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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Kylviane Priscila Reboli Kern Zonatto A TUTELA DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Kylviane Priscila Reboli Kern Zonatto

A TUTELA DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL

CURITIBA

2011

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Kylviane Priscila Reboli Kern Zonatto

A TUTELA DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL

Monografia apresentada como requisito parcial

para a obtenção do título de Bacharel em

Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas da

Universidade Tuiuti do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D’Angelis

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Kylviane Priscila Reboli Kern Zonatto

A TUTELA DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em

Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná..

Curitiba, ___ de _____________ de 2011.

__________________________________________

Curso de Direito

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ________________________________

Prof. Dr. Wagner Rocha D‟Angelis

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. ____________________________

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. ____________________________

Universidade Tuiuti do Paraná

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Dedico à memória de minha avó Nayr, que é o meu exemplo e luta e amor que me faz fortalecida até hoje; À minha mãe, pelo amor incondicional e por estar na minha vida de uma forma indispensável; Às minhas filhas Camila e Valentina que souberam entender as minhas faltas como mãe durante esta jornada; Ao meu esposo Luciano, que em momento algum desistiu de mim. Enfim todos colaboraram para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente agradeço a Deus pela vida.

Considerando esta monografia como resultado de uma caminhada que não

começou na Universidade Tuiuti do Paraná, agradecer pode não ser tarefa fácil, nem

justa. Para não correr o risco da injustiça, agradeço de antemão a todos que de

alguma forma passaram pela minha vida e contribuíram para a construção de quem

sou hoje.

E agradeço, particularmente, a algumas pessoas pela contribuição direta na

construção deste trabalho:

Ao meu Orientador Dr. Wagner Rocha D´Angelis pela condução neste

estudo;

Às minhas amigas Morgana, Viviane e Silvana, com quem dividi as

angústias das provas e a alegria das comemorações de nossas vitórias;

A minha irmã e amiga Ana Luzia, que mesmo em tempo diverso

conseguimos chegar ao nosso objetivo de adolescência.

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A justiça social, via cooperação internacional, é o único enfoque que promete trazer prosperidade e segurança ao homem comum em uma economia globalizada. (Oscar Lafontaine)

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RESUMO

O Mercosul não significa apenas de uma área de livre comércio entre os países membros, mas também uma união alfandegária com o desejo de virar um mercado comum. Para que seja estabelecida uma integração efetiva entre os países membros é necessária a colocação da figura do consumidor como embasamento central. Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo demonstrar a relevante conveniência e os benefícios que um Código de Defesa do Consumidor unificado eficiente seja validado entre os Estados-membros do Mercosul, visando trazer uma garantia complementar para a segurança jurídica do consumidor, que geralmente é o lado mais vulnerável e hipossuficiente nas relações consumeiristas. Para a realização do presente trabalho foi utilizado como metodologia a pesquisa bibliográfica, buscando conteúdos em doutrinas, endereços virtuais, artigos, pesquisa de campo para levantar os casos concretos, e também fazer um estudo comparado da legislação consumeirista entre os países do bloco. Em conclusão ao estudo percebeu-se que o Mercosul ainda é um projeto em busca de integração econômica e de cooperação entre os seus países membros e associados, visando alcançar a liberdade de circulação de pessoas e serviços, tem-se o consumidor como figura central nesse cenário. Afinal, caberá ao consumidor a efetivação do processo de integração, e por sua vez, a sua proteção deve ter caráter fundamental em todos os países membros. O Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto não contemplaram a defesa do consumidor em sua redação. Essa lacuna promove a insegurança, desconfiança e descrédito em torno do consumidor turista. Assim, espera-se que o processo de harmonização das legislações seja aplicado de forma mais emergencial pois é de fundamental importância para a integração dos países membros, a disciplina sobre a qualidade, a informação e a segurança de bens e serviços visto que destes emergem custos de produção, os quais podem colocar em risco a integração econômica caracterizada pela livre circulação de bens e serviços. Palavras-chave: Mercosul, Código de Defesa do Consumidor, Relação de Consumo.

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LISTA DE FIGURA

Figura 1 – Estrutura Institucional do Mercosul .......................................................... 19

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1 MERCOSUL ........................................................................................................... 12

1.1 BASES HISTÓRICAS DA INTEGRAÇÃO ........................................................... 12

1.2 ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO MERCOSUL ............................................... 16

1.3 TRATADO DE ASSUNÇÃO ................................................................................ 20

1.4 PROTOCOLO DE BRASÍLIA .............................................................................. 23

1.5 PROTOCOLO DE OURO PRETO....................................................................... 24

1.6 PROTOCOLO DE OLIVOS ................................................................................. 25

2 A LEGISLAÇÃO BASE DE DEFESA DO CONSUMIDOR .................................... 27

2.1 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC) E A RELAÇÃO DE

CONSUMO ................................................................................................................ 27

2.2 A RELAÇÃO DE CONSUMO .............................................................................. 29

2.2.1 A figura do fornecedor ...................................................................................... 33

2.2.2 A figura do consumidor ..................................................................................... 35

3 A BUSCA POR UMA UNIFICAÇÃO DO CDC NO MERCOSUL ........................... 40

3.1 PECULIARIDADES DO CDC NOS PAÍSES MEMBROS .................................... 40

3.2 A RELAÇÃO DE CONSUMO NO MERCOSUL ................................................... 42

3.2.1 O consumidor no Mercosul ............................................................................... 44

3.2.2 O fornecedor no Mercosul ................................................................................ 45

3.2.3 Bens e serviços no Mercosul ............................................................................ 46

3.3 A PROBLEMÁTICA DE UM REGULAMENTO COMUM AO MERCOSUL .......... 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61

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INTRODUÇÃO

Em 26 de março de 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai celebraram

o Tratado de Assunção e construíram o Mercosul (Mercado Comum do Sul), com o

intuito de formar um bloco econômico estável para enfrentar os desafios da

globalização. Não se trata apenas de uma área de livre comércio entre os Estados

Partes, mas também uma união alfandegária com o desejo de virar um mercado

comum.

A configuração atual do Mercosul encontra seu marco no Protocolo de Ouro

Preto, assinado pelos quatro países membros em 17 de dezembro de 1994. Tal

protocolo reconhece a personalidade jurídica de direito internacional do bloco,

atribuindo-lhe então competência para negociar, em nome próprio, acordos com

terceiros (países extra-bloco), grupos de países e organizações internacionais.

Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo demonstrar a relevante

conveniência e os benefícios que um Código de Defesa do Consumidor unificado

eficiente seja validado entre os Estados-membros do Mercosul, visando trazer uma

garantia complementar para a segurança jurídica do consumidor, que geralmente é o

lado mais vulnerável e hipossuficiente nas relações consumeiristas.

Visto antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC)

– Lei nº 8078/90 –, as relações entre fornecedor e consumidor sempre levava em

conta o poder do capital (empresas) em detrimento do consumidor.

Com o advento da Lei Consumerista (CDC), criou-se um sistema de

princípios e de normas que buscam garantir a hipossuficiência do consumidor,

efetivando os seus direitos antes lesados, reconhecendo ser este o pólo mais fraco

da relação jurídica e merecedor de proteção.

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Reconheceu-se essa fragilidade do consumidor – decorrente da sua

incapacidade técnica para discutir cláusulas contratuais – em virtude da existência

de inúmeras práticas abusivas perpetradas no livre mercado, muitas vezes ocorridas

de forma legítima, intervindo nas relações de direito privado, antes intocáveis sob a

alegação do princípio da autonomia da vontade. Princípio este que se encontra

ligado à liberdade de contratar, amparada pela vontade das partes e o que estas

convencionaram na relação contratual.

Em específico o estudo buscou demonstrar a relação do Código de Defesa

do Consumidor e sua eficácia perante a sociedade „mercosulista‟*, procurando

buscar uma legislação única, que vise garantir os direitos do consumidor e eventuais

prejuízos causados aos mesmos. Onde atualmente o consumidor desse mercado

espera uma decisão baseada no bom senso, que nem sempre ocorre por falta de um

código especifico que abranja todo o bloco.

Será de grande valia a elaboração de um código comum entre os Estados-

membros, porque enquanto isso não acontecer cada pais terá uma solução diversa

baseada na sua legislação e no caso concreto.

Destarte, com um texto comum nesta área estipular-se-iam normas e

princípios básicos para os quatro países fundadores terem o mesmo entendimento

sobre qualquer assunto consumeirista pertinente ao bloco.

Para a realização do presente trabalho foram utilizados como metodologia a

pesquisa bibliográfica, buscando conteúdos em doutrinas, endereços virtuais,

artigos, pesquisa de campo para levantar os casos concretos, e também fazer um

estudo comparado da legislação consumeirista entre os países do bloco.

* A palavra “mercosulista‟, como adjetivo de Mercosul, foi introduzido na literatura integracionista americana pelo Prof. Wagner Rocha D‟Angelis (D‟ANGELIS, 2011).

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No primeiro capítulo é exposto o histórico constituinte do Mercosul

abrangendo os seus acordos e tratados entre os países-membros.

No segundo capítulo é demonstrada a relação de consumo segundo a

legislação de cada país-membro no Mercosul.

O terceiro capítulo abrange a necessidade e a busca por um regulamento

único buscando a unificação do Código de Defesa do Consumidor nas legislações

dos países-membros.

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1 MERCOSUL

Neste capítulo é exposto a historicidade, a importância e os marcos que

integram a constituição do Mercosul.

1.1 BASES HISTÓRICAS DA INTEGRAÇÃO

De acordo com Simonsen Associados (1992) na década de 1990 ocorreu

uma tendência para a criação de blocos regionais buscando segmentar a economia

mundial em detrimento às tradicionais negociações multilaterais entre os países.

Esses blocos regionais possuíam como peculiaridade o agrupamento de países,

possuindo flexibilidade configuradas em um processo totalmente dinâmico. Seu

principal objetivo era o de consolidar os países membros do bloco visando substituir

a concorrência entre os mesmos, garantindo sua sobrevivência e inserção no

mercado internacional.

Segundo Luiz Olavo Baptista (1994) os blocos econômicos mais integrados

no sistema comercial são: União Européia, NAFTA e MERCOSUL. A União Européia

(EU) foi o primeiro a ser oficializada formalmente na área comercial, no ano de 1992,

formado pelos seguintes países: Alemanha, França, Reino Unido, Irlanda, Holanda

(Países Baixos), Bélgica, Dinamarca, Itália, Espanha, Portugal, Luxemburgo, Grécia,

Áustria, Finlândia e Suécia. Único bloco econômico que possui uma moeda única,

denominada euro, um sistema financeiro e bancário comum.

A Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), continua o autor, foi

criada no início de 1994 pelos seguintes países: Estados Unidos, México e Canadá.

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Aos países membros oferece vantagens no acesso aos mercados dos países,

mediante o fim das barreiras alfandegárias, regras comerciais em comum, proteção

comercial e padrões e leis financeiras. Apesar de não ser considerada uma zona

livre de comércio, reduziu tarifas de aproximadamente 20 mil produtos para os

países membros.

O Mercosul, razão do presente estudo, tem seu germe na integração com o

Brasil e a Argentina, após o ciclo dos governos militares, na década de 1980. A

primeira iniciativa de reaproximação ocorreu em 1984, quando o então presidente do

Brasil João Batista Figueiredo visitou a Argentina, estimulado pela indústria

automobilística Autolatina. Após o fim dos governos militares, um segundo passo

ocorreu com a assinatura da Declaração de Iguaçu, em novembro de 1985. No ano

seguinte, os presidentes da Argentina, Raul Alfonsín, e do Brasil, José Samey,

assinaram, na cidade de Buenos Aires, a Ata para Integração Argentino-Brasileira e

mais doze protocolos, o que hoje podemos chamar de o "embrião" do Mercosul.

(KUNZLER e MACIEL, 1994)

Nesse evento foi instituído o Programa de Integração e Cooperação

Econômica (PICE) com o objetivo de estabelecer um espaço econômico comum,

mediante a abertura de mercados de alguns setores e o estímulo à complementação

de setores específicos da economia nos dois países. (JO, 2004)

Em novembro de 1988 foi assinado o Tratado de Integração, Cooperação e

Desenvolvimento, prevendo a remoção de todos os obstáculos tarifários e não

tarifários ao comércio de bens e serviços, dentro dos princípios de gradualismo,

flexibilidade, equilíbrio e simetria, no prazo máximo de dez anos, para a formação do

mercado comum. Em dezembro do mesmo ano, foi assinada, em Buenos Aires, a

Ata de Amizade Argentino-Brasileira, que elevou para dezessete o número de

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protocolos, novamente aumentado com as negociações posteriores, para 24

protocolos. (BAPTISTA, 1994)

Em 1990, segundo Jo (2004), graças aos resultados positivos da integração

entre os dois países, buscou-se a aceleração do processo integracionista com a

adoção do Acordo de Complemetnação Econômica n. 14, absorvendo todos os

acordos anteriores, estipulando o prazo da constituição da união alfandegária para

31 de dezembro de 1994.

O impacto da aceleração do processo integracionista bilateral foi

relativamente alto nos países da região, os quais passaram a se preocupar com um

desenvolvimento que ameaçava deixá-los em um relativo isolamento econômico. O

Uruguai procurou rapidaipente integrar-se, em conformidade com sua orientação dos

últimos anos. Da mesma forma, o Paraguai, face a sua localização mediterrânea e a

intensidade dos vínculos comerciais com os países do Cone Sul, uniu-se ao novo

contexto de subregionalização. (BAPTISTA, 1994)

O Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991 marcava a

adesão do Uruguai e Paraguai. Esse acordo definiu regras básicas para a criação do

Mercado Comum, sendo aditado por vários Protocolos Adicionais, dentre os quais se

destacam o Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias no Mercosul, em

17 de dezembro de 1991, e o Protocolo de Ouro Preto sobre os Aspectos

Institucionais do bloco em 17 de dezembro de 1994. (JO, 2004)

Na verdade o Tratado de Assunção, efetivamente criou o Mercado Comum

do Sul – Mercosul, com a adesão dos seguintes países: a República Argentina, a

República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do

Uruguai. (MERCOSUR, 2011).

A partir de 1995, o Mercosul se transformou em União Aduaneira. Em 19 de

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junho de 1996 é assinado o acordo de livre comércio com o Chile, simbolizando a

extensão do Mercosul até o Pacífico. Em dezembro desse mesmo ano, ocorre a

adesão da Bolívia da mesma forma. (JO, 2004)

Em julho de 1998 é assinado o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso

Democrático entre os países membros, onde é reconhecida a vigência das

instituições democráticas como condição indispensável para a existência e o

desenvolvimento dos processos de integração, e que toda alteração da ordem

democrática é um obstáculo inaceitável para a continuidade do processo de

integração regional. Nessa mesma reunião é assinada a Declaração Política do

Mercosul, da Bolívia e do Chile como zona de Paz, onde os seis países membros

manifestam que a paz é um elemento essencial para a continuidade e para o

desenvolvimento do processo de integração regional. (MERCOSUR, 2011)

Ainda buscando aprofundar o processo de integração regional e a

importância de desenvolver e intensificar as relações do Mercosul, em 2004 são

assinados acordos de Livre-Comércio com os Países-Membros da ALADI, mediante

a aprovação da Decisão Conselho Mercado Comum (CMC) Nº 18/04, estabelecendo

condições para a associação dos Países-Membros da ALADI ao Mercosul e

regulamenta sua participação nas reuniões dos órgãos da estrutura institucional do

bloco. Em 2006 foi aprovado o Protocolo de Adesão da República Bolivariana da

Venezuela ao Mercosul, a qual deverá desenvolver sua integração ao Mercosul,

respeitando os compromissos e seguindo os princípios de gradualidade, flexibilidade

e equilíbrio, de reconhecimento das assimetrias, e de tratamento diferencial, bem

como os de segurança alimentar, de meios de subsistência e de desenvolvimento

rural integral. A entrada desse protocolo requer sua ratificação pelos cinco países

Argentina, do Brasil e do Uruguai, estando ainda pendente a aprovação do

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Parlamento do Paraguai. (MERCOSUR, 2011)

1.2 ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO MERCOSUL

Com a adoção do Protocolo de Ouro Preto, em 1994, o Mercosul passou a

contar com instituições que viabilizam o aprofundamento da integração e as

negociações conjuntas com outros países ou blocos econômicos. “Quanto ao

sistema de tomada de decisões, foi mantido o sistema consensual, utilizado por

todos os órgãos do Mercosul”. (JO, 2004, p. 299)

Os principais órgãos do Mercosul, elencados baseados em Kunzler e

Quadros (1994), Jo (2004) e Mercosur (2011), são:

a) Conselho do Mercado Comum (CMC) – órgão superior do Mercosul,

responsável pela condução de políticas e tomadas de decisões para o

cumprimento dos objetivos e prazos. É composto pelos Ministros das

Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia ou equivalentes, dos

Estados partes (art. 4º Protocolo de Ouro Preto).

b) Grupo do Mercado Comum (GMC) – órgão executivo e possui uma

Secretaria Administrativa em Montevidéu. Composto por quatro membros

titulares e quatro membros alternos por país, designados pelos

respectivos governos, dos quais devem constar representantes dos

Ministérios das Relações Exteriores, Ministérios da Economia e dos

Bancos Centrais (art. 11). Este grupo tem como atribuição a dissolvição

de controvérsias não resolvidas mediante negociações diretas entre os

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países membros conflitantes. Após o grupo avaliar a situação, deve

formular, no prazo de sessenta dias, as recomendações pertinentes às

partes, visando a solução do conflito. Para esse fim pode ser estabelecido

ou convocado painéis de especialistas ou grupos de peritos, visando

assessoramento técnico. Os subgrupos integrantes são: assuntos

comerciais, assuntos aduaneiros, normas técnicas sobre áreas de

metrologia científica e industrial, metrologia legal, normalização e

qualidade industrial, políticas fiscal e monetária relacionadas ao comércio,

transporte terrestre, transporte marítimo, políticas industrial e tecnológica,

política agrícola, política energética, coordenação de políticas

macroeconômicas e assuntos trabalhistas.

c) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) – tem como objetivo assistir o

Grupo Mercado Comum (GMC) visando velar pela aplicação dos

instrumentos de política comercial comum acordados pelos países

membros para o funcionamento da União Aduaneira, bem como,

acompanhar e revisar temas e matérias relacionados com as políticas

comerciais comuns, como comércio intra-Mercosul e com outros países

fora do bloco. (art. 16) Compõe-se de quatro membros titulares e quatro

membros alternos, representantes dos países membros (art. 17). Reúne-

se uma vez por mês face o acompanhamento da implementação da União

Aduaneira. Cabe à comissão considerar reclamações apresentadas pelas

Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas

pelos países-membros ou por demandas particulares (pessoas físicas ou

jurídicas), previstas no Protocolo de Brasília.

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d) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) – órgãos representativo dos

parlamentos dos países membros (art. 22), composta por igual número de

parlamentares-representantes designados pelos respectivos parlamentos

nacionais dos membros (arts. 23 e 24)

e) Secretaria Administrativa do Mercosul – (SAM) – órgão de apoio

operacional, responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos

com sede permanente na cidade de Montevidéu (art. 31). O chefe da SAM

é o Diretor com mandato de dois anos e eleito pelo GMC, em bases

rotativas, designado pelo CMC. (art. 33).

As fontes jurídicas do Mercosul se encontram embasadas no art. 41 do

Protocolo de Ouro Preto sendo:

I. Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais ou

complementares;

II. Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus

protocolos;

III. As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo

Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul,

adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção. (JO, 2004, p.

305)

A figura a seguir demonstra o organograma da estrutura institucional do

Mercosul.

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Figura 1 – Estrutura Institucional do Mercosul

FONTE: MERCOSUR (2011)

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A seguir são expostos de forma sucinta o Tratado de Assunção e o

Protocolo de Ouro Preto, os quais são responsáveis por toda a estrutura do

Mercosul.

1.3 TRATADO DE ASSUNÇÃO

Por meio do Tratado de Assunção ocorreu a criação do Mercosul, com seus

termos legais ratificados pelos poderes legislativos de cada país e, posteriormente,

depositados ante o Governo do Paraguai. Sua vigência formal se iniciou no dia 29

de novembro de 1991, prevendo sua duração por tempo indefinido. Em relação à

adesão ao Tratado, por outros países membros da Associação Latino-Americana de

Integração (ALADI) e não integrantes de outros esquemas subregionais ou de

associação extra-regional, será efetuada por meio de uma negociação prévia e

decisão unânime dos países membros do Mercosul, podendo ser examinada a

qualquer tempo. Os demais casos serão estudados somente a partir de 29 de

novembro de 1997. Tempo este em que se buscaria o fortalecimento da integração

dos países membros iniciais. (KUNZLER e QUADROS, 2004)

Segundo Leonir Batisti (1999, p. 73) ao examinar o Tratado de Assunção

perceberá de imediato que se trata de um “tratado para a constituição de um

mercado comum”, sendo observado o cuidado dos signatários qo reconhecerem as

dificuldades práticas de colocar em efetiva execução seus termos. Tal fato derivado

do fracasso anterior da ALALC e da ALADI.

Como princípios o Tratado estabeleceu os seguintes parâmetros (BATISTI,

1999):

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a) Reciprocidade de direitos e obrigações entre os países membros.

Conforme art. 2, tratando-se de princípio declaratório da própria essência

do Mercosul.

b) Preservação de compromissos anteriormente assumidos, inclusos os

Acordos firmados com a ALADI. A aproximação entre a Argentina e o

Brasil é que fomentou a criação do Mercosul, contudo, anteriormente

foram assinados 24 protocolos sob as normas da ALADI, os quais devem

permanecer válidos e vigentes.

c) Decisões consensuais pela totalidade dos países membros. O Mercosul

deve adotar medidas de consenso total.

d) Livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países

membros. Buscou-se a eliminação das restrições alfandegárias e outras

restrições.

e) Estabelecimento de tarifa externa comum (TEC) e consequente adoção

de uma política comercial comum em relação a países não membros. Em

2006 as importações feitas de outros países recairão sobre a mesma

TEC, a qual se encontra fixada entre zero a vinte por cento.

f) Coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais para os países

membros, visando assegurar condições adequadas de concorrência.

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A partir de 1995, salienta Kunzler e Quadros (2004), seria possível aos

países membros a adoção de um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias

para o Mercado Comum. Sendo definido a criação de Tribunais de Arbitragem ou

mediante negociações diretas. Aos países membros é permitido recorrer,

excepcionalmente e somente até o final do período de transição, na ocorrência de

determinado produto causar dano ou ameaça de dano grave a seu mercado, face

aumento sensível de importações de um determinado produto de outro país

membro. Nesse sentido, o país importador possui a prerrogativa, após atender a

exigências formais do Tratado, de fixar, unilateralmente, uma cota não inferior à

média dos volumes físicos importados nos últimos três anos calendário. Essa cota,

na realidade, funciona como freio temporário para proteção dos interesses do país

importador.

Continuam os autores enfatizando que ao país membro que desejar retirar-

se do Mercosul, deverá formalizar denúncia de maneira expressa e formal ao

Governo do Paraguai, que comunicará os demais membros. A partir da formalização

da denúncia, cessará para o país denunciante os direitos e obrigações que

correspondam a sua condição de signatário, mantendo-se os referentes ao

programa de liberação e outros que venham a ser acordados no prazo de sessenta

dias após a formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estado

denunciante continuarão em vigor por um período de dois anos, a partir da

mencionada formalização.

O Tratado, no seu anexo III, dispõe sobre as controvérsias entre os Estados

serão enfrentadas: primeiro, por negociações diretas entre os litigantes; depois, em

etapas sucessivas pela atuação do Grupo Mercado Comum ou do Conselho do

Mercado Comum. Não existem referências sobre os conflitos que venham a surgir

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entre pessoas privadas e um dos países membros, as quais são objeto da

regulamentação do Anexo III do Tratado de Assunção, que é, justamente, a origem

do Protocolo de Brasília. (BAPTISTA, 1994)

1.4 PROTOCOLO DE BRASÍLIA

O Protocolo de Brasília se origina do Anexo III do Tratado de Assunção,

mediante o estabelecimento de um sistema de solução de controvérsias entre os

países membros, na qualidade de partes litigantes, reconhecendo em seu artigo 8

“Como obrigatória, ipso facto, e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do

Tribunal Arbitral que em cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as

controvérsias a que se refere”. (BAPTISTA, 1994, p. 130)

Contudo, salienta o autor, o artigo 1 do Protocolo de Brasília estabelece que

as controvérsias serão as que surgirem entre os países membros. As pessoas

privadas também são acolhidas sob esse sistema conforme o disposto no Capítulo

V, que trata das reclamações efetuadas por particulares. Nesse caso, como a

reclamação dos particulares é encaminhada pela Seção Nacional, fica subentendido

que é o país membro envolvido que se apresenta como litigante, se ela for acolhida.

Esse protocolo definiu três fases de solução de controvérsias: negociação,

conciliação e arbitragem. Os páíses membros devem sempre iniciar negociações

diretas para solução das controvérsias (art. 2º). Se acaso as negociações diretas

não produzirem efeito, qualquer dos países membros parte da controvérsia de que

poderá submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum (art. 3), o qual

formulará recomendações (art. 5º) em um prazo máximo de 30 dias (art. 6º). Além

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de estabelecer diretrizes para a solução de conflitos entre os países membros, o

Protocolo de Brasília também criou mecanismo de solução entre partes privadas e

algum país membro. (JO, 2004)

1.5 PROTOCOLO DE OURO PRETO

Aprovado em 17 de Dezembro de 1994 pelos países membros do Mercosul

– Argentina depositou o instrumento de ratificação em 15 de novembro de 1995;

Brasil em 16 de fevereiro de 1996; Paraguai em 12 de setembro de 1995 e o

Uruguai em 15 de novembro de 1995 –, o Protocolo de Ouro Preto tinha por objetivo

apresentar as reclamações perante a CCM, estabelecendo seu art. 7º que, não se

chegando a consenso na CCM, o país reclamante poderá recorrer diretamente ao

procedimento de arbitragem previsto no Protocolo de Brasília. (JO, 2004)

Esse protocolo igualmente buscou reafirmar os princípios e objetivos do

Tratado de Assunção, bem como, formulou a estrutura institucional do Mercosul,

conforme citado anteriormente.

O Anexo do Protocolo de Ouro Preto, indicativo do procedimento geral para

reclamações perante a CMC, criou uma alternativa de solução de reclamações

apresentadas nas Seções Nacionais da CMC mediante o seu art. 1º:

As reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de

Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-partes ou em reclamações

de particulares – pessoas físicas ou jurídicas –, de acordo com o previsto no

Artigo 21 do Protocolo de Ouro Preto, observarão o procedimento

estabelecimento no presente Anexo. (JO, 2004, p. 309)

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Essas reclamações deverão ser apreciadas pela própria CCM e, no caso de

não resolução da controvérsia, o país membro poderá recorrer diretamente ao

procedimento previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília (Procedimento

Arbitral). (JO, 2004)

1.6 PROTOCOLO DE OLIVOS

O protocolo de Olivos foi assinado em 2002, na Argentina, cidade de Olivos,

pelos países membros do Mercosul, vigorando a partir de 2004 e com o objetivo de

solucionar as controvérsias mediante a criação do Tribunal Permanente de Revisão

(TPR), visando controlar a legalidade das decisões arbitrais. O Protocolo de Olivos

tem por objetivo substituir o Protocolo de Brasília. (JO, 2004)

Formado por cinco árbitros designados por um país membro, em um período

de dois anos, renovável por no máximo duas vezes consecutivas. A escolha do

quinto árbitro se fará por unanimidade, por um período de três anos, não renovável,

salvo o contrário. (AMARAL, 2005)

O preâmbulo do Protocolo de Olivos leva em conta o Tratado de Assunção,

o Protocolo de Brasília e o Protocolo de Ouro Preto, reconhecendo que a evolução

do processo de integração no âmbito do Mercosul requer o aperfeiçoamento do

sistema de solução de controvérsias. Considerando a necessidade de garantir a

correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do

processo de integração e do conjunto normativo do Mercosul, de forma consistente e

sistemática. Convencidos da conveniência de efetuar modificações específicas no

sistema de solução de controvérsias de maneira a consolidar a segurança jurídica no

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âmbito do Mercosul. Assinado pela República Argentina, pela República Federativa

do Brasil, pela República do Paraguai e pela República Oriental do Uruguai,

doravante denominados de Estados Partes. (SICE, 2011)

A partir da exposição das bases históricas do Mercosul e de sua estrutura,

faz-se necessária a abordagem do Código de Defesa do Consumidor no Brasil,

envolvendo a sua evolução histórica.

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2 A LEGISLAÇÃO BASE DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Este capítulo tem por objetivo embasar a legislação base para o Mercosul,

enfocando o Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

2.1 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC) E A RELAÇÃO DE

CONSUMO

Inicialmente é importante ressaltar que somente foi necessária a criação de

uma legislação de consumo face a ocorrência da massificação da produção de bens

e da prestação dos serviços. Fato este que não ocorria antes da revolução industrial,

onde as relações entre os artesãos e os consumidores eram diretas, sem a

existência de intermediários. Mas, o desenvolvimento econômico inseriu no mercado

a figura dos intermediários que atuam entre o fornecedor e o consumidor,

prejudicando a comunicação entre estes. “O maior prejudicado deste processo foi o

consumidor, o qual ficou sem saber para quem recorrer no caso da necessidade de

esclarecimentos ou mesmo na existência de reclamações.” (ALMEIDA, 2010, p. 10)

Observando as origens históricas do Código de Defesa do Consumidor

(CDC) tem-se a legislação alemã como influência primordial. Sendo que em 1976, a

lei alemã já dispunha sobre as condições gerais dos contratos e a escola modelo

portuguesas as maiores influencias pra a formação do CDC. A opção alemã foi a de

reestruturar as normas de direito civil incluindo as normas de direto do consumidor,

criando dessa forma um direito civil geral e social. (MARQUES, 2006)

Antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, a Resolução 39/284

de 10.04.1985 da Organização das Nações Unidas (ONU), dispõe as normas de

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proteção ao consumidor:

3. As normas servirão para atingir as seguintes necessidades: a)proteger o

consumidor quanto a prejuízos à saúde e à segurança; b)fomentar e

proteger os interesses econômicos dos consumidores; c)fornecer aos

consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas

acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais; d) educar

o consumidor; criar a possibilidade de real ressarcimento do consumidor; f)

garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos ou

organizações de relevância e oportunidades para que estas organizações

possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a ela

referentes.

Depois dessa resolução foi aprovado pelo Conselho das Comunidades

Européias o Programa Preliminar para uma Política de Proteção aos Consumidores,

que estabeleceram categorias fundamentais ao direito do consumidor: “a) direito à

proteção saúde e segurança; b) direito à proteção dos interesses econômicos; c)

direito à reparação de prejuízos; d) direito a informação e à educação; e) direito à

representação (direito a ser ouvido).” (CAPAVERDE, 2005, p. 35)

Os fundamentos explicitados nesse programa está, no Código de Defesa do

consumidor no artigo 6º, e os princípios estão elencados no artigo 4º do mesmo

código. Reafirmando seu direito com a Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

(...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

(...)

Segundo Marques (2006) foi em virtude desse dispositivo constitucional que

surgiu a Lei 8.078/90, regulamentando o Código de Defesa do Consumidor, e foi

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através dela que surgiram as modificações na ordem jurídica nacional e um conjunto

de normas diversificadas, mas ligadas entre si por meio das relações jurídicas. Sua

repercussão inovou diversas áreas do direito, mas especialmente o Direito Civil. Foi

no contexto das grandes relações sociais, surgimento do consumo em massa e os

conglomerados econômicos é que surgiu o Código de Defesa do Consumidor.

Como o próprio nome já diz o objetivo principal do Código de Defesa do

Consumidor é a relação de consumo, estabelecendo princípios gerais de proteção

que podem até ser aplicados aos contratos em geral, mesmo que não estejam

envolvidas as relações de consumo, inseridos no CDC pelo princípio da boa-fé que é

regulado pelo artigo 51, IV, do CDC o da obrigatoriedade de proposta regulado pelo

artigo 51, VIII, do CDC, a intangibilidade das convenções regulado pelo artigo 51, X,

XI, XIII. (ALMEIDA, 2010)

Face o objeto de atuação do CDC ser a relação de consumo são expostos a

seguir os pressupostos que regem a relação de consumo.

2.2 A RELAÇÃO DE CONSUMO

A expressão “relação de consumo”, na realidade, é considerada

contemporânea na área de Direito, segundo Hélio Zaghetto Gama (1999), face dela

decorrer “novos entendimentos sobre as relações entre fornecedores e

consumidores”. Problemática esta agravada pelos inúmeros conceitos aplicáveis às

pessoas classificáveis como consumidores. Entretanto, para o presente estudo,

compreende-se que a relação de consumo como o vínculo jurídico por meio do qual

“uma pessoa física ou jurídica denominada consumidor adquire ou utiliza produto ou

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serviço de uma outra pessoa denominada fornecedor.”(p. 21)

Segundo Antonio Carlos Efing (2000), pode ser entendido como relação de

consumo a relação jurídica entre um consumidor e um fornecedor, sendo que o

contrato é um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas, podendo discutir

livremente sobre as cláusulas, tendo como um fim a aquisição de um bem ou

serviço. A autonomia da vontade se confunde com a liberdade, pois o conceito de

liberdade foi modificado em um sentido negativo, traduzido pelo não-impedimento.

Afirma o autor que segundo a teoria Kantiana a liberdade está estritamente ligada

com a autonomia que envolve todo o direito, público e privado.

O CDC apenas fala em relação de consumo, não em “contrato de consumo”,

“ato de consumo” ou ainda em “negócio de consumo. A relação de consumo possui

um sentido mais amplo e para o CDC são elementos dessa relação os seguintes

casos:

a) como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; b) como objeto produtos e

serviços; c) como finalidade, caracterizando-se como elemento teleológico

das relações de consumo serem elas celebradas para que o consumidor

adquira produto ou utilize de serviço como destinatário final. (GRINOVER,

2007, p. 505)

Observa-se que o CDC trata das relações de consumo quando essas

relações são tipificadas, transformando-se em relações jurídicas de consumo as

quais possuem três elementos: “a) os sujeitos; b) o objeto; c) o elemento

teleológico.” (CAPAVERDE, 2005, p. 56)

Existem duas expressões que devem ser definidas sobre os contratos em

massa que são as condições gerais dos contratos que se diferenciam dos contratos

de adesão por estarem inseridas no texto as condições gerais e não em anexo.

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Existem também novos contratos com o advento da tecnologia que são os contratos

eletrônicos, estes não são assinados nem mesmo e dado uma copia a outra parte

contratante, o consumidor, que geralmente é submetido a condições gerais. Os

consumidores são vulneráveis, pois aderem ao contrato sem ler as cláusulas,

confiando nas empresas que o elaboram. (GRINOVER, 2007)

Mesmo que o CDC trate das relações de consumo, observam-se certas

lacunas na legislação, tais como as leis civis e comerciais, as quais devem ser

verificadas a existência de não afrontamento com uma lei mais específica, como no

caso o CDC. O Código Civil de 2002 que entrou em vigor apenas em 2003, por sua

vez, não trata das relações de consumo. A prestação de serviço somente será

regida pelo CDC quando não estiver sujeita a lei especial ou as leis trabalhistas,

porém quando se trata do fornecimento de transportes que em geral, considerado

uma prestação de serviço é conferido ao CDC dispor sobre este assunto.

(MARQUES, 2006)

Importa salientar essa necessidade constante de atualizações na legislação,

pois o poder paralelo de fazer leis e regulamentos privados, que eram legitimados

pela economia e reconhecidos como legais, desequilibrou a sociedade que a dividiu

em duas partes: a parte mais forte abrangendo aqueles que detêm a posição

negocial e conseqüentemente, detentores da lei privada e a outra parte, a mais

fraca, aquela que se submetem as condições do contratante. (CAPAVERDE, 2005)

Observa-se então, a inexistência de equilíbrio. Fato este corroborado com o

crescente desenvolvimento econômico e pela grande demanda, gerando a

impossibilidade de atender a todos, e, ocasionando a criação dos contratos em

massa. Com o reflexo nas relações de consumo o contrato massificado trouxe um

desequilíbrio entre as partes contratantes, que trouxe com ela, uma série de abusos

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para a parte mais fraca. Surge então a primeira resposta a esse quadro “a doutrina e

a jurisprudência dispuseram-se a engendrar mecanismos de proteção contratual ao

consumidor, tendo por objeto evitar a inclusão ou a validade das cláusulas abusivas,

ou, pelo menos amenizar-lhes os efeitos”. (ALMEIDA, 2010)

As regras tradicionais do Direito Privado, que tinham um pensamento liberal

no século XIX, não são mais utilizadas, pois não atendem as necessidades dos

tempos modernos, principalmente em se tratando dos contratos e negócios jurídicos

em massa, que são padronizados através dos contratos de adesão. Portando o

excesso de liberalismo cedeu as exigências feitas pela ordem pública, social e

econômica, que sobre tudo deve prevalecer sobre o individualismo. (GRINOVER,

2007)

Esses contratos em massa estão ligados as relações de consumo, e hoje em

dia, em todos os setores da vida privada, são utilizados também por empresas

públicas, empresas privatizadas, concessionárias de serviços e até nos contratos de

trabalho. Cumpre lembrar também que esses contratos em massa são contratos

escritos, expressos em formulário. As relações de consumo, de natureza privada,

deixaram de ser estabelecidas pelo Código Civil de 1916, e por outras leis e

passaram a ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual criou uma

série de princípios e regras em que se sobressai a vulnerabilidade do consumidor

que deve ser protegido que tem como protagonistas o consumidor e o fornecedor.

(MARQUES, 2006)

A relação de consumo que fundamenta a problemática do estudo no

Mercosul se dá entre fornecedor (pessoa jurídica) e consumidor (pessoa física), os

quais são explicitados a seguir.

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2.2.1 A figura do fornecedor

O CDC define a figura do fornecedor em seu art. 3º:

Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de

produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de

crédito e secundarista, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhistas.

O CDC indica caráter de profissionalidade e também de certa habitualidade

ao fornecedor, não deixando lacunas e citando igualmente a prestação de serviços

remunerados.

Segundo a doutrina brasileira, fornecer significa prover, abastecer,

guarnecer, dar, ministrar, facilitar, proporcionar, uma atividade, portanto,

independente de quem realmente detém a propriedade dos eventuais bens

utilizados para prestar o serviço e seus deveres. (MARQUES, 2006, p. 62)

Não considera fornecedor o não-profissional que ocasionalmente pratica o

ato de venda de sua propriedade, como por exemplo, um veículo usado. As

atividades que este pode exercer são esclarecidas no artigo 3º do CDC:

Em análise ao caput do artigo 3º, observa-se que a princípio este dispositivo

define quais pessoas podem ser consideradas fornecedores. Em seguida,

enumera quais atividades que estas pessoas podem exercer para que

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sejam consideradas fornecedoras; senão vejamos: a) Quanto às pessoas,

pode ser fornecedor: (i) Pessoa física ou jurídica: qualquer pessoa que

exerce atividade mercantil ou civil, que de forma habitual oferece produtos e

serviços no mercado de consumo; (ii) Pessoa pública: os órgãos públicos,

por si ou suas empresas, concessionárias e permissionárias; (iii) Pessoas

privadas: as fundações e as incorporações nacionais e estrangeiras (iv)

Entes despersonalizados: aquelas pessoas não dotadas de personalidade

jurídica, no âmbito mercantil ou civil, mas exercem atividades produtivas de

bens e serviços, b) Quanto as atividades – podem ser fornecedor: todas

as pessoas que exerçam atividade de “produção, montagem, criação,

construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou

comercialização de produtos ou prestações de serviços.” José Geraldo Brito

Filomeno conclui que a “condição de fornecedor está intimamente ligada à

atividade de cada um e desde que coloquem produtos e serviços

efetivamente no mercado, nascendo daí, ipso acto, eventual

responsabilidade”. (FIGUEIREDO, 2004, p. 176) (grifo nosso).

Salienta-se a questão da remuneração de serviços, como expressa o CDC,

por remuneração compreende-se pagamento, porém a doutrina e jurisprudência têm

entendido que exista a remuneração indireta, ou seja, a prestação de serviço é

colocada como gratuita pelo fornecedor, porém há o recebimento indireto que causa

o enriquecimento da figura fornecedor. Explica Marques,

(...) se a relação de consumo tem como finalidade algum tipo de

remuneração, mesmo que indireta do fornecedor está ela incluída no regime

do CDC, como comprova até mesmo o art. 39, III e parágrafo único, que

visam regular relações “gratuitas”, mas claramente de consumo.

(MARQUES, 2006, p. 332)

Resta claro que houve preocupação na elaboração do CDC de instituir o

fornecimento gratuito taxando ainda assim uma relação de consumo e obrigando o

fornecedor a responder por sua responsabilidade no recebimento indireto. Portanto,

ao definir fornecedor, adotou um método mais abrangente possível com a finalidade

de não restar dúvidas sobre a defesa do consumidor.

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Salientam-se os artigos 20 e 39 os quais indicam as obrigações do

fornecedor enquanto agente da relação de consumo, de vital importância para o

presente estudo, os parágrafos e itens negritados propositalmente:

Art. 20 - O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade

que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim

como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes

da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir,

alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,

sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 1º - A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros

devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.

§ 2º - São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins

que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam

às normas regulamentares de prestabilidade.

(...)

Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

(...)

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em

vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para

impingir-lhe seus produtos ou serviços;

(...)

Com a exposição do conceito e atribuições do fornecedor passa-se para a

exposição do conceito e atribuições do consumidor.

2.2.2 A figura do consumidor

O conceito de consumidor está disposto no art. 2º do CDC optando o

legislador pela fixação do conceito de consumidor, não deixando a cargo dos

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doutrinadores ou à jurisprudência para que não houvessem problemas na

interpretação, dispondo-o da seguinte forma:

Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza

produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

No CDC são verificadas quatro definições de consumidor, explicitadas por

Figueiredo da seguinte forma:

Em verdade, o Código de Defesa do Consumidor não adota um único

conceito, mas quatro definições para o consumidor, assim distribuídas: a

primeira, disposta no caput do artigo 2º, denominada por Cláudia Lima

Marques como consumidor stricto sensu, consubstanciado no conceito

econômico de consumidor e a aquisição ou utilização do produto ou serviço

como destinatário final. A segunda encontra-se no parágrafo único do artigo

2º, em que a coletividade é equiparada ao consumidor. A terceira, prevista

no artigo 17 do código, segundo o qual consumidores são todas as vitimas

do acidente de consumo. A quarta, de forma ampla e genérica, é o conceito

previsto no artigo 29 do código, que se aplica às práticas comerciais

abusivas e à proteção contratual. (FIGUEIREDO, 2004, p. 161)

Para o presente estudo importa o conceito stricto senso de consumidor

adotado pelo CDC, art. 2º, aplicado como regra geral, enquanto a regra dos arts. 17

e 29 somente se aplicam às seções e aos capítulos neles previstos, artigos estes

demonstrados a seguir:

Art. 17 - Para os efeitos desta Seção, equipara-se aos consumidores todas

as vitimas do evento.

Art. 29 - Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equipara-se aos

consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às praticas

nele previstas.

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Esse conceito se encontra ligado ao caráter econômico, levando em conta a

pessoa física ou jurídica que adquire bens ou contrata serviços na qualidade de

destinatário final. Na doutrina encontram-se duas correntes que buscam a

caracterização do consumidor como destinatário final, os finalistas e os

maximalistas. A primeira reconhece a vulnerabilidade do consumidor, enfatizando a

necessidade do CDC proteger o mais fraco na relação de consumo, podendo-se

excluir desse contexto os consumidores profissionais. Conforme explicita Antônio

Carlos Efing:

Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é

o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores.

Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações

contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4.º, inc. I. Logo,

convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a

necessita, quem é consumidor e quem não é. Propõem, então, que se

interprete a expressão “destinatário final” do art. 2.º de maneira restrita,

como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4.º e 6.º.

Esta corrente (finalistas) restringe a figura do consumidor àquele que

adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família, consumidor

seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um

grupo da sociedade que é mais vulnerável. Consideram que, restringindo o

campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará

assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência

será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte

mais fraca da relação de consumo, e não sobre casos em que profissionais-

consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes

concede. (2000, p. 46)

Para os maximalistas, continua o autor explicando, o CDC deve ser aplicado

em todos os agentes do mercado, protegendo tanto o consumidor não profissional

como o consumidor profissional. Contudo, alguns doutrinadores defendem um meio

termo entre as correntes doutrinárias buscando uma aplicação mais flexível para o

reconhecimento do consumidor, destinatário final tático e econômico, para que,

quando o consumidor profissional for considerado vulnerável, possa ele utilizar o

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Código de Defesa do Consumidor, conforme salienta indica Alcio Manoel de Sousa

Figueiredo:

Finalmente, percebe-se que há uma mitigação da corrente finalista, um meio

termo entre as correntes, doutrinárias acima expostas, uma aplicação mais

flexível para o reconhecimento do consumidor no mercado de consumo,

mantendo o caráter teológico da norma consumerista – o destinatário final

fático e econômico -, mas se houver no caso concreto a vulnerabilidade do

profissional ele poderá ser enquadrado como consumidor. (2004, p. 164)

Antônio Carlos Efing é adepto da corrente maximalista onde não importa a

hipossuficiência do consumidor, pois o CDC deve ser aplicado a todos os

consumidores, bastando que se enquadrem como destinatário final fático:

Diante desta conceituação, não resta dúvida de que nos filiamos à corrente

maximalista, isto porque somos da opinião que o CDC veio para introduzir

nova linha de conduta entre os participes da relação jurídica de consumo.

Assim, não importa ter vislumbrado a relação de hipossuficiência do

consumidor, como querem alguns autores, mas sim uma completa

moralização das relações de consumo da sociedade brasileira, onde

somente permanecerão nos diversos segmentos da cadeia de consumo

aqueles (pessoas físicas ou jurídicas) que assumirem esta posição com

todos os seus ônus e encargos, dentre os quais o atingimento da perfeição

no fornecimento de produtos e serviços, em total consideração ao

consumidor (adquirente ou utente deste produto ou serviço). (2000, p. 46)

Salienta-se o artigo 6º do CDC onde são descritos os direitos do

consumidor, nos quais estão grifados propositalmente, face o tema do presente

estudo:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

(...)

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos

e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas

contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e

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serviços, com especificação correta de quantidade, características,

composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que

apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos

comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e

cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e

serviços;

(...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à

prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,

coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e

técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão

do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do

juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,

segundo as regras ordinárias de experiências;

IX - (Vetado.)

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. (grifo

nosso)

Partindo-se da breve conceituação da relação de consumo e do CDC na

legislação brasileira, passa-se para a exposição do CDC segundo a legislação dos

países membros do Mercosul e a busca de unificação entre os países membros.

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3 A BUSCA POR UMA UNIFICAÇÃO DO CDC NO MERCOSUL

Antes de adentrarmos no processo de unificação do CDC no Mercosul se faz

necessária uma abordagem das controvérsias entre as legislações dos países

membros.

3.1 PECULIARIDADES DO CDC NOS PAÍSES MEMBROS

A defesa do consumidor possui proteção constitucional e infraconstitucional

na Argentina, Brasil e Paraguai. Na Argentina a defesa do consumidor se encontra

regulamentado pelo artigo 42 de sua Constituição, prevendo ao consumidor de bens

e serviços proteção à sua saúde, segurança, interesses econômicos, à informação

adequada e verdadeira e a condições de tratamento equitativo e digno, cuja

proteção será exercida pelas autoridades e pela legislação consumerista, a qual

estabelecerá procedimentos eficazes para a prevenção e solução dos conflitos.

(FIGUEIREDO, 2010)

Importa salientar no tocante não só à legislação da Argentina, como aos

demais países integrantes do Mercosul, os quais seguiram o modelo jurídico

brasileiro. Batisti (1999) cita como exemplos o Código Comercial, elaborado pelo

Brasil em 1850 e aprovado pelo Código Argentino em 1859, bem como, ao Código

Uruguaio em 1866 e o Paraguaio de 1870.

O Código Comercial Argentino trazia aliás matérias de natureza nitidamente

Cível, em virtude principalmente da inexistência de um Código Civil. Em

matéria de Código Civil, o processo de criação que no Brasil foi entregue a

Teixeira de Freitas, na Argentina foi entre a Dalmácio Velez Sarsfield que no

período entre 1865 até 1869 elaborou seu projeto, dando-o à publicação

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paulatinamente. O projeto de Velez Sarsfield acabou sendo adotado e

aprovado sem discussões, face ao empenho de Bartolomeo Mitre e

Domingo Sarmiento. Certo é que o direito argentino e brasileiro sempre

tiveram liames a uni-los, quer através da mútua influência, quer através

do recebimento de influências alienígenas comuns. (grifo nosso)

(BATISTI, 1999, p. 303)

A legislação infraconstitucional Argentina visando a proteção e defesa dos

consumidores, foi sancionada em 22 de setembro de 1993, com a denominação de

“Ley 24.240 de Defensa do Consumidor”, sofrendo alterações pelo Decreto Nacional

n.º 2.089, de 15/10/1993, pelas Leis n.º 24.568, de 31/10/1995, n.º 24.787, de

02/04/1997 e n.º 24.999, de 30/07/1998 e, mais recentemente, pela Lei n.º 26.361,

sancionada pela Câmara do Deputados em 13 de março de 2.008. (FIGUEIREDO,

2010)

A Constituição Nacional do Paraguai, segundo Batisti (1999), expressa a

política de defesa do consumidor nos seus artigos 38 e 27, indiretamente em seu

artigo 72.

O artigo 38, segundo Figueiredo (2010), prevê que toda pessoa, de forma

individual ou coletiva, tem direito de reclamar às autoridades pública, medidas para

a proteção do meio ambiente, da saúde pública, do acervo cultural, dos interesses

dos consumidores e outras de relativas à qualidade de vida e ao patrimônio coletivo.

“A legislação infraconstitucional de defesa do consumidor Paraguaio, foi aprovada

em 15 de setembro 1998, mediante a promulgação da Lei n.º 1.334, denominada de

Ley de Defensa del Consumidor Y Del Usuario.”

Seguindo o exemplo do Paraguai, a Constituição da República Oriental do

Uruguai, não prevê de forma expressa a proteção do consumidor. Na Constituição

da República Oriental do Uruguai existem três indicações apenas. A primeira relativa

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ao art. 24 atribuindo responsabilidade ao Estado e seus entes e órgãos, quando

causarem danos a terceiros, por ocasião dos serviços públicos confiados à sua

gestão ou direção. O segundo diz respeito à proibição da prática de usura, limitando

os juros, sendo de ordem pública e caracteriza a usura como crime. A terceira se

refere à saúde e higiene públicas, atribuindo ao Estado a elaboração de legislação

vigente. (BATISTI, 1999)

A Constituição da República Oriental do Uruguai, segundo Figueiredo

(2010), apresenta preceitos constitucionais que sem dúvida abrigam direitos aos

cidadãos e consumidores uruguaios. Na esfera infraconstitucional, a defesa do

consumidor, se encontra prevista na Ley de Relaciones de Consumo n.º 17.250, de

11 de agosto de 2000, regulamentada pelo Decreto n.º 244, de 23 de agosto de

2000.

A legislação brasileira já foi exposta em capítulo a parte face a sua

elaboração minuciosa e importância como modelo aos demais países membros,

conforme salientado pelos autores citados acima.

Sabendo-se que a defesa do consumidor abrange inúmeros aspectos, no

presente estudo, será limitado apenas a relação consumerista o direito comparado

no Mercosul, o qual é apresentado a seguir.

3.2 A RELAÇÃO DE CONSUMO NO MERCOSUL

De acordo com Figueiredo (2010), as leis de defesa do consumidor no

Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – apresentam em comum o seu

conceito enfocando os seguintes fatores: consumidor; fornecedor; produto; serviço; e

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relações de consumo. Sendo assim, a relação de consumo consistirá no vínculo

estabelecido entre o fornecedor que, a título oneroso ou gratuito, fornece um produto

ou serviço a quem o utiliza como destinatário final ou como consumidor equiparado.

A Ley de Defensa Del Consumidor Argentino (LDCA), o Código de Defesa

do Consumidor Brasileiro (CDC), a Ley de Defensa Del Consumidor Y del Usuário

Paraguaia (LDCP), não prevêem uma definição clara e precisa do conceito da

relação de consumo. Entretanto, o Protocolo de Santa Maria, assinado pelos países

membros do Mercosul em dezembro de 1996 e aprovado pelo CMC mediante a

Resolução n. 10, determina a jurisdição internacional do Mercosul e o que se refere

as relações de consumo:

É o vínculo que se estabelece entre o fornecedor que, a título oneroso,

fornece um produto ou presta um serviço, e quem o adquire ou utiliza como

destinatário final. Equipara-se a esta o fornecimento de produtos e a

prestação de serviços a título gratuito, quando se realizem em função de

uma eventual relação de consumo. (FIGUEIREDO, 2010, s/p.)

No Uruguai, a lei de defesa do consumidor uruguaia adotou na íntegra a

definição adotada pelo protocolo de Santa Maria, conforme segue:

Art. 4º - Relación de consumo es el vínculo que se establece entre el

proveedor que, a título oneroso, provee un producto o presta un servicio y

quien lo adquiere o utiliza como destinatario final. La provisión de productos

y la prestación de servicios que se efectúan a título gratuito, cuando ellas se

realizan en función de una eventual relación de consumo, se equiparan a

las relaciones de consumo. (LDCU). (FIGUEIREDO, 2010, s/p.)

Os demais sujeitos da relação de consumo são expostos a seguir.

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3.2.1 O consumidor no Mercosul

Com relação ao conceito de consumidor, adotado pelo direito brasileiro, a lei

argentina diferencia usuário de consumidor. Usuário é o nome do destinatário do

serviço público. Contudo, são considerados consumidores ou usuários qualquer

pessoa física ou jurídica que contratam a título oneroso, para consumo final, ou

benefício próprio ou de seu grupo familiar ou social, a aquisição ou locação de

coisas móveis, a prestação de serviços e a aquisição de imóveis novos destinados à

moradia, incluindo lotes de terrenos adquiridos para o mesmo fim, desde que a

oferta seja pública e dirigida a pessoas indeterminadas. (BATISTI, 1991)

Segundo Figueiredo (2010) nos países membros do Mercosul o consumidor

é definido de acordo com o seu caráter econômico, levando em conta a pessoa

física ou jurídica que adquire bens ou contrata serviços na qualidade de destinatário

final. A Argentina, Brasil e o Paraguai consideram consumidor a coletividade de

consumidores, assegurando a possibilidade de defesa em seus diretos no âmbito do

Poder Judiciário de forma conjunta, desde que relacionado a um determinado

produto ou serviço. Na Argentina, similarmente ao Brasil, mesmo que o agente não

seja o destinatário final deve ser reconhecido como consumidor, sem considerar o

seu caráter físico ou jurídico, contudo deve se encontrar em uma relação de

consumo.

No direito uruguaio, salienta Batisti (1999), inexiste uma lei específica de

defesa do consumidor, sendo que, a própria Constituição não se refere

expressamente a proteção do mesmo. A doutrina, por sua vez, “aponta várias leis

esparsas que produzem preocupação.” (p. 411)

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3.2.2 O fornecedor no Mercosul

Na Argentina, o fornecedor é caracterizado como toda pessoa “física ou

jurídica, de natureza pública ou privada, que de modo profissional, ainda que

ocasionalmente, produzam, importem, distribuam ou comercializem coisas ou

prestem serviços a consumidores e usuários.” (artigo 2 do Decreto 1.798/94 – LDCA)

(BATISTI, 1999, p. 317)

A Ley de Defensa del Consumidor Argentina (LDCA), exclui profissionais

liberais com curso universitário e inscrição em corporação profissional da

característica de fornecedores. (FIGUEIREDO, 2010)

O profissional liberal na Argentina, segundo Batisti (1999), não é fornecedor

exceto quando existe relação às práticas de publicidade é que se encontram sujeitos

à lei de defesa. Ao contrário do CDC brasileiro, onde os profissionais liberais se

encontram equiparados à condição de fornecedores, embora em relação aos

serviços prestados pelos mesmos se exija a verificação de culpa (art. 14, par. 4º).

No Paraguai, a Ley de Defensa del Consumidor Y del Usuário Paraguaia,

define o fornecedor como sendo toda “pessoa física ou jurídica, nacional ou

estrangeira, pública ou privada, que desenvolve atividades de produções,

fabricação, importação, distribuição, comercialização, arrendamento de bens ou de

prestação de serviços aos consumidores e usuários.” (FIGUEIREDO, 2010, s/p.)

No Uruguai, a Ley de Defensa del Consumidor Uruguaia, caracteriza o

fornecedor como toda “pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, privada ou

pública, que desenvolve de maneira profissional atividades de profissão, criação,

construção, transformação, montagem, importação, distribuição e comercialização

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de produtos e serviços em uma relação de consumo.” (FIGUEIREDO, 2010, s/p.)

Nas legislações dos países membros do Mercosul não se observam grandes

diferenças em relação ao conceito de fornecedor, exceto a legislação argentina que

exclui o profissional liberal, com curso universitário e inscrito em sua corporação

profissional, como fornecedor.

Segundo Batisti (1999) a lei argentina é mais restritiva do que a brasileira no

que se refere ao conceito, abrangência e identificação do consumidor e fornecedor.

3.2.3 Bens e serviços no Mercosul

Segundo Figueiredo (2010), a definição de bens nas legislações de defesa

do consumidor dos países membros do Mercosul são equiparáveis, face se entender

“por produto qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” A nomenclatura

produto é utilizada nas legislações do Brasil, Paraguai e Uruguai. A doutrina

brasileira critica o uso da nomenclatura “produto”, dizendo que melhor seria falar em

bens, haja vista tratar-se de um termo mais abrangente.

No tocante ao conceito de serviços, a legislação brasileira, paraguaia e

uruguaia considera “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante

remuneração, com exceção das relações de trabalho.” A legislação argentina se

diferencia por considerar “serviço qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração ou não”. Tanto a Argentina como o Paraguai, não

excluem o “conceito de serviço da atividade dos profissionais liberais, cujo exercício

exige título universitário e autorização da entidade profissional, com exceção da

publicidade que tenha sido efetuado para a oferta do serviço”. Na Argentina aplica-

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se a lei de consumo apenas subsidiariamente aos serviços de transportes aéreos.

(FIGUEIREDO, 2010, s/p.)

Sobre a questão de garantia, Batisti (1999) alerta que a legislação argentina

acata a não obrigatoriedade, muito embora o dever de segurança derive da boa-fé

do art. 1.148 do Código Civil. No caso de ocorrer a devolução do bem, o fornecedor

se obriga à devolução do valor, conforme o preço atual do bem no mercado. O

direito à indenização é contemplado na legislação paraguaia e uruguaia.

Tendo-se exposto de forma sucinta a lei de defesa do consumidor nos

países membros do Mercosul, das quais emergem similaridades que a priori não

impactariam a unificação em um único regulamento dessa matéria, a seguir é

exposto a problemática que envolve a unificação.

3.3 A PROBLEMÁTICA DE UM REGULAMENTO COMUM AO MERCOSUL

No Mercosul há a necessidade de um consenso para a auto-aplicabilidade

de normas, segundo Batisti (1999). O Tratado de Assunção e demais protocolos não

fazem qualquer referência ao consumidor ou ainda, às relações de consumo. Esse

tema se encontra inserido de modo indireto nos propósitos expostos no artigo 1º -

“buscar a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-

Partes, - políticas estas de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária,

cambial e de capitais, de serviços, aduaneira, de transporte e comunicação e

outras.” Pode-se inferir apenas, a defesa do consumidor nas políticas de comércio

exterior, agrícola e industrial. (p. 416)

Entretanto, Klausner (2008) alerta que existe um movimento no Mercosul

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que se encontra atento à necessidade de participação do consumidor no mercado

intracomunitário como agente econômico. E assim, “vem estudando fórmulas para

proporcionar proteção comunitária ao consumidor mercosulino, mas não vem

obtendo progressos significativos nesse sentido.” (p. 64)

A tentativa de uniformização de legislações entre os quatro países-membros

do Mercosul é problemática, face apenas um país se encontrar desenvolvido em

termos de Direito do Consumidor, no caso o Brasil, seja pelo próprio CDC, como

pela doutrina e jurisprudência consumeristas. Nos últimos anos, desde a

promulgação do Código, a consciência de cidadania do consumidor brasileiro vem

aumentando, o que refletiu em mudanças no “estilo” de muitos fornecedores ou

prestadores de serviços e, por óbvio, em demandas judiciais específicas. Com isto,

criou-se uma classe de operadores jurídicos especializados nos temas das relações

de consumo e o saber específico difundiu-se, sugerindo um movimento

consumerista, ainda não muito ordenado, com característica diferente dos

movimentos americano e europeu. Se hoje estes se tornaram estáticos, o brasileiro

por sua vez, cresce na medida em que há um maior envolvimento e participação do

cidadão/consumidor brasileiro em questões que envolvam os direitos de terceira

geração. (SOUZA, 1996)

É consenso entre os doutrinadores que o Brasil é o país-membro do

Mercosul que tem a legislação com maior número de garantias aos consumidores e

com um certo aparato institucional de proteção aos mesmos. Seguindo em seu

encalço a Argentina, principalmente depois da promulgação da Lei nº 24.440, de

1993. Contudo, o Uruguai e o Paraguai não possuem, ainda, leis que garantam os

direitos dos consumidores e nem movimento neste sentido. Há uma disparidade, no

que tange ao consumidor, entre os primeiros e os dois últimos países mencionados,

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o que já prejudicou o Brasil e a Argentina. (BOLSON, 1998)

O GMC, segundo Klausner (2008), editou em 1994 a Resolução n. 126/94,

cujo art. 2º busca a disposição e a aprovação de um Regulamento comum para a

defesa do consumidor, onde cada país membro aplicaria sua própria legislação

sobre a matéria em relações de consumo intracomunitárias, instituindo assim a

aplicação da regra do mercado de destino. Esse seria o primeiro passo para a

unificação dos direitos dos consumidores no Mercosul sendo denominado “Protocolo

de Defesa do Consumidor do Mercosul”. Apresentado, aprovado e assinado pelo

Ministério da Justiça brasileiro em 29 de novembro de 1997, foi recusado pela

Delegação brasileira na Comissão de Comércio do Mercosul em 10 de dezembro do

mesmo ano, durante a XXV reunião, realizada em Montevidéu. A justificativa é de

que:

O Protocolo assegurava direitos muito inferiores ao assegurado pela

legislação brasileira, o que representaria um verdadeiro retrocesso na

história da defesa do consumidor no Brasil e no continente, pois a sua

incorporação ao ordenamento brasileiro significaria a revogação das

disposições da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor,

inclusive reduzindo o âmbito do conceito de „consumidor‟ ao tutelar somente

os sujeitos de relação contratual de consumo. (KLAUSNER, 1998, p. 64)

Continua o autor explicando que a não aprovação do regulamento comum

que dispunha sobre direito substantivo, ficou sem poder entrar em vigor o Protocolo

de Santa Maria sobre jurisdição internacional em matéria de relações de consumo

aprovado pelo CMC em 1996, pois seu art. 18 dispõe:

Art. 18 A tramitação da aprovação do presente Protocolo no âmbito de cada

um dos Estados Partes, com as adequações que forem necessárias,

somente terá início após a aprovação do “Regulamento Comum Mercosul

de Defesa do Consumidor” em sua totalidade, inclusive eventuais anexos,

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pelo Conselho do Mercado Comum. (KLAUSNER, 2008, p. 64-65)

Batisti (1991) corroborando ao explicitado por Klausner, salienta que os

entraves na busca da unificação se deve à legislação brasileira, na figura do Código

de Defesa do Consumidor, a qual é mais desenvolvida e completa. Razão pela qual,

a delegação brasileira busca influenciar no sentido de que a maior parte dos

institutos consagrados na legislação brasileira, faça parte do Regulamento. Tal fato

suscita certa oposição das demais delegações, até pelo motivo justificado de que

alguns institutos do CDC brasileiro suscitaram resistências por parte de segmentos

comerciais e industriais, principalmente no que se refere ao mecanismo de

facilitação do direito de defesa com inversão do ônus da prova a favor do

consumidor e do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor como

pressuposto das normas. A maior resistência viria do Uruguai, no qual os contratos

comuns são elaborados com assistência de um escrivão, não havendo como admitir

como abusivas as cláusulas desses tipos de contrato, que se limitariam aos

contratos de adesão.

No ver de Ody (2007) a não uniformidade conceitual e a carência de

proteção da parte vulnerável é o que ocasiona a inibição de contratos

transnacionais. Para sanar esse problema é necessária a harmonização das

legislações internas de cada país membro, tornando-as flexível buscando o meio

mais eficaz de promoção da defesa efetiva do consumidor no Mercosul, bem como,

da concretização da liberdade de circulação de produtos e serviços, face esta última

ser uma das finalidades do mercado comum e estabelecida pelo Tratado de

Assunção.

O GMC, órgão executivo do Mercosul, sob o argumento da necessidade de

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se unificar as legislações nacionais, vem editando um conjunto de leis unificadas e

uniformes para os quatro países, denominado de Regulamento Comum de Defesa

do Consumidor. Este regulamento tem o objetivo de tornar-se um Código de Defesa

do Consumidor do Mercosul, com dispositivos que passariam a vigorar nos quatro

países-membros. Porém, tal regulamento, em fase de aprovação, não incluiu entre

suas normas dispositivos fundamentais presentes no CDC brasileiro, como o que

presume a vulnerabilidade do consumidor (Princípio da Vulnerabilidade), o do

consumidor equiparado e o da cláusula da boa-fé (Princípio da Boa-Fé Objetiva) nas

relações pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais. Fato este que demonstra

total dissonância com a situação-paradigma do processo integracionista europeu,

que alicerça o seu direito comunitário do consumidor em vários princípios, entre eles

o da Boa-Fé. Nesse sentido, tal regulamento não abrange em seu texto garantias

conquistadas a duras penas pelos consumidores brasileiros e que deveriam servir de

modelo a qualquer legislação. (BOLSON, 1998)

Outro aspecto a ressaltar é que o método escolhido pelo Mercosul, o de

unificar as legislações, embora os protocolos falem em “harmonização”, colocando

no texto legal o que os lobbies desejam, vai de encontro ao que se tem como

exemplar na União Européia – uma harmonização flexível. Neste sentido, Cláudia

Lima Marques esclarece:

Falta ao Mercosul um instrumento flexível de harmonização, como as

diretivas, verdadeiras leis-modelos, cujo objetivo é obrigatório; não os textos

das normas-modelos ali formulados e que deixam para os países-membros

decidir não só o método como serão estas normas incorporadas, mas se

necessitam ou não elaborar outras leis, modificar as atuais para atingir os

objetivos ali estabelecidos pela Comunidade Européia. Assim, a diretiva

sobre cláusulas abusivas levou à pontual modificação do Código Civil

italiano, a nenhuma modificação do „Code de la Consommation‟ francês e à

inclusão de dois parágrafos na lei alemã de 1976. (MARQUES, 1999, p. 98)

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Na falta de um regimento único, Klausner (2008) alerta que a conseqüência

na prática será a de no caso de litígio junto ao fornecedor estrangeiro situado no

Mercosul, as condições do consumidor brasileiro não serão melhores do que quando

se litiga com fornecedor estrangeiro de outro país não membro do Mercosul, face a

inexistência de uma norma comunitária específica para consumidores sobre matéria

processual entre os países membros. Agravado pelo fato de que a regra de conexão

comunitária de Direito Internacional Privado (Resolução GMC n. 126/94) “remete a

solução do mérito da demanda ao direito do local onde é fornecido o produto ou

serviço ao consumidor.” (p. 65)

Cabe ao consumidor mercosulino litigante usar a seu favor o Protocolo de

Las Leñas – o qual prevê o reconhecimento e a execução de sentença estrangeira

prolatada por órgão judiciário ou arbitral dos países membros por meio de carta

rogatória executória, procedimento que auxilia e simplifica a obtenção de eficácia e

efetividade das decisões judiciais no Mercosul, favorecendo a circulação de decisões

judiciais no mercado comum –, “o Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro Preto

de 1994 e algumas disposições comunitárias que facilitam o litígio internacional no

Mercosul, mas nenhuma norma material ou processual específica para aplicação ao

consumo fronteiriço.” (KLAUSNER, 2008, p. 65-73)

A Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do

Mercosul, elaborada e assinada em reunião entre os países membros na cidade de

Florianópolis, em 15 de dezembro de 2000, estabelece entre a Argentina, o Brasil, o

Paraguai e o Uruguai regimes democráticos baseados no respeito aos direitos

fundamentais da pessoa humana, inclusos os direitos do consumidor. O direito do

consumidor deve ser considerado elemento indissociável e essencial do

desenvolvimento econômico equilibrado e sustentável do Mercosul, onde os países

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membros possuem como dever a realização de incentivos para buscar relações

transparentes, harmônicas e leais no mercado de consumo. (ODY, 2007)

Em específico a defesa do consumidor a Declaração estabelece:

a) à proteção eficaz da vida, da saúde e da segurança do consumidor e do

meio ambiente contra os riscos provocados por práticas no fornecimento

de produtos e serviços;

b) ao equilíbrio nas relações de consumo, assegurado o respeito aos

valores de dignidade e lealdade, com fundamento na boa fé, conforme a

legislação vigente em cada Estado Parte;

c) ao fornecimento de serviços – tanto públicos como privados – e produtos

em condições adequadas e seguras;

d) de acesso ao consumo com liberdade de escolha, sem discriminações e

arbitrariedades;

e) à efetiva prevenção e reparação por danos patrimoniais e extra-

patrimoniais causados ao consumidor e à sanção dos responsáveis;

f) à educação para o consumo e ao fomento no MERCOSUL do

desenvolvimento de entidades que tenham por objetivo a defesa do

consumidor;

g) à informação suficiente, clara e veraz;

h) à proteção contra a publicidade não permitida, conforme a legislação

vigente em cada Estado Parte, de produtos e serviços;

i) à proteção contra práticas abusivas e métodos coercitivos ou desleais;

j) à proteção contra cláusulas contratuais abusivas, conforme a legislação

vigente em cada Estado Parte;

k) à facilitação do acesso aos órgãos judiciais e administrativos e a meios

alternativos de solução de conflitos, mediante procedimentos ágeis e

eficazes, para a proteção dos interesses individuais e difusos dos

consumidores. (MRE, 2011, s/p.)

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Em 2004, o Comitê Técnico n. 7 de Defesa do Consumidor, elaborou o

Acordo Interinstitucional de Entendimento entre os Órgãos de Defesa do

Consumidor dos Estados Partes do Mercosul para a Defesa do Consumidor

Visitante, fazendo com que brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios possam

ser atendidos por órgãos de defesa do consumidor em qualquer um dos países do

Mercosul quando estiverem em trânsito. O objetivo principal é o de “garantir a efetiva

proteção dos consumidores da sub-região, que se encontrem transitoriamente em

outro país do bloco, beneficiando, principalmente, os turistas.” Em 2009, o mesmo

Comitê de Defesa do Consumidor aprovou a Declaração de Salvador, na qual estão

reconhecidos, dentre outros, os seguintes direitos dos consumidores em relação à

concessão de crédito: o de arrepender-se e de desvincular-se do contrato livre de

qualquer ônus; o de renegociar as parcelas mensais para preservar o necessário à

sua subsistência; e o de ser protegido contra a concessão irresponsável de crédito.

(D‟ANGELIS, 2011, p. 54)

De acordo com Klausner (2008) houve uma proposta apresentada pelo

Brasil, CP/CAJP-2094/03 add. 3-a52, da autoria de Claudia Lima Marques,

buscando um projeto de convenção sobre escolha do direito aplicável a transações

de consumo internacionais nas Américas. Busca a regulamentação de regras claras

sobre a definição de consumidor e indica que o contrato de consumo, incluindo o

concluído eletronicamente, deverá ser governado pela lei do país de domicílio do

consumidor ou pela lei mais favorável ao consumidor, excetuando-se alguns casos

específicos cobertos por outros tratados internacionais, como os relativos a

transportes e seguros.

Segundo Marques (2001) existem duas falhas na legislação do Mercosul:

a) O consumidor turista fica sem proteção ao retornar ao seu país, pois tal

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proteção pressuporia a extraterritorialidade destas leis, cuja característica é

justamente a territorialidade. Nesse sentido, o consumidor turista nacional somente

se encontraria protegido quando o juiz nacional fosse aplicar justamente a lex fori a

estas relações internacionais. Essas conexões comuns levam a aplicação de uma lei

estrangeira em relações contratuais com consumidores nacionais, haja vista ser o

fornecedor estrangeiro o redator dos contratos concluídos com turistas.

b) O consumidor interamericano se encontra sem proteção, no caso do foro

provável de sua demanda ser em país estrangeiro, como por exemplo, ao contratar a

distência ou por comércio eletrônico. Tal fato decorre das normas imperativas ou de

ordem pública do país de domicílio do consumidor são aplicadas pelo juiz arbitral de

outro país.

Razão pela qual é fundamental estabelecer uma proteção ao consumidor

interamericano justamente nestes dois temas.

O projeto sugere inclusive regras específicas inspiradas em textos

normativos internacionais, comunitários, norte-americanos, europeus e sul-

americanos, fato este extremamente positivo por aproveitar “a experiência de

normas que estão em vigor e já sofreram suficiente exame doutrinário e

jurisprudencial sobre sua eficiência e efetividade.” De outra forma, “assegura que os

textos dos artigos reflitam princípios dominantes em matéria de direito do

consumidor na legislação de diversos países, universalidade necessária em tratados

multilaterais da grandeza dos realizados pela CIDIP – Conferência Internacional de

Direito Internacional Privado. (KLAUSNER, 2008, p. 67)

A proposta brasileira, segundo o autor acima citado, é um pequeno tratado

que, em poucos artigos, soluciona sem grande margem para dúvidas ou inter-

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pretações, o importante problema da lei aplicável às relações de consumo inter-

nacionais, propiciando que as decisões dos tribunais dos países membros se tornem

uniformes, dando segurança jurídica aos consumidores e fornecedores por ele

beneficiados.

No primeiro artigo é definida a figura do Consumidor:

Art. 1 - Definição de Consumidor

1. Consumidor para efeitos desta Convenção é qualquer pessoa física que,

frente a um profissional e nas transações, contratos e situações abrangidas

por esta Convenção, atue com fins que não pertençam ao âmbito de sua

atividade profissional.

2. Consideram-se consumidores também os terceiros pertencentes a família

do consumidor principal ou os acompanhantes outros, que usufruam

diretamente dos serviços e produtos contratados, nos contratos abrangidos

por esta Convenção, como destinatários finais destes.

3. Para o caso de contratos de viagens e de multipropriedade, considerar-se

a consumidores:

a. o contratante principal ou pessoa física que compra ou se compromete a

comprar o pacote turístico, a viagem ou o time-sharing para o seu uso

próprio;

b. os beneficiários ou pessoas terceiras em nome das quais compra ou se

compromete o contratante principal a comprar a viagem ou o pacote

turístico e os que usufruem da viagem ou da multipropriedade por algum

espaço de tempo, mesmo não sendo contratantes principais;

c. o cessionário ou pessoa física aos qual o contratante principal ou o

beneficiário cede a viagem ou pacote turístico ou os direitos de uso;

4. Se a lei indicada aplicável por esta convenção definir de forma mais

ampla ou benéfica quem deve ser considerado consumidor ou equiparar

outros agentes a consumidores, o juiz competente pode ter em conta esta

extensão do campo de aplicação da convenção, se for mais favorável aos

interesses do consumidor. (MARQUES, 2001)

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No segundo artigo é tratada a proteção contratual geral, especificando os

contratados à distância, por meios eletrônicos, de telecomunicações ou por telefone,

estando o consumidor em seu país de domicílio, os quais serão regidos pela lei

deste país ou pela lei mais favorável ao consumidor, escolhida entre as partes, se lei

do lugar da celebração do contrato, lei do lugar da execução do contrato, da

prestação característica ou lei do domicílio ou sede do fornecedor de produtos e

serviços. (MARQUES, 2001)

No terceiro artigo são estabelecidas as normas imperativas com redação

clara e precisa, trazendo a vantagem de estender ao consumidor as normas

imperativas do foro do fornecedor, nas hipóteses em que arrola, para melhor

proteção do consumidor sem surpreender o fornecedor já acostumado com as

normas do seu domicílio. (KLAUSNER, 2008)

No quarto artigo, de caráter inovador, utiliza o princípio da proximidade em

favor do consumidor.

A lei indicada como aplicável por esta Convenção pode não ser aplicável em

casos excepcionais, se, tendo em vista todas as circunstâncias do caso, a

conexão com a lei indicada aplicável mostrar-se superficial e o caso

encontrar-se muito mais vinculado estreitamente a outra lei, mais favorável

ao consumidor. (MARQUES, 2001, s/p.)

No quinto artigo são especificadas quais relações de consumo não estão no

domínio da convenção por estarem cobertos por outros tratados, como por exemplo,

o caso de transportes interamericanos e seguros, ou por existirem outras

convenções específicas sobre relações de consumo, o que manterá a juventude e

vitalidade desta convenção como norma geral interamericana sobre o tema.

(KLAUSNER, 2008)

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Finaliza com o sexto e sétimo artigos onde tratam “especificamente de

contratos de consumo tipicamente pós-modernos e cada vez mais difundidos, como

os de turismo e multipropriedade, os quais vêm recebendo tratamento específico na

legislação européia e nos países do Mercosul.” (KLAUSNER, 2008, p. 68)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se que o Mercosul ainda é um projeto em busca de integração

econômica e sócio-política entre os seus países membros e associados, visando

alcançar a liberdade de circulação de pessoas e serviços, tem-se o consumidor

como figura central nesse cenário. Afinal, caberá ao consumidor a efetivação do

processo de integração, e por sua vez, a sua proteção deve ter caráter fundamental

em todos os países membros.

O Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto não contemplaram a

defesa do consumidor em sua redação. Essa lacuna promove a insegurança,

desconfiança e descrédito em torno do consumidor turista, conforme explicitado por

Claudia Lima Marques, referindo-se a vulnerabilidade do mesmo quando na relação

intragovernamental com países integrantes do Mercosul, face a inexistência de uma

unificação da legislação.

É possível observar por parte dos países membros um esforço contínuo no

sentido de elaborar normas contemplativas da defesa do consumidor. O próprio

Conselho Mercado Comum expede decisões buscando a padronização na produção

dos bens.

Mas, os entraves se encontram na própria aplicação de um CDC

desenvolvido, tomando por base o modelo brasileiro – considerada a lei de defesa

do consumidor uma das mais completas do mundo, trazendo em seu arcabouço

conceitos, direitos, princípios e instrumentos, estabelecendo regras para tratamento

do defeito e do vício, regras quanto a práticas comerciais e relações contratuais,

descrevendo infrações administrativas e penais, além de tratar de aspectos

processuais, notadamente quanto aos direitos e interesses coletivos, enfim, um

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Código específico para atender o consumidor.

Torna-se praticamente impossível a implementação dessas modificações em

países que não possuem estrutura para a absorção de uma legislação mais restritiva

e que reconheça a vulnerabilidade do consumidor no decorrer da relação de

consumo, como no caso o Uruguai e Paraguai.

Espera-se que o processo de harmonização das legislações seja aplicado de

forma mais emergencial, pois é de fundamental importância para a integração dos

países membros, a disciplina sobre a qualidade, a informação e a segurança de

bens e serviços visto que destes emergem custos de produção, os quais podem

colocar em risco a integração econômica caracterizada pela livre circulação de bens

e serviços.

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