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UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS/UNIPAC FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DE BARBACENA-FADI CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO HENRIQUE GERALDO CAMPOS JÚNIOR DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BARBACENA 2012

UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS/UNIPAC FACULDADE DE ... · 4.1.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade ... complexas e sua alocação como gênero de várias espécies,

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UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS/UNIPAC FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DE BARBACENA-FADI

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

HENRIQUE GERALDO CAMPOS JÚNIOR

DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BARBACENA 2012

HENRIQUE GERALDO CAMPOS JÚNIOR

DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Me. Maria José Gorini da Fonseca

BARBACENA 2012

Henrique Geraldo Campos Júnior

DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: 12/12/2012

BANCA EXAMINADORA

Prof. Me. José Newton de Faria Advocacia Geral da União – AGU

Profª. Me. Maria José Gorini da Fonseca Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC

Prof. Esp. Paulo Afonso de Oliveira Júnior Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC

Dedico este trabalho à toda minha família,

em especial minha mãe, Flávia, e minha

irmã, Gabriela, que fazem com que

minhas conquistas pareçam maiores do

que realmente são e acreditam,

incondicionalmente, em meu potencial.

Dedico, também, à minha namorada,

Anamaria, e ao grande amigo Michael que

presenciam meus momentos de tristeza e

euforia, me lembrando sempre que por

mais tênue que possa ser a linha entre o

fracasso e o sucesso, nossa evolução

pessoal e profissional só depende de nós

mesmos. Por fim, mas não menos

importante, dedico esta obra àqueles que

foram verdadeiros percussores do Direito

em minha vida, dando grande ênfase aos

amigos Jordão e José Newton, que me

mostraram a beleza que transcende as

ciências jurídicas e se traduz por justiça.

“Justitia est constans et perpetua voluntas

jus suum cuique tribuendi” (Justiça é a

constante e perpétua vontade de dar a

cada um o que é seu).

Ulpiano

RESUMO

A presente monografia tem por escopo o ativismo judicial brasileiro e a necessidade

de sua limitação em sede do Supremo Tribunal Federal. A análise do tema trazido à

baila se deu mediante a utilização de doutrinas e a comparação destas com a

jurisprudência do Pretório Excelso. Para que o estudo ocorra de maneira inteligível,

a obra abordará a evolução histórica do Poder Judiciário no Brasil, demonstrando

como a atuação ativa dos órgãos daquele Poder fora se desenvolvendo de acordo

com o crescimento da própria sociedade. Ultrapassado este aspecto, o instituto do

ativismo judicial será vastamente explorado para que o leitor tenha noção exata de

sua abrangência e possa entender com clareza sua importância no Direito pátrio.

Objetivando uma perfeita cognição acerca dos motivos determinantes para que seja

lançada a proposta de limitação do ativismo na Suprema Corte, este trabalho

abordará o controle de constitucionalidade previsto em nossa Constituição Federal,

o processo legislativo das medidas provisórias e, enfim, o desenrolar da ação direta

de inconstitucionalidade nº 4029, que declarou constitucional o Instituto Chico

Mendes após um conturbado julgamento, gerando na sociedade uma forte sensação

de insegurança jurídica.

Palavras-Chave: Ativismo Judicial. Supremo Tribunal Federal. Controle de

Constitucionalidade. Processo Legislativo. Medida Provisória.

ABSTRACT

This monograph has as scope the Brazilian judicial activism and the need to limit his

seat in the Supreme Court. The analysis of the topic brought up was made through

the use of doctrines and compared these with the jurisprudence of the Praetorium

Exalted. For the study occurs in an understandable way, the work will approach the

historical evolution of the judiciary in Brazil, demonstrating how the active role of

outside agencies of that Power is developing according to the growth of society itself.

Exceeded this, the institute of judicial activism will be widely exploited for the reader

to have an accurate idea of its scope and can clearly understand its importance in the

paternal law. Aiming a perfect cognition about the reasons for limiting activism on the

Supreme Court, this work will mention the constitutionality control provided in our

Constitution, the legislative process of provisional measures and, finally, the

development of direct action unconstitutionality No. 4029, which declared

constitutional the Chico Mendes Institute after a messy trial, generating in society a

strong sense of legal uncertainty.

Keywords: Judicial Activism. Supreme Court. Judicial Review. Legislative

Procedure. Provisional Measure.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ...................................................................................... 17 3 DO ATIVISMO JUDICIAL ....................................................................................... 21 3.1 O Ativismo Judicial Propriamente Dito ........................................................... 21 3.2 Poder Constituinte Difuso ................................................................................ 24 4 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ................................................... 27 4.1 Do Controle Concentrado de Constitucionalidade em Âmbito Federal ....... 28 4.1.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica ................................................ 29 4.1.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão .......................................... 33 4.1.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade ........................................................ 35 4.1.4 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental .................................. 37 4.2 Teoria da Inconstitucionalidade por Arrastamento ........................................ 38 5 DO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO ..................................................... 41 5.1 Do Processo Legislativo das Medidas Provisórias ........................................ 43 5.2 Da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional ...................................... 48 6 DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4029 E DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL NO PRETÓRIO EXCELSO .................................................... 51 6.1 Da Decisão Emanada Pela Suprema Corte ..................................................... 51 6.2 Da Questão de Ordem Suscitada pela Advocacia-Geral da União e da Alteração do Resultado do Julgamento ................................................................ 55 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação traz uma análise acerca do ativismo judicial no Brasil

e propõe sua limitação no Supremo Tribunal Federal, principalmente pelo fato de que

as decisões proferidas pelo Pretório Excelso, no mais das vezes, são revestidas de

irrecorribilidade, o que pode gerar uma forte sensação de insegurança jurídica frente

à capacidade lesiva da má utilização daquele instituto.

Para que o estudo seja elaborado de maneira prática e coerente, será

elaborada a evolução histórica do Poder Judiciário brasileiro, com o intuito

possibilitar a compreensão de como se deu o surgimento do ativismo judicial e como

esta prática se tornou tão comum e necessária ao Direito pátrio. Além disto, o

referido instituto será abordado de maneira detalhada, haja vista suas peculiaridades

complexas e sua alocação como gênero de várias espécies, como por exemplo, a

analogia, a edição de súmulas e a própria equidade.

Partindo, então, para o ponto nevrálgico deste estudo, o controle de

constitucionalidade previsto em nossa Constituição Federal será vastamente

explorado, principalmente com relação ao controle concentrado, que é exercido pelo

Supremo Tribunal Federal quando da superveniência de lei ou ato normativo, federal

ou estadual, que fere a Carta Magna e seus princípios. Visando a elucidação

completa acerca do referido tema, serão analisadas as quatro possíveis ações que

visam a movimentação da Suprema Corte em prol da declaração de

constitucionalidade ou não de determinada norma, quais sejam, a ação direta de

inconstitucionalidade genérica, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a

ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de

preceito fundamental.

Por conseguinte, a abordagem será direcionada ao processo legislativo do

Brasil, cingindo-se, mais especificamente, na elaboração de medidas provisórias

que, em suma, é uma espécie normativa criada pelo Presidente da República, em

casos de relevância e urgência.

Finalmente, exauridos todos os pontos acima descritos, o exame será

direcionado ao julgamento da ação direta de inconstitucionalidade genérica nº 4029,

que fora proposta objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, haja vista a violação de um

preceito constitucional relativo ao processo legislativo da medida provisória que o

16

criou. O referido julgamento gerou uma enorme sensação de insegurança jurídica

entre muitos brasileiros, já que a ação havia sido julgada parcialmente procedente,

havendo a declaração da inconstitucionalidade da citado autarquia, porém após o

levantamento de questão de ordem, por parte da Advocacia-Geral da União, o

Supremo Tribunal Federal alterou sua decisão, julgando improcedente o pedido e

declarando constitucional o Instituto Chico Mendes, mediante a utilização de uma

espécie do ativismo judicial, tal qual, a modulação temporal dos efeitos de sua

decisão, ou seja, o vício que eivou o referido processo legislativo somente seria tido

como inconstitucional a partir daquela data, o que acabou por permitir que nossa

legislação contemple centenas de leis que foram criadas por medidas provisórias

editadas em desacordo com a Constituição Federal, razão pela qual, torna-se

necessário que sejam criados meios hábeis à limitação do ativismo no Órgão

máximo do Poder Judiciário brasileiro.

17

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Para que exista a possibilidade de uma evolução organizada de qualquer

sociedade, torna-se imprescindível que as experiências do passado sejam

aproveitadas e tidas como exemplo a todo instante. Isto se dá, principalmente, pelo

fato de ser através de nosso próprio crescimento que conseguimos observar toda

nossa história e tudo de positivo que se conquistou, para que, então, possamos dar

real valor às vitórias advindas com o passar dos anos e continuar promovendo

alterações que visem o bom desenvolvimento de nossa sociedade.

Tal máxima aplica-se irrestritamente ao Direito, já que esta é uma disciplina

sabidamente dinâmica, temporal e territorial. Logo, não seria crível admitir que uma

sociedade que desconsidera o passado seja tida como juridicamente evoluída, já

que seus próprios membros não conseguiriam elencar as benesses que lhe foram

conferidas com o passar das gerações e, via de consequência, não poderiam dar

andamento a um avanço sadio e organizado.

Assim, antes de adentrarmos no ponto nevrálgico deste trabalho, cumpre-

nos a realização de um resumo histórico para que possamos conhecer o progresso

jurídico de nossa própria sociedade, analisando o desenvolvimento do Poder

Judiciário e o crescimento do ativismo judicial.

Como cediço, ao redor do mundo encontramos traços peculiares em cada

uma das nações, diante disto, é importante frisar que o surgimento e o crescimento

das balizas do Poder Judiciário em cada civilização ocorreu de forma diferenciada.

Na Grécia antiga, por exemplo, o processo judicial observava, basicamente, a

oralidade e o ônus da prova era quesito fundamental para o deslinde de qualquer

demanda, uma vez que os juízes gregos não possuíam amplos poderes para

intervirem em questões probatórias. Assim, cabia ao juiz, tão somente, dizer o direito

com relação às provas que lhe foram produzidas por ambas as partes, não sendo

comum que o magistrado exercesse seu livre convencimento, ou seja, a decisão era

objetiva e o juiz não era dotado de discricionariedade.

Noutra banda, em Roma, não havia consagração relativa à separação dos

poderes e, desta forma, cabia aos magistrados o exercício de funções jurisdicionais,

administrativas e, em alguns casos, até militares. Logo, conclui-se que o poder do

juiz romano era bastante extenso, não existindo limitações rígidas às suas atitudes,

18

sendo que o magistrado podia, inclusive, recusar aos cidadãos o direito de

ingressarem com um processo.

No Brasil, a história também traz traços marcantes de uma evolução latente.

Inicialmente, antes de proclamada a Independência de nosso país, o Poder

Judiciário atuante em nosso território era basicamente português, tendo havido

várias formas distintas de jurisdição, porém não se conseguia um controle efetivo,

visto que os grandes líderes de Portugal não se encontravam em território brasileiro

e a justiça ocorria de maneira muito descontrolada. Assim, vendo-se diante da

necessidade de um efetivo controle jurisdicional em terras brasileiras, o governo

português, criou a Relação da Bahia1 e, posteriormente, a Relação do Rio de

Janeiro2, que eram compostas por desembargadores e presidida pelo governador da

respectiva capitania hereditária.

Daí em diante, teve início o surgimento do Poder Judiciário no Brasil, vez

que foram sendo criadas Cortes de Justiça, cargos de magistrados e tribunais

próprios. Naquele período, a jurisdição de primeiro grau já era completamente

realizada no Brasil, restando instaladas em Portugal, apenas, as instâncias

recursais.

Esta evolução nunca freou e, rapidamente, fora proclamada a Independência

do Brasil, posteriormente, a República, até que em 1988 fora promulgada a vigente

Constituição Federal.

Com a referida promulgação, houve a modulação da conhecida tripartição do

poder, ou seja, o Estado brasileiro seria divido em três poderes independentes e

harmônicos entre si, quais sejam, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Crível que

se destaque que a Carta Magna de 1988 somente modulou a divisão dos poderes

1 Constituída como o tribunal de apelação do Estado do Brasil, aos processos por ela julgados cabia

recurso apenas à Casa de Suplicação de Lisboa. Estabelecida pelo regulamento de 7 de março de 1609, funcionou até 1626, quando foi extinta pelo alvará de 5 de abril, sendo recriada somente em 1652. Em 1751, surgiu um novo tribunal na colônia, a Relação do Rio de Janeiro, elevada a Casa de Suplicação do Brasil em 1808, por ocasião da transferência da corte.< http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2776> 2 O regimento de 13/10/1751 criou a Relação do Rio de Janeiro para atender às causas e

requerimentos "dos povos da parte sul do estado do Brasil", pois devido à distância, a Relação da Bahia não os atendia de forma satisfatória. Sua criação reflete a transferência do centro do poder econômico para a região sul-sudeste da colônia, devido ao fluxo de ouro, diamantes e a necessidade da criação de um porto para a região, ficando a Relação da Bahia responsável pela região norte-nordeste. Este mesmo regimento estabelecia como sua atribuição "a mais reta e pronta administração da justiça. A relação era administrada pelo governador da capitania do Rio de Janeiro e composta pelo chanceler da relação e desembargadores.”. <http://segall.ifch.unicamp.br/site_ael/index.php?option=com_content&view=article&id=180&Itemid=90>

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Estatais, adequando-a ao período em que vivíamos. Isto se dá, porque o modelo

divisório já existia desde a Constituição de 1824, que contemplava, além dos três

poderes mencionados, o Poder Moderador, que era exercido pelo Imperador e se

sobrepunha aos demais. Importante tecer que a teoria relativa a esta tripartição fora

criada por Montesquieu, em 1748, quando publicou o livro: Do Espírito das Leis.

Desde então, o desenvolvimento em cada um dos poderes vem ocorrendo

de forma mais notável, visto que cada um conserva suas próprias particularidades e

se auto organiza de maneira a propiciar um crescimento contínuo. No que concerne

ao Poder Judiciário, é importante ressaltar que sempre existiu uma grande limitação

à atuação de seus órgãos, sendo certo que estes não possuíam meios de assumir

uma postura ativa no processo. Porém, a democracia já não mais permitia uma

jurisdição tão inerte e com o advento de tantos direitos e garantias fundamentais que

vinham sendo criados em favor dos brasileiros, passou-se a ser necessária uma

atuação mais intensa dos magistrados, no sentido de que estes zelassem por um

processo justo, com a aplicação das normas materiais que contemplam o

Ordenamento Jurídico.

Entretanto, uma atuação dinâmica do Poder Judiciário não era suficiente

para o deslinde de várias ações, razão pela qual tornou-se necessária a criação de

meios capazes de melhorar a efetiva prestação jurisdicional do Estado. Assim, com o

passar dos anos foram surgindo teorias relativas ao ativismo judicial, até que estas

ideias foram, definitivamente, se tornando realidade.

Hoje, enfim, contemplamos uma enorme gama de possibilidades de uma

atuação ativista dos órgãos do Poder Judiciário (art. 92 da CF/88)3, sendo que estes

possuem discricionariedade para atuar, em determinados casos, como verdadeiros

legisladores, alterando a interpretação e a aplicabilidade das normas jurídicas.

Diante disto, evidencia-se um aumento significativo dos poderes inerentes à

atividade de magistrado, donde se conclui que surge, também, a necessidade de um

3 Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

20

controle efetivo, para que tanta discricionariedade não venha a se tornar

arbitrariedade.

21

3 DO ATIVISMO JUDICIAL

3.1 O Ativismo Judicial Propriamente Dito

No período em que vivemos, é insuscetível a ideia de que o processo judicial

visa tutelar os direitos subjetivos das partes litigantes, já que a ciência jurídica, após

toda a evolução que enfrentou, contempla o interesse da coletividade, visando

sempre a paz e o equilíbrio social.

Diante disto, resta-nos claro que o processo não traz consigo, apenas, a

satisfação do interesse das partes que o integram, já que sua aplicabilidade garante

a vontade de toda a sociedade, haja vista o interesse comum pela justiça. Logo, não

há dúvidas de que a jurisdição atual exige uma atuação ativa dos membros do

Judiciário, uma vez que se pensarmos em sua absoluta inércia teremos de imaginar,

também, a inaplicabilidade dos preceitos inerentes ao nosso Ordenamento Jurídico.

Ora, não seria crível admitir um processo que não fosse efetivamente

conduzido pelo juiz, contudo se realizarmos uma análise sob este prisma nunca

teremos como conclusão decisões justas e o esclarecimento da verdade dos fatos.

Assim, diante de tal máxima e com o advento das teorias jurídico-ativistas,

os juízes se tornaram peças chave no processo e sua atuação ativa passou a ser

indispensável, no sentido de que a dilação probatória é enfrentada pelo magistrado

de forma extensa, para que, assim, haja o completo deslinde de qualquer demanda,

sem que para tanto, a justiça tenha de sucumbir.

Há se falar, porém, que inexiste justiça sem que haja imparcialidade,

cabendo ao próprio juiz sua manutenção. Para tanto, basta que o jurisconsulto

restrinja sua análise às provas carreadas aos autos, não trazendo ao seu livre

convencimento situações alheias ao que fora comprovado pelas partes. Nada

obstante, deve-se sempre conservar o zelo pelos princípios do contraditório e da

ampla defesa.

Sobre a imparcialidade do juiz:

O caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 58)

22

Ainda acerca da imparcialidade aqueles autores asseveram:

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 58-59)

Insta salientar que o referido princípio da imparcialidade não foi o único meio

que o Constituinte Originário encontrou para que o arbítrio do juiz fosse limitado.

Para tanto, houve a criação da tripartição do poder, ou seja, nosso Estado é divido

em três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Essa divisão é fundamental para que possa haver democracia, isto porque a

desconcentração das atribuições afasta o controle governamental de uma só

pessoa, possibilitando a manutenção dos direitos e garantias fundamentais previstos

na Carta Magna.

Há se falar, porém, que apesar da propalada divisão do poder, nosso país

sempre encontrou obstáculos burocráticos, visto que a atuação do Legislativo e do

Executivo segue procedimentos específicos e bastante sinuosos, o que acaba por

gerar omissões, desatualizações e imperfeições legislativas e executivas, que

prejudicam toda a sociedade. Frente aos mencionados problemas advindos da

burocracia existente no Brasil, as teorias ativistas começaram a se estender,

abrangendo maneiras mais efetivas de intervenção dos juízes. Daí em diante a

evolução de nosso Ordenamento Jurídico teve de seguir um panorama no qual o

Judiciário, em situações específicas, pode extrapolar sua esfera de atuação.

Surge, então, o atual ativismo judicial, que não possui um significado

específico, havendo, inclusive, dissenso quanto à sua real definição, mas que se

traduz, basicamente, na postura intervencionista do Poder Judiciário que, de

maneira significativa, sobrepõe-se aos demais poderes e atua além de suas

atribuições.

Resta evidenciado que o ativismo judicial que se vê nos dias de hoje é um

fenômeno bastante complexo, não sendo bem definido e atraindo críticas de vários

juristas.

Uma considerável corrente de doutrinadores acredita que esta prática fere o

princípio da separação dos poderes e se peculiariza por ser uma invasão do Poder

23

Judiciário nas atribuições dos demais poderes, se caracterizando como algo que

ofende a democracia nacional.

Analisando friamente a tripartição do poder, somos remetidos à ideia de que

não caberia ao Judiciário a implementação de políticas públicas, já que nossa

Constituição Federal prevê que este tipo de ato deve ser elaborado por

representantes do povo, eleitos através de eleições periódicas. Desta máxima, surge

outra crítica dos juristas que descordam do ativismo, qual seja, a alegação de que

um país capaz de permitir que o mesmo ente crie o Direito, o execute e julgue

eventuais descumprimentos jamais pode ser considerado democrático, haja vista

assemelhar-se a uma monarquia absolutista.

Ocorre, entretanto, que apesar destas correntes contrárias ao ativismo

judicial, sua existência é uma realidade em nosso Direito.

Como cediço, seguimos o direito romano-germânico e, desta forma, grande

parte de nosso Ordenamento Jurídico está positivado. Frente a este fato,

imaginemos a situação hipotética da análise de qualquer texto legal sem a devida

adequação ao caso concreto. Teríamos, pois, textos frios e inacabados, uma vez que

as leis são revestidas de alto grau de abstração.

Esta é uma das várias situações em que encontramos o ativismo judicial, já

que sem a equidade, o juiz não traria às partes a justiça do caso concreto e nossa

legislação se afastaria, dia-a-dia, do justo.

A existência do ativismo judicial é tão latente que várias de nossas leis

prevêem hipóteses em que o magistrado deve fazer-se valer daquele para enfrentar

determinadas demandas, como podemos observar, por exemplo, no art. 335 do

Código de Processo Civil4, no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro5 e no art. 27 da Lei 9868 de 10 de novembro de 19996.

Por tudo que fora exposto até o momento, não existe forma mais adequada

de se classificar esta atuação ativista como a ascensão institucional do Poder

Judiciário frente às mudanças do Direito. Por isso, não há dúvidas de que o ativismo

4 Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum

subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. 5 Art. 4

o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os

princípios gerais de direito. 6 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

24

judicial é a resolução de problemas que existem na sociedade decorrentes da falta

de atuação dos poderes Executivo e Legislativo, quer pela ausência de criação de

determinado dispositivo legal, quer pela ineficiência na execução de políticas

públicas.

Assim, as qualidades inerentes ao ativismo judicial são indiscutíveis, mas

seu exercício deve ser bastante ponderado. Não seria novidade afirmar que

qualquer atuação no território nacional deve estar em conformidade com o texto

constitucional, porém esta não é a única forma de se controlar os magistrados.

Para que o Ordenamento Jurídico possibilitasse uma intervenção tão latente

do Poder Judiciário na estrutura governamental brasileira, deveria se revestir de

cautelas para trazer segurança jurídica aos cidadãos, o que, de fato, fora feito, como

bem se vê, por exemplo, no princípio do duplo grau de jurisdição, onde as decisões

judiciais proferidas, após recurso da parte interessada, são revistas em segunda

instância para se garantir a justiça do julgado. Entretanto, é deste aspecto que surge

um dos principais problemas inerentes ao ativismo judicial, tal qual, a falta de

instrumentos para se frear os magistrados, desembargadores e ministros que atuam

em alçadas que, muitas vezes, não admitem recursos das decisões que prolatam.

Destarte, o ativismo judicial se manifesta de várias formas, donde se conclui

que é gênero do qual podemos destacar várias espécies como a equidade, a

analogia, a modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal nos casos de

controle de constitucionalidade, o princípio do impulso oficial, a edição de súmulas e

uniformizações jurisprudenciais, dentre outros. O que não se discute é que esta

atuação ativa do Judiciário faz-se fundamental em nosso Ordenamento Jurídico,

mas a constante criação de instrumentos capazes de controlar esta prática é

indispensável para a manutenção da segurança jurídica nacional.

3.2 Poder Constituinte Difuso

Não é estranho aos estudiosos do Direito a denominação Poder Constituinte.

Este é, em si, o poder de elaborar ou atualizar uma Constituição, mediante

supressão, modificação ou acréscimo de normas.

Sua titularidade é pertencente ao povo, principalmente se considerarmos a

máxima do art. 1º da Constituição Federal de 1988, que estabelece que todo poder

emana do povo. Contudo, diferentemente da titularidade, temos a titularidade de

25

exercício, que é dada àqueles que foram eleitos pelo povo para representarem o

Poder Legislativo.

A denominação Poder Constituinte subdivide-se em categorias, sendo que

duas delas são bastante conhecidas no Direito brasileiro, quais sejam, Poder

Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado. Apesar de existirem

classificações independentes em cada uma destas duas definições, restringiremos

nosso estudo ao conceito geral de cada uma delas.

O primeiro, se peculiariza por ser o responsável para instaurar uma nova

ordem jurídica, ou seja, cria-se uma nova Constituição e um novo Estado de Direito.

Normalmente sua atuação se dá quando determinado lapso temporal altera

substancialmente os valores, as garantias, o pensamento e as visões políticas de

uma sociedade, criando a necessidade de uma inovação constitucional.

Noutra banda, o Constituinte Derivado, que é instituído pelo Originário, tendo

que respeitar as normas por ele impostas, se manifesta através de reformas no texto

constitucional que visam a adequação da Lei Maior à evolução da própria sociedade.

Entretanto, mesmo sendo mais comum a utilização das duas denominações

alhures mencionadas, o ativismo judicial evolui de tal maneira que hoje se vislumbra

a hipótese de considerarmos o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder

Judiciário, como titular do exercício de alterar nossa Constituição Federal.

Antes da real análise sobre a posição da Corte Suprema como detentora da

qualidade de Poder Constituinte, insta salientar que existe uma crucial diferença

entre reformas constitucionais e mutações constitucionais. Aquelas são as

alterações no próprio texto legal, ou seja, alterações positivas, que se

instrumentalizam através de emendas constitucionais, enquanto as mutações são as

alterações tipicamente interpretativas, donde se conclui não há qualquer alteração

no texto da Carta Magna, ocorrendo apenas uma evolução na forma de se

interpretar, nascendo novo entendimento sobre determinado tema.

A partir desta distinção que existe entre uma mutação e uma reforma

constitucional, torna-se clara a alocação do Supremo Tribunal Federal como

Constituinte. A Suprema Corte é conhecida como o Poder Constituinte Difuso, e se

caracteriza por se manifestar através de mutações constitucionais.

Assim, se por um lado o Poder Constituinte Derivado se manifesta através

das emendas constitucionais, logo, de modo positivado, o Constituinte Difuso se

instrumentaliza de modo informal, como verdadeiro poder de fato do Órgão Supremo

26

do Judiciário brasileiro, adequando a Constituição Federal aos mais diversos fatores

sociais, políticos e econômicos do país. É, portanto, uma alteração com caráter

meramente hermeneuta-interpretativo.

Conclui-se, pois, que o ativismo judicial atingiu um patamar que alguns anos

atrás era inimaginável, já que, mesmo existindo o princípio constitucional da

separação dos poderes, nosso Ordenamento Jurídico confere tais prerrogativas ao

Judiciário para que o exercício jurisdicional se materialize com excelência.

27

4 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Como de sabença geral, nossa Constituição Federal é do tipo rígida e,

nestes modelos constitucionais, a alteração do texto elaborado pelo Poder

Constituinte Originário ocorre de forma bastante controlada, razão pela qual possui

um procedimento bastante peculiar que é contemplado na própria Carta Magna.

Nada obstante, insta salientar que vigora no Brasil o princípio da supremacia

da Constituição, ou seja, as normas nela contidas se sobrepõem às demais, donde

se conclui que toda espécie normativa infraconstitucional deve estar em

conformidade com os preceitos previstos na Lei Maior, sob pena de ser considerada

inválida.

Nesse sentido, não seria crível a existência de todo este rigor quanto à

alteração do texto constitucional e a predominância deste em relação às demais

normas, se não houvesse, também, um órgão encarregado de realizar uma

fiscalização acerca do efetivo cumprimento de tais máximas. Além disto, frente à

importância da referida fiscalização, compete à própria Constituição Federal a

distribuição da competência para tanto.

Logo, para que possamos falar em controle de constitucionalidade, torna-se

essencial que estejamos diante de uma Constituição do tipo rígida que preveja um

mecanismo de fiscalização das normas infraconstitucionais, inclusive com relação ao

órgão que a realizará.

Dando continuidade ao estudo, é de vital importância a noção exata acerca

do que é a inconstitucionalidade. Basicamente, este conceito é extraído da ação ou

omissão que ofende o texto da Constituição Federal, porém sua definição exige

muito mais dos estudiosos do Direito, haja vista a imensa gama de espécies de

inconstitucionalidade. Citando as mais importantes, devemos nos ater para:

inconstitucionalidade por ação ou omissão, que se traduz pela atitude comissiva de

algum órgão estatal, capaz de gerar uma afronta à Constituição, ou a conduta

omissiva em face de um preceito constitucional que preveja determinada obrigação

do Poder Público; inconstitucionalidade material ou formal, onde aquela se refere à

desconformidade do texto de determinada lei com as regras constitucionais,

enquanto a última faz menção ao desrespeito relativo à própria elaboração da norma

infraconstitucional, caracterizando-se por ser uma afronta ao processo legislativo; e,

por fim, inconstitucionalidade total ou parcial, que como o próprio nome sugere, diz

28

respeito ao conteúdo do ato normativo a ser atingido, ou seja, na

inconstitucionalidade total, todo o ato deve ser expurgado, enquanto na parcial,

somente parte dele.

Não é novidade que a vigente Constituição Federal de 1988 outorgou

poderes ao Judiciário para a declaração de inconstitucionalidade das leis, logo se

conclui que vivemos um sistema jurisdicional de controle. Entretanto, é importante

ressaltar que nossa Magna Norma contempla tanto o controle difuso quanto o

controle abstrato ou concentrado, o que quer dizer que todos os seus órgãos

possuem legitimidade para reconhecer determinada afronta às regras e princípios

constitucionais, mas, em casos específicos, tal legitimidade se restringe ao Supremo

Tribunal Federal ou ao Tribunal de Justiça de cada Estado, no primeiro caso quando

a afronta se dá em relação à Constituição Federal e no último quando fere a

Constituição do respectivo Estado-Membro.

Vale ressaltar, que o controle de constitucionalidade poderá se apresentar de

forma preventiva, no qual a fiscalização da validade da norma ocorre antes de sua

efetiva criação, e de forma repressiva, quando a norma já está pronta e apta a gerar

seus efeitos.

4.1 Do Controle Concentrado de Constitucionalidade em Âmbito Federal

Dando início ao tema que mais nos interessa no controle de

constitucionalidade exercido no Brasil, adentramos na conceituação específica do

controle concentrado de constitucionalidade.

O controle abstrato, como também é conhecido, se caracteriza por ser a

ferramenta encarregada pela defesa do ordenamento constitucional frente à

eventuais espécies normativas com ele incompatíveis.

Como já explicitado alhures, o controle concentrado em relação à

Constituição Federal é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal.

Cumpre mencionar, ainda, que além da competência originária da Suprema Corte

para a análise de eventuais afrontas às normas constitucionais, tal fiscalização não

admite recursos, salvo embargos de declaração.

Diferentemente do controle de constitucionalidade difuso, no controle

concentrado não se verifica a análise subjetiva de um caso concreto, já que seu

objetivo é a verificação da adequação de determinada lei aos ditames estabelecidos

29

pela Constituição Federal. Isto posto, constata-se que o controle abstrato não surge

incidentalmente em um processo comum, motivo pelo qual existem maneiras

predeterminadas de se instaurar tal procedimento.

Assim, classificando as ações cabíveis para o acionamento da tutela

jurisdicional do Estado para o exercício do controle abstrato de constitucionalidade,

temos: ação direta de inconstitucionalidade genérica – ADI; ação direta de

inconstitucionalidade por omissão – ADO; ação declaratória de constitucionalidade –

ADC; e, por fim, arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF.

Passemos, então, ao estudo de cada uma destas hipóteses.

4.1.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica

A ação direta de inconstitucionalidade genérica é o procedimento mais

comum dentre os disponíveis para a averiguação, pelo Supremo Tribunal Federal, da

inconstitucionalidade ou não de determinada espécie normativa.

É crucial salientar que a lei ou o ato normativo a ser analisado nesta ação

tem, obrigatoriamente, de ser estadual ou federal, já que esta demanda não

comporta a análise de direito municipal. Logo, as normas do Distrito Federal podem

ser objeto de ADI, desde que editadas no desempenho de função estadual.

Nada obstante, insta esclarecer que, além de ser federal ou estadual, a

norma impugnada em sede de ação direta de inconstitucionalidade genérica deve ter

sido editada na vigência da Constituição Federal de 1988, implicar ofensa direta

àquela e, ainda, estar em vigor, já que não se admite ADI com relação ao direito que

já fora revogado.

Sua função é, basicamente, a proteção da Constituição Federal, de forma a

ensejar uma análise acerca da adequação de determinada lei ou ato normativo ao

nosso ordenamento jurídico e possibilitar sua extirpação quando necessário.

Como estudado, uma das principais características do controle concentrado

de constitucionalidade é a inexistência de interesses subjetivos na análise da

adequação de determinado dispositivo frente à Carta Magna. Neste mesmo sentido,

o autor da ação direta de inconstitucionalidade genérica não atua para resguardar

direitos individuais, pugnando sempre pela vontade coletiva. Diante disto, a

Constituição Federal, em seu art. 103, incisos I a IX, prevê um rol taxativo de

legitimados à propositura desta demanda, senão vejamos:

30

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A respeito dessa disposição constitucional, é importante diferenciar os

legitimados universais dos especiais. Embora a Carta Magna não tenha elencado

qualquer diferenciação neste sentido, entende-se por legitimados universais aqueles

que têm discricionariedade para impugnar qualquer matéria em sede de ação direta

de inconstitucionalidade, sem que, para tanto, tenham de demonstrar interesse

específico. São eles: o Presidente da República, as Mesas da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho

Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com

representação no Congresso Nacional. Noutro giro, os legitimados especiais são

aqueles que possuem poderes para impugnações por meio de ação direta de

inconstitucionalidade, porém devem comprovar seu interesse de agir com relação à

matéria discutida, ou seja, o ato ou lei impugnados devem estar correlacionados com

as funções exercidas pelo órgão ou entidade impugnante. São legitimados

especiais: as confederações sindicais, as entidades de classe de âmbito nacional, as

Mesas das Assembléias Legislativas estaduais ou da Câmara Legislativa do Distrito

Federal e, por fim, os governadores dos Estados-Membros e do Distrito Federal.

Outras quatro questões cruciais ao estudo da ação direta de

inconstitucionalidade genérica são:

a imprescritibilidade, ou seja, a propositura da ADI pode ocorrer a

qualquer tempo, inexistindo prazo prescricional para que os legitimados ingressem

com a demanda. Isto se dá, pois as afrontas ao texto constitucional não se

convalidam com o tempo e, assim, o remédio cabível para se erradicar qualquer

vício desta natureza deve ser utilizado independentemente do tempo que demore;

a impossibilidade de desistência por parte do impetrante, que consiste

no impedimento de que o propositor da ação desista dos pedidos formulados na

31

petição inicial. Tal característica se traduz como a garantia de que o direito

indisponível à extirpação das inconstitucionalidades existentes em nosso

ordenamento não seja violado;

o pedido de informações feito pelo relator do processo para que a

demanda possa ser julgada, que, em suma, se apresenta como um embasamento

para que a ação possa ser julgada de forma bastante equânime. Detalhadamente, o

Ministro relator do processo fará um pedido de informações ao órgão que emanou a

espécie normativa impugnada para que, assim, o Pretório Excelso possa ter

elementos para decidir. Cumpre ressaltar que não haverá pedido de informações se

a ADI for proposta pelo mesmo órgão que criou a norma;

e, finalmente, a inadmissibilidade de intervenção de terceiros. O

entendimento acerca desta restrição salta aos olhos quando constatamos que a

intervenção de terceiros é inerente aos procedimentos de cunho estritamente

subjetivo, já que o terceiro, normalmente, tem interesse particular na causa. Desta

forma, como a ação direita de inconstitucionalidade genérica é objetiva, não haveria

se falar em utilização daquele instituto. Entretanto, antes de encerrarmos a questão

da impossibilidade da intervenção de terceiros, é crucial que destaquemos a

possibilidade de um órgão ou entidade que não possui legitimidade para a

propositura da ADI requerer ao relator do processo, antes que este entre em pauta

de julgamento, que se manifeste acerca da inconstitucionalidade, cabendo àquele o

deferimento ou não do pedido. Esta situação é comumente chamada de “amicus

curiae”, que se traduz por “amigo da corte”.

Exaurida a explanação acerca das características alhures mencionadas,

insta-nos salientar que nas ações diretas de inconstitucionalidade genéricas, após

colhidas as informações pedidas pelo relator do processo, serão ouvidos,

sucessivamente, no prazo de quinze dias cada, o Advogado-Geral da União e o

Procurador-Geral da República. Aquele atua segundo a regulamentação dada pelo

§3º do art. 1037 da Constituição Federal, sendo certo que seu papel é o de defender

a presunção de constitucionalidade de qualquer norma, porém possui plena

discricionariedade, podendo se posicionar em prol da constitucionalidade ou da

inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnados. Noutra banda, temos a

7 Art. 103. (...) § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese,

de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

32

atuação do Procurador-Geral da República, que é obrigatória em qualquer ação

relativa à inconstitucionalidade de normas jurídicas e em todos os processos de

competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103, §1º8 da

Constituição Federal. Sua atuação visa a defesa de nosso ordenamento

constitucional, agindo como verdadeiro fiscal da Constituição, manifestando-se

acerca da constitucionalidade ou não da matéria discutida no processo. Vale

ressaltar que sua participação no procedimento é indispensável, inclusive, nas ações

que ele próprio promove.

Antes de partirmos à análise da última etapa relativa ao estudo da ação

direta de inconstitucionalidade genérica, temos de nos ater ao fato da

permissibilidade de se requerer medida cautelar na demanda, bastando que o autor

comprove a existência dos pressupostos “fumus boni juris” e “periculum in mora”.

Este pedido será apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, com o intuito de afastar

dano irreparável ou de difícil reparação que possam vir a ocorrer até que haja a

decisão do mérito. Sua concessão está condicionada à decisão da maioria absoluta

dos membros da Suprema Corte, sendo indispensável que estejam presentes na

sessão, pelo menos, oito dos onze Ministros, salvo no período de recesso, quando

será possível que o Presidente do Tribunal a conceda “ad referendum” do Tribunal

Pleno.

Via de regra, a medida cautelar na ADI tem eficácia “ex nunc”, porém caso a

Corte Suprema entenda ser necessário, a eficácia da cautelar pode ser retroativa, ou

seja, “ex tunc”. Há se falar, entretanto, que independentemente da eficácia retroativa

ou não, o efeito da medida cautelar será sempre vinculante aos demais órgãos do

Poder Judiciário e da Administração pública direta ou indireta, sendo certo, ainda,

que os processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo que objetivou a

ADI ficarão suspensos.

Finalmente, para exaurirmos o estudo da ação direta de

inconstitucionalidade genérica, resta-nos analisar as peculiaridades da decisão de

mérito. De forma semelhante ao julgamento da medida liminar, para que possa ser

dada decisão meritória acerca da constitucionalidade ou não da norma impugnada,

devem estar presentes na sessão de julgamento, no mínimo, oito Ministros. Atingido

8 Art. 103. (...)

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.

33

o “quorum” e instalada a sessão, a decisão depende da manifestação da maioria

absoluta dos membros do Tribunal pela procedência ou improcedência do pedido de

declaração de inconstitucionalidade da espécie normativa. Caso a votação dos

Ministros presentes não atinja o número necessário para o deslinde da questão, o

julgamento será suspenso até que os demais membros da Corte possam votar e

resolver o mérito da demanda.

Não nos obsta mencionar que as decisões terminativas que resolvem o

mérito da ação direta de inconstitucionalidade genérica são dotadas de efeitos muito

particulares e, em regra, terão eficácia contra todos (“erga omnes”), efeito retroativos

(“ex tunc”), força vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e

à Administração Pública, e efeito repristinatório em relação à legislação anterior, ou

seja, na hipótese de declaração de inconstitucionalidade de determinada norma, a

lei o ato normativo que havia sido revogado quando da edição daquela terá sua

vigência restaurada.

Crível que se destaque, contudo, que a força vinculante da decisão não

alcança o próprio Supremo Tribunal Federal, que poderá mudar sua decisão em uma

outra ação sobre o mesmo tema, e o Poder Legislativo, que poderá editar,

livremente, outra espécie normativa com o mesmo conteúdo.

Outra ressalva a ser feita está na possibilidade trazida pelo art. 27 da Lei

9.868/1999, senão vejamos:

Art. 27, Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Logo, verifica-se que a Suprema Corte tem discricionariedade para modular

os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade de qualquer norma,

bastando, apenas, que haja deliberação neste sentido de dois terços de seus

membros e razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social.

4.1.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

34

Como já estudado, para se discutir questões inerentes a eventuais afrontas

ao texto da Constituição Federal existem procedimentos específicos, sendo certo

que a ação direta de inconstitucionalidade genérica é o mais comum deles, se

caracterizando por ser uma demanda complexa, que possui inúmeras

peculiaridades. Frente a este fato, o estudo das demais formas de movimentação do

Poder Judiciário para se resguardar a Carta Magna é menos abrangente,

principalmente pelo fato de que muitas de suas características são semelhantes às

da ADI.

Diante disto, passaremos à análise das demais ações que discutem a

constitucionalidade de leis e atos normativos traçando as particularidades que as

diferenciam da ação direta de inconstitucionalidade genérica.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é uma inovação trazida

pela Constituição Federal de 1988 e se traduz como um procedimento de controle

das omissões do Poder Público que ferem o ordenamento constitucional.

Simplificadamente, a ADO visa sanar a omissão, por parte de órgão ou autoridade

encarregados de elaborar norma, que se destina a efetivar determinada disposição

constitucional que dependa de complementação, ou seja, as normas constitucionais

que não sejam autoaplicáveis, ou, ainda, as normas constitucionais de eficácia

limitada.

Percebe-se, então, que o Poder Constituinte Originário achou por bem

classificar a omissão dos órgãos que deveriam editar leis essenciais à eficácia da

norma constitucional como uma afronta ao Ordenamento Jurídico.

Como já destacado, muitas das características da ação direta de

inconstitucionalidade genérica se aplicam à ADO, inclusive no que tange à

legitimação ativa para a propositura da demanda, não havendo dúvidas de que os

legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade por omissão são todos

aqueles previstos no art. 103, incisos I a IX da Constituição Federal, porém devemos

nos ater para uma distinção significativa entre as duas modalidades de ação, qual

seja, a impossibilidade, na ADO, de que um dos legitimados proponha a demanda

caso seja ele a autoridade competente para iniciar o processo legislativo omisso.

Outra distinção entre a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a

genérica está na legitimação passiva. Enquanto a ADI é proposta em face de lei ou

ato normativo que fere a Lei Maior, a ADO corre contra o órgão ou autoridade

competente pela adoção de medidas necessárias à criação de determinada norma

35

essencial à efetiva aplicabilidade do texto constitucional. Cumpre esclarecer que o

agente passivo não será sempre integrante do Poder Legislativo, uma vez que,

normalmente, a omissão está na iniciativa da espécie normativa e não em sua

efetiva criação.

Questão crucial ao presente estudo encontra-se na atuação do Advogado-

Geral da União durante o decorrer da ação. Neste caso, a oitiva daquele não é

obrigatória, donde se conclui que somente haverá manifestação de sua parte se o

relator do processo a requerer. Logo, a Advocacia Geral da União somente

participará do processo caso o Ministro relator entenda necessário. Noutra banda

está o Procurador-Geral da República, que atuará, obrigatoriamente, em todas as

ações que não figurar como autor.

Importante frisar que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão

também comporta a concessão de medida cautelar, seguindo os mesmos moldes da

ADI com relação à decisão da Corte.

Por fim, mas não menos importante, temos de nos ater para os efeitos da

decisão de procedência da ADO. Nesta hipótese, o Supremo Tribunal Federal

declarará a inconstitucionalidade da omissão praticada e determinará que o órgão

ou autoridade competente procedam à edição da respectiva norma. Caso o órgão ou

autoridade omissos sejam administrativos, o comando deverá ser cumprido em até

30 (trinta) dias, não havendo estipulação temporal na hipótese de omissão por parte

dos Poderes do Estado.

4.1.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade

Diferentemente das ações diretas de inconstitucionalidade, a declaratória de

constitucionalidade se apresenta como procedimento hábil a classificar como

constitucional determinada norma que venha causando dissenso entre os órgãos do

Poder Judiciário.

Assim, verifica-se que na ADC o impetrante não pretende a extirpação da lei

ou ato normativo, pelo contrário, o que se quer nesta ação é que a matéria discutida

seja, definitivamente, tida como constitucional. Podemos, então, classificá-la como o

instrumento capaz de encerrar a discussão acerca da legitimidade de determinada

espécie normativa sem que seja necessário o decurso de um longo lapso temporal.

36

Crível que se destaque que a propositura desta demanda exige que o autor

comprove a existência de relevante controvérsia judicial, o que quer dizer que a ADC

somente será conhecida pelo Supremo Tribunal Federal se seu autor provar, de

forma satisfatória, que a matéria que objetivou o procedimento vem gerando

decisões em sentidos opostos pelos demais órgãos do Poder Judiciário.

Partindo à análise de sua natureza jurídica, vislumbra-se que a ação

declaratória de constitucionalidade se assemelha consideravelmente das ações

diretas de inconstitucionalidade (genérica e por omissão), principalmente pelo fato

de que sua propositura se dá pelos mesmos legitimados, a competência originária

para seu julgamento é do Pretório Excelso e o que se discute é a constitucionalidade

da norma.

Contudo, as semelhanças não param por aí. Isto se dá, pois a ADC também

se reveste de peculiaridades como a imprescritibilidade; a irrecorribilidade da

decisão emanada pelo STF, salvo embargos de declaração; a obrigatoriedade de

atuação do Procurador-Geral da República; a impossibilidade de intervenção de

terceiros, exceto na posição de “amicus curiae”; a possibilidade de deferimento de

medida cautelar no sentido de suspender os processos que envolvam a aplicação da

espécie normativa objeto da ação declaratória; eficácia “erga omnes” de sua

decisão; força retroativa; efeito vinculante perante aos demais órgãos do Judiciário e

à Administração Pública; e, finalmente, a possibilidade de modulação dos efeitos

temporais da decisão.

Ocorre, entretanto, que não existem apenas semelhanças entre as ações

diretas de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. Como

mencionado alhures, existe diferenciação no pedido autoral, já que naquelas o autor

pretende a declaração de inconstitucionalidade de determinada norma, aqui o

objetivo é exatamente contrário, ou seja, visa-se a declaração de

constitucionalidade. Outra diferença significativa é que o objeto da ADC está limitado

a leis e atos normativos federais, não abrangendo as espécies normativas estaduais.

Nesta mesma linha não encontramos na ação declaratória o pedido de informações

que o relator, na hipótese de ADI, faz aos órgãos elaboradores da norma

impugnada, uma vez que inexiste pólo passivo na ADC. Finalmente, devemos nos

ater para a inexistência de atuação do Advogado-Geral da União neste

procedimento, já que seu papel é a defesa da presunção da constitucionalidade da

norma, e isto é exatamente o que pretende o autor da ação, razão pela qual a

37

Suprema Corte suprimiu a necessidade de manifestação da Advocacia Geral da

União.

4.1.4 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Prevista no art. 102, §19 da Constituição Federal, a argüição de

descumprimento de preceito fundamental é ação de competência originária do

Supremo Tribunal Federal e se caracteriza por ser uma norma constitucional de

eficácia limitada, o que quer dizer que sua real aplicabilidade se condiciona a outra

lei, qual seja, a 9.882/1999.

Para que possamos nos aprofundar no conhecimento acerca desta ação,

insta-nos conhecer o art. 1º da referida lei:

Art. 1o A argüição prevista no § 1

o do art. 102 da Constituição Federal será

proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição

Logo, verifica-se que a arguição de descumprimento de preceito

fundamental é uma demanda que trouxe nova possibilidade de reclamatória junto à

Suprema Corte, haja vista a previsão de sua admissibilidade para que qualquer ato

do Poder Público que acarrete lesão a preceito fundamental decorrente da Carta

Magna possa ser reparado ou evitado. Além disto, a ADPF inovou nosso

Ordenamento Jurídico ao elencar como objeto de sua aplicabilidade a ameaça ou

lesão a preceito fundamental previsto na Constituição Federal decorrente de leis e

atos normativos federais, estaduais e municipais, abrangidos os anteriores à vigente

ordem constitucional.

Constata-se, então, que a arguição de descumprimento de preceitos

fundamentais supre as lacunas deixadas pela ADI, ADO e ADC, ou seja, a matéria

9 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

cabendo-lhe:

(...)

§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será

apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

38

que não pode ser discutida sob o prisma das três modalidades supracitadas, poderá

ser objeto de ADPF, desde que cumpridos os requisitos do dispositivo alhures

transcrito. Nesse sentido, vale ressaltar que a arguição tem caráter subsidiário às

demais ações previstas para o efetivo controle de constitucionalidade, conforme

previsão do art. 4º, §1º10 da Lei 9.882/1999, ou seja, somente será admitida ADPF

quando não forem cabíveis a ação direta de inconstitucionalidade genérica, a ação

direta de inconstitucionalidade por omissão ou a ação declaratória de

constitucionalidade.

Da leitura cuidadosa do art. 1º da já citada Lei 9.882/1999, vislumbra-se a

previsão expressa acerca da necessidade de descumprimento de preceito

fundamental previsto na Constituição Federal, contudo inexiste classificação exata

acerca do que é preceito fundamental. Diante disto, o Supremo Tribunal Federal

determinou que cabe a ele próprio determinar o que se enquadra nesta modalidade,

sendo que nos dias de hoje tem-se a idéia de que se enquadram como preceitos

fundamentais os direitos e garantias individuais, os princípios protegidos por cláusula

pétrea e os princípios sensíveis, cuja violação pode dar ensejo à decretação de

intervenção federal nos Estados-Membros.

Assim como visto nas demais ações relativas ao controle de

constitucionalidade brasileiro, os legitimados à propositura da ADPF são aqueles

elencados no art. 103, incisos I a IX, da Constituição Federal. Outra característica

que assemelha a ADPF das demais formas de exercício do controle de

constitucionalidade é a possibilidade de deferimento de medida cautelar quando

comprovados o “fumus boni juris” e o “periculum in mora” por parte do impetrante.

Finalmente, no que tange à decisão de mérito na arguição de

descumprimento de preceito fundamental, insta salientar que os padrões são

semelhantes aos das demais ações inerentes à constitucionalidade das normas,

porém os efeitos da decisão se restringem em: efeito “erga omnes” e força

vinculante.

4.2 Teoria da Inconstitucionalidade por Arrastamento

10

Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de

argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta. § 1

o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver

qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

39

O tema relativo à teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, também

conhecida por inconstitucionalidade por atração ou inconstitucionalidade

consequente de preceitos não impugnados, está intrinsecamente ligado aos limites

da coisa julga e ao efeito “erga omnes” das decisões relativas à

inconstitucionalidade de normas.

Para que se possa entender melhor a idéia trazida nesta teoria, temos de

imaginar a situação em que uma norma é declarada inconstitucional em um

processo inerente ao controle de constitucionalidade, logo, por decorrência desta

decisão, em uma demanda futura, outra norma dependente daquela também estará

eivada do vício da inconstitucionalidade e, consequentemente, deverá ser extirpada.

Conclui-se, pois, que diante desta teoria, tem-se que o Supremo Tribunal

Federal não poderia se esquivar da situação alhures transcrita, uma vez que novo

julgamento de norma dependente daquela que fora declarada inconstitucional, iria

em desencontro com a teoria dos motivos determinantes e banalizaria a ”ratio

decidendi” (razão da decisão). Além disto, é importante frisar que a Suprema Corte

tem o poder de utilizar tal teoria para embasar o dispositivo de sua decisão em um

único processo que envolva várias normas ou em processos distintos.

41

5 DO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO

Como cediço, para a criação de qualquer espécie normativa é necessário o

correto atendimento de todos os requisitos previstos pela Constituição Federal da

República do Brasil. O conjunto dos atos que envolve a edição de qualquer inovação

legislativa é chamado de processo legislativo. Diante disto, resta claro que tal

matéria é de crucial importância para o desenvolvimento de nosso Ordenamento

Jurídico.

Nesse sentido, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino conceituam o processo

legislativo da seguinte forma: “[...] o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação,

sanção e veto, promulgação e publicação) realizados pelos órgãos competentes na

produção das leis e outras espécies normativas indicadas diretamente pela

Constituição”. (PAULO; ALEXANDRINO, 2011, p. 197)

Assim, após a conceituação deste tema, cumpre-nos esclarecer que o

processo de elaboração de normas jurídicas, em âmbito federal, é composto de três

fases, quais sejam, a fase iniciativa, a fase constitutiva e a fase complementar.

A fase iniciativa, como o próprio nome sugere, é a primeira etapa do

processo legislativo. De maneira ampla, a Constituição Federal de 1988 atribui

competência às seguintes pessoas para a proposta de criação das espécies

normativas contempladas em nosso Ordenamento Jurídico:

Qualquer Deputado Federal ou Senador da República;

Qualquer Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou

do Congresso Nacional;

O Presidente da República;

O Supremo Tribunal Federal;

Os Tribunais Superiores;

O Procurador-Geral da República; e,

Os Cidadãos

Ultrapassado o aspecto geral da primeira fase do processo legislativo,

devemos observar que, basicamente, existem as leis de iniciativa concorrente, nas

quais várias pessoas podem propor sua edição, e de iniciativa privativa, nas quais

somente existe um legitimado específico à propositura do projeto de elaboração da

modalidade legal a ser criada.

42

Por sua vez, a fase constitutiva, segunda fase do processo legislativo, se

destaca por ser a etapa em que há a conjugação de vontade, ou seja, o Poder

Legislativo discute e vota o projeto e, então, o Executivo o sanciona ou veta.

Inicialmente, ocorre a deliberação parlamentar, ou seja, a discussão e

votação do projeto que fora elaborado na fase iniciativa. Desta forma, para que o

projeto seja encaminhado ao Executivo para sanção ou veto é necessária a

apreciação e aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Temos de salientar que, via de regra, o projeto será apreciado primeiramente

pela Câmara dos Deputados e, em seguida, pelo Senado Federal, salvo na hipótese

de projetos de lei de iniciativa dos Senadores ou de alguma Comissão do Senado,

quando a Câmara dos Deputados atuará após a iniciação do Senado.

Para que esta situação fique mais bem explicada, é crível que saibamos que

as Casas Legislativas são dividas em iniciadora e revisora, ou seja, o projeto será

proposto à Casa iniciadora que, como visto, normalmente é a Câmara dos

Deputados e, em seguida, será apreciado pela Casa revisora.

Após a apreciação e consequente deliberação legislativa, caso haja a

rejeição do projeto, ele será arquivado. Noutra banda, caso haja a aprovação, este

será enviado ao Chefe do Executivo para sanção ou veto

A sanção presidencial se dá quando o Presidente da República concorda

com o projeto de criação da espécie normativa, na fase em que se encontra. Aquela

poderá ocorrer de duas formas, expressa ou tácita. A sanção expressa se dá quando

o Chefe do Executivo deliberadamente manifesta a sua concordância com a criação

da inovação legislativa. Por sua vez, na sanção tácita, temos a não manifestação do

Presidente da República em 15 (quinze) dias úteis e, assim, seu silencio importará

aceitação. Logo, o prazo para deliberação do Poder Executivo acerca de sua

aceitação ou rejeição do projeto é de 15 (quinze) dias úteis.

Insta salientar, que em caso de discordância, o Presidente da República

poderá vetar o projeto, total ou parcialmente. Aquela hipótese se dá pela

discordância do projeto como um todo, enquanto o veto parcial somente abrangerá

texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou alínea, ou seja, o veto parcial

nunca abrangerá apenas palavras do texto de lei.

Diante, então, de eventual veto executivo, quer seja total, quer seja parcial, o

Presidente da República terá 48 (quarenta e oito) horas para comunicar os motivos

da rejeição ao Presidente do Senado. Daí, então, concluímos que o veto tem de ser

43

expresso e motivado, entretanto estas não são suas duas únicas características, vez

que deverá ser sempre escrito. Além destas características formais do veto,

devemos nos ater ao fato de que o veto será sempre: supressivo, ou seja, nunca

poderá adicionar nada ao projeto; irretratável, já que uma vez que realizado o projeto

é encaminhado ao Presidente do Senado e, desta forma, o Presidente da República

já não mais pode alterar seu posicionamento; e, por fim, superável, exatamente, o

veto do Chefe do Poder Executivo será sempre superável, ou seja, o Presidente da

República, em 15 (quinze) dias úteis, se manifesta, por escrito, motivando a sua

discordância com o projeto, ou parte dele, e veta-o. Daí, o projeto é enviado ao

Presidente do Senado para que haja deliberação acerca da manifestação negativa

do Presidente da República. Essa deliberação ocorrerá em, no máximo, 30 (trinta)

dias e será, obrigatoriamente, em sessão conjunta, onde se reúnem os membros do

Senado Federal e da Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta, em

escrutínio secreto.

Realizada a referida deliberação, o veto poderá ser rejeitado. Assim, o

Parlamento, poderá não concordar com o veto presidencial e derrubá-lo, sendo que

tal ato terá os mesmos efeitos que a sanção.

Finda a fase constitutiva, havendo aprovação do projeto, inicia-se a fase

complementar, que envolve a promulgação e a publicação. A promulgação consiste

em um atestado da existência da lei e de sua executoriedade. Apesar de ainda não

estar em vigor e não ser eficaz, pelo ato da promulgação certifica-se o nascimento

da lei. Por sua vez, a publicação é o ato subsequente à promulgação, ou seja,

quando se levará ao conhecimento de todos o conteúdo da inovação legislativa.

Com a publicação tem-se o estabelecimento do momento em que o cumprimento da

lei deverá ser exigido.

5.1 Do Processo Legislativo das Medidas Provisórias

Por tudo que fora exposto, resta claro que o processo legislativo visa a

elaboração de espécies normativas isentas de vícios e injustiças, porém é um

procedimento bastante detalhado e burocrático.

Diante disto, visando uma maior segurança para os brasileiros, nosso Poder

Constituinte criou a possibilidade de, em caso de relevância e urgência, o Presidente

44

da República adotar medidas provisórias com força de lei, devendo submetê-las de

imediato ao Congresso Nacional.

Assim, a medida provisória individualiza-se por nascer da manifestação

exclusiva do Chefe do Executivo, que a publica no Diário Oficial da União.

A respeito desta espécie normativa vejamos a íntegra do art. 62 da

Constituição Federal da República:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

45

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.

Portanto, pelo dispositivo alhures transcrito, evidencia-se que as medidas

provisórias são de competência exclusiva do Presidente da República e marcadas

por sua indelegabilidade. Entretanto, estas não são suas únicas características, visto

que sua duração será de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis, uma única vez, por igual

período. Todavia, caso não haja deliberação do Poder Legislativo acerca da medida

provisória no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, aquela perderá eficácia.

Nada obstante, a tramitação da medida provisória merece alguns adendos,

uma vez que seu processo não é assim tão simples. Após sua submissão ao

Congresso Nacional, uma Comissão Mista de Deputados e Senadores irá examiná-

la e sobre ela emitir parecer, apreciando os seus aspectos constitucionais e de

mérito, bem como a sua adequação financeira e orçamentária e o cumprimento, pelo

Presidente da República, da exigência de no dia da publicação no Diário Oficial da

União, ter enviado seu texto ao Congresso, acompanhado da respectiva mensagem

e motivação para tal ato. Posteriormente, com o parecer da comissão mista, passará

pela apreciação do plenário de cada Casa, com início na Câmara dos Deputados. O

plenário de cada Casa analisará, preliminarmente, se a medida atende aos

pressupostos constitucionais de relevância e urgência, bem como a sua adequação

financeira e orçamentária, para, só então, examinar o mérito. Cumpre observar que

caso quaisquer das Casas delibere pelo descumprimento dos pressupostos

constitucionais ou inadequação financeira ou orçamentária, a medida provisória será

imediatamente arquivada.

Noutro giro, é importante ressaltar que esta espécie normativa pode ser

objeto de regime de urgência constitucional. Isto ocorrerá se não houver apreciação

da medida, pelo Congresso Nacional, em até 45 (quarenta e cinco) dias, contados

de sua publicação. O regime de urgência caracteriza-se pelo fato de que a medida

provisória em questão será submetida, subsequentemente, a cada uma das Casas,

46

ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações

legislativas da Casa em que estiver tramitando.

Outra questão a ser ressaltada é que, bem como nos casos de emendas

constitucionais, a medida provisória que for rejeitada pelo Congresso ou que tenha

perdido sua eficácia por decurso do prazo, não poderá ser reeditada na mesma

sessão legislativa, que como de sabença geral, corresponde ao período anual em

que o Congresso Nacional se reúne.

Destarte, após a submissão da medida provisória ao Congresso, este

poderá: aprová-la sem alteração, aprová-la com alteração, não apreciá-la e rejeitá-la

expressamente. Citemos, então, cada uma dessas hipóteses mais detalhadamente.

Caso o Congresso Nacional aprove a medida provisória sem alterá-la, seu

texto será dirigido, integralmente, ao Presidente da Mesa do Congresso Nacional,

para que este a publique no Diário Oficial da União como lei, donde se conclui que a

aprovação sem alteração afasta a necessidade de sanção presidencial.

Na hipótese de aprovação com alterações, o projeto de lei de conversão

(assim chamado, pois a conversão em lei não se deu automaticamente pela

ocorrência de emendas), com suas respectivas emendas, após ser apreciado por

uma das Casas, deverá ser apreciado pela outra, devendo ser, posteriormente,

levado ao Presidente da República para sanção ou veto. Daí, surge a possibilidade

de conversão da medida provisória em lei, para posterior promulgação e publicação.

No que tange à possibilidade de não apreciação do Congresso Nacional,

temos a ocorrência da rejeição tácita, matéria esta que já fora discutida alhures e se

resume na perda da eficácia da medida provisória se ultrapassados os 120 (cento e

vinte) dias de possível vigência de medida provisória sem que o Congresso Nacional

se manifeste.

Por fim, outra possível atitude a ser tomada pelo Congresso Nacional é,

expressamente, deixar de converter a medida provisória em lei.

È crível que se mencione que na hipótese de rejeição da totalidade ou parte

da medida provisória, o Congresso Nacional deverá disciplinar, por decreto

legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes. Caso este decreto não seja

editado, em até 60 (sessenta) dias da perda da eficácia da medida, as relações

jurídicas decorrentes de atos praticados durante sua vigência, continuarão por ela

regidas.

47

Noutra banda, se a medida provisória tiver sido aceita pelo Legislativo e

estiver em processo de transformação para se tornar lei, já tendo sido aprovado o

seu projeto, seu texto manter-se-á em vigor até a sanção ou veto do Executivo.

Não obstante, temos de mensurar quais são os efeitos da medida provisória

em nosso Ordenamento Jurídico, pois já vimos que tem força de lei, entretanto,

existe outra peculiaridade a ser suscitada, qual seja, a revogação das demais

normas do Ordenamento Jurídico que com ela sejam incompatíveis. Assim, se após

a apreciação do Congresso Nacional a medida for convertida em lei, a anterior, que

teve sua eficácia suspensa, será revogada; mas, caso a medida provisória seja

rejeitada, a lei que teve sua eficácia suspensa volta, imediatamente, a produzir seus

efeitos.

Por fim, mas não menos importante, cumpre elencar as limitações impostas

à edição de medidas provisórias, visto que se não as houvesse estaríamos diante de

um completo descontrole, onde o Executivo poderia agir como bem lhe conviesse.

Nesse sentido, a Constituição Federal veda expressamente a criação de medidas

provisórias que versem sobre:

Nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito

eleitoral;

Direito penal, processual penal e processual civil;

Organização do Poder Judiciário e do Ministério Publico, à carreira e à

garantia de seus membros;

Planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento, créditos

adicionais e suplementares, salvo o previsto no art. 167, §3º (guerra, calamidade

pública, comoção interna, etc.)

Medida que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular

ou qualquer outro ativo financeiro;

Matéria reservada à lei complementar;

Matéria já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso

Nacional e pendente de sanção ou veto presidencial;

Que implique instituição ou majoração de impostos, salvo os dispostos

nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II (só produzirão efeito no exercício financeiro

seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi

editada) – O STF entende ser completamente possível a regulamentação de matéria

48

tributária através de medida provisória desde que a mesma não exija lei

complementar;

Casos previstos em lei (Art. 25, § 2º da CF/88; art. 73 do ADCT; entre

outros).

Para exaurirmos, por completo, a questão da limitação às medidas

provisórias, temos de citar o art. 246 da Constituição Federal que diz: “Art. 246. É

vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição

cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de

janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”.

Assim, as medidas provisórias não poderão regulamentar artigos da

Constituição que tenham sido alterados por emenda constitucional no período de 1º

de janeiro de 1995 a 11 de setembro de 2001.

5.2 Da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional

Como já estudamos, existem diversas peculiaridades acerca das medidas

provisórias que podem ser criadas pelo Presidente da República, em casos de

relevância e urgência. Também fora visto que, após a adoção de medida provisória,

seu texto, acompanhado da respectiva mensagem e motivação do Presidente são

imediatamente encaminhados ao Congresso Nacional.

Daí, então, surge a atribuição do Órgão máximo do Poder Legislativo acerca

da apreciação da espécie normativa editada pelo Chefe do Executivo, atribuição esta

que é regulada pela Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Nos termos da

referida Resolução, cabe à Mesa do Congresso, nas 48 horas que se seguirem à

publicação da medida provisória, publicar e distribuir avulsos da matéria e designar,

em atenção ao comando do §9º do art. 62 da Constituição Federal, Comissão Mista

para emissão de parecer acerca da nova norma. Esta Comissão será composta por

13 (treze) Senadores e 13 (treze) Deputados e igual número de suplentes, indicados

pelo líder de cada uma das Casas, respeitando-se, na medida do possível, a

proporcional participação dos partidos ou blocos parlamentares de cada Casa. Após

a referida indicação do líder de cada Casa, este deverá comunicar ao Presidente da

Mesa do Congresso Nacional os respectivos nomes que representarão sua Casa na

Comissão Mista até às 12 (doze) horas do dia seguinte ao da publicação, sob pena

de ser o Presidente do Congresso o mentor da indicação.

49

Designados os membros que irão compor a Comissão Mista, esta, terá o

prazo de 24 horas para se instalar. Instalada, serão designados o Presidente, o Vice-

Presidente, um relator e um relator revisor.

Nos termos do art. 5º11 da Resolução que agora estudamos, a Comissão

Mista deverá emitir parecer acerca da medida provisória, quanto aos aspectos

constitucionais, os pressupostos de relevância e urgência, mérito e a adequação

financeira e orçamentária da medida, impreterivelmente, até o 14º dia após a

publicação daquela, sob pena de imediato encaminhamento do processo à Câmara

dos Deputados, conforme previsão do §1º do art. 6º da Resolução nº 1 de 2002 do

Congresso Nacional.

Há se falar, contudo, que por determinação do §2º do dispositivo alhures

mencionado, na hipótese de envio do processo à Câmara dos Deputados sem o

parecer da Comissão Mista, o relator ou o relator revisor desta, proferirá o parecer

no plenário da Câmara dos Deputados.

Vejamos a íntegra do art. 6º:

Art. 6º. A Câmara dos Deputados fará publicar em avulsos e no Diário da Câmara dos Deputados o parecer da Comissão Mista e, a seguir, dispensado o interstício de publicação, a Medida Provisória será examinada por aquela Casa, que, para concluir os seus trabalhos, terá até o 28º (vigésimo oitavo) dia de vigência da Medida Provisória, contado da sua publicação no Diário Oficial da União. § 1º Esgotado o prazo previsto no caput do art. 5º, o processo será encaminhado à Câmara dos Deputados, que passará a examinar a Medida Provisória. § 2º Na hipótese do § 1º, a Comissão Mista, se for o caso, proferirá, pelo Relator ou Relator Revisor designados, o parecer no Plenário da Câmara dos Deputados, podendo estes, se necessário, solicitar para isso prazo até a sessão ordinária seguinte.

Posteriormente à emissão do parecer da Comissão Mista,

independentemente de sua elaboração ter sido feita, individualmente, pelo relator ou

pelo relator revisor, a medida provisória é submetida à análise da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal, sucessivamente.

11

Art. 5º A Comissão terá o prazo improrrogável de 14 (quatorze) dias, contado da publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária e sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1º do art. 2º.

50

O plenário de ambas as Casas deliberarão acerca do preenchimento dos

requisitos de relevância e urgência, bem como a adequação financeira e

orçamentária da medida provisória. Havendo decisão no sentido de não acatamento

destes pressupostos, por qualquer das Casas, a medida será arquivada.

Insta salientar, que caso o texto integral da medida provisória não seja

convertido em lei, a Comissão Mista reunir-se-á, novamente, para elaborar, em 60

(sessenta) dias, um projeto de decreto legislativo que discipline as relações jurídicas

decorrentes da vigência daquela. Cumpre dizer que, se o relator da Comissão Mista

não apresentar o projeto de decreto legislativo supracitado, qualquer Deputado ou

Senador poderá fazê-lo. Entretanto, caso não seja elaborado o referido decreto

legislativo, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados

durante a vigência daquela conservar-se-ão por ela regidas.

Por fim, na hipótese de rejeição da medida em qualquer das Casas, o

respectivo Presidente, comunicará, imediatamente o Presidente da República,

fazendo publicar no Diário Oficial da União o ato declaratório de rejeição. Caso

semelhante será se a vigência da medida provisória for exaurida por decurso de seu

prazo, visto que o Presidente da Mesa do Congresso comunicará o fato ao

Presidente da República e fará constar no mesmo Diário.

Noutra banda, havendo a aprovação da medida provisória, esta será

publicada pelo Presidente da Mesa do Congresso, no Diário Oficial da União, como

lei. Porém, se houver alterações em seu texto, o projeto de conversão em lei será

encaminhado ao Presidente da República para sanção ou veto.

51

6 DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4029 E DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO

ATIVISMO JUDICIAL NO PRETÓRIO EXCELSO

Na data de 19/02/2008 fora protocolizada junto ao Supremo Tribunal Federal

a Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica nº 4029. Esta demanda fora movida

pela Associação Nacional dos Servidores do IBAMA – ASIBAMA Nacional, com o

intuito de que a Lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, fosse declarada

inconstitucional.

A referida espécie normativa foi criada através da Medida Provisória nº

366/2007, que fracionou as atribuições do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e destinou grande parte delas ao então

criado Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio., que,

nos termos da exposição dos motivos para sua criação, fora desenvolvido com o

intuito de tornar os procedimentos de licenciamento ambiental mais céleres.

Contudo, extrai-se das alegações lançadas na petição inicial da ADI 4029,

que o processo legislativo da Medida Provisória 366/2007 feriu a Constituição

Federal ao desrespeitar o comando do §9º de seu art. 62, que é claro no sentido de

que a matéria objeto de medida provisória deve ser analisada por Comissão Mista

de Deputados e Senadores, o que não ocorreu naquele caso. Nada obstante, a

autora da ação assevera que a edição daquela Medida Provisória não respeitou os

requisitos de urgência e relevância, predeterminados por nossa Carta Magna. Além

dos referidos vícios formais da Lei 11.516/2007, a ASIBAMA Nacional fez menção a

supostos vícios materiais da propalada Lei, quais sejam, a destruição do sistema

operacional de proteção ao meio ambiente, advinda da criação do ICMBio e o

desrespeito ao princípio da proporcionalidade.

Diante disto, o pleito formulado na ADI cingiu-se à concessão de medida

liminar para determinar a sustação dos efeitos da Lei 11.516/2007 e à procedência

do pedido para que fosse declarada a inconstitucionalidade forma e material daquela

norma.

6.1 Da Decisão Emanada Pela Suprema Corte

52

Ultrapassado todo o desenrolar processual da Ação Direta de

Inconstitucionalidade Genérica nº 4029, o Supremo Tribunal Federal partiu ao

deslinde da demanda, colhendo os votos de cada um dos Ministros em condições de

fazê-lo. Isto porque os Ministros Dias Toffoli e Joaquim Barbosa não puderam votar,

já que aquele estava impedido e este estava, justificadamente, ausente.

Diante disto, na sessão plenária do dia 07/03/2012, a Corte, por maioria dos

votos, julgou parcialmente procedente a ação, com modulação da eficácia. Dentre os

09 (nove) votos, restaram vencidos os proferidos pelos Ministros Ricardo

Lewandoswski, que a julgava improcedente, e Marco Aurélio, que a julgava

totalmente procedente. Os demais seguiram os termos do voto do Relator, Ministro

Luiz Fux.

Para que possamos entender, exatamente, qual fora a decisão prolatada

pela Suprema Corte, insta-nos analisar o voto proferido pelo Ministro Relator Luiz

Fux. Nos termos de sua decisão, a previsão constitucional relativa à apreciação das

medidas provisórias por uma Comissão Mista de Deputados e Senadores visa uma

reflexão mais profunda sobre seu tema e garante que o Poder Legislativo realize

uma fiscalização impecável, haja vista o fato de que as medidas provisórias alocam-

se como exceção no processo legislativo pátrio, uma vez que são criadas pelo

Executivo e não pelo Legislativo. Além disto, por decorrência da referida explanação,

concluiu o Relator que, ainda que em caráter incidental, o art. 6º da Resolução nº 1

de 2002 do Congresso Nacional é inconstitucional por dispensar a atuação daquela

Comissão. Vejamos o trecho do voto que enfatiza a necessidade de apreciação das

medidas provisórias pela Comissão Mista:

Põe-se em cheque, desta feita, a própria constitucionalidade do processo legislativo estabelecido no art. 6º da Resolução do Congresso, por meio da qual foi aprovada a Lei impugnada na presente Ação Direta. A magnitude das funções das Comissões Mistas no processo de conversão de Medidas Provisórias não pode ser amesquinhada. Procurou a Carta Magna assegurar uma reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada. Percebe-se, assim, que o parecer da Comissão Mista, em vez de formalidade desimportante, representa uma garantia de que o Legislativo seja efetivamente o fiscal do exercício atípico da função legiferante pelo Executivo. Em razão disso, há que se reconhecer, ainda que em caráter incidental, a inconstitucionalidade dos dispositivos da Resolução supracitada que dispensam a prolação de parecer por parte da Comissão Mista, não sendo suficiente sua elaboração por parlamentar Relator.

53

Não obstante ao trecho supracitado, o Ministro atacou novamente a previsão

que possibilita a dispensa de parecer da Comissão Mista de Deputados e Senadores

frente às medidas provisórias, exaltando a impossibilidade de que o Pretório Excelso

seja conivente com o desrespeito à Constituição Federal, senão vejamos:

A efetividade do art. 62, § 9º, da Carta Magna não pode mais ser negada. O Pretório Excelso não pode ser conivente com o desrespeito à Constituição, quanto mais quando a práxis vetusta se revela tão nociva à democracia e ao correto funcionamento do sistema de equilíbrio entre os Poderes da República.

Dando continuidade ao seu voto, após enfatizar a necessidade de atuação

da Comissão Mista no processo legislativo das medidas provisórias e afirmar serem

inconstitucionais as previsões contrárias a isto, o Relator afirmou que a

inobservância da previsão constitucional contida no art. 62, §9º da Carta Magna não

era o único vício de inconstitucionalidade formal da Lei 11.516/2007, visto que a

Medida Provisória nº 366/2007 fora editada sem o requisito constitucional de

urgência, porquanto criou autarquia que realizaria funções que já eram exercidas

pelo IBAMA.

No ponto, o trecho que afirmou a inexistência de urgência que justificasse a

edição da Medida Provisória supramencionada:

Porém, esse não é o único vício de inconstitucionalidade formal que inquina a Lei vergastada. Em verdade, não havia urgência para a edição da Medida Provisória nº 366 de 2007, porquanto criou autarquia (o Instituto Chico Mendes) responsável por funções exercidas por entidade federal pré-existente (o IBAMA), utilizando, ademais, recursos materiais disponibilizados por esta. Fica vencida, diante disso, a alegação de que a urgência, na hipótese, decorreu da necessidade de reestruturar a organização administrativa de defesa do meio ambiente, considerando que os danos ambientais, na maior parte dos casos, são irreversíveis.

Contudo, apesar de se posicionar inteiramente contra a forma pela qual o

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade fora criado, o Ministro

não poupou esforços para salientar como a pronúncia de nulidade da mencionada

autarquia seria nociva ao país, considerando sua importância na proteção ao meio

ambiente, principalmente pelo fato de estar em funcionamento desde o ano de 2007.

Nesse mesmo sentido, o Relator contemplou em seu voto que seria temerário

admitir que todas as normas elaboradas sem a devida observância do art. 62, §9º da

Constituição Federal devam ser extirpadas, com efeito ex tunc, de nosso

54

Ordenamento Jurídico, uma vez que estas espécies normativas regulam inúmeras

relações jurídicas que sofreriam intenso abalo.

Atentemo-nos para as sábias palavras redigidas pelo Ministro:

A proteção do meio ambiente, direito fundamental de terceira geração previsto no art. 225 da Constituição, restaria desatendida caso pudessem ser questionados os atos administrativos praticados por uma autarquia em funcionamento desde 2007. No que atine à não emissão de parecer pela Comissão Mista parlamentar, seria temerário admitir que todas as Leis que derivaram de conversão de Medida Provisória e não observaram o disposto no art. 62, § 9º, da Carta Magna, desde a edição da Emenda nº 32 de 2001, devem ser expurgadas ex tunc do ordenamento jurídico. É inimaginável a quantidade de relações jurídicas que foram e ainda são reguladas por esses diplomas, e que seriam abaladas caso o Judiciário aplique, friamente, a regra da nulidade retroativa.

Por consequência do temor relativo ao efeito ex tunc da decisão e sua

capacidade lesiva, o Relator fez clara menção quanto ao fato de que a

inconstitucionalidade da Lei 11.516/2007 deveria ser declarada, entretanto achou por

bem não pronunciar sua nulidade pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, com o

intuito de que o Congresso Nacional possa aprovar nova lei, que tenha teor

semelhante, e possibilite a continuidade das ações desenvolvidas pelo Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Porém, apesar desta benesse, o

Ministro suscitou que, findo o referido prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a Lei

11.516/2007 perde sua eficácia, independentemente da criação de outra norma

capaz de regular as atividades desempenhadas pelo ICMBio.

Citemos o relevante trecho da decisão relativo à modulação temporal dos

efeitos:

Entendo, ante as razões narradas, que é o caso de declarar a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 11.516/07, não pronunciando, contudo, a sua nulidade pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses. Nesse prazo, poderá o Congresso Nacional aprovar nova Lei, de teor semelhante, que impedirá a solução de continuidade na existência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em contrapartida, findo esse prazo, o referido diploma perde sua eficácia, deixando o ordenamento jurídico e permitindo a aplicação da normativa pretérita, que fora inconstitucionalmente revogada.

Com o fito de trazer equidade à sua decisão, o Ministro Luiz Fux, utilizando-

se das disposições que guarnecem a teoria da inconstitucionalidade por

arrastamento, ressaltou que futuras ações que visem a inconstitucionalidade formal

55

de leis criadas em desatenção ao §9º do art. 62 da Constituição Federal terão o

mesmo tratamento, especificamente com relação postergação da nulidade para o

futuro, nos seguintes termos:

É de se ressaltar, ainda, que inúmeras Medidas Provisórias foram convertidas em Lei observando o procedimento previsto no art. 6º da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Para conferir estabilidade e segurança jurídica às relações decorrentes dessas normas, cabe sinalizar aos jurisdicionados que, em futuras ações que discutam a constitucionalidade formal de Leis frutos de conversão de Medidas Provisórias pelo mesmo rito, será conferido idêntico tratamento, qual seja, a postergação da nulidade da Lei para o futuro.

Finalizando seu voto, o Relator averbou a inexistência de

inconstitucionalidade material na norma impugnada, o que, consequentemente,

acarretou na procedência parcial do pedido, para declarar a inconstitucionalidade

formal da Lei Federal nº 11.516/2007, modulando os efeitos desta decisão nos

moldes anteriormente citados.

6.2 Da Questão de Ordem Suscitada pela Advocacia-Geral da União e da

Alteração do Resultado do Julgamento

Da análise do subtítulo supra, é comum que se tenha a idéia de que a

questão relativa às medidas provisórias editadas em desconformidade com o art. 62,

§9º da Constituição Federal havia chegado ao fim. Ocorre, entretanto, que na

sessão plenária posterior à prolação daquele acórdão, o Advogado-Geral da União,

Luis Inácio Lucena Adams, apresentou, ao Ministro Relator da ADI 4.029, Luiz Fux,

questão de ordem que fora elaborada pela Secretaria-Geral de Contencioso

(SGCT)12, com o intuito de que houvesse reanálise da matéria discutida.

Tal questão fora suscitada no sentido de que a Suprema Corte revisse a

decisão, uma vez que cerca de 500 (quinhentas) leis haviam, até aquela data, sido

criadas sem parecer da Comissão Mista de Deputados e Senadores, e o resultado

da Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica nº 4029 colocava todas aquelas

normas em risco, o que poderia gerar grave insegurança jurídica ao cenário

nacional.

12

A SGCT é o órgão da Advocacia-Geral da União responsável pelo assessoramento do Advogado-

Geral da União nas atividades relacionadas à União perante o Supremo Tribunal Federal.

56

Diante disto, ponderou o Senhor Advogado-Geral da União no sentido de

que fosse conferido ao Congresso Nacional o prazo de 24 (vinte e quatro) meses

para adaptar o processo legislativo das medidas provisórias à nova orientação, além

de requerer que as espécies normativas editadas, até aquela data, com base na

Resolução nº 1 de 2002, do Congresso Nacional fossem resguardadas.

Frente à referida questão de ordem, o Relator do Processo, Ministro Luiz

Fux, achou por bem acolhe-la, posicionando-se em prol da alteração do resultado da

decisão que havia sido proferida. Após deliberação dos Ministros presentes naquela

sessão restou estabelecida a alteração do acórdão, sendo então julgada

improcedente a ação, com declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo

5º, caput, artigo 6º, caput, §§ 1º e 2º, da Resolução nº 01/2002, do Congresso

Nacional, com eficácia ex nunc em relação à pronúncia dessa inconstitucionalidade,

nos termos do voto do Relator. Há se falar que divergiram do Relator os Ministros

Cézar Peluso e Ricardo Lewandowski, já que aquele votou pela procedência da ADI

e este se manifestou pela improcedência, mas asseverou que a análise dos

requisitos de urgência e relevância não competem ao Pretório Excelso.

Insta salientar, ainda, que tal qual ocorreu na primeira sessão plenária, os

Ministros Dias Toffoli e Joaquim Barbosa não puderam votar, já que aquele estava

impedido e este estava, justificadamente, ausente. Nada obstante, na questão de

ordem, também esteve ausente o Ministro Marco Aurélio.

É importante que ressaltemos quais foram as alterações que ocorreram,

relativamente ao acórdão que havia sido prolatado anteriormente.

Como a decisão se deu por maioria dos votos, nos termos daquilo que

decidiu o Ministro Relator Luiz Fux, basta que façamos uma análise de seu voto para

entendermos o posicionamento da Corte.

Crível que se destaque que a íntegra do acórdão permaneceu muito

semelhante à anteriormente proferida, salvo pequenas ressalvas que levaram à

completa alteração da decisão.

Como visto anteriormente, o Ministro Luiz Fux havia declarado a

inconstitucionalidade incidental do art. 6º da Resolução nº 1 de 2002, do Congresso

Nacional, contudo após a questão de ordem suscitada pela Advocacia-Geral da

União e o novo entendimento com relação ao deslinde da demanda, a

inconstitucionalidade incidental passou a abranger, também, o “caput” do art. 5º da

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referida Resolução, além de ter sido feita ressalva específica quanto ao fato de que

a nulidade do art. 6º abrangia seu “caput”, bem como seus parágrafos.

No ponto, o posicionamento do Ministro:

Põe-se em cheque, desta feita, a própria constitucionalidade do processo legislativo estabelecido nos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos, da Resolução do Congresso, por meio da qual foi aprovada a Lei impugnada na presente Ação Direta. A magnitude das funções das Comissões Mistas no processo de conversão de Medidas Provisórias não pode ser amesquinhada. Procurou a Carta Magna assegurar uma reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada. Percebe-se, assim, que o parecer da Comissão Mista, em vez de formalidade desimportante, representa uma garantia de que o Legislativo seja efetivamente o fiscal do exercício atípico da função legiferante pelo Executivo. Em razão disso, há que se reconhecer a inconstitucionalidade dos já citados artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos, da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, pois dispensam a prolação de parecer por parte da Comissão Mista, não sendo suficiente sua elaboração por parlamentar Relator.

Outra questão crucial trazida no voto do Relator encontra-se na alteração da

modulação temporal dos efeitos. Utilizando-se de fundamentação embasa em teoria

denominada “prospective overruling” o Ministro adotou uma técnica conhecida como

“pueê prospectivity”, o que significa, basicamente, estender os efeitos da decisão,

tão somente, ao futuro, ou seja, as normas que já haviam sido editadas e aquelas

que tramitavam no Congresso Nacional não seriam atingidas pela

inconstitucionalidade, já que a força daquela decisão possuía eficácia somente com

relação às medidas provisórias que fossem editadas a partir daquela decisão.

Vejamos os dizeres do Relator:

Considerando o volume quantitativo de leis aprovadas com base na prática inconstitucional de dispensar a manifestação da Comissão Mista no trâmite parlamentar das Medidas Provisórias, a atitude mais prudente, a bem do interesse público, é adotar a técnica denominada pure prospectivity, modalidade de superação da jurisprudência (prospective overruling) na qual, conforme preleciona Bruno Bodart, “o novo entendimento se aplica exclusivamente para o futuro, e não àquela decisão que originou a superação da antiga tese” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Embargos de declaração como meio processual adequado a suscitar a modulação dos efeitos temporais do controle de constitucionalidade. RePro, vol. 198, p. 389, ago/2011). Sendo assim, fica declarada incidentalmente a inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução nº 1 de

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2002 do Congresso Nacional, ficando preservada a higidez de todas as Medidas Provisórias convertidas em Lei até a presente data, inclusive da Lei Federal nº 11.516/07, impugnada na presente ação. Assegura-se, ainda, a validade da adoção do procedimento ora declarado inconstitucional para a aprovação das Medidas Provisórias que atualmente tramitam no Parlamento. Quanto às demais, deverá o Congresso dar cumprimento ao disposto no art. 62, § 9º, da Constituição, sendo vedada a apreciação pelo Plenário sem o prévio parecer da comissão mista de Deputados e Senadores

Da análise do trecho supra colacionado, já é possível constatar o conteúdo

do dispositivo do voto que objetivou o julgamento da ação. Em suma, a ADI nº 4029,

que antes havia sido julgada parcialmente procedente, com modulação de eficácia,

foi tida como improcedente, uma vez que o pedido principal de declaração da

inconstitucionalidade da Lei nº 11.516/2007 não fora acolhido, porém houve a

declaração incidental da inconstitucionalidade dos arts. 5º, “caput”, e 6º, “caput”

parágrafos 1º e 2º, da Resolução nº 1 de 2002, do Congresso Nacional, visto que o

conteúdo dos referidos dispositivos desrespeitava o art. 62, §9º de nosso texto

constitucional. Entretanto, os efeitos da decisão foram modulados, de forma a atacar,

apenas, as medidas provisórias que fossem editadas, em desconformidade com a

decisão, a partir daquela data, ou seja, a validade e a eficácia das medidas

provisórias que já haviam sido convertidas em lei, e aquelas que se encontravam em

trâmite no Congresso Nacional, seriam preservadas.

Finalmente, para que reste exaurida a análise da decisão final relativa à

Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica nº 4029, vejamos a íntegra de sua

ementa:

Tribunal: Supremo Tribunal Federal Adi 4029/Am – Amazonas Ação Direta De Inconstitucionalidade Relator: Min. Luiz Fux Julgamento: 08/03/2012 Publicação: 27/06/2012 Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL Nº 11.516/07. CRIAÇÃO DO INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. LEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO IBAMA. ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL. VIOLAÇÃO DO ART. 62, CAPUT E § 9º, DA CONSTITUIÇÃO. NÃO EMISSÃO DE PARECER PELA COMISSÃO MISTA PARLAMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 5º, CAPUT, E 6º, CAPUT E PARÁGRAFOS 1º E 2º, DA RESOLUÇÃO Nº 1 DE 2002 DO CONGRESSO NACIONAL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA NULIDADE (ART. 27 DA LEI 9.868/99). AÇÃO DIRETA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A democracia participativa delineada pela Carta de 1988 se baseia na generalização e profusão das vias de participação dos cidadãos nos provimentos estatais, por isso que é de se

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conjurar uma exegese demasiadamente restritiva do conceito de “entidade de classe de âmbito nacional“ previsto no art. 103, IX, da CRFB. 2. A participação da sociedade civil organizada nos processos de controle abstrato de constitucionalidade deve ser estimulada, como consectário de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, na percepção doutrinária de Peter Häberle, mercê de o incremento do rol dos legitimados à fiscalização abstrata das leis indicar esse novel sentimento constitucional. 3. In casu, a entidade proponente da ação sub judice possuir ampla gama de associados, distribuídos por todo o território nacional, e que representam a integralidade da categoria interessada, qual seja, a dos servidores públicos federais dos órgãos de proteção ao meio ambiente. 4. As Comissões Mistas e a magnitude das funções das mesmas no processo de conversão de Medidas Provisórias decorrem da necessidade, imposta pela Constituição, de assegurar uma reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada, percebendo-se, assim, que o parecer desse colegiado representa, em vez de formalidade desimportante, uma garantia de que o Legislativo fiscalize o exercício atípico da função legiferante pelo Executivo. 5. O art. 6º da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, que permite a emissão do parecer por meio de Relator nomeado pela Comissão Mista, diretamente ao Plenário da Câmara dos Deputados, é inconstitucional. A Doutrina do tema é assente no sentido de que “'O parecer prévio da Comissão assume condição de instrumento indispensável para regularizar o processo legislativo porque proporciona a discussão da matéria, uniformidade de votação e celeridade na apreciação das medidas provisórias'. Por essa importância, defende-se que qualquer ato para afastar ou frustrar os trabalhos da Comissão (ou mesmo para substituí-los pelo pronunciamento de apenas um parlamentar) padece de inconstitucionalidade. Nessa esteira, são questionáveis dispositivos da Resolução 01/2002-CN, na medida em que permitem a votação da medida provisória sem o parecer da Comissão Mista. (...) A possibilidade de atuação apenas do Relator gerou acomodação no Parlamento e ineficácia da Comissão Mista; tornou-se praxe a manifestação singular: 'No modelo atual, em que há várias Comissões Mistas (uma para cada medida provisória editada), a apreciação ocorre, na prática, diretamente nos Plenários das Casas do Congresso Nacional. Há mais: com o esvaziamento da Comissão Mista, instaura-se um verdadeiro 'império' do relator, que detém amplo domínio sobre o texto a ser votado em Plenário'. Cumpre lembrar que a apreciação pela Comissão é exigência constitucional. Nesses termos, sustenta-se serem inconstitucionais as medidas provisórias convertidas em lei que não foram examinadas pela Comissão Mista, sendo que o pronunciamento do relator não tem o condão de suprir o parecer exigido pelo constituinte. (...) Cabe ao Judiciário afirmar o devido processo legislativo, declarando a inconstitucionalidade dos atos normativos que desrespeitem os trâmites de aprovação previstos na Carta. Ao agir desse modo, não se entende haver intervenção no Poder Legislativo, pois o Judiciário justamente contribuirá para a saúde democrática da comunidade e para a consolidação de um Estado Democrático de Direito em que as normas são frutos de verdadeira discussão, e não produto de troca entre partidos e poderes.” (In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas Provisórias. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010. p. 178-180. V. tb. CASSEB, Paulo Adib. Processo Legislativo – atuação das comissões permanentes e temporárias. São Paulo: RT, 2008. p. 285) 6. A atuação do Judiciário no controle da existência dos requisitos constitucionais de edição de Medidas Provisórias em hipóteses excepcionais, ao contrário de denotar ingerência contramajoritária nos mecanismos políticos de diálogo dos outros Poderes, serve à manutenção da Democracia e do equilíbrio entre os três baluartes da República. Precedentes (ADI 1910 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 22/04/2004; ADI 1647, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/1998; ADI

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2736/DF, rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 8/9/2010; ADI 1753 MC, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/1998). 7. A segurança jurídica, cláusula pétrea constitucional, impõe ao Pretório Excelso valer-se do comando do art. 27 da Lei 9.868/99 para modular os efeitos de sua decisão, evitando que a sanatória de uma situação de inconstitucionalidade propicie o surgimento de panorama igualmente inconstitucional. 8. Deveras, a proteção do meio ambiente, direito fundamental de terceira geração previsto no art. 225 da Constituição, restaria desatendida caso pudessem ser questionados os atos administrativos praticados por uma autarquia em funcionamento desde 2007. Na mesma esteira, em homenagem ao art. 5º, caput, da Constituição, seria temerário admitir que todas as Leis que derivaram de conversão de Medida Provisória e não observaram o disposto no art. 62, § 9º, da Carta Magna, desde a edição da Emenda nº 32 de 2001, devem ser expurgadas com efeitos ex tunc. 9. A modulação de efeitos possui variadas modalidades, sendo adequada ao caso sub judice a denominada pure prospectivity, técnica de superação da jurisprudência em que “o novo entendimento se aplica exclusivamente para o futuro, e não àquela decisão que originou a superação da antiga tese” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Embargos de declaração como meio processual adequado a suscitar a modulação dos efeitos temporais do controle de constitucionalidade. RePro, vol. 198, p. 389, ago/2011). 10. Não cabe ao Pretório Excelso discutir a implementação de políticas públicas, seja por não dispor do conhecimento necessário para especificar a engenharia administrativa necessária para o sucesso de um modelo de gestão ambiental, seja por não ser este o espaço idealizado pela Constituição para o debate em torno desse tipo de assunto. Inconstitucionalidade material inexistente. 11. Ação Direta julgada improcedente, declarando-se incidentalmente a inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, postergados os efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, para preservar a validade e a eficácia de todas as Medidas Provisórias convertidas em Lei até a presente data, bem como daquelas atualmente em trâmite no Legislativo.

13

6.2 Da Sensação de Insegurança Jurídica e da Necessidade de Limitação ao

Ativismo Judicial no Supremo Tribunal Federal

Finalmente, para exaurirmos toda a análise pertinente à constatação da

necessidade de limitação do ativismo judicial em sede do Supremo Tribunal Federal,

insta-nos analisar as consequências que a alteração no julgamento da Ação Direta

de Inconstitucionalidade Genérica nº 4029 trouxe ao país.

Como verificamos, a justificativa da apresentação de Questão de Ordem por

parte da Advocacia-Geral da União e o acolhimento daquela pelo Pretório Excelso,

embasava-se na necessidade de se conservar a segurança jurídica do cenário

nacional.

13

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%284029%29&base=baseAco

rdaos

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Mas, o que realmente ocorreu fora o contrário do pretendido. Exatamente, se

analisarmos o resultado daquele julgamento, iremos nos deparar como uma situação

deveras delicada. O desenrolar da ADI nº 4029 ocorreu entre 19/02/2008, data de

sua propositura, e 18/03/2012, quando a ação fora definitivamente julgada. Porém, o

que causa espanto, é o fato de que o processo esteve concluso para julgamento do

dia 01/08/2011 ao dia 07/03/2012, quando fora prolatada a primeira decisão de

mérito, ou seja, os Ministros da Corte Máxima desfrutaram de aproximadamente 07

(sete) meses para que formulassem um posicionamento e votassem acerca do

julgamento que entendiam ser o mais correto, entretanto após o levantamento de

Questão de Ordem por parte do Advogado-Geral da União, Luís Inácio Lucena

Adams, o Plenário do Tribunal decidiu, em 08/03/2012, pela alteração do resultado

do julgamento, convalidando a Lei 11.516/2007, que objetivou a demanda, além de,

aproximadamente, outras 500 (quinhentas) normas que haviam, na data anterior,

sido consideradas uma afronta à Constituição Federal.

Ora, não seria crível admitir que o Órgão Máximo do Judiciário Brasileiro se

convencesse, em 07 (sete) meses, acerca de determinada inconstitucionalidade e,

um dia após firmar sua decisão, tomando por base uma justificativa levantada pela

Advocacia-Geral da União, que como visto tem a função de defender a presunção

de constitucionalidade das normas jurídicas, alterasse sua decisão, preservando a

validade de centenas de normas que, 24 (vinte e quatro) horas antes, estavam

fadadas e serem declaradas nulas.

Como se não bastasse, restou evidenciado neste trabalho que o Ministro

Relator do Processo, Luiz Fux, deixou claro em seu voto que tinha conhecimento do

fato de que várias leis seriam afetadas pelo julgamento daquela Ação Direta, tendo,

inclusive, formulado regramento que possibilitaria que o Congresso Nacional

aprovasse leis para suprir cada uma daquelas que se encontravam eivadas pela

inconstitucionalidade formal decorrente do desrespeito ao art. 62, §9º da Carta

Magna.

Atentemo-nos para os dois trechos do referido voto que, apesar de já terem

sido transcritos alhures, confirmarão, de forma cabal, este posicionamento:

Entendo, ante as razões narradas, que é o caso de declarar a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 11.516/07, não pronunciando, contudo, a sua nulidade pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses. Nesse prazo, poderá o Congresso Nacional aprovar nova Lei, de teor semelhante, que impedirá a solução de continuidade na existência do Instituto Chico

62

Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em contrapartida, findo esse prazo, o referido diploma perde sua eficácia, deixando o ordenamento jurídico e permitindo a aplicação da normativa pretérita, que fora inconstitucionalmente revogada. (...) É de se ressaltar, ainda, que inúmeras Medidas Provisórias foram convertidas em Lei observando o procedimento previsto no art. 6º da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Para conferir estabilidade e segurança jurídica às relações decorrentes dessas normas, cabe sinalizar aos jurisdicionados que, em futuras ações que discutam a constitucionalidade formal de Leis frutos de conversão de Medidas Provisórias pelo mesmo rito, será conferido idêntico tratamento, qual seja, a postergação da nulidade da Lei para o futuro.

Não há dúvidas de que a atuação do Supremo Tribunal Federal não

encontra alto grau de razoabilidade, sendo certo, inclusive, que o Ministro Marco

Aurélio posicionou-se de forma contrária à improcedência da ação, argumentando,

com excelência, que o compromisso maior do Supremo Tribunal Federal é com a

guarda da Constituição Federal, não podendo aquela Corte subjugar um dispositivo

previsto na Lei Maior, razão pela qual posicionou-se em prol da procedência do

pedido formulado na ação, fazendo considerar seu posicionamento de uma eventual

modulação de efeitos que protegesse a Lei 11.516/2007, haja vista seu objeto,

porém sem abarcar em um raciocínio que o levaria a permitir que aproximadamente

500 (quinhentas) leis fossem convalidadas, apesar de serem uma afronta ao

ordenamento constitucional brasileiro.

Observemos tal posicionamento:

Presidente, é preciso conferir-se eficácia à Constituição Federal; é preciso que as normas nela contidas vigorem e sejam observadas, principalmente por aqueles encarregados de normatizar. E essa observância, a toda evidência, no que deixou de atuar uma comissão mista para ter-se, simplesmente, ato individual de certo Deputado Federal, talvez integrante da comissão mista, não ocorreu, no que se converteu em lei a medida provisória, que não passou pela comissão mista, não mereceu o parecer da comissão mista. Colocou-se, em segundo plano, ferindo de morte, o processo legislativo. Dar um jeito na situação considerado o objeto? Não posso, Presidente, porque devo sopesar valores, e o compromisso maior do Supremo é com a guarda da Constituição Federal. Não desconheço a importância do instituto criado, que merece loas, mas não posso, potencializando o objetivo, simplesmente rasgar a Carta Federal e afastar do processo legislativo a forma essencial, como disse, prevista no § 9º do artigo 62 da Constituição Federal, que é claríssimo, é de uma clareza solar, e, mesmo assim, se mostrou desconhecido dos nossos representantes, deputados federais e senadores, a revelar: (...)

63

Dir-se-á: mas a comissão autorizou o procedimento por parte do Deputado Federal. Que poder tem a comissão mista para colocar em segundo plano a Constituição Federal? A norma não é dispositiva, não é norma que somente atue quando não haja manifestação de vontade. Ela impõe às Casas do Congresso Nacional a arte de proceder. Por isso, Presidente, peço vênia para ficar do lado diametralmente oposto ao que adotou o Ministro Ricardo Lewandowski para acolher, de forma integral, o pedido formulado na inicial. A criação verificada não se mostra, a todos os títulos, válida, presente a Constituição, a não ser que, no tocante a essa medida provisória, tendo em conta o objetivo a ser alcançado, digamos que não incide o Texto Maior.

Destarte, a atuação do Pretório Excelso acabou por gerar aquilo que se

pretendia evitar, irrigando nos cidadãos brasileiros o sentimento de que nossa Corte

Máxima não parece exígua como deveria ser. É inimaginável a concepção de que o

Supremo Tribunal Federal, ao corrigir uma falha legislativa do Poder encarregado de

criar o Direito, tenha de se preocupar com a resiliência e a proatividade daquele em

aprovar normas capazes de corrigir o erro que ele próprio cometeu.

Não há dúvidas de que o ativismo judicial é resultado da evolução do Poder

Judiciário e representa uma garantia inafastável do brasileiro, qual seja, a certeza de

que as omissões e imperfeições do Legislativo e do Executivo não prejudicarão o

regular desempenho da justiça. Contudo, a intervenção do Judiciário não pode

substituir a competência daqueles Poderes. Isto se dá, pois o intuito do ativismo

judicial encontra-se no efetivo controle da constitucionalidade de todo o

Ordenamento Jurídico e na resolução de conflitos com base na interpretação e

argumentação racional, objetivando, sempre, o zelo pelas máximas previstas em

nosso texto constitucional.

Diante disto, salta aos nossos olhos a necessidade de se limitar a atuação

ativa do Supremo Tribunal Federal, porquanto, como já discutido nesta monografia,

grande parte de suas decisões são revestidas de irrecorribilidade e, assim, começa a

surgir o temor de que a discricionariedade para se intervir na atuação dos demais

Poderes possa se tornar a necessidade de implementação, pelo Pretório Excelso, de

suas próprias políticas públicas, o que seria fortemente repudiado.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se da presente monografia que fora proposta uma ideia

relativamente à necessidade de limitação do ativismo judicial no Supremo Tribunal

Federal, contudo é importante ressaltar que o enfoque motivador de tal tema

restringiu-se ao estudo da atuação do Pretório Excelso na Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 4029, que acabou por gerar uma forte sensação de

insegurança jurídica na sociedade brasileira e desencadeou pensamentos como os

que foram expostos na dissertação. Entretanto, apesar do posicionamento em prol

da imposição de limites à atuação ativa da Suprema Corte, insta salientar que este

trabalho, em momento algum, visa desvalorizar a importância que o Órgão Máximo

do Poder Judiciário brasileiro tem para o regular desenvolvimento da justiça, nem,

tampouco, tecer uma crítica a um Tribunal revestido de uma enorme credibilidade no

Brasil e no mundo. Logo, o objetivo pretendido cinge-se à atenção que devemos ter

quanto ao poder que é conferido a uma única Corte e como a inexistência de

limitação em seu ativismo pode acarretar prejuízos à nossa nação.

Para que este estudo pudesse chegar à conclusão acima descrita, fora

abordada, de forma sintética, a evolução do Poder Judiciário brasileiro

possibilitando, assim, demonstrar aos leitores como a referida Esfera passou a atuar

de maneira ativa, podendo, até, realizar inferências nas atribuições dos demais

Poderes para suprir eventuais omissões e imperfeições que sigam em desencontro

do que é justo.

Ademais, o desenvolvimento desta monografia deu-se, como já mencionado,

por decorrência da atuação do Supremo Tribunal Federal frente à Ação Direita de

Inconstitucionalidade nº 4029, porém a análise deste julgamento exigiu que a obra

elencasse temas previstos em nossa Constituição Federal que são, de certa sorte,

indispensáveis para que a matéria abordada no decorrer do trabalho seja entendida

com clareza.

Mais detalhadamente, houve a abordagem do controle de

constitucionalidade exercido no Brasil e o processo legislativo previsto em nossa

Carta Magna. O estudo daquele foi direcionado, basicamente, ao controle

concentrado de constitucionalidade, ou seja, o controle exercido pela Suprema Corte

em situações nas quais se discuti a constitucionalidade ou não de determinada lei,

ato normativo ou omissão do Poder Público, sendo crível destacar que a abordagem

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elencou as quatro formas de se movimentar o referido controle, quais sejam, a ação

direta de inconstitucionalidade genérica, a ação direta de inconstitucionalidade por

omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de

descumprimento de preceito fundamental; noutro giro, o estudo do processo

legislativo tendeu às medidas provisórias, já que esta espécie normativa fora a

responsável pela impetração da ação que objetivou esta monografia.

Finalmente, o estudo direcionou-se ao desmembramento do julgamento da

alhures mencionada ADI nº 4029 e, vencida esta etapa, os motivos que ensejaram a

proposta aqui esculpida puderam ser claramente demonstrados, de maneira a

possibilitar que cada leitor faça sua própria crítica acerca do que fora lançado.

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