Upload
dangcong
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
O ENCARCERAMENTO DA MISÉRIA: Breves considerações sobre a crise do sistema penal brasileiro
IMPRISONMENT OF MISERY: Basic considerations about the crisis of Brazilian’s
Penal System
Beatriz Silva Urel – [email protected]
Graduanda em Direito – UNISALESIANO/ Lins
Juliano Napoleão Barros – [email protected]
Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do curso de Direito do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO/Lins. Professor do Programa de
Mestrado em Direito do Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM.
RESUMO
O presente artigo discute a situação calamitosa e alarmante do sistema penitenciário brasileiro. Valendo-se da tese do sociólogo Loic Wacquant (2011), o trabalho procurou investigar a realidade do sistema carcerário brasileiro e sua consonância com o fenômeno do encarceramento da miséria descrito pelo autor. Foram examinados e expostos os dados obtidos pelo Mutirão Carcerário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, CNJ, 2012). Trata-se, em última análise, de um pedido de socorro daqueles que lotam as carceragens pelo país.
Palavras-chave: SISTEMA PENAL BRASILEIRO. FUNÇÕES DA PENA. ENCARCERAMENTO DA MISÉRIA.
ABSTRACT
In this article, we discuss the calamitous and alarming situation of the Brazilian penitentiary system. From the thesis of the sociologist Loic Wacquant (2011), we investigate the reality of the Brazilian prison system and its consonance with the phenomenon of mass incarceration of the poor described by the author. In this purpose, we analyze the data obtained from a research conducted by the National Council of Justice (BRASIL, CNJ, 2012). Ultimately, this is a call for help from those who crowd the jails across the country.
Keywords: BRAZILIAN PENAL SYSTEM. PUNISHMENT’S FUNCTION. MASS INCARCERATION OF THE POOR.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
2
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa procurou evidenciar as falhas do sistema carcerário
brasileiro, bem como fazer uma análise das questões que permeiam este cenário.
Dessa maneira, baseia-se no documento apresentado pelo Conselho
Nacional de Justiça (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2012) acerca das
condições, tanto físicas quanto processuais do sistema penitenciário dos estados
brasileiros, que apresentam um cenário dantesco, descumprindo todos os preceitos
constitucionais relacionados principalmente com a dignidade da pessoa humana,
bem como pactos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, relacionado com as
condições nas penitenciárias.
No desenvolvimento da pesquisa, assumiu-se como, opção metodológica a
técnica de pesquisa bibliográfica, com predominância do raciocínio dedutivo. Trata-
se de pesquisa de vertente jurídico sociológica, que problematiza a legitimidade e
efetividade do sistema penal. Pela adoção do procedimento de análise de conteúdo,
o presente trabalho discute as relações existentes entre a seletividade do sistema
penal brasileiro e o controle social das camadas marginalizadas da população, na
concretização do que Loïc Wacquant (2011, p. 104) descreveu como sendo o
encarceramento da miséria. Segundo sua descrição, “o sistema penal contribui
diretamente para regular os segmentos inferiores do mercado de trabalho”.
2 O NEOLIBERALISMO ECONÔMICO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA POLÍTICA PENAL
Partindo de uma análise materialista histórica (metodologia de interpretação
histórica que busca compreender as mudanças sociais mediante o reconhecimento
da divisão da sociedade em classes e das repercussões das transformações dos
meios de produção), pode-se dizer que o modelo de sistema econômico adotado por
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
3
um Estado, reflete e influencia diretamente em toda a composição do mesmo. Sendo
o capitalismo o sistema econômico vigente - a infraestrutura da sociedade - e o
Neoliberalismo o ideário que norteia a política organizacional deste, a ordem jurídica
do Estado seria parte da superestrutura, a qual ecoa diretamente aspirações
capitalistas neoliberais.
Neste quadro, o Direito Penal, parte da composição da ordem jurídica estatal,
também corresponde a um reflexo de seu arranjo político e econômico:
Toda manifestação do direito penal corresponde a uma determinada orientação política para o tratamento da criminalidade. Às ações políticas orientadas ao controle da delinquência chamamos política criminal; e toda política criminal decorre da política geral do Estado a que corresponde. Dessa forma, é possível afirmar que o direito penal é reflexo da organização econômica e política do estado que o produz (BOZZA, 2015, p. 65).
O Neoliberalismo corresponde a ideias de organização estatal de natureza
econômica capitalista que defendem a retomada do ideário de livre mercado do fim
do século XVIII e século XIX, o laissez-faire, mediante a convicção de que a
liberdade seria o meio mais efetivo de promoção de igualdade e do bem-estar.
Contrapõe-se a teoria econômica keynesiana, rejeitando a interferência do Estado
tanto na produção quanto na distribuição, propondo a entrega do social às leis do
livre mercado (FERRARO, 2005, p. 103 e 104).
O programa neoliberal prega que o Estado deve, no âmbito da economia, tão
somente proteger o livre mercado e intervir minimamente, de modo que caberá ao
Estado apenas as funções consideradas indispensáveis à sua manutenção.
Segundo Bozza (2015), baseando-se na crítica marxista acerca da economia
burguesa, assim como a natureza estrutural da criminalidade é reflexo do modo de
produção capitalista, a pena privativa de liberdade aparece em resposta às
exigências de manutenção da ordem do mercado.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
4
Ao surgir, a burguesia necessita e utiliza o poder estatal para regular o salário, prolongar a jornada de trabalho e manter o trabalhador em situação de dependência, de forma conveniente a quem deseja acumular mais-valia (BOZZA, 2015, p. 67).
De acordo com o autor, a pena criminal na contemporaneidade passa a ter
caráter apenas retributivo, pois, uma vez que sobram pessoas para laborar e gerar
mais-valia tornou-se desnecessária a disciplina do excesso de mão-de-obra e as
prisões não tiveram mais como finalidade a inclusão dos cidadãos no mercado de
trabalho.
É nesse sentido a teoria exposta pelo sociólogo Loic Wacquant em seu
estudo “As Prisões da Miséria” (2011). O autor examina a orientação de repressão
ao crime advinda do Neoliberalismo, aquilo que chama de "Estado Penal".
Wacquant (2011) narra que o discurso neoliberal foi difundido pelos EUA, ao
final dos anos 70, com o surgimento de uma rede formadora de opinião da qual fazia
parte organismos estatais, institutos acadêmicos, organizações sociais, bem como a
mídia. Além destes, os institutos de consultoria, tanto do governo dos EUA, como da
Inglaterra, sob comando de Reagan e Thatcher, respectivamente, contribuíram para
a difusão dessas ideias.
Estes institutos, conforme Wacquant (2011, p. 29 e 30), denunciam os ideais
do Estado de Bem-Estar social através de um paciente trabalho de sabotagem
intelectual das noções e das políticas keynesianas na frente econômica e social,
preparando terreno para o liberalismo real, e, por fim, pregando a ideia de um
Estado socialmente mínimo e penalmente forte.
Surge uma postura de forte repressão frente à criminalidade, a qual acaba por
desconsiderar os fatores exógenos sociais e econômicos que influenciam na
existência de delitos e delinquentes. Por conseguinte, esse modo de controle da
criminalidade, que elege uma forte repressão policial quanto a qualquer tipo de
subversão, mesmo as mais simples, repercute muito mais em violência e opressão
contra cidadãos marginalizados e pobres do que na promoção de segurança pública.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
5
Essa ideia desloca a atenção das pessoas (individualmente consideradas) e dos motivos que as levaram a cometer algum crime, para as categorias e grupos sociais considerados propensos à pratica de crimes. Deste modo, tal postura política afeta o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei com o fim de executar políticas de repressão e de controle sempre mais severos, direcionados a uma parte da sociedade geralmente marginalizada por não acompanhar o ritmo imposto pela competitividade sempre maior do mercado (SANTORO, 2002, APUD OLIVEIRA, 2009, p. 22).
Consequência da globalização, a difusão de tais teorias americanas, bem
como da política neoliberal, em que o Estado social é mínimo e o Estado punitivo é
forte, também se disseminam com facilidade perante todo o globo. As políticas
penais advindas do Neoliberalismo passam a exercer influência direta sobre os
países capitalistas ocidentais:
Mesmo países que não adotaram materialmente o anterior modelo de Estado de bem-estar, como o Brasil, paulatinamente começaram a abandonar políticas penais de natureza preventivas e passaram a adotar modelos meramente punitivos e repressores (PASTANA, 2013, p. 30).
O sistema carcerário acaba por deixar de cumprir, concomitantemente com
seu papel punitivo e preventivo, passando a assumir um caráter de regulador da
miséria, instrumento de controle de populações desviantes e dependentes. Na crítica
de Wacquant (2011), o Direito Penal nos Estados Unidos revela-se vinculado à
dupla função de retirar das ruas uma massa de empregados e gerar lucro às
empresas de segurança privadas, já que no país elas se valem da mão-de-obra
carcerária e, desta foram, obtém de lucro.
Essa política penal ostensiva reflete uma ideologia que, de modo simplista
propõe como única e melhor solução para tanto, o encarceramento dos excluídos.
Tal situação, analisada e estudada por Wacquant (2011) no Estado
americano, é similar ao que ocorre no Brasil. Mesmo levando em conta as
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
6
particularidades de cada país, é possível observar, em ambos, a presença de um
forte Estado punitivo, o qual encarcera segmentos específicos da sociedade como
maneira de manutenção da ordem econômica e social.
Wacquant (2011, p. 10), em nota feita aos brasileiros em sua obra As prisões
da miséria, demarca as especificidades do Brasil. De acordo com o sociólogo, por
diversas razões ligadas à história deste país e pela “posição subordinada na
estrutura das relações econômicas internacionais (estrutura de dominação que
mascara a categoria falsamente ecumênica de ‘globalização’)” do mesmo, bem
como a despeito do enriquecimento coletivo das décadas de industrialização:
A sociedade brasileira continua caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades (WACQUANT, 2011, p. 10).
Ainda sobre o Brasil, Wacquant (2011, p. 11 e 12) chama a ao recorde da
hierarquia de classes e da estratificação etnorracial e a discriminação baseada na
cor, característicos do funcionamento das burocracias policiais e judiciárias. De
modo que, regularmente, os negros são punidos com mais severidade que os
brancos.
Corroborando com tais ideias, Lenio Streck (2013) infere que, no caso
brasileiro, o intervencionismo estatal, condição de possibilidade para a realização da
função social do Estado de bem-estar, consistiu em um simulacro. O “Estado
interventor-desenvolvimentista-provedor” gerou primordialmente acumulação de
capital e renda para as elites brasileiras e um intenso processo de exclusão social.
O fenômeno do encarceramento da miséria descrito por Wacquant não é
experiência exclusivamente norte-americana, verificando-se com nitidez na realidade
contemporânea brasileira. Como o próprio autor enfatiza, a violência policial
brasileira também se mostra como ferramenta de contenção das camadas sociais
mais pobres e de cor (WACQUANT, 2011). O Direito Penal já não se justifica como
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
7
meio de punição, prevenção de crimes e reinserção social do egresso, mas se reduz
a instrumento de exclusão e controle daqueles à margem do sistema capitalista.
3 SUPERLOTAÇÃO, VIOLÊNCIA E DESUMANIDADE: Considerações sobre o Relatório do Mutirão Carcerário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça
De modo recente, desde o ano de 2008, é realizado no Brasil o Mutirão
Carcerário, programa do Conselho Nacional de Justiça que consiste na reunião de
vários magistrados os quais percorrem os estados brasileiros para analisar a
situação processual dos apenados, além de inspecionar unidades carcerárias, a fim
de constatar irregularidades, de modo a saná-las, e garantir o cumprimento da Lei
de Execuções Penais (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2012).
Em 2012, após o Mutirão passar por todos os estados brasileiros verificando
cada unidade carcerária neles contida, foi divulgado um relatório geral. Intitulado
“Mutirão Carcerário – Raio X do Sistema Penitenciário Brasileiro”, o relatório
apresentou dados carcerários de todas as regiões do país.
De modo geral, o que se nota com a análise do Mutirão é que a maioria
devastadora dos cárceres brasileiros encontra-se superlotada e as condições de
vida dentro das prisões são insalubres, violentas e desumanas, não havendo
qualquer preocupação em assegurar a reintegração do apenado na sociedade, ou
mesmo garantir o mínimo de dignidade ao mesmo.
No norte, região caracterizada pelo clima quente, atributo marcante das
prisões é a insalubridade. “Prisões sujas com celas escuras e mal ventiladas
compõem o cenário no qual dezenas de milhares de pessoas cumprem pena nos
estados da Região Norte” (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2012, p. 11).
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
8
Tal fato só contribui para a revolta e insatisfação do detento que se encontra
abandonado no “depósito de gente que é nosso sistema penitenciário” (KHALED,
2014, p.47).
Além disso, não há efetivo desempenho do Estado em ressocializar o
indivíduo e assim, muitas vezes, não resta outra alternativa ao ex-detento, senão
voltar ao mundo do crime. De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, a cada quatro ex-condenados, pelo menos um (24,4%) volta a
cometer crime no prazo de cinco anos (IPEA, 2015). O resultado soa como baixo,
entretanto o estudo realizado pelo instituto considera apenas o conceito de
reincidência legal, ou seja, só é reincidente quem volta a ser condenado no período
de cinco anos depois do cumprimento da pena, deixando de lado os processos que
ainda estão em fase de investigação ou instrução.
Voltando ao Mutirão, na região Nordeste,
[...] calor, escassez de água, sujeira e esgoto a céu aberto revelam a situação crítica das unidades, nas quais os presos precisam disputar um metro quadrado ou criar esquemas de revezamento para dormir (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2012, p. 61).
A superlotação e alta proporção de presos provisórios também são fatores
comuns na região. Outra característica marcante dos presídios nessa região é a
desordem e o descontrole sobre os detentos. Rebeliões violentas são comuns neste
cenário.
Na região Centro-Oeste os problemas carcerários vão de desrespeito aos
direitos humanos à Lei de Execução Penal.
Afronta aos direitos humanos é evidente nos presídios mato-grossenses, onde o Mutirão Carcerário encontrou celas metálica e unidades comparadas a “bombas-relógio” e “depósitos humanos”, tamanha a precariedade das instalações. (BRASIL, 2012, p. 111).
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
9
Não há qualquer preocupação com a vida e dignidade do detento, o que
corrobora com a ideia de que o sistema penitenciário brasileiro vem servindo apenas
como ferramenta de descarte humano.
Passa-se à região Sudeste, que possui mais da metade das pessoas que
cumprem pena no Brasil. Em alguns presídios o cenário é similar ao do resto do
país: falta estrutura, higiene e tratamento digno aos detentos.
O cenário na região não é diferente do constatado no resto do Brasil,
condições absurdas em total desrespeito com o princípio da dignidade da pessoa
humana. Tão gravosa era a situação no Espírito Santo que o Conselho Nacional de
Justiça não viu outra saída, senão recomendar o fechamento de diversas
instalações (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2012). Graças às constatações
do Mutirão foram criadas novas instalações. Sem o Mutirão, provavelmente o
cenário ainda seria o mesmo.
A situação é absurda, injustificável: em São Paulo, por exemplo, foi
constatado que havia 400 réus presos irregularmente, pois já haviam cumprido pena
(BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2012, p. 167).
Por fim, constatou-se na região Sul, realidade similar ao que ocorre no resto
do país. “Nas inspeções a cadeias, presídios e delegacias, os magistrados
depararam-se muitas vezes com situações de violência e com o descaso das
autoridades com relação aos presidiários”. (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça,
2012, p. 169).
Verifica-se um padrão nacional de descaso com o preso e desumanidade.
Por todos os recantos do país são cometidas violências e atrocidades inimagináveis para instituições que são administradas pelo Estado, demonstrando que o poder punitivo ainda impera de forma irrestrita, sem que a normatividade voltada para a redução de danos encontre qualquer condição de permeabilidade (KHALED JR., 2014, p. 47).
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
10
Enfim, apura-se através da análise dos dados fornecidos pelo Conselho
Nacional de Justiça que o Sistema Carcerário encontra-se muito distante de efetivar
seus objetivos. O Estado pouco demonstra preocupação com o apenado: o submete
a condições desumanas e degradantes, deixando de garantir-lhes integridade física
e mental dentro das celas. Em sua maioria, os presídios no Brasil são precários e se
mostram apenas como um depósito de gente.
Os egressos são despejados em cárceres cruéis que, ao invés de recuperá-
los, os apresenta a uma realidade de violência, instruindo-os eficazmente para o
mundo criminoso.
3.1 A seletividade do sistema carcerário brasileiro
Segundo o já mencionado Relatório do Infopen (2014), o perfil
socioeconômico dos detentos mostra que 55% têm entre 18 e 29 anos, 61,6% são
negros e 75,08% têm até o ensino fundamental completo, havendo a predominância
de baixa escolaridade, o que indica que esta população já era vulnerável ou
marginalizada antes de serem presas.
Nesse sentido, sobre a população carcerária brasileira, Dewes e Marques
(2015, p. 123):
A população carcerária é constituída de pessoas jovens, de raça negra, de baixa renda ou desempregadas, com pouco ou nenhum estudo. Porém, essas pessoas são, geralmente, marginalizadas pela sociedade, vítimas de uma segregação econômica, social e cultural, sendo que essa condição de marginalidade acaba refletindo na prática do delito.
Esta seletividade do sistema penal nos remete novamente à teoria de
Wacquant (2011). O sistema carcerário abandona as finalidades teóricas da pena e
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
11
assume um caráter de regulador da miséria, controlando populações desviantes,
dependentes e marginalizadas. Joga os delinquentes em prisões, sem qualquer
preocupação com as condições da qual será executada a pena ou com a
recuperação dos mesmos.
Para reafirmar ainda mais essa ideia, importante apresentar o seguinte dado:
quanto à natureza dos crimes, apontou o Infopen (2014) que 28% dos detentos
respondiam ou foram condenados por crime de tráfico de drogas, 25% por roubo,
13% por furto, enquanto, do total, apenas 10% respondem por homicídio e 3% por
latrocínio.
Não é difícil perceber que o sistema punitivo no Brasil acaba por punir
severamente a massa subproletária delinquente, sem haver qualquer intenção de
recuperação do apenado ou de diminuição da violência. O Brasil, contrariando o
senso comum, não é o país da impunidade. É o país da superpunição sobre os
pobres. Ante os dados apresentados, dizer que a prisão no Brasil tem qualquer
finalidade preventiva beira o ridículo. A verdade é o direito penal brasileiro acaba por
abandonar os marginalizados em um sistema carcerário falido, servindo apenas aos
interesses neoliberais, convertendo-se em ferramenta de exclusão e opressão sobre
os miseráveis, como denunciado por Wacquant (2011).
4 CONCLUSÃO
A presente pesquisa se dedicou à análise da atual situação do sistema penal
brasileiro, a partir das reflexões de Wacquant sobre o encarceramento da miséria.
Para tanto, mereceu destaque a apreciação crítica da política e das condições
carcerárias brasileiras, mediante a problematização dos dados divulgados pelo
Mutirão Carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, que mapeou os
problemas de ordem material e processual dos presídios brasileiros.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
12
Como resultado, verifica-se que os ideais políticos econômicos do capitalismo
neoliberal, influenciam sobremaneira na concepção e implementação das políticas
de Estado.
Aceita essa premissa, pode-se inferir que o sistema jurídico, mais
precisamente o Direito Penal, sofre direta influência do neoliberalismo. Assim,
políticas criminais seguem sendo concebidas e implementadas em consonância com
os valores e interesses do mercado.
É impreterível o reconhecimento da falência da política e do sistema
carcerário brasileiro. Torna-se assim necessária uma análise mais aprofundada dos
ideários políticos e econômicos que moldam o funcionamento do Estado o
convertendo em instrumento de concreção de políticas classistas, violentas e
excludentes.
É necessário que se traga a luz às questões que permeiam as formas
pelas quais a sociedade e o Estado brasileiro lida com aqueles que cometem crimes.
É irrefutável que se vive momento de marcada violência e insegurança, mas é
também irrefutável a ineficiência e desumanidade da forma que lidamos com o
problema social da criminalidade. No longo prazo, não há possibilidade de êxito de
qualquer política criminal que não viabilize reais condições de ressocialização para
aquele que comete um crime.
Muitos acreditam que as discussões fomentadas por pesquisa como esta
correspondem à defesa da impunidade ou à passividade perante a violência. Não se
trata disso. O que se almeja é que aquele cidadão que pratique um crime cumpra
sua pena conforme previsto em lei, em consonância com os valores propugnados
pela ordem constitucional. Em síntese, espera-se que aquele que cometa um crime
receba sim uma punição, mas que tal pena não seja desumana, cruel e degradante.
REFERÊNCIAS
BOZZA, Fábio da Silva. Política criminal contemporânea e neoliberalismo. REDES – Revista Eletrônica Direito e Sociedade. Canoas – RS. Vol. 3, n. 1, maio/2015. pp.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
13
63-82. Disponível em: <http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/redes. file:///C:/Users/residencia/Downloads/Dialnet-PoliticaCriminalContemporaneaENeoliberalismo-5402961.pdf>. Acesso em: nov. 2015.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Mutirão Carcerário: Raio X do sistema Penitenciário Brasileiro. Brasília – DF. 2012. Disponível em: <http://cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/mutirao_carcerario.pdf>. Acesso em: mai. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 com pedido de concessão de medida cautelar ao STF, Partido Socialismo e Liberdade. Rio de Janeiro – RJ, 26/05/2015. Disponível em: <http://jota.info/wp-content/uploads/2015/05/ADPF-347.pdf>. Acesso em: mar. 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, voto Ministro Marco Aurélio. Distrito Federal – DF, 27/08/2015. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/1693_2._SBDP-Relatorio_e_Voto_Marco_Aurelio_ADPF_347.pdf. Acesso em: mar. 2016.
DEWES, Heloisa; MARQUES, Mateus. Sistema Penitenciário em Foco: Aspectos Importantes sobre a Crise da Pena de Prisão. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Sintese. nº 94, out/nov/2015, p. 115-139.
DIPP, Andrea. Prende Primeiro, Pergunta Depois: 41% dos presos no Brasil são provisórios. 02/05/2015. UOL Notícias. São Paulo – SP. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/02/05/prende-primeiro-pergunta-depois-41-dos-presos-no-brasil-sao-provisorios.htm>. Acesso em: ago. 2015.
FERRARO, Alceu Ravanello. Neoliberalismo e políticas sociais: a naturalização da exclusão. Estudos Teológicos – Programa de pós-graduação em Teologia – Escola Superior de Teologia, São Leopoldo - SR , v. 45, n. 1, p. 99-117, 2005. Disponível em: <http://www3.est.edu.br/publicacoes/estudos_teologicos/vol4501_2005/et2005-1f_aferraro.pdf>. Acesso em: nov. 2015.
INFOPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Departamento Penitenciário Nacional. Ministério da Justiça. Brasília – DF. Junho/2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: mar. 2016.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
14
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Reincidência Criminal no Brasil – Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro-RJ, 2015. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf>. Acesso em: dez. 2015.
KHALED JR., Salah H. Os Níveis de Dor Intencional e o Holocausto Nosso de Cada Dia: renúncia aos discursos de justificação da pena e ao mito da ressocialização. Revista Síntese Direito Penal e Processual Pena. Porto Alegre: Síntese, v. 14, n. 84, fev./mar. 2014, p. 38-63
OLIVEIRA, Helma Janiele Souza. O Direito Penal Mínimo e a Execução das Penas Alternativas na ótica dos Direitos Humanos. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa – PB. Disponível em: <http://tede.biblioteca.ufpb.br:8080/bitstream/tede/4400/1/arquivototal.pdf>. Acesso em: dez. 2015.
PASTANA, Débora Regina. Estado punitivo brasileiro a indeterminação entre democracia e autoritarismo. Revista Eletrônica Civitas, Porto Alegre. vol. 13, nº 01, jan/abr/2013, p. 27-47. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/9039/9685>. Acesso em: jan. 2016.
SANTOS, Helena Maria Pereira et al. Estado de Coisas Inconstitucional: Um Estudo sobre os casos Colombiano e Brasileiro. Quaestio Iuris. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. vol. 08, nº. 04, Número Especial. Rio de Janeiro, 2015. pp. 2596-2612. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/20941/15320>. Acesso em: dez. 2015.
STRECK, Lenio Luiz. Constituição Ou Barbárie? – A Lei como Possibilidade Emancipatória a partir do Estado Democrático de Direito. Ensaios Jurídicos. Doutrina (Processual) Penal. 2013. Nelmon J. Silva Jr. Blog. Disponível em: <https://ensaiosjuridicos.files.wordpress.com/2013/04/constituic3a7c3a3o-ou-barbc3a1rie-e28093-a-lei-como-possibilidade-lenio.pdf>. Acesso em: nov. 2015.
WACQUANT, Loic. As prisões da Miséria. 2. ed. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016