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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 63, p. 555-573, Set./Dez. 2011 555 Maria Helena de Magalhães Castro UNIVERSIDADES E INOVAÇÃO: configurações institucionais & terceira missão 1 Maria Helena de Magalhães Castro * O texto analisa a chamada “3ª Missão” da universidade de pesquisa, qual seja, a de transferir conhecimento, tecnologia e inovação; que tem sido acompanhada por reconfigurações tanto da pesquisa (alinhando-a ao novo modo de produção cientifica), quanto do ensino (alinhando-o aos novos perfis adequados à economia e sociedade do conhecimento). Faz-se um breve resumo das reformas européias que alteraram profundamente o sistema de governança do ensino superior e de suas universidades, seguido de uma sistematização das mudanças que vêm redefinindo o lugar e papéis das universidades de pesquisa no Brasil – tanto as promovidas pelo MEC, quanto principalmente, pelo MCT. Estes materiais são usados para discutir o ajuste da configuração institucional das universidades de pesquisa brasileiras – especialmente, as da rede federal – aos novos desafios de produzir (e transferir) conhecimentos e quadros que alavanquem a inovação, a economia e sociedade do conhecimento no país. PALAVRAS-CHAVE: transferência de conhecimento e tecnologia, inovação, 3ª. Missão, governança e relevância do ensino superior. DOSSIÊ O novo paradigma econômico da sociedade do conhecimento vem ressignificando o “interesse público” a ser servido pela universidade e acarre- tando reconfigurações institucionais que ameaçam a reprodução dessa instituição tal como a conhecía- mos até a virada do milênio. O significado do “inte- resse público” foi “capturado” pelo poder de ressignificação das políticas públicas através, princi- palmente, das definições e redefinições de indicado- res (e de suas justificativas) que referenciam as audi- torias e avaliações, os rankings e classificações que redistribuem reputação e os recursos financeiros en- tre as universidades. 2 Como Olsen (2006) comenta: Definitional power is illustrated when governments […] reinterpret what the university is, can be and should be. Management of meaning also includes defining criteria for success, the kinds and quality of ”services” to be produced, and for whom. […] As governments have become more output oriented and have demanded measurable results and accountability, there has been a monitoring and audit explosion. There have also been multiplication of standard producers and accreditation agencies. (They) provide information that help accountability and empower governments and managers. In addition they provide market information. The expansion of standardization as a (soft) style of regulation also illustrates that it has become more difficult for any single actor to dictate solutions. O modelo universal de universidade públi- ca autônoma já não referencia o ensino superior no mundo desenvolvido e a proliferação de infor- mações produzidas por standard producers, accreditation agencies e produtores de rankings, entre outros, sobre “o que conta” e “o que se pas- sa” no ensino superior habilita (empower) não só as agencias oficiais e os dirigentes universitários, mas também novos atores a identificar problemas, propor soluções, monitorar e se manifestar publi- camente sobre o setor. Com isso, a condução (regulação) do ensino superior passou a se dar de forma mais distribuída e a assumir dinâmicas com níveis de indeterminação sem precedentes. Nas * Doutora em Ciência Política. Professora Associada do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Largo São Francisco de Paula, 1. Cep: 20051-070. Centro - Rio de Janeiro - Brasil. [email protected] 1 Versão revisada de trabalho apresentado no 34º. Encon- tro Anual da ANPOCS, em de 2010. MR11: Produção do conhecimento científico e inovação. 2 Olsen, 2006. Making sense of Change.

UNIVERSIDADES E INOVAÇÃO: configurações institucionais & … · 2012-02-28 · C ADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 63, p. 555-573, Set./Dez. 2011 555 Maria Helena de Magalhães

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UNIVERSIDADES E INOVAÇÃO:configurações institucionais & terceira missão1

Maria Helena de Magalhães Castro*

O texto analisa a chamada “3ª Missão” da universidade de pesquisa, qual seja, a de transferirconhecimento, tecnologia e inovação; que tem sido acompanhada por reconfigurações tanto dapesquisa (alinhando-a ao novo modo de produção cientifica), quanto do ensino (alinhando-o aosnovos perfis adequados à economia e sociedade do conhecimento). Faz-se um breve resumo dasreformas européias que alteraram profundamente o sistema de governança do ensino superiore de suas universidades, seguido de uma sistematização das mudanças que vêm redefinindo olugar e papéis das universidades de pesquisa no Brasil – tanto as promovidas pelo MEC, quantoprincipalmente, pelo MCT. Estes materiais são usados para discutir o ajuste da configuraçãoinstitucional das universidades de pesquisa brasileiras – especialmente, as da rede federal –aos novos desafios de produzir (e transferir) conhecimentos e quadros que alavanquem ainovação, a economia e sociedade do conhecimento no país.PALAVRAS-CHAVE: transferência de conhecimento e tecnologia, inovação, 3ª. Missão, governança erelevância do ensino superior.

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O novo paradigma econômico da sociedadedo conhecimento vem ressignificando o “interessepúblico” a ser servido pela universidade e acarre-tando reconfigurações institucionais que ameaçama reprodução dessa instituição tal como a conhecía-mos até a virada do milênio. O significado do “inte-resse público” foi “capturado” pelo poder deressignificação das políticas públicas através, princi-palmente, das definições e redefinições de indicado-res (e de suas justificativas) que referenciam as audi-torias e avaliações, os rankings e classificações queredistribuem reputação e os recursos financeiros en-tre as universidades.2 Como Olsen (2006) comenta:

Definitional power is illustrated when governments[…] reinterpret what the university is, can beand should be. Management of meaning alsoincludes defining criteria for success, the kindsand quality of ”services” to be produced, and for

whom. […] As governments have become moreoutput oriented and have demanded measurableresults and accountability, there has been amonitoring and audit explosion. There have alsobeen multiplication of standard producers andaccreditation agencies. (They) provideinformation that help accountability andempower governments and managers. Inaddition they provide market information. Theexpansion of standardization as a (soft) style ofregulation also illustrates that it has become moredifficult for any single actor to dictate solutions.

O modelo universal de universidade públi-ca autônoma já não referencia o ensino superiorno mundo desenvolvido e a proliferação de infor-mações produzidas por standard producers,

accreditation agencies e produtores de rankings,entre outros, sobre “o que conta” e “o que se pas-sa” no ensino superior habilita (empower) não sóas agencias oficiais e os dirigentes universitários,mas também novos atores a identificar problemas,propor soluções, monitorar e se manifestar publi-camente sobre o setor. Com isso, a condução(regulação) do ensino superior passou a se dar deforma mais distribuída e a assumir dinâmicas comníveis de indeterminação sem precedentes. Nas

* Doutora em Ciência Política. Professora Associada doDepartamento de Sociologia da Universidade Federal doRio de Janeiro.Largo São Francisco de Paula, 1. Cep: 20051-070. Centro- Rio de Janeiro - Brasil. [email protected]

1 Versão revisada de trabalho apresentado no 34º. Encon-tro Anual da ANPOCS, em de 2010. MR11: Produção doconhecimento científico e inovação.

2 Olsen, 2006. Making sense of Change.

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palavras de Olsen (2005), it has become more

difficult for any single actor to dictate solutions.Neste texto, apresento resultados intermediá-

rios de uma investigação sobre o que mudou em ter-mos do lugar e papéis que as políticas de Ciência,Tecnologia & Inovação (C,T&I) vêm atribuindo à uni-versidade de pesquisa brasileira, desde o final dosanos 90. Inicio também uma discussão sobre o quantoas configurações institucionais das universidades li-beram ou entravam o seu potencial para responderefetivamente a essas políticas e também aos desafiosda nova realidade econômica e científica.

O estudo refere-se ao segmento universitáriocom competência em pesquisa, que reúne as univer-sidades estaduais paulistas, uma minoria de univer-sidades federais e umas poucas universidades pri-vadas.3 Alem de revisão da literatura, uso materiaisobtidos em uma sondagem realizada em entrevistascom alguns dirigentes universitários e especialistasem C,T&I. Começo por contextualizar o tema a partirem uma breve revisão do realinhamento da universi-dade europeia à sociedade do conhecimento, paraentão entrar no caso brasileiro.

A “3ª MISSÃO” DAS UNIVERSIDADES NASOCIEDADE DO CONHECIMENTO: breverevisão do contexto internacional

A resposta europeia ao novo contexto foi areconfiguração institucional radical das universi-dades. Em 2000, Peter Maassen escrevia:

The transformation of national higher educationsystems is on the political agenda in every countryin Europe. The higher education sector is beingurged to ‘modernise’, ‘adapt’, ‘diversify’,‘marketise’, and is expected to become‘entrepreneurial’, ‘competitive’, more ‘efficient’and more ‘effective’, more ‘service oriented’, andmore ‘societally relevant’. It also has to improvethe ‘quality of its processes and products’, its‘relationship with the labor-market’, and the‘governance and management’ of its institutions,the universities and colleges.4

Guardados os matizes nacionais, o proces-so de reforma foi induzido pela reestruturação dofinanciamento publico das universidades. Ao in-vés de se pautar pelas necessidades e (ou) padrãohistórico de gastos, o governo passou a negociarresultados e a calibrar o financiamento por audito-rias e avaliações focadas na gestão da qualidade.Tais exigências eram tratadas pelo governo junto àadministração central das universidades, tornan-do-as agentes das reformas. No topo da agenda,estava a expansão da cobertura do ensino superi-or e a expectativa de que as universidades contri-buíssem no seu financiamento sem perder quali-dade e, se possível, ganhado relevância.5 As no-vas bases de financiamento provocaram reformasinstitucionais realizadas sob a égide do New Public

Management e que resultaram na “marketização”

da universidade.6 Tipicamente, essas reformasdotaram as universidades de sistemas de gestãoinstitucional alinhados aos padrões de mercadoda época, instituindo regimes mais independen-tes de administração central da autoridade acadê-mica colegiada e que, não raro, tenderam a subor-dinar os corpos acadêmicos aos imperativos de umamaior integração organizacional para enfrentarambientes cada vez mais competitivos, seja paracaptar recursos financeiros (públicos ou não), sejapara manter ou melhorar suas reputações no paíse no mundo globalizado.

Por mais empreendedora e financeiramenteindependente que uma universidade consiga serhoje, ela é instada a responder a pressões do am-biente externo que a puxam e empurram em dife-rentes direções. Pressões pela competitividade in-ternacional do país empurram a universidade paraa vanguarda científica - condição necessária para

3 A PUC-Rio e PUC-RS e, de modo mais pontual, umgrupo crescente de universidades privadas como aUnivap, Mackenzie, Unisinos e Unimep, entre outras jáengajadas em programas de C,T&I.

4 Maassen (2000).

5 Castro (2005a, 2005b).6 New public management is conventionally understood

as a recipe for correcting the perceived failings oftraditional public bureaucracies over efficiency, quality,customer-responsiveness and effective leadership. TheNPM framework together with the policies and measureswhich are conducive to marketization depend onsuppositions, which can be summarized as: (a) marketsare more efficient; (b) markets are more responsive toconsumer demands and thus, (c) markets allowinstitutions and public activities to better adapt tochanging environments. http://www.mh-lectures.co.uk/npm_2.htm

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possibilitar inovações radicais que alteram o teci-do empresarial e posicionamentos de um país nomercado internacional (Mello, 2007). Empurram-na também em direção a uma maior sintonia comas demandas de soluções mais pontuais (inova-ções incrementais) do setor produtivo, do gover-no e da sociedade. Mas, são as pressões dos no-vos estratos sociais, que passaram a buscar o ensi-no superior e as do mercado de trabalho por no-vos perfis de qualificação, que exigem, simultane-amente, uma maior prioridade à formaçãovocacional e à oferta de ensino de massa (Clark,1998; Olsen, 2005). Por outro lado, pressões fi-nanceiras empurram-nas para a diversificação dasfontes de receitas, por vezes, para a venda de cur-sos e de outros serviços que podem (ou não) desviá-la de suas vocações mais importantes. Quaisquerque sejam o tamanho e vocação da instituição, elaprecisará funcionar em sintonia com forças exter-nas para assegurar recursos e reputação.

Clark (1998) encontrou respostas exempla-res a estes desafios em universidades que preferi-ram o risco de tornarem-se diferentes, ao risco deresistirem às pressões e se manterem iguais.7 Taisinstituições são emblemáticas das oportunidadesque se abriram com as reformas. Todas as cincouniversidades estudadas alcançaram reputação quenão tinham anteriormente.8 No entanto, a situaçãomais frequente nas universidades reformadas foide convivência difícil dos quadros acadêmicos comos novos mecanismos de auditoria e avaliação dogoverno e com os novos gerentes, isto é, com aprofissionalização da gestão.9

Na verdade, as universidades perderam a“blindagem” da autonomia acadêmica por outrasrazões também. Entre elas, as novas configuraçõesdo modo de produção do conhecimento, cunhadopor Michael Gibbons de “Modo II” de produção

cientifica (Gibbons et al., 1994). As áreas do conhe-cimento mais dinâmicas e estratégicas para a novaeconomia se descolaram do padrão disciplinar,centrado em ambientes acadêmicos e orientado porprioridades definidas pela comunidade científica.Elas se desenvolvem com um alto grau decomplementaridade cognitiva e institucional, mo-bilizando grupos de pesquisa heterogêneos nestasduas dimensões (disciplinar e institucional).

Sem cooperação e coordenação entre organiza-ções tão díspares como a academia, hospitais, la-boratórios governamentais, agências internacio-nais, agências regulatórias, e inclusive, empresas;os dados não circulam; as competências não secomplementam e o conhecimento produzido é depior qualidade (Bonaccorsi; Thoma, 2007).10

Este breve esboço da experiência europeiarecente é suficiente para se perceber que os princi-pais parâmetros da universidade mudaram. Issoinclui desde a produção do conhecimento – agoracom novas variantes de organização e comprome-tida com inovação e relevância para o desempe-nho econômico –, até o ensino vocacional de mas-sa, incumbido a professores de novo tipo,especializados em ensino, sem os vínculos de es-tabilidade, o ethos acadêmico, a vocação de pes-quisa, ou a cultura de alma mater que regiam auniversidade antes das reformas.11 O ensino se dá,hoje, em periodicidades e regimes didáticos inédi-tos e seus ajustes estão ainda inconclusos, parti-cularmente no que se refere ao alinhamento dodoutorado às necessidades de formação de pes-quisadores que conjuguem altos níveis de especi-alização com competências transversais e versatili-dade para atuar em redes heterogêneas. A geraçãode professores-pesquisadores que conformou avida universitária antes das reformas não está maissendo reproduzida, nem no recrutamento, nem naformação de quadros docentes. Por fim, cabe nãoesquecer que os novos sistemas de gestãoinstitucional estão convertendo as universidadesem modernas organizações prestadoras de servi-ços aos governos e (ou) mercados.

7 They moved away form close governmental regulationand sector standardization (…). They adhere to the beliefthat the risks of experimental change in the character ofuniversities should be chosen over the risks of simplymaintaining traditional forms and practices. Clark 1998.

8 As universidades são Warick (Inglaterra), Strachklyde(Escócia), Chalmers (Suécia), Twente (Holanda) e Joensu(Finlândia).

9 Bauer (1994) e Castro (2003, 2005a).

10 Citado em Balbachevsky (2009).11 Trow (1993).

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Passadas mais de duas décadas, suspeita-seque a marketização foi fundo demais sem necessi-dade. As evidencias são de que a excelência acadê-mica ocorre hoje em diferentes regimes de financia-mento e em diferentes ambientes institucionais.Tampouco há provas de que a adoção do receituá-rio do New Public Management tenha tido impactosignificativo no relacionamento da universidade coma indústria e (ou) com redes de inovação.12 Pelocontrário, resultou no “paradoxo tecnológico euro-peu”, isto é, em um descompasso entre o esforçofeito para reformar as universidades e habilitá-as arealizar seu potencial de “motor” do desenvolvi-mento e os desapontadores resultados tecnológicose econômicos alcançados.13

O LUGAR DA UNIVERSIDADE DE PESQUISANO BRASIL – O QUE MUDOU?

As pressões por relevância se acentuaramno Brasil a partir de meados dos anos 90, no con-texto da abertura da economia e do deslocamentoda política de C&T (até então centrada na pesquisarealizada em universidades e institutos públicos)para uma abordagem mais sistêmica, ancorada noconceito de “inovação” e preocupada com aalavancagem do setor empresarial.

Essas mudanças não encontram as univer-sidades brasileiras na estaca zero. Ao contrario, ébem conhecido o vasto e diversificado elenco deinterações que as mais reputadas universidadespúblicas brasileiras mantêm, há muitas décadas,com clientes do governo, do mundo empresarial,da sociedade civil e com seus próprios pares (emoutras universidades e centros de pesquisa) no paíse no exterior. Está bastante documentada a diver-sidade dessas interações que englobam estudos e

pesquisas, elaboração de índices, testes e assesso-rias técnicas, montagem de cursos de vários for-matos e, mais raramente, inovações tecnológicas edesenvolvimento de novos produtos, processos eserviços. A vitalidade e durabilidade dessasinterações ao longo das décadas atestam o interes-se e as vantagens mútuas que elas representam.Entre elas, estão a acumulação de experiência e oconhecimento tácito, valiosos para responder àsnovas expectativas.14 Essas interações tendem, con-tudo, a permanecer de pequeno porte, exceto emcasos excepcionais.15

As pressões por relevância vêm principal-mente da área de C,T&I, mas não exclusivamente.O Ministério da Educação (MEC) merece mençãopor ter obtido a adesão das universidades federaisao Programa REUNI (Reestruturação e Expansãodas Universidades Federais), com o qual vêm ex-pandindo suas vagas, com a oferta de turno notur-no, os quadros docentes e administrativos, veminteriorizando a rede e, em certa medida, atuali-zando a oferta de cursos com a abertura de novascarreiras vocacionais e de alguns novos perfis deformação, como é o caso do novo curso de gradu-ação em Nanotecnologia da UFRJ, ofertado pelaEscola Politécnica e pelos Instituto de Física, deBiofísica (IBCCF) e de Macromoléculas (IMA).

A outra mudança introduzida pelo MEC é aincorporação de novos estratos sociais à universi-dade pública. Depois de meses de enfrentamentoe negociações com o setor privado (e sua represen-tação no Congresso), o MEC conseguiu implantaro ProUni na rede privada e induzir as universida-des federais (UFES) a criar suas políticas de inclu-são social. Pode-se dizer, hoje, que se tornou pa-drão, nos processos de admissão de alunos, a ado-ção de critérios de discriminação positiva de seg-mentos sociais oriundos da rede pública de ensi-

12 There is little hard evidence showing that New PublicManagement reforms have successfully contributed toacademic success (Amaral; Fulton; Larsen, 2003, p.292-293). Academic success is reconcilable with a variety offunding schemes (Liefner, 2003) [...] and there is aremarkable diversity in forms of organization andgovernance, also among high-performing institutions...(Olsen, 2005).

13 www.ieei.pt/programas/estrategia-lisboa/conteudos/post.php?post=127&seccao=4

14 Essas interações resolvem problemas concretos dos cli-entes e contribuem para a consolidação de relações deconfiança entre as partes, para a pré-profissionalizaçãode alunos, para atualização dos professores e para a cap-tação de receitas por vezes preciosas por assegurarem aqualidade das condições de trabalho das unidades en-volvidas. Castro, 1993; Castro e Balán, 94.

15 Vide caso de excelência em gestão de ciência e tecnologia,o Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC. Cas-tro (1993), Castro e Balán (1994).

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no, com insuficiências de renda e com origens étni-cas menos favorecidas. O ultimo desdobramento foia introdução do SiSU (Sistema de Seleção Unificada),que admite estudantes em IFES através do ENEM,sem mais necessidade do exame vestibular.

A interiorização da rede federal parece inte-ressante porque complementa a interiorização jáavançada da rede privada e amplia a capilaridadeda maior rede de pesquisa (e possivelmente, detransferência de tecnologias) – a rede universitáriafederal –, o que pode vir a facilitar a inovação emarranjos produtivos locais.

Mas a expansão acelerada, conjugada com aredução da seletividade do acesso, tem causadopreocupação com os efeitos que podem ter nomelhor segmento do ensino superior brasileiro.Questiona-se a pertinência de se expandir a gra-duação linearmente, sem tirar partido da diversi-dade das vocações das instituições, e sem cuidarde lacunas (como a insuficiência da formação deengenheiros)16 e de prioridades do sistema de ino-vação (como a de alinhar a pós-graduação e, espe-cialmente, o doutorado, à necessidade de profissi-onais que combinem amplitude e versatilidade nascompetências gerais demandadas pelo trabalho emredes heterogêneas, com um alto grau de compe-tências especializadas).17

A falta de congruência entre os critérios dequalidade praticados pela CAPES e as necessidadesdo Sistema de Inovação é conhecida. Entrevistas reali-zadas em outubro de 2010 ilustram bem esse ponto:

Professores mais entrosados com clientelas deempresas foram descredenciados dos programas

de nota alta. Eu recebia alunos dos vários progra-mas de mestrado e doutorado interessados nasinterfaces que nossas pesquisas tinham comempresas. Os que vinham de programas comnota 7 eram chamados de volta por seusorientadores e forçados a abandonar o trabalhopara cumprir os prazos da CAPES. (área de enge-nharia e computação, entrevista).Somos governados pelos cientistas básicos. [...]Aestrutura da carreira docente está cada vez maisreferida aos parâmetros das ciências básicas. Asnovas gerações de professores, quando chegamaqui, já são clientes da FAPESP e estão firme-mente programados para publicar segundo osparâmetros do Qualis da Capes. (dirigente inte-grante da administração central de universida-de pública, entrevista).A Capes flexibilizou um pouco. Já há revistas A1com circulação só no Brasil. Mas todos os artigosdo processo que resultou no Plano Real não seri-am A1 e os da Agronomia de Piracicaba, tam-bém não (Diretor de Instituto, entrevista).

A CAPES – e seus comitês assessores, for-mados pelas lideranças da comunidade acadêmi-ca – ainda não aprendeu a lidar com o Modo II deprodução de científica, tampouco consegue formu-lar políticas para tirar proveito (sistêmico) do sur-to de MBAs e de outras modalidades de formaçãocontinuada pós-graduada. Há realinhamentosmuito importantes a serem equacionados. E, pormais necessária que seja a expansão da graduação,ela não deveria ser buscada à custa dos poucoscentros de excelência do país (Nunes, 2004;Schwartzman, 2011).18

Pressões por relevância oriundas da área deCT&I

As pressões oriundas do MCT contemplam,mais diretamente do que o MEC, as necessidadesde formação de quadros para a inovação. Há, pelomenos, dois programas anteriores às reformas maisrecentes, que são específicos: o RHAE, criado em1988 e o PRONEX, em 1996.

O RHAE (Programa de Capacitação de Re-cursos Humanos para Atividades Estratégicas) co-meçou ofertando bolsas de fomento tecnológico,

16 “A insuficiência da formação de engenheiros e cientis-tas [...] reflete em parte a predominância da oferta priva-da e sua preferência por modalidades mais soft como ade engenharia de produção, em detrimento das enge-nharias mais científicas – como mecânica, metalúrgica,elétrica que demandam mais investimento em equipa-mentos, laboratórios e software.” (Brito Cruz, 2007).Ver também Brito Cruz, (2010). A Formação de Enge-nheiros no Brasil: desafio ao crescimento e à inovação.Carta IEDI n. 424.

17 “Nessa modalidade, o doutorado é em geral relacionadoa projetos de pesquisa desenvolvidos no âmbito de em-presas ou outras organizações não acadêmicas. A forma-ção do estudante se organiza sob a supervisão conjuntade acadêmicos e pesquisadores ligados à empresa ou ins-tituição responsável pela proposta do programa. É, emgeral, multidisciplinar e se articula em torno das deman-das e problemas que surgem no interior da instituiçãonão-acadêmica parceira.” (Balbachevsky, 2009).

18 Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=2088&lang=pt-br

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permitindo que empresas incorporassem tempo-rariamente pesquisadores da universidade em pro-jetos de P&D em áreas estratégicas.19 A partir de2003, o programa entra em sua 4ª geração, assu-mindo o nome de RHAE-Inovação e um maior ali-nhamento ao cliente empresarial.20

O PRONEX (Programa de Apoio aos Nú-cleos de Excelência) identifica e apoia grupos deexcelência com financiamento especial de duraçãoe escopo ampliados. Em 2000, os InstitutosMilenium substituíram os grupos PRONEX, apri-morando a configuração das redes e enfatizando avocação “problem-solving” e o desenvolvimentoregional, ao dar prioridade a propostas de redesque integrassem equipes de regiões do país comdiferentes níveis de amadurecimento cientifico. Porfim, em 2007, os Institutos Nacionais de Ciência eTecnologia (INCTs) substituem os InstitutosMilenium e introduzem indicadores de transferên-cia de tecnologia e de resultados econômicos emseu sistema de avaliação. Atualmente há 123 INCTs,e cada um se compõe de várias universidades einstitutos de pesquisa. Seu financiamento se dápor consórcios compostos por várias fontes fede-rais (CNPq, Capes, FINEP, BNDES) e também porFAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) nos esta-dos e pela Petrobrás.

Por fim, o MCT aumentou os recursosalocados em bolsas de estudos, melhorando seufluxo, e vem respondendo ao problema da insufi-ciência da formação de engenheiros no país, intro-duzindo ênfases em Engenharias e também emoutras áreas estratégicas para inovação. Mais re-centemente, em julho de 2011, lançou o programa

Ciência Sem Fronteiras que aumentará o apoio paraformação em ciências e engenharias no exterior.

Também entrou em pauta, a discussão so-bre a necessidade de se abrir para o exterior o re-crutamento de professores-pesquisadores, como sepratica no resto do mundo.21

Relações entre Universidade e Empresa

É no âmbito das relações universidade–em-presa, que se encontram as mudanças mais ex-pressivas das duas ultimas décadas. Pode-se dizerque as políticas de CT&I no Brasil estão, hoje,alinhadas aos parâmetros internacionais. Dispo-mos de uma variedade de instrumentos novos ede um volume de recursos bastante expressivopara apoiar, de várias formas e em diferentes es-tágios, os projetos de P&D e inovação das empre-sas (Arruda; Vermulm; Hollanda, 2006). Temospolíticas para apoiar a formação e sustentação deredes de pesquisas pré-competitivas, para redu-zir e (ou) compartilhar com as empresas os riscosdos investimentos e novos empreendimentos eminovação,22 assim como alguns esforços para miti-gar os custos de transação (burocracia) e paramobilizar novos parceiros (como municípios, uni-versidades particulares, entidades civis).23 Tam-bém importante é o melhor alinhamento da CT&Iàs demais áreas econômicas e a incorporação dasquestões das desigualdades regionais e sociais norol de objetivos da inovação.

A formulação de políticas e estratégias de C&Tpassa a se alinhar às políticas industrial, agríco-la, de relações exteriores e defesa. A demandanacional por tecnologia e serviços correlatos pas-

19 Na Fase 1 elas eram Biotecnologia, Química Fina, Mecâ-nica de Precisão, Novos Materiais, Informática eMicroeletrônica; passaram, em 1981, a incorporar tam-bém Geociências e Tecnologia Mineral, Energia, MeioAmbiente e Tecnologia Industrial Básica. Na Fase 3, apartir de 1997, já sob a operação do CNPq, o RHAE des-dobrou-se em duas classes de atividades: i) Pesquisa,Desenvolvimento e Engenharia, com vistas à InovaçãoTecnológica e Aprimoramento de Produtos, Processos eServiços, e Ampliação, Aperfeiçoamento e Consolidaçãoda Infraestrutura de Serviços Tecnológicos.

20As modalidades de bolsas vigentes vão de 3 a 24 meses deduração e abrangem: Desenvolvimento Tecnológico Indus-trial (DTI) e Iniciação Tecnológica Industrial (ITI); Treina-mento no País (EP) e no exterior (SEP); Estágio/Treina-mento no País (BEP) e no exterior (BSP); Especialista Visi-tante regular (BEV) e de curta duração (EV, 3 meses).

21 “O problema é a falta de professores/pesquisadores alta-mente qualificados. Para resolver isso é preciso abrir paraa concorrência internacional os concursos para professornas universidades federais, inclusive permitindo que, emdeterminadas áreas científicas, as provas possam ser feitasem língua estrangeira (com o compromisso de o candidatoaprender português num prazo razoável, caso aprovado)”.(Edmar Bacha. em http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=2111&lang=pt-br)

22 Com a oferta de recursos a fundo perdido (subvençãoeconômica e seed Money), de credito subsidiado como oJuros Zero e capital de risco (business angels e venturecapital).

23 Cassiolato (2007), Viotti (2008)

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sa a ser crescentemente atendida por soluções eentidades nacionais. Estratégias são formuladaspara o aperfeiçoamento contínuo do sistema, ten-do agora como focos a produção científica de van-guarda e a geração de inovações em produtos,processos e serviços. Intensifica-se o relaciona-mento internacional na área (Longo, 2009).24

Sem pretender dar conta de uma discus-são ainda em aberto (sobre a superação, ou não,do Modelo Linear “ofertante” e de “viés acadê-mico” por um modelo sistêmico de natureza maiseconômica), pode-se afirmar, com segurança, quea atual política de CT&I brasileira ampliou muitoo seu foco, sua base de recursos (com os FundosSetoriais e novas taxas) e diversidade de progra-mas e parceiros. Como o foco se alargou muito ejá há certa abundancia de análises sobre alcancese limites do que já se logrou, vamos nos ater àspolíticas que têm mais a ver com a universidade.

Em primeiro lugar, a criação dos FundosSetoriais, em 1999, significou um importante im-pulso à pesquisa no setor publico, porque os seusComitês Gestores adotaram como praxe a alocaçãode um percentual dos recursos para desenvolver econsolidar parcerias entre universidades, centrosde pesquisa e o setor produtivo, induzir o aumen-to dos investimentos privados em C&T e impulsi-onar o desenvolvimento tecnológico (Botelho;Bueno, 2008). Além disso, dois fundos “transver-sais” foram criados com foco na rede de universi-dades e institutos de pesquisa: o Fundo Verde e

Amarelo, direcionado à promoção de interaçõesentre universidade e empresas, e o CT-Infra, paracustear investimentos na infraestrutura de pesquisado setor publico. A partir de 2004, foi estabeleci-do o Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais,que implanta Ações Transversais, por meio dasquais se utilizam recursos de diversos fundossetoriais para uma mesma ação ou programa estra-tégico do MCT.

A Lei da Inovação (regulamentada em ou-tubro de 2005), a Lei do Bem (novembro de2005) e o Programa a de Subvenção Econômica(agosto de 2006) tornam juridicamente legal o

compartilhamento de recursos públicos (físicose humanos) com o setor empresarial. A Lei daInovação incentiva e regula a transferência detecnologias geradas nas universidades e demaisICTs para empresas, assim como a circulação depesquisadores entre as instituições de C&T e asempresas, permitindo que professores trabalhemdiretamente em P&D nas empresas e, inclusive,que fundem Empresas de Propósito Específico(EPEs), nas quais podem ter participaçãominoritária, sem perder o vínculo com suas insti-tuições de origem.25 Além disso, vários de seusprincipais mecanismos e orientações estão volta-dos para promover e financiar a cooperação entreuniversidade e indústria (Botelho; Bueno, 2008).

Leis estaduais de inovação

Amazonas Lei Ordinária nº 3.095 17 de Novembro de 2006

Mato Grosso Lei Complementar nº 297 07 de Janeiro de 2008

Sta.Catarina Lei Estadual nº 14.348 15 de Janeiro de 2008

M. Gerais Lei Estadual nº 17.348 17 de Janeiro de 2008

São Paulo Lei Complementar nº1049 19 de Junho de 2008

Ceará Lei Estadual nº 14.220 16 de Outubro de 2008

Bahia Lei Estadual nº 11.174 09 de Dezembro de 2008

Pernambuco Lei Estadual nº 13.690 16 de Dezembro de 2008

R. Janeiro Lei Estadual n° 5.361 29 de Dezembro de 2008

R. G. do Sul Lei Estadual nº 13.196 13 de Julho de 2009

Alagoas Lei nº 7.117 2 de Novembro de 2009

Sergipe Lei Estadual nº 6.794 02 de Dezembro de 2009

Fonte: http://eduardogrizendi.blogspot.com/2011/02/as-leis-de-inovacao-estaduais.html

Fundamental para a institucionalização eo desenvolvimento da transferência de tecnologiadas ICTs para as empresas é a recriação, por essaLei, dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs).Na nova versão, sua função é a de atuar comoescritório constituído por uma ou mais ICTs, coma finalidade de gerir sua política de inovação,atuando como ponte entre os grupos de pesqui-

24 Citado em Renault (2010).

25 Essas empresas deveriam ser subsidiárias das institui-ções de pesquisa e, no futuro, permitirem que elas contas-sem com o rendimento proveniente desse tipo de inova-ção. Deveriam beneficiar, principalmente, três grandes ins-tituições com qualidade de pesquisa adequada para em-preendimentos desse tipo: INPE, Fiocruz e EMBRAPA(Botelho; Bueno 2008).

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sa internos e potenciais usuários e (ou) parceirosexternos, centralizando os serviços relativos à pro-priedade intelectual, (transferência, licenciamentode tecnologias) e a coordenação das empresasjuniores. A partir de março de 2006, a Finepcomeçou a lançar Editais específicos de apoio àimplantação dos NITs, oferecendo infraestruturae treinamento. Os NITs assumiram diferentesdenominações – tais como Agencia de Inovaçãoou Escritório de Transferência de Tecnologia,dependendo das especificidades de cada ICT ouconsórcio de ICTs.

A Lei do Bem26 consolida e amplia os in-centivos fiscais já existentes e oferece subven-ções para empresas que contratem pesquisado-res com mestrado e doutorado em atividades deP&D e inovação tecnológica. O programa Sub-venção Econômica também se aplica a empresasde todos os tamanhos e custeia, a fundo perdi-do, bolsas para empresas incorporarem profissi-onais titulados em atividades de P&D.

Essas medidas inauguram, no país, os re-passes de recursos públicos subsidiados e não-reembolsáveis diretamente para as empresas, semprecisar da intermediação de instituições publicasde pesquisa, como era até então. Mas o aspectoque mais nos interessa para acompanhar mudan-ças no lugar da universidade é o estimulo que cri-am à absorção pelas empresas de pesquisadorestitulados, o compartilhamento da infraestruturapública de pesquisa com empresas, em arranjos depesquisa cooperativa, pré-competitiva ou não, e osurto de spin-offs acadêmicas e de incubadoras deempresas que se deu desde então.

Spin-offs acadêmicos (e as micro e peque-nas empresas de base tecnológica) passaram acontar com um diversificado elenco de progra-mas; tais como o Juro Zero (2004); o PAPPE(2004) e o INOVAR e derivados (PAPPE-Inovaçaoe o Inovar Semente). O programa PRIME, Pri-

meira Empresa Inovadora, iniciado em 2009,oferece apoio para microempresas inovadorasnascentes se firmarem ao longo de seu primeiroano de funcionamento (Box 1).

O fenômeno mais pujante é o surto de in-cubadoras de empresas (e, mais recentemente, ode parques tecnológicos). Em 2003, o PNI (Progra-ma Nacional de Apoio a Incubadoras e ParquesTecnológicos) inicia outra linha de financiamentopara a implantação, consolidação e mudanças depatamar de eficiência das incubadoras de empre-sas (de base tecnológica, tradicionais ou mistas).Atualmente, o Brasil possui cerca de 400 incuba-doras distribuídas em todos os 25 estados e quearticulam mais de 6.300 empresas, entre incuba-das (2.800), associadas (2.000) e graduadas (1.500).Os parques tecnológicos são 75, mas apenas 25 jáestavam em operação, em 2010. Os Gráficos 1 e 2registram o boom das incubadoras.

Como se pode verificar no Gráfico 2, 84,4%(321 das 359) das incubadoras têm menos de 10 anos.No Gráfico 3, vemos uma surpreendente distribuição

26 Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005

27 São elas: Cietec (USP); Fipase (Fundação Instituto Polo Avan-çado da Saúde de Ribeirão Preto, SP); FVE/Univap(SP); Biominas (MG); Fumsoft (MG); Inatel (MG); Coppe/UFRJ (RJ); Instituto Genesis (PUC-RJ); BioRio (RJ); Celta(CERTI, UFSC); InstitutoGene (SC); PUC/Raiar (RS); Faurgs/CEI (RS); Cide (Centro de Incubação e DesenvolvimentoEmpresarial -AM); Parque Tecnológico da Paraíba (PB); Cesar(PE); Cise (Centro Incubador de Empresas de Sergipe).

Box 1 - pretende proporcionar umamudança de patamar quantitativo e qualitativo aosprogramas de fomento da Finep, contemplando 5.000empresas nascentes voltadas a novos produtos, serviçose processos de alto valor agregado, em todas as regiõesdo país, de modo a torná-las uma alavanca para odesenvolvimento nos próximos anos.O Prime apoia a empresa durante seu primeiro ano defuncionamento, possibilitando aos empreendedoresdedicarem-se integralmente ao desenvolvimento dosprodutos e processos inovadores originais e àconstrução de sua estratégia de inserção no mercado.Cada empreendimento contemplado recebe SubvençãoEconômica de R$120 mil para custear recursos humanosqualificados e serviços de consultoria especializada emestudos de mercado, serviços jurídico e financeiro, entreoutros.As empresas que atingirem as metas estabelecidas nosplanos de negócios poderão candidatar-se a umempréstimo do . As empresasbeneficiárias do também poderão ser alavancadaspor outros programas da Finep, em especial o programa

. Com isso, pretende-se assegurar umapoio continuado para acelerar o crescimento e aconsolidação das empresas.Em virtude da complexidade, abrangência e custosinerentes à infraestrutura necessária para operar umprograma nacional dessa envergadura, o Prime éimplementado através de cooperação institucional entrea FINEP e 17 incubadoras distribuídas em todas asregiões do país.27

O Programa Prime

Programa Juro Zero

Prime

INOVAR Semente

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das incubadoras segundo a densi-dade populacional dos municípi-os: 32 % situam-se em cidades commenos de 100 mil habitantes.

Mas o programa, apresenta-do como o que melhor incorpora onovo espírito “sistêmico” é o Sibratec(Sistema Brasileiro de Tecnologia).28

Criado em 2007, ele se compõe trêscircuitos ou malhas de redes: (1) amalha das redes temáticas de Cen-tros de Inovação que fazem transfe-rência de conhecimento dos ICTs para empresas;29 São

13 redes ou temas envolvendo 207ICTs;30 (2) a malha das redes de servi-ços tecnológicos, que oferecemmetrologia, certificação e permite ade-quar e modernizar a infraestrutura doslaboratórios integrantes das redes bra-sileiras de calibração, ensaios e análi-ses; e (3) a malha das redes estaduaisde extensão tecnológica, que abrange22 dos 25 estados, 92 ICTs e enfatizaprocessos de gestão para a inovação.

Trata-se de um programa

28 Balbachevsky e Botelho, 201129"As Redes de Centros de Inovação destinam-se a gerar e

transformar conhecimentos científicos e tecnológicosem produtos, processos e protótipos com viabilidade

comercial. São constituídos por, no mínimo, três Cen-tros de Inovação com experiência na interação com em-presas e que possuam NIT estruturado.” Disponível em:http://www.finep.gov.br/programas/sibratec.asp

30 Redes de Centros de Inovação em Bioetanol, Micro-ele-trônica, Manufatura e Bens de Capital, Tecnologias para

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consorciado, do qual participam o MCT, o Ministé-rio do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Ex-terior (MDIC) e demais ministérios que possuemInstituições de C&T e ICTs (Agricultura, Saúde, Edu-cação, Comunicações e Minas e Energia), o Núcleode Assuntos Estratégicos da Presidência da Repú-blica (NAE), Finep, CNPq, BNDES, Capes, Inmetro,INPI, Agência Brasileira de Desenvolvimento Indus-trial (ABDI), CNI, Sebrae e Anpei. O Sibratecengajaria órgãos estaduais e municipais de C,T&I,alem de cerca de 200 ICTs (a maioria universidadesde pesquisa) e de 400 laboratórios.31 A adesão dasuniversidades a esse esforço de transferência de com-petências é ainda uma incógnita.

Sintetizando o que foi apresentado acima,pode-se dizer que a moldura regulatória e o ambientede C&T no país mudaram de paradigma. É interes-sante notar que a mudança se deve precisamente àcontinuidade de conceitos formulados e políticasiniciadas no governo FHC. Houve, aqui, um proces-so, raro no país, de significativa continuidade ao longode quatro mandatos presidenciais. Evidentemente quealgumas ideias dos anos 90 só foram viabilizadasmais à frente e que algumas políticas e programasforam refinados, enquanto outros foram revistos ousubstituídos. Vimos que Pronex e RHAE, por exem-plo, estão em suas terceira e quarta gerações. Vimostambém que, ao longo dos governos do PT, aumen-taram as iniciativas comprometidas com a reduçãodas desigualdades regionais e sociais.

Impressiona o esforço feito para incorporarnovos atores e distribuir responsabilidades. Háuma nova geração de programas focados namobilização de redes de inovação locais e nacio-nais articulando os diversos atores pertinentes,e as universidades estão inseridas em todos eles.Os resultados da ultima chamada do PNI sãoilustrativos da diversificação do universo que éalvo das políticas. As sete propostas pré-qualifica-das contemplam parques tecnológicos de univer-

sidade pública (UFRJ) e particular (UNIVAP), deprefeitura (de Uberaba), de entidade civil (associa-ção de parques tecnológicos de São José dos Cam-pos), de spin-offs de universidades (Porto Digitalda UFPE, Sapiens Parque do CERTI da UFSC) e aFundação Bio Rio (empresarial).32 Prime e Sibratecsão outros dois exemplos dessa nova geração. To-dos os três, especialmente os dois últimos, estari-am também bastante distribuídos pelas diferentesregiões do país.

As universidades de pesquisa compõem,hoje, uma família em crescimento, inclusive pelaincorporação de universidades particulares aogrupo com competência em pesquisa e inserçãoem programas de C,T&I. Nossas universidadeshabitam um novo ambiente e muitas estão, hoje,ladeadas por grandes incubadoras e parquestecnológicos, como são os casos da USP eUnicamp, UFRJ, UFRGS, UFSC e UFPE, paracitar algumas públicas, e Puc-Rio, Puc-RS eUnivap, para citar algumas particulares. Cabe,por fim, mencionar outra frente de sintonia dauniversidade com o mercado: a transformaçãode algumas fundações universitárias em verda-deiras escolas de pós-graduação (inclusive comuma variada oferta de cursos relacionados aempreendedorismo) da mais alta reputação.

Embora as mudanças nas políticas e pro-gramas sejam expressivas, há muitas vozes apon-tando a incompletude (ou ineficácia) da transiçãodo modelo centralizado, linear e focado em P&D,para um modelo sistêmico capaz de articular aspartes, de modo a construir um efetivo sistemade inovação para o Brasil. Eduardo Viotti (2008)nota que essa dificuldade não nos é exclusiva:

Apesar da comunidade envolvida com a políticade CT&I na Europa nem se referir mais ao modeloscience-push baseado em P&D, a leitura cuidado-sa dos principais documentos de política indicaque o conceito de inovação usado é essencialmenteo de atividades de P&D. Para Arundel e Hollanders(2006), os principais instrumentos de política uti-lizados em todos os países europeus ou subsidiamP&D, ou são ligados a P&D. [...] Documento deavaliação de políticas da OCDE (2005) também

Veículos Elétricos, Insumos para a Saúde Humana, Equi-pamentos e Componentes de uso Médico, Hospitalar eOdontológico, Insumos para Saúde e Nutrição Animal,Vitivinicultura, Visualização Avançada, Tecnologias Di-gitais de Informação e Comunicação, Nanocosméticos.

31 Os quadros que listam os componentes de cada rede avisamque pode haver dupla contagem de alguns ICTs e Laboratórios.

32 Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/73411.html

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chega a conclusão semelhante ao afirmar que apolítica de inovação tem sido vista essencialmen-te como uma extensão da política de P&D.

As intenções das políticas de C,T&I noBrasil já refletem o novo paradigma sistêmico,mas as políticas propriamente ditas e demais ins-trumentos para sua implementação estão a meiocaminho e padecem de inconsistências, desviosde rota e outros problemas.

Os Fundos Setoriais só gastaram 50% deseus recursos devido a contingenciamentos pelogoverno federal. Alem disso, as restrições orça-mentárias sofridas pelo MCT fizeram com queparte significativa desses recursos terminasse porfinanciar atividades-meio, como planejamento,estudos, estruturação de redes de pesquisa, etc.33

A avaliação dos Fundos realizada pelo IEDI con-clui que eles foram aplicados majoritariamenteem atividades de recomposição da infraestruturade pesquisa pública e em projetos de pesquisaacadêmicos, sem um claro nexo com as priorida-des setoriais ou nacionais, bem como para a for-mação de recursos humanos, complementandoos recursos da Capes e do CNPq (Viotti, 2008).

A lei de inovação também ficou aquémdo esperado. Elaborada para ampliar a parceriapúblico-privada, ela não levou em conta que ainterface entre esses dois setores não se limita aoâmbito das redes de pesquisa, mas envolve a re-lação jurídica entre as partes. Um dos diagnósti-cos foi que o gargalo dessa parceria estaria es-sencialmente no setor público, e não no setorprivado.34 Outra inconsistência é que essa Leicria alguns instrumentos legais para a coopera-ção entre universidade e indústria, mas não me-lhora, por exemplo, a flexibilidade e a autono-mia das universidades para administrar seus re-cursos humanos e financeiros. Depois, ela se pre-ocupa com a comercialização da inovação, masnão com a criação de capacidade de pesquisa nointerior das empresas. Finalmente, ela carece deregulamentação mais precisa.35

A baixa adesão das empresas continua sen-do tratada como o principal desafio e enfrentadacom a oferta de financiamentos cada vez mais sub-sidiados, o que parece ser um equívoco. Masvejamos, antes, as explicações do problema. Umaavaliação dos Fundos Setoriais conclui que “apósseis anos em operação, ainda é pequeno o volu-me de contrapartidas financeiras empresariaisnos projetos apoiados pelos Fundos, o que indi-ca sua reduzida capacidade de induzir o investi-mento privado em P&D”. O autor atribui issoaos altos custos de transação do modelo de ges-tão dos fundos, que incluem “curto espaço detempo para apresentação de projetos e a neces-sidade de haver uma ICT como tomadora dosrecursos e executora dos projetos”.36

A permanência de um “viés acadêmico” étambém frequentemente apontada como obstá-culo à mobilização de empresários.

Existe pouca compreensão entre os atores da na-tureza sistêmica dessas políticas publicas e docaráter complementar dos investimentos neces-sários. Curiosamente também se observa um viésacadêmico não só na demanda de recursos e naspropostas de apoio à universidade e à pós-gradua-ção, mas também nas sugestões de políticas deapoio ao setor privado. No Brasil, frequentemen-te, propostas de apoio à industria são formuladasdesde a ótica da pesquisa acadêmica: recursos parafinanciamento a fundo perdido, bolsas e apoio emrecursos humanos e grande responsabilidade dosetor público no fomento das atividades privadasde pesquisa. Pouco se avança na agenda de novaspolíticas tipicamente econômicas ou industriais:créditos, internacionalização das empresas ouapoio externo ao esforço de certificação e quali-dade do produto e do processo, entre outras.(Pacheco, 2005, apud Viotti, 2007).

Botelho corrobora Pacheco quando lem-bra que a oferta de grants é inadequada comomecanismo de distribuição de recursos paraempresas, mesmo quando os recursos disponí-veis são importantes, como é o caso de váriosprogramas vigentes que ofertam recursos a fun-do perdido (Subvenção Econômica, Prime e Leido Bem). Grants induziriam à acomodação – maisainda quando os empresários já vêm do ambiente33 Viotti (2008), Botelho e Bueno (2008).

34 Botelho e Bueno (2008) IANAS.35 Matias-Pereira and Kruglianskas (2005) In Botelho (2008). 36 Milanez (2007) apud Botelho e Bueno (2008).

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acadêmico. Muito mais interessante do que prote-ger uma população de microempresas tecnológicasseria induzi-las a crescer rápido, realizando seuspotenciais e gerando novos negócios. Em algumasáreas estratégicas, com nas TICs, tempo é tudo.

Há espaços e uma importante oportunidadepara a universidade pública de pesquisa fazer a di-ferença, seja (1) desenvolvendo mais competênciapara transferir conhecimento, traduzi-lo emtecnologia e em assessoria customizada para em-presas, a exemplo do que o Departamento de En-genharia Mecânica da UFSC faz com sucesso des-de os anos 80 com a industria mecânica,37 seja (2)alinhando suas escolas de extensão aos interesses enecessidades de diferentes segmentos empresari-ais, ou seja (3) melhorando a oferta e qualidade deinformação relevante sobre as oportunidades exis-tentes de apoio à inovação e internacionalização.Se a universidade tirar partido dos programas con-sorciados que ela já integra e da proximidade físi-ca com empresas em incubação e em parquestecnológicos, ela vai certamente aprender mais emais rápido do que os operadores de agencias eaumentar sua relevância para assessorar os pro-cessos de policy making.38

Para tanto, faltaria equacionar, entre ou-tras coisas, os entraves associados à falta segu-rança jurídica – vide as batalhas com o TCU,especialmente nas iniciativas de cursos – e à re-sistência e baixa adesão das universidades (nãosó das empresas) ao esforço de desenvolvimentosistêmico de C,T&I.

O FATOR INSTITUCIONAL

A resposta brasileira às pressões da novaeconomia do conhecimento foi muito mais con-servadora e adaptativa, do que na Europa. A ma-triz de configurações institucionais de universida-des proposta por Olsen (2005) é instrumental para

contextualizarmos a discussão do caso brasileiro.Ele derivou seus tipos de universidade de dois cri-térios: da autonomia ou subordinação a forças ex-

ternas, de um lado, e do consenso ou conflito das

relações internas, de outro. Dentre os tiposautogovernados, i.é, com autonomia em relação aforças externas, tem-se em um extremo (1) a univer-sidade como uma comunidade meritocrática de pro-

fessores-pesquisadores que compartilham os valoresda excelência acadêmica e o respeito pela autorida-de dos mais qualificados e (2) a universidade comouma democracia representativa constituída por ato-res que não compartilham dos mesmos interesses,objetivos e normas e que adotam a vontade da mai-oria – formada por mecanismos de representaçãode interesses, alianças e eleições – como regra deautoridade. Dentre as universidades sem autono-mia de forças externas, Olsen propõe, em um extre-mo (3) a universidade como agente do governo, comdelegação para alcançar objetivos nacionais previa-mente definidos; e (4) como uma empresa prestadora

de serviços, funcionando em ambientes competiti-vos, de mercado.

As configurações institucionais dos quadrantes1 e 3, situadas na coluna à esquerda, das univer-sidades autorreferidas, governadas por fatores inter-nos, ou já não existem, ou estariam com seus diascontados na Europa. No entanto, é nessa coluna quese distribuem as universidades públicas brasileiras.

Grosso modo, nossas universidades públi-cas de pesquisa conjugam internamente umameritocracia (instalada na pós-graduação e esti-mulada pela CAPES, por programas de apoio àexcelência, como o dos INCTs, e por variado elen-co de modalidades de apoio à pesquisa) com ocorporativismo, alimentado pela isonomia e esta-bilidade do funcionalismo publico (federal e es-taduais). Aproxima-se mais do tipo 3, onde nãohá valores compartilhados e a convivência se regepela regra democrática de representação de inte-resses organizados em sindicatos (docentes e dosfuncionários técnico-administrativos), representa-ções estudantis e colegiados acadêmicos.

São instituições mais no sentido de “ambi-entes” institucionais do que de “organizações” atu-

37 Castro (1993).38 A comunidade científica não parece ter perdido sua voz

nas esferas decisórias da C,T&I no Brasil, mas cabe inves-tigar esse ponto.

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ando como atores integrados. Suas subunidadestêm culturas e comunidades de referência própri-as e respondem a diferentes “principals” (contra-tantes), e essa situação alarga sua autonomia frenteaos “principals” mais imediatos – o MEC e suaspróprias reitorias.

Desde o final da década de 90, tem havi-do uma crescente diversificação das conexões dasuniversidades, mas essas mudanças se dão poradaptação e justaposição. Ao invés de “destrui-ção criativa” – um dos conceitos definidores de“inovação” –, temos tido criações não-destrutivas.As adaptações se dão por adição e justaposiçãode novas dependências. O relatório de primeiroano do programa REUNI é ilustrativo (Box 2).

Sem pretender avaliar os limites e méritosdo REUNI, importa-nos aqui, substanciar as difi-culdades de se mobilizarem instituições como es-sas em processos de efetiva mudança. A adesão aoREUNI significou basicamente a aceitação de ofer-ta de financiamento para aumento quantitativo de

professores, cursos, vagas, etc., ou seja, mudançapor adição.

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39 Disponível em: http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view= article&id=00&Itemid=81

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Os outros “principals” da universidade pú-blica dispensam apresentação. Destacam-se o MCT,suas agencias e parceiros, os Comitês Gestores dosFundos Setoriais, agencias estrangeiras de financi-amento à pesquisa científica, órgãos multilaterais,empresas, governos estaduais e municipais quefinanciam pesquisas, incentivam e apoiam a aber-tura de novos enlaces e contratam consultorias eserviços diretamente com as unidades esubunidades acadêmicas, influindo na reprodu-ção da meritocracia, de um lado, e no desenvolvi-mento da nova missão de transferir conhecimentoe tecnologias para fora, de outro.

A universidade tem absorvido uma signifi-cativa expansão do ensino de graduação (mais noscampi do interior), o crescimento de incubadoras(e parques tecnológicos) e o surto de clientelas paraMBAs e outros cursos (corporativos, ou não) denível pós-graduado. Tem certamente diversificadosua inserção na crescente oferta e variedade deprogramas federais e estaduais de C,T&I, entre osquais há alguns de nova geração, como o Sibratec,sobre o qual não há resultados claros.

A questão aqui é determinar o quanto suadescentralização interna favorece ou atrapalha orealinhamento da universidade à pretendida ins-tauração de um sistema de inovação no país. Atécerta medida, essa descentralização serve de plata-forma para a experimentação de novas relações esintonias com o novo modo de produção científi-ca, o mercado de trabalho, o sistema de inovação.Tais atividades se desenvolvem na informalidade,o que favorece o necessário desenvolvimento derelações de confiança entre as partes. Contudo, apartir de determinados limites, a informalidadedeixa de ser um fator habilitador para tornar-seentrave a arranjos que constituam ambientes deinovação realmente relevantes.

O problema é que, antes de se atingirem es-ses limiares, o desenvolvimento das relações exter-nas esbarra em dissensos internos, particularmentena percepção dominante nos sindicatos universitá-rios de que o relacionamento com empresas signifi-ca venda de serviços e “privatização” de patrimôniopúblico. O caso da Fundação Instituto de Adminis-

tração da USP (FIA) é instrutivo, porque ela encon-trou o filão de uma grande demanda por cursos de“meio-de-carreira”, o que acabou por transformá-laem um spin-off acadêmico para os otimistas e emum escândalo na mídia para outros.

Sintomaticamente, as fundações universitári-as – alvo dessas disputas – constituem a única de-pendência das universidades públicas desvinculadado RJU. Aliás, elas foram criadas precisamente paraflexibilizar as relações externas, especialmente aprestação de serviços contratados de pesquisa,consultoria e ensino. Elas proliferaram, muitas ve-zes, com o apoio de agências governamentais alhei-as à esfera do MEC. Algumas cresceram tanto, quealcançaram orçamentos maiores do que os de suasunidades de origem. Várias se tornaram mais “es-

colas de pós-graduação” do que secretaria e controller

das interações da universidade com clientelas ex-ternas. O caso da FIA/USP é emblemático (Box 3).(Schwartzman, 2006).

O alto grau de privatização do ensino supe-rior brasileiro aguça a defesa de um ensino públi-co gratuito como está prescrito na Constituição de1988. Além disso, como Schwartzman (2010) nota,

Box 3 - A FIA criou em 1993 o primeiro MBA executivodo país. Seus cursos eram cobrados e, em 2003,custavam para os alunos entre 18 e 20 mil reais. Amaioria deles conferia certificados reconhecidos pelaUSP. Neste ano (2003), a FIA recebeu 63 milhões dereais e repassou à USP 3 milhões. O restante foi usadopara pagar 450 empregados e cerca de 55 professores doDepartamento de ciências contábeis que também deramaulas nos seus cursosA grande discussão girou em torno da legitimidade de asFundações usarem a marca USP, uma instituiçãopublica e gratuita, para cobrar caro pelos cursos e usarprofessores de fora, alem dos da Casa, remunerando-oscom salários por vezes superiores aos que auferiam naUSP. O MEC reagiu, impondo o cumprimento da regrade que só instituições autorizadas a oferecer cursos degraduação podem oferecer cursos de pós-graduação. Daperspectiva de nosso sistema de inovação, a oferta deMBAs de primeira linha, credenciados internacional-mente e bem posicionados em rankings nacionais eestrangeiros, mereceria ser apoiada e replicada. Mas, doponto de vista das corporações internas à USP, asFundações e seus cursos deveriam ser expurgados dauniversidade.Em 1999, a FIA já havia mudado sua sede adminis-trativa para uma casa no Butantã, fora do campus daUSP e, em 2008, inaugurou uma unidade educacionalno bairro Vila Olímpia. Em 2011, recebeu sua primeiraturma de graduação em Administração, já sob a novacondição de Faculdade FIA de Negócios.

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o lado negativo das Fundações Universitárias é que,se não forem administradas com propriedade, po-dem facilmente desenvolver interesses que benefi-ciam um pequeno grupo de docentes, em detri-mento do interesse público e do mérito acadêmi-co. Além disso, o seu sucesso produz desigualda-des, enriquecendo e projetando a reputação de al-gumas unidades junto a clientelas externas, o queé mal suportado pelos adeptos da isonomia.

Outro traço da atual configuração das uni-versidades públicas é, como todos sabemos, a pres-são imobilizadora dos princípios da isonomia e es-tabilidade do serviço as público brasileiro (RJU fe-deral e seus similares estaduais). Eles esvaziam desentido avaliações de desempenho e esforços demudanças internas. Com exceção do sistema deavaliação da Capes e da breve vigência da GED (Gra-tificação de Estímulo à Docência) na rede federal, asavaliações nunca atrelaram recursos financeiros aaferições de desempenho. O RJU e a gratuidade tam-bém atrapalham outros desenvolvimentos, em par-ticular a internacionalização do ensino superior bra-sileiro, o que constitui outro sério entrave à contri-buição da universidade à inovação.

O Brasil tem uma importante tradição de enviarseus melhores alunos para pós-graduações noexterior. Desde os anos 70 há um fluxo perma-nente de professores brasileiros e estrangeirosindo e vindo do país. No entanto, não há umapolítica nas universidades públicas para rece-ber alunos estrangeiros. Eles precisam enfrentaro mesmo processo que os candidatos brasileirosenfrentam: provas em português. Sem podercobrar matricula, não há como arcar com as des-pesas de recepção e apoio a jovens estrangeiros.(Schwartzman, 2010).

Embora um grande número de professoresdas universidades em pauta tenha formação e redede parceiros acadêmicos no exterior, os demais seg-mentos de suas universidades não são expostos aomundo externo e reproduzem visões de mundo ecomportamentos tradicionais e (ou) provincianos.Não é por outra razão que as universidades públi-cas brasileiras continuam ausentes dentre as 150melhores universidades segundo os rankings inter-nacionais. Também inadequado é o nível deendogenia na seleção de alunos de pós-graduação

e, ainda mais grave, na contratação de professoresOs comentários de Clark Kerr e Olsen nos

anos 60 parecem ainda se aplicar ao Brasil: “it is aparadox that individuals and small groups in

universities account for a considerable amount of

innovation, while the University as a corporation

has been seen as “unconscious” (T. Olsen 1966) and

even a “stronghold of reaction” (Kerr, 1966, p.98).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Está fora de questão a relevância da univer-sidade de pesquisa para o desenvolvimento dacapacidade de inovação. Vimos, ao longo destetexto, um variado rol de dificuldades do governo(assessorado, muitas vezes, pela comunidade aca-dêmica) em encontrar a política eficaz e o incenti-vo suficiente para que as várias partes se articulemem um sistema de inovação minimamente susten-tado. O governo continua chamando a si mais doque deveria, e o aumento de benevolência (recur-sos financeiros baratos e a fundo perdido) nãoobteve até agora a adesão esperada do setor empre-sarial. Historicamente, os modelos de desenvolvi-mento não estimularam, no empresariado, o gostopelo risco. Nosso regime jurídico não se encontraalinhado às políticas de C,T&I, minando a confi-ança dos atores na factibilidade do que está sendoproposto. Há inconsistências e lacunas nos pro-gramas e políticas, como é natural. A boa notícia éque começamos a aprender com a experiência e arefinar políticas, ao invés de simplesmente descartá-las e substituí-las.

Consola saber que as dificuldades não nossão exclusivas. Vide o “paradoxo tecnológico eu-ropeu” e iniciativas como a do projeto E3M:

European Indicators and Ranking Methodology for

University Third Mission”.40 O E3M é uma rede

40 O E3M resultou de discussões entre a Library House eUNICO (UK), AUTM (US), the Alliance forCommercialization of Canadian Technology (ACCT) doCanadá e um grupo de agencias financiadoras como o“Ministério do Ensino Superior” inglês, cujo nome atu-al é Department for Innovation, Universities and Skills/DIUS); os Conselhos de Pesquisa (Research CouncilsUK/ RCUK), Scottish Funding Council (SFC) e o HigherEducation Funding Council for England (HEFCE).

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internacional formada para desenvolver consensoem torno de conceitos, indicadores e métricas deaferição do desempenho das universidades na “3ªmissão” – definida como Technology Transfer &

Innovation. Essa rede tem realizado grupos focaiscom agencias de financiamento, pesquisadores,empresários de vários perfis e outros usuários deconhecimento e tecnologias da Inglaterra, EstadosUnidos e Canadá. Um conjunto de oito mecanis-mos de TTI já foram operacionalizados em indica-dores, publicados e discutidos em conferencias.São eles: redes, desenvolvimento profissional con-tinuado, outras atividades de ensino, consultorias,pesquisas cooperativas, pesquisas contratadas,licenciamentos, spin-offs; e “outros” (migração deestudantes para a industria, publicações de resul-tados de pesquisas, etc.). As “métricas” abrangem:

% de eventos que levaram a outras atividades deTTI; numero e valor dos contratos, % da receitaauferida em relação ao total das receitas; marketshare; numero de pessoas em eventos que leva-ram a novas atividades de TTI; % de negócios re-novados; numero, tempo de relacionamento e im-portância do cliente na empresa onde trabalha;feedback de clientes; número de produtos resul-tantes de pesquisas que são bem sucedidos; % delicenças que geram receitas; numero de spin-offse volume de receitas geradas; investimentos ex-ternos obtidos; qualidade dos investidores, valorde mercado quando spin-offs graduam (abrindocapital - IPO, ou não); taxa de sobrevivência, taxade crescimento; taxa de conclusão de curso dosestudantes, taxa de aproveitamento pelo mercadode trabalho na área (na industria); etc.41

No Brasil, não teríamos dados suficientespara apurar nosso desempenho segundo esses in-dicadores. A produção de estatísticas sobre inova-ção vem melhorando com a Pintec/IBGE e levanta-mentos realizados por entidades como ANPEI,Fortec, Anprotec e outras. Mas não temos aindauma produção de estatísticas da universidade como recorte específico para acompanhar o seu de-sempenho na 3ª Missão – a transferência de co-nhecimentos e a adequação e aproveitamento dosrecursos humanos que estão sendo formados. Cer-tamente, um de nossos gargalos está na insuficien-

te produção e difusão de informação relevante queajude a abrir canais de entrosamento, principal-mente com o empresariado. Muito do que não acon-tece se deve à falta de informação e, como já foidito, há aqui um espaço que poderia ser ocupadopela universidade.

Mas, voltando à dimensão institucional,resta-nos enfrentar a indeterminação e outros in-tangíveis dos sistemas e ambientes de inovação –acentuados agora pelas novas dinâmicas da pro-dução científica. Em sua análise da construção dometrô Aramis em Paris (e sua crise ao longo dosanos 80), Bruno Latour desvenda a natureza soci-al dos ambientes de inovação. Identifica e analisaa constituição de um novo tipo contexto, técnico esocial, um ambiente onde ocorrem trocas inces-santes de informações e conhecimento entre policy

makers, engenheiros, urbanistas, jornalistas e con-sumidores em torno daquela inovação. Latour cha-ma a atenção para a importância do conceito de con-texto, porque, em suas práticas, os agentes inova-dores ao mesmo tempo constroem e se submetemaos seus respectivos contextos de inovação. Todainovação requer um contexto que lhe seja favorávele que permita manipulação pelos agentes inovado-res quando precisarem experimentar e definir no-vas regras de articulação entre as tecnologias e ocomportamento social. O social e o técnico possu-em uma recorrência mútua que o pensamento téc-nico tradicional não tinha sido capaz de identificar(Latour, 1992, apud Andrade, 2005).

Saxenian (1994) explora o desenvolvimen-to de determinadas culturas para explicar a dura-bilidade de comunidades inovadoras como a doSilicon Valley em Palo Alto e a dos imigrantes chi-neses em Los Angeles, Califórnia. Fatores históri-cos e geográficos não oferecem mais do que pou-cas pistas. Economistas e políticos explicavam osucesso do Vale pelo tamanho e flexibilidade deseu pool de profissionais, a amplitude de sua redede fornecedores, o acesso a venture capital e pelaexcelência da oferta local de educação e laboratóri-os de pesquisa das universidades na área. Tudoisso ajuda, mas não explica porque a Route 128 deBoston não teve o fôlego que o Silicon Valley teve

41 Disponível em: http://ec.europa.eu/invest-in-research/pdf/download_en/library_house_2008_ unico.pdf

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desde a segunda metade dos anos 80. A razão es-taria na cultura e “(des)estrutura’ das organizaçõesenvolvidas (Box 4).

Embora a dinâmica do Vale seja típica dasTICs e não se aplique plenamente a outras áreasestratégicas, os achados de Saxenian (1994) tive-ram a repercussão merecida e inspiram-nos a nãobuscar formulas institucionais fechadas. De fato,muitos autores corroboram essa posição e recomen-dam políticas “inteligentes” que aprendam com suaprópria implementação, trazendo embutidos me-canismos de acompanhamento e avaliação e quesejam capazes de usar os achados para orientarajustes e até mesmo direção.43

(Recebido para publicação em 25 de agosto de 2011)(Aceito em 21 de novembro de 2011)

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RELAÇÃO DE ENTREVISTADOS (SETEMBRODE 2010)

Luiz Martins de Melo, IE e FUJB/UFRJ

Helio Nogueira da Cruz, IE e Vice-Reitor daUSP

Carlos Luque, IE e Diretor da FIPE/ FEA USP

Antonio Botelho, ex-PUC, Instituto Gênesis

Simon Schwartzman, IETS

Roberto Cardoso, Diretor Escola Politécnica (Eng. Mecâ-nica)

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Maria Helena de Magalhães Castro

Maria Helena de Magalhães Castro - Professora Associada do Departamento de Sociologia da UFRJ, édoutora em Ciência Política por Duke University, EUA (1993). Coordenou projetos de pesquisa no IUPERJ(1981-1983) e no NUPES/USP (1990-1994), realizou diversos estudos para o BID e para o INEP/MEC eassessorou o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras no desenvolvimento e implementação doPrograma de Avaliação Institucional e a Presidência do IBGE em matérias de cooperação técnica internaci-onal. É bolsista de produtividade cientifica nos temas: políticas de ensino superior de uma perspectivacomparada; reformas, sistemas de avaliação e regulação do ensino superior privado; relações Universidade –Setor Produtivo e Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação.

UNIVERSITÉS ET INNOVATION: configurationsinstitutionnelles & troisième mission

Maria Helena de Magalhães Castro

Le texte analyse ce qu’on appelle la “TroisièmeMission” de l’université en matière de recherche, c’est-à-dire celle de transmettre connaissance, technologieet innovation. Ceci suppose quelques reconfigurations/redéfinitions autant de la recherche (en l’ajustant aunouveau mode de production scientifique) que del’enseignement (en l’ajustant aux nouveaux profilsadaptés à l’économie et à la société de la connaissance).On y présente un résumé des réformes européennes,qui modifient profondément le système de gouvernancede l’enseignement supérieur et des universités. Puisune systématisation des changements qui redéfinissentle lieu et le rôle des universités en matière de rechercheau Brésil – celles créés par le MEC (Ministère del’Éducation et de la Culture) mais aussi et surtout cellescréés par le MCT (Ministère des Sciences et de laTechnologie). Ces documents sont utilisés pour discuterde l’ajustement de la configuration institutionnelle desuniversités brésiliennes en matière de recherche – ettout spécialement les fédérales – aux nouveaux défis deproduction (et transfert) des connaissances et deséléments qui favorisent l’innovation, l’économie et lasociété de la connaissance dans le pays.

MOTS-CLÉS: transfert de connaissance et de technologie,innovation, Troisième Mission, gouvernance etimportance de l’enseignement supérieur.

UNIVERSITIES AND INNOVATION: institutionalconfiguration & third mission

Maria Helena de Magalhães Castro

This text analyses the so called “3rd Mission” ofthe research university, what ever transfer ofknowledge, technology and innovation; that has beenfallowed by reconfigurations in both researchers(lining up to the new way of scientific production),and education (lining up to new adequate profiles tothe economy and society of technology). Doing a briefsummary of the European reforms that changed deeplythe governance system of higher education and itsuniversities, fallowed by a changing systematizationthat has been reshaping the place and roles that of theresearch universities in Brazil – both those promotedby the MEC (Ministry of Education & Culture), andspecially those promoted by MCT (Ministry of Science& Technology). These materials are used to discuss theadjustments of the institutional configuration of theBrazilian research universities – specially the federalnetwork – to the new challenges of producing (andtransferring) knowledge and frameworks that propelsinnovation, economy and knowledge society in thecountry.

KEY WORDS: knowledge and technology transfer,innovation, 3rd Mission, governance and relevance ofhigher education.

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