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1 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA Percepção da capacidade funcional de idosos: do incremento da força à força das conexões significativas FABIANO MARQUES CAMARA Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação Física, sob a orientação da prof a . dr a . Marília Velardi. SÃO PAULO 2005

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE … · ouvido, em horas e horas de escrita: Wolfang, Ludwig Van, Nicollo, Edu, Kiko, Joe, Steve, Allan, SRV, Eric e Yngwie. Aos idosos que

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Percepção da capacidade funcional de idosos:

do incremento da força à força das conexões significativas

FABIANO MARQUES CAMARA

Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação Física, sob a orientação da prof a . dr a . Marília Velardi.

SÃO PAULO

2005

2

AGRADECIMENTOS

Todos aqueles que me conhecem, sabem da minha simpatia pela

complexidade, pelo caos, pelos sistemas, enfim, por aquilo que é tecido junto, que é complexus. Assim, embora pareça que esta seja a “minha” dissertação, o “meu” trabalho, ele é também de todas as pessoas que o teceram comigo nesses quase dois

anos de dedicação. É por isso que me sinto profundamente agradecido por ter

compartilhado desta tessitura com muitas pessoas que, sem as quais, este trabalho

não teria nascido.

À minha sustentação primária, meus pais, que por mais de uma vez não

mediram esforços para a realização de um sonho e, tenho certeza, sufocaram muitos

de seus próprios para a realização do meu, só pai e mãe mesmo! E a meu irmão que

também, mesmo sem paciência, me suportou nesses longos meses!

Outra pessoa que também tenho certeza que se desdobrou em muitas para

poder me acompanhar foi minha Sheila, que com todo seu amor e paciência, me

forneceu todas as suas forças quando as minhas pareciam ter se esgotado. A ela que

me inspirou­me e me acolheu nos momentos mais difíceis, sem hesitar e que superou

com graça minhas ausências. É por isso que lhe ofereço meu sincero, muito obrigado!

Te amo muito!

Minha família aumentou mesmo, mas geralmente ganhamos tios e tias

postiças. Eu, no entanto, ganhei até mãe. Agradeço à Marilia, minha mãe acadêmica,

que me deixou seguir meu caminho com a mais autêntica autonomia, em seu sentido

mais complexo! Como ela me ensinou! E obrigado por agüentar todas as minhas

viagens!

Por falar em família, como ela mesma se intitulou, agradeço muito a minha tia

Miranda por me propiciar sua companhia e, literalmente, me doar todo seu

conhecimento de professora, momentos de estágio que não esquecerei jamais!

Aumentando ainda mais minha árvore genealógica, agradeço à Vilma, que foi

também uma super mãe na pós­graduação. Me ensinou, me acolheu, me aconselhou,

e, acima de tudo, confiou em mim. Muito obrigado professora!

Ao professor Durval que expressou uma alegria de pai ao me parabenizar pelo

ingresso no mestrado, cuja sinceridade jamais esquecerei. Obrigado pelo infinito

apoio!

3

A minha irmãzinha acadêmica, a GG (tudo bem vai, Alessandra!), que me

apoiou sem descanso em toda essa caminhada. Obrigado pelo apoio, ensinamentos e

pela paciência com minhas intermináveis reflexões...!

Aos meus professores de graduação com que tive a honra de dividir a sala de

aula: Bello, Ailton, Bete que ajudaram, com certeza, a fortalecer minha autonomia! À

Licca, pelos ensinamentos na sala dos professores!

À professora Sandra, que me ensinou, me incentivou e confiou em mim

,incondicionalmente!

À professora Sheila, que me ensinou a “epistemologiar” com prazer!

Aos professores Romeu, Eliana, Mochi, Kátia e Regina, por doar sem

restrições todo seu conhecimento.

À Simone e a Selma pelo atendimento (e paciência!) impecável.

Ao professor Paulo Farinatti, pelas reflexões...!

A todos os colegas de mestrado, especialmente ao Lucinar, Daniel, Demilto e

Ari pela incansável garra transmitida!

Aos amigos do GREPES, especialmente a Suse, Renatinha e Márcio pela

IMENSA ajuda na coleta de dados.

Aos alunos do RIC e da graduação, pelo incessante aprendizado.

E, não poderia deixar de citar, meus agradecimentos àqueles que com suas

obras engrandeceram minha formação e, a seu modo, me inspiraram. Assim como fiz

com todos atrevo­me a chamá­los pelo primeiro nome: Maurice, Edgar, Humberto,

Paulo, João, Fritjof, Manuel e Oliver! Àqueles também que percorreram meu fone de

ouvido, em horas e horas de escrita: Wolfang, Ludwig Van, Nicollo, Edu, Kiko, Joe,

Steve, Allan, SRV, Eric e Yngwie.

Aos idosos que participaram da pesquisa, porque só mesmo eles para exibirem

tamanho bom humor e cumplicidade para levantar peso logo às sete da manhã!

Muitíssimo obrigado!

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a

Universidade São Judas Tadeu (USJT) pelo apoio financeiro.

4

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS vi

RESUMO vii

ABSTRACT ix

APRESENTAÇÃO xi

1. INTRODUÇÃO 01

2. REVISÃO DE LITERATURA 09

2.1 Capacidade funcional de idosos

2.2 A percepção

09

15

2.2.1 Ouvir com seu corpo todo: a sinestesia do corpo vivido

2.2.2 Mãos imprestáveis: a expressão situacional

2.2.3 A espacialidade e a transcendência

18

22

23

3. MÉTODO 27

3.1 Os participantes 27

3.2 O programa 27

3.3 Seleção e capacitação dos professores 29

3.4 Capacidade funcional percebida 30

3.4.1 Caderno de campo 30

3.4.2 Entrevista narrativa 30

3.4.3 Procedimento para realização da entrevista 32

3.5 A fase da análise 34

3.5.1 Força muscular 34

3.5.2 Caderno de campo e a entrevista 34

5

4. RESULTADOS

Sujeito A

Sujeito B

Sujeito C

Sujeito D

Sujeito E

Sujeito F

Sujeito G

Sujeito H

5. DISCUSSÃO

6. CONCLUSÃO

37

37

47

57

68

81

91

98

104

111

135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS

137

140

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ­ Desempenho da força muscular do sujeito A nos exercícios

propostos 46

Figura 2 ­ Desempenho da força muscular do sujeito B nos exercícios

propostos 56

Figura 3 ­ Desempenho da força muscular do sujeito C nos exercícios

propostos 67

Figura 4 ­ Desempenho da força muscular do sujeito D nos exercícios

propostos 80

Figura 5 ­ Desempenho da força muscular do sujeito E nos exercícios

propostos 89

Figura 6 ­ Desempenho da força muscular do sujeito F nos exercícios

propostos 96

Figura 7 ­ Desempenho da força muscular do sujeito G nos exercícios

propostos 103

Figura 8 ­ Desempenho da força muscular do sujeito H nos exercícios

propostos 109

Figura 9 – Figura de Zollner 130

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RESUMO

Percepção da capacidade funcional de idosos: do incremento da força à força

das conexões significativas

São vastas as publicações na literatura que apontam para as relações positivas entre

a capacidade funcional (CF) dos idosos e o desenvolvimento da força muscular,

considerada capacidade física fundamental e predominante para a execução das

ações diárias. Baseados nessa premissa, muitos programas de atividades físicas para

idosos têm priorizado o desenvolvimento da força muscular, atendendo aos

posicionamentos que sugerem prescrições de atividades para esse grupo. Tais

programas determinam o grau de funcionalidade do idoso a partir de uma avaliação

funcional baseada na aplicação de testes físicos e instrumentos de auto­avaliação. No

entanto, pude observar que os resultados da clássica avaliação funcional, realizadas

no Projeto Sênior para a Vida Ativa, não demonstravam melhoras significativas na

funcionalidade dos idosos participantes, fato que prenuncia certa discrepância com

aquilo que se tem apresentado na literatura. Por outro lado, os idosos relatavam, com

freqüência, que se sentiam funcionalmente mais capazes. Em vista disso, questionei

porque os relatos dos idosos diferiam daquilo que fora observado com relação aos

testes. Para buscar explicações sobre essa situação, recorri ao estudo da percepção

de Merleau­Ponty, que considera que toda percepção é habitada por um sentido é

nossa forma de conhecimento do mundo e está relacionada a um contexto de vida.

Mediante essas constatações, o objetivo da presente investigação é compreender a

percepção da CF de idosos participantes de um programa de treinamento resistido.

Buscando criar condições para a compreensão da percepção da CF foi desenvolvido

um programa de exercícios resistidos, que contou com a participação de oito idosos

com mais de sessenta anos. Com o intuito de identificar possíveis mudanças na

percepção da CF com relação ao desenvolvimento da força muscular, os dois

primeiros meses do programa foram realizados com uma freqüência semanal de dois

dias, e, nos dois meses seguintes, a freqüência foi reduzida para um dia. Essa

variação na progressão foi tida como uma situação importante para compreender a

percepção da CF. Assim sendo, ao final do programa, foi realizada uma entrevista

narrativa com cada participante, com vistas à compreensão da CF percebida. Tais

entrevistas foram registradas por uma câmera de vídeo e analisadas por técnicas de

análise de discurso. A partir dessas análises pude observar que as ações funcionais

relatadas como sendo melhores, exibiam um significado que se conecta com uma

situação vivida. Sentir­se funcionalmente capaz mostrou­se, em alguns casos, através

da possibilidade de exercer papéis como o de mãe ou o de cuidadora. Em outros

8

participantes, a percepção da CF revelou­se pela supressão de dores em atividades

cotidianas que representavam momentos dolorosos na história de suas vidas. Outro

ponto importante refere­se à relação entre a CF e a força muscular. Alguns idosos

experimentaram uma manutenção da sua força no período com a freqüência semanal

reduzida, todavia sentiam­se mais fracos para a realização dos exercícios. Isso denota

que a CF percebida não depende de níveis de força alcançados e pode depender de

toda uma situação vivida. Diante disso, conclui­se que a CF percebida refere­se a

ações funcionais que exibem um significado para o idoso. Assim, incrementar o

desempenho de suas habilidades funcionais parece não ser suficiente, ou nem mesmo

necessário, para que o idoso perceba essa melhora em seu cotidiano.

Palavras­chave: percepção; capacidade funcional; idoso; força; exercício resistido.

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ABSTRACT

Perception of functional capacity of elders: from the strength increase to the

strength of the significant connections

There are several literary publications pointing out to the positive relation between the

functional capacity (FC) of elders and the development of the muscle strength,

considered fundamental and predominant physical capacity to perform daily actions.

Based in this assumption, many physical activity programs addressed to elders have

been giving priority to the development of muscle strength, observing positions which

suggest the prescription of activities for this group. Such programs determine the

degree of functionality of the elder, as of a functional evaluation based in the

application of physical tests and self­evaluation instruments. However, I was able to

observe that the results of the classical functional evaluation made within the Senior

Project for Active Life have not shown significant improvements in the functionality of

the participating elders, fact which evidences a certain discrepancy with what is being

presented in the literature. On the other side, the elders frequently reported they felt

more functionally capable. As a consequence thereof, I have questioned why the

elders reports differed from what had been observed in relation to the tests. In order to

seek explanations on this situation, I have resorted to the perception study of Merleau­

Ponty, which considers that all perception is qualified by a sense, is our means of

knowing the world and is related to a life context. Through such determinations, the

objective of the present investigation was to understand the FC perception of elders

participating of a resisted training program. Seeking to create conditions to understand

the FC perception, a resisted exercise program was developed, counting on the

participation of eight elders over sixty years of age. For the purpose of identifying

possible changes of the FC perception in relation to the development of muscle

strength, the first two months of the program were performed with weekly frequency of

two days and for the two subsequent months the frequency was reduced to one day.

This variation of the progress was deemed an important situation to understand the FC

perception. Therefore, at the end of the program, a narrative interview was made with

each participant, aiming at understanding the FC perceived. Such interviews were

recorded by a video camera and analyzed by speech analysis techniques. From such

analysis, I was able to observe that the functional actions reported as best showed a

significance connected to an experienced situation. To feel functionally able has proven

to be, in some cases, the possibility of exercising roles such as that of mother or

caretaker. For other participants, the FC perception was revealed by the suppression of

pains during day to day activities, which represented painful moments in the life history

10

of such elders. Another important point refers to the relation between FC and muscle

strength. Some elders experienced a maintenance of their strength during the period of

reduced weekly frequency, however they felt weaker when doing the exercises. This

shows the perceived FC does not depend on the levels of strength reached and may

depend on a whole experienced situation. In face of the above, I conclude that the

perceived FC refers to functional actions which are meaningful for the elder. Thus, to

increment the performance of their functional capacities does not seem to be sufficient

or even necessary for the elder to perceive such improvement in his day to day life.

Key­words: perception; functional capacity; elder; strength; resistance exercises.

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APRESENTAÇÃO

O presente relatório de pesquisa visa descrever o trajeto percorrido pelo

pesquisador para compreender a percepção da capacidade funcional de idosos,

mediante o desenvolvimento de um programa de treinamento resistido. Em sua

introdução destaca­se a problemática sentida pelo pesquisador, sustentada

posteriormente por dados da literatura sobre as características que permeiam os

estudos sobre a capacidade funcional de idosos. Tendo em vista, ainda, que a

percepção é fio condutor das indagações levantadas, apresenta­se a opção do

referencial teórico da fenomenologia.

A revisão literária é divida em dois blocos: o primeiro refere­se ao estudo da

capacidade funcional do idoso, desde sua conceituação até suas relações com a

prática de exercícios, particularmente com os exercícios resistidos. Tem­se como

meta, neste momento, investigar como tais relações têm sido identificadas, quais

instrumentos e formas de avaliação têm sido apresentados, bem como quais são as

implicações nos estudos sobre a funcionalidade do idoso. O segundo bloco foi tecido

com vistas a apresentar o referencial adotado para o estudo da percepção. Nesse

ponto, o principal referencial adotado é a fenomenologia da percepção de Merleau­

Ponty, que traz um legado de estudos sobre a corporeidade e uma teoria geral de

percepção.

Na próxima seção, descreve­se a trajetória que levou à consecução do método

adotado para conceber a pesquisa proposta. Traçam­se, neste ponto, as

características dos participantes, a fundamentação teórica que sustenta a opção pela

entrevista narrativa, o processo de capacitação dos professores atuantes na pesquisa

e o programa de exercícios desenvolvido. Além disso, descreve­se todo o percurso de

análise das entrevistas e dos dados que se referem ao comportamento da força

muscular dos participantes.

Em seguida, são apresentados os resultados obtidos. Foi realizada uma

análise individual de cada entrevista, mediante o recorte de trechos que foram

considerados cruciais para a compreensão da funcionalidade de cada participante.

Ademais, estão presentes, nessa seção, as figuras com os resultados do

comportamento da força muscular dos participantes, que permitem estabelecer as

relações propostas no bloco introdutório.

Tendo em vista a descrição dos resultados, o passo seguinte conforma­se pela

discussão desses achados. Destacam­se, em um primeiro momento, as relações entre

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os dados caracterizados como objetivos e a literatura consultada. Em seguida, traçam­

se as discussões referentes às informações subjetivas com o referencial da percepção

adotado. Por fim, discorre­se sobre as implicações desses resultados para a

compreensão da capacidade funcional percebida.

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1. INTRODUÇÃO

Seres humanos ou máquinas? Desde meados da década passada, deparei­me

com essa questão. Tal indagação teve sua gênese nas vivências e experiências em

ambientes “habitados” pacificamente, ou não, mas em conjunto, pelos entes

enunciados na questão precedente. Esses questionamentos permearam e fomentaram

inquietações e anseios que, por conseguinte, colocariam a nu, mesmo que eu nem

desconfiasse, meu olhar sobre o mundo. Algumas experiências profissionais na área

da engenharia tiveram papel fundamental nesse cisalhamento paradigmático, mesmo

que eu ainda nem suspeitasse disso.

Ainda no início da minha carreira, fui solicitado a treinar grupos de funcionários na

empresa em que trabalhava, a partir do conteúdo técnico sobre qual versava minha

atuação. O treinamento foi dirigido a pessoas com baixo nível de escolarização, para

os quais deveria ajustar minhas ingênuas mas bem intencionadas lições. Foi uma

tarefa árdua, mas o contato com o ser humano tornou­a infinitamente prazerosa.

Naquele momento, não tinha nem idéia de que tal experiência levar­me­ia à percepção

daquela incompreensível afinidade que sentia pelas pessoas. Mas havia muito que

aprender sobre os humanos e, especialmente, sobre mim.

Do trabalho com as máquinas para o desejo de compreender o humano, por

exemplo, não poderia dizer que foi um caminho longo, tendo em vista nossa

objetividade em relação ao tempo, e também seria incompleto e, de certa forma até

mentiroso se relatasse que foi uma transição tranqüila. Outra experiência que pode

também fomentar a ruptura com mecanicismo, rumo à humanização, foi a

oportunidade de supervisionar um grupo de mais de trinta pessoas. Naquele momento,

eu tinha plena certeza de que minhas habilidades com as máquinas estavam longe de contemplar a problemática da convivência social, do poder, do trabalho. Por outro

lado, obtive importante sucesso no cargo de supervisor, o que para mim parecia

deveras improvável. Muito embora, tal satisfação teve pouca mas intensa duração.

Assim, a certeza do insucesso não foi comprovada e, como diria Pedro Demo, a partir

daquele momento, eu só possuía certeza sobre minha incerteza (DEMO, 2002).

Debrucei­me novamente às máquinas, cedendo à opressão do sistema e, assim,

acentuaram­se minhas angústias sobre qual caminho seguir.

No entanto, esse conflito levou­me à reflexão e ao auto­conhecimento. Pude

experimentar as dificuldades e os prazeres da capacidade exclusivamente humana de

transcendência, na medida em que caminhei rumo a escancarar um outro lado, ou

melhor, aquele que era minha única face, ainda reprimida. Essas breves, mas

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marcantes experiências puderam trazer à tona um desejo tal que, reprimido por uma

vontade, suprimia, por poucos mas arrastados anos, minha autonomia.

Nesse panorama, em que vivia (ou sobrevivia), um insight repentino, talvez

motivado pelo êxito inesperado na relação com as pessoas, levou­me a romper

definitivamente com essa aspiração forçada às engenharias. E, após pouco tempo em

tal área, optei pelos caminhos ainda não bem reconhecidos da Educação Física, rumo

a atingir o outro pólo de minha questão inicial, os seres humanos. Essa ruptura com as

ciências exatas, com as máquinas e com o cálculo não foi concretizada a partir de um

desempenho insatisfatório nessa área, mas por uma hesitação quase sufocante de

compreender o ser humano. Desde então, passei a olhar ao meu redor, a observar o

mundo através de outro prisma ainda obscuro, mas recíproco.

Essa empreitada numa nova área do conhecimento, a Educação Física, levou­me

quase que diretamente ao fascínio pelos mecanismos fisiológicos do nosso organismo. Tal foco de estudo poderia levar­me à nobreza aproximar­me­ia de seus exímios

conhecedores, os médicos. Não obstante, esse foco de investigação tornou­se o pilar

central, quase único, hegemônico, do início de minha atuação técnica e acadêmica e,

se me aproximei da Medicina, me distanciei da Educação Física e do ser humano, fato

que, a princípio, eu nem desconfiava.

Digo que me distanciei da Educação Física, porque algumas decepções, que eu

nem tenho coragem de relatar, escancararam que, mesmo atuando diretamente com

pessoas, eu não os tratava como seres humanos e insistia em conhecer e dominar tais

máquinas vivas, portanto, mecanismos. Conhecia, cada vez mais, os processos de tal máquina, mas estava longe de contemplar sua totalidade. O que seria uma relação

centrípeta, circular ao ser humano, tornava­se aos poucos uma relação centrífuga e

mecanicista. Olhava apenas para a parte, não compreendia o sistema. E renegava

assim, sem saber, a complexidade humana.

Ainda no período da graduação, reflexões e debates acerca do olhar abrangente e

livre de determinismos que a Educação Física deve ter, se quiser atingir os seres

humanos em sua total complexidade e singularidade, atraíam­me incessantemente.

Não seria por menos, então, que as discussões acerca da promoção da saúde

ganhariam minha atenção. O humanismo inerente a esse ideário começava a me

mostrar a minha verdadeira e, até então, suprimida visão de mundo.

Essas leituras e discussões foram fomentadas nas reuniões de que participei e

ainda participo com o Grupo de Estudo e Pesquisa Sênior, que foca as relações entre

o processo de envelhecimento e a Educação Física na perspectiva da promoção da

saúde. A constituição desse grupo pôde dar subsídios importantes para a implantação

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e o desenvolvimento do Projeto Sênior para Vida Ativa 1 . O referido projeto é um

programa de Educação Física para idosos, que tem como foco a educação para a

saúde através da prática de atividades físicas. Suas ações são embasadas no ideário

da promoção da saúde e na teoria da velhice bem­sucedida.

No desenvolvimento do Projeto Sênior, já “embebido” pela humanização que

propõe o ideário da promoção da saúde, pude olhar para os idosos também “através”

de sua carcaça biológica. E, em meio à prática de atividades físicas e de ensino, os

inúmeros relatos dos participantes sobre suas aspirações, desejos, problemas,

percepções, suscitaram meu olhar. Dentre os diversos relatos com os quais pude

tomar contato, aqueles sobre a melhoria no desempenho das atividades da vida diária,

denominada como capacidade funcional, levaram­me à profundas inquietações e

dúvidas. Claro que seria natural, esperado e, até, gratificante que os idosos

melhorassem sua condição física, com potencial efeito sobre sua funcionalidade, mas

o que mais me intrigava é que, a partir das avaliações funcionais realizadas, os

acréscimos de desempenho físico eram mínimos.

Ao debruçar­me na literatura sobre a capacidade funcional e a atividade física,

pude notar, com clareza, que melhoras na aptidão física, em especial na força

muscular, trazem importantes incrementos no resultado da avaliação funcional. É

vasta a literatura sobre o assunto. Pode­se citar o trabalho clássico de Fiatarone et al.

(1994), por exemplo, que documentaram, que em apenas em 10 semanas de

treinamento de força muscular, ocorreram incrementos importantes na capacidade

funcional. Além disso, a extensa revisão literária apresentada por Kell, Bell e Quinney

(2001) também deixa claro que incrementos na força muscular propiciam melhor

desempenho nas atividades do cotidiano, além de reduzir a incidência de quedas e

risco de morte. Da mesma forma, autores como Spirduso (1995) e Evans (1999)

enfatizaram a intima relação entre força muscular e desempenho funcional.

Nesse sentido, pude compreender o motivo da posição de status quo que assume

a relação entre força muscular e capacidade funcional, cuja a correlação intensa

tornou­se premissa básica de qualquer pesquisa sobre esse assunto, quase um

axioma. Incontestável, intocável.

Ora, já que é tão bem estabelecida essa correlação, porque a percepção dos

idosos participantes do projeto Sênior sobre sua capacidade funcional apresentava

certa discrepância nos resultados das avaliações? Será que sua percepção estaria

equivocada?

1 As atividades do Grupo de Estudo e Pesquisa Sênior iniciaram­se em 2000, e as do Projeto Sênior para Vida Ativa (que a partir daqui será denominado apenas de “Projeto Sênior”), em 2002, ambos na Universidade São Judas Tadeu.

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Para esclarecer essa dúvida, poderia utilizar as lentes do positivismo, assumir

uma premissa mecanicista e propor algumas soluções sobre a discrepância entre o

resultado da avaliação funcional e o relato dos idosos observados no Projeto Sênior;

tentaria elidir ao máximo os aspectos subjetivos; sufocaria as ambigüidades; levaria ao

extremo todos os pressupostos deterministas como: validar outros instrumentos,

desenvolver testes mais específicos, estratificar minuciosamente a amostra da

pesquisa, valer­me de todos os esforços para me convencer de que seria possível a

verdade absoluta, a realidade cristalina, o método infalível. Teria, sempre, como

horizonte, a causalidade exposta, e continuaria, assim, tentando mecanizar o humano,

o que seria, definitivamente, um contra­senso frente a sua complexidade.

Essa experiência mostrou­me o quanto compartilhava de uma visão fragmentada

do ser humano e que precisava olhar por outros vieses para compreendê­lo. Dessa

forma, o envolvimento com o grupo de estudo e o projeto ajudou­me a olhar a questão

do envelhecimento e, por conseguinte, do ser humano, pela ótica da complexidade

humana. Aprendi que podia, sim, imerso no campo de conhecimento da Educação

Física, compreender outros domínios do ser humano, para além do “biologismo” que

assola a área há muito, e tentar “rejuntar” os fragmentos de homem forçosamente

desconectados pela visão positivista de mundo. Nas reflexões suscitadas pela

participação no grupo de estudo e no projeto, pude compreender que podia e que,

acima de tudo, necessitava contemplar o ser humano em sua totalidade, entendendo­o

para além de seu funcionamento fisiológico, compreendendo a sua subjetividade, o

que o torna, de fato, humano.

Dessa forma, ficou claro, para mim, que os estudos sobre capacidade funcional e

força muscular, exemplificada há pouco, aspira, o tempo todo, à objetividade, à

neutralização, à validação, à comprovação. Deixa pouco espaço para aquilo que, de

fato, o caracteriza como humano, negligenciando o diálogo, o sentimento, a

percepção, seus olhares.

Tratar a capacidade funcional do idoso, eximindo as características humanas, é,

então, negar ao ser humano os caracteres essenciais que o definem como tal; é fechar

os olhos para sua complexidade. Edgar Morin já ensinava que “atingir a complexidade

significa atingir a binocularidade mental e abandonar o pensamento caolho” (MORIN,

2003, p.215). Dessa forma, pelas lentes da promoção da saúde e da teoria da

complexidade, deparei com a visão de um homem complexo, dotado de plasticidade e

flexibilidade, um ser vivo movido por uma dinâmica não­linear, aberto ao mundo e à

transcendência, enfim, um sujeito autônomo (CAPRA, 1982). Nesse sentido, se

quisermos compreender a capacidade funcional do idoso, a complexidade enunciada

não deve ser esquecida, renegada ou abafada, mas evidenciada.

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Isto posto, por uma via que aspira à objetividade, à redução e à quantificação, não

seria possível entender aqueles relatos intrigantes dos idosos sobre sua capacidade

funcional. Já que parecia que a percepção da capacidade funcional denotava um

sentido especial para cada um, mais presente nas entrelinhas do que nas linhas, nos

silêncios do que nas falas, nas expressões e na subjetividade, o modelo de

capacidade funcional do positivismo não responderia à altura para a compreensão da

funcionalidade percebida pelos idosos.

O fenômeno estava ali, diante dos meus olhos, ao alcance das minhas mãos. Não

havia nada de científico, nem de senso comum que o “comprovasse”, que elidisse toda

a possibilidade de uma vertigem pessoal, mas, de fato, eu tinha que assumir que o

fenômeno ocorrera. Deveria livrar­me das amarras do reducionismo, já que a

percepção da capacidade funcional pelos idosos revelava o humanismo que

esquecera outrora e que eu não podia mais recusar.

Não poderia, então, deixar o fenômeno da capacidade funcional percebida pelos

idosos desvanecer, nem taxá­lo como uma simples curiosidade empírica, uma

exceção da regra. Mesmo que não obtivesse da literatura explicações ou hipóteses

sustentadas, deveria debruçar para descobrir outro caminho, que me permitisse

enveredar no fenômeno, desvelá­lo. Parecia, então, que a percepção da capacidade

funcional seria o fenômeno a ser investigado.

Desse modo, recorri à obra derivada da tese de doutoramento de Merleau­Ponty,

a fenomenologia da percepção. A essência da percepção, para Merleau­Ponty (1999),

está no poder pré­objetivo do corpo, um poderio que nos leva ao conhecimento do

mundo, mas que nunca será definitivo, porque transcende infinitamente no curso do

tempo, ou seja, nunca atingiremos a certeza de uma percepção. O corpo do qual fala o

filósofo não é aquele análogo ao mecanismo do relógio, aquele que os mecanismos

fisiológicos ou as gravuras da anatomia descrevem com uma pretensa clareza

apodítica, mas, sim, aquele corpo vivenciado no mundo. É um corpo que, através de

sua motricidade, torna­se um termo simbólico do mundo e revela sua percepção

através de suas potencialidades expressivas, que trazem consigo sempre um

significado e todo o rastro de sua história.

Assim, toda a percepção e, naturalmente, toda a forma de expressão estão

permeadas de significações, de sentido, seja ela um gesto, uma fala, uma atividade da

vida diária. E é essa percepção e essa teia de significados atribuídos ao que se vive

que constituem, de maneira inexorável, o ser humano.

Nesse ponto, retomo as preciosas informações da literatura e as minhas

observações no Projeto Sênior. De fato, é bem coerente que o aumento da força

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muscular pode propiciar incrementos funcionais, já que as atividades do cotidiano

exigem muito mais da força muscular que qualquer outra capacidade física. Mas, ao

refletir sobre esse pressuposto, pude levantar mais alguns questionamentos.

Talvez melhorar nos testes de capacidade funcional não signifique que o idoso

passe a perceber essa melhora no seu cotidiano. Será que o treinamento resistido tem

essa “varinha de condão”? As tendências das pesquisas positivas são promissoras e

até bem estabelecidas, mas no âmbito de uma visão científica complexa, como seria o

comportamento da capacidade funcional percebida pelos idosos?

Dessa forma, ao olhar o mundo sobre outro prisma, passei a contestar o que a

ciência positivista da Educação Física tinha como incontestável. Para tais estudos, não

haveria mais sentido por à prova a idéia da causalidade entre força muscular e

capacidade funcional, pois o mundo objetivo não faz esses questionamentos. Mas, ao

abduzir minha visão sobre o mundo, pude, de fato, duvidar e contestar tal hegemonia

do treinamento resistido sobre as relações entre a capacidade funcional e o

envelhecimento. Essas conclusões nas correlações entre testes funcionais e de força,

tão aceitas e inquestionáveis, manteriam sua hegemonia a partir da visão do idoso?

Não é intenção dirimir os efeitos benéficos da melhora nos níveis de força

muscular sobre fatores biológicos que podem ser atingidos, mas considerar o que

essa atividade traz no tocante à capacidade funcional percebida pelo idoso. Parece

importante, também, ressaltar até que ponto esses estudos levam em conta a

condição humana como fator crucial de avaliação de sua eficácia.

Assim, seria mais pertinente por à prova uma certeza que, aos olhares do

pensamento cartesiano, parecia indubitável. Todavia, à luz do ideário da promoção da

saúde, que evidencia a autonomia e a participação do sujeito nos determinantes de

sua saúde, sob o pano de fundo da teoria da complexidade, que levanta uma visão de

homem complexo e transcendente, bem como pela fenomenologia, que faz com que o

pesquisador recoloque o homem em sua existência, poderia se dar a compreensão da

capacidade funcional percebida pelos idosos em sua imanente complexidade.

Mas as narrativas que me inquietaram inicialmente e que poderiam desvelar tais

percepções, já tinham ocorrido. Assim, eu necessitava de um novo ambiente de

prática de atividade física para que pudesse ir ao fenômeno e, prontamente, interrogá­

lo para poder, então, conhecê­lo, descrevê­lo e, especialmente, compreendê­lo. No

entanto, não seria qualquer prática que possibilitaria tal desvelamento, mas, sim, uma

que pudesse motivar situações para a percepção da capacidade funcional percebida.

Ao levantar as possibilidades e caminhos para a prática do treinamento resistido,

deparei­me com uma possibilidade de progressão que tem sido pouco estudada nos

19

idosos. Tem­se cogitado que a redução da freqüência semanal para um dia

possibilitaria a manutenção da força adquirida em período precedente com uma

freqüência semanal maior (FLECK e KRAEMER, 1999; MCCARRICK e KEMP, 2000;

TRAPPE, WILLIAMSON e GODARD, 2002; TUCCI et al, 1992). O contato com essas

publicações fez­me conjeturar sobre alguns efeitos dessa redução na freqüência sobre

a capacidade funcional percebida. Tendo em vista a complexidade que envolve o

fenômeno, já que estamos lidando com seres humanos e sua imanente subjetividade,

será que, mesmo que a força se mantenha com uma freqüência semanal reduzida,

essa constância reproduzir­se­ia com relação à percepção da capacidade funcional?

Dito de outro modo, um idoso poderia experimentar um aumento de força

concomitante a uma percepção de melhoria de sua funcionalidade no primeiro

período. No entanto, se houver a manutenção da força durante o período de redução

da freqüência semanal, será que, ele ainda continuaria a perceber sua funcionalidade

como satisfatória?

No princípio, esse questionamento soara­me como algo infundado, como um

fantasma que me perturbava constantemente, quase um demônio. Mesmo ainda não

sabendo, essas perturbações me despiriam mais um pouco dessa armadura positivista

que ainda me cobria. Tais questões pareciam infundadas, impuras, sem lógica, uma

mera aposta. Todavia isso ofenda os positivistas mais fervorosos, que advogam cegamente uma neutralidade ingênua, Morin (2003) tirara­me desse aparente sufoco

através da sua descrição da noção de thematha, proposta por Gerald Holton.

Thematha são aquelas idéias bizarras, impuras, que estimulam a curiosidade e

impulsionam as ações de investigação do pesquisador, algo quase obsessivo,

impulsivo, do desejo, que apesar de não cientificamente explicável pelos moldes

clássicos está no núcleo e é indispensável a todo conhecimento científico. E isso não

se resume apenas à ciência, mas o mundo se organiza em torno de desejos (ALVES,

2004). E, se não formos assim, diria Morin (2003), seremos apenas burocratas da

pesquisa, funcionários, reprodutores de procedimentos ditos corretos, que agregam

quantitativamente, mas não reconstroem o conhecimento qualitativamente 2 .

Desse modo, as reflexões de Morin (2003) puderam me tranqüilizar e dar fôlego

para que eu contemplasse o entendimento das questões levantadas que, se num

primeiro momento, pareciam distanciar­me da ciência, levaram­me, entretanto, ao seu

núcleo obscuro, mas indispensável. Tive condições, assim, de apostar que um treinamento de força com redução da freqüência semanal poderia proporcionar uma

situação interessante para conhecer a percepção da capacidade funcional do idoso.

2 Esse núcleo não científico também foi apresentado por Lakatos como “núcleo duro” da ciência, algo não científico, mas indispensável a ela (MORIN, 2003).

20

Nesse sentido, é necessário fazer a pesquisa, ir ao fenômeno para desvelá­lo, por

a prova tais conjecturas, percepções, desejos. Desse modo, essas conjecturas

inevitáveis e, de certa maneira, pulsionais, mais relativas ao desejo do que à vontade,

imbuíra­se em meu pensamento.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é compreender os significados da

percepção da capacidade funcional de idosos participantes de um programa de

exercícios resistidos intencionalmente modulado para buscar relações entre a

capacidade funcional percebida e esse tipo de atividade, ao enveredar no fenômeno,

partindo do olhar de seus atores, os idosos. Isso posto, deve ficar claro, ainda, que

não é meta desta investigação propor um novo instrumento de medição da capacidade

funcional percebida, mesmo que seus resultados incitem a isso.

Rubem Alves afirma que em ciência “não existe garantia alguma de que tal

pressuposição seja válida. Não começamos com garantias [...] Uma vez feita a

aposta... pagamos pra ver. Fazemos a pesquisa. Experimentamos” (ALVES, 2004,

p.52, grifo nosso). Assim, na ciência, é natural apostar, conjecturar. Essa é a proposta

vital do presente estudo.

21

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Capacidade funcional de idosos

Como já abordado no bloco introdutório, as relações entre a capacidade funcional

e a função física na velhice são tidas como premissas básicas para a investigação da

funcionalidade do idoso. Isso parece decorrer do conceito bem estabelecido de

capacidade funcional na velhice, que se refere à capacidade do idoso em realizar suas

atividades cotidianas.

Essas atividades da vida diária podem ser definidas em dois grandes grupos: no

primeiro, as atividades básicas da vida diária (ABVD), que se referem aos cuidados

básicos, como o banho, a alimentação e a locomoção; no segundo as atividades de

maior complexidade, como cozinhar, fazer compras ou usar os meios de transporte,

ações essas que costumam estar contidas no grupo de atividades instrumentais da

vida diária (AIVD) (OKUMA, 1997; SANCHEZ, 2000). Além disso, pode­se destacar

também um outro grupo de atividades preconizadas pelo American Geriatrics Society

(COTTON, 1998 apud MATSUDO, 2000), que são as atividades avançadas da vida

diária (AAVD). Essas atividades referem­se à manutenção das funções ocupacionais,

recreacionais e de prestação de serviços comunitários. Esses diversos níveis de

classificação demonstram a preocupação em abarcar a heterogeneidade do processo

de envelhecimento.

A conceituação explicitada anteriormente leva­nos a compreender a razão do

estreito relacionamento da capacidade funcional com exercícios que propiciem o

desenvolvimento da força muscular. Isso fica claro, ao passo que a realização das

atividades cotidianas depende, em grande parte, da força muscular, e o

desenvolvimento dessa capacidade física pode, assim, propiciar um incremento

importante na funcionalidade do idoso. Por isso, as investigações sobre esse tema têm

versado, constantemente, sobre os efeitos de diversas modalidades de exercícios e

programas que desenvolve a força muscular e o impacto destes sobre a capacidade

funcional do idoso (ACSM, 1998; ACSM, 2003; ALEXANDER et al, 2001 EVANS,

1999; FIATARONE et al, 1994; HASS, FEIGENBAUM e FRANKLIN, 2001; HURLEY e

ROTH, 2000; HRUDA, HICKS e MCCARTNEY, 2003; KELL, BELL e QUINNEY ,2001;

OKUMA, 1997; ROOKS et al, 1997; SPIRDUSO, 1995; WEISS et al, 2000; ZAGO e

GOBBI, 2003).

Para sintetizar o percurso dos estudos que relacionam a força e a capacidade

funcional, vale citar a extensa revisão literária realizada por Kell, Bell e Quinney

22

(2001), que mostrou que a força de preensão manual está intimamente relacionada ao

declínio da habilidade de vestir­se e alimentar­se. Atividades relacionadas às ABVD e

AIVD também podem ser afetadas negativamente pelo decréscimo da força muscular.

A correlação entre a força de extensão de joelho com a velocidade de levantar da

cadeira (r=0,65), a velocidade de subir degraus (r=0,81), a velocidade do caminhar

(r=0,80) e a potência de subir degraus (r=0,88) deixa claro as relações entre a força

muscular e a capacidade funcional.

Dessa forma, é inegável que o desenvolvimento da força muscular exiba uma

forte relação com o incremento das habilidades que compõem a capacidade funcional

do idoso. No entanto, alguns estudos que conduziram suas investigações sobre a

capacidade funcional, a partir de testes físicos que simulam atividades do cotidiano,

não obtiveram sucesso em confirmar as relações expostas com o desenvolvimento da

força muscular. Nesses testes, como velocidade de caminhar e levantar da cadeira, o

padrão de mensuração primeiro tempo é o tempo gasto para a realização da prova. Ao

utilizar tais provas motoras, alguns trabalhos puderam demonstrar que, após um

período de intervenção de treinamento resistido, foram verificadas incrementos pouco

significativos na capacidade funcional, como a habilidade de levantar e sentar da

cama, mesmo com aumento importante da força muscular (ALEXANDER et al, 2001;

BRANDON et al, 2000).

Essas constatações têm sido freqüentemente relacionadas às limitações da

quantificação dos testes (geralmente a velocidade em que se pode executar uma ação

motora selecionada), e algumas propostas de avaliações qualitativas sobre testes

motores têm sido vistas como alternativas importantes na avaliação funcional. Sobre

esse escopo, Weiss et al (2000) relataram que, após um período de exercícios

resistidos, sete pacientes acometidos por acidente vascular encefálico apresentaram

um incremento no tempo de levantar da cadeira, todavia, o tempo de subir degraus

não melhorou. No entanto, mais da metade do grupo pode alterar o padrão do

movimento de subida de degraus de step­by­step 3 para step­over­step 4 .

Além disso, segundo o teste físico não houve melhora na velocidade da

caminhada, mas o item do questionário (questões de múltipla escolha) que avalia esta

variável obteve um aumento de 12%. Essa melhora verificada pode ser devido ao

idoso ter percebido a possibilidade de pegar um objeto enquanto caminhava ou em

alterações no uso de materiais auxiliares para andar. Assim sendo, pode­se inferir que

a velocidade para realizar uma tarefa motora não pode ser o único referencial de

melhora da capacidade funcional e, mesmo se tratando de testes físicos, uma

3 Só avançar para o degrau seguinte assim que os dois pés estejam no mesmo degrau. 4 Ultrapassar o degrau com apenas um dos pés apoiado no degrau, enquanto o outro já se dirige ao degrau seguinte.

23

abordagem qualitativa sobre o movimento pode trazer outro entendimento sobre a

intervenção realizada.

Dessa forma, realizar uma ação do cotidiano de maneira mais veloz, não é a única

maneira proposta de avaliação, embora seja amplamente utilizada. De fato, é

pertinente o conhecimento sobre a possibilidade de execução das habilidades que

compõem a capacidade funcional, mas esse saber sobre a funcionalidade pode ser

ampliado se caracteres qualitativos sobre as ações motoras dos testes forem

considerados.

Nessa direção, Hageman e Thomas (2002) avaliaram aspectos qualitativos do

movimento mediante a filmagem da caminhada, em um estudo que avaliou o efeito de

treinamento resistido na capacidade funcional de idosos. Essa avaliação incluía

aspectos da caminhada como comprimento e altura dos passos, bem como sua

simetria, além do contato do pé com o chão, variações em outros segmentos como

tronco, cabeça e ombros. No entanto, não foram encontrados resultados significativos

relativos à alteração do padrão motor da tarefa. Os autores argumentam que este fato

pode ser devido ao curto período de intervenção (seis semanas de treinamento

resistido) que não provocou aumento na força. Todavia, sabe­se que, para idosos

sedentários, poucas semanas são suficientes para que incrementos na capacidade

física em questão sejam observados (FLECK e KRAEMER, 1999). Portanto, o que

pode explicar esses resultados relaciona­se ao fato de que o programa de exercícios

resistidos foi realizado com exercícios de força dinâmicos, porém utilizaram­se de um

teste de força isométrico para avaliar o impacto do programa sobre a força muscular

dos participantes. Assim, o tempo de intervenção pode não ser o único responsável

pela não alteração da força isométrica dos participantes, e isso leva a crer que a força

talvez tenha aumentado, todavia, a qualidade e velocidade do movimento não

apresentaram melhoras significativas.

Outro ponto importante que pode limitar a mensuração da capacidade funcional é

a similaridade do teste com a tarefa motora do cotidiano do idoso. Essa preocupação é

alvo do trabalho de Lamoureux et al. (2003). Os autores apresentaram um estudo que

avaliou os efeitos de um programa de exercícios resistidos sobre o desempenho, num

teste que simulou a caminhada do cotidiano do idoso, que incluía a transposição de

degraus, plano inclinado e outros obstáculos considerados comuns no ambiente, ou

seja, uma a tentativa de reproduzir uma situação real. O estudo demonstrou um

incremento importante na força de até 188% e uma melhora significativa do

desempenho no teste proposto, dando margem a inferir que as relações entre a

capacidade funcional e a força muscular parecem fortalecer­se, desde que o teste

aplicado possa simular a situação real vivida pelo idoso.

24

Assim, a causalidade exposta, incremento na força como determinante primordial

da capacidade funcional, parece ser sempre o alvo dos trabalhos descritos e sua

comprovação, sua certeza, será atingida se a congruência perfeita entre o teste e o

programa for descoberta. Isso também tem ocorrido no que se refere ao

desenvolvimento de outras formas de acesso à capacidade funcional, como os

questionários de auto­avaliação ou auto­percepção, em que há sempre uma

necessidade de adaptação dos instrumentos para se comprovar a relação entre a

força muscular e a capacidade funcional. Esses instrumentos que questionam sobre a

dificuldade dos idosos em realizarem suas atividades cotidianas diferem dos testes

físicos, principalmente, por necessitarem de menos tempo para sua aplicação, bem

como espaços e recursos disponíveis, e por serem menos dispendiosos do que a

aplicação de testes (ANDREOTTI e OKUMA, 1999).

No trabalho realizado por Meuleman et al (2000), por exemplo, o aumento da

força não resultou em melhora na avaliação funcional realizada com instrumentos de

auto­avaliação. Esses instrumentos eram compostos de seis ABVD e sete AIVD, com

três opções de classificação: “inapto a realizar”, “realiza com ajuda” e “realiza sem

ajuda”. Os autores submeteram idosos com baixo nível de capacidade funcional a um

programa de treinamento resistido, utilizando um dinamômetro isocinético. Embora a

força tenha aumentado até 226%, o questionário de avaliação parece que não é

sensível para detectar modificações no nível funcional dos idosos, ou ainda, infere­se

que elevar os níveis de força parece não necessariamente implicar em alterações na

capacidade funcional, pelo menos com relação à avaliação por instrumentos de auto­

percepção.

Por outro lado, Stessman et al (2003) propuseram um item de avaliação que

parece demonstrar maior sensibilidade às alterações da capacidade funcional,

acrescido aos itens originais do instrumento denominado Katz Scale. O estudo mostrou que houve apenas uma leve diminuição na independência funcional dos

idosos que se mantiveram fisicamente ativos por um período de sete anos. Essa leve

diminuição foi detectada segundo uma opção de resposta que os autores

consideraram mais “sensível” às mudanças sobre a dificuldade de realização das

AVDs: realizar a tarefa proposta com fácil independência, diferentemente dos outros instrumentos sem essa opção, ou seja, a independência pode se manter, mas com um

pouco mais de dificuldade.

Litvoc e Brito (2004), em extensa revisão da literatura, também chamaram a

atenção sobre os aspectos técnicos dos instrumentos. Existem diferenças entre os

instrumentos de aferição da capacidade funcional, principalmente no que diz respeito

às atividades do cotidiano que podem ser avaliadas. O instrumento “Katz”, por

25

exemplo, apresenta questões relativas apenas às atividades básicas da vida diária,

aquelas diretamente relacionadas ao autocuidado. Já o “Kenny” traz a possibilidade de

questionar sobre aspectos relativos à locomoção, como caminhar e subir escadas. As

atividades instrumentais da vida diária, como cozinhar, fazer compras e administrar as

finanças, complementam as atividades de autocuidado e locomoção no instrumento

“Instrumental ADL Scale”. O quarto instrumento analisado pelos autores é o “Framingham Disability Scale”. Esse último é considerado um instrumento composto porque é fruto da combinação de três instrumentos tradicionais e um deles avalia o

desempenho dos idosos em movimentos que lhes são propostos, como abduzir os

ombros com os cotovelos em extensão. Esse tipo de avaliação é considerado de

grande valia para a aferição da capacidade funcional, já que combina a visão do idoso

sobre sua funcionalidade e a simulação de movimentos do cotidiano como um adendo

na avaliação (LITVOC e BRITO, 2004).

Além das características das questões do instrumento, outro ponto importante a

ser ressaltado refere­se aos níveis de classificação que os instrumentos oferecem. O

“Katz”, por exemplo, em sua primeira versão, classificava o idoso apenas como dependente ou independente. Em versões subseqüentes do instrumento, o idoso pode

ser classificado em mais categorias, ao especificar em quantas atividades ele

apresenta dependência (LITVOC e BRITO, 2004). Essas variações parecem deixar o

instrumento mais sensível à diversidade dos níveis de capacidade funcional

apresentados pelos idosos.

No entanto, deve­se ressaltar que o “Katz” só avalia as atividades de autocuidado

(ABVD), e mesmo que suas categorias de classificação sejam ampliadas, ainda assim

não contempla as AIVD. Todavia esse instrumento é um dos mais utilizados (LITVOC

e BRITO, 2004). Mediante essas constatações, utilizá­lo para detectar alterações

funcionais, dado a prática de exercícios por idosos, por exemplo, pode comprometer a

avaliação de tais práticas. Isso pode ocorrer porque algum déficit funcional nas AIVD,

não detectado antes do programa, pode ter sofrido alterações ocasionadas pela

prática de exercícios. Por isso, em uma nova avaliação pós programa, uma melhora

na AIVD poderá passar despercebida.

Isso posto, podemos verificar que as clássicas avaliações funcionais versam suas

ações sobre aspectos estruturais da capacidade funcional, como as habilidades que a

compõem (andar, carregar, subir degraus) e os programas que podem alterá­la (por

exemplo: isométrico, isocinético) enfim, seus constituintes. Nesse sentido, a avaliação

funcional clássica, parece cumprir com o objetivo a que se propõe: a mensuração das

habilidades físicas que estão contidas na capacidade funcional.

26

Dessa forma, as condutas de avaliação utilizadas pelas pesquisas sobre

capacidade funcional em idosos não permitem captar a expressão da subjetividade

humana, pois, de fato, esse não é seu objetivo. Nessa abordagem, podemos

reconhecer que, se quisermos compreender a capacidade funcional do idoso, o

sentido da funcionalidade física em sua vida, as respostas dos questionários, “um

pouco”, “realizo”, “difícil”, “com dificuldade”, “não realizo”, reduzem a percepção da

capacidade funcional a termos pontuais, isolados do contexto, e parecem destituir a

capacidade funcional de suas relações, não permitindo saber do próprio idoso aquilo

que ele percebe, bem como o sentido de tais percepções.

As categorizações da capacidade funcional, por exemplo, levam em conta ações

cotidianas, a priori, atividades que são classificadas como universais, e isso poderia sustentar a utilização de uma vasta gama de testes e questionários. No entanto,

mesmo que algumas atividades do cotidiano sejam tidas como universais, podemos

dizer que a atividade em si, desconectada de seu contexto, pode ser universamente

reconhecida como primordial para a vida do idoso, mas, se inseridas no contexto de

vida de cada um, significados diversos podem ser atribuídos à mesma ação funcional.

Assim, a generalização de um mesmo instrumento de mensuração, para certo grupo

de idosos, pode ser um agrupamento incompatível com a diversidade de sentidos que

pode haver num mero “subir degraus”.

Nessa direção, pela experiência vivida no Projeto Sênior, utilizar os métodos de

avaliação clássicos seria a melhor possibilidade de compreensão da percepção dos

idosos sobre sua funcionalidade? Uma fala seguida de um sorriso, um relato

complementado por olhos envoltos por lágrimas, um olhar tenso motivado por um

questionamento, uma inquietação suscitada pelo desejo de relatar suas percepções

foram as expressões que me levaram as indagações sobre os relatos funcionais

observados no Projeto Sênior. Essas formas de expressão seriam apenas

curiosidades empíricas ou poderiam trazer outra compreensão sobre o fenômeno?

Será que tais expressões relacionar­se­iam com a percepção da capacidade

funcional? Ademais, como isso se relacionaria com os incrementos de força muscular

que um treinamento resistido pode propiciar?

A aplicação de testes motores e instrumentos de auto­avaliação, embora tragam o

conhecimento da estrutura da capacidade funcional, parece não permitir a constituição

de um corpo de informações que possa desvelar a percepção da capacidade funcional

a partir do ponto de vista do próprio idoso, a partir de sua percepção. Dessa forma,

torna­se primordial entender como se dá esse ato perceptivo para que possamos

compreender, então, a capacidade funcional percebida.

27

2.2 A PERCEPÇÃO

A descrição do que quer que seja pode nos levar ao problema da compreensão da

percepção. Podemos enumerar caracteres detalhados, constituintes, tais como: uma

base negra esférica com doze centímetros de diâmetro, que sustenta uma haste

cilíndrica com quinze centímetros de altura e base com diâmetro correspondente à

décima parte da altura, somada à outra haste articulada, que se move no mesmo

plano horizontal da haste inferior em amplitude máxima de duzentos e setenta graus.

Esses são os constituintes de uma luminária que, posta à minha mesa é, nesse

momento, o objeto de minhas reflexões. A partir do conhecimento desses fragmentos,

leva­se a dizer que a ação analítica de tudo que vemos, tocamos e ouvimos, se

reduzidas aos detalhes, nos trará a percepção explícita, o conhecimento do percebido,

o escancarar de sua estrutura.

Mediante a análise do famoso caso descrito pelo médico­neurologista Oliver

Sacks (2003), sobre músico Dr. P. que, por um distúrbio perceptivo, literalmente,

confundiu sua mulher com um chapéu, podemos entender, com efeito, que a

fragmentação não é a gênese da percepção. Dr. P. não reconhecia mais rostos e,

ainda mais, identificava faces humanas onde plenamente elas não existiam, nos

objetos da rua e de sua casa. No primeiro contato do médico com o paciente, o

neurologista sentiu, de imediato, algo estranho. Dr. P. não o olhava normalmente, de

uma vez, mas o analisava minuciosamente: seus olhos fixavam subitamente no

ouvido, no nariz, no queixo. Rastreava ponto a ponto a face do médico. No entanto,

essa detalhada análise não levava a compreensão do rosto, sua completude,

tampouco sua expressão, suas articulações. Podia ver, mas não olhar. Isto leva a crer que o paciente não podia mais compreender as relações que dariam o significado à

face do médico, o que ocorreu também nos exames clínicos tradicionais de percepção.

O neurologista iniciou os exames mostrando­lhe fotos de paisagens, e a mesma

atitude analítica repetiu­se. O paciente direcionava seus olhos para os brilhos, para as

cores fortes, as características pontuais, mas, em nenhuma circunstância, ele pôde

ver, como podemos discernir sem esforço, pelo ato do olhar, uma ilha e um

desfiladeiro. Ao lhe mostrar uma rosa vermelha, o músico proferiu, sem hesitação, que

era uma forma vermelha em espiral, com um prolongamento linear verde, de uns

quinze centímetros de comprimento. A partir dessas análises, ele disse que não era

fácil dizer o que era, achava que poderia ser uma inflorescência, ou uma flor, mas a

certeza só chegara através do apelo do médico para cheirar tal objeto enigmático, até

então desconhecido, mas desvelado prontamente pelo olfato.

28

Sacks (2003) ainda apresentou ao Dr. P. diversas fotos de rostos conhecidos,

inclusive a do próprio paciente. O paciente não reconheceu, de maneira geral,

qualquer pessoa, nem a si. As identificações só foram possíveis pelo reconhecimento

de caracteres únicos, assim como o bigode e o cabelo, característicos de Einstein, os

dentes e o queixo, que o fizeram reconhecer seu irmão. É interessante relatar que

necessitava de tais estratégias de percepção até consigo. Para reconhecer seu rosto

no espelho, estudou­o atentamente e o fazia a partir do cabelo, do contorno facial e

duas verrugas na face esquerda. Por várias ocasiões, fazia careta e colocava a língua

para fora, “só para ter certeza” de que era ele mesmo.

Esse distúrbio perceptivo relatado não condiz com a teoria associacionista da

percepção, amplamente preconizada pela corrente filosófica empirista (CHAUÍ, 2000).

O associacionismo concebe a percepção a partir da associação de sensações dada

por estímulos exteriores que atuam sobre nossos sentidos, mas esse conceito de

percepção parece não se sustentar ao olharmos para a experiência vivida. O Dr. P.

podia livremente reconhecer as partes, fora estimulado por diversas sensações, seus

órgãos sensoriais estavam intactos, mas ele não compreendia o todo, a forma, a

organização.

Esses relatos nos levam a crer que a possibilidade da articulação, do

reconhecimento das relações, é que estava deteriorada na estrutura perceptiva do Dr.

P. Ele não podia mais reconhecer o percebido, como disse Sacks (2003, p.36), “de

relance”, precisava se apegar a alguns caracteres específicos e, por uma quase

sempre frustrada tentativa de interpretação, de um apelo ao juízo, para chegar ao

conhecimento daquilo que via. Interpretar as sensações, passar delas para a uma

construção do intelecto, para formar a percepção, também era possível para o

paciente, mas, mesmo assim, sua percepção mostrava­se deteriorada. Isso parece ir

de encontro também a visão intelectualista, outra importante concepção de percepção.

Para a corrente intelectualista, a percepção depende da capacidade intelectual de

organizar as sensações, ou seja, a síntese perceptiva seria construída pelo intelecto e

não dependia apenas dos mecanismos neurais preconizados pela corrente empirista

(CHAUÍ, 2000). No entanto, Sacks (2003) deixa claro que o paciente não possuía

nenhum traço de demência, falava com fluência, imaginação e humor, mostrava­se um

homem muito culto e simpático.

Esse distúrbio perceptivo, relatado por Sacks, pode ser compreendido através do

legado de estudos sobre a percepção, apresentado por Maurice Merleau­Ponty (1908­

1961) em sua principal obra, resultado de sua tese de doutoramento, a Fenomenologia

da Percepção (MERLEAU­PONTY, 1999), publicada pela primeira vez no ano de

29

1945 5 . A percepção, na visão de Merleau­Ponty, é dada a partir da experiência vivida

do sujeito perceptivo, e não se estabelece a partir da somatória de sensações

pontuais, como vimos acima pela descrição do caso relatado por Sacks (2003). Assim,

no que se refere à percepção da capacidade funcional, podemos dizer que não

podemos agregar diversas habilidades, tidas como físicas, para elucidar a percepção

da funcionalidade do idoso, todavia, as clássicas avaliações prezam por essa

somatória de fatores, como vimos anteriormente.

A partir das reflexões de Merleau­Ponty, podemos esclarecer que não é

característica do ato perceptivo percorrer as informações isoladas para descobrir, aos

poucos, o sentido do todo, como postulavam os empiristas, nem tampouco depende

das recordações ou da operação do juízo intelectual, como enfatizavam os

intelectualistas. Mas sim, inversamente, de um só golpe (“de relance”), pela imanência de significações integradas na unidade objeto percebido, a percepção pode descobrir

seu sentido, sua identidade, seu segredo. Merleau­Ponty explica que o conhecimento

do percebido se dá através das relações entre seus constituintes, que emana seu

significado e o faz percebido, que avança para além da associação das partes, para

aquém da contribuição da memória e do juízo intelectual que, por assim dizer,

comunica­se com o mundo.

Esse tipo de percepção associacionista, da somatória de sensações isoladas, não

é a gênese da percepção, mas, sim, uma das possibilidades de conhecimento que o

ato perceptivo propicia. Dito de outro modo, a associação e o discernimento só são

possíveis se a percepção já nos tiver revelado suas aquisições, e a localização de

caracteres isolados do contexto é, por assim dizer, fruto segundo do ato perceptivo.

Na visão de Merleau­Ponty, o significado da percepção não é o resultado de

associações de estímulos pontuais porque são contíguos, ou porque as semelhanças

os aproximam, mas o inverso. É porque percebemos o todo, que a atitude analítica pode distinguir semelhanças e proximidades. A percepção nos revela o conhecimento

do percebido através da apreensão da totalidade, da forma, das relações que o

percebido estabelece com o contexto e não pela soma das partes ou pela

aproximação dos fragmentos. Sempre se dá pela relação com o todo.

Conhecer, descobrir, comunicar, expressar, enfim, perceber. Esses termos nos

levam à “função” primordial da percepção e, assim como diria Merleau­Ponty, ao

conhecimento do mundo. O Dr. P. apresentava claramente uma dificuldade de

entender o mundo que habitava, porque um de seus aparatos perceptivos, o olhar, não correspondia mais às suas expectativas, impossibilitava o “relance”, traía­o

5 As citações referentes à Merleau­Ponty são advindas da Fenomenologia da Percepção (MERLEAU­ PONTY, 1999).

30

constantemente. Nem pelas mais árduas tentativas de interpretação, o músico não

obtinha êxito na maioria de seus confrontos perceptivos visuais, seu olhar não obtinha

sucesso pela ação intelectual realizada. Ele podia racionalizar o que via, “parte extra

parte”, mas não podia compreender, não podia olhar.

Isso nos leva a crer que, antes da operação do intelecto, a percepção já retira do

objeto seus significados, já traz o seu sentido. Merleau­Ponty explica que isso só é

possível porque temos um corpo engajado no mundo e que, dessa forma, na

experiência vivida, ele nos dá um poderio perceptivo que desvela o mundo e o sujeito

da percepção, porque, simplesmente, formam um único sistema. No entanto, o corpo

que atua na percepção não é aquele corpo mutilado que concebe a percepção pela

associação, ou pela intelecção, mas, sim, um corpo que se relaciona consigo e com o

mundo numa dinâmica não­linear. Para entendermos a percepção, para além do

reducionismo cartesiano, retomar a concepção de corpo de Merleau­Ponty faz­se

condição primordial.

2.2.1 Ouvir com seu corpo todo: a sinestesia do corpo vivido

O corpo que opera no ato perceptivo é aquele corpo que vive a experiência do mundo, que contempla sua existência, que se apresenta como um sistema integrado ao combinar e recombinar seus componentes, tendo em vista uma tarefa a realizar,

uma situação a expressar, um espaço a habitar. É sobre esse corpo que podemos

reconhecer um saber latente, “pré­objetivo”, que não depende, mas sim possibilita a

operação do intelecto, fruto segundo de toda percepção explícita. Ele é o termo

primeiro de toda a percepção e, se quisermos entendê­la, faz­se primordial o desvelar

desse saber latente, “pré­objetivo” do corpo próprio.

Nesse sentido, a integração dos constituintes corporais é ponto fundamental para

a compreensão do corpo vivido. “Ouça com seu corpo todo”, disse Virgil à namorada

Amy. Virgil é o homem o cego do filme “À primeira vista” 6 , baseado no caso relatado

por Oliver Sacks (2005). Na ocasião em que o casal adentra uma velha casa, por

motivo de uma chuva repentina, o cego explica que a melhor maneira para ele

conhecer a dimensão de um local é quando chove, pois ele pode sentir “tudo de uma

vez”. Virgil é capaz de dizer à moça todas as características espaciais do lugar: “é bem

alto”, “o som ecoa, não há paredes”...

6 Filme distribuído pela MGM Home Entertainment, lançado em 1998 e dirigido por Irwin Winkler (Título original: “At first sight”).

31

Essa cena demonstra que a percepção espacial das dimensões geométricas não

é exclusiva da visão, assim como nenhuma outra qualidade sensível (som, olfato, tato)

correlaciona­se exclusivamente ao seu órgão efetor, dado pela fisiologia mecanicista.

As reflexões de Merleau­Ponty auxiliam na explicação dessa afirmação na medida em

que nos mostram que o corpo, na experiência de seu mundo, opera como um sistema

perceptivo integrado, o qual não pode ser explicado por relações de causalidade, tais

como a de espaço­visão e a de som­audição. Nós vivemos a comunicação dos

sentidos naturalmente e só a fragmentamos na medida em que a interrogamos e

passamos da experiência para o pensamento intelectual.

É dessa maneira que, por exemplo, atribuímos, naturalmente e sem nenhuma

culpa epistemológica, que um som é vazio, seco ou embaralhado, assim como vemos o peso de um bloco que afunda na areia, a flexibilidade de um galho no abandonar de

um pássaro, ou a fragilidade de uma peça de cristal. O vento é verdadeiramente

percebido se se oferecer a todos os meus sentidos. Contemplo sua existência e,

principalmente, seu significado, se puder experimentar na pele seu frescor, ouvir o

suspiro de sua passagem e ver a agitação da paisagem. Merleau­ponty ensina que a

sinestesia existe como fenômeno, e, se não a reconhecemos, é porque as ciências

positivas sempre compuseram a percepção por constituintes pontuais, construindo a

percepção pelo já percebido e, assim, nunca pudemos nos ater do saber latente do

nosso corpo, que propicia essa integração e se faz por ela.

Fica claro, então, que a percepção é intersensorial e sua compreensão só virá se

reconhecermos esse nosso poderio corporal de maneira complexa, integrada, sem as

mutilações há tanto preconizadas pelo pensamento reducionista. É essa integração

que nos oferece a possibilidade de conhecimento do percebido, pois possibilita que o

corpo se organize com vistas a percebê­lo e descubra seu significado, pois o mundo

nunca se oferece “parte extra parte”. Essa integração não é realizada por uma

operação intelectual superior, mas é realizada pelo próprio corpo, ou ainda, essa

integração é o próprio corpo, que apresenta um saber latente, “pré­objetivo”.

Esse saber “pré­objetivo” do corpo próprio está presente em nossas ações

rotineiras, que fazem parte de nosso mundo vivido e que demonstram, claramente,

que o corpo não necessita de uma operação racional sistematizada para desenvolver

sua motricidade, para o retomar de uma percepção. A expressão de timidez que toma

conta de todo corpo da moça, que é galanteada pelo rapaz, não surge por uma

operação de subsunção categorial, na qual o aparelho nervoso selecionasse a melhor

reposta, mas forma­se a partir do poder “pré­objetivo” do corpo próprio que

corresponde a essa situação circunstancial. Não precisamos, com efeito, olhar para os

pés para mantermo­nos em pé. Da mesma forma, não é necessário que olhemos para

32

nossos membros, ao acenarmos para um amigo que avistamos do outro lado da rua,

nosso corpo percebe tal situação e retoma com certo aceno, sem um pensamento

interposto na ação, mas por um saber latente que faz nosso corpo ser nosso

instrumento perceptivo. O movimento, em tese, só é possível porque, de fato, temos

um corpo que o possibilita. O pensamento ocorre, não como um ditador, mas, sim,

como possível, dada a operação do corpo no mundo (MERLEAU­PONTY, 1999).

A ação racional sobre a motricidade propicia movimentos corporais artificiais e

inexpressivos, como ocorreu a mulher que perdeu, por completo, a sensação do

próprio corpo (SACKS, 2003). Desencarnada, era desse modo que se auto­definia.

Segundo Sacks (2003), a mulher que não sentia mais a posse de seu corpo, embora

fisicamente e, para sua visão, ele estivesse ali. Nos primeiros meses desse distúrbio

proprioceptivo, ela postara­se totalmente “mole”, incapaz até de sentar­se, pois não

podia encontrar seus membros para realizar qualquer ação motora. Entretanto, após

intensas seções de reabilitação, surpreendentemente ela aprendeu a usar a visão para

“achar” seus membros e movimentar­se, bem como manter­se em posturas

costumeiras.

Essa rota proprioceptiva alternativa que a paciente encontrou possibilitava a

manutenção de suas posturas, de seu andar, do realizar das atividades cotidianas.

Mas essa era apenas uma funcionalidade artificial, teatral, forçada, como relatou o

neurologista (SACKS, 2003). Essa mobilidade só era possível se um extremo trabalho

de controle visual fosse realizado. Se desviasse a atenção por um segundo sequer, os

movimentos, antes funcionais, tornavam­se exagerados e, nitidamente,

descontrolados. Não possuía mais o poderio “pré­objetivo” do corpo próprio, precisava

racionalizar todo e qualquer movimento, suas condutas motoras eram artificiais,

ensaiadas, freqüentemente desajeitadas.

Essa motricidade programada pela visão, embora trouxesse de volta seu contato

com o cotidiano, não a fez retomar a posse de seu corpo. Sentia que seu corpo estava

morto e sentia­se fora do mundo. A mesma sensação é descrita por pessoas que

ficam paralíticas por transecções no cordão espinhal. Mas a paciente não estava

paralítica, ela se movimentava, todavia, como ela mesma relatou, “sem corpo”. O

mundo para ela era apenas aquele que via. No entanto, sentia que não mais podia

viver nesse mundo apenas visual. Não possuía mais seu corpo para que se

mantivesse integrada existencialmente (e não apenas fisicamente) com o mundo,

porque, como explica Merleau­Ponty, é ao nosso corpo que “devemos” a conexão

primeira com o mundo, através da percepção. Nesse caso, a estrutura da percepção

estava deteriorada, o corpo não podia mais satisfazer­se como motor perceptivo, a

mulher “desencarnada” sentia que não existia.

33

“Ela teve êxito em funcionar, mas não em ser”, explica Sacks (2003, p.69), sua

capacidade funcional era satisfatória para o olhar dos médicos, mas incompleta,

artificial, na percepção da paciente. Podemos observar que a atitude racional sobre a

motricidade não é a mestra do movimento, mas, sim é seu fruto segundo. Não

precisamos, de fato, de um comando intelectual do pensamento, para que possamos

nos movimentar, dada uma situação percebida. Na visão de Merleau­Ponty, o corpo

literalmente “sabe” o que fazer, ele dirige­se ao mundo sem um pensamento

intercalado, retoma uma percepção e propicia o pensamento.

A operação do pensamento intelectual revela­se secundária, também nos casos

bem conhecidos de membros fantasmas que aparecem em amputados. As aparições

de membros amputados podem ser descritos como verdadeiros fantasmas em seus

corpos; intrigantes, mas necessários. A visão pode falar ao amputado, expressamente,

que ele não tem mais, ao menos fisicamente, aquele membro (MERLEAU­PONTY,

1999).

Um marinheiro que perdera um dedo da mão temia, sempre que ia coçar o rosto,

que o dedo fantasma pudesse furar seu olho, embora soubesse que isso não seria

possível, mas no nível do pré­consciente, do corpo vivido, a sensação era de que o

dedo estava ali. A substituição por uma prótese não suprimiria a sensação dada pelo

membro fantasma, mas ao contrário: a colocação da prótese só é possível, para

muitos amputados, se o membro fantasma estiver disponível para o perfeito encaixe

(SACKS, 2003). O doente sabe que não possui o membro, mas isso intelectualmente,

pois em um nível mais genérico, destaca Merleau­Ponty, o corpo próprio, pelo seu

saber “pré­objetivo”, mantém o fantasma no esquema corporal do paciente, para

conservá­lo num esquema mais geral que ele forma com o seu mundo, que o

preserva, com efeito, no circuito da existência.

A partir disso, podemos já reconhecer que o corpo não é um servo da

consciência, ele possui um saber “pré­objetivo”, que possibilita a percepção do mundo

e de si, pois com o mundo forma um único sistema. Não precisamos, com efeito, alçar

à consciência o que fazer, pois dada uma percepção, o corpo literalmente sabe que

reposta oferecer, que movimento realizar. Nem que para isso seja necessária a

“aparição” de um membro fantasma. O corpo não apenas percebe o mundo, mas, sim,

expressa uma situação que está vivendo. Para entendermos a percepção, segundo

Merleau­ponty é necessário, então, que olhemos para a situação que permeia essa

operação do corpo no mundo.

34

2.2.2 Mãos imprestáveis: a expressão situacional

O caso do membro fantasma é a pura expressão do corpo sobre uma situação de

recusa à amputação que o amputado vive e, como diria Merleau­Ponty, o membro

amputado é como que absorvido pelo corpo no consentimento do doente em aceitar a

amputação. Esse saber “pré­consciente” do corpo faz dele um espaço eminentemente

expressivo, o termo que faz existir no mundo uma situação pela qual está vivendo.

Essa projeção dinamiza o processo perceptivo e o modifica todo o tempo.

Nesse ponto, recorro novamente a um caso relatado por Sacks (2003). Madeleine,

uma mulher com sessenta anos, cega e portadora de paralisia cerebral, vivia de

cuidados constantes desde a infância. As mãos geralmente não são afetadas

totalmente em casos desse tipo, mas o que surpreendera o médico foi o fato de suas

mãos serem, como ela própria disse: “montes de massa imprestáveis esquecidos –

elas nem parecem fazer parte de mim” (SACKS, 2003, p.75). Além disso, o que

intensificou mais a inquietação do neurologista foi a constatação de que Madeleine

possuía as sensações elementares, o calor, o toque, os movimentos passivos dos

dedos, mas não possuía o movimento explorador das mãos, suas mãos não

interrogavam mais o que suscitasse a uma percepção.

Nesse ponto, o médico levanta algumas explicações para essas mãos que não

passavam de montes de massa, e a partir de tais explanações podemos exemplificar o

poderio expressivo do corpo próprio. Não havia nenhum déficit sensorial acentuado

que impedisse a mão de seu poderio perceptivo, que a impedisse de realizar seu

movimento explorador. Mas a situação que permeou a vida dessa idosa foi aquela de

uma total assistência. Ela fora submetida desde a infância a extremos cuidados

externos, foi protegida demasiadamente e nunca, literalmente, pôde colocar o poderio

perceptivo de suas mãos a prova, tudo foi sempre feito para ela. Os “montes de massa

inertes” são a mais pura expressão de uma situação pela qual passava esse sujeito

perceptivo. Toda essa vida assistida, paternal, aparecia pela capacidade “pré­objetiva”

do corpo próprio, através das “mãos imprestáveis”, de expressar uma vida inteira de

dependência. Essa situação nada mais é que a existência pessoal materializada pelo

corpo em seu domínio mais subterrâneo, a pré­objetividade.

O caso relatado por Merleau­Ponty de uma menina que fica afônica, a partir do

momento em que a mãe a proibiu de ver o rapaz que ama, ajuda a ilustrar o poder de

expressão do corpo e a explicar o caso anterior. A afonia representa, nesse sentido, a

recusa do outro, sendo que a emoção da proibição expressou­se pela fala, que

35

significa nosso meio de comunicação com o outro, a existência comum ou a

coexistência. A falta de apetite também se esboça num mesmo panorama: a

deglutição simboliza o movimento de existência que assimila os novos

acontecimentos. A doente, literalmente, não pode “engolir” a proibição que lhe foi feita.

Na infância dessa mesma doente a afonia se manifestara, pela primeira vez, após um

tremor de terra, e Merleau­Ponty credita a mesma explicação: a angústia da morte se

traduzia pela afonia, porque a ameaça de morte interromperia drasticamente a

coexistência.

Assim, através da significação desses sintomas, podemos entender o que eles

significam em relação à expressão das dimensões fundamentais da existência: nossas

relações com o passado e o futuro, consigo mesmo e com o outro. No termos do

filósofo:

A afonia não representa apenas recusa de falar, a anorexia a recusa de

viver, elas são a recusa do outro ou essa recusa do futuro, arrancadas da

natureza transitiva dos “fenômenos interiores”, generalizadas,

consumadas, tornadas situação de fato. O papel do corpo é assegurar

essa metamorfose (MERLEAU­PONTY, 1999, p.227).

Isso posto, entende­se que o corpo próprio é o termo expressivo de nossa

situação no mundo e, por assim dizer, de nossas relações existenciais. Assim, fica

claro que não estamos alheios do mundo, do qual todo acontecimento mundano

esboça uma reação no meu corpo. Conheço a mim mesmo dirigindo­me ao mundo

através do meu corpo, e o mundo, ao suscitar meu olhar e meu movimento, faz com

que eu o explore e o compreenda, enfim, que o perceba, e perceba a mim mesmo,

pois para Merleau­Ponty (1999, p.277): “toda a percepção exterior é imediatamente

sinônima de uma certa percepção de meu corpo, assim como toda a percepção de

meu corpo se explicita na linguagem da percepção exterior”. Essa relação do sujeito

perceptivo com o mundo constrói seu espaço, e essa espacialidade é outro ponto

fundamental da percepção.

2.2.3 A espacialidade e a transcendência

O estudo do corpo sintetizado anteriormente pode demonstrar que ele é o

motor primeiro de toda a percepção. Mas a percepção não ocorre simplesmente pelo

contato passivo do sujeito perceptivo com o mundo, o percebido possui um significado

imanente que propõe ao sujeito uma forma de existência, e ele pode retomar essa

proposição, seja por seus movimentos, seja por seu olhar, seja por sua fala. O

36

percebido evoca o corpo, convida­o a percebê­lo. A partir desses dizeres podemos

entender que a percepção é uma verdadeira comunicação com o mundo.

Assim sendo, Merleau­Ponty frisa que a percepção é intencional, ela retoma

um significado que o percebido lhe apresenta, ela visa e significa para além da

identificação de uma qualidade do objeto, porque o mundo que percebo me propõe

certa forma de existência. E, assim, concebendo essa forma de existência que me é

sugerida, reporto­me a um ser exterior do mesmo modo que esse ser clama por minha

percepção. Assim, as qualidades são significativas para além de si mesmas, porque

irradiam em si certo modo de existência, porque o sujeito simpatiza com elas, e

porque, para ele, tais qualidades têm um certo significado.

Esse “comércio” entre o sujeito da percepção e o percebido, essa

correspondência, explica Merleau­Ponty, é o poder de meu corpo sobre o mundo, que

é originário do espaço. O espaço do sujeito perceptivo é concretizado assim que uma

dada percepção solicita dele um movimento de seu corpo, e ele consiga correspondê­

la, para que ele possa colocar­se em situação.

Diversas entidades perceptivas, como um móbil em seu pleno movimento, uma

música, ou outra pessoa, exibem seu significado e arrancam do sujeito perceptivo as

mais diversas respostas expressivas através de seu corpo. Lucy era uma paciente

catatônica do Dr. Sacks que, no filme “Tempo de Despertar” 7 , não esboçava nenhuma

reação, aparentemente nenhuma percepção. No entanto, do mundo perceptivo ainda

lhe sobrara alguma posse do espaço, ela podia corresponder e agarrar uma bola

prontamente, se o médico a atirasse em sua direção. Ela se movia a partir do “desejo

da bola”, correspondia àquilo que o percebido lhe sugeria. Assim como o próprio filme

demonstra, outros pacientes retomavam o “desejo” de outras motivações perceptivas,

como uma música especial a cada um ou a um movimento de outra pessoa. Tais

“estímulos” faziam­nos sair do estado catatônico, para um nível de movimento que

abarcava o percebido e podiam descobrir a si mesmos na exploração de seu espaço.

Ao enfatizar a questão do movimento corporal, em conformidade com a forma

de existência que o percebido propõe ao sujeito, basicamente ainda localiza­se o

espaço perceptivo no espaço geométrico das relações físicas. Mas mesmo esse

espaço físico, ressalva Merleau­Ponty, só existe para um sujeito que opere suas

relações, e essa inserção de um sujeito no mundo, cria espaços antropológicos e o

mantém ligado a eles durante toda a vida.

7 Filme distribuído pela Sony Pictures, lançado em 1990 e dirigido por Penny Marshall (Titulo original: Awakenings). Foi baseado no livro “Tempo de despertar”, de Oliver Sacks (Sacks, 2005b).

37

Essa discussão sobre o espaço ilumina­se com a discussão, por exemplo, do

cego Virgil, relatado anteriormente. O que possibilitaria, então, a descoberta do espaço

sem a visão, com a descrição precisa das dimensões de um dado local, já que como

ele mesmo disse ser “cego como um morcego”? Prontamente poderíamos afirmar que

a cegueira pode apurar os outros sentidos, que têm dado conta, então, da percepção

espacial. Além disso, poderíamos dizer que Virgil pode perceber o espaço, mas não

tão bem como aqueles que enxergam. Por outro lado, será que poderíamos, como ele,

perceber o espaço de olhos fechados?

Não está em questão, ao analisarmos o caso da percepção, classificar qual a

percepção adequada a cada sensação, sentido, ou órgão sensorial, mas, sim,

compreender cada caso como um todo, distinto, nem mais, nem menos, nem inferior,

tampouco superior. O cego tem o seu espaço, seu mundo. Mas seu espaço não pode

ser caracterizado por subtração, pela diferença operada a partir do espaço daquele

que enxerga. Assim como o esquizofrênico, a criança, o primitivo ou, até, o idoso,

apresentam seu espaço característico, só os compreenderemos se interrogarmos essa

espacialidade em todo seu domínio “pré­objetivo’. Virgil pode descrever o espaço

geométrico ao seu redor, porque de fato vive nele, e é essa vivência que devemos

abarcar se quisermos compreender o problema primeiro de toda e qualquer

percepção, é sobre essa subjetividade que devemos nos ater se o ato perceptivo for

centro de nossa atenção.

Essa subjetividade, realça Merleau­Ponty, sugere que toda e qualquer percepção

nunca será cristalina, nunca teremos o conhecimento total do percebido e, por isso

mesmo, de nossa existência porque sua gênese está nas ambigüidades do tempo.

Nessa perspectiva, podemos entender que a percepção supõe sempre um passado

daquele que percebe, e que, portanto, não está alheio ao tempo. Essa síntese

perceptiva é, portanto, uma síntese temporal, que, por si mesma, é o centro da

subjetividade e garante ao sujeito perceptivo sua opacidade e sua historicidade.

Aquele que percebe tem uma espessura histórica, retoma uma tradição perceptiva e é

confrontado com um presente.

Assim, essa potência exploradora está fadada à temporalidade, e a síntese

perceptiva nunca pode ser acabada, uma vez que esse poder sobre o mundo nunca

pode ser total. É nesse sentido que Merleau­Ponty coloca que uma percepção sempre

é parcial: uma percepção convida a uma outra e é sempre marcada por aquele

momento de minha história individual, feita e refeita pelo curso do tempo e supõe em

mim sedimentos de uma constituição prévia, de minha historicidade.

Nesse sentido, a percepção, via um esquema corporal integrado, forma um

sistema único com o mundo, com outrem, com o espaço, e faz com que o sujeito

38

perceptivo, dirija­se a ele, e o compreenda, e retome sua experiência existencial. O ato

perceptivo é nosso poder primeiro de conhecimento do mundo e de nós mesmos. Mas,

pela transcendência dos momentos do tempo, todo ser está fadado a se compreender

a vida toda, o vivido nunca é inteiramente compreensível. Essa temporalidade denota

as fissuras do mundo objetivo, que são a própria subjetividade, estão no cerne de toda

a percepção e impedem o sujeito de entender seu presente com uma certeza

apodítica.

Mediante esse estudo sobre a percepção, podemos entender que a compreensão

do significado da capacidade funcional percebida será possível se retomarmos as

operações do corpo no mundo, ou seja, as habilidades que os idosos relatam como

significativas para si, aquelas que fazem parte de seu mundo vivido. No entanto, a

utilização de instrumentos fechados, ou testes físicos, não possibilitaria a apreensão

do significado da percepção, pois não retoma a experiência vivida e, por conseguinte,

pode inibir o significado. Tendo em vista que o corpo é nosso instrumento perceptivo

e, por conseguinte, que cada percepção é permeada de um significado único, quais

seriam os significados de cada percepção que pudesse elucidar a funcionalidade

percebida pelo idoso? Será que percepção de uma habilidade do cotidiano retoma o

mesmo sentido para todos? O que no mundo dos idosos deve suscitar uma percepção

de uma capacidade funcional melhorada? Incrementar a força muscular pode suscitar

percepções significativas? Ou ainda, será que toda a percepção é, de fato,

significativa?

Isso posto, podemos ver que a percepção da capacidade funcional pode estar

relacionada a uma teia de significações e, se quisermos compreendê­la, parece

necessário enveredar nesse mundo de sentidos. Dessa forma, o passo agora é ir ao

fenômeno, compreendê­lo e desvelá­lo. Para tanto, para elucidar a percepção da

capacidade funcional, cabe a nós interrogarmos o sujeito perceptivo e resgatar sua

funcionalidade vivida.

39

3. MÉTODO

3.1 Os participantes

Mediante o objetivo principal deste projeto de pesquisa, ou seja, concretizar um

programa de treinamento resistido para a estudo da capacidade funcional percebida

de idosos, participaram do estudo oito idosos, um homem e sete mulheres com mais

de sessenta anos e com os quais mantenho convivência há quase três anos. Essas

pessoas fazem parte da fase de Transição do Projeto Sênior 8 .

Um ponto importante a ser considerado sobre os participantes é que, devido a

grande incidência de doenças crônicas nessa fase da vida, participaram somente

aqueles que apresentaram um laudo médico que os habilitasse para a prática de

exercícios físicos. Dessa forma, segundo as recomendações da American Heart Association (AHA, 2000), sobre as contra­indicações à prática de treinamento resistido, não seriam considerados aptos a participarem do referido projeto aqueles

que apresentassem as seguintes condições: angina instável hipertensão não

controlada; arritmias não controladas; diagnóstico recente de insuficiência cardíaca

congestiva que não fora devidamente avaliada ou tratada; doença valvular severa;

cardiomiopatia hipertrófica.

Ademais, tendo em vista que a hipertensão atinge dois terços dos idosos, as

diretrizes sobre a prescrição de exercícios de força para idosos hipertensos foram

direcionadas a partir dos resultados do estudo de Camara et al (2004). O referido

trabalho identificou que a reposta pressórica de idosos hipertensos e normotensos

submetidos a exercícios de força muscular não diferem entre si se o grupo hipertenso

estiver devidamente controlado. Assim, apenas hipertensos controlados puderam fazer

parte deste estudo.

Além disso, todos aqueles que se dispuseram a participar da pesquisa

assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (ANEXO 1).

8 Essa fase é caracterizada por encontros mensais para os idosos que participaram do Projeto Sênior. Tem­se como meta identificar as atitudes dos participantes frente à prática de atividade física, bem como

40

3.2 O programa

A primeira fase, denominada fase inicial, teve a duração de oito semanas,

período no qual, provavelmente, o incremento de força é mais significativo (TRAPPE,

WILLIAMSON e GODARD, 2002). Foram propostas duas sessões de treinamento

resistido por semana, como recomendado por Evans (1999), e separadas por, no

mínimo, 48 horas de repouso entre os intervalos das sessões (HUNTER et al, 2001).

Cada sessão foi composta por seis exercícios (leg press, supino na máquina, puxador costas, desenvolvimento de ombro, abdominais e extensão de quadril no cabo)

direcionados aos grandes grupos musculares (coxa, peito, ombros, dorsais,

abdominais e glúteos), como recomenda Evans (1999).

A escolha desses exercícios foi feita a partir da disponibilidade de equipamento

e material para a aplicação do protocolo, já que a pesquisa tenta uma aproximação fiel

aos moldes da aplicação prática. Nesse ponto, incluiu­se, também, uma criteriosa

análise quanto às características dos participantes e, quando necessário, foram feitos

os ajustes necessários, principalmente no que diz respeito ao modo de execução.

Direcionou­se a prescrição a partir dessa análise individual, tendo em vista a

heterogeneidade do público em questão que apresenta muitas intercorrências, por

vezes até comuns, dentre as comuns muitas características peculiares, ou seja, nem

sempre artrose no joelho, por exemplo, pode ser taxada com restrições universais e,

sob este olhar, não objetivando universalizar as limitações, mas, sim, compreendendo­

as de um modo individual, é que os ajustes na prescrição foram direcionados.

Foram propostas de uma a três séries, com intensidade de oito a doze

repetições máximas, com intervalo de um a dois minutos, entre as séries, para todos

os exercícios propostos, sendo esta, a recomendação do ACSM (2002) para o

desenvolvimento de força muscular em idosos. A segunda fase, denominada como

fase de manutenção, apresentou as mesmas características da fase precedente,

exceto quanto à freqüência, que foi reduzida para uma vez semanal (TRAPPE,

WILLIAMSON e GODARD, 2002).

Para identificar o comportamento da força muscular foram realizados testes

periódicos no início, e ao final da fase inicial e da fase de manutenção. Foi utilizado o

método das repetições máximas, para identificar a carga que possibilitou a falha

concêntrica entre oito a doze repetições máximas (ACSM, 2002; FLECK e KRAEMER,

1999). Ressaltamos que a opção pelo teste de repetições máximas deve­se à sua

ampla utilização em situações habituais de prescrição desse tipo de modalidade de

as barreiras que enfrentam para se inserir em outros programas. Além disso, as aulas são distintas

41

exercício, aproximando o programa aqui realizado da situação vivida, por exemplo,

nas academias de ginástica. Ademais, esses testes de força foram necessários para

identificar se houve alteração na força muscular dos participantes, o que garante que o

programa estimulou, de fato, a força muscular, e não outras capacidades físicas

correlatas, como a resistência muscular localizada, por exemplo. Esses testes de

repetições máximas não devem ser confundidos com testes para a capacidade

funcional de idosos que, embora se assemelhem tecnicamente, são de outra natureza.

O programa foi realizado em equipamentos apropriados para exercícios

resistidos, na academia da Universidade São Judas Tadeu, autorizado pela instituição

e por seu comitê de ética em pesquisa (ANEXO 2).

3.3 Seleção e capacitação dos professores

Para a viabilização do programa, julgou­se necessária a participação de

professores capacitados para a atuação com o público em questão e com a

modalidade de exercício proposta. Dentre os objetivos do processo de seleção dos

professores atuantes no projeto, foram levados em conta dois requisitos básicos: a

formação humana e a capacitação técnica. A formação humana exige que o professor

que atue no projeto compactue da mesma visão sobre o envelhecimento, que permeia

a concretização dessa pesquisa. A necessidade dessa formação humana específica

centra­se no fato de que os professores atuantes estavam cientes dos objetivos da

pesquisa e precisavam, de fato, acreditar que a percepção dos idosos poderia surgir

através de relatos informais no decorrer das sessões. Era importante também que eles

valorizassem essa relação dialógica aluno­professor que pode ser um ponto

importante para o desenvolvimento da aula. Professores que não acreditam nessa

relação poderiam não perceber esses relatos fundamentais para o desenvolvimento do

programa e, por conseguinte, da pesquisa.

Dessa forma, foram convidados três integrantes do Grupo de Estudo e

Pesquisa Sênior (GREPES). O GREPES oferece subsídios científicos para o Projeto

Sênior (MIRANDA e VELARDI, 2002) e tem como base teórica o ideário da promoção

da saúde, a teoria da velhice bem­sucedida e a pedagogia da autonomia de Paulo

Freire. A observação da participação desses professores no grupo de estudo, pode

demonstrar que compartilham da visão de envelhecimento e do ser humano que

permeia a concretização dessa pesquisa.

daquelas ministradas no Projeto Sênior para que os idosos possam conhecer outros tipos de atividades.

42

A capacitação técnica foi realizada com o intuito de familiarizar os professores

com os equipamentos, procedimentos, protocolos e técnicas de treinamento resistido,

ministrados por mim.

Por fim, participaram da coleta de dados quatro professores de educação

física, grupo do qual fiz parte. Os professores tinham como atribuições, cumprir o

protocolo da pesquisa descrito acima. Para que isso se concretizasse, os professores

registraram as cargas mobilizadas em cada exercício, nas séries, bem como o número

de repetições realizadas em todas as sessões de treino. Além disso, os professores

foram registrando, no caderno de campo, descrito a seguir, todo o depoimento que

pudesse se referir à percepção da capacidade funcional de cada idoso participante.

3.4 Capacidade funcional percebida

3.4.1Caderno de campo

Os diários ou cadernos de campo são documentos em que o pesquisador

anota suas impressões sobre o que ocorre na investigação que realiza e são

considerados como um dos instrumentos básicos na pesquisa qualitativa. Além disso,

as idéias, experiências e impressões, por exemplo, transformam­se, por meio da

documentação, em realidades acessíveis e que suportam a análise (ZABALZA, 2004).

Dessa forma, muitos dos relatos verbais, que levantaram os questionamentos

acerca dos instrumentos e testes de capacidade funcional, foram feitos informalmente

no decorrer das aulas do Projeto Sênior, esses depoimentos dos idosos durante o

programa de treinamento resistido foram registrados em um diário de campo pelos

professores atuantes no programa.

3.4.2 Entrevista narrativa

A capacidade funcional pode ser considerada pelas relações do sujeito com o

mundo em que vive, e é, em sua experiência vivida, que iremos reencontrar a

percepção dessa funcionalidade. Como expõe Merleau­Ponty (1999), tudo aquilo que

sei do mundo sei por uma visão minha, pelo qual os símbolos da ciência não poderiam

dizer nada.

43

Tendo em vista minha revisão literária exposta anteriormente, optei, por não

utilizar instrumentos fechados de auto­percepção da capacidade funcional

(questionários), tampouco a utilização de testes físicos para sua “mensuração”. Esse

tipo de avaliação objetiva tenta substituir, com situações pré­estabelecidas, um mundo

que está ali aos nossos olhos, pelo pensamento de um mundo, e o fixa em uma

implicação determinista. Tenta explicar aquilo que a capacidade funcional é, em tese,

fato que pode não resgatar aquilo que se vive na funcionalidade cotidiana. Coloca­se

ao sujeito tudo aquilo que ele deveria perceber, todavia, Merleau­Ponty (1999) nos

ensina que não há como perceber, ao certo, o mundo, com condições pré­

estabelecidas, justamente porque o mundo, o mundo vivido, é aquilo que nós

percebemos.

Assim, para desvelar a percepção da capacidade funcional, ouvir do sujeito

aquilo que ele tem a dizer sobre ela, me parece o caminho mais adequado. Como já

foi colocado, para Merleau­Ponty (1999), o corpo é o meio de expressão de nossa

situação no mundo, dada uma percepção, e o uso da fala é uma de suas modalidades

expressivas. Como todo modo de expressão, a linguagem é permeada pela cultura e

historicidade do sujeito e é dotada de significado, assim como um gesto. Além disso,

o poder da fala dado ao sujeito oferece, também, a possibilidade de calar­se, e o

silêncio, nos ensina Merleau­Ponty (1999), também é uma forma de comunicação e

significação, e, assim, o autor explica que:

Nossa visão sobre o homem continuará a ser superficial enquanto não

remontarmos a essa origem, enquanto não reencontrarmos, sob o ruído

das falas, o silêncio primordial, enquanto não descrevermos o gesto que

rompe esse silêncio. A fala é um gesto e sua significação um mundo

(MERLEAU­PONTY, 1999; p.250).

Na experiência do diálogo, coloca Merleau­Ponty (1999), meu pensamento e o

do outro formam um só tecido, tendo a linguagem como um objeto cultural que projeta

no mundo, no ambiente natural, os pensamentos do ser no mundo. Há uma dinâmica,

no diálogo que reclama as minhas falas e a do entrevistado, das quais nenhum dos

dois é criador. Certamente, os pensamentos do outro são seus, mas introduzidos no

diálogo, eles me suscitam pensamentos que o entrevistador não sabia que possuía, e,

reciprocamente, eu empresto pensamentos àquele que entrevisto e o faço descobrir

pensamentos novos. Cada palavra daquele que fala desperta em nós pensamentos

que já tínhamos, contudo, essas significações se unem em um pensamento novo que

reconstrói todas as significações, e compreendemos assim o outro. Portanto, através

da fala existe um poder de pensar segundo o outro, que enriquece nossos

pensamentos próprios.

44

Nessa perspectiva, a entrevista narrativa pode ser uma forma de desvelar a

capacidade funcional percebida, já que apresenta características que podem expor as

experiências vividas pelos depoentes pelo poder de comunicação dado pelo corpo

próprio. A entrevista é um método de pesquisa que dá um acesso privilegiado à nossa

experiência básica do mundo vivido e o utiliza como ponto de partida (KVALE, 1996).

Assim, os ensinamentos de Bosi (2003), a partir de suas experiências com

narradores idosos, encontram lugar nessa discussão 9 . A memória oral, segundo Bosi

(2003), é um instrumento precioso se quisermos construir a crônica do cotidiano e,

além disso, enraíza­se no concreto e é a revelação da experiência vivida. A narrativa

mostra a complexidade do acontecimento, e o pesquisador, sugere a autora, deve

ater­se às tensões implícitas na fala, aos subentendidos, ao que só foi sugerido, por

sua vez, por olhares e expressões faciais. Ademais, a lembrança e o esquecimento

devem ser também, considerados pelo entrevistador. A fala traz, consigo, conotações

afetivas, e estas necessitam, por assim dizer, de tom, andamento, ritmo para falar,

característica que a narrativa pode retomar.

Dessa forma, a entrevista narrativa mostra­se como o meio mais adequado

para compreender e descrever a capacidade funcional percebida, e a descrição do

procedimento adotado para concretizá­la está descrita a seguir.

3.4.3 Procedimento para realização da entrevista

A narrativa, segundo Bosi (2003), busca, na memória, acontecimentos de

forma não aleatória, que trazem consigo significações comuns e, assim, ensina a

autora, é tarefa do pesquisador buscar esses vínculos de afinidades eletivas entre os

fenômenos narrados.

Outro ponto importante, destacado por Bosi (2003) sobre a entrevista narrativa

com idosos, é que o conhecimento mútuo e a afetividade entre entrevistador e

narrador é primordial. Isto pode fazer com que o narrador sinta­se mais confortável

para contar suas experiências. Nesse sentido, a autora enfatiza: “da qualidade do

vínculo vai depender a qualidade da entrevista” (BOSI, 1993, p.60).

Além disso, aponta Kvale (1996), o entrevistador deve ajudar o entrevistado a

produzir uma história coerente para que possa ordenar os fatos para uma melhor

compreensão. Ele deve, também, trabalhar diversas formas de narrativas durante a

9 Deve­se ressaltar a opção da autora em fundamentar suas concepções de tempo e memória na filosofia de Bérgson, amplamente criticada por Merleau­Ponty. Assim, referencia­se o trabalho de Bosi (2003) para

45

entrevista, por exemplo, questionar diretamente por histórias e, junto com o

entrevistado, estruturar os diferentes acontecimentos em histórias coerentes (KVALE,

1996). Além desses direcionamentos, Kvale (1996) destaca que, nesse tipo de

abordagem, o pesquisador deve ter em mente os pontos chaves que busca elucidar

com a realização da entrevista.

Mediante essa gama de recomendações, fez­se condição primordial a

realização de entrevistas piloto para que a condução da entrevista, propriamente dita,

pudesse estar de acordo com esses pré­requisitos, básicos para uma entrevista

narrativa. Foram realizadas sete entrevistas piloto com idosos participantes do Projeto

Sênior do ano de 2004.

Em consonância com as recomendações expostas acima, sobre a condução da

entrevista narrativa, foram selecionados os pontos chaves para o desvelamento da

capacidade funcional percebida, tendo como sustentação teórica os pressupostos da

fenomenologia da percepção de Merleau­Ponty (1999). Dentre os pontos chaves que

direcionaram os questionamentos da entrevista, está a espacialidade do corpo, que se

refere à possibilidade de expressão de uma situação vivida mediante uma percepção

explícita. Não menos importante, foi enfatizado o conhecimento da manifestação da

motricidade, como um dos usos do corpo no ato perceptivo. Ademais, as relações do

narrador com outrem e com mundo humano e natural, enfim, o contexto em que se

insere a percepção, constituíram outro ponto fundamental que nortearam a entrevista.

Nesse estudo piloto, para estimular o narrador a contar sua estória, foi lhe

proposta a seguinte indagação: “como foi para você participar do Projeto Sênior?”. E

no discorrer de sua fala, pontos que se relacionavam com a percepção de sua

capacidade funcional foram solicitados para um maior detalhamento pelo

entrevistador. Logo nas duas primeiras entrevistas piloto, ficou claro que narrar sobre

esse período não foi suficiente para conhecer com mais detalhes o contexto que

permeia os relatos funcionais desses sujeitos. Dessa forma, a experiência nas duas

entrevistas iniciais do piloto mostrou que seria necessário explorar mais ainda o

contexto de vida em se inseriam cada relato sobre sua funcionalidade. Assim, a

questão inicial foi revista e transformada em uma solicitação ao narrador, então, não

mais uma indagação: “eu gostaria que você me contasse como foi sua experiência no

Projeto Sênior e como esteve sua vida em todo esse período”, e mais cinco entrevistas

piloto foram realizadas com essa alteração na questão inicial. Além disso, pude

perceber que as anotações que tinha no caderno de campo serviriam como pontos

extras, que poderiam disparar outras histórias e, assim, dar continuidade à narrativa.

direcionar os procedimentos técnicos do processo narrativo com idosos que, no entanto, não se mostram conflitantes com a temporalidade exposta por Merleau­Ponty.

46

A partir dessa experiência com o piloto, a entrevista final foi iniciada com a

solicitação descrita anteriormente e conduzida com o foco na questão funcional e toda

a teia de relações na qual ela está inserida, ou seja, o pano de fundo vivido, do qual se

destacam as ações funcionais relatadas. Dessa forma, a partir de seus relatos sobre a

solicitação inicial, pude, como entrevistador, esclarecer pontos que surgiam em seus

discursos que se referiam a percepção de sua funcionalidade.

As entrevistas foram realizadas nas duas semanas seguintes ao término do

programa. Esses depoimentos foram registrados, com uma câmera de vídeo, para que

a fala e as expressões corporais fossem devidamente captadas. Esse equipamento foi

utilizado, em diversos momentos no programa de exercícios, para que os idosos já se

familiarizassem com a situação de serem filmados. Deve­se ressaltar que o

equipamento só foi colocado em operação após o consentimento dos participantes,

tanto na entrevista, quanto no programa de exercícios.

3.5 A fase da Análise

3.5.1 Força muscular

Os dados referentes à força muscular foram analisados individualmente. Dessa

forma, foram apontados em sua análise, através de um prisma qualitativo, se os níveis

de força se reduziram, se mantiveram ou aumentaram. Essa forma de análise foi

realizada para possibilitar a relação com os discursos de cada um dos participantes

sobre a percepção de sua funcionalidade. O intuito é compreender se essas

alterações de força são ou não significativas a partir do olhar daquele que a vivencia e

não do ponto de vista matemático.

Os resultados foram apresentados em gráficos após as análises das

entrevistas. Cada gráfico apresenta os resultados absolutos obtidos por cada

participante nas três medidas realizadas (início do programa, final da primeira e

segunda fase) bem como nos exercícios em que cada um pode realizar. O

procedimento para a análise dos discursos está descrito a seguir.

3.5.2 Entrevistas e caderno de campo

47

A primeira fase da análise das entrevistas foi o processo de transcrição literal,

sem sínteses ou correções, em que foram registradas todas as características da fala,

como recomendado por Gill (2002). Este é um ponto crucial para a análise do

discurso, pois possibilita que o pesquisador mergulhe no discurso, para a se

familiarizar com ele e identificar os pontos principais de análise (GILL, 2002).

Num segundo momento, as entrevistas foram lidas para que se pudesse

identificar a cada participante aquilo que se referia, nos relatos, sobre sua

funcionalidade e seu contexto de vida. Nesse momento, também foi possível traçar

uma breve descrição de cada participante, localizada no início de cada análise.

Assim, de acordo com o que pôde ser obtido nos discursos, destacam­se dois grupos

de trechos narrativos. Esses foram denominados de “momento primeiro: a percepção

da funcionalidade” e “momento segundo: o contexto de vida”. O primeiro versou sobre

habilidades percebidas do cotidiano e, o segundo sobre trechos que trazem o contexto

de vida do narrador, que poderiam desvelar o significado da funcionalidade reportada

no primeiro momento. É importante destacar que não há uma relação de importância

entre esses dois grupos destacados, eles estão intimamente imbricados, e sua

distinção foi realizada apenas para facilitar a compreensão de suas relações.

Destacados os trechos necessários para a compreensão da capacidade

funcional percebida, foi apresentada a descrição literal de cada trecho com todas suas

linhas numeradas para facilitar, no processo de interpretação, a referência a pontos

específicos de cada trecho. Para a descrição de cada trecho, além da transcrição da

fala, foi descrito também momentos de comunicação não verbal, como a presença de

gestos e expressões que ajudariam a entender com mais clareza o trecho descrito.

Isso foi realizado a partir da análise da fita de vídeo da entrevista, que pode esclarecer

os trechos destacados. Dessa forma, todo o processo de análise foi realizado com a

leitura da transcrição do trecho destacado, seguido da análise do momento do vídeo

referente.

Cada trecho foi numerado e identificado, portanto, como “trecho 1”, “trecho 2”

etc. Além disso, foi destacado o assunto a que cada um deles se referia, no campo

“assunto”, pois nem todos foram discorridos mediante uma questão direta. Muitos

surgiram espontaneamente, fato que impossibilita a apresentação no esquema

pergunta­resposta. O momento em que o trecho foi narrado foi destacado com uma

breve descrição, abaixo do “assunto”, para que se pudesse identificar que assunto

“puxou” o do trecho descrito.

A interpretação de cada trecho foi realizada, em seguida de sua descrição, a

partir de técnicas de análise de discurso. A análise do discurso, na visão de Gill (2002)

é uma prática social, não ocorrendo isento do contexto em que se insere, e as

48

pessoas utilizam o discurso de maneira intencional, impregnadas de sua cultura, para fazer coisas: para acusar, desculpar­se, apresentar­se etc. Há um contexto

interpretativo, que não se refere apenas sobre quem, onde e para quem é dirigido o

discurso, mas também para captar as características mais sutis, como os tipos de

ações que estão sendo realizadas.

Gill (2002) destaca o seguinte exemplo, para explicar o contexto interpretativo:

a frase “Meu carro quebrou”, a principio refere­se apenas a uma descrição de um

artefato mecânico que apresenta alguma avaria. No entanto, o autor complementa que

isso depende do contexto em que foi dito: se dito para um amigo na saída de uma

reunião, isso pode significar um pedido de carona; se direcionado àquela pessoa que

lhe vendeu esse carro, pode ter sentido de uma acusação ou repreensão; ou ainda se

dito para um professor para cuja aula o narrador esteja atrasado, pode­se entendê­lo

como uma desculpa ou explicação. Entende­se, então, que, para a frase “meu carro

quebrou”, diversas ações podem estar implícitas nesse discurso, se considerarmos o

contexto interpretativo.

Nesse sentido, para identificar essas nuanças, cada frase analisada de cada

trecho foi constantemente relacionada ao assunto em que se inseria. A interpretação

de cada trecho e dos argumentos que o narrador utilizou para explicitar sua história foi

baseada sobre os recursos lingüísticos utilizados por cada participante, como

exemplificou Pinheiro (2004) sobre a prática da análise do discurso. Essa etapa foi

concretizada a partir da análise do emprego pelo locutor de preposições, advérbios,

substantivos, conjunções e pronomes, segundo princípios semânticos e gramaticais.

No entanto, esses recursos lingüísticos emergiram da necessidade de dar sentido a

um contexto e, o significado de cada advérbio, por exemplo, foi interpretado em

conjunto com aquilo que ele “quis dizer” naquele momento, de acordo com o contexto

interpretativo da narrativa em questão. Outro ponto importante, que foi considerado na

análise do discurso, foi a identificação dos personagens que aparecem e seus papéis

desempenhados, que irão dar consistência à história e aos argumentos apresentados

para a explicitação de cada trecho (PINHEIRO, 2004).

Com relação às notas registradas no caderno de campo, foram utilizados os

mesmos procedimentos utilizados na análise das entrevistas. No entanto, tendo em

vista que o registro foi apenas escrito, não foi possível um aprofundamento

interpretativo baseado na comunicação não­verbal. Os trechos destacados do caderno

de campo foram inseridos entre os trechos da entrevista, com vistas a complementar

um assunto que lhe fosse correlato.

49

4. RESULTADOS

Nessa sessão, estão descritos e analisados os dados referentes a entrevistas e

anotações provenientes do caderno de campo. Os sujeitos são referenciados aqui por

letras (A ao H). Todos os sujeitos que completaram as sessões de exercícios

participaram das entrevistas. Os registros do caderno de campo estão inseridos entre

os trechos das entrevistas, dada a proximidade do assunto anotado no diário e o que

já foi narrado em certo momento da entrevista. Ao final das análises dos trechos

encontra­se uma síntese dos trechos narrados que servirão de solo para a discussão

desses dados.

Sobre os resultados dos testes de força obtidos, esses foram apresentados

também, de forma individual, para que fosse possível discuti­los com base nas

percepções narradas. Esses resultados estão apresentados em forma de gráficos, ao

final da análise da entrevista de cada participante. Esses gráficos possuem três

valores: 1­níveis de força no início do programa; 2­níveis de força ao término da

primeira fase; e 3­níveis de força ao final da segunda e última fase. Nem todos os

participantes puderam realizar todos os exercícios, e a justificativa dessas

impossibilidades encontram­se na síntese desses casos.

SUJEITO A

Essa participante é do sexo feminino, com idade de 62 anos. É mãe de três filhos,

avó de dois netos. Está divorciada e mora sozinha. Pratica caminhadas três vezes por

semana, durante uma hora, ajuda na loja do ex­marido e confecciona pães caseiros. É

integrante do Projeto Sênior desde 2003, e participa ativamente do Projeto de

Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1

Assunto: As atividades do cotidiano

(Trecho relatado após a descrição do processo de mudança do filho)

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Ah, eu acho que sim... Até é por isso aí também... A musculação também...

Porque, já pensou? Fazer a mudança de uma casa caber num cômodo menor

que isso aqui?...[neste ponto a entrevistada faz uma pausa, sorri e flexiona e estende a coluna cervical no plano sagital e continua a relatar] Nós tivemos que em 45 dias, construir, na minha casa, pra botar o resto das coisas deles... Ele

vendeu casa, apartamento, casa, carro, um monte de móveis... Agora o resto tá

tudo lá na minha casa... Então eu tenho que ficar... Traz pra cá, leva pra lá...

Acomoda aqui... Acomoda ali... Fez bastante ajuda...

Ao ser questionado sobre como estava se sentindo com relação a suas atividades

do cotidiano, a entrevistada inicia com a interjeição “Ah”, que nesse contexto indica

alegria, satisfação; e segue concluindo (linha 1) que a musculação a ajuda a realizar

suas atividades do cotidiano. No entanto, a palavra “também” denota que não é só a

atividade com pesos que tem esse papel. Na linha 2, ela prossegue e inicia com uma

questão: “porque já pensou?”, para que o entrevistador reflita sobre o grande feito que

ela realizaria por ocasião da mudança do filho e inicia a descrição de tal realização com

a frase “fazer a mudança de uma casa caber num cômodo menor que isso aqui”.

Nesse ponto, ela prepara o entrevistador para aquilo que ela considera como um

trabalho glorioso, pois o cômodo sobre o qual ela se refere é sala de aula que

conversávamos, onde logicamente pressupôs que seria um absurdo acomodar toda

uma casa, ali, com a frase “caber num cômodo menor que isso aqui”. O advérbio

“menor” é enfatizado, pelo seu tom de voz, para demonstrar e enfatizar o quão difícil foi

a tarefa que relatara. Logo após esse momento, ela demonstra, com um sorriso de

satisfação e um “balançar” de cabeça, sua plena convicção de que isso é uma tarefa

difícil.

A locutora segue com a frase, “em 45 dias”, para enfatizar pela questão temporal de

que foi uma tarefa de grande esforço ajudar na mudança do filho, pois tiveram que

realizá­la em um montante de tempo que ele considera pouco, ao enfatizar, pelo tom de

voz, a frase destacada. Ainda assim, na linha 6, ressalta a grandiosidade da mudança,

principalmente, pelo uso da palavra “monte” para designar uma quantidade grande de

móveis negociados no mudança. No entanto, complementa que o “resto” está tudo na

casa dela, o que não é pouco, pois foi um serviço árduo, já que tiveram que acomodar

uma casa em um só cômodo.

Na linha 7, a frase, “então eu tenho que ficar”, no início, com o advérbio “então”,

denota uma conclusão de todo o fato, de que ela é a responsável pela acomodação e,

por conseguinte, pelo processo de mudança do filho, nora e netos. Finaliza o trecho

51

ressaltando o papel da musculação com a afirmação “fez bastante ajuda”, em que o

advérbio “bastante” serve, nesse momento, para enfatizar o papel da musculação no

evento relatado.

Trecho 2

Assunto: Como pôde perceber alterações um sua funcionalidade

(Trecho relatado logo após o trecho anterior)

A locutora inicia o trecho com o verbo “sabe”, que é colocado de forma a preparar

e chamar a atenção do entrevistador para um relato importante que viria logo após,

pelo qual ela expressa que “tudo” que necessitava realizar dependia do auxílio da

filhas. O pronome indefinido “tudo” demonstra a necessidade de ênfase na sua total

dependência para a realização de suas atividades rotineiras. No entanto, essa

situação não era aquela do momento presente, pois a colocação dos verbos “ia”,

“esperava”, denota, claramente, que essa é uma rotina ultrapassada, porque, após o

período em que participou do programa de treinamento resistido, essa situação de

dependência não mais ocorria.

Isto fica claro no momento em que ela inicia uma frase, na linha dois, com o

advérbio “depois”, que leva a crer que, anteriormente à musculação sua dependência

era importante, mas agora isso não mais ocorria. A locutora segue com a repetição da

frase “você tem”, por duas vezes, e sua pequena pausa e expressão facial denotam a

dificuldade de traduzir, em palavras, sua percepção de independência com relação às

atividades de seu cotidiano atual: a mudança do filho. Mas continua, veementemente,

após um breve momento de pausa, com ênfase no termo “capacidade” (tom de voz),

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Sabe... Tudo que eu ia fazer eu esperava as meninas chegar em casa pra me

ajudar...E, depois da musculação, meu filho, você tem, você tem...[nesse ponto a locutora expressa com o rosto uma dificuldade de traduzir sua percepção, faz uma breve pausa e continua] a capacidade de pegar, assim, umas três cadeiras..de uma vez e botar no lugar... [nesse ponto a locutora sorri novamente e, com as mãos simula os gestos de posicionar as cadeiras sobre as quais fala] Tem gente que fala: “eu não sinto”... Não sei quem falou pra mim: “ah, eu já fiz

musculação e não sinto diferença”... Então você não fez... Você fez, mas você

não fez a coisa certa... As outras falam assim: “eu faço ginástica mais eu não me

sinto assim que nem você, você parece que tem 50 anos ou menos”... Ai, eu

falei, então você não faz uma ginástica direito...

52

pelo qual demonstra que, antes da musculação, seria incapaz de realizar as ações

posteriormente relatadas.

Tais ações referiam­se à capacidade de pegar três cadeiras de uma só vez e

colocá­las no lugar. A ênfase na expressão “de uma só vez” ajuda a destacar a

diferença apontada no momento presente, com relação ao período anterior de sua

vida, quando necessitava da ajuda de suas filhas para a realização de suas ações

rotineiras. Além disso, o sorriso expresso mostra a satisfação dessa descoberta sobre

sua capacidade funcional, com o adendo de gesticulações com os braços para

representar e enfatizar sua capacidade de mover várias cadeiras em uma só ação.

Na linha sete, ela exemplifica sua diferença ao compará­la com outras pessoas e

com a expressão “tem gente que”, demonstrando que não se inclui nesse grupo de

pessoas que não percebem o efeito da musculação. Pois, para o locutor, a

musculação faz diferença no dia­a­dia, a não ser que não seja feito de forma que ela

considera correta, como faziam as outras pessoas que ela utilizou como exemplo

(linha 7­10). Além disso, ao utilizar a frase “Você fez, mas você não fez a coisa certa”

a locutora procura chamar a atenção para o fato de que não é qualquer musculação

que propicia sensações de melhora no cotidiano.

Ademais, a entrevistada traz outro discurso de pessoas que dizem que fazem

ginástica, mas não se sentem como ela, mais jovem, que aparenta menos idade que

realmente tem. A locutora conclui que isso não acontece com elas (as pessoas que

não fazem exercício corretamente), pois não realizam os exercícios de maneira

adequada para provocar os resultados de melhora. Outro ponto importante é que o

destaque desse exemplo, pela entrevistada, denota sua preocupação em não parecer

velha, já que escolheu um discurso que enfatiza justamente essa sua posição pessoal.

Trecho 3

Assunto: A diminuição da freqüência semanal

(Trecho descrito após ser indagada sobre o assunto)

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Ah... Mudou porque a gente tava esperando as duas vezes... E aí, no outro dia,

tinha que fazer, nós em casa, mas em casa sozinho... Sozinho é pior [...] Aí eu já

tinha minhas expectativas... Segunda e quinta, eu tinha meus compromissos...

Saio, faço minha ginástica, faço minhas coisas... Agora, só segunda... Aí

diminuiu a ginástica... Eu faço caminhada... Ai em casa, a gente faz alguma

coisa, mas já ajuda bastante...

53

Trecho 4

Assunto: A influência da diminuição da freqüência semanal no cotidiano

(Trecho descrito após ser indagada sobre o assunto)

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Não, porque eu procuro fazer, né. Não faz a mesma coisa, tudo, mas a gente

procura fazer sempre... [...] coisa quebrou aquele vaso, lógico que você vai

procurar outro pra botar no lugar, ali [...] Ah, não deixo de fazer.

Nos relatos dos trechos três e quatro, a locutora inicia o trecho com a

interjeição “ah” que, nesse contexto, aparece como um recurso para chamar a atenção

para um assunto importante que ela necessitava relatar. O assunto ao qual se referia

relacionava­se a certo tipo de desapontamento que surgiu no grupo (pelo uso da

expressão “a gente”) com a diminuição da freqüência semanal. É importante destacar

que a locutora utiliza a expressão, “a gente”, para fortalecer seu sentimento de

decepção, pois não fora somente ela que se sentia assim, mas indica que o grupo com

o qual compartilhava as sessões de exercícios reagira do mesmo modo à diminuição

das sessões semanais de exercícios. A entrevistada prossegue e ressalta, também em

nome do grupo, utilizando o pronome “nós”, que, com a diminuição da freqüência

semanal, eles tinham que procurar continuar a fazer os exercícios em casa. Essa

situação não era a mais ideal, porque tinham que realizar as sessões sozinhos, uma

situação que considerava pior, com relação à prática em grupo. O problema parece

não ser o local, “em casa”, mas sim de realizar os exercícios sem companhia.

A entrevistada segue ressaltando que, nos dois dias da semana, ela já tinha

expectativas de realizar os exercícios e utiliza para isso o verbo no passado “tinha”,

para denotar que não mais possuía tais expectativas, pois essa não era mais a

situação atual. Deixa bem claro que assumia os dias de treino na musculação por

“compromissos”, um termo que denota que é uma tarefa importante que não podia

faltar (vale ressaltar que em outro momento da narrativa, a entrevistada orgulhava­se

de ser a única que compareceu a todas as sessões de treinamento). Outro ponto

importante é que ela enfatiza o pronome possessivo: “meus” compromissos, “minha”

ginástica, “minhas” coisas (linhas três e quatro), que denota uma preocupação consigo

que materializava­se na realização das atividades citadas, era uma momento só dela,

que ela não ocupava com suas tarefas rotineiras, do cuidar.

“Agora só segunda”, aqui ela chama a atenção para o momento presente, que

difere substancialmente do passado, quando viria praticar os exercícios com pesos

54

nas segundas e quintas feiras, e enfatiza que seria pouco, com o advérbio “só”, que

significa, “somente”, “apenas”. Explica, então, que diminuiu a ginástica e, por isso, a

substitui pela caminhada, para fazer “alguma coisa”, que ocupasse o período vago nas

quintas feiras. Ainda realça que não é somente ela que tenta realizar exercícios em

casa, pois utiliza a expressão “a gente”, denotando que mais pessoas do grupo teriam

tomado tal conduta, ou que, todos aqueles que têm um tempo livre e precisam fazer

algum tipo de exercício o preenchem com atividades em casa, sempre realizam uma

substituição. Ao finalizar, ela adverte com a frase: “mas já ajuda bastante”. A

conjunção adversativa “mas” refere­se a “alguma coisa”, algum tipo de exercício que é

realizado em casa, que ajuda, embora não seja igual aos exercícios realizados no

programa de treinamento resistido oferecido, seria uma alternativa que não substitui

completamente a atividade que era realizada na quinta feira. No entanto, esta

atividade “ajuda bastante”, no sentido de ser melhor que não realizar nenhum tipo de

exercício.

No trecho quatro, ao ser questionada sobre alguma possível alteração no seu

cotidiano com a diminuição da freqüência semanal, ela inicia com uma resposta

negativa, indicando que não altera pois ela costuma substituir. Finaliza a primeira

frase, com o termo “né”, que pode ser compreendido como “não é”, ou ainda, “como

lhe disse anteriormente”, pois já havia relatado ao entrevistador que faz outras

atividades que substituem aquela que foi subtraída e o adverte com o primeiro termo

destacado. Volta a ressaltar que não tem o mesmo efeito, e que a caminhada

(substituta) não realiza “tudo” o que atividade com pesos (substituída) pode

proporcionar.

Além disso, volta a utilizar o termo “a gente”, (final da linha um), para designar

que não é ele que procura substituir, mas, sim, um grupo de pessoas que se

assemelham a ele e, portanto, valorizam a prática da atividade física. Ademais, o

emprego do termo “a gente” fortalece sua afirmação, pois não é somente ele que

procede com a substituição da atividade, mas, sim, outras pessoas, que é uma atitude

coletiva. Na linha dois e três, recorre a uma metáfora para fazer alusão de ser uma

conduta lógica (utilizou o termo “lógico”), no sentido de que é claro que você tem que

substituir algo que lhe é importante, que estabelece uma função, assim como o vaso

funciona sempre que pode armazenar o que lhe é designado. Conclui o trecho, com

veemência, dizendo que não deixa de fazer as atividades físicas.

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 5

55

Assunto: Sobre a disponibilidade de praticar atividade física

(Trecho relatado após descrever suas dificuldades com a osteoporose)

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05

Não, porque eu trabalhava de dia... O dia inteiro... Eu trabalhava numa loja e

ficava o dia todo trabalhando. E tinha os filhos pra cuidar... E eu tive três filhos,

amamentei nove... Então, além dos meus filhos eu amamentava os dos outros...

Então, eu não tinha como sair de casa... E tinha meu sogro, que faleceu com 93

anos... Eu tinha que cuidar dele, dar banho...

No trecho cinco, ela inicia a justificativa de que nunca pôde praticar atividade

física porque não tinha tempo disponível. Enfatiza a questão temporal como fator

limitante, principalmente, nas frases das linhas um e dois: “o dia inteiro” e “ficava o dia

todo trabalhando”. A partir daí, ela diz que não era apenas o trabalho na loja que

ocupava o seu tempo, pois, além disso, ela tinha que cuidar dos filhos. A locutora

enfatiza que além de cuidar dos filhos, ela cuidava dos filhos dos outros e utiliza a

comparação quantitativa do número de filhos que pariu e amamentou, três, para fazer

alusão que teve o triplo de trabalho, pois amamentou nove (linhas dois e três).

Nesse ponto, é interessante destacar que esse exemplo usado pela locutora é

marcante, pois é de conhecimento geral o dispêndio enorme de tempo utilizado no

processo de amamentação, porque, além de seus filhos, ela amamentou outros seis.

Além disso, finaliza essa primeira passagem que reflete seu papel de cuidadora, com

o relato que teve que cuidar do sogro (linha quatro e cinco), e que teve que prover

assistência a uma pessoa totalmente dependente, já que tinha que dar banho nele.

Trecho 6

Assunto: Sobre suas relações com o ex­marido

(Trecho descrito após narrar sobre sua separação do marido, que posteriormente lhe

causou um infarto)

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Agora... Ficou doente [o marido], e as meninas [as filhas] trouxeram ele pra

dentro da minha casa, pra eu cuidar dele enquanto ele tava... Porque ele teve o

acidente, depois do acidente que ele teve a primeira cirurgia... Teve a segunda...

Ai eu falei... Essa não... Ia dar o remédio pra ele, “não vou tomar essa porcaria”.

[...] Se eu não for buscar pra ele, ele não toma, ele não vai pra farmácia, nem

buscar a insulina dele... Era pra tomar duas vezes por dia, ele falou que não

toma, toma uma só... Por causa da bebida né, se parasse de beber... Podia até

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08 tomar uma vez, ou até ter parado com insulina...

No trecho seis, relata outra situação que exigiu seus cuidados, mas que não lhe

dava a satisfação que lhe propiciava aquela do recorte anterior. Relata em tom de

obrigação, como se tivesse que atender uma solicitação das filhas em cuidar do ex­

marido, sem opção de recusar. Deixa claro seu sentimento de insatisfação ao

exemplificar o comportamento que considerava impertinente de seu ex­marido, através

da reprodução de sua fala, ao oferecer­lhe um remédio (linha 4): “não vou tomar essa

porcaria”.

Além disso, enfatiza o comportamento que considerava inadequado do marido,

com a descrição de sua aversão à medicação que lhe era recomendada, já que era

portador de diabetes. Ainda mais, finaliza o trecho ao reforçar o que falara em outros

momentos da narrativa, em tom de repreensão: de que todo esse comportamento

tinha como causa primeira (utiliza a expressão “por causa”) o uso excessivo de

bebidas alcoólicas e relaciona essa conclusão com o problema do diabetes nas linhas

sete e oito, usando a conjunção condicional “se”, indicando a condição necessária

para que pudesse diminuir as doses de insulina.

Trecho 7

Assunto: Sobre suas atividades no cotidiano e de cuidar

(Trecho relatado após descrever suas diversas atribuições do cotidiano)

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Minha casa é pequena, dois quartos, sala e cozinha...e banheiro, quintal é

grande...a frente também... Você foi em casa...você viu, eu já tinha aquelas

coisas, um monte de planta...eu cuido trinta e tantos vasos de planta.. eu cuido

do quintal.. Eu tenho um cachorrinho, tenho que lavar quintal... Tenho que fazer

isso... Tenho que fazer aquilo, ainda a N., aquela N. S. M. Você vê que ela

depende de tudo, ela é quase cega... Eu é que vou com ela na feira, vou com ela

no mercado, vou com ela no médico... Vou fazer compra, vou pra todo o lugar

com ela, que eu não gosto de deixá­la sozinha... É perigoso... [...] Eu que faço os

pagamentos, eu que preencho o cheque, eu que faço tudo pra ela... Ela fala que

se eu sair de lá, o dia em que eu não to lá, ela fica perdida... [faz uma pausa e sorri]

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Nesse trecho a locutora descreve sua moradia e logo clarifica para o entrevistador

que, pelo número de dependências internas de sua casa, “dois quartos, sala e

cozinha...e banheiro”, a casa é pequena (linha 1). No entanto, a entrevistada adverte

que não é por isso que ela não tem trabalho doméstico, pois as áreas externas, o

quintal, a frente da casa são grandes (linha 2). Nesse momento, remete­se a

expressão “você foi em casa”, para fazer com que o entrevistador, lembre­se que pode

testemunhar o que ela relatara (linha 2). Além disso, enfatiza o trabalho doméstico,

relatando que possui dezenas de vasos de plantas e ressalva a quantidade pela

expressão “trinta e tantos” e lembra, ainda, que tem um cachorro que faz com que ela

tenha que lavar o quintal. Sobre essas atividades domésticas finaliza, com as

expressões “Tenho que fazer isso... Tenho que fazer aquilo”, pelas quais faz alusão

que tudo em sua casa depende de seu trabalho.

A partir da linha cinco, a locutora ressalva outra tarefa importante que refere­se a

cuidar de uma vizinha praticamente cega. Na seqüência de frases que ele discorre

para exemplificar seu papel assistencial para a vizinha, ela relata utilizando de uma

sucessão de frases que inicia com o verbo “vou” de sujeito oculto “eu” e repete esse

recurso seis vezes no intuito de deixar claro que ele acompanha a vizinha a todos os

locais necessários à manutenção de sua vida. Logo após, ela recorre ao mesmo

recurso, mas inclui o sujeito “eu” e finaliza na terceira frase com ênfase (pelo tom de

voz), no pronome indefinido “tudo”, para deixar claro que a vizinha é totalmente

dependente de seus cuidados. Além disso, nessas últimas frases enfatiza que cuida

do dinheiro da vizinha, fato que para ela aumenta sua responsabilidade de cuidador.

Ainda mais, recorre a um relato da própria vizinha que diz que ficaria “perdida” sem ela

e ]conclui o trecho com um sorriso de satisfação, de dever cumprido.

Trecho 8

Assunto: sobre seu papel na mudança do filho para o exterior

(Trecho relatado após concluir a descrição da separação do marido)

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Ah, ele passou no vestibular de lá e foi fazer a quinta faculdade... Brincadeira!

[...] A mudança deles atrapalhou muito. Porque eu tinha pedreiro em casa...

Transferência das coisas, que era eu que ajudava ela a fazer, porque com a K.

[nora] trabalhando, eu tinha que ficar com as crianças... Ela correu para colocar

a papelada tudo em dia, porque ele e ela não eram casados... Tiveram que

casar correndo... Ela teve que ir lá pro sul pra resolver os problemas da

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07 papelada dela, e eu tive que ficar com as crianças... E então foi uma correria...

Nesse trecho, a locutora descreve seu papel no processo de mudança de

residência do filho do Brasil para o exterior. Ela inicia com a interjeição “ah” que, nesse

contexto, demonstra sua alegria e orgulho com relação ao filho ter passado no

vestibular de uma universidade do exterior e, além disso, que esse curso já era o

quinto de nível universitário que o filho ingressava. Então, finaliza com a expressão

“Brincadeira”, no sentido de que: parece brincadeira, mas não é, ele vai cursar a quinta

faculdade no exterior, mesmo!

A entrevistada prossegue e realça que esse processo de mudança do filho a

atrapalhou muito no seu dia­a­dia. Um dos motivos que ressalva como ponto

importante é que ela estava com a casa em reformas: “porque eu tinha pedreiro em casa”. Todavia ela use o advérbio “porque”, que denota, em principio, essa ser a principal causa, do transtorno relatado, mas as linhas seguintes do relato deixam claro

que os motivos do transtorno vão muito além disso.

Nesse sentido, nas linhas seguintes ela realça que teve que auxiliar a nora no

processo de transferência. No que se refere aos tramites burocráticos para a mudança

de país, pois a esposa de seu filho estava trabalhando e não tinha muito tempo

disponível para isso. Assim, ela destaca que era ela que tinha que ajudar no processo

de transferência.

Ademais, a locutora enfatiza, nas linhas quatro, cinco e seis, que, além da

documentação para a viagem, seu filho e nora tiveram que se casar legalmente, fato

que complicou ainda mais a mudança de moradia. Além disso, o processo se

intensificou mais porque a nora teve que viajar para o sul do país para poder dar

andamento a documentação necessária à mudança. Dessa forma, ela ressalva que

teve que cuidar das crianças e repete a frase “eu tive que ficar com as crianças”, duas

vezes, para enfatizar sua responsabilidade no processo de mudança do filho, pois as

atribuições burocráticas a esse tipo de processo tomaram muito tempo do casal e ele

era a única possibilidade de ajuda.

Síntese da entrevista do Sujeito A

Essa participante percebeu alterações em sua funcionalidade, principalmente

nas ações que desempenhou na mudança de seu filho, relatando que pôde carregar

móveis sem a necessidade do auxilio de suas filhas (trecho um e dois). Sobre a

alteração na freqüência semanal, ela relata no primeiro momento que foi ruim, pois

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supino

leg press

cost as

ombro

glut eos

tinha expectativa de duas vezes semanais, mas que, depois, disse que substituíu o dia

livre por caminhadas (trecho três). Ainda destaca no trecho quatro que não deixa de

fazer atividade, sempre substitui.

No contexto de vida relatado, nota­se o papel constante de cuidadora que

essa participante exerceu durante toda sua vida. Relatou que além de cuidar de seus

filhos, amamentou outros seis (trecho cinco). No entanto, esse papel nem sempre lhe

é prazeroso, fato que deixa claro ao reprovar sua “obrigação” nos cuidados com o ex­

marido (trecho seis). Destaca ainda que, além de suas atribuições domésticas, que

não são poucas, oferece assistência a uma vizinha quase cega (trecho sete). No

último trecho (oito), descreve seu papel na mudança de seu filho para o exterior, fato

que parece ter significado importante em sua vida e, também, em sua funcionalidade.

O desempenho da força muscular

Com relação ao seu desempenho no programa proposto, pode­se notar que ela

experimentou, na primeira fase, aumento de seus níveis de força em todos os

exercícios propostos, exceto no supino. No segundo período do programa, pode­se

observar uma elevação no exercício de leg press, costas e supino. Já nos demais nota­se, a manutenção dos níveis obtidos na medida dois.

Figura 1 ­ Desempenho da força muscular do Sujeito A nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

SUJEITO B

Essa participante é do sexo feminino, com 65 anos de idade. É casada, mora

com o marido e com a mãe. É mãe de dois filhos. Pratica caminhadas quatro vezes

por semana e freqüenta aulas de “ginástica localizada” em dois dias semanais.

Freqüenta também aulas de pintura. Exerce todas as atribuições domésticas além de

kg

60

cuidar de seu marido e mãe, acometidos por enfermidades crônicas. Participou do

Projeto Sênior de 2002 e freqüenta ativamente o Projeto de Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1:

Assunto: o cotidiano de vida após o ingresso no Projeto Sênior

(Trecho narrado após a descrição de um evento no qual sofrera uma queda e sobre a

necessidade percebida em engajar­se em programas de atividades físicas)

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O dia­a­dia foi melhorando... Quando a gente vai fazendo exercício, o negócio

vai melhorando... A gente vai ficando mais... Um pouco mais leve... Um pouco

mais... [pausa para reflexão] como fala?... Mais rápida... [nesse momento a locutora faz uma pausa pra tentar lembrar o que melhora, eleva e deprime os ombros] Pra esticar o braço lá no armário, “né”, pegar alguma coisa, como dizia a M., “né”, [exibe um sorriso de satisfação], eu tinha tendinite não podia movimentar o braço, esse aqui... [aponta o braço direito e demonstra o movimento que não conseguia realizar], depois que eu comecei a fazer exercício parou... Eu cheguei a fazer fisioterapia... Depois não fiz mais nada...

A locutora inicia o trecho utilizando a expressão “foi melhorando”. O verbo no

gerúndio parece indicar que foi um processo gradual, de pouco em pouco. Ainda na

linha um, ela diz que a prática de exercícios proporciona melhoras, e utiliza­se do

termo “a gente” que parece indicar que isso é um senso comum, que melhora para

todo mundo mesmo, e que com ela não teria sido diferente. O uso do termo “negócio”,

como sujeito da frase, aquilo que “vai melhorando”, denota certa imprecisão em definir

o que de fato tenha melhorado.

Nas linhas dois e três, a locutora inicia um pool de exemplos na tentativa de

clarificar as melhoras funcionais das quais fala. Pode­se observar, nesses exemplos

(linhas dois a quatro), que ela realiza diversas pausas na fala e não tem certeza de

como descrever suas idéias, indagando o entrevistador com a frase “como fala?”,

solicitando, assim, sua ajuda. Após a conclusão de que teria ficado mais veloz (“mais

rápida”, linha três), ainda faz uma outra pausa, expressa­se com a face em sinal de

dúvida e utiliza o movimento de elevação e depressão dos ombros, sucessivamente,

para demonstrar que não sabe ao certo que de fato tenha melhorado.

Na seqüência, conclui que estender o braço para alcançar algo no armário,

pode ser um indicativo de melhora. No entanto, ainda não parece ter certeza dessa

colocação, pois adverte o entrevistado, como se pedisse sua confirmação, com a

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expressão “né”, que significa “não é”, “não é isso mesmo”, “não está certo”. Além

disso, cita que a professora do programa (M.) dizia isso, então deve estar certo;

conseguir alcançar o armário é uma melhora decorrente da prática de atividade física,

e adverte o entrevistador novamente, pedindo sua confirmação com a expressão “né”.

Em seguida, relata que apresentava tendinite no braço direito e o movimenta,

exemplificando que pode movimentá­lo, e conclui que isso foi decorrente de ter

ingressado no programa de educação física do Projeto Sênior. Ainda destaca que fez

até fisioterapia, para demonstrar que o problema era grave, e que com a prática de

exercícios isso melhorou. Finaliza ressaltando que, após a prática exercícios, não

precisou fazer mais nada para o braço, que o exercício é suficiente para suprimir a

tendinite.

Trecho 2

Assunto: Sobre as possíveis diferenças no cotidiano após o período de treinamento

resistido.

(Esse trecho foi dito após ser solicitada a contar como foi sua experiência no período

de exercícios resistidos)

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Ah, no começo eu sentia, tava meio cansada... Chegava em casa cansada...

Com dor no braço, com as coisas... Porque tinha que ir lá de tarde ai já puxava

mais, de manhã aqui, de tarde lá... Aí já ficava... Ficava bem cansada, “né”, mas

vai passar... É, e foi assim, no dia que eu não ia pra lá... [...] Então, aí foi

melhorando... Já não me sentia tão cansada, “né”... Fui fazendo e não me sentia

tão cansada... Meu dia a dia melhorou muito... Só me estressou agora no final...

Com o problema lá em casa [...] a gente tem que... Eu acho que melhora “né”,

por que você tem um pouco mais de força, não se cansa à toa... Faz as coisas

mais adequadas, sei lá [...] Nas pernas, a gente sente mais força... “né”, no

braço também, “né”... Fui sentindo diferença... No braço, nas pernas... [...] braço

e perna? Com as pernas a gente anda, “né”... E com os braços carrega sacola...

Sacola... Vassoura...

Ao ser questionada sobre as diferenças no cotidiano que a musculação poderia

ter ou não ocasionado, a entrevistada inicia o trecho com a interjeição “ah”, com o

sentido de que isso era um tema importante, que deveria ser relatado. Prossegue e diz

que, no início do programa, sentia­se um pouco cansada e enfatiza isso ao dizer que

voltava pra casa cansada e, além de cansado, com dores nos braços. Nesse ponto,

entende­se que a mudança que o programa ocasionou em sua vida foi o adendo de

uma tarefa que a levasse a um cansaço não presente anteriormente.

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Nas linhas dois a quatro, ela explica o motivo de seu cansaço e conclui que era

o excesso de atividade, pois participava do programa de exercícios resistidos pela

manhã e, no período vespertino, realizava sessões de ginástica em grupo. Refere­se a

essa atividade com o advérbio “lá”, pois anteriormente, em sua narrativa, havia

comentado sobre. E realça, novamente, (linha três), que ficava muito cansada, com a

utilização do advérbio “bem”. No entanto, ela frisa que isto deve ser circunstancial,

com a frase “mas vai passar”. Volta a enfatizar que o problema de seu cansaço era o

acúmulo das sessões de exercícios, finalizando com uma frase que parece concluir no

sentido de que, quando não ia para a sessão de ginástica, o cansaço não era tão

evidente, “no dia que eu não ia pra lá...”(linha quatro).

A locutora conclui, na linha quatro, que o cansaço foi diminuindo, com a

expressão “aí, foi melhorando”, mas que ainda se sentia cansada, mas não tanto, com

o emprego do advérbio ”tão” precedendo o adjetivo cansada, e utiliza­se do recurso da

repetição da expressão “tão cansada” (linhas cinco e seis) para enfatizar esse estado

que diferia do primeiro momento relatado. Conclui, então, que seu cotidiano melhorou

muito, já que o programa já não a deixava tão fadigada.

Ainda realça que piorou no final do período do programa, referindo­se a um

problema familiar que a fizera sair de sua rotina, como havia já comentado em sua

narrativa e a cansara novamente. Retoma o relato sobre as influências de programas

da exercícios no cotidiano e não se refere às suas melhoras específicas. Utiliza­se do

termo “a gente” para denotar que isso deve acontecer mesmo com quem faz este tipo

de atividade; ela acredita que melhora e isso se traduz pela frase “eu acho que

melhora “né”, associando uma possível melhora da força à diminuição do cansaço,

mas não tem certeza de tais proposições, pois finaliza, na linha nove, com o termo “sei

lá”, que significa “não sei”, “não tenho certeza”, “acho que deve ser assim”. Ainda

mais, utiliza­se do recurso “né”, como que se solicitasse ao entrevistador uma

confirmação, no sentido de “não é?”, “isso não é assim mesmo?”.

Na linha nove, ela continua a exemplificar o que seriam as melhoras

decorrentes de um programa de exercícios de força com a frase “nas pernas a gente

sente mais força “né”. Essa frase coloca como sujeito o termo ”a gente”, no sentido de

que todos aqueles que fazem esse tipo de atividade melhoram a força nas pernas,

assim como nos braços (linha nove). Ao final dessas colocações, utiliza­se do termo

“né”, já explicado, solicitando a aprovação do entrevistador. Conclui, então, na linha

dez, que foi sentido diferença, sim, nos membros citados, já que tinha participado de

um programa de força.

Na seqüência, ao ser indagada sobre como teriam sido essas melhoras nos

membros ressaltados, responde que, nas pernas, o andar melhorou, pois essa é a sua

função e, nos braços, o carregar de sacolas melhorou, pois esse é um atributo

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importante para o membro citado. Deve­se destacar que se utiliza novamente do

termo “a gente”, que denota que todo mundo, e não só ela, melhora o andar e o

carregar se incrementar a força dos membros citados.

Trecho 3

Assunto: Sobre a diminuição da freqüência semanal

(Trecho relatado após descrever o período em que seu marido estava no hospital,

mesmo momento em que houve a diminuição da freqüência semanal)

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Não, no começo foi mais puxado porque a gente não tava acostumado com a

musculação... Aí duas vezes... A gente tava acostumando... Aí quando passou

pra uma. [...] ficou tranqüilo [...] Olha duas vezes tava bom né... Mas, pra mim,

era meio puxado por causa da casa, né, sair muito... Se eu não tivesse as

crianças, você sai tranqüila... Você vai sair sempre com aquela preocupação, de

dar café... Minha mãe é diabética... Tem horário certo, não pode passar do

horário... [...] Funcionou bem...

Ao relatar sobre o período de diminuição da freqüência semanal, a locutora

revela que não sentiu alteração na prática dos exercícios resistidos e ressalva que, no

início, foi mais difícil, pois não estava acostumada. Nesse ponto, ela usa o termo “a

gente” para explicitar que não somente ela percebia que não estava adaptada a essa

modalidade de exercício, mas, sim, todo o grupo que participava das sessões de

treinamento. Prossegue e diz que todos estavam (“a gente”) se acostumando com a

freqüência semanal inicial (dois dias) e, quando isso ocorreu, iniciou­se o período com

uma vez semanal que, pare ela, ficou mais tranqüilo.

Explica que diminuir a freqüência semanal, para ela foi bom, melhor que duas

vezes, isso fica claro pela frase “mas, para mim, era meio puxado”, que contrapõe a

frase anterior (“olha duas vezes tava bom, né”) e, ainda, porque finaliza o trecho com a

frase “funcionou bem”, teve efeito. A primeira fase, para ela foi satisfatória, mas um

pouco exaustiva (‘”meio puxado”), por razão do serviço caseiro. Complementa que

essa foi a principal razão, pois utiliza a conjunção “se”, que estabelece a condição de

que se não precisasse cuidar de sua mãe e do marido (refere­se a essas pessoas com

o termo “crianças” para exemplificar o tipo de trabalho que eles representam), poderia

sair de casa sem preocupação. Ainda chama a atenção para sua mãe que, além de ter

94 anos, possui diabetes, fato que acentua seu cuidado e dificulta suas saídas para

participar do programa. E finaliza com o termo “funcionou bem”, já explicitado, e que

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indica que, para ela, a redução da freqüência semanal a ajudou no equacionamento

de seus compromissos familiares.

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 4:

Assunto: Sua situação de vida antes de ingressar no Projeto Sênior

(Trecho proferido pela solicitação de contar sua experiência no ingresso do Projeto

Sênior)

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Quando eu fui convidada,, aqui no Sênior para participar, eu tava meio

“paradona”... Eu tinha levado um tombo, “né”. Fui pegar um ônibus na Paes de

Barros, corri e caí... Então, eu falei: bom, eu já tô na idade de “manerar”, ir

devagar [enfatiza com a elevação do tom de voz] por causa da idade [enfatiza novamente com o tom de voz], então, devagar, “né”... Não tinha nenhuma atividade, tinha que ir devagar, “né”... Aí, quando eu fui convidada para participar

já tinha medo de pegar ônibus sozinha, fiquei meia traumatizada, “né”... Aí o

Matheus chamou, eu vim... Participamos... E eu fui voltando a ser o que eu era,

“né”... Aí, eu comecei o curso... E ai eu comecei a voltar outra vez... Me libertar

outra vez...sair sozinha... Pegar ônibus... Voltei... Mais agitada do que eu já era...

Trecho 5:

A locutora inicia o trecho três ressaltando que, no momento que ingressou no

Projeto Sênior, não praticava nenhum tipo de atividade física, estava “paradona”,

parada, sem movimentar­se. Explica que estava nessa situação por motivo de uma

queda (“tombo”), ocasionada por uma corrida que objetivava o ingresso em um ônibus.

Inicia a sua conclusão do evento com a frase “então eu falei”, que significa que refletiu

sobre o ocorrido e, a partir dessa conversa consigo, conclui que o evento da queda

ocorrera devido à sua idade e exalta o termo “idade” elevando o tom de voz.

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Depois que eu caí, aí, eu fiquei com medo de subir no ônibus mesmo... mas

agora, depois do curso não..subo no ônibus numa boa, desço, sem ajuda de

ninguém, graças a Deus, por enquanto... E “vamo” em frente... [levanta as sobrancelhas, arregala os olhos e continua a relatar] Sair e entrar dentro do

carro era mais difícil... agora, atrás ou na frente, entra bem e sai... [finaliza com um sorriso e satisfação]

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Prossegue e diz que está em um período da vida que é necessário diminuir a

intensidade da movimentação, que é preciso “manerar”, enfatiza essa redução ao

repetir o advérbio “devagar”, duas vezes e, ao colocá­lo após a palavra “então”, que

denota uma conclusão concretizando com o advérbio “devagar” (ressalta com a

elevação do tom de voz). Ademais, finaliza com o termo “né”, já explicitado, solicitando

a confirmação ao entrevistador de que sua conclusão estava coerente. Isto significa

que ela deveria, a partir de então, diminuir a intensidade de sua movimentação, pois

está velha. Retoma a fala, e reafirma que não praticava nenhum exercício físico (linha

cinco: “não tinha nenhuma atividade”) e, por esse motivo, não tinha outra escolha

(utiliza o verbo “tinha”, no sentido de ser algo obrigatório), a não ser movimentar­se

devagar.

Segue a narrativa e relata que, ao ser convidada para participar do Projeto

Sênior, já apresentava medo de pegar ônibus sozinha e acrescenta que isso decorre

de um trauma, instaurado pelo evento da queda. Relata que, pelo convite de um

amigo, veio participar do projeto e foi retornando à sua condição anterior ao evento da

queda, recobrou sua realidade: “fui voltando a ser o que eu era”. Utiliza o verbo voltar

no gerúndio (“voltando”), para indicar que não foi de uma vez, mas, sim, aos poucos,

no decorrer da participação do programa. Nas próximas duas frases da linha nove, é

interessante notar que ela utiliza o recurso da repetição da frase “eu comecei”, e

denota a relação direta de fazer o Projeto Sênior e retornar a ser a pessoa que era

antes da queda, que pode ganhar a liberdade, que pode sair sem assistência (“sair

sozinha”). “Pegar ônibus” enfatiza, “voltei”, ressalta, com um sentimento de que

superou o trauma e que ainda estava melhor, “mais agitada do que já era”.

No trecho quatro, ela inicia com o advérbio “depois“ para deixar claro que foi

somente após o evento da queda, que aflorou o medo de subir no ônibus. Enfatiza

ainda, no inicio da frase, com o termo “aí”, que quer dizer “então”, que foi a queda que

gerou o medo de subir no ônibus. Finaliza a frase com o advérbio “mesmo”, para

ressaltar que era um medo importante, que não era qualquer medo, que era um medo

real. No entanto, frisa novamente, iniciando a frase com a conjunção “mas”, que isso

não corresponde mais no momento presente (“agora”), que se opõe à frase anterior,

que, após o ingresso no curso (refere­se ao Projeto Sênior), não apresentava mais

medo de subir no ônibus.

Realça a situação presente com a frase “subo no ônibus numa boa”, já que

utiliza o termo “numa boa”, que denota: “faço bem”, “realizo sem problemas”, “sem

dificuldades”. Complementa que não somente sobe “numa boa”, no ônibus, mas,

também, desce dele sem dificuldades e sem a ajuda de outras pessoas. No entanto,

ela ressalva que isso acontece pelo menos até o momento presente, “por enquanto”.

Conclui com a frase “e ‘vamo’ em frente”, para deixar claro que isso a possibilita de

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seguir sua vida, que agora pode locomover­se sem o sentimento de medo que

apresentara em outrora. Nesse momento, a locutora, eleva as sobrancelhas, arregala

os olhos, para introduzir em tom de importância, a próxima informação. Antes do

programa, ela tinha dificuldades para sair do carro e entrar nele, mas, no momento

presente, seja em qualquer circunstância para utilizar automóvel, “atrás ou na frente

entra bem e sai”, isso não mais ocorre, e finaliza com um sorriso de satisfação de

vitória.

Trecho 6:

Assunto: A tendinite

(Trecho descrito ao ser solicitada a esclarecer seu problema com a tendinite)

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A tendinite me atrapalhava bastante... Não dava pra fazer um monte de coisas...

Porque doía aqui, assim né... Daí você vai pendurar uma roupa, o braço não

levanta... Vai pegar uma coisa, o braço não levanta... Vai pegar um peso, ele grita!

Então não dá pra você esquecer... né... Daquela dor, ela tá ali constante...

Perturbando...

A locutora esclarece que a tendinite a atrapalhava muito no dia­a­dia. Enfatiza

esse incomodo com a frase “Não dava pra fazer um monte de coisas”, e utiliza o termo

“monte”, que quer dizer grande quantidade, muito, para deixar evidente que a tendinite

atrapalhava significativamente. Segue com a utilização da conjunção “porque” para

elucidar os motivos de tanto incômodo: a presença de dores em uma região do braço

,e demonstra apontando para o referido segmento.

Segue exemplificando com atividades do cotidiano que eram influenciadas pela

impossibilidade de movimento do braço e usa o recurso da repetição da expressão “o

braço não levanta” (duas vezes, linhas dois e três) para realçar o comprometimento

que a tendinite ocasionava no braço. A doença a impedia de realizar suas atividades

domésticas. Na frase, “Vai pegar um peso, ele grita!”, ela ainda retoma a questão,

metaforicamente, de que o braço não apenas não levantava, mas, sim, doía (“grita”),

assim como uma pessoa grita ao sentir uma forte dor. Ela conclui com o advérbio

“então”, que, nesse caso, pode significar “portanto”, que não é possível esquecer a

dor, ela era constante, aparecia, perturbava, em qualquer que fosse a ação do braço,

levantar ou agarrar um peso.

Trecho 7 (Caderno de campo) 25/10/2004

Assunto: A tendinite

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01 Diminui o peso, estou sentindo minha tendinite...

Nesse trecho relatado no caderno de campo, na segunda fase do programa, realça um

pedido do Sujeito B para diminuir o peso, pois sentia dores no ombro, devido sua

tendinite, ao realizar o exercício de supino. O tom imperativo com que inicia a frase

(“diminui o peso”) denota sua preocupação em não deixar opções para o professor

que auxiliava, ele tinha que diminuir a carga sem hesitações. Explica essa

necessidade, em virtude das dores que sentiu decorrentes de sua tendinite na frase

“estou sentindo minha tendinite...”.

Trecho 8

Assunto: Suas atribuições domésticas

(Trecho descrito a partir do questionamento sobre sua rotina diária)

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O que eu faço...? Eu faço tudo [exibe um sorriso de satisfação, orgulho], eu lavo, passo, cozinho, limpo casa, cuido das minhas crianças, que são duas... [ri um pouco] É minha mãe de 94, meu marido com 78... E cuido deles faço tudo... Saio, faço compras... Vou no banco pagar contas... Faço tudo...

A locutora responde prontamente, sem hesitações, sobre suas atribuições

domésticas. “Eu faço tudo”, explica, e exibe um sorriso de satisfação ao declarar sua

responsabilidade. Além das atividades domésticas bem conhecidas (lavar, passar,

cozinhar, limpar), enfatiza que tem que cuidar de suas crianças, referindo­se aos

constantes cuidados com sua mãe e marido. Realça ainda a sua responsabilidade ao

delatar a idade deles, demonstrando que isso é adicional às suas atribuições

rotineiras.

Ela retoma, utilizando o recurso da repetição da frase “faço tudo”, com o intuito

de reforçar que ela é responsável por todo e qualquer trabalho em sua casa. Além

disso, faz questão de frisar que não é apenas no ambiente doméstico que suas

atribuições são solicitadas, mas também na resolução de problemas que extrapolam o

trabalho caseiro, como fazer compras e ir ao banco, tarefas que elevam ainda mais

seu nível de responsabilidade.

Trecho 9

Assunto: sobre sua rotina

(Trecho relatado para complementar a descrição de sua atual rotina)

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06

Ultimamente é que eu fiquei um pouco mais agitada, não sei se é muita

responsabilidade, muita coisa. Então, eu acho que eu tenho que correr um

pouco mais, pra dar tempo de fazer tudo... Eu vinha aqui duas vezes por

semana... Quando começou né... Uma vez por semana, eu ia na aula de

pintura...quinta­feria.. Então, eu tinha que correr pra dar tempo de fazer tudo... e

as minhas atividades também, “né”...

No trecho oito, o locutor enfatiza que suas atividades rotineiras intensificaram­

se ultimamente, e atribui a isso sua falta de tempo e a necessidade de acelerar sua

dinâmica diária. Ela inicia o trecho, enfatizando que ficou mais agitada, no sentido de

nervosa, irritada. Remete­se ao excesso de responsabilidade que contraiu

recentemente com os cuidados que precisa manter após o infarto do seu marido, já

relatado anteriormente na sua narrativa. Inicia, na linha dois, a conclusão desse fato e

discorre dizendo que tem que “correr um pouco mais”, no sentido de que tem que

fazer suas tarefas diárias mais rapidamente para poder cumprir todas as suas

atribuições rotineiras.

Ressalva que tinha assumido o compromisso de comparecer às sessões de

treinamento duas vezes na semana, além do curso de pintura que ocupava também

suas tardes de quinta. E conclui, novamente, com a repetição do termo “eu tinha que

correr”, ou seja, acelerar a dinâmica diária, fazer todas suas atividades rapidamente.

Nota­se, também, que a locutora refere­se a suas atividades domésticas e de

assistência ao marido com o pronome indefinido “tudo”, pois suas atividades pessoais

(“minhas atividades”), ele não inclui nesse “tudo”, pois para ela, essas atividades são

de natureza distinta, prazerosas, como relata no decorrer de sua narrativa. Finaliza o

trecho com o termo ”né” (não é), momento em que adverte o entrevistador, na

seguinte direção: “não é mesmo, eu tenho que fazer também as minhas coisas, aquilo

que eu gosto”.

Síntese da entrevista do sujeito B

O participante B relata que sentiu melhoras funcionais, mas não exibe certeza

sobre tais melhoras tanto ao falar sobre a experiência do Projeto Sênior (trecho um),

como ao falar do programa de exercícios de força realizado neste estudo (trecho dois).

Seus relatos sobre sua funcionalidade são repletos de reflexões e tentativas de narrar

o que seria a resposta certa, adequada. Sobre a redução da freqüência semanal, ela

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1 2 3

supino

leg press

cost as

ombro

glut eos

discorre que foi importante, pois restou mais tempo para cuidar de suas “crianças”, sua

mãe e marido (trecho três).

Sobre seu contexto de vida relata, nos trechos quatro e cinco, que, antes de

ingressar no Projeto Sênior, sofrera uma queda que a deixou com medo de realizar

ações cotidianas, principalmente subir em ônibus. No entanto, destaca que, após a

participação no programa, voltou a realizar suas atividades cotidianas sem medo.

Ainda relata que sofre de tendinite no braço, e que isso também já a incomodou

bastante (trecho seis). Além disso, em discurso registrado no caderno de campo,

pode­se perceber que a tendinite ainda a incomoda (trecho sete). No trecho oito,

descreve suas atribuições domésticas e destaca que é responsável por tudo, inclusive

o cuidado com sua mãe de 94 anos e seu marido com 78. No último trecho (nove),

destaca que sua rotina ficou mais “agitada”, mais atribulada, por ocasião da doença de

seu marido, e, por isso, tem que ser mais veloz com os afazeres domésticos, para

poder fazer suas coisas, ou seja, aquilo que lhe é pessoal.

O desempenho da força muscular

Com relação ao desempenho da força muscular (Figura 2), nota­se que apenas

nos exercícios supino, costas e glúteos experimentaram uma elevação no primeiro

período. No entanto, no exercício costas, houve uma redução da força para os valores

iniciais. No supino houve uma redução, no segundo período, para os valores abaixo

dos iniciais e, no exercício glúteos, essa participante experimentou uma manutenção

da força adquirida no primeiro período. No exercício leg press, houve uma manutenção no primeiro período e uma diminuição no período seguinte. No exercício

ombro, não houve evolução em nenhum período.

Figura 2 ­ Desempenho da força muscular do Sujeito B nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

kg

70

SUJEITO C

Participante do sexo feminino, com 79 anos. É Solteira, mora com uma irmã, um

sobrinho e uma cunhada. Freqüenta ativamente a paróquia de sua região e pratica

aulas de exercícios físicos oferecidas por um programa de televisão, três vezes por

semana, durante trinta minutos. Participou do Projeto Sênior de 2002 e é

freqüentadora assídua do Projeto de Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1

Assunto: sobre as diferenças percebidas no período do programa

(Trecho descrito no momento em que narrava sua expectativa com a participação no

programa de exercícios resistidos)

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Olha, eu não sinto tanta dor na coluna... Que era de cabo a rabo a dor [indica com as mãos: uma na coluna cervical e a outra na região sacral]. E eu não sinto tanto... [enfatiza a última palavra com o tom de voz] Isso eu achei que melhorei um pouco... Por causa da musculação. Mas o braço, esse não quer sarar não.

Porque o médico quer fazer mais um raio x do braço para ver o que que é.

Então, disse para a S. [professora do programa]... Pra ela também dói...

Trecho 2

01

02

E, na coluna, eu tenho: cervical, dorso lombar... Escoliose dorso lombar... "[...]

É... A médica falou que é “bico de papagaio”...

Analises dos trechos 1 e 2

A locutora destaca algumas percepções acerca daquilo que teve alteração com

relação à sua capacidade funcional. Ela ressalta, na primeira frase, com o adendo do

advérbio “tanta”, que as dores na coluna persistem, mas em intensidade menor do que

antes do período de participação no programa. Relembra e prossegue com a frase

“que era de cabo a rabo a dor”, com a intenção de explicitar para o entrevistador que a

dor em sua coluna a afligia em toda a sua extensão, com a metáfora “de cabo a rabo”,

que significa do início ao fim.

Retoma e usa o recurso da repetição do advérbio “tanta”, para deixar claro que

as dores diminuíram, mas não cessaram completamente. Na próxima frase, retoma o

assunto da dor na coluna com o uso do pronome demonstrativo “isso”, e segue

realçando que, de fato, sentiu alguma melhora, mediante a utilização do advérbio

“pouco”, que, nesse contexto, significa que houve melhora, mas não totalmente. Na

71

frase seguinte (“Por causa da musculação”, linha quatro), conclui que foi a prática de

exercícios resistidos a causa dessa melhora que relatara anteriormente, ao introduzir a

frase com o termo “Por causa”, que indica: por esse motivo, por essa razão.

Ainda na quarta linha, ela inicia a frase com a conjunção adversativa “mas” que

indica contraposição à frase anterior. Ela tem a intenção de mostrar que o braço não

apresentou melhora como ela relatou com relação à coluna, se opondo, assim, ao

efeito percebido na coluna, mediante a participação no programa de exercícios

resistidos. Além disso, é importante destacar que ela finaliza a frase, indicando que é o

braço que não quer melhorar (“esse não quer sarar não”), como se o membro não

correspondesse ao seu desejo; que não fosse parte dele, que ele fosse independente

de seu corpo; que poderia determinar sua condição de funcionamento, curar ou

continuar adoecendo.

A locutora ressalta que o médico quer examinar e radiografar novamente o

braço (“quer fazer mais um”), para tentar estabelecer um diagnóstico, e realça com

essa colocação a gravidade do problema, que nem mesmo o médico conseguiu

identificar. Destaca ainda mais sua dúvida e indignação com o braço que não melhora,

ao relatar que pediu a confirmação para o professor que atuava no programa, e a

locutora parece se confortar ao saber que esse tipo de dor não é sua exclusividade,

mas que atinge, também, a professora (“para ela também dói”).

No trecho dois, ele já havia ressaltado anteriormente, em sua narrativa, que

sua coluna apresenta muitos problemas. Inicia o trecho com a frase “E na coluna eu

tenho:”, faz uma pausa e prossegue, com a intenção de enumerar as diversas

complicações que lhe afligem na coluna e conclui, com o apoio da fala da médica, que

é “bico de papagaio”.

Trecho 3:

Assunto: sobre melhoras a partir do programa de treinamento resistido

(Narrado após a descrição de suas expectativas com o programa)

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Bastante, bastante... “Magina”, eu não tinha tantas condições de erguer o

braço... “Tô” erguendo o braço [abduz e aduz os ombros para demonstrar a movimentação que relata], só que na força é que é o pior, ergo bem o braço [realiza o mesmo movimento anterior]... Movimento, tudo... Faço força, assim, pra ver se ele fica no lugar... [estende os ombros com os cotovelos flexionados no plano horizontal e comprime o ombro direito com a mão esquerda, e demonstra o movimento que declara e ri] Mas eu me sinto melhor... não bem,

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bem [enfatiza a última palavra com o tom de voz].. não estou ainda, daqui... Porque isso aqui é um outro caso a parte... [...] Isto aqui, disse que é

calcificação... Então, falei para a médica: “quer dizer que eu não posso tomar

mais cálcio?”... Não, não, tem que tomar [respondeu a médica]... Então quer

dizer é calcificação e como é que dói... Eu não entendo... [...] Um pouco.

Nesse trecho, a locutora relata que notou diferenças no seu cotidiano, e que

foram significativas, pois inicia a frase com a repetição do pronome indefinido

“bastante”, com intenção de frisar que ela percebeu mesmo diferenças a partir da

participação do programa. Inicia a próxima frase com a expressão “magina”, que

significa “você pode imaginar”, para introduzir uma situação vivida ao entrevistador

sobre sua impossibilidade de movimentar seu braço. Explica que não exibia muitas

possibilidades de movimento com o braço, mas que exibia algumas, que fica claro a

partir do emprego do advérbio “tantas” precedendo o substantivo “condições”, já que

alguma movimentação ela podia realizar.

Prossegue e demonstra como pode movimentar seus braços, e realizando tal

exibição, abduzindo e aduzindo os ombros em sua máxima amplitude, para deixar

bem explícito que sua capacidade de movimento é ampla. No entanto, ela explica que,

apesar de poder movimentar o braço em grande amplitude, parece não apresentar um

potencial suficiente para imprimir força. Contrapõe, logo em seguida, que pode

levantar, sim, satisfatoriamente o braço, com o emprego do advérbio “bem” que

precede o substantivo “braço” na frase “ergo bem o braço”. Enfatiza novamente que

esse movimento é possível, através da sua demonstração e finaliza dizendo

“movimento, tudo”; essa última afirmação objetiva destacar que seu movimento é total,

que, com relação à ação de movimentar o braço, ela pode fazer tudo. Sua idéia é dizer

ao entrevistador que o programa teve influências positivas, ao menos na

movimentação do braço, mas que ainda o membro apresentava dificuldades, se o

caso necessitasse utilizar sua força.

A locutora relata que tenta solucionar os problemas de movimentação do braço

direito comprimindo­o com a mão esquerda. Utiliza o advérbio “assim” para chamar a

atenção do entrevistador sobre o movimento que realiza na tentativa de sanar o

problema que vive com o braço direito, com o intuito de pô­lo no lugar certo, embora,

fisicamente ela sabia, que o braço não está espacialmente fora de posição. Finaliza

essa frase com uma breve risada, dando margem a compreender de que sabe que isto

não faria nenhum efeito. Prossegue e enfatiza, iniciando a frase com a conjunção

adversativa “mas”, para se contrapor ao relato anterior, no sentido de que, embora

ainda sinta dores no braço, ela se sente melhor.

73

No entanto, ela complementa e esclarece que não está totalmente bem, com a

repetição do termo “bem”, duas vezes, precedido do advérbio de negação “não”, na

frase “não bem, bem”, e ainda enfatiza que não está perfeitamente bem, pronunciando

o último “bem” em intensidade maior de voz. Explica que não está bem “ainda”, no

sentido de que tem esperança de melhora, de que um dia o braço vai melhorar, e

refere­se ao braço com a contração da preposição “de” com o advérbio aqui: “daqui”,

que significa desse lugar, desse ponto do meu corpo. E explica que esse caso é um

caso distinto, inusitado, é “um outro caso à parte”. Relata sua indignação com a

aparente não solução do caso, com o momento em que indaga sua médica sobre o

problema; não se satisfaz com a resposta e finaliza: “eu não entendo”. A última frase,

“um pouco”, refere­se novamente a que o período de exercícios resistidos teve certa

importância na melhora de seu braço, mas, como ressalva, não totalmente.

Trecho 4

Assunto: Sobre a redução da freqüência semanal

(Trecho dito como continuação dos relatos sobre a percepção das melhoras

funcionais)

A locutora relata que não apreciou a redução da freqüência semanal proposta

no programa. Exprime sua opinião ao utilizar o recurso da repetição do termo “ruim”

em dois momentos na linha um. Com a utilização da conjunção “porque” (linha um),

inicia a explicação dos motivos que a levaram a construir tal opinião sobre a redução

da freqüência semanal com uma situação hipotética que reproduz a situação vivida no

período do programa. “Porque você fez hoje”, exemplifica, e, se não puder realizar

outro dia, pode­se tentar realizar em casa. Utiliza­se do termo “a gente” para denotar

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Eu acho que foi ruim... Ruim... Porque você fez hoje... Em casa a gente pode

fazer, mas falta os pesos... Então, tornou­se mais longo e quando a gente

volta...parece que “força” mais... [...] tá forçando mais...você fica uma semana

sem fazer... Ainda mais quando é numa quinta­feira... Quando, na segunda, não

tinha, “né”. Então ficava uma semana e mais uns dias... E ai eu sentia mais

fraqueza... Quando fazia aquele movimento... Custava mais um pouco... Se bem

que até caí... Teve dia que eu fazia só oito... Quer dizer que caí um pouco...

Porque, porque não fez... quer dizer que tem que ser todo o dia... Tem que

comer arroz feijão todo o dia... [...] é que quando a gente volta, já enfraqueceu

um pouco... Porque aí, você faz mais força... Mas se puder uma vez por

semana... É melhor uma vez por semana do que nenhuma, né?

74

que essa seria uma possibilidade de solução que todo o grupo, e não somente ela,

poderia propor.

No entanto, isso seria difícil, com a utilização da conjunção “mas”, que indica

contraposição à idéia anterior; de que isso é pouco provável porque, em casa,

faltariam os materiais adequados. Mediante a impossibilidade de realizar mais uma

vez por semana em casa, o tempo de intervalo entre uma sessão e outra ficou mais

longo, conclui. E essa situação faz com que se esforcem mais para realizar os

exercícios com uma semana de intervalo entre as sessões, “força” mais, ou seja, exige

mais dispêndio físico. E continua, “ta forçando mais”, ou seja, a força necessária tem

que ser maior que ao fazer duas vezes por semana, pois ficara uma semana sem

praticar. Na linha 4, a locutora relembra, ainda, que, às vezes, os intervalos entre as

sessões foram maiores do que uma semana, e adverte o entrevistador ao usar a

expressão “né”.

Conclui, então, que o intervalo era maior ainda que uma semana, e sua

sensação de fraqueza se acentuava ainda mais. Exemplifica, abduzindo os ombros

com os cotovelos flexionados, um movimento que exercita prioritariamente o músculo

deltóide, que sua força era menor e esse movimento era mais custoso, exigia mais de

suas potencialidades. O movimento “custava mais um pouco”, ou seja, o custo desse

movimento era um pouco maior de que no período em que podia praticar duas vezes

na semana.

Ainda ressalta que, além de sua percepção de maior esforço necessário aos

exercícios, ela relembra que diminuía o número de repetições realizadas, “teve um dia

que fiz só oito”, enfatiza com o uso do advérbio “só”, ou seja, que foi pouco, que

realizar apenas oito repetições era um numero pequeno e que indicava que ela estava

mais fraca. Conclui com a frase, “quer dizer”, ou seja, isso significa, essa situação

prova que a redução da freqüência semanal fez com que meu rendimento nos

exercícios piorasse, fazer menos repetições significa estar menos forte.

Na linha nove, destaca, com a analogia de que “tem que comer arroz e feijão

todo o dia”, que, para que surta efeito, os exercícios devem ser praticados mais vezes,

assim como devemos comer diariamente para que a comida cumpra sua função.

Chama a atenção novamente para o fato de que com um intervalo de uma semana, o

retorno às atividades é acompanhado de uma diminuição da força. Essa diminuição,

no entanto, não é total, pois utiliza o termo “um pouco”, na frase “já enfraqueceu um

pouco...”. Complementa e explica que sua percepção de fraqueza, após uma semana

de recesso, é concretizada no momento em que necessita aplicar mais força nos

exercício que costuma realizar. No entanto, enfatiza que, mesmo que não seja

75

possível exercitar­se duas vezes por semana, ainda que essa situação leve a uma

diminuição de sua força, ainda é melhor que ficar inativo (linhas 10 e 11).

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 5

Assunto: A vivência com sua mãe doente

(trecho narrado ao contar sobre como percebeu a necessidade de fazer atividade

física e naquele momento a mãe se encontrava doente)

Trecho 6

Assunto: Sobre as condições de saúde de sua mãe

(Relata ao falar sobre os cuidados médicos que sua mãe necessitava)

Nesse ponto, a locutora relata que teve muito trabalho com sua mãe. Utiliza o

termo “a gente” para destacar que não foi somente ela, mas que sua irmã (pessoa que

faz constantes alusões durante toda a narrativa) compartilhou esses momentos. O

montante de trabalho que realizou com sua mãe, intensificado na frase pelo uso do

advérbio “muito”, refere­se a uma constante assistência a sua mãe, por motivos de

doenças. Ela explica e destaca que sua mãe ficou cega e com aterosclerose (uma

doença do sistema cardiovascular) para destacar que, com o comprometimento de um

de seus sentidos, o cuidado tinha que ser intenso, e finaliza iniciando a frase com o

advérbio “então”, que indica conclusão, que, pelos fatos descritos, foi um período

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E a gente teve muito trabalho com ela [mãe]... Ela ficou cega e com

aterosclerose... Então foi um período duro... Foram cinco anos só... Mas foi

duro... (­ela era diabética?) [pergunta o entrevistador] Não, não... Minha mãe,

não... Minha mãe, foi por emoção muito forte... Deu derrame no olho e

estrangulou o nervo ótico... [...] Aí, ficou... Era emocional... É uma doença que dá

aquele dor forte, forte...que nem esses remédios mais fortes acalma a dor...

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É porque minha mãe tava ruim, minha mãe ficou cega... Ficou aterosclerose,

tinha defeito na coluna... A coluna dela era bem tortinha... Por isso que eu acho

que a herança nossa, é dela...

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árduo, penoso em sua vida, com a utilização do adjetivo “duro”. Ainda ressatva que,

embora o tempo de cuidados com a mãe não tivesse sido muito longo, “só cinco

anos”, ela prossegue, e destaca que foi um período curto mas difícil, e repete o

adjetivo “duro”.

Ao ser interrogada sobre as causas da cegueira de sua mãe, se teria sido por

motivo da diabetes, ela responde, prontamente, que não, que o caso de sua mãe foi

outro. Destaca que não foi decorrente de uma doença, mas, sim, de um estado

emocional intenso, e explica as complicações decorrentes, de um “derrame”

(rompimento de uma artéria) no olho, que “estrangulou” (matou, sufocou) o nervo

ótico. Conclui, então, que sua mãe tornou­se cega com a expressão “ai ficou” e

ressalta que foi um problema emocional e não físico. Além disso, com a repetição do

adjetivo “forte” (linha seis), ela reforça que a doença causava um sofrimento intenso e

que não havia remédio poderoso o suficiente para inibir ou dirimir a dor de sua mãe.

Em outro momento da narrativa (trecho cinco), a entrevistada retoma o caso da

mãe e destaca (linha um) que ela estava “ruim”, referindo­se ao estado de doença,

pelo qual configurava­se uma grave situação. Complementa ao relembrar que a mãe

tornou­se cega e apresentava aterosclerose. Destaca que tinha também problemas na

coluna com a frase “a coluna dela era bem tortinha”, e utiliza­se do advérbio “bem”

para enfatizar a condição da coluna de sua mãe que, segundo a locutora, estava

desalinhada, “tortinha”. Em seguida, conclui que a condição da coluna de sua mãe era

a herança genética, que não foi herdada somente para ela, mas por outra pessoa, pelo

uso do pronome “nossa”, que se presume seja sua irmã.

Trecho 7

Assunto: A percepção da funcionalidade do outro

(Trecho dito no momento em contava sua primeira participação em um programa de

atividade física)

No trecho sete, a locutora relata que sente entusiasmo ao fazer atividade física

pela percepção que tem das pessoas que compartilham a prática de exercícios com

ela. Prossegue e enfatiza que existem muitas pessoas como ela, ou seja, muitas

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Porque você se entusiasma, porque você vê a turma em volta... [...] tem muita

gente como eu... eu também admirei muito uma senhora... que já tinha oitenta e

poucos anos... Ela se abaixava com a maior naturalidade... Eu falei, porque ela

faz... Porque que eu, que sou mais nova, não posso fazer?

77

pessoas que são velhas e que procuram realizar exercícios. Prossegue relatando que

admirou muito uma senhora, uma mulher que se abaixava com facilidade, ou seja,

exibia uma aptidão física boa, apesar de passar dos oitenta anos. Então, a locutora

relata e exibe uma reflexão pessoal, mediante essa percepção de outrem, com a frase

“eu falei”, eu pensei, refleti sobre essa situação. A entrevistada conclui com uma

questão (“porque que eu que sou mais nova não posso fazer?”, linha quatro) já que

outra pessoa mais velha do que ela pode fazer movimentos desse tipo (se abaixar

com naturalidade), qual o motivo que a levaria a não realizá­los.

Trecho 8

ASSUNTO: A percepção da funcionalidade do outro

(trecho descrito após relatar a percepção de melhora de suas atividades rotineiras)

O relato observado no trecho oito parece denotar que o seu referencial de

aptidão é a idade. Esse indício já se apresentara brevemente no trecho sete e no,

seguinte, ela destaca esse referencial explicitamente. A locutora estabelece uma

comparação semelhante à do trecho anterior, mas de forma inversa; a faz ao

estabelecer uma relação entre ela e a aptidão de outras pessoas, mas, dessa vez,

com pessoas mais jovens. Ela relata que pode perceber que envelhece, mas realiza

“coisas” (movimentos corpóreos), que pessoas até mais jovens não realizam; essa

situação é uma vitória e conclui: “é uma grande coisa”.

Ademais, com a frase “é tudo ‘né’”, ela reforça sua posição de que essa é uma

conquista honrosa, da qual se orgulha, e pede a confirmação do entrevistador com a

expressão “né”, que significa, “não é verdade?”, “você não concorda?”. E acrescenta,

comparando­se com pessoas de sua própria idade, que se está fazendo movimentos

que muitos de seus contemporâneos não realizam e conclui com a frase: “quer dizer

que eu to recebendo alguma coisa boa”. Essa frase final explicita a conclusão da

locutora que, a partir da comparação com pessoas de diversas idades, ele pode

concluir que tem sido beneficiada.

Trecho 9

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Mas se eu sinto que eu estou envelhecendo e que estou fazendo coisas que

gente mais nova não faz já é uma grande coisa... É tudo, “né”... Porque eu estou

fazendo... E outras pessoas do meu tempo não conseguem fazer... Quer dizer

que eu to recebendo alguma coisa boa...

78

Assunto: A doença da cunhada que vive com ela

(trecho relatado ao contar sobre sua vida familiar)

Nesse ponto, a locutora descreve a situação em que vivia em sua casa, com o

caso da sua cunhada que ficara doente, por motivo de seu filho ter perdido o emprego.

Na primeira frase, “ela caiu em depressão”, o pronome “ela” refere­se à cunhada, que

apresentava um quadro depressivo. Utiliza­se do recurso da repetição da frase “ficou

ruim” em dois momentos, para enfatizar o quadro de gravidade em que se encontrava

a esposa de seu irmão. Complementa a descrição da gravidade do caso com um pool de doenças conhecidas como graves (“tuberculose, hepatite, pneumonia”), para

enfatizar ainda mais a severidade do caso em questão.

Ademais, ela ressalva, na próxima frase, iniciando com o pronome indefinido

“tudo”, que a cunhada teve todas as complicações a que teve direito. Além disso, ela

conclui, com um diagnóstico pessoal, que todas essas situações patológicas

resultaram em seqüelas mentais, pois é concludente ao dizer que tal situação de

enfermidades “atingiu a cabeça dela”. Explica, a seguir, que essas doenças devem ter

prejudicado a função mental da cunhada, pois esta entende agora que todos são

obrigados a ajudá­la; obrigação tal que a locutor a condena.

No inicio de outro relato sobre a cunhada (linha cinco), ela acrescenta mais

uma doença no histórico da mulher de seu irmão: o diabetes. Enfatiza, ainda, que essa

é uma doença que pode ser tratada se a pessoa introduzir em seu cotidiano alguma

prática de exercícios físicos, atitude essa que sua cunhada não leva à ação, embora

tenha condições para isso, como explica a seguir. A locutora enfatiza com frases de

aconselhamento que sua cunhada recebia (não deixa claro de quem) sobre a

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Ela caiu em depressão... Ficou ruim, ficou ruim deu tuberculose nela... Teve

tuberculose, hepatite, pneumonia... Tudo que teve direito ela teve... E eu acho

que atingiu um pouco a cabeça dela, porque ela acha que todo o mundo tem que

ajudar... Então, ela vem na minha casa, tem que pensar em almoço, em jantar,

tem que pensar em tudo... [...] só que minha cunhada tá assim, por que ela é

diabética e a pessoa diabética tem que fazer muito exercício... [...] “Terezinha se

mexe tem uma bengala aqui... Anda com a bengala”... “Tem um quintal grande

aqui...” “Ah, eu ando, eu ando” (resposta da cunhada)... “Que hora que você

andou”... “Ah, logo cedo” (resposta da cunhada). Mentira! Ela não quer saber, a

mente dela achou que ela... Sabe você tem que ter uma força de vontade...

Então eu passo muito nervoso por isso [...] A gente está emocionalmente muito

irritada, porque a gente vê tanta moleza em casa...

79

necessidade da prática de exercícios físicos, e realça, também, relatando frases de

sua cunhada (linhas oito e nove), em que ela dizia que realizava exercícios (“eu ando,

eu ando”). No entanto, a locutora é veemente e adverte que essas falas de sua

cunhada são mentirosas ao ressaltar que isso é “mentira” (linha nove). Prossegue e

conclui que sua cunhada não quer fazer exercícios físicos.

Adverte que isso deve ser culpa de sua condição mental, pois com a frase “a

mente dela achou que ela”, deduz que a falta de vontade para praticar exercícios deve

ter uma origem mental. Força de vontade, determinação é uma condição que a

locutora considera primordial nesse caso. Isso fica explícito ao iniciar a frase com o

verbo “sabe”, advertindo o entrevistador para um conhecimento que ela acha

adequado a essa situação e com a expressão “você tem que ter”, que significa que

sem a tal “força de vontade” você não consegue sair de situações desse tipo. A

entrevistada conclui com o advérbio “então”, que essa é uma situação que a deixa

muito irritada, nervosa, que essa situação de “moleza” , como classifica, é responsável

por um estado emocional danoso.

Síntese do Sujeito C

Esse sujeito relata, nos trechos um e dois, que percebeu que sua participação

no programa de exercícios resistidos amenizou suas constantes dores na coluna, e

destaca também que sofre de dores na região do braço, mas que não foram sanadas

com o programa de exercícios. Por outro lado, no trecho três, destaca que, embora as

dores no braço não tenham diminuído, o programa foi capaz de possibilitar uma

melhor movimentação desse segmento. No trecho quatro, momento em que relata

sobre a redução da freqüência semanal, argumenta que não foi bom porque com um

intervalo de uma semana entre uma sessão e outra, ela sentiu­se mais fraca. Destaca

ainda que em sua opinião, esses exercícios deveriam ser feitos todos os dias.

Com relação ao seu contexto de vida, os cuidados que ofereceu a sua mãe,

que esteve muito doente e veio a falecer, deram­lhe muito trabalho (trecho cinco).

Além disso, destaca que seus problemas de coluna foram herdados de sua mãe

(trecho seis). Nos trechos sete e oito, ela relata que percebe sua funcionalidade a

partir da percepção do outro. No último trecho ele destaca a doença que sofre sua

cunhada e a repreende, porque ela deveria se exercitar como faz a narradora, porque

ela não se rende a essa moleza. Esse fato demonstra a valorização que essa

participante atribui aos exercícios físicos. Parece que, em parte, pratica­os para não

ficar doente como sua cunhada, para não ficar “mole”.

80

0

10

20

30

40

50

1 2 3

supino

leg press

cost as

ombro

gluteos

O desempenho da força muscular

Sobre seu desempenho nos exercícios propostos (Figura 3), pode­se realçar

que esse sujeito experimentou aumento de força em todos os exercícios propostos,

exceto para o exercício glúteos, no primeiro momento do programa. Na segunda fase,

houve a manutenção de todos os valores obtidos no primeiro período, exceto para o

exercício costas que apresentou uma redução no nível inicial.

Figura 3 ­ Desempenho da força muscular do sujeito C nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

SUJEITO D

Participante do sexo feminino, com 75 anos. Mora sozinha, é viúva e mãe de duas

filhas. Freqüenta sessões de hidroginástica, caminhada e alongamento, três dias por

semana, com duração de 45, 60 e 30 minutos, respectivamente. Participou do projeto

Sênior no ano de 2003 e freqüenta o Projeto de Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1:

Assunto: Sobre suas percepções acera do programa de exercícios resistidos

(Trecho narrado ao falar sobre a participação no programa de exercícios resistidos)

01

02

03

Cada dia melhor... Nossa, essa musculação... Eu só perdi aquele dia por causa

da chuva... Foi só aquele dia que eu faltei... Ainda minha filha, “não te convido

mais para ir em lugar nenhum” .. Lá eu não quero faltar mesmo...

kg

81

A locutora inicia o relato sobre sua percepção sobre a participação no

programa de exercícios resistidos com a frase “cada dia melhor”, o pronome indefinido

“cada” que significa uma unidade em um grupo, designa que todas as unidades “dias”

representaram melhoras em sua vida a partir da participação no programa de

exercícios com pesos. Complementa sua satisfação com a frase “nossa, essa

musculação”; a interjeição “nossa”, nesse caso, significa um espanto sobre algo que a

surpreendeu, no caso, a musculação.

Continua o relato e ressalva que ela só não compareceu a uma única sessão

por impedimento de um dia chuvoso, que foi somente aquele dia que faltou,

enfatizando com o emprego do “só”, que significa: apenas, unicamente. Prossegue e

exemplifica com uma advertência de sua filha sobre ele: “não te convido mais para ir

em lugar nenhum”, referindo­se­se a uma situação, a qual escolheu comparecer ao

programa de exercícios de força, ao invés de conceder a um convite da filha. Finaliza

o trecho com a resposta proferida à filha de que “lá” (na musculação), ela não quer

faltar “mesmo” (advérbio que significa: realmente, verdadeiramente), de maneira

alguma ela quer deixar de comparecer ao programa de exercícios com pesos.

Trecho 2:

Assunto: As percepções da capacidade funcional

(Trecho relatado no momento em que contava sobre uma ocasião em que estava

muito doente e sem disposição para realizar nada)

Ao iniciar o trecho a locutora enfatiza que está mais disposta, mas disponível,

com mais disposição (que pode significar “determinação”) para “fazer”. O emprego do

verbo “fazer” pressupõe as atividades do cotidiano, como exemplifica a seguir. O início

da frase seguinte (“tanto que minha casa já esta limpinha agora”, linha um) com o

01

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07

Mais disposta, mais disposição para fazer... Tanto que minha casa já esta

limpinha agora [sorri]... Tenho ela só pra limpar o chão, mesmo, pra mim... O resto... [...] De fazer, de comer [realça com o tom de voz], de comer... Sempre a gente sai animada... Com fome, ”né” ?. Aí eu falo: “agora, eu perdi calorias lá,

agora, eu vou me alimentar”, posso me alimentar... “Tô” sempre controlando o

peso, “né”... Tenho medo quando eu emagreço... engraçado, “né”... todo mundo

quer perder peso, “né”... e eu, quando começo a perder peso, fico apavorada...

82

advérbio “tanto”, que pode significar “de tal maneira”, explica sua maior disposição,

pois, no momento da entrevista (período matutino), sua casa já se encontrava limpa. O

emprego do advérbio “já” ressalta que foi feito sem demora, antecipadamente, e sorri

com satisfação ao exemplificar seu feito. Realça com a frase “Tenho ela só pra limpar

o chão, mesmo, pra mim”, ao referir­se que necessita da empregada (pronome “ela”)

somente para limpar o chão, coloca o advérbio “mesmo” no sentido de que é só isso

que a empregada precisa fazer por ela. Finaliza o assunto com a frase “o resto”, que

significa que o resto do serviço doméstico ele pode contemplar sem ajuda, sozinho.

No início da linha três, ela complementa que exibe mais disposição de fazer,

referindo­se às atividades domésticas. Além disso, destaca outro ponto importante,

devido às atividades na musculação, que se refere à vontade de comer, à fome gerada

pela sessão de exercícios, e enfatiza a palavra “comer” elevando o tom de voz,

repetindo­a duas vezes (linha 3). Coloca ainda que “a gente”, um conjunto de pessoas

no qual ela se inclui, em todas as ocasiões (utiliza­se o advérbio “sempre” que significa

“em todo o tempo”) após as sessões de exercícios, deixavam o local animados,

satisfeitos. Além disso, ela complementa que, além de animadas, as pessoas saem

com fome e adverte o entrevistador com a questão “né?”, que significa, “não é?”, “você

também não acha?”, “isso não é verdade?”.

Acrescenta com uma reflexão pessoal, uma conversa consigo: “Aí, eu falo:

“agora, eu perdi calorias lá, agora eu vou me alimentar”, posso me alimentar” (linha 4).

Neste ponto, conclui que, já que gastou calorias na musculação (“lá”), pode comer, se

alimentar, ela pode, tem esse direito. Continua e declara que é um hábito constante

controlar o peso corporal com a frase “To” sempre controlando o peso “né”, e esse

cuidado contínuo é destacado com o emprego do advérbio “sempre” (sem cessar,

continuamente) e com o uso do verbo continuar no gerúndio, para expressar que essa

é uma situação que está ocorrendo; finaliza essa frase com a expressão “né”, já

explicitada, pedindo a confirmação do entrevistador de que isso realmente é algo

correto.

Na linha seis, ela explica a razão de sua preocupação com a alimentação, pois

a situação de emagrecimento gera um sentimento de medo: “tenho medo quando eu

emagreço”. Continua, a sua próxima frase é “engraçado, “né” ?”, que significa, nesse

contexto, não algo divertido, jocoso, mas, sim, algo estranho, inusitado, e pede

novamente a concordância do entrevistador com a expressão “né”, já comentada.

Explica que acha que isso é “engraçado”, porque todas as outras pessoas, exceto ela,

(utiliza­se da frase “todo mundo”, um grupo de pessoas no qual ela não está incluída)

sentem medo a partir da situação inversa: ganhar peso corporal. E conclui ao falar

83

que, para ela a perda de peso deixa­a assustada, espantada, como disse:

“apavorada”.

Trecho 3

Assunto: O efeito do programa sobre seu problema no joelho

(trecho relatado no momento em que descreve suas melhoras na musculação)

A locutora diz com entusiasmo que estava ansiosa para pode realizar o

exercício de leg press. No momento inicial do programa, não pôde realizá­lo, porque estava com dores no joelho, estava em crise, como se referiu a esses episódios no

decorrer da narrativa. Utiliza­se da repetição da frase “não via a hora de começar”,

para enfatizar sua ânsia em realizar tal exercício. Explica que esse exercício servia­lhe

de parâmetro, para identificar a funcionalidade de seu joelho, era momento de pô­lo a

prova, de testá­lo, nas palavras da locutora: “era o teste do joelho”.

Ela explica que aos inchaços no joelho são constantes, com a frase “eu sempre

tive” (utiliza o advérbio “sempre”, que significa “sem cessar”, “continuamente”) e

aponta para o joelho inchado para iluminar o problema que relata. Amplia sua

descrição ao mostrar que o inchaço, que chama de “bolota”, move­se na condição de

se levantar (utiliza­se da conjunção “se”, “na condição de”), a “bolota”, ela desce um

pouco. Sobre essas circunstâncias, o inchaço é tão evidente que é possível até

segurá­lo com a mão; nesse momento a locutora aponta o joelho e ri da situação, para

apontando para a gravidade do inchaço.

Na linha cinco, revela uma percepção sobre os professores do programa: que

eles tinham medo de que acontecesse algo com seu joelho, talvez uma justificativa

pela proibição a que ela se refere no início da linha um. Na linha cinco, ela inicia a

frase com a conjunção adversativa “mas”, para contrapor­se à idéia de incapacidade

do joelho que relatara anteriormente. Ela relata com o advérbio “sempre” (em todo o

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Não via a hora de começar aquele que você me proibiu...[exemplifica o exercício, com as mãos, e ri] Eu não via a hora de começar... [...] era o teste do joelho [...] Esses inchaços eu sempre tive... Se eu levantar... Aqui, essa bolota

que eu tenho... Aqui, dá até para pegar... [a locutora aponta para o joelho, e ri] Ela desce um pouco... Mas eu sempre, depois do exercício, me sentia bem, não

sentia nada... É... Acho que eu tinha tanta vontade de melhorar, que eu fazia

aquilo com tanto amor... (risos)

84

tempo; em qualquer ocasião), que todo momento que realizava o exercício de leg press, sentia­se bem, não sentia dores. Isso vai de encontro à situação que relatara

anteriormente, pois um joelho inchado não poderia exercitar­se sem dor, mas com ela

foi assim, contraditório.

A locutora chega à conclusão de que a contradição que relatara anteriormente

foi devido à sua vontade de melhorar, que não era pouca, mas, sim, muita, com a

utilização do advérbio “tanta” precedendo vontade. Além disso, foi o amor que sentia

ao fazer o exercício que pode impedir que o joelho doesse. Finaliza com risadas de

satisfação, por aquilo que tinha vivenciado, pela surpresa que tinha presenciado ao

poder exercitar suas pernas sem sentir dores no joelho.

Trecho 4

Assunto: Sobre melhora no período de exercícios resistidos

(trecho narrado no momento em que declara seus afazeres domésticos)

A locutora relata que melhorou bastante no período em que freqüentou as

sessões de treinamento resistido, iniciando o trecho quatro com a repetição do

advérbio “muito”, seguidamente. Exemplifica essa melhora com a ação de subir e

descer a escada da sua casa, uma atividade que realiza em sua rotina diária de

trabalhos domésticos. Lembra que já tentou subir a escada com passos que poderiam

transpor dois degraus em uma só vez, como deixa claro na frase da linha um: “até

tentei subir de dois degrau”. Prossegue (final da linha 1) com o advérbio “aí”, que,

nesse sentido é utilizado para dar continuidade ao caso que relatara (tem o sentido de

“então”), segue e destaca uma reflexão, uma conversa consigo, e conclui que não

deveria abusar de seu joelho, embora tivesse impressão de que poderia subir a

escada de “dois degrau”.

Mas ressalta que isso não a impediria de subir a escada mais rapidamente,

pois poderia subir de degrau em degrau com passos mais acelerados do que de

costume. Ainda destaca um fato que ajuda a exemplificar sua melhoria na habilidade

de subir escadas: a percepção de sua empregada sobre si. A locutora destaca

01

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Muito, muito... A escada... Outro dia, eu até tentei subir de dois degrau... Aí, eu

falei: melhor eu não abusar. Vou de um, mesmo, rápido. Terça feira a menina

veio lá... Pra limpá o chão pra mim... Ela falou: “nossa como a senhora sobe

escada”... Acho que eu subi umas dez vezes, direto, subia, descia... [...] eu levei

o tempo todo, balde com água e pano limpo tudo pra ela... [...] tranqüilo,

tranqüilo. Não senti nada.

85

reproduzindo a fala da moça que lha ajuda: “nossa como a senhora sobe escada”. O

emprego da interjeição “nossa”, no início da frase, significa um espanto, uma

admiração da empregada ao presenciar a habilidade do locutor.

A entrevistada reforça que realizou subidas e descidas da escada, com a frase

“umas dez vezes, direto”; utiliza­se do advérbio “direto” que, nesse contexto, significa

sem parar, sem desvios, recurso pelo qual ela demonstra a intensidade do fato

relatado. Ela acrescenta que repetiu essa ação de subir e descer todo o tempo em

que ajudou a empregada no serviço de limpeza casa (“eu levei o tempo todo”, linha

05).

Ela realça, ainda, que não foi apenas subir e descer escadas rapidamente, por

um período de tempo constante, mas que também carregava baldes e panos para

auxiliar a empregada na limpeza. Ademais, os baldes que carregara não estavam

vazios, mas, sim, com água, o que reforça a intensidade do trabalho realizado. Finaliza

com a ressalva de que fez tudo isso com tranqüilidade e reforça essa afirmação

repetindo o adjetivo “tranqüilo”, por duas vezes (linha cinco), e que, não sentiu dores

(“Não senti nada”).

Trecho 5 (Caderno de campo) 30/08/2004

Esse trecho, transcrito das anotações do caderno de campo, foi proferido pelo Sujeito

D no primeiro mês de treinamento. Ele relata que está andando melhor e complementa

que consegue subir no ônibus. Explica, ainda, que é muito cuidadoso com seus

movimentos, pois não pode depender de ninguém, mora sozinho.

Trecho 6

Assunto: Sobre a redução da freqüência semanal no programa de treinamento

resistido

(Relatado após a descrição de sua habilidade de subir escadas)

01

02

Estou andando melhor... Estou conseguindo subir no ônibus... Faço tudo com

muito cuidado em casa, eu moro sozinha, não posso depender dos outros...

86

Sobre a redução da freqüência semanal de exercícios, a locutora inicia dizendo

que não gostou, que apreciou mais o período em que freqüentou o programa, às

segundas e quintas­feiras. Isso fica claro nas três primeiras frases da linha um. Ainda

complementa que gostou mais porque funciona mais, porque surte mais efeito. Explica

o porquê dessa observação, pois sentiu que perdeu um pouco de força (utiliza a

expressão “um pouquinho”, no diminutivo, para enfatizar que não foi muito),

principalmente no exercício que denominava de “cadeira”, um exercício para o

músculo deltóide, que ela exemplifica movimentado os braços.

Utiliza o recurso da repetição do termo “um pouquinho” (além, de continuar a

usá­lo no diminutivo) para enfatizar que não foi muita força que perdeu. Explica que

isso aconteceu justamente por ocasião da redução da freqüência semanal, porque se

fizesse na segunda e depois na quinta, ela tinha mais força mesmo. Enfatiza essa

explicação com a repetição da expressão “mais força” (linhas cinco e seis).

Trecho 7

Assunto: A redução da freqüência semanal em seu cotidiano

(trecho proferido ao ser indagada sobre o referido assunto)

Ao relatar sobre algum possível efeito da redução da freqüência semanal no

seu cotidiano, a entrevistada é enfática e inicia com o advérbio “não”, segue com a

frase “não senti não”, para confirmar que, o seu cotidiano, a redução da freqüência

semanal não o alterou. Explica que não houve alteração, porque no serviço doméstico

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Eu gostaria... Eu gostei mais de duas vezes por semana. Gostei mais, eu acho

que funciona mais. Perdi um pouquinho, até que não foi muito, “né”... Mais nos

movimentos da cadeira, né [exemplifica o movimento com os braços], Um

pouquinho, um pouquinho. Porque você fazia na segunda... na quinta feira, você

tinha mais... Mais disposição... Não disposição, mais força mesmo...”né”. Mais

força.

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Não. Não senti, não. Fazia a mesma coisa, tudo... Em casa não tem nada muito

pesado... Tem movimentos... Mas de pesado, não tem nada que eu faço de

pesado... [...] Foi, foi suficiente. Tava melhor com duas vezes, aqui... Como você

falou, mas, em casa, tá igual. Foi igual.

87

não há nada demasiadamente intenso, pesado. Ainda ressalva que realiza

“movimentos” (linha 2) e reforça que esses movimentos não exigem de sua força

demasiadamente, com a frase “não tem nada que eu faço de pesado”.

Além disso, utiliza o pronome indefinido “nada”, que quer dizer, “coisa alguma”,

que nenhuma coisa em casa exige aplicação de muita força. E conclui que uma vez

por semana foi suficiente (linha três). Realça ainda que duas vezes por semana foi

uma freqüência melhor para a realização dos exercícios na musculação, que fica claro

com o emprego do advérbio “aqui”, que significa “neste lugar”, na musculação.

Prossegue com a frase “mas, em casa “ta” igual”, que, com o emprego da

conjunção adversativa “mas”, indica contraposição à frase anterior. A locutora se

contrapõe para explicar que duas vezes por semana é suficiente para a realização dos

exercícios da musculação, mas os afazeres de casa são prejudicados pela redução da

freqüência semanal. Finaliza com a frase “foi igual”, que denota que a rotina da casa

se manteve similar, nos dois períodos do programa, com duas vezes e uma vez

semanais.

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 8

Assunto: Sobre seu medo de emagrecer

(Trecho relatado ao ser solicitada a explicar o porque da sensação de emagrecimento

é dolorosa)

Nesse ponto, a locutora explica porque que teme o emagrecimento. Ela relata

que, no momento em que percebe que está em processo de emagrecimento, esse

momento suscita lembranças de seu marido. Ela relata, metaforicamente, que o

marido é o espelho em que ela se enxerga ao emagrecer, ao perder peso ela se vê

como seu marido doente.

Prossegue e explica que, quando a pessoa está com câncer, assim como

esteve seu marido, a pessoa vai enfraquecendo, e utiliza­se do termo “definhando”,

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Quando eu perco peso, eu fico pensando... É o espelho que eu tive na frente,

“né”... Meu marido... Então... Sabe quando a pessoa esta doente, com câncer...

Com coisa assim... Vai definhando... ”né”... Eu nunca assim... Eu sempre fico

deitada pela sala quando eu fico doente... Mas, graças a Deus, eu nunca perco o

apetite...

88

muito utilizado para pessoas com doenças graves. Além disso, com o emprego da

frase “com coisa assim” (linha três), ela quer dizer que não apenas com o câncer se

observa tal definhamento, mas também com doenças similares. Na linha três, utiliza­

se da expressão “né” com o intuito de solicitar a confirmação do entrevistador sobre

aquilo que relata sobre as pessoas com câncer. Ela prossegue com a frase “eu nunca

assim”, ou seja, que nunca fica dessa forma, e segue dizendo que, apesar de sempre

deitar­se quando está doente, não deixa de comer, nunca perde o apetite.

Trecho 9

Assunto: O sofrimento ao ver o marido doente

(Momento em que relata a mudança de residência por ocasião do marido doente)

A locutora, nesse trecho, narra como foi o caso de seu marido e enfatiza, logo

no início de que ele esteve doente por dezoito anos. Retoma o assunto e relembra o

período em que o marido, ficara adoentado. Inicia e descreve que teve que utilizar

muito de sua força com o seu marido com a frase (linha 1) “Fiz muita força também

com ele”. Reflete sobre essa situação e levanta a hipótese que se foi essa situação

que a fez piorar. No entanto, parece que percebe a dificuldade de se atribuir seus

problemas a essa causa e utiliza­se da expressão “sei lá”, no sentido de que não sabe

se é isso mesmo, não tem certeza de que o trabalho com seu marido agravou seus

problemas físicos, já discorridos na narrativa. Na linha dois, ela explica porque tinha

que se esforçar para cuidar do marido e exemplifica algumas das ações que realizava

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Ele ficou doente 18 anos, “né” [...] 18 anos., às vezes eu falo “será que piorei”.

Mas sei lá, para tirar da cama, eu apoiava em minha perna, segurava, não subia

escada, ele ficava numa cama embaixo da escada... Então, deu muito trabalho...

(­ele teve o quê?) três derrames cerebrais, três, dezenove espasmos, (­ele tinha

problema de pressão?) Pressão, diabetes, tanto que emagreceu muito, porque

entrou no regime de diabetes, tudo a gente controlava o alimento, comia o que

podia, mas os derrames foram terríveis. Ficou paralisado. [...] No final era um

bebê. Porque, além do derrame ele teve câncer de próstata [...]. Aí, com o

câncer, foi tendo metástase, todos os ossos, foi terrível... [...] é que depois do

câncer ele tinha muitas dores, aí ele queria eu perto. [...] Quando ele teve o

câncer, ele tinha muitas dores, pegou os ossos, teve metástase, foi operado

duas vezes da próstata. [...] Depois foi piorando, cadeira de rodas... Sempre

piorando.

89

constantemente com ele, como tirá­lo da cama. Além disso, ressalva de que ele não

era capaz de subir escadas, denotando a gravidade do caso. Conclui com essas

passagens (utiliza­se do advérbio “então”) que o marido doente gerou muito trabalho

para ela, pois necessitava de total assistência.

Explica que essa situação de dependência foi causada por três acidentes

vascular­cerebral e enfatiza com a repetição do numeral “três”. Além disso, para

demonstrar ainda mais a gravidade do caso, ela utiliza­se da quantificação novamente

e relata que o marido teve dezoito espasmos. Destaca ainda, ao ser indagada pelo

entrevistador, que o tinha exibia problemas com pressão arterial e diabetes, e que

emagreceu muito decorrente da dieta realizada para controlar o diabetes. No entanto,

com a frase “mas os derrames foram terríveis”, ela ressalva que o que foi de fato grave

foram os acidentes vasculares cerebrais (“derrames”). E destaca que o marido ficou

“paralisado”, imóvel, sem a possibilidade de se locomover o que justifica, então, a

afirmação de que ele deu muito trabalho (linha três).

Na linha sete, ela faz uma colocação de que seu marido, no período terminal

de sua doença, “era um bebê”, uma metáfora que significa que o seu marido estava

em uma situação de dependência similar àquele em que se encontram os bebes. E

explica na próxima frase, iniciando com a conjunção explicativa “porque”, que, além do

problema que atingiu seu cérebro, ele apresentou outra doença, o câncer; por isso,

então que sua dependência foi total, como a de um bebê.

Relata que com o aparecimento do câncer, ocorreu a metástase, ou seja, a

doença se espalhou por outros pontos do corpo, além da região da próstata. E que

essa disseminação atingiu os ossos, e não apenas alguns, pois enfatiza com o

pronome indefinido “todos” de que nenhum osso foi poupado do processo de

metástase. E conclui, na linha nove, que essa situação foi péssima com a frase “foi

terrível”, que faz alusão ao terror, ao pânico. Além disso, enfatiza que com o câncer

ele teve muitas dores, e repete o termo “muitas dores”, nas linhas 10 e 11, para

enfatizar a presença constante de sensações dolorosas.

Lembra, ainda (linha 11), que ele também foi operado duas vezes da próstata,

fato que complementa os fatores listados que agravaram o caso do marido. E conclui

que a piora do estado de doença do marido foi continua, utilizando­se do advérbio

“sempre”, que significa “sem cessar”, que seu estado de doença piorou

constantemente até a morte, como lembrou, todo o tempo em sua narrativa.

Trecho 10

Assunto: O problema no joelho

90

(trecho relatado no momento em que contava suas expectativas sobre o programa de

exercícios resistidos)

A entrevistada inicia esse trecho com a afirmação que queria fazer o programa

de exercícios resistidos para saber se ela podia melhorar de seus problemas com o

joelho, como já havia comentado anteriormente, na narrativa. Relata que não exibia

mais confiança em si, devido aos problemas na referida articulação. Enfatiza, ainda,

essa desconfiança sobre sua capacidade de movimento, ao iniciar a frase “Realmente

eu não tava com confiança em mim” (linha dois), com o advérbio “realmente”, que

significa, nesse caso, sem dúvida, verdadeiramente.

Assim, fica claro que a locutora tinha plena certeza de que não podia mais

confiar em suas habilidades físicas, pois seu joelho estava constantemente em crise

de dor. Introduz a próxima frase com a conjunção “porque”, que denota que pretende

explicar os fatos narrados nas frases anteriores. Ela explica que essa falta de

confiança em si decorre de um período em que esteve muito mal, em crise. Na frase “e

aí, como não pode andar, você não faz praticamente nada”, conclui que o andar é

primordial para as atividades que queria fazer e, impedida de andar, ela não podia

realizar muita coisa; utiliza­se do termo praticamente, que significa quase nenhum e

para dizer que, na maioria das situações, ela podia realizar poucos afazeres, que suas

possibilidades de movimento se aproximaram do zero, do nada.

Na linha três, ela ainda enfatiza que sente um medo constante de não

conseguir se recuperar de uma crise, sentimento que fica claro na frase “E é sempre

aquele medo, sabe Fabiano... De não voltar...”. Essa situação de medo leva a um

sentimento de incerteza com relação à sua recuperação, fato que fica bem explícito

com a questão que diz formular sempre que está nessa situação: “será que eu vou

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Eu queria fazer pra ver se eu melhorava... Não tinha mais confiança...

Realmente, eu não tava com confiança em mim... Porque eu tinha estado muito

mal e, aí, como não pode andar, você não faz praticamente nada... E é sempre

aquele medo, sabe Fabiano... De não voltar... E isso dá uma impressão, será

que eu vou conseguir movimentar... Porque quando tá com dor, inflamado, você

não pode se animar... Você vai se virar, dói... O meu sofá, a mola de baixo... e é

aquelas molas inteiras...até o tapeceiro falou, Nossa Senhora! Essas molas aqui

são as melhores que têm... Uma arrebentou... De tanto que eu ficava mais no

sofá... Minha filha abria a porta, e dizia: “tá tudo normal, tá deitada” É que eu

deixei de comer, até, sabe... Dessa vez, eu passei muito mal, mesmo, emagreci

quatro quilos deitada lá...

91

conseguir movimentar”; ou seja, será que, depois de todas essas dores, conseguirei

retomar a possibilidade de me locomover.

Utiliza­se da conjunção “porque”, na próxima frase para iniciar a explicação de

como ocorrem as crises de dores no joelho. Ela explica que, em período de crises, não

pode ter o direito de se animar, ou seja, de se entusiasmar em realizar alguma coisa.

Isso decorre, explica, qualquer movimento que realiza, sente dores, como na frase

(linha 6): “você vai se virar, dói”. Isso quer dizer que, até um simples movimento de

mudar de lado em um sofá (como exemplificará adiante), provoca dor. É importante

destacar que ela constrói as duas frases sobre esse assunto (linhas cinco e seis: “você

não pode se animar... Você vai se virar, dói...”) utilizando como sujeito da frase o

pronome de tratamento “você”, com o objetivo de demonstrar que qualquer um, eu ou

você teríamos o mesmo problema com as crises no joelho.

A locutora exemplifica que sua impossibilidade era tamanha com relação a

movimentação que, de tanto ficar apenas deitada em seu sofá, as molas da estrutura

do sofá arrebentaram devido a seu constante uso. Exemplifica ainda, com uma fala da

filha (linha nove), no momento em esta adentrava em sua casa “’tá tudo normal, tá

deitada’”; ou seja, para sua filha era normal que sua mãe estivesse deitada, pois era

essa a situação mais freqüente, devido às constantes crises no joelho.

A entrevistada realça ainda que, nesse momento de uma grave crise de dor no

joelho, quase totalmente impedida de movimentar­se, ela deixou de se alimentar. Com

a frase “eu passei muito mal, mesmo”, realça, com o uso do advérbio “muito”, que seu

estado era excessivamente ruim, e finaliza que, ao se manter deitada por causa do

problema do joelho, emagreceu quatro quilos.

Trecho 11

Assunto: sobre o problema com o joelho

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Até que está desinchando, mas quando eu fico sentada tá desinchado, quando

eu levanto, parece que desce... Mas é ruim por causa da inflamação, aí ele quer

fazer pulsão, aí, eu sofri muito com a tal da pulsão... Mas, não é com a seringa,

igual tirar água do joelho, é um caninho de plástico, assim grosso que nem um

dedo, toma anestesia tudo, mas depois, meu Deus do céu, esse ano foi terrível,

os três meses, final de julho, agosto, foi muito...

92

A locutora inicia com o advérbio “até”, que significa, “ainda”, no sentido da frase

"até que está desinchando”, que quer dizer, no momento, parece que está diminuindo

o inchaço. Mas explica que essa situação ocorre quando está sentado, pois ao

levantar­se, ela diz, “parece que desce”, que o inchaço move­se para baixo.

Prossegue e diz que ruim mesmo é o processo inflamatório. Explica que o processo

inflamatório exige procedimentos, tais como a pulsão, e acrescenta que sofreu muito

ao ser submetida a esse procedimentos. Realça ainda que a pulsão não é realizada

com uma simples seringa.

Síntese da entrevista do sujeito D

Esse sujeito destaca que a cada dia pode sentir melhoras em sua

funcionalidade, que procurou faltar o mínimo possível para não perder nenhum dia de

treino (trecho um). No trecho dois, ele descreve com mais detalhes sua melhora

funcional e relata que tem mais disposição para realizar seus afazeres domésticos,

além de sentir­se com mais disposição para comer, pois relata que tem medo de

emagrecer (trecho dois). Destaca também que não sentia dores no seu joelho após a

realização do exercício de leg press (trecho três). Ademais, ressalva novamente que o programa de exercícios resistidos possibilitou que pudesse subir escadas,

ininterruptamente, nos dias em que limpa sua casa, sem sentir dores (trecho quatro).

No trecho cinco, extraído do caderno de campo, relata que se sente mais capaz de

andar e subir no ônibus, referindo­se, provavelmente à melhora nas dores do joelho. É

importante notar que, nesse período, esse sujeito não tinha realizado nenhum

exercício para a região muscular que movimenta o joelho.

Sobre a redução da freqüência semanal, ele destaca que preferiu o período

com duas vezes por semana, porque, no período de manutenção, sentia­se mais

fraco, com menos disposição (trecho seis), mas que não percebeu nenhuma alteração

em seu cotidiano (trecho sete).

Com relação ao seu contexto de vida, realça, no trecho oito, que sente medo

de emagrecer porque viu seu marido literalmente definhar, mediante a instauração de

um câncer. Emagrecer é enxergar, em si, seu marido na fase final de sua vida. No

trecho nove, ele descreve com mais detalhes o sofrimento de seu marido, que além de

câncer teve outras complicações. O problema, o joelho, é destacado nos trechos dez e

onze novamente. Explica que com o joelho inflamado não é possível que ele se

movimente, fato que a faz ficar em constante repouso, sem vontade de comer e, por

conseguinte, sofre um processo de emagrecimento. No último trecho, enfatiza a

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1 2 3

supino

leg press

cost as

ombro

glut eos

gravidade de seus problemas com o joelho, que sofreu demais por causa das

constantes “pulsões” que tinha que realizar para amenizar o processo inflamatório.

O desempenho da força muscular

Com relação ao desempenho de sua força muscular (Figura 4), nota­se que ela

experimentou um aumento em todos os exercícios, na primeira fase do programa. Na

fase de manutenção, houve uma constância nos resultados obtidos na primeira fase.

Para o exercício de leg press pode­se observar que só o praticou na segunda fase do programa, devido à impossibilidade gerada por uma inflamação no joelho. Por isso

este exercício só foi introduzido, na segunda fase, com uma intensidade de 20

repetições máximas, menor, portanto, que a proposta no programa.

Figura 4 ­ Desempenho da força muscular do Sujeito D nos exercícios propostos

1­inicio do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

SUJEITO E

Participante do sexo feminino, com 63 anos. Casada, mãe de dois filhos, avó de dois

netos e mora com o marido que é dentista. Não pratica nenhum tipo de atividade física

e sua atividade rotineira principal é cuidar dos netos e da casa. Participou do Projeto

Sênior no ano de 2003 e freqüenta o Projeto de Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1

Assunto: Sobre as melhoras na capacidade funcional depois do programa de

exercícios resistidos

kg

94

(O relato surge pela indagação do entrevistador)

A locutora inicia com a interjeição “ah” que, nesse contexto, indica alegria e introduz

que sentiu melhoras, que a resposta à questão é “sim”, positivo. Continua e indica que

está mais disposta, com maior disposição, e emprega a expressão “né” que significa,

“não é”, “não é assim”. Finaliza a frase com o pronome “tudo”, que significa, nesse

contexto, sem exceção, em todas as coisas.

Acrescenta que “a gente vai se animando”. O termo “a gente” indica um grupo de

pessoas, no qual se inclui, que vão se entusiasmando com a prática de exercícios.

Exemplifica que, em período anterior ao programa, ela não subia escadas na frase

“antes, eu não subia nem na escada”. O emprego do advérbio “antes” denota

claramente que isso ocorreu antes da participação do programa. Ademais o uso do

pronome “nem”, que significa “sequer”, leva à compreensão de que, pelos menos ela,

deveria subir em escadas, mas que sequer ela poderia realizar essa ação antes do

programa de exercícios.

Prossegue com esse exemplo e diz que possui uma escada (“eu tenho a minha

escadinha”), mas que não a usava, que a deixava guardada no armário (“deixei no

armário”), porque, justamente, nem isso ela podia fazer. Ressalta que dependia dos filhos para realizar ações que necessitavam do uso da escada, pela frase: “pedia tudo

para os meus filhos”. Fica claro que essa dependência é passada, pelo emprego do

verbo pedir no tempo pretérito, e que era total, pelo uso do pronome “tudo”

precedendo o objeto “para meus filhos”. Além disso, o emprego do pronome “tudo”

denota a necessidade da locutora em enfatizar sua condição de dependência dos

filhos, não apenas em algumas ações que ela dependia de seus filhos, mas todas.

Na linha três, ela relata o momento presente. Isso fica claro com o emprego do

advérbio “agora” na frase “agora não”. Ademais, o emprego do advérbio “não” refere­

se à negação da situação referida anteriormente. Segue o discurso e diz que, no

momento, utiliza a escada, sobe nela e que não tem medo (“eu pego a escada e subo,

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Ah, sim mais disposta, “né”, para tudo, e a gente vai se animando, antes, eu não

subia nem na escada, eu tenho a minha escadinha, deixei no armário, eu pedia

tudo para os meus filhos, [...] agora não, eu pego a escada e subo, eu não tenho

medo, não sei, parece que a gente fica mais disposta, tenho força, ajudo o meu

marido carregar as coisas, “né”, “mas você não pegava peso!”, ele fala. Quanto

mais a gente vai fazendo, melhora, que eu acho que vai ficando atrofiado, né, se

não exercita, eu não pegava muito peso, agora ajudei ele carregar o material,

porque minha casa, já faz uns três meses, tá mexendo e não acaba a casa,

então, para pegar material, eu ajudo ele.

95

eu não tenho medo”). Em seguida, fala: “não sei, parece que a gente fica mais

disposta”, o emprego da frase “não sei”, seguido do termo “parece”, indica que a

locutora não tem certeza do que fala, que não sabe ao certo o porque de sua maior

disposição. Conclui e acha que esta mais disposta que tem mais força.

Complementa a afirmação de que tem mais força ao contar o fato de que ajuda o

marido a carregar coisas, e finaliza esse relato com uma fala do marido: “mas você

não pegava peso”, que indica que ela não realizava a ação de carregar pesos em

momento anterior. Ademais, isso denota que percebeu, também, sua melhora através

da observação de seu marido sobre ela.

A locutora prossegue na linha cinco e explica que “Quanto mais a gente vai fazendo,

melhora”. Conclui, em seguida, que, se não exercitar os músculos, pode ocorrer uma

atrofia. Exemplifica essa reflexão com o relato de que antes do programa não

carregava muito peso e que agora ajuda o marido a carregar materiais, “ajudei ele”, o

pronome “ele” refere­se ao marido. Finaliza com a explicação de que isso ocorre

porque “está mexendo na casa”, reformando sua residência, e conclui utilizando o

advérbio “então”, na frase “então para pegar material eu ajudo ele”, em que ela explica

que ajuda o marido a pegar o material da reforma. Essa ação de ajudar o marido é

possível, então, porque agora ela tem força, já que antes ela não carregava pesos,

como disse seu marido.

Trecho 2:

Assunto: Sobre carregar os materiais da reforma e sentir­se mais forte

(Trecho discorrido logo após o anterior, mediante aprofundamento do relato solicitado

pelo entrevistador)

A locutora confirma que se sente mais forte ao utilizar o verbo “é”, e reforça que

carrega os materiais, com a frase “eu pego”. Complementa que não sente essas

ações, com a frase “e não sinto”, que parece referir­se a dores no corpo ou a um

esforço exaustivo, os quais apontou em outros momentos da narrativa. E explica que,

no passado, não exibia a capacidade de carregar pesos, com a frase “porque

antigamente eu não conseguia pegar peso”, e realça, com o emprego do advérbio

“agora”, na frase “agora não”, que, no presente, isso não mais ocorre.

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É, eu pego e não sinto, porque, antigamente, eu não conseguia pegar peso,

agora não... [...] mesmo os balde, com essa economia de água, eu tenho uns

baldão grande, daí a gente pega a água da roupa, no quintal, né, que é casa,

então, para jogar no chão, para lavar o chão, e aí, eu não conseguia, agora eu

pego dois, eu procuro pegar dois iguais.

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Na linha dois, ela oferece outro exemplo sobre sua capacidade de força. Fala que

pode pegar baldes em sua casa, os quais usa para lavar o quintal. Enfatiza que os

baldes são grandes (“eu tenho uns “baldão” grande”) e que são para lavar o chão.

Prossegue e explica que não conseguia pegá­los (“e, aí, eu não conseguia”), ou seja,

que no passado, não podia pegar tais baldes volumosos. Mas, no momento presente,

ela fala que “agora eu pego dois”, que ele consegue segurá­los e, além de conseguir

carregá­los, ainda procura pegar dois baldes de igual volume.

Trecho 3:

Assunto: Sobre como foi que percebeu que conseguia pegar, agora, dois baldes

(trecho que complementa o anterior, mediante solicitação de mais detalhes pelo

entrevistador)

A locutora inicia esse trecho, sobre como percebeu que estava mais forte, com

a interjeição “ah”, que introduz o próximo relato com veemência, com alegria, espanto.

Ela explica que percebeu suas melhoras no cotidiano, porque foi sentindo que podia

realizar ações rotineiras sem dor. Ela aponta, na linha um, que sentiu que realizar as

ações cotidianas, que envolviam dor, não a machucava. Ela prossegue e lembra que,

no momento passado, ao realizar tais ações, ela sentia dores, com a frase, nas linhas

um e dois: “eu ficava com dor, “né”, porque, antigamente, eu fazia e tinha dor”. Assim,

se no momento anterior ele pegava peso e sentia dores e agora isso não mais ocorre,

algo deve ter mudado e isso deve advir do aumento de sua força.

Na linha dois, ele recorre a uma reflexão pessoal que, era decorrente das

constantes dores ao levantar pesos “– Ah, eu não posso carregar peso! Me dói o rim”,

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Ah, porque eu fui sentindo, não machucava, eu ficava com dor, “né”, porque

antigamente eu fazia, tinha dor: “– Ah, eu não posso carregar peso! Me dói o

rim” [ nesse momento, a locutora desencosta da cadeira, aponta a região do rim com a mão e, com o rosto, exibe uma expressão de dor] e não é, né, é falta de fazer... Eu fui e não sinto nada! ... Porque aquilo vai atacar os rins, “né”. É fui

fazendo, fui pegando as coisas, eu até carrego o meu neto, mas sempre com

postura, porque ele é magrinho, ele é alto [...] então ele tem uns 12kg, mas eu

pego ele, assim, eu não sinto. [...] eu carrego ele, mas não sinto dor nenhuma,

ele anda bastante, quando eu desço assim com ele para brincar, ele anda

bastante, mas eu carrego também, “né”. [...] Eu fico com ele para lá e para cá, e

a gente nota que, nossa, se eu segurasse peso, eu sentia dores, doía as costas,

o rim, agora não, eu não sinto nada, graças a Deus!

97

para exemplificar que já tinha percebido que não podia carregar pesos, que

isso lhe causava dores na região dos rins. Além disso, nesse momento a locutora

enfatiza o seu relato afastando­se do encosto da cadeira onde sentava e aponta o rim

com a mão para deixar claro onde doía e, pela expressão de sua face, entende­se que

era uma situação dolorosa, penosa.

Na linha quatro, com a frase, “e não é, né, é falta de fazer...”, a locutora conclui

que seu problema (as dores), não era devido, exatamente à realização de tarefas

pesadas no cotidiano, mas, sim, à falta de exercícios. A entrevistada inicia a linha

cinco com o período, “Eu fui e não sinto nada!”. A frase “eu fui” refere­se à ação

relatada anteriormente, de pegar os baldes de água. Sobre isso, complementa com a

frase “e não sinto nada”, para exemplificar que não sente dores ao carregar os baldes

de água, porque essa ação iria provocar algum efeito na região renal. Essa conclusão

torna­se claro com a frase, “Porque aquilo vai atacar os rins, “né”, pois se inicia com a

conjunção “porque”, que designa causa. Além disso, o pronome demonstrativo

“aquilo”, referindo­se à ação de carregar os baldes, é empregado para resgatar o

momento em que ela percebera que não sentia mais dores.

A locutora acrescenta outra percepção de sua força incrementada com o caso

de carregar seus netos. Ela disse que consegue carregar seu neto com a frase, “eu

até carrego o meu neto”. O emprego do advérbio “até”, nesse contexto, significa

“ainda”, “também”, que leva à compreensão da frase no sentido de que, também com

o neto, assim como com os baldes, sua capacidade de carregar está melhor. A

locutora ressalva, ainda, que não é de qualquer forma que ela carrega seu neto, que

procura manter sua postura. Na linha sete, ela complementa seu relato com a

descrição física de seu neto, para demonstrar que, apesar de ele ser “magrinho”, ele

apresenta massa corporal de doze quilos. Prossegue e fala: “mas eu pego ele”, que

quer dizer que mesmo com doze quilos, ela pega seu neto no colo e, ainda assim, não

sente mais dores.

Continua, na linha oito, a enfatizar que carrega seu neto e, com a frase “mas

não sinto dor nenhuma”, indica uma contraposição em que mesmo esforçando­se, ela

não sente mais sensações dolorosas. Essa contraposição, identificada pela emprego

da conjunção “mas” no início da frase citada, denota que, antes, havia uma relação

direta entre pegar o neto e sentir dores e que, no momento presente, isso não mais

ocorre. Complementa que, no cuidado com o neto, a criança anda, se movimenta, mas

que ela tem também que carregá­lo, que isso ele necessita fazer, que é rotineiro no

cuidado com a criança.

Finaliza o trecho realçando que cuida de seu neto e pode notar, nesse cuidado,

que, no momento passado (“se eu segurasse peso eu sentia dores”, linha 11), ela

98

sentia dores ao carregá­lo. O emprego da conjunção “se”, no início da frase, indica

que segurar o neto era uma condição para que ela sentisse dores nos rins e nas

costas. No entanto, o uso do verbo sentir no pretérito (“sentia”) denota que isso não

mais ocorre. Isso fica mais evidente ainda na frase “agora não” (linha 11), pois com o

emprego do advérbio “agora”, que significa “presentemente”, “neste instante”, realça

que essa condição de dores é passado. Ademais, no momento presente, ela não

sente nenhum tipo de dor (“eu não sinto nada”, linha 12) ao realizar a ação destacada

(carregar o neto), que fica claro pelo emprego do pronome indefinido “nada”, que

significa “nenhuma coisa”, “coisa alguma”.

Trecho 4 (Caderno de campo) 10/09/2005

Assunto: Como tem se sentido com a participação no programa

Nesse trecho, anotado no caderno de campo, na primeira fase do programa,

essa participante relata, na primeira linha, que se sente com mais disposição e

animação. A repetição do advérbio “mais” denota a preocupação de realçar que sua

disposição e animação já existiam, mas se elevaram mediante a participação no

programa. Ainda na linha um, destaca que não sente dores. O início da frase “para

mim, não tem doído nada” denota que se refere ao resto do grupo que, nessa fase

inicial, sentia muitas dores musculares. Na linha dois, destaca que sente apenas dores

no joelho, mas que elas não são devidas ao programa, mas, sim, a uma caminhada

que realizou e conclui que “foi isso que afetou meu joelho”.

Trecho 5:

Assunto: A redução da freqüência semanal do programa de exercícios

(trecho proferido por ocasião de uma questão dirigida pelo entrevistador, logo após o

trecho anteriormente destacado)

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Estou me sentindo mais disposta, mais animada... Para mim, não tem doído

nada... Só o joelho... Pois, essa semana, caminhei do São Cristóvão até aqui, e

acho que foi isso que afetou meu joelho.

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Sobre a redução da freqüência semanal, a locutora relata que sentiu a

diminuição de um dia, porque em casa é difícil fazer exercícios. A frase que leva a

esse entendimento é a primeira da linha um: “Ah, eu senti falta porque, em casa a

gente quase não faz”. O emprego do termo “a gente”, na fase destacada, denota a

preocupação da locutora de demonstrar que não é apenas ela que não realiza

exercícios em casa, mas, sim, um grupo no qual se inclui.

Ainda na linha um, com a frase “aqui, ‘né’”, ela refere­se ao programa de

exercícios resistidos, do qual havia participado na universidade, em contraponto à

situação da impossibilidade de realizar exercícios em casa. Nesse sentido, procura

enfatizar que a situação é distinta daquela de realizar exercícios em casa. Isso ocorre

porque, no programa na universidade, como ela disse, “a gente faz mais”, é possível a

realização mais freqüente de exercícios.

Na linha dois, relata que sente a diminuição, mas a força não muda (“o ritmo”),

porque há uma continuidade (“porque você vai fazendo”). Realça que não sentiu

dificuldades quando a freqüência semanal diminuiu, pois ela manteve o ritmo. Ela

disse: “já acostumei” (linha quatro), para demonstrar que já tinha se adaptado. E

conclui com a frase “então “ta” igual assim, “né”, que quer dizer, de maneira conclusiva

(utiliza­se do advérbio "então”), que a força está igual porque ela já estava adaptada,

acostumada, ao programa.

Na linha cinco, ela enfatiza, novamente, que a força não mudou. Isso fica claro

na frase “Não senti, com a força, “tá” igual”, que inicia com a expressão negativa “não

senti” e finaliza “com a força, “tá” igual”, ou seja, que não observou diferenças em sua

força no período em que houve a redução da freqüência semanal.

Na linha seis, ela relata que estão o mesmo jeito os seus afazeres cotidianos.

Isso fica claro ao retomar o exemplo de carregar os baldes; que continua com a

capacidade de carregá­los; que a redução das atividades de exercícios resistidos não

ocasionou piora nesse aspecto.

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Ah, eu senti falta porque, em casa, a gente quase não faz... Aqui, “né”, a gente

faz mais... A gente sente, “né”, mas o ritmo continua o mesmo, porque você vai

fazendo... (­mas você achou que ficou mais difícil quando passou fazer uma vez

por semana?) Não, porque acostumei, acho que já no ritmo, então, “tá” igual

assim “né”, (­mas você preferia fazer as duas vezes?) Não senti, com a força,

“tá” igual. Continuo do mesmo jeito, procuro ficar sempre com postura e carrego

os baldes...

100

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 6

Assunto: Sobre a morte de sua mãe e o seu relacionamento com ela

(Trecho relatado no momento em que contava sobre sua participação no projeto

sênior)

Nesse trecho a locutora revela que passou por momentos difíceis com o

falecimento de sua mãe. Ela inicia o trecho de que sua mãe faleceu havia cinco anos.

Complementa dizendo que tem mais irmãos, e é a mais nova deles. No final da linha

um, ela realça que era muito ligada à sua mãe, com a frase “Eu era muito apegada a

ela”, que era uma sentimento intenso, pois utiliza o advérbio “muito”, que significa em

demasia, em abundância.

Logo após, com a frase “eu era a caçula”, parece justificar o motivo de seu

apego com sua mãe, que isso ocorria porque ela era a filha mais nova. Na linha dois,

prossegue com a frase “e ela era muito comigo, assim”, que significa que sua mãe

também exibia um apego da mesma natureza por ela, que era um sentimento

recíproco.

Acrescenta ainda que dividiam o mesmo espaço freqüentemente, pois sua mãe

estava sempre em sua casa: “Ela ficava sempre em casa” (na casa da locutora), que

quer dizer que mãe e filha estavam sempre juntas. Ela enfatiza essa proximidade, com

a observação de que, no momento de sua morte, sua mãe estava morando em sua

casa, relato observado na frase “Tanto que, quando ela faleceu, ela “tava” morando

comigo”.

Repete na linha quatro, que era muito apegada à sua mãe, para realçar

novamente seu sentimento da necessidade da proximidade com sua mãe e conclui

que, com o falecimento dela, não exibia vontade, disposição de fazer coisa alguma.

Finaliza dizendo que foi um período muito penoso para ela, com a frase “foi muito

difícil para mim “né”.

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Fazem cinco anos que faleceu minha mãe, e eu sou a caçula de 8 irmãos. Eu

era muito apegada a ela, eu era a caçula, e ela era muito comigo, assim... Ela

ficava sempre em casa... Tanto que, quando ela faleceu, ela tava morando

comigo. Eu era muito apegada à minha mãe, então, quando ela morreu, eu não

tinha vontade de fazer nada. Eu ficava quietinha num canto, foi muito difícil para

mim, “né”.

101

Trecho 7

Assunto: Sobre outros momentos de tristeza em sua vida: outras mortes

(Trecho relatado no momento em que relatava sobre a morte de sua mãe)

A locutora realça que estava passando por um momento difícil em sua vida,

porque, além do falecimento de sua mãe, sua sogra também morrera. Enfatiza na

linha dois, que sua sogra sofreu uma queda e que quebrou o fêmur, para demonstrar

que o caso de sua sogra foi grave e que por isso necessitou de cuidados. Esses

constantes cuidados foram realizados pela locutora, o que fica claro na frase “Aí, eu

fiquei cuidando dela”. O advérbio “aí”, na frase destacada, tem o mesmo significado de

então, que denota que a conclusão da queda de sua sogra foi a necessidade de

cuidados constantes realizados pela entrevistada.

Ela justifica que teve que cuidar de sua sogra (linha três e quatro), pois sua

cunhada não poderia assumir tal responsabilidade, já que estava cuidando de outra

pessoa (o cunhado da locutora) que também viria a falecer. Ela conclui, a partir desses

relatos, que, nesse período de sua vida, ocorreram muitas mortes, doenças, e isso

retoma sua observação da linha um, que foi um momento difícil de sua vida.

Na linha seis, resume o montante de falecimentos que ocorreram em um

período próximo da morte de sua mãe. Fica claro que além de sua mãe, faleceram

dois cunhados e sua sogra.

Síntese da entrevista do Sujeito E

O Sujeito E relata, no trecho um, que se sente mais disposto para tudo, e

exemplifica que agora pode utilizar uma escada portátil para alcançar objetos altos,

sem o auxílio dos filhos. Além disso, destaca que ajuda o marido a carregar objetos, e

ressalva que o surpreendeu ao propiciar tal auxílio. No trecho dois complementa essa

ultima colocação e realça que consegue carregar baldes grandes de água. No trecho

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É, eu tava passando por uma fase muito difícil, “né”, com a morte da minha mãe,

depois, faleceu minha sogra também. Minha sogra caiu, quebrou o fêmur. Aí, eu

fiquei cuidando dela, que minha cunhada estava no hospital, com o meu

cunhado, que também faleceu, foi um período de muitas mortes, doença. [...]

meu cunhado faleceu em abril, e minha sogra, em junho. Morreu minha mãe,

depois meus dois cunhados, o marido da minha irmã, o marido da irmã do L. e a

minha sogra.

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supino

leg press

costas

ombro

glut eos

três, explica que percebeu que podia carregar esses baldes, porque não sentia mais

dores na região dos rins, além de poder carregar seus netos sem dores. Em discurso

anotado no caderno de campo (trecho quatro), pode­se registrar que o Sujeito E

sentia­se mais animado e com mais disposição mediante a participação no programa e

que não sentia dores. Sobre a redução da freqüência semanal, relata que sentiu falta

porque não podia fazer em casa, mas relata que não ficou mais difícil para realizar o

programa no período de uma vez semanal.

Sobre seu contexto de vida, relata que sofreu muito com a morte de sua mãe,

que era muito apegado a ela e que, quando sua mãe faleceu, esta residia em sua casa

(trecho seis). Além disso, destaca que não foi apenas a morte de sua mãe que lhe

causou sofrimento, em curto espaço de tempo faleceram também sua sogra, e dois

cunhados (trecho sete).

O desempenho da força muscular

Com relação ao comportamento de sua força muscular (Figura 5), nota­se que

nos três exercícios que o Sujeito E realizou, pôde experimentar uma elevação da força

no primeiro período. No período de manutenção, a força, para o exercício de supino,

diminuiu e, para os outros dois, observou­se uma elevação. Esse sujeito não pôde

realizar os exercícios para os membros inferiores (leg press e glúteos), por apresentar impedimento na articulação do joelho.

Figura 5 ­ Desempenho da força muscular do Sujeito E nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

SUJEITO F

kg

103

Participante do sexo feminino, com 65 anos. Está no segundo casamento, é

mãe de dois filhos, que são frutos do primeiro casamento, cujo marido faleceu. Sofreu

com a morte de um dos filhos por infarto. Pratica hidroginástica e caminhada, três

vezes por semana. Participou do Projeto Sênior em 2002 e participa do Projeto de

Transição.

Trecho 1

Assunto: Sobre sua capacidade de força

(Relato presenciado no momento em que revelava suas idéias sobre os exercícios

resistidos)

A locutora inicia o trecho sobre as melhoras que percebeu em seu cotidiano, a

partir da participação no programa de exercícios resistidos. Ela inicia com a frase “que

antes de eu fazer” e introduz, assim, o entrevistador em uma situação que ocorreu

antes da participação no programa. Explica que tem uma neta pequena e, na frase

seguinte, revela que não é apenas uma, pois na frase “quando eu carregava minhas

netas”, o objeto direto “minhas netas” denota que não é apenas uma, como relatara.

Na linha dois, ela diz que quando carregava as netas no colo, sentia­se

atrofiada no dia seguinte. Explica que esse “atrofiamento” era percebido no dia

seguinte, pela presenças de dores, como relata pelas frases “doía a coluna” e “doía

essa parte aqui, como é que chama?”; nessa última frase, ela não se lembra do nome

do local onde também sentia dores e indica o glúteo para que o entrevistador pudesse

compreender. Prossegue, na linha três, com a frase iniciada com a conjunção

explicativa “porque”, para explicitar que era uma situação (“uma coisa”) que era

habituada. Ela continua e explica que não carregava pesos habitualmente. Após essa

explicação, ela utiliza­se da expressão “né”, que significa “não é assim”, “não é

verdade”. Ainda complementa que carrega um pouco de peso, “carrego uma sacolinha

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Que antes de eu fazer... que eu tenho neta pequena...quando eu carregava

minhas netas no colo, no dia seguinte eu estava atrofiada...doía a coluna... doía

essa parte aqui, como é que chama?...[indica o glúteo] ...Porque é uma coisa

que eu não estava acostumada...carregar peso...né...carrego uma sacolinha ali

quando você vai fazer uma compra...mas eu não venho carregada com

peso...agora, quando eu carregava minha neta...aí.. e quando as duas queriam

ficar no meu colo... são gêmeas... aí no dia seguinte...e aí no dia seguinte, tava

assim... e agora não...porque eu tenho condicionamento para segurar o peso.

104

ali quando você vai fazer uma compra” e, na próxima frase, “mas eu não venho

carregada com peso”, o emprego da conjunção adversativa “mas” indica uma

contraposição à frase anterior, que carrega peso, mas não muito.

Ela retoma o caso de carregar suas netas e acrescenta que, às vezes, não era

apenas uma que tinha que carregar no colo, mas as duas, ao mesmo tempo; explica

que isso ocorria porque elas são gêmeas (linha sete). A locutora retoma que, por esse

motivo, ela ficava do jeito que relatara anteriormente e enfatiza com a repetição da

frase “no dia seguinte” (linha 7), que isso era percebido no dia seguinte, e conclui que

“tava assim”, que ficava da maneira que relatara no início. Finaliza e conclui que, no

momento presente, não apresenta mais esses problemas (“e, agora, não”) e explica

que, agora, exibe aptidão para carregar o peso (“porque eu tenho condicionamento

para segurar o peso”).

Trecho 2

Assunto: As melhoras percebidas no joelho

(Relato utilizado para complementar o trecho anterior)

A locutora relata que sentiu melhoras também na região do joelho. Explica que

possui artrose nessa articulação, e que o trabalho na região da coxa levou­a a

hipotetizar que ganhou mais resistência nessa região; indica­a com a mão e retoma no

final da frase, “nessa parte da minha perna”. Conclui que seu joelho não ficou com

excesso de carga na frase “o joelho não ficou tão sobrecarregado”. Complementa que

tinha sensações de fraqueza na região do joelho e pede a confirmação do

entrevistador sobre sua afirmação com a frase “sabe quando você sente que tua perna

é fraca... Né..”, utliza­se da expressão “né”, que significa “não é”, não é “isso mesmo”.

Segue e realça que sentia que, em pouco tempo, começava a sentir dores na

região em questão, e a aponta o joelho com a mão. Na frase seguinte, “e agora não”,

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07

E o próprio joelho... Que eu tenho artrose, como trabalha com essa parte aqui, [aponta com a mão a coxa]...eu acho que deu uma resistência maior... nessa parte da minha perna, e o joelho não ficou tão sobrecarregado...que eu sentia

que eu tinha fraqueza nessa área... sabe quando você sente que tua perna é

fraca...né..[...] É ... eu sentia que logo começava doer essa parte [aponta o

joelho com a mão] e agora não...meu joelho melhorou, porque eu acho que dei

mais força nessa parte da perna...

105

introduz que, no momento presente, o joelho dela melhorou. Ela explica a causa da

melhora do joelho com a frase “porque eu acho que dei mais força nessa parte da

perna”.

Trecho 3:

Assunto: A melhora na coluna

Nesse trecho, a entrevistada enfatiza que, na coluna, percebeu melhoras. Ela

sente que exibe mais estabilidade, na coluna, com a frase “na parte da coluna você

sente que tem mais firmeza”. Exemplifica suas melhoras, como o levantar de um sofá,

ou de uma cadeira (enfatiza repetindo o verbo “levantar”). Ela também explica que em

momento anterior (utiliza­se do advérbio “antes” e do verbo “ter” no passado),

necessitava de um apoio para realizar tais ações. Mas, no momento presente, que fica

claro pelo emprego do advérbio “agora” (nesse momento), ela realiza tais ações com

facilidade. Acrescenta ainda que existem outras melhoras com a frase “uma série de

coisas”.

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 4

Assunto: O infarto que sofrera antes de engajar­se em programas de atividade física

(trecho relatado no momento em que é indagada sobre algum evento que tivesse

ocorrido em sua vida que a levasse a parar de praticar exercícios)

01

02

03

Mesmo na parte da coluna, você sente que tem mais firmeza...voce vai levantar

de um sofá... levantar de uma cadeira...antes eu tinha que me apoiar... agora eu

levanto com facilidade...uma série de coisas...

106

Nesse trecho, a locutora relata sobre um infarto que teve antes de iniciar suas

atividades no projeto sênior. Ela sintetiza, na primeira linha, que teve um infarto, que

isso aconteceu antes dela procurar a prática de atividade física. Ela inicia uma frase,

na linha um, com o advérbio “então”, para demonstrar o desdobramento que causou

em sua vida o evento do infarto. Ela relata que, por esse motivo, procurou mudar seu

estilo de vida (“então tudo me levou a procurar melhorar meu estilo de vida”). Na linha

dois, prossegue com a frase “você sabe, que, depois de que teve o infarto, não pode

ficar parada mesmo”. Inicia essa frase com a expressão “você sabe”, que pede a

confirmação do entrevistador para a colocação que faz em seguida, de que, para

quem apresenta um infarto, não é possível que se mantenha parado.

No final da linha dois, descreve como foi o dia em que teve o infarto. A locutora

relata que não sentiu dores, nem no braço, nenhuma, a partir da frase “não tive dor

nenhuma... não... não tive dor no braço, não tive nada...”. Enfatiza a ausência de dores

com a repetição da expressão negativa “não tive”, em três momentos, nas linhas dois

e três. No entanto, ela lembra que teve uma dor na região dos rins. Explica que

achava que isso era devido a um excesso de movimento que poderia ter realizado e

que teria afetado a região da coluna. E reforça que a única região de seu corpo que

apresentou dores foi a região das costas.

Declara que ficou internada na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) e

finaliza essa afirmação “e fiquei na UTI já” com o advérbio “já”, que indica logo,

diretamente, sem demora. Continua a relatar sobre seu período na UTI e enfatiza, com

a repetição do verbo “fiquei”, o momento que esteve em tratamento na UTI, finalizando

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12

13

Eu tive infarto, né...[...] eu tive antes de começar...então, tudo me levou a

procurar melhorar meu estilo de vida... Você sabe que, depois de que teve o

infarto, não pode ficar parada mesmo...[...] foi em casa, não tive dor

nenhuma...não... não tive dor no braço, não tive nada...tive uma dor perto dos

rins, assim...e eu achei que eu tinha abusado.. Aquela época eu estava parada...

Não fazia... Uma vida ociosa...falei acho que eu fiz um movimento que afetou a

coluna... eu não sentia nada disso, eu tinha dor só nas costas [...] e fiquei na UTI

já. Fiquei, fiquei 15 dias... Depois mudei de hospital, fui pro hospital do meu

convênio... mas fui de ambulância ... Não foi uma coisa simples... Aí, quando eu

voltei fui pro cardiologista... fazer um acompanhamento... Ele falou: “você

precisa melhorar seu estilo de vida” [...] “você tem que caminhar”... aí eu

comecei a caminhar... e do caminhar que eu fui procurando outras coisas...aí eu

fui procurar uma vida melhor pra mim...e sempre você faz depois que acontece...

107

com a colocação de quantos dias esteve em tal situação. Realça que, após esse

período (utiliza o advérbio “depois”), ela teve que mudar de hospital. A locutora

acrescenta que mudou para um hospital que pertencia a seu convênio (seguro saúde),

mas frisa que foi de ambulância. Conclui esse trecho dizendo que, pelos motivos

relatados, não foi uma situação simples (“não foi uma coisa simples”).

O desfecho desse evento do infarto, declara a locutora, foi o inicio de um estilo

de vida ativo. Ressalta que, ao voltar do hospital, procurou um cardiologista e que a

aconselhou “você precisa melhorar seu estilo de vida”,“você tem que caminhar”. O

entrevistada disse que seguiu as recomendações do médico, iniciou a caminhada, e

esta foi uma atividade que a impulsionou a procurar outras atividades, às quais se

refere empregando o termo “coisas” (linha nove). Conclui que com essas atitudes ela

procurou uma vida melhor para ela.

Trecho 5

Assunto: As causas que ela atribui à ocorrência de seu infarto

(O trecho foi descrito para justificar o seu infarto, já que ela não apresentava na época

fatores de risco)

A entrevistada relata, nesse trecho, que o motivo que a levou a um infarto foi a

morte de um dos filhos. Fica claro que perdeu um dos filhos, pela utilização do

pronome “um” na primeira frase da linha um. E complementa com a frase, “e eu fiquei”,

que introduz aquilo que ela ralataria a seguir, sobre o sofrimento por causa da morte

filho.

A locutora relata que não infartou logo após a morte do filho, que tentou manter

sob controle o caso desse falecimento. Utiliza­se do pronome “todo” para denotar que

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09

Eu tinha perdido um filho e eu fiquei... Mas não foi logo em seguida... Eu fui

tentando me controlar daquele problema todo... Da tristeza e para não passar

pros outros... Tudo aquilo, eu fui me controlando, controlando... Fui segurando,

segurando... E foi, acho, depois de... É, acho, que foi junho... Um ano e dois

meses que eu tive o infarto... Depois que meu filho faleceu... Mas foi duro [...]

porque eu não tinha nada que me levasse a ter um infarto, eu não sou gorda...

Não fumo, não bebo, não tenho colesterol alto... Não tinha nada... Quando eu

tive o infarto, eu estava com tudo alto... Tudo emocionalmente que eu fui

carregando...

108

tentava controlar o problema em sua totalidade. Além disso, enfatiza que tinha que

controlar sua tristeza, frase que acrescenta depois de uma pausa: “da tristeza”.

Prossegue relatando sobre o controle que teve que exercer sobre si, para poder

suportar a situação da morte de seu filho. Enfatiza essa situação de controle repetindo

os verbos “controlando” e “segurando”, por duas vezes cada, nas linhas dois e três.

Utiliza­se dessas colocações no gerúndio para indicar que essa situação de controle

manteve­se durante algum tempo após o falecimento de seu filho. Ela conclui que

esse controle continuou durante um ano e dois meses após o falecimento de seu filho,

e que culminou em seu infarto. E acrescenta que “foi duro”, utilizando­se do adjetivo

“duro”, referindo­se ao período de sua vida que relatava.

Ela ainda explica que não apresentava nenhum fator de risco que a colocasse

como propensa a ter um infarto e exemplifica listando alguns fatores, na frase: “eu não

sou gorda... não fumo, não bebo, não tenho colesterol alto”. E conclui que não tinha

nada que pudesse ser um potencial de risco para um infarto, com a frase: “não tinha

nada”. Mas ressalva que no momento do infarto, apresentara todos esses indicadores

alterados com a frase “quando eu tive o infarto eu estava com tudo alto”, enfatizando

com o pronome “tudo” que todos os fatores de risco listados estavam “altos”. Utiliza­se

do adjetivo “alto” para indicar anormalidade. E conclui que isso ocorreu porque estava

emocionalmente “carregada”, exaurida.

Trecho 6:

Assunto: A causa da morte de seu filho e de seu marido

Nesse trecho, a locutora revela as causas das mortes de seu marido e de seu

filho. Ela relata que ambos faleceram de infarto. E que pai e filho morreram com a

mesmo idade: 38 anos. Seu filho falecera pescando e seu marido trabalhando. Ainda

coloca que seu marido faleceu quando esse mesmo filho tinha apenas dez anos.

Acrescenta, ainda, que teve que criar seus filhos sozinha e que isso foi uma tarefa

difícil que fica claro pela frase “É barra! é barra!”, repetindo os termos “barra”, que

significa, nesse contexto, “dificuldade”.

Síntese do Sujeito F

01

02

03

04

De infarto [...] Teve infarto. [...] Meu marido morreu...trabalhando com 38 anos...e

o meu filho, com 38 anos pescando [...]meu marido faleceu ele tinha 10

anos...(Ah e você criou todos os seus filhos sozinha...?) Sozinha...é... É barra...

é barra...

109

0 5

10 15 20

25 30 35

40 45

1 2 3

supino

leg press

cost as

ombro

glut eos

Esse sujeito relata que após a participação no programa de exercícios

resistidos pôde carregar suas netas com facilidade, sem sentir as costumeiras dores

nas costas (trecho um). No trecho dois, ressalta que sentiu melhoras em seu joelho,

que não mais fraqueza nessa região. Volta a realçar que sente mais facilidade na

região da coluna, quando precisa levantar pesos (trecho três).

Sobre seu contexto de vida, declara que sofreu um infarto e que, como

sintoma, sentiu apenas dores na coluna, não sentiu os sintomas costumeiros desse

tipo de ocorrência como dores nos braços (trecho quatro). Atribui as causas de seu

infarto ao stress que sofreu pela morte de seu filho, explica que teve que segurar toda

a emoção para não passar a tristeza que sentia para seus netos (trecho cinco). No

trecho seis, explica que seu filho tinha falecido de infarto, assim como seu primeiro

marido, ambos com 38 anos de idade.

O desempenho da força muscular

Na primeira fase do programa, o Sujeito F obteve aumento em seus níveis de

força em todos os exercícios propostos, exceto no leg press, que manteve no nível inicial. No segundo período, os níveis de força se mantiveram em todos os exercícios,

exceto no supino, que aumentou. Esse sujeito não realizou o exercício de glúteos, por

apresentar dores nos joelhos em sua execução. Esses dados estão descritos abaixo

na figura seis.

Figura 6 ­ Desempenho da força muscular do sujeito F nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

SUJEITO G

kg

110

Participante do sexo masculino, com 63 anos. É casado e pai de três filhas, mora com

a esposa e duas filhas. É representante comercial de uma empresa de pequeno porte,

e também auxilia uma das filhas na produção de eventos. Não pratica nenhum tipo de

atividade física regular. Participou do Projeto Sênior em 2002 e freqüenta

assiduamente o Projeto de Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1

Assunto: A influência do programa de exercícios resistidos em sua aptidão física

(Trecho relatado a partir de questionamento sobre a influência do programa em seu

cotidiano)

O locutor descreve, nesse trecho, quais foram suas percepções sobre as

alterações decorrentes da participação no programa de exercícios resistidos. Na linha

um, ele é enfático em dizer que o programa influiu em sua vida, com a frase

“Influenciou”. Ele indica um exemplo dessa influência ao apontar que sente “mais

resistência”, que resiste mais à demanda física.

O locutor detalha mais sua capacidade de resistência ao contar sobre a

capacidade que agora exibe ao utilizar o ônibus. Fica claro que isso ocorre no

momento presente, pois na frase “antes eu não podia ficar... parado no ônibus”, o

advérbio “antes” e o verbo “poder” no pretérito (“podia”, linha um) indicam que isso era

uma situação passada, que, no passado, ele exibia uma incapacidade de se segurar

no ônibus e que, agora, isso não mais ocorre. Na frase, “se brecava você caía”, o uso

da conjunção “se”, que indica condição, denota que a ação de frear o ônibus era a

causa de suas quedas, porque não exibia força suficiente para segurar­se.

Na linha dois, o emprego do advérbio ”agora”, que indica “no momento

presente”, aponta que a situação atual difere da passada, pois ele não mais cai no

ônibus no momento de uma freada. Isso decorre de um equilíbrio aumentado, como

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05

06

Influenciou... Mais resistência, eu paro... Por exemplo, antes eu não podia ficar...

parado no ônibus, se brecava você caia, agora já tenho mais equilíbrio, me

seguro bem, tenho resistência pra [...] eu sinto que eu tenho capacidade de

pegar peso, apesar que eu fui operado da hérnia, “né”, o médico não quer que

carrega peso... Eu sinto que eu tenho disposição, se eu pegar, eu

levo...Entendeu? Eu gosto de pegar.

111

disse na frase “mais equilíbrio” (linha dois), na qual o advérbio “mais” indica que o

equilíbrio está aumentado, mas não quer dizer que não existia, ele apenas era menor

no passado. O locutor complementa que se segura de forma satisfatória no ônibus

agora, com a frase “me seguro bem”. Isto fica claro pelo emprego do termo “bem”, que

demonstra que ele não apenas se segura, mas que faz isso com competência, faz isso

de forma satisfatória.

O locutor conclui que pode sentir que tem capacidade de levantar pesos, com a

frase da linha três (“eu sinto que eu tenho capacidade de pegar peso”). Mas, na frase,

“apesar que eu fui operado da hérnia, “né”, ele demonstra uma contradição com o

emprego do termo “apesar”. Nesse sentido, o locutor sente que pode pegar pesos,

mas a situação de uma cirurgia de hérnia deveria impedi­lo. No entanto, a cirurgia não

impede que ele sinta que pode carregar pesos, ação tal que o médico proibiu (“o

médico não quer que carrega peso”). Na linha seis, o locutor ressalta sua idéia, que se

contrapõe a visão do médico. O entrevistado diz que ele sente­se capaz de levantar

pesos, que, se ele pegar algo, consegue carregá­lo. Na última frase da linha seis, com

a frase “Entendeu?”, ele indaga o entrevistador se houve compreensão sobre aquilo

que ele disse, se ao entrevistador pode entender que ele sente que está forte, que é

capaz de levantar pesos, mesmo que o médico diga o contrário.

Trecho 2:

Assunto: A percepção da melhora da força

(Trecho proferido por um questionamento do entrevistador para que o locutor detalhe

mais o relato anterior)

No trecho dois, o locutor enfatiza que dentre suas atividades caseiras não

estão incluídas ações que exijam o levantamento de cargas. No entanto, na frase “mas

quando eu preciso pegar alguma coisa, eu sei que eu tenho mais força”, ele indica que

tem o conhecimento de sua capacidade de força. O início da frase com a conjunção

“mas”, reflete uma contraposição à frase anterior. Embora ele não precise utilizar muito

01

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04

05

06

De levantar peso não, mas quando eu preciso pegar alguma coisa eu sei que eu

tenho mais força...Mas, pegar peso é levantar um netinho, pegar um saco de

alguma coisa é...É, pegar alguma coisa do carro...Mas coisas assim [...] abaixo

de vinte quilos...E normalmente eu vou bem... Agora...Antes eu não tinha tanta

disponibilidade...Não tinha tanta força... Não tinha... Eu achava que eu não tinha

confiança, eu não tinha tanto.

112

a sua força no cotidiano, sabe que a possui, que pode satisfazer uma necessidade

momentânea de carregar um peso.

Na linha dois, o locutor exemplifica quais seriam atividades que envolvem a

necessidade de imprimir um potencial de força. Indica que levantar uma criança, como

um neto, por exemplo, ou segurar um saco com algo, pegar alguma coisa no carro,

são atividades que exigem força. Na linha três, ele indica com a frase “abaixo de vinte

quilos”, sua limitação de força, que ele pode pegar objetos, desde que pesem menos

de vinte quilos. Com a frase “E, normalmente, eu vou bem”, ele conclui que na maioria

das vezes (utiliza o termo “normalmente”, que significa “em geral”, “na maior parte das

ocasiões”), essas atividades que exigem de sua força ele as realiza sem problemas,

bem.

No entanto, ele enfatiza que isso ocorre no presente, o que fica claro ao utilizar

o advérbio “agora” (linha quatro), que significa no momento presente, atual. Isso é

realçado, também, na frase “antes eu não tinha tanta disponibilidade”, na qual a

utilização do advérbio “antes” indica que o levantamento de pesos no cotidiano não

era possível em momento anterior à participação no programa, que ele não era

disponível para tal, que exibia disponibilidade.

O locutor explica que isso decorre de uma ausência de força (“Não tinha tanta

força... Não tinha”, linha cinco). Além disso, ele atribuiu sua incapacidade de pegar

pesos a uma falta de confiança em si, ele não confiava totalmente em sua capacidade

(“Eu achava que eu não tinha confiança, eu não tinha tanto”). O advérbio “tanto” no

final da frase indica que ele confiava em si, mas não totalmente. Ademais, o recurso

da repetição do termo “eu não tinha” por cinco vezes, nas linhas quatro a seis, é o

recurso utilizado pelo locutor para enfatizar sua incapacidade de força que exibia no

passado, já que o verbo “ter” é utilizado na pretérito.

Trecho 3:

Assunto: A redução da freqüência semanal

(Trecho relatado por um questionamento do entrevistador)

No trecho três, o locutor relata que não se tornou mais difícil a prática de

exercícios resistidos mediante a redução da freqüência semanal. Isso fica claro pelo

emprego do termo “não”, por duas vezes na linha um. O locutor explica que fica mais

difícil apenas no início da sessão. Isto fica claro ao utilizar os advérbios “somente” e

“só” na frase, “o começo acaba ficando mais difícil somente, só o impacto de

01

02

Não... Não ficou mais difícil... O começo acaba ficando mais difícil somente, só o

impacto de começar...

113

começar”. Isto significa que a dificuldade no período de redução da freqüência

semanal era apenas no começo da sessão de exercícios, que, no restante, não havia

dificuldade.

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 4:

Assunto: A situação de vida antes de incluir em sua rotina a pratica de atividades

físicas.

(Trecho dito por ocasião do relato de sua situação antes de entrar no projeto sênior)

O locutor, neste trecho, destaca como se sentia antes de praticar exercícios

físicos. Ele deixa claro que estava se sentindo fraco na frase, “Tava” sentindo muita

fraqueza”, que não era apenas uma fraqueza qualquer, mas, sim, intensa; relata com o

emprego do advérbio “muita” precedendo o termo “fraqueza”. Complementa com a

afirmação de que não tinha ânimo, e exemplifica essa ausência de ânimo com a

metáfora de que estava desmoronando, que estava acabando, assim como um prédio

deixa de sê­lo ao desmanchar­se, ao desmoronar.

Na linha dois, o locutor declara suas sensações sobre seu corpo, na frase,

“tava” sentindo que meus músculos, bem flácidos”, que significa que percebia sua

musculatura sem tônus, sem rigidez. Ele explica sua flacidez muscular pela ausência

de resistência que percebia em si, como delata pela frase “porque eu não tinha

nenhuma resistência”. Isso fica claro pela utilização da conjunção explicativa “porque”,

no início da frase, indicando a explicação da frase anterior.

Ele explica, pela frase “Hoje já sinto que eu tenho, tenho mais força, mais

resistência, hoje eu já sinto melhor” (linha três), que sua situação atual difere da

passada, já que utiliza a repetição do advérbio “hoje” duas vezes, para enfatizar que

isso ocorre no momento presente. Além disso, ele utiliza­se também da repetição do

pronome indefinido “mais”, duas vezes, precedendo os termos “força” e “resistência”,

para enfatizar o incremento desses caracteres. Isto significa que ele exibia essas

capacidades no momento passado, mas, agora, com a participação no programa, elas

01

02

03

04

“Tava” sentindo muita fraqueza, não tinha ânimo, parece que eu estava

desmoronando, “tava” sentindo que meus músculos bem flácidos, porque eu não

tinha nenhuma resistência. Hoje já sinto que eu tenho, tenho mais força, mais

resistência, hoje eu já sinto melhor.

114

aumentaram. O locutor conclui que no presente (“hoje”), ele se sente melhor, por

decorrência dos fatores anteriormente listados.

Trecho 5:

Assunto: A situação de vida antes de incluir em sua rotina a pratica de atividades

físicas

Nesse trecho, o locutor explica as razões pelas quais se sentia sem ânimo

antes de participar de programas de atividades físicas. Ele indica que não praticava

atividade física (“estava sedentário”) e que estava acomodado, sem ânimo.

No final da linha um, ele inicia duas frases com a conjunção explicativa

“porque” para explicar sua situação de desânimo, acomodamento. O motivo de sua

situação, relatada no início do trecho, é a incidência de diversas crises, as quais são

listadas nas linhas dois e três (“Crise econômica, política, financeira, social, crises,

‘né’”). Após listar a gama de crises que enfrentara, ele finaliza a frase com a expressão

“né?”, que significa “não é?”, “não é isso mesmo?” e, dessa maneira, indaga ao

entrevistador pedindo­lhe uma confirmação do que falara.

A partir de uma colocação do entrevistador (linha três) sobre sua situação de

vida, ele declara, pela frase “É então... Não tava muito bacana”, que sua vida não

estava boa. Pelo emprego do advérbio “muito” antes de “bacana”, entende­se que o

locutor disse que existia momentos bacanas na vida, mas não muitos. Prossegue e

conclui que, em virtude do que relatara, das crises, iniciou­se uma situação de

desânimo, um processo depressivo, que fica claro pela frase “aí, começa a desanimar,

entrar em depressão, entrar em sabe...”.

Exemplifica sua situação também com a frase “Pensar que está tudo ruim”, que

significa que o locutor enxergava que sua situação de vida estava totalmente ruim, em

todos os aspectos; pensamento que fica claro pelo emprego do pronome indefinido

“tudo” precedendo o adjetivo “ruim”. E conclui, ainda, com a frase, “Então é isso que a

01

02

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04

06

07

08

09

Ah, eu estava sedentário, bastante acomodado, desanimado... Porque também...

Porque eu... Estava vindo dessas crises... Crise econômica, política, financeira,

social, crises, “né” (­não estava numa situação boa) É então... Não tava muito

bacana, [...] ai começa a desanimar, entrar em depressão, entrar em sabe...

Pensar que esta tudo ruim... Então é isso que a gente pensa... Eu reanimei...

Reanimei bastante. Até me [...] sentir, o corpo fortalece a amizade, fortalece o

ambiente, a convivência, melhora a qualidade de vida...Da pra melhorar

bastante...

115

gente pensa”, que é assim que pensam as pessoas que exibem o estado de desânimo

ou depressão que relatara. Isso se clarifica pelo uso do termo “a gente”, que significa

um grupo de pessoas, no qual o locutor se inclui.

Ao relatar com as frases “Eu reanimei... Reanimei bastante”, ele refere­se aos

efeitos que sentiu ao ingressar em programas de atividades físicas. A repetição do

verbo “reanimar”, duas vezes, é um recurso utilizado pelo locutor para enfatizar o

recobrar de seu ânimo, e o advérbio “bastante” demonstra que não foi pouca

reanimação, mais, sim, uma reanimação intensa.

Na linha sete, o locutor conclui que o corpo tem o poder de fortalecer diversos

aspectos, como a amizade, o ambiente e a convivência, e, por fim, a qualidade de

vida. Além disso, com a frase, “dá para melhorar bastante”, ele enfatiza que, a

participação em programas de atividades física, existe a possibilidade de melhoras

expressivas pelo emprego do advérbio “bastante”.

Síntese da entrevista do Sujeito G

Esse sujeito relata, no trecho um, que percebeu melhoras em seu cotidiano no

que se refere à possibilidade de se equilibrar no ônibus. No entanto, mostra certa

dificuldade em identificar suas percepções; diz que sabe que pode pegar peso, então,

conclui que melhorou. No trecho dois, as incertezas sobre quais foram as melhoras,

que acredita ter obtido se acentuam. Exemplifica varias ações que dependem de força

muscular e volta a falar que sabe que tem mais força, mas sua dificuldade em

expressar suas percepções denota que, de fato, não experimentou essa capacidade

no cotidiano. Sobre a redução semanal, não acredita que isso tenha deixado o treino

mais difícil.

Em seu contexto de vida, relata que, antes de incluir a prática de atividades

físicas em sua rotina, sentia­se cansado, sem resistência alguma, e que hoje já se

sente melhor (trecho quatro). No último trecho, destaca que sentia­se fraco,

desanimado, porque vinha de muitas crises (política, econômica, social) e que a

prática de exercícios o auxiliou a livrar­se desse desânimo que o fez entrar em

depressão.

O desempenho da força muscular

Os resultados da força muscular do Sujeito G estão descritos na Figura sete. Na

primeira fase do programa, ele obteve aumento em seus níveis de força, em todos os

exercícios propostos, exceto para o exercício de cadeira extensora (denominado como “extensora”, no gráfico), que manteve no nível inicial. Não realizou o exercício de leg

116

0

10

20

30

40

50

60

1 2 3

supino

ext ensora

cost as

ombro

glut eos

press por sentir incômodo na região medial da coxa, devido a uma cirurgia de hérnia, que tinha realizado há alguns meses. Assim substituímos pela cadeira extensora. No

segundo período, os níveis de força se mantiveram para todos os exercícios, exceto

para a extensora que aumentou. Esses dados estão descritos na figura sete.

Figura 7 ­ Desempenho da força muscular do Sujeito G nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

SUJEITO H

Participante do sexo feminino, com 73 anos. É solteira, mora com uma irmã, uma

cunhada e um sobrinho. Participa de atividades da comunidade de sua igreja e pratica

sessões de exercícios transmitidas por um programa de televisão. Participou do

Projeto Sênior em 2002 e participa ativamente do Projeto de Transição.

MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE

Trecho 1

Assunto: As influências do programa em sua rotina

01

02

03

04

06

07

Bom, principalmente, no dia seguinte, me doía o braço, “né”, me doía a perna

“né”, e isso daí... Mas depois, depois foi tudo bem, é só no primeiro e segundo

dia, “né”, já o resto da semana... Quando a gente volta outra vez, aí começa a

perna a doer outra vez. Outra coisa também, sabe... Que, às vezes, eu... ia cair

alguma coisa, deixava cair, mas faço força pra agarrar [Sorri e aproxima as mãos na altura do rosto rapidamente].

kg

117

Ao relatar suas percepções sobre a influência do programa de treinamento

resistido, a locutora aponta primeiramente a ocorrência de dores no corpo. Na frase,

“principalmente no dia seguinte”, o emprego do advérbio “principalmente” indica que o

que ela relatará, logo em seguida, é o principal, o mais importante com relação à

participação no programa de exercícios resistidos. Ela declara que, no dia seguinte,

era o dia em sentia mais a influência do programa em sua vida. Isso ocorria por

ocasião da presença de dores no corpo como relata: “me doía o braço, né, me doía a

perna, né”. A repetição do verbo “doer”, no pretérito imperfeito, duas vezes, é utilizada

para enfatizar as sensações dolorosas que ela apresentava no dia seguinte às

sessões de exercícios. Ademais, a utilização do verbo no pretérito imperfeito parece

indicar que isso ocorria, mas que não ocorre mais no momento.

No entanto, na linha três, a locutora explica em que momento não ocorriam

mais as dores, com a frase “Mas depois, depois foi tudo bem, é só no primeiro e

segundo dia, “né”, já o resto da semana...”. Ela explica que, depois do dia em que

ficava dolorido, por motivo da prática de exercícios resistidos do dia anterior, apenas

no primeiro e no segundo dia ela sentia as dores (“só no primeiro e segundo dia”, linha

dois). Isso fica claro a partir do emprego do advérbio só, que significa “somente”,

“apenas”, “unicamente”. Complementa que, apesar de sentir dores nos dias citados,

isso não ocorria no decorrer da semana (“já o resto da semana”).

Na linha quatro, ela reforça que, ao voltar para as sessões de exercícios sentia

novamente dores nas pernas (“Quando a gente volta outra vez, aí começa a perna a

doer outra vez”). Isso significa que as dores eram decorrentes de cada sessão de

exercícios e que, nos dias da semana após o último dia de sensações dolorosas, não

eram sentidas mais tais dores. No entanto, o retorno semanal às práticas ocasionava

as dores.

Na linha quatro, a locutora chama a atenção do entrevistador com a frase

“Outra coisa também, sabe”. Nesse momento, pelo emprego da expressão “outra

coisa”, que pode significar “mais um” e do advérbio “também” (“da mesma forma”,

“igualmente”), a entrevistada alerta o entrevistador para outro fato que ela percebeu

como influência do programa de treinamento resistido. Esse fato ao qual ela se refere

versa sobre sua habilidade em agarrar com força objetos que venham a cair. Isso fica

claro na frase “Que, às vezes eu... ia cair alguma coisa, deixava cair, mas faço força

pra agarrar”.

Ela indica que, no passado, quando caía algum objeto, não interferia, deixava­o

cair. Isso está bem indicado pelo emprego dos verbos “ia” e “deixava”, no pretérito,

118

para deixar claro que isso é uma situação passada. A contraposição ao presente fica

ainda mais evidente na última frase (linha seis), “mas faço força pra agarrar”. A

conjunção adversativa “mas”, no início da frase, mostra que, no momento presente,

ela pode utilizar­se de sua força para agarrar um objeto que, porventura, caia. Nesse

ponto, ela demonstra com os braços como agiria em uma situação desse tipo, para

enfatizar sua habilidade melhorada e exibe um sorriso de satisfação.

Trecho 2

Assunto: A redução da freqüência semanal no programa de exercícios resistidos

(Trecho relatado a partir de uma indagação realizada à locutora sobre o assunto em

destaque)

A locutora inicia com a conjunção “agora”, que significa, nesse contexto,

“todavia”, “porém”, para relatar que, com apenas um dia na semana para praticar

exercícios resistidos (refere­se a esse dia com a frase “uma vez”, linha um) a sessão

fica mais difícil. Na frase, “porque você fica aquela semana inteirinha, “né”, ela inicia

com a conjunção explicativa “porque”, para indicar a dificuldade em fazer, uma vez por

semana, a sessão de exercícios. O motivo da dificuldade em realizar uma vez por

semana, explica a locutora, está no tempo de descanso entre as sessões, motivo que

fica claro na frase destacada anteriormente (linha um).

Na frase, “sem fazer nada” (linha dois), ela indica o que ocorrera no tempo de

descanso entre as sessões de exercícios, que era um período ocioso, sem atividade

física. Ela conclui o trecho com a frase, “faz no dia, aí dói outra vez”, que quer dizer

que ao retomar os exercícios, após uma semana de pausa, as dores retornavam

também.

MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA

Trecho 3

Assunto: A fratura no punho decorrente de uma queda

(Trecho dito no momento em que narrava seu ingresso no Projeto Sênior)

01

02

Agora, uma vez, uma vez já é difícil porque você fica aquela semana inteirinha

“né”, sem fazer nada, faz no dia aí dói outra vez.

119

Nesse trecho, a locutora discorre sobre uma queda que sofreu e, como

conseqüência disso, restou­lhe uma fratura no punho direito. Ela inicia com a frase,

“Eu caí, fraturei, aqui, o pulso”, que indica que a fratura no “pulso”, como popularmente

se denomina a região do punho, foi decorrente de uma queda.

Ainda na linha um, ela prossegue com a frase, “Eu fiquei muito tempo e”. Ela

ressalta, nesse ponto, que não foi uma fratura simples, de fácil e rápida recuperação.

Com a utilização do advérbio “muito” (“com abundância”, “com excesso”), que na frase

destacada, precede o substantivo “tempo”, ela realça que foi um tempo longo de

recuperação; e, com a frase “já começava a trabalhar com a mão esquerda”, ela

reforça ainda mais a gravidade de sua fratura, pois “já” necessitava trabalhar somente

com a mão esquerda, já que o punho direito estava impossibilitado de movimento. Isso

fica claro na frase, “porque com a direita não dava”. O emprego da conjunção

explicativa “porque” leva à explicação do fato anterior, que tinha que trabalhar somente

com uma das mãos (esquerda), porque uma delas estava lesada. Assim sendo, sua

capacidade de movimentação através dos braços reduzia­se à metade.

Na linha três, ela retoma a questão de que isso ocorreu por ocasião de uma

queda, com a frase “Caí e quebrei”, que não houve outro motivo, que foi somente cair

para fraturar o punho. Ademais, a locutora explica que isso ocorreu porque, no

momento da queda, ela tentara proteger sua cabeça com a mão, com a frase “sabe

quando vai cair e segura pra não bater a cabeça?”.

O comentário de seu médico sobre a condição de seu punho é enfatizado pela

locutora e ajuda a demonstrar ainda mais o problema. Ela comenta que o médico lhe

disse: “porque ficou um pouco defeituoso”, ou seja, que a referida articulação

encontra­se com defeito, defeituosa. Mas a locutora adverte com a frase “não era

tanto”, que não compartilhava da mesma opinião de seu médico, acreditava que seu

punho apresentava problemas, mas não da magnitude que seu médico apontou, não

estava tão defeituoso.

01

02

03

04

06

07

Eu caí, fraturei, aqui, o pulso [indica o punho direito] [...]. Eu fiquei muito tempo e já começava a trabalhar com a mão esquerda... porque com a direita não dava

[...] Caí e quebrei, sabe quando vai cair e segura pra não bater a cabeça? [...] O

ortopedista me falou assim, ah, “porque ficou um pouco defeituoso”, não era

tanto, só que esse eu viro bem e, esse aqui, eu tenho que fazer mais força [indica o punho direito novamente].

120

Ela indica que o “defeito” que pôde observar é na comparação da possibilidade

de movimento entre os braços. Na frase “só que esse eu viro bem e esse aqui eu

tenho que fazer mais força”, o primeiro pronome demonstrativo “esse” refere­se ao

antebraço esquerdo, que está bem, sem problemas, e pode “virar­se” (realizar o

movimento de supinação). Já o segundo pronome demonstrativo “esse” refere­se ao

antebraço com o punho fraturado, e ele ressalva que com esse necessita imprimir

mais força para supiná­lo do que em seu membro contra­lateral.

Trecho 4

Assunto: As diversas quedas

(Relata o trecho, a seguir, após declarar sua necessidade em fazer exercícios)

Nesse trecho, a locutora relata sobre suas diversas experiências com quedas.

Ela inicia com a ressalva de que, no ano corrente, não caíra nenhuma vez (“Esse ano

que passou, eu não levei nenhum tombo”). Deixa bem claro com as frases “que

passou, não, que nós estamos passando”, que ele fala do ano corrente, utiliza­se

dessas frases para enfatizar que isso ocorria em outros anos, mas, no atual (no

momento da entrevista), não.

Na linha dois, ela exemplifica as quedas que teve e relembra a queda que

ocasionou a fratura no punho com a frase “Olha, uma vez, eu caí, quebrei aqui”, o

advérbio “aqui” refere­se ao punho direito, o qual, nesse momento, ela aponta com a

mão. Acrescenta outro evento ao da lesão no punho e relata que caíra dentro de sua

casa e, por isso, fraturou, o cotovelo, “outra vez, eu caí dentro de casa, deu uma lesão

no cotovelo”. A utilização da expressão “outra vez” indica que isso não ocorreu por

ocasião da mesma queda em que fraturou o punho, que isso foi em outro momento,

que ela teve que passar por uma situação similar outra vez. Finaliza com a frase

01

02

03

04

06

07

08

09

10

11

Esse ano que passou eu não levei nenhum tombo, que passou não, que nós

estamos passando. Olha uma vez eu caí quebrei aqui [aponta o punho direito], outra vez eu caí dentro de casa, deu uma lesão no cotovelo. [...] Foi tantas

vezes. Uma vez eu tava indo pra minha irmã com as minhas sobrinhas e ia levar

no dentista, não sei sabe, essas tiras de plástico, que o pessoal amarra pra fazer

embalagem? [...] Não sei como, eu ia andando com as meninas e tava “vamo”

direitinho, de repente “tum”, eu me vi no chão, aquele era como se fosse um fio,

mas era plástico “né”, eu senti, sabe aqueles filmes que o mocinho pega joga um

laço e puxa o índio? [...] É, mas uma coisa incrível, então você vê eu levei tanto

tombo.

121

“foram tantas vezes”, que significa que, em inúmeros momentos, ela deparou­se com

momentos de quedas e não só com aqueles exemplificados.

Na linha dois, ela relata um outro exemplo sobre uma de suas diversas quedas.

Nas linhas quatro a dez, ela descreve um momento em que ia à casa de sua irmã,

acompanhada de suas sobrinhas, e que caiu porque seu pé enroscou em tiras de

plástico no chão e não pôde evitar tal queda. Ela relata com a frase “de repente “tum”,

eu me vi no chão”, que foi algo repentino, que não pôde reagir, que fora ao chão sem

reação.

ElA revela como se sentiu nesse momento, se sentiu laçada, capturada, assim

como exemplifica, “sabe aqueles filmes que o mocinho pega joga um laço e puxa o

índio?”. Ou seja, sentiu­se presa, indefesa, ameaçada de captura, numa simples

caminhada de rotina, não pôde reagir a uma tira plástica que enroscara em sua perna.

Na linha onze, ela finaliza e conclui que acha essas situações incríveis “mas

uma coisa incrível”, no sentido de que suas inúmeras quedas são inacreditáveis,

difíceis de acreditar. Na última frase, ela chama a atenção do entrevistador com a

frase “então você vê, eu levei tanto tombo”, porque ela considera esses eventos como

algo importante em sua vida, pois não foram alguns, mas, sim, muitas quedas, já que

utiliza o advérbio “tanto”, que quer dizer “muitas vezes”, “em grande quantidade”.

Síntese da entrevista do sujeito H

Essa participante relata as diferenças em seu cotidiano, porque o programa lhe

causou muitas dores, principalmente nos dois dias após as sessões. Também disse

que se percebe mais rápida em agarrar objetos que caem, pode aplicar mais força

neles e segurá­los (trecho um). Com relação à diminuição da freqüência semanal, ela

relata que ficou mais difícil, pois se acentuaram as dores novamente (trecho 2).

Sobre seu contexto de vida, relata que sofreu muitas quedas e que em uma

delas fraturou o punho, que ficou ligeiramente defeituoso (trecho três). No trecho

quatro, realça novamente as diversas quedas sofridas em sua vida e acrescenta uma

lesão no cotovelo, aquela do punho, relatada no trecho anterior.

O desempenho da força muscular

A Figura 8, abaixo apresenta o comportamento da força muscular do Sujeito H.

Para os exercícios de leg press, supino pode­se observar um aumento da sua força no primeiro período do programa. Já, para os exercícios, costas, ombro e glúteos não foi

122

0

10

20

30

40

50

1 2 3

supino

leg press

cost as

ombro

glut eos

possível obter uma elevação de seus valores. Para o período de manutenção, todos

os exercícios mantiveram os níveis obtidos na segunda medida.

Figura 8 ­ Desempenho da força muscular do Sujeito H nos exercícios propostos

1­início do programa; 2­final do período de duas vezes semanais;

3­final do período de manutenção

5. DISCUSSÃO

kg

123

As declarações de funcionalidade, reportadas no capítulo anterior, levam­nos à

compreensão da capacidade funcional a partir de uma organização de caracteres

objetivos que se conectam por linhas de força subjetivas ao contexto vivido de cada

participante. Mediante as descrições de atividades que, em princípio, parecem ser

relatos pontuais, objetivos, nus, despidos de toda e qualquer subjetividade, pode­se

desvelar­se toda uma história de vida e significações, trazidas nas entrelinhas dos

discursos analisados. A busca das conexões entre as habilidades reportadas como

melhoradas, decorrentes do programa de exercícios, com o legado histórico de cada

participante através de sua narrativa, é o ponto de partida para compreendermos a

capacidade funcional percebida.

Na busca das relações que trarão o desvelar da capacidade funcional,

tomemos, como início de análise, as descrições das habilidades que, para cada

participante, compõem sua capacidade funcional, sem esquecer, também, a relação

dialética entre o conteúdo (as habilidades) e a forma (as relações), que fazem existir o

fenômeno da percepção da capacidade funcional para cada participante para além do

saber positivo, e que, adiante, olharemos mais de perto.

Os relatos observados parecem corroborar com aquilo que se concebe como

capacidade funcional: a possibilidade de realização das atividades cotidianas (LITVOC

e BRITO, 2004; OKUMA, 1997; SANCHEZ, 2000; SPIRDUSO, 1995). O Sujeito A, por

exemplo, relatou com veemência, no trecho um, que, depois do período em que

participou do programa de exercícios de força, pôde carregar móveis, sem a

necessidade de auxilio de suas filhas. Isso significa que ele sente mais facilidade para

realizar as AIVD, aquelas de maior complexidade, como descrito por Okuma (1997).

Já, para o Sujeito D, pode­se observar que, segundo a classificação apresentada por

Okuma (1997), ele relatou melhoras em uma de suas ABVD, no que se refere à

locomoção, pois relatou que se sente mais apto a subir as escadas de sua residência

(trecho quatro). Além disso, relata que pode realizar com mais facilidade as atividades

necessárias à limpeza de sua casa (trecho dois), as quais podem ser incluídas com

AIVD, segundo Sanchez (2000). As AIVD também foram relatadas pelos sujeitos E e

F, com relação à potencialidade de carregar baldes de água e segurar os netos no

colo, respectivamente.

Um ponto importante, que deve ser destacado, relaciona­se àquilo que

Andreotti e Okuma (1999) apontam sobre a adequação da avaliação funcional com o

status funcional 10 do idoso. Em estudo apresentado por Andreotti e Okuma (1999), as

autoras concluíram que, para idosos de nível quatro, ou seja, aqueles que não

124

apresentam déficits funcionais e são fisicamente ativos, um programa de treinamento

físico não alterará sua capacidade de realização das atividades do cotidiano. No

entanto, todos os sujeitos, descritos no parágrafo anterior, relataram incrementos em

atividades relacionadas à capacidade funcional. Dessa forma, parece que estar no

nível funcional quatro não significa que a capacidade funcional do idoso esteja bem,

pelo menos com relação aquilo que ele percebe dela.

É evidente que a proposição de Spirduso (1995) centra­se na maioria, e

discrepâncias também podem ser observadas, como em qualquer outra normatização

científica. No entanto, se todos os idosos deste estudo fazem parte do grupo de

exceção, ou, estatisticamente, seriam os outliers, deve­se refletir se isso não tem ocorrido em outros programas direcionados a essa população, e se não são

justamente essas “exceções” que mais procuram os programas de atividade física.

Olhando­se por um outro foco, entretanto, podemos pensar que os idosos deste

estudo são do nível quatro e suas alterações funcionais só foram detectadas porque

eles tiveram a oportunidade de relatá­las. Isso posto, podemos inferir que não é

apenas a classificação funcional que está equivocada, mas, sim, a forma de acesso às

alterações funcionais pelas quais são constituídas essas classificações. Ainda, pode­

se argumentar que esses idosos estão entre os níveis três e quatro e, como a

separação desses níveis é tênue, já que são classificações gerais, isso já bastaria

para elucidar essas discrepâncias. A análise do caso do Sujeito D, entretanto, parece

enfraquecer essa hipótese, de que há um meio termo entre níveis próximos.

Pelo menos com relação às ABVD, era esperado, mesmo, que os idosos

apresentassem níveis satisfatórios, pelo nível de status funcional em que se

enquadram. No entanto, o Sujeito D relata que pode subir as escadas de sua casa,

uma atividade típica de locomoção, e, portanto, incluída nas ABVD. Isso significa que

esse participante, embora seja fisicamente ativo, ainda apresenta dificuldades para

uma ABVD e não se enquadra em nenhum dos níveis funcionais propostos por

Spirduso (1995). Dito de outro modo, pelo nível de atividade física, ele deveria ser

classificado como nível quatro, mas, pela dificuldade funcional relatada, deveria ser

encaixada no nível dois. Assim, fica difícil sustentar o argumento que ele transita entre

os níveis dois e quatro, já que, pela classificação de Spirduso (1995), eles parecem

ser tão distintos. Essas colocações demonstram que encaixar o idoso em níveis gerais

nem sempre é possível, e uma avaliação individualizada de seu potencial faz­se

condição primordial nesse caso.

10 A classificação de status funcional, proposta por Spirduso (1995), refere­se a cinco níveis de possibilidades de ações cotidianas com independência física, bem como a capacidade de realizar atividades físicas até o nível competitivo.

125

Essas reflexões parecem gerar implicações sobre os resultados do trabalho de

Lima­Costa, Barreto e Giatti (2003). Os achados desse estudo mostraram que apenas

2% da população idosa apresenta impossibilidade de realização de algumas ABVD

selecionadas, como alimentar­se, tomar banho ou ir ao banheiro; 4,4% com relação a

abaixar­se, ajoelhar­se ou curvar­se; e 6,2 apresentavam dificuldades para caminhar

mais de um quilômetro. Podemos inferir, então, que são poucos os idosos que relatam

dificuldades em ABVD, mas, também, devemos ter em mente que, se no estudo de

Lima­Costa, Barreto e Giatti (2003) os idosos tivessem sido entrevistados, outras

limitações funcionais poderiam ter surgido, além dessas citadas acima, que

compuseram o instrumento de avaliação.

Com as reflexões postas acima, podemos perceber que as relações entre as

dificuldades funcionais relatadas nem sempre condizem com as classificações

funcionais disponíveis. Por outro lado, percebe­se, pelo relato dos participantes deste

estudo que eles experimentaram melhoras funcionais, concomitantemente a um

incremento de força muscular.

Dessa maneira, os relatos descritos parecem se aproximar das constatações

de Kell, Bell e Quinney (2001) e Hageman e Thomas (2002) em que há uma relação

importante entre o aumento da força muscular e incrementos funcionais, com relação

direta entre a força aumentada de certo segmento e atividades cotidianas que o

utilizam. Em outras palavras, otimizar a força de braços, pode melhorar atividades

rotineiras em que se utiliza esse membro e, assim, para outros segmentos, como já

apresentados por Kell, Bell e Quinney (2001), por exemplo, sobre as correlações entre

força de extensão de joelho com a potência de subir degraus. Nesse sentido, as

atividades rotineiras, percebidas pelos idosos como incrementadas ou facilitadas,

relacionam­se com o aumento de força observado para cada um.

Por outro lado, no caso do Sujeito D, é importante destacar que ele não

realizou o exercício de leg press no primeiro momento do programa, por apresentar uma lesão nos joelhos, e, quando o realizou, o fez com intensidade muito baixa (mais

de 20 repetições máximas), o que deve ter proporcionado muito pouco ou, até,

nenhum ganho em força nessa região 11 . No entanto, mesmo não tendo possibilidade

de elevar significativamente seus níveis de força dos membros inferiores, ele relata

que pode subir escadas com mais facilidade, uma habilidade que exige

prioritariamente a função desses membros. Mediante essas constatações, pode­se

notar a complexidade da capacidade funcional, pois a causalidade exposta por Kell,

Bell e Quinney (2001), entre a elevação de força de extensão de joelho com a

11 Exercícios de força realizados com intensidade acima de 20 repetições máximas propiciam, pouco ou nenhum ganho em força (FLECK e KRAEMER, 1999).

126

velocidade e potência de subir degraus parece não se sustentar; e, além disso, elevar

a força de um segmento corporal, nesse caso, parece não ser condição suficiente, ou

nem mesmo necessária, para que a participante pudesse perceber sua melhora em

subir escadas. Sua percepção de melhora parece estar associada a uma situação

mais geral e que discutiremos mais adiante.

Outro ponto importante reside na relação amplamente utilizada pela literatura

exposta sobre a velocidade de movimento e melhoras funcionais. Pelos relatos dos

idosos deste trabalho, não se sabe exatamente se essas ações relatadas podem ser

realizadas mais rapidamente, pois a velocidade de execução dessas habilidades é o

parâmetro primeiro que sustenta as correlações apresentadas por Kell, Bell e Quinney

(2001). No trabalho de Hageman e Thomas (2002) sobre um programa de exercícios

de força muscular, os idosos não melhoram no teste de velocidade de caminhada

cotidiana, em que não se solicita a velocidade máxima. No entanto, no teste de

velocidade máxima da caminhada, em que eram submetidos a caminhar o mais rápido

possível, foram observadas melhoras significativas. Isso significa que, se os idosos

precisarem caminhar mais rápido, eles detêm um potencial correspondente. Assim,

realizar uma ação cotidiana mais veloz, depende daquilo que o idoso necessita ou

quer realizar, relaciona­se com aquilo que a percepção lhe sugere.

Pelos discursos dos idosos analisados no presente trabalho, entretanto, não se

observou relatos de incrementos funcionais com relação ao aumento da velocidade

das ações cotidianas, mas isso não significa que eles não possam realizar ações

velozes. Pode­se inferir, nesse sentido, que fazer mais rápido não exibe um sentido

significativo para esses idosos e talvez seja por isso que eles não relataram sobre

esse ponto, mas isso não indica que ações velozes não foram melhoradas. Além

disso, implica em dizer que sentido há em avaliar a velocidade da execução de

movimentos rápidos, já que estes parecem não fazer parte do cotidiano desses idosos.

Essas reflexões recaem sobre o trabalho de Hruda, Hicks e McCartney (2003),

cuja preocupação foi, também, a velocidade de movimento. Os autores propuseram

um estudo sobre o efeito do treinamento da potência muscular sobre o desempenho

em testes funcionais, já que, segundo eles, as ações cotidianas requerem execuções

velozes. O estudo demonstrou correlação significativa entre a velocidade de execução

dos testes e a força muscular. No entanto, vale ressaltar, novamente, até que ponto

enfatizar a velocidade de movimento é importante para os idosos. Isso significa que,

no trabalho de Hruda, Hicks e McCartney (2003), a execução foi veloz porque, talvez,

os idosos foram solicitados para isso, mas isso não quer dizer que eles precisam ou

percebam essa necessidade no seu cotidiano. Dessa forma, pela característica do

trabalho de Hruda, Hicks e McCartney (2003), fica claro que o foco estava sobre as

127

relações entre a potência muscular e algumas habilidades que, segundo os autores,

compõem a capacidade funcional, e eles não tinham nenhuma intenção em definir se

isso é ou não importante para o idoso. No entanto, devemos ter em mente que isso

não é suficiente para determinar se um tipo de programa vai propiciar um incremento

funcional que seja percebido pelo idoso participante, pois a velocidade parece não ser

tão significativa, segundo os relatos dos idosos.

Nesse sentido, pelos discursos analisados neste trabalho, pode­se observar

que a percepção de melhora não residiu em realizar ações funcionais mais rápidas,

não porque sejam incapazes, mas porque, talvez, não enxerguem tal necessidade ou

sua condição de vida atual não exija as tais habilidades velozes. Isso vai ao encontro

do trabalho de Fone e Lundgren­Lindquist (2003) ao relatar que idosos com a

presença de doenças e com baixos níveis de capacidade funcional, não se

consideram com a saúde deteriorada, e engajam­se em atividades em que a demanda

é suportável. Nessa direção, presume­se que, para os idosos do presente trabalho,

executar ações mais velozes não é mais importante em suas vidas, assim como, para

os idosos do trabalho de Fone e Lundgren­Lindquist (2003), altos níveis de capacidade

funcional e ausência de doenças (ambos avaliados por questionários) não são fatores

cruciais para suas vidas.

Além disso, é importante refletir se os itens de capacidade funcional e saúde

dos instrumentos aplicados exibem algum significado para os idosos e dessa forma,

não se sabe exatamente se sua saúde de fato é satisfatória e se sua capacidade

funcional é baixa aos seus olhos, como observamos com os participantes deste

estudo. Isso se fortalece ao observarmos a diversidade de relatos sobre melhoras

funcionais observadas na narrativa proposta deste trabalho, dando margem a inferir

que a capacidade funcional é única a cada indivíduo e que a condensação em

instrumentos fechados pode não propiciar o entendimento de sua complexidade.

Todavia, a percepção de melhora funcional, ou, pelos menos, das habilidades

que a compõem, é manifesto na fala dos participantes, principalmente pela percepção

de conforto ao realizar as atividades rotineiras. Tal comodidade foi evidenciada,

principalmente, pela supressão ou diminuição de sensações dolorosas nas ações

rotineiras. Esse fato é realçado pelo Sujeito C ao dizer que o programa de exercícios

amenizou suas dores na coluna, e declara também que as dores no braço não

melhoraram (trecho um), o que ressalta que seu referencial de melhora é a ocorrência

de dores. Para o Sujeito E, também a ausência das dores foi um indicativo que sua

capacidade de exercer força melhorou, discorrendo sobre o assunto com notável

alegria e satisfação (trecho três).

128

Isso dá margem a inferir que o aumento da força muscular pode ter amenizado

as dores relatadas, assim como o trabalho de Suomi e Colier (2003) demonstrou que a

prática de atividades físicas reduz a presença de dores em idosos com artrite e eleva a

capacidade funcional. Os autores alertam, entretanto, que o programa de exercícios

oferecido continha atividades educacionais que objetivavam o conhecimento da artrite

e como lidar com ela, fato que pode ter contribuído, também, para a diminuição das

dores. Isso significa que as melhoras físicas parecem não ser a única condição para a

amenização das dores. A situação proposta pela participação no programa pode ter

gerado um novo modo de lidar com as dores no cotidiano, assim como a participação

no programa de treinamento resistido deste trabalho pode ter sido um fator que influíu

na dor e na capacidade funcional dos participantes, mesmo que não tivessem sido

observados incrementos de força significativos. Dito de outro modo, não há

consistência em atribuir que a diminuição das dores ou a melhora da capacidade

funcional, somente à um aspecto pontual, mas, talvez, à relação em que toda uma

situação vivida no programa tenha modificado a vida dos participantes a ponto de se

perceberem potencialmente capazes, para além da dor.

O caso do Sujeito H também se relaciona com a dor, mas em um sentido que

difere dos Sujeitos C e E. Para o Sujeito H, as dores eram ocasionadas pela

participação no programa, o que ocorria nos primeiros dois dias após cada sessão de

exercícios, e isso revela que seu “parâmetro” de capacidade centra­se também na dor.

Todavia, essa dor era ocasionada pelo programa e, não, aliviada por ele, como

ocorreu nos sujeitos C e E. Dessa forma, a presença, ou ausência, de dores parece

balizar a percepção da funcionalidade para esses sujeitos, todavia essa diferença

apontada é crucial para a interpretação do significado dessas sensações de dor.

Pela narrativa dos participantes, pudemos observar que a dor relatada exibe

certo significado, e que não é qualquer “dor” suprimida ou acrescentada (como ocorreu

no Sujeito H) que resultará numa funcionalidade alterada. Nesse sentido, ao tomar por

base as narrativas aqui apresentadas, o fenômeno “dor” não pode generalizar­se

como uma opção de significado único em um instrumento de avaliação. A “dor” parece

surgir de contextos de vida diferentes e sua generalização parece não convir. Por ora,

concentrar­nos­emos na existência, ou não, de dor e suas relações com essa

funcionalidade ainda objetiva, mais adiante entenderemos o significado dessas

sensações dolorosas.

A partir dessas reflexões sobre a dor, retoma­se, a questão da velocidade das

ações funcionais. Facilitar ou melhorar uma ação cotidiana parece não se ancorar

apenas na possibilidade de execuções velozes, mas também na percepção da

facilidade de ação, que pode evidenciar­se num conforto de movimento, antes não

129

percebido. Nesse sentido, a observação de Weiss et al (2000) parece fazer sentido ao

alertar que a velocidade de execução não contempla a totalidade da melhora funcional

e que aspectos qualitativos do padrão da habilidade motora devem ser incluídos nas

avaliações funcionais em idosos. No entanto, a abordagem qualitativa deve ir além da

verificação do padrão motor da tarefa, como proposto por Weiss et al (2000) e

Hageman e Thomas (2002), pois a percepção do idoso sobre sua funcionalidade pode

ampliar a compreensão da capacidade funcional do idoso. Nessa direção, realizar uma

tarefa cotidiana, mais ou menos veloz, parece não ser o indicativo mais importante de

alterações funcionais, mas o referencial primeiro de melhora é poder realizá­las de

forma confortável, sem dores.

Assim, presume­se que, mesmo se os Sujeitos C e H tivessem incrementado

sua velocidade de execução em suas ações rotineiras e suas dores tivessem

persistido, não haveria melhora concreta da capacidade funcional. Por outro lado,

pode­se inferir, também, que a diminuição da dor poderia possibilitar ações com mais

velocidade, fato que leva a crer que a dor continuaria a ser um referencial importante

da percepção da capacidade funcional para esses sujeitos. No entanto, se essas

pessoas tiverem suas sensações dolorosa diminuídas e, neste caso, com maiores

possibilidades de executar suas ações rotineiras mais rápidas, até que ponto tal

velocidade incrementada seria necessária, ou, até mesmo, desejada? Ademais, para

essas pessoas, apenas diminuir a sensação de dor já não seria suficiente para que

elas percebessem melhoras na sua capacidade funcional?

Nesse ponto, retoma­se a colocação de Weiss et al (2000) sobre as limitações

dos testes motores. Os autores sustentam que a quantificação pode não detectar

modificações ou melhoras e propõem, assim, análises sobre a qualidade do

movimento realizado. Talvez a limitação, entretanto, não esteja no teste em si, ou em

seu procedimento de coleta, mas, sim, no idoso que o realiza. Muito embora os idosos

possam realizar as provas motoras de maneira mais veloz, como demonstrado por

Alexander et al (2001) e Brandon et al (2000), talvez não faça sentido realizá­las mais

rápido e sim completá­las sem dor, desconforto, medo ou sem a ajuda de outrem.

Assim sendo, a limitação parece não ser do teste motor em si, mas, sim, das

interpretações e inferências realizadas pelos pesquisadores.

Os testes se propõem a mensurar o desempenho das habilidades, mas não se

tem como considerar as percepções e os anseios que os “testados” exibem com

relação às provas físicas. Talvez possam realizar mais rápido essa ou aquela ação

cotidiana, mas é necessário refletir se eles querem ou precisam dessa velocidade.

Dessa forma, não é ao teste que deve ser atribuído a “culpa” de uma não detecção da

capacidade funcional, pois ele não tem esse intuito; ele mede o desempenho de uma

130

habilidade que pode compor um todo articulado que dinamiza a capacidade funcional,

mas ele não pode “medir” a capacidade funcional se a considerarmos como um

fenômeno complexo. Mediante os dados apresentados pode­se entender a

capacidade funcional como um fenômeno complexo e, como tal, exibe uma rede de

interações que impossibilita relações lineares, como a muito preconizada que a

correlação entre realizar uma habilidade de forma veloz resulte diretamente em uma

funcionalidade incrementada.

Ainda assim, é fato que se os idosos experimentaram aumento de sua força e,

concomitantemente, perceberam melhoras em sua capacidade funcional, mesmo que

essa melhora tenha sido percebida pela redução de uma sensação dolorosa ou por

um desempenho mais satisfatório em uma atividade cotidiana. Em outras palavras,

ainda é possível notar, nesse primeiro olhar, uma relação importante entre a força

muscular ou pelo menos a participação no programa e a capacidade funcional do

idoso, e isso dá margem a inferir que a manutenção de seu potencial de força resulte

em uma constância nas percepções relatadas.

No entanto, a variação proposta no programa, com a redução da freqüência

semanal, trouxe dados importantes sobre a relação entre força e capacidade funcional.

O comportamento da força do grupo, em geral, manteve­se no período da freqüência

semanal, fato que vai ao encontro daquilo que foi reportado por Trappe, Williamson e

Godard (2002) com idosos.

A vantagem de reduzir a freqüência semanal, apontada por Trappe, Williamson

e Godard (2002), centra­se na diminuição do tempo despendido e na diminuição do

custo com as sessões de exercícios: fatores bem conhecidos como determinantes da

adesão à prática de atividade física. Isto parece ir ao encontro daquilo que relata o

Sujeito B, com relação ao período em que o programa ofereceu um dia por semana de

prática. Esse sujeito prefere exercitar­se um dia por semana, porque a demanda de

tempo para os cuidados com seu cônjuge e sua mãe é grande. Isso significa que a

percepção de funcionalidade para o Sujeito B está na sua disponibilidade em cuidar de

seus familiares e não na força que necessita para realizar suas atividades cotidianas.

A diminuição do tempo de prática semanal, de fato, para esse sujeito, parece ser

vantajosa, corroborando, de certa forma, com a vantagem levantada por Trappe,

Williamson e Godard (2002). No entanto, deve­se ressaltar que esse sujeito não

experimentou a manutenção de sua força no programa (vide Figura 2), e os autores

citados apontam a redução da freqüência semanal como vantajosa, na condição de

manutenção dos níveis de força.

No entanto, se diminuir o tempo semanal de prática foi interessante para o

Sujeito B, não o foi para os Sujeitos C e D. Esses sujeitos, embora tenham

131

experimentado a manutenção de seus níveis de força, sentiram­se mais fracos para a

realização dos exercícios do programa, o que pode ser exemplificado pelas falas do

trecho quatro do Sujeito C e do trecho seis do sujeito D. Tendo em vista, então, a

preocupação sobre a adesão ao exercício levantada por Trappe, Williamson e Godard

(2002), pode­se afirmar com Velardi (2003), que um dos fatores de baixa adesão ao

exercício é a percepção da incapacidade que os idosos sentem frente à atividade

física, que sempre lhes parece demasiadamente cansativa e dolorosa.

Dessa forma, se diminuir o tempo despendido pode aumentar a adesão ao

exercício, propor aos idosos atividades que lhes pareçam muito penosas pode

acentuar, por outra via, a desistência da prática. Ademais, vale ressaltar aqui que para

o Sujeito D, existe um significado imanente desse desejo de manter­se ativo por duas

vezes por semana; isso lhe traz percepções e, por conseguinte, recordações que a

fazem retomar uma história vivida que permeia a percepção de si e do mundo. Da

mesma maneira, para os outros participantes, existe um sentido por traz de uma

sensação de dor ou de fraqueza, há uma situação expressa nesses relatos que um

estudo mais detalhado dessas percepções pode desvelar. Concentrar­nos­emos,

ainda, nos constituintes aparentemente pontuais da capacidade funcional e mais

adiante, retomaremos aos significados dessas percepções.

No entanto, se o foco é a capacidade funcional e se temos em mente que esse

conceito refere­se à realização das atividades cotidianas básicas ou instrumentais,

podemos dizer que essa sensação de fraqueza não importa, já que ocorreu só no

programa. Por outro lado, se a participação no programa for significativa para o idoso,

ele pode considerar o programa como uma de suas atividades rotineiras e que podem

passar para o conjunto de atividades da capacidade funcional. Essa reflexão vai ao

encontro daquilo que, segundo Cotton (1998 apud Matsudo, 2000), propõe o American Geriatrics Society: além das atividades básicas da vida diária (ABVD) e as atividades instrumentais da vida diária (AIVD) devem ser incluídas as atividades avançadas da

vida diária no conjunto das atividades da vida diária, que se referem a funções

específicas para cada individuo, no tocante a poder viver sozinho. Esse grupo de

atividades avançadas inclui as funções ocupacionais, recreacionais de prestação de

serviços comunitários. Assim, se a participação no programa pode ser incluída no

grupo das atividades da vida diária, sentir­se fraco na participação no programa, é

sentir­se funcionalmente incapaz. Além disso, sentir­se mais fraco para a realização

dos exercícios de força pode implicar em sentir­se menos capaz para a realização de

suas atividades rotineiras mais básicas.

Ainda temos o caso do caso do Sujeito H que, relatou que o programa, em sua

fase inicial, causou­lhe dores. Dessa forma, ao reduzir a freqüência semanal

132

esperava­se, que as dores também diminuíssem, pois o estresse sobre seu corpo

seria menor. No entanto, não foi isso que percebeu esse sujeito. Para ele, o período

de manutenção foi desagradável, difícil, pois além de sentir­se mais fraco, retornavam

as dores devido a um longo período de pausa entre as sessões. Todavia, deve­se

ressaltar que esse participante experimentou aumento de força, bem como sua

manutenção no programa proposto (Figura 8). Dito de outro modo, para ele, parece

não ser importante se consegue levantar a mesma magnitude de carga, mas que se

sinta capaz de suportar confortavelmente essa demanda.

Dessa forma, a manutenção da força não é suficiente para que o idoso

continue a sentir­se com a mesma funcionalidade que conseguira perceber no

momento anterior. Nos casos relatados, ou é a sensação de fraqueza que surge

(Sujeitos C e D) ou é a sensação dolorosa que se eleva (sujeito H). Além disso, não é

possível estabelecer se a força adquirida no período inicial (dois dias semanais) foi

responsável pelos relatos de melhoras funcionais já descritos, já que sua constância

no período de manutenção não foi suficiente para que os idosos continuassem a

relatar incrementos na capacidade funcional. Assim, infere­se que a situação proposta

pelo programa, no inicio, motivou a expressão da capacidade funcional a partir de

vivências particulares, mas isso não se deve apenas à força desenvolvida e outros

fatores podem ter contribuído para essa funcionalidade incrementada. A percepção de

outrem, a revelação da percepção de outrem sobre si, uma situação vivenciada, um

fato ocorrido, a força aumentada, a percepção de si, uma situação expressa. Cada um

desses caracteres pode ter contribuído para a percepção da capacidade funcional ou a

interação de todos eles. O ambiente criado para a realização do programa de

treinamento resistido pode ter motivado a percepção da capacidade funcional e não

apenas a elevação da força muscular em si, tanto no primeiro como no segundo

momento do programa.

Com relação aos relatos dos Sujeitos B e G, podemos levantar algumas

considerações acerca das tradicionais avaliações da capacidade funcional realizadas

por instrumentos fechados. Como já citado, Meuleman et al (2000) observou que, com

um instrumento de auto­avaliação, não foi capaz de detectar alterações funcionais,

mediante um aumento de força de 226%. Isso pode decorrer das características do

instrumento que não oferecem opções suficientes entre questões e alternativas de

respostas, que revelariam alguma alteração funcional. Essa argumentação proposta

por Stessman et al. (2003) concretiza­se no momento em que os autores propõem um

item “mais sensível” no instrumento Katz, já explicitada no primeiro bloco.

Nesse ponto, podemos analisar os casos dos sujeitos B e G. Fica claro em sua

narrativa que eles tentam “encaixar” aquilo que é atribuído como verdadeiro no que se

133

relaciona idealmente à capacidade funcional, ou seja, o desempenho em ações

domésticas tidas como universais, com a situação em viveu a partir da participação no

programa. Dito de outra maneira, eles tentam responder aquilo que deveriam ter

percebido, já que participaram de um programa de exercícios de força e, como se

veicula incessantemente, é de conhecimento comum que esse tipo de atividade

incrementa funcionalidade dos idosos. Isso ficou denunciado a partir das diversas

pausas para reflexão e solicitação ao entrevistador para que confirme suas idéias, no

sentido de que os participantes B e G precisavam identificar o que, de fato, seria a

resposta adequada, o que normalmente ocorre com quem participa de programas de

treinamento resistido.

Dessa forma, oferecer mais opções de respostas nos instrumentos de auto­

avaliação da capacidade funcional, como apontou Litvoc e Brito (2004), seria

possibilitar que o idoso se adequasse com aquilo que seria freqüente e coerente no

plano ideal para idosos que participam de programas de exercícios resistidos. Nesse

sentido, o idoso teria que adequar suas vivências funcionais àquilo que é proposto no

instrumento que lhe é solicitado o preenchimento, mas não tem espaço para expressar

suas percepções mais diversas. A diversidade de questões e respostas possíveis

possibilitaria ao respondente o enquadramento de diversas situações, que não seriam

necessariamente aquelas que vivenciam ou vivenciaram. Os discursos dos Sujeitos B

e G vão na mesma direção, eles sabem o que deveriam ter percebido com relação à

participação no programa de exercícios e suas repostas teriam vindo com mais

precisão se eles tivessem consigo um rol de possíveis, pelos quais poderiam

direcionar “corretamente” suas respostas; situação que um instrumento fechado

oferece com abundância. Assim, possibilitar ao idoso mais e mais opções de questões

e repostas sobre sua funcionalidade é encaixá­lo em um quadro de generalidade que

pode sufocar suas significações mais profundas sobre sua funcionalidade.

Isso significa que o andar, o subir, o carregar, arrancados dos fios que os

conectam à vida dos idosos, dissipam­se na generalidade e surgem como solução

para aqueles que não vivenciaram essas ações e todas as outras, tidas como gerais,

no momento em que são solicitados para falar sobre sua funcionalidade. Isso significa

que as ações cotidianas, concebidas como gerais, só serão significativas se se

mantiverem conectadas no contexto de vida da pessoa. Assim, para os Sujeitos B e G,

as ações funcionais, freqüentemente incrementadas via treinamento com pesos, só

tem um sentido ideal, o da consciência intelectual, mas não exibe sentido existencial;

não é sobre aquilo que vivenciam, que discursam, mas sobre aquilo que teriam que ter

vivenciado, já que todos aqueles que participam de programas dessa natureza devem

experimentar tais mudanças “padrões”, e com eles não seria diferente, pois fazem

134

parte do mesmo grupo. Além disso, já que é algo tão geral, que acontece com todos, a

idéia centra­se também no fato de quem não sente isso, está fora do padrão, então, se

as melhoras não foram vivenciadas, o escape é presumir que elas aconteceram, para

não se incluir num grupo de “anormais” ou “diferentes”. Por isso, é que é freqüente nas

respostas dos Sujeitos B e G, a colocação dos sujeitos das frases com o termo “ a

gente”, ou seja , um grupo de pessoas como eles, todos eles, “a gente”, sente isso

mesmo, por isso eu também devo ter sentido, devo ter melhorado é o que deve ser

certo. Essa concepção analítica desses sujeitos será explicitada com mais detalhes

adiante no estudo de suas percepções.

As colocações de Litvoc e Brito (2004) sobre as características técnicas dos

instrumentos para a aferição da capacidade funcional vão na direção de que aqueles

que oferecem maiores possibilidade de questões e respostas, bem como níveis

classificatórios diversos, abrangem de forma mais geral a capacidade funcional. Se

mantivermos o pensamento nessa direção, somos levados a crer que agregar e

diversificar as opções de ações funcionais levar­nos­á a uma maior precisão sobre a

capacidade funcional do idoso. Nesse ato de agregar mais opções sobre a capacidade

funcional, exibe­se uma ênfase nos constituintes da capacidade funcional, mas exime­

se, ainda mais, as relações que esses podem estabelecer com o contexto de vida e

entre si. Retornaríamos, assim, ao problema anterior, no qual o andar, o caminhar ou o

carregar exibem sentidos únicos para aquele que vivencia, e tal significado continuaria

sufocado e a generalidade se assentaria novamente. Assim sendo, parece que definir

a melhor forma de compreensão da capacidade funcional pela quantidade de

habilidades físicas que podem ser verificadas em um instrumento fechado é,

justamente, obter conhecimento apenas sobre tais habilidades que, isoladas do pano

de fundo vivido do qual se destacam, não contemplam a complexidade imanente da

capacidade funcional do idoso.

Nos discursos descritos, as melhoras funcionais relatadas, como a

possibilidade de carregar móveis (Sujeito A), a aptidão percebida pelo Sujeito D para

subir escadas, ou a facilidade em carregar as netas (Sujeito F), conectam­se por fios

de significação a situações vividas que fazem com que essas ações sejam percebidas

como melhorias funcionais significativas. Da mesma maneira, a diminuição de

sensações dolorosas, como relatado pelos Sujeitos C, E e H, são referenciais de

melhora porque estão ligados a uma história de vida e, por conseguinte, de

significação, que fazem exacerbar a dor como um indicativo da capacidade funcional

percebida.

135

Na visão de Merleau­Ponty (1999), 12 a percepção sempre traz consigo um

rasto de historicidade e sempre supõe certo passado do sujeito da percepção. Nunca

é alheia ao contexto em que se estabelece, nem tampouco é uma operação intelectual

que eximiria a operação do corpo como nosso instrumento perceptivo e, por

conseguinte, de conhecimento do mundo e de si. Dada a percepção de um objeto, por

exemplo, só o conhecemos a partir das relações que este faz com o contexto: sobre a

luminária com a qual iniciei o estudo da percepção acima descrito, só tenho o

conhecimento dela a partir das relações que ela estabelece com a mesa na qual está

posta, pelo fundo opaco que se destaca e pela iluminação aos meus escritos que ela

traz. Para o filósofo, todo percebido está relacionado a um campo perceptivo, isso

significa que o percebido por si só, não é possível, mas só o é, pelas relações que

estabelece com o contexto. E a luminária que descrevia só existe para mim porque ela

emana certo significado, que eu retomo a partir de minha operação corporal.

Assim, é a partir da percepção “de um só golpe” da luminária em todo o seu

contexto é que podemos discernir caracteres pontuais, descrevê­la. Na mesma

direção, os idosos só puderam descrever suas habilidades incrementadas da

capacidade funcional porque a destacaram do contexto de vida e a relataram. Com

efeito, não a perceberam isoladamente, mas ao contrário, por estarem ligadas ao seu

contexto de vida é que puderam ser percebidas e, por conseguinte, significadas em

sua existência e, por fim, expressas pela fala.

A percepção arrasta consigo um legado de significações que se expressam

através do engajamento do corpo no mundo; um saber que antecede qualquer

operação intelectual tida como superior e a pressupõe em todos seus atos. A

percepção do mundo, do espaço, das outras pessoas, das coisas revela a percepção

de si e se expressa através de nosso poderio corporal, arrastando consigo sua

historicidade.

A funcionalidade percebida pelos participantes deste estudo se deu, então,

pelo contato deles com sua espacialidade, nas relações com o outro e, por

conseguinte, com o mundo. Dessa forma, cada ação relatada não está isolada de um

contexto de vida, de um mundo que suscitou nos participantes uma operação corporal,

e esses a corresponderam com a expressão de sua motricidade, permeada de um

mundo de significado. Assim, uma exploração do espaço cotidiano, um relato de

outrem sobre si, a rememoração de uma situação vivida expuseram, através de um de

nossos poderios expressivos, a fala, significações por traz de habilidades funcionais

aparentemente cristalinas. Nessa direção, entende­se, aqui, que a capacidade

12 Todas as citações de Merleau­Ponty nesse bloco, referem­se à Fenomenologia da Percepção (MERLEAU­PONTY, 1999).

136

funcional percebida é sempre habitada por um sentido; nunca é um contato mudo;

sempre fala ao sujeito da percepção através de um rol de significações latentes.

A retomada de um contexto vivido é característica do ato perceptivo e é a base

para compreendermos os significados dessas percepções. Para Merleau­Ponty (1999,

p.88), a “luz de uma vela muda de aspecto para uma criança quando, depois de uma

queimadura, ela deixa de atrair sua mão e torna­se literalmente repulsiva”, ou seja, as

relações que temos com o percebido transcendem aquilo que dele temos em geral.

Assim, a percepção de algo faz com que o passado torne­se presente pela operação

primeira do corpo; pode trazer à tona significações remotas que de sofrimento exibem

seu significado. A percepção de uma situação de emagrecimento, como relatado pelo

Sujeito D, faz com que ele exiba uma repulsa a essa situação, que lhe traz lembranças

de um processo doloroso, a doença que fez seu marido definhar sob seus olhos.

Assim como a percepção da luz de uma vela motiva repulsa em uma criança mediante

sofrimento de uma queimadura, a percepção de emagrecimento motiva um sofrer

remoto que se torna presente pela metamorfose do corpo.

Dessa forma, manter­se com suas capacidades funcionais em plena atividade,

sentir­se com o joelho em pleno funcionamento, subir escadas diversas vezes, é

perceber­se funcionalmente capaz, o que redunda em sentir­se disposta para comer, e

por isso, não definhar, como aconteceu com seu falecido cônjuge. Freqüentar o

programa, duas vezes na semana, também, mostra­se como um motivador para sua

fome e, assim, sente­se menos propenso a emagrecer e não definhar como seu

marido. Leva­se a inferir que se o programa não lhe tivesse propiciado melhoras na

direção de perceber­se mais capaz de realizar atividades que lhe mostravam que não

ficaria acamado, não teria percebido melhorias funcionais. E essa ligação com o

passado é que faz com que essas atividades sejam significativas no que diz respeito à

sua capacidade funcional. Nesse sentido, manter­se funcionalmente bem é perceber­

se e, por conseguinte, perceber o mundo, não como repulsivo, mas, sim, atraente,

possível, explorável, sem receios. É dominar o espaço, é existir.

Essa retomada de um passado ilumina­se, também, com a compreensão do

aparecimento do membro fantasma em amputados. Merleau­Ponty explica que o

surgimento do membro fantasma pode depender da história pessoal do amputado, de

suas recordações, de suas emoções, ou de suas vontades. O aparecimento de um

fantasma materializa uma situação na qual o corpo se dirige à ações habituais e, na

falta de um membro “real”, o fantasma o substitui e mantém o corpo ligado às suas

ações habituais. A percepção faz com que o corpo materialize situações passadas,

mas não é uma simples recordação que faz o membro fantasma surgir, mas, sim, a

emoção que ele traz sobre aquele antigo presente que não se quer tornar passado.

137

Ter um membro fantasma é fazer possível a atitude existencial de corresponder ao

percebido que suscita todo o momento um braço mutilado. A recusa à amputação é

uma situação existencial que circunda o amputado e o corpo, ao materializar um

membro, mesmo que fantasma, consuma, de fato, essa recusa.

Dessa forma, para o Sujeito D, sentir­se fraco, propenso ao definhamento, é a

maneira particular que seu corpo exprime uma situação passada e a materializa no

presente. Perceber­se funcionalmente capaz, para esse sujeito, é perceber­se ativo no

mundo, longe de um processo de emagrecimento, com o poder de distanciar­se de um

passado sofrido que o aproxima da morte e que, no entanto, é revivido a todo o

momento pela operação do corpo. Estar em pleno funcionamento corporal é ter

vontade de comer e ter fome, pode­se assim dizer, para esse participante, é ter vida.

Ainda podemos dizer que a percepção do emagrecimento é a forma de

expressão do Sujeito D sobre uma situação que viveu, e que emoções passadas

tornam­se presentes por esse poderio corporal, já que para Merleau­Ponty, o corpo

pode expressar uma dada situação. Vejamos o caso do Sujeito A, e entenderemos

como sua funcionalidade é percebida através do exercício de expressão competente

ao corpo próprio.

Na análise do Sujeito A, encontra­se por traz de seus relatos sobre sua

indispensável participação na mudança dos filhos, o papel de cuidador, que exerceu

ao longo de sua vida, e ainda o faz, na maioria das ocasiões, com satisfação. Nos

trechos quatro, seis e sete, é notável a satisfação com que ele descreve suas

atribuições constantes no papel de cuidar. De maneira geral, é evidente que esse

Sujeito assume um papel de cuidador e suas melhoras funcionais estão ligadas a essa

sua função, assim como o membro fantasma está ligado a “funções” habitualmente

exercidas por esse membro, como explicado acima, segundo Merleau­Ponty. Levantar

móveis com facilidade só foram ações significativas, passíveis de serem relatadas

como percebidas, porque se inseriam no contexto da mudança de seu filho. O

desempenho, nessas ações, significou a expressão de seu poder sobre uma situação

que lhe exigia de suas competências como cuidador. É evidente que ele exibia um

profundo grau de satisfação em ser o ponto de apoio primeiro para seu filho e família;

há uma significação existencial no ato de carregar os tais móveis.

Essa situação, vivida pelo Sujeito A, suscita uma operação existencial para si,

a assistência, o cuidado, as relações com outrem que o fazem de fato Ser. O ambiente

propiciado pela mudança de seu filho, possibilita um campo significativo que o Sujeito

A percebe, e, por conseguinte, percebe a si, através desse poder oferecido pelo corpo

de retomar uma situação percebida, dado o fundo emocional no qual a situação se

desdobra. Assim, a expressão de cuidador, que transparece em um relato de uma

138

funcionalidade melhorada do Sujeito A, é a retomada e a expressão de uma situação

na qual a participante vive e, por isso, é significativa para si. Esse carregar de móveis

é relatado como melhora funcional porque retoma uma função primordial de sua vida,

o apoio a outrem, nesse caso seu próprio filho. Presume­se, então, que, se esse

sujeito tivesse realizado a mesma ação motora, mas que não fosse relacionada à sua

atribuição de cuidar, esse movimento não teria sido percebido como melhor no sentido

funcional. A capacidade funcional, ademais, não pode mais ser tratada, nesse

momento, como simples habilidade física, mas, sim, como uma ação motriz que, por

isso mesmo, já é investida de um sentido.

A expressão de uma situação também está presente no ato de carregar os

netos no colo, como podemos observar os relatos do Sujeito F. A percepção da

facilidade em segurar os netos em seu colo, expressa pelo corpo próprio na região da

coluna (trechos um e três), é conectada por relações emocionais ao sofrimento que

viveu ao experimentar um enfarto, um ano após a morte, também por infarto, de um de

seus filhos. Foi à coluna que esse sujeito atribuiu os primeiros sintomas do enfarto

(trecho quatro), e é por essa via que o corpo manifestou essa situação vivida. Esse

caso vai ao encontro do caso das “mãos imprestáveis” de Madeleine, o caso relatado

por Sacks (2003), descrito acima. Foi através das mãos que o corpo pôde expressar a

situação da assistência ininterrupta na qual sempre viveu, assim como através da fala

o corpo da afônica, relatada por Merleau­Ponty, pôde expressar uma situação de

interrupção da coexistência. Sentir dores na coluna e carregar os netos são ações que

exibem o significado da morte de um filho e expressam­se pela possibilidade do ato

materno do abraço, do carinho, do amor, da emoção. Perceber­se apto a cuidar de

seus netos é perceber­se longe de uma situação de sofrimento, de morte, e, é, de fato,

funcionar bem, coexistir.

A partir dessa possibilidade de expressão poderemos compreender também

que a capacidade funcional pode ser vista no domínio do espaço pelo corpo. O corpo,

na visão de Merleau­Ponty, é um espaço eminentemente expressivo, e esse poderio

expressivo é literalmente nosso poder sobre o espaço. Merleau­Ponty destaca que

percebemos o espaço e, por assim dizer, o habitamos a partir do momento em que

uma dada percepção solicita um movimento, e conseguirmos corresponder a essa

solicitação, que possamos colocar­nos em situação. Para o Sujeito F, sua

funcionalidade é literalmente sentir­se com um poder tal sobre seu espaço que ela

pode corresponder à situação percebida, no caso, a solicitação de carinho de seus

netos. Dito de outro modo, esse sujeito de fato pode usufruir de seu espaço de avó,

quando ele corresponde à percepção da situação que lhe é apresentada.

139

E essa relação com o espaço (e com o tempo), como disse Merleau­Ponty

(1999), é uma relação fundamental da existência. É, então, na possibilidade de

exercer essa dimensão fundamental de sua existência que o Sujeito F percebe sua

funcionalidade, sua potência de existir. De acordo com Merleau­Ponty, isso ocorre

porque a percepção é intencional, porque ela retoma um significado que o percebido

lhe apresenta e o percebido lhe propõe certa forma de existência, no caso do Sujeito

F, a existência de avó. Abraçar sua neta é possível porque a percepção propicia,

através do poderio “pré­objetivo” do corpo próprio, a correspondência do amor

percebido em sua neta. Segundo a colocação de Merleau­Ponty sobre a percepção do

outro, podemos dizer que o Sujeito F percebe o gesto de carinho de sua neta, na

medida em que há uma reciprocidade entre suas intenções, como se nossas intenções

maternas habitassem um o corpo do outro. Ou seja, como explica Merleau­Ponty, o

corpo é um sistema integrado se organiza com vistas a retomar uma percepção, sem

que seja necessário um pensamento intelectual interposto, que decidiria o que fazer

dado um rol de possíveis. Assim como correspondo a um aceno de um amigo, por um

saber latente que faz do corpo nosso instrumento perceptivo.

No entanto, ainda poderia se dizer que no caso dos sujeitos A e D, essas

condutas, o cuidado materno, estão instituídas naturalmente e é por ocasião do

instinto que essas mães estabelecem as condutas relatadas, e isso nada tem de

relação com uma situação significativa. Merleau­Ponty explica que condutas

passionais, como abraçar no amor, ou gritar no medo, são criadas pelo mundo

humano e mesmo aqueles que nos parecem os mais instintivos são, na verdade,

instituições.

Dessa forma, olhando­se para a significação existencial das percepções

relatadas, ser avó (Sujeito F) ou cuidadora (Sujeito A) ou simplesmente afastar­se da

morte (Sujeito D), descobrimos que eles têm um significado com relações

fundamentais da existência, ou seja, nossas relações com o passado e com o futuro,

com o eu e com o outro. Assim, podemos dizer que a capacidade funcional percebida

pode ser uma forma de expressão da condição humana, de suas relações com o

mundo. No caso da afônica, que falávamos há pouco, pudemos perceber que o

significado de seu distúrbio da fala traz uma situação vivida que coíbe a coexistência,

expressando, por assim dizer, uma relação existencial.

Resta­nos saber, então, por essa mesma via existencial, que significado a dor

relatada pelos participantes C, E e H exibe em suas vidas; o que a supressão de uma

sensação dolorosa significa com relação à sua funcionalidade.

No caso do sujeito C, a supressão de dores na coluna foi um de seus relatos

sobre melhoras funcionais (trecho um). Isso se conecta à situação que viveu com sua

140

mãe, que lhe deu muito trabalho por ocasião do surgimento de diversas doenças

(trechos quatro e cinco). A supressão da dor representa o distanciamento de uma

situação que fora vivenciada com sofrimento, e se expressa através da região da

coluna, pois sua mãe também apresentava desvios na coluna e a participante atribui

que herdou esses problemas (trecho cinco). Assim, a existência da dor é a

materialização de uma situação vivida, do convívio íntimo que estabelecia com o

sofrimento de sua mãe, de um vínculo afetivo e emocional que vivenciava.

Em outros termos, melhorar sua capacidade funcional é livrá­la da dor que

representa o sofrimento de sua mãe e o seu próprio ao cuidar dela; a dor aqui tem um

significado afetivo que nos impede de a analisarmos apenas pela via fisiológica. O

relato de melhora de dor com melhora funcional, então, estabelece um vínculo afetivo,

não passar pela dor de sua mãe é o que retoma a percepção de sua funcionalidade. A

percepção, explica Merleau­Ponty, estabelece vínculos afetivos. O filósofo relata o

caso de um paciente de cegueira psíquica que consegue reconhecer a picada de um

mosquito em sua pele, mas não reconhece o toque do médico no mesmo ponto de seu

corpo. Fisiologicamente, os dois estímulos são muito próximos para uma distinção

biológica, mas o entendimento desse caso é possível se o valor afetivo dessas duas

estimulações for levado em conta. Assim, não é qualquer dor suprimida que levará o

Sujeito C perceber­se funcionalmente eficaz, mas, sim, a dor de sua coluna é que

efetivamente estabelece um valor afetivo: talvez o mais ovacionado, o amor materno.

Na mesma direção, podemos levar nossas reflexões sobre o Sujeito E. Esse

participante relata, no primeiro momento, que se percebeu mais capaz de carregar

baldes volumosos e, também, seus netos. Ele explica que se percebeu mais capaz a

partir do momento em que pode exercer tais ações sem que ficasse com dor, sem que

se machucasse, sem que suas costas ficassem doloridas. Essas sensações dolorosas

exibem uma conexão com um sofrimento vivido, a morte de sua mãe; aliás, não só

dela, mas também de dois de seus cunhados e sua sogra. Há um sentido afetivo na

supressão dessas dores com relação à sua funcionalidade: o distanciamento da morte

do outro, a interrupção da coexistência. Da mesma forma, há um afeto, uma emoção

que faz surgir um membro fantasma, como descrito por Merleau­Ponty, mas, aqui, em

um sentido inverso: o membro fantasma é bem vindo, ao passo que a dor não é bem

quista, pois representa algo que o sujeito quer manter a distância. No entanto, manter

a distância, esquecer, é admitir, como explica Merleau­Ponty, que temos essa

recordação como pertencente a uma região da minha vida que recuso e que pertence

a um setor distante de minha vida porque ela significa algo para mim. Dessa forma,

presente ou ausente, essas dores são significativas a um passado histórico. O

esquecimento, segundo Merleau­Ponty, é um ato; eu conservo essa recordação à

141

distância, da mesma maneira que desvio daquilo que não quero esbarrar; eu só o faço

porque sei que ele está ali. Assim, sentir­se funcionalmente capaz é poder manter à

distância a dor dos falecimentos das pessoas que amava, é distanciar­se da situação

vivida que a dor traz à tona.

Cair. Essa é a situação que o Sujeito H quer esquecer, assim como aqueles

que discutimos acima querem manter­se à distância. Cair representou­lhe muitas

dores e é essa a situação que a presença de dores faz o participante reviver.

Perceber­se funcionalmente bem é perceber­se sem dores no braço e na perna

(trecho um), o que a fazem retomar diversas quedas sofridas ao longo da vida.

Até esse ponto, podemos identificar o que as habilidades destacadas por cada

participante como influenciadas pelo programa de exercícios resistidos. Podemos

observar que existe um significado existencial no aparentemente cristalino carregar,

andar ou subir. Ademais, podemos observar como essas percepções revelam sua

autenticidade através da operação do corpo como nosso meio de expressão e, por

conseguinte, de significação. Em cada ato perceptivo discutido acima pôde­se

estabelecer uma relação existencial, para além do conhecimento fisiológico de cada

habilidade funcional destacada de seu contexto. No entanto, resta entender porque

ainda não nos atemos à discussão dos Sujeitos B e G. Será que a percepção sobre

sua funcionalidade mediante a participação no programa não foi autêntica?

Merleau­Ponty descreve que o ato do entendimento, da análise intelectual, do

juízo, não é a gênese da percepção. Isso fica claro ao olharmos o caso dos Sujeitos B

e G. Nota­se com clareza um verdadeiro ato de interpretação para a definição de suas

melhoras funcionais, claramente definidas em tese. No relato do participante B, no

primeiro momento, tenta­se a acreditar que programa resultou em melhoras de força

de pernas e braços para andar e carregar sacolas, respectivamente. No entanto, a

análise de seu discurso pode demonstrar que, ao relatar tais possíveis melhoras, há

uma clara tentativa de alçar à consciência aquilo que é certo, aquilo que ela deveria

responder sobre melhoras funcionais. O locutor exemplifica o que seriam tais

melhoras, mas esses exemplos esvaem­se na generalidade, principalmente ao utilizar

o termo “a gente” diversas vezes, como explicitado em sua análise. Realiza várias

pausas para reflexão e pede constantemente a confirmação do entrevistador sobre a

veracidade de seus relatos.

Essa participante exemplifica o que, em tese, se concebe por melhoras na

capacidade funcional; não se remete à experiência vivida, mas, sim, à idéia que constitui a capacidade funcional. Merleau­Ponty explica que o pensamento

intelectualista leva o percebido para o plano das idéias e busca constantemente

142

condições para que o percebido seja possível e sem isso ele não existiria e, assim,

não revela o funcionamento próprio da percepção.

Mas, na análise de seu desempenho no programa proposto, pode­se notar que

o Sujeito B não apresentou incrementos de força significativos. Esse fato parece elidir

a questão e faz­nos retornar ao ponto de que ele não relata claras melhoras

funcionais, porque, de fato, tais incrementos não foram obtidos, já que sua força

muscular não aumentou e, em alguns exercícios, até diminuiu. E assim, a correlação

entre força e capacidade funcional parece fortalecer­se.

Na análise do caso do Sujeito G, entretanto, notamos uma situação semelhante

com relação ao seu discurso, mas inversa com relação ao comportamento de sua

força muscular. Ele relata (trecho dois), como o faz a participante B, diversos

exemplos do que seriam os resultados da melhora funcional a partir do aumento da

força, mas, ao recolocá­los em sua experiência de vida, não fica claro se ele

experimentou essas diferenças em seu cotidiano. Ele conclui que, já que ele participou

de um programa de exercícios resistidos, ele deveria apresentar essas mudanças

funcionais, ele sabe (no domínio intelectual, portanto), justamente por essa associação

comum força­capacidade funcional, que, se ele precisar, ele deve possuir mais força.

No entanto, nesse caso, não podemos atribuir essa dificuldade de expor suas

melhoras funcionais à sua resposta muscular ao programa de exercícios resistidos,

pois ele apresentou melhoras significativas de força em todos os exercícios que

realizou.

Tentar formar a percepção da capacidade funcional através daquilo que temos

dela em idéia, é a tentativa marcante nos discursos dos sujeitos B e G, é a forma

intelectualista de perceber que não opera com consistência e se esvai em tentativas

frustradas de alçar à consciência o que é certo. Não é questão de dizer que esses

sujeitos nada perceberam, o que seria cair de novo na teoria intelectualista de que há

um percebido correto que deve ser identificado. O que pode ter ocorrido é que, no

momento de relatar suas percepções sobre sua capacidade funcional, os sujeitos, ao

se depararem com a não melhora percebida, tentam buscar aquilo que eles deveriam

relatar como correto e, nesse impasse, preferem a descrição do que, em tese, seria

verdadeiro, para que não sejam incluídos no grupo de “anormais”.

Assim sendo, para os Sujeitos B e G, ficou evidente, em seu discurso, a

dificuldade de enxergar melhoras em seu cotidiano, mediante a participação no

programa de exercícios; e que ambos trouxeram uma capacidade funcional em idéia,

mas não em existência. Em um primeiro momento, poderíamos atribuir isso a um

desempenho insatisfatório no programa, fato que ocorreu com a participante B, mas

que não aconteceu com o participante G e, por isso, parece que a elevação da força

143

muscular não é condição primeira para a percepção de um nível funcional

incrementado.

Ao discutirmos, acima, as relações entre os relatos sobre a capacidade

funcional, nos deparamos com a situação do Sujeito D que, embora não tenha

realizado exercícios para os membros inferiores e quando os realizou foram muito

pouco intensos, descreve melhorias funcionais com relação à capacidade de subir

escadas. Isso leva­nos a crer que sua percepção está equivocada. No entanto, o

estudo em que Merleau­Ponty descreve sobre a figura de Zollner pode­nos levar a um

início de entendimento sobre esse caso.

No estudo da ilusão de Zollner (Figura 9), se cobrirmos os traços pequenos,

que estão distribuídos sobre as linhas maiores, poderemos ver essas que essas

últimas são paralelas. Ao introduzir linhas auxiliares, as linhas, que antes se davam à

percepção, como paralelas, deixam de ser. Na figura de Zollner, as linhas principais,

ao receberem linhas auxiliares, livraram­se do antigo sentido para adquirir outro; as

linhas auxiliares fazem da figura jorrar uma significação nova que não pode mais ser

destituída.

Da mesma maneira, a situação oferecida pelo programa, trouxe um novo

sentido à vida do Sujeito D. O corpo aprendeu uma nova significação ao ser exigido

nas situações do programa e fez com que a percepção de subir a escada, que antes

lhe tornava repulsiva, porque poderia lesionar­lhe o joelho e, provavelmente, o período

de convalescença o levaria a um temido emagrecimento, tornara­se atraente por uma

nova configuração que o corpo adquiriu ao participar da situação do programa; da

mesma maneira que a figura abaixo tem uma nova configuração e, por isso, um novo

sentido ao introduzir linhas auxiliares. E podemos notar que, para isso, não foi

condição primordial o incremento de força dessa região. Dessa forma, parece que o

sentido global da situação é o fator motivante da percepção da capacidade funcional

desse sujeito, para que ele possa se sentir capaz de subir as escadas.

Figura 9 – Figura de Zollner

144

Isso pode ocorrer porque, como dissemos mais acima, o corpo é um sistema

integrado, e seu esquema corporal corresponde a uma percepção a partir da

organização de seus constituintes, tendo em vista uma tarefa a realizar. Dessa forma,

podemos inferir que para o ato de subir escadas, o corpo não precisa

necessariamente de uma força correspondente de membros inferiores, mas, sim, que

sua situação global possa corresponder a essa situação. No caso do Sujeito D, a

significação nova que o programa trouxe para sua vida, refere­se à possibilidade de

manter­se ativa e, como ele ressalvou, não emagrecer. Visto de outro modo,

poderíamos ainda destacar que a impossibilidade de subir escadas foi a forma do

corpo de exprimir um situação de medo que permeava esse sujeito. E banida essa

situação, então, pela participação no programa, ele pôde retomar essa atividade

cotidiana, sem receios, sem medo. Ainda pode­se inferir que o problema vivido com o

joelho é o efeito de uma situação de pavor que rondava esse sujeito, fato que leva­nos

a repensar a noção causal deste caso: os problemas do joelho não são a causa de

uma situação de impossibilidade de subir escadas, mas, sim, tal impossibilidade, um

mundo de situações vividas que se expressaram por um joelho deteriorado.

Diante de todas essas significações apresentadas, podemos observar que para

cada participante o sentido de sua capacidade funcional arrasta consigo um mundo

próprio. Dessa forma, cada relato funcional descrito não está apenas conectado mas

mergulhado num emaranhado de significações no qual a causalidade linear não tem

espaço para se assentar. Quando vimos, acima, que cada participante relata uma

habilidade funcional distinta, a possibilidade de carregar um neto, de sentir­se faminto,

de operacionalizar a mudança do filho, enfim, todas aquelas já descritas, não podemos

agora, depois da análise dessas percepções, colocá­las na categoria da aleatoriedade.

Assim, se dissemos aqui que a percepção da capacidade funcional é significativa,

porque os gestos que a compõem também o são.

Isso posto retomo aqui um caso descrito por Merleau­Ponty que parece elidir

essa questão. Merleau­Ponty relata um caso de um doente com cegueira psíquica,

que não consegue localizar um ponto no corpo se o médico o toca com uma régua,

mas o localiza se um inseto o picar. O mesmo doente não consegue imitar um

movimento de seu oficio se não o faz concretamente, todavia, o realiza sem problemas

em seu ambiente de trabalho. Isso significa que cada situação exibe um valor afetivo,

e só poderemos reconhecer isso, se não reduzirmos o corpo a condição de objeto;

aquele que pode ser explicado pela causalidade linear. O movimento concreto no

trabalho e seu correlativo virtual, sua imitação, acionam os mesmos segmentos

corporais em intensidades muito próximas, e o que difere o sucesso de sua operação

145

é o valor afetivo que um e outro exibem para o doente. No caso do doente, ele só

consegue levar à cabo movimentos que exibem um valor afetivo e prático para si.

A lição que podemos tirar dessa análise de Merleau­Ponty centra­se na idéia

de que por mais similares que os movimentos corpóreos possam ser, em sentido

mecânico, eles exibem significados distintos. Levantar um neto só pode ser relatado

como um melhora funcional, porque exibia em si mesmo um vínculo afetivo que o fez

destacar­se de um rol de movimentos não expressamente significativos como este.

Realizar o mesmo movimento, que não objetiva levantar um neto, por exemplo,

poderia não ter sido relatado como melhora funcional, pois não exibiria a mesma

significação anterior.

É nesse sentido que justamente essa ou aquela habilidade funcional é relatada,

essa ou aquela dor que é referida, porque esses caracteres só foram percebidos

porque tinham certo sentido. E devemos entender esse sentido, em todas as acepções

que ele pode ter (o sentido de um rio ou de um texto), porque a partir dele podemos

compreender em que se assenta cada percepção relatada, ele é a direção para

compreendermos uma vida inteira de significações. Poderemos entender isso melhor

pela explicação de Merleau­Ponty, pois para o filósofo a vida perceptiva estende um

arco intencional que projeta em torno de nós nossa vivência temporal, nosso meio

humano, nossa situação moral, física ou ideológica, ou ainda, faz com que estejamos

situados sobre todos esses aspectos. É esse arco intencional que faz significar cada

uma das percepções aqui relatadas.

Essa gama de situações, que seguem cada ato perceptivo, leva­nos a

compreender a complexidade da percepção, nesse caso, da percepção da capacidade

funcional. Pudemos observar que as relações lineares almejadas pelo saber positivo

esvaem­se no olhar do sujeito perceptivo que abarca uma experiência vivida muito

antes de qualquer ciência. Vimos não mais ser possível, ao olhar para a percepção da

capacidade funcional, atribuir sua melhora (ou piora) apenas ao incremento da força

muscular, pois observamos sujeitos que exibiram melhora de força sem incrementos

funcionais percebidos tanto quanto pudemos verificar a situação inversa. Esses casos

levam­nos a pensar em um outro nível de análise, pois a clássica causalidade positiva,

aos olhares do sujeito perceptivo, caíram por terra. Pode­se compreender, então, que

toda a situação de vida desses participantes tomou novo sentido ao entrelaçar­se com

a proposta do programa de exercícios resistidos. Dessa forma, entende­se que essa

relação dinamizou percepções acerca de sua funcionalidade, mas não se pode

identificar a quem compete a causa ou o efeito dessas percepções.

Isso posto, podemos ver que, ao estudar a capacidade funcional percebida,

estamos lidando com um mundo distinto, que está além daquele preconizado pela

146

ciência positiva, que pensa a capacidade funcional a priori e por subtração. O idoso do status funcional um é aquele do nível cinco, menos os outros subjacentes, ou ainda, o idoso funcionalmente capaz é aquele que é velho, mais todas as habilidades que um jovem pode exibir. Mas, ao olharmos o idoso como uma existência distinta, sem

operações que o levem à mera soma das partes, entendemos a razão da

impossibilidade de se enquadrar os idosos deste trabalho com as classificações

funcionais disponíveis; há uma existência única que impede a generalização e o

determinismo dos níveis classificatórios. Isso se relaciona com o que foi dito acima

sobre o mundo do cego: ele tem seu espaço, seu mundo, que não é compreensível

apenas pela diferença daquele que enxerga.

Enveredar no mundo desses idosos levou­nos a refletir sobre sua recolocação

no mundo percebido. Tratá­los como um causalidade inerte, passível de subsunção ao

mecanicismo da ciência clássica é, de fato, ignorá­los como sujeitos no mundo. Os

estudos, apresentados aqui, versam apenas sobre aquilo que se pensa ser importante

para a vida de quem envelhece, dando margem a inferir que o sujeito perceptivo nada

tem a contribuir e ele passa a ser um mero coadjuvante. No entanto, tendo como

horizonte as percepções aqui relatadas verificamos que o olhar daquele que percebe

fez a reviravolta nos conceitos estanques e classificações aprioristicas. Perceber­se

funcionalmente capaz é perceber o mundo e, por conseguinte, como diria Merleau­

Ponty (1999), é perceber a si mesmo, já que não estamos alheios ao mundo, dado

nosso poder sobre ele, expresso pelas articulações mundanas da percepção.

147

6. CONCLUSÃO

A instauração de um programa de exercícios resistidos pôde nos levar à

compreensão do problema da percepção da capacidade funcional de idosos. Partimos

de idéias já bem postas do mundo objetivo e encontramos, entre elas, fissuras que nos

levam a compreender o fenômeno da capacidade funcional percebida pela

subjetividade inerente à condição humana, ao olhar para a percepção de dentro para

fora.

Podemos observar que a funcionalidade que o idoso relata refere­se à

possibilidade dele interagir com o mundo em que vive, tendo em vista não apenas o

mundo que nos dá a natureza, mas também aquele que nos fornece as interações

humanas. Dessa forma, ao entender a capacidade funcional como o poder de

interação do idoso com o mundo vivido, vimos que esse poder extrapola as funções

meramente tidas como “físicas”, e, além disso, verificamos que por trás de um “físico”

há um mundo de significados. A interação com o mundo acontece na medida em que

podemos atribuir significado a essas interações, a partir do sentido que guia nossas

ações.

Diante das proposições clássicas de capacidade funcional, podemos, já de

inicio verificar que tais concepções versam apenas sobre as habilidades físicas que a

compõem, sem contemplar suas significações mais subterrâneas. No entanto,

incrementar diversas habilidades, prover a somatória de execuções motoras, parece

não refletir a capacidade funcional, pois é um fenômeno complexo que não está

apenas relacionado ao desempenho de habilidades motoras, mas, sim, à interação

delas com o contexto, numa dinâmica não­linear.

Assim, medir a capacidade de levantar mais rápido da cadeira relaciona­se à

capacidade funcional, na medida em que é uma habilidade que pode expressar um

mundo de significações. No entanto, se mantivermos o foco apenas nessas

habilidades isoladas do contexto, não compreenderemos o fenômeno, mas, sim,

somente um de seus aspectos pontuais, um de seus produtos. Esse é um ponto de

fundamental importância. A habilidade funcional que lemos nas ações de um idoso é o

produto daquilo que ele percebe como significativo para si: a ação de acolher um neto

só ocorreu porque a percepção ofereceu um solo significativo para que o movimento

se destacasse. Há uma situação que se expressa nesse movimento.

A inserção em um contexto, que extrapola a dimensão considerada “física”, dá um

início de solução para entendermos porque, pela percepção dos idosos, a causalidade

entre a força muscular e a capacidade funcional não se confirmou. Já que a

148

capacidade funcional, dada pela percepção, retoma uma gama de sentidos latentes, o

aumento da força muscular incrementa as habilidades que a compõem, mas se essas

habilidades serão, ou não, significativas, apenas o contexto de vida irá dizer. Assim,

podemos concluir que a capacidade funcional será significativa para o idoso que

participa de um programa de exercícios de força se esse programa dinamizar uma

situação de vida que faça com que seus sentidos mais profundos aflorem nessa nova

interação com o mundo. A capacidade funcional, o “funcionar bem” do idoso, não é um

caractere isolado do contexto; é permeado de um mundo de significações que arrasta

consigo todo um rastro histórico; que extravasa de uma ou outra atividade do cotidiano

bem sucedida; e pode expressar uma situação vivida e a condição humana.

As vias de entendimento da capacidade funcional, oferecidas pelas condutas

clássicas de avaliação, parecem não contemplar toda essa gama de relações, pois

aspiram a objetivar o subjetivo, a quantificar o qualitativo, e a percepção da

capacidade funcional pode esvair­se nos determinismos e reducionismos, há muito

preconizados por este tipo de procedimento. Reduzir, então, a capacidade funcional a

termos constituintes é despi­la de sua essência, das relações que seus constituintes

estabelecem entre si e o contexto, da organização que escancara seu significado, no

momento em que uma simples descrição pontual é apenas possível se tais relações já

foram desveladas. Dessa forma, elucidaremos a percepção do idoso sobre sua

capacidade funcional se retornarmos ao conhecimento da percepção para além da

fragmentação abstrata, que resulte cegos termos constituintes.

Ademais, justamente por estarem conectadas a um contexto histórico é que as

ações funcionais apareceram no discurso dos idosos. É nesse sentido que verificamos

que a capacidade funcional é aquilo que o idoso percebe com relação à sua potência

de exploração do seu mundo; é a correspondência percebida entre aquilo que o

percebido lhe sugere e o desdobramento de suas intenções motoras. Dito de outro

modo, a funcionalidade do idoso requer que ele perceba seu poder corporal em ações

que exibam um sentido singular, ações que não se esvaiam na generalidade, dado o

usufruto da percepção.

149

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152

ANEXOS

153

ANEXO 1 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

154

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde

TÍTULO DA PESQUISA: capacidade funcional de idosos: um estudo fenomenológico

sobre um programa de treinamento resistido.

Eu, __________________________________, R.G. ______________, idade______,

endereço____________________________________________________, telefone _________,

email _______________________, abaixo assinado, dou meu consentimento livre e esclarecido

para participar como voluntário do projeto de pesquisa supracitado, sob a responsabilidade dos

pesquisadores Fabiano Marques Camara e Marília Velardi, membros do curso de Pós

Graduação Stricto Sensu em Educação Física.

Assinando este Termo de Consentimento, estou ciente de que:

1. O objetivo da pesquisa é verificar o comportamento da força muscular de idosos

submetidos a treinamento resistido e seu impacto sobre a capacidade funcional;

2. Durante o estudo, serão realizados sessões de treinamento resistido duas vezes por

semana, às segundas e quintas­feiras, com sessões de 60 minutos cada, das 7:30 às 8:30

horas, nos primeiros 2 meses; nos 2 meses subseqüentes, as aulas serão realizadas

apenas às quintas feiras, com o mesmo horário e a mesma duração;

3. Poderão ocorrer eventos de dores musculares, principalmente nas primeiras semanas do

estudo;

4. Serão realizadas avaliações físicas e psicológicas periódicas a fim de avaliar minhas

condições de saúde, físicas e afetivas, no decorrer do programa;

5. Devo seguir todas as recomendações previamente estabelecidas pelos responsáveis por

esse programa;

6. Só poderei participar desse programa se os resultados dos meus exames clínicos e

físicos, trazidos por mim, confirmarem minha aptidão para tal;

7. A inexistência de alterações nos exames clínico e eletrocardiográfico não implica

necessariamente na inexistência de problemas de saúde;

8. Os responsáveis por esse programa organizaram­no de tal forma que o seu planejamento

e o seu desenvolvimento levem em consideração os cuidados necessários para promover

a minha integridade e o meu desenvolvimento físico;

9. Independentemente dos itens 6, 7 e 8, estou consciente de que, se intercorrências com

minha integridade física acontecerem no período em que se realiza o programa, os

155

responsáveis por ele, bem como a Universidade São Judas, ficam isentos de quaisquer

responsabilidades;

10. Obtive todas as informações necessárias para poder decidir conscientemente sobre a

minha participação na referida pesquisa;

11. Estou livre para interromper, a qualquer momento, minha participação na pesquisa, a

não ser que essa interrupção seja contra­indicada por motivo médico;

12. Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo, e os resultados gerais obtidos através da

pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, expostos acima,

incluída sua publicação na literatura especializada;

13. Poderei contatar o Comitê de Ética em Pesquisa de Universidade São Judas Tadeu para

apresentar recursos ou reclamações em relação à pesquisa ou ensaio clínico através do

telefone 6099­1665 – Prof. Leoni;

14. Poderei entrar em contado com o responsável pelo estudo, Prof.____________, sempre

que julgar necessário pelo telefone___________;

15. Este Termo de Consentimento é feito em duas vias, uma das quais permanecerá em meu

poder e a outra com o pesquisador responsável;

São Paulo, ____ de ________________ de ___________.

____________________________________________________

Nome e assinatura do voluntário

___________________________________________

Nome e assinatura do pesquisador responsável pelo estudo

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ANEXO 2

PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

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