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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
EDSON RODRIGO DE SOUZA
A ECONOMIA DA BORRACHA NA AMAZÔNIA E SUA INFLUÊNCIA NA INSERÇÃO DO PENTECOSTALISMO NO NORTE DO BRASIL E M
1910
CURITIBA 2014
EDSON RODRIGO DE SOUZA
A ECONOMIA DA BORRACHA NA AMAZÔNIA E SUA INFLUÊNCIA NA INSERÇÃO DO PENTECOSTALISMO NO NORTE DO BRASIL E M
1910
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de História da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciatura em História. Orientadora: professora doutora Vera Irene Jurkevics
CURITBA
2014
É com imensa alegria, que faço estes agradecimentos, pois foi com muita luta
que venci esta batalha, no entanto não conquistei esta vitória sozinho, na minha
retaguarda estavam pessoas importantes que de alguma forma me apoiaram na
conclusão deste curso que é de suma importância na minha vida.
Meus sinceros agradecimentos a minha esposa Danny e ao meu filho Iago, nas
horas difíceis, vocês serviram de inspiração para eu não esmorecer. Também devo
gratidão ao meu Pai Cornélio, minha mãe Suely, as minhas irmãs Josiane e Marcia e
ao meu irmão Oséias, amo todos vocês.
Agradeço a todos meus colegas de turma, destaco meu amigo Diogo e minhas
três amigas, Alane, Viviane e Rafaela, nosso quinteto viveu fortes emoções, nossa
união fez a diferença em nossos propósitos.
Por ultimo agradeço a todos os meus professores, que me fizeram olhar o
mundo com outra perspectiva, em especial a minha orientadora professora Vera
Irene, que prontamente aceitou me orientar, a você Vera meu carinho e gratidão por
ter me ajudado neste trabalho.
Ao rei darei minha coragem, minha fidelidade e minha palavra. Mas, minha honra não, pois esta pertence a Deus. ―Calderón de lá Barca
. LISTA DE FIGURAS E TABELAS
FIGURA 1- LOS ANGELES TIMES, 18 DE ABRIL DE 1906.................................... 17
FIGURA 2- AVENIDA PRESIDENTE VARGAS EM BELÉM DO PARÁ, NO INÍCIO
DO SÉC, XX ............................................................................................................. 25
FIGURA 3 – NAVIO MERCANTE NO PORTO FLUTUENTE DE MANAUS, INÍCIO
DO SÉC, XX ............................................................................................................. 25
FIGURA 4- PRIMEIRA CONVENÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS EM 1914 ... 35
TABELA 1- POPULAÇÃO DO PARÁ E DA AMAZÔNIA BRASILEIRA, (1850-191) . 37
SUMÁRIO INTRODUÇÃO. ........................................................................................................... 6
1. ORIGEM DO MOVIMENTO PENTECOSTAL ......................................................... 8
1.1. FESTA DE PENTECOSTES ................................................................................ 8
1.2. CONJUNTURAS PENTECOSTAIS .................................................................... 10
1.3. O PENTECOSTALISMO NORTE-AMERICANO ................................................ 12
1.3.1. A EFERVESCÊNCIA ESPIRITUAL NA INGLATERRA ................................... 12
1.3.2. CONFIGURAÇÃO PENTECOSTAL NOS EUA .............................................. 14
1.3.3. DANIEL BERG E GUNNAR VINGREN .......................................................... 19
2. BELLE ÉPOQUE NA AMAZÔNIA ........................................................................23
2.1. DESENVOLVIMENTOS ECONÔMICOS EM MANAUS E BELÉM DO PARÁ (1880-1913) ............................................................................................................... 23
2.2. A ECONOMIA DA BORRACHA E SUA INFLUÊNCIA NO PENTECOSTALISMO NO NORTE DO BRASIL .......................................................................................... 28
2.3. AS EXPANSÕES DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL ................................ 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 39
FONTES ................................................................................................................... 41
REFERÊNCIAS .........................................................................................................42
6
INTODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos a religião sempre esteve presente na história
da humanidade, influenciando diversos aspectos, como a cultura, política e a
economia, produzindo padrões de comportamento e modificando aspectos cruciais
da sociedade.
No Ocidente a religião que se destacou foi o cristianismo, por meio de seu
representante mais conhecido, a Igreja Católica. No entanto, após as famosas
reformas do século XVI, que teve como protagonista o monge Martinho Lutero, os
protestantes ganharam outros espaços e, no decorrer do tempo, a partir de múltiplas
influências, se fragmentaram em diversas denominações. Desta forma, estas
vertentes religiosas se multiplicaram e espalharam por todos os continentes. Dentre
os grupos protestantes mais recentes, estão os pentecostais, considerados o maior
grupo evangélico na atualidade.
No Brasil, de acordo com o último Censo, as Igrejas Assembleias de Deus (AD)
se configuram atualmente como a maior corrente pentecostal, com cerca de doze
milhões de seguidores1. Em 2010, foi comemorado o primeiro centenário de sua
fundação, os pioneiros desta denominação foram dois missionários suecos, Daniel
Gustav Hogberg (Daniel Berg) e Adolph Gunnar Vingren.
A partir destes e de outros dados interessantes desta corrente cristã, nos
propomos a estudar a origem do movimento pentecostal e as causas que motivaram
a vinda dos dois jovens suecos, para o nosso país. No decorrer da pesquisa
constatamos que a economia da borracha no final do século XX, teve um papel
fundamental na história do pentecostalismo em solo brasileiro, o que gerou a
pergunta: Qual teria sido a influência do ciclo da borracha na inserção do
pentecostalismo no norte brasileiro?
A fim de expor este tema, o trabalho foi dividido em dois capítulos, sendo que o
primeiro tem como objetivo principal, apresentar as conjunturas que levaram à
formação do movimento pentecostal. Para tanto, foi utilizado como referencial
teórico o Sagrado e Profano, de Mirceia Eliade. O principal alvo do segundo capítulo
foi discutir a problemática da proposta de pesquisa, ou seja, analisar em que medida
1 ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao
7
o extrativismo da borracha na Amazônia e, de forma mais específica, no Estado do
Pará, influenciou e/ou favoreceu a inserção de um novo grupo religioso, que pouco
tempo depois se mostrou capaz de se desdobrar e de se estabelecer em outras
regiões brasileira. Essa abordagem contou com o embasamento teórico de O Mundo
como Representação, de Roger Chartier.
Além das indicações teóricas, vários autores e suas pesquisas sobre o
pentecostalismo clássico e a economia da borracha na Amazônia, foram
fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho, com destaque para Isael de
Araújo, Emílio Conde, Leonildo Silveira Campos, Justo L. Gonzalez, Geraldo
Mártires Coelho, Bárbara Weistein, entre outros igualmente importantes.
A fim de completar essa análise, também foram utilizadas, autobiografias,
fontes jornalísticas, imagens e dados do Censo Demográfico da época. Assim, a
análise destas fontes e dos referencias teóricos, em conjunto com as referências
bibliográficas, cooperaram grandemente para o cruzamento das informações, a fim
de que se pudesse chegar à conclusão final do trabalho e a resolução da
problemática proposta.
8
1. ORIGEM DO MOVIMENTO PENTECOSTAL
1.1 . FESTA DE PENTECOSTES
Após a morte de Jesus em 33 EC2, segundo a Bíblia Cristã, descrito no livro de
Atos dos Apóstolos, cerca de cento e vinte seguidores, se reuniram em Jerusalém
para participar da Festa de Pentecostes. Esta confraternização, realizada cinquenta
dias após as comemorações da Páscoa, tinha como foco o agradecimento pelas
colheitas alcançadas, com duração de sete semanas. Não era uma festa restrita à
família, mas coletiva, em que os judeus juntos com os prosélitos3 se reuniam em
suas casas ou nas sinagogas.
No decorrer das festividades, os discípulos de Jesus estavam na sinagoga com
milhares de pessoas, conforme os relatos de Atos dos Apóstolos:
Ao se cumprirem-se os dias de pentecostes estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E apareceram distribuídas entre eles línguas de fogo4 que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhe concedia que falassem. (ATOS, 2: 1-4).
Existem várias interpretações para esta passagem bíblica, no entanto, para os
pentecostais, foi a evidência da manifestação do Espírito Santo, portanto esse
episódio é um elemento chave para os seguidores do pentecostalismo. De acordo
com o historiador e fenomenologista das religiões Mirceia Eliade, este advento,
representa, no interior do mundo sagrado, uma hierofania5, pois:
poder-se-ia dizer que a história das religiões, desde as mais primitivas às mais elaboradas, foi construída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações da realidade sagrada. A partir da mais elementar hierofania, por exemplo, a manifestação do sagrado em um objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore, até a hierofania suprema, que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, (ELIADE, 1992, p. 13).
Para vários teólogos foi este acontecimento que originou a Igreja Primitiva,
pois, a partir de então, ainda conforme Lucas, o cristianismo se espalhou por toda a
Ásia, e depois, gradativamente por outros territórios do Império Romano, onde
2 Neste trabalho serão usadas as expressões Antes da Era Comum (AEC) e Era Comum (EC), que
têm sido privilegiadas em detrimento das tradicionais antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.), significativas sobretudo para as denominações cristãs. 3 Trata-se de judeus procedentes de diversas regiões do mundo. 4 O sentido simbólico de fogo, se expressa em língua, idioma, isto é, o fogo (Língua) pousou sobre cada um deles. 5 Hierofania (do grego hieros (ἱερός) = sagrado e faneia (φαίνειν) = manifesto) pode ser definido como o ato de manifestação do sagrado, termo cunhado por Mirceia Eliade.
9
acabou se tornando a religião oficial, no final do século IV. Depois da queda de
Roma, e a formação dos reinos bárbaros, a Igreja se configurou como a instituição
mais sólida e mais influente do mundo Ocidental, moldando corpos e mentes, não
sem atrair opositores e sofrer cisões, como a que originou a Igreja Ortodoxa, em
1054. Tempos depois, no início do século XVI, o cisma liderado por Lutero resultou
no advento das Igrejas Reformadas, popularmente chamadas de Protestantes.
Ao longo da história do protestantismo ocorreram vários avivamentos em busca
de novas configurações de uma experiência do sagrado, desta forma, o pentecoste
na antiguidade foi o prelúdio de outras manifestações que se inspiraram naquele
acontecimento. Entretanto, o termo pentecostal só voltou a ser utilizado no início do
século XX, nos EUA, quando houve uma manifestação da glossolalia6, falar em
outras línguas, semelhante à manifestação descrita pelo evangelista em Ato dos
Apóstolos.
O pentecostalismo, segundo avaliação de Leonildo Silveira Campos7 é um dos
segmentos que mais influenciam atualmente as manifestações religiosas em muitas
partes do mundo, configurando-se como um dos fenômenos religiosos mais
importantes do século XX. Do contrário, como explicar que em menos de 100 anos
de seu aparecimento público nos Estados Unidos ele tenha, aproximadamente, 500
milhões de seguidores em todo o mundo?
O movimento surgiu praticamente dentro da Igreja Metodista, cujo fundador foi
Jonh Wesley (1703-1791), entretanto a influência dos puritanos e do pietismo
alemão foram de grande inspiração para a conjuntura do pentecostalismo do século
XX.
Antes de adentrarmos ao pentecostalismo propriamente dito, iremos descrever
como essa construção de experiências com o sagrado dentro da Igreja Protestante,
ajudaram na formação das Igrejas Pentecostais.
6 Glossolalia foi um termo construído da palavra grega γλῶσσα (glossa) que significa língua ou
linguagem. Portanto, segundo o antropólogo Felicitas Goodman, é uma manifestação linguística, um balbuciar de palavras ou sons sem interconexão ou sentido, acompanhado por um êxtase, geralmente falado em um contexto cúltico nas igrejas pentecostais. (GOODMAN, apud NOGUEIRA, 2009, p.97). 7 Um dos nomes mais expressivos no Brasil quando o assunto é o pentecostalismo.
10
1.2. CONJUNTURAS PENTECOSTAIS
Após o monge Martinho Lutero (1483-1546), ter questionado e se oposto à
venda de indulgências realizadas pela Igreja Católica, pregando as 95 Teses na
porta da Igreja de Wittemberg, na Alemanha, em 1517, a Igreja Luterana8 se tornou
uma corrente religiosa com grande influência, agregando muitos adeptos e
expandindo seus princípios. Com o decorrer do tempo, algumas críticas apontavam
para o caráter marcadamente intelectual, que dominava os sermões e a vida
religiosa.
Em 1670, Felipe Jacó Spener (1635-1705), também luteranista, fundou na
Alemanha, seus primeiros collegia pietatis (colégios da piedade), em que diversos
grupos se reuniam para o estudo Bíblico, mas sem esquecer as práticas
devocionais.
Spener é considerado o “Pai do Pietismo”, movimento de intensificação da fé,
pois defendia a urgência do despertar da fé de cada cristão, para isso utilizou várias
teses propostas por Lutero. Sugeriu que se desse menor ênfase na diferença entre
clérigos e leigos, e a maior responsabilidade individual. Spener pregava uma vida
mais santificada e a leitura Bíblica pelos leigos, como já estava ocorrendo nos
colégios de piedade. Também discursava, para que os fieis buscassem uma fé mais
profunda, e convidava os pregadores a deixarem seus tons acadêmicos e
polêmicos, pois para ele o propósito da pregação não era demonstrar a sabedoria do
pregador, mas chamar os fiéis à obediência às palavras de Deus. (GONZALEZ,
1990)9.
A defesa de mensagens simples e a busca por uma experiência mais efetiva
com sagrado, segundo o historiador Justo L. Gonzalez, foram umas das primeiras
manifestações chamadas de avivamento ou despertar da fé no seio da Igreja
Protestante, assim como outras.
Os líderes da ortodoxia luterana atacaram veemente Spener e seus seguidores,
no entanto, milhares de cristãos já haviam sido cativados pelas pregações e por um
desejo piedoso de santificação, também viam no Pietismo um retorno à fé do Novo
Testamento e da Igreja Primitiva. Em termos práticos, os pietistas não se voltaram
8 Esta Igreja se chamou Luterana para fazer uma alusão ao seu fundador, o reformador Martinho
Lutero. 9 Justo L. González é um cubano-americano, historiador, teólogo, prolífico autor, se detacando entre a comunidade de teólogos latino-americanos.
11
para um trabalho missionário, como outros segmentos religiosos, em contrapartida,
se preocupavam com pessoas carentes que estavam próximas, por isso, fundaram
orfanatos, escolas, e outra instituições de serviços sociais. (GONZALEZ, 1990).
Entre 1618 e 1648, boa parte da Europa esteve envolvida na Guerra dos Trinta
Anos, cujos interesses políticos envolviam a centralização de poder dos
Habsburgos, no Sacro Império Romano Germânico, composto por cerca de
trezentos territórios, em que a nobreza local católica ou protestante, definia a opção
religiosa em seu domínio. Essa situação entrou em profunda crise quando os
Habsburgos, na Áustria, iniciaram um movimento de unificação política, apoiando-se
na expansão da fé romana, o que desencadeou aquele conflito. Como
consequência, na Boêmia houve um acentuado movimento migratório que, ao longo
de décadas, não foi solucionado de forma favorável. No entanto, no começo de
século XVIII, Nicolau Luís, conde de Zinzedorf, ofereceu asilo em suas terras, na
Alemanha, para um desses grupos que fundou uma comunidade chamada de Redil
do Senhor. As propostas pietistas atraíram o conde que chegou a se tornar um de
seus líderes e a apoiar o trabalho missionário, que nesse contexto adquiria papel de
destaque na propagação do cristianismo reformado para várias regiões, entre elas
os Estados Unidos que contou com os pietistas moravianos que acabaram por
influenciar outros grupos protestantes conforme será tratado no decorrer deste
capítulo (GONZALEZ,1990).
Em 1735, o primeiro grupo de morávios partiu para o Estado da Geórgia (EUA),
com o objetivo de evangelizar grupos indígenas. Pouco tempo depois, um segundo
grupo, acompanhado por Zinzedorf chegou à região da Pensilvânia com o mesmo
intuito. Em 1741, foram fundadas ali, várias comunidades semimonásticas e semi
comunitárias, que se dedicaram a produzir recursos para a obra missionária entre os
nativos, além de se tornarem o polo central de pregação morávio dos EUA.
Segundo Justo Gonzalez, o que se destacou na ligação dos morávios com os
luteranos pietistas, foi à fusão dos valores religiosos e a busca pela “santidade”, e
por parte do movimento morávio, o trabalho missionário, sendo que ambos tornaram
marcantes na vida de John Wesley e mais tarde no pentecostalismo.
12
1.3. O PENTECOSTALISMO NORTE-AMERICANO
1.3.1. A EFERVESCÊNCIA ESPIRITUAL NA INGLATERRA
Fui à América para converter índios, porém, oh! Quem me converterá? John Wesley
Antes de focalizar o Pentecostalismo Norte Americano, são necessárias
algumas considerações acerca do Movimento Metodista fundado no século XVIII, na
Inglaterra, pelo ministro anglicano John Wesley que foi convidado, pelo então
governador Oglethorpe, da Geórgia, para dirigir uma congregação de origem
inglesa. Wesley prontamente aceitou a oferta, pois queria pregar para os indígenas
americanos. Partiu para o Novo Mundo, em 1736, onde encontrou um grupo de
morávios pietistas que mudou sua vida religiosa.
O navio em que estavam quase sofreu um naufrágio, como consequência de
uma forte tempestade, levando até mesmo a tripulação ao pavor. Wesley teria se
confessado, pois acreditava que iria morrer. Entretanto os morávios não se
intimidaram, fizeram preces e cantaram hinos, acalmando aos demais passageiros.
(GONZALEZ, 1990).
Após a tempestade, John Wesley perguntou a alguns do grupo como
conseguiram ficar serenos e recebeu uma resposta que abalou sua fé, pois os
moravianos afirmaram que não temiam a morte. Tal experiência levou o ministro
anglicano questionar sua convicção de fé e de salvação, e por isso, segundo os
relatos acerca de sua vida, passou a buscar uma vida mais espiritualizada, de
“santidade”, até encontrá-la, tempos mais tarde, em Londres, quando teve como
mentor Peter Boehler, ministro luterano moraviano, pois apesar de receber
ensinamentos e apoiar as tradições pietistas, Wesley não se tornou membro da
Comunidade Morávia.
Dois anos mais tarde, após fracassar na tentativa de evangelizar os nativos,
Wesley retornou à Inglaterra, onde continuou com suas reuniões na Universidade de
Oxford. O grupo se autodenominou de Clube Santo, e era aberto à todas as pessoas
que queriam se familiarizar ou ter uma experiência mais próxima com o sagrado. As
reuniões feitas semanalmente possuíam regras ou um método, para orientar as
atividades que consistiam em estudos bíblicos e orações, para um despertamento
13
dos fieis no interior da Igreja Anglicana, a exemplo do que já ocorria com o pietismo
alemão dentro do luteranismo.
Entretanto Wesley não pretendia fundar uma nova denominação, ao contrário,
as reuniões do Clube Santo eram realizadas nos horários que não tinham relação
com os cultos das Igrejas Anglicanas locais. Porém os agrupamentos extras
passaram a ter um número elevado de protestantes, devido à forma como Wesley e
seus companheiros conduziam as reuniões, envolvendo o emocional das pessoas,
pois estas buscavam a santificação cristã e um alento para os tempos difíceis que
estavam passando, sendo assim as reuniões passaram a ser realizadas nos
horários dos cultos também. (GONZALEZ,1990).
O movimento cresceu no século XVIII e se espalhou por toda a Inglaterra, que
passava por grandes transformações em todos os setores da sociedade, em função
da Revolução Industrial, se tornando o centro da economia mundial. Milhares de
pessoas migraram do interior para os centros urbanos, para trabalhar nas fábricas, o
que provocou várias mudanças sociais, econômicas e técnicas.
Segundo Hobsbawn (1986), as mudanças proporcionadas pela Revolução
Industrial, foram muito mais sociais do que técnicas, houve uma intensificação da
pobreza e da miséria, as camadas populares compostas por camponeses, artesões
e trabalhadores de fábricas se empobreceram tanto, a ponto de aparecer grande
número de indigentes. Para Thompson (2002), a Revolução Industrial proporcionou
novas disciplinas para o povo, suas vidas passaram a serem controladas pelo tempo
do relógio, acarretando mudanças em relação ao trabalho, não mais marcadas pelo
dia e noite, mas pelos ponteiros, o que proporcionou novos hábitos devido à
mecanização que determinava a velocidade da mão de obra do trabalhador.
Novos sentimentos se tornaram produtos do modernismo industrial. Para Eliade
esses novos valores empobreceram a sensibilidade religiosa dessa comunidade
industrial, sendo que, a maioria migrou do campo, onde havia estreita ligação com o
sagrado e o ambiente em que morava, ou seja, a natureza, a Igreja e o “Cosmo”,
portanto “O mistério da participação da natureza no drama cristológico tornaram-se
inacessíveis ao cristão que vive em uma cidade moderna” (1992, p. 86).
Naquele contexto, para os cristãos, o Mundo ou o Cosmo, deixou de fazer
sentido como obra de Deus, tantas formam as mudanças na sua forma de produzir
bens, de se relacionar em família e socialmente, entre outras. Entretanto, foi naquele
14
mesmo cenário que Wesley conseguiu, de certa forma, amenizar os sofrimentos da
classe trabalhadora inglesa com as medidas que adotou.
As reuniões realizadas por ele e seus companheiros conseguiam atender
grande parte as demandas desses migrantes, que haviam perdido vínculos com
suas terras e Igrejas de origens. As ações sociais, e o auxílio aos excluídos foram de
suma importância para o crescimento do metodismo, tendo uma grande aceitação
pela classe mais pobre, pois as mensagens de Wesley e de seus companheiros,
atendiam mais prontamente suas necessidades. É importante destacar que, além do
princípio da santificação da vida, o metodismo herdou do pietismo o ministério da
piedade e da caridade, sensibilizado com o sofrimento dos mais necessitados. Foi
entre uma multidão de despossuídos que o metodismo se enraizou na Inglaterra e,
posteriormente se espalhou pela Europa e outros continentes.
Devido ao crescimento inicial Wesley nomeou líderes sem muita formação
escolar ou posição social, assim como permitiu que mulheres e pregadores leigos
ministrassem os princípios doutrinários, no entanto, tais fatos não tiveram o alcance
desejado e acabaram por desencadear hostilidades e conflitos no interior da
Paróquia Anglicana. Bispos anglicanos tentaram conter as pregações ambulantes da
comunidade metodista, pois, segundo eles, estas reuniões perturbavam a ordem da
Igreja local. Wesley teria contestado, afirmando que “para mim, o mundo todo é
minha paróquia” (WESLEY, apud GONZALEZ, 1990, p. 181).
Estas palavras se tornaram mais tarde lema do metodismo na obra missionária,
um dos pilares de sustentação doutrinária. Gradativamente as transformações
promovidas pelo metodismo, no interior da Igreja Anglicana, mais tarde também
alcançaram os trabalhos missionários nos EUA e consecutivamente no movimento
pentecostal.
1.3.2. CONFIGURAÇÃO PENTECOSTAL NOS EUA
Com as colonizações da Nova Inglaterra assim chamada na época, na
metrópole, os colonos estavam carentes de vínculos com as Igrejas tradicionais. As
treze colônias foram formadas por um forte fluxo de imigrantes, principalmente da
Inglaterra, no final do século XVIII e início do século XIX, em boa parte devido às
mudanças no cenário europeu, com as guerras napoleônicas e as mudanças sociais
em função do processo de industrialização. Por outro lado, não se deve esquecer da
15
diáspora africana, processo imigratório involuntário de escravos destinados,
sobretudo às colônias do sul. As consequências das grandes demandas para as
Igrejas cristãs especialmente as protestantes, foram notabilíssimas para seu
crescimento (GONZALEZ, 1988).
Portanto, foi entre essas pessoas que o metodismo cresceu rapidamente. Em
1771, Wesley enviou diversos missionários para as colônias norte americanas, com
destaque para o pregador leigo Francis Asbury, que alcançou grande êxito na
expansão do metodismo. A partir de 1775, o processo de independência10 na Nova
Inglaterra estava se definindo, os bispos anglicanos ingleses, pediram uma posição
nacionalista do movimento religioso, frente ao impasse entre a colônia e a
metrópole. Em meio a grandes conflitos, vários missionários ingleses pertencentes
ao movimento luterano voltaram para Inglaterra. Apesar dessas perdas, porém, o
movimento já fazia parte dos colonos norte americanos.
No final do século XVIII, começou um “despertamento” ou fortalecimento que
em conjunto com as conjunturas dos outros movimentos protestantes descritos
anteriormente, se tornou o precursor do pentecostalismo no EUA e no resto do
mundo. Um dos fatos mais marcantes foi uma reunião de avivamento, realizada por
um pastor presbiteriano da Igreja local 11 , de Cane Ridge, em Kentucky, com
intenção de promover o florescimento da fé dos habitantes da comarca. Além dos
presbiterianos, participaram batistas e metodistas, ocasião em que aconteceram
diversas manifestações de emoção. Enquanto alguns choravam, outros cantavam,
riam, tremiam, e alguns outros saíram correndo. A partir de então “Nos EUA, quando
se falava em evangelização ou avivamento, pensava-se em termos parecidos com
os de Cane Ridge. Logo em muitos círculos começou o costume de se organizar um
“avivamento” todos os anos”. (GONZALEZ, 1988, p. 29).
10 A Independência das 13 colônias e a formação dos Estados Unidos da América, em 4 de julho de 1776, não contaram com o apoio de Wesley, pois ele era partidário decidido da coroa, entretanto a maioria dos pregadores metodistas nativos norte americanos se colocaram a favor da independência , e passaram a nomear seus próprios ministros. Em 1784, o pregador leigo, Asbury, juntamente com Thomas Coke, foram nomeados os primeiros Bispos da Igreja Metodista Episcopal dos Estados Unidos. Após a morte de Wesley, em 1791, o metodismo passou por um longo processo de separação da Igreja Anglicana em diversos lugares nos quais o movimento metodista havia se desenvolvido. 11 A cúpula presbiteriana não via essas reuniões com bons olhos, e puniam seus pregadores que participavam destes movimentos, portanto as Igrejas presbiterianas não tiveram tanto impacto em novos territórios como a Igreja Batista e Metodista tiveram.
16
Ainda no final do século XVIII e de forma mais evidente no começo do século
XIX, o contexto histórico dos EUA, permitiu o aparecimento de várias denominações
independentes, desmembradas das principais Igrejas atuantes até então. A Guerra
Civil entre o norte e o sul proporcionou o aparecimento de “igrejas negras” que
passaram a ser as principais instituições daquele segmento social. Nelas, alguns
pastores alcançaram uma posição de prestígio, já que os negros tinham
relativamente acesso livre ao ministério. Assim, muitos dos negros que se tornaram
notáveis nos EUA eram pastores. Em muitas destas igrejas, o discurso dominante
era em torno das injustiças sociais, além é claro, das mensagens que anunciavam o
Reino Celestial e que contribuíam para um sentimento de identidade entre os
membros dessas comunidades religiosas.
Nesse contexto, as Igrejas protestantes auxiliaram as camadas marginalizadas
a suportar as transformações que resultaram num rápido processo de
industrialização e urbanização, sobretudo nos EUA, onde se desdobrou em várias
denominações, de inspiração wesleyana. Conforme o metodismo foi alcançando as
classes médias e ocupando-se menos com os pobres, paulatinamente muitas
pessoas se puseram contra o rumo que a Igreja estava tomando. Passaram a pregar
a volta das práticas assistenciais aos mais humildes, enquanto enfatizavam a
necessidade da vida santificada, além de defenderem que, para a salvação era
imprescindível a conversão e em seguida, uma nova e mais profunda experiência
religiosa, o “batismo no Espírito Santo”, conforme narrado em Atos dos Apóstolos. O
sinal deste batismo era, falar em outras línguas, ou línguas desconhecidas
(glossolalia), os milagres ou dons de curas e de profecias (CAMPOS, 2005).
Por tais atitudes, este grupo recebeu o nome de Igreja da Santificação, também
conhecida como Holiness e, a partir de então, se configurou o pentecostalismo do
século XX.
O pastor Charles Fox Parham, em 1900, em Topeka, em Kansas, região central
dos Estados Unidos, ao tomar conhecimento das ideias da Igreja da Santificação, se
entusiasmou com elas e passou a divulgá-las e ensiná-las na escola de estudos
bíblicos local. Os alunos que concordavam com esse novo entendimento religioso,
acreditavam ter recebido o Espírito Santo e passaram a sentiam-se guiados em suas
vidas.
17
Entre eles estava um negro chamado Wilian Seymor, filho de ex-escravos,
que ouvia as aulas, no corredor, devido ao racismo e à segregação racial ainda em
vigência. Entretanto foi num destes encontros de estudos que Seymor recebeu a
influência da glossolalia e dos demais dons. Em 1906, o novo adepto da Igreja da
Santidade, se mudou para Los Angeles, na cidade da Califórnia, onde passou a
organizar uma nova congregação, na Rua Azusa 12 , onde se reuniam negros,
brancos, e latinos, sem distinção, segundo Larry Martin (2000).
As reuniões passaram a chamar a atenção da imprensa e das Igrejas locais,
pois a aglomeração das pessoas aumentava continuamente, e o barulho que fazia
“assustava” a comunidade. Possivelmente, seu entusiasmo exagerado levantou
suspeita entre as comunidades tradicionais de batistas e de metodistas, que
acabaram se afastando.
FIGURA 1- LOS ANGELES TIMES, 18 DE ABRIL DE 1906.
Fonte: AG Assemblies of God, Enrichment Journal
O jornal Los Angeles Times, em abril de 1906, publicou uma extensa matéria
sobre o movimento, denunciando a nova "seita", em que se aglomeravam negros,
imigrantes, latinos e pobres. Neste artigo de primeira página intitulado, Babel das
Línguas Estranhas, descreveu o que logo seria conhecido como o Reavivamento da
Rua Azusa. Segue um pequeno trecho da matéria:
12 A identificação do local se justifica porque mais tarde esta foi a forma pela qual vários segmentos usaram para identificar os pentecostais que se reuniam em torno de Seymor. Fonte: enrichmentjournal.ag.org/199904/026_azusa.cfm> Acesso em: 01 de mar. 2014.
18
As reuniões são realizadas em um barraco na Rua Azusa, e os devotos da estranha prática, doutrina e ritos, os mais fanáticos, pregam as mais extravagantes teorias e trabalham em um estado de excitação louca em seu zelo peculiar. Pessoas de cor e uma pitada de brancos compõem a congregação, e a noite é feita hediondo uivos no bairro pelos fiéis, que passam horas balançando para frente e para trás em uma atitude angustiante de oração e súplica. Eles afirmam ter o "dom de línguas" e ser capaz de compreender a babel (LOS ANGELES TIMES, 18.04.1906, p.1).
Relatos indicam que naquele período a cidade de Los Angeles conheceu vários
movimentos sociais. Além de algumas publicações como a descrita acima, houve a
divulgação do movimento no The Apostolic Faith, jornal criado na Rua Azusa, por
Seymor e seus colaboradores, com o objetivo de difundir a nova vertente. Dessa
forma, as notícias sobre as reuniões começaram a se espalhar, atraindo “multidões”
de curiosos que procuravam confirmar aquilo que estava sendo noticiado.
Na medida em que as notícias chegavam a outras comunidades protestantes,
alguns missionários, até mesmo de outros países procuravam verificar o que havia
em torno daquela “agitação”, ou “efervescência” religiosa. As novas comunidades,
sentindo-se rejeitadas pelas denominações tradicionais, e pela própria Igreja da
Santidade, acabaram formando um movimento próprio, que passou a ser chamado
de Pentecostal, uma vez que o ponto central do movimento era o batismo no
Espírito, conforme os relatos bíblicos de Lucas. (SYNAN, 2005-06).13
Dessa forma, progressivamente a mensagem e a experiência pentecostal
foram levadas para outros lugares do mundo. A difusão da nova vertente se deu
rapidamente. Novas missões e igrejas foram estabelecidas, e em apenas poucos
anos, o movimento foi instituído em diversas cidades, por pastores que, após
vivenciaram esse pentecostalismo, o levaram para suas cidades natais.
O movimento pentecostal na Rua Azusa atingiu seu auge e ficou em evidência
nos seus primeiros três anos, depois entrou em declínio. Embora esse espaço de
tempo tenha sido curto, parece ter sido suficiente para se espalhar por diversas
congregações e países. De acordo com Leonildo S. Campos (2005), umas das
características mais marcantes destas reuniões foi seu caráter multicultural, já que
contava com a participação harmônica de vários grupos de brancos e negros, em
oposição a outros, marcados pela segregação.
13 Harold Vision Syanan historiador americano, altamente considerado pelo Movimento Pentecostal Carismático, escreveu vários livros e artigos sobre o assunto, entre eles destacamos a introdução para a edição especial comemorativa ao centenário da Rua Azuza publicada pela revista Flower pentecostal heritage Center, 2005-6.
19
1.3.3. DANIEL BERG E GUNNAR VINGREN.
O movimento pentecostal ganhou vários adeptos na comarca de Chicago,14
com a efervescência religiosa que estava acontecendo na cidade, várias
congregações protestantes locais se tornaram pentecostais, a Igreja Batista foi uma
delas, e passou a realizar convenções de avivamentos. Em 1909, dois imigrantes
suecos pertencentes à Igreja Batista, Adolph Gunnar Vingren (1879-1933), e Daniel
Gustav Högberg (1884-1963), participaram destas reuniões, aderindo à nova forma
de cultuar e mais tarde em 1910, se transferiram para o Brasil, estabelecendo-se
inicialmente em Belém do Pará.
Antes de falarmos sobre o pentecostalismo no Brasil, é relevante destacar a
conjuntura que trouxeram os suecos para cá, quando se estabeleceram na capital
paraense.
Daniel Högberg, mais conhecido como Berg, nasceu em 1884, na província de
Vastra Gotaland, na Suécia. Seu pai trabalhou até a velhice em uma fábrica de
papel, e sua mãe cuidava de crianças. Desta forma é possível avaliar que a família
não tinha uma vida com muitas regalias. Aos 15 anos, Berg se tornou protestante,
da Igreja Batista, e aos 17 anos, se preparou para migrar para os EUA, o país de
seus sonhos, e também devido à crise financeira que atingia seu país natal. Em seu
diário, relatou com certos detalhes, os sentimentos que compartilhava com seus
colegas e porque resolveu deixar a Suécia. Seguem algumas de suas palavras:
Naquela época a Suécia passava por uma tremenda depressão financeira. Com a consequência dessa crise, muitas fábricas e casas comerciais faliram. Aqueles que ainda se conservavam nos empregos sabiam que podiam ficar desempregados de uma hora para outra, a produção nacional era cada vez menor, em razão de não se encontrar mercado para o produto. Nós os jovens, naturalmente, seríamos os primeiros a ser despedidos dos empregos. E ninguém sabia quando aquela situação se normalizaria. Por esta Razão concluímos que era melhor nos anteciparmos aos acontecimentos e procurar um país onde pudéssemos ganhar a vida. Muitos suecos, nessa época a maioria Jovens, já havia deixado a Suécia. Da cidadezinha onde nasci, muitos rapazes haviam deixado suas casas e partido para a América. (BERG, 2011, p.17).
14 No início do século XX, as congregações protestantes pentecostais de Chicago contribuíram para a internacionalização do pentecostalismo, pois enviaram diversos membros congregacionais como missionários para outros países. Entre eles, destacamos o italiano Luiz Francescon que aportou em solo brasileiro em 1910, e fundou a Igreja Congregação Cristã no Brasil.
20
A “febre” pelos Estados Unidos da América proporcionou uma grande imigração
para as grandes cidades, em que o desenvolvimento industrial passou a depender
de uma demanda de mão de obra crescente. Segundo Erick Hobsbawm, o período
entre meados de 1890 até o início da 1° Grande Guerra, foi denominado de Belle
Époque (Bela Época), devido a uma aparente paz e prosperidade. No entanto, a
maioria dos países destinava boa parte de suas reservas internas em arsenais
bélicos, se organizando e modernizando, para um confronto militar que cada vez se
tornava mais evidente em função do acirramento das disputas no cenário
internacional. Assim para o mesmo autor, “As economias modernas amplamente
controladas, organizadas e dominadas pelo Estado foram produto da Primeira
Guerra” (HOBSBAWM, 2011, p. 94). Essa expansão gerou grande impacto entre as
pessoas e as indústrias nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ainda de
acordo com Hobsbawm:
Até a massa trabalhadora se beneficiaram com essa expansão, ao menos que na medida em que a economia industrial de 1875-1914 era predominante do tipo de mão de obra intensiva e sua oferta de trabalho não especializado, ou de aprendizado rápido, para homens e mulheres que afluíam à cidade e à indústria parecia quase limitada. Foi isso que permitiu que os europeus que migraram para os EUA se adaptassem a um mundo industrial (2011, p. 95)
Foi neste contexto que os suecos se encontravam. Mesmo sem qualificação,
Berg e seus conterrâneos fizeram parte dessa mão de obra, sem que tivessem tido
uma melhoria muito significativa de qualidade de vida, apenas um alívio modesto,
pois a miséria era vivenciada pela maioria dos trabalhadores.
No final de março de 1903, o navio M.S Romero aportou em Boston, EUA e dali
Berg partiu para uma fazenda para trabalhar com um grupo de suecos. Pouco
depois se transferiu para a Pensilvânia, onde passou a trabalhar em uma fábrica de
fundição, e assim viveu seus primeiros anos como imigrante. Em 1909, retornou
para a Suécia para visitar seus pais, ocasião em que teve seu primeiro contato com
o pentecostalismo ao visitar Lewi Pethrus, amigo de infância e pastor da Igreja
Batista pentecostal de Lidkoping (BERG, 2011).
No mesmo ano, retornou para os EUA, e passou a trabalhar numa quitanda em
Chicago, onde frequentou e participou das conferências pentecostais realizadas pelo
pastor Batista Durham. Em alguns meses conheceu um compatriota chamado
21
Gunnar Vingren e como ambos partilhavam o desejo de serem missionários, tempos
depois foram destinados para esse trabalho.
Vingren nasceu em agosto de 1879, em Ostergotland, de família protestante,
pertencente à Igreja Batista local. Na juventude, teve uma vida congregacional ativa,
realizando trabalhos de evangelização em condados próximos ao seu, e trabalhou
até os 19 anos com jardinagem, profissão que herdou do pai (VINGREN, 2011).
Seguindo o mesmo caminho de vários jovens suecos, em julho de 1903, partiu
para os EUA, chegando em Boston, Massachustes, de onde partiu para Kansas City,
se estabelecendo na casa de um tio. Passou a trabalhar como foguista e depois
como porteiro, quando chegou o inverno voltou a trabalhar de jardineiro. Em 1904,
mudou-se para ST. Louis para trabalhar no Jardim Botânico, e aos domingos
assistia ao culto em uma Igreja Batista sueca (VINGREN, 2011).
Em pouco tempo decidiu cursar Teologia num seminário de Chicago
pertencente à Igreja Batista. Após ter concluído seus estudos, começou seu
ministério de pastorado, e foi enviado para liderar a primeira Igreja Batista em
Menominee, Michigam, onde permaneceu durante nove meses.
Algum tempo depois, licenciado de sua Igreja, participou de conferências
religiosas realizadas em Chicago, onde conheceu aquele que seria seu parceiro
missionário. William H. Durham, um dos conferencistas enfatizava que um dos
principais propósitos daquela comunidade era disseminar a ideia do
pentecostalismo. Certamente envolvidos naquele ambiente de fé, e já anteriormente
decididos pelo trabalho missionário, Berg e Vingren vivenciaram nestas assembleias
o batismo com o Espírito Santo e a ênfase das curas divinas (CONDE, 2011).
No verão de 1910, os dois jovens participando de um grupo de oração Batista,
tiveram a revelação do lugar em que ambos deveriam prestar seu ministério. Em
pouco tempo, deram início aos preparativos que os traria para o norte do nosso país,
e ao que tudo indica, não conheciam ninguém que já tivesse estado lá e que lhes
pudesse dar informações a fim de que se preparassem melhor para essa viagem.
Segundo o doutor em Ciências da Religião Gedeon Freire de Alencar, a maioria
das Igrejas atualmente exigem que os aspirantes a missionários façam curso de
missões transculturais, para aprenderem a cultura, idioma e sobre as condições
climáticas do lugar que pretendem atuar. Entretanto, “no início do século XX, os
suecos decidiram viajar para o Brasil, sem dinheiro, sem falar uma palavra em
português, sem conhecidos a esperar por eles, movidos apenas por uma “visão”,
22
“aliás, era a forma “natural” de se fazer missões naquela época, a partir da Rua
Azuza” (2010. p, 54).
Nesse sentido, vale ressaltar que, ao contrário das congregações
pentecostais, as Igrejas tradicionais já tinham estabelecido organismos de missões,
que preparavam e respaldavam seus missionários.
Até chegarem ao Pará, Adolfo Gunnar Vingren e Daniel Berg encontraram
muitas dificuldades. Primeiramente não receberam apoio financeiro, nem foram
adotados por sua Igreja como missionários. De acordo com relatos pessoais de
Berg:
Logo que tivemos essa certeza15 levamos o fato ao conhecimento do pastor e de alguns membros da Igreja. Eles não se mostraram muito entusiasmados. Mencionaram dificuldades de clima, e predisseram que quando chegássemos lá e víssemos e sentíssemos a situação, voltaríamos sem demora. Por isso, não nos prometeram qualquer garantia de sustento. Nem ao menos se prontificaram a nos ajudar a comprar Bíblias e Novos Testamentos (2011, p. 34-35).
Apesar disso, no culto de despedida, alguns irmãos voluntários deram uma
quantia razoável em dinheiro o que permitiu aos jovens viajarem até a divisa do
Estado, porém segundo Vingren (2011, p. 30) “aquela quantia não deu nem para
pagar as passagens inteiras até Nova Iorque”.
O trajeto inicial exigiu várias baldeações e numa dessas estações, Vingren
encontrou um amigo que não via há algum tempo. Segundo Berg teria registrado em
seu diário, aquele homem era um crente, negociante, e ao saber da viagem, doou 90
dólares para os missionários, causando-lhes agradável surpresa. Com as ofertas
recolhidas, conseguiram comprar as passagens no navio São Clemente, e no
começo de novembro de 2010 partiram para o Brasil, desembarcando na Amazônia,
no porto de Belém do Pará.
15 Berg se referiu à certeza do local que iriam viajar, pois passaram por um período de oração para receberem orientação divina. Os pentecostais seguem uma postura que tende a reduzir tudo ao nível espiritual, tudo depende da “ação de Deus”, portanto priorizam um discurso mágico-religioso (CAMPOS JR., 1995).
23
2. BELLE ÉPOQUE NA AMAZÔNIA
2.1. DESENVOLVIMENTOS ECONÕMICOS EM MANAUS E BELÉM DO PARÁ
(1880-1913).
Daniel Berg e Gunnar Vingren, não ancoraram em uma cidade qualquer do
Brasil, nem em um lugar desconhecido por outros países como eles imaginavam,
pelo contrário, naquela época, no meio da floresta Amazônica, duas cidades se
destacavam no cenário nacional e internacional. De 1980 a 1913, Manaus e Belém
do Pará passaram por um período que muitos historiadores culturais classificam
como a Belle Époque (Bela Época) da Amazônia.
O Léxico da História Cultural configurou este período por um complexo
processo de relações culturais, sociais e mentais, mas também materiais e políticas,
“desenvolvidas no interior de um corpus reconhecido historicamente como o da
cultura burguesa e da sua afirmação no interior dos quadros hegemônicos do
capitalismo industrial no final do século XIX” (COELHO, 2011, p. 141). Para uma
melhor compreensão deste período, Geraldo Mártires Coelho16, sintetizou o “anos
dourados” da Amazônia, conforme se segue:
A mitologia da belle époque foi expressiva e enraizada o bastante para construir suas representações e mundializá-las. Nesse sentido, Paris emerge, no final do século XIX, na condição de uma grande e poderosa metáfora, espaço-síntese de uma forma de vida requintada, elegante, culta e civilizada. Os mecanismos e os comportamentos da sociabilidade burguesa produziram, assim, imagens de uma Idade de Ouro da vida social, cujas vias e veias de circulação orgânica eram os boulevards de Paris. A belle époque, em última análise, edulcorou a dramática dialética da revelação e do encobrimento, da aparência e da essência, no limite em que, segundo o pensamento marxista, tudo o que era sólido se evaporava no ar na Paris fin de siècle. Os valores, os códigos e os rituais da cultura da belle époque, na condição de teatro da civilização, espalharam-se, em maior ou menos escala, pelas sociedades contemporâneas. Paris, Lisboa, Buenos Aires, São Petersburgo, Viena, Belém e Manaus, cidades de topografias sociais e físicas distintas, integravam-se ao circuito mundial da cultura burguesa, na medida em que abrigavam elos da cadeia mundial do mercado. A cultura burguesa da belle époque transitava pelos mesmos canais da circulação das mercadorias, dos capitais e dos bens de produção, o que implicava bem definir o sentido da mundialização da economia capitalista e do capital simbólico da cultura burguesa. (2011, p. 141).
16 Geraldo Mártires Coelho é pós-doutorado em história, escreveu o artigo, Na Belém da Belle Époque da borracha (1890-1010), e atualmente é professor aposentado da Universidade Federal do Pará. Atuou e segue atuando na área de História Brasil, operando principalmente nos seguintes campos temáticos: história cultural, sociedade e cultura, mundialização da cultura, historiografia brasileira, teoria da história e relações interdisciplinares e transdisciplinares da História.
24
A economia amazônica teve seu momento de auge na virada do século XIX
para o XX. Segundo Coelho, isso aconteceu devido à atividade gomífera17, força
motriz da capitalização regional que proporcionou a conformação de elites
burguesas com elevado padrão de vida, tão expressivo que lhes davam condições
de tentar reproduzir o estilo de vida europeu. Segundo o conceito de representação
cultural, de Roger Chartier, estas elites queriam reproduzir “as práticas que visam a
fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no
mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição” (1991, p. 185).
Neste caso se caracterizou em Belém e Manaus uma “representação do
ausente”, envolta em forte simbolismo, fazendo-se conhecer mais por aquilo que
desejava aparentar ser, pois a elite local importou uma cópia do estilo de vida
francês para seu cotidiano, que ficou conhecido como belle époque e marcou as
elites naquela região.
Nestas duas cidades cosmopolitas o dinheiro e o consumismo saltavam mais
aos olhos, do que em qualquer outro lugar. Extravagâncias, próprias de grandes
fortunas, no final do século XX, estavam no coração da Amazônia, que se tornou o
epicentro comercial da época, ditando as regras nas Bolsas de Valores em Londres
e Nova Iorque. Enquanto o interior da floresta estava assolado pela malária, um
leque de mudanças ocorreu nas malhas urbanas18, com a construção de hospitais,
bancos, escritórios, casarões e escolas, além de um sistemas de abastecimento de
água e de uma rede elétrica e telefônica.
17
Gomífera: é uma palavra mais formal, equivale a goma, no texto é utilizada como sinônimo de borracha ou látex, devido ao uso decorrentes destas palavras. 18 Destaque dado à administração de Antônio Lemos, em Belém do Pará, comprometido com os valores burgueses dos grandes comerciante empresários. Lemos idealizou e concretizou uma urbanização disciplinadora quando programou obras de infraestruturas e saneamento: reformas do cemitério, construção de hospitais e asilos, caixa d’águas, mercados, matadouros, usina de lixo, jardins, bosque, horto, iluminação elétrica, bondes e praças com traços europeus (WEINSTEIN, 1993).
FIGURA 2- AVENIDA PRESIDENTE VARGAS EM BELÉM DO PARÁ, NO INÍC IO
As ruas principais foram inspiradas no
perceber na imagem acima
pavimentadas com pedras de calçamento trazidas da França, pois não havia
pedreira na região (JACKSON,
cais flutuantes do Brasil, sendo que o
abaixo nos indica o intenso movimento nos cais.
FIGURA 3 – NAVIO MERCANTE NO PORTO FLUTUENTE DE MANAUS,
Navios enormes vindos de diversos lugares aportavam nestes cais, as redes
fluviais amazônicas batiam o recorde de navegação feita por navios transatlânticos a
AVENIDA PRESIDENTE VARGAS EM BELÉM DO PARÁ, NO INÍC IO DO SÉC, XX.
Fonte: PARÁ HISTÓRICO
As ruas principais foram inspiradas nos boulevards francês, como podemos
perceber na imagem acima. Avenidas grandes e largas, com enormes árvores,
pavimentadas com pedras de calçamento trazidas da França, pois não havia
JACKSON, 2008). Os portos das duas cidades eram os maiores
cais flutuantes do Brasil, sendo que o de Manaus era o maior do mundo.
abaixo nos indica o intenso movimento nos cais.
NAVIO MERCANTE NO PORTO FLUTUENTE DE MANAUS, INÍCIO DO SÉC, XX.
Fonte: Acervo IBGE
Navios enormes vindos de diversos lugares aportavam nestes cais, as redes
fluviais amazônicas batiam o recorde de navegação feita por navios transatlânticos a
25
AVENIDA PRESIDENTE VARGAS EM BELÉM DO PARÁ, NO INÍC IO
francês, como podemos
grandes e largas, com enormes árvores,
pavimentadas com pedras de calçamento trazidas da França, pois não havia
Os portos das duas cidades eram os maiores
de Manaus era o maior do mundo. A imagem
NAVIO MERCANTE NO PORTO FLUTUENTE DE MANAUS,
Navios enormes vindos de diversos lugares aportavam nestes cais, as redes
fluviais amazônicas batiam o recorde de navegação feita por navios transatlânticos a
26
vapor. Entretanto, segundo a historiadora Barbara Weinstein 19 (1993), os cais
flutuantes não eram os únicos sinais de riqueza e poder, em Manaus os bondes
elétricos inaugurados em 1895, se tornaram pioneiros neste meio de transporte,
antes de trafegarem em quaisquer outras cidades na América do Sul, nesse período,
a linha trafegável se deslocava entre a cidade e a selva por 25 km.
Os relatos sugerem que mundo todo estava representado nestas cidades, que
contavam com administradores franceses, ingleses, italianos, alemães, portugueses,
americanos, libaneses, sírios, espanhóis, entre outros. As libras esterlinas eram
usadas normalmente como o mil-réis, moeda nacional daquela época, o estilo de
vida dos abastados tinha grande vínculos com a cultura europeia, em especial a
francesa. Lojas com artigos femininos apontam para isso, como indica Jackson “Ville
de Paris, Au Bom Marché e Parc Royal” (JACKSON, 2008, p. 284).
Dessa forma fica evidente que a elite da região procurou construir uma
estrutura de representação e identidade que, segundo Zigmunt Bauman (2012)
deveria ser assimilado pelos que vinham de fora, como forma de reforçar os valores
e padrões ali representados.
Belém e Manaus segundo (WEINSTEIN, 1993) tinham o maior consumo per
capita de diamante do mundo, os custos de vida naquelas cidades eram quatro
vezes mais alto do que em Londres e Nova Iorque. Donas de casas mandavam lavar
roupas em Portugal devido a água do Rio Negro ser escura, prostitutas vindas da
Europa faziam U$ 8 mil por uma noite de trabalho. O cume da glória dos dois
maiores núcleos citadinos da Amazônia eram os Teatros, o da Paz de Belém e o
Teatro Amazonas, além da formosa Casa de Ópera inspirada na Opéra-Garnier de
Paris e construída totalmente com material importado. Sua construção se estendeu
entre 1891 e 1896, e teria custado dois milhões de dólares, naturalmente uma soma
astronômica para a época (JACKSON, 2008).
Toda essa efervescência no campo econômico e cultural aconteceu devido à
extração do látex. A borracha pouco antes da virada do século XIX era um produto
19A historiadora americana Barbara Weinstein, publicou um estudo completo da expansão e decadência da economia da borracha no Brasil, que se tornou para os estudiosos desta temática uma obra de referência .
27
tão importante quanto o petróleo, a produção do látex no Brasil, concentrada na
região denominada Grã Para20, era da ordem de 95% da produção mundial.
Esses dados permitem se pensar em um “sonho francês” em plena floresta
tropical, e que define bastante a Belle Époque vivida em Belém e em Manaus. No
entanto, se de um lado temos duas cidades que viviam um frenesi provocado pelas
riquezas oriundas desta economia, de outro a mão de obra empregada na
exploração da borracha mostrava o lado miserável desse mesmo contexto, e que
nem tudo era luxo e fantasia. Seguindo o pensamento de Chartier (2011), a
representação envolve um processo de percepção, identificação, reconhecimento,
classificação, legitimação, mas também de exclusão.
Neste sentido, segundo Coelho (2011), o processo de modernização, e
representação do estilo de vida burguês, aparentemente harmonioso e coletivo,
escondia uma triste realidade, quase sempre não revelada em obras urbanísticas de
grande porte, o submundo da prostituição, da mendicância e do crescente número
de vendedores ambulantes, que comprometiam a imagem da Belle Époque. No
entanto, estas pessoas menos favorecidas se tornaram agentes potenciais para
receberem o pentecostalismo, o que será analisado mais adiante. Mas, vale
ressaltar que foi nesta conjunção histórica que os jovens suecos chegaram a Belém.
Por isso, surgiu então a pergunta: qual a relação entre a economia da
borracha e a vinda do pentecostalismo clássico trazido por Berg e Vingren no norte
do Brasil? Sem cair numa armadilha que valoriza líderes como “heróis” e sem
esquecer as forças sociais históricas presentes naquele momento, se destacam três
razões para demonstrar através da historiografia e das fontes, que a economia
gomífera na Amazônia teve papel fundamental na vinda dos missionários suecos
para Belém do Pará. A primeira é a revelação do nome para onde os missionários
deveriam ir, a segunda foi à permanência deles no Brasil e a terceira razão se
configurou com o declínio da economia da borracha em 1913. Veremos o primeiro
item a seguir.
20 Grão- Pará foi umas das capitanias da América portuguesa, integrando inicialmente o estado do Grão- Pará e do Maranhão. O seu território compreendia as regiões dos atuais estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí (WEINSTEIN, 1993).
28
2.2. A ECONOMIA DA BORRACHA E SUA INFLUÊNCIA NO
PENTECOSTALISMO NO NORTE DO BRASIL.
Antes da análise acerca da influência da borracha no pentecostalismo
propriamente dito, se fará uma pequena síntese, de como este material moldável se
tornou o elo da fonte de pesquisa, a vinda dos missionários suecos para o Brasil.
De 1850 a 1913, o vale amazônico era tido como a única fonte de borracha de
alta qualidade do mundo. Assim, as ambições das grandes potências da época,
transformaram os horizontes da selva, sendo que a Grã Bretanha foi a pioneira a
entender o valor agregado da borracha, essencial para a fabricação de juntas para
motores a vapor, o que levou, anos mais tarde, “grandes encouraçados deslizavam
pelos mares com suas turbinas enormes repletas de borracha nas suas juntas”
(JACKSON, 2008, p. 18).
Em Belém, em meados do século XVIII, segundo Barbara Weinstein (1993), as
autoridades coloniais portuguesas traziam de Lisboa grande quantidade de botas do
exército, bornais e outros utensílios militares para serem impermeabilizados, porém
somente a partir de 1825, foi desenvolvido um processo de revestimento de tecido
que o tornava a prova d’água, pelo escocês Charles Macintosh. No entanto, o tecido
com várias camadas de látex ficava pegajoso no calor e quebradiço no frio, levando
ao fracasso as empresas pioneiras no ramo. Nesta época, segundo Weinstein
(1993), o Brasil exportava apenas oito toneladas de borracha bruta por ano, número
muitas vezes superado, alguns anos mais tarde quando a extração da goma bateu
recorde devido ao processo de vulcanização descoberto por Charles Goodyear.
Goodyear foi um ex-comerciante de ferragens, aficionado pela goma elástica,
tinha uma relação quase religiosa, com a fonte de estudo. Ao final de suas
experiências, escreveu um livro, Gum- Elastic, do qual destacam-se algumas de
suas impressões:
A qualidade mais marcante desta goma é sua elasticidade maravilhosa. Nisto consiste a grande diferença entre ela e as outras substâncias. Pode ser esticada até oito vezes mais do que seu comprimento original. Provavelmente não há nenhuma outra substância inerte cujas propriedades, provoquem na mente humana [...] em igual medida a curiosidade, a surpresa e a admiração. Quem consegue examinar e refletir sobre as propriedades da goma elástica sem admirar a sabedoria do criador? (GOODYER apud JACKSON, 2008, p. 35).
29
Em 1839, ocorreu um acidente no laboratório de Goodyer, que ele próprio
chamou de “a cura” da instabilidade da borracha. Segundo seus relatos, estava
testando o efeito do calor em uma mistura de borracha, enxofre e alvaiade21, e
deixou cair um pouco do composto em um fogão quente, porém a mistura não
derreteu, apenas chamuscou, para sua surpresa. Intrigado, voltou a repetir o
processo em fogo aberto obtendo o mesmo resultado. Charles Goodyer descobriu o
objeto de sua longa busca e a chamou de vulcanização, palavra derivada de
Vulcano, o deus romano e mestre da forja. Com esta descoberta, a borracha se
transformou em um novo tipo de “ouro”, e logo se tornou o material preferido para
uma infinidade de empregos. Alguns anos antes da vulcanização, a goma era vista
como matéria prima exótica, mas a partir de Goodyer, começou a formar um
triunvirato junto com o aço e o ferro nas fábricas (JACKSON, 2008).
Este material, até então ainda pouco conhecido, logo passou a acompanhar o
ferro e o aço, onde quer que fossem empregados: nos maquinários das fábricas, nas
ferrovias e nas bombas de mineração. A goma logo se tornou essencial para
correias de transmissão de válvula, sendo usada nos amortecedores para vagões de
ferroviários e, logo depois nos aros pneumáticos das bicicletas e principalmente nas
indústrias automobilísticas, pois, “o progresso significava mobilidade, e o poder
mundial dependia do acesso ininterrupto aos três recursos estratégicos necessários
à autonomia: o petróleo, o aço e a borracha” (JACKSON, 2008, p. 13).
Dessa forma, a borracha se tornou um elemento indispensável na vida
moderna. No final do século XIX ela passou a transformar a vida de muitas
pessoas, sem elas tivessem a menor ideia disso. Enquanto isso, nos Estados
Unidos, Gunnar Vingren se formava em Teologia e passou a pregar em algumas
igrejas batistas na cidade de Michigam, entretanto os dirigentes não aceitavam a
doutrina pentecostal e logo o impediram de continuar. A partir de então, o jovem
pastor se mudou para uma cidade que possuía, na época, uma forte ligação com a
borracha do Pará. De acordo com seus relatos pessoais,
Quando voltei para minha igreja em Menomine, Michigan comecei a pregar a
verdade que Jesus batiza com o Espírito Santo e com fogo. O resultado é que
tive de deixar a igreja, que ficou dividida, pois metade creu nesta verdade e a
outra metade se endureceu. Os que não creram me obrigaram a deixar o
21 Trata-se de um pigmento branco, de carbonato de chumbo ou de óxido de chumbo.
30
pastorado. Fui então para uma igreja em South Bend, Indiana. Todos ali
receberam a verdade e creram nela (2011, p. 25-26).
Daniel Berg tempos depois também se mudou para cidade de Sout Bend, para
ficar perto de seu compatriota e amigo, e passou a participar das reuniões religiosas
junto com Vingren. Berg escreveu em seu diário, que a empolgação de seu amigo
anunciava um futuro chamado missionário para qualquer país, até mesmo, os mais
longínquos, pois “Quanto mais Gunnar Vingren falava, mais interessado eu ficava
sobre o assunto, e mais convicção eu tinha de que ambos havíamos entendido o
que está escrito na Bíblia, e que nossos ideais quanto ao futuro na obra do Senhor
eram semelhantes.” (BERG, 2011, p. 34).
No verão de 1910, em Sout Bent, os dois jovens foram orar na casa de um
membro da Igreja Batista local, quando teria ocorrido a revelação acerca do lugar
para onde os dois seriam mandados. Segundo as anotações pessoais, nos diários
de ambos, Adolfo Ulldin, um dos líderes da comunidade, teria lhes falado, em
profecia, sobre um lugar chamado Pará. Segundo os escritos de Emílio Conde,
O lugar que tinha sido mencionado na profecia era Pará. Nenhum dos presentes conhecia aquela localidade. Após a oração, os dois jovens foram a uma biblioteca à procura de um mapa que lhes indicasse onde o Pará estava localizado. Foi quando descobriram que se tratava de um estado no Norte do Brasil.(2011, p. 26).
Na religião cristã, de acordo com a tradição descrita tanto no Velho, quanto no
Novo Testamento, o profeta recebe o Espírito de Deus e passa a revelar algo do
passado ou do futuro. Para Mircea Eliade (1992), a profecia pode representar, no
mundo sagrado, uma hierofania, já que esta experiência profética sintetiza a ideia do
sagrado e profano. Deus em forma de espírito, num momento sagrado, encarnado
em Ulldin teria revelado algo terreno, isto é: o nome de um lugar: Pará.
Se essa revelação é aceita como uma verdade inquestionável dentro dos
limites doutrinais, a análise das conjunturas históricas permitem analisar como o
nome de uma região chamada Pará se apresentou na vida dos jovens suecos,
aspirantes a missionários, sem, naturalmente, desrespeitar o momento e o espaço
sagrado para o homem religioso.
31
A palavra Pará já era conhecida em Chicago, pois a goma era processada nas
indústrias que careciam cada vez mais de uma grande demanda. As empresas
automobilísticas eram as maiores consumidoras do produto, em função do uso da
borracha para os pneus dos automóveis. Dessa forma, a palavra Pará era citada
constantemente dentro das fábricas, pois o látex tipo “Pará” era conhecido como
padrão mundial na qualidade dessa matéria prima, Belém do Pará era um lugar
mencionado constantemente nos jornais da época (FOERSTER, 2010).
Geralmente as empresas exportadoras atuavam como representantes de
companhias de Nova York ou Liverpool, assim “não é necessário ser muito
perspicaz para compreender que o mercado da borracha não se constituía na
Amazônia, mas sim nos grandes centros do exterior, como em Londres e Nova
York”. (WEINSTEIN, 1993, p. 35). As Bolsas de Valores na Inglaterra e nos Estados
Unidos recebiam informações de seus representantes que moravam em Belém,
desta forma, o processo comercial descrito acima, colocava mais uma vez o nome
de da borracha do Pará em evidência nas grandes capitais da época.
O nome Pará estava em evidência, circulando nos EUA, “perseguindo” Berg e
Gunnar Vingren. Em 1900, a região da Amazônia produziu 95% da borracha
mundial, e se estendeu até 1913, quando perdeu lugar para a borracha produzida na
Ásia. O látex, exportado do Brasil para todo o mundo, era conhecido como Pará fine
(borracha pura do Pará), extraída da árvore que hoje é chamada de Hevea
Brasiliensis22, era a borracha mais durável no mercado, capaz de resistir a uma
enorme pressão, e encolhia menos durante o transporte, em comparando com
outras variedades desse produto, conforme indica Jackson “A água do látex curado
tem tendência a secar durante o transporte de navio, frequentemente a taxas
consideráveis. Este encolhimento ocorria, no caso da Pará fine, até no máximo
entre, 15% e 20%, porém, até 42% no caso das outras espécies”. (JACKSON, 2011,
p. 348). Dessa forma, o produto brasileiro era considerado “o santo graal” da
borracha para as indústrias.
22 A seringueira (Hevea brasiliensis) é uma árvore gigantesca, muito comum na úmida bacia amazônica, diferente de outras fontes de borracha, seus grandes dutos laticíferos estão localizados logo abaixo da casca interna. Por este motivo pode ser cortada repetidas vezes sem a necessidade de incisões profundas, produzindo por décadas um fluxo constante de látex de alta qualidade e quantidade. Nas histórias indígenas ela curava dos cortes e continuava jorrando seu leite como a “árvore da vida” e quando morria sempre era possível encontrar outra na trilha vizinha no meio da selva. (JACKSON, 2011).
32
A sete quilômetros de South Bend23, onde se situa a cidade Mishawaka, em
1867, foi fundada a Mishawaka Manufacturing Company Woolen, empresa de
fabricação de lã, que em 1902, se transformou em uma empresa subsidiária de
borracha nos EUA e mudou seu nome para, Mishawaka Rubber Manufacturing
Company, (empresa de fabricação de borracha Mishawaka). Esta passou a produzir
vários artefatos de látex, como sapatos, capa de chuva, botas, pinéus, tapetes e
outros produtos, sendo que a matéria prima era importada da América do Sul, África
e Ásia. Em 1914, a empresa Bloomingdale Rubber Company, da região da
Pensilvânia, colocou no mercado um tipo de borracha reaproveitada de pneus
sólidos com o nome de “Black Pahrah” em clara referência à borracha tipo Pará
(FOERSTER, 2010).
Tendo em vista todas essas informações, existe uma grande possibilidade de
que os suecos ou mesmo Adolfo Ulldin que profetizou a vinda dos missionários, já
terem ouvido ou lido, anteriormente, algo acerca do Pará. Nesse sentido, segundo
os escritos de Foerster,
Os elementos citados no diário de Vingren (South Bend, borracha e Pará) esta ai. Diante do forte vinculo da Amazônia com os Estados Unidos da América pelo comércio de exportação da borracha, assunto diário dos jornais da época, é muito improvável que Uldin, Berg e Vingren não fizessem ideia onde ficava o Pará e tivesse que ir numa biblioteca para saber, Além disso, Berg e Vingren encontram no Brasil um missionário sueco, o que reforça a suspeita de que os dois não foram para um lugar totalmente desconhecido, mas seguiram uma rota já familiar (2010, p. 108).
Os elementos de ligação na citação acima aparecem no diário do missionário
sueco, no entanto a matéria prima24 que segundo Foerster fez esse elo comercial
sumiu por completo na História das Assembleias de Deus no Brasil, escrita por
Emílio Conde em 1960, pois, “nessa obra, a palavra “borracha” não é citada
nenhuma vez no contexto da chegada dos jovens suecos, e a possibilidade dos dois
23 Foi em South Bend, que ocorreu a revelação do local para onde Berg e Vingren deveriam ir, nesta cidade em 1952 foi fundada a Studebaker Manufacturing Company Brothers, uma vez que mais tarde, tornou-se a maior fabricante mundial de carros e buggies. Esta empresa exportava um grande volume de borracha oriunda do Brasil (FOERSTER, 2010). 24 A única citação da palavra “borracha” na História das Assembléias de Deus no Brasil se encontra no capítulo IV, com o título “Territórios – Rondônia”, onde se lê: Rondônia, que também se chamou Guaporé, formou-se de terras pertencentes aos Estados do Amazonas e de Mato Grosso. Ao tempo em que os primeiros pentecostais alcançaram o extremo Norte, essa região ainda desfrutava um pouco da fama, prestígio e riqueza que a borracha assegurou, por largos anos, às regiões amazônicas, mas logo depois a queda do látex terminou com o esplendor econômico da vasta região (CONDE, 2011, p. 70).
33
terem seguido uma rota comercial é obscurecida de vez”. (FOERSTER, 2010, p.
108).
Quando os dois chegaram a Belém do Pará, logo buscaram uma referência de
apoio para se orientar na cidade e logo encontraram um homem que os guiou até a
casa do pastor metodista Justus Nelson, oriundo da América do Norte (ARAÚJO,
2011). No primeiro mês em Belém, também encontraram outro missionário sueco
que havia sido enviado dos Estados Unidos. Tratava-se de Erik Nilsson, vindo dos
Estados Unidos na última década do século XIX, Erik Nilson fundou, em Belém, a
primeira Igreja Batista do Pará e “certamente, enviava relatórios periódicos para
sede da sua missão” (FOERSTER, 2010, p. apud BAPTISTA, 2002, p. 24),
reforçando a ideia que os suecos não se deslocavam para uma terra totalmente
estranha, mas sim para uma rota já conhecida, um lugar já ocupado por vários
imigrantes europeus.
A Ata de número 222, da Igreja Batista de Belém, registrou a Reunião
Extraordinária, ocorrida em 13 de Junho de 19911, portanto pouco depois da
chegada dos suecos. Segundo as informações descritas no Livro de Reuniões, os
primeiros protestantes a aceitarem a doutrina pentecostal não foram pessoas de
classe social simples, como Vingren havia escrito em seu diário (2011), mas
pessoas com certa influência na cidade e principalmente por europeus, conforme
indicam os relatos de Isael de Araújo:
Segundo a Ata N° 222 da Igreja Batista de Belém, na sessão extraordinária do dia 13 de junho de 1911, treze pessoas se levantaram a favoráveis ao ensino pentecostal e foram excluídos da Igreja25. Foram eles: José Plácido da costa (diácono e moderador); Manoel Maria Rodrigues (diácono e secretario); José Batista de Carvalho (diácono e tesoureiro); Antônio Mendes Garcia (diácono); Lourenço domingos; João domingos; Maria dos Prazeres Costa; Maria Pinto de Carvalho; Alberta Ribeiro Garcia; Manoel Dias Rodrigues; Jesusa Dias Rodrigues; Celina Albuquerque e Maria de Jesus Nazareth. (2011, p. 15).
Dessa forma, vale destacar que nesse grupo, não era apenas a simpatia e
aceitação que demonstraram pelo pentecostalismo, mas, sobretudo um sentimento
de identidade, pois “a Igreja Batista de Belém vivia uma época em que grande
25 Estes nomes descritos acima aceitaram a doutrina pentecostal trazida pelos missionários suecos, no entanto o pastor da igreja Batista não concordou com a nova forma de cultuar e os excluiu da Igreja Batista (ARAÚJO, 2011).
34
número de seus membros era de nacionalidade portuguesa, espanhola e até
italiana. Dos 13 irmãos que saíram para formar a AD 26 , onze deles eram
estrangeiros, sendo seis portugueses e cinco espanhóis”. (ARAÚJO, 2011, p. 16).
Segundo Roger Chartier, (1991) este sentimento de identidade nas
representações coletivas, se dá principalmente num duplo entendimento de tornar
presente o ausente, neste caso, seus países de origem, além de que as
representações tornam presentes um objeto, conceito ou pessoa ausente mediante
sua substituição por uma imagem capaz de representá-los adequadamente.
Segundo o aventureiro inglês e explorador da Amazônia Henry Wickham, a selva
com seus núcleos citadinos era um lugar tão remoto que parecia que todos os
europeus eram compatriotas (JACKSON, 2011).
Mesmo após os missionários terem se estabelecido em Belém, continuaram
com um forte vínculo com a Europa e os EUA. Vingren retornou várias vezes para os
dois lugares conforme seus relatos pessoais. Em Estocolmo, na Suécia, por
exemplo, eles foram adotados pela Igreja Batista Pentecostal Filadélfia e, mais
tarde, vários suecos dessa igreja se juntaram aos dois no Brasil, entretanto, a
escolha do nome da Igreja Assembleias de Deus27 é o que mais caracteriza o
vínculo com a América do Norte sob um prisma obscurecido na literatura pentecostal
no seio da Igreja brasileira, no entanto já reconhecida nos EUA. Quando Vingren e
Berg deram início a uma igreja, em solo brasileiro, denominaram-na de Missão da Fé
Apostólica, mesmo nome dado ao primeiro movimento pentecostal nos Estados
Unidos, em 1901, iniciado por Charles Fox Parham (ARAÚJO, 2001). Somente em
novembro de 1914, no Brasil o nome da congregação passou a ser Assembleia de
Deus sendo registrada em cartório em 1918, e alguns anos depois se tornou a maior
corrente pentecostal do Brasil.
O nome Assembly Of Good (Assembleia de Deus, em inglês) foi dado pelo
pastor Thomas King Leonard, em 1912, numa pequena igreja em Findlay, em Ohio,
nos EUA. Devido à segregação racial, a maioria dos protestantes brancos, não
26 A utilização de, AD pelo autor, é abreviação de Assembleia de Deus, devido seu uso recorrente no texto. 27 No Brasil, as Assembleias de Deus se configuraram no plural, pois não se trata de uma assembleia, elas funcionam como uma associação de pastores, de diversas Igrejas, no entanto carregam em comum o mesmo nome e princípios doutrinais, estas denominações são comandadas pelos pastores presidentes, formando as Convenções Estaduais e estas Convenções são oficializadas por uma Convenção Nacional.
aceitava ser liderada por pastores negros, portanto
um concílio em Hot Springs, Arkansas
FIGURA 4- PRIMEIRA CONVENÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS EM 1914.
FONTE:
Pode-se observar na imagem que a reunião foi realizada apenas
protestantes brancos. Assim, o
líderes de outras igrejas, presentes
separadas pela cor das pessoas (
Entretanto, tal fato não se aplicou no Brasil, pois “estavam construindo uma igreja
de maioria pobre, negros, mamelucos colhedores de látex no norte do país.
Ademais, os suecos eram imigrantes igualmente pobres” (A
Então fica a pergunta? Por que a
pesquisador pentecostal
suecos, Otto e Adina Nelson, procedentes dos Estados Unidos,
estabeleceram em Belém do Pará,
relataram que na América do Norte
Deus para as igrejas pentecostais
logo o instituiu em suas congregações (ARAÚJO, 2011).
28 FONTE: ifphc.wordpress.com. A29 FONTE: The Azusa Street Revival 100 Year Celebration. Produtores, Tim Storey e youtu.be/SEMUWrFM2MA, acesso
por pastores negros, portanto, em abril de 1914, foi
um concílio em Hot Springs, Arkansas.
PRIMEIRA CONVENÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS EM 1914.
FONTE: Flower Pentecostal Heritage Center28
observar na imagem que a reunião foi realizada apenas
os. Assim, o nome Assembleia de Deus passou a ser adotado p
, presentes no concílio. Logo depois, as congregações foram
separadas pela cor das pessoas (THE AZUSA, 200-6, 00h42min.
fato não se aplicou no Brasil, pois “estavam construindo uma igreja
de maioria pobre, negros, mamelucos colhedores de látex no norte do país.
Ademais, os suecos eram imigrantes igualmente pobres” (ALENCAR
Então fica a pergunta? Por que a mudança de nome da Igreja? Segundo o
pesquisador pentecostal Isael de Araújo, em 25 de outubro de 1914, um casal de
Otto e Adina Nelson, procedentes dos Estados Unidos,
Belém do Pará, a fim de cooperarem com Vi
relataram que na América do Norte era habitual usarem o nome
Deus para as igrejas pentecostais. Esse nome agradou os “jovens pioneiros”, que
suas congregações (ARAÚJO, 2011).
ifphc.wordpress.com. Acesso em 24 de Abr. de 1914. : The Azusa Street Revival 100 Year Celebration. Direção: Matt Long,
Leon Isaac Kennedy disponível em: theazusastracesso em: 24 de abr. de 2014.
35
em abril de 1914, foi realizado
PRIMEIRA CONVENÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS EM 1914.
observar na imagem que a reunião foi realizada apenas por
ssembleia de Deus passou a ser adotado por
congregações foram
, 00h42min.) 29.
fato não se aplicou no Brasil, pois “estavam construindo uma igreja
de maioria pobre, negros, mamelucos colhedores de látex no norte do país.
LENCAR, 2010, p. 66).
mudança de nome da Igreja? Segundo o
de Araújo, em 25 de outubro de 1914, um casal de
Otto e Adina Nelson, procedentes dos Estados Unidos, também se
a fim de cooperarem com Vingren e Berg e
o nome Assembleia de
se nome agradou os “jovens pioneiros”, que
Direção: Matt Long, EUA: 200-6, theazusastreetrevival.com, e
36
Entretanto, vale pena fazer uma observação na mudança de nome desta
corrente pentecostal, desconhecida por muitos de seus membros na atualidade. À
primeira vista, não parece nada muito substancioso, porém o que fica implícito na
alteração do nome da Igreja é o fardo pesado de preconceitos raciais, quando se
conhece a conjuntura que levaram à separação das Igrejas e das pessoas pela cor
de suas peles.
2.1 AS EXPANSÕES DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL.
A segunda razão que a economia da borracha configurou diretamente no
caminho de Vingren e Berg, foi à permanência dos mesmos nos primeiros meses em
terras brasileiras, conforme escreveu Araújo:
Um mês após a chegada de Vingren e Berg ao Pará, um desses crentes chamado Adriano Nobre, Membro da Igreja Presbiteriana e primo de Raimundo Nobre, evangelista da Igreja Batista, os convidou para acompanhá-lo numa viagem a casa de seus pais, num local onde trabalhava com borracha, situado três dias de viagem de Belém. Aceitaram o convite. Adriano também falava inglês, e pode ensinar-lhes o português a permanência deles ali durou um mês e meio. Depois voltaram para Belém. (2011, p. 50).
Segundo a citação acima e as biografias de Berg (2011), e Vingren
(2011), na qual descrevem o mesmo episódio, portanto fica evidente mais uma vez,
a “influência” da borracha no caminho dos jovens suecos, pois com pouco dinheiro,
ficaram um mês morando no porão do pastor Batista Jerônimo, por dois dólares a
diária, os hotéis da cidade cobravam 16 mil réis a diária cerca de quatro dólares, o
porão era apertado com um calor insuportável, e mosquitos por todo lado. (BERG,
2011)
O convite feito por Adriano Nobre foi de suma importância naquele momento,
pois o dinheiro estava acabando e os jovens foram sustentados por um mês e meio
pela família anfitrião que tiravam seus sustentos da borracha.
Em terceiro e último lugar, a expansão do pentecostalismo se configurou na
migração para o estado do Pará, e principalmente para sua capital, e na queda
repentina da importação da “Pará Fine”. Quando a produção de borracha estava a
todo vapor, Belém do Pará teve um boom migratório de nordestinos que se
deslocavam para trabalhar na extração do látex nos seringais, e, ao longo dos anos,
37
muitos destes seringalistas passaram a receber a doutrina pentecostal anunciada
pelos missionários (ALENCAR, 2010). Segundo os estudos levantados pelo
historiador Robin Leslie Anderson30, citados por Barbara Weinstein, entre 1890 a
1907, a população do município de Belém crescia, em média, 25% anualmente,
devido à extração da borracha, a expansão comercial, associados aos vários
projetos de urbanizações. Segue a tabela demográfica abaixo para termos noção do
contingente da região nas datas apresentadas.
TABELA 1- POPULAÇÃO DO PARÁ E DA AMAZÔNIA BRASILEIRA, (1850-1910).
Ano PARÁ AMAZÔNIA BRASILEIRA (Grãn Pará)
1850 165.934 200.3911860 232.063 278.2501872 275.237 322.9091882 274.883 389.9971890 328.455 476.3701900 445.356 695.1121910 783.845 1217024*
Fonte: ANDERSON, apud WEINSTEIN, 1993, p.44 (* Pará, Amazonas e o território federal do Acre).
Conforme o gráfico acima, em 1910, no auge da expansão, Belém era uma das
mais notáveis cidades da América Latina. Dos 783. 845 habitantes do Estado do
Pará estima-se que a população urbana da capital se aproximava rapidamente a
250.000. De acordo com Barbara Weinstein (1993), parte deste aumento aconteceu
devido às imigrações voluntárias, a maioria subsidiada por governos estrangeiros,
porém o fator mais importante seria pelo inchaço da cidade na época foi à migração
de nordestinos devido as sequências de secas que ocorreram nos anos de
1889,1898 e 1900. “Segundo um relatório de 1897 de um secretário do estado do
Pará, a metade leste de Belém (onde havia um grande número de bairros rurais)
possuía uma população quase exclusivamente cearense.” (WEINSTEIN, 1993, p.
106). Entretanto, embrenhados na selva amazônica estava um grande contingente
de caboclos extraindo o látex nas estradas de seringais e que levava uma vida de 30 ANDERSON, Robin Leslie. Following Curupira: Colonization and Migration in Pará, 1758 to 1930 as a Study in Settlement of the Humid Tropics. Davis: University of California, 1976, Ph. D. Latin American History.
38
“escravidão”31, prisioneiros da economia extrativa, ao contrário da vida luxuosa dos
barões da borracha. Em relação a isso, Jackson apontou que,
Para os homens na base da pirâmide o desgaste era horrível. Em 1899, um relatório do cônsul americano em Belém do Pará dizia que a cada cem novos recrutados, 75%, morriam, fugiam ou partiam por causa de doenças. No Alto Amazonas, um patrão podia esperar uma perda mínima de cinco em cada 25 trabalhadores (2008, p. 280).
Na segunda metade do século XIX, o inglês aventureiro Henry Wickham foi o
protagonista da biopirataria na selva amazônica, por levar setenta mil sementes
selecionadas das seringueiras Hevea Brasiliensis para as colônias inglesas do
sudeste asiático, onde se desenvolveram rapidamente. No início do século XX,
começou a chegar ao mercado internacional sua primeira produção, que causou
forte queda dos preços da borracha na Amazônia. A partir daí a produção asiática
entrou em ascensão e a da floresta tropical brasileira entrou em declínio (PROST,
1998). Manaus e Belém prosperaram em três décadas mais que muitas principais
cidades do mundo, no entanto após o famoso boom da borracha em 1910, em três
anos a região caiu em pobreza.
O fim do ciclo da borracha no Pará e o consequente retorno dos migrantes
seringueiros para suas regiões de origem permitiram que o movimento Pentecostal
se espalhasse por outros estados, conforme descreveu Alencar, “As Assembleias de
Deus iniciadas 1911, em Belém do Pará, chegaram em 1914 ao Ceará, em 1915, a
Alagoas, em 1916 a Pernambuco e Amapá e, em 1924, alcançou o Rio Grande do
Sul. Nos seus primeiros vinte anos, alcançou grande parte do país” (2010, p. 70).
31 Na economia da borracha os seringueiros que se embrenhavam na mata, estavam na base da pirâmide, eram eles que proporcionavam a alta produção de borracha na Amazônia. Pela manha saiam para extrair o leite das seringueiras, perto de meio dia faziam suas primeiras refeições, logo após retornavam fazendo o mesmo caminho para coletar os látex extraídos que se acumulavam nas tigelas nos troncos das árvores, ao retornarem para cabana, começavam o processo de coagulação do látex. Contudo para realizar todo este processo, eram necessário ter embarcações, combustíveis, alimentos, água, e outros suprimentos para a subsistência do seringueiro. Portanto, os patrões sediam estes mantimentos cobrando valores elevadíssimos, desta forma os coletores não conseguiam quitar suas dívidas se tornando reféns dos contratando (WEINSTEIN, 1993).
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo a Bíblia cristã nos relata em Gênesis, o primeiro livro do Velho
Testamento, Adão e Eva, chamados de Pais da Humanidade, moravam em um
jardim e podiam se alimentar de quaisquer frutos que ali fossem produzidos. Deus,
porém determinou que uma árvore, de forma específica, não fosse tocada,
entretanto Eva não resistiu os argumentos da serpente, que a induziu a se alimentar
do fruto da árvore proibida. Desta forma, ainda segundo os relatos bíblicos, a história
da humanidade teve seu curso modificado, pois o ato de tocar na árvore interditada
alterou significativamente a forma como Adão e Eva trilharam o resto de suas vidas.
Milhares de anos após Gênesis ser escrito, outra árvore apareceu na história
do cristianismo, uma árvore gigantesca, produzindo uma fonte de leite pegajoso que
nunca secava e, mesmo após ser ferida, ela se curava dos seus cortes e continuava
jorrando látex que, na narrativa dos indígenas, era chamada de “Árvore da Vida”.
Sempre que uma morria, era possível encontrar outra na trilha vizinha da selva ou
no próximo afluente. Através da pesquisa apresentada neste trabalho, A Hevea
Brasiliensis, seringueira produtora da borracha conhecida como Pará fine, modificou
o percurso das vidas de Daniel Berg e Gunnar Vingren.
Em nossa exposição procuramos evidenciar que pentecostalismo como
movimento não se originou nos EUA, houve um pré-pentecostalismo, que tomou
conta da Europa, os famosos Movimentos de Santidade, e que determinadas
conjunturas levaram ao pentecostalismo propriamente dito, no início do século XX,
em Los Angeles, tal como o conhecemos na atualidade. Cabe ainda ressaltar que o
crescimento das igrejas pentecostais se deu devido às relações mais próximas com
os protestantes, voltado para o lado emocional da “membresia” e dos novos
convertidos. No decorrer desta análise percebemos como as duas fontes de
pesquisa, Berg e Vingren receberam a doutrina pentecostal e seu chamamento
missionário para o Brasil.
Entretanto no cruzamento das fontes, das bibliografias, e de outras pesquisas
constatamos a existência de uma história pouco conhecida no meio pentecostal, a
de que a borracha do Pará levou o nome de duas cidades, do meio da floresta
amazônica, para os maiores pólos urbanos da época, pois em 1910, Belém do Pará
e Manaus estava num frenesi econômico, o famoso boom da borracha, o “ouro
preto” assim chamado, devido à cor da borracha curada, processada depois nas
40
grandes indústrias do mundo todo. Este material moldável era conhecido no mundo
como Pará fine, nome que, ao que tudo indica, se acomodou nos subconscientes
das pessoas, pois como foi apontado, a palavra Pará estava em evidência na época.
Dessa forma, procuramos no decorrer do trabalho destacar a influência que a
economia da borracha, no final do século XIX e início do XX, teve na escolha do
lugar que os dois jovens deveriam atuar como missionários.
O mesmo ciclo da borracha que trouxe os missionários para o Brasil, também
provocou a vinda de trabalhadores de outros Estados para os seringais, onde parte
deles aderiu ao pentecostalismo, e com o declínio da exportação, e a consequente
emigração, ajudou a semear a Assembleia de Deus por todo Brasil.
41
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1906 to 2006, The Azusa Street Revival 100 Year Celebration. Direção: Matt Long, Produção: Tim Storey e Leon Isaac Kennedy disponível em: http://youtu.be/dXE acesso em: 24 de abr. de 2014.
42
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