atualização cadastral, acompanhamento de

condicionalidades e auditoria do TCU, indicando que ―possivelmente o governo federal

pode estar demandando excessivamente dos governos locais, para além de suas

capacidades institucionais‖. O MDS coloca o mesmo prazo para municípios com

maiores e menores metas de expansão, não levando em consideração a questão da

escala nos diversos municípios – nesse sentido, a opinião de um entrevistado da

pesquisa de Bichir, gestor de Salvador para quem ―O MDS vai muito de acordo com a

necessidade deles, eles desconsideram a necessidade do município‖. Outros gestores,

de São Paulo, identificaram que o MDS determina processos de cadastramento que

são verdadeiras ―operações de guerra‖, além de que centraliza decisões de modo

excessivo, deixando aos municípios o papel de meros executores de tarefas.239

Essas metas de expansão e cadastramentos dificultam a agenda de uma

maior articulação entre o PBF e o SUAS, pois ―acabam deslocando recursos humanos,

logísticos, financeiros do atendimento integral às famílias para os esforços de novos

cadastramentos‖. O desequilíbrio entre a importância dada ao processo de

cadastramento e o acompanhamento das famílias mais vulneráveis acaba afastando o

programa da política de assistência social. Além disso, faz com que municípios

deleguem a tarefa de cadastramento seja para empresas contratadas, como em São

Paulo, ou para funcionários terceirizados, como em Salvador, porque os CRAS não

conseguem sozinhos cumprir as metas impostas.240

Outro problema enfrentado diz respeito à grande separação entre a gestão

de informações do programa e a execução de ações diretas junto ao público

beneficiário. Isso acontece porque o programa depende, para muitas ações, de

238MEDEIROS, Rogério de Souza; MACHADO, Nínive Fonseca. Condicionalidades e monitoramento:

desafios à gestão do Programa Bolsa Família em municípios paraibanos. Brasília: MDS, 2011.p.63. 239

BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais. 2011. Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. p.212, 213, 228 e 229. 240

BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais. 2011. Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.p.231, 225 e 232.

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sistemas de gerenciamento de informação, o que faz com que os técnicos que sabem

lidar com esse tipo de ferramenta tenham uma participação de alta relevância. Por outro

lado, os profissionais que mais dominam as diretrizes do programa e são responsáveis

pelos serviços não se apropriam dessas ferramentas que são fundamentais para o

controle de diversas ações realizadas (atualização de base de dados e cadastros e uso

de senhas para bloqueio e desbloqueio dos benefícios).241

Nos municípios em que esse corpo técnico é insuficiente ou inexistente, os

próprios coordenadores do PBF recolhem e sistematizam informações, o que pode ser

positivo para a gestão do programa entrar em contato com os beneficiários,

antecipando-se na identificação das famílias em situação de descumprimento, porém

pode abrir espaço para que certas famílias sejam favorecidas em detrimento de outras

sem lastro em um critério objetivo de maior ou menor vulnerabilidade social.242

Informações relativas ao processo de cadastramento de famílias mostram

ainda que existe uma dificuldade de acesso a esses potenciais beneficiários. Há áreas

em que os gestores não conseguem entrar, seja porque são de difícil acesso,

dominadas pelo tráfico de drogas ou porque apresentam baixa concentração de

pobreza. Existe também uma dificuldade de se atingir a população em situação de rua,

uma vez que o cadastramento requer a apresentação de um número de CPF. Em São

Paulo, os gestores do programa percebem a necessidade de desenvolvimento de

novos mecanismos de identificação de famílias mais vulneráveis, especialmente a partir

do fortalecimento dos CRAS, que detêm um conhecimento técnico local relevante.243

Existe ainda, um problema de integração entre sistemas de diferentes áreas.

O sistema do CadÚnico é, por exemplo, diferente do sistema do Projeto Presença do

Ministério da Educação, o DATASUS é distinto do SUAS Web e os atendimentos

médicos são feitos a partir do número do cartão do SUS e não do NIS, dificultando mais

241MEDEIROS, Rogério de Souza; MACHADO, Nínive Fonseca. Condicionalidades e monitoramento:

desafios à gestão do Programa Bolsa Família em municípios paraibanos. Brasília: MDS, 2011.p.64. 242

MEDEIROS, Rogério de Souza; MACHADO, Nínive Fonseca. Condicionalidades e monitoramento: desafios à gestão do Programa Bolsa Família em municípios paraibanos. Brasília: MDS, 2011.p.66. 243

BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais. 2011. Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. p. 213-215 e 220.

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a integração.244 Esse problema está relacionado à convivência entre diferentes

programas sociais, mas sobretudo a dificuldades de interação entre secretarias.

Analisando esses pontos envoltos ao processo de acompanhamento do

cumprimento das condicionalidades, a questão da sobreposição de tarefas parece

relevante porque o governo pode estar dando prioridade à inserção de novos

beneficiários no programa em detrimento do cuidado com as famílias já beneficiárias.

Isso dificulta a incorporação da função das condicionalidades para a realização de

direitos e o trabalho conjunto com a assistência social, o que pode ser ainda mais

prejudicial em municípios menores ou menos estruturados.

Outro ponto importante que se depreende dos estudos acima diz respeito ao

fato de que os municípios criticam a centralização no governo federal, entendendo que

as demandas locais são pouco consideradas na definição de metas do programa e que

lhes resta executar algo em cuja formulação não foram envolvidos. Parece haver um

certo problema de diálogo entre as esferas e talvez pouca coordenação interfederativa.

A partir do exposto nesse tópico, em especial sobre a função das

condicionalidades enquanto sinais de alerta e sobre a aproximação do PBF com a

assistência social parece que os municípios ainda estão pouco estruturados para fazer

um uso mais sofisticado das condicionalidades.

Talvez o governo federal esteja exigindo mais do que as capacidades

institucionais dos municípios podem responder, talvez, por fatores como pouca

estrutura para fazer funcionar o fluxo de informações sobre as razões que levam os

beneficiários ao descumprimento; problemas de articulação intersetorial que

compromete que educação e saúde comuniquem suas carências e que o PBF dialogue

com a assistência; necessidade dos recursos do IGD levar à adoção de ―estratégias de

emergência‖; a falta de pessoal faz com que metas de expansão do programa se

sobreponham ao acompanhamento familiar; gestores locais com pouco conhecimento

sobre diretrizes do programa, desvirtuando o significado das condicionalidades, usando

a possibilidade de corte do benefício como ―ameaça‖.245

244BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades

institucionais locais. 2011. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.p.226. 245

BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais. 2011. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

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Essa parte do estudo sobre o modelo das condicionalidades revela que o

esqueleto jurídico-institucional do PBF tem características complexas, como o fato de

que os efeitos do descumprimento de condicionalidades não podem ser traduzidos

como ―sanções‖ em seu sentido punitivo. Assim, uma racionalidade preocupada em

entender apenas o que é proibido e o que é permitido e, mais do que isso, que

considera que todos os atos que fogem ao padrão geram uma consequência negativa,

não explica o papel das condicionalidades enquanto incentivo.

O desenho mais recente das condicionalidades está embasado em uma

racionalidade de estímulos tanto ao beneficiário quanto ao Poder Público cuja tradução

em termos de categorias do direito não é usualmente encontrada em manuais. A

relevância da estratégia de ―busca ativa‖ demonstra ainda a necessidade de articulação

entre diferentes atores, incluindo um papel fundamental das ICS. Além disso, o

desenho do programa permite que diferentes formatos sejam testados e que ele se

adapte ao mesmo tempo em que é efetivado. O processo que ocorreu com as

condicionalidades é bastante ilustrativo e pode indicar um direito reflexivo e processual.

Diante de tudo isso, a análise realizada nesse tópico mostra que apenas uma

averiguação mais acurada das ferramentas jurídicas do PBF, e não o estudo restrito às

leis formais pode demonstrar que a escolha do modelo de condicionalidades do

programa é um processo contínuo e em aberto.

1.3. Gargalo do programa: inclusão social produtiva

Entende-se por círculo vicioso da pobreza a falta de investimentos na

melhoria e mudanças das condições de vida, mantendo-se uma população estagnada

na situação de pobreza em que se encontra, ou seja, por não ter condições financeiras

de investir em melhores condições de vestuário, de moradia, de alimentação, de

educação, entre outras necessidades, ela perpassa gerações, causando um ciclo

intergeracional, quando não se vislumbram mudanças nesse patamar devido às

possibilidades que lhes são oferecidas. Para rompê-lo é preciso dar às famílias que se

encontram envolvidas nele condições financeiras e de acesso a meios qualificados que

possibilitem que elas avancem e mais, não retornem ao ponto de partida.

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No caso do PBF, Rego e Pinzani defendem que a ampliação dos direitos de

cidadania seria reforçada se as prefeituras não se limitassem a cadastrar as

beneficiárias, mas criassem canais de interlocução e controle social do programa. O

PBF não assegura nem a solução do problema da pobreza nem a formação de uma

cultura de cidadania ativa, embora seja o primeiro passo indispensável para ambas.

Argumentam que o seu principal efeito não é o de superar o círculo vicioso da pobreza,

mas iniciar um círculo virtuoso dos direitos, em que a expansão de um direito dá origem

a reivindicações por outros, em uma luta pelo reconhecimento da legitimidade de novas

expectativas. Se estiverem certos, os filhos das famílias beneficiárias não apenas terão

mais capacitações que os pais para cruzar as portas de saída do programa; nos

protestos de rua no futuro, portarão os cartazes que os pais não puderam escrever.246

Dados fornecidos pelo MDS mostraram que 1,69 milhão de famílias

beneficiadas pelo PBF deixaram espontaneamente o programa, declarando que sua

renda já ultrapassava o limite de R$ 140 por pessoa. Representam 12% de um total de

13,8 milhões de famílias atendidas. Os dados abrangem o período entre outubro de

2003 e fevereiro de 2013. De acordo com o secretário de Renda e Cidadania, Luís

Henrique Paiva, estas famílias declararam ultrapassar a renda limite na atualização

cadastral, realizada pelas prefeituras a cada dois anos. Por sua vez, a fiscalização

excluiu 483 mil beneficiários flagrados com renda superior a permitida pelo programa.247

A fiscalização é um dos pontos a serem melhorados. O PBF tem um desenho

de grande qualidade, mas é mesmo desafiado todo tempo pela implementação.

Os problemas mais recorrentes noticiados relacionados com a implementação do Bolsa Família tem a ver com o cadastramento das famílias, verificação da manutenção das crianças das famílias beneficiárias do programa nas escolas, como assiduidade e aproveitamento, e o consequente desligamento ao não se cumprirem as condições para permanência no programa, seja por conquista de emprego adequado que qualifique a família como fora do grupo alvo ou por irregularidades.248

246REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e

cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. 247

Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/05/169-milhao-de-familias-abrem-mao-do-bolsa-familia/ Acesso em 24 de abril de 2015. 248

Aninho Arachande é professor de políticas públicas da Universidade de Brasília. Disponível em: http://unb.br/noticias/unbagencia/cpmod.php?id=95829

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Segundo dados oficiais, desde que o PBF foi criado, 3.155.201 famílias

saíram voluntariamente do programa. O número inclui as famílias que deixaram o

programa em abril de 2015, ao final de mais um ciclo de atualização de dados no

CadÚnico. Outras 3.029.165 famílias tiveram o benefício cancelado desde 2003,

sobretudo por estarem fora do perfil de acesso ao programa e terem renda acima do

limite de R$ 154 mensais por pessoa. Essas famílias foram identificadas nos processos

de monitoramento e controle realizados rotineiramente pelo MDS.249

Ainda segundo o MDS, nos últimos três anos, o total de famílias beneficiárias

tem oscilado em torno dos 14 milhões de famílias. Quando têm aumento de renda

acima do limite de R$ 154 mensais por pessoa da família, ainda podem permanecer no

programa por dois anos, de acordo com as regras de permanência. A prorrogação do

pagamento vale para as famílias que comunicarem voluntariamente o aumento de

renda e desde que a renda não ultrapasse o valor de meio salário mínimo por pessoa

da família. As famílias que têm o benefício cancelado podem continuar no CadÚnico e

ter acesso a outros programas do governo, respeitadas as regras de cada um.250

O monitoramento e controle do PBF é realizado tanto no processo de

Revisão Cadastral, que define que as famílias devem comparecer às prefeituras e

atualizar seus dados a cada dois anos, como no processo de Averiguação Cadastral,

que cruza os dados dos beneficiários com os de outros bancos de dados

administrativos, como o Sisobi (Sistema Informatizado de Controle de Óbitos) e a base

de políticos eleitos (TSE). Já a fiscalização é feita pelos órgãos de controle (CGU, TCU

e Ministério Público) e pelo MDS, quando há denúncia. As fiscalizações são feitas pela

CGU em todos os municípios sorteados pela CGU, em média, duas vezes por ano,

além das auditorias do TCU, que ocorrem a partir de denúncias, sem periodicidade.

As histórias de vida de bolsistas do Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-

Oeste, divulgadas por órgãos oficiais, em livros e pela mídia em geral mostram que a

porta de saída do programa não é um milagre, mas uma arquitetura realista quando

famílias que enfrentam a pobreza em seus múltiplos aspectos – econômico,

249MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2015/abril/mais-de-3-1-milhoes-

de-familias-sairam-voluntariamente-do-bolsa-familia. Acesso em 29/04/2015. 250

MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2015/abril/mais-de-3-1-milhoes-de-familias-sairam-voluntariamente-do-bolsa-familia. Acesso em 29/04/2015.

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educacional, médico, social – recebem amparo e orientação para transformar vocações

profissionais em fonte de renda. 251

Nas regras de concessão do PBF não existe tempo-limite para o recebimento

do benefício. As famílias podem ficar o tempo que necessitarem. Enquanto isso, o

governo seguiria oferecendo cursos de capacitação para tentar abrir portas a quem teve

poucas oportunidades. Contudo, as letras e os números ainda assustam os 25 mil

beneficiários que se declaram analfabetos. Até agora, só 5% dos beneficiários

terminaram algum tipo de qualificação profissional proporcionado pelo governo.252

O PBF é capaz de maximizar resultados e impactos na política social

brasileira por ter como foco a família, podendo contribuir para superação da visão

segmentada e fracionada em grupos específicos da população que tem orientado os

programas sociais no Brasil. Através dele pode-se olhar para o futuro. Observadas as

condicionalidades relacionadas à educação e à saúde, o programa pode criar

condições para que a próxima geração tenha mais capital humano, seja mais produtiva

e, portanto, possibilitando-lhes empregos de maior qualidade, com melhores salários, o

que os fará sair, definitivamente, da condição de pobreza.

Contudo, para que isso aconteça faz-se mister criar condições sustentáveis

para que a população pobre consiga, a longo prazo, autopromover-se e, nesse sentido,

o Estado deve oferecer serviços de boa qualidade nas contrapartidas exigidas para que

assim, as diferenças dos direitos à cidadania sejam amenizadas.

Desde o inicio da redemocratização, a partir de 1985, culminando na

Constituição Cidadã de 1988, tendo-se estabelecido o Estado Social e Democrático de

Direito, o país tem apresentado ―condições de realizar novo ciclo de crescimento

econômico, mas cercado de desigualdades sociais, econômicas e políticas, fruto desta

251Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/333863_EU+SAI+DO+BOLSA+FAMILIA+ N°

Edição: 2295 | 08.Nov.13 - 20:50 | A revista em questão conversou com quatro antigos beneficiários do programa que puderam se emancipar do auxílio do Estado. 252

Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/333863_EU+SAI+DO+BOLSA+FAMILIA+ N° Edição: 2295 | 08.Nov.13 - 20:50 | Atualizado em 12.Jun.15.

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102

formação fragmentada da cidadania, cuja superação ocorre com dificuldade e

lentidão(...)‖.253

Smanio destaca uma dimensão da cidadania ‖intrinsecamente ligada à

necessidade de recuperação dos atrasos na aquisição de direitos no Brasil, à

necessidade de inclusão social e de respeito das minorias‖; uma cidadania inclusiva

com mecanismos jurídicos de alcance dos seus objetivos a serem estabelecidos via

políticas públicas. Para isso, defende uma Teoria Jurídica da Cidadania que ―deve ver o

cidadão em sua integração política e perceber a intersubjetividade intrínseca ao

conceito de cidadania, de forma a ser o cidadão o sujeito de direitos civis, políticos,

econômicos, sociais e coletivos.‖ e, para ele, ―as políticas públicas como uma categoria

normativa, responde as estes anseios‖ pelo que ―Cidadania e Políticas Públicas são

realidades jurídicas que devem estar interligadas em sua existência e legitimidade.‖254

Walquiria Leão entende que o caminho são as políticas complementares

específicas, que sejam pensadas e implementadas para aquele público alvo, os

beneficiários. 255 A saída seria articular os programas de transferência de renda com

outros programas sociais de escopo mais amplo. No mesmo sentido, Castel:

Contudo, a busca da coesão social requer bem mais do que um aumento do papel do Estado. A proposta de ―cidadanias diferenciadas‖, com ênfase nas necessidades dos grupos excluídos, pode promover tensões sobre a capacidade de coesão social e de construção de uma comunidade política a partir de demandas particulares. A redução de desigualdades específicas depende da articulação de políticas sensíveis ao atendimento de demandas particulares, direcionadas a realidades locais, e de uma mudança nas políticas sociais, de políticas de integração para políticas de inserção dos grupos excluídos da sociedade, para que não se construa cidadania sobre inutilidade social.256

253SMANIO, Gianpaolo Poggio. Cidadania e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio;

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BRASIL, Patrícia Cristina; (Orgs.). O Direito na fronteira das políticas públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015. p.3. 254

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Cidadania e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BRASIL, Patrícia Cristina; (Orgs.). O Direito na fronteira das políticas públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015. p.4.

255

Junto com o filósofo italiano Alessandro Pinzani publicou, em 2013, o livro Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania, pela Unesp e que aborda o PBF sob a perspectiva dos beneficiários, detectando assim ganhos e lacunas do programa, apontados pelos próprios beneficiários. 256

CASTEL Robert. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. Desigualdade e a questão social / São Paulo: EDUC, 2000.

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103

A renda mínima é um poderoso instrumento no combate à pobreza e à

desigualdade, mas, desde que esteja associada a outras políticas sociais, tais como

políticas de acesso aos direitos à educação, à saúde, à segurança, à qualificação

profissional, ao trabalho, à cidadania. Partindo-se do pressuposto da concepção de

pobreza não como mera insuficiência de renda, para o seu combate deve-se ir muito

além da transferência de recursos financeiros. Tem-se como necessária a articulação

do PBF com políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento das capacidades dos

seus beneficiários. A realização dos objetivos do programa depende da sua integração

com ações e serviços que possibilitem o referido desenvolvimento das capacidades das

famílias. O seu sucesso está indissocialmente ligado a ações complementares.

A independização da família está entre os objetivos propostos pelo programa

e assim, espera-se que os beneficiários deixem de necessitar do mesmo ao

apresentarem melhorias nas condições de vida e desenvolverem meios próprios de

sustento. Essa é uma meta de longo prazo que requer políticas, programas e projetos

que possibilitem às famílias chegarem a essas "portas de saída" que são as formas de

desligamento do programa para aqueles que alcançam tais objetivos.

O Planseq-Bolsa Família é uma ação coordenada pelo MDS e Ministério do

Trabalho e Emprego e Casa Civil e tem como meta qualificar beneficiários do PBF, na

área da construção civil e na área do turismo. O propósito para o setor de construção

civil é capacitar os beneficiários para as vagas surgidas com as obras do PAC. O

Planseq visa à implementação de modelo unificado de ações complementares,

ampliando as oportunidades de inclusão produtiva dos trabalhadores, além de

promover maior articulação entre os setores de trabalho e assistência social, nas

esferas estadual, municipal e federal. 257

Contudo, o programa mostrou alcance insuficiente. A Secretaria de Avaliação

e Gestão da Informação (SAGI) do MDS realizou uma pesquisa qualitativa com o

objetivo de compreender as razões do baixo número de inscrições nos cursos do

257Sumário Executivo da Pesquisa Qualitativa Percepções sobre o PlanSeQ Bolsa Família Estudo com

gestores locais e elegíveis à ação Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate janeiro a março de 2009. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/PainelPEI/Publicacoes/C13%20n92%20%20ESTUDO%20QUALITATIVO%20SOBRE%20O%20PLANSEQ%20BOLSA%20FAMILIA.pdf.

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PlanSeQ em sua primeira fase de implementação. A pesquisa foi realizada em 12

capitais participantes (Manaus, Palmas, Recife, São Luis, Belo Horizonte, Vitória, Rio de

Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Brasília e Goiânia), com envolvimento dos

gestores e beneficiários e apresentou possíveis razões para baixa efetividade da ação.

Os beneficiários apontaram situações como desinteresse pela área da construção civil,

receio de perda do benefício, esforço exigido para fazer a capacitação não compensaria

e falhas na operacionalização da proposta. Entre os gestores, o relato que aparece com

mais força é a percepção da desarticulação entre os órgãos e entidades envolvidos.258

Nesse contexto, a sobreposição de competências também é problema

frequente, gerando desperdício de recursos e dispersão dos programas. Há casos de

sobreposição de vários órgãos realizando a intermediação de mão de obra (os níveis

federal, estadual, municipal dos poderes públicos, as centrais sindicais e as agências

privadas e até, igrejas e denominações religiosas). 259

Considera-se que as políticas de inserção produtiva são as menos ofertadas

no país: apenas 13% passaram a frequentar curso de educação formal e somente 16%

começaram a participar de programas de geração de renda. Os encaminhamentos às

ações complementares apenas ocorrem em casos de demandas individuais

específicas, e não sistematicamente. Sabe-se que a implementação dos programas

complementares no território nacional dependerá das múltiplas diversidades regionais e

distintas capacidades financeiras e gerenciais dos municípios260

No caso da Renda Mínima de Inserção francesa, a inserção no mercado de

trabalho se dá com base na análise das potencialidades e das fragilidades individuais

dos beneficiários, como forma de personalizar a estratégia adotada para a

emancipação da família e valorizar habilidades prévias. Os programas Chile Solidário e

258Sumário Executivo da Pesquisa Qualitativa Percepções sobre o PlanSeQ Bolsa Família Estudo com

gestores locais e elegíveis à ação Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate janeiro a março de 2009. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/PainelPEI/Publicacoes/C13%20n92%20%20ESTUDO%20QUALITATIVO%20SOBRE%20O%20PLANSEQ%20BOLSA%20FAMILIA.pdf. 259

SILVA E MELLO, Leonardo. 35º XXXV Encontro Anual da Anpocs GT 36 Trabalho, Ação Coletiva e Identidades Sociais Governança do emprego realmente existente: o caso dos planos de qualificação profissional. Disponível em: http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=1244&Itemid=353 260

MAGALHÃES, Rosana; SANTOS, Cláudia Roberta Bocca. Pobreza e Política Social: a implementação de programas complementares do Programa Bolsa Família. Ciência&SaúdeColetiva -1215-1224, 2012

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Tekoporã também estabelecem, baseados na análise individualizada de cada família

pelos guias familiares, as contrapartidas a serem exigidas e o caminho a ser percorrido

rumo à emancipação dos beneficiários. No caso do PBF essa premissa se perde, visto

que a implementação dos programas complementares, em especial do Próximo Passo,

foi top-down e não reconheceu as demandas do contexto local. Nesse sentido,

questiona-se a precariedade da inclusão no mercado de trabalho e o alcance das ações

de qualificação profissional.261

Diante disso, tem-se que somente a divulgação de dados como o número de

famílias que deixam o programa por aumento de renda não é suficiente para medir a

eficiência do PBF como política de promoção social, conquanto ―Ainda não está claro

para a sociedade os reais esforços do governo para tirar essas famílias da situação de

miséria‖.262 O governo precisa de mais informações sobre as famílias que saem do

programa para testar o seu objetivo de combate à miséria.

O tema ―porta de saída‖ do programa não foi o foco da agenda do governo

Lula, talvez pelo enfoque na consolidação de um programa pioneiro com vistas à

retirada imediata de pessoas em condições de miséria, uma pauta emergencial por si

só. No governo atual, um dos desafios do programa é a inclusão social produtiva, com

geração de emprego e renda.

Alexandre Leichsenring pesquisou o comportamento dos beneficiários do

Bolsa Família entre os anos de 2003 a 2007263, nos registros de emprego do Ministério

do Trabalho, identificando que entre os beneficiários as taxas de admissão no mercado

formal de trabalho são menores que entre os que não contam com o benefício, além de

taxas mais elevadas de desligamento do emprego entre os que dependem do

programa. Segundo Leichsenring, ―A inserção dos beneficiários do Bolsa Família no

mercado formal, quando existe, é bastante precária. E resume, ―A impressão que me dá

é que as condições sociais piores dos beneficiários são a causa das dificuldades

maiores de participação no mercado‖.

261MAGALHÃES, Rosana; SANTOS, Cláudia Roberta Bocca. Pobreza e Política Social: a implementação

de programas complementares do Programa Bolsa Família. Ciência&SaúdeColetiva -1215-1224, 2012 262

Declarações de Humberto Dantas, cientista político e professor do Insper. 263

Alexandre Leichsenring doutor em estatística e consultor do MDS. Disponível em: https://ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_alphacontent&view=alphacontent&Itemid=19&limitstart=6

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A baixa escolaridade dos beneficiários do PBF é um dos pontos na lista dos

problemas para acesso ao mercado de trabalho e que teve a dimensão medida num

cruzamento de dados feito pelo IPEA. Dos beneficiários do programa em idade de

trabalhar, 52,7% tem no máximo quatro anos de estudo; quase um a cada cinco

beneficiários não chegou a completar um ano de estudo; 0,2% dos beneficiários tem 15

ou mais anos de estudo; 10,6% registra 11 anos de estudo. Diante de um perfil

educacional tão heterogêneo, percebe-se a ausência de estratégias variadas,

adaptadas a públicos diferentes e, sobretudo, a realidades econômicas diferentes, no

objetivo da inclusão no mercado de trabalho.264

Estudo do Ipea intitulado “Desafios para a inclusão produtiva das famílias

vulneráveis‖ reafirma a não existência de receita única, considerando que ―Não é

possível achar que todos os beneficiários estão fora do mercado formal do trabalho

nem que todos poderão buscar renda no mercado de trabalho. Não se pode esperar

que o mercado vá resolver tudo‖.265 A agenda da inclusão produtiva deve pautar-se

numa combinação de políticas de maior acesso ao crédito, qualificação profissional e

de educação de jovens e adultos, dentre outras.

É o contexto da necessidade de portas de entrada para uma inclusão sócio

produtiva dos beneficiários do PBF, considerando-se como porta de saída a

coordenação com outras políticas sociais e até econômicas, afinal como bem assegura

Lena Lavinas266 ―O grande desafio do governo Dilma Rousseff, na área social, é

coordenar políticas, ou seja, ao mesmo tempo que transfere renda, precisa reduzir

custos ao microempreendedor, como baratear as contas de luz e telefone‖. Esse

público alvo deve ser priorizado e atendido sob diversas frentes, com ofertas

estruturadas de diferentes programas, como parte de uma engrenagem de

coordenação intergovernamental do PBF.

Eis um ponto desta pesquisa, com uma análise que leva a crer que o

sucesso do PBF está justamente no seu fim, considerando que consolide uma fase de

estruturação de portas de saída efetivas aos beneficiários que, saindo e não precisando

voltar a ele, culmine no fim do programa.

264Disponível em http://www.ipea.gov.br/bd/pdf/Livro_BrasilDesenvEN_Vol03.pdf.

265Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5043.

266Lena Lavinas é doutora em economia pela Universidade de Paris e professora da UFRJ,

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CAPÍTULO 2. O ARRANJO JURÍDICO INSTIUCIONAL DO BOLSA FAMÍLIA

Considera-se o PBF como um exemplo de política pública que tem operado

de maneira particular quando comparado à leitura tradicional das categorias do direito

tidas como padrão. Trata-se de um programa que tem incorporado elementos

percebidos no decorrer de sua implementação em processos que incluem a exploração

de diferentes arranjos ao mesmo tempo em que a política está em marcha. O programa

tem proposto mecanismos de estímulos que se diferenciam de uma lógica de

―comando-e-controle‖ identificada nas categorias de manuais do direito e historicamente

presente nas políticas sociais brasileiras. A despeito de manter semelhanças em seu

arranjo jurídico-institucional, o PBF quando comparado a políticas anteriores, usa essas

ferramentas de uma forma própria.

Apresentando-se as ferramentas principais do PBF, há subsídios para a

afirmação de que o PBF parece conter um esqueleto jurídico que permite o teste de

alternativas antes que elas se consolidem de fato no programa. É o caso, por exemplo,

dos termos de adesão que substituíram uma tentativa anterior que não obteve os

resultados esperados. É também o caso do IGD que foi construído por meio de Portaria

e, ao ser bem avaliado, tornou-se uma exigência legal. Isso não significa que o desenho

jurídico-institucional do PBF seja absolutamente novo, mas que o programa faz um uso

distinto de instrumentos que já existiam em políticas anteriores.

Para Diogo Coutinho o direito e a reflexão jurídica são fundamentais, pois

sua ausência ―tende a aumentar o risco de que haja maior opacidade, menor

participação e menos intensa mobilização de atores relevantes – sobretudo os grupos

menos organizados – em políticas públicas‖267. A reflexão sobre ideais e interesses,

conjugada com a ponderação sobre instituições e práticas, congrega o trabalho de

investigação do pensamento jurídico.268

A partir desse necessário entrelaçamento entre Direito e políticas Públicas,

recorre-se a abordagem do Direito como ―Imaginação Institucional‖, conforme ideias de

267COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos

Aurélio Pimenta de (eds.). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: Fiocruz, 2013. 268

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp.p.159-160.

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Roberto Mangabeira Unger que propõe que o direito se afaste de um ensimesmamento

de conteúdo idealizante, dispondo-se a finalmente realizar o papel de transformação

social. O direito e o fetichismo institucional e estrutural que o paralisam são alguns dos

temas que Unger desenvolve na sua obra ―O Direito e o Futuro da Democracia‖.

Para adquirirmos a liberdade de criar futuros alternativos para a sociedade com clareza e ponderação, devemos ser capazes de imaginá-los e de discuti-los. Para que os imaginemos e discutamos eficazmente, devemos adentrar áreas especializadas do pensamento e da prática. Devemos transformar essas especialidades por dentro, modificando a sua relação com o debate público numa democracia.269

Em pesquisa envolvendo Direito e Economia, Camila Duran reconhece a

importância da análise jurídica e do diálogo sobre as estruturas institucionais. Para

Duran, ―O direito é concebido como mecanismo de institucionalização da relação de

accountability entre autoridade monetária, sociedade e poderes políticos, e a análise

jurídica é técnica de identificação de fatos jurídicos relevantes, notadamente aqueles

ligados ao enquadramento do poder de gerir amoeda‖.270

O direito deve explorar possibilidades institucionais. Princípios metafísicos de

justiça e fórmulas conhecidas de economia de mercado devem se aproximar. Unger

imagina zona de convergência que avizinhe condições de progresso material e

emancipação individual. A reflexão jurídica poderia ser o fio condutor dessa proposta.

Um fetichismo institucional obstaculiza a atuação do direito, confinando-o a uma

imobilização em face do que arraigado; o medo do futuro, do novo.

Um dos inimigos do experimentalismo democrático é o fetichismo institucional: a crença de que concepções institucionais abstratas, como a democracia política, a economia de mercado e uma sociedade civil livre, têm uma expressão institucional única, natural e necessária. O fetichismo institucional é um tipo de superstição que permeia a cultura contemporânea (...) Afastá-lo seria o trabalho em tempo integral de uma geração de críticos sociais e cientistas sociais.271

269UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp.p.9. 270

DURAN, Camila Villard. A Moldura Jurídica da Política Monetária: um estudo de caso. Tese Doutorado. Universidade de São Paulo Faculdade de Direito Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito São Paulo 2012. 271

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.17.

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O direito é campo amplo para o exercício da imaginação, para a criação de

modelos de convivência, para o experimentalismo, bem entendido, conquanto que ―livre

da mácula do fetichismo institucional e do fetichismo estrutural‖.272.

O fetichismo institucional é a identificação de concepções institucionais abstratas, como a economia de mercado ou a democracia representativa, com um repertório específico de estruturas contingentes. O fetichismo estrutural é sua contrapartida de ordem superior: a incapacidade para reconhecer que as ordens institucionais e imaginativas da vida em sociedade diferem tanto em rigidez ou arraigamento como em conteúdo: quer dizer, com relação à liberdade de ação e entendimento para desafiar e transformar estruturas que elas constrangem.273

Para Faria, ―as normas e as leis costumam ser eficazes quando encontram

na realidade por elas reguladas as condições sociais, econômicas, políticas, culturais e

ideológicas e até mesmo antropológicas para o seu enforcement, para o seu

reconhecimento, para sua aceitação e para o seu cumprimento por parte dos

destinatários‖274. Assim, tem-se que ―O direito não é somente legislação. A juridicidade

pode estar presente em regras mais soft. A dinâmica da legalidade e do discurso

jurídico ultrapassa o mero raciocínio sobre o direito posto pela legislação,

confeccionada pelo Poder Legislativo‖275.

Por tudo isso, ―As decisões de formuladores de política pública envolvem

sopesamento de complexos assuntos não técnicos, mesmo em casos em que,

aparentemente, se trata de objeto ―puramente‖ técnico‖276. Sendo assim, numa

abordagem sobre as políticas monetárias e sua moldura jurídica, Duran entende que:

272UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.159. 273

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.159. 274

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo, Malheiros, 2004.p.124. 275

DURAN, Camila Villard. A Moldura Jurídica da Política Monetária: um estudo de caso. Tese Doutorado. Universidade de São Paulo Faculdade de Direito Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. São Paulo, 2012. 276

DURAN, Camila Villard. A Moldura Jurídica da Política Monetária: um estudo de caso. Tese Doutorado. Universidade de São Paulo Faculdade de Direito Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. São Paulo, 2012.

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(...) a técnica jurídica, por não ser neutra e ter valor simbólico, pode instituir nova realidade no horizonte de longo prazo. O direito seria instrumento útil para revelar e construir a importância do diálogo institucional monetário porque traz em si a percepção de legitimidade, seja ela confundida com a simples legalidade ou com a concretização de determinados valores compartilhados socialmente. E, especialmente, nesse âmbito, a análise jurídica também tem o seu papel.277

O fetichismo institucional, o apego doentio ao credo de Montesquieu, a

percepção de que as fórmulas jurídicas com as quais contamos seriam as únicas

alternativas possíveis, e o encastelamento do direito na discussão de questões que não

se projetam na reconstrução do meio social seriam, para Mangabeira, os maiores

entraves que um projeto comprometido com a democracia deve enfrentar.

Deve-se fortalecer o indivíduo. O ser humano é o destinatário de toda

proposta de mudança social. Deve ser dotado de capacidades de construção do próprio

destino. A política é instrumento da mudança. É o caminho mais conhecido. O mais

seguro. Não se pode diminuir a política por conta de percepção muito singela,

reacionária, fundamentalista, que se vê na política o reino do mal, o campo da

perversidade, o ambiente de tudo que antropologicamente repudie a humanidade em

permanente construção. Duas pragas imobilizam a imaginação institucional e

obstaculizam a busca de mudanças: o culto do direito estatal e a busca por uma ordem

moral latente; tem-se uma estatolatria que impede qualquer avanço. Fixou- se no

Estado suposta responsabilidade por positivar uma ordem moral.

Os juristas representaram o direito como a razão codificada nos feitos e sonhos do poder assim como economistas viram economias de mercado reais e seu direito como aproximações a um sistema puro de racionalidade e reciprocidade. Eles cantaram para ganhar a vida, cantando acorrentados. Esperança e entendimento podem, não obstante, ter sucesso onde indignação e adoração da história falharam, e arrastar os juristas e economistas para a tarefa de dar olhos e asas à imaginação institucional.278

277DURAN, Camila Villard. A Moldura Jurídica da Política Monetária: um estudo de caso. Tese Doutorado.

Universidade de São Paulo Faculdade de Direito Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. São Paulo, 2012. 278

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.227

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2.1. Teoria da constituição e constitucionalismo social

As Constituições do México de 1917 e da república de Weimar (Alemanha)

em 1919 inauguram o constitucionalismo social que traz, além do conteúdo liberal dos

direitos de liberdade e dos direitos políticos, os direitos sociais e os direitos econômicos,

tendo o Estado regulando a economia e exercendo atividade econômica. É o sentido da

providência estatal279, dado o seu objetivo de prestações sociais positivas à sociedade.

Eis que se está diante do Estado Social, do Estado do Bem-Estar-Social, do État-

Providence280, do Welfare State, enfim. Tem-se o foco na questão social. Os direitos

encarados como direitos próprios da cidadania e uma legislação emanada,

principalmente, do Executivo. A lei como um instrumento de ação do Estado, para

garantir ou facilitar o acesso às prestações positivas.281

Com o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948,

os direitos sociais também passaram a integrar os ordenamentos jurídicos da maioria

dos países. Após a Segunda Grande Guerra a concretização desses direitos teve

grande estímulo com a implementação dos Estados Sociais, Estados de bem Estar

Social ou Estado de Providência, sobretudo nos países do continente europeu.

No Brasil, na Constituição de 1934, no seu título sobre a ordem econômica e

social houve a primeira referência aos direitos sociais. Nela, reiterou-se o princípio da

igualdade, dedicando-se um título à ordem econômica e social com objetivos de

possibilitar a todos uma existência digna. Nas Constituições posteriores, a referência

permanecera sempre sob o título da ordem econômica e social, até o advento da

CFR/88, pela qual os direitos sociais foram erigidos à categoria de direitos

fundamentais com previsão expressa no seu artigo 6° e seguintes.

Santos formulou o conceito de ―cidadania regulada‖ no contexto da política

econômica-social pós-30 que reforçava a estrutura das desigualdades sociais do país.

O estatuto da cidadania valia somente para os trabalhadores com ocupações

279SANTOS. Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Editora

Cortez, 2001. 280

ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Trad. Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: UnB/UFG, 1997. 281

MORAIS. José Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p.74.

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regulamentadas por lei, atrelando-se a cidadania à profissão e por isso, os direitos do

cidadão eram restritos aos direitos do lugar que o individuo ocupava no processo

produtivo. Todos os outros (a exemplo dos autônomos, empregados domésticos e

trabalhadores rurais) eram ―pré-cidadãos‖,282.

A partir da Constituição de 1937, a população economicamente ativa era

dividida em não regulamentados e regulamentados (podiam associar-se em sindicatos,

tendo o reconhecimento do Estado). Essa associação entre cidadania e ocupação

proporcionou condições que ampliaram os conceitos de marginalidade e de mercado

informal de trabalho, abrangendo desempregados, subempregados, empregados

instáveis e outras ocupações não regulamentadas, ainda que regulares e estáveis.283

A partir do Presidente Getúlio Vargas, final de 1930 a 1945, as relações trabalhistas tiveram um processo de transformação e modernização com reflexos em todos os âmbitos da sociedade, passando-se a considerar com maior evidência a questão do desenvolvimento social. Mas, é preciso considerar que essa tendência aos avanços sociais (somente beneficiavam as pessoas com empregos formais e assalariados) foi interrompida, algumas vezes, por governos que priorizavam outras questões que não aquelas voltadas às políticas sociais.284

Nessa época, o direcionamento dos avanços na esfera dos direitos sociais

voltado a trabalhadores assalariados tinha o seu contexto numa sociedade

essencialmente industrial e era uma realidade praticada por igrejas, principalmente

voltadas aos incapacitados que não podiam exercer atividade trabalhista285. Nesse

período, o Estado social brasileiro não chegou a constituir-se efetivamente, dada a

estrutura de concentração de poder incompatível na correlação de um Estado social e

os períodos de ditadura que marcaram a história do país.

O desenvolvimento econômico acompanhado da concentração de riqueza

teve o seu outro lado, marcado pela expansão da pobreza e miséria. De um lado, a

crescente exclusão social de alguns e de outro, classes cada vez mais ricas fazendo a

282SANTOS, Guilherme Wanderley. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de

Janeiro: Campus, 1979. p.75. 283

SANTOS, Guilherme Wanderley. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979. p.75. 284

ABREU, Lidiane Rocha. Direitos Sociais no Brasil: Programa Bolsa Família e Transferência de Renda, 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico). Universidade Presbiteriana Mackenzie. 285

MESQUITA, Camile Sahb. O programa Bolsa Família: uma análise de seu impacto e alcance social. 2007. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasilia, 2007. p.43.

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questão social e política brasileira um histórico de concentração de rendas.

A realidade social do país no final do século XVIII e início do XIX,

caracterizada pelos desmandos patronais aos quais eram submetidos os trabalhadores,

até o nível da insustentabilidade, coloca em relevo os desdobramentos da desigualdade

material no contexto de uma sociedade liberal na qual o papel do governo limita-se a

garantir os direitos civis e políticos, sem intervenção na atividade econômica286.

Enquanto isso, na segunda metade do século XX, a assistência social foi

transformada num instrumento para criação de relações demagógicas e paternalistas

entre os menos favorecidos e o Estado. Nas sociedades ocidentais, o voto passou de

instrumento da democracia e da liberdade para meio de troca. O voto era trocado por

qualquer tipo de benefício imediato e sem consequências para a necessária

transformação nas estruturas econômicas e nas condições de pobreza do país 287.

O fenômeno do coronelismo que influenciava na política local é explicado por

Leal. Tinha-se a estrutura agrária do país, a falta de autonomia do município e sua

dependência estrutural em relação aos Estados e a União, as oligarquias locais e

regionais que não se subordinavam ao poder central e seguiam explorando e oprimindo

com ampla liberdade, a localidade. Para Leal o coronelismo é um compromisso, uma

relação de troca de proveitos entre o poder público que vem fortalecendo-se e a

decadente influência social dos chefes locais288.

Os coronéis exercem seu poder valendo-se do seu prestígio pessoal,

mantendo as pessoas numa relação de dependência na qual o ―voto de cabresto‖ é

moeda de troca que possibilita a solução da falta de estrutura, do não atendimento das

necessidades básicas. O coronel é o mandatário dos votos após realizar benfeitorias

para camadas populares do campo.289

Para Leal, a fraqueza financeira dos municípios constitui-se em fator que

contribui para a manutenção desse fenômeno na sua expressão governista290. Os

chefes municipais e os coronéis oferecem os votos enquanto os políticos estaduais

286VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.33.

287AGUIAR, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Henrique. Bolsa Escola. Educação para enfrentar a pobreza.

Brasília UNESCO, 2002. Disponívelhttp://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129723m.pdf p.20. 288

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega,1993, p.20. 289

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega,1993, p.25. 290

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega,1993, p.45.

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surgem com empregos, favores e tudo que o aparato público estadual pode oferecer,

revelando a reciprocidade que norteia o fenômeno, afinal sem a liderança do coronel na

estrutura agrária do país o governo não se sentiria obrigado a prestar favores e nesse

compasso diminuiria a força daquela liderança do coronel.291

Para Leal, a primeira edição do coronelismo enxada remonta ao final da

década de 50, destacando que no ano de 1975 e ainda, em 1993, ―o fortalecimento do

poder público não tem sido, pois, acompanhado do correspondente enfraquecimento do

coronelismo‖292. O coronelismo, segundo ele, sustenta-se na falta de autonomia

municipal, retratando a decadência do poder privado que assim é percebido como

dependente de favores do governo estadual para subsistir. Diante disso, ―o nosso

federalismo se tem desenvolvido à custa do municipalismo: o preço pago foi o

sistemático amesquinhamento do município‖293.

Após governos que priorizavam interesses não voltados aos programas

sociais, especialmente durante a ditadura militar (1964-1984), foi em 1988, sob a égide

da Constituição Federal, promulgada no Governo José Sarney (1985-1990), que o

constituinte adotou um Estado democrático de direito com a tônica da participação do

Estado no combate à pobreza e na preservação dos direitos humanos via políticas

sociais. Ao Estado é proposto o desafio de ações transformadoras, fundamentadas nos

princípios democráticos e na participação popular consolidados na CFR/88.

Barroso destaca o ambiente de reconstitucionalização do país, momento da

discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da CFR/88 como parte do

renascimento do direito constitucional. Diversos segmentos populares participaram do

processo, pelo que intensa foi a participação da sociedade civil, tanto no processo da

redemocratização, quanto, na elaboração, propriamente, da Magna Carta. 294

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um

291LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega,1993, p.43.

292LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega,1993, p.255.

293LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega,1993, p.103.

294BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil) Disponível: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art04102005.htm Acesso em 13 de agosto de 2013.

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componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1° da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.295

O Estado Democrático de Direito instituído na CFR/88 para José Afonso da

Silva é um conceito novo, inspirado nas Constituições portuguesa, espanhola e alemã

tendente a concretizar o processo de convergência em que podem ir concorrendo as

concepções atuais de democracia e do socialismo. Dessa forma, O Estado Democrático

de Direito traz a questão social do Estado Social e mais a questão da igualdade,

redefinindo a função da lei para além do instrumento de ação concreta do Estado

Social, para ser também um instrumento de transformação social. 296

O Estado brasileiro, a partir dessa nova estrutura organizacional, passou a

ser caracterizado com uma descentralização do poder político, marcando a autonomia

de estados e de municípios em relação ao Governo Federal. Foi o momento da história

do Brasil no qual veio à tona a participação oficial do Estado no combate à pobreza e

na preservação dos direitos humanos através de uma política de seguridade social.

Nesse sentido, a instituição da Seguridade Social composta pela Política de

Saúde, pela Previdência Social e pela Política de Assistência Social, representou uma

grande conquista. Essa nova realidade constitucional possibilitou uma nova percepção

da Assistência Social que passou a ser vista como política de direito, deixando para trás

a associação com a cultura do favor. Todos os indivíduos, mesmo os excluídos do

mercado de trabalho, passaram a ser vistos como cidadãos brasileiros com acesso

pleno aos direitos democráticos de cidadania (direitos políticos, civis e sociais).

A CFR/88 reservou um Título para tratar Dos Direitos e Garantias

Fundamentais. O qualificativo fundamentais caracteriza ―situações jurídicas sem as

quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo

sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser,

não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados ‖297.

295SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ªed. São Paulo: Malheiros, 2013,p. 23.

296SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 36ªed. São Paulo: Malheiros, 2013.p108.

297SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 36ªed. São Paulo: Malheiros, 2013.p.178.

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Diante disso, tem-se que a CFR/88 trouxe consideráveis avanços sociais a

favor dos mais desfavorecidos, fazendo emergir do seu texto conceitos como o do

denominado ―mínimo existencial‖ que não tem dicção constitucional própria, mas é

abrigado pelos direitos sociais e pelo princípio da dignidade humana e fundamentados

pelos princípios da liberdade e igualdade. Deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos

princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa e da

dignidade do homem, na Declaração dos Direitos dos Humanos e nas imunidades e

privilégios do cidadão298. Assim a partir do mínimo existencial vislumbra-se preservar a

própria vida humana, mas, para, além disso, um mínimo desejável para uma

sobrevivência digna, conferindo assim a máxima efetividade ao mínimo existencial.

Com a CFR/88 a cidadania é erigida à categoria de princípio e de direito

fundamental do indivíduo. A cidadania assumiu maior amplitude, considerando ser

fundamento expresso do Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, inciso

II da CFR/88 e, na condição de princípio constitucional, passou a situar-se no rol dos

postulados normativos interpretativos em relação às demais normas. Em discurso sobre

os progressos da cidadania, Carvalho os tem como inegáveis, mas afirma que foram

lentos, ressaltando que ainda há longo caminho para percorrer299.

Para Neves, a cidadania como integração jurídica igualitária na sociedade

esta ausente quando da generalização de relações de subintegração e sobreintegração

no sistema constitucional, algo marcante no Brasil, país de modernidade periférica. Os

subintegrados, membros das camadas mais populares, ―marginalizadas‖, via de regra,

estão integrados no sistema como devedores, réus e outros e não como sujeitos de

direitos, credores ou autores e não exercem direitos fundamentais previstos na Carta

Política que não influencia seu agir e vivenciar. Essa subintegração das massas está

indissocialmente ligada à sobreintegração dos grupos privilegiados que usam a

burocracia estatal para continuar bloqueando a reprodução do direito. Os

298TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo

(org) Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro, 2009. 299

CARVALHO, José Murilo. A Cidadania no Brasil. O longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2008, p.219.

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sobreintegrados são titulares de direito, mas não de deveres e de responsabilidades e

respaldam as suas condutas na impunidade que caracteriza a sobrecidadania.300

Para Marshall, a igualdade inerente à cidadania só é alcançada, a partir do

entrelaçamento da liberdade Civil, da participação política, bem como das necessidades

sociais pelo que disso resulta o seu conflito com o sistema capitalista, no século XX,

porque afinal, é fundado na desigualdade301.

Enquanto isso acredita-se que a CFR/88 promoveu, de maneira bem

sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por

vezes, violento para um Estado democrático de direito. Para Barroso, sob a CFR/88,

―(...) o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos

de uma geração.‖ 302

O constitucionalismo atual, denominado neoconstitucionalismo tem seu

marco inicial no constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na

Itália. Fruto do pós-positivismo, tem num dos seus traços marcantes o reconhecimento

da normatividade dos princípios aplicáveis à interpretação constitucional, pelo que a

solução de problemas jurídicos nem sempre é extraída do relato abstrato do texto

normativo, só sendo possível encontrar a resposta constitucionalmente adequada,

muitas vezes, à luz do problema, dos fatos analisados topicamente. O juiz não executa

a sua função com puro conhecimento técnico, mas participa do processo de criação do

direito, completando a tarefa do legislador, fazendo valorações de sentido nas cláusulas

abertas e realizando escolhas entre soluções possíveis. Nas novas categorias

interpretativas, destaque para as cláusulas gerais, os conceitos jurídicos

indeterminados, os princípios, a ponderação e a argumentação, dentre outras.303

Barroso analisa o processo de constitucionalização do direito brasileiro pós-

constituição de 1988. Captando os avanços propiciados pela CFR/88 no processo de

300NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Dados – Revista de

Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 37, n. 2. 1994. p.260 e 261.. 301

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p.84. 302

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil).Disponível: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art04102005.htm Acesso em 13 de agosto de 2013. 303

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Disponível e: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art04102005.htm Acesso em 13 de agosto de 2013.

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redemocratização, sua análise mitiga a tese da constitucionalização simbólica de

Neves304. Contudo, para Helcio Ribeiro, ―esta análise ainda se ressente de um olhar

crítico em relação aos desafios colocados ao Neoconstitucionalismo pela complexidade

social, tal como analisada por Canotilho, Faria e Campilongo305, bem como o impacto

da globalização econômica sobre a capacidade do Estado nacional de realizar os

objetivos sociais das novas constituições, principalmente no contexto da

redemocratização dos países periféricos e semiperiféricos do capitalismo.306

A partir das décadas de 80 e 90 tem-se um ordenamento jurídico

fragmentado e a flagrante incapacidade de abarcar as incertezas do sistema social, ao

passo que contenha e consiga prover solução para todos os problemas jurídicos e

ainda, filtrar, absorver e regular os tipos de conflito que surjam307. No plano normativo, a

CFR/88 representa uma constituição democrática, criando inúmeros mecanismos de

participação direta e indireta do cidadão. Por outro lado, no plano dos fatos, há um

longo caminho a percorrer no sentido da efetiva concretização dessa democracia no

plano da realidade social. Trata-se de um período de conquistas com a previsão na

carta constitucional de um conjunto de direitos, incluindo a proteção social e de

frustrações pela não efetivação desses direitos.

A tradicional rigidez hierárquica dos códigos e das leis deram lugar ao

pluralismo jurídico e a flexibilidade normativa. O legislador opta por uma espécie de

criação negociada do direito, considerando-se que nenhum sistema, isoladamente, tem

força para tomar decisões unilaterais e impô-las aos cidadãos. Para Faria, o poder

público termina por render-se, conduzindo-se à privatização da produção do conteúdo

do direito na medida em que beneficia grupos econômicos, sociais e políticos com

304BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil.

Themis, Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, 2011. 305

CANOTILHO, J. j. Gomes. Brancosos e interconstiucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2008. FARIA, José Eduardo. Estado e direito depois da crise. São Paulo: Saraiva, 2001. CAMPILONGO, Celso. Direito e diferenciação social. São Paulo: Saraiva, 2011. 306

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins;(Orgs.)O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo:Atlas, 2013.p.49. 307

FARIA, José Eduardo de. Direito e conjuntura. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010. p.67.

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poder de voz, capacidade de mobilização de poder e de veto. É o Estado consciente de

que já não pode controlar, produzir e dominar de modo incontrastável como outrora.308.

Caminha-se na perspectiva do fim dos resquícios patrimonialistas da

Administração pública, no sentido de se vencerem as práticas clientelísticas para que

se democratizem os espaços públicos. Nesse sentido, torna-se imprescindível a

universalização da educação e da informação acerca dos direitos políticos do cidadão,

de forma a possibilitar um real gozo dos mesmos, desenvolvendo assim, instrumentos

de participação popular, avançando-se no processo democrático. Reis considera como

verdadeiro cidadão aquele capaz de afirmar-se por si mesmo, que reclama seus

direitos, ao passo que promove seus interesses, mobilizando, de forma independente,

os recursos que controla seja na esfera privada ou no mercado309.

Para Alexy310 os direitos fundamentais sociais são os direitos a prestações

em sentido estrito que se constituem nas prestações fáticas benéficas por parte do

Estado em favor dos cidadãos. É evidente que, na prática, existe uma diferença dos

direitos fundamentais indiscutíveis quanto a sua aplicabilidade imediata, conforme

previsto no artigo 5°, §1° da CFR/88311, dos direitos sociais que apesar de trazerem

temas considerados fundamentais, tais como a saúde, esperam um direcionamento dos

Tribunais para sua aplicação em face da necessidade de leis, ou mesmo, de verbas

orçamentárias para atingirem o fim de suas disposições.

O caput do artigo 5° veicula direitos e deveres individuais e coletivos que são

espécies de direitos e garantias fundamentais, enquanto o parágrafo primeiro cogita da

máxima eficácia, isto é, de todo gênero, das normas definidoras de direitos e garantias

fundamentais. Explicando-se o artigo 5º, § 1º, tem-se que nem todas as normas

definidoras de direitos e garantias fundamentais gozam da mesma eficácia e, para a

norma se beneficiar deste status é preciso ter caráter de fundamental. Dessa forma,

esse dispositivo constitucional deve ser compreendido como um ―mandado de

308FARIA, José Eduardo de. Direito e conjuntura. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010, p.58 -59.

309REIS. Fábio Wanderley. Deliberação, Interesses e ―Sociedade Civil‖. In: COELHO, Vera Shattan P;

NOBRE, Marcos (orgs). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Ed. 34, 2004. 310

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p.441. 311

Brasil. Constituição Federal de 1988. artigo 5º, § 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

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otimização‖, no sentido de que se deve procurar dar a máxima eficácia às normas

definidoras de direitos e garantias fundamentais312.

O artigo 5°, §1° da CFR/88 ao assentir que ―as normas definidoras de direitos

e garantias fundamentais tem aplicação imediata‖, do ponto de vista formal, aplica-se a

direitos como o de assistência social, afinal os direitos sociais estão contidos, em sua

maioria, no Capítulo II, do Título II, que dispõe sobre todas as categorias dos direitos e

garantias fundamentais. Contudo, os direitos a prestações positivas – que marcam os

direitos sociais – dependem, quase sempre, de leis que os regulamentem e,

especialmente, de previsão orçamentária que os contemplem e implementem.

Destaca-se as ideias de Canotilho e sua Teoria da Constituição Dirigente,

então tratada em distintas obras, dentre elas ―Constituição dirigente e vinculação do

legislador‖, a partir da qual a tese constitucionalismo dirigente foi amplamente divulgada

no Brasil. Nesse sentido, tem-se que ―(...) a constituição dirigente é entendida como

bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado, se

estabelecem directivas e estatuem imposições. A Constituição dirigente aproxima-se,

pois, da noção de constituição programática‖. 313

O autor possibilitou o entendimento da Constituição Dirigente, considerando

como sendo aquela que contém orientações para a atuação futura dos órgãos do

Estado, estabelecendo programas e imposições. Em paralelo foi possível o

entendimento sobre as normas programáticas, determinações dos fins do Estado ou

definição das tarefas estatais, que passaram a ser entendidas como as normas que não

se dirigem ao indivíduo, mas sim aos órgãos estatais 314. A constituição dirigente é

aquela que objetiva, além de proteger o individuo do próprio Estado, a efetiva

participação do Estado com o fim de promover a redução das desigualdades sociais. As

constituições dirigentes por terem essas características de atuação positiva do Estado é

que são normalmente constituições do tipo analíticas, com suas inúmeras normas de

cunho programático, normas que elencam atuação por parte do Estado.

312SARLET,Ingo Wolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

313CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ªed. Coimbra:

Coimbra Editora, 1994, p.224. 314

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ªed. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p.315.

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Frente à alegação de que as normas constitucionais programáticas estariam

por trás do problema da constitucionalização simbólica, Neves, defende que não se

deve atribuir tão somente à falta de concretização normativa dos dispositivos

constitucionais ao seu caráter programático. A questão da constitucionalização

simbólica estaria associada à presença excessiva de disposições constitucionais

pseudoprogramáticas315.

A constitucionalização simbólica caracteriza-se, juridicamente, pela ausência

de concretização normativa do texto constitucional. Mas, na medida em que a atividade

constituinte e a linguagem constitucional desempenham relevante papel político-

ideológico, ela assume um sentido positivo, embora desse lado positivo decorra um

problema ideológico, porque se transmite um modelo cuja realização só é possível em

condições sociais diversas. A roupagem constitucional atua como ideal, enquanto os

donos do poder o realizam, sem prejuízo para os grupos privilegiados, fazendo emergir

a chamada fórmula retórica da "boa intenção" do legislador constituinte e dos

governantes em geral316.

Dessa forma, os mecanismos ideológicos terminam encobrindo a falta de

autonomia e de eficiência do sistema político estatal. O Direito fica vinculado a um tipo

específico de política que, pulverizada não atinge a todos de forma consistente e sem

autonomia para operar, o fazendo em nome de interesses particulares317.

Tais interesses econômicos e políticos decorrentes dos privilégios da

sobrecidadania ou das necessidades da subcidadania resultam num bloqueio da

atuação do Estado. Então, o que Neves chama de códigos generalizados ―dinheiro‖ e

―poder‖ condicionam o ordenamento jurídico do país, de forma que o sobrepõe de forma

destrutiva318. Para ele, no entanto, a questão da constitucionalização simbólica está

restrita aos casos nos quais a própria atividade constituinte, o texto constitucional e o

discurso que a ele se refere funcionam, como uma espécie de álibi para os legisladores

315NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.113-114.

316NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.95-98.

317NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.152.

318NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Dados – Revista de

Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n.2, 1994. p.268.

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constitucionais, governantes e para os que detém o poder, mas formalmente não

integrados na organização estatal319.

Neves sustenta que a relevância do texto constitucional parece estar atrelada

penas a sua função político-simbólica, já que amplia-se os direitos fundamentais, mas

não há a devida repercussão disso no processo de construção da cidadania320. Diante

de tudo isso, não há Estado forte sem autonomia operacial dele próprio e nem da

ordem jurídica. Fatos que vão de encontro à construção da cidadania.

Canotilho apresenta uma grande variedade de assuntos em sua obra, mas

considerando o tema desta pesquisa, abordar-se-á o item 4 da 2ª parte, da 2ª edição,

quando o autor trata da ‗Vinculação do Legislador‘ ao cumprimento dos direitos

fundamentais como ideários para uma sociedade nova. Logo no prefácio dessa 2ª

edição coloca-se em dúvida a força dirigente da Constituição para promover, por si só,

as mudanças necessárias e para suprir as promessas não cumpridas da modernidade:

Em jeito de conclusão, dir-se-ia que a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias. (...) Alguma coisa ficou, porem da programaticidade constitucional. Contra os que erguerram as normas programáticas a linha de caminho de ferro neutralizadora dos caminhos plurais da implantação da cidadania, acreditamos que os textos constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de direito, democráticos e sociais.321

Uma Constituição de caráter dirigente repleta de normas programáticas é

importante, porém, não basta para a efetividade dos direitos fundamentais e para a

realização dos objetivos constitucionais. É o que se percebe ao longo da história dos

trinta anos da CFR/88.

O problema central da Constituição dirigente consistia (e consiste) em saber se, através de ―programas‖, tarefas e directivas constitucionais, se conseguiria uma imediaticidade actuativa e concretizável das normas e princípios constitucionais de forma a acabar com os queixumes

319NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.103.

320NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Dados – Revista de

Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 2, 1994. p.266. 321

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ªed. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p.29.

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constitucionais da ―constituição não cumprida‖ ou da ―não concretização da constituição‖ 322.

Sob a perspectiva dos ensinamentos de Canotilho, considerando que a

declaração de direitos individuais, sociais e coletivos, no texto constitucional brasileiro é

bastante abrangente, a questão passa a ser a sua concretização que estaria ligada a

uma função simbólica tão somente. O fato é que as práticas políticas do país, bem

como o contexto social terminam por favorecer uma concretização restrita e excludente.

Assim, para Neves não se pode ampliar a cidadania nessas condições,

apontando que no contexto constitucional, inclusive, desenvolvem-se relações

concretas de subcidadania e sobrecidadania. Conclui não ser possível a criação ou

ampliação da cidadania, nos termos do artigo 1°, inciso II, apenas voltando-se para o

princípio da igualdade do artigo 5°, caput 323. Enquanto os subcidadãos tem a

Constituição como uma realidade que lhe é estranha, permanecendo distantes do

acesso aos direitos e às garantias fundamentais nela respaldados, os sobrecidadãos, a

depender das conjunturas do poder usam e abusam da Constituição324.

Nesse distanciamento entre teoria e prática, o dirigismo constitucional ganha

força como justificativa para resolver o grande problema da falta de efetividade das

normas constitucionais programáticas e dos direitos sociais. Observa-se a vinculação

dos direitos sociais, econômicos e culturais aos direitos fundamentais de prestação:

A força dirigente e determinante dos direitos a prestações (econômicos, sociais e culturais) inverte, desde logo, o objecto clássico da pretensão jurídica fundada num direito subjectivo: de uma pretensão de omissão dos poderes públicos (...) transita-se para uma proibição de omissão (direito a exigir que o Estado intervenha activamente no sentido de assegurar prestações aos cidadãos).

Considerando o seu caráter dirigente, a CFR/88 persegue os seus objetivos

fundamentais e tem a eficácia dos direitos fundamentais vinculando os Poderes

Públicos e, assim, impondo-lhes o dever fundamental de desenvolvê-los ao máximo

levando-se em conta os princípios constitucionais. À constituição dirigente cumpre

322CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ªed. Coimbra:

Coimbra Editora, 1994. p.32. 323

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.184-185. 324

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.198.

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então, a tarefa de ordenar o necessário cumprimento das imposições constitucionais,

harmonizando a sistemática da Constituição de um Estado de Direito com a lógica

democrática que exige a compreensão da Constituição em si mesma325.

A realização dos direitos fundamentais é, neste sentido, um importante problema de competência constitucional: ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as ―prestações‖ integradoras dos direitos sociais. Paradoxalmente, parece vir a cair-se no esquema relacional leis-direitos fundamentais que vigorou no século passado: os direitos fundamentais apenas se reconhecem no âmbito da lei; a lei é ―dona‖ dos direitos fundamentais. Só na aparência, porém.326

Sobre a possibilidade da ―morte‖ da constituição dirigente, tem-se que:

Portanto, quando coloca essas questões da ―morte da constituição dirigente‖, o importante é averiguar por que é que se ataca o dirigismo constitucional. Uma coisa é dizer que estes princípios não valem e outra é dizer que, afinal de contas, a Constituição já não serve para nada, já não limita nada. O que se pretende é uma coisa completamente diferente da problemática que vimos efectuando: é escancarar as portas dessas políticas sociais e econômicas a outros esquemas que, muitas vezes, não são transparentes, não são controláveis. Então eu digo que a constituição dirigente não morreu327.

Na verdade, em vez da decretação da morte da constituição dirigente

observa-se uma mudança no projeto dessa constituição, apontando-a como um

instrumento de realização de um novo Constitucionalismo com o objetivo de regular as

relações sociais, com menor teor ideológico. Assim, Canotilho conformou sua visão às

mudanças ocorridas em seu país, visto que a democracia de Portugal consolidou-se e

inseriu-se na Comunidade Europeia.

Coelho destaca a força normativa dos princípios constitucionais,

considerando o fato da Constituição figurar no topo da pirâmide normativa e assim, os

direitos fundamentais nela assentados tem caráter vinculante328. Os valores e princípios

325CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ªed. Coimbra:

Coimbra Editora, 1994. p.11. 326

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ªed. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p.368. 327

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.31. 328

COELHO, Helena Beatriz Cesarino Mendes. Políticas públicas e controle de juridicidade: vinculação as normas constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed, 2010. p.89.

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positivados na Magna Carta detêm força normativa para impor os limites à legislação

infraconstitucional e funcionar como parâmetros para o planejamento e implementação

das políticas públicas governamentais.

Segundo Pinsky, ―os direitos civis e políticos não asseguram a democracia

sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza

coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice

tranquila‖329. Exercer a cidadania plena significa ter direitos civis, políticos e sociais.

Os direitos sociais indicados no artigo 6º da CFR/88 – trabalho, educação, saúde,

moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância e

assistência aos desamparados – para serem implementados necessitam de políticas

públicas que organizem a atuação estatal na consecução de tais finalidades, num

âmbito coletivo. Diante dessa constatação, outra com a mesma importância: a

necessidade de politização, de educação e de informação da sociedade brasileira,

considerando a sua indispensável atuação, política e juridica, nessa caminho de busca

da concretização dos direitos positivados constitucionalmente.

Infere-se que para a concretização da ideologia assumida pela Constituição

em termos de direitos sociais entram em cena as políticas públicas que emergem como

meio primordial de legitimação do ente público em face dos administrados, em razão de

ser o principal veículo de garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos,

destacando-se as políticas públicas como ― institutos diversos, com incidência em várias

áreas do conhecimento e da atuação humana, não podendo ser esgotadas por uma

única via ou único sistema.330

Assim, tem-se que ―Os direitos sociais são normas constitucionais, que se

efetivam como dimensões específicas dos direitos fundamentais do homem, refletindo

prestações positivas do Estado e permitindo condições de vida mais humana à classe

trabalhadora331.

329PINSKY, Jaime; Carla Bassanezi. (org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008. p.9.

330SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania.

In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.9 331

PINTO FERREIRA, Luiz. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 223.

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2.2. Direito e políticas públicas para erradicação da pobreza

Os objetivos do Estado são apresentados constitucionalmente em vários

dispositivos, destacando-se o artigo 3° da CFR/88 que elenca o objetivo social de criar

uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento, erradicar a pobreza e

reduzir desigualdades, além de promover o bem de todos. Inobstante essa realidade

constitucional, tem-se que não basta a sua declaração, pelo que se considera o

entendimento e alcance das políticas públicas como programas de ação governamental

elaboradas e implementadas para realização de objetivos determinados.332

Esse estudo abraça as compreensões dos professores e pesquisadores

Maria Paula Dallari Bucci e Diogo Coutinho sobre políticas públicas, naquilo que tem em

comum, e principalmente naquilo que confrontam.

Para Bucci, as políticas públicas são vistas como ―conjunto de processos‖,

locução que indica a existência de ―procedimentos coordenados pelo governo para a

interação entre sujeitos ou entre estes e a Administração‖333. Nesse contexto, ressalta-

se uma diferença entre a dimensão estática e a realidade dinâmica das políticas

públicas, incluindo processos de interação ao longo de toda a sua implementação.

Nesse ponto, levanta-se um questionamento sobre a visão tradicional, por

exemplo, de ―separação de poderes‖ do Direito Administrativo, considerando-se o fato

de que existe um processo reflexivo de formulação e implementação da política em que

os momentos de ―começo‖ (formulação) e ―fim‖ (implementação) não são separados por

linhas claras. Ao contrário, acabam ocorrendo concomitantemente, inexistindo esse tipo

de relação cronológica entre eles.

Por conta dessa fungibilidade entre formulação em implementação, pode-se

afirmar que as políticas públicas se tornam mais revisáveis e flexíveis, como pontua

Coutinho334 para quem ―essa visão fragmentária impõe limitações severas à

compreensão de políticas públicas como planos de ação prospectivos que, para serem

332BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito: In: (Org.). Políticas Públicas:

reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. 333BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito: In: (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006 p.264. 334

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (eds.). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: Fiocruz. p.187.

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efetivos e eficazes, precisam de alguma dose de flexibilidade e revisibilidade, isto é,

serem dotados mecanismos de autocorreção, já que estão em permanente processo de

implementação e avaliação‖. No mesmo sentido, o alerta que o autor para a associação

que os administrativistas fazem entre conceito estanque de ―ato administrativo‖ e

políticas públicas de modo a traduzi-las como atos administrativos sucessivos335 e não

―como um continuum articulado e dinâmico‖336.

O descompasso apresentado entre o modo de funcionamento de uma

política pública concretamente analisada e as categorias tradicionalmente incorporadas

no direito, em especial o administrativo que trata do assunto, sugere a necessidade de

uma leitura menos tradicional da prática do direito administrativo contemporâneo, que é

mais flexível e orientado pelo itinerário do processo. Nesse sentido, a crítica ao

arcabouço jurídico do direito administrativo aqui apresentada preocupa-se em abrir

possibilidades para que ―os cidadãos sejam realmente senhores dos destinos do

Estado e que a Administração Pública seja o aparelho institucional para a realização

desse propósito, voltada à execução dos fins de interesse coletivo‖337.

Na perspectiva de análise aqui adotada revela-se a importância do

planejamento estatal, bem como da sua interação com as normas constitucionais, a fim

de delimitar e determinar os fins específicos que devem ser alvos para a promoção dos

objetivos fundamentais do Estado Social previstos, explícita ou implicitamente. A

política pública vista sob o aspecto da implementação de programas, quando diante da

sua criação e, mesmo durante o seu desenvolvimento, deve ocupar-se desse

planejamento, afinal os objetivos pretendidos não são alcançáveis de imediato. A

execução das políticas públicas deve observar, além dos meios para sua consecução, o

tempo necessário para a percepção dos resultados pretendidos338.

335BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros,

2010.p.821. O autor define política pública como ―um conjunto de atos unificados por um fio condutor que os une ao objetivo comum de empreender ou prosseguir um dado projeto governamental para o País‖ não problematizando o papel do direito na sua implementação. 336

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (eds.). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: Fiocruz. p.187. 337

BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito: In: (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.p.26-27. 338

BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito: In: (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p.39.

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Num momento inicial, as políticas são pensadas como estratégias limitadas

no tempo com o fim de auxilio em épocas de crise, enquanto se aguarda a retomada de

novas regulações melhor adaptadas ao novo cenário econômico. São uma espécie de

operações que antecedem dias melhores. No entanto, a realidade demonstra a

continuidade dessas políticas339. Castel não se despreza a importância dessas

―oxigenações‖ que proporcionam uma vida melhor para aqueles que são alvos das

mesmas, mas alerta para a realidade da maioria de beneficiários das políticas públicas

com o perigo de permanecerem ―lá onde estão‖, naquela esfera da vida social marcada

pelo déficit em relação ao trabalho e à integração social340.

A CFR/88 adota a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais

como valores supremos da cidadania e da dignidade da pessoa humana, como

fundamentos da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da erradicação da

pobreza e da redução das desigualdades sociais e regionais e ainda, como objetivos

fundamentais, ao passo que faz referência aos direitos sociais também como princípio.

Inobstante essa realidade constitucional, os direitos sociais indicados no artigo 6º da

CFR/88 (trabalho, educação, saúde, moradia, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e infância e assistência aos desamparados) para serem

implementados necessitam de políticas públicas que organizem a atuação estatal para

esse fim. Eis que as políticas públicas emergem como meio primordial de concretização

dos direito sociais fundamentais dos indivíduos.

Para a garantia do cumprimento dos direitos sociais elencados no Capítulo II

da CFR/88 são definidas as responsabilidades compartilhadas pelo poder público, no

contexto das políticas públicas, pelo que a descentralização e o compartilhamento

dessas responsabilidades entre os entes da Federação foram expressamente previstos,

mas sem previsão quanto aos meios necessários à essa coordenação e cooperação.

Assim, um dos principais desafios percebidos no contexto de implementação de

políticas públicas no Brasil é no sentido de responsabilização e definição de

339CASTEL Robert. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek.

Desigualdade e a questão social /. São Paulo: EDUC, 2000, p.26. 340

CASTEL Robert. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. Desigualdade e a questão social /. São Paulo: EDUC, 2000, p.28.

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competências de cada ente, com definição daquilo que é comum, os mecanismos que

os integram e os coordenam para a operacionalização daquilo que foi compartilhado.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou

no Glossário da Pobreza e Desenvolvimento Humano do ano de 2000, um conceito de

pobreza que ressalta a distinção entre pobreza humana e privação de renda341:

A pobreza humana é definida pelo empobrecimento em múltiplas dimensões – privações de uma vida longa e saudável, de conhecimento, de um nível de vida digno e de participação. Contrariamente, a privação de renda é definida pela privação numa única dimensão – renda – porque se acredita que é a única forma de empobrecimento que interessa ou porque nenhuma outra privação pode ser reduzida a um denominador comum.342.

O PNUD propõe o índice de pobreza humana (IPH) para medir o grau de

pobreza e de privação de meios e de recursos básicos de sobrevivência humana. Em

países em desenvolvimento como o Brasil, o cálculo do IPH considera a combinação

das variáveis risco de mortalidade após os 40 anos, taxa de analfabetismo e do

indicador do índice de sobrevivência, acesso aos serviços básicos de saúde, à água

potável e níveis de desnutrição.343 Pessoas que se veem obrigadas a abandonar sua

terra natal para sobreviver, o trabalho infantil imposto às famílias por uma questão de

vida ou morte são apenas exemplos das incontáveis situações de privação de

capacidades básicas a que são submetidas à população pobre que por certo vão muito

além de um baixo nivel de renda.

A pobreza, certamente, não deve ser vista tão somente sob a perspectiva da

privação da renda. Deve-se estar em relevo a questão da expansão das capacidades e

das privações na vida das pessoas e das liberdades que efetivamente elas tem. Mas,

claramente, ―A perspectiva da pobreza como privação de capacidades não envolve

nenhuma negação da perspectiva sensata de que a renda baixa é claramente uma das

341PNUD-2000. Glossário de direitos humanos e desenvolvimento humano - Conceito de pobreza

humana e privação de renda. Junho 2000. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDHglobais/hdr_2000_en.pdf. Acesso em 13 de agosto de 2013. 342

PNUD-2000. Glossário de direitos humanos e desenvolvimento humano - Conceito de pobreza humana e privação de renda. Junho 2000. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDHglobais/hdr_2000_en.pdf. Acesso em 13 de agosto de 2013. 343

PNUD-2000. Glossário de direitos humanos e desenvolvimento humano - Conceito de pobreza humana e privação de renda. Junho 2000. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDHglobais/hdr_2000_en.pdf. Acesso em 13 de agosto de 2013.

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causas principais da pobreza, pois a falta de renda pode ser uma razão primordial da

privação de capacidades de uma pessoa‖344.

Uma criança pobre vivendo em condições precárias de desenvolvimento

transformar-se-á, prematuramente, em adulto devido ao excesso de violência

característica do local onde mora, quando não pela violência doméstica, pelo intenso

trabalho no lar, pela desatenção das escolas, pela falta de material escolar e pelo

trabalho infantil. Adultos pobres, advindos de uma infância pobre, comumente inseridos

no mercado de trabalho informal, sem perspectivas, lutando pela sobrevivência. É o

ciclo da pobreza. Difícil é o acesso aos processos de construção da cidadania e à

participação política nas decisões de suas cidades e de seus Estados.345

Para Sonia Rocha ―Pobres são aqueles que com renda se situando abaixo

do valor estabelecido como linha de pobreza, incapazes, portanto, de atender ao

conjunto de necessidades consideradas mínimas naquela sociedade‖, tais como

alimentação, habitação, saúde, educação, entre outros, enquanto os indigentes, ―um

subconjunto dos pobres, são aqueles cuja renda é inferior à necessária para atender

apenas as necessidade nutricionais346.

Uma pesquisa feita pelo MDS sobre a extrema pobreza no Brasil, com base

nas informações coletadas no Censo 2010 realizado pela Fundação Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (FIBGE), que considerou extremamente pobre a pessoa que

possuía rendimento mensal de até R$ 70,00, revelou que (considerando o Brasil como

um todo) 70,8% das pessoas que se encontram na situação de extrema pobreza no

Brasil são ou negras ou pardas, sendo que esse percentual atinge 77% na região Norte

e 75,1% no Nordeste. 347

A fome é a face mais grave da pobreza. Não há nada mais básico do que a

fome e por isso, são necessárias e urgentes ações que façam toda a diferença na vida

daqueles que sobrevivem comendo uma ou até menos refeição por dia. A redução da

344SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p.120.

345AGUIAR, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Henrique. Bolsa Escola. Educação para enfrentar a pobreza.

Brasília UNESCO, 2002. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129723m.pdf p.20. Acesso em 25 de maio de 2015. 346

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.13. 347

Nota do MDS de 02/05/2011. Em: http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2011/maio/brasil-sem-miseria-atendera-16-2-milhoes-de-pessoas.

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capacidade de aprendizado nas crianças, queda da produtividade nos adultos ativos,

suscetibilidade a doenças e até morte prematura são apenas algumas das

consequências da fome que tem entre as suas causas a pobreza continuada. Uma mãe

desnutrida conceberá filhos igualmente desnutridos, a fome passando de geração para

outra, perpetuando um círculo vicioso cujo rompimento requer a garantia do direito

humano à alimentação adequada, direito básico de todos.

Pesquisa do IBASE de 2008 apresentava 2,3 milhões de famílias em

situação de insegurança alimentar grave (fome entre adultos e/ou crianças da família),

3,8 milhões em situação de insegurança alimentar moderada (restrição na quantidade

de alimentos na família) e 3,1milhões em situação de insegurança leve, caracterizada

não falta de alimentos, mas pela preocupação com consumo no futuro. Segundo o

IBASE, a questão da segurança alimentar está associada a um quadro de pobreza mais

amplo. Demonstrou que a insegurança alimentar grave está diretamente relacionada à

baixa escolaridade, à exclusão do mercado formal de trabalho e à precariedade no

acesso a serviços públicos, como saneamento básico. Deixou o alerta de que políticas

públicas direcionadas ao enfrentamento destes problemas, certamente, aumentarão as

chances de essas famílias superarem a pobreza..348

Passados alguns anos, de acordo informações do levantamento suplementar

da PNAD 2013 sobre segurança alimentar e que foi realizado pelo IBGE em convênio

com o MDS o percentual de domicílios particulares brasileiros que se encontravam em

algum grau de insegurança alimentar era de 22,6% em 2013. A pesquisa registrou 65,3

milhões de domicílios particulares no Brasil, dos quais 14,7 milhões (22,6%) nos quais

viviam cerca de 52 milhões de pessoas (25,8%) apresentavam alguma restrição

alimentar ou, pelo menos, alguma preocupação com a possibilidade de ocorrer

restrição, devido à falta de recursos para adquirir alimentos. A insegurança alimentar

era maior nas regiões Norte e Nordeste, atingindo, respectivamente, 36,1% e 38,1%

dos domicílios, bem como na área rural (35,3%).349

348IBASE (2008). Repercussões do Programa Bolsa-Família na Segurança Alimentar e Nutricional das

famílias beneficiadas. Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/documento_sintese.pdf p.9-10. Acesso em 13 de agosto de 2013. 349

Dados PNAD 2013 sobre segurança alimentar. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/seguranca_alimentar_2013/. Acesso 25 de maio de 2015.

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Além disso, a insegurança alimentar era maior em domicílios onde residiam

menores de 18 anos (28,8%), entre os pretos e pardos (33,4%) e para aqueles com um

a três anos de estudo (13,7% com insegurança alimentar moderada ou grave. A

prevalência de domicílios com pessoas em situação de insegurança alimentar leve foi

estimada em 14,8%, ou 9,6 milhões de domicílios, onde viviam 34,5 milhões de

pessoas (17,1% da população residente em domicílios particulares). A proporção de

domicílios particulares com moradores vivendo em situação de insegurança alimentar

moderada foi 4,6% (equivalente a 3,0 milhões), onde moravam 10,3 milhões de

pessoas (5,1% dos moradores). Do total de domicílios, 3,2% (2,1 milhões) foram

classificados como sofrendo insegurança alimentar grave. Esta situação atingia 7,2

milhões de pessoas (3,6%).350

Outro grande fator a ser considerado nessa complexa equação da pobreza é

a concentração desigual de renda nas mãos de um pequeno e específico grupo

hegemônico, alocando a erradicação da pobreza intimamente ligada à questão da

efetivação dos direitos humanos, como um dos grandes desafios para o século XXI.

Acabar com a fome e a miséria é um dos oito Objetivos do Milênio (ODM),

estabelecidos em 2000 pela ONU, com o apoio de 191 países.351

O fenômeno do pauperismo, aprofundado no bojo da Revolução Industrial,

fez emergir o paradoxo em que a sociedade estava inscrita: apesar de toda a riqueza

que vinha sendo produzida, do desenvolvimento tecnológico nunca antes visto,

parcelas enormes da população, trabalhadores e não trabalhadores viviam no limite da

indigência. Configurava-se a questão social como a contradição entre capital e trabalho,

dando origem às lutas pelos direitos sociais que, mais tarde, no pós Segunda Guerra

Mundial, contribuíram para o surgimento do Welfare State que ―prosperou por cerca de

30 anos‖ nos quais se vivenciou ―pela via do pleno emprego e da intervenção estatal na

economia e nas relações sociais, a experiência mais consistente de ampliação da

cidadania no âmbito do capitalismo‖.352

350Dados PNAD 2013 sobre segurança alimentar. Disponível em:

www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/seguranca_alimentar_2013/. Acesso 25 de maio de 2015. 351

Disponível em: http://www.pnud.org.br/odm.aspx Acesso em 25 de maio de 2015. 352

MESQUITA, Camile Sahb. O programa Bolsa Família: uma análise de seu impacto e alcance social. 2007. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasilia, 2007.

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Contudo, ―no decênio de 1970, uma crise econômica instalou-se no mundo,

cujas manifestações levaram a modificar toda ordem produtiva, com repercussões

políticas e sociais‖, enquanto isso ―os ideais liberais ressurgem colocando em xeque

todo o sistema de garantia de direitos e a atuação do Estado para a satisfação das

necessidades básicas‖. As consequências dessa reestruturação, na produção e no

papel do Estado aliada à financeirização do capital materializaram-se no agravamento

do desemprego e na precarização das condições e relações do trabalho, levando à

pobreza milhares de pessoas antes relativamente protegidas contra essa situação. À

pobreza estrutural, somava-se uma nova.353

Diante dos efeitos no mundo do trabalho de toda essa crise, a garantia de

uma renda dissociada do trabalho começa a ganhar novamente espaço como

alternativa para assegurar meios adequados para uma vida saudável e autônoma. O

acesso à renda garante condições dignas de sobrevivência; traz poder de escolha, é

condição para o incremento de bens sociais, proporcionando meios para a construção

de uma sociedade mais igual. Mas é importante que se diga que a transferência de

renda por si só não é suficiente para a redução das desigualdades e da pobreza. Ela

deve ser parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento econômico e social.

A renda básica universal mostra­se como a proposta de garantia de renda mais democrática já apresentada. Tem como elementos constituintes o pagamento de uma parcela monetária a todos os membros de uma sociedade, independente de condição social, sexo e raça e sem exigência de contrapartidas, de comprovação de renda e de contribuição anterior.354

Os programas de garantia de renda mínima (PGRMs) embora não sejam

uma solução bastante em si, traduzem um bom começo na busca de mudança para a

vida dos mais pobres que muito pouco tem mudado em tantos anos. Esses programas

atendem, dentre algumas dimensões da pobreza, à insuficiência de renda e ao déficit

de acessibilidade aos bens e aos serviços públicos. Trata-se da teoria de que os

PGRMs maximizam o impacto redistributivo da política social, visto no seu conjunto.

353MESQUITA, Camile Sahb. O programa Bolsa Família: uma análise de seu impacto e alcance social.

2007. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasilia, 2007. 354

MESQUITA, Camile Sahb. O programa Bolsa Família: uma análise de seu impacto e alcance social. 2007. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasilia, 2007.

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Atuam na vida das camadas mais pobres e desassistidas da população de forma

integrativa e integradora355.

O sofrimento social e politicamente evitável de milhões de brasileiros faz parte de nossa paisagem como coletividade humana. Sua enormidade e iniquidade são constitutivas de nossa formação como Estado-Nação. Desde então permanece jogando sua sombria realidade sobre os desdobramentos futuros do país. (...) Os processos seculares de concentração de renda, advindos ainda de nossa experiência colonial e escravista, legaram ao país toda a sorte de iniquidades distributivas e de exclusões das grandes maiorias da vida política e da cidadania democrática.356

Trata-se de uma camada da população que vive a realidade do desemprego,

do trabalho sem remuneração, de ocupações incertas, de empregos precários e

mesmo, de rendas insuficientes, estando sujeita a vários níveis de vulnerabilidade.

Lembra-se que o fato de uma pessoa trabalhar não exclui ou mesmo diminui,

necessariamente, o risco de pobreza, afinal, é preciso observar a questão da

precariedade das ocupações e mesmo a insuficiente remuneração.

Na perspectiva do trabalhador, Suplicy questiona se será melhor ou pior a

garantia de uma renda mínima, assentindo que tendo o trabalhador uma renda

garantida e suficiente para assegurar a sua sobrevivência, terá um poder de barganha

maior quando da decisão de aceitar ou não condições de emprego que lhe sejam

oferecidas. Defende que a garantia de uma renda mínima resulta em segurança para o

trabalhador que terá a opção de sujeitar-se ou não às condições de trabalho das quais

lhe advenham humilhação, risco à saúde e desrespeito a sua condição humana357.

Os direitos sociais fundamentais garantidos constitucionalmente a todos e o

abismo que os separa da realidade de milhões de brasileiros compõem o cenário do

qual emerge a premente necessidade de atuações positivas por parte do Estado. As

políticas públicas consubstanciam-se no resultado dessa necessidade, passando a

perquerir a cidadania plena e assim, realizando os objetivos constitucionais. O Poder

355LAVINAS, Lena. Programas de Garantia de Renda Mínima: Perspectivas Brasileiras. Texto para

Discussão n. 596, IPEA, 1998. p.39. 356

REGO, Walquiria Leão. Aspectos teóricos das políticas de cidadania: uma aproximação ao Bolsa Família. Lua Nova, São Paulo, 73. 2008. 147-185. 357

SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Renda básica de cidadania: a resposta dada pelo vento. Porto Alegre: L&PM, 2006, p.84.

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Público, quando da sua atuação, não pode desconsiderar as reais condições do

contexto brasileiro, resultantes de um histórico de secular de concentração de renda,

considerada sua experiência colonial e escravista.

Diante disso, considerado o agravamento e a complexidade do quadro social

nas últimas décadas e seus fatores excludentes como desemprego, aumento do nível

de desigualdades e o consequente aumento da pobreza, além dos crescentes

contrastes sociais, econômicos e culturais, as experiências das políticas públicas de

transferência de renda destacaram-se e foram institucionalizadas no intuito de combater

à pobreza, à fome e à exclusão social.

A partir disso, a estrutura organizacional do Estado para a prestação dos

direitos sociais deve ser entendida como processo de elaboração de políticas públicas.

As políticas públicas têm sua principal razão de existência nos próprios direitos sociais

e, tais direitos concretizam-se por meio de prestações positivas do Estado358.

Para Abranches, ―a política social, como ação pública, corresponde a um

sistema de transferências unilateral de recursos e valores, sob variadas modalidades,

não obedecendo, portanto, à lógica do mercado, que pressupõe trocas recíprocas‖359.

Essas políticas sociais expressam a materialização dos direitos sociais expressos na

Constituição Federal/1988. 360

Certo é que políticas públicas sociais representam um importante fator, para

o desenvolvimento sustentável das famílias brasileiras, bem como para o crescimento

econômico do País. Para além disso, Bichir destaca um eixo de tensão que envolve as

políticas universais (de saúde e educação, por exemplo) em contraposição às

focalizadas (as de transferência de renda para combate à pobreza, como exemplo),

fazendo referencia a Abranches para quem ―a política social convencional opera para

além da fronteira da carência absoluta e resistente.‖ As políticas sociais devem visar à

universalização, ao passo que as políticas de combate à pobreza tem caráter seletivo,

358BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito: In: (Org.). Políticas Públicas:

reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 90. 359

ABRANCHES, S.; SANTOS, W. G.; COIMBRA, M. A. Política Social e Combate à Pobreza. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987. p.13. 360

MOCELIN, Cassia Engres. O Programa Bolsa Família enquanto principal estratégia de enfrentamento à pobreza rural no contexto brasileiro atual. In: Seminário Interinstitucional de Ensino, Pesquisa e Extensão.

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operando numa logica de discriminação positiva que, segundo alguns críticos atacam

somente uma parte do problema e ainda, estigmatizam o seu alvo.361

Destaca-se a definição de política social como programas que possuem o

objetivo de proporcionar condições básicas, como saúde, alimentação e educação,

especialmente à população mais carente, mediante a constituição de direitos e deveres,

tanto por parte do gestor da política quanto dos seus beneficiários dos referidos.362

Destaque para a concepção dessas políticas sociais como transferências sob

forma monetária ou via provisão de serviços, independentemente do poder de barganha

de indivíduos ou grupos. Compreende-se o Estado de bem-estar como regime de

transferências sociais, de base fiscal, para redistribuição de renda e riqueza.363

Governantes eleitos entre as décadas de 80 e 90, seja por colégios

eleitorais, como o ex-presidente José Sarney (março/1985 a fevereiro/1990), ou por

eleições diretas como Fernando Collor de Mello (março/1990 a dezembro/1992) e a

complementação de seu mandato pelo vice Itamar Franco (dezembro/1992 a

dezembro/1994), praticaram políticas sociais que não marcaram a redução da pobreza.

[...] a intensidade da pobreza manteve um comportamento de relativa estabilidade, com apenas duas pequenas contrações, concentradas nos momentos de implementação dos Planos Cruzado e Real. Esse comportamento estável, com a percentagem de pobres oscilando entre 40% e 45% da população, apresenta flutuações associadas, sobretudo, à instável dinâmica macroeconômica do período. O grau de pobreza atingiu seus valores máximos durante a recessão do início dos anos 80, quando a percentagem de pobres em 1983 e 1984 ultrapassou a barreira dos 50%. As maiores quedas resultaram, como dissemos, dos impactos dos Planos Cruzado e Real, fazendo a percentagem de pobres cair abaixo dos 30% e 35%, respectivamente364.

Assim, sob o ponto de vista da distribuição de renda e da questão social, a

década de 80 não apresentou avanços, apontando para um futuro não muito promissor

361BICHIR, Renata Mirandola O Bolsa Família na berlinda? Os desafios atuais dos programas de

transferência de renda. Novos Estudos - CEBRAP, 2010, p.115-129. 362

CARDOSO Jr., José Celso; JACCOUD, Luciana. Política Social no Brasil: organização, abrangência e tensões da ação estatal. Questão social e políticas sociais no Brasil Contemporâneo. Brasília IPEA, 2005. 363

LAVINAS, Lena. Combinando compensatório e redistributivo: o desafio das políticas sociais no Brasil‖. Texto para discussão n.748. Rio de Janeiro: IPEA, 2000, p.6. 364

BARROS, Ricardo Paes de; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane. In: A Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil. IPEA, 2001. Disponível: http://www.agente.org.br/docs/file/dados_pesquisas/outros/desigualdades%20epobreza%20ipea800. pdf.

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sobre evoluções sociais. Em meados da década de noventa, frente à evidência de que

o simples crescimento econômico não havia causado avanços referentes à inclusão

social nas décadas anteriores, a construção de uma abrangente estrutura institucional

de desenvolvimento social, foi considerada uma opção. O arcabouço da proteção dos

direitos políticos e sociais da CFR/88 foi resultado de movimentos sociais insatisfeitos

com a situação social, após vinte anos do regime militar com censura, supressão dos

direitos constitucionais, ausência de democracia, repressão e perseguições políticas.

Em janeiro de 2003, reconhecendo o momento de priorização dos projetos

de inclusão social como o Fome Zero (mais tarde substituído pelo Bolsa Família) Lula

assumiu o poder presidencial no Brasil, sem deixar de lado a continuidade dos avanços

econômicos conquistados pelo governo anterior. A questão da segurança alimentar foi

resgatada na esfera da agenda pública e, a partir desse momento, combater a pobreza

e a fome passa a ser prioridade nacional. Nesse contexto, o governo federal criou o

Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar (MESA).

O Programa Fome Zero foi instituído em 2003 tendo como desafio assegurar

o direito à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos

alimentos, acabar com a fome, combatendo-se a pobreza e a exclusão. A partir dele,

com mobilização da sociedade civil, recolocou-se a segurança nacional alimentar no

topo da agenda do Estado365.

O direito à alimentação começaria pela luta contra fome; pela garantia a

todos os cidadãos do direito ao acesso diário a alimentos em quantidade e qualidade

suficiente para atender às necessidades nutricionais básicas essenciais à manutenção

da saúde; e passaria pelo direito de acesso aos recursos e aos meios para produzir ou

adquirir alimentos seguros e saudáveis, possibilitando alimentação com os hábitos e

práticas alimentares de sua cultura. Quando da sua implantação, o Fome Zero foi

percebido como benéfico por aqueles que estavam em situação de fome e mais, por

aqueles que viam no projeto uma possibilidade de exercício da cidadania366.

Inicialmente, o Fome Zero estava vinculado ao MESA que foi extinto na

365Disponível : <http://www.nospodemos.org.br/upload/tiny_mce/quarto_relatorio_ acompanhamento.pdf>.

4° Relatório Nacional de Acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio, p.9. 366

FERREIRA, Dina Maria Martins. Não pense, veja: o espetáculo da linguagem no palco do Fome Zero. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006, p.38.

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reforma ministerial de 2004. As diretrizes do programa primavam pela transversalidade

e intersetorialidade das ações estatais nas três esferas de governo associado ao

desenvolvimento de ações conjuntas entre o Estado e a sociedade, com o intuito de

superar desigualdades econômicas, sociais, de gênero e raça, por meio da articulação

entre orçamento e gestão de medidas emergenciais com políticas estruturais367.

O grande problema da fome no Brasil carecia de um enfrentamento por meio do desenvolvimento econômico do país cujo crescimento passasse pela questão da distribuição de renda e, ao mesmo tempo, gerando empregos, melhorando os salários e aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, ou seja, tinha-se a recuperação do mercado como meta. Não bastava trocar a perversidade da exclusão pelo círculo vicioso da dependência assistencial. Era necessário regenerar a alavanca do desenvolvimento e fazer da justiça social o principal motor do crescimento sustentável.368

A estrutura do MESA foi incorporada ao novo MDS, assim como as

estruturas e as políticas do Ministério da Assistência Social e da Secretaria Executiva

do Bolsa Família. A partir de então, a área de segurança alimentar ficou sob a

responsabilidade da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN),

suplantando-se a estrutura original do Fome Zero. Houve a desarticulação e a

fragmentação das ações. Revela-se a estrutura dos programas de transferência de

renda condicionada adiante melhor explorada.

É indispensável que os poderes públicos assegurem o efetivo acesso dos

indivíduos e de suas famílias ao mínimo existencial que os livre da fome e atenuem

essas mazelas. Não há que se discutir a necessidade do homem no que se refere às

mínimas condições de sobrevivência, como condicionante para que possa melhor

usufruir de seu direito à liberdade, afinal ―Sem o mínimo necessário a existência cessa

a possibilidade de sobrevivência do homem desaparecem as condições iniciais de

liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem

retroceder aquém de um mínimo (...)‖369.

Alexy defende o mínimo existencial, denominando-os também de ―direitos

367Disponível em: <www.fomezero.gov.br/o-que-e>. Acesso em 13 de agosto de 2013.

368ABREU, Lidiane Rocha. Direitos Sociais no Brasil: Programa Bolsa Família e Transferência de Renda,

2011.Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)–Universidade Presbiteriana Mackenzie. 369

TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (org) Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro, 2009. p.266.

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mínimos‖ ou pequenos ―direitos sociais‖, considerando que ―[...] o programa minimalista

tem como objetivo garantir ao indivíduo o domínio de um espaço vital de um status

social mínimos‖.370 Contudo, acredita-se que é preciso ultrapassar o plano das

necessidades básicas, incorporando um plexo mais amplo das necessidades humanas,

abrangendo direitos como, educação, saneamento, habitação.371

Os programas de transferências condicionadas de renda que consistem na

transferência direta de dinheiro às famílias ou aos indivíduos pobres, mediante certos

compromissos, geralmente aqueles que implicam um investimento no capital humano

como a frequência regular de seus filhos à escola ou a centros de saúde, é uma

possibilidade de minorar as consequências das desigualdades sociais que assolam o

Brasil, fazendo a pobreza alastrar-se por seu território.

O enfrentamento da pobreza no Brasil deve levar em consideração a magnitude da população pobre e sua heterogeneidade, a natureza multidimensional da questão e as dificuldades existentes na matriz institucional das políticas sociais, marcada pela desarticulação, ausência de sistemas integrados de informação e da de portas de entrada efetivas para o Sistema de Proteção Social (...)372

Em conclusão ao seu doutoramento, Curralero traz importantes

considerações acerca do enfrentamento da pobreza no Brasil. Para ela, ―a superação

da pobreza não pode prescindir de políticas redistributivas de renda, recursos e

oportunidades, pois a estrutura produtiva brasileira é marcadamente geradora de

desigualdades‖; afirma que o perfil da pobreza vem se transformando nos distintos

espaços e regiões brasileiras e por isso, as políticas não podem ser as mesmas para

populações que vivem realidades muito diferentes; e ainda, assente que ―o

enfrentamento da pobreza depende do crescimento econômico do país, mas também

do dinamismo econômico local, uma vez que há regiões marcadas pela estagnação o

370ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2008. p.502. 371

ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: Afinal do que se trata? Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.19. 372

CURRALERO, Cláudia Regina Baddini. O enfrentamento da pobreza como desafio para as políticas sociais no Brasil: uma análise a partir do Programa Bolsa Família, 2012. Doutorado em Teoria Econômica - Universidade Estadual de Campinas, 2012.

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econômica que requerem também políticas de desenvolvimento regional e local‖. 373

Diante da realidade brasileira que demanda políticas públicas para garantia

de direitos básicos e cientes do arcabouço jurídico à disposição, percebe-se o abismo

que separa conceitos jurídicos de modo isolado e estático e o dinamismo que marca o

funcionamento das políticas públicas. Considera-se que o direito traz categorias que

trabalham com abstrações e generalizações que não apreendem ou capturam minúcias

e particularidades da dinâmica complexa da implementação das políticas públicas.

Talvez, esse distanciamento derive do fato de que os manuais de direito (em

especial, administrativo) cumprirem uma função didática, buscando tornar uma

disciplina complexa mais compreensível ao estudante de direito por meio de

categorizações simples e abstratas. Assim, eles não pretenderiam descrever nem

explicar a dinâmica das políticas públicas. Contudo, esses manuais de direito

administrativo são constantemente consultados por gestores públicos, que buscam uma

orientação jurídica para suas ações, deparando-se assim com lacunas na busca por

subsídios para tomar decisões e justificar suas escolhas374.

Em outras palavras, os manuais acabam constituindo um instrumento de

pouca utilidade na ―caixa de ferramentas‖ dos juristas375 que operam as políticas

públicas, o que explica o paradoxo percebido no fato, regra geral, daqueles que

acumulam expertise teórica sobre as políticas que estudam não as operarem.

Talvez, uma explicação para isso seja a falta nos manuais de uma dimensão

de análise aplicada que dê à implementação das políticas públicas centralidade na

análise e, ―é por não estar no escopo desses manuais a realização de estudos

aplicados que suas categorias possuem pouco potencial explicativo e apresentam um

descolamento entre a maneira dinâmica como o direito é operado em uma política

373CURRALERO, Cláudia Regina Baddini. O enfrentamento da pobreza como desafio para as políticas

sociais no Brasil: uma análise a partir do Programa Bolsa Família, 2012. Tese. Doutorado em Teoria Econômica - Universidade Estadual de Campinas, 2012. 374

Bruno Câmara apresenta críticas à forma como o direito brasileiro não é construído a partir da observação de boas práticas, o que tem um forte impacto sobre a adequação da regulação ao cotidiano da gestão de uma política pública (entrevista concedida por Bruno Câmara, advogado e gestor na SENARC/MDS, Brasília, 2010). 375

Analogia sugerida por Bucci. BUCCI, Maria Paula Dallari. Controle judicial de políticas públicas: possibilidades e limites. In: Fórum Administrativo. ano 9, n. 103, Belo Horizonte: Fórum, set. 2009. p.16.

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pública e a forma estática como ele é sistematizado‖376.

As políticas sociais podem ser vistas como uma estratégia do Estado para o

desenvolvimento e diferentes modelos de desenvolvimento devem estar atrelados a

diferentes padrões de arranjos jurídicos. Nesse sentido, Trubek, Coutinho e Schapiro

afirmam que ―à medida que muda o papel do Estado na economia e na proteção social,

parece inevitável que haja mudanças correspondentes no direito‖377.

Adotando-se como pressuposto o entendimento de que as políticas públicas

contribuem para a realização de direitos e seu estudo mais detalhado favorece a

concretização de previsões constitucionais, como a erradicação da pobreza e a redução

da desigualdades sociais, ―é razoável admitir que programas de ação adequadamente

concebidos, implementados e avaliados do ponto de vista jurídico podem ser vistos

como condição de efetividade dos direitos que procuram realizar ou materializar‖378.

Esta pesquisa parte da premissa de que a discussão sobre o papel do direito

nas políticas públicas depende da análise da sua implementação e particularidades,

incluindo fatores como ―o setor a que se refere, sua configuração administrativa e

institucional, os atores, seu histórico na administração pública, entre outras variáveis‖, o

que se afasta de uma ―teoria jurídica autocentrada e distanciada da realidade‖ 379.

Considerado o entrelaçamento entre Direito e Políticas públicas, revela-se a

importância da compreensão do contexto em que surgiram as políticas de transferência

de renda condicionada no Brasil com o intuito de compreender algumas preocupações

que possivelmente levaram a um determinado modelo de política social e à opção por

um programa nos moldes do PBF. Situa-se o debate dentro de um contexto mais amplo

da institucionalidade das políticas sociais no país, buscando-se compreender as origens

do PBF e as relações de suas ferramentas com esses aspectos históricos.

A partir da análise da relação entre o Direito e sua atuação numa política

376ANNENBERG, Flávia Xavier. Direito e políticas públicas: uma análise do direito administrativo a partir

do estudo de caso do Programa Bolsa Família. 2014. Dissertação. - Faculdade de Direito da USP. p.128 377

TRUBEK, David M.; COUTINHO, Diogo; SCHAPIRO, Mario G. New State activism in Brazil and the challenge for law. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, 2013.p.54. 378

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (eds.). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: Fiocruz. p.189. 379

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (eds.). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: Fiocruz. p.189 e 199.

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pública específica, o PBF, talvez um ponto de grande relevância seja colocar em

evidência a falta de parâmetros no ―direito dos manuais‖ para descrever a realidade de

uma ação administrativa mais criativa, o que pode servir de alerta aos juristas para a

necessidade de um olhar mais apurado sobre a correspondência (ou não) entre a caixa

de ferramentas do direito e o mundo que ele pretende descrever, analisar e operar.

Parece haver indícios de que o que ocorre no PFB como estudo de caso

aqui, também explique o direito das políticas públicas de forma geral, considerando-se

perspectivas semelhantes (e mais abrangentes) destacadas em estudo como os de

Trubek, Coutinho e Schapiro380, que apresentam temas variados de pesquisa como

política comercial, política industrial e política social.

Os autores podem ser incluídos em uma literatura que trabalha com a

hipótese de consolidação de um novo Estado desenvolvimentista que, ao negar a

existência de um único modelo capaz de garantir o desenvolvimento econômico e

social, valoriza o processo por meio do qual cada nação desenha suas próprias

instituições. Essa literatura atribui importância central ao processo de aprendizagem e

aquisição de conhecimento e de descobertas, entendendo que as políticas se

constroem em uma dinâmica de experimentação381.

Os autores identificam novas funcionalidades do direito, entre as quais uma

―safeguarding flexibility‖ que significa ―usar o direito para dar espaço à experimentação,

promover inovação e facilitar feedback de experimentos para as políticas‖382. Para eles,

estudos empíricos desenvolvidos no âmbito do projeto Law and the New Developmental

State –LANDS, têm mostrado que esse Novo Estado Desenvolvimentista demanda um

regime jurídico que permita aprender enquanto se faz (―learning by doing‖) e encoraje

correção de rumos (―pathcorrection‖).

Trata-se de uma percepção de uma dinâmica de experimentalismo como

380TRUBEK, David M.; COUTINHO, Diogo; SCHAPIRO, Mario G. New State activism in Brazil and the

challenge for law. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, 2013. 381

TRUBEK, David. Developmental States and the Legal Order: Towards a New Political Economy of Development and Law. University of Wisconsin Legal Studies, Research Paper 1075:1-34, 2008. 382

TRUBEK, David M.; COUTINHO, Diogo; SCHAPIRO, Mario G. New State activism in Brazil and the challenge for law. In: TRUBEK, David M.; GARCÍA, Helena A.; COUTINHO, Diogo R.; SANTOS, Álvaro (orgs.). Law and the New Developmental State: The Brazilian Experience in Latin American Context. New York: Cambridge University Press, 2013.p.55.

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uma característica desse direito das políticas públicas. Ao que parece essa dinâmica

está fortemente atrelada a um modelo de política em que há menos imposições de cima

para baixo e em que são valorizadas as ações realizadas em âmbito local. Lobel aponta

para uma mudança de um padrão ―top-down‖ de políticas públicas para uma

abordagem ―reflexiva‖, ―orientada pelo processo‖ e adaptável, relacionando a

descentralização à possibilidade de utilização da implementação de políticas locais para

testar reformas, em uma espécie de ―laboratório de experimentação‖. 383

O foco no processo de experimentação, visto numa perspectiva mais ampla,

evita que se entenda o caminho para o desenvolvimento de modo pré-concebido, já que

ele enfatiza a aprendizagem enquanto um processo coletivo e indeterminado, que

obtém melhores resultados quando reconhece sua própria indeterminação.384

O modelo de experimentalismo é colocado como possibilidade pelo seu

potencial de resolver problemas complexos por meio da adaptação a mudanças que

ocorrem em um ritmo cada vez mais acelerado. Essa dinâmica pode ser vista como

uma tentativa de combinar um processo eficiente de tomada de decisão com alguma

forma de controle da discricionariedade da burocracia, enfatizando a estrutura

organizacional e as práticas gerenciais em vez de apostar apenas em procedimentos

legais e administrativos.

É possível relacionar a adoção desse processo experimentalista à efetivação

e à realização de direitos, como parece ser o caso da migração de um modelo de

condicionalidades mais punitivo para um modelo mais garantidor de direitos no PBF,

conforme abordou-se no tópico 1.2 desta pesquisa.

Contudo, cabe pontuar que se, de um lado, o ritmo das alterações mais

céleres e independentes de processos formais garante agilidade à política, de outro

lado, é importante averiguar o quanto elas envolvem outros atores além da burocracia

estatal. Experimentalismo sem garantia ou controle de que o interesse público esteja

sendo promovido pode se transformar em autoritarismo.

383LOBEL, Orly. The Renew Deal: The fall of regulation and the rise of governance in contemporary legal

thought. Legal Studies Research Paper Series. Research Paper n. 07-27. University of San Diego – School of Law, dec. 2005. 384

SABEL, Charles F.; REDDY, Sanjai. Learning to learn: Undoing the Gordian Knot of Development Today. In: Challenge, vol. 50, n. 5, set./out. 2007.p.75.

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Nesse sentido, o realismo defendido aqui para análise de políticas públicas

opõe-se ao idealismo de certas categorias do direito, em especial o administrativo

tradicional, mas não abandona a preocupação com a legitimidade da ação do Estado

que é uma da garantias para a consolidação de um regime democrático e contra a total

arbitrariedade no exercício do poder político.

A flexibilidade pode cumprir o papel de impulsionar alterações, estimulando a

elaboração de soluções criativas pelo administrador na contramão das categorias

estanques, rígidas e herméticas. Para isso, é necessário que haja mais flexibilidade dos

controladores das políticas e dos executores e, ainda, dos que se propõem a analisar e

explicar as políticas públicas. Quanto aos últimos, o estudo aqui realizado permite

afirmar que o distanciamento de estudos empíricos, a falta de costume de ―sujar as

mãos‖ por parte de juristas acadêmicos e práticos está diretamente relacionada ao

descompasso entre as categorias descritas em manuais e a realidade das políticas

públicas. É impossível descrever fielmente algo que não se vê de perto.

Diante do exposto tem-se que as transformações na estrutura do Estado e

do direito provocaram inflexões na forma como as políticas sociais foram conformadas.

A cada transformação na estrutura do Estado, o Direito também sofreu transformações,

na tentativa de responder as novas demandas das estruturas sociais, constantemente

reorganizadas.

Aparentemente, o estágio atual é caracterizado pela existência de modelos

justapostos que oscilam entre um formato de políticas - garantidos através de políticas

sociais geralmente fundamentadas nas normas programáticas que possuem grande

dificuldade de exigência subjetiva, discricionárias e flexíveis, mas com alta

concretização e eficiência – até um modelo tradicional de direitos onde os mecanismos

de enforcement são mais bem demarcados, mas as estruturas formais que marcam as

regras de acesso, operacionalização e controle podem ter pouca efetividade.

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2.2.1. Inclusão social e Programas de transferência de renda

Segundo a PNAD de 2012 são 6,5 milhões pessoas em situação de extrema

pobreza (renda familiar per capita de até R$ 75) e 15,7 milhões em situação de pobreza

(até R$ 150)385. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal, um

órgão da ONU) publicou um relatório no qual revela que 28% da população da região

está abaixo da linha de pobreza. O estudo Panorama Social da América Latina 2014

mostra um estancamento desses índices nos últimos três anos pelo que a comissão

conclui que ―A pobreza persiste como um fenômeno estrutural que caracteriza a

sociedade latino-americana‖. Segundo a Comissão, em 2013, o Brasil registrou uma

taxa de pobreza de 18% e uma taxa de indigência 5,9%386.

De acordo com o Atlas da Exclusão Social no Brasil: a dinâmica da exclusão

social na primeira década do século XXI, pesquisa que analisou o fenômeno da

retração da exclusão social na primeira década do Século XXI, reconhece-se os

avanços, mas aponta para os indicadores de exclusão muito fortes ainda.

Esta é a segunda vez que estamos produzindo uma análise a respeito do Brasil de acordo com esse índice de exclusão social. Estávamos preocupados com uma abordagem mais ampla da questão social. Esta análise decenal nos permitiu reconhecer avanços significativos, embora o Brasil ainda tenha indicadores de exclusão muito fortes. Temos muito desafios para enfrentar até garantir um padrão de vida digna a todos.387

Nos estudos que resultaram na publicação do Atlas foram utilizados os

dados do Censo Demográfico 2010 (disponibilizado pelo IBGE) e do Sistema de

Informações de Mortalidade 2010 (disponibilizado pelo Ministério da Saúde). A partir

das informações censitárias, criou-se um Índice de Exclusão Social – IES que permitiu

sintetizar alguns atributos da exclusão social provenientes de indicadores referentes a

385Comunicado Ipea nº159 Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil. Apresenta as primeiras

análises do Ipea a partir dos microdados da PNAD 2012 do IBGE, concentradas em indicadores de pobreza, desigualdade, acesso a bens e crescimento da renda per capita e seus determinantes. Disponível:http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/131001_comunicadoipea159.pdf Acesso em 25/05.15. 386

Disponível em: http://nacoesunidas.org/onu-pobreza-e-indigencia-continuam-afetando-28-dos-latino-americanos/ Acesso em 25 de maio de 2015. 387

POCHMANN, Márcio et. al (Org.). Atlas da exclusão social: a dinâmica da exclusão social na primeira década do século 21. São Paulo: Cortez, 2015.

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três dimensões de análise: vida digna, conhecimento e vulnerabilidade juvenil.388 A

partir disso, os pesquisadores tomaram a exclusão social como processo

contemporâneo multidimensional e relativo a qualquer sociedade e que congrega uma

perspectiva acumulativa progressiva acerca de sua manifestação. O conceito

desenvolvido por eles sustenta-se em sete variáveis principais que buscam isolada ou

simultaneamente caracterizar a manifestação do processo de exclusão social no Brasil.

A exclusão passa a ser uma expressão da negatividade frente às dimensões

de exposição ao risco da vida pela presença da violência; do ser enquanto condição de

autor reconhecimento da própria personalidade; de estar pertencendo socialmente; do

realizar tarefas e ocupações com posição social; do criar, assumindo iniciativas e

compreendendo o próprio mundo em que vive; do saber com acesso à informação e

capacidade cultural; e do ter rendimento que insere ao padrão de consumo aceitável

social e economicamente. Dessa forma, ―a agregação metodológica das sete

dimensões de variáveis permite considerar o todo e as partes da exclusão social no

Brasil, sintetizando em uma escala numérica que varia entre zero e um. Quanto mais

próximo de zero, maior o grau de exclusão social percebido, com pior condição possível

para o conjunto do sistema econômico e social.389

No ano de 2010, o IES foi de 0,63 no Brasil. Em grande medida, os estados

das grandes regiões geográficas do Norte e Nordeste foram os principais responsáveis

pela situação geral do IES. Alagoas (0,46), Maranhão (0,46) e Pará (0,46) constituíram

os estados com os piores IES. No outro extremo, destacam-se os estados de Santa

Catarina (0,74), São Paulo (0,72) e Rio Grande do Sul (0,70). A diferença entre os

estados de maior e de menor grau de exclusão social foi 60,9% naquele ano. Dos 26

estados da federação, mais o Distrito Federal, somente 10 apresentaram IES superior

388A dimensão Vida Digna buscou mensurar o bem-estar material da população e contou com um

Indicador de Pobreza, Indicador de Emprego e Indicador de Desigualdade. A dimensão Conhecimento mensurou o acúmulo simbólico e cultural da população brasileira e incorporou um Indicador de Alfabetização e um Indicador de Escolaridade. A dimensão Vulnerabilidade Juvenil, voltada para a avaliação da exposição da população jovem e para as situações caracterizadas pela violência, incluiu um Indicador de Juventude e um Indicador de Violência. A padronização dos sete indicadores dessas três dimensões em índices foi feita pela técnica idealizada por Amartya Sen e aplicada no cálculo do IDH do Programa das Nações Unidas que transforma os indicadores em variáveis com variação entre zero e um. http://sc.gov.br/images/banners_conheca_sc/documentos/Atlas%20%20Cortez%20Editora%20%20Desigualdade%20no%20Brasil.pdf Acesso em 25 de maio de 2015. 389

http://sc.gov.br/images/banners_conheca_sc/documentos/Atlas%20%20Cortez%20Editora%20%20Desigualdade%20no%20Brasil.pdf p.23-24 Acesso em 25 de maio de 2015.

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ao medido nacionalmente (0,63); 2/3 do total dos estados da federação apresentaram

IES abaixo da média nacional.390

O volume mais recente do Atlas da Exclusão no Brasil aponta que as

desigualdades regionais ainda persistem. As ofertas de emprego são maiores nas

regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Para Pochmann, ―Essa diferença regional é uma

marca brasileira que se expressa de maneira inequívoca por causa dos ciclos

econômicos, muito concentradores, como o ciclo do açúcar em Pernambuco; o ciclo do

ouro, em Minas; e do café, em São Paulo‖ e mais, ―A superação dessa realidade vai

demorar, porque vivemos um processo de desindustrialização nas regiões mais

importantes do país. Precisamos constituir uma política nacional de desenvolvimento

regional, identificando as vocações locais, potencializando os investimentos‖.391

A concentração de renda e seus processos seculares, advindos de uma

experiência colonial e escravista, deixou seu legado de iniquidades distributivas e de

exclusões de grande parcela da população da vivencia da cidadania democrática. Além

disso, o agravamento e complexidade do quadro social nas últimas décadas, mediante

fatores excludentes gerados pelo capitalismo, tais como desemprego, aumento de

desigualdades e consequente aumento da pobreza, além dos crescentes contrastes

sociais, econômicos e culturais, fomentam ainda mais esse abismo entre a realidade de

milhões de brasileiros e uma Constituição Cidadã392.

Considera-se que a crise social brasileira aprofundou-se no início dos anos

90 com a abertura da economia à entrada de mercadorias e capitais do exterior, o que

aumentou o desemprego, além de ter expandido a precariedade das relações de

trabalho393. A pobreza aumentando e com ela, a crescente dificuldade de se atingir

condições financeiras para uma independência sustentável diante do Estado compõem

o cenário que alimenta um círculo vicioso de baixa escolaridade e empregabilidade,

saúde precária e alimentação deficiente, passando de geração em geração.

390http://sc.gov.br/images/banners_conheca_sc/documentos/Atlas%20%20Cortez%20Editora%20%20De

sigualdade%20no%20Brasil.pdf p.29 Acesso em 25 de maio de 2015. 391

POCHMANN, Márcio et. al (Org.). Atlas da exclusão social: a dinâmica da exclusão social na primeira década do século 21. São Paulo: Cortez, 2015. 392

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art04102005.htm Acesso em 13 de agosto de 2013. 393

PINSKY, Jaime;PINSKY, Carla Bassanezi.(org.)História da Cidadania.São Paulo:Contexto,2008.p. 259.

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A questão social não é um conjunto de problemas sociais próprios de

determinadas épocas. Imprescindível o olhar para a conjuntura do sistema econômico

adotado. O sistema capitalista tem sua base na economia de livre mercado dirigida pelo

poder econômico; tem o lucro e a acumulação de capital como diretrizes, ao passo que

os serviços sociais seguem as diretrizes do mercado e do jogo livre da concorrência.

Não podemos ficar nem meramente na análise global da questão social e suas causas – problemas de exploração, de expropriação, de concentração e distribuição de renda, de poder, de descriminação, etc. -, nem na sua mera redução à exclusão social (dito de modo mais correto, inclusão desigual e subordinada), focalizada sobre o contingente mais vulnerável da população. Mas integrar as duas394.

Para Castel, o modelo de desenvolvimento capitalista bem como os seus

novos contornos dados pela globalização e por programas neoliberais resultam em

processos de exclusão social, a atual forma da pobreza. Para ele, outros problemas

estão por trás do processo de exclusão, como os relacionados à divisão social do

trabalho e seus desdobramentos (desemprego e degradação da condição

trabalhadora), às tensões geradas pela contradição entre desenvolvimento social e

condições salariais precárias e desestabilizadas, dentre outros.395

No contexto teórico da problematização do conceito de desfiliação por

Castel, sobre as condições de trabalho e moradia precárias, Kowarick afirma que ela

―denota a perda de raízes e concerne ao universo semântico do que foram desligados,

desatados, tornando-se desabilitados para os circuitos básicos da sociedade‖396. Castel

afirma que ―o excluído é mesmo, na maioria das situações, um ‗desfiliado‘ que teve a

sua história marcada por rupturas, com condições anteriores de equilíbrio (mais ou

menos estáveis) ou mesmo instáveis397.

No Brasil, a desfiliação resultaria do ―desenraizamento do assalariamento

formal‖ ligado à parcela de desempregados ou dos que trabalham sem carteira

394CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social / orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia

Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. São Paulo: EDUC, 2000, p.135. 395

CASTEL Robert. Desigualdade e a questão social / orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. São Paulo: EDUC, 2000, p.135. 396

KOWARICK, Lucio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano, julho 2002. http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/20080627_viver_em_risco_1.pdf. p.20. 397

CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social / orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. – São Paulo: EDUC, 2000, p.24.

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assinada somado à precariedade do trabalho e não uma consequência de uma crise da

―sociedade salarial‖ que tem como pressuposto ―um campo de conflitos, negociações e

conquistas estruturado em instituições sociais e políticas solidamente constituídas‖398.

Castel considera a pobreza algo estrutural na sociedade e necessária ao

sistema capitalista. Nesse tipo de sociedade os excluídos são inseridos nela através do

mercado de trabalho, confiantes de que a filiação a ela lhes diminui os problemas

relacionados à pobreza. Para ele ―Assim como o do pauperismo século XIX estava

inserido no coração da dinâmica da primeira industrialização, também a precarização

do trabalho é um processo central, comandado pelas novas exigências tecnológicas-

econômicas da evolução do capitalismo moderno‖399.

Enquanto isso se revela o necessário destaque a institucionalização da

globalização, que trouxe acesso à internet, aumentando o nível de informação,

conhecimento e um aprimoramento cultural das pessoas. Faria entende a globalização

como conceito aberto e multiforme que denota sobreposição do mundial sobre o

nacional. O Estado então perdendo sua autonomia para o mercado. Ele considera que

a globalização, o seu dinamismo e força, assentam-se numa base de uma produção

sob regime de competição interna e externa, numa realidade de livre integração dos

mercados. São contextos que excluem a possibilidade de geração de postos de

trabalhos, justificando-se nas linhas programáticas do liberalismo econômico400.

O mundo se torna fluido, graças à informação, mas também ao dinheiro. Todos os contextos se interrompem e superpõem, corporificando um contexto global, no qual as fronteiras se tornam porosas para o dinheiro e para a informação. Além disso, o território deixa de ter fronteiras rígidas, o que leva ao enfraquecimento e à mudança de natureza dos Estados Nacionais401.

Considera-se o processo de reestruturação econômica decorrente da

globalização. A capacidade produtiva da economia global é enorme e as inovações

398KOWARICK, Lucio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano, julho 2002.

http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/20080627_viver_em_risco_1.pdf. p. 21. 399

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário Castel; tradução de Iraci D. Poleti. 8ª ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 2009. p.526. 400

FARIA, José Eduardo de. Direito e conjuntura. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010, p.34-36. 401

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2007, p.66.

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tecnológicas aumentam a produção, ao passo que reduzem a necessidade de mão-de-

obra na indústria e na agricultura, culminando em desemprego e baixos salários. Liszt

em globalização da pobreza simultânea ao progresso tecnológico nas áreas de

engenharia de produção, telecomunicações, computadores e biotecnologia402.

O apogeu da globalização deu-se em meados do século XX. Pós-

modernidade e globalização na linha de frente contra o intervencionismo do Estado,

apontando para o desenvolvimento da sociedade civil (atentas à flexibilidade, à

percepção das mudanças). Na esfera da racionalidade, a globalização e seu entorno

(com teses neoliberais) atendem a racionalidade única da lei do mercado, ao passo que

o pós modernismo e seu caráter plural caracteriza-se pela multiplicidade403.

No plano econômico, quanto maior é a abertura comercial e financeira, maior a tendência de aumentar as desigualdades sociais já existentes. No plano institucional, o propósito, o alcance e a efetividade das instituições político-representativas e dos mecanismos participativos de decisão tendem a ser suavizados enfraquecendo os direitos fundamentais. No aspecto social, a atuação do Estado limita-se a implementar estratégias compensatórias sob a forma de programas ―focalizados‖ de assistência social aos setores de extrema pobreza, sem reagir de maneira sistemática à crescente desintegração de suas respectivas sociedades.404

Nesse sentido, Santos entende as políticas compensatórias como medidas

que visam à minimização das consequências dos desequilíbrios sociais, sem qualquer

atuação na origem dos mesmos405. Para Kowarick essas atuações são marcadas por

uma boa vontade caracterizada por um espírito assistencial, às voltas com soluções

para problemas emergenciais. Tais iniciativas descapacitariam os seus alvos para

enfrentar de forma efetiva as marginalizações sociais e econômicas, conquanto as

vulnerabilidades não integrarão os processos coletivos de negação de direitos406.

A políticas públicas sociais brasileiras tem um histórico que as mostra

402VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.80-92.

403ARNAUD, André-Jean. O direito entre modernidade e globalização: lições de filosofia do direito e do

Estado; tradução de Patrice Charles Wuillaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.233-234. 404

FARIA, José Eduardo de. Direito e conjuntura. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010, p.36. 405

SANTOS, Guilherme Wanderley. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p.106.

406KOWARICK, Lucio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano, julho 2002.

http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/20080627_viver_em_risco_1.pdf, p.28.

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compensatórias, seletivas e focalizadas nos excluídos. Para Yazbek as políticas

públicas de renda mínima reforçam as figuras do pobre beneficiário, do desamparado e

do necessitado, revelando uma posição de subordinação e de culpabilização dos

beneficiários por sua condição de pobreza407.

Reis alega o Brasil carrega a herança dos séculos de escravidão e sofre o

impacto de estar exposto ao processo de globalização responsável por acumular

desigualdades. Diante disso, dever-se-ia ―(...) ter em mente necessidade de

desenvolvimentos de longo prazo em que, entre outras coisas, o indispensável

paternalismo por parte do Estado viesse ajudar a criar o acesso mais amplo e

apropriado aos recursos materiais e intelectuais‖ e, nesse sentido, ―‗criar mercado‘ pode

ser lido como criar as condições para que a competição deixe de ser, para muitos, um

jogo fraudulento, ou a competitividade nacional um sinônimo de exclusão social‖.408

Por outro lado, as políticas sociais como as Renda Mínima de Inserção e

aquelas de formação com o objetivo de facilitação do acesso ao emprego não

provocam tantas controvérsias, se considerado o objetivo de trazer um ―mais‖ para

aqueles que estão no ―menos‖. Ainda assim, Castel alerta para o risco da discriminação

positiva que pode vir a tornar-se discriminação negativa e orienta:

Não chamar de exclusão qualquer disfunção social, mas distinguir cuidadosamente os processos de exclusão do conjunto dos componentes que constituem, hoje, a questão social na sua globalidade. Em segundo lugar, em se tratando de intervir em populações as mais vulneráveis, esforçar-se para que as medidas de discriminação positiva, que são sem dúvidas indispensáveis, não se degradem em status de exceção(....) Em terceiro, lembrar-se que a ―luta contra a exclusão‖ é levada também, e, sobretudo, pelo modo preventivo quer dizer, esforçando-se em intervir, sobretudo em fatores de desregulação da sociedade salarial, no coração mesmo dos processos da produção e da distribuição das riquezas sociais409.

Está-se diante de uma realidade onde milhões de pessoas não possuem

407YAZBEK, Maria Carmelita. O Programa Fome Zero no contexto das políticas sociais brasileiras. São

Paulo Perspec. v.18, n. 2, abr./jun. 2004. Disponível em:> http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000200011&script=sci_arttext>. Acesso 25 de maio de 2015. 408

REIS. Fábio Wanderley. Deliberação, Interesses e ―Sociedade Civil‖. In: COELHO, Vera Shattan P; NOBRE, Marcos (orgs). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 87-88. 409

CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. São Paulo: EDUC, 2000, p.47 e 48.

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condições mínimas de viverem as vantagens da globalização e as consequências

benéficas da modernidade. A exclusão não se dá apenas por sexo, raça, cor ou

religião, mas também é fruto do acúmulo de riqueza que proporciona a apenas parcela

da população condições de usufruir estes benefícios. A questão da globalização

entrelaçada ao tecido social, deixando suas marcas nas relações internas e externas

entre os povos deve ser considerada em qualquer debate sobre cidadania.

A globalização provoca mobilidade e descentralização, rompendo fronteiras

nacionais. Uma empresa global, operando em escala planetária, absorve de cada lugar

o seu melhor resultado, como mão de obra barata410. Os princípios básicos e os

padrões morais inerentes aos direitos humanos e aos direitos sociais tais como

dignidade, igualdade, solidariedade e inclusão econômica estão enfraquecendo frente a

esses mercados disputados com sua ordem de produtividade e competitividade.411

Nas sociedades em desenvolvimento muitos sequer tem o mínimo para

sobreviver, antes mesmo do nascer, considerada a classe social familiar originária.

Constata-se uma ausência parcial ou total de inclusão socioeconômica, enfatizando-se

a fragilização da cidadania, entendida como perda ou ausência de direitos, bem como

precarização de serviços coletivos. Diante disso, ―Trata-se, portanto, de destituição de

direitos, que em última instância pode atingir, segundo Hannah Arendt, a perda do

"direito de ter direitos"412. Nessa lógica perversa, os ―excluídos‖ e os inadimplentes no

plano econômico que são aqueles que não tem condições de contratar os serviços

básicos ou aqueles que não tem como pagar por serviços já consumidos tornam-se

―sem-direitos‖ no plano jurídico, pelo que tanto os direitos sociais quanto os direitos

humanos consagrados são enfraquecidos413.

Sem dúvida, a globalização fomenta debates sobre a cidadania. Passando-

se de um estado liberal para um estado social tem-se a cidadania como status do

indivíduo frente ao Estado e pela qual se exercerá os direitos políticos, culturais,

econômicos e sociais. Contudo, chegou-se a uma realidade marcada pelos tratados

410VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.98.

411FARIA, José Eduardo de. Direito e conjuntura. Sociologia jurídica São Paulo: Saraiva, 2010, p.105.

412KOWARICK, Lucio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano, julho 2002.

http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/20080627_viver_em_risco_1.pdf, p.14. 413

FARIA, José Eduardo de. Direito e conjuntura. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010, p.107.

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internacionais, tendo-se o indivíduo sujeito à proteção internacional, enquanto é afetado

pelas consequências da globalização, um processo com paradigmas econômicos,

culturais e sociais para além das barreiras dos Estados.

A internacionalização do sistema capitalista, iniciada há séculos mas muito acelerada pelos avanços tecnológicos recentes, e a criação de blocos econômicos e políticos têm causado uma redução do poder dos Estados e uma mudança das identidades nacionais existentes.(...) A redução do poder do Estado afeta a natureza dos antigos direitos, sobretudo dos direitos políticos e sociais.(...) Desse modo, as mudanças recentes têm colocado em pauta o debate sobre o problema da cidadania, mesmo nos países em que ele parecia estar razoavelmente resolvido.414

No cenário neoliberal sobressai a visão econômica em relação à social. Com

grande parcela de excluídos, quer em sociedades desenvolvidas ou naquelas em

desenvolvimento, está-se diante de uma realidade que suscita uma reflexão sobre os

obstáculos à concretização da cidadania. Os estados e seus governos ainda são os

únicos agentes, em muitos casos, capazes de proteger a sociedade contra esses

aspectos negativos que decorrem da nova economia global.415

Apesar de todo o exposto, para Listz atribuir-se à globalização os maiores

males do presente é o mesmo que tê-la como fenômeno unilateral e negativo, então

imposto pelo neoliberalismo e violador dos direitos humanos. Deve-se superar essa

antagonia que lhe envolve, não se indicando a sua detenção ou reversão. É preciso

perceber os propósitos subjetivos das empresas e governos que a impulsionam,

atentando-se para os aspectos mais profundos, tais como a democratização e

universalização dos direitos humanos, a solidariedade internacional dos movimentos

sociais, uma maior cooperação mundial, dentre outros416.

Assim, considerando a globalização como algo inelutável, como bem afirma

Arnaud, encontra-se suas vantagens e cada um que se dobre a essa ―concorrência

414CARVALHO, José Murilo. A Cidadania no Brasil. O longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira,

2008. p.13. 415

ARNAUD, André-Jean. O direito entre modernidade e globalização: lições de filosofia do direito e do Estado; tradução de Patrice Charles Wuillaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.174. 416

VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.103-104.

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selvagem e impiedosa‖ pode extrair sua fatia do bolo. Propõe-se uma análise crítica

mais engajada que impulsione as pessoas para atitudes construtivas417.

Sem dúvida, o mundo ocidental e sua forma de produção criou e materializou

artefatos que contribuíram para o conforto da vida humana. Mas também é certo que

foram criados bolsões de extrema pobreza, nos quais as pessoas (sobre)vivem sem o

necessário acesso aos bens essenciais que lhes possibilitariam romper a sua condição

de miséria. A globalização acentuou as disparidades regionais e familiares, fazendo

emergir, principalmente nos países em desenvolvimento, a necessidade de respostas a

essas questões. Também é um fato.

A expansão do capitalismo no Brasil fez com que a sociedade se

reproduzisse sobre a base da acumulação capitalista, enquanto a agricultura fundava-

se sobre uma ―acumulação primitiva‖.418 O processo de industrialização deu origem a

novas tensões pelas quais os trabalhadores vivenciavam a pressão da exclusão

decorrente da organização do mercado de trabalho e não mais da ausência dele.

Castel caracteriza a questão social ―como uma inquietação quanto à

capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A ameaça de ruptura é

apresentada por grupos cuja existência abala a coesão do conjunto‖419. Os mais

vulneráveis desses vulneráveis oscilavam entre a mendicância e a vagabundagem e se

tornaram o alvo central do que correspondia às políticas sociais. O livre acesso ao

trabalho põe fim a essa problemática do vagabundo na sociedade pré-industrial420.

Os vagabundos antes da revolução industrial, os ―miseráveis‖ do século XIX

e os ―excluídos‖ de hoje. É a periferia da estrutura social inscrita na dinâmica global.421

Exclusão, segundo Castel, total ou parcial, definitiva ou provisória, é o desfecho de

procedimentos oficiais, representando um verdadeiro status. O pobre, antes visto como

―preguiçoso‖ e alvo de julgamentos pejorativos acerca da vagabundagem, mudou de

417ARNAUD, André-Jean. O direito entre modernidade e globalização: lições de filosofia do direito e do

Estado; tradução de Patrice Charles Wuillaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, introdução. 418OLIVEIRA, Francisco. Crítica à Razão Dualista. S. Paulo: Boitempo, 2003, p. 55. 419

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. tradução de Iraci D. Poleti . 8ª ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 2009. p.41. 420

CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek. São Paulo: EDUC, 2000, p.33 e 34. 421

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário Castel; tradução de Iraci D. Poleti. 8ª ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 2009. p.33.

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lugar na sociedade; o que antes era tido como uma escolha de vida considera-se como

consequência de um processo de acumulação de capital. Para Castel está-se diante da

opção de aceitar uma sociedade totalmente submetida às exigências do mercado ou

construir um Estado social capaz de enfrentar o desafio dessa nova realidade.422

Para Kowarick há várias questões sociais, sendo a principal delas, no

tocante às relações entre Estado e sociedade, a dificuldade na expansão dos direitos

de cidadania. Após uma década de lutas e reivindicações, no contexto de consolidação

de um sistema político, não há um enraizamento organizativo e reivindicatório que

consolide um conjunto de direitos básicos423.

Brugué define exclusão social como a impossibilidade ou a dificuldade de

acessar os mecanismos de desenvolvimento pessoal e inserção sócio comunitária e os

sistemas preestabelecidos de proteção. A exclusão não implica somente reprodução

ampliada das desigualdades, mas fraturas no tecido social e ruptura de certas

coordenadas básicas de integração424. Enquanto isso, Fleury define a exclusão social a

partir do conceito de cidadania pelo que é a ―não incorporação de uma parte

significativa da população à comunidade social e política, negando seus direitos de

cidadania – destituindo-a de direitos ou envolvendo a desigualdade de tratamento ante

a lei e as instituições públicas – e impedindo seu acesso à riqueza produzida‖425. Os

âmbitos e as circunstâncias que favorecem a exclusão social delimitam diferentes

conceitos para a cidadania e descrevem as condições sob as quais se dá a exclusão.426

O status de cidadania no Brasil por longo período esteve bloqueado a certos

grupos, tais como negros, analfabetos e mulheres para as quais os direitos civis,

políticos e sociais, na condição de indivíduos particulares, chegaram bem mais tarde. O

país ficou marcado por uma persistente interdição à participação política e eleitoral

422CASTEL, Robert. Desigualdade e a questão social. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus,

Maria Carmelita Yazbek. São Paulo: EDUC, 2000, p.42 e 35. 423

KOWARICK, Lucio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. jul2002. http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/20080627_viver_em_risco_1.pdfp15-16 424

BRUGUÉ, Quim; GOMÁ, Ricard; SUBIRATS, Joan. De la pobreza a la exclusión social: nuevos retos para las políticas públicas. Revista Internacional de Sociología. Tercera Época,sept-dec, 2002, pp. 7-45. 425

FLEURY, Sônia. A expansão da cidadania. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas –EBAPE, 2004 (a), mimeo. p.3 426

QUINHÕES, Trajano Augustus; FAVA, Virgínia Maria Dalfior. Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos programas complementares do Bolsa Família Revista do Serviço Público Brasília. Jan/Mar 2010. p.67-96.

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156

desses grupos e ainda, de outras etnias minoritárias e religiosas. Dispositivos

excludentes, consolidados por fundamentos doutrinários com origem em antigas ordens

envoltas em privilégios e hierarquias sociais, garantiram uma cultura política de

exclusão no Brasil, por longo período, de grandes contingentes de pessoas. Desse

modo, ―a ‗era dos direitos‘ no Brasil, como cultura e como moralidade pública, tardou e

tarda ainda. Com veemência está a solicitar ordenamentos políticos e institucionais

mais adequados à consecução de políticas de cidadania entre nós‖. 427

O cidadão, no Brasil, além de ser um personagem tardio, quando começa a se expandir, de modo lento e tortuoso, encontra diante de si um ambiente hostil que tem a forte presença dos ideólogos do mercado, vaticinando sua condição de personagem fora de moda. A cidadania social é considerada por muitos coisa do passado e, mais do que isto, uma instituição inviável economicamente, pois onerosa. O mundo privado e seus imperativos sistêmicos impelem a pensar e agir no sentido da mercantilização completa da grande conquista da civilização ocidental que são os direitos sociais.428

Da estreita ligação entre direitos sociais e satisfação das necessidades

humanas básicas estabelece­se a centralidade da atuação estatal para que todos

tenham acesso a condições básicas de vida. Entendimento que se choca com as ideias

liberais que admitem apenas os direitos civis e políticos baseados em uma liberdade

negativa, aquela liberdade que não aceita qualquer intervenção na esfera privada. O

que não está explícito é que nem todos podem ter acesso a essa liberdade e enquanto

dissociada de suportes materiais assumidos pelo Estado trata­se apenas de liberdade

formal. Por isso, para Mesquita ―o conceito de liberdade negativa deve ser substituído

pelo de liberdade positiva, de acordo com o qual a atuação do Estado é mais que

desejável; é um compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e

igualitária.‖, afinal só faz sentido estar livre:

se essa liberdade leva a uma integração social baseada na participação de todos os indivíduos. Entre as condições necessárias para a satisfação das necessidades humanas básicas, encontra­se a segurança econômica que pode ser provida por meio de rendimentos

427REGO, Walquiria Leão. Aspectos teóricos das políticas de cidadania: uma aproximação ao Bolsa

Família. Lua Nova, São Paulo, 73. 2008. 147-185. 428

REGO, Walquiria Leão. Aspectos teóricos das políticas de cidadania: uma aproximação ao Bolsa Família. Lua Nova, São Paulo, 73. 2008. 147-185.

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monetários. A questão que se tem colocado atualmente é como garantir que parcelas cada vez maiores da população tenham acesso a uma quantia de renda, se a via do trabalho é cada vez mais restrita. 429

Diante do exposto, toma-se o Estado como crucial em sociedades em que a

cidadania não foi generalizada e que convivem com alto grau de exclusão, caso do

Brasil cuja história da implementação de políticas sociais de distribuição de renda

retrocede, pelo menos à década de 1930, com a criação dos primeiros programas e leis

voltados aos trabalhadores e aos setores mais pobres da população. A partir do

Governo de Getúlio Vargas, começou a surgir de modo mais concreto no país a ideia

de construção de um Estado de bem-estar social, um projeto ainda inacabado430.

Em 1975, na obra ―Redistribuição da Renda‖, Antônio Maria Silveira fez

críticas à ineficiência dos métodos até ali adotados no combate à pobreza. Apontava o

imposto de renda negativo como alternativa. Em 1978, Edmar Lisboa Bacha e Roberto

Mangabeira Unger, em ―Participação, Salário e Voto‖, propuseram que a reforma

agrária e uma renda mínima, através de um imposto de renda negativo, deveriam ser

elevados à categoria de instrumentos fundamentais para a democratização da

sociedade brasileira. A conclusão era de que a democracia brasileira só seria uma

realidade com a redução da desigualdade e a erradicação da miséria431. Mas, tais

projetos não saíram do papel.

O marco inicial dos programas de transferência monetária às famílias de

baixa renda deu-se mesmo no início da década de 90, durante o Governo Fernando

Collor de Mello. O Projeto de Lei 80/1991 foi proposto pelo Senador Eduardo Suplicy

(PT/SP) e instituiu o Programa de Garantia de Renda Mínima para todas as pessoas

residentes no país maiores de 25 anos de idade432.

Com a CFR/88 e depois, com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),

Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993, novas medidas legais foram aprovadas visando

429MESQUITA, Camile Sahb. O programa Bolsa Família: uma análise de seu impacto e alcance social.

2007. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasilia, 2007. 430

WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: Avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010, p.55. 431

SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Renda de cidadania: a saída é pela porta – São Paulo: Cortez: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2002, p.120. 432

SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Renda de cidadania: a saída é pela porta – São Paulo: Cortez: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2002, p.339.

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à garantia de renda sem prévia contribuição. A CFR/88 realiza clara reforma

democrática e princípios como democratização, participação e descentralização são

inseridos no arcabouço legal da assistência social. A LOAS consolida uma política que

prevê benefícios, serviços, programas e projetos de enfrentamento da pobreza.

O direito à assistência social depende de políticas públicas para a sua

eficácia, tendo em vista que a mesma apresenta-se como um direito

constitucionalmente previsto, mas também se consubstancia numa diretriz política a ser

viabilizada pelos poderes públicos. Dessa forma, a política de assistência social é vista

sob o aspectos formal e material. Formalmente, prevista como um direito exige o

reconhecimento da cidadania, permitindo que o seu destinatário seja visto como um

cidadão e não como um cliente; sob o aspecto material revela-se a necessária

materialidade para que seja efetivada. Faz-se mister a atuação estatal positiva.

As primeiras experiências com políticas públicas com caráter de

redistribuição de renda remonta-se ao ano de 1995. Realizaram-se nos âmbitos

municipais e estaduais, conforme demonstra a história dos municípios de Campinas e

Ribeirão Preto e, ainda, o caso de Brasília. Destacam-se as contrapartidas obrigatórias

exigidas pelos programas implementados por essas políticas, dentre elas a frequência

escolar, o cumprimento de agenda de saúde ou a participação em cursos de

treinamento profissional, a seleção por renda familiar per capita inferior a um limite

definido localmente, a existência de filhos em idade escolar ou pré-escolar e a

comprovação de tempo mínimo de residência no local433.

O Programa Bolsa Escola foi implementado em 1995, em Brasilia, pelo então

Governador do Distrito Federal Cristovam Buarque e configurou-se na primeira

experiência brasileira em matéria de programa de renda mínima que tinha na família a

unidade beneficiária ―e articulava-se essa transferência monetária a uma política de

educação. Em outras palavras, estava-se diante de uma associação de política

compensatória com uma política estruturante, a saber, a educação‖434.

433LAVINAS, Lena. Combinando compensatório e redistributivo: o desafio das políticas sociais no Brasil‖.

Texto para discussão n.748. Rio de Janeiro: IPEA, 2000, p.16. 434

ABREU, Lidiane Rocha. Direitos Sociais no Brasil: Programa Bolsa Família e Transferência de Renda, 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)–Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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A partir disso, diversos estados e municípios brasileiros implementaram o

Bolsa Escola, entre os anos de 1995 e 1999. Em cada lugar o programa foi adquirindo

suas próprias características, enquanto acentuava suas diferenças com relação ao

programa original, o que inclui a adoção de nomes específicos. Mas, em todos os

lugares o programa guardava o eixo central do Bolsa-Escola: o acesso à educação

fundamental, como estratégia do plano maior de combate à evasão escolar e à

exclusão social. A essa altura, o Bolsa Escola já estava difundido no país, ainda que

não estivesse consolidado nacionalmente.435

Em março de 2001, por meio da lei n. 10.219, de 11 de abril, com a gerência

do MEC, o Bolsa Escola foi implementado como política nacional com o objetivo de criar

oportunidades para as camadas mais pobres da população saírem do círculo vicioso de

pobreza, rompendo-o em definitivo. O alvo do programa eram as crianças de famílias

pobres que tendo abandonado as salas de aula perpetuariam a mesma escolaridade

(baixa) dos seus pais e, por isso, o futuro lhes reservaria, no máximo, as mesmas

condições de mercado disponíveis as suas famílias. O Programa propunha-se a

repassar um recurso mensal para essas famílias, desde que os seus filhos, em idade

escolar, estivessem frequentando ao menos 90% dos dias letivos. Destaca-se que, a

partir desse programa, a questão do combate à exclusão tomou outro rumo, sobretudo,

ao pensar-se que rompia com a histórica tradição do paternalismo e do populismo

característicos das políticas públicas no Brasil436.

Em fase posterior, no governo FHC (1995 – 2002), os programas de renda

mínima no Brasil estruturavam-se em doze programas: Bolsa Alimentação, Erradicação

do Trabalho Infantil - PETI, Bolsa Escola, Auxílio Gás, Brasil Jovem, Abono Salarial,

Bolsa Qualificação, Seguro Desemprego, Seguro Garantia Safra, Aposentadorias e

pensões Rurais, Benefício de Prestação Continuada e Renda Mínima Vitalícia. A partir

de 2003, no Governo Lula, foram incorporados aos doze mencionados o Programa de

Fortalecimento da Agricultura Família (PRONAF), a merenda escolar e o Fome Zero.

435AGUIAR, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Henrique. Bolsa Escola. Educação para enfrentar a pobreza.

Brasília UNESCO, 2002. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129723m.pdf p.35. Acesso em 25 de maio de 2015. 436

AGUIAR, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Henrique. Bolsa Escola. Educação para enfrentar a pobreza. Brasília UNESCO, 2002. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129723m.pdf p.35 e 37. Acesso em 25 de maio de 2015.

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Nesse contexto, os programas de transferência de renda são alternativas de

para amenizar situações de grupos ou indivíduos da sociedade, que se encontram em

condições de extrema necessidade, seja por motivos de ausência absoluta de

empregos ou de pessoas capacitadas, realidade do Bolsa Família, seja para inibir o

trabalho infantil, viabilizando o ensino formal de crianças em idade escolar, caso do

PETI ou assegurando a sobrevivência de agricultores cujas terras são atingidas

frequentemente por calamidades da natureza, como o Garantia Safra, ou ainda

repassando renda que garanta a sobrevivência de idosos e pessoas portadoras de

deficiências, que é caso do Benefício de Prestação Continuada - BPC.

O PETI articula um conjunto de ações para retirar crianças e adolescentes

com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho precoce, exceto quando na

condição de aprendiz, a partir de 14 anos. O programa compreende transferência de

renda – prioritariamente por meio do PBF – acompanhamento familiar e oferta de

serviços socioassistenciais, atuando de forma articulada com estados e municípios e

com a participação da sociedade civil.437 O valor da transferência de renda previsto pelo

PETI varia de acordo com a renda familiar, a localidade em que mora a família (zona

urbana ou rural) e o número de crianças/adolescentes que compõe o arranjo familiar.438

O Garantia Safra é uma ação do Pronaf para agricultores familiares que se

encontram em municípios sistematicamente sujeitos a perdas de safra devido à seca ou

ao excesso de chuvas. Na safra 2013/2014, o valor anual do Benefício Garantia-Safra

foi de R$ 850,00. O pagamento do Benefício está vinculado ao cumprimento de

requisitos, como o pagamento por parte do agricultor do boleto bancário de adesão ao

programa e a constatação de perda pela SAF/MDA de, pelo menos, 50% da produção

de culturas cobertas por ele no município devido à seca ou excesso de chuvas. Para

participar do Garantia-Safra, é necessário que, anualmente, estados, municípios e

agricultores façam adesão ao programa.439

O Benefício de Prestação continuada da Assistência Social - BPC foi

instituído pela CFR/88 e regulamentado pela LOAS e pelos Decretos nº 6.214, de 26 de

setembro de 2007 e nº 6.564, de 12 de setembro de 2008. O BPC é um benefício da

437MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/peti Acesso em 25 de maio de 2015.

438MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/peti/valor-do-beneficio Acesso 25/05/15.

439Disponível:http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-garantia/sobre-o-programa Acesso 25/05/15.

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Política de Assistência Social, que integra a Proteção Social Básica no âmbito do SUAS

e para acessá-lo não é necessário ter contribuído com a Previdência Social. É um

benefício individual, não vitalício e intransferível, que assegura a transferência mensal

de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa

com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza

física, mental, intelectual ou sensorial. Em ambos os casos, devem comprovar não

possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. A gestão

é realizada pelo MDS, por intermédio da SNAS. A operacionalização é realizada pelo

INSS e os recursos para o seu custeio provêm da Seguridade Social.440

Em outubro de 2003, os procedimentos de execução e gestão dos

programas de transferência de renda existentes foram unificados pelo governo federal

por meio do Bolsa Família. Os destinatários dos programas deixaram de ser os

indivíduos passando a ser a família. O público-alvo do PBF difere dos contribuintes da

previdência social e dos alcançados pelos BPC. No PBF garante-se uma renda mínima

as famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, sobretudo às famílias com

adultos em idade economicamente ativa e que participem do mercado de trabalho.

De 2004 em diante, os maiores programas de transferência de renda

brasileiros o BPC e o PBF tiveram forte expansão. O BPC passou de dois milhões de

beneficiários para 2,9 milhões em 2008; em 2009, o número de beneficiários chegou a

3,4 milhões de idosos e pessoas com deficiência 441; em 2012, 3,6 milhões beneficiários

em todo o Brasil, sendo 1,9 milhões pessoas com deficiência e 1,7 idosos442. No caso

do PBF foram abordados alguns aspectos da sua primeira década no Capítulo 1.

Os programas de transferência de renda mínima são os programas mais

polêmicos e mais conhecidos, talvez pelo apelo político, complexidade e por exercer

influência em toda a cadeia econômica das regiões alcançadas. O surgimento de

benefícios monetários não ancorados na contribuição social ou na comprovação do

exercício do trabalho legítimo faz emergir tensões expressivas no campo da proteção

440MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/beneficiosassistenciais/bpc/beneficio-de-

prestacao-continuada-bpc Acesso em 25 de maio de 2015. 441

Disponível em: <http://www.nospodemos.org.br/upload/tiny_mce/quarto_relatorio_acompanhamento. pdf. >. 4° Relatório Nacional de Acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio, p. 32. 442

MDS.Disponívelhttp://www.mds.gov.br/assistenciasocial/beneficiosassistenciais/bpc/beneficiodeprestacaocontinuadabc Acesso 25 maio 2015.

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social. Esses problemas são efetivos quando se trata da parte do sistema de proteção

social que atende à população em idade ativa e em condições de trabalho. Crises

econômicas associadas à redução da oferta de trabalho formal e à queda da renda

média do trabalho ampliam o público alvo das políticas de transferência de renda.

Sugere-se que as ações de transferência de renda concorram para a

redução da diferença de acesso a determinado patamar de bem estar, criando a

possibilidade de uma vida em sociedade menos desigual, com o princípio da

distribuição de riqueza, combatendo-se à pobreza. Não se pode olvidar da importância

da garantia de renda, sem, contudo deixar de considerar também o papel do trabalho,

do emprego formal, sobretudo, considerando-se o fato de ser ele o promotor principal

da divisão de renda e de inclusão social. Segundo Castel, o trabalho continua sendo

uma referência, além de econômica, psicológica, cultural e simbolicamente dominante.

É o que provam as reações daqueles que não o têm443.

No tocante aos programas de transferência de renda, certo é que a simples

transferência de renda à população mais carente não garante, por si só, o

desenvolvimento da região e a independência dos seus beneficiários. Para tanto, é

necessário que ela seja praticada simultaneamente com outros programas nas áreas de

saúde, saneamento básico, educação, e outras ligadas diretamente às condições de

vida da população, ao desenvolvimento autossustentado e à independência financeira.

As políticas de renda mínima são marcadas pelo foco nos mais excluídos. A

focalização permitiria a identificação/localização dos indivíduos que, sozinhos (pela via

do mercado) não obtêm as condições mínimas para sobreviverem. Os PGRMs embora

não sejam uma solução bastante em si, traduzem um bom começo na busca de

mudança para a vida dos mais pobres, afinal buscam atender, dentre algumas

dimensões da pobreza, à insuficiência de renda e ao déficit de acessibilidade aos bens

e aos serviços públicos.

443CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário Castel; tradução de Iraci

D. Poleti. 8ª ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 2009. p.578.

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Eis a teoria de que os PGRMs maximizam o impacto redistributivo da política

social, visto no seu conjunto. Atuam na vida das camadas mais pobres e desassistidas

da população de forma integrativa e integradora444.

Contudo, não se pode combater a exclusão social por meio de iniciativas que

transformem as pessoas em beneficiários passivos e permanentes de programas

meramente assistenciais. É fundamental fortalecer pessoas e comunidades para que

sejam capazes de satisfazerem suas necessidades. Não há que se tornar uma

população pedinte de uma esmola oficial. O objetivo das políticas públicas não pode ser

resumido em dar dinheiro. Faz-se mister promover a dignidade e a cidadania.

Destacam-se três características que por anos marcaram as políticas sociais

brasileiras: centralizadas no governo federal, orientadas por práticas clientelistas e

contributivas. Alguns autores entendem que, na área de políticas de transferência de

renda condicionada, ainda se mantiveram, na década de 1990, problemas como

sobreposição e concorrência entre programas; ausência de coordenação e de

planejamento gerencial; dispersão de comando entre ministérios; e incapacidade de

alcance do público alvo conforme os critérios de elegibilidade.445 Critica-se também o

fato de que os municípios teriam uma série de responsabilidades nesses programas

sociais sem a correspondente ajuda financeira do governo federal.446

É possível relacionar a falta de coordenação das políticas sociais, incluindo

as de assistência social, à heterogeneidade financeira e política dos municípios

brasileiros. Disso pode ter resultado um processo de descentralização permeado por

desigualdades no ritmo de formulação e decisão de distintas políticas, desigualdades

entre os resultados de implementação e diferenças na qualidade dos serviços

prestados.447 Ao que parece os programas de transferência de renda na década de

1990, resguardados as suas conquistas no combate à pobreza, eram operados de

444LAVINAS, Lena. Programas de Garantia de Renda Mínima: Perspectivas Brasileiras. Texto para

Discussão n. 596. IPEA, 1998. p.39. 445

SILVA, Maria O. S. O Bolsa Família: problematizando questões centrais na política de transferência de renda no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 6, p. 1429-1439, dez. 2007.p.34. 446

BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais. 2011.Doutorado.Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.p.80. 447

ARRETCHE, Marta. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas públicas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 31, jun. 1996.p.16.

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forma dispersa por diferentes ministérios, caracterizando-se sobreposição de custos

operacionais e de público alvo e uma espécie de competição intergovernamental.

Para Sátyro e Soares ―a situação dos programas de transferência de renda

condicionada em 2003 era simples: o caos‖, pelo que eram ―um emaranhado de

iniciativas isoladas‖, sem qualquer pretensão universal. Não havia coordenação entre

os diferentes programas federais, de tal modo que famílias na mesma situação

poderiam receber tanto os quatro benefícios (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxilio

Gás e Cartão Alimentação) quanto nenhum deles. Programas municipais e estaduais se

sobrepunham aos federais, não formando de fato um sistema de proteção social.448

Enquanto a emergência de um novo modelo de política social ocorreu a partir

de 1988 ou de 1995, dependendo da perspectiva a ser adotada, talvez seja possível

afirmar que, no caso das políticas de transferência de renda, a grande transformação

ocorreu mesmo com a criação do PBF.

A implementação das políticas sociais de transferência de renda trouxe

consigo um intenso debate entre focalização e universalização, comparando eficiências

e tentando criar metodologias que justificassem a escolha por um ou outro modelo.449

Os defensores da focalização argumentavam as vantagens de conseguir

direcionar recursos de forma eficiente a grupos específicos que, por razões de natureza

diversa, se viram excluídos do acesso á bens e serviços. No sistema focalizado, dentre

as opções de escolha pela formulação de uma agenda e política social capaz de

resgatar e inserir os cidadãos aos sistemas de proteção, um dos modelos defendia que

a política poderia ser determinada de acordo com a concepção de justiça social

adotada pelo Estado, podendo ser classificada em residual – proteção apenas à

pobreza imerecida; condicional – que agindo como uma tecnologia social visa a

alocação eficiente do gasto público na solução de problemas específicos; e a ação

reparatória cujo intuito é reparar o acesso efetivo de grupos à direitos universais,

resultados de injustiças do passado450.

448SÁTYRO, Natália. SOARES, Sergei. O Programa Bolsa Família: desenho institucional e possibilidades

futuras. In: CASTRO, Jorge Abrahão; MODESTO, Lúcia (orgs.). Bolsa Família2003-2010: avanços e desafios. Vol. 1. Brasília: IPEA, 2010. p.10. 449

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização?, Universidade Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. 450

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização?, Universidade

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165

Os defensores da universalização defendiam a economia de recursos

necessários à avaliação, monitoramento e correções do sistema focalizado, a

eliminação do estigma social resultante daquelas caracterizadas como ―políticas para

pobres‖ e, ainda, a desmercantilização e igualdade resultante de um acesso maciço e

irrestrito a bens e serviços garantidos pelo Estado.451

Enquanto o debate voltava-se a essa aparente contraposição e disputa entre

os modelos, as estratégias utilizadas por outros países que atingiram sucesso na

estruturação de um Estado de Bem Estar Social (BES) mostravam-se mais complexas.

(...) as estratégias exitosas, em termos de redução de desigualdade e pobreza e sustentabilidade financeira, envolveram a combinação e coordenação de um conjunto de políticas: políticas de ativação incluindo políticas ativas de mercado de trabalho, provisão de creches e serviços de cuidado em geral, emprego público no setor de BES; intitulamentos sociais – envolvendo serviços sociais universais (não apenas para os pobres) e ênfase em transferências universais. As primeiras facilitam a expansão da base fiscal, no médio e no longo prazo (ao permitir maior e melhor participação no mercado de trabalho); as últimas facilitam a redistribuição (possibilitam o envolvimento da classe média no financiamento dos serviços para todos).452

Diante disso, parece que o confronto entre os defensores da universalização

e os da focalização que ainda marca o debate acadêmico pode esconder o fato de que

existem possibilidades de combinação entre os dois tipos de política, desde que esteja

clara a concepção de justiça que deve servir de parâmetro para a atuação do Estado.453

Assim, as políticas públicas focalizadas e universalistas podem ―ser combinadas com o

intuito de melhorar o desempenho da atuação do Estado na esfera social.‖454

Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. 451

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização?, Universidade Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. 452

KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012. 453

KERSTENETZKY, Célia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização?, Universidade Federal Fluminense, Economia, Textos Para Discussão n. 180, 2005, p.1-11. 454

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.53.

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166

2.3. Capacidades políticas e institucionais do Bolsa Família

Considerando-se um arranjo político-institucional como o ―conjunto de regras,

organizações e processos que definem a forma particular como se coordenam atores e

interesses na implementação de uma política pública específica‖, considera-se que o

arranjo institucional do PBF ―tem sido forjado no bojo de um sistema universal mais

amplo e integrado, o que origina desafios não triviais de orquestração, coordenação e

articulação‖.455

Na perspectiva das capacidades técnico-administrativas o PBF inovou e vem

tendo êxito em características como estabelecer condicionalidades para induzir

comportamentos, considerar a participação e o controle sociais como pilares, valer-se

de um cadastro nacional de cidadãos vulneráveis e buscar uma gestão descentralizada

e intersetorial, através do IGD.

O PBF estabelece relações intergovernamentais no seu funcionamento, em

especial nas áreas da saúde e da educação, com participação social e por isso, com

uma trajetória que vem buscando romper um histórico de práticas clientelistas,

filantropia e caridade que marcou o campo da assistência social no Brasil. Para Diogo

Coutinho, o isolamento inicial para firmar-se diante das criticas sobre ser mais uma

prática eleitoreira que reforçaria a cultura do preguiçoso deu lugar a um contexto de

direitos sobre os quais a descentralização, a coordenação intersetorial, a participação e

o controle social são tidos como vetores constitutivos.

Comparando-o ao padrão anterior de política social, pode-se dizer que o PBF adotou novos arranjos, instrumentos e métodos de gestão e que vem contribuindo com uma parcela importante dos ―ganhos de equidade‖ experimentados na última década. Diante disso, a despeito da desigualdade, da pobreza e da miséria ainda saltarem aos olhos no Brasil, não se pode dizer que não tenha havido certos ganhos qualitativos em termos de capacidades estatais para forjar políticas-chave para o desenvolvimento.456

455COUTINHO, Diogo R. Capacidades Estatais no Programa Bolsa Família: o desafio de consolidação do

Sistema Único da Assistência Social. Disponível: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=19366. Acesso em 28 de agosto de 2013. 456

COUTINHO, Diogo R. Capacidades Estatais no Programa Bolsa Família: o desafio de consolidação do Sistema Único da Assistência Social. Texto para Discussão (IPEA. Brasília), v. 1, p. 1-50, 2013.

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167

O CadÚnico possibilita a focalização para alcance dos mais pobres. As

condicionalidades, concebidas para estimular comportamentos, se estruturadas e

coordenadas com outras políticas sociais marcam o Estado de Bem Estar Social

Brasileiro. O descumprimento das condicionalidades pelo beneficiário por si só não

suspende o benefício, ao contrário, serve como alerta para as dificuldades do

beneficiário, exigindo maior atuação da gestão pública. O IGD é um índice numérico

que varia de 0 a 1e avalia qualidade e atualização das informações do Cadastro único e

assiduidade e integridade das informações sobre o cumprimento das condicionalidades

e, a partir dos resultados identificados, oferece apoio financeiro para que os municípios

melhorem sua gestão. 457

No contexto da participação e controle sociais, a gestão federal do PBF ao

estabelecer que os municípios brasileiros devem criar Instâncias de Controle Social -

ICS, órgãos que realizam o controle social do programa, procurou induzir os municípios

a fomentarem a participação, avaliação e fiscalização. O MDS considera esse controle

social como ―uma parceria entre Estado e sociedade que possibilita compartilhar

responsabilidades e proporciona transparência às ações do poder público, buscando

garantir o acesso das famílias mais pobres à política de transferência de renda‖.458

É possível conclusões sobre capacidades técnicas precedentes à

capacidades políticas, na primeira década de implementação do PBF. A centralização

deu o tom ao buscar-se agilidade e consistência, soluções negociadas entre gestores

públicos em âmbitos intraburocráticos.

Reconhece-se os ganhos do PBF em termos técnico-administrativos, mas na

esfera político-institucional ainda precisa firmar os seus méritos, enfrentando-se o

desafio de formular, implementar e coordenar políticas em interação com a sociedade

civil.

Diversos fatores indicam ter influenciado a adoção inicial de um modelo de gestão centralizado pelo PBF. A CF de 1988 colocou o enfrentamento da pobreza como um dos objetivos da República, de competência comum a todos os entes federativos, prevendo recursos financeiros específicos, sem contudo precisar como se daria a

457MDS. Informações disponíveis em http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico.

458MDS. Informações disponíveis em http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/controlesocial.

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cooperação entre os níveis de governo para tanto. Além disso, o desenvolvimento das políticas de enfrentamento da pobreza anteriores ao PBF e, de forma mais específica, os programas de transferência de renda por ele unificados, tradicionalmente caracterizaram-se pela centralização e fragmentação. Outro fator consiste na constatação da frágil capacidade financeira, em geral, e baixa capacidade institucional da área de assistência social nos governos municipais, a quem foi atribuída a tarefa de gestão do Programa.459

O período de 2003 a 2004 marca o início do programa, com incrementos de

cobertura baseados na migração das famílias já beneficiárias, nas primeiras

concessões de benefícios para famílias que ainda não recebiam transferência de renda,

e na construção do CadÚnico.

O período de 2005 a 2006 foi marcado pela institucionalização do papel dos

entes federados na gestão do programa, com assinatura de termos de adesão por

todos os municípios brasileiros e a criação do IGD; pela edição de um conjunto de

normas sobre concessão, pagamento e acompanhamento de condicionalidades; e

expansão do número de famílias atendidas pelo programa.460

No biênio seguinte, foram feitas mudanças no desenho do programa, como

por exemplo, a criação do Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ). Também

iniciaram-se os procedimentos periódicos de averiguação de inconsistências cadastrais

com base em cruzamentos do CadÚnico com outros registros administrativos do

governo federal. De 2009 a 2010, um dos avanços institucionais foi a aprovação do

Protocolo de Gestão Integrada de Benefícios e Serviços nos âmbito do SUAS pela

Comissão Intergestores Tripartite da Assistência Social.461

Em 2011, foi lançado o Plano Brasil Sem Miséria, com o objetivo de elevar a

renda e as condições de bem-estar da população, especificamente os brasileiros cuja

459LICIO, Elaine Cristina. Para além da recentralização: os caminhos da coordenação federativa do

Programa Bolsa Família (2003-2010). Doutorado em Política Social.Universidade de Brasília 2012. p.327. 460PAIVA, Luís Henrique ; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do bolsa família ao Brasil sem miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes(orgs). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013,p.28-39. 461

PAIVA, Luís Henrique ; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do bolsa família ao Brasil sem miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes(orgs). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013,p.28-39.

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renda familiar é de até 70 reais por pessoa, trazendo novos desafios para o PBF. Em

2012, houve a inserção do Benefício de Superação da Extrema Pobreza.462

Considera-se que o PBF, na busca de minorar a privação de renda de

famílias pobres no curto prazo, bem como quebrar o ciclo intergeracional de

transmissão da pobreza, estrutura-se em quatro pontos organizacionais: público alvo

(foco); condicionalidades; descentralização administrativa; e controle social. No tocante

ao público alvo, para Draibe o foco na família foi a forma encontrada pelos formuladores

das politicas de transferência condicionada de renda para atingir seu principal público-

alvo, crianças e adolescentes, e incluí-los em outras políticas, sobretudo de educação,

tornando pais e responsáveis intermediários neste processo.463 As condicionalidades

foram abordadas em tópico específico no capítulo 1.

Quanto à descentralização administrativa e intersetorialidade, diante da

constatação de que um dos fatores de baixa efetividade das anteriores políticas de

transferência de renda concentrava-se na gestão, o PBF apresenta como principais

núcleos ordenadores do sistema a descentralização e a intersetorialidade, a partir da

ação coordenada dos três níveis de governo e de diversos setores governamentais e

não governamentais. Busca-se evitar a competição entre os entes federados, mediante

um política de cooperação, que conforme o art. 9˚ da Lei10.836/2004, tem em âmbito

local, sua administração derradeira.

Destaca-se que o discurso justificador do governo federal para a unificação

dos programas sócias no PBF foi evitar a fragmentação dessas ações e construir uma

política de transferência de renda com participação direta e com divisão de

responsabilidades entre União, Estados e Municípios. Os princípios que regeriam o

programa: a descentralização político-administrativa, o controle democrático e a

intersetorialidade, através do compartilhamento de responsabilidades.

A respeito dos benefícios da descentralização provocou um aumento da

autonomia da instâncias subnacionais de governo, favoreceu a ampliação dos espaços

462PAIVA, Luís Henrique ; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. Do bolsa família ao Brasil sem miséria:

um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes(orgs). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013,p.28-39. 463

DRAIBE, Sônia Maria. Bolsa-Escola y Bolsa-Familia. Cadernos de Pesquisa NEPP/ UNICAMP, Campinas,n°76, 2006.

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de participação e a emergência de experiências inovadoras em relação aos programas

sociais, além de possibilitar a constatação de que as desigualdades existentes no Brasil

se refletem também em profundas diferenças nas condições financeiras, políticas e

administrativas de Estados e municípios, afetando sua capacidade de resposta às

necessidades da população e aos novos papéis que lhes são atribuídos.

Em busca da concretização da gestão compartilhada do PBF, envolvendo os

três níveis governamentais, foram utilizadas como estratégias a assinatura de termos

de cooperação entre o MDS, Estados e municípios para a implantação do Programa e a

possibilidade de complementação, por parte dos entes subnacionais, dos recursos

financeiros transferidos às famílias beneficiárias; além de instituição do IGD.

O IGD varia de 0 a 1 e é composto pelas variáveis relativas às informações

sobre frequência escolar, acompanhamento dos beneficiários nos postos de saúde,

cadastramento correto e atualização cadastral. Cada uma das quatro variáveis

representa 25% do IGD. Este índice pretende estabelecer um ranking das experiências

de implementação do PBF no nível local, premiando aquelas bem sucedidas e

incentivando a gestão de qualidade através do repasse de recursos financeiros extras

para as prefeituras que alcançarem desempenho acima de 0,4 do índice.

Por sua vez, a intersetorialidade no PBF representa certa preocupação em

dar um passo adiante no enfrentamento da fragmentação da intervenção do Estado na

área social, mediante a construção de uma visão integrada dos problemas, para

superação de sobreposição de ações setoriais. Para Inojosa, a potencialidade de uma

ação intersetorial está na efetividade de ações coordenadas e na sinergia entre

diferentes setores 464.

Dessa forma, o art. 8˚ da Lei n.10836/04, ao fazer expressamente previsão

de um gestão intersetorial, buscou promover a relação entre atores de diferentes

setores por meio da comunicação, da interação e do compartilhamento de saberes e

poder em torno de metas ou de objetivos comuns, compatibilizando uma relação de

respeito à autonomia de cada setor, mas também de interdependência.

464INOJOSA, Rose Marie. Intersetorialidade e a configuração de um novo paradigma organizacional.

Revista de Administração Publica, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, p. 35-48, mar./abr de 1998, p.38.

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Sobre o Controle social e participação comunitária, o art. 8˚ da Lei n.

10.836/2004 faz previsão expressa da participação comunitária e da necessidade de

controle social na execução e gestão do Programa, em consonância com os preceitos

constitucionais de democratização dos recursos públicos.

Por sua vez, a definição das instâncias responsáveis pelo acompanhamento

do PBF foi prevista no Decreto n. 5.209/2004 e na Portaria 660/2004; sendo

posteriormente detalhado o controle social mediante a Portaria GM/MDS n.246/2005

que exige do município ter ICS legalmente constituída como condição necessária para

receber os incentivos financeiros previstos, inclusive os relativos à atualização do

CadÚnico e ao IGD .

Por meio da Instrução Normativa MDS n. 1/2005 foram detalhados os

procedimentos para a constituição das ICS no nível municipal, a partir da discriminação

das funções do poder público, da composição da sociedade civil no conselho, dos

critérios para a eleição de seus membros, além das atribuições destas instâncias.

Apesar da institucionalização do controle social apresentar um desafio não só para

PBF, mas para as políticas públicas de forma geral, haja vista a fragilidade de

mobilização social e a pouca tradição democrática do poder público, acredita-se que o

aparato legal busca oferecer maior transparência ao processo e responsabilização dos

diferentes atores envolvidos, aproximando os cidadãos do espaço público.

Conforme Coutinho, o programa não é capaz de, por si só, promover um

novo ciclo de desenvolvimento econômico ou mesmo ser a única das políticas sociais

brasileiras.465 Reconhece, contudo, a contribuição para uma significativa redução da

desigualdade e da pobreza, principalmente por sua inovação em relação ao padrão de

política social no Brasil e, diante, da existência de um importante arcabouço jurídico que

possibilita organicidade à combinação de uma política universal e focalizada.

Assim, parece que o PBF vem destacando-se dos demais programas de

transferência de renda da América Latina em virtude de apresentar elementos

distintivos, tais como sua larga escala, seu mecanismo de gestão descentralizado, a

utilização de mecanismos de estímulo ao desempenho administrativo dos municípios

465COUTINHO, Diogo R. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa Bolsa

Família. In: SCHAPIRO, Mário G.; TRUBEK, David M. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os Brics. São Paulo: Saraiva, 2012, p.117.

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que dele participam, seu papel de política social integradora e o fato de poder ser

descrito como um laboratório natural de inovação.466

No que atine aos efeitos do PBF, Campello pontua que em virtude de seu

desenho adequado e à sua contínua expansão e aprimoramento, provocou redução da

pobreza e da desigualdade, promoveu a inclusão nas políticas públicas de educação e

saúde, reduziu a insegurança alimentar, e fortaleceu a trajetória escolar e a saúde de

crianças e adolescentes, aumentando o compromisso destas políticas com as parcelas

mais pobres da população brasileira.467

No que concerne às limitações apontadas ao Programa, destaca-se, a

discricionariedade do Executivo na definição da condição para ingresso e no número de

beneficiários, o baixo valor auferido, o regramento das condicionalidades e déficit de

informação e participação dos beneficiários.

O arcabouço normativo do PBF atribui ao Poder Executivo a definição do que

é ser extremamente pobre ou pobre, o número de pessoas atendidas e o valor a ser

pago. Essa ampla discricionariedade permitida pela normatização do programa gera a

debilidade de ficar refém da concepção politica do governo eleito, o que contribuiria

para o reforço de uma lógica clientelista. Outrossim, a definição arbitrária de um valor

per capta muito baixo tende a impossibilitar a inclusão de famílias que, apesar de

situadas em uma faixa de renda acima do valor definido, encontram-se também em

situação de pobreza.468

O valor do benefício auferido, em que pese repercutir de forma significativa

na formação subjetiva de seus beneficiários, ainda é pouco representativo para a

preservação da dignidade nas relações sociais. Não é suficiente amenizar a pobreza, é

essencial que a violação a direitos fundamentais seja eliminada.

466COUTINHO, Diogo R. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa Bolsa

Família. In: SCHAPIRO, Mário G.; TRUBEK, David M. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os Brics. São Paulo: Saraiva, 2012, p.77. 467

CAMPELLO, Tereza. Uma década derrubando mitos e superando expectativas. In: CAMPELLO,

Tereza; NERI, Marcelo Côrtes(orgs).Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013,p.19. 468

SENNA, Mônica de Castro Maia; MONNERAT, Gisele Lavinas; Schottz, Vanessa; MAGALHÃES,

Rosana; BURLANDY, Luciene. Programa bolsa família: nova institucionalidade no campo da política social brasileira? Revista Katálysis. Santa Catarina.v.10, n. 1, pp.86-94, 2007, p. 93.

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Zimmermann entende que a condição da pessoa deveria ser o único critério

para o ingresso no programa. ―(...) o Bolsa Família não é concedido com base na

concepção de garantir o benefício a todos que dele necessitem. Adota, ao contrário,

seletividade por vezes excludentes‖, o que viola a lógica dos direitos469.

Em torno da questão que surge quando se atenta para o contraditório e

oposto à lógica dos direitos no PBF é que identifica as famílias necessitadas, mas não

as inclui automaticamente, sendo a preferência das famílias em situação de extrema

pobreza. Argumenta-se quanto ao ingresso no programa que deveria realizar-se com

base, exclusivamente, nos critérios de admissibilidade, como no caso do BPC.470

Assim, para o autor, o poder executivo pode contrariar os objetivos do

programa ao estabelecer valores mínimos. O ponto mais frágil do PBF dar-se-ia na

limitação das famílias para ingresso nele - mesmo atendendo aos critérios de

elegibilidade nem todas ingressarão, apesar da flexibilidade legal em relação à

definição do benefício e dos destinatários. As normas contribuem para uma flexibilidade

orçamentária: a prioridade torna-se o orçamento e não as metas.

Outro ponto a se considerar é o questionamento da capacidade dos

municípios no acompanhamento das condicionalidades, manifestando a fragilidade da

institucionalidade pública do PBF nesse ponto.

Ademais, apesar da recomendação da adoção de programas

complementares, tais como aqueles voltados à geração de emprego e renda, cursos

profissionalizantes, microcrédito, entre outros, estas ações não integram o conjunto de

condicionalidades imposto ao PBF, fato que levanta questões sobre o alcance das

contrapartidas como estratégia de inclusão social, tal como enunciado em documentos

oficiais do programa.471

Outra limitação atine ao grande desconhecimento por parte das famílias

beneficiadas com relação às regras do PBF, o que acaba gerando uma relação de

469ZIMMERMANN, C. R. Os Programas Sociais sob a ótica de Direitos Humanos: O caso do Bolsa

Família do Governo Lula no Brasil. Revista Internacional de Direitos Humanos. nº 4, Ano 3, 2006, p.152. 470

ZIMMERMANN, C. R. Os Programas Sociais sob a ótica de Direitos Humanos: O caso do Bolsa Família do Governo Lula no Brasil. Revista Internacional de Direitos Humanos. nº 4, Ano 3, 2006, p. 153. 471

MONNERAT, Giselle Lavina; SENNA, Mônica de Castro Maia; SCHOTTZ, Vanessa; MAGALHÃES,

Rosana; BURLABDY, Luciene. Do direito incondicional à condicionalidade do direito: as contrapartidas do Programa Bolsa Família. Revista Ciência e Saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 12, n.6, pp.1453-1462, 2007,p.1462.

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desconfiança e incompreensão por parte dos beneficiados, gestores e membros de

ICS. Esse problema gera e, ao mesmo tempo, é agravado pela pouca participação dos

beneficiários na implementação e operacionalização do programa, não reconhecendo

as ICS como um locus de participação.472

Nesse sentido, a conscientização do PBF como uma política pública de

afirmação de direitos, perpassa entre outros obstáculos por uma implementação

dialógica, pautada por uma publicidade efetiva.

Quanto à estrutura disponibilizada pelo poder público para execução do PBF,

é possível identificar limitações, iniciando-se pela falta de adequação dos CRAS em

relação ao local de atendimento aos usuários. Em pesquisa de campo, foi também

citada a falta dos recursos materiais como computadores, acesso a rede de internet e

de telefone em alguns locais de atendimento, o que impede o cadastramento das

famílias e prejudica o acompanhamento daquelas já cadastradas, além de dificultar os

encaminhamentos e articulações com outras políticas e com a rede socioassistencial. O

acompanhamento às famílias é feito por estagiários que não são os mesmos que

atendem e acompanham as famílias, ocorrendo uma troca de informações de acordo

com o interesse do cadastrador e do profissional da ponta, sem nenhum controle ou

regularidade para que isso ocorra. Não é feita nenhuma avaliação da situação

qualitativa da família onde se identifiquem avanços ou retrocessos que venham a

contribuir para a verificação da efetividade do benefício.473

A falta desse olhar prejudica as famílias no momento do recadastramento e

na manutenção ou cancelamento do PBF, pois não reflete os processos pelos quais as

famílias estão passando, suas forças e fraquezas, o que precisa ou não ser

potencializado para chegarem ao patamar de autonomia e poderem ser desligadas com

resultados mais efetivos. Para a melhoria do PBF as profissionais sugerem cursos de

geração de renda; a participação dos usuários para pensar o programa e suas

melhorias, com um valor regionalizado de acordo com o custo de vida de cada local;

472MARTINS, Juliane. Análise crítica da estrutura normativa do Programa Bolsa Família. Disponível em:

http://www.administradores.com.br/artigos/marketing/analise-critica-da-estrutura-normativa-do-programa-bolsa-familia/36563/. Acesso em: 04 jul. 2014. 473

CAVALCANTI, Pedro Luiz. Programa Bolsa Família: Descentralização, Centralização ou Gestão em redes? II Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 19: Implementação de processo de monitoramento e avaliação dos programas de transferências de renda.

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maior clareza e um trabalho efetivo e de qualidade para a autonomia dos usuários;

gestão clara do programa; avaliação e monitoramento permanentes; qualificação do

serviço público; garantia do programa como direito e implantação dos CRAs.474

Por sua vez, como sugestão de melhora para o PBF, as famílias apontam a

necessidade da continuidade do programa, o aumento do valor recebido, o

desenvolvimento de cursos que auxiliem para o emprego e a existência de um local em

que as mães possam opinar e serem ouvidas. Para o seu desligamento dizem ser

necessário estar bem empregadas, recebendo um salário ou renda fixa suficiente para

seu sustento e melhorar as condições da casa. O desligamento aparece como uma

perda significativa na vida das famílias, mas elas, apesar de demonstrarem que

passariam por dificuldades, têm presente que este benefício pode se encerrar e que

outras pessoas também têm necessidade e precisam do mesmo auxílio.475

Diante do exposto, considera-se que o PBF, com seus ganhos e limitações,

não é suficiente para garantir a autonomia dos indivíduos. Mesmo recebendo o

benefício, muitas famílias são incapazes de superar alguns problemas relacionados à

saúde, moradia, trabalho, entre outros que afligem a população mais vulnerável. De

fato, não se espera que apenas por meio da distribuição de renda todas as capacidades

sejam desenvolvidas. A transferência de renda permite a muitas famílias beneficiárias

melhorarem suas condições de vida, através de uma alimentação mais adequada,

melhorias na moradia, aquisição de bens de consumo, entre outros aspectos. Porém,

apenas a transferência de renda não basta para a realização de uma mudança efetiva

nas condições e no modo de vida das famílias que dela necessitam.

474CAVALCANTI, Pedro Luiz. Programa Bolsa Família: Descentralização, Centralização ou Gestão em

redes? II Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 19: Implementação de processo de monitoramento e avaliação dos programas de transferências de renda. 475

CAVALCANTI, Pedro Luiz. Programa Bolsa Família: Descentralização, Centralização ou Gestão em redes? II Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 19: Implementação de processo de monitoramento e avaliação dos programas de transferências de renda.

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2.3.1. Ciclo das políticas públicas e o desafio da definição de competências

O debate sobre a implementação de políticas públicas, em uma certa

vertente da ciência política, desenvolve-se por outro viés e conclui que a distância entre

o desenho de um programa e as intervenções públicas que traduzem esse desenho é

uma contingência da implementação. Em outras palavras, as pesquisas demonstram

que a implementação modifica as políticas públicas, sendo a formulação apenas uma

fase da ―vida‖ de uma política, ―embora possa ocorrer coincidência entre a figura dos

formuladores e a figura dos implementadores, é muito raro que isto ocorra‖.476

Bichir utiliza o termo ―ponta‖ para se referir àqueles que, em âmbito local,

realizam o trabalho de ―funcionários de nível da rua‖, como ocorre nos CRAS. 477Nesta

pesquisa entende-se que a ―ponta‖ diz respeito à gestão nos estados e municípios em

contraposição ao ―topo‖, que se refere à gestão federal.

Estudos apontam para certa complementaridade, chamando a atenção para

experiências concretas que ilustram a possibilidade de que ferramentas jurídicas

tradicionais e instrumentos relativamente novos (que trazem inovações tais como a

participação das partes interessadas na busca de soluções, normas flexíveis e padrões

revisáveis, uso de indicadores, entre outros) sejam integrados em um único sistema.478

Descrevendo-se o processo de implementação do PBF, com especial

atenção à forma como o direito se estrutura nela, percebe-se uma perspectiva

demasiadamente focada na contenção do poder, desconsiderando a discricionariedade

como algo inevitável e que, no processo de implementação de uma política, ela pode

inclusive ser positiva ao possibilitar a incorporação de soluções menos padronizadas.

Essa ótica de análise acaba deixando de incorporar a possibilidade de adaptação do

desenho das políticas ao longo do processo de implementação.

Nesse contexto, essa pesquisa busca demonstrar, na ótica do direito, com o

PBF, sob uma perspectiva mais aberta às transformações que podem ocorrer, e

476ARRETCHE, Marta. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: BARREIRA,

Maria Cecília Roxo Nobre. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001.p. 52 e 47. 477

BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais. 2011. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2011. 478

TRUBEK, Louise; TRUBEK, David. New governance and legal regulation: complementarity, rivalry and transformation, 2007.Disponível em: <www.law.wisc.edu/facstaff/trubek/Coexistence__CJEL__Final.doc>.

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inevitavelmente ocorrem, ao longo de sua implementação, que tanto o desenho da

política quanto sua aplicação na ponta são relevantes. No mesmo sentido,

compreende-se que diversos atores, sejam eles ―burocratas de nível de rua‖ ou de ―alto

escalão‖, possuem instrumentos para alterar a política tal como inicialmente concebida.

Para cumprir os ideais do Estado Social, a ação dos governantes deve ser

racional e planejada, o que ocorre por meio da elaboração e implementação de políticas

públicas. E, para Clarice Duarte ―Estamos falando da noção de política pública

entendida como uma forma de concretizar direitos composta por diversos elementos e

etapas, combinando fatores jurídicos, econômicos, políticos etc‖.A partir disso, para

essa autora, ―(...) é preciso compreender a complexidade desse conceito, tanto no que

se refere aos elementos que o compõem, como às suas etapas de realização – da

elaboração e planejamento à implementação, avaliação e fiscalização, passando por

decisões sobre a escolha das prioridades e alocação de recursos.479

A partir da conceituação de políticas públicas proposta por Bucci, Duarte

discorre sobre quatro elementos que as caracterizam: ação, coordenação, processo e

programa. A ação caracteriza as políticas públicas que afinal surgem toda vez que o

Estado é incitado a agir; e, ―em um Estado Social e Democrático de Direito, tal ação

deve estar voltada para a realização de objetivos coletivos, notadamente a redução das

desigualdades existentes na sociedade e a produção de justiça social.‖ Tem-se que

―Para evitar duplicidade de iniciativas e desperdício de recursos públicos, deve haver

articulação entre as iniciativas‖ dos diversos Poderes, esferas da Federação e órgãos

do governo, envolvendo assim a participação de todos. No tocante ao processo

considera-se que ―A concretização de uma política envolve processos de natureza

administrativa, orçamentária, legislativa, etc.‖480

Nesse contexto, também considera-se a dimensão temporal das políticas

públicas e a partir disso, ―a importância do estabelecimento de metas que permitam o

planejamento de avanços na concretização do direito ao longo do tempo(...)‖. Quanto

ao programa diz-se que ele descreve ―o conteúdo da ação governamental propriamente

479DUARTE, Clarice Seixas. O Ciclo das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN,

Patrícia Tuma Martins;(Orgs.)O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas,2013.p.17-20-17 480

DUARTE, Clarice Seixas. O Ciclo das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins;(Orgs.)O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo:Atlas, 2013.p.21-22-23

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dita, conteúdo este que é resultado de opções políticas concretas tomadas para a

garantia dos mais variados direitos.‖481

No tocante às atividades e etapas que envolvem o processo de definição e

implementação das políticas públicas, Duarte destaca a identificação do problemas e

demandas para então ir-se para definição de prioridades; formulação de propostas;

implementação propriamente dita; avaliação dos resultados e impacto da política; e

fiscalização e controle; alertando que essas diferentes fases, materializadas na forma

de uma sucessão de eventos e acontecimentos de natureza diversa, não ocorrem de

forma linear ou estanque, mas constituem um processo cheio de idas e vindas.482

A etapa da formulação ou planejamento deve levar em conta os meios e

recursos à disposição do Estado que permitirão alcançar-se os resultados esperados,

lembrando-se que ―no âmbito de um Estado Social e Democrático de Direito, o que se

exige (...) é a atuação coordenada dos Poderes Públicos em prol da efetivação de

direitos, destacando-se, ainda, a atuação da sociedade civil, que deve assumir uma

postura ativa‖ também no processo de elaboração das políticas públicas.483

Na fase de execução ou implementação devem ser observados ―os

princípios e diretrizes estabelecidos na fase inicial de formulação‖, atentando-se para o

comum fato da ocorrência de desvios no processo de execução. Na etapa da avaliação

verifica-se o impacto concreto da política, se os objetivos serão alcançados e se algo

precisa ser modificado.484 Enquanto isso, a fase da fiscalização e controle é

fundamental e deve ser desenvolvida pelos mais diversos atores: o Judiciário, a

sociedade civil, os Tribunais de Contas, o Ministério Público, enfim.

Duarte destaca a garantia de participação social no processo de tomada de

decisões políticas em um Estado Democrático de Direito como ponto de grande

relevância. A autora considera que a CRF/88 garante uma série de canais para

manifestação da população no processo de fiscalização e controle de uma política

481DUARTE, Clarice Seixas. O Ciclo das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN,

Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.25. 482

DUARTE, Clarice Seixas. O Ciclo das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.26. 483

DUARTE, Clarice Seixas. O Ciclo das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.30. 484

ARZABE, Patrícia Helena Massa. Dimensão jurídica das Políticas Públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.p.31 e 70.

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pública, mas questiona se ―a sociedade civil tem um papel decisivo na definição da

agenda governamental‖, pois acredita estarmos longe de ―um sistema que permita de

fato a intervenção da sociedade civil em todas as etapas do ciclo da política pública‖.485

O MDS foi criado em 23 de janeiro de 2004 pela Medida Provisória nº 163,

Convertida na Lei nº 10.869, de 2004 (alterou a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003)

que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Houve

a unificação de três pastas da área social – o Ministério da Assistência Social (MAS), o

Gabinete Extraordinário do Ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome

(Mesa), e a Secretaria-Executiva do PBF486. O MDS passou a administrar todos os

programas sociais, articulando-os numa política integrada de proteção social.

A atuação do MDS está centrada na articulação e execução das políticas

sociais do Governo Federal que sejam a expressão do enquadramento dos problemas

da fome e da exclusão social como questões prioritárias na agenda nacional. A gestão

e operacionalização dos programas dependem da coordenação entre os setores da

esfera de governo a qual esteja diretamente ligada, a política, os níveis federal,

estadual e municipal. Ainda, considerando a complexidade das demandas sociais,

conjugada ao fator da implementação descentralizada dos programas do MDS, faz-se

mister uma articulação ou integração no nível da família, da comunidade e do território.

Políticas de segurança alimentar e nutricional, de assistência social e de

renda de cidadania estão a cargo da organização institucional do MDS, divididas em

secretarias finalísticas: Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

(SESAN), a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) e Secretaria Nacional de

Renda de Cidadania (SENARC); Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias

(SAIP) e Secretaria de Avaliação e Gestão de Informação (SAGI), para o

desenvolvimento de atividades-meio.

A SENARC teve sua estrutura e competências estabelecidas no artigo 7º, do

Anexo I, do Decreto nº 5.074, de 11 de maio de 2004, sendo composta pelos

485DUARTE, Clarice Seixas. Para além da Judicialização: a necessidade de uma nova forma de

abordagem das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BRASIL, Patrícia Cristina; (Orgs.). O Direito na fronteira das políticas públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015.p.17. 486Organograma. Disponível em: <www.mds.gov.br/institucional/o-ministerio/copy _of_estrutura/>.

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Departamentos de Operação, de Gestão dos Programas de Transferência de Renda e

de Cadastro Único487, tendo como atribuições a elaboração das normas e regulamentos

do PBF, a gestão do Cadúnico, a fiscalização da gestão local do PBF, a promoção de

melhorias, fomentando a utilização do SIBEC por parte desses gestores municipais, dos

coordenadores estaduais e membros das instâncias de controle social e integrantes da

Rede Pública de Fiscalização do PBF, com vistas à eficiência, eficácia e transparência

nas ações de gestão de benefícios. Ainda, cabe-lhe promover a expansão de boas

práticas entre os gestores municipais, divulgando-as nacionalmente, bem como outras

atividades relacionadas com a gestão e controle do programa e seus benefícios488.

A Rede Pública de Fiscalização do PBF foi criada em janeiro de 2005, sendo

composta pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais, pela Controladoria-Geral da

União (CGU) e pelo TCU. Dessa forma, a integração do trabalho dessas instituições,

somada à atuação do MDS rumam ao fortalecimento do monitoramento e do controle

das ações voltadas à execução do programa. Há ainda, outras ferramentas e

instrumentos do Programa que serão abordados no tópico seguinte.

O grande ponto que se coloca é que em que pese o art. 23, inciso X da

CF/88 determinar como competência comum aos entes federativos ―combater as

causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos

setores desfavorecidos‖, não há previsão de procedimentos e instrumentos necessários

à aludida atuação conjunta. Diante desse cenário, a implementação de políticas

públicas no Brasil passa pelo enfrentamento da articulação sob três eixos, quais sejam,

responsabilização e definição de competências de cada ente federado individualmente,

a definição do que é comum a todos eles e os mecanismos de integração/coordenação

para a operacionalização do trabalho compartilhado.489

487SENARC. Desenvolvimento Social. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/institucional/

secretarias/secretaria-nacional-de-renda-de-cidadania>. . 488

BRASIL. 2006. Relatório de Acompanhamento do PBF. TCU. Ubiratan Aguiar (Ministro relator). Brasília. Secretaria de fiscalização e avaliação de programas de governo Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/assistencia_social/Relat%C3%B3rio%20de%20Acompanhamento%20do%20PBF_janeiro_0.pdf. so.p.11. 489

CAVALCANTI, Pedro Luiz. Programa Bolsa Família: Descentralização, Centralização ou Gestão em redes? II Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 19: Implementação de processo de monitoramento e avaliação dos programas de transferências de renda.

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2.3.2. Ferramentas e instrumentos jurídicos do Programa

Trabalha-se com a ideia de que o PBF, apesar de não ter criado categorias

totalmente novas nem ter inventado uma racionalidade própria, possui ferramentas e

mecanismos de implementação que funcionam de uma maneira mais dinâmica e

interativa do que sugerem conceitos relacionados à ação do Poder Executivo, como

separação dos poderes e ato normativo. As ferramentas do programa são mais

dinâmicas porque se alteram por meio de processos internos à burocracia estatal e,

dessa maneira, produzem e precisam de alguma flexibilidade para se ajustar e se

adaptar. Por exemplo, algumas transformações relevantes do PBF ocorreram por meio

de portarias internas que são instrumentos mais flexíveis e revisáveis e, apenas depois

de incorporadas à prática foram fixadas em leis (e algumas vezes, não o foram).

Assim, a análise das ferramentas do PBF permite perceber algumas

características do programa que se opõem a uma leitura mais tradicional de categorias

do direito administrativo. É o caso do processo de criação do IGD que não decorreu da

aprovação de lei pelo Congresso Nacional ou de decreto pelo Executivo, mostrando

que não necessariamente a previsão legal antecede e formata a política, havendo

ocasiões em que mudanças de alta relevância ocorrem antes e independentemente de

estarem previamente disciplinada sem lei. Isso reflete um direito mais dinâmico e

articulado. O mesmo se vê na própria concepção de IGD, uma vez que ele permite aos

estados e municípios optarem pela adesão maior ou menor às exigências do programa.

Do mesmo modo, o funcionamento das ICS desafia explicações do direito

administrativo baseadas na autoridade da administração sobre o particular na medida

em que, ao serem paritárias, dependem de uma ação articulada e horizontal entre

ambos. Além disso, as ICS funcionam como um mecanismo de controle da política que

agrega Poder Público e sociedade em uma mesma instância, fugindo ao formato de

controladores usualmente descrito por certa literatura do direito administrativo.

O CadÚnico é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de

baixa renda, entendidas como aquelas que têm renda mensal de até meio salário

mínimo por pessoa ou renda mensal total de até três salários mínimos, permitindo-se

conhecer a sua realidade socioeconômica. O Governo Federal, por meio de um sistema

informatizado, consolida os dados coletados por essa ferramenta e, a partir daí o poder

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público pode formular e implementar políticas específicas que contribuam para a

redução das vulnerabilidades sociais detectadas. O CadÚnico é coordenado pelo MDS,

devendo ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários de programas

sociais do Governo Federal.490

O Banco de Dados do CadÚnico, alimentado pelos municípios, serve de

fonte para o Governo Federal através da SENARC selecionar as famílias que serão

beneficiadas pelo PBF, priorizando as famílias de menor renda per capita. De acordo

com art.18, § 1°, Decreto n° 5209/04, o MDS estabelecerá critérios para que as famílias

mais vulneráveis tenham preferência. A inclusão depende da disponibilidade

orçamentária e financeira existente, sendo que as famílias oriundas dos programas

anteriores tem prioridade sobre as famílias novas, bem como, as famílias identificadas

no CadUnico como indígenas e quilombolas. A utilização pelos governos federal,

estadual e municipal de um único cadastro possibilita-lhes a verificação da assistência

ou não de todas as famílias de baixa renda pelos programas sociais, de modo a atacar

o problema da sobreposição de programas para a mesma família.

O PBF prevê as Instâncias de Controle Social (ICS) a serem instituídas

formalmente pelo municípios no ato de adesão ao programa, buscando garantir aos

cidadãos espaço para o seu acompanhamento e buscando assegurar os interesses da

sociedade. Uma parceria entre Estado e sociedade que pretende compartilhar

responsabilidades e proporcionar transparência às ações do poder público.491 Assim, os

estados e os municípios devem criar sua ICS para acompanhar o desenvolvimento do

PBF, apoiar a integração com as áreas de Saúde e Educação e com políticas públicas

que ajudem a melhorar a vida das famílias beneficiárias, ajudar na identificação das

famílias mais pobres do município que têm direito ao Programa e comunicar os

problemas ao gestor municipal e à Rede Pública de Fiscalização do PBF.492

As ICS devem ser permanentes, criadas pelo Prefeito ou Governador por

meio de Decreto e apresentando os nomes das pessoas do governo e da sociedade

que as compõem e têm as seguintes atribuições: atuação no processo de Cadúnico, na

490MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico acesso 24 de maio 2015

491MDS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/controlesocial acesso 24 de maio de 2015

492Disponível em: <http://www.promenino.org.br/Portals/0/Biblioteca/PDF/Instancias%20de%20

Controle%20Social%20do%20Programa%20Bolsa%20Familia.pdf>. .

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gestão de benefícios, nas condicionalidades (verificar, acompanhar e fiscalizar) e nos

programas complementares 493. O controle social é a participação do cidadão na gestão

pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da administração

pública no acompanhamento das políticas, sendo um importante mecanismo de

fortalecimento da cidadania.

O estudo de caso através do PBF revela aspectos do funcionamento das

políticas públicas ―para além dos manuais‖. Ainda que se aproveite de elementos que já

estavam presentes em programas que o antecederam, o PBF traz questionamentos às

categorias com as quais uma abordagem do direito costuma trabalhar, conquanto

venha passando por processos paulatinos e contínuos de construção e reconstrução,

mais dinâmicos do que sugerem definições de conceitos jurídicos administrativos como

―ato administrativo‖, ―separação de poderes‖, ―discricionariedade‖, entre outros.494 Isso

parece demonstrar que há um descompasso entre algumas explicações jurídicas

tradicionais e a prática das políticas públicas. Elementos extraídos de um estudo de

caso parecem apontar para algumas leituras que temos hoje como incompatíveis com a

realidade da implementação das políticas públicas.

O PBF é entendido como um exemplo de uma racionalidade jurídica da administração que parece estar presente em outras políticas públicas.(...)Essa racionalidade, que não tem sido observada em manuais, diz respeito mais a uma mudança na forma como ferramentas jurídicas antigas se relacionam e interagem e menos às transformações das ferramentas em si.495

O PBF mostra que o exercício de múltiplas funções pelo Executivo, tal qual a

normativa, se dão sob uma lógica mais experimental por meio da qual a administração

constantemente cria e concretiza mudanças. Nesse sentido, o papel normativo é

exercido muitas vezes por meio de Portarias (caso do IGD) sequer pretendendo

regulamentar uma lei aprovada no exercício da função legislativa. Nota-se que uma

493Controle social. Disponível em: <http:// www.ipc-undp.org/doc-africa-brazil/10.SENARC_ Controle

_social_PBF_Camille_Mesquista.pdf>. 494

ANNENBERG, Flávia Xavier. Direito e políticas públicas: uma análise do direito administrativo a partir do estudo de caso do Programa Bolsa Família. 2014. Dissertação (Mestrado em Mestrado) - Faculdade de Direito da USP. p.128 495

ANNENBERG, Flávia Xavier. Direito e políticas públicas: uma análise do direito administrativo a partir do estudo de caso do Programa Bolsa Família. 2014. Dissertação (Mestrado em Mestrado) - Faculdade de Direito da USP.p.128-129.

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norma que, em tese, teria menor potencial vinculativo acaba por exercer, na realidade

de um programa social, uma função de definição de atribuições e objetivos a serem

cumpridos. As Portarias e até mesmo as Instruções Operacionais são respeitadas pelos

atores envolvidos e dão origem a mudanças concretas antes que elas passem por

discussões legislativas (às vezes, sequer passam, caso das condicionalidades).

No caso das condicionalidades, a partir de um mesmo texto legal sucessivas

Portarias foram alterando pontos centrais no seu desenho, havendo diferenças

substantivas entre o modelo mais recente e o originalmente criado sem que isso tenha

derivado de típicas funções legislativa e executiva. Do mesmo modo, a criação do IGD

é ilustrativa desse ponto, pois ocorreu por Portaria, numa espécie de teste da

ferramenta antes de sua cristalização por meios mais institucionalizados, como uma lei.

Assim, enquanto somente a lei permitiria à administração proibir ou impor

comportamentos, conforme se percebe na história do PBF, mudanças implicam novas

atribuições a diversos atores públicos sem que isso esteja delineado em lei. Para Bruno

Câmara essa é uma vantagem no modo de funcionamento do programa, conquanto a

elaboração de normas no âmbito burocrático caracteriza-se por um maior

comprometimento dos atores envolvidos no processo e pela maior coerência com a

totalidade do arcabouço normativo do programa.496

O PBF parece sugerir que categorias mais abertas, capazes de reconhecer a

possibilidade de incorporação de aprendizados ao longo da implementação das

políticas públicas, talvez sejam mais completas para explicar sua dinâmica. A mudança

de ―termos de cooperação‖ para ―termos de adesão‖, por exemplo, ocorreu como

resultado da observação empírica de que o primeiro instrumento não colocaria o Bolsa

Família em funcionamento com a agilidade que era necessária naquele momento. Da

mesma forma, a possibilidade de alterações constantes nos sistemas do CadÚnico abre

espaço para uma política que testa suas ferramentas, aproveitando o que é bem

avaliado e rejeitando o que não combina com os propósitos do programa.

A questão das condicionalidades, conforme já referido, é outro ponto que

corrobora essa capacidade do PBF de ser revisado pela administração enquanto é

496Entrevista concedida por Bruno Câmara, advogado e gestor na SENARC/MDS, Brasília, 2010.

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implementado refletindo-se na alteração dos efeitos sobre os benefícios de famílias em

situação de descumprimento de condicionalidades. Observe-se, para tanto, conforme

mostrado no tópico 1.2 do capítulo 1, a migração de uma perspectiva desses efeitos

enquanto ―sanções‖ para uma concepção de garantia de direitos que ocorreu sem que,

para tanto, houvesse qualquer interrupção na implementação da política. Do mesmo

modo, a relação com a assistência social e o papel das ICS no monitoramento das

condicionalidades também foram alterados com a política ―em movimento‖.

As condicionalidades ilustram esse movimento das políticas públicas ao

passo de uma distância das leituras tradicionais do direito, uma racionalidade que

divide os fatos entre jurídicos e não jurídicos ou permitidos e proibidos. O raciocínio

subjacente a essas categorias gira em torno de questões do tipo ―Alguém pode exigir

algo?‖, ―Alguém pode ser exigido quanto a algo?‖, ―Qual texto gera direitos e deveres?‖,

―Alguma norma exige que esta decisão seja desfeita por uma autoridade de controle?‖ e

―Por causa disso ou daquilo, alguém pode ser punido por uma autoridade?‖.497 Essas

questões não são tão úteis para explicar situações em que há figuras que não são

exatamente direitos nem deveres, que causam efeitos diferentes de punições, que são

controlados pela esfera pública em geral e não apenas por uma autoridade.

No modelo atual das condicionalidades o descumprimento das contrapartidas

não gera sanções impostas por uma autoridade. Busca-se alertar o Poder Público para

situações de carência em educação e saúde, utilizando uma lógica de estímulos para o

beneficiário e para a administração. Abordado em tópico específico (1.2 do capítulo 1),

do ponto de vista da garantia de direitos, esse método pode ser mais efetivo do que a

lógica punitiva cujo primeiro objetivo seja desligar famílias do programa, colocando

―deveres‖ como contrapartidas a ―direitos‖ que se não cumpridos gerariam ―sanções‖.

O PBF transfere aos municípios o principal papel de gestão do programa e

essa descentralização facilita a identificação das dificuldades e necessidades

socioeconômicas dos beneficiários e de suas soluções. O Índice de Gestão

Descentralizado, IGD, foi criado em 2005, estabelecendo um critério para a

disponibilização aos municípios dos recursos referentes ao PBF. O IGD serve para o

Governo Federal avaliar o desempenho desses municípios na gestão do programa e as

497SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros,2013.p.34.

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informações são utilizadas pelo MDS para o repasse de recursos, buscando-se

aperfeiçoar as ações de gestão dos estados e dos municípios.498

Essa gestão descentralizada permite União, Estados, Distrito Federal e

Municípios compartilharem entre si os processos de tomadas de decisão, criando bases

de cooperação para o combate à pobreza e à exclusão social. Buscando o

aprimoramento dessa gestão, o MDS desenvolveu o Plano de Acompanhamento da

Qualidade da Gestão Municipal. Com base no IGD, alguns municípios são selecionados

para receber visita técnica multidisciplinar do MDS, com acompanhamento da

respectiva coordenação estadual. Quando bem executadas, essas ações ajudam a

melhorar a qualidade da gestão, proporcionando mais recursos do IGD para serem

reaplicados pelo município nos processos de gestão do PBF e do CadÚnico.499

O IGD tem sido apontado como um dos fatores que contribuem para

melhoria no repasse das informações pelos municípios com relação ao cumprimento

das condicionalidades. Relaciona-se esse fato à remuneração atribuída aos municípios

com base no desempenho da execução do programa. Cada município recebe,

mensalmente, recursos do Governo Federal a fim de viabilizar o controle em relação

aos benefícios e mensurar o nível de adesão dos beneficiários às condicionalidades,

além de controlar o cadastramento, a cada dois anos, no intuito de se evitar o

cruzamento de dados falsos. Fato que termina por contribuir para que as prefeituras

mantenham alto índice e recebam mais recursos em função do IGD de cada município

que é composto pelas seguintes variáveis (cada uma com 25% da composição do IGD):

Frequência escolar; Acompanhamento dos beneficiários nos postos de saúde;

Cadastramento correto; Atualizações cadastrais.500

Dessa forma, o IGD é mais uma ferramenta que permite uma relação entre

entes federativos que não se baseia em ameaças punitivas, mas em incentivos para a

498A Portaria GM/MDS n.º 148, de 27 de abril de 2006, criou o Índice de Gestão Descentralizada – IGD

que mede a qualidade da gestão do Programa no âmbito municipal. 499

Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/gestaodescentralizada acesso 24 de maio de2015 500BRASIL. Fiscalis n.º 12/2009. Relatório de Acompanhamento do PBF. TCU. Ministro Benjamin Zymler (Ministro relator). Brasília. Secretaria de fiscalização e avaliação de programas de governo. Disponível:http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/assistencia_social/Relat%C3%B3rio%20de%20Acompanhamento%20do%20PBF_janeiro_0.pdf.,p.15.

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realização de uma gestão local que pode sofrer consequências mais ou menos fortes, o

que é diferente da aplicação de uma lógica binária do tipo ―tudo ou nada‖.

Desenhos mais sofisticados de políticas públicas buscam a interação entre

diferentes órgãos e níveis federativos, sendo mais funcional a ação articulada do que a

atribuição de competências inflexíveis. Eis o exemplo da gestão das condicionalidades

em que assistência social, saúde e educação precisam compartilhar responsabilidades

para que a dinâmica de ―sinais de alerta‖ funcione, independentemente disso estar

detalhado em leis e regulamentos. Da mesma forma, União, estados e municípios têm

fortes mecanismos de interação e assumem atribuições conjuntas para que se realize o

fluxo de informações do qual depende esse desenho.

Tem-se que o desenvolvimento de estratégias na gestão do PBF inclui ações

trabalhosas e de grandes dimensões, orientando-se os gestores a desenvolvê-las em

parceria com organizações da sociedade civil, com as ICS e com outros órgãos

públicos, enquanto que a doutrina jurídica trata da discricionariedade de uma forma

menos voltada à procura da melhor decisão possível e ―mais preocupada com a busca

do que são, intrinsecamente, atos vinculados ou discricionários, ou com o delineamento

de critérios para disciplinar a liberdade de escolha do agente público‖501.

Nesse contexto, percebe-se um desestímulo à utilização de ―testes‖ no

decorrer da implementação das políticas públicas, pois a aposta em tentativas e erros

faz uso de um experimentalismo que, da perspectiva jurídica tradicional, deve ser

contido. Enquanto isso, a racionalidade do programa leva aos os gestores a explorar

diferentes formas de realizá-lo, procurando abrir caminhos para soluções criativas. No

mais, dificuldades de implementação do PBF em municípios sugerem a importância de

que o programa seja permeável, pois a carência de capacidade administrativa local

reforça o quanto o desenho do programa precisa estar aberto à incorporação de

práticas observadas em experiências municipais e estaduais.

As ICS do PBF são formas de controle que trabalham de uma maneira

distinta do que tradicionalmente se conhece como ―controladores‖, dado que devem

funcionar como locus não apenas de fiscalização, mas de participação e avaliação. No

501COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos

Aurélio Pimenta de (eds.). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013. p.188.

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mais, reúnem sociedade e governo de forma paritária, abrindo uma possibilidade de

diálogo mais abrangente e completa do que a mera atividade fiscalizatória. Nesse

sentido, a importância do equilíbrio, a exemplo da dinâmica das condicionalidades na

qual, há evidência de desequilíbrios ―na ponta‖ a partir do momento em que os gestores

relatam que o descumprimento está associado à sensação dos beneficiários de que

eles cumprem ―sua parte do acordo‖ ao passo que o poder público não o faz.

Bebendo na fonte da autora Lobel que constrói um contraponto entre um

―modelo regulatório tradicional‖ (padrão hierárquico) e um ―modelo de new governance‖

(padrão participativo e colaborativo) tem-se que na segunda abordagem, o processo de

criação das políticas é reflexivo, orientado pelo processo e adaptado a circunstâncias

locais; são valorizadas a diversidade e a pluralização de soluções, adotando-se os

pressupostos de que ―nenhuma instituição detém capacidade para regular todos os

aspectos da vida pública contemporânea‖, assim como a velocidade por meio da qual

as mudanças acontecem exige que o direito responda a uma realidade indeterminada e

a consequências inesperadas.502

Sistematizando-se as diferenças entre um Direito Administrativo ―tradicional‖

e um Direito Administrativo das políticas públicas, evidenciam-se algumas

características, tais como, respectivamente no primeiro modelo e no segundo: há uma

divisão estanque entre função legislativa e função administrativa / não exerce apenas a

função administrativa, mas também a legislativa; formulação e implementação como

momentos separados / formulação e implementação se fundem sem necessária ordem

cronológica entre elas; rígido e fixo comando-controle / flexível e adaptável-incentivo;

estático, difícil reversibilidade, top-down / dinâmico, experimental, tentativa-erro, bottom-

up; sanções-proibição e coerção / estímulos, incentivos-orientação; atribuições bem

delineadas e individualizadas, fragmentação e padronização / atribuições coletivas e

formação de parcerias, intersetorialidade e diversificação; obediência da ponta ao topo,

hierárquica e centralizada / interação entre ponta e topo, horizontal e descentralizada;

controladores impedem processos criativos de gestão pela constante ―ameaça‖ /

instâncias participativas estimulam soluções criativas por meio do diálogo; hierárquica e

502LOBEL, Orly. The Renew Deal: The fall of regulation and the rise of governance in contemporary legal

thought. Legal Studies Research Paper Series. Research Paper n. 07-27. University of San Diego – School of Law, dec. 2005.p.265 e 300.

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hermética / horizontal e aberta; arranjos simples / arranjos complexos; atores poucos e

centrais / múltiplos e diversificados; ―pode-não pode‖ / ―como pode?‖.503

A observância das experiências na gestão do PBF parece apontar para

necessidade da literatura do direito administrativo incorporar categorias calcadas em

exemplos reais de políticas públicas cuja observação da prática revelaria, por exemplo,

que nem sempre a contenção rigorosa da discricionariedade é o melhor caminho para a

realização de direitos dos administrados. Nem todas as formas mais ―ousadas‖ de ação

do Executivo são abusivas ou caracterizam desvios de finalidade. Isso não significaria

deixar de lado a preocupação com a imposição de limites capazes de evitar ações

arbitrárias, papel cumprido, entre outros, pelas ICS no caso do PBF.

Descritas algumas das ferramentas que compõem o PBF, atribui-se especial

atenção à forma como são desenhados incentivos e estímulos ao desempenho dos

atores envolvidos e importa considerar as normas sobre as quais o PBF se estrutura,

incluindo Leis, Decretos, Portarias, Instruções Operacionais (IO) e outras manifestações

de poder regulamentar. No PBF, algumas mudanças importantes aconteceram por meio

de atos normativos internos à burocracia federal antes de serem (quando o foram)

convertidas em lei. Também são importantes publicações oficiais dos ministérios,

incluindo informativos, manuais de gestão, ferramentas online da página eletrônica da

Secretária de Avaliação e Gestão da Informação e informativos para gestores locais.

Diante do exposto, o direito das políticas públicas talvez tenha a

característica de ser mais efetivo para concretizar direitos e garantias se, na sua

implementação, a administração puder adotar uma dinâmica mais aberta a

transformações que são positivas quando podem ser conduzidas pela própria

administração a partir de sugestões de gestores (do ―topo‖ e da ―ponta‖) e dos

beneficiários, atores que constroem a política no seu dia-a-dia. As mudanças na gestão

do programa talvez devessem pautar-se mais na realidade das famílias vulneráveis e

menos nas formas de ação convencionais e ortodoxas do Poder Público.

503ANNENBERG, Flávia Xavier. Direito e políticas públicas: uma análise do direito administrativo a partir

do estudo de caso do Programa Bolsa Família. 2014. Dissertação - Faculdade de Direito da USP. p.140.

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2.4. Cultura política da cidadania e judicialização de políticas públicas

As análises históricas das políticas sociais brasileiras costumam situar no

tempo algumas dicotomias, sejam elas entre políticas sociais contributivas e

distributivas, entre um padrão centralizado e outro descentralizado, entre um momento

mais clientelista e outro mais participativo. Essas dicotomias são centrais na

compreensão dos processos pelo qual passou a política social brasileira que, com base

na literatura sobre o tema, conforme visto nos tópicos anteriores, parece abranger dois

momentos bem marcados.

No primeiro deles prevaleceu um modelo contributivo que atrelava os

benefícios sociais à inserção no mercado de trabalho, centralizado, ao concentrar o

poder decisório na autoridade federal sem articulação com os entes subnacionais, e

clientelista na medida em que benefícios serviam como moeda de troca para apoio

político. No segundo, prevalece uma orientação distributiva, uma vez que a proteção

social passa a incluir pessoas pobres em geral e não apenas vinculadas ao mercado de

trabalho, descentralizada porque passa a distribuir o poder entre entes subnacionais

(ainda que de modo fragmentado e pouco coordenado) e participativa, ao criar arenas

de interlocução com os beneficiários e com a sociedade civil em geral.

A CFR/88 é um divisor de águas, buscando separar as primeiras

características das segundas. O reconhecimento da assistência social como direito

indica o enfraquecimento de traços de caridade presentes em políticas anteriores. Em

uma análise mais apurada, contudo, é possível perceber que esse primeiro modelo se

estendeu, na verdade, até meados dos anos 2000, quando a política social se tornou

mais articulada. Além disso, outros obstáculos estão sendo enfrentados até os dias de

hoje, a exemplo da manutenção de algum grau de centralização.

A CFR/88, ao instituir o Estado Democrático de Direito, arrolou entre seus

fundamentos nucleares a dignidade da pessoa humana e a cidadania, e entre seus

objetivos a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais.

Segundo Draibe, consagrou uma reordenação no sistema de políticas públicas sociais,

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pautada pela descentralização, participação social e uma maior intervenção estatal

complementada pelo setor privado, em busca da concretização dos direitos sociais.504

A elevação da pobreza como problema nacional e a configuração da

assistência social como um direito pelo texto constitucional, impôs a construção de um

conjunto de ações governamentais capazes de levar os cidadãos para uma instância de

autonomização, na qual eles possam acontecer como cidadãos, com-os-outros-

cidadãos e na sociedade democrática. No esteio desse processo se verificou, a partir

de 1991, a profusão de experiências de implementação de programas de transferência

condicionada de renda dirigidos à população pobre.

Parte-se de uma estratégia de inclusão social e de desenvolvimento

econômico - um modelo de desenvolvimento e inclusão. Draibe esclarece que o

pensamento keynesiano captou com precisão o círculo virtuoso com que o econômico e

o social se inscrevem na dinâmica do pensamento de crescimento econômico e

desenvolvimento social, observando que, recentemente, enfatizam-se mais as

capacidades dos sistemas de políticas social em promover e facilitar o crescimento

econômico, simultaneamente ao desenvolvimento social.505

As estratégias governamentais iniciais de combate à fome e a pobreza foram

marcadas pelo "(...)caráter altamente centralizado, burocratizado, fragmentado,

privatista, excludente e de baixa eficácia e eficiência social"506. A falta de interação

entre os diferentes setores do governo, entre governo e sociedade e a consequente

dificuldade de coordenação das ações desenvolvidas, associada à baixa cobertura e

ao frágil controle social, demonstravam a incapacidade estatal em promover maiores

níveis de equidade e Justiça social.

Para Ribeiro o principal desafio na implementação das políticas públicas e na

efetivação dos direitos sociais contidos na CFR/88 é político e, num sentido, está

associado a aumentar a participação cidadã na elaboração, execução e fiscalização

504DRAIBE, Sônia Miriam. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Disponível

em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702003000200004&script=sci_arttext.Acesso 03/07/14. 505

DRAIBE, Sônia Maria. Estado de Bem- Estar, Desenvolvimento Econômico e Cidadania. In:

HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo. Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011, p.29. 506

SENNA, Mônica de Castro Maia; MONNERAT, Gisele Lavinas; Schottz, Vanessa; MAGALHÃES, Rosana; BURLANDY, Luciene. Programa bolsa família: nova institucionalidade no campo da política social brasileira? Revista Katálysis. Santa Catarina.v.10, n. 1, pp.86-94, 2007, p. 87.

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dessas políticas através da ampliação dos espaços de participação política e da esfera

pública democrática via sociedade civil organizada. Uma tarefa complexa, segundo o

autor, conquanto implica na ―definição clara das relações entre sociedade e Estado‖ e

―passa pela discussão sobre as formas de participação e seus diferentes impactos

quando considerados os três níveis de governo: federal, estadual e municipal.‖507

Conforme assente o autor, a CFR/88 estabelece um compromisso claro com

a democracia participativa pelo que, inúmeras experiências democráticas vem sendo

implementadas desde a sua promulgação, através de referendos, plebiscitos, iniciativa

popular, orçamento participativo, audiências públicas e outras experiências inovadoras

que para ele ―(...) transformaram o Brasil em um palco de debates que ecoa mesmo

fora do nosso território, mas que são, ao mesmo tempo, experiências diferenciadas no

que diz respeito ao seu alcance e eficácia.‖508

No debate sobre a participação da sociedade civil no processo de

democratização e ampliação da esfera pública importa considerar as complexas

relações entre sociedade civil e Estado. Nessa pesquisa, adota-se a concepção de

Habermas para sociedade civil cujo núcleo institucional:

é formado por associações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressomam nas esferas privadas, condensam-nos e transmitem, a seguir, para a esfera pública política.509

Assim, Habermas oferece-nos uma perspectiva ampla da democracia que

deve estar ancorada na sociedade civil e na esfera pública e não apenas nas

instituições e, a partir disso, percebe-se o quanto estamos longe de um Estado

Democrático de Direito, apesar de posturas positivistas, tal como a de José Afonso da

Silva e Paulo Bonavides, por exempo, que identificam Estado Democrático de Direito

507RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio;

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.44 e 45. 508

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.45. 509

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. V.2, p.99.

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com a Constituição. Na perspectiva de Habermas, no contexto das políticas públicas, a

expansão da intervenção estatal precisa ser acompanhada de participação política e

maior espaço para a democracia deliberativa e ampliação da esfera pública.

(...) o neoconstitucionalismo enfrenta inúmeros obstáculos de natureza econômica e social, que precisam ser levados em consideração na análise do papel da Constituição e do Direito em geral nas sociedades complexas. A globalização da economia e sua financeirização, assim como a crescente diferenciação funcional da sociedade, estão entre os fatores mais importantes.510

Habermas destaca a necessidade de procedimentos democráticos de

participação política como forma de legitimar o Direito, e ainda, de um mecanismo de

reconhecimento e inclusão de minorias. É a concepção de democracia procedimental

que recebeu o nome de política deliberativa.511 Nesse sentido, ―o processo de

diferenciação social implica o desenvolvimento de uma esfera pública para além do

Estado e do mercado, assentada no mundo da vida e responsável pelos processos de

integração social, em contraposição à integração sistêmica.‖ Dessa forma, o autor

salienta o papel da sociedade civil na esfera pública não institucionalizada,

desenvolvendo uma concepção de democracia ―assentada na racionalidade

comunicativa e no entendimento(...)‖.512

Considera-se que o modelo de sociedade civil compreendido por Habermas

ajuda na compreensão dos avanços e recuos da redemocratização brasileira, em

especial conciliando complexidade e participação política. Acredita-se que ―a sociedade

civil pode levar ao poder público informações e novos mecanismos de fiscalização,

contribuindo para a construção de novas formas de legitimação por afinidade,

ampliando assim o campo da política.‖513

Sobre a queda nas desigualdades, em especial no segundo mandato do

governo Lula, Ribeiro destaca o papel da ―participação dos cidadãos na implementação

510 RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo ; BERTOLIN,

Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.48. 511

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. V.2, p.122. 512

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.46. 513

RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.59.

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e fiscalização das políticas públicas, cuja eficácia variou muito conforme o nível de

participação e a capacidade de organização da sociedade civil local.‖514

O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e, passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica.515

Abramovich e Courtis trabalham com o direito à alimentação e de proteção

contra a fome para exemplificar o que é um direito pleno. Segundo os autores a criação

de programas estatais que trabalhem com a disponibilização de alimentos às pessoas

necessitadas não lhes garante usufruir deste direito se a elas não for disponibilizadas

condições para demandarem judicialmente a satisfação do direito quando descumprido

pelo Estado. Para eles, o que caracteriza a existência de um direito social como direito

pleno não é só a conduta cumprida pelo Estado, mas a existência de algum poder

jurídico capaz de entregar ao seu titular uma sentença que obrigará a parte

inadimplemente a cumprir com a obrigação exigida pelo direito.516

Nesse contexto, um dos problemas que se colocam quando do estudo da

consecução de políticas públicas é a possibilidade do controle jurisdicional. Até que

ponto e sob quais parâmetros é possível a revisão judicial acerca da legalidade e

constitucionalidade da ação ou (sobretudo) omissão do Poder Público na concretização

de políticas públicas? Do ponto de vista teórico, o controle jurisdicional de políticas

públicas pode ser discutido no âmbito de duas correntes contrapostas: a corrente

procedimentalista, ancorada principalmente nas ideias de Habermas; e a corrente

substancialista que busca sustentação no pensamento jurídico e político de Dworkin.

514RIBEIRO, Helcio. Constituição, Participação e Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo ; BERTOLIN,

Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.56. 515

MORAIS. José Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.p.78. 516

ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles 2.ed. Madrid: Trotta, 2004.p.37-38.

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Para a corrente procedimentalista, o juízo de constitucionalidade de políticas

públicas acaba por dificultar o exercício da cidadania participativa, favorecendo a

desagregação social e o individualismo. O cidadão, colocando-se na posição de

simples sujeito de direitos, assume uma posição passiva perante o Estado, uma

espécie de cidadão-cliente, frente ao Judiciário fornecedor de serviços. Assim, para

essa corrente, a justiciabilidade do Poder Público acaba por tolher a democracia

participativa, transformando os cidadãos em clientes do Estado paternalista.

O fortalecimento da cidadania ativa é potencializado por meio da conquista

de canais de comunicação, que veiculam o poder democrático do centro para a

periferia. Deste modo, o papel da Constituição é assegurar a existência desses canais

ou procedimentos de ação comunicativa dos cidadãos, para que os mesmos criem seu

próprio direito, uma vez que a lei não pode ser vista como a vontade direta do povo. A

Constituição não deve expressar conteúdos substantivos, mas apenas instrumentalizar

os direitos de participação e comunicação democrática (democracia deliberativa).517

O modelo de democracia procedimental defendido por Habermas parece

revelar a necessidade de uma cultura política da liberdade, de base social estável,

capaz de produzir consenso democraticamente, bem como a existência de partidos

políticos fortes e distantes das ingerências econômicas, o que acaba por distanciar o

modelo da atual conjuntura social, principalmente de países como o Brasil, onde a

cultura da democracia ativa e da cidadania participativa está apenas engatinhando.

Já a corrente substancialista defende que o Estado constitucional exige uma

redefinição do papel do Poder Judiciário. Com a evolução do Estado das leis para o

Estado das políticas públicas, resta ao Judiciário a função de assegurar a concretização

dos direitos fundamentais e a progressiva marcha da sociedade para um ideal de

justiça substancial. A judicialização das políticas públicas encontra seu fundamento na

supremacia da Constituição. Ao efetuar o juízo de constitucionalidade de políticas

públicas, o Judiciário acaba por desempenhar sua função precípua: garantir a

prevalência da Constituição.518

517HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. V.2. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1997, p.09 e ss. 518

CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Direitos sociais e controle jurisdicional de políticas públicas: Algumas considerações a partir dos contornos do Estado constitucional de direito. Disponível em:

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Procurando estabelecer uma síntese da relação entre as duas correntes,

aparentemente contrapostas, Appio defende que a ―formulação das políticas públicas

depende, portanto, de uma concepção procedimental de democracia, enquanto que o

controle judicial de sua execução demanda uma concepção substancial, atrelada ao

principio da isonomia‖.519

A análise das circunstâncias históricas que levaram a um maior ativismo

judicial em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina está

diretamente relacionada com a existência de fatores políticos que outorgaram ao Poder

Judiciário uma especial legitimação para ocupar novos espaços de decisão, antes

restritos aos demais poderes do Estado. A debilidade das instituições democráticas de

representação e a deterioração dos espaços tradicionais de mediação social e política

contribuíram para transferir à esfera judicial conflitos coletivos que eram dirimidos em

outros âmbitos ou espaços públicos ou sociais, reeditando o tema direitos sociais.520

O Poder Judiciário não tem como tarefa projetar políticas públicas, mas

confrontar as políticas assumidas com os padrões jurídicos aplicáveis e, havendo

divergências reenvia a questão aos poderes pertinentes para ajustes. Essa dimensão

da atuação judicial pode ser conceituada como a participação em um ―diálogo‖ entre os

distintos poderes do Estado para a concretização do programa jurídico-político

estabelecido pela Constituição ou pelos pactos de direitos humanos. Somente em

circunstâncias excepcionais que se justifique pela magnitude da violação ou pela

ausência total de colaboração dos poderes políticos, os juízes avançam na definição

concreta das medidas a serem adotadas.521

Para Abramovich também há casos em que se recorre à intervenção judicial

para garantir condições que tornem possível a adoção de processos deliberativos de

produção de normas legislativas ou atos da administração. Nessas situações, as

demandas não pretendem que a justiça tenha conhecimento direto do conflito coletivo e

http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9541&revista_caderno=4 Acesso em 14 de outubro de 2015. 519

APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, p. 259. 520

ABRAMOVICH, Victor. Linhas de Trabalho em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: instrumentos e aliados. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sur/v2n2/a09v2n2.pdf Acesso 01/09/15.p.204-205. 521

ABRAMOVICH, Victor. Linhas de Trabalho em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: instrumentos e aliados. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sur/v2n2/a09v2n2.pdf Acesso 01/09/15.p.204-205.

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garanta um direito social, mas que complemente as demais ações de incidência política.

Reivindica-se à justiça, por exemplo, a abertura de espaços institucionais de diálogo, o

estabelecimento de seus marcos legais e procedimentos ou a garantia de participação

das pessoas potencialmente afetadas nesses espaços, sob condições igualitárias; o

acesso à informação pública indispensável para o controle prévio das políticas e

decisões a serem adotadas, a produção de dados, a execução e o cumprimento dos

acordos conseguidos por pessoas ou organizações sociais, nas diversas instâncias

formais ou informais de intercâmbio e comunicação com a administração; dentre outros.

Quando a administração dispõe de espaços de participação cívica para

discutir ou analisar certas medidas ou políticas (audiências públicas, elaboração

participativa de normas, orçamento participativo, conselhos de planejamento estratégico

nas cidades), as ações podem ter como meta a discussão das condições de admissão,

bem como os mecanismos de debate e diálogo, a fim de garantir regras básicas de

procedimento. Em tais situações, ainda que se discuta formalmente o direito de

participação cívica ou cidadã, os direitos sociais em questão podem definir o alcance

dessa participação, por exemplo, ao configurar a coletividade afetada, o setor que

deveria merecer atenção prioritária do Estado ou contar com um espaço institucional de

participação antes da adoção de uma decisão de política social.522

A abordagem desse tópico considera a abertura à participação dos

interessados um elemento essencial das políticas públicas, revelando um campo que

merece aprofundamentos por parte dos profissionais do Direito: ―a criação de novos

instrumentos jurídicos que permitam ampliar e consolidar a participação popular na

gestão do Estado, na produção normativa pela qual as políticas públicas se expressam,

além de garantir uma participação efetiva dos diversos setores sociais nos Conselhos,

nas Audiências e Consultas Públicas.‖ Dessa forma, ―é preciso descobrir alternativas

para se evitar a Judicialização, sem deixar os direitos desatendidos.523

522ABRAMOVICH, Victor. Linhas de Trabalho em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: instrumentos

e aliados. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sur/v2n2/a09v2n2.pdf p.210-211.Acesso 01/09/2015. 523

DUARTE, Clarice Seixas. Para além da Judicialização: a necessidade de uma nova forma de abordagem das Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BRASIL, Patrícia Cristina;(Orgs.)O Direito na fronteira das políticas públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015.p.17 e 18.

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2.4.1. Modelo distributivo, descentralização e participação

O discurso oficial define o PBF como um programa de ―gestão

descentralizada‖, uma vez que permite que os entes federativos ―compartilhem entre si

os processos de tomadas de decisão do Bolsa Família‖. O uso que o PBF faz da

estrutura descentralizada do SUAS também pode ser visto como elemento facilitador da

descentralização do programa.524

No entanto, existem divergências na literatura quanto à capacidade do PBF

de lidar com a questão histórica da centralização. Curralero et al sustentam que o alto

número de Portarias do PBF elaboradas no interior do MDS sem negociação com os

entes federados refletem a existência de um padrão hierarquizado no Bolsa Família. 525

Coutinho percebe um percurso que, em seu início, dependia de uma agilidade para ser

colocado em marcha que necessariamente demandava centralização decisória. Para

isso, teve que fazer uso de negociações em âmbitos intraburocráticos centralizados,

como as Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite.526

O mesmo autor pontua, todavia, que há narrativas de gestores do programa

que sugerem que essa centralização inicial talvez se justifique pela necessidade de

blindar o PBF das históricas práticas clientelistas ou pela busca de legitimidade pelos

resultados produzidos, entendendo-se que a complexidade do programa exigiria antes

a centralização em círculos burocráticos e depois com municípios, estados e com a

sociedade em geral.

É possível, assim, dizer que o PBF ―possui uma trajetória marcada por

tensões centralizadoras e descentralizadoras‖527. Essa combinação pode estar

relacionada ao fato do PBF, de um lado, conferir aos municípios a possibilidade de

coletar informações sobre as necessidades específicas da população mais pobre e de

524LÍCIO, Elaine Cristina. Para além da recentralização: os caminhos da coordenação federativa do

Programa Bolsa Família (2003-2010). Doutorado. Universidade de Brasília, Brasília, 2012. 525

CURRALERO, Claudia Regina Baddini; LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb. Desafios para a coordenação intergovernamental do Programa Bolsa Família. In: Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5, São Paulo, set./out.2011.p.466-467. 526

COUTINHO, Diogo Rosenthal. Capacidades estatais no Programa Bolsa Família: o desafio da consolidação do Sistema Único de Assistência Social. Texto para discussão n. 1852. Brasília, Rio de Janeiro: IPEA, 2013. 527

LÍCIO, Elaine Cristina. Para além da recentralização: os caminhos da coordenação federativa do Programa Bolsa Família (2003-2010). Doutorado. Universidade de Brasília, Brasília, 2012.p.22.

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199

gerir diversos aspectos do programa em âmbito local, de outro, o programa centralizar

no Executivo Federal o poder regulamentar e a definição efetiva dos beneficiários.528

Desse modo, é possível ver o PBF como descentralizado, considerando,

contudo, que essa descentralização ocorre apenas quanto à delegação da função de

implementação e execução da política e não à transferência de poder decisório.529

Ainda assim, ―o modelo hierarquizado de relações intergovernamentais não

tem prevalecido no âmbito das condicionalidades. Universais por concepção da CF, as

políticas de saúde, educação e assistência social possuem dinâmicas próprias de

negociação intergovernamental(...)‖.530 Assim, na gestão das condicionalidades, o

formato centralizado tende a não prevalecer, vez que envolvem saúde, educação e

assistência social, setores já adaptados a uma gestão descentralizada.

No mesmo sentido, Licio defende que os traços centralizadores do PBF,

embora presentes, têm sido atenuados na medida em que a realização dos objetivos de

boa cobertura/focalização e articulação com os serviços sociais básicos resultam em

mais articulação e negociação intergovernamental. Para ela, ―essa mudança está

diretamente relacionada com a crescente articulação do Programa com as estruturas

descentralizadas dos sistemas de políticas públicas de saúde, educação e, sobretudo,

do SUAS‖.531

Essas divergências parecem estar relacionadas ao fato de que a

implementação do PBF se depara, em todas as suas fases, com tensões, alguma delas

guiadas pela necessidade de que o programa funcione e se cristalize enquanto política

pública, o que exige celeridade nas decisões, ao mesmo tempo em que precisa ter

abertura a demandas sociais para garantir sua legitimidade, dinâmica que por vezes

ocorre em ritmo mais lento.

528BICHIR, Renata Mirandola. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades

institucionais locais. Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.p.85-86. 529

CAVALCANTE, Pedro Luiz. Programa Bolsa Família: Descentralização, centralização ou gestão em

redes?. In: Revista do Serviço Público n. 60, Brasília: ENAP, jan./mar. 2009.p.42. 530

CURRALERO, Claudia Regina Baddini; LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb. Desafios para a coordenação intergovernamental do Programa Bolsa Família. In: Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5, São Paulo, set./out.2011.p.467. 531

LÍCIO, Elaine Cristina. Para além da recentralização: os caminhos da coordenação federativa do Programa Bolsa Família (2003-2010). Doutorado. Universidade de Brasília, Brasília, 2012.p.23.

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200

Outra tensão está no fato de que o programa tem necessidade de

ferramentas que deem importância a quem o opera na ponta (estados e municípios),

possibilitando uma boa articulação entre os diferentes entes federativos como forma de

superação da centralização característica das políticas sociais no Brasil. Porém, o PBF

também precisa evitar que instrumentos abertos a agentes municipais e estaduais

favoreçam a reprodução do uso do programa para fins privados, o que pode ocorrer

quando gestores locais detêm muito poder sobre os beneficiários.

Já no que diz respeito à possibilidade de utilização do programa de modo

clientelista, ela pode estar sendo reduzida com a adoção de algumas medidas, como o

fato de o benefício ser entregue ao beneficiário por intermédio da Caixa Econômica

Federal, o que representa uma barreira para que o programa seja utilizado como forma

de captura de votos. Isso porque tal intermédio distancia o governo de quem recebe o

benefício, dificultando a concretização da barganha política.532 Outro mecanismo útil a

essa finalidade são as ICS, com participação social nas funções de acompanhamento,

monitoramento e fiscalização do PBF.

No entanto, esse tema também não é pacífico, havendo quem identifique que

o PBF estimula uma ―cultura de dependência‖ que leva à manutenção de práticas

clientelistas. Nesse contexto, Hall sugere, inclusive, a existência de uma relação entre a

eleição do Lula e o sucesso do PBF, com base em dados que indicam maior

popularidade do presidente onde há maior cobertura do programa e na informação de

que, em 2006, houve uma grande expansão do programa três meses antes das

eleições, período em que a imprensa relatou o uso do PBF por autoridades locais para

fins da captura de votos.533

O PBF não adota um modelo contributivo, pois seu benefício é concedido a

partir de um critério de renda e não de vinculação ao mercado de trabalho. Por outro

lado, ao selecionar beneficiários com base na comprovação da insuficiência de renda, o

programa ainda deixa de fora pessoas que precisariam dele, não incluindo uma

532LINDERT, Kathy; LINDER, Anja; HOBBS, Jason; BRIÈRE, Bénédicte de La. The Nuts and Bolts of

Brazil’s Bolsa Família Program: Implementing Conditional Cash Transfers in a Decentralized Context. Social Protection Discussion Papers 0709,World Bank, 2007.p.51. 533

HALL, Anthony. Brazil’s Bolsa Família: A Double Edged Sword? In: Development and Change, 39 (5), 2008.p.818 e 813.

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201

―população altamente vulnerável à pobreza‖ que por mais que esteja um pouco acima

do limite de renda considerado no programa, tem dificuldades de acesso a serviços de

educação e saúde e provavelmente está mais suscetível a retornar à situação de

pobreza.534 Ainda, ao mesmo tempo em que o PBF não exige vinculação ao mercado

formal de trabalho, condiciona o recebimento do benefício ao cumprimento de

contrapartidas, não sendo uma política de renda básica distribuída para todos.

Sobre participação, de acordo com relato de Bruno Câmara, a relação entre

governo federal e municípios historicamente se deu na lógica da sanção, e por isso, há,

do ponto de vista desse gestor público, uma preocupação para que os objetivos do PBF

sejam alcançados pela lógica do incentivo. Assim, ―o PBF trabalha fundamentalmente

com o incentivo e não com a punição‖535. Pode haver, nesse sentido, uma relação entre

a maior descentralização e a opção pelo uso de mecanismos de estímulo na relação

entre o governo federal, os estados e os municípios.

Diante desse contexto, há muito mais a se esperar do direito constitucional.

Unger critica o constitucionalismo que vivemos, um constitucionalismo de impasse

deliberado e que não dá espaço para a causa democrática. Para ele, o imobilismo é

instrumento de defesa, justifica-se em um passado imaginário e idealizado; dirige a

atuação presente, ameaçando a imaginação institucional, que reputa de subversiva e

de inimiga da democracia. Apoia-se em presunções teóricas de grande efeito retórico, a

exemplo de proibição do retrocesso ou da constituição dirigente de Canotilho. Assim,

Unger prega um modelo de direito constitucional, totalmente refratário à experiência

que conhecemos e com a qual comungamos:

Um direito constitucional favorável ao engajamento do eleitorado universal na resolução rápida de impasse entre órgãos do Estado deve tomar o lugar de um direito constitucional simpático à desaceleração da política. Entre os mecanismos de tal constitucionalismo alternativo podem estar a combinação de formas pessoais plebiscitárias e parlamentares de poder, o recurso a plebiscitos e referendos(...) Uma estrutura jurídica da política eleitoral favorável a um aumento contínuo do nível de mobilização política popular pode tomar o lugar da que

534SOARES, Sergei; RIBAS, Rafael Perez; SOARES, Fábio Veras. Focalização e cobertura do Programa

Bolsa-Família: Qual o significado dos 11 milhões de famílias? Texto para discussão nº 1396. Rio de Janeiro: IPEA, 2009.p.26. 535

Trecho de entrevista concedida por Bruno Câmara, gestor na SENARC/MDS, Brasília,2010.

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transforma a política eleitoral numa interrupção ocasional e menor da vida prática.536

Para Unger não há quem possa levar adiante as reformas que são

necessárias e que traduziriam institucionalmente a imaginação que exige que nos

organizemos de outro modo. Pelo menos, à luz das fórmulas institucionais existentes,

herdeiras do regime de tripartição dos poderes e da concepção racional-iluminista de

que o poder é o freio do próprio poder. Quem será o agente da mudança, a parteira do

novo mundo? O autor propõe que criemos esse novo agente transformador:

Essa mudança, contudo, demandaria a própria abertura ao experimentalismo democrático em que o direito contemporâneo e as democracias contemporâneas se provaram tão notavelmente deficientes. Ela exigiria de nós, como advogados e cidadãos, que completássemos a passagem do já realizado primeiro passo, de insistência na efetividade do gozo de direitos, ao segundo e ainda ausente passo de imaginação e reconstrução institucional.537

Unger se incomoda com o papel que o direito tem desempenhado,

permanecendo imóvel, dizendo-se ocupado com uma análise jurídica de problemas

imaginários, uma prática jurídica idealizante que sufocou o conflito social.538 O autor

desconfia desse modelo no qual a assepsia do direito rejeite a intervenção do Estado.

O discurso reformista é recorrente. Pretende-se mudar tudo, toda hora. Mas

não se vai muito longe. É o caso de artigos jurídicos, publicados em revistas

especializadas. Segundo Unger, esses artigos são sempre iguais. Partem da lei. Falam

mal dela e apontam como deve ser mudada. Mas não chegam ao fundo do problema;

ocupam-se com conjunturas, não se refere a estruturas. Pouco avança. É mero

adereço.539 Contra esse reformismo conservador, a tarefa principal do pensador do

direito seria o comprometimento com o desenvolvimento de uma teoria e de um modelo

que buscassem a realização de compromissos sociais de forte apelo democrático.

536UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp.p.28. 537

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p. 49. 538

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.60. 539

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.107.

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Deve-se definir o método de uma maneira que respeite a realidade humana e

as necessidades práticas das pessoas que vão a juízo. Devemos estar certos de que

nossa prática judicial deixa aberto e disponível, na prática e na imaginação, o espaço

onde o trabalho real da reforma social pode ocorrer. Devemos evitar o dogma e aceitar

fazer concessões na nossa descrição da prática e também no nosso entendimento da

sociedade para o qual a prática contribui.540

Unger critica a excessiva racionalização que teorias contemporâneas

projetam no direito, em especial sob uma feição culturalista para a qual o direito seria a

representação direta do espírito de uma época e de um povo. Para ele, são abordagens

maculadas por ilusão e que nos afastam da descoberta de oportunidade

transformadora. As ideias do autor encontra forma na expectativa de um modelo social

que nomina de poliarquia radical. Retoma-se antiga atitude política, localizada e

pluralista. Afirma-se a prestabilidade da pulverização de instâncias de poder. 541

A poliarquia radical opera por técnicas de descentralização de poder e organização da sociedade civil. Ela pretende descentralizar o poder estatal central para comunidades locais ou especializadas. Ela pretende que a sociedade civil seja organizada, ou melhor, se organize, de modo que possa receber e exercitar efetivamente esses poderes que lhe são legados. A ligação entre descentralização e organização é o que mais distingue o programa da poliarquia radical das ideias liberais ou centristas tradicionais com as quais superficialmente se parece. O princípio institucional básico é que a cada etapa na descentralização de poder deve corresponder um avanço na organização da sociedade civil.542

Unger sugere fórmulas para que se possa operar satisfatoriamente a

descentralização do poder, por intermédio de mecanismos de transferências. O

fracionamento de contextos de domínio é condição necessária para a engenharia de

comunidades centradas no esforço comum de melhora e de refinamento do indivíduo.

A transferência de poder se dá oferecendo oportunidades de iniciativa cada vez maiores para as organizações mais próximas aos locais em

540UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.141-142. 541

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.148. 542

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.183.

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que as pessoas vivem e trabalham ou aos contextos em que elas se organizam em torno de preocupações partilhadas. Assim, uma forma de transferência é o impulso para dividir grandes unidades produtivas em partes menores, mais flexíveis e participativas, combinando essas unidades descentralizadas em redes cooperativo-competitivas de empresas.543

Para Unger outro exemplo de descentralização de poder é o fortalecimento

do governo local. A descentralização do poder daria vida e densidade à vida social,

contudo havendo necessidade de cautelas, afinal ―Transferir poder para empresas,

comunidades e associações existentes numa sociedade organizada desigual e

hierarquicamente sem reorganizar a sociedade significa simplesmente abdicar do poder

em favor daqueles já organizados e privilegiados‖.544

Quanto à essa nova sociedade civil que imagina, com vistas a um estágio

final para a concretização de uma democracia libertadora, Unger assente:

Para que a descentralização avance, a sociedade civil deve ser reorganizada de modo que satisfaça a duas exigências fundamentais: que nenhum grupo esteja persistente e significativamente em desvantagem no seu nível de associação e que a ordem organizacional inteira resista a um impulso recentralizador.(...)Tais reformas não implicam uma virada abrupta e completa para um conjunto novo de instituições. O que elas sugerem é um afrouxamento cumulativo das formas institucionais recebidas em direção a um autogoverno descentralizado na produção e troca, na vida em comunidade e na distribuição de serviços de bem-estar.545

O projeto de Unger desemboca na democracia mobilizadora, tal qual um

terceiro nível (ou direção) na radicalização do projeto democrático e sucede à

socialdemocracia ampliada e à poliarquia radical.

Para a socialdemocracia ampliada, a verdadeira emoção ocorre na vida do indivíduo; ela quer que a política se torne menor para que os indivíduos possam se tornar maiores. Para a poliarquia radical, a emoção acontece nas comunidades e organizações - as formas originais de vida em grupo para as quais se transfere gradualmente o poder(...) Para a democracia mobilizadora(...)o palco preferido é toda a sociedade;

543UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.183. 544

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.184. 545

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.184-185.

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Ela se recusa a abandonar, ou estreitar, o espaço da política abrangendo toda a sociedade.546

A democracia mobilizadora desdobra-se na necessidade de um direito

constitucional que promove resposta sobre qual o papel do direito na construção de

uma sociedade democrática, ―No lugar de estruturas que favorecem impasse ou exigem

consenso, a democracia mobilizadora coloca técnicas constitucionais que facilitam o

uso transformador do poder político e a execução resoluta de experimentos

programáticos.‖547. Outorga-se novo papel para o direito. A imaginação institucional

necessita de ferramentas. O direito tem muito mais a dizer e a fazer do que plasmar-se

em ficções e em problemas de presunções legais. O plano do livro de Unger dá as

linhas gerais da concepção de direito em favor de um projeto democrático:

O livro se inicia pelo desenvolvimento de um ponto de vista experimentalista e democrático a partir do qual se podem julgar as oportunidades intelectuais e políticas da atualidade. Discute por que a imaginação institucional necessita de novas ferramentas e qual trabalho podemos esperar realizar com elas. O livro então se volta para o direito e para o pensamento jurídico como fonte dessas ferramentas.548

Diante do exposto até aqui e tomando-se as idéias de Unger de Direito como

Imaginação Institucional como ferramenta análitica para o estudo de caso do PBF,

numa espécie de Teoria Jurídica do Bolsa Família, parece-nos que, apesar dos grandes

ensinamentos de Marshal, das ideías de Murilo de Carvalho, o que existe atualmente é

o declínio da ideia de cidadania, considerando-se autores como Faria que fala em crise

do direito como reflexo do declínio do Estado nação, uma abordagem que desmonta,

incluive a ideia de Constituição Dirigente.

Para Habermas estariamos longe de um Estado Democrático de Direito,

inobstante as idéias defendidas por José Afonso da Silva e Paulo Bonavides que

identificam Estado Democrático de Direito com a Constituição. Habermas oferece uma

perspectiva mais ampla pelo que a democracia deve estar ancorada na sociedade civil

546UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp. p.198. 547

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.200. 548

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004. Tradução do inglês para o português por Caio Farah Rodriguez e Marcio Soarez Grandchamp p.10.

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e na esfera pública e não apenas nas instituições. Com base nessas ideias, concluimos

ser a falta de participação social um grave problema na gestão das políticas públicas

atuais, seja em razão de falta de mecanismos disponibilizados por tais políticas à

sociedade civil ou por uma falta de cultura política de cidadania da população como um

todo, desacostumados a serem vozes ouvidas, sobretudo os mais pobres.

Por outro lado, apesar da financeirização da economia, do enfoque

economicista dado às políticas públicas no brasil, pela esquerda ou pela direita, das

idéias de constitucionalização simbólica e subintegração de Marcelo Neves referidas ao

longo da pesquisa, das inúmeras dificuldades para implementar políticas de inclusão

definitiva, num contexto de capitalismo global e neoliberal, consideradas as

decorrências da tensão entre capitalismo de democracia, conforme ideias de

Habermas, Faria, Boaventura e outros, o PBF vem sim consolidando-se justamente

como uma prova da inclusão social e do papel da CRF/88 nesse processo.

Mas, ‗‘somente por meio de política social firme, instituições sociais estáveis,

recursos orçamentários, comprometimento da sociedade e uma equipe de agentes

assistenciais comprometidos com os programas, será possível reverter, definitivamente,

o quadro de miséria em nosso país. Ainda, há muito o que se fazer!‖.549

549NOBRE, Edna Luiza. A Previdência, a Assistência e os Programas de Transferência de Renda.. In:

SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BRASIL, Patrícia Cristina; (Orgs.). O Direito na fronteira das políticas públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015.

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CAPÍTULO 3. PARA ALÉM DO BOLSA FAMÍLIA

Apesar dos expressivos ganhos redistributivos decorrentes do PBF, a

qualidade de vida de milhões de brasileiros tem sido afetada pela ausência de maior

proteção nas áreas de saúde, educação e saneamento. De acordo pesquisa do IBASE,

sob a perspectiva das políticas públicas, o PBF contribui para melhoraria das condições

de vida dos seus beneficiários, mas por si só, não garante índices satisfatórios de

segurança alimentar, questão associada a um quadro de pobreza mais amplo.550.

Partindo-se do pressuposto da concepção de pobreza não como mera

insuficiência de renda, e por isso mesmo para o seu combate deve-se ir muito além da

transferência de recursos financeiros para as famílias mais pobres, tem-se como

necessária a articulação do PBF com outras políticas públicas direcionadas ao

desenvolvimento das capacidades dos seus beneficiários. A realização dos objetivos do

programa depende da sua integração com ações e serviços que possibilitem o referido

desenvolvimento das capacidades das famílias. Em outras palavras, o seu sucesso está

indissocialmente ligado a ações complementares.

Inobstante a apresentação dos resultados já mensurados, pode-se afirmar

que o PBF ainda está em processo de construção. No que diz respeito a sua

ampliação, a identificação e cadastramento das famílias mais pobres é preocupação

constante. Hoje, apesar de trabalhar com uma estimativa oficial de 14 milhões de

famílias pobres, o CadÚnico mostra um número adicional de famílias com o perfil do

PBF e o maior desafio é assegurar que todo esse público seja atendido pelo programa.

Além disso, imaginar que o Brasil, com forte histórico de pobreza e

desigualdade, pudesse ter encontrado a solução em tão pouco tempo seria apelo

simplório. Muito ainda há por fazer nas esferas pública, privada e no terceiro setor, para

que o Brasil encontre o caminho sustentável de desenvolvimento econômico e social. O

PBF poderá ser também um instrumento, basta fortalecê-lo nesta direção.

Contudo, a situação de vulnerabilidade dessas famílias não se restringe à

insuficiência de renda para suprirem suas necessidades básicas, pois também faltam

550IBASE (2008). Repercussões do Programa Bolsa-Família na Segurança Alimentar e Nutricional das

famílias beneficiadas. Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/documento_sintese.pdf p.10. Acesso em 13 de agosto de 2013.

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meios para a inserção no mercado de trabalho ou para o desenvolvimento de

alternativas de geração de renda compatíveis com uma existência digna. 551

A emancipação dos beneficiários do programa projeta ao PBF um caráter

educativo de promoção cidadã, sendo necessário que os beneficiários produzam sua

própria renda, sem depender do poder público, minimizando o risco de retornar à

situação de miséria. Os meios seriam cursos profissionalizantes, formação de

cooperativas, restaurantes populares, bancos de alimentos, comitês gestores e etc.

Senhor Presidente uma ajuda ela se acaba; o que necessito é de um emprego que garanta minha vida. (Trecho de uma carta vinda do interior da Paraíba, publicada no livro Cartas ao Presidente Lula de Amélia Cohn).

Ao que tudo indica, ninguém quer deixar um cartão de Bolsa Família como

herança para seus filhos

3.1. A articulação entre políticas púbicas sociais

A difusão de direitos sociais no Brasil e inovação institucional podem ser

classificadas em três grandes fases: os anos de bem-estar corporativo, entre 1930 e

1964; o período de universalismo básico, compreendido entre os anos de 1964 a 1984;

e o período pós-88, considerado como universalismo estendido.

A fase do bem estar corporativo caracteriza-se pelo desenho e

implementação das legislações trabalhistas e previdenciárias, cuja ideia de expansão

de direitos sociais estava quase completamente submissa ao projeto de

industrialização.552 Na década de 1930, com início da trajetória de industrialização do

país, começou-se a estruturar um sistema nacionalmente articulado e regulado de

proteção social. Contudo, essas políticas sociais, sobretudo arranjos previdenciários

551QUINHÕES, Trajano Augustus; FAVA, Virginia Maria Dalfior. Intersetorialidade e transversalidade: a

estratégia dos programas complementares do Bolsa Família. In: Revista do Serviço Público Jan/Mar 2010. Disponível: <http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=3537> Acesso em 01 de setembro de 2014. p.67 552

KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012.

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contributivos, serviram mais aos interesses de elites políticas; sendo heterogêneas,

fragmentadas e beneficiando apenas grupos sociais específicos.553 Constituindo-se em

um modelo corporativo, a proposta era a incorporação social via mercado de trabalho,

nos quais a institucionalização de direitos estava relacionada às necessidades de

mudanças abruptas na sociedade e economia brasileiras.554

Enquanto isso, no período de universalismo básico, entre os anos de 1964 a

1984, houve a unificação e extensão da cobertura previdenciária para extratos sociais

tradicionalmente excluídos e a criação simultânea de um segmento privado e público de

saúde; gerando uma relativa massificação, mas com universalização pouco efetiva e

ampliação desigual de proteções e oportunidades.555

No período pós-1984 e com a instalação da transição democrática, o debate

sobre o Estado de Bem Estar Social – EBES - no Brasil ganhou centralidade, rejeitando

a tese de que o desenvolvimento social é uma decorrência espontânea do

crescimento.556 Muito influenciada por esses debates, a CRF/88 incorpora em seu texto

os anseios de transformação da sociedade; positivou os direitos de seguridade social

(arts. 194 e 195); introduziu o modelo de federalismo cooperativo aliado ao princípio da

solidariedade funcional; um rol extenso de direitos sociais que, apesar de não poderem

ser exigidos subjetivamente, obrigam uma atitude positiva, constante e diligente do

Estado, no intuito de promover a transformação das estruturas sociais. 557

Não havia até então uma cultura de que os direitos sociais deveriam compor

a estrutura do Estado de uma forma que não fosse residual ou que apenas servisse aos

interesses de uma política macroeconômica de ideário nacional-desenvolvimentista;

capaz de ser totalmente desvinculada de uma lógica contratual e adquirisse um status

553COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa

Bolsa Família. In: TRUBEK, David M.; SCHAPIRO, Mario G. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. Série Direito em Debate. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012. 554

KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012. 555

KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012. 556

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa Bolsa Família. In: TRUBEK, David M.; SCHAPIRO, Mario G. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. Série Direito em Debate. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012. 557

BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição. Para uma crítica do Constitucionalismo. SP: Quartier Latin, 2008.

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político, sendo garantida a todos os cidadãos558

O período pós-88, considerado de universalismo estendido, caracteriza-se

pela institucionalização da assistência social, a fixação de um mínimo social, a extensão

da cobertura previdenciária não contributiva, a criação do SUS e a política de

valorização do salário mínimo559; além das políticas de transferência de renda

condicionada e diversos programas sociais ligados a emprego, renda e acesso a

serviços com foco nos mais pobres560, que podem indicar um avanço rumo a um

sistema ainda não completamente concretizado, mas que pode ser denominado

provisoriamente de universalismo redistributivo561.

As fases incluídas no período que vai da década de 1930 até os primeiros

anos da Constituição de 1988 tiveram como característica uma multiplicidade de

políticas sociais, mesclando tipos variáveis, cujos procedimentos burocráticos de gestão

e acompanhamento tornavam-se um desafio não só para o Governo nas políticas

fragmentadas em vários ministérios, como para os próprios beneficiários.

Nem sempre uma política social faz parte de uma estratégia de Estado para

o desenvolvimento econômico. Para Comparato, o direito, depois da grande depressão,

transformou a ideia de economia política para uma ideia de política econômica, na qual

as prioridades do Estado estariam presentes e teriam mecanismos para serem

executadas.562 Sempre há na razão do Estado alguma política econômica, todavia, isso

não significa que na política econômica esteja incluída uma política social. Disso

resultou um problema na concepção da política social como separada da política

econômica ou, por vezes, até antagônica. O Brasil seguiu esse modelo, sendo os

benefícios sociais, na maioria dos estudos, sequer tratados de forma sistematizada e

única, como uma política, mas como instrumentos isolados que buscavam resolver

558KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro:

Campus, 2012. 559

KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012. 560

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa Bolsa Família. In: TRUBEK, David M.; SCHAPIRO, Mario G. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. Série Direito em Debate. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012. 561

KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado de bem-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Campus, 2012. 562

COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. In Estudos e Pareceres de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, pp. 453-472.

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problemas pontuais.563

Paralelamente as políticas sociais ―principais‖ com benefícios contributivos

vinculados ao trabalho formal havia as políticas de alívio à pobreza, constantemente

incluídas no orçamento estatal, mas com pouca racionalidade e com estruturas

completamente despreparadas para a gestão e acompanhamento 564. A Infinidade de

documentos, cadastros, prazos e burocracia necessários à concessão e gestão de

benefícios, tornavam o procedimento de acesso extremamente complexo, causando

empecilhos ou até impossibilitando que chegassem aos seus destinatários finais.

O resultado era um gasto excessivo e ineficiente do governo com estes

programas, gerando a cultura de que políticas sociais eram gastos perdulários ao

Estado, como salienta Cohn565. O processo decisório centralizado, sem previsão de

mecanismos de controle social nem tampouco articulação e integração entre os entes

federados gerava uma apropriação de uma parcela significativa das provisões sociais

pelos setores privados e classes economicamente privilegiadas.566

O período entre 1994-2002 foi o momento em que os programas de

enfrentamento à pobreza baseados em transferência monetárias (condicionados ou

não) foram adicionados à política social no Brasil. O período pode ser entendido como

uma expansão de direitos, já que teriam cumprido um papel complementar e não

confrontado as políticas sociais anteriores; porém acompanhado de maiores desafios,

já que quanto mais programas implementados simultaneamente, maiores são os

desafios de coordenação intersetorial que sua gestão simultânea enfrenta.567

Em 2003 foi lançado o PBF que torna o período subsequente até os dias

563DRAIBE, Sônia Miriam. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Disponível

em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702003000200004&script=sci_arttext. COHN, Amélia. Políticas Sociais e Pobreza no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 12, jun/dez 1995, p.1-17. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/138/140> 564

COHN, Amélia. Políticas Sociais e Pobreza no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 12, jun/dez

1995, p.1-17. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/138/140> 565

COHN, Amélia. Políticas Sociais e Pobreza no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 12, jun/dez

1995, p.1-17. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/138/140> 566

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa Bolsa Família. In: TRUBEK, David M.; SCHAPIRO, Mario G. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. Série Direito em Debate. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012. 567

COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa Bolsa Família. In: TRUBEK, David M.; SCHAPIRO, Mario G. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. Série Direito em Debate. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012.p.95 e 96.

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atuais marcado pela expansão e consolidação das transferências condicionadas de

renda, que utilizando mecanismos de focalização acompanhados de condicionalidades,

busca a redução da pobreza através de metas que, em longo prazo, visam também o

desenvolvimento do capital humano.568

Como visto em tópico específico, a estrutura institucional é operacionalizada

através do CadÚnico e do IGD, contando o programa com uma articulação entre

Estados, Municípios e Governo Federal. Por esta característica a gestão é

descentralizada e compartilhada da qual participam todos os entes estatais e a

sociedade civil. A gestão também é considerada intersetorial, pois é organizada

internamente por um processo intenso de diálogo e interação entre Ministérios e órgãos

da administração pública, sendo MDS responsável formal.569

As políticas públicas locais são compostas por programas governamentais de

distintas procedências - federal, estadual, municipal e mesmo, por programas não-

governamentais ou outros ligados à cooperação internacional, pelo que um dos grandes

desafios na obtenção dos objetivos desenhados por essas ações passa a ser a

articulação entre atores e setores envolvidos.

Nesse contexto, a questão da articulação entre políticas públicas pode ser

analisado sob perspectivas tais como, a procedência das ações governamentais, o

espaço decisório, considerando-se a questão dos arranjos institucionais e ainda, o

poder dos atores e instituições sobre as oportunidades dessa articulação. Considera-se

que ―As estruturas da desigualdade podem ser, se não modificadas, bastante

perturbadas na sua inércia conservadora, mediante processos jurídicos-institucionais

bem articulados‖570.

O caráter sistemático das políticas públicas é o que possibilita enfrentar a fragmentação ou desarticulação da ação governamental, evoluindo no sentido do desenvolvimento. Esses problemas apresentam-se tanto no âmbito intragovernamental, quando a ação depende do envolvimento sistemático de vários pólos de competência com atribuição sobre o

568COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais brasileiras: um estudo sobre o Programa

Bolsa Família. In: TRUBEK, David M.; SCHAPIRO, Mario G. (orgs.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. Série Direito em Debate. São Paulo: Saraiva/FGV, 2012. 569

COUTINHO, Diogo R. Capacidades Estatais no Programa Bolsa Família: o desafio de consolidação do Sistema Único da Assistência Social. Texto para Discussão (IPEA. Brasília), v. 1, p. 1-50, 2013. 570

BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2013.p.30.

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tema, como extragovernamental, quando o sucesso da ação governamental está relacionado ao comportamento de agentes externos ao corpo do governo.571

A superação da pobreza, da desigualdade e da exclusão social no Brasil é

um desafio que extrapola a capacidade de um único nível de governo e requer a

adoção de políticas que incorporem a intersetorialidade e a transversalidade, e

consigam atender as demandas dos segmentos excluídos. 572

O enfrentamento da pobreza em seu caráter multidimensional, que apresente resultados que sejam significativos, requer uma estratégia que consiga alcançar a intersetorialidade e a transversalidade com esforços integrados dos diferentes setores dos três níveis de governo e da sociedade civil e que tenha a capacidade de incorporar temas, visões, públicos, problemas e objetivos às tarefas da organização que não se encaixam nas estruturas organizativas tradicionais verticais573

A intersetorialidade é definida como ―a articulação de saberes e experiências

no planejamento, na realização e na avaliação de ações, com o objetivo de alcançar

resultados integrados em situações complexas visando a um efeito sinérgico no

desenvolvimento social‖574.

Toma-se a ideia de intersetorialidade como convergência de esforços dos

diversos setores governamentais e não governamentais na produção de políticas

públicas integrais e integradas que respondam às necessidades da sociedade de forma

completa.575 Intersetorialidade como imperativo à coordenação entre os órgãos da

administração pública, bem como entre o Estado e a sociedade civil, em todo o ciclo de

formação das políticas sociais. Considera-se a perspectiva da articulação

intergovernamental (entre entes federativos) e a intragovernamental (mesma esfera de

571BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito: In: (Org.). Políticas Públicas:

reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p.253. 572

QUINHÕES, Trajano Augustus; FAVA, Virginia Maria Dalfior. Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos programas complementares do Bolsa Família. In: Revista do Serviço Público 61(1): 67-96 Jan/Mar2010.Disponívelem:<http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=3537> Acesso em 01 de setembro de 2014. p.67 573

MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Gestão de Políticas Públicas: Estratégias Para Construção de Uma Agenda. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 2006.p.78. 574

JUNQUEIRA, L.A.P. Novas formas de gestão na saúde: descentralização e intersetorialidade. Saúde

Social, 6(2): 31-46, 1997.p.79. 575

MENDES, R.; AKERMAN, M. Intersetorialidade: reflexões e práticas. In: FERNANDES, J.C.A.; MENDES, R. (Org.). Promoção da saúde e gestão local. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2007.

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governo, entre diferentes setores ou áreas). A articulação intersetorial com a sociedade

dá-se com a construção de redes entre ela e o Estado, incluindo as parcerias com

organizações sociais e instituições privadas.

No tocante a esse compartilhamento de responsabilidades entre as esferas

de governo, atribui-se a sua especial importância ao fato de que, embora a CRF/88

defina o combate à pobreza e à desigualdade como objetivos da federação, não prevê

o direito à renda como direito constitucional. Além disso, tem-se o PBF como uma

criação de lei ordinária e, portanto culmina-se em ausência de um poder para se definir

as responsabilidades dos estados e municípios. A sua implementação passou a

depender de processos de negociação e coordenação entre os entes federativos e por

isso, necessária foi a construção de voluntários mecanismos de adesão e pactuação.576

Ao demandar-se integração e articulação entre ações e serviços de

diferentes esferas e áreas do governo são apresentados desafios complexos de

coordenação. Para Coutinho um dos desafios é a ―articulação e aproveitamento de

potenciais e sinergias, externalidades positivas e ganhos de escopo e escala entre

políticas sociais diferentes‖.577 Integradas para melhor atender os destinatários, evita-se

a duplicidade de procedimentos, bem como a multiplicação dos custos. Coutinho

aponta para um ―feixe de ações ancoradas na descentralização, coordenação

intersetorial, participação e controle social‖, com arranjos institucionais num sistema

universal mais amplo e integrado, enfrentando-se os desafios da orquestração,

coordenação e articulação.

Castel considera a perspectiva da articulação no contexto da redução das

desigualdades, levando-se em conta realidades locais e a exclusão de grupos.

A redução de desigualdades específicas depende da articulação de políticas sensíveis ao atendimento de demandas particulares, direcionadas a realidades locais, e de uma mudança nas políticas sociais, de políticas de integração para políticas de inserção dos grupos

576QUINHÕES, Trajano Augustus; FAVA, Virginia Maria Dalfior. Intersetorialidade e transversalidade: a

estratégia dos programas complementares do Bolsa Família. In: Revista do Serviço Público. Jan/Mar2010.Disponíve:<http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=3537> Acesso em 01 de setembro de 2014. 577

COUTINHO, Diogo R. Capacidades Estatais no Programa Bolsa Família: o desafio de consolidação do Sistema Único da Assistência Social. Disponível: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=19366. Acesso 28/08/13

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excluídos da sociedade, para que não se construa cidadania sobre inutilidade social578.

Diante do exposto nesse tópico, conclui-se que a articulação entre as

politicas sociais complementares ao PBF passa a ser considerado como um grande

desafio, em todos os níveis de poder, rompendo-se ciclos de políticas públicas que

desconsideram as diversidades locais e regionais. E mais, pensar na continuidade de

ações ao longo de diferentes governos, em lugar de governos que apenas desfaçam ou

ignorem ações de antecessores. Uma articulação institucional e política que integre de

forma ordenada as ações e estratégias governamentais repercutem diretamente num

resultado positivo de menor demanda judicial para concretização de direitos sociais,

dando a sua contribuição, inclusive, para mitigar os problemas decorrentes do

fenômeno crescente da Judicialização desses direitos.

A retórica distributivista existiu sempre como retórica eleitoral, mas nunca conseguiu efetivar-se politicamente em um conjunto articulado de políticas públicas com vistas a promover a cidadania democrática. Sua história na modernização econômica do país foi sempre a de veículo de uma incessante postergação de decisões políticas para efetivar políticas distributivistas. Políticas públicas voltadas para a feitura de consistentes investimentos estatais direcionados a encaminhar algumas soluções destinadas a reduzir ao máximo o impacto das imensas desigualdades sociais foram sistematicamente adiadas em nome de ―impossibilidades técnicas‖. 579

3.2. Programas complementares e a inclusão social dos beneficiários

Uma abordagem sobre as condições de saída dos beneficiários do PBF

aponta para a necessidade de uma maior articulação com outras políticas e programas

sociais de modo que esses beneficiários passem a ser autossustentáveis perante o

Estado e Sociedade, concretizando assim uma efetiva inclusão social desses

indivíduos no Estado Social e Democrático de Direito que constitui o Brasil.

578CASTEL Robert. orgs. Mariângela Belfiore-Wanderley, Lúcia Bórgus, Maria Carmelita Yazbek.

Desigualdade e a questão social / São Paulo: EDUC, 2000. p.71 579

REGO, Walquiria Leão. Aspectos teóricos das políticas de cidadania: uma aproximação ao Bolsa Família. Lua Nova, São Paulo, 73. 2008. 147-185.

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As famílias beneficiárias do PBF se enquadram em situações de pobreza e

extrema pobreza. A pobreza tem diversas dimensões o que, para esta pesquisa,

sugere a articulação das Políticas Públicas com olhar específico para aqueles que

sempre foram excluídos do acesso a direitos sociais básicos, de forma a garantir

equidade de oportunidades no exercício da cidadania a todos.

O PBF é composto por três dimensões, permeadas pelas lógicas da

transversalidade e da intersetorialidade. A primeira refere-se ao alívio imediato da

pobreza, por meio da transferência direta de renda; a segunda diz respeito ao reforço

que o benefício visa oferecer para que direitos sociais básicos de saúde e educação

sejam ofertados e acessados, contribuindo para que as famílias rompam o ciclo da

pobreza perpetuado entre as gerações. Essa dimensão do programa propõe-se a se

materializar por meio das chamadas condicionalidades.

A terceira dimensão do PBF relaciona-se à articulação do governo federal

com estados, municípios e entidades da sociedade civil para ampliar e potencializar a

oferta aos beneficiários de programas e ações complementares. O objetivo é

complementar e potencializar os impactos proporcionados pelas transferências

condicionadas de renda na redução das desigualdades, promovendo um salto

qualitativo que contribua para a melhor distribuição da renda e conduza as famílias

para uma situação de superação sustentada da vulnerabilidade econômica e social.

O decreto que regulamenta o PBF estabelece como objetivo básico do

programa ―estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de

pobreza e extrema pobreza‖580. Nesse sentido, os programas complementares à

transferência de renda, articulados em 2006 e 2007, visaram contribuir para o

desenvolvimento das capacidades dos membros dessas famílias e para a oferta de

oportunidades de trabalho e de geração de renda, a fim de possibilitar a superação da

situação de pobreza e de vulnerabilidade social em que se encontravam.

Em consonância com os eixos do PBF relacionados à ruptura intergeracional

da pobreza e desenvolvimento das famílias são desenvolvidas parcerias intersetoriais

consideradas estratégicas. As parcerias visam qualificar o acesso das famílias

beneficiárias a direitos sociais básicos, por meio de políticas e programas relacionados

580Decreto nº 5.209 de setembro de 2004, artigo. 4o, inciso III.

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às áreas de Saúde, Segurança Alimentar e Nutricional, Educação e Assistência Social,

em complementação às condicionalidades. Na área de Educação, a Alfabetização de

Adultos e Educação Integral e na área de Saúde, a Atenção Básica a Saúde, sobretudo

das gestantes, nutrizes e a crianças, são consideradas centrais a esse processo.581

Programas complementares são ações organizadas e regulares de iniciativa

do Governo Federal, dos governos estaduais, municipais, do Distrito Federal e da

sociedade civil direcionadas às famílias beneficiárias do PBF para o desenvolvimento

de suas capacidades e oferta de oportunidades, visando a superação da

vulnerabilidade social. Devem levar em conta o perfil das famílias, suas

vulnerabilidades, potencialidades, e considerar as potencialidades econômicas e

socioculturais específicas de cada localidade. Abrangem ações e políticas setoriais nas

áreas de acesso ao conhecimento e ampliação da escolaridade, geração de trabalho e

renda, garantia dos direitos sociais, desenvolvimento local, dentre outras.582

Os Programas Complementares podem ser específicos ou já existentes. Os

específicos são criados exclusivamente para atender as pessoas inscritas no

CadÚnico, em especial as beneficiárias do PBF e os existentes focalizam e/ou

priorizam as famílias de maior vulnerabilidade.583

O Decreto 5.209 de 17 de setembro de 2004 afirma que cabe aos estados e

municípios estabelecer parcerias para a oferta de programas complementares e prevê

a celebração de termos de cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e

os municípios, visando à formulação desses programas. O Decreto 6.393 de 12 de

março de 2008 estabelece o Compromisso Nacional pelo Desenvolvimento Social, que

define como competência da União oferecer aos estados e ao Distrito Federal apoio

para o desenvolvimento de políticas complementares ao PBF.

Dessa forma, considera-se a articulação de ações para promover às famílias

beneficiárias oportunidades e condições para superar a pobreza de forma sustentável,

abrangendo-se diferentes áreas como educação, trabalho, cultura, microcrédito,

581Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades/acoes-integradas acesso 240515

582Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/capacitacao/arquivos/apresentacoes/programas-

complementares.pdf/view?searchterm=programas complementares 583

Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/capacitacao/arquivos/apresentacoes/programas-complementares.pdf/view?searchterm=programas complementares

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capacitação e melhoria das condições habitacionais. São exemplos dessas ações os

programas para alfabetização e aumento de escolaridade, qualificação e inserção

profissional, formação de microempreendimentos, concessão de microcrédito,

estratégias de apoio à aquisição, construção ou reforma de unidade habitacional,

produção e acesso à cultura e emissão de documentos de identificação civil.584

Os programas complementares são planejados em três etapas: diagnóstico,

planejamento e execução e acompanhamento dos resultados. O diagnóstico começa

pelo levantamento de dados socioeconômicos da população a ser atendida; o

planejamento leva em conta o perfil dos beneficiários, suas vulnerabilidades e

habilidades, além das ações e serviços já em desenvolvimento. É fundamental que os

programas complementares explorem sempre as vocações econômicas e culturais de

cada localidade. Por fim, o acompanhamento dos resultados possibilita a melhoria dos

processos por meio da identificação de pontos fortes e fracos, desenvolvendo e

aprimorando métodos de trabalho, além de ser fundamental para o monitoramento da

ação e o correto direcionamento de sua execução.585

As vulnerabilidades quanto às potencialidades das famílias beneficiadas pelo

PBF devem ser levadas em consideração para a coordenação intergovernamental e o

estabelecimento de parcerias com entidades não governamentais para a

implementação de ações que as beneficiem. Para que as famílias beneficiadas tenham

sua cidadania fortalecida e possam estruturar sua renda a partir de seu próprio trabalho

e as crianças e jovens tenham a oportunidade de um futuro melhor, faz-se necessário

que as famílias sejam contempladas por essas ações. A organização dos programas

complementares deve levar em conta o perfil e a demanda de cada família e as ações

e serviços existentes no local. Para algumas famílias a alfabetização e educação de

jovens e adultos são de fundamental importância e para outras a capacitação

profissional ou acesso ao microcrédito. 586

584Disponível:http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/programascomplementares/programascomplementares/

?searchterm=programas complementares 585

Disponívelhttp://www.mds.gov.br/bolsafamilia/programascomplementares/programascomplementares/?searchterm=programas complementares 586

ABREU, Débora Nunes. Ação Complementar do Programa Bolsa Família em Congonhas-MG: correlação de políticas públicas e gênero. Especialização em Gestão em Políticas Públicas. 2012. Universidade Federal de Ouro Preto MG.

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Os programas complementares constituem-se em estratégias de intervenção

articuladas e integradas entre as diferentes áreas dos governos federal, estaduais e

municipais e da sociedade. Deve possibilitar o desenvolvimento das capacidades das

famílias e a redução de vulnerabilidades específicas. São resultado da associação

entre políticas de redução da pobreza e políticas de promoção da cidadania e

demandam, necessariamente, uma articulação intersetorial, bem como, uma

coordenação e integração entre políticas que priorizem o atendimento das famílias

beneficiárias587.

Ditas ações complementares não compõem o PBF e nem a ele subordinam-

se. São exemplos de programas complementares: programas de geração de trabalho e

renda, de alfabetização de adultos, projeto de promoção do desenvolvimento local e

economia solidária, programa nacional da agricultura familiar, programas de

microcrédito do banco do nordeste, programa nacional biodiesel, de fornecimento de

registro civil e demais documentos, programa luz para todos, aumento da escolaridade

e ampliação do acesso ao conhecimento, das melhorias nas condições

habitacionais588.

O desenvolvimento dos programas e de ações complementares está

apoiado na premissa de que a realidade é complexa e que os problemas e as

desigualdades sociais são fenômenos multidimensionais. Essa lógica conceitual,

presente na tese de Amartya Sen ―Desigualdade Reexaminada‖, estabelece que não

se deve medir o bem-estar individual com base apenas em dimensões de renda e

acesso a bens de consumo. Uma vida boa é a que permite ao indivíduo fazer suas

próprias escolhas. Contudo, para que se possa escolher, é preciso que existam

oportunidades reais, isto é, acesso a diferentes possibilidades e alternativas.

O desenvolvimento das capacidades das famílias mais pobres seria uma

forma de tornar esses indivíduos mais exigentes em relação a suas escolhas e torná-

los mais capazes e qualificados para alcançar e manter seus objetivos.

587LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb; CURRALERO, Claudia Regina Baddini. Desafios

para a Coordenação Intergovernamental do Programa Bolsa Família. In Revista de Administração de Empresas,vol.51,n.5.2011.Disponível:http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S003475902011000500003_0.pdf. 588

MDS. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/> .

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Os programas complementares apresentam uma estratégia de longo prazo e

uma de curto prazo. Na primeira, incluem-se as ações que produzem resultados e

impactos de forma não imediata, por meio do desenvolvimento de capacidades dos

membros das famílias, tanto as suas capacidades relativas ao labor quanto as de

escolher os melhores rumos para a própria vida. O objetivo com esses programas é

tornar os indivíduos mais aptos, mais qualificados e mais seguros quando

oportunidades lhes forem oferecidas. Nessa estratégia, estão incluídos os programas

de aumento da escolaridade, de melhoria das condições habitacionais, por meio da

oferta de infraestrutura básica de moradia e de qualificação profissional.

As ações complementares ao PBF tencionam potencializar os efeitos da

transferência de renda, buscando promover as portas de saída do programa. Contudo,

ainda que legislação do PBF estabeleça responsabilidades a serem partilhadas entre

os governos federal, estadual e municipal na oferta e na articulação dos programas

complementares, os resultados ainda são incipientes.

O panorama indica à ausência de uma coordenação efetiva da estruturação

de parcerias e do desenvolvimento de incentivos aos governos locais e aos demais

órgãos do governo federal na promoção dessas ações. Ressalta-se que um dos

principais desafios do programa é uma visão territorial, com identificação de

potencialidades regionais. No âmbito federal, alguns esforços de integrar

horizontalmente o PBF a outros programas, tal como o Brasil Alfabetizado, Luz para

Todos e o Pró- Jovem. Mas, são esforços que continuam carecendo de formalização e

de estruturação de competências.589

Em recente visita ao Brasil, o coordenador de Campanhas e Políticas da

ONG ActionAid, Ben Phillips assinalou que ―O Brasil é um exemplo internacional no

combate à pobreza, mas precisa ir além do Bolsa Família se quiser avançar na redução

da desigualdade por um caminho sustentável‖. Programas de transferência de renda,

ele diz, devem ser apenas parte de um pacote de medidas. Phillips elogiou o esforço

do Brasil nos últimos anos e disse que o trabalho que foi feito no país, que tirou 36

589LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb; CURRALERO, Claudia Regina Baddini. Desafios

para a Coordenação Intergovernamental do Programa Bolsa Família. In Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5.2011. Disponível: http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75902011000500003_0.pdf.

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milhões de pessoas da pobreza em dez anos, mostra que existem alternativas no

combate à desigualdade social. Para ele e ativistas de outras cinco importantes ONGs

internacionais (ActionAid, Greenpeace, Oxfam, Civicus e Aywid), a concentração de

riquezas é o principal entrave na luta por uma sociedade mais justa.

Acho que há duas críticas comuns ao Bolsa Família, uma justa e outra injusta. Essa é a injusta: dizer que as pessoas estão ganhando dinheiro de graça, que é uma mesada, que estimula a dependência. Quem diz isso desconhece os efeitos da pobreza e o desespero causado por ela. O Bolsa Família não substitui um emprego, é um complemento de renda. A crítica que faz sentido é que programas de transferência de renda nunca são suficientes para reduzir a desigualdade de forma sustentável. Eles são uma parte do pacote. Você tem que olhar para toda a equação de riquezas e garantir acesso a terra, melhores salários, ter uma política econômica que promova o emprego. É um pacote de medidas que faz com que as pessoas saiam da pobreza. E o pacote envolve, essencialmente, acesso a educação de qualidade, não apenas fundamental como também no ensino médio.590

A implementação de programas complementares ao PBF fundamenta-se no

desenvolvimento do capital humano e na autonomização dos beneficiários. Contudo, os

desenhos, a cobertura e a avaliação dessas estratégias são frágeis. É o que revela um

estudo feito na localidade de Manguinhos/RJ, fazendo os gestores locais afirmarem que

a articulação com a saúde e a educação é frágil, muitas vezes dependendo da iniciativa

individual de algum profissional.

Se existisse efetivamente uma articulação, o que a gente chama de intersetorialidade entre a saúde, educação, assistência e habitação na área, você projetava conjuntamente. Não acontece isso. Cada um no seu quadrado, sem conversar. Às vezes você conheceu o assistente social do posto por acaso numa reunião, aí eu faço uma articulação, mas isso não é institucional (Gestor3).591

Os gestores destacaram o fato dos programas complementares oferecidos

pelo Governo Federal não se adequarem à realidade local, considerando-se o perfil

590Ben Phillips é coordenador de Campanhas e Políticas da ONG ActionAid - organização não

governamental internacional que luta contra pobreza, com bases em vários paises, incluindo Brasil. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150430_action_aid_entrevista_jc_lg Acesso em 25/05/2015 591

SANTOS, Cláudia Roberta Bocca. Magalhães, Rosana. Pobreza e Política Social: a implementação de programas complementares do Programa Bolsa Família. Ciência & Saúde Coletiva, 17(5): 2012.

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socioeconômico das famílias e suas vulnerabilidades. Há também atores não

governamentais envolvidos no movimento social local e que desconhecem as principais

condições do programas ofertados, revelando que não há um planejamento conjunto

das atividades, culminando numa incongruência entre a ação e a necessidade local.

O que está acontecendo é construção civil, eletricista, azulejista [referindo-se aos cursos do Próximo Passo].Na comunidade, as pessoas já estão expert em fazer isso, pelo histórico do processo de autoconstrução, de trabalhar em obra. [...]Não tem muita adesão[...] não tem interesse nisso[...]Então a não adesão está pelo deslocamento do que é ofertado pela demanda real, há uma incongruência aí(Gestor3).592

A despeito da existência de programas complementares em diferentes áreas

governamentais, ainda não está clara uma real convergência dessas ações para as

famílias beneficiárias do PBF. Em 2008, 268 mil beneficiários do PBF foram atendidos

pelo Programa Brasil Alfabetizado; até 2010, apenas 1.491dos beneficiários tinham sido

atendidos pelo Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado do Ministério do

Trabalho; em 2010, cerca de 256 mil famílias do PBF foram beneficiadas pelos

programas de microcrédito Agroamigo (23 mil) e Crediamigo (233 mil) do Banco do

Nordeste. Revela-se a fragmentação dessas iniciativas que operam na casa dos

―milhares‖ de beneficiários, ao passo que o PBF opera na casa dos ―milhões‖.593

Verifica-se um grande desafio no sentido de pautar e priorizar o público atendido pelo PBF de modo a abrir novos espaços de inclusão e ampliar espaços já existentes. Isso não é tarefa fácil, visto que alguns programas não estão acostumados a trabalhar com as famílias mais pobres e têm dificuldade para distinguir os beneficiários do PBF como público prioritário de suas ações.594

592SANTOS, Cláudia Roberta Bocca. Magalhães, Rosana. Pobreza e Política Social: a implementação de

programas complementares do Programa Bolsa Família. Ciência & Saúde Coletiva, 17(5). 2012. 593

LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb; CURRALERO, Claudia Regina Baddini. Desafios para a Coordenação Intergovernamental do Programa Bolsa Família. In Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5.2011. Disponível em http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75902011000500003_0.pdf. 594

SANTOS, Cláudia Roberta Bocca. Magalhães, Rosana. Pobreza e Política Social: a implementação de

programas complementares do Programa Bolsa Família. Ciência & Saúde Coletiva, 17(5): 2012.

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223

3.2.1. Programas complementares federais e Boas Práticas Locais

De acordo o MDS, um dos eixos de atuação do PBF é a articulação de ações

que promovem às famílias beneficiárias oportunidades e condições para superar a

pobreza de forma sustentável.595 A Intersetorialidade como estratégia possível para

conquista da emancipação das famílias beneficiadas pelo PBF aponta para programas

complementares que focalizam esse público-alvo. São Exemplos de ações

complementares: Programa Brasil Alfabetizado, ProJovem, Projeto de Promoção do

Desenvolvimento Local e Economia Solidária, Programa Nacional de Agricultura

Familiar, Programas de Microcrédito do Banco do Nordeste, Tarifa Social de Energia

Elétrica e Programa Luz para Todos e Plano Setorial de Qualificação e Inserção

Profissional para os beneficiários do programa Bolsa Família (Planseq Bolsa Família).

Os nove programas complementares que foram articulados pela Senarc/MDS

ao PBF em 2006 e 2007, relacionados no quadro 1, eram programas que já estavam

sendo implementados pelos respectivos ministérios executores antes da parceria

firmada com o MDS. Esses programas complementares, após a parceria com a

Senarc/MDS, passaram a ter como clientela prioritária as famílias beneficiárias do PBF

ou o público potencial das famílias inscritas no CadÚnico, conforme o que se

demonstrava como o mais adequado para cada programa. Essas parcerias

proporcionariam para essas famílias a oportunidade de serem incluídas em um amplo

conjunto de serviços e políticas federais, satisfazendo as suas necessidades e

considerando as suas características.

O Brasil Alfabetizado (PBA) é um exemplo de programa articulado ao PBF,

visando empreender esforços a fim de ofertar aos beneficiários uma ação

complementar à transferência de renda para o aumento da escolaridade e a redução do

analfabetismo, além de promover a sinergia das ações do poder público no combate à

pobreza e à exclusão social. A articulação entre o PBA e o PBF tem como foco a

localização de pessoas com perfil para alfabetização, inscritas no CadÚnico; a

mobilização e sensibilização de gestores locais, ICS, coordenadores estaduais do PBF

595 http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/programascomplementares Acesso em 16 de setembro de 2013.

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e gestores locais do PBA para promoverem a inscrição desses cidadãos no programa; e

o monitoramento e a avaliação conjunta das ações e dos resultados da cooperação.

A oferta de ações de trabalho e renda contribui tanto para a redução da

exclusão laboral como da exclusão econômica. São programas e ações que dialogam

com diferentes estratégias de políticas setoriais (agricultura familiar, desenvolvimento

regional e local, economia solidária, etc.) e consideram a especificidade do público a

ser atendido e as experiências histórica e territorial do local onde serão implementados.

As ações articuladas nessa área em 2006 e 2007 foram: Juventude Cidadã e Brasil

Local, executadas pelo MTE; o projeto piloto do Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (Pronaf), executado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA) e associado aos programas de microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil; e o

Programa Nacional Biodiesel, executado também pelo MDA.

O Brasil Local (antigo Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e

Economia Solidária), em articulação com o PBF, tem o objetivo de fomentar o

desenvolvimento local sustentável como uma possibilidade de inclusão produtiva de

famílias pobres no mercado de trabalho. Esse projeto busca promover ações de apoio

ao desenvolvimento local, a partir da organização de empreendimentos coletivos

solidários.

Para a diminuição da exclusão sóciosanitária ou urbano-territorial são

necessárias ações que envolvam a possibilidade de acesso à propriedade de imóvel, à

água, ao esgoto sanitário, à coleta de lixo, à eletricidade e à pavimentação, entre

outros. As ações articuladas nesse campo foram o Programa Luz Para Todos e o

Programa Tarifa Social, ambos em parceria com o Ministério de Minas e Energia. O

Programa Tarifa Social de Energia Elétrica concede descontos de até 65% na conta de

luz às famílias que apresentem baixo consumo de energia elétrica, estejam inscritas no

CadÚnico e atendam às condições que as habilitem a serem beneficiárias do PBF, de

acordo com a resolução normativa, no 253, de 14 de fevereiro de 2007, da Agência

Nacional de Energia Elétrica.

Os programas associados ao exercício dos direitos civis e políticos dos

cidadãos e aos serviços de proteção básica de assistência social visam à redução da

exclusão política e da cidadania. São ações que promovem o fortalecimento da

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cidadania, incentivam o protagonismo e a participação política nos processos

decisórios, o empoderamento das famílias, o fortalecimento de vínculos familiares e

comunitários e a consciência dos direitos individuais e coletivos. Foram articulados os

programas Agente Jovem, em parceria com a Secretaria Nacional de Assistência Social

do MDS, e o de ação de combate ao trabalho escravo, em parceria com o MTE.

Quadro 1 – Fonte:

Atualmente, os programas complementares articulados em nível federal

estão descritos no quadro a seguir:596

596 http://www.mds.gov.br/programabolsafamilia/programas_complementares/programas-federais

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Programa Categoria Objetivo Agente Executor

Programa Brasil Alfabetizado Acesso a conhecimento Alfabetização MEC

Próximo Passo

Acesso a trabalho e renda

Qualificação profissional nas áreas da construção civil e turismo

MTE

Programa de Qualificação Profissional Continuada –

Acreditar

Acesso a trabalho e renda

Qualificação e inserção profissional em obras da construtora

Construtora Norberto Odebrecht

Prominp

Acesso a trabalho e renda

Reforço escolar para seleção para cursos de qualificação profissional

Governos estaduais e municipais

Programa Nacional da Agricultura Familiar

(PRONAF B)

Acesso a trabalho e renda

Desenvolvimento rural e fortalecimento da agricultura familiar

MDA

Crediamigo e Agroamigo

Acesso a trabalho e renda

Concessão de crédito orientado e acompanhado para população rural

BNB

Programa Nacional de Microcrédito Produtivo

Orientado

Acesso a trabalho e renda

Concessão de crédito orientado e acompanhado

MTE

Territórios da Cidadania Acesso a cidadania Promover o desenvolvimento

econômico e universalizar programas básicos de cidadania

Casa Civil e Ministérios

Assentamentos rurais Acesso a cidadania Promover a inscrição de famílias assentadas no Cadastro Único e

priorizar inserção no PBF

Enquanto isso, o Observatório de Boas Práticas na Gestão do PBF é um

espaço que tem por finalidade identificar, reunir e divulgar as boas práticas na gestão

do PBF, desenvolvidas pelos estados e municípios, e apoiar a constituição de uma rede

de gestores que atuam na implementação e no acompanhamento do Programa. Foram

publicadas em 2014 as práticas concorrentes e aprovadas durante o Prêmio Rosani

Cunha de Desenvolvimento Social: Edição Especial – Bolsa Família 10 Anos que

contou com a cooperação do Banco Internacional para Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura (UNESCO) para a sua realização.597

Amostra de programas complementares articulados pelos governos

estaduais e municipais, publicados no Observatório de Boas Práticas, em Abril de 2009:

Acesso a microcrédito para famílias beneficiárias do PBF; Ações socioeducativas do

Programa Bolsa Família; Alfabetização de jovens e adultos; Aprender a aprender e

apreender para construção da cidadania; Ateliê da família; Bom de Bola: educando pelo

597http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/observatorio-de-boas-praticas-na-gestao-do-programa-bolsa-

familia-pbf acesso 240515

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esporte; Capacitar para incluir: construção civil gerando emprego e renda; Comunidade

e paz é você quem faz; Cozinhando com a energia solar; Cozinhas comunitárias –

Unidades I e II; CRAS itinerante; Cultivo de tilápias em tanques-redes; Educação

financeira cidadã para empreendimentos solidários; Escola Móvel de Inclusão Digital –

Caminhão Digital; Fundo Carioca; Geração de emprego e renda – Araxá (MG); Gerando

oportunidades de inclusão social; Grupo de Salgadinhos Básicos; Horta Familiar: cultive

uma horta e colha qualidade de vida; Inclusão social com hortas comunitárias; Iogurte

de leite de cabra produzido por assoc. de Mulheres do PBF; Kerubim Net – programa

de inclusão digital; Monitoramento e acompanhamento social; Mulheres Chefes de

Família – Dona Lindu; Oficina sócio-terapêutica e comunitária de costura; Padaria

Comunitária Xakriabá; Participação e ação para nossa inclusão; PENARUA – Programa

Empreendedorismo na Rua; Produção solidária – Incentivo à criação de cooperativas;

Programa Bolsa Trabalho; Projeto Acordes da Vida; Projeto Cavalgar; Projeto de

Segurança Alimentar e Nutricional; Projeto técnicas de manejo em cana de açúcar e

preparo do álcool; Propen – Programa Porta de Entrada; Qualificação profissional em

tecnologia de sistemas de segurança; Salão de beleza popular; Utilização do Cadastro

Único para famílias para política habitacional.

Programas que visam à redução da exclusão laboral e econômica aparecem

com maior frequência, com ações na área da qualificação profissional e da geração de

trabalho e renda que envolvem o acesso ao crédito, o estímulo ao associativismo e ao

cooperativismo e parcerias com o setor privado para absorção de mão de obra

qualificada. Apesar de os governos estaduais estarem menos mobilizados nesse

processo, há vários casos de programas complementares estaduais, e o envolvimento

desses é muito importante para o enfrentamento da desigualdade e da exclusão social.

O Programa Bolsa Trabalho, por exemplo, é um programa estadual

complementar ao PBF executado pela Secretaria de Estado de Trabalho, Emprego e

Renda do Pará, que visa à qualificação profissional e à concessão de crédito para micro

e pequenos negócios. Esse programa tem o objetivo de proporcionar oportunidades de

emprego, trabalho e renda a jovens residentes há mais de três anos no estado, com

idade entre 18 e 29 anos, pertencentes a famílias beneficiárias do PBF e que tenham

mais de cinco anos de estudo. Os participantes recebem benefício no valor de R$ 70,00

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por mês, condicionado à participação nas atividades de qualificação profissional e em

reuniões trimestrais.

O desenvolvimento local integrado e sustentável é uma estratégia compatível

com a superação emancipatória da pobreza. Dessa forma, pode ser utilizada por todas

as políticas que atuam em determinado território, com a devida integração entre as

políticas setoriais e a participação popular, de forma a promover a ativação das

potencialidades locais, alcançando assim um desenvolvimento sustentável.

O Plano Brasil Sem Miséria (BSM) foi lançado em junho de 2011 com a

finalidade de aprofundar a transferência de renda, priorizando crianças, gestantes e

nutrizes; criando novos mecanismos de inclusão produtiva e ampliamos o acesso a

serviços públicos essenciais, levando o Estado onde estão os que mais precisam dele.

Segundo documento oficial598 o BSB tem três grandes eixos de atuação: ―(...) garantia

de renda, relativo às transferências para alívio imediato da situação de extrema

pobreza; inclusão produtiva, com oferta de oportunidades de ocupação e renda ao

público-alvo; e acesso a serviços, para provimento ou ampliação de ações de cidadania

e de bem-estarsocial8(sem grifos no original).‖ 599

Em cada um dos eixos estão articulados diversos programas sociais – como

o Bolsa Família, o Brasil Carinhoso, o Pronatec, Programa Crescer e, até mesmo, a

criação de unidades básicas de saúde e escolas em regiões ainda carentes desses

aparelhos, etc. Outra inovação do plano é a chamada busca ativa, que consiste na

procura minuciosa com o objetivo de localizar, cadastrar e incluir nos programas as

famílias em situação de pobreza extrema, identificar os serviços existentes e a

necessidade de criar novas ações para que essa população possa acessar os seus

direitos. Esse mecanismo é operacionaliza do através de mutirões, campanhas,

palestras, atividades socioeducativas, visitas domiciliares, cruzamentos de bases

cadastrais e a qualificação dos gestores públicos no atendimento à população

extremamente pobre.

Além disso, de acordo com o site do BSB, o programa articula 6 ministérios e

6 secretárias. De fato, com esse grau elevado de institucionalização acompanhado de

598A revista Brasil Sem Miséria – instrumento oficial de divulgação dos resultados do plano. Revista Brasil

sem miséria, 2012, p.6. Disponível em; < www.brasilsemmiseria.gov.br 599

De acordo com http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao/conheca-o-plano

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áreas tão abrangentes de atuação, ao menos formalmente, o plano se mostra

diferenciado em relação a diversos outros programas sociais do próprio governo, que já

contam com estruturas complexas de execução e gestão, sobretudo pela notável

característica de mesclar universalização e focalização; ora dando concretude a direitos

positivados constitucionalmente, ora ampliando benefícios considerados discricionários,

concebidos através de política públicas – em geral associadas a governos específicos -

que visam provocar impacto na desigualdade e pobreza através de arranjos

reparatórios ou distributivos.

Essa nova fase de direitos e políticas sociais no Brasil se diferencia

completamente da anterior, notadamente, pela estrutura extremamente flexível.

Enquanto os arranjos previdenciários e direitos trabalhistas orientavam-se por uma

estrutura jurídica rígida, que conforma tanto a forma de acesso quanto sua

operacionalização; essa nova fase é marcada por leis com conteúdo abstrato, em geral,

atribuindo competências e regulando instrumentos no intuito de promover uma atividade

coordenada capaz de atingir objetivos predeterminados, podendo ser alteradas ou

redesenhadas constantemente, contando para isso com a participação social.600

3.3. Direito, Desenvolvimento e Novos Desafios na agenda governamental

Já caminhando para algumas conclusões desta pesquisa importa pensar

sobre as transformações do direito nas políticas sociais. Como as políticas e direitos

sociais foram capazes de se adaptar a essa fase atual que parece mais flexível,

questionando-se sobre as capacidades do Estado para uma concretização efetiva;

refletir sobre como o direito é capaz de se adaptar as necessidades conjunturais sendo,

inclusive, incorporado à gestão macroeconômica. E mais, cumpre-se pensar sobre o

papel do direito no desenvolvimento; como ele se relaciona com o desenvolvimento,

600O PBF é um exemplo. Sobre isso ver COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas sociais

brasileiras: um estudo sobre o programa Bolsa Família. In: SCHAPIRO, Mário Gomes; TRUBEK, David (orgs). Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre os Brics. São Paulo: Saraiva, 2012.

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devendo, nessa perspectiva, ser observado por quais meios, funções, limites e

objetivos o direito pode influenciar na trajetória evolutiva dos países.601

Enfrentando essas questões Rittich602defende que ao direito, no

desenvolvimento, cabem desempenhar três tipos de função com escopo amplo: a

constitutiva, a discursiva e a distributiva .

A função constitutiva refere-se à reconstrução constante do próprio

significado de desenvolvimento naquela determinada circunstância e momento

histórico. O conteúdo do desenvolvimento é, em parte, um sentido jurídico, extraído da

constante reinterpretação de diversos atores, que lhe agregam sentidos.603 A função

discursiva é desempenhada à medida que a linguagem dos direitos subjetivos (ter

direito a algo) é vocalizada para assegurar a prioridade de certos objetivos, legitimando,

tematizando e institucionalizando agendas políticas e dando-lhes um status

diferenciado ao positivá-las. Um exemplo dessa função seria a previsão Constitucional

brasileira no art.° 3, que prescreve a redução da desigualdade e pobreza.604 A função

distributiva está relacionada à capacidade das normas jurídicas de alocar poder e

recursos perante grupos sociais, articulando e estruturando um feixe de políticas

públicas que intervêm diretamente nos fluxos econômicos, determinando perdas e

ganhos num processo de equalização, identificando classes que foram privilegiadas ou

não a partir da configuração de determinados arranjos.605

601SCHAPIRO, Mário G. Repensando a relação entre Estado, direito e desenvolvimento: os limites do

paradigma do rule of law e a relevância das alternativas institucionais. São Paulo. Revista direito GV. 2010.Disponível: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322010000100011> 602

RITTICH, kerry. The future of Law and Development: Second Generation of Reforms and the Incorporation of the Social. Michigan Journal of International Law, v.26. p.199-243. apud COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. 603

RITTICH, kerry. The future of Law and Development: Second Generation of Reforms and the Incorporation of the Social. Michigan Journal of International Law, v.26. p.199-243. apud COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. 604

RITTICH, kerry. The future of Law and Development: Second Generation of Reforms and the Incorporation of the Social. Michigan Journal of International Law, v.26. p.199-243. apud COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. 605

RITTICH, kerry. The future of Law and Development: Second Generation of Reforms and the Incorporation of the Social. Michigan Journal of International Law, v.26. p.199-243. apud COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.

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Diogo Coutinho606 ao enfrentar a mesma questão analisando a estrutura

jurídica do PBF e buscando também traçar um diálogo com Rittch, estabelece o que

denomina os quatro papéis do direito nas políticas públicas: moldura, vocalizador de

demandas, ferramenta e arranjo institucional.

O direito como moldura é o reconhecimento de que o arcabouço jurídico é

capaz de delimitar metas ou pontos de partida das políticas. Um exemplo seriam as

normas programáticas da Constituição. Um sentido do direito como moldura sugere

formalizar um programa de ação governamental ou política pública, obrigando o

aplicador (ou interprete da norma) e tornando-a vinculante, distinguindo-se de meras

interações, recomendações ou diretrizes; podendo transformar os direitos politicamente

definidos em direitos subjetivos, permitindo, inclusive, o controle de seu conteúdo em

face dos demais direitos existentes – o ordenamento jurídico. No caso do PBF o direito

moldura estipula, no próprio texto do Decreto que o instituiu, que os objetivos do

programa são promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, saúde,

educação, assistência social, combater a fome e a pobreza extrema etc.607

O Direito como vocalizador de demandas parte do pressuposto que as

decisões devem ser tomadas de modo mais fundamentado possível, através de uma

argumentação coerente e constante de documentos sujeitos ao escrutínio público. Ou

seja, as normas jurídicas podem dotar ou privar políticas de mecanismos de

deliberação, participação, consulta, controle social, colaboração e decisão conjunta;

assegurando a participação até mesmo de grupos de interesse menos organizados. No

caso do PBF, o exemplo seriam as instâncias de controle social que auxiliam na gestão,

execução e monitoramento do plano.608

O Direito como ferramenta é uma forma de sublinhar a seleção dos meios a

serem empregados para perseguir os objetivos predefinidos. Nessa classificação estão

inclusas as diferentes formas de modelagem jurídica, a compreensão de diferentes

formatos de políticas públicas, a análise de formas de indução de comportamentos, o

606COUTINHO, Diogo R. O Direito nas Políticas Sociais Brasileiras: um estudo do Programa Bolsa

Família. In: Mario G. Schapiro e David Trubek. (Org.). Direito e Desenvolvimento - Um Diálogo Entre os Brics. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 1. 607

COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.p.114. 608

COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.p.124.

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alinhamento de incentivos e a escolha do ―tipo‖ de norma a ser utilizada (Constituição,

Lei, Decreto, Regulamento, Portaria). Demonstram o direito exercendo esse papel o

CadÚnico e o sistema de monitoramento de condicionalidades na gestão do

programa.609

O Direito como arranjo institucional define que as normas jurídicas são

capazes de estruturar o funcionamento, regular seus procedimentos e viabilizar a

articulação entre diferentes atores direita e indiretamente ligados a tais políticas,

gerando um aproveitamento da sinergia entre eles, através de uma ação bem

articulada, cujas ―vertebras‖ são dadas pelo direito. Exemplificando esse papel do

direito, pode-se tomar os mecanismos intersetoriais de articulação institucional dentro

do próprio Governo – entre Ministérios , e entre este e entidades externas – como a

Caixa Econômica Federal, Estados e Municípios.610

Diante disso, no atual momento das políticas sociais, talvez seja possível

traçar uma importante distinção entre um direito social e política social, expressões

geralmente tomadas como sinônimas quando se referem a um mesmo fenômeno – o

atendimento por parte do Estado, parcial ou completamente, das necessidades básicas

de sua população. De forma geral, um direito social tem a estrutura mais ―rígida‖ ou

―concentrada‖, que condiciona as instituições responsáveis por concretizá-los e

possibilita seu controle por instâncias externas a essa estrutura institucional. Possuem

uma forma de acesso, modificação e extinção complexa, com altos custos de transação

para múltiplas instituições, além de gradientes diferentes de exigibilidade; que podem

partir da obrigação subjetiva – ter direito a algo individualmente –até a obrigação da

elaboração de políticas públicas – norma programática.

Em contrapartida, as políticas sociais, a despeito de serem orientadas pelo

conjunto de direitos que as fundamentam, possuem uma estrutura extremamente

flexível; constantemente reformulada no tocante a procedimentos, objetivos, regras de

acesso e até mesmo nos tipos de benefícios. Essas modificações, em geral, são

promovidas por uma burocracia especializada, orientada por resultados obtidos por

processos constantes de avaliação e contando, por vezes, com a participação da

609COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.p.118-119.

610COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.p.122.

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sociedade. Para isso, sua estrutura jurídica é feita de normas cuja alteração pode ser

feita via instrumentos flexíveis – como portarias -, revogáveis e editáveis de acordo

com as necessidades; contrapondo-se a exigência da edição de lei, característica dos

benefícios mais tradicionais.

Outra distinção marcante é que as políticas sociais podem ser construídas

com o direito executando diferentes funções (moldura, ferramenta, arranjo institucional,

vocalizador de demandas sociais), cujos conteúdos podem não estar expressamente

ligados ao direito que as fundamenta, sentido que só pode ser aferível quando a política

e tomada em conjunto. Diante de tais constatações, o que se pode observar nas

transformações das políticas e direitos sociais é um aparente trade off entre o que

podemos denominar abstratamente de exigibilidade e efetividade. A efetividade seria

caracterizada pelo conjunto das novas políticas sociais, que conseguem obter

resultados substantivos em termos de melhoria de vida de populações específicas –

especialmente os grupos com maior nível de exclusão que sequer conseguiam acessar

a política por conta do grau extremo de marginalização – e de alcançar resultados

expressivos verificados através de importantes indicadores – como o índice GINI o

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A grande questão embutida na ideia de efetividade e nas novas políticas

sociais é que, apesar desses resultados positivos, na perspectiva jurídica, esse modelo

está completamente focado na realidade material; pois, apesar de uma estrutura formal

juridicamente bem delineada para operacionalização, sua possibilidade jurídica de

exequibilidade enquanto direito social – sua liquidez e certeza jurídica – é

completamente atenuada ou até mesmo praticamente impossível em alguns casos.611

Por sua vez a exigibilidade dos direitos sociais tradicionais corresponde à

possibilidade de perenidade dos direitos, ou seja, sua liquidez e certeza através de um

formato duradouro ao longo do tempo e assimilável pelas instituições que, ao receber

uma demanda com base nesse conteúdo jurídico específico, são obrigadas a respondê-

las na forma procedimental. Essas instituições podem ser da estrutura do Poder

Executivo, mas também contam com o Poder Judiciário como arena de cobrança pela

611O artigo 21 do Decreto n. 5.209 de 17 de setembro de 2004, que regulamenta o PBF diz

expressamente que ele não gera direito adquirido.

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concretização desses direitos, exatamente por conta dessa liquidez apriorística.

Obviamente, como todo direito, esse modelo também pode sofrer transformações, mas

o procedimento formal para sua mudança é, em geral, rígido; tornando-se uma garantia

a grupos mais enfraquecidos politicamente.

Entretanto, como vimos na análise das fases dos direitos sociais no Brasil,

essas estruturas mostravam-se extremamente ineficientes no tocante a consecução dos

objetivos, gerando uma cultura política clientelista, excludente; um gasto excessivo ao

Estado e, ainda, apesar de sua liquidez, não eram incorporados à política

macroeconômica, sendo concebido sem sua grande maioria como caridade ou

associadas a benevolências de governos específicos. É esse o aparente paradoxo

marcante nas políticas sociais brasileiras. Não haveria capacidades estatais suficientes

para uma estrutura simultânea de efetividade e exigibilidade? Há a necessidade do

direito intervir nesse sentido ou a própria estrutura participativa permitiria que a esfera

política concretizasse esses direitos? Essa justaposição de formatos jurídicos sinaliza

uma transição ou um conflito? Não haveria alternativas para que atingir eficiência em

um modelo mais rígido? Que estruturas institucionais impedem a formulação de

políticas com tais perfis?

São questões como essas demonstram como a relação entre direito e

desenvolvimento é extremamente complexa. Disso decorre a necessidade de uma

reflexão constante, balizada por um diálogo entre os implementadores das políticas

públicas, pesquisadores e a sociedade, visando construir um conhecimento

interdisciplinar mediado por diferentes perspectivas e capaz de oferecer parâmetros

claros e satisfatórios que possam orientar análises e decisões.

A cada mudança do Estado, há também uma transformação do direito, que

passa a ser orientado por um novo sentido, o que inclui também a forma de

concretização dos direitos sociais. No Estado desenvolvimentista, temos um direito

rígido, demarcado; que utilizava as políticas sociais apenas para consolidar seu projeto

de industrialização; através de benefícios garantidos apenas ao trabalhador formal, com

alguma massificação em momentos posteriores, ainda que sem manter os padrões de

qualidade. No momento neoliberal todo o direito e o Estado são flexibilizados e, sob o

pressuposto de garantir alguma maleabilidade às atividades estatais, novas formas de

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concretização de direitos sociais começam a emergir, especialmente as transferências

condicionadas de renda muito influenciadas pela Constituição de 1988 que cristaliza um

modelo de Estado de Bem Estar Social. Todavia, diante da trajetória de ineficiência das

políticas e gastos sociais no Brasil, novos modelos de políticas sociais são desenhados,

e tendo como base essa experiência de flexibilização, se aliam ao momento

contemporâneo, no qual não há protagonismo nem do mercado, nem do Estado; mas

uma sinergia entre esses setores, bem como entre eles e a sociedade.612

Esse modelo extremamente flexível traz consigo a eficiência e o alcance de

taxas elevadas de sucesso, mas não gera nenhuma garantia aos beneficiários. Este

fato, traz a tona o trade off nas políticas e direitos sociais, no qual o Estado tem a

expertise em um modelo mais rígido juridicamente, cristalizado e exequível de diversas

formas, mas que historicamente não foi capaz de atingir os resultados esperados. Em

contrapartida, a outra expertise do Estado é um modelo extremamente flexível, com

altas taxas de sucesso e perceptíveis avanços sociais, mas com baixa exigibilidade e

perenidade, podendo ser alterado a qualquer momento pelas estruturas do Estado;

que não gera garantias aos beneficiários.

O direito das políticas sociais, para responder a essas necessidades,

também se transforma, sendo possível, no momento atual, perceber bem demarcados

diferentes papéis exercidos pelo direito – moldura, ferramenta, arranjo institucional e

vocalizador de demandas- que parecem agora permitir diferenciar um direito social de

uma política social, exatamente por essa perda do gradiente jurídico da nova geração

de benefícios, no tocante à sua liquidez.

Esses modelos justapostos indicariam uma fase seria transitória ou uma

transformação? Que tipo de Estado de Bem Estar Social, do ponto de vista jurídico,

está se constituindo no país num contexto de flexibilização de direitos? Aos diversos

atores sociais passarão apenas a reivindicar políticas específicas para determinados

grupos, abandonado a tradicional luta por direitos? Como as relações políticas serão

influenciadas por essa dinâmica extremamente flexível? São algumas das questões

que demonstram os desafios colocados aos pesquisadores, operadores do direito e

612SCHAPIRO, Mário G; TRUBEK, David. Redescobrindo o direito e desenvolvimento: experimentalismo,

pragmatismo democrático e diálogo horizontal. In SCHAPIRO, Mário G. TRUBEK, David (orgs). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os Brics. São Paulo. Saraiva. 2012.

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implementadores de políticas públicas no momento atual que por isso motiva um

intenso diálogo intersetorial e interdisciplinar extremamente desafiador que se não

conseguir encontrar um consenso, ao menos terá agregado diversas perspectivas ao

conhecimento acadêmico e ao debate público.

A força norteadora da cidadania no Estado Social, segundo Comparato é a

participação efetiva do povo, dada em diferentes níveis, no desenvolvimento e

promoção e promoção social. Estamos diante da moderna concepção de cidadania

participativa.613 Nesse sentido, no Estado Social e Democrático de Direito tem-se as

Leis como garantidores dos direitos e deveres dos cidadãos, as políticas públicas como

mediadores, instrumentalizando os objetivos constitucionais e os canais populares.

De fato, para que o Estado possa cumprir adequadamente suas funções na efetivação de Direitos Fundamentais, o fio condutor das Políticas Públicas passa necessariamente pela Teoria Jurídica e a relação entre Direito e política precisa ser firmada com maior clareza, especialmente no que se refere à formação do Estado Democrático e Social de Direito.614

Para Smanio o desafio da atualidade é a efetivação da democracia integral

que então abrange a cidadania e o pleno desenvolvimento. É a ideia de cidadania

participativa e ativa através da solidariedade. Destacando-se que as políticas públicas

devem nortear-se na cidadania, em todas as suas dimensões, considerando-se os

aspectos políticos, econômicos e sociais615. Consolida-se a democracia brasileira com o

atendimento das demandas sociais à universalização e melhoria dos serviços de saúde

e educação, dentre outras.

Em países como o Brasil que enfrenta os problemas de um enraizado

processo de desigualdade progressiva, nas suas mais variadas formas e

manifestações, além de outras grandes mazelas nacionais, tais como, a miséria e

613COMPARATO, Fabio Konder. A nova cidadania. In Lua Nova, São Paulo, n.28-29, Apr.1993.

Disponível:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010264451993000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 de agosto de 2013. 614

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; (Orgs.). O Direito e as políticas públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.p.5 615

SMANIO, Gianpaolo. A conceituação da cidadania brasileira e a Constituição Federal de 1988. In: Os 20 anos da Constituição da República Federativa do Brasil. Coordenador: Alexandre de Moraes. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

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pobreza, a questão da efetivação dos Diretos Sociais apresenta-se como crucial. Nesse

sentido, uma cidadania que demanda cada vez mais direitos exige-se um Estado ainda

mais atuante para efetivar o que está declarado e garantido na Constituição Federal.

Faz-se necessária e urgente uma mudança no modo de ver as políticas

públicas no Brasil. É preciso deixar de vê-las como meros atos de discricionariedade

política e passar a concebê-las como instrumentos concretizadores dos direitos

humanos, em especial os direitos sociais rumo ao desenvolvimento econômico e social

do país, com vistas, sobretudo, a melhoria da vida das populações vulneráveis.

Nesse sentido, constata-se a necessidade de um Estado comprometido com

a efetivação de metas que realizem e ampliem a igualdade entre os cidadãos. Dessa

maneira cabe ao Estado o planejamento e ações para a concretização das diretrizes

constitucionais, sobretudo, com a implementação de políticas públicas que

instrumentalizem a prática dos direitos sociais. Para Santos os direitos sociais

associam-se a certa forma política de se entender a cidadania e, portanto, é mais

relevante atentar-se para as contribuições que uma política social traz na esfera da

promoção da cidadania do que se fixar em outros resultados616, afinal tem-se que a

construção de cidadania via políticas estatais criadas para tal intento constitui-se num

campo de provas decisivo, intimamente relacionado com à construção de uma Nação

democrática e mesmo, da democratização da própria democracia.

Cumpre-se destacar que o intento constitucional em questão afigura-se como

um complexo desafio para o Estado, afinal a criação dessas políticas públicas está

intimamente ligada à disponibilidade de recursos, ao passo que os diversos grupos

sociais exigem respostas para as suas inúmeras demandas. Nesse caso o alvo do

Estado passa a ser a harmonização, tanto quanto possível, entre as prestações e essas

demandas, não se distanciando da realização do bem comum cuja concepção vai muito

além da soma de interesses individuais ou de grupos.

Eis que surge um ponto de tensão. Fase posterior à criação dessas políticas

públicas, a questão passa a ser quanto ao acesso que, como no momento da criação,

deve ter como paradigma os limites dos recursos para realização dos direitos que visem

616SANTOS, Guilherme Wanderley. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de

Janeiro: Campus, 1979, p. 83.

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instrumentalizar. Portanto, o contexto é a relação entre a liberdade versus direito de

acesso a ditos direitos, tendo-se em mente que as políticas públicas são um direito de

todos que delas necessitam e que por isso, exigem a sua prática pelo Estado.

Por certo, a implementação de políticas públicas e de programas federais

depende de ação do governo local e da articulação entre os atores e organizações nos

três níveis - federal, estadual e municipal. Assim, as políticas públicas necessitam de

ações específicas por parte dos agentes e diversas formas de cooperação, o que

requer um processo de negociação entre atores políticos (autoridades políticas,

comunidades políticas, grupos de interesse) e uma interação em diversas arenas.

Contudo, não se pode olvidar que cada política pública, certamente, traz em

seu entorno uma estrutura própria, a saber, atores e diversidades na forma de

cooperação e ainda, apresenta seus próprios canais institucionalizados, seguindo uma

dinâmica diferente em relação às demais, que pode estar caracterizada pelo conflito ou

o consenso quanto aos seus objetivos e estratégias.

É possível observar algumas características da política de transferência de

renda no Brasil: concorrência institucional, dificultando ou mesmo inviabilizando a

coordenação de ações de caráter intersetorial para o combate à pobreza; sobreposição

de beneficiários, possibilitando que uma mesma família participasse de dois ou três

programas, enquanto outros grupos, na mesma localidade e em situação semelhante,

não recebiam nenhum apoio e valor da transferência muito baixo617.

Considerando-se o PBF como política social capaz de diminuir a exclusão

social decorrente da economia capitalista e assim, promover o desenvolvimento

humano, é preciso avançar para a efetiva inclusão social dos seus beneficiários rumo à

emancipação que lhes garanta uma vida digna. Para isso é fundamental fortalecer as

pessoas e as comunidades, potencializando as suas capacidades, de modo que

passem a produzir a própria renda, sem depender do poder público para o mínimo da

existência e assim, minimizando o risco de retornar à situação de miséria.

617MESQUITA, Camile Sahb. Contradições do processo de implementação de políticas públicas: Uma

análise do Programa Bolsa Família 2003-2006. In: Revista do Serviço Público, vol, 57, nº 4 - Out/Dez 2006. Brasília: ENAP, 2006.

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Com os textos aqui apresentados ainda não foi demonstrado uma possível quebra do ciclo intergeracional da pobreza. Para precisa tal avanço, talvez uma década seja insuficiente. Entretanto, pesquisas que visem esse objetivo não podem ser negligenciadas e precisam começar prontamente. O programa não pode ser avaliado apenas pelos seus resultados imediatos, que são, acreditamos, em larga medida, positivos; precisamos ter condições de avaliar sua sustentabilidade e seu potencial de impactar positivamente a vida de gerações de brasileiros. É preciso investigar se o Programa cria realmente condições para o fim da miséria e da pobreza extrema.618

O grande desafio é pautar e priorizar o público atendido pelo PBF para abrir

novos espaços de inclusão e ampliar os já existentes. Os motivos e condições da saída,

tais como permanência máxima, insuficiência de recursos, falta de estrutura, alcance de

renda superior ao patamar exigido para entrada no programa, dentre outros, compõem

um cenário cujo plano de fundo consiste no planejamento de uma saída sustentável do

programa por parte dos beneficiários. É a estruturação do pós bolsa família. Para a

socióloga Walquiria Leão619 o caminho são as políticas complementares específicas, ou

seja, que sejam pensadas e implementadas para aquele público alvo, os beneficiários.

Tornar-se indispensável enfrentar o problema da falta de articulação entre as

estratégias governamentais, ao passo que se busque soluções para promover uma

integração entre os atores e setores envolvidos nas diferentes etapas do ciclo dessas

ações. Com vistas à sustentabilidade futura do programa, o grau de articulação com as

iniciativas estaduais e municipais ainda é uma questão em aberto. Ainda há

sobreposições de funções e desarticulação entre programas federais e locais, em

termos de valores de benefícios, critérios de elegibilidade ou metas de atendimento.

Propõe-se o caminhar no sentido da articulação do PBF com outras políticas

sociais de escopo mais amplo.620 A articulação dessas ações e estratégias

618PIRES, Flavia Ferreira; REGO, Walquiria Domingues Leão. 10 anos de Programa Bolsa Família:

apresentação do dossiê. In: Revista de Ciências Sociais, n.38, Abril de 2013, pp. 13-19. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/15178<http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=3537>. p.18Acesso em 10 de setembro de 2014. 619

REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo, Editora Unesp, 2013. 620

LICIO, Elaine Cristina; MESQUITA, Camile Sahb; CURRALERO, Claudia Regina Baddini. Desafios para a Coordenação Intergovernamental do Programa Bolsa Família. In Revista de Administração de Empresas, vol. 51, n. 5, set-out 2011). Disponível em http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75902011000500003_0.pdf.

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governamentais para efetivar o que está declarado e garantido na Constituição Federal,

é sem dúvida, um dos desafios a serem enfrentados.

Com a transformação paulatina da política social em curso, novas dinâmicas e tensões de economia política, novos objetivos de política pública, novos atores e novas instâncias de coordenação, participação, deliberação, consulta e pactuação passaram a demandar o desenvolvimento de capacidades técnicas e políticas na construção e no funcionamento de novos arranjos político-institucionais. Some-se a isso o fato de que a definição de novos objetivos, meios, instituições e processos requer não ―apenas‖ imaginação e habilidade de desenho institucional para tornar concretos arranjos novos ou inovadores; pressupõe, também, a tarefa complexa e cumulativa de reformar, adaptar e interligar arranjos jurídico-institucionais já existentes a outros, novos.621

Por fim, adota-se a sugestão de maior responsabilidade dos estados na

elaboração de políticas de desenvolvimento regional, no contexto da gestão do PBF.

Com essa iniciativa preencher-se-á uma lacuna na coordenação regional da gestão do

Programa, enquanto se conquistará uma maior atuação no âmbito da coordenação das

ações de geração de trabalho e renda. Um importante passo para se avançar na

conformação do modelo de gestão compartilhada, descentralizada e intersetorial do

PBF. Um desafio. Diogo Coutinho vem destacando a necessidade de uma obeservação

abrangente e centrada nos pontos de confluencia existentes entre os arranjos politicos

institucionais, catalisando capacidades estatais. Como resultado dessa abordagem, os

olhares voltam-se para uma nova concepção de desenvolvimento - descentralizado,

diversificado e sustentável.

A falta de articulação entre ações governamentais pode explicar o desafio da

saída dos beneficiários rumo à cidadania plena. Considera-se que redes de articulação

de atores, instituições e programas reforçam a capacidade de ação coletiva dos atores

locais, estimulando as alianças, fortalecendo a implementação participativa das

políticas públicas, construindo condições institucionais para uma articulação e

integração crescentes dessas ações, ainda que diversas e contraditórias, mas todas

voltadas para o desenvolvimento local/ territorial. Na abordagem da articulação dos

621COUTINHO, Diogo R. Capacidades Estatais no Programa Bolsa Família: o desafio de consolidação do

Sistema Único da Assistência Social. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=19366. Acesso 28/08/2013.

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programas complementares conclui-se que o padrão ainda é desarticulado nas relações

intergovernamentais, com problemas de escala, num reflexo da imaturidade da

coordenação federativa dessas ações. Percebeu-se fragmentação das iniciativas e

grande dificuldade em alcançar a população alvo.

Em que pese a boa intenção das declarações da Presidente Dilma Rousseff,

nas comemorações aos dez anos do Bolsa Família, em especial um jogo de palavras

que remete as portas de entrada e saída do programa que ―foi criado para ser não

apenas a porta de saída da miséria, mas também a porta de entrada em um mundo

com futuro e esperança‖, algumas questões precisam ser enfrentadas, dentre elas

incluir políticas de educação e emprego que possam mudar a vida da população alvo,

consolidando-se como programa social capaz de transformar efetivamente a vida dos

pobres, rompendo-se o clico de pobreza intergeracional.

Depois da ditadura, a democracia voltou mas as velhas elites nunca foram

desafiadas. O grande capital, a grande indústria, as oligarquias. Não é uma questão de

derrotá-los, mas sim de moderá-los. Criar um teto para a riqueza e um piso para a

pobreza. Não é uma revolução, é uma questão de humanidade.622.

A corrupção é um problema internacional e sempre contrapõe interesses

privados e do Estado. Às vezes, grandes grupos privados argumentam que, para evitar

corrupção no governo, o Estado precisa encolher. Mas para reduzir a pobreza é

necessário ter um Estado forte, que ofereça serviços públicos de qualidade e

oportunidades igualitárias. Para evitar a corrupção, você precisa de forças que

contrabalanceiem esse poder, precisa de um Judiciário e uma imprensa independentes

– e você não tem mídia livre se uma pessoa é dona de todos os jornais e canais (...) - e

e de uma sociedade civil engajada. 623

Houve progresso, mas ainda insuficiente. Agora há um risco de o país

regredir, e a sociedade civil precisa se unir para pressionar autoridades a agirem de

acordo com sua responsabilidade social. A ameaça imposta pela concentração de

622Ben Phillips é coordenador de Campanhas e Políticas da ONG ActionAid - organização não

governamental internacional que luta contra pobreza em vários países, incluindo Brasil. Disponível: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150430_action_aid_entrevista_jc_lg Acesso25/05/2015 623

Ben Phillips é coordenador de Campanhas e Políticas da ONG ActionAid - organização não governamental internacional que luta contra pobreza em vários países, incluindo Brasil. Disponível: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150430_action_aid_entrevista_jc_lg Acesso25/05/2015

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renda está entrando no caminho dos esforços para combater a pobreza e de criar

qualquer tipo de sociedade decente. É nesse contexto que o Brasil passa a ser tão

importante. Porque o Brasil tem sido exemplo de uma alternativa (no combate à

pobreza). Podemos dizer que, sim, há jeito, vejam como o Brasil está fazendo.624

Os avanços no Brasil não vieram apenas com o Bolsa Família, envolveram

um conjunto de políticas públicas. A estratégia deve continuar sendo Bolsa Família, e

mais. Na esteira da reflexão da professora e pesquisadora Amélia Cohn sobre o livro

Vozes do Bolsa Família espera-se que esse estudo se preste a ―pensar em que

consiste, efetivamente, a democracia social e política neste país. E mais que isso: que

os caminhos até aqui trilhados apontam de certa forma na direção correta, mas ainda

há muito a percorrer para que sejamos uma sociedade mais justa, que permita aos

indivíduos terem projetos de futuro, para si e seus descendentes.625

624Ben Phillips é coordenador de Campanhas e Políticas da ONG ActionAid - organização não

governamental internacional que luta contra pobreza em vários países, incluindo Brasil. Disponível: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150430_action_aid_entrevista_jc_lg Acesso25/05/2015 625

http://www.teoriaedebate.org.br/estantes/livros/vozes-do-bolsa-familia-autonomia-dinheiro-e-cidadania

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CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988, forte nos anseios de transformação de uma

sociedade desigual elevou a pobreza ao status de problema nacional e configurou a

assistência social como um direito, na perspectiva da construção de um conjunto de

ações governamentais capazes de levar os cidadãos para uma instância de

autonomização, na qual eles possam acontecer como cidadãos, com os outros

cidadãos, perante um Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, diante da vulnerabilidade social de milhões de brasileiros que

não vivem a Constituição Cidadã, o Programa Bolsa Família firmou-se como principal

programa de transferência de renda brasileiro. Buscou oferecer cobertura à população

pobre, em idade ativa, com objetivos propagados de romper com a trajetória excludente

e caritativa do sistema de proteção social brasileiro. Forte na promessa constitucional

da inclusão social a ser realizada pelo Estado e pela sociedade foi criado com o

discurso de superar as debilidades dos programas sociais que lhe antecederam, de

modo a promover uma ruptura na tradição das políticas sociais brasileiras.

A pesquisa abraçou a ideia do Direito como Imaginação Constitucional de

Roberto Mangabeira Unger como ferramenta analítica pelo que restou convencida da

necessidade de discussões que conduzam a instâncias criativas, considerando o direito

não como lógica, mas como experiência, tendo uma função no desenvolvimento que vai

muito além dos debates em torno de si mesmo.

A trajetória constitucional brasileira é exemplo da preocupação levantada por

Mangabeira Unger sobre o fetichismo das instituições. Canonizou-se o texto

constitucional de 1988. Deu-se-lhe o epíteto de constituição cidadã. O direito exige

mudanças e delas é veículo. Mas, quem levará adiante as reformas que exige? Uma

sociedade desorganizada ou organizada desigualmente não pode se reinventar.

Através de uma reflexão aplicada sobre o direito na dinâmica de

implementação do PBF, percebendo-se como ele e algumas de suas categorias

oferecem ferramentas para compreensão, elaboração, pesquisa e avaliação dessa

política pública, analisou-se características do programa e dos processos de mudanças

pelos quais passou desde sua criação, atentando-se para questões tais como: quais

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contrapontos entre o direito e as políticas são evidenciados pela implementação do

PBF? que processos dessa implementação têm mostrado flexibilidade e possibilidades

de revisões? de que maneira experiências vividas na ―ponta‖ relacionam-se a essas

mudanças? por meio de quais instrumentos elas ocorreram? Dentre outras.

Analisou-se a estrutura normativa do programa, destacando o papel do

Direito na sua institucionalização e operacionalização, abordando a sustentabilidade de

suas finalidades, seus efeitos diretos e indiretos, e suas deficiências, abordando-se a

potencialidade do arranjo jurídico-institucional do PBF e sua conexão entre redução da

pobreza e desigualdade com desenvolvimento econômico.

Numa fase mais recente, o PBF parece está estruturando-se sobre uma

racionalidade de incentivos, além de apresentar traços como estímulos à

descentralização, distanciamento entre quem dá e quem recebe o benefício,

mecanismos de participação e estratégias de focalização, que tem o diferenciado de um

padrão centralizado, clientelista e contributivo. O IGD e as condicionalidades em seus

moldes atuais foram mostrados com um exemplo para esse argumento, uma vez que,

no caso do IGD o repasse de recursos depende da eficiência da gestão local e, no caso

das condicionalidades são percebidas no seu momento atual mais como parte de uma

engrenagem de incentivos do que punições.

Assim, o Bolsa Família vem destacando-se dos demais programas de

transferência de renda da América Latina, em virtude de sua larga escala, sua gestão

descentralizada, a utilização de mecanismos de estímulo ao desempenho

administrativo dos Municípios que dele participam e seu papel de política social

integradora, considerando-se inclusive sua aproximação com o SUAS, conforme

explorado ao longo da pesquisa.

A despeito dos seus limites e deficiências tratados no desenvolvimento do

trabalho e da consciência de que não é capaz de por si só promover um novo ciclo de

desenvolvimento econômico e social, o PBF vem contribuindo para a redução da

pobreza, em que pese a necessidade de se considerar o caráter multidimensional dela

e mesmo, os demais fatores que envolvem a desigualdade social brasileira que

teimosamente permanece como grave problema não encarado de forma estrutural, mas

apenas nos seus efeitos.

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Fundamentando-se em estudos do Sociólogo Jesse de Souza sobre a

realidade das classes brasileiras, esta pesquisa enxerga questões importantes na

declaração da presidente Dilma ―Queremos um Brasil de classe média‖, posto o

enfoque economicista dado a essa dita classe média. Uma frase como essa parece

contribuir para a cegueira da já colonizada e economicista esfera pública. Certamente,

um grave problema na gestão das políticas públicas sociais, seja num governo da

Direita ou da Esquerda.

O crescimento da renda por si só não resolve problemas estruturais como

saúde, saneamento e educação. Para isso, é preciso a incorporação na vida social,

econômica e política dos cerca de 30% da população que Jesse Souza chama

provocativamente de ―ralé‖ por ser tratada como lixo pela sociedade e pelas instituições

modernas como o mercado competitivo para o qual não foram aparelhadas. As

promessas de inclusão social por meio de estímulos apenas econômicos não irão se

concretizar de verdade.

Acreditamos, como Jesse de Souza, que ou recuamos para atender uma

sociedade de 20% ou aprofundamos a inclusão. No processo de aprofundamento da

democracia o espaço que temos nessa luta tem a ver com uma postura crítica também

quanto às ideias que dominam as cabeças da direita e da esquerda que parecem

sequestrar a inteligência do povo brasileiro que passa a comprar uma legitimação de

interesses que só servem a uma minoria. A sociedade deve perceber o que tem a

perder e o preço que isso envolve.

Dados recentes mostram que a desigualdade continua caindo e a renda real

do trabalho continua subindo. O analfabetismo caindo e tudo indica que continua a

haver uma melhora nas condições de vida classe trabalhadora que ascendeu nos

últimos anos. Todo esse cenário, certamente, tem a ver com a transformação no modo

de fazer políticas sociais no Brasil nos últimos 50 anos; teve muito a ver com os

programas sociais e políticas como o aumento do salário mínimo, o Bolsa Família, o

crédito mais fácil e outras. Houve impacto significativo na renda dos mais pobres.

Contudo, considerado os aspectos conjunturais, especialmente no mercado de

trabalho, o desemprego aumentou. Tudo combinado mostra que o modelo de

desenvolvimento com ascensão social dos mais pobres não está liquidado. Só com o

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aumento da renda tendem a permanecer como a ralé de Souza, uma classe

precarizada, sem condições de competir no mercado de trabalho.

Somos uma sociedade altamente conservadora que aceita conviver com

parcela significativa da população vivendo como "subgente", a mão de obra barata de

empregadas domésticas, motoboys, porteiros, carregadores, babás e outros. Diante

disso, não surpreende que os últimos governos deem-se por satisfeitos com o suposto

legado de ter criado uma ―Nova Classe Média‖, ainda mais em um país com uma longa

tradição de extrema desigualdade. Daí a construção de uma narrativa que organiza os

ganhos reais dos salários de pessoas de baixa renda no Brasil e os avanços nas

políticas sociais sob este título.

Ao se destacar os méritos e progressos da política de inclusão social e

aumento real da renda durante os anos 2000, a classe diretamente atingida, sem as

benesses do Welfare State europeu montou-se como classe sobre o dinamismo

econômico e profunda desigualdade social. Moradias inadequadas, escolaridade

insuficiente, acesso limitado a crédito nas condições habitualmente disponíveis e uso

incipiente de serviços sociais privados permitem prever o limitado horizonte para

progresso social por parte desse segmento que por outro lado abocanhou e segue

abocanhando ganhos de renda, mas estão longe de corresponder à promoção social

que lhes é atribuída. São pobres sob qualquer critério que leve em consideração

adequação nos níveis de bem-estar. As insuficiências são tamanhas.

A promoção de fato dessas famílias à classe média depende de poderem

acessar bens e serviços de qualidade. Classificá-los na classe média é ignorar o fato

ordinário de que a pobreza (assim como a riqueza) é um fenômeno multidimensional e

de que linhas de pobreza de renda são definidas muito frequentemente em função do

orçamento público e não das reais necessidades das famílias. Uma via de fuga poderia

estar aberta para os filhos se à disposição deles estivessem oportunidades sociais

efetivas, como a educação de qualidade, que permitissem melhorar suas chances de

vida. Contudo, o futuro parece ameaçado. Crianças pequenas não têm acesso a

oportunidades externas de desenvolvimento infantil; adolescentes e jovens fora da

escola têm como limite de realização o ensino médio.

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Investimentos públicos maciços em serviços sociais que impliquem em

aumento da provisão e principalmente da qualidade parecem essenciais para o alcance

de melhores posições sociais para esse significativo contingente de brasileiros, dentro

do qual se encontra confinado o Brasil do Futuro – 38 milhões de crianças e jovens, boa

parte dos quais apenas acima do limiar da pobreza. Do ponto de vista de justiça social,

esses investimentos são uma oportunidade de promoção social sem apoio excessivo na

capacidade de pagamento dos indivíduos para a realização de bem-estar. São a

semente do apoio político crucial para a construção de uma sociedade mais solidária.

O que se critica aqui é uma espécie de fetichização da eficiência do mercado

que termina por enfraquecer o Estado Democrático. Nestas políticas sociais

mercantilizadas a democracia passa a ser uma determinante ausente. As

manifestações que tomaram conta das ruas brasileiras em junho de 2013 tem como um

dos aspectos relevantes o fato de que através dele se discute os rumos e as

prioridades políticas do desenvolvimento da sociedade brasileira no futuro próximo.

Demanda-se vozes críticas ao que deve ser concebido como um projeto político de

grande porte que precisa, urgentemente, de análise mais profunda.

O Programa Bolsa Família, considerada a análise da sua primeira década,

centrada no eixo da retirada da miséria dos milhões de brasileiros que lá estava, com

seus impactos positivos na vida dessas famílias, num segundo momento, percebendo-

se as suas capacidades políticas e institucionais, destacando-se os seus limites e

desafios e, finalmente, apontando-se o seu gargalo no sentido das portas de saída,

numa abordagem da inclusão social produtiva por meio da articulação de programas

complementares, tem chances de culminar num virtuoso ciclo, despertando-se a

consciência social da população, fazendo-as perceber que são titulares de direitos,

podendo exigir dos governantes o atendimento das suas necessidades básicas,

promovendo a cidadania.

O cénario é uma sociedade variada e complexa demais para análises sob

óticas disciplinares únicas e excludentes. Considerou-se a consolidação e expansão do

fenômeno sócio-econômico-cultural da globalização no mundo contemporâneo e a

perspectiva de crise do Direito como reflexo do declínio do Estado nação, bem como

declínio da cidadania e da democracia representativa. É um tempo fruto do

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desenvolvimento humano, da capacidade criativa e transformadora do homem e que

parece não apontar vilões únicos e isolados nos conflitos que apresenta, em especial a

realidade dos interesses cada vez mais mercantilistas num sistema que afronta os

direitos humanos fundamentais e direitos sociais conquistados ao longo de uma história

profundamente marcada por mazelas sociais.

Nesse sentido, percebe-se que um grande desafio político que se coloca

diante da implementação das políticas públicas e na efetivação dos direitos sociais

contidos na CFR/88 é enfretamento do modelo econômico que se baseia na hegemonia

neoliberal. Além disso, a globalização econômica faz surgir um direito que põe em

xeque o modo tradicional de pensar as relações entre direito e mudança social. A

financeirização da economia capitalista, a reestruturação dos processos produtivos e as

reformas do Estado voltadas para o mercado compromete a lógica universalista das

políticas econômicas.

Considerado todo o exposto acima, a concretização dos direitos sociais

parece exigir um profundo redimensionamento do papel do Direito e das instituições

jurídico-democráticas, requerendo um modelo de Estado de direito inclusivo, que

assume obrigações perante os cidadãos e procura dialogar com os anseios dos mais

diferentes conjuntos de atores sociais. É preciso ir além ―da ―cegueira‖ da percepção

unilateral e amesquinhada da determinação econômica. Certamente, a economia tem

muito a contribuir para o esclarecimento da realidade social. O problema está no

economicismo, uma visão empobrecida e amesquinhada da realidade, como se fosse

toda a realidade social

O PBF com seus mais de dez anos é a face visível da transformação da

política social. Mas, a mudança é profunda e tem seus percalços. É um fato o alcance

do PBF nas demandas mais urgentes, como a fome. Mas, a questão é se um programa

assim será suficiente para dar as respostas aos graves problemas que envolvem as

questões sociais do país.

Diante de todo o exposto, reflete-se o Direito como instrumento de

desenvolvimento e a partir disso, percebendo a sua capacidade de modificar

comportamentos sociais, modernizar a economia e promover justiça social. Diogo

Coutinho estabelece o que denomina os quatro papéis do direito nas políticas públicas:

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moldura, vocalizador de demandas, ferramenta e arranjo institucional. Ressaltando-se

que estamos falando de um país com tantas desigualdades e disparidades que

demanda um modelo de desenvolvimento pelo qual não se pode aceitar a idéia de que

o nordeste replique o que ocorre no sul e no sudeste. É preciso enxergar o Brasil no

seu todo e perceber as regiões Norte e Nordeste, sob alguns aspectos, como bolsões

de um Brasil pré-moderno.

O estudo de caso através do PBF revela aspectos do funcionamento das

políticas públicas para além dos manuais. Ainda que se aproveite de elementos que já

estavam presentes em programas que o antecederam, o PBF traz questionamentos às

categorias com as quais uma abordagem do direito costuma trabalhar, conquanto

venha passando por processos paulatinos e contínuos de construção e reconstrução

mais dinâmicos do que sugerem definições de conceitos jurídicos. Assim, conclui-se

que o direito das políticas públicas talvez tenha a característica de ser mais efetivo para

concretizar direitos e garantias se, na sua implementação, a administração puder adotar

uma dinâmica mais aberta a transformações que são positivas quando podem ser

conduzidas pela própria administração a partir de sugestões de gestores e dos

beneficiários, atores que constroem a política no seu dia-a-dia.

Outro grande desafio percebido na implementação das políticas públicas e

na efetivação dos direitos sociais contidos na CFR/88 está associado a aumentar a

participação cidadã na elaboração, execução e fiscalização dessas políticas através da

ampliação dos espaços de participação política e da esfera pública democrática via

sociedade civil organizada. A falta de participação social é um grave problema na

gestão das políticas públicas atuais, seja em razão de falta de mecanismos

disponibilizados por tais políticas à sociedade civil ou por uma falta de cultura política

de cidadania da população como um todo, desacostumados a serem vozes ouvidas,

sobretudo os mais pobres.

A pesquisa adotou a concepção de sociedade civil de Habermas que nos

oferece uma perspectiva ampla da democracia que deve estar ancorada na sociedade

civil e na esfera pública e não apenas nas instituições e, a partir disso, percebe-se o

quanto estamos longe de um Estado Democrático de Direito. No contexto das políticas

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públicas, a expansão da intervenção estatal precisa ser acompanhada de participação

política e maior espaço para a democracia deliberativa e ampliação da esfera pública.

Diante do exposto até aqui e tomando-se as idéias de Unger de Direito como

Imaginação Institucional como ferramenta análitica para o estudo de caso do PBF,

numa espécie de Teoria Jurídica do Bolsa Família, parece que, apesar dos grandes

ensinamentos de Marshal, das ideías de Murilo de Carvalho, o que existe atualmente é

o declínio da ideia de cidadania, considerando-se autores como José Eduardo Faria

que fala em crise do direito como reflexo do declínio do Estado nação, uma abordagem

que desmonta, incluive a ideia de Constituição Dirigente.

Por outro lado, apesar da financeirização da economia, do enfoque

economicista dado às políticas públicas no brasil, pela esquerda ou pela direita, das

idéias de constitucionalização simbólica e subintegração de Marcelo Neves referidas ao

longo da pesquisa, das inúmeras dificuldades para implementar políticas de inclusão

definitiva, num contexto de capitalismo global e neoliberal, consideradas as

decorrências da tensão entre capitalismo de democracia, o PBF vem sim consolidando-

se justamente como uma prova da inclusão social e do papel da CRF/88 nesse

processo.

Diante das reflexões ao longo da pesquisa, destacamos a perspectiva da

análise que leva a crer que o sucesso do PBF está justamente no seu fim,

considerando que consolide uma fase de estruturação de portas de saída efetivas aos

beneficiários que, saindo e não precisando voltar a ele, culmine no fim do programa. É

o contexto da articulação entre as politicas sociais complementares ao PBF que passa

a ser considerado como um grande desafio, em todos os níveis de poder, rompendo-se

ciclos de políticas públicas que desconsideram as diversidades locais e regionais.

As ações complementares ao PBF tencionam potencializar os efeitos da

transferência de renda, buscando promover as portas de saída do programa. Contudo,

ainda que legislação do PBF estabeleça responsabilidades a serem partilhadas entre

os governos federal, estadual e municipal na oferta e na articulação dos programas

complementares, os resultados ainda são incipientes. O panorama indica à ausência

de uma coordenação efetiva da estruturação de parcerias e do desenvolvimento de

incentivos aos governos locais e aos demais órgãos do governo federal na promoção

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dessas ações. Um dos principais desafios do programa é uma visão territorial, com

identificação de potencialidades regionais.

Por tudo isso, considera-se que s avanços percebidos Brasil ao longo dos

úlimos anos envolveram um conjunto de políticas públicas que inclui o Bolsa Família. A

estratégia deve continuar sendo Bolsa Família e mais. Espera-se que esse estudo se

preste a pensar na democracia social e política do país. Os caminhos até aqui trilhados

apontam de certa forma na direção correta, mas ainda há muito a percorrer para que

sejamos uma sociedade mais justa, que permita aos indivíduos terem projetos de

futuro, para si e seus descendentes.

Ao que tudo indica, no país do futuro, o sonho dos pais não é deixar aos

seus filhos um cartão Bolsa Família como herança.

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