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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
CLAUDINEI MATOSO DE OLIVEIRA
O MOVIMENTO OPERÁRIO NA GREVE GERAL DE 1917
EM CURITIBA
CURITIBA
2015
CLAUDINEI MATOSO DE OLIVEIRA
O MOVIMENTO OPERÁRIO NA GREVE GERAL DE 1917
EM CURITIBA
Monografia apresentada ao curso de História da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Arte da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção de grau de Licenciado em História.
Professor: Viviane Maria Zeni.
CURITIBA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
CLAUDINEI MATOSO DE OLIVEIRA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de licenciado no curso de História da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Arte da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, 10 de Dezembro de 2015.
________________________________________________________
Licenciado em História. Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Arte da Universidade Tuiuti do Paraná.
Orientador: Prof. Mestre Viviane Maria Zeni
UTP - FCHLA
Prof. Doutora Liz Andréa Dalfré
UTP – FCHLA
Prof. Doutor Pedro Leão da Costa Neto.
UTP – FCHLA
Prof. Mestre Jeú Castilho Daitch.
UNIOESTE
Dedicatória.
Dedico esta monografia aos meus amigos William Francisco Rufino, Jeverton Sabadin e Clodoaldo Modesto, pela dedicação empenhada no trabalho fabril e por suas contribuições nas reflexões acerca da realidade.
Agradecimentos
A professora Viviane Maria Zeni, que orientou este trabalho com extrema dedicação e paciência, pelo carinho e compreensão que sempre teve para comigo e por ter indicado as leituras, tornando possível a realização desta monografia.
A professora Liz Andréa Dalfré, por indicar leituras importantes e fazer críticas construtivas ao texto, objetivando sempre o sucesso do trabalho.
Ao professor Pedro Leão, por apresentar as mais emocionantes discussões teóricas sobre a história, economia e filosofia e por seu jeito único e cativante de dar aulas, contribuindo para a formação de historiadores críticos de sua própria realidade.
A professora Vera Irene, por sua paciência e pelas contribuições ao texto.
Finalmente agradeço a Karina e a Beatriz, pela paciência e suporte familiar.
“Não é a vida uma serie de imagens que mudam a medida que se repetem?”
Andy Warhol.
RESUMO
Em 1917, foi deflagrada em todo país uma Greve Geral. Naqueles dias o operariado curitibano também se manifestou e fez suas reivindicações, expondo todas as dificuldades encontradas por trabalhadores fabris no começo do século XX. O estudo surgiu da necessidade de se romper com a ideia de que a classe operária esteja ligada somente ao surto de industrialização pelo qual o país passou no final do século XIX, e buscou apontar interesses comuns entre os trabalhadores grevista para além daqueles exclusivamente financeiros. A “semana da greve” foi amplamente coberta pela Imprensa informativa da época, que teve um importante papel na repressão ao movimento. A metodologia deste trabalho consiste na análise do papel desempenhado pelos jornais O Diário da Tarde e A República na cobertura da greve. A análise das fontes em conjunto com a bibliografia permitiu inferir que os operários buscavam uma transformação no quadro social, com uma regulamentação sobre o trabalho que permitisse melhores condições de vida. Palavras-chaves: Movimento Operário; Greve Geral; Curitiba.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 8 1. CURITIBA NO COMEÇO DO SÉCULO XX: A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA URBE .................................................................................
12
1.1. O PROJETO DE MODERNIZAÇÃO URBANA..................................... 12
1.2. A PRODUÇÃO DO MATE E SEUS REFLEXOS ECONÔMICO.......... 16
1.3. ORGANIZAÇÃO OPERÁRIA: NOVOS PERSONAGENS................... 21
2. O MOVIMENTO GREVISTA EM 1917 ................................................ 27
2.1. JORNAIS DE INFORMAÇÃO: A REPÚBLICA E O DIÁRIO DA TARDE..............................................................................................................
27
2.2. 2.2 EXPERIÊNCIAS E INTERESSES COMUNS: A GREVE GERAL
EM CURITIBA................................................................................................
30
2.3. O FAZER-SE DE UMA CLASSE: BREVE DISCUSSÃO...................... 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 43 FONTES ......................................................................................................... 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 46
8
INTRODUÇÃO
Em julho de 1917 a imprensa noticiou por todo o país o alastramento do
movimento grevista operário que se iniciou em São Paulo. O motim que começou no
bairro do Bráz logo se espalhou entre o operariado nacional, tomando proporções cada
vez maiores. As informações que ganhavam páginas secundárias nos jornais
paranaenses, entre eles “A República”, rapidamente começaram a tomar destaque nas
primeiras páginas, ao lado de informações sobre política, guerra e demais notícias
locais. Alguns dias depois o operariado de Curitiba também se manifestou e fez suas
reivindicações, acompanhando o movimento grevista que então já tinha se tornado
nacional.
Na capital paranaense a paralisação durou cinco dias e ficou conhecida como a
“semana da greve” e por este motivo, identificar os interesses que uniam os
trabalhadores de Curitiba em greve ao romper com a ideia de que a classe operária
tenha sido exclusivamente produto do surto de industrialização pelo qual a nação
passou na década de 1880, consistiu no objetivo deste estudo monográfico. Sob esta
perspectiva buscou-se perceber determinada autonomia dos operários grevistas da
capital e analisar o movimento em sua dinâmica própria.
Esta análise partiu das contribuições teóricas a respeito de classe demonstradas
por E.P.Thompson em sua obra: A formação da classe operária inglesa. Para o autor
classe é um fenômeno histórico calcado na experiência comum, e surge quando os
homens sentem e articulam uma identidade de interesses entre si, se contrapondo aos
interesses de outrem. Sendo assim, da mesma forma como ocorre com os demais
fenômenos históricos, classe é um processo e, portanto, “se determos a história num
determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos
com um amontoado de experiências.”1
Esta forma de percepção de classe também permeou o trabalho de Cláudio
Batalha que, ao reconstituir o movimento operário na Primeira República procurou
1 THOMPSON, EDWARD P. Prefácio. In: A formação da classe operária Inglesa. A árvore da
liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
9
enfatizar a “multiplicidade de experiências e a pluralidade de expressões.”2 As
contribuições historiográficas e metodológicas de Claudio Batalha foram de grande
valia para este trabalho monográfico, sobretudo no que diz respeito a concepção
ideológica do movimento operário a partir de 1890. Além desta análise foram
relevantes também para a realização desta pesquisa, as considerações de Foot
Hardman e Victor Leonardi a respeito do trabalho e da indústria nas primeiras décadas
do século XX, principalmente no que diz respeito às condições do trabalho fabril.3
No começo do século XX o meio por excelência para a circulação de
informações eram os jornais e periódicos, uma vez que a regulamentação para o rádio
surgiria somente em 1924. A atividade da imprensa partia da iniciativa privada, e
portanto, os jornais tinham (e assim permanecem) determinado objetivo comercial,
sendo permeados de anúncios diversos. Entre os jornais comerciais se destacavam O
Diário da Tarde e A República, que, em 1917, já figuravam como importantes
veículos de informação no Paraná.
Carla Pinski aponta que os jornais deste período passaram por diversas
transformações, das quais a mais importante foi a forma de abordagem da notícia “(...)
expressa no declínio da doutrinação em prol da informação.”4 Embora os jornais se
declarassem independentes e em busca da “verdade”, eles não deixavam de reproduzir
a ideologia dominante e de desempenhar um papel de formador de opinião, longe de
ser imparcial e A República e o Diário da Tarde não fugiram a esta regra.
Os jornais de informação não eram os únicos meios de divulgação que
poderiam ser encontrados em Curitiba em 1917. Diversos outros tipos de periódicos
circulavam na capital paranaense, como os jornais maçônicos, de arte, republicanos e
operários. Estes últimos constituíam o meio pelo qual era divulgada a causa operária,
em que tivemos acesso apenas a poucos exemplares de anos anteriores ao da greve,
como é o caso de A Voz do Povo (1892) O Despertar (1904) e O Operário (1913). O
acesso a estes jornais permitiu apenas algumas contextualizações a respeito da
2 BATALHA, Claudio H.M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro. Zahar, 2000, p.8. 3 HARDMAN Foot; LEONARDI Victor. Os segredos da fábrica. In: História da indústria e do trabalho no Brasil (das origens aos anos 20).2ª ed. São Paulo. 1991. 4 PINSKI, Carla Bassanezi. Fontes impressas. História dos, nos e por meio dos periódicos. In:Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p.138.
10
ideologia do movimento operário em Curitiba, limitando a análise da greve a partir do
ponto de vista dos trabalhadores. Esta limitação motivou a utilização dos jornais A
Republica e O Diário da Tarde como fontes históricas, visto que estes se mostraram
quase que como a única possibilidade de interpretação deste momento impar na
história do operariado curitibano. Com base nestes documentos, buscou-se estabelecer
os interesses do operariado a partir das reivindicações, que também foram
reproduzidas nestes jornais como também, do próprio posicionamento que estas
publicações tiveram em relação ao movimento grevista. Cabe aqui lembrar que, estes
jornais de informação, assim com os jornais operários aqui citados, estão
microfilmados e disponíveis para consulta na Biblioteca Pública do Estado do Paraná.
De posse dos referenciais e fontes acima citados, este trabalho foi dividido em
dois capítulos. O primeiro traça um breve contexto do cenário curitibano no começo
do século XX, procurando estabelecer o significado das transformações urbanas e
industriais aos menos abastados e sua influência na forma de organização operária na
capital paranaense. Para estas considerações foram utilizados os trabalhos
desenvolvidos por Maria Ignês de Boni acerca da reconstituição do cenário urbano em
Curitiba no começo do século XX,5 e de Erivan Karvat, a respeito da sociedade do
trabalho no mesmo período.6
O segundo capítulo contempla a discussão acerca das fontes e a análise da greve
propriamente dita, a partir dos jornais O Diário da Tarde e A República. Importante
para esta análise foram as considerações metodológicas de Carla Pinski acerca do uso
de fontes impressas.7
Em geral costuma-se atribuir a Getúlio Vargas os direitos trabalhistas que hoje
se tornam cada vez mais flexibilizados. Não se pode negar o fato de que a
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) realmente se efetivou durante o Estado
Novo, mais precisamente em 1943. O que se deve perguntar e refletir é sobre as lutas
travadas até aquele momento, e em que medida o esquecimento nos torna apáticos
frente a atual situação vivenciada pelo país. Este trabalho lança luz sobre um dos 5 DE BONI, MARIA IGNÊS. Reconstruindo o cenário. In: O espetáculo visto do alto: vigilância e punição em Curitiba 1.890 – 1.930. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1.998. 6 KARVAT, Erivan Cassiano. A Sociedade do Trabalho: Discursos e práticas de controle sobre a mendicidade e a vadiagem em Curitiba, 1890-1930. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1.998. 7 PINSKI, Carla Bassanezi. Fontes impressas. Op.cit., p. 111.
11
momentos mais relevantes das lutas operárias na Primeira República, reconstituindo
parte dos anseios de uma classe operária ainda em formação.
12
1 CURITIBA NO COMEÇO DO SÉCULO XX: A CONSTRUÇÃO DE UMA
NOVA URBE
1.1 O PROJETO DE MODERNIZAÇÃO URBANA
No ano de 1900, Curitiba contava com uma população de pouco mais de 50 mil
habitantes que crescia a cada ano, já não mais fruto da imigração, que perdia força e
sim do alto índice de natalidade.8 Assim como nas principais capitais brasileiras,
ocorria todo um esforço para colocar em prática um projeto de modernização urbano,
que procurava redefinir os espaços a partir de novas premissas, sendo a mais
significativa e impactante na vida das pessoas a do progresso. A cidade já possuía
serviços de iluminação e transporte público e algumas atividades em fábricas e
oficinas, contando, em 1920, com 3.448 operários9.
A exportação do mate permitiu que se destacasse uma elite urbana ligada a
esta atividade, surgindo no começo do século imponentes construções que lhes
serviam de moradia. As ruas centrais também passaram por um processo de
transformação ao sofrerem alargamentos, embora poucas possuíssem calçamento. Aos
poucos, novos padrões de construção foram se estabelecendo, pela força da lei, para os
prédios que surgiam na região urbana. Enquanto capital do Estado do Paraná, Curitiba
também abrigava edificações no setor administrativo, como por exemplo, o Paço
Municipal e o Palácio do Congresso, e a estrutura urbana em ampliação gerava as
primeiras instituições de assistência social, como o Hospital de Caridade e o Hospício
Nossa Senhora da Luz, e de instrução, como a Escola Normal e posteriormente, a
Universidade Federal.
As reformas realizadas no intuito de transformar o espaço e inserir a cidade no
contexto da modernidade tinham por base uma ferramenta muito importante,
reconhecida e legitimada pelo governo e segmentos sociais mais abastados: o discurso
higienista10. Aliados a esta ferramenta despontavam o aparelho jurídico e a polícia.
8 DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Op. cit., p.17. 9 MARTINS, Romário, apud In: DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Id.Ibid.,p.13. 10 O discurso higienista é produto do desenvolvimento das ciências médicas, que influenciou o pensamento social entre o século XVIII e XIX, sendo ampliada a sua utilização nos planejamentos urbanos, fazendo analogias entre o corpo social e o corpo humano. A função do planejador urbano era “(...) diagnosticar os males da cidade e propor terapias e mesmo cirurgias radicais para extirpar o
13
Determinado aspecto autoritário ficou evidente quando, em 1913, o prefeito Cândido
Ferreira de Abreu solicitou à Câmara Municipal poderes especiais para desapropriar
áreas do então perímetro urbano11, com o intuito de realizar as modificações
necessárias sem precisar seguir os trâmites burocráticos como, por exemplo, apresentar
esta pauta para as devidas discussões na Câmara.12
Planta de Curitiba. Apresentado pelo Almanach Paranaense para o ano de 1900. Curityba, Correia & Comp. 1899. Acrescido das leis municipais 177/1903, 149/1905 e 177/1906. Disponível em: https://asvirtudesdobemmorar.com/obras-de-eduardo-fernando-chaves-2/
Mas nem todas as transformações conseguiram impedir que a capital
paranaense fosse assolada diversas vezes por epidemias como o tifo, pneumonia,
sarampo, varíola e difteria. Estas epidemias geralmente tinham o seu surgimento
câncer urbano.” COSTA, Maria Clélia Lustosa. A cidade e o pensamento médico: uma leitura do espaço urbano. Mercator- Revista de Geografia da UFC, ano 1, número 2, 2002, p. 61. 11 Quando Candido Ferreira de Abreu assumiu a prefeitura, propôs que a Câmara Municipal aprovasse uma divisão da área do município, entre perímetro urbano e suburbano. 12 CARNEIRO, Newton. Apud In: DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Op.cit., p.41.
14
associado aos imigrantes, pois não era comum um número tão elevado de mortes e de
pessoas infectadas por estas doenças antes dos fluxos migratórios ocorridos a partir da
segunda metade do século XIX, o que permitiu relacioná-las às péssimas condições
das hospedarias. No entanto, outros fatores também contribuíram para a disseminação
das epidemias, como por exemplo, a falta de saneamento e a localização das moradias.
A cidade apresentava problemas estruturais relacionados entre si, pois a alta
taxa de crescimento demográfico anual tornava acentuado o problema da moradia, ao
passo que a região do entorno do Passeio Público, a mais populosa e mais procurada
para habitação popular, era também considerada a mais insalubre. A procura por este
local pantanoso e úmido para fixar moradia ocorria em virtude da proximidade com a
Estação de Trem de Curitiba-Paranaguá, que facilitava o acesso ao transporte para o
trabalho, gerando o aumento do preço dos terrenos e aluguéis na região13. Esta mesma
lógica de valorização imobiliária foi aplicada quando ocorreu a expansão das linhas de
bonde para os bairros Seminário e Portão. A alta do valor dos aluguéis também foi
utilizada como ferramenta de seleção de inquilinato no então perímetro urbano,
quando a fiscalização sanitária se intensificou e os proprietários não queriam se ver
envolvidos “em complicações com a polícia e saúde pública”.14 Evitava-se por estes
meios, que novos estabelecimentos em que se praticassem negócios então tidos por
“imorais”, tais quais a prostituição, pensões, ou que apresentassem qualquer tipo de
risco viessem a funcionar.
A vida social na Capital também se intensificou com a abertura de clubes e
sociedades, como por exemplo, os clubes Alemão e Curitibano. No entanto, não eram
estes estabelecimentos que preocupavam a administração pública, pois o foco da
polícia concentrava-se nos bailes populares denominados sumpfs e no fandango, tidos
por desordeiros e impregnados de “miasmas”.15
A forma como Curitiba foi se modernizando perpassou o caminho do controle
de grupos de risco, sobretudo aqueles que ameaçavam a ordem. Importante análise fez 13 DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Id.Ibid., p.26. 14 Idi.Ibid, p. 44 15 Os “miasmas” consistiam em doenças que seriam transmitidas pela estagnação do ar. A partir desta constatação, a ventilação e a circulação passaram a ser fundamental para a estratégia higienista. COSTA, Maria Clélia Lustosa. A cidade e o pensamento médico... Op.cit., pág. 64.
15
o historiador Erivan Karvat a respeito dos mendigos e vadios “ honrosos
representantes das práticas de negação ao trabalho” que, na virada do século XX, eram
vislumbrados,
(...) como seres antissociais, dentro de uma sociedade que acreditava se instituir a partir do próprio trabalho. Nessa sociedade, que estabelecia um contrato em torno do próprio trabalho, onde os homens deveriam cooperar funcionalmente para atingir o Progresso, estes não trabalhadores eram motivo de diferentes discursos de saber e consequentemente, alvo de diferentes práticas de poder.16
Importa aqui lembrar que, desde o período imperial, a vadiagem e a
mendicância eram ilegais, sob pena de detenção e multa. A mendicância era
autorizada somente para algumas pessoas após a constatação da sua incapacidade
física para o trabalho. No entanto, após 1912, ano da criação do Hospício Nossa
Senhora da Luz, não foram mais concedidas autorizações e os mendigos passaram a
ser encaminhados à uma ala destinada a eles no referido local. Estas pessoas eram
vislumbradas enquanto sujeitos a parte da sociedade que se constituía coletivamente
sobre o trabalho. Em outras palavras, o oposto do cidadão, pois quebravam o contrato
implícito sobre o qual se estabelecia a sociedade republicana, e portanto, deviam ser
privadas de direitos políticos e até mesmo de sua liberdade. A sociedade dos homens
livres requeria a contrapartida do trabalho, embora não se atentasse para as
contradições do sistema econômico e desigualdades sociais. Com base nestes
fundamentos, intensificou-se a vigilância sobre aqueles que apresentavam maior risco
ao projeto de modernização e ao progresso almejado, efetivando-se em Curitiba
também em forma de exclusão, mas não sem passar despercebido pelos intelectuais
liberais que, por meio da imprensa “passaram a denunciar a expulsão dos pobres da
cidade sem que os governantes tivessem a preocupação de construir vilas operárias, a
exemplo de outros estados.”17
Em condições econômicas voláteis o emprego não era uma constante,
tornando instável a própria condição de trabalhador. Dessa forma, a vigilância que se
estabelecia sobre os vadios e mendigos, logo se estendia também aos operários, ao
16 KARVAT, Erivan Cassiano. A Sociedade do Trabalho... Op.cit., p. 34. 17DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Op.cit., p.45.
16
prevenir e reprimir qualquer ideia “subversiva”, que pudesse prejudicar a ordem sobre
a qual se construía o progresso na nova urbe.
A contrapartida do Estado nas primeiras décadas da República era pequena
para a maioria da população e a modernização se revertia mais em preço do que
benefício, sobretudo após a eclosão da Grande Guerra em 1914. A importação de itens
básicos, como por exemplo o trigo, foi afetada, bem como reduzida a exportação do
mate, produto sobre o qual se baseava a economia paranaense, gerando um aumento
substancial no custo de vida, em parte devido a escassez de produtos que, por sua vez,
era uma consequência da dedicação quase exclusiva à atividade ervateira.
O desenvolvimento urbano estava atrelado ao crescimento da industrialização
no Paraná. O mate e a indústria madeireira, setores de maior peso na economia,
possibilitaram que se desenvolvessem, em menor grau, atividades de metalurgia,
transporte e o fomento do próprio comércio em geral. Embora o mate fosse uma
atividade rentável a ponto de permitir o surgimento de uma elite urbana, na prática, a
comercialização da erva possuía uma dinâmica própria, dotada de instabilidade e alta
concorrência com outros estados e países vizinhos. Esta concorrência refletiu
negativamente no setor econômico, a medida que diminuía o espaço no mercado de
exportação para a erva paranaense, como será apresentado no decorrer deste trabalho.
1.2 A PRODUÇÃO DO MATE E SEUS REFLEXOS ECONÔMICOS
O Paraná no começo do século XX enfrentava diversos obstáculos devido ao
déficit nas contas públicas e a falta de liquidez. A produção do mate, produto em torno
do qual a capital viu seus primeiros sinais de industrialização, enfrentava dificuldades
para se consolidar, uma vez que o seu principal mercado consumidor, a Argentina,
buscava não somente a autossuficiência, mas abria em algumas frentes, determinada
concorrência com o mate paranaense.
A erva mate (Ilex Paraguariensis), conhecida também por congonha, é um
arbusto do qual se extraem as folhas para serem consumidas em forma de infusão
como chimarrão ou chá. Esta planta ainda é naturalmente encontrada nas florestas do
território paranaense e também era comum nos estados de Santa Catarina, Mato
17
Grosso e Rio Grande do Sul, bem como nos países vizinhos, tais quais o Paraguai,
Chile e Argentina. O consumo desta erva já era praticado por indígenas antes mesmo
da chegada dos colonizadores espanhóis na região do Prata,18 mas se destacou
significativamente enquanto atividade econômica no Paraná a partir do começo do
século XIX, constituindo-se em um importante produto no mercado de exportação para
os países vizinhos.
Desde o início de sua exploração, constantes transformações ocorreram, tanto
em processos produtivos quanto em estrutura logística, visando uma rentabilidade
maior e melhor qualidade do produto e a construção da Estrada de Ferro Curitiba–
Paranaguá, inaugurada em 1885, surgiu em virtude da necessidade do escoamento da
produção tornando-se um dos exemplos mais marcantes deste processo. Os moinhos,
que a princípio eram totalmente manuais, passaram a se modernizar a partir de 1878,
sendo pioneiro o engenho Tibagy, de propriedade de Ildefonso Pereira Correia, o
Barão do Cerro Azul. O Barão estabeleceu sua fábrica na região que hoje abriga o
bairro Batel, em 1878, com diversas inovações tecnológicas que faziam uso do motor a
vapor. Importante contribuição para a modernização dos processos produtivos do mate
foi a do engenheiro e inventor Francisco Camargo Pinto, cujas invenções e adaptações
de máquinas se tornaram referência para a indústria ervateira19. O engenheiro foi
responsável por equipar e modernizar o engenho de Luís Manuel Agnes. Porém, os
aperfeiçoamentos técnicos realizados por Francisco Camargo Pinto, fizeram com que
ele se arrependesse, pois constatou que tal inovação refletia diretamente sobre a mão
de obra, e “(...) sentindo-se culpado pelo excesso de produção que liberava muitos
braços, o remédio seria convencer o governo, fazer coro com os que sonhavam
conquistar novos mercados.” 20
O processo de modernização na produção do mate gerou, desde o seu princípio,
a consequência imediata do desemprego e a possível solução na visão do engenheiro,
bem como dos senhores do mate, consistia em expandir o mercado para a Europa, para
aumentar a demanda pelo produto. Esta expansão de mercados era uma reivindicação
18 LINHARES, Temístocles. História Econômica do Mate. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969, p.3. 19 Entre as invenções e adaptações introduzidos pelo engenheiro estavam máquinas como moedores, torradores e peneiras. LINHARES, Temístocles. Id.Ibid, p. 178. 20 CARNEIRO, David. Apud In: LINHARES, Temístocles. Id.Ibid,, p.177.
18
antiga dos produtores, muito mais focados nos lucros que de fato com os índices de
emprego. No entanto, o mercado europeu era mais exigente e não havia no Paraná uma
espécie de padronização nos processos que precediam a atividade industrial. A coleta
da folha, por exemplo, acontecia de forma indiscriminada, sendo misturada com outras
de qualidade inferior, cuja secagem mais demorada era realizada sob o fogo, alterando
o gosto da bebida, além de apresentar diversas impurezas como talos e ramos
queimados.21 Esse processo artesanal encarecia o frete, diminuía a qualidade e
aumentava o preço do produto frente ao concorrente chileno, ampliando assim a recusa
do mercado europeu. A pressão feita sobre o governo ainda na época do Império era
por uma regulamentação, fiscalização e classificação do produto, no entanto, a
legislação sobre o mate deteve-se no percentual pago de imposto, relegando a
qualidade a própria lógica de livre mercado e consequente concorrência.22
Mesmo com estes entraves a uma expansão intercontinental, o mate paranaense
era o de maior expressão nos mercados da América do Sul, sendo exportado entre
1910 e 1924 mais de 40.000.000 de kg por ano.23 A Argentina, porém, desde 1885,
desenvolveu em seu próprio território engenhos para o beneficiamento do mate,
importando a partir de então parte da erva apenas como matéria prima, ou seja,
importava a folha somente com uma moagem primária, denominada cancheada, para
fazer o beneficiamento nacionalmente. Sobre a erva enquanto matéria prima incidia
um imposto menor com relação a erva beneficiada, o que favorecia apenas a indústria
argentina, em detrimento da paranaense, que já enfrentava excesso de produção. A
situação voltou a ter relativo equilíbrio a partir de 1902, quando Xavier da Silva
sancionou a lei apresentada por Vicente Machado, igualando o imposto sobre os dois
tipos da erva, apesar do imposto de entrada do produto na Argentina continuar
favorável apenas à matéria prima.
Paralelo a indústria do mate, sem dúvida a mais significativa e em torno da
qual girava a economia no estado, desenvolveu-se em menor grau a indústria
21 A folha de qualidade inferior era denominada Carijó, e seu processo de secagem só acontecia quando a folha era colocada sobre o fogo, sendo este o motivo do gosto de fumaça na bebida. 22 LINHARES, Temístocles. Id.Ibid. p.167-168. 23 LINHARES, Temístocles. Id.Ibid, p.269.
19
madeireira e a atividade de criação de gado, ambas prejudicadas pelas altas taxas de
impostos e falta de estrutura viária.24
Os obstáculos que se apresentavam no campo econômico refletiam diretamente
nas contas públicas, apresentando um considerável déficit orçamentário já na última
década do século XIX sem perspectiva de uma mudança eminente, dado as frequentes
oscilações pelas quais passavam as principais atividades de negócio do Estado. Estas
altas e baixas impediam inclusive determinado acúmulo de capital, necessário para
desenvolvimento de atividades industriais que fossem além daquelas diretamente
ligadas ao extrativismo.25
Mesmo com limitado capital para adentrar de uma só vez na industrialização,
no começo do século XX, já funcionavam na capital paranaense algumas fábricas e
oficinas, como por exemplo a Fundição Mueller,26 a Fábrica de Pianos Essenfelder e
fábricas relacionadas ao beneficiamento do mate, das quais se destacavam os
Engenhos David Carneiro e Dr. Bernardo Veiga e as fábricas Leão Junior e Santa
Maria. Também operava neste período a Fábrica Pinheiro, que desde 1895:
(...) encontrava-se em pleno funcionamento e já contava com mais de uma centena de empregados. Dentre esses havia um grande número de mulheres e crianças menores, de ambos os sexos. Em 1900 seus proprietários foram premiados na Exposição Agrícola e Industrial do Paraná, recebendo medalha de ouro, “pelos excelentes produtos de sua fábrica de phosphoros”.27
Se por um lado era levantada a urgência de uma legislação protecionista para o
comércio do mate, por outro passava “despercebida” uma regulamentação para as
atividades nas fábricas. Em um contexto no qual as fábricas lidavam com
superprodução e o excedente de pessoas devido a modernização dos processos, a
discussão a respeito do emprego de crianças em atividades industriais ficava restrita as
reclamações dos operários. Tratava-se pois, de uma lógica de sobrevivência, uma
forma de o empregador manter baixos os seus custos de produção, uma vez que
24 DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto...Op.Cit., p. 22. 25 RELATÓRIO do Secretário de Estado dos Negócios e Finanças, Comércio e Indústria do Paraná, Dr. Antônio Luiz Xavier, Apud In: DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Id.Ibid., p.21. 26A Fundição Mueller começou fabricando as máquinas para engenhos de mate desenvolvidas pelo engenheiro Francisco Camargo Pinto. LINHARES, Temístocles. História Econômica do Mate. Op.cit., p. 176. 27 BOSCHILIA, Roseli T. Entre fitas, bolachas e caixas de fósforos: a mulher no espaço fabril curitibano (1940-1960). Curitiba, Artes e Textos, 2010, p.86.
20
pagava menores salários às mulheres e crianças. Esta prática reduzia as já escassas
ofertas de emprego e também baixava os salários dos homens impedindo-os de arcar
sozinhos com as despesas domésticas, portanto eles se viam obrigados a trabalhar em
conjunto com a família, gerando assim um círculo vicioso.
Outro agravante que se somava aos baixos salários e ao desemprego era a
carestia de alimentos. Desde cedo a imigração em Curitiba se fez em virtude da
demanda de uma agricultura para o abastecimento interno,28 dado o boom da
exploração do mate ainda na primeira metade do século XIX, atividade que, como já
citado, ocupava a grande maioria da mão de obra disponível. No entanto, devido ao
crescimento acentuado da população, não era raro acontecer o desabastecimento de
alguns gêneros e após a eclosão da Grande Guerra a situação foi agravada, como se
pode perceber no relato abaixo:
Concluímos as nossas ponderações de ontem, afirmando que do nosso principal celeiro – da Argentina- já não vem mais trigo, isto, pelo menos, até a próxima colheita. E sendo agora os Estados Unidos que dispõe daquele cereal, não se pense que dali o poderemos adquirir em quantidade necessária ao abastecimento do nosso paíz. Não; porque a exportação é sujeita ao controle e previa autorização e aprovação do governo norte-americano, e este tem os seus compromissos com os aliados, que, como se sabe, são de vulto. Por outro lado admitida a hypótese de dali nos ser possível receber o trigo, esbarramos nas dificuldades a vencer com as comunicações marítimas, por causa da guerra dos submarinos e a escassez de transportes. Pode ainda alegar-se a possibilidade da importação da farinha de trigo norte-americana, porém ficará a mesma por um preço elevadíssimo[...].29
Se as condições das finanças públicas não se apresentavam favoráveis, piores
foram os seus efeitos sobre os trabalhadores, pois a alta taxação de impostos se fazia
sentir nos serviços mais básicos, sobretudo nos gêneros alimentícios. Ademais as
companhias independentes de energia elétrica, Hauer Jr e Cia, e a de transporte de
bondes, South Brazilian Railways Company, taxavam seus serviços de acordo com o
livre mercado, causando constantes reclamações por parte da população devido aos
frequentes reajustes. Os alimentos também seguiam a regulação de preços de acordo
com a oferta e procura, que neste caso era quase sempre inferior a demanda, e
fortemente impactados pela crescente inflação. Se os liberais denunciavam a carestia
28DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto...Op.cit., p.8. 29A REPÚBLICA. Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII. 20/07/1917.
21
de vida, juntamente com a expulsão dos pobres da região central, seu objetivo
consistia apenas na prevenção, afinal “reclamavam da carestia de vida, mal que
ameaçava os operários, propondo que algo se fizesse antes que eles compreendessem
sua força.”30
Diante deste cenário foram organizadas as primeiras instituições operárias, na
forma de sociedades de auxílio mútuo, geralmente categorizadas por ofício ou
atividade.
1.3 ORGANIZAÇÃO OPERÁRIA: NOVOS PERSONAGENS
As condições em que a cidade foi modernizada se constituíram em experiências
comuns significativas para a formação da classe operária na capital, e o sentimento de
abandono e exclusão acabou por se refletir na forma como o operariado se organizou
institucionalmente. As organizações operárias em Curitiba surgiram, como já
mencionado, na forma de associações de auxílio mútuo e de sociedades beneficentes, e
os imigrantes que já haviam se estabelecido na capital tiveram significativa
participação neste processo. Essas pessoas fundaram colônias nas proximidades do
perímetro urbano,31 e se em um primeiro momento o seu trabalho era majoritariamente
na pequena agricultura, suas atividades não ficaram limitadas somente a este tipo de
função. Podemos exemplificar utilizando a já citada Fundição Mueller, que
desenvolvia atividades de metalurgia e máquinas consonantes com a modernização das
atividades nas indústrias madeireira e ervateira. Este desenvolvimento por sua vez,
intensificava outros negócios correlatos, como serrarias, fábricas de ferramentas e o
próprio comércio empregando um considerável número de trabalhadores. Além destas
atividades a mão de obra imigrante também foi utilizada para a construção de
importantes empreendimentos públicos, como a Estrada de Ferro Curitiba–Paranaguá.
Entretanto, antes de iniciarmos a análise sobre a organização operária na
capital paranaense, alguns alertas se tornam relevantes. O primeiro aspecto a destacar 30 DE BONI, Maria Ignês. O espetáculo visto do alto... Id.Ibid., p.45. 31 A colônia italiana de Santa Felicidade (1872), as colônias polonesas em Araucária, São José dos Pinhais, Santa Cândida e Orleans (1871). A partir de 1895 os imigrantes ucranianos se estabeleceram no bairro do Bigorrilho. Também foi significativa a presença de imigrantes alemães na cidade, visível ainda na arquitetura de alguns prédios, como por exemplo, do Clube Concórdia, localizado no bairro São Francisco, fundado em 1887.
22
consiste em desmistificar, nas palavras de Cláudio Batalha a ideia de “imigrante
militante”.32 Segundo o historiador, com algumas exceções, a grande maioria dos
imigrantes tinha suas origens na área rural europeia, sem possuir, portanto, experiência
em militância sindical ou organização política, sendo que o próprio deslocamento de
sua terra natal em muitos casos, demonstrava certa descrença no real poder de
transformação de uma organização de cunho operário.33 Outra perspectiva também
corrente naquele período era a possibilidade de enriquecer no Brasil para depois
retornar ao país de origem, possibilidade comumente levantada pelas propagandas de
imigração na Europa, mas que de fato raramente ocorria.
Se o imigrante por si só não pode ser considerado o fator fundamental para a
organização operária, tampouco o pode ser unicamente a indústria. Em geral a
formação da classe operária no Brasil está automaticamente relacionada ao início do
processo de industrialização pelo qual a nação passou na década de 1890. Esta visão
considera como fator determinante o fim da escravidão (1888), ou seja, a substituição
do trabalho escravo pelo assalariado. No entanto, esta forma de análise não leva em
conta as formas de resistência que se desenvolveram dentro do regime escravocrata,
bem como o fato de trabalharem, lado a lado nas fábricas, tanto homens livres quanto
escravos. Esta visão causal sugere que a existência de trabalhadores assalariados em
uma fábrica significa por consequência a existência de uma classe operária.
Compartilhando das indicações de E. P. Thompson sobre o fazer-se de uma
classe, pode-se inferir que classe não é algo estático. Segundo o historiador, classe é
uma relação histórica calcada na experiência comum e ocorre quando os homens
articulam suas identidades de interesses entre si. Assim sendo, a luta de classes seria
antagonismos entre grupos que não partilham as mesmas experiências, e nas palavras
de Thompson:
Se determos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se examinarmos esses homens durante um período
32 BATALHA, Claudio, H. N. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. In: FERREIRA, JORGE; Delgado, LUCILIA de A.N. O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 166. 33 BATALHA, Claudio, H. N. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva... Id.Ibid., p.166.
23
adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas ideias e instituições. A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição.34
Com base nestas indicações é significativo perceber que o período que
compreende a década de 1880 até 1943 representa um momento marcante de
experiências e transformações para o operariado no Brasil, pois inicia com o
surgimento das primeiras sociedades de auxílio mútuo e finaliza com a Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT), durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
O movimento operário no Brasil, após o advento da República, ideologicamente
se dividiu em três frentes principais que se formaram com posicionamentos diferentes:
a primeira apoiada pelo positivismo e sindicalismo reformista, buscava direitos sociais
por meio das vias legais, já a segunda de orientação socialista, defendia que a
conquista de direitos sociais estaria associada a conquista de direitos políticos. A visão
dos socialistas era de um aprimoramento da República, em que seriam de fundamental
importância o sufrágio universal e a extensão de direitos, algo semelhante com o que
ocorreu anteriormente na França. Para este grupo, a partir da década de 1890, tornou-
se comum,
(...) a transposição para a República do mesmo raciocínio já empregado pelo movimento socialista com relação à Revolução Francesa, o de que uma e outra seriam processos iniciados, porém deixados incompletos, cabendo, portanto, aos socialistas levá-los adiante.35
A terceira corrente que conquistava visibilidade, também defendia a separação
entre direitos políticos e direitos sociais. Denominada anarco-sindicalismo, esta
corrente possuía elementos do anarquismo, como a ação direta, e também do
marxismo, como por exemplo a defesa da luta de classes, que se efetivaria por meio do
sindicalismo revolucionário. Este grupo “(...) acreditava unicamente na capacidade de
mobilização dos trabalhadores para garantir que os patrões mantivessem as conquistas
34 THOMPSON, Edward P. Prefácio. In: A formação da classe operária Inglesa... Op.cit., p.12. 35 BATALHA, Claudio, H. N. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva... Op. cit., p.175.
24
obtidas em greves.”36 No interior deste ideário encontrava-se o repúdio ao sistema
político, como se pode observar no documento abaixo:
Repudiamos o parlamentarismo e a ação eleitoral, não só pela razão teórica geral de ser o parlamento uma instituição autoritária, incumbida de forjar leis obrigatórias, mas ainda por outros motivos teóricos e práticos. Eis alguns: (...)3º) Ambiente burguês e politicamente dominado pelos interesses capitalistas e financeiros, exerce uma inevitável corrupção sobre os que pra lá entram, vindos do seio do povo trabalhador e animados das melhores intenções. 4º) Dispensa o povo de agir diretamente, entretém as impaciências populares tanto mais eficazmente quanto mais atroadores e “revolucionários” forem os discursos ali proferidos.37
Com esta visão, pode-se perceber que as organizações políticas eram
descartadas, pois evidenciava-se para além da contradição dos princípios de liberdade
e autonomia, a falta de resultados práticos. O discurso revolucionário inserido no
âmbito parlamentar apenas obstruía a ação direta, ao passo que se apresentava
facilmente corruptível aos interesses burgueses, como indica o alerta apresentado no
jornal operário O Despertar que circulou em Curitiba no ano de 1904:
Cansado de ler nos periódicos socialistas autoritários, belos artigos de propaganda, onde os mesmos não cansam de apregoar as vantagens que os parlamentares socialistas têm alcançado em benefício do povo operário, tanto na França [...] conseguiram para o operário o dia legal em 8 horas[...]. É justo que os operários descansem duas horas a mais por dia; porém os industriais, que não estão para ser prejudicados, e que sabem que os seus operários trabalham duas horas menos por dia, os lesam em 100 ou 200 mil réis por semana[...].38
Como O Despertar, em Curitiba, circulavam também outros periódicos
representantes da imprensa operária, como por exemplo, o jornal Operário Livre
(1891), A Voz do Povo (1892), e o Il Diritto, (1893), publicado em italiano.
A produção destes periódicos ocorria geralmente no interior das sociedades de
auxílio mútuo, que surgiram na capital paranaense a partir de 1875, como a Sociedade
Operária e Beneficente Giuseppe Garibaldi, sendo que esta última, em 1906, foi palco
do I Congresso Paranaense, organizado pela Federação Operária Paranaense em 36 BATALHA, Claudio, H. N. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. Id. Ibid., p.179.. 37 A GUERRA SOCIAL. Jornal 16/07 e 02/08/1911. Apud In: CARONE Edgard. O Anarquismo: a ideologia. In: O movimento operário no Brasil (1877-1944). Difel. São Paulo, 1979, p. 349. 38 O Despertar – folha quinzenal de propaganda libertária. Curitiba 31/12/1904. Pág.1.
25
conjunto com a Liga dos Sapateiros de Curitiba. Seis anos depois foi fundada, pelo
pedreiro Benedito Marques a Sociedade Beneficente Protetora dos Operários, com o
objetivo de auxiliar os trabalhadores em caso de doenças,39 além de oferecer aulas no
período noturno. A Sociedade Operária e Beneficente 13 de Maio foi criada em 1888,
as vésperas da Abolição e refletia a preocupação em auxiliar àqueles que seriam
libertos a se inserirem em um novo contexto social. 40
Em tempos de total abstenção do Estado em relação à regulamentação do
mercado de trabalho e de forte vigilância e opressão contra os não trabalhadores, as
associações foram criadas com o objetivo de dar assistência aos operários e de mantê-
los aptos para as transformações que ocorriam no espaço fabril. A preocupação, por
parte dos trabalhadores e das sociedades de auxílio mútuo, era de se manter inserido
no quadro coletivo que se constituía a República. Entretanto, os pressupostos liberais
sobre os quais se fundamentou o republicanismo brasileiro lançaram os trabalhadores à
sua própria sorte, deixando-os a mercê da emergente classe industrial burguesa, e por
este viés, as instituições operárias passaram a ser símbolo de resistência frente os
abusos cometidos pelos patrões. A utilização de mão de obra de crianças e mulheres a
baixos salários ecoava nos discursos anarquistas, que viam na desigualdade a
impossibilidade de se chegar a liberdade. Desses discursos surgiram as críticas ao
Estado e a todo o seu aparato, que privilegiava apenas os burgueses, que por sua vez
constituíam o governo.41
Havia uma identificação popular com o movimento operário, que pode ser
atribuída ao sentimento de pertencimento à uma mesma condição: pobreza, ou ainda
simplesmente a falta de auto reconhecimento na República. Essa pode ser considerada
uma consequência da forma como foi feita a transição do regime monárquico para o
republicano, muito mais com características de golpe do que uma verdadeira revolução
popular. O processo estava inacabado e as formas de organização, pensamento,
39 Fazendo uma breve análise, a partir da abolição cessaram as responsabilidades que até então cabiam ao senhor, que não dependiam das condições de mercado de trabalho. Após este momento, ainda que o escravo já estivesse trabalhando na manufatura ou na indústria, sua subsistência estaria condicionada a novas regras, como a da livre concorrência de mão de obra. 40 BRENNER, Gislene T. NOGUEIRA, Cíntia N. Curitiba: Sociedades Operárias da Virada do Século XIX . 3.° Colóquio Ibero-Americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto – Desafios e Perspectivas. Belo Horizonte. Setembro de 2014, p. 8. 41 O Despertar – folha quinzenal de propaganda libertária. Curitiba 31/12/1904. Pág.1.
26
partilha de experiências e sobretudo a ação coletiva permitem perceber o fazer-se da
classe operária que, naquele momento, buscava o reconhecimento àqueles que
representavam a força motriz da modernidade.
É preciso reconhecer que a atividade industrial ainda era relativamente
pequena se comparada a atividade agrária, mas também é importante ressaltar que a
vida urbana se intensificava e que a greve geral foi possível justamente por essa
identificação popular com a causa operária, uma vez que “(...) estes momentos ímpares
da ação coletiva envolviam muito mais gente que o número restrito de trabalhadores
(...)”.42
A greve foi acompanhada e relatada pelos principais jornais de informação do
Paraná na época: o Diário da Tarde e A República. A ação destes órgãos de notícias
não foi neutra e seus relatos em relação a greve de 1917, serão discutidos no próximo
capítulo, sem portanto, perder-se de vista os interesses da classe operária.
42 BATALHA, Claudio, H. N. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva... Op.cit., p.175.
27
2 O MOVIMENTO GREVISTA EM 1917
2.1 OS JORNAIS DE INFORMAÇÃO: A REPÚBLICA E O DIÁRIO DA TARDE
“ A Greve em São Paulo: o movimento anarchico alastra-se.”43 Esta foi uma
das manchetes da edição paranaense do jornal A República, do dia 17 de julho de
1917. A publicação, que contava diariamente com a circulação de um número inédito,
apresentava também notícias sobre a guerra, a vida cultural, notas de utilidade pública
– tais como recrutamento militar - e diversos anúncios comerciais, caracterizando um
tipo específico de imprensa: a de informação44. A República não era o único tipo de
periódico que poderia ser encontrado em 1917, embora a imprensa informativa já
estivesse se consolidando como órgão hegemônico de transmissão de notícias, fator
significativo quando o relacionamos com as demais mudanças que ocorreram no início
do século XX. A sua produção também estava em consonância com a modernização da
sociedade e tinha como objetivo, além de atender a demanda pela informação, ser um
produto economicamente rentável.
As considerações acerca da imprensa informativa no Paraná, especialmente os
jornais A República e Diário da Tarde se fazem necessárias para além de sua
contextualização econômica, uma vez que os editores do primeiro chegaram a
declarar-se, na virada do século como “(...) os únicos, ou mais autorizados,
orientadores da opinião pública paranaense (...)”.45 Já, o Diário da Tarde, apresentava
em seu discurso a preocupação em ser uma instituição politicamente independente por
estar sempre “... no encalço da verdade.” 46
A forma de produção destes jornais partia da mesma lógica positivista aplicada
às ciências na época, que por sua vez, fundamentavam as transformações sociais e
políticas, em que a verdade seria alcançada a partir da concepção factual, ou ainda a
partir de documentos verdadeiros. As transformações ocorridas na imprensa do final
43 A REPÚBLICA– Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII.16/07/1917, pág. 1. 44 A primeira edição local de A República, em janeiro de 1888, não pode ser considerada como um jornal informativo. Como o próprio nome sugere, a forma como apresentou-se ainda em suas primeiras edições estava ligada a formação e difusão do ideal republicano. Nas edições seguintes ao 15 de novembro o jornal foi diminuindo as colunas que tratavam especificamente de opinião política, ampliando o espaço para as informações. 45 A REPÚBLICA– Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XV. 03/01/1900, pág. 1. 46 DIÁRIO DA TARDE ano I. 01/04/1989, pág 1.
28
do século XIX e começo do XX, fez surgir uma nova forma de transmissão de
notícias, denominado Novo Jornalismo, que possuía a intenção de “(...)vigiar o poder
político e fornecer as informações necessárias aos cidadãos(...).47
No campo historiográfico, foi concebida a possiblidade de uso de jornais e
periódicos para a pesquisa a partir da quebra do paradigma positivista, de uma história
verdadeira, factual. Esta mudança ocorreu em virtude da crítica interna produzida pela
primeira geração da Escola dos Annales, ainda na década de 1930,48 que colocava em
foco outros temas e problemas para a história, não se detendo exclusivamente ao viés
político-econômico. Os jornais que então eram descartados enquanto fontes confiáveis,
uma vez que relatavam acontecimentos fragmentados e permeados de ideologias,
passaram a figurar como uma possibilidade de interpretação para a Nova História. Na
Inglaterra, foram significativas as mudanças que ocorreram na historiografia a partir da
segunda metade do século XX, e os autores reunidos em torno da New Left Review
passaram a destacar a importância de elementos culturais nas transformações sociais,
realizando significativa revisão do marxismo.49
No Brasil, os estudos que se utilizam dos jornais e periódicos como fonte, ou
seja, a história através da imprensa, foram se intensificando recentemente e muitas
publicações são utilizadas principalmente em estudos acadêmicos, visto que a
imprensa para determinados períodos“(...) é a única fonte de reconstituição histórica,
permitindo um melhor conhecimento das sociedades ao nível de sua condição de vida,
manifestações culturais e políticas.”50 A análise de jornais requer cuidados especiais,
pois deve-se partir da hipótese “(...) que a imprensa sempre age no campo político-
ideológico [em que] as informações não são dadas ao azar mas ao contrário denotam
atitude própria de cada veículo de informação, todo jornal organiza os acontecimentos
e informações segundo seu próprio ‘filtro’.”51
Partindo destes pressupostos, pode-se inferir que, embora houvesse uma
intenção declarada de independência tanto no jornal A República quanto no Diário da
47 WEBER, Daniela Maria. Metodologia para pesquisa em imprensa: experiências através de O’ Paladino. Signos, ano 33, nº 1, p.14 48 PINSKI, Carla Bassanezi. Fontes impressas... Op.cit., p.112. 49 PINSKI, Carla Bassanezi. Id.Ibid, p.113. 50 ZICMAN, Renée Barata. História Através da Imprensa... Op.cit., ,p.89. 51 ZICMAN, Renée Barata. Id.Ibid ,p.90.
29
Tarde, estes não deixavam de reproduzir a ideologia dominante, servindo muitas vezes
de ferramenta aos interesses do governo estabelecido. Esta situação ficou evidente
quando, em meio as agitações da greve, foi publicado um aviso do então chefe de
polícia Lindolpho Pessoa. Não nos deteremos no aviso em si, mas no texto que o
precedia, revelador da avaliação que o próprio jornal fazia sobre os rumos da greve e
da respectiva ação policial.
Diante, pois, de um tal estado de desordem a que chegou o movimento operário em nosso meio a polícia deixa ora avante de agir com a anterior e generosa moderação que não foi compreendida pelos alarmistas e vai proceder com o máximo rigor contra os perturbadores da ordem pública (...).52
A medida que o movimento foi se intensificando, o posicionamento dos jornais
com relação a greve foi se modificando, conforme será apresentado no decorrer deste
estudo monográfico. O que cabe neste momento lembrar é que além dos jornais de
informação outros tipos de publicação também circulavam entre os paranaenses, como
por exemplo, os jornais operários. A característica destes jornais não consistia no
relato detalhado dos acontecimentos e sim na divulgação de ideias e reflexões dos
fatos a partir da causa e dos objetivos do operariado, além de tecer denúncias e
inúmeras reivindicações. Muitos destes jornais poderiam ser adquiridos gratuitamente,
pois o objetivo de quem os produzia não estava pautado na constituição de um
patrimônio financeiro e sim na disseminação da situação vivenciada pelos
trabalhadores por meio da exposição do sistema de exploração capitalista e da
corruptibilidade das instituições políticas.
Assim como os jornais operários, existiam também jornais que defendiam
outras causas, como por exemplo, o Electra (1901), de distribuição gratuita que
defendia os ideais republicanos e também se denominava anticlerical, além de jornais
maçônicos e jornais voltados para a divulgação de expressões artísticas. O ideal para
se pensar a greve a partir de identidade de interesses seria analisar documentos
produzidos pelos próprios trabalhadores, ou seja, os periódicos de opinião operária.
Porém, esta alternativa tornou-se limitada visto que muitas das associações de auxílio
mútuo perderam seus arquivos ou foram, ao longo do tempo, transformadas em clubes 52 A REPÚBLICA - Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII. 23/07/1917 pág 1.
30
de recreação. Este aspecto perpassa a discussão sobre as questões de patrimônio, bem
como os interesses envolvidos na preservação do mesmo, fugindo aos objetivos deste
trabalho. O que importa neste momento ressaltar é que será trabalhada a perspectiva
escolhida para ser preservada no tempo, ou seja, aquela que revela os interesses e o
ponto de vista da classe dominante ao justificar arbitrariedades em nome da ordem.
Assim sendo, quando a greve foi deflagrada em Curitiba dois comportamentos
distintos da imprensa informativa foram observados. Em um primeiro momento estes
jornais entenderam o movimento grevista como legítimo, devido a carestia, o
desemprego e o considerável índice de baixos salários, todavia, com a demora da
resolução e o agravamento da situação, os jornais A República e O Diário da Tarde
passaram a desmoralizar o movimento, com o argumento de ser de cunho anarquista,
sempre colocado como sinônimo de desordem.
2.2 EXPERIÊNCIAS E INTERESSES COMUNS: A GREVE GERAL EM
CURITIBA
A greve foi noticiada pelo Diário da Tarde como sendo uma paralisação em
solidariedade ao movimento de greve em São Paulo,53 legitimada pelas más condições
de vida, agravada pela crise em que o país se encontrava. De fato, já havia alguns dias
que o operariado se reunia, mas somente na quarta-feira, dia 18 de julho de 1917, em
um comício que se iniciou ás 20:00hs na Praça Tiradentes, os operários decidiram pela
greve. A esta altura o movimento de paralisação em São Paulo já tinha perdido força e
os rumos que a manifestação tomou no Paraná logo colocaram em evidência uma
autonomia própria. Após o comício os operários partiram para a Sociedade dos
Boleeiros e deliberaram sobre os rumos da greve. Em seguida dirigiram-se para a sede
do jornal Commercio do Paraná para que fosse publicado a pauta com as seguintes
reivindicações:
53 Em São Paulo, diversas paralisações ocorreram ainda no mês de junho, a partir de iniciativas de empresas diversas, e com reivindicações diferentes. Em uma dessas manifestações, reprimidas pela polícia, foi baleado o sapateiro José Iñeguez Martinez, que veio a falecer em decorrência do ferimento. A partir de então a greve tornou-se geral, passando a ter uma pauta comum de reivindicações. BATALHA, Claudio H.M. O movimento operário na Primeira República... Op.cit.,p.50-51.
31
(...) 2 jornada de 8 horas 3 A abolição completa de multas 4 Impedimento de crianças menores de 14 annos no trabalho 5 Impedimento de moças de menos de 21 annos 6 Os que ganharem por dia terão a tabela mínima de $5000 7 Os por hora a 800 8 Abolição dos trabalhos nocturnos, exceptuando-se os necessários, não trabalhando mais de 6 horas 9 O patrão não pode dispensar os empregados sem prévio aviso de 18 dias, dando em cada dia uma hora de folga para procurar trabalho A responsabilidade dos patrões nos incidentes A extinção de caixas beneficentes obrigatórias como a do bond e estrada de ferro A redudcção dos impostos para os carroceiros As 8 horas são compreendidas das 7 às 11 tendo duas horas de descanço e depois da 1 hora as 5 A reducção do preço dos gêneros alimentícios Exigir a baixa imediata da farinha de trigo e assucar Diminuição dos preços de aluguel de casa Exigir do governo fiscalização dos gêneros alimentícios Abolição dos trabalhos por peça Hygiene nas fabricas Reintegração dos grevistas nos seus primitivos logares, uma vez cessada a greve, sob pena do movimento paredista continuar.54
A pauta reproduzida pelos principais jornais do Estado, indicava que os
objetivos norteadores da luta operária na capital paranaense estavam fundamentados,
embora se diferenciassem apenas em alguns poucos itens em relação as reivindicações
feitas pelos operários de São Paulo, visto que em todo o território nacional as
condições de trabalho em fábricas se assemelhavam. As solicitações refletem a mistura
ideológica do movimento operário, que se esquivava em adentrar o campo dos direitos
políticos pois tinha em vista o exercício da liberdade a partir da autonomia, neste caso
a econômica. Ao mesmo tempo, o documento revelava a condição de vida dos
trabalhadores, embora estas práticas não acontecessem de forma oculta aos olhos da
sociedade.
Não havia regulamentação no Brasil que regesse sobre a contratação ou as
condições de trabalho. As negociações da mão de obra seguiam unicamente a lei da
oferta e da procura, permitindo que os inflados centros urbanos se constituíssem em
baixos custos e melhor lucratividade para os industriais.
De todos os locais de trabalho os que praticavam as jornadas mais extensas
eram os da indústria têxtil, chegando a quinze horas diárias.55 Este era o local que 54 DIÁRIO DA TARDE – ano XIX.19/07/1917. Pág. 2.
32
também mais contratava mulheres e crianças “submetendo por completo a família
proletária as condições da produção fabril”56. Os baixos salários e a implementação de
mecanização, somados a uma jornada excessiva de trabalho, ao mesmo tempo em que
garantia o excedente do capital, aumentava ainda mais o desemprego. Entre as formas
de se atingir os objetivos de produção poderiam ser aplicadas multas e ameaças de
dispensa do emprego e, em alguns casos, castigos corporais57.
A condição do trabalho fabril trouxe consigo uma profunda transformação no
quadro da estrutura familiar. Thompson abordou este tema para a sociedade inglesa, ao
apontar a drástica redução de salário e autonomia dos tecelões devido a introdução dos
teares mecânicos. O trabalho manual realizado no âmbito familiar, com preços
negociados de acordo com a produção e com mão de obra qualificada, possibilitava ao
trabalhador maior autonomia no definir a sua rotina de trabalho. No entanto, o
processo de mecanização alterou esta situação, mudando primeiramente o local de
trabalho, que passava então a ser a fábrica. A qualificação para o trabalho passou a ser
menor, não sendo necessário um tecelão profissional para se conseguir um produto de
qualidade. Rapidamente, ocorreu uma considerável diminuição da oferta para trabalho
fora da fábrica e a redução drástica do preço das encomendas. Assim sendo, muitas
famílias se viram obrigadas a trabalhar mais horas para obter o mesmo rendimento de
antes, sendo sobrecarregadas por taxas diversas e aluguéis dos equipamentos de
trabalho, até chegar a um ponto em que a atividade passou a ser inviável.58 Dessa
forma esses trabalhadores antes autônomos passaram então a engrossar as fileiras das
fábricas, sujeitando-se a salários cada vez mais baixos.
Além desta transformação no âmbito familiar, alguns outros aspectos que a
exploração capitalista incutiu naquela sociedade, como por exemplo, o trabalho
infantil sistematizado e a pobreza extrema, também podem ser observados quando
analisamos a consolidação do trabalho nas fábricas no Brasil, visto que, guardadas as
devidas referências temporais e espaciais, a exploração capitalista parte de um mesmo
55 HARDMAN Foot; LEONARDI Victor. História da indústria e do trabalho no Brasil (das origens aos anos 20).2ª ed. São Paulo. 1991. p 135. 56 Id.Ibid., p. 135. 57 Id.Ibid, p.136. 58 THOMPSON, EDWARD P: A formação da classe operária Inglesa. A maldição de Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1.987. p. 140
33
princípio: a produção da mais valia. O papel da esposa que somente desempenhava
atividades no espaço doméstico foi deixado para trás e a mulher assumiu – assim como
toda a família – postos de trabalho na fábrica. Claro exemplo é o da já citada Fábrica
Pinheiro que,
(...) encontrava-se em pleno funcionamento e já contava com mais de uma centena de empregados. Dentre esses havia um grande número de mulheres e crianças menores, de ambos os sexos. Em 1900 seus proprietários foram premiados na Exposição Agrícola e Industrial do Paraná, recebendo medalha de ouro, “pelos excelentes produtos de sua fábrica de phosphoros”.59
Embora o trabalho feminino fosse necessário, principalmente em máquinas que
exigiam mais atenção e mãos menores e mais delicadas, como por exemplo, os teares
mecânicos e as máquinas de embalagem, as mulheres recebiam salários inferiores aos
dos homens e estavam sujeitas a violências ainda maiores, como por exemplo abusos
sexuais60. A fábrica, por ser também em sua maioria um ambiente masculino,
configurava-se aos olhos da sociedade como um lugar impróprio para a mulher casada.
Para o homem, ter a sua esposa trabalhando também representava a incapacidade de
cumprir financeiramente o compromisso matrimonial assumido. O modelo burguês da
concepção familiar não se aplicava aos menos favorecidos e a condição do trabalho
feminino era agravada pela desmoralização.
Nas fábricas, de modo geral, o ambiente era insalubre, na contramão do que
pretendiam os agentes sanitários para a urbe, que não fiscalizavam estes lugares.
Muitos locais não possuíam ventilação ou água limpa e as doenças se proliferavam,
sendo que muitas delas advinham das próprias instalações, velhas e com muitos
roedores. No começo do século XX “ [...]pode-se afirmar que uma verdadeira ordem
privada dos interesses particulares da burguesia industrial determinava o regime
interno do trabalho fabril”61.
Essa “burguesia industrial” foi negada no jornal Diário da Tarde, juntamente
com o operariado e com o restante da realidade das fábricas:
59 BOSCHILIA, Roseli T. Entre fitas, bolachas e caixas de fósforos... Op.cit., p.86. 60 HARDMAN Foot; LEONARDI Victor. História da indústria e do trabalho no Brasil....Op.cit., p. 135. 61 Id.Ibid., p.138.
34
(...) não se pode dizer com verdade que o operário em nossa terra é explorado por uma burguesia, porque em realidade nem temos puramente um operariado, sujeito a regulamentação severa, e nem temos grandes fábricas, nem burgueses rotineiros, nem pseudos senhores da gleba(...)62
De fato, o operariado não podia mais ser negado e a contradição neste
momento revela uma preocupação antecipada em relação a radicalização do
movimento, dada a real situação de abandono e exploração – tanto por parte do
governo quanto dos industriais – em que os trabalhadores se encontravam. Foi
justamente esta situação de indiferença que deu forma ao modelo de organização
operária no final do século XIX, realizado na forma das Sociedades de Auxílio Mútuo.
Eram essas instituições que impediam o trabalhador de sucumbir em situações de
doença ou desemprego. Um outro aspecto relevante é que o projeto de modernização
urbano foi realizado em torno de uma elite ligada a exploração do mate. Tratavam-se
de senhores que residiam em abastados casarões na região do Alto da Glória, que
contava com ruas largas e arejadas, contrastando com o lugar de maior concentração
de residências operárias, na região do Capanema, próximo à Estação Ferroviária,63
Mesmo com a negação da condição de exploração, a greve prosseguiu tendo à
frente os senhores Octavio Prado e Adolpho Silveira – diretamente ligados à causa
libertária64 e também Bortolo Scarmagnan e José Hosti, cujo programa de greve
consistia em percorrer empresa por empresa e convocar a adesão dos operários. Os
primeiros a pararem foram os motoristas e cobradores dos bondes elétricos da South
Brazilian Railways, seguidos dos operários da Fábrica de Fósforos Pinheiros. Logo
após aderiram os operários da Fábrica de Calçados Favorita, e assim, “um após outro
[foi] engrossando o número de grevistas, os operários das fábricas(...) Mugiatti,
Klupel, Davide, Elias e quase todas as outras existentes nesta capital(...).”65 Os
operários foram impedidos apenas de entrarem na Usina de Energia Elétrica,
fortemente guardada e que contava naquele dia inclusive com a presença do então
62 DIÁRIO DA TARDE. ano XIX.– 19/07/1917. pág 1. 63 DE BONI, MARIA IGNÊS. O espetáculo visto do alto... Op.cit., p.26-27. 64 “Adolpho Silveira pertencia ao grupo libertário Cultura Revolucionária e Octavio Prado era integrante de outro grupo libertário, o Terra Livre. FONSECA, Ricardo Marcelo; GALEB, Mauricio. A greve geral de 17 em Curitiba: Resgate da memória operatória. Curitiba: IBERT, 1996. p. 63. 65 A REPÚBLICA– Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII.19/07/1917.pág.1
35
chefe de polícia Lindolpho Pessoa. Na metade do dia o movimento já contava com
cerca de 1336 grevistas.66
Ainda no dia 19 alguns operários impediram que o trem para Paranaguá saísse
da estação. Não se via movimento de veículos nas ruas centrais, dado a grande adesão
dos motoristas e choferes. O bonde não circulou grande parte do dia e, ao entardecer,
os operários conseguiram invadir a usina de eletricidade – ainda que guardada por 30
policiais armados – e interromper o fornecimento de energia elétrica. A escuridão e o
caos tomaram conta das ruas centrais. Ao tentarem invadir um bonde da South parado
em frente à sede da empresa, teve início um tiroteio que envolveu os grevistas e um
pequeno grupo de policiais que guardavam o bonde. Deste embate pelo menos três
pessoas saíram baleadas, mobilizando uma força policial para o local. Esta ao chegar
foi vaiada por um grupo de populares que ali se aglomerava após presenciar a
confusão.
Cabe aqui ressaltar que a ordem pública estabelecia os parâmetros aceitáveis
para uma manifestação operária. A medida em que a greve se intensificava deixava de
ser entendida como um ato legítimo, pois os operários ao abandonarem o lugar então
reservado a eles dentro da organização social, rompiam com o contrato implícito sobre
o qual se estabelecia o governo republicano, ou seja, o trabalho pela liberdade,67
passando também a ser alvo da ação policial. A República buscou desde o primeiro
momento estabelecer os limites que a greve deveria ter e alertou sobre as
consequências que seriam acarretadas caso fossem ultrapassados.
(...) é preciso que o operariado saiba conservar sua calma e, batendo-se contra a violência que o oprime, não desça a arruaça e a anarchia, puníveis sempre(...) (...) sem provocar inúteis desordens contraproducentes os grevistas são sagrados, porque exercem um direito, provocando distúrbios exercendo a sabotage justificam a punição severa, porque violam os direitos de outrem.68
66 A REPÚBLICA– Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII.19/07/1917.pág.1 67 E neste sentido eles se aproximam dos mendigos, ainda que a sua negação ao trabalho fosse apenas temporária, conforme apresentado no primeiro capítulo. 68 A REPÚBLICA - Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII.19/07/1917. pág.1.
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Conforme apresentado, os eventos da greve extrapolaram os contornos
esperados pelo jornal e nos cinco dias que se seguiram os operários praticamente
pararam a atividade econômica na capital, em luta por seus direitos.
O dia 20 amanheceu e a capital continuava parada. O fornecimento de carne foi
suspenso devido a estratégia dos grevistas de danificar a ponte sobre o rio Belém.
Muitos operários que ainda estavam trabalhando passaram a aderir a greve e a polícia a
efetuar algumas prisões na Estrada de Ferro sem sucesso, pois mesmo assim os trens
não circularam. No dia seguinte houve nova assembleia na Sociedade dos Boleeiros,
na qual se deliberou sobre a continuidade da greve, e a organização de uma comissão
para tratar dos assuntos inerentes ao movimento junto ao governador Afonso Camargo.
Além de Adolpho Silveira e Bortolo Scargman, foram eleitos como membros da
comissão Octavio Prado, Lino Motta, Caetano Grassi, Manoel de Oliveira e Sá, Amaro
Sant’Anna e Thomaz Camilli69. A ideia era que o chefe de polícia, Lindolpho Pessoa
intermediasse a negociação, no entanto, no decorrer dos cinco dias, nem o governador
e nem o prefeito João Antônio Xavier receberam qualquer grevista.
A discussão da causa operária ficou a cargo da Associação Comercial do
Paraná, que se reuniu naquela mesma noite para debater sobre a greve. Nesta o chefe
de polícia apresentou as reivindicações dos operários, bem como efetuou a leitura de
uma lista com os nomes das empresas em que os funcionários haviam aderido à greve.
Houve contestações e os patrões autorizaram a repressão com a seguinte solicitação:
“(...) reduzir o movimento às suas devidas proporções, e garantindo com forças o
funcionamento normal dos meios de transporte, do comércio e das fábricas. ”70A partir
desta decisão foi reproduzido no jornal a seguinte nota, destacado em negrito no
original:
AO POVO O chefe de polícia do Estado atendendo a que a atitude assumida por grupos de agitadores vem tomando feição sediciosa, visto que, além de outras violências, pretende impedir a liberdade de commercio e o suprimento de carne e pão à população da capital e cumprindo-lhe o dever de manter a ordem e garantir a liberdade do trabalho, a segurança individual e a propriedade, previne que não permitirá a continuação desta situação. Convida, portanto, o povo de se abster de quaisquer reuniões que visam
69 A REPÚBLICA– Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII. 21/07/1917.pág.2. 70 Idem. pág. 1.
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perturbar a ordem, ou atentar contra quaisquer direitos, pois usará de todos os meios para manter o sossego público.71
No dia seguinte a publicação da nota pela A República, os bondes
continuaram parados, a comunicação por telefone interrompida e nenhum trem deixou
a estação. Os operários evitaram se reunir na Rua XV de Novembro, e em vez disso
realizaram uma reunião na Sociedade Protetora dos Operários, pois estavam cientes
que o chefe de polícia, Lindolpho Pessoa havia “(...) proibido terminantemente
reuniões nas ruas e praças.” e devido a esta proibição “(...)os operários paredistas
passaram a procurar as sedes das respectivas sociedades, nelas realizando as
assembleias(...).”72 Durante os dias de greve, a polícia obteve reforços de tropas
federais, preservando assim, pontos estratégicos como a Companhia de Eletricidade, a
caixa d’água e a Estação da Estrada de Ferro além de definir a forma de repressão aos
grevistas. Estas determinações foram entendidas pelos veículos de informação como a
ação necessária para o reestabelecimento da ordem, pois segundo o jornal O Diário da
Tarde:
As medidas tomadas pela polícia no sentido de pôr termo ao estado de anarchia a que havíamos chegado a estes últimos dias foram felizmente eficazes e levaram ao animo da população uma certa tranquilidade, vede afastados os elementos de desordem que durante cinco dias anormalizavam a capital, ameaçando-a com um sítio afflictivo.73
As medidas salientadas pelo jornal não são outras senão o embate e a
repressão. Diversos foram os acontecimentos, como por exemplo, a dispersão de uma
multidão à tiros na Estrada de Ferro. Os jornais, por sua vez, tornaram-se os porta-
vozes da repressão à greve. O chefe de polícia aconselhou, por meio da Imprensa, as
“pessoas de família” a se absterem de transitarem em lugares públicos, e o
policiamento em empresas, como nos bondes da South e da Cia Hauer Jr, se
intensificaram. Algumas pessoas foram presas e a informação que circulou nestes
periódicos, foi a de que se tratavam de “anarchistas”, mesmo que em muitas situações
não houvesse ocorrido nenhum tipo de infração ou crime, como em um caso em que
doze pessoas foram levadas pela polícia por terem intenção de depredar um bonde.74
71 A REPÚBLICA – Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII.21/07/1917. pág.1. 72 A REPÚBLICA – Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII. 23/07/1917. pág.1 73 DIÁRIO DA TARDE. ano XIX. 24/07/1917.pág.1. 74 DIÁRIO DA TARDE. ano XIX.23/07/1917.pág.2.
38
Parte da estratégia para repressão da greve foi a publicação de notas que colocavam os
operários contra as suas lideranças, categorizando a direção do movimento como
composta por terroristas, desempregados e possuidores de um “instinto perverso e
desordeiro”, cujo objetivo era apenas “anarchisar tudo”75. A ação radical dos
grevistas contestava a ordem estabelecida, saindo do controle e do limite que a
reconhecia como legítima e passou a gerar, naqueles que exerciam o poder, o medo de
uma revolução.
Já havíamos distinguido, com perfeita segurança a ação que era, ou deveria ser oriunda do operariado ordeiro e honesto, daquela outra que revelava o instinto perverso de contumazes desordeiros (...) Desde logo descobrimos que o homem do trabalho fora envolvido no movimento (...) como elemento explorável, de força material muito valiosa (...) Não era pois uma greve como deveria ser: era um estado de anarchia que os agitadores pretendiam crear, começando por deixar a cidade às escuras e acabando por privar a população até de água (...).76
As prisões efetuadas surtiram efeito sobre os operários, e no dia 24, a greve
começou a perder força com o retorno ao trabalho dos motorneiros e condutores de
bonde. Aos poucos os trabalhadores de outras empresas também retomaram seus
postos de trabalho sem chegarem a acordos com seus patrões.
O fim do movimento foi noticiado apenas no jornal Diário da Tarde, como
produto da ação coordenada pelo chefe de polícia. As reivindicações não foram
respondidas por nenhum órgão do governo e a única manifestação para análise da
causa operária foi a já mencionada reunião na Associação Comercial do Paraná, que
culminou com a ordem de repressão. Os jornais não divulgaram as ações realizadas
contra os líderes grevistas que, após serem presos, “desapareceram para sempre do
cenário curitibano”.77
75 DIÁRIO DA TARDE. – ano XIX. 24/07/1917.pág.1. 76
Idem. 77 FONSECA, RICARDO MARCELO; GALEB, MAURICIO. A greve geral de 17 em Curitiba. Resgate da memória operatória. Curitiba: IBERT, 1996. Pág. 52.
39
2.3 O FAZER-SE DE UMA CLASSE: BREVE DISCUSSÃO
O documento contendo a pauta de reivindicações da greve de 1917, publicado
nos jornais e os acontecimentos nos cinco dias posteriores, demonstram aspectos
ideológicos marcantes da luta operária na Primeira República. O anarco sindicalismo
adotava a ação direta como forma de agir, resistindo por meio de greves até alcançar
os objetivos propostos. Esta foi a forma de pensar que conduziu a paralisação em
Curitiba, focada nas conquistas de direitos sociais. O apregoado estado de “anarquia”
refletia muito mais o medo dos liberais republicanos do que de fato uma tentativa
revolucionária por parte dos trabalhadores, embora os jornais relatassem uma situação
de caos até então inédita na capital. A forma de se referir, em tom negativo, aos líderes
da greve como anarquistas e desempregados, objetivava dissociá-los de uma
legitimidade em meio a um – previamente construído - operariado tido por honesto e
ordeiro. Era o jornal realizando o seu papel de formador de opinião, tentando cooptar
os trabalhadores e agindo de acordo com a estratégia definida pelos empresários e pela
polícia para sufocar a greve. Já a ação das forças de repressão lideradas por Lindolpho
Pessoa foi ressaltada como a atitude necessária para o reestabelecimento da ordem e a
posterior retomada da normalidade.
Embora os grevistas agissem de forma radical contra a propriedade privada,
em uma forma de impedir a normalidade nestes cinco dias, as reivindicações
apresentadas impedem que seja atribuído a este movimento caráter revolucionário. A
pauta estava focada em direitos trabalhistas e sociais, apontando mais para um
caminho de reforma da legislação, embora as autoridades paranaenses não tenham
considerado em discutir os pontos reclamados pelos operários. Não atribuir caráter
revolucionário à greve não significa diminuir a importância deste movimento, ou ainda
compreendê-lo apenas enquanto um ato reivindicatório. As perspectivas estavam para
além dos portões da fábrica. As preocupações abrangiam condições de vida social que
afligiam toda a população, como a taxação dos alimentos, preço dos aluguéis, trabalho
infantil e respeito ao direito de associação78. O processo da transição para a República
se fez sem a participação popular, e os projetos para inserir o Brasil na modernidade
78 A REPÚBLICA - Órgão do Partido Republicano Paranaense, ano XXXII.14/07/1917. pág. 2.
40
não se preocuparam em regulamentar a atividade industrial, que cresceu ainda mais
nos centros urbanos nos anos seguintes ao advento da República, pelo contrário, a
modernização urbana acentuou diferenças sociais resultando em um processo de
exclusão. No caso de Curitiba, existia uma elite ligada ao mate que residia em
palacetes no então perímetro urbano, contrastando com operários em dificuldades para
pagar aluguéis em regiões mais retiradas do centro. A mesma higiene que os impedia
de morar em pensões no centro, faltava no local de trabalho. A carestia de vida que os
afetava parecia não impactar os industriais que, frequentemente, modernizavam o
maquinário de suas fábricas, resultando em um lucro maior e aumento do desemprego.
A falta de possibilidade de representação operária no governo fez com que se
intensificasse os ideais libertários entre a classe que estava em formação, o que por sua
vez pode indicar um caminho para entender o caos instaurado durante os dias de greve,
afinal a mão do Estado pesava ainda mais sobre a classe trabalhadora, na forma de
tributos. Temos, portanto, expresso no documento de reivindicação, a identidade de
interesses que unia os trabalhadores em greve, quer sejam operários industriais ou não.
Tratava-se, pois, de um grito contra a exclusão, exploração e abandono que se fazia da
própria força motriz dos centros urbanos. Durante os dias de greve entraram em cena
os antagonismos de classe, o operariado insurgente contra o governo representante da
propriedade privada e da ordem estabelecida.
Perceber e analisar a greve de 1917 em Curitiba como uma manifestação
histórica de classe, significa reconhecer a autonomia que aqueles trabalhadores
tiveram em relação a sua própria realidade, devolvendo-lhes o papel de protagonistas,
do qual foram destituídos e marginalizados pela imprensa da época, sendo
posteriormente lançados a condescendência de sua posteridade.
O levante grevista foi singular na história da nação devido as proporções que
tomou. Tratou-se de um fenômeno que se espalhou pelas principais cidades do país e
as reivindicações apresentadas passaram a ser parte fundamental da luta operária,
refletindo-se futuramente na Consolidação das Leis do Trabalho (1943). É importante
lembrar que algumas reivindicações já vinham sendo apresentadas há algum tempo,
como é o caso da greve dos tipógrafos em São Paulo (1905), que reivindicava datas
41
regulares de pagamento, a greve pela jornada de oito horas em Santos (1908)79, entre
outras.
Uma vez atribuída a autonomia dos eventos de 1917 aos próprios operários, é
de bom tom questionar em que medida pode-se considerar a consciência de classe
entre estes trabalhadores como uma determinante para a ação? Para tanto recorreu-se
as indicações teóricas de E.P. Thompson.
O autor inglês alerta que a consciência de classe é algo um tanto quanto mais
complicado de se demonstrar do que a própria classe em si, uma vez que “(...)a
experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção
em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente”80 ao passo que não se
pode estabelecer nenhuma lei para a consciência de classe, ela não partilha os mesmos
elementos, e nem poderia, uma vez que se compreende a classe como um fenômeno
histórico. No caso inglês, tratou-se de um período efetivo de mudanças, principalmente
no campo econômico, mais especificamente entre 1780 e 1832. A experiência operária
estava profundamente ligada as transformações que a Revolução Industrial incutiu na
sociedade, associadas a uma repressão violenta do governo a movimentos populares e
correntes radicais. A consciência de classe entre os operários naquela sociedade se deu
por meio de diversos fatores que se somavam, entre os quais pode-se destacar a
tradição do direito, expresso no termo inglês livre de nascimento, o autodidatismo para
leitura e escrita, e a organização das sociedades de correspondência, que associadas ao
escritos de Tom Paine, Cobbet, Carlille e diversos outros escritores radicais fez surgir
uma consciência de classe, uma vez que fora suprimido as diferenças entre grupos de
trabalhadores ligados a atividades diversas.81
No Brasil, tanto a industrialização quanto o regime de governo eram recentes
e se mostravam limitados em relação as aspirações dos operários, em que a “(...)
expectativa positiva gerada com o novo regime foi seguida igualmente de uma grande
desilusão, na medida em que este se mostrou incapaz de atender aos anseios da classe
79 ROSEMBERG, ANDRE. A greve pelas oito horas em Santos (1908): Em busca do “inimigo imaginário”. Artigo: Revista História e Perspectivas nº 49. Julho 2013. Uberlândia. p. 17. 80 THOMPSON, EDWARD P. A formação da classe operária Inglesa. A árvore da liberdade... Op.cit., p.10. 81
THOMPSON, EDWARD P. Consciência de classe. In: A formação da classe operária Inglesa. A força dos trabalhadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1.987.
42
operária. ”82 O que se esperava era que fossem diminuídos ou anulados os privilégios
da classe dominante e que se estabelecesse um governo democrático com base nos
direitos e deveres. Outro aspecto importante nesta análise é que até a segunda década
do século XX o modelo de organização operária predominante no Brasil eram as
sociedades de auxílio mútuo, geralmente atreladas a um ofício, como por exemplo a
Sociedade dos Boleeiros em Curitiba, cooptando um número reduzido de pessoas se
comparado com a organização sindical dos anos que se seguiram, voltada a um setor
da indústria. Um terceiro ponto de suma importância diz respeito a orientação
ideológica do movimento operário. Como vimos no capítulo anterior, havia uma
corrente socialista que “(...) propunha a conquista de direitos sociais aliada a direitos
políticos, visando à mudança do sistema pela participação no processo político-
eleitoral(...)”.83 Esta apesar de ser rejeitada até então pela grande maioria das
associações operárias, foi reiterada pelos comunistas a partir de 1922, pelo menos no
que diz respeito a participação no processo político, ampliando o campo até então
restrito aos direitos sociais.
A manifestação de 1917 constituiu-se em importante experiência na história
das lutas do operariado brasileiro, no entanto, se torna imprudente atribuir a este
movimento caráter de consciência de classe, visto as diversas transformações que
ocorreram na própria forma dos operários se organizarem. Ao analisar sua dinâmica
própria, instituições e forma de pensar e agir pôde-se constatar que os operários foram
personagens ativos de sua própria história, uma vez que articularam interesses comuns
contra a exploração que ocorria nas indústrias e contra a apatia do governo
republicano. A experiência de 1917, também permitiu perceber que a noção de direito
na Primeira República estava limitada a defesa da propriedade privada e que a greve se
constituiu para a administração pública em um fator de desordem social que deveria
ser combatida pela polícia.
82 BATALHA, CLAUDIO, H. N. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. Op. cit., p.173. 83 Id.Ibid., p.174.
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo do trabalho já foi bem diferente do que conhecemos hoje, embora
ainda estejamos longe de uma situação ideal. Quase um século depois da Greve de
1917, muitos aspectos daquele movimento não nos são estranhos, principalmente no
que diz respeito a repressão policial e defesa da propriedade privada. Apesar de tecer
estas considerações é preciso reafirmar que os eventos de 1917 aconteceram em uma
dinâmica própria, sem terem a intenção de servir de exemplo às gerações futuras, e
neste sentido, pode-se concordar com E.P.Thompson quando o historiador em suas
reflexões afirmou que “a classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria
história e, ao final, esta é sua única definição.”84
Esta pesquisa monográfica apresentou apenas uma forma de abordagem a
respeito da Greve Geral de 1917 em Curitiba, visando contribuir com os estudos que
consideram os operários enquanto detentores de uma autonomia própria e, portanto,
sujeitos ativos de sua própria história. Analisar o movimento operário sob esta
perspectiva, significa se opor a ideia de que a classe operária no Brasil esteja ligada
somente ao surto de industrialização da década de 1890, isso seria desconsiderar todo
o restante da experiência partilhada por estes trabalhadores, que vai desde o processo
de exclusão dos centros urbanos até a mobilização em greve por mudanças sociais.
As condições do trabalho fabril permitiram que os trabalhadores se
organizassem institucionalmente. As sociedades de auxílio mútuo buscavam preencher
o espaço da indiferença do governo, uma vez que forneciam assistência necessária aos
trabalhadores para que se mantivessem empregados. No auge das agitações da greve,
quando as reuniões foram proibidas em espaço público, estas instituições também
adquiriram determinado caráter de resistência, pois se apresentavam como locais de
encontro e de reuniões e por consequência ambiente de partilha de experiências.
A forma de repressão violenta da polícia exprimia algumas preocupações por
parte dos dirigentes republicanos. A primeira foi a de que o movimento realmente se
transformasse em Revolução, ainda que esta não fosse a real intenção dos operários. O
84 THOMPSON, EDWARD P. Prefácio. In: A formação da classe operária Inglesa. A árvore da liberdade. Op. cit., p.12.
44
anarco-sindicalismo defendia a aquisição de direitos sociais por meio da ação direta,
ou seja, sem entrar no aspecto do pleito político. Outra preocupação consistia no
reestabelecimento da “ordem” e da normalidade, afinal era urgente que o operariado
retomasse o seu lugar na fábrica para que a cidade seguisse a sua rotina.
Os jornais da imprensa informativa não foram imparciais como se
autodeclaravam, pelo contrário, estes periódicos procuraram legitimar a ação da
polícia, as prisões arbitrárias e simplesmente ocultaram o destino dos líderes grevistas.
Em todo momento procuraram dissociar de legitimidade as pessoas que estavam a
frente da greve, com a intenção de causar uma dissidência interna, apelando para o
bom senso de um operariado previamente tido por “ordeiro”.
Durante os cinco dias de greve, Curitiba experimentou a força dos
trabalhadores, não somente pelas agitações nas ruas, mas pelo simples e primordial
fato de não haver produção. Os bondes não circularam, a energia elétrica foi
interrompida, foi suspenso o abastecimento de carne e leite, e por último até faltou
água. Naqueles dias entraram em cena os antagonismos de classe, em que os operários
reivindicaram seus direitos dentro da sociedade que se instituiu a partir do próprio
trabalho.
45
FONTES
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46
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47
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