49
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim Fachin Carmo O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM BAIXA VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO CURITIBA 2012

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

  • Upload
    lemien

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Letícia Monira Bordim Fachin Carmo

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM BAIXA

VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO

CURITIBA

2012

Page 2: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

Letícia Monira Bordim Fachin Carmo

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM BAIXA

VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO

Monografiaapresentada a Especialização em Artes

Visuais, Práticas Pedagógicas e Linguagens

Contemporâneas, da Faculdade de Ciências

Humanas, Letras e Artes, da Universidade Tuiuti

do Paraná, como requisito parcial para a obtenção

do título de Pós Graduanda - Especialista.

Orientadora: Prof.Ms. Camilla La Pastina.

CURITIBA

2012

Page 3: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

TERMO DE APROVAÇÃO Letícia Monira Bordim Fachin Carmo

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS CEGAS E COM

BAIXA VISÃO ATRAVÉS DO DESENHO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Especialista em

Artes Visuais do Curso de Pós-Graduação latu sensuem Ensino das Artes Visuais:

Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de setembro de 2012.

Prof.Ms. Renato Torres

Coordenador do Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Profª. Camilla Carpanezzi La Pastina Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas

Profª. ____________________ Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas

Page 4: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Walter e

Silvana, minha irmã Ana Carolina, ao

Pietrângelo, aos meus avós, Arioly, Neide,

Geraldo e Magdalena, meus tios, Regina, Ana

Flávia e Paulo, aos meus colegas e meus

professores, que durante o período de curso me

apoiaram e me deram forças para concluir mais

esta etapa em minha vida.

Page 5: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, primeiramente, por me

permitir chegar onde estou hoje; ao Pietrângelo,

por ter me dado o incentivo de cursar esta

especialização, e pelos puxões de orelha; à

Cibele, pela paciência, pela força e por ter

acreditado neste projeto; à tia Ana e Pedro

Henrique, por passarem parte do seu tempo me

“socorrendo” de última hora; a Camilla e a

Thaís, por me aceitarem como orientanda; aos

meus pais que me deram a vida e que tanto se

esforçaram para me dar condições de poder

construir minha carreira.

Page 6: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

RESUMO

Esta monografia de especialização aborda como tema o ensino das artes visuais para crianças

cegas e com baixa visão, tendo como objetivo fazer uma reflexão sobre o assunto. Optou-se

por dividir este trabalho em três capítulos, intitulados: “A Educação Inclusiva”; “A Arte e a

Inclusão dos Deficientes Visuais” e “O Ensino do Desenho para Crianças Cegas”. No

primeiro capítulo são abordadas as diversas leis de inclusão de pessoas com qualquer tipo de

deficiência no ambiente escolar e mesmo na sociedade, não apenas os cegos; bem como um

breve histórico da educação inclusiva.No segundo capítulo é feita uma reflexão sobre o

mundo da Arte e o público cego; tendo como base uma experiência realizada pelas

professoras Adriane Cristine Kirst e Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, em que o

público cego é levado a ter visitas mediadas no Museu de Arte de Santa Catarina. Neste

capítulo também é apresentada uma pesquisa da professora Dra. Amanda Tojal, daPinacoteca

do Estado de São Paulo, onde se estudam as possibilidades do uso de matrizes táteis para

ampliar aspossibilidades de experiência estética do público cego. No terceiro capítulo é

apresentada uma síntese da publicação “Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas”, da

pesquisadora e professora de artes visuais Maria Lúcia B. Duarte.

Palavras-chave: Ensino da Arte - Educação Inclusiva – Arte para Crianças cegas

Page 7: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................8

2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA...........................................................................................9

3 A ARTE E A INCLUSÃO DOS DEFICIENTES VISUAIS........................................13

4 O ENSINO DE DESENHO PARA CRIANÇASCEGAS............................................22

4.1 POR QUE ENSINAR DESENHO A CRIANÇAS CEGAS?................................39

4.2 COMO ENSINAR DESENHO A CRIANÇAS CEGAS?.....................................39

4.3 QUE DESENHOS ENSINAR ÀS CRIANÇAS CEGAS?...................................40.

4.4 COMO AUXILIAR OS PROFESSORES DAS SALAS DE AULAS

INCLUSIVAS?..................................................................................................................40

5 CONCLUSÃO..................................................................................................................42

REFERÊNCIAS........................................................................................................................43

ANEXO 1. Resenha do livro “O Olhar da Mente”, de Oliver Sacks........................................45

Page 8: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

8

1INTRODUÇÃO

Esta monografia de especialização aborda como tema o ensino das artes visuais para

crianças cegas e com baixa visão, tendo como base, dentre outros, a publicação: “Desenho

infantil e seu ensino a crianças cegas”, da professora Maria Lúcia Batezat Duarte, que

acompanha uma garota cega desde a infância até a adolescência; “O Olhar da Mente”,

publicação do médico neurologista Oliver Sacks, que acompanha pacientes cegos e seus jeitos

de “ver” o mundo. Através destes e outros pesquisadores, o objetivo deste trabalho é fazer

uma reflexão sobre o ensino das artes visuais para crianças cegas e com baixa visão.

Para tanto optou-se por dividir este trabalho em três capítulos, intitulados: “A Educação

Inclusiva”; “A Arte e a Inclusão dos Deficientes Visuais” e “O Ensino do Desenho para

Crianças Cegas”. No primeiro capítulo, A Educação Inclusiva, são abordadas as diversas leis

de inclusão de pessoas com qualquer tipo de deficiência no ambiente escolar e mesmo na

sociedade, não apenas os cegos; é apresentado também, um breve histórico da educação

inclusiva.

No segundo capítulo, A Arte e a Inclusão dos Deficientes Visuais, é feita uma reflexão

sobre o mundo da Arte e o público cego, tendo como base uma vivência realizada pelas

professoras Adriane Cristine Kirst e Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, em que o

público cego é levado a ter visitas mediadas no Museu de Arte de Santa Catarina- MASC.

Neste capítulo também é apresentada uma pesquisa da professora Dra. Amanda Tojal,

daPinacoteca do Estado de São Paulo, onde se estudam as possibilidades do uso de matrizes

táteis para ampliar as possibilidades de experiência estética do público cego.

Em “O Ensino do Desenho para Crianças Cegas” é apresentada uma síntese da publicação

“Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas”, da pesquisadora e professora de artes

visuais Maria Lúcia B. Duarte.

Page 9: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

9

2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A educação é um direito de todos e, indiscutivelmente, um dos sistemas mais importantes da

sociedade. Porém, é bem conhecida a luta dos movimentos em prol da inclusão, para que as

pessoas com algum tipo de necessidade educacional especial tenham seus direitos

reconhecidos.

Antes da década de 60 os indivíduos portadores de deficiências eram considerados

“ineducáveis”, e, portanto, eram atendidos separados dos não deficientes, em instituições

especiais. Segundo Mendes (2006), esta segregação ocorria partindo do pensamento em que

estas pessoas seriam melhor atendidas se ensinados em ambientes separados dos demais.

Nas décadas de 60 e 70, surgiram as bases para uma proposta de unificação que beneficiaria

os deficientes ao proporcionar mais desafios e oportunidades de aprendizado ao viverem em

ambientes diversos, realistas, que proporcionariam interações sociais, facilitando o

aprendizado. Os não deficientes também seriam beneficiados com a presença de pessoas que

lhes ensinariam sobre as diferenças, as deficiências e sobre a superação, promovendo a

aceitação das potencialidades e limitações. As escolas passaram a aceitar indivíduos com

necessidades educacionais especiais nas classes comuns. Porém, a política de integração

escolar acabou resultando numa estrutura fragmentada e nem sempre acessível a todos.

Na década de 80, teve início a defesa de um único sistema de ensino de qualidade e aberto

para todos, o que acabou sendo a base para a fase inicial da educação inclusiva.

Atualmente, temos várias leis que asseguram os direitos das pessoas com deficiência: a

Constituição Federal do Brasil (1988) dá respaldo aos que propõem avanços significativos

para a educação escolar de pessoas com deficiência, quando elege, como fundamentos da

república, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ela

garante, também, o direito à igualdade e trata do direito universal à educação. O texto da Lei

Page 10: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

10

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) mostra que “os sistemas de ensino

assegurarão aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas,

recursos educativos e organizações específicas, para atender às suas necessidades”.

A Declaração de Salamanca, que apresenta os procedimentos-padrão das Nações Unidas para

a equalização de oportunidades para pessoas portadoras de deficiências afirma:

Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades

acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para

todos; além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de

todo o sistema educacional. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994)

Segundo Mendes (2006), o cenário que se observa na realidade se configura da seguinte

forma: os alunos que têm acesso à escola não têm ensino de qualidade; há falta de

profissionais qualificados; há falta de recursos; ainda há serviços com modelo de segregação;

há descaso dos governantes e tendência de privatização destes serviços; além de uma lenta

demanda por ampliação de vagas na rede regular pública de ensino.

Diante desse quadro, o que não se pode perder de vista é que qualquer esforço realizado em

prol do desenvolvimento e aprimoramento da educação inclusiva pode ter início em sala de

aula, com o professor. Nesse cenário de inclusão, apresentar-se-ão ao professor situações que

nunca foram antes experimentadas, caberá a ele enfrentar os desafios e proporcionar ao aluno,

seja qual for sua necessidade especial, condições para que possa interagir e realizar suas

atividades em igualdade de condições com os outros colegas.

Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a partir do

curso que coordena ou do seminário que lidera, pode transformar o país. Mas pode

demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele a importância de sua tarefa político-

pedagógica” (1996, P 112). No livro Pedagogia da Autonomia, Freire deixa claro o fato de

que ensinar exige do professor rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos

Page 11: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

11

educandos, o risco, a aceitação do novo e a rejeição a qualquer forma de discriminação, a

reflexão crítica sobre a prática. Ensinar requer a convicção de que a mudança é possível,

reconhecer que a educação é ideológica, ter disponibilidade para o diálogo e, principalmente,

querer bem o educando.

No modelo tradicional de ensino, a inclusão torna-se difícil devido a práticas pedagógicas

mecanicistas, não eficazes, vazias de significados e objetivos. São práticas que refletem os

valores da nossa sociedade, que privilegiam o aprendizado de comportamentos padronizados

que acabam por não dar espaço à construção de relações dialógicas, sem vínculos afetivos e

nem autonomia. Nosso contexto educacional geralmente não se adapta à real necessidade dos

alunos, pois centra seu método pedagógico na transmissão de conhecimentos adquiridos

através de modelos prontos.

Numa realidade como essa, tem-se dificuldade de inserir crianças com algum tipo de

deficiência, bem como de inserir crianças que forçosamente serão diferentes umas das outras.

Mesmo as crianças ditas “normais” sentem dificuldades todos os dias no contexto escolar,

porque não estão verdadeiramente incluídas no processo de ensino-aprendizagem.

Nunes (2006) afirma que uma escola é inclusiva quando procura educar todos os alunos em

salas de aulas regulares e isto significa não só permitir a todos a educação e a frequência na

escola regular, mas também oferecer a todos uma série de desafios e oportunidades que sejam

adequados às suas habilidades e necessidades. E ainda, uma prática inclusiva na escola deve

investir em mudanças fundamentais, tais como: perceber nas diferenças uma oportunidade de

aprendizagem; derrubar barreiras em prol da participação de todos; estimular o uso de todos

os recursos possíveis ao aprendizado; investir nas práticas e conhecimentos já existentes;

enfatizar uma linguagem ligada à prática e investir na aceitação de riscos.

Para que essas transformações ocorram, mesmo que a longo prazo, é necessário que o

professor abandone sua zona de conforto e procure novos caminhos, provocando processos

Page 12: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

12

criativos em sala de aula. É o professor que aceita o desafio de construir algo novo,

condizente com as necessidades do outro, que poderá receber um aluno com deficiência em

sala de aula e potencializar as suas capacidades. É por essa necessidade de propor novos

caminhos, que se faz necessário compreender o exercício docente inclusivo. Porém é

necessário, também, que haja políticas públicas que respaldem o educador, para que ele se

sinta preparado para exercer esta função.

Page 13: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

13

3A ARTE E A INCLUSÃO DOS DEFICIENTES VISUAIS

A Arte é uma atividade complexa, historicamente situada, que envolve as várias dimensões

humanas: social, cognitiva, afetiva e motora, portanto, exige um aprendizado que considere

todas essas dimensões, presentes no homem de forma integrada. Sendo assim, a arte-educação

é um importante instrumento para a formação de um homem mais pleno, pois possibilita o

melhor conhecimento de nossas emoções e sentimentos, bem como da sociedade que nos

rodeia. É importante ter em mente que a produção artística não aparece do nada, mas é fruto

da interação do artista com o seu meio; é resultado, portanto, de um momento histórico, que é

traduzido pela visão do artista na obra por ele produzida. Esta obra, por sua vez, acaba por ser

transformada pela visão do público e pelo que este interlocutor tem a dizer sobre ela. Sendo

assim, tanto a produção quanto a fruição da arte é o resultado da interação social entre o

artista, o público e o meio; é numa relação dialógica entre o “saber do eu” e o “saber do

outro” que a significação da obra se efetiva.

Lopes (2006) nos aponta que importância do papel do outro no processo de interação,

percepção e formação da consciência é destacado por Bakhtin e Vygotsky, uma vez que

ambos acreditam que a consciência individual se forma a partir do social e a autoconsciência é

dada através do outro, do diálogo e da interação entre o Eu e o Outro, do contato social e do

contato consigo mesmo. Assim, a arte-educação é uma ponte que possibilita o acesso a

múltiplas formas de interação.

Para Buoro (1996), a finalidade da Arte na educação é possibilitar uma relação mais

consciente do ser humano no mundo e para o mundo, pois contribui na formação de

indivíduos mais críticos e criativos que atuarão na transformação da sociedade.

Tendo em vista a importância da Arte para a formação de indivíduos plenos e atuantes na

sociedade, o contexto escolar deve possibilitar o conhecimento artístico a todos os alunos, no

Page 14: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

14

sentido de uma educação mais inclusiva, pois no ambiente das artes a abertura às diferenças

deve significar, sobretudo, possibilidades de enriquecimento do processo.

Conforme Martins (2002), uma postura inclusiva não é aquela que faz de conta que todos

somos iguais, mas é aquela que pressupõe que a partir das diferenças podemos construir um

universo mais rico de aprendizagens e de produção da vida sociocultural.

Sendo assim, através da educação pela Arte, o aluno se desenvolve, tornando-se capaz de

perceber as inúmeras diferenças e diversidades culturais que estão ao seu redor, contribuindo

para uma sociedade mais humanizada.

Até aqui tratamos sobre a importância da arte-educação na vida de todos os indivíduos, resta

agora saber de que forma trabalhar o ensino das artes visuais em sala de aula sem ser

excludente, mas valorizando todas as diferenças, em especial as decorrentes de deficiência

visual.

Para Vygotsky (1997) a deficiência é um fenômeno social, pois só a partir desse estigma é que

o outro se sente desqualificado, pois os cegos não se percebem como diferentes senão pelo

modo como a sociedade os vê. A sociedade tem uma concepção de que os deficientes visuais

devem aprendera se adaptar ao nosso mundo e cultura visuais para viverem melhor. Segundo

Perlin (1998), essa concepção é construída e sustentada por uma ideia de identidade visual

como superior a tudo que se refere aos cegos. A cegueira deve ser considerada apenas como

uma condição de existênciadiferente e digna de respeito.

Evidentemente, a criança com deficiência visual encontra uma série de dificuldades de

adaptação ao ser inserida na escola, não por ser deficiente de algo que faça falta para a sua

constituição como sujeito, mas por estar inserida num contexto construído para pessoas de

uma cultura diferente da sua, uma cultura visual.

Para o professor de Arte, apresentam-se uma série de questões desafiadoras, tais como: de que

maneira acontece a interação entre os estudantes numa sala de aula inclusiva; o que vem a ser

Page 15: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

15

uma sala de aula inclusiva; saber como, quando, de que forma e se acontece a inclusão. O que

se percebe é que quanto mais se busca uma resposta, mais perguntas surgem.

Embora as dificuldades pareçam ser muitas, o resultado das pesquisas e da experiência em

sala de aula de vários educadores, aponta o importante papel do objeto pedagógico e a

necessidade de se adaptar para que sirva verdadeiramente às necessidades de todos dos alunos

de forma a promover o desenvolvimento das suas aptidões.

Segundo Borba (2006), um bom começo é saber se conhecemos bem as crianças com as quais

vamos trabalhar, se sabemos o que eles gostam ou não de fazer, se temos conhecimento de

seus interesses, se sabemos ouvi-los e criamos espaço para que eles nos conheçam também.

Essa aproximação cultural é fundamental para que se planeje atividades que sintonizadas com

o interesses e necessidades dos alunos. Geralmente, o aluno com deficiência ou aluno com

problema de aprendizagem é visto pela sua limitação. Mas o papel do educador é prestar

atenção ao que o aluno pode fazer, e assim planejar práticas que enfatizem as qualidades e

possibilidades desses alunos, respeitando as limitações de uma sala regular com outros trinta

alunos que também necessitam de cuidado.

Nesse sentido, Fonseca da Silva e Bornelli (2007), apontam a necessidade de produção de

objetos pedagógicos para ampliar as possibilidades de inclusão nas escolas regulares.

Apontam, ainda, a possibilidade de construir, na sala de aula, muitas atividades que estimulem

a produção e trabalhos que ampliem a compreensão da Arte. Junto a cada ação podem ser

proporcionados aos alunos momentos de reflexão, que colaboram para a autonomia do grupo,

propiciando que a inclusão aconteça naturalmente.

O que pudemos observar nas propostas de vários educadores é a predileção pelos jogos como

objeto pedagógico. Inúmeros são os fatores motivadores dessa predileção, pois através dos

jogos é possível desenvolver aspectos importantes para a produção de conhecimento, bem

Page 16: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

16

como para a inclusão, cooperação, desenvolver o espírito de grupo, respeito pelos outros, e

consequentemente respeito às diferenças.

Para Piaget (apud Souza, 1997), o jogo é uma atividade fundamental no desenvolvimento

infantil, pois é por meio dele que a criança interage com o mundo.

Para Schwartz (2002), tanto o jogo quanto a arte possuem atributos de grande importância no

processo educacional: ambos estimulam o potencial criativo, possibilitando a criação e a

elaboração de novos esquemas de significação e de interpretação dos valores culturais,

podendo também interferir na sua transformação.

Ainda segundo Schwartz, o jogo e a arte são importantes na construção do ser humano

integral, pois proporcionam experiências de resolução de problemas, favorecem uma

aprendizagem mais efetiva, promovem interação social, quebra de padrões do cotidiano,

aumento da receptividade da sensibilidade, do humor, da capacidade de recreação mais

espontânea e a autoconfiança, que facilitam a apreensão da cultura e incorporação de novos

significados.

Desenvolver jogos em artes visuais oferece o desafio de promover a interatividade em

diferentes graus. Aplicar a potencialidade dos jogos, aliando-a ao fator pedagógico, favorece a

descoberta do meio social, pois garante a liberdade de ação e reflexão, manipulação,

experimentação e modificação, delegando autonomia ao sujeito.

Inúmeras são as propostas de jogos envolvendo a aprendizagem das artes visuais, cabendo ao

professor a adaptação destes de acordo com as necessidades dos seus alunos, bem como ao

objetivo que se pretende atingir. Porém, com relação à inclusão dos alunos portadores de

deficiência visual, é notável o fato de que todas as propostas partem do pressuposto de que

esses alunos possuem a capacidade de reconhecer pelo tato ou audição os componentes

primários das figuras representas, como as formas geométricas. É no mínimo

questionávelapresentar a um cego congênito descrições verbais de objetos, ou figuras em alto

Page 17: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

17

relevo, ou ainda maquetes de objetos sem antes capacitá-lo a reconhecer tais figuras, por meio

da aprendizagem do desenho; seria quase a mesma coisa que ler uma bela história em inglês

para uma criança que não conhece esse idioma.

Para ampliar a perspectiva do problema que procuramos apresentar na atual concepção de

procedimentos que supostamente visam à inclusão, apresentaremos uma síntese da pesquisa

desenvolvida a partir de experiências de mediação com pessoas cegas no Museu de Arte de

Santa Catarina – MASC. O projeto se consolidou em uma parceria do Núcleo de Arte

Educação – NAE-MASC com a Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. E faz

parte do artigo das professoras Adriane Cristine Kirst e Maria Cristina da Rosa Fonseca da

Silva, intitulado “Quando o cego vai ao Museu”.

As autoras contam que iniciaram o projeto considerando o caráter diferenciado da mediação

com público cego fundamentado no argumento construído por Ballastero (2003) que diz que

no caso dos invidentes as sensações auditivas, olfativas, táteis e térmicas passam a ocupar um

lugar privilegiado na experiência sensorial. Sua experiência sensorial do mundo é, portanto,

qualitativamente diferente. Igualmente, quando pensaram a mediação da pessoa cega,

buscaram sistematizaroutros modos de interação com o objeto artístico além do visual, dando

ênfase àutilização de outros sentidos de percepção.

Na prática, foram estimuladas as capacidades de descrição dos objetos artísticos, poisentre o

público cego adulto esta atividade ganha valor, pois é associada à suaexperiência na leitura de

figuras e fotografias no cotidiano.O projeto teve início no ano de 2006, quando perceberam

que não havia uma frequência de pessoas cegas ao museu de artes visuais.

Numa primeira etapa, investigaram como os mediadores de outras instituiçõesrelatavam a

necessidade de pensar o tipo de mediação a ser constituída. A partir destascontribuições foi

agregado ao projeto experiências relatadas e desenvolvidas como as da Pinacoteca do Estado

Page 18: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

18

de São Paulo, pois havia necessidade de adaptar o material para qualificar o processo de

mediação.

Como não havia trajetória de ações inclusivas no MASC e também recursos

parainvestimentos consideráveis, buscaram iniciar a mediação do público a partir de

objetosescultóricos que facilitavam a percepção tátil. As esculturas foram escolhidas por

possibilitar o acesso tátil dos cegos, também pela possibilidade de perceber seu material,

tamanho, forma e conceito. A ação dos mediadores voltava-se a atender os cegos, em

contextualizar a obra e o espaço onde ela está colocada.

No segundo ano, 2007, a partir de uma consultoria da professora Dra. Amanda Tojal

daPinacoteca do Estado de São Paulo, que possui um longo trabalho em torno da

inclusãosocial, o projeto iniciou a atividade de produção de matrizes táteis para ampliar

aspossibilidades de experiência estética do público cego. Foi proposto um material educativo

adaptado para o Braille.

Nesta experiência, foi levantado através de estudos as características necessárias ao tipo de

maquete que se queria, e, posteriormente, aprimeira maquete foi testada por um estagiário

cego do Laboratório de EducaçãoInclusiva – LEDI que funciona dentro da UDESC. Ao tatear

a maquete e discuti-la foi identificado que, para o público cego, não interessava a reprodução

da obra em todos os seus detalhes, mas sim uma síntese perceptível pelo tato dos diferentes

planos da obra em questão.

As autoras destacam que na maquete de uma das pinturas,o responsável por ela errou ao

apresentar todas as possibilidades de volume e contraste na obra, pois impossibilitava que a

pessoa cega desenvolvesse sua leitura tátil, devido ao fato de o objeto apresentar uma

quantidade de detalhes muito grande prejudicando a percepção do cego. Ainda foram

produzidos dois desenhos em alto relevo, onde as linhas foram representadas por material

texturizado, que não permitia uma leitura tátil compatível, pois os contrastes eram

Page 19: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

19

demasiadamente pequenos e abstratos dentro da realidade de um público cego pouco

especializado.

Cabe frisar que o tato e a mediação através de um diálogo sobre a obra sãoimprescindíveis e

as duas ações colaboram entre si para a ampliação da compreensão do objeto artístico,

segundo as autoras. Contam que uma das obras teve a maquete construída no mesmo material

que a escultura original, onde o cego pôde tocar na escultura e depois na maquete num

tamanho que tornasse possível captar o seu todo, ponto importante para a compreensão

através do tato.

Quanto à mediação, esta deve ter o cuidado em descrever os ambientes nos quais a pessoa

está, e a importância de desenvolver matrizes táteis de quadros e esculturas e também

maquetes do espaço físico do museu.

Dentro do processo de pesquisa da qualidade da matriz tátil e sua usabilidade com o público

cego, promoveram visitas com este público para perceber sua interação equalificar os

processos de mediação específicos. Para finalizar, as autoras afirmam a necessidade

decontinuar o desenvolvimentosistemático de objetos pedagógicos que ampliem a

aprendizagem das pessoas comdeficiência no museu de arte, neste caso o público cego.

Segundo as autoras:

As imagens estão presentes no cotidiano das pessoas de forma cada vez

maior e maisrápida na medida em que a sociedade torna-se cada vez mais

uma sociedade guiadapelo visual. As pessoas cegas fazem parte desta

sociedade, portanto dar condições paraque estas saibam lidar com a

visualidade torna-se imprescindível. A cegueira não deveser um

empecilho definitivo, mas algo que inspire outras maneiras de se pensar

eexperimentar a imagem e aqui neste artigo o pensamos especificamente

através da arte. As matrizes táteis, juntamente com o material em Braille e

a mediação desenvolvida ao longo da pesquisa relatada, mostraram-se

instrumentos importantíssimos para que as pessoas cegas tenham uma

proximidade com a obra de arte. A grande maioria dos cegos que

visitaram o MASC ao longo do projeto nunca havia visitado nenhum

museu de arte, também nunca tinham tido contato com a arte. Prover

condições para que o cego integre a sociedade na qual ele vive de maneira

mais crítica e participativa é possível mediante algumas práticas que dêem

condições a estes sujeitos reconhecendo seus direitos aos bens culturais.

Criar condições de inclusão, partindo da obra de arte, do museu e dos

profissionais da área, trará grandes contribuições para a vida dos cegos.

(...) Com as matrizes táteis, o cego pode ter uma experiência estética de

Page 20: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

20

interpretar as obras, assim como seus colegas, criando condições para que

a inclusão realmente aconteça.(KIRST; SILVA, 2006, p 10)

Sem desmerecer de maneira alguma as iniciativas de qualquer profissional que tem por

objetivo promover a inclusão das pessoas com deficiência visual aos ditos sistemas gerais da

sociedade e, em particular, às instituições que visam promover a cultura e o conhecimento

como a escola e os museus, insistimos no ponto de que os procedimentos adotados para

promover a inclusão devem ser comprovadamente efetivos. Como aponta Márcia Cardeal, no

seu artigo “Metáforas Visuais – redundâncias táteis”:

É inegável que o discurso pela inclusão, com todas as suas complexidades,

necessita de maior reflexão e aprofundamento por parte da sociedade de

modo geral e, mais especificamente, por parte dos educadores. Sabemos que

implantar ações em nome de um mero e formal cumprimento de leis ou

decretos pode resultar simplesmente em um número a mais (ou a menos)

nos dados estatísticos. Quantificar, aumentar o número de indivíduos com

alguma defasagem sensorial, mental ou física frequentando escolas

regulares não é o bastante, enquanto não houver um olhar para a qualidade

dessa escola.(CARDEAL, 2011, p 145)

No artigo citado, Cardeal questiona a utilidade de ilustrações em relevo nos ditos livros

inclusivos, se estas colaboram ou causam ruído ao entendimento do texto. Ou se, pior ainda,

são totalmente dispensáveis, por não serem reconhecidas através da leitura tátil. Foi realizada

uma entrevista com 13 alunos, com idade entre 8 e 16 anos, apresentando as ilustrações em

relevo de 4 livros infantis e constatou-se que a maioria dos desenhos não foram reconhecidos,

principalmente os que continham excesso de detalhes na sua composição. Porém, o dado mais

importante, a nosso ver, foi que as crianças que tiveram menos dificuldade em reconhecer as

figuras foram as que tiveram algum tipo de contato com a aprendizagem de desenho.

Cardeal aponta que foram detectados basicamente dois elementos facilitadores para a

legibilidade tátil das ilustrações em relevo: a esquematização da forma e a experiência com o

desenho. A autora finaliza:

Pode-se ainda pontuar que o ensino do desenho, através de configurações

simples, assume um papel fundamental no que se refere ao

reconhecimento de imagens tátil-visuais. Neste sentido, portanto, se o que

Page 21: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

21

se busca é efetivamente a inclusão da criança cega no ensino regular, o

ensino do desenho pode representar uma importante conquista no âmbito

do seu desenvolvimento cognitivo. (CARDEAL, 2011, p 166)

Por compartilhar da mesma opinião de que o reconhecimento das imagens táteis pelo

deficiente visual só se dá por meio do conhecimento prévio das noções de formas, e que esse

conhecimento só é possível através da aprendizagem do desenho, e sendo esse

reconhecimento imprescindível para que haja a possibilidade de uma verdadeira inclusão do

deficiente visual nas aulas de artes visuais, acreditamos que a pesquisa da professora Maria

Lúcia B. Duarte é de fundamental importância para embasar a necessidade do ensino do

desenho a crianças cegas, que será visto no próximo capítulo.

Page 22: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

22

4O ENSINO DE DESENHO PARA CRIANÇAS CEGAS

Este capítulo irá apresentar uma síntese das principais ideiasdo livro “Desenho infantil e

seu ensino a crianças cegas”, que é o resultado do trabalho da pesquisadora e professora de

artes visuais Maria Lúcia B. Duarte, que tem o objetivo de defendero ensino de desenho

infantil a crianças cegas, demonstrar do que é possível e, principalmente, porque sem um

conhecimento prévio de desenho, sem a noção de planificação das figuras que o desenho pode

dar, as pessoas com deficiência visual congênita não conseguem ler imagens em relevo, pois o

desenho é o primeiro passo para a compreensão da imagem tátil visual. Esse livro é fruto de

dez anos de pesquisas e investigações, um estudo de caso longitudinal realizado num período

de sete anos, alguns estudos de casos transversais, troca de experiência com outros

pesquisadores e instituições especializadas.

Na primeira parte a autora apresenta os fundamentos teóricos e na segunda, apresenta o

método com o qual trabalhou com sua aluna Manuella por um período de sete anos, na

aprendizagem de desenho de esquemas gráficos tátil-visuais e outras investigações de caráter

transversal.

A autora relaciona a memória, aprendizagem e o desenho infantil, apresentando e explicando

as modalidades sensoriais e seu papel na aprendizagem.Para ela, a compreensão dos processos

neurológicos de formação da memória e da aprendizagem é fundamental ao pensamento

pedagógico, assim a partir de estudos neurológicos atuais ela propõe alguns fundamentos que

direcionaram as suas investigações sobre como ensinar desenho para crianças cegas: aprender

implica construir uma memória na mente; uma memória é construída por meio de uma

impressão; uma impressão provoca uma especificidade em um neurônio, quando uma

impressão oriunda de uma modalidade sensorial ativa esse processo (DUARTE, 2011, p 21).

Page 23: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

23

São várias as modalidades sensoriais pelas quais gravamos na mente as memórias do que

vivenciamos: modalidade gustativa, olfativa, visual, tática ou háptica e as modalidades

proprioceptivas (percepções do corpo: ossos, músculos, cartilagens) e interoceptivas

(estímulos viscerais) e a sensoriomotricidade (modalidade especificamente motora).Algumas

memórias podem estar ligadas a apenas uma modalidade sensorial, outras dependem de várias

modalidades. O pensamento, a evocação de um objeto ou de uma cena exige a ação

concomitante de várias memórias específicas. Os processos mentais que envolvem mais de

uma modalidade sensorial são denominados multimodais (DUARTE, 2011, p 21).

Assim, as palavras e os objetos do mundo possuem significado na nossa vida, quandopara

essas palavras e coisas existem na nossa mente padrões neurais, imagens mentais, que a elas

correspondem , preenchendo-as de sentido.

A autora explica que tanto para ver como para desenhar é necessário destacar um ou vários

objetos de uma multiplicidade de objetos existentes ao nosso redor, ou seja, é necessário um

recorte. Para o homem comum, o desenho é um recurso de registro dos objetos do mundo e

para desenhar precisa pensar nos objetos eliminando a sua tridimensionalidade, é preciso

reduzir o objeto a uma só face. A criança aprende por imitação, percebendo a atuação dos

adultos, que uma fotografia “representa” as pessoas, aprende o sentido das imagens como das

palavras.

A capacidade de reconhecer um objeto pelos seus aspectos mais relevantes, percepção visual

totalizadora, é impossível para a criança cega de nascença. Porém,segundo Duarte, o desenho

realizado com linhas simples e táteis pode proporcionar essa percepção.

Arnheim (1980)entende o desenho infantil como um esquema de representação bidimensional

das formas visuais, em que conceitos visuais são traduzidos em conceitos representativos e

considera a vida mental da criança intimamente ligada à sua experiência sensória. Por isso,

conclui que o desenho infantil apoiado na modalidade sensorial visual é um recurso para a

Page 24: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

24

elaboração de conceitos mentais generalizantes. Já para Wallon (1979), as representações ou

padrões mentais, bem como as representações gráficas dos objetos pelo desenho infantil são

“imagens-definições”. O desenho infantil, então, representa os objetos por meio de

configurações gráficas construídas a partir de linhas e planos. Os planos têm como referência

formas básicas (geométricas) que resumem, no espaço bidimensional, as múltiplas aparências

dos objetos do mundo.

Sendo o desenho infantilassim compreendido, Duarte (2011) observa que maquetes

tridimensionais que enfatizem o aspecto geral, geometricamente característico do objeto,

poderiam permitir à criança cega congênita uma percepção tátil, similar à percepção visual.

Para explicar como se processa o desenho infantil a partir da imagem mental, a autora

apresenta as conclusões a que chegou Luquetao realizar um longo e completo estudo sobre o

desenho infantil, no qual apresentaduas proposições inovadoras: a apresentação de cinco

elementos que definem o desenho na infância e as diferentes etapas do desenvolvimento

gráfico infantil a partir da concepção de realismo.

Segundo Luquet (1969), os elementos do desenho infantil seriam: a intensão, a interpretação,

o tipo, o modelo interno e o colorido. As concepções de tipo e modelo interno são de maior

importância, porque Luquet compreendeu o ato de desenhar na infância como o resultado de

todo um processo mental próprio, no qual uma imagem mental precisa encontrar uma solução

gráfica, bidimensional. Tipo e modelo interno são interdependentes. Tipo é o desenho

propriamente dito, aquilo que configura o objeto por meio de linha de contorno sobre o papel;

modelo interno é a memória do objeto enquanto desenho,é a imagem na mente, de um

desenho que a criança já realizou, ou seja, uma representação mental que traduz o desenho.

Em Luquet (1969), o termo realismo é utilizado para indicar a relação entre o ato gráfico e o

cotidiano da criança. Indica que por meio do desenho a criança apreende os objetos do

mundo, identificando-os, diferenciando-os e classificando-os. Sendo assim,o desenho infantil

Page 25: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

25

e suas derivações referem-se ao desenho figurativo, ao desenho que corresponde a um objeto

concreto do mundo real. O desenho infantil é necessariamente o resultado de um processo de

registro gráfico dos objetos do mundo, no qual basta que a figura desenhada contenha

componentes gráficos suficientes para a sua identificação. Duarte denomina “esquema” esse

desenho mínimo e suficiente.

Ao relacionar o desenho infantil com a cognição e o papel do esquema gráfico, a autora

considera o ato de desenhar na infância um recurso cognitivo, compreendendo que o desenho

corresponde a uma imagem mental visual capaz de permitir pensar por meio dela, porque

apresenta os objetos do mundo de um modo genérico e simplificado.

Para Duarte (2011), o desenho infantil é resultado de um processo imitativo. Os desenhos

infantis são simples e neutros, capazes de representar toda uma categoria de objetos,

necessitando apenas pequenos acréscimos que ajudem a identificação. Esses desenhos passam

a compor as referências de mundo, por meio das quais a crianças vai interagindo e passando a

fazer parte da sua sociedade e da sua cultura. Os mecanismos cognitivos de classificação a

partir de semelhanças e diferenças formais, utilizados na infância, permanecem ativos ao

longo da vida, pois tais recursos mentais facilitam e organizam os processos de conceituação e

pensamento. A partir dessas reflexões pode-se perceber a importância do desenho na infância

eportanto, o ensino da prática do desenho à crianças invisuais.

Para explicar as categorias e níveis cognitivos, Duarte (2011) cita Rosch (1973), afirmando

queuma categoria é uma concentração de formas e objetos considerados similares, tendo

como princípio reunir o máximo de informação com o mínimo de esforço;já a informação

veiculada é eficaz porque as crianças agrupam objetos preferencialmente por suas

propriedades perceptivas (formais) ou funcionais (ações) (p 52).

Com relação acognição, visualidade e propriedades dos objetos, a autora cita as propriedades

elencadas por Richard (2004): a) propriedades perceptivas: aparência (forma, cor, tamanho);

Page 26: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

26

b) propriedades componenciais: descrevem os componentes dos objetos (encosto, pés); c)

propriedades funcionais: referentes à utilização dos objetos (bater, pregar); d) propriedades de

procedimento de utilização: indicam como proceder com o objeto para realizar sua função (se

pega pelo cabo); e) propriedades de comportamento: indicam ações realizadas pela entidade

(voar). As propriedades mais usadas pelas crianças em seus desenhos seriam propriedades

perceptivas e componenciais. As diferentes propriedades dos objetos do mundo, evidenciadas

pelo contexto cultural, permitem que os sujeitos identifiquem, diferenciem, classifiquem e

atribuam um sentido aos objetos também na sua representação pelo desenho (RICHARD,

2004).

Para Damásio (2000), as imagens mentais que compõem a rede cognitiva mental são

resultantes de imagens originadaspor várias modalidades sensoriais. Os códigos visuais ou

imagens físicas dos objetos procedentes unicamente da modalidade perceptiva visual guardam

um aspecto de totalidade e concretude dos objetos.

Duarte (2011) observa que pesquisas sobre o desenho infantilligam o ato de desenhar à

necessidade de comunicação. Darras(1996) encontra equivalência entre o desenho infantil

esquemático, repetitivo, irrefletido e neutro e os termos verbais que Rosch (1978) havia

situado no nível cognitivo de base. Este pesquisador cunhou o termo iconotipo (um ícone que

é típico) “para nomear os esquemas mais genéricos e mais repetitivos no conjunto de imagens

visuais utilizadas nos processos artísticos e comunicacionais, um termo que remete a toda

uma categoria” (p 59).A partir das formulações teóricas de Rosch e Darras, a autora afirma ser

possível considerar que:

a) Por economia cognitiva, as informações obtidas no mundo físico são reunidas em

classes e subclasses; b) As classes e subclasses dos objetos são organizadas com

basenas experiências perceptivas (modalidades sensoriais) e nas categorizações organizadas pela linguagem na cultura; c) essas classificações permitem o rápido

reconhecimento dos objetos do mundo físico e portanto a definição de procedimentos

possíveis de interação entre sujeitos e objetos; d) desenhos infantis realizados de modo esquemático apresentam, tal como a linguagem verbal, objetos genéricos e

neutros, pertencentes ao nível cognitivo de base. (DUARTE, 2011 P 60)

Page 27: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

27

Com base nas pesquisas apresentadas, a autora afirma que os esquemas na produção infantil

funcionam como um propósito de representação, sendo imagens visuais capazes de

interiorizar a categoria cognitiva de objetos. Estes objetos tem a mesma função da palavra,

porém atuam como representações icônicas, semelhantesàs formas dos objetos do mundo

(DUARTE, 2011 P 60).

Para deixar clara a relação entre categorias cognitivas, nível de base e esquemas gráficos que

as crianças desenham, a autora usa o exemplo da palavra “pássaro”:

Na língua portuguesa, a palavra “pássaro” designa claramente uma

espécie da classe de animais denominada “aves”. Os pássaros são

diferenciados das aves por apresentarem algumas particularidades no bico,

nos pés e na qualidade de voo. A categoria “pássaros” apresenta as

seguintes propriedades: animais de corpo ovoide, com dimensão média de

um palmo, cabeça arredondada, corpo coberto de penas, bico, cauda e

duas asas laterais (propriedades perceptivas – formais – e propriedades

componenciais); são animais que voam, vivem em bandos na natureza,

constroem ninhos, andam com 2 pés, emitem sons ou “cantam”

(propriedades de comportamento).(DUARTE, 2011, p 61)

Duarte (2011) explica que os desenhos infantis de representaçãodo pássaro, as principais

características que determinam a figura se dividem em duas maneiras diferentes: pássaro

pousado, representado com formas como cabeça, corpo, asas, pés e cauda; ou pássaro em vôo,

em que o movimento do voo forma uma letra “v”, levemente curvada. A autora observa que

além do círculo primordial, o binômio horizontalidade/verticalidade é fundador da

configuração gráfica e pictural do desenho infantil (p 61-62).

Pela construção teórica apresentada, exemplificada por inúmeros desenhos realizados por

alunos, a autora passa a indicar as características definidoras do desenho infantil que ela

denomina “esquemas gráficos”: a) Esquema gráfico é um desenho aprendido e memorizado

que pode ser repetido, porque correspondem a padrões mentais responsáveis por uma imagem

visual cerebral e por sequência motora de gestos necessários à realização de seu traçado; b)

um esquema gráfico é uma imagem mínima ou imagem-conceito de um objeto, que satisfaz a

mente devido à facilidade e à economia cognitiva de seu reconhecimento; c) um esquema

Page 28: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

28

gráfico é construído por meio de linhas, especialmente horizontais e verticais, e por meio de

formas geométricas básicas, especialmente o círculo, o quadrado, o triângulo e suas variações.

Isso porque corresponde a um conceito representativo, direto e simples, do objeto; d) os

esquemas gráficos são sempre sintéticos, genéricos e neutros, capazes de representar toda uma

categoria de objetos, apresentam as propriedades perceptivas e componenciais mais

características de uma categoria de objetos (DUARTE, 2011, P 67-68).

A autora acrescenta que os esquemas gráficos também se caracterizam por evidenciarem uma

aprendizagem na sociedade e na cultura (2011, p 68). É aquele tipo de desenho que se

cristaliza e que é utilizado pelo sujeito pelo resto da vida toda vez que é solicitado a desenhar

este ou aquele objeto. Esse tipo de desenho, aprendidos e utilizados na infância, não tem

nenhum valor artístico, sua essência é conceitual e sua função é cognitiva e comunicacional

(2011, p 69).

Para Duarte (2011), desenhar é uma atividade de grande contribuição ao desenvolvimento

humano e os ditos “esquemas gráficos”, utilizados na infância, são recursos cognitivos e

comunicacionais que permanecem úteis ao sujeito a vida toda. Assim, o ensino de desenho

para crianças cegas vai além da necessidade de integrá-las ao processo educacional, mas

significa permitir a elas acesso a códigos gráficos que, além da sua função comunicacional,

oferecendo diversos recursos eficazes para a aprendizagem.

Com relação ao desenho e a invisualidade, a autora afirma que estamos tão acostumados a

pensar com imagens visuais mentais que esquecemos que desde muito cedo construímos um

imenso arquivo de imagens táteis, sonoras, visuais e olfativas. A questão que ela propõe é a

possibilidade de desenhar sem ver e como substituir a modalidade visual pelas outras

modalidades sensórias.

O ato de ver, de tornar presente na mente (representar) uma imagem visual produzida na

retina, mobiliza áreas do cérebro muito semelhantes àquelas requisitadas no ato de realizar

Page 29: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

29

imagens mentais conhecidas e memorizadas, mas ausentes à percepção. A configuração

mental dos objetos exige o trabalho de padrões neurais equivalentes, quer esta configuração

seja realizada na presença do objeto (percepção visual) ou em sua ausência rememorada

(imagem mental visual).

A criança começa a desenhar em meio a dificuldades de discernimento entre informação

visual e imagem visual mental. Mas como pensar e desenhar sem ver, de fato? Duarte

dimensiona a cegueira em dois aspectos diferentes: a existência de um aparelho funcional que

promova a captação de imagens e possuir ou não uma experiência de vida que facilite a

decodificaçãodos sinais projetados na mente pelo aparelho visual. Duarte (2011) esclarece

que o cego de nascença não consegue decodificar imagens,mesmo que seu aparelho visual

fosse reparado, seu cérebro não estaria preparado para assimilar estas imagens, levando um

certo tempo até que a mente se acostume e seja capaz de decodificar o objeto ou figura (p 75).

A visãoé de certa forma,treinada ao longo da infância, assim como a prática da fala, em que

os significados das palavras vão aos poucos sendo assimilados, ou seja, é necessário que haja

uma repetição de formas, letras, palavras, objetos, etc, para que a criança seja capaz de

assimilar o que vê e escuta.Desta forma,Duarte entende que a percepção visual é construída

pouco a pouco como a linguagem (2011, p 75).

Com o passar do tempo, a criança começa a perceber as imagens simultaneamente e formar

cenas contendo vários elementos combinados.Para as pessoas cegas não existe essa

percepção. Nomundo não visual, os objetos são compostos a partir de sequências temporais

do tato. Cegos de nascença não conseguem criar uma cena da mesma forma que uma pessoa

vidente. A autora afirma que a criança cega de nascença só percebe em totalidade os objetos

que cabem na sua mão, parecendo ser este o limite da percepção tátil totalizadora. Da mesma

forma, a pessoa cega desconhece a aparência dos objetos. Para Duarte (2011), o sentido de

dimensão do objeto é dado pelo tempo que as mãos gastam para percorrer a sua forma (p 76).

Page 30: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

30

A possibilidade de a pessoa cega compreender as bordas de superfície dos objetos e, portanto,

suas linhas de contorno, através da modalidade tátil, determinou o ponto de partida para a

construção de um método de ensino de desenho para crianças cegas.

Para a autora, asocialização de um bebê cego é carente de expressividade fisionômica e

corporal, dada a falta de visualização de gestos e expressões para imitar. Esse é apenas o

começo das dificuldades de uma criança cega, pois sem a visualidade, o bebê não tenta

alcançar os objetos e nem realizar tarefas esperadas em cada idade. A ausência da visão dos

objetos anula o estímulo para realizar as primeiras ações. Essas observações confirmam a

necessidade de exercício do uso do tato com a criança cega, visando auxiliá-la como recurso

prático e cognitivo (DUARTE 2011, p 76).

Embora as imagens mentais das pessoas cegas sejam provenientes especialmente de sensações

perceptivas sonoras e táteis, quando se trata de reconhecer imagens visuais representadas com

linhas de contorno tátil, as pesquisas realizadas revelam baixos resultados obtidos por pessoas

cegas. Na pesquisa de Marcia Cardeal, citada no capítulo anterior, por exemplo, os melhores

resultados foram obtidos por sujeitos que praticavam o desenho.

Dentre os sujeitos invisuais não há uma prática usual do desenho, conforme Duarte (2011),

com base nas pesquisas de Hatwell. Tais sujeitos desenham apenas quando solicitado,

apresentando então, numerosas dificuldades, sendo uma delas a decupagem das figuras em

planos sucessivos, pois ignoram o modo de tratamento bidimensional necessário, fato

decorrente da falta de visualidade. (DUARTE 2011, p 79-80)

As pesquisas comprovam, também, a dificuldade das pessoas cegas em conservar na memória

e reconhecer tatilmente desenhos de objetos; e, ainda, apontam como causa de reações de

resistência ao desenho, a dificuldade e sobrecarga mental exigida pelo reconhecimento de

linhas em relevo bidimensional representando os objetos.Portanto, em exercícios com

Page 31: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

31

imagens táteis é necessário um intenso trabalho cognitivo para minimizar as dificuldades de

procedimentos.

Afirma a autora que cada ação humana, compreensão de objetos e de si mesmo, assim como

toda aprendizagem, dependem da motrocidade. Ao pegar um objeto, percebe-se duas

representações no cérebro, sendo elas: uma representação mental do objeto e uma

representação da própria ação. Segundo Duarte, a memória motora permite a antecipação e

regulagem das ações. (DUARTE 2011, p 81)

Pesquisas demonstraram que pode haver a representação de uma ação pelo cérebro sem que

ela venha a ser efetivamente executada pelo sujeito; demonstram também, que as imagens

mentais resultantes da motrocidade do corpo no cérebro importam e atuam nos procedimentos

humanos tanto quanto as imagens mentais advindas de outras modalidades

sensoriais.(DUARTE 2011, p 83).

As pesquisas revelaram, também, que existe semelhança entre os processos mentais de

percepção visual (em ato) e a evocação da imagem mental (atualização na memória , na

mente, de um objeto ou evento), pois requerem os mesmo componentes cerebrais quando um

desenho é realizado com o objeto presente e é executado por meio de observação visual

direta.

Outro dado importante das pesquisas foi a observação de que pacientes com lesões cerebrais

que impossibilitam a realização de desenhos com a observação visual de objetos eram capazes

de desenhar um tipo de desenho que foi denominado “desenho de rotina”. Nesses desenhos a

imagem visual mental do objeto cujo acesso está impossibilitado pela lesão é substituída por

uma memória motora de procedimentos. Os desenhos praticados intensamente antes da lesão

podem ser realizados.

Os dados dessas pesquisas demonstram a capacidade cerebral para preservar imagens motoras

e procedimentos de ação que permitem a execução de desenhos, mesmo na

Page 32: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

32

impossibilidadevisual do objeto ou da imagem mental visual do objeto, ou seja, revelam a

possibilidade de desenhar por meio da atualização mental de uma outra imagem, não visual,

mas também codificadora dos objetos.

Após tudo o que foi exposto, Duarte enfatiza a existência de dois fatores de maior importância

aos projetos que visem ao ensino do desenho para crianças cegas: a compreensão de que

nosso cérebro retém as sequências motoras necessárias às ações empreendidas, sendo que

memorizamos os objetos como uma sensação motora de nossa ação e a relação entre os

desenhos rotineiros, estes executados através da memória procedural entre pacientes com

lesões visuais e o automatismo gráfico, entre os quais, encontramos os esquemas gráficos.

(DUARTE 2011, p 84).

Acerca da condição de invisualidade e da imitação como recurso de aprendizagem, Duarte

cita Wynnykamen (1990), definindo a imitação como o uso intencional da ação de outro para

servir de guia a uma atividade própria, orientada a um objetivo. Então, a autora traz à tona três

campos de conduta onde a imitação é utilizada como método de aprendizagem participante ou

principal: a aquisição de competências linguísticas e comunicacionais; a aquisição de saberes

sociais e relacionais; e a aquisição de conceitos e regras de resolução de problemas. Duarte

acrescenta ainda que as crianças trabalham naturalmente os processos imitativos de maior

relevância ao seu desenvolvimento e integração. (DUARTE 2011, p 84).

Duarte (2011) observa que a criança tem sua capacidade de imitação visuomotora

impossibilitada quando nasce cega. Portanto, nos processos de aprendizagem dessa criança

“ganham importância os processos imitativos que se utilizem de uma performance motora

realizados com base em percepções do corpo, nas quais a visão não seja um recurso

necessário ao espelhamento do gesto realizado” (p 87). De acordo com a autora, o contato

físico e ação devem estar ligados, devendo o gesto a ser imitado, ser realizado junto com a

criança. (p 87).

Page 33: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

33

Duarte afirma terprocurado encontrar procedimentos de ensino-aprendizagem para substituir

os processos de imitação, nas nações com crianças cegas, com base na modalidade visual;

foram concebidos procedimentos que não necessitam da modalidade mencionada através de

fundamentos e reflexões teóricas sobre motrocidade e imitação, ainda que a modalidade aqui

tratada figure como referência para a configuração dos objetos pelo desenho. (DUARTE

2011, p 87).

A seguir será apresentada a sequência de ensino com base na modalidade tátil, na

sensoriomotricidade e nas percepções do corpo formuladas por Duarte.

São três etapas que pressupõem sempre uma relação entre o professor, que

ao desenhar junto com a criança, oferece-lhe um modelo de traçado do

objeto por meio da percepção dos movimentos que executa, e a criança em

processo de aprendizagem, que produz o modelo oferecido pelo professor

ao realizar os mesmos gestos e movimentos percebidos na ação conjunta.

A criança deve acompanhar o traçado de linhas mantendo a sua mão sobre

a mão do professor para assim perceber o movimento realizado durante o

traçado. (DUARTE, 2011, P 88)

Segundo a autora, a primeira etapa chama de Reação, é a realização do mesmo traçado,

conforme ele foi executado, imediatamente após o acompanhamento do movimento do

professor pelo aluno, ou seja, uma ação sem o tempo de reflexão igual àquela que foi

executada. A segunda etapa seria a Repetição, que deve exigir da criança uma reflexão sobre

o traçado do desenho e a decisão de como começar o novo traçado, antes de executar

novamente a ação percebida.A terceira etapa, denominada pela autora de Imitação, acontece

quando o desenho é criado sem ser antecipado pela percepção do traçado efetuado pelo

professor.O resultado esperado na etapa final é que a criança já tenha construído memórias e

imagens mentais suficientes nos campos da operação sensoriomotora, da sequência do traçado

eda percepção tátil da linha ou figura desenhada, sendo assimcapaz de realizar o traçado da

linha ou da figura sem a ajuda do professor.(DUARTE 2011, p 89)

Oobjetivo a ser alcançado é que, após os exercícios de aprendizagem, o sujeito seja capaz de

utilizar o traçado da linha ou figura aprendida para produzir outras figuras.

Page 34: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

34

“O trabalho realizado pela imitação sensoriomotora possibilita à criança invisual a aquisição de um esquema mental do objeto desenhado capaz de atuar como

recurso cognitivo nas mais variadas situações em que o objeto aprendido pelo

desenho possa ser considerado um representante geral de uma categoria” (DUARTE,2011, P 90).

Na segunda parte, a autora expõe sua proposta de um método de ensino de desenho e

reconhecimento de imagens gráficas simples para crianças cegas, exemplifica sua proposta

por meio de dados obtidos no seu estudo de caso longitudinal, realizado com Manuella, sua

aluna por sete anos (2002 a 2009) e justifica, por meio de uma explicação detalhada, seus

procedimentos e suas escolhas quanto a seleção dos elementos a serem ensinados.

Antes, porém, a autora expõe, de forma mais clara para que não reste dúvidas, por que ensinar

desenho a crianças cegas. Devido à importância desses motivos, serão apresentados:

a)Porque o desenho, na infância, antecede a escrita; b) Porque o desenho planifica a

imagem visual e permite uma compreensão da aparência visual dos objetos do

mundo; c) Porque pelo desenho é possível reduzir e representar em totalidade coisas muito grandes; d) Porque um desenho em relevo é o único modo de uma

pessoa cega ter contato com imagens visuais e uma percepção aproximada de mil

mensagens que nas páginas impressas das revistas e livros ou web, expõem conteúdos, conceitos, modismos, arte, cultura, conhecimento; e) Porque para ler

imagens tátil-visuais planas é preciso, primeiro, aprender a desenhar e, desenhando,

compreender o que é uma planificação das figuras; f) Porque desenhar e ler imagens visuais em relevo pode ser um importante aliado na conquista de

independência e autonomia pela pessoa cega. (DUARTE 2011, p 95)

Em seguida, a autora passa a discorrer sobre o modo como as crianças desenham,

primeiramente, descrevendo as fases do desenho infantil.

Aos 18 meses, segundo a autora, a criança já é capaz de empunhar um lápis e produzir seus

primeiros rabiscos: pontos e linhas curtas, os quais a criança ainda não é capaz de controlar.

Com o passar do tempo, a crianças vai desenvolvendo a capacidade de controlar e repetir seus

gestos e executar gestos mais longos (DUARTE, 2011, P 97). Lowenfeld (1979) denominou

duas etapas gráficas de “garatujas desordenadas” e “garatujas controladas”. As garatujas se

estendem nas crianças até os 3 anos, portanto, após muito exercício, a criança consegue

controlar a linha que traça, para fechar e construir uma figura. O fechamento da linha e a

construção das primeiras figuras apresentam uma forma circular. A partir dela, as crianças

constroem as primeiras figuras, estipulando a elas os devidos significados (p 99-100).

Page 35: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

35

Nessa fase, a criança alia ao seu desenho uma narrativa, que descreve o que está desenhando,

imprimindo significado ao grafismo. A autora conta que nas suas primeiras experiências com

Manuella, ao traçar linhas sobre o papel, seus movimentos seguiam o mesmo ritmo que as

narrativas sobre o que estava desenhando. No entanto, a autora podia perceber um certo

desconforto em Manuella, como se ela intuísse que seu desenho era diferente do das outras

crianças de sua idade (8 anos), com as quais tinha contato diariamente na sala de aula. Para

Duarte, essa era uma boa razão para ensinar o que e como as crianças desenham.

Segundo Duarte (2011, p 101), a fase das garatujas precisa ser vivida e experimentada por

todas as crianças, por ser essencial para que elas adquiram controle sobre os gestos que vão

garantir a possibilidade de escrever e desenhar figuras, sendoque para a criança cega, a

necessidade é a mesma que para a criança visual. Porém, vários fatores dificultam essa

vivência: o despreparo dos pais para lidar com a invisualidade dos filhos; creches e escolas

despreparadas para receber as criançascegas e a falta de preparo para receber estas crianças. O

resultado desta realidade é o abandono da criança cega, provocando inúmeros atrasos

cognitivos, não pela a ausência da visualidade, mas devido a inadequação da sociedade e do

sistema educacional às necessidades de cada criança.

A autora conta que em sua vivência com crianças invisuais pode observar que a ausência de

visão torna a criança temerosa com o contato dos materiais, objetos e ambientes

desconhecidos, por isso é preciso que a ausência de visão seja substituída por procedimentos

verbais e táteis para que a criança cega possa acompanhar as atividades com tranquilidade e

segurança.

Segundo Luquet (1969), as crianças visuais reconhecem as primeiras figuras que desenham ao

acaso por analogia morfológica, ou seja, por uma experiência visual. Duarte considera

necessário trabalhar a compreensão formal dos objetos e dos componentes do desenho: as

linhas e planos. (DUARTE 2011, p 102).

Page 36: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

36

Tanto cegos como videntes são capazes de compreender as linhas de contorno de um objeto

ou forma. A autora explica que com as crianças cegas é preciso o usode recursos táteis e

verbais para identificar os objetos, percorrendo as linhas de contorno de cada forma. Exercitar

muito a percepção tátil dos objetos e de linhas de contorno é importante para um futuro

desenho, porque é através da linha de contorno que acontece a planificação e o rebatimento de

um objeto no espaço gráfico por meio de linhas e planos, ou seja, a concepção do desenho

propriamente dita.(DUARTE 2011, p 103).

Segundo Duarte (2011), a criança cega necessitade uma gráfica, exercitandoo traçado de

linhas retas e curvas em diferentes direçõese em movimento; é necessário também apresentar

e desenhar as figuras geométricas básicas. A autora descreve detalhadamente os

procedimentos utilizados nos seus estudos de caso, exemplificando o ensino de cada

elemento, bem como propondo uma série de recursos didáticos, que obtiveram resultados

positivos: a apresentação em relevo tátil de linhas e figuras, a construção de linhas e figuras

em procedimentos de imitação sensoriomotora, o ditado de linhas e figuras por meio da

indicação verbal de direções e dimensões, exercícios de liga-pontos, a percepção tátil de

figuras recortadas em material espesso. Duarte enfatiza em vários momentos a necessidade de

manter o caráter lúdico, de brincadeira em todo o processo e para tanto, aconselha o uso de

histórias, músicas e cantigas. (DUARTE 2011, p 125).

A autora salienta que aprender de modo tátil não é uma tarefa fácil para a criança cega,e que é

necessário constantemente retomar, revisar e repetir os movimentos durante todo o processo

de aprendizagem. Duarte adverte que o desenvolvimento nunca ocorre de modo contínuo,

pois as dificuldades e facilidades não são iguais entre as crianças. (2011, p 126).

Duarte (2011) considera fundamental a compreensão do ato de desenhar, para que o desenho

faça realmente sentido como representação planificada de um objeto (p 126).

Page 37: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

37

Ao abordar o ensino de esquemas gráficos, a autora retoma as principais justificativasdo seu

ensino a crianças cegas que são os esquemas gráficos; imagens sintéticas dos objetos, que se

estruturam graficamente a partir de linhas e formas básicas,apresentando as características

principais de uma categoria de objetos. A repetição é essencial à eficácia comunicacional e

cognitiva dos esquemas gráficos, promovendo o automotismo gráfico que os transforma em

desenho de rotina, sendo independente à visualidade do objeto ou forma. Estes, segundo

Duarte, são desenhos realizados de maneira muito semelhante pelas crianças ocidentais desde

que se tem registro de desenhos infantis.(DUARTE 2011, p 128).

Para Duarte (2011), é importante ensinar os esquemas gráficos infantis às crianças cegas,

porque eles são capazes de informar sobre a aparência dos objetos de forma simples e

sintética. Para isso, os esquemas gráficos a serem ensinados em condição de invisualidade

devem ser grafados em relevo para que possam ser reconhecidos por meio de percepção tátil

(p 129).

Para demonstrar sua sequência metodológica, Duarte (2011) apresenta de forma detalhada o

seu trabalho com Manuella na aprendizagem dos esquemas gráficos tátil-visuais. As diretrizes

consideradas mais importantes pela autora são:

a) Usar como referência os desenhos infantis; b) construir maquetes tridimensionais

de figuras planificadas em relevo emborrachado e de desenhos lineares a partir de

linhas e formas geométricas simples; c) manter sempre a mesma sequência de movimentos (sensoriomotricidade) no trabalho com as três representações do objeto

(a maquete tridimensional, a representação plana em relevo e o desenho linear), seja

para a percepção das bordas de superfície dos modelos e de suas linhas de contorno, seja para a produção dos esquemas gráficos ou para a leitura tátil dos desenhos

produzidos; d) repetir constantemente cada etapa de reconhecimento e construção

dos esquemas, para que a representação do objeto seja compreendida e a sequência gráfica memorizada.(DUARTE 2011, P 139-140)

Depois dos esquemas gráficos aprendidos separadamente, é possível criar composições de

elementos no desenho. Asdiferentes figuras desenhadas juntas no mesmo espaço gráfico

fornecemà criança invisual a noção de relação entre os objetos e a ideia de totalidade que se

assemelha à vivênciade uma criança visual. Para realizar tal objetivo, deve-se trabalhar

verbalmente com a criança cega, realisando uma sucessão de esquemas gráficos diferentes em

Page 38: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

38

um mesmo desenho, auxiliando a criança a posicioná-los com orientações familiares a ela, do

tipo em cima/embaixo, à esquerda/à direita. Outra maneira é construir maquetes de objetos

tridimensionais reunidos, ou ainda sugerir o desenho que ilustre o momento de uma narrativa

(DUARTE 2011, p 156).

Duarte (2011) apresenta os resultados obtidos em seu estudo de caso longitudinal com

Manuella e de outras pesquisas transversais realizadas com outros alunos, os quais

demonstram as possibilidades cognitivas e comunicacionais dos esquemas gráficos tátil-

visuais, como também evidencia as diferentes modalidades sensoriais utilizadas pelas crianças

e adolescentes invisuais na sua produção gráfica (p 157).

Estes dados confirmam que a aprendizagem de esquemas gráficos tátil-visuaispermite a

interação entre crianças visuais e invisuais, por terem, além do fator educacional, um cunho

comunicacional, podendo também ser usados para redigir mensagens à quem não domina o

braile (DUARTE, 2011 P 187).

Com relação às modalidades sensoriais utilizadas, a autora ressalta que:

As configurações somatossensoriais e os desenhos multimodais, que

podem surgir como consequência da aprendizagem de esquemas gráficos,

perdem precisão quando avaliados em sua função comunicacional, mas

revelam de modo bastante consistente processos cognitivos cuja origem é

dada por modalidades sensoriais que não a modalidade visual,

especialmente quando os registros gráficos são acompanhados por uma

descrição verbal da pessoa que o realizou.(DUARTE, 2011, P 187)

Esse uso de outras modalidades perceptivas, observadas nos desenhos, é de extrema

importância para o professor entender melhor os recursos acessíveis ao seu aluno invisual, e

assim construa, com ele, uma boa aprendizagem em todas as áreas do conhecimento.

Os esquemas gráficos são muito úteis às crianças cegas justamente por poderem ser ensinados

e aprendidos na situação de invisualidade e por contribuírem para a compreensão de síntese e

aparência dos objetos do mundo.

Em seus comentários finais, a Duarte enfatiza o fato de que os professores de Artes Visuais

não costumam se interessar pelo estudo dos desenhos de crianças e adultos; as salas de aula

Page 39: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

39

não possuem o mesmo apelo. Ressalta que seus estudos, em especial o caso de Manuella,

foram realizados de forma individual, o que possibilitou a dedicação total da parte da

professora, já o trabalho em uma sala de aula, devido à diversidade do grupo, apresenta uma

série de dificuldades diferentes das apresentadas pela experiência individual.

Duarte (2011) passa a destacar e resumir os argumentos apresentados em seus estudos e

indicar as ações que considera mais necessárias, respondendo a quatro questões (p 192-193):

4.1. Por que ensinar desenho a crianças cegas?

Porque é um recurso cognitivo importante ao oferecer uma possibilidade de totalização dos

objetos; porque o ato de desenharoferece oportunidade de comunicação que transcendem a

fala e a escrita; e, principalmente, porque as pesquisas indicam, que para as pessoas cegas,

desenhar é um ensino necessário para que possa aprender a leitura de imagens em relevo, seja

qual for a sua natureza: didática, informacional, comunicacional ou artística. Porque todo o

esforço em pesquisas e produção de equipamentos para a compreensão de imagens em relevo

destinadas às pessoas invisuais é inútil sem que as crianças cegas desde o nascimentos

compreendam, pelo ensino do desenho, o processo de planificação e representação de objetos

tridimensionais de modo bidimensional (DUARTE, 2011 P 192).

4.2. Como ensinar desenho a crianças cegas?

As crianças invisuais precisam ser ajudadas a perceber e compreender as bordas de superfície

dos objetos e sua transformação em linhas de contorno. Precisam do uso das linhas em relevo,

da percepção e da repetição do movimento motor que devem imitar. As crianças invisuais

Page 40: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

40

precisam de mais tempo e de muita repetição para aprender desenhar o esquema gráfico

(DUARTE 2011, P 192).

4.3. Que desenhos ensinar às crianças cegas?

Com o objetivo de promover o acesso às imagens de mídia e oferecer recursos cognitivos e

comunicacionais, devem se ensinar os desenhos que as crianças e adultos visuais desenham

com mais frequência e permanência: os esquemas gráficos do nível cognitivo de base.

A quarta questão, a nosso ver, pressupõe o prévio conhecimento do professor com relação ao

método utilizado e, principalmente, o engajamento total do mesmo ao ensino de desenho à

criança invisual (DUARTE 2011, P 193).

4.4. Como auxiliar os professores das salas de “aulas inclusivas”?

Oferecendo aosprofessores material pedagógico adequado para o ensino de linhas e figuras

geométricas básicas e, depois, para o ensino de esquemas gráficos tátil-visuais (maquetes

tridimensionais; jogos de montar e desmontar com os esquemas gráficos tátil-visuais dos

objetos produzidos em material emborrachado, similares às maquetes tridimensionais; cartelas

com os esquemas gráficos tátil-visuais dos objetos, que mantenham a identidade visual entre a

maquete e a representação bidimensional em material emborrachado e a prancha telada, que

deve ser utilizada sob a folha de papel para tornar tangível a linha de desenho realizada pela

criança) (DUARTE 2011, P 193).

Finalmente, não se pode esquecer o caráter lúdico, a brincadeira que devem permear as tarefas

e exercícios de compreensão das figuras na condição de invisualidade. De acordo comLuquet

Page 41: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

41

(1927),o desenho da criança parte de um ato de diversão, e nada impede que a criança aprenda

se divertindo.

Como fica evidente, depois dos estudos realizados por Duarte, o ensino de desenho, por meio

dos esquemas gráficos é essencial para o reconhecimento de representações tátil-visuais,

consequentemente, é fundamental a um ensino regular que objetive a verdadeira inclusão da

criança cega, pois representa a possibilidade de uma compreensão efetiva dos processos e

modos utilizados, bem como do próprio mundo que a rodeia.

Page 42: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

42

5CONCLUSÃO

A partir da análise dos dados aqui computados, foi visto que, até a década de

60, os portadores de deficiências eram excluídos da sociedade por serem considerados

“ineducáveis” e recebiam atendimento em instituições especiais. Somente a partir da

década de 80 esta visão foi modificada, através da promulgação da Constituição

Federal de 1988.

A pesquisa realizada em torno do ensino das artes visuais para crianças cegas

ou com baixa visão conclui que esteé um tema ainda pouco explorado, pois muito se

fala em inclusão, mas poucos são os recursos e capacitações oferecidas aos professores

para que a inclusão de fato aconteça.

Para que chegasse à quantidade de informações necessária para a publicação

de seu livro, Maria Lúcia B. Duarte levou cerca de dez anos ensinando e investigando

os desenhos de uma garota cega de nascença, que hoje é capaz de desenhar o prédio

onde mora, sem nunca tê-lo visto.

Sendo assim, pode-se dizer que o ensino das artes visuais para crianças cegas é

um processo longo, e que exige do educador paciência, interesse e vontade de aprender

a ensinar, além de serem necessárias políticas públicas que respaldem o educador, para

que este trabalho seja possível, levando em conta que além do aluno de inclusão, ainda

existem os outros trinta e poucos na sala que também precisam ser assistidos.

Page 43: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

43

REFERÊNCIAS

ANVERSA, Priscila. O jogo no ensino da Arte: uma proposta fundamentada em Paulo Freire.

In: KIRST, Adriane Cristine (org.); SILVA, Maria Cristina da Rosa Fonseca (org.). O objeto

pedagógico na formação de professores de Artes Visuais. Florianópolis: Ed. UDESC, 2010.

BORBA, A. M. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. In: BRASIL. Ministério

da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Fundamental de nove anos: orientações

para a inclusão da criança de seis anos de idade. 2ª ed. Brasília, DF: MEC, 2007.

BUORO, A.B. O olhar em construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na

escola. São Paulo: Cortez, 1996.

BORNELLI, Margarete Cascaes. Arte, inclusão e jogos. In: KIRST, Adriane Cristine (org.);

SILVA, Maria Cristina da Rosa Fonseca (org.). O objeto pedagógico na formação de

professores de Artes Visuais. Florianópolis: Ed. UDESC, 2010.

CARDEAL, Márcia.Metáforas visuais – redundâncias táteis. In: DUARTE, MariaLúcia

Batezat (org.); PIEKAS, Mari Ines (org.). Desenho infantil em pesquisa – Imagens visuais e

táteis. Curitiba: Ed. Insight, 2011.

D’AMOREIRA, Gabriela Caetano.A mediação na Arte-educação: o jogo como prática de

ensino. In: KIRST, Adriane Cristine (org.); SILVA, Maria Cristina da Rosa Fonseca (org.). O

objeto pedagógico na formação de professores de Artes Visuais. Florianópolis: Ed. UDESC,

2010.

DUARTE, Maria Lúcia Batezat.Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas – razões e

método.Curitiba: Ed. Insight, 2011.

FISCHER, Ernest. A necessidade da Arte.Tradução: Orlando Neves. Lisboa: Pelicano, 1963.

GOODMAN, Nelson. Modos de fazer mundos. Tradução: A. Duarte. Porto: Asa, 1997

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999.

KIRST,Adriane Cristine e SILVA, Maria Cristina da Rosa Fonseca. Quando o público cego

vai ao museu de Arte. 2006.

_________________.Arte Contemporânea e o Público Cego: Quais as Relações Possíveis?.

Disponível em:http://www.anpap.org.br/anais/2009/pdf/ceav/adriane_cristine_kirst.pdf.

Acesso: 07 de maio de 2011.

LOPES, Ana Elizabete. Artes visuais e os diferentes modos de ver. In:

Educação@pósmodernidade. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2003.

LUQUET, Georges-Henri. O desenho infantil. Tradução: Maria Teresa Gonçalves de

Azevedo. Porto: Civilização, 1969.

Page 44: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

44

MARTINS, A.F. As artes visuais e a educação inclusiva. In: Arte sem barreiras: educação,

arte e inclusão. Caderno de Textos: Funarte, 2002.

MENDES, Eniceia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão. In: Revista

brasileira de educação, v.11 nº33. Set/Dez. 2006.

NUNES, Ana Luíza Raquel ETAL. O papel do jogo no processo de inclusão de crianças com

necessidades especiais: alternativas no cotidiano escolar. Revista Ponto de Vista.

Florianópolis, nº 18, p.31-54, 2006.

NOVITZ, David. Aesthetics and Epistemology.In. KELLY, Michael (ed.)

Encyclopedia of Aesthetics, Oxford: Oxford University Press, 1998

OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983.

PEDROSA, I. Da cor a cor inexistente.Brasília. UNB,1982.

PERLIN, Gladis. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as

diferenças. Porto Alegre: mediação, 1998.

ROCHA, Stéfanie da Cunha.O jogo como ferramenta mediadora no ensino de Arte: uma

alternativa de inclusão no contexto. In: KIRST, Adriane Cristine (org.); SILVA, Maria

Cristina da Rosa Fonseca (org.). O objeto pedagógico na formação de professores de Artes

Visuais. Florianópolis: Ed. UDESC, 2010.

ROSA, Paulo Ricardo da Silva. A Teoria de Vigotsky. Artigo, Departamento de Física

UFMS. Disponível em: http://www.dfi.ccet.ufms.br/prrosa/Pedagogia/Capitulo_5.pdf.

Acesso: 07 abril 2011.

SACKS, Oliver.O olhar da mente.Tradução: Laura Teixeira. São Paulo: Companhia das

Letras, 2010.

SCHWARTZ, Gisele; RUIZ, Juliana. O jogo e a arte como estratégias para a educação

ambiental no contexto escolar. 2002.

SILVA, Maria Cristina da Rosa Fonseca. Objetos pedagógicos para ensinar crianças com

deficiência. - Disponível em:

http://www.anpap.org.br/anais/2010/pdf/ceav/maria_cristina_da_rosa_fonseca_da_silva.pdf.

Acesso: 08 de Março de 2012.

SOUZA, Edson Roberto de. Criança brinca... A educação física no resgate da cultura lúdica

infantil: considerações teóricas e possibilidades pedagógicas. Dissertação (Mestrado) – PUC

Rio grande do Sul, Faculdade de Edicação . Orientador: MOURINO MOSQUERA, Juan José.

1997.

VYGOTSKY, L.S. (1924-1934) La imaginación y el arte em lainfancia. Madrid: Akal Editor,

1982.

WALLON, H. (1942) Do ato ao pensamento. Ensaio de psicologia comparada. Lisboa:

Moraes Editores, 1979.

Page 45: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

45

ANEXO 1- Resenha do livro “O Olhar da Mente”, de Oliver Sacks

No livro “O Olhar da Mente“, por meio do acompanhamento de pacientes, Oliver Sacks

mostra que é possível remodelar a arquitetura cerebral para compensar deficiências graves. O

conjunto olho-cérebro usa pistas para construir um modelo do mundo na cabeça de cada

pessoa. Os casos mais exemplares que Sacks descreve ajudam a mostrar que até as pessoas

que chamamos de normais apenas usam seu cérebro para construir uma espécie de modelo do

mundo, que nunca é a mesma coisa que o “mundo real” em si. As pessoas não têm a menor

ideia de como essas coisas funcionam. Isto é, a menos que você as analise. Ver pessoas cujas

faculdades de reconhecimento foram lesadas faz, por exemplo, com que seja possível

perceber que certa capacidade está associada a certa parte do cérebro.

Em seu livro, Sacks descreve como algumas pessoas lidam com a cegueira total. Alguns de

seus pacientes constróem mundos imaginários inteiros, com mil detalhes e situações, uma

vida visual paralela à vida dos não cegos. E há os que aguçam os outros sentidos de tal forma

que se tornam completamente independentes, até mesmo do uso de bengala.

O autor explica que estudos mostram que algumas áreas do córtex visual podem ser

realocadas e usadas para processar sons e sensações do tato. Existe uma certa flexibilidade ou

plasticidade no cérebro que permite mudanças radicais em resposta a uma privação sensorial.

Em um dos casos apresentados, o de um rapaz que ficara cego aos 21 anos, o autor conta que,

ao invés de adaptar o modo visual para o auditivo, este rapaz decidiu desenvolver no mais alto

grau o seu “olhar interior”, ou seja, sua capacidade de trabalhar com “imagens mentais”,

desenvolveu sua capacidade de criar, reter e manipular imagens na mente que o ajudava a

fazer coisas que pareciam impossíveis a um cego. Outro caso era completamente o oposto, um

senhor que não usou suas imagens mentais de modo deliberado perdeu-as dentro de dois anos,

tornando-se incapaz de lembrar a aparência de coisas as mais comuns. No caso de uma

Page 46: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

46

senhora que ficou cega aos doze anos, Sacks conta que a maneira encontrada foi usar seus

outros sentidos, juntamente com descrições verbais, memórias visuais e “uma forte

sensibilidade pictórica e sinestésica” para construir imagens mentais detalhadas. O autor

chama a esses de “cegos visuais”, pois utilizam suas imagens mentais para se adaptar à

condição de invisualidade.

Oliver Sacks (2010) explica que o córtex visual, isolado do exterior, torna-se

supersensível a todo tipo de estímulo interno, ou seja, aos sinais vindos de outras áreas

cerebrais, tais como auditivas, táteis e verbais, bem como a pensamentos, memórias e

emoções. Esses estímulos entram em conjunto na formação das imagens mentais. Sacks

afirma que, por meio da combinação de exames de tomografia com experimentos sobre

visualização de imagens, foi possível mapear as áreas cerebrais envolvidas na execução de

tarefas que exigem visualizar imagens, assim foi possível perceber que a visualização de

imagens ativa muitas das mesmas áreas do córtex visual ativadas pela percepção, o que

demonstra que as imagens mentais são uma realidade fisiológica além de psicológica e que

usam alguns dos mesmos caminhos neurais que a percepção visual. Por meio desses estudos

foi possível também observar que a percepção e a visualização de imagens têm uma base

comum nas partes visuais do cérebro.

Alguns neurocientistas, segundo Sacks (2010), aventam que a percepção visual depende

das imagens mentais e fazem uma correspondência entre o que o olho vê e as imagens da

memória no cérebro. Para esses cientistas, o reconhecimento visual sem essa correspondência

não poderia ocorrer. Kosslyn, neurocientista citado por Sacks, chega a supor que visualizar

imagens é crucial para o raciocínio, para resolver problemas, planejar e teorizar. Kosslyn fala

na duplicidade no modo como as pessoas pensam, contrastando o uso das representações

“figurativas” (diretas e imediatas) com as “descritivas” (analíticas e mediadas por símbolos

Page 47: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

47

verbais ou de outros tipos), dependendo do indivíduo e do caso a ser resolvido um modo será

preferido ao outro.

À luz dessas informações, Sacks se coloca a seguinte questão “Se o papel central das

imagens mentais é permitir a percepção e o reconhecimento visual, para que elas servem a

uma pessoa cega? E o que acontece a seus substratos neurais, as áreas visuais que ocupam

quase metade de todo córtex cerebral?”(p 203). O autor observa que nos adultos que perdem a

visão há pouca degeneração do córtex cerebral em si, que não há diminuição de atividade e

que, ao contrário, há atividade e sensibilidade intensificadas: “O córtex visual, privado da

entrada de informações provenientes da visão, continua a ser um bom terreno neural, vago e

clamando por uma nova função” (p 204). Em alguns casos, pode liberar mais espaço cortical

para as imagens mentais, em outros, pode ser usado por outros sentidos (percepção e atenção

auditiva ou percepção e atenção táteis). A ativação do córtex, mesmo na ausência de

informações captadas pela retina, pode ser uma parte essencial da base neural das imagens

mentais. Sacks nota que o fortalecimento de outros sentidos com a cegueira permite

adaptações extraordinárias como a capacidade de usar indicações sonoras ou táteis para sentir

a forma ou tamanho de um espaço e das pessoas e objetos que ele contém (visão facial).

Interessante perceber como muitos cegos dizem que as bengalas os ajudam a “enxergar” o

ambiente: o tato, a ação e o som são transformados em um quadro visual. Essa substituição

sensorial depende da plasticidade do cérebro.

Certo, restaurar a visão de quem já teve, seja por cirurgia ou dispositivos de substituição

sensitiva é possível, pois a pessoa tem um córtex cerebral intacto e memórias visuais, mas dar

visão a uma pessoa cega congênita, que nunca viu a luz ou imagens parece impossível.

Porém, Sacks esclarece que “embora o córtex visual em cegos congênitos tenha um volume

mais de 25% menor, aparentemente ele ainda pode ser ativado por substituição sensorial” (p

208). Fato que foi confirmado por exames de ressonância magnética funcional. O autor

Page 48: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

48

acrescenta que “poderíamos supor que os cegos congênitos não possuem nenhuma imagem

mental, já que nunca tiveram experiência visual. No entanto, alguns declaram ter elementos

visuais claros e reconhecíveis em sonhos” (p 208). Fato que pode ser atestado por

experimento realizado em 1973, comparando cegos congênitos com pessoas de visão normal e

encontrando atividade visual equivalente nos dois grupos enquanto sonhavam. Os cegos

congênitos conseguiram reproduzir os componentes visuais de seus sonhos por meio de

desenhos, embora tivessem uma taxa menor de recordação de seus sonhos. Assim, chegou-se

à conclusão de que os cegos congênitos possuem conteúdos visuais em sonhos.

Sacks afirma que os cegos congênitos geralmente têm experiências perceptuais variadas,

mediadas pela linguagem e por imagens mentais de um tipo não visual: imagens mentais

auditivas ou olfativas. Mas a questão é “podem ter imagens mentais do tipo visual, um olhar

da mente?” (p 209). O autor apresenta o exemplo de crianças que nasceram cegas e possuem

uma memória superior e são verbalmente precoces, podendo desenvolver uma extraordinária

fluência na descrição de rostos e lugares que outros podem até a chegar a duvidar que sejam

cegas; cita o exemplo dos escritos de Helen Keller pela sua brilhante qualidade visual e se

coloca a questão: “Em que grau a descrição, a imagem posta em palavras, pode funcionar

como substituto para o ato real de ver ou para a imaginação visual pictórica?” (p 210). Para

elucidar a questão cita o caso de Arlene Gordon, que ficou cega aos 40 anos, para quem a

linguagem e a descrição tinham papel importante, pois estimulavam sua capacidade de formar

imagens mentais e em certo sentido lhe possibilitavam “ver”. Ela conta que ao viajar fazia

perguntas aos seus companheiros para que pudessem formar uma imagem mental, e tais

perguntas ajudavam-nos a perceber coisas que eles não prestavam atenção: “É tão comum

pessoas que têm visão não verem nada. É um processo recíproco – enriquecemos mutuamente

os nossos mundos” (p 210) – comenta Arlene. Oliver Sacks finaliza, declarando que existe

aqui um paradoxo que ele não consegue resolver: “se de fato existe uma diferença

Page 49: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Letícia Monira Bordim … · RESUMO Esta monografia de ... Vale lembrar as palavras de Paulo Freire: “O educador crítico não pode pensar que, a

49

fundamental entre vivência e a descrição, entre o conhecimento direto e o conhecimento

mediado do mundo, por que então a linguagem é tão poderosa? A linguagem, a mais humana

das invenções, pode possibilitar o que, em princípio, não deveria ser possível. Pode permitir a

todos nós, inclusive os cegos congênitos, ver com os olhos de outra pessoa” (p 210).