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21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental ABES – Trabalhos 1 II-007 – USO AGRÍCOLA DOS EFLUENTES DAS LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO Milton Tomoyuki Tsutiya Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP (1975). Mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da USP (1983). Doutor em Engenharia pela Escola Politécnica da USP (1989). Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da USP. Gerente de Pesquisa da Superintendência de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da SABESP. Endereço: Rua Palestina, 531 Apto 74 – Vila Mascote – São Paulo – SP – CEP: 04362- 030. Tel: (11) 30304265 – e-mail: [email protected] RESUMO A disposição de esgotos no solo é prática bastante antiga. Até fins do século passado e início deste, essa foi a forma mais praticada e bem sucedida de tratamento e disposição de esgotos resultantes da atividade humana. Embora as primeiras experiências tivessem como objetivo inicial o tratamento de esgotos, a irrigação como meio de reciclagem de água e produção agrícola, constitue também, uma prática centenária. O reúso implica em redução de custos, principalmente se for considerado em associações com novos projetos de sistemas de tratamento, uma vez que os padrões de qualidade de efluentes, necessários para os diversos tipos de uso, são menos restritivos do que os necessários para proteção ambiental. O uso agrícola dos efluentes de esgotos sanitários, também proporciona uma economia significativa de fertilizantes, além de aliviar a demanda e preservar a oferta de água. Além de conter matéria orgânica, macro e micronutrientes, os efluentes da lagoas de estabilização contêm cerca de 30 g/m 3 de nitrogênio total, 14 g/m 3 de fósforo e 30 g/m 3 de potássio. Em se tratando de esgotos domésticos, os metais pesados não constituem problemas para a aplicação agrícola, e os micronutrientes provavelmente estarão em concentração abaixo dos teores tóxicos e acima da demanda nutricional da maioria das culturas. A tecnologia mais adequada para o tratamento de esgotos para o uso agrícola, são as lagoas de estabilização. A SABESP opera cerca de 195 lagoas de estabilização no Interior do Estado de São Paulo, cuja vazão representa aproximadamente 3% do total de água de irrigação previsto para o Estado de São Paulo, e poderá irrigar cerca de 15.000 hectares. A principal limitação do uso agrícola dos efluentes de lagoas de estabilização, refere-se a qualidade microbiológica das águas residuárias, pois os esgotos sanitários podem veicular os mais variados microrganismos patogênicos, como virus, bactérias, protozoários e helmintos. Para o reúso agrícola é imprescindível que se obedeça as diretrizes microbiológicas, como o da Organização Mundial de Saúde. O conhecimento acumulado sobre a utilização agrícola de efluentes de ETEs é ainda pequeno, o que torna premente a necessidade de pesquisas e ações na direção do reúso controlado, incluindo sua regulamentação. Recomenda-se que os governos estaduais e federais iniciem processos de gestão para estabelecer bases políticas, legais e institucionais para o reúso de efluentes de ETEs, pois o réuso agrícola apresenta-se como uma solução sanitariamente segura, economicamente viável e ambientalmente sustentável. PALAVRAS-CHAVE: Uso Agrícola de Efluentes, Fertirrigação, Lagoas de Estabilização, Reúso agrícola, Reúso de Efluentes. INTRODUÇÃO A disposição de esgotos no solo é prática bastante antiga. As cronologias da evolução do saneamento citam seu emprego na Alemanha e na Inglaterra já nos séculos XVI e XVII, encontrando-se referência a sua utilização em épocas bem mais remotas, como é o caso da irrigação com esgoto executada em Atenas, antes da Era Cristã. Até fins do século passado e início deste, essa foi a forma mais praticada e bem-sucedida de tratamento e disposição de esgotos resultantes da atividade humana. Datam dessa época exemplos desses

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ABES – Trabalhos 1

II-007 – USO AGRÍCOLA DOS EFLUENTES DAS LAGOAS DEESTABILIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Milton Tomoyuki TsutiyaEngenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP (1975). Mestre em Engenharia pelaEscola Politécnica da USP (1983). Doutor em Engenharia pela Escola Politécnica da USP(1989). Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da EscolaPolitécnica da USP. Gerente de Pesquisa da Superintendência de Pesquisa eDesenvolvimento Tecnológico da SABESP.

Endereço: Rua Palestina, 531 Apto 74 – Vila Mascote – São Paulo – SP – CEP: 04362-030. Tel: (11) 30304265 – e-mail: [email protected]

RESUMO

A disposição de esgotos no solo é prática bastante antiga. Até fins do século passado e início deste, essa foi aforma mais praticada e bem sucedida de tratamento e disposição de esgotos resultantes da atividade humana.Embora as primeiras experiências tivessem como objetivo inicial o tratamento de esgotos, a irrigação comomeio de reciclagem de água e produção agrícola, constitue também, uma prática centenária.O reúso implica em redução de custos, principalmente se for considerado em associações com novos projetosde sistemas de tratamento, uma vez que os padrões de qualidade de efluentes, necessários para os diversostipos de uso, são menos restritivos do que os necessários para proteção ambiental. O uso agrícola dosefluentes de esgotos sanitários, também proporciona uma economia significativa de fertilizantes, além dealiviar a demanda e preservar a oferta de água. Além de conter matéria orgânica, macro e micronutrientes, osefluentes da lagoas de estabilização contêm cerca de 30 g/m3 de nitrogênio total, 14 g/m3 de fósforo e 30g/m3 de potássio. Em se tratando de esgotos domésticos, os metais pesados não constituem problemas para aaplicação agrícola, e os micronutrientes provavelmente estarão em concentração abaixo dos teores tóxicos eacima da demanda nutricional da maioria das culturas.A tecnologia mais adequada para o tratamento de esgotos para o uso agrícola, são as lagoas de estabilização.A SABESP opera cerca de 195 lagoas de estabilização no Interior do Estado de São Paulo, cuja vazãorepresenta aproximadamente 3% do total de água de irrigação previsto para o Estado de São Paulo, e poderáirrigar cerca de 15.000 hectares.A principal limitação do uso agrícola dos efluentes de lagoas de estabilização, refere-se a qualidademicrobiológica das águas residuárias, pois os esgotos sanitários podem veicular os mais variadosmicrorganismos patogênicos, como virus, bactérias, protozoários e helmintos. Para o reúso agrícola éimprescindível que se obedeça as diretrizes microbiológicas, como o da Organização Mundial de Saúde.O conhecimento acumulado sobre a utilização agrícola de efluentes de ETEs é ainda pequeno, o que tornapremente a necessidade de pesquisas e ações na direção do reúso controlado, incluindo sua regulamentação.Recomenda-se que os governos estaduais e federais iniciem processos de gestão para estabelecer basespolíticas, legais e institucionais para o reúso de efluentes de ETEs, pois o réuso agrícola apresenta-se comouma solução sanitariamente segura, economicamente viável e ambientalmente sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Uso Agrícola de Efluentes, Fertirrigação, Lagoas de Estabilização, Reúso agrícola,Reúso de Efluentes.

INTRODUÇÃO

A disposição de esgotos no solo é prática bastante antiga. As cronologias da evolução do saneamento citamseu emprego na Alemanha e na Inglaterra já nos séculos XVI e XVII, encontrando-se referência a suautilização em épocas bem mais remotas, como é o caso da irrigação com esgoto executada em Atenas, antesda Era Cristã. Até fins do século passado e início deste, essa foi a forma mais praticada e bem-sucedida detratamento e disposição de esgotos resultantes da atividade humana. Datam dessa época exemplos desses

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sistemas de tratamento que atingiram nossos dias e que continuam a prestar excelentes serviços a metrópolesdo porte de Berlim, México e Melbourne, entre outras (Paganini, 1997).

Embora as primeiras experiências tivessem como objetivo incial o tratamento de esgotos, a irrigação comomeio de reciclagem de água e produção agrícola, constitui também, uma prática centenária. Entretanto, como desenvolvimento da microbiologia sanitária e as preocupações crescentes com a saúde pública fizeram comque esta alternativa se tornasse praticamente desaconselhada em meadros deste século. Por outro lado, váriosfatores vieram contribuir para que recentemente o interesse pela disposição no solo fosse renovado: acrescente escassez de recursos hídricos, a crescente deterioração dos mananciais de água, as limitaçõestécnico-financeiras de se implantar soluções mais complexas de tratamento e o avanço do conhecimentocientífico (Hespanhol, 1999).

O reúso implica em redução de custos, principalmente se for considerado em associações com novos projetosde sistemas de tratamento, uma vez que os padrões de qualidade de efluentes, necessários para diversos tiposde uso, são menos restritivos do que os necessários para proteção ambiental. O uso agrícola dos efluentes deesgotos sanitários, também proporciona uma economia significativa de fertilizantes, além de aliviar ademanda e preservar a oferta de água. Observados os cuidados necessários e vencidas as resistências denatureza cultural, o reúso apresenta-se como uma solução sanitariamente segura, economicamente viável eambientalmente sustentável. Além disso, com o uso agrícola dos efluentes das Estações de Tratamento deEsgotos (ETEs), não haverá a cobrança pelo lançamento de efluentes, conforme prevê o Projeto de Lei – PL20 que está sendo discutida na Assembléia Legislativa. Esse Projeto de Lei que prevê a implantação dacobrança pelo uso da água no Estado de São Paulo, tem as seguintes estimativas dos valores a cobrar,conforme apresentado na tabela 1.

Tabela 1: Proposta de Preços pelo Uso de Recursos Hídricos no Estado de São PauloItem Unidade Preço unitário básico

(R$)Preço unitário máximo

(R$)Captação m3 0,01 0,05Consumo m3 0,02 0,10Lançamentos:DBODQOSSCarga inorgânica

kg DBOkg DQOlitrokg

0,100,050,011,00

1,000,500,10

10,00

Fonte: DAEE (1998).

O conhecimento acumulado sobre o reúso no Brasil ainda é escasso e a própria pesquisa sobre tratamento deesgotos desenvolvida no país, pouco recebeu o enfoque do reúso. Como o reúso é prática antiga e frequentenos centros urbanos, torna-se premente a necessidade de pesquisas e ações na direção do reúso controlado,incluindo sua regulamentação.

Como no Brasil não existe experiência em reúso planejado e institucionalizado, é necessário implementarprojetos pilotos. Essas unidades experimentais devem cobrir todos os aspectos das diversas modalidades dereúso, principalmente os relativos ao setor agrícola, e deverão fornecer subsídios para o desenvolvimento depadrões e códigos de prática, adaptados às condições e características nacionais. Uma vez concluída a faseexperimental, as unidades piloto serão transformadas em sistemas de demonstração, objetivando treinamento,pesquisa e o desenvolvimento do setor.

FORMAS DE REÚSO DE ESGOTOS TRATADOS

A figura 1 apresenta os tipos básicos de usos potenciais de esgotos tratados, que podem ser implementados,tanto em áreas urbanas com em áreas rurais.

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As possibilidades e formas potenciais de reúso dependem das características, condições e fatores locais, taiscomo decisão política, esquemas institucionais, disponibilidade técnica e fatores econômicos, sociais eculturais.

Hespanhol (1998) apresenta uma série de considerações para os diversos tipos de reúso, os quais serãoapresentados a seguir os mais significativos para este trabalho:

• Usos urbanos: o potencial de reúso de efluentes no setor urbano é muito ampla e diversificado.Entretanto, usos que demandam água com qualidade elevada, requerem sistemas de tratamento e decontrole avançados, podendo levar a custos incompatíveis com os benefícios correpondentes. De umamaneira geral, os esgotos tratados podem, no contexto urbano, ser utilizados para fins potáveis e nãopotáveis.

Figura 1: Tipos de reúso. Fonte: Hespanhol (1997).

• Usos urbanos para fins potáveis: a presença de organismos patogênicos e de compostos orgânicossintéticos em efluentes para reúso, principalmente oriundos de estações de tratamento localizadas emáreas industriais, torna o reúso potável como uma alternativa associada a riscos muito elevados,tornando-se praticamente inaceitável. Além disso, os custos dos sistemas de tratamento avançados queseriam necessários, levariam à inviabilidade econômico-financeira do abastecimento público. Entretanto,caso seja imprescindível implementar reúso urbano para fins potáveis, devem ser obedecidos os seguintescritérios básicos: utilizar apenas sistemas de reúso indireto, utilizar exclusivamente esgotos domésticos eempregar barreiras múltiplas nos sistemas de tratamento de esgotos.

• Usos urbanos para fins não potáveis: envolvem riscos menores e devem ser considerados como aprimeira opção de reúso na área urbana. Podem ser utilizados em irrigação de parques, áreasajardinadas, jardins públicos, gramados, reserva de proteção contra incêndios, descarga sanitária embanheiros etc.

Esgotos domésticos Esgotos industriais

Urbanos Recreação Aqüicultura Agricultura Indústria

Nãopotável

Potável Processos Outros

NataçãoSki aquático,canoagem etc

Pesca

Dessedentaçãode alimentos

Pomares evinhas

Forragem,fibras e culturascom sementes

Culturasingeridas apósprocessamento

Culturasingeridas cruas

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• Usos industriais: os usos industriais mais comuns são os seguintes: torres de resfriamento, caldeiras,construção civil, irrigação de áreas verdes de instalação industriais, lavagens de pisos e processosindustriais.

• Usos agrícolas: o uso de esgotos, particularmente no setor agrícola, constitue em um importanteelemento das políticas e estratégias de gestão de recursos hídricos, pois uma política criteriosa de reúsotransforma a problemática poluidora e agressiva dos esgotos, em um recurso econômico eambientalmente seguro. Maiores detalhes desta modalidade de reúso, são tratados ao longo destetrabalho.

LEVANTAMENTO INTERNACIONAL DA UTILIZAÇÃO AGRÍCOLA DOS EFLUENTES DE ETES

A tabela 2 apresenta o levantamento realizado em diversos países que utilizam os efluentes de estações detratamento de esgotos para o uso agrícola. Observa-se, nessa tabela, que o reúso agrícola é praticado tanto empaíses desenvolvidos como os Estados Unidos, Alemanha, Israel e Austrália, como em países emdesenvolvimento como o México, Peru e Índia. Em vários países, o reúso é regulamentado em legislaçãoespecífica e faz parte de programas governamentais de irrigação e gestão de recursos hídricos.

Tabela 2: Exemplo de países que utilizam o efluente de esgotos para o uso agrícola.Local Cultivo Tratamento Área irrigada (ha)

América Latina• México

Mexicali HortaliçasSistema australiano 250.000

• PeruICASan Juan (Lima)

Algodão, uva,Hortaliças

Lagoas facultativasLagoas facultativa e de

maturação4.300

EUA• Muskegon, Michigan• Lubbock, Texas

VáriosAlgodão

Lagoa aerada e dematuração

Tratamento primário,secundário e desinfecção

14.000

Europa• Alemanha Hortaliças Tratamento primário,

secundário e desinfecção28.000

• Israel VáriosLagoa anaeróbia,facultativa e de

maturação10.000

Ásia• Índia

CalcutáVários Lagoas 73.000

Austrália• Melbourne Forragens Lagoas 10.000

Africa e Oriente Médio• Tunísia Vários Lagoas 7.350

• Kuwait Vários Tratamento primário,secundário e desinfecção

12.000

• Sudão Bosques Tratamento primário esecundário

2.800

Fonte: Adaptado de Kellner & Pires (1998) e Bastos (1999).

Além dos exemplos citados na tabela 2, Bastos (1999) relaciona, também, outros países que utilizam osefluentes de ETEs na agricultura, destacando-se, a China com 1.330.000 ha de área irrigada; Chile com16.000 ha; Arábia Saudita com 4.400 ha e Argentina com 3.700 ha.

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Dentre essas aplicações, destacam-se a fertirrigação em Israel e a experiência da cidade do México, da qualcerca de 45 m3/s de esgotos sanitários, combinados a 10 m3/s de águas pluviais, são utilizados em 80.000hectares, principalmente em culturas de forrageiras e cerealíferas, a 60 km da região metropolitana,organizados em perímetros irrigados e abastecidos por um complexo sistema de canais e reservatórios. Outroexemplo de reuso planejado e controlado por autoridades governamentais são os da Arábia Saudita e Tunísia,que apresentam como meta o reúso da totalidade de efluentes domésticos produzidos. Enquanto o primeiroadota rígidos padrões de tratamento e controle rigoroso da distribuição dos efluentes tratados (tratamentoterciário associado à restrição de culturas irrigadas), no segundo convivem o reuso planejado com efluentestratados e esgotos brutos.

Na América Latina, Peru e Chile apresentam também exemplos significativos de reúso. No Chile, todo oesgoto de Santiago (cerca de 5 milhões de habitantes) é usado para irrigação em áreas vizinhas à cidade. Emépocas de estiagem, normalmente se pratica o reúso direto para irrigação maciça de hortaliças.

No Brasil, pouco ou quase nada se tem registrado sobre reúso direto de efluentes, tratados ou não, o que nãoquer dizer que não ocorra e de forma indiscriminada e sem controle. Mas o reúso indireto é com certezaprática corrente, haja vista a quase inexistência de tratamento de esgotos e somente 10% do volume total deesgotos coletados no país são submetidos à algum tipo de tratamento. Além disso, vários estudos sobre aqualidade de águas de irrigação ou de hortaliças comercializadas em diversas regiões do país, reforçam osindícios da prática disseminada de irrigação com esgotos, ao menos de forma indireta. (Bastos, 1999)

DISPONIBILIDADE DE ESGOTOS PARA IRRIGAÇÃO EM SISTEMAS OPERADOS PELASABESP

Os efluentes produzidos pelas ETEs em 365 municípios operados pela SABESP é da ordem de 25 m3/s para oano 2.000 e de 60 m3/s para o ano 2.010. Entretanto, os efluentes produzidos na Região Metropolitana de SãoPaulo, devido a localização das ETEs, dificilmente serão utilizados para a irrigação de culturas agrícolas e noLitoral, a maior parte dos esgotos são lançados no mar através de emissários submarinos. Portanto, somenteos efluentes produzidos no Interior terão grande possibilidade de uso agrícola, principalmente os efluentes delagoas de estabilização. Segundo levantamento realizado por Ebert (1998), no Interior, a SABESP opera 195lagoas de estabilização, cuja vazão dos efluentes dessas lagoas é da ordem de 1.486 l/s (vazão atual) e a vazãode projeto é estimada em 4.325 l/s.

Telles (1999), estimou que a demanda de água de irrigação para o Estado de São Paulo é da ordem de 133,20m3/s (ano 2.010), para atender uma área de 450.000 hectares, representando 16,84% da demanda de água deirrigação no Brasil. Os efluentes das lagoas de estabilização localizadas no Interior, representam cerca de 3%do total de água de irrigação previsto, e poderá irrigar cerca de 15.000 hectares.

PADRÕES DOS EFLUENTES DE ETES RECOMENDADOS PARA O USO AGRÍCOLA

NORMAS E PADRÕES MICROBIOLÓGICAS

A utilização de esgotos para a irrigação, envolve riscos à sáude humana, devido aos microrganismospatogênicos contidos nos esgotos. Quando se estuda o uso de efluentes de ETEs para a irrigação, deve-seavaliar suas características microbianas e bioquímicas segundo as normas de saúde pública, tendo emconsideração o tipo de cultura, o solo, o sistema de irrigação e a forma em que se consumirá o produto.Somente depois de verificar que estas águas reúnem as condições especificadas pelas normas de saúde, deve-se considerar a avaliação em termos de seus componentes químicos.

Para o uso agrícola dos efluentes de ETEs, são geralmente utilizados na maioria dos países, as diretrizes daOrganização Mundial de Saúde (OMS), os padrões de qualidade do Estado da Califórnia e as diretrizesrecomendadas pela Agência de Meio Ambiente dos Estados Unidos, a EPA – Environmental ProtectionAgency. Desde a sua publicação, essas diretrizes tem servido de referência e adotados como normas emdiversos países, seja como meras cópias, seja adaptados às particularidades locais.

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• Diretrizes recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1989 - estabelece os critériosbásicos para a proteção dos grupos de riscos, associados a esquemas de reúso agrícola, como mostra atabela 3. Esses critérios e diretrizes foram estabelecidos com base em um longo processo técnico ecientífico preparatório e na evidência epidemiológica, disponível até então. (Hespanhol, 1990)

Tabela 3: Diretrizes Microbiológicas Recomendadas pela OMS para o Uso Agrícola dos EsgotosCategoria Condições de

reúsoGrupos de risco Nematodos

intestinais (1)

(Nº ovos/litro)(2)

Coliformesfecais

(Nº / 100ml) (3)

Sistema detratamento

recomendadopara atingir a

qualidademicrobiológic

a

A Irrigação deculturas a seringeridas cruas,camposesportivos,parques públicos(4)

Operários,consumidores,público

≤ 1 ≤ 1.000 Lagoas deestabilizaçãoem série outratamentoequivalente

B Irrigação decereais, culturasindustriais,forragem, pastose arvores (5)

Operários ≤ 1 Não aplicável Retenção emlagoas deestabilizaçãopor 8 a 10 diasou remoçãoequivalente dehelmintos ecoliformesfecais

C Irrigaçãolocalizada deculturas dacategoria B, senão ocorrerexposição detrabalhadores edo público

Nenhum Não aplicável Não aplicável Pré-tratamentorequerido pelatécnica deirrigaçãoaplicada, masnão menos doque tratamentoprimário

*- Em casos específicos, fatores epidemiológicos, socioculturais ou ambientais devem ser levados emconsideração e essas diretrizes modificadas de acordo.

1 - Ascaris, Trichuris, Necator americans e Ancilostomus duodenalis2 - Média aritmética durante o período de irrigação3 - Média geométrica durante o período de irrigação4 - Um valor diretriz mais restritivo (200 Coliformes fecais por 100ml) é apropriado para gramados públicos,tais como os de hotéis, com os quais o público tenha contato direto.5 - No caso de árvores frutíferas, a irrigação deve cessar duas semanas antes dos frutos serem colhidos, efrutos não devem ser colhidos do chão. Irrigação por sistemas de aspersores não deve ser utilizada.Fonte: Hespanhol (1990).

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ABES – Trabalhos 7

• Padrões recomendadas pelo Estado da Califórnia para o uso agrícola de águas residuárias (tabela 4) –países industrializados ou com maior disponibilidade de recursos financeiros tendem a seguir o padrãodo Estado de Califórnia, às vezes tornando-se ainda mais exigente, pela inclusão explícita de limites paraoutros organismos patogênicos, tais como, vírus e giardia.

• Diretrizes recomendadas pela EPA (1992) – os resultados propostos por essa norma baseiam-se nosresultados de projetos de demonstração realizados em Monterey, na Califórnia e em numerosos projetosexistentes em diversos estados dos Estados Unidos (tabela 5).

Tabela 4: Padrões de Qualidade do Estado da Califórnia para o Uso Agrícola de Águas ResiduáriasTratamento Mínimo

ReúsoPrimário (1)

Secundário eDesinfecção

SecundárioCoagulação

Filtração (2) eDesinfecção

Coliformes(3)

IrrigaçãoForragens x - - S/exigênciaGrãos x - - S/exigênciaVegetais ingeridos crus

Irrigação superficial - x - 2,2Irrigação por aspersão - - x 2,2

Produtos processados antes deingeridos

Irrigação superficial x - S/exigênciaIrrigação por aspersão - x - 23

Parques e jardins - x 23

Reservatórios

Uso recreacional restrito (4) - x - 2,2Uso recreacional não restrito - x 2,2

(1) Sólidos sedimentáveis ≤1.0 ml/l/h(2) Turbidez ≤ 1,0 UT.(3) NMP/100 ml - amostragem diária.(4) Não é permitido o uso recreacional para natação e outros esportes aquáticos.Fonte: Ongerth (1982).

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Tabela 5: Diretrizes Recomendados pela EPA para o Reúso Agrícola de Efluentes de Esgotos em ZonasUrbanas.

Tipos de reúsoNível de

Tratamento (a)

Qualidade da águapara reúso (b, c, d,

e)

Monitoramento daágua de reúso

Distância deproteção

Secundário pH: 6-9 pH: semanal

Filtração <10 mg/l DBO DBO: semanal

<2 UNT Turbidez: contínuo

Coliformes fecaisnão detectáveis em

100 mlColiformes: diário

Todo tipo de irrigação dejardins, como campos degolfe, parquescemitérios, assim como,lavagem de automóveis,limpeza de mictório,sistema de combate aincêndio e derefrigeração com arcondicionado, e qualqueroutro uso semelhante.

Desinfecção

1 mg/l de clororesidual

Cloro residualcontínuo

15m dos poçosde água paraabastecimentopúblico

(a) Em áreas de irrigação com acesso controlado, as precauções no projeto e na operação reduzemsignificativamente o contato do público com a água de reúso, podendo admitir um nível de tratamentomenor, tais como, tratamento secundário e desinfecção, de modo que não ultrapasse 14 coliformes fecaispor 100 ml.

(b) Águas de reúso não deverá conter níveis detectáveis de microrganismos patogênicos.(c) Águas de reúso deverá ser transparente, inodora e não deverá conter substâncias tóxicas em casos de

ingestão.(d) Pode ser necessário um determinado nível de cloro, ou um tempo maior de contato, a fim de assegurar

que os vírus e os parasitas sejam efetivamente inativados ou destruídos.(e) Recomenda-se um nível de cloro residual igual ou superior a 0,5 mg/l na rede de distribuição para

reduzir os odores, o crescimento da película biológica e a reativação microbiana.Fonte: U.S.EPA (1992).

PROCESSOS DE TRATAMENTO DE ESGOTOS

QUALIDADE DO EFLUENTE DE ESGOTO PARA USO AGRÍCOLA

Os critérios de tratamento para reúso agrícola são distintos daqueles estabelecidos para a descarga emefluentes líquidos em corpos de água, que tem como objetivos do tratamento de esgotos, a remoção de sólidossuspensos, compostos orgânicos e organismos patogênicos. Para o reúso agrícola é importante que osefluentes tratados tenham concentrações significativas de matéria orgânica e o máximo possível dosnutrientes e micronutrientes contidos no esgoto bruto. Pearson (1986) apresenta os padrões para efluentesnormalmente utilizados para irrigação em termos de DBO e coliformes fecais (tabela 6).

PROCESSOS DE TRATAMENTO DE ESGOTO PARA REMOÇÃO DE ORGANISMOSPATOGÊNICOS

A tabela 7, sumariza a informação disponível sobre a remoção de bactérias e helmintos presentes em esgotosdomésticos por diversos sistemas de tratamento, indicando onde as diretrizes da Organização da Saúde, parairrigação irrestrita (categoria A da tabela 3) podem ser atendidas.

A análise da tabela 7 leva a concluir que, em países de clima predominantemente quente, como o Brasil, atecnologia mais adequada para o tratamento de efluentes para o uso agrícola são as lagoas de estabilização.Lagoas em série constituídas por unidades anaeróbias, facultativas e de maturação

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com tempos de detenção hidráulicos médios de 10 a 30 dias (dependendo da temperatura) podem serprojetadas para atender às diretrizes da Organização Mundial de Saúde, tanto para coliformes fecais comopara helmintos.

Tabela 6: Padrão do Efluente Irrigação Recomendado para Irrigação.Método de reúso DBO5

(mg/l)Coliformes fecais

(NMP/100 ml)

Irrigação de árvores, algodão e outrasplantações não comestíveis

60 50.000

Irrigação de citricultura, forragens ecastanhas

45 10.000

Irrigação de cana de açúcar, campos deesportes, vegetais que não necessitam decozimento*

35 1.000

Irrigação irrestrita, incluindo parques egramados

25 100

* A irrigação deve ser interrompida duas semanas antes da colheita; além disso, nenhuma fruta deve ser pegado chão.** As concentrações de DBO5 e coliformes fecais não devem exceder em 80% das amostras.Fonte: Pearson (1986).

CARACTERÍSTICAS AGRONÔMICAS DOS EFLUENTES DE ETES

As características dos esgotos estão associadas ao processo de tratamento empregado. De modo geral,processos biológicos de tratamento bem operados podem alcançar eficiências de remoção de matéria orgânicae sólidos em suspensão da ordem de 90%. Quanto aos macronutrientes, em alguns processos, nitrogênio eyfósforo poderão ser transformados, por exemplo através da nitrificação em processos aeróbios edesnitrificação em processos anaeróbios. Entretanto, sólidos e sais dissolvidos praticamente não sãoremovidos por processos convencionais de tratamento.A tabela 8 são apresenta as características típicas do esgoto bruto, efluentes primários, efluentes secundários elagoas de estabilização. Pelo que se observa na tabela 8, os efluentes de ETEs contêm macro emicronutrientes. Quanto aos macronutrientes principais, os efluentes contêm cerca de 30 mg/l de nitrogêniototal, 14 mg/l de fósforo e 30 mg/l de potássio. Também contêm micronutrientes como, cobre, zinco,manganês, boro, molibdênio e cloro. Em se tratando de esgotos domésticos, o metais pesados estão bemabaixo das concentrações recomendadas para águas de irrigação, apresentada na tabela 9.

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Tabela 7: Remoção de Organismos Patogênicos em Sistemas de Tratamento de Esgotos.

TratamentoRemoção (log10)

bactériasHelmintos Vírus Cistos

Sedimentação primária :

Simples 0-1 0-2 0-1 0-1

Com coagulantes 1-2 1-3(f) 0-1 0-1

Lodos ativados(a) 0-2 0-2 0-1 0-1

Filtro biológico(a) 0-2 0-2 0-1 0-1

Lagoa aerada(b) 1-2 1-3 1-2 0-1

Valo de oxidação(a) 1-2 0-2 1-2 0-1

Desinfecção(c) 2-6(f) 0-1 0-4 0-3

Lagoa de estabilização(d) 1-6(f) 1-3(f) 1-4 1-4

Reservatórios de acumulação(e) 1-6(f) 1-3(f) 1-4 1-4

a Incluindo decantador secundário.b Incluída lagoa de sedimentação.c Cloração ou ozonização.d A eficiência depende do número de unidades em série e outros fatores ambientais.e A eficiência depende do tempo de detenção.f Com projeto e operação adequados as diretrizes para irrigação irrestrita podem ser atendidas.Fonte: Hespanhol (1999).

Tabela 8: Caracterização de efluentes de esgotos para o uso agrícolaParâmetro Esgoto bruto Efluente primário Efluente secundário Efluente de lagoa

de estabilizaçãoPH 7,0 6,8 6,6 8,2N total (mg/l) 35 - 70 47,4 34,9 30,2P total (mg/l) 5 - 25 10,9 14,0 14,6K (mg/l) - 31,4 32,7 36,8Ca (mg/l) - 54,6 55,6 74,0Mg (mg/l) - 34,5 34,9 32,2RAS - 6,2 5,9 3,2Cu (mg/l) - <10-100 <10-100 30Mn (mg/l) - - - 13,2Mo (mg/l) - <2,0-3,1 <2,0-2,7 -Cl (mg/l) 20 - 50 155 155 166,9Zn (mg/l) - 20 30 60-570B (mg/l) - 1,1 1,2 1,5

Fonte: Adaptado de Bastos (1999).

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Tabela 9: Concentração Máxima de Elementos Químicos em Águas para Irrigação.

ElementoMáxima ConcentraçãoRecomendada (mg/l)

Observação

Al(alumínio)

5,0

Pode causar improdutividade emsolos ácidos (pH<5,5) mas emsolos mais alcalinos (pH>5,5)precipitarão o íon e eliminarãoqualquer toxicidade.

As(arsênio)

0,10

A toxicidade para plantas variaamplamente situando-se entre 12mg/l para pastagem até 0,5 mg/lpara arroz .

Be(berílio)

0,10

A toxicidade para plantas variaamplamente situando-se entre 5mg/l para couve até 0,5 mg/l parao feijão

Cd(cádmio)

0,010

Tóxico para feijão, beterraba e,nabo em concentrações tãopequenas quanto 0,1 mg/l emsolução nutriente. Limitesconservativos são recomendadosdevido ao efeito cumulativo emplantas e no solo, paraconcentrações que possam sernocivas aos humanos.

Co( cobalto)

0,050

Tóxico para plantações de tomateem concentrações maiores que 0,1mg/l em solução com nutrientes.Sua toxicidade tende a ser anuladaem solos neutros ou alcalinos.

Cr(cromo)

0,10

Limites conservativos sãorecomendados devido à ausênciade conhecimento de sua toxicidadeem plantas.

Cu(cobre)

0,20

Tóxico para várias plantas emconcentrações variando de 0,1mg/l até 1,0 mg/l em soluçãonutriente.

F(flúor)

1,0Inativo em solos neutros oualcalinos.

Fe(ferro)

5,0

Não tóxico em solos arejados, maspode contribuir para acidificação eperda da disponibilidade de fósforoe molibdênio.Se a irrigação for por aspersão, osequipamentos e a plantação podemadquirir má aparência.

Li(lítio)

2,5

Tolerado por várias plantaçõespara concentrações acima de 5mg/l. Tóxico para plantas cítricasem níveis inferiores a 0,075 mg/l.Atua similarmente ao boro.

Mn(manganês)

0,20Tóxico para várias plantações apartir de pequenas concentrações,mas usualmente em solos ácidos.

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Mo(molibdênio)

0,010Pode ser tóxico para o gado se aforragem for plantada em solo comaltos níveis de molibdênio.

Ni(níquel)

0,20

Tóxico para várias plantas emconcentrações de 0,5 mg/l a 1,0mg/l, tendo sua toxicidadereduzida para pH alcalino ouneutro.

Pb(chumbo)

5,0Em altas concentrações pode inibiro crescimento de células vegetais.

Se(selênio)

0,020

Tóxico para plantas emconcentrações tão baixas quanto0,025 mg/l e tóxico para o gado sea forragem foi plantada em soloscom altas concentrações deselênio. É essencial para osanimais, mas em baixasconcentrações.

Sn(estanho)

-Não se conhecem tolerânciasespecíficas para plantas.

V(vanádio)

0,10Tóxico para algumas plantas embaixas concentrações.

Zn(zinco)

2,0

Tóxico para algumas plantas emvárias concentrações;Toxicidade reduzida para pH>6,0e em solos com fina textura ouconsiderados orgânicos.

Fonte: Metcalf & Eddy (1991).

DESINFECÇÃO DE EFLUENTES DE ETES

Em estações de tratamento de esgotos, índices de remoção de 80 a 90% de contaminantes físico-químicos sãoconsiderados importantes, no entanto, para o caso de microrganismos, tais valores podem não ser suficientes,pois as contagens de organismos são muito elevadas. Por exemplo, os esgoto brutos contêm cerca de 108

coliformes fecais por 100 mililitros e apesar da remoção de 90% em estação de tratamento, ainda restaria 107

coliformes e nesse caso, a remoção não seria significativa.

Para atingir as diretrizes de reúso irrestrito em culturas agrícolas, a OMS recomenda que o efluente de esgototenha menos do que 1.000 coliformes fecais por 100 mililitros, portanto, haverá a necessidade de remoção de5 unidades log10 para atingir esses valores, o que poderá ser obtido através de tratamento por lagoas deestabilização e/ou desinfecção dos efluentes do tratamento. As lagoas de estabilização são processos naturaisde desinfecção de baixo custo, com eficiência comparável ao cloro, mas sem apresentar a potencialidade deformação de subprodutos prejudiciais e manutenção de residuais, que poderiam afetar a reutilização dosefluentes tratados ou a vida no corpo receptor, mas demandam grandes áreas que nem sempre sãodisponíveis.

Os principais processos de desinfecção de efluentes de ETEs para o uso agrícola são: radiação ultravioleta,cloro, ozonização e ácido peracético. A seguir são apresentados algumas considerações a respeito dessesprocessos de desinfecção:

• CloroA cloração constitui no método de desinfecção de efluentes de ETEs mais utilizados, em praticamente todasas partes do mundo, devido ao seu custo relativamente reduzido e razoável eficiência germicida. Entretanto, a

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desinfecção com cloro pode gerar residual que, mesmo em baixa concentração, tem efeito tóxico à vidaaquática, apresentando ainda, subprodutos cancerígenos, como por exemplo, os organoclorados. Para Metcalf& Eddy (1991), a desinfecção de efluentes de lodos ativados requer a aplicação de doses de cloro entre 2 e 8mg/l, e para efluentes de reatores anaeróbios que apresentam altas concentrações de sólidos e amônia, adesinfecção requer a aplicação de cerca de 15 mg/l de cloro (Gasi et al, 1988). Para Johnson et al (1979),desinfetar efluentes de lagoas de estabilização com grandes concentrações de sólidos em suspensão devido apresença de algas, requer concentrações de cloro residual de 0,5 a 1,0 mg/l e tempos de contato de 50minutos.

• OzonizaçãoO ozônio apresenta eficiência comparável ao cloro e não mantém residual com ação desinfetante, o que évantajoso no caso específico de desinfecção de esgotos sanitários. Por ser um oxidante forte, pode gerar váriossubprodutos pela quebra de moléculas orgânicas complexas, os quais podem ser potencialmente cancerígenos.Os custos envolvidos, neste caso, são muito superiores àqueles correspondentes ao uso do cloro (Daniel &Campos, 1992).

• Radiação ultravioletaA radiação ultravioleta é um método de desinfecção com eficiência superior ao cloro e com a vantagem denão gerar subprodutos indesejáveis e não manter residual que poderia afetar o equilíbrio do ecossistema noqual o efluente está sendo lançado. A inativação dos microrganismos ocorre a nível cromossômico, pois aradiação ultravioleta que atinge o DNA gera dímeros de pirimidina que impedem a duplicação normal dosmicrorganismos. As lâmpadas de baixa pressão de vapor de mercúrio são a principal fonte de radiaçãoultravioleta utilizada para desinfecção. A dose mínima de radiação é normalmente fixada em 16 mWs/cm2.Este valor foi determinado em laboratório com o objetivo de inativar 99,999% de Escherichi coli. Doses de30 a 40 mWs/cm2 são mais apropriadas, particularmente quando é necessário inativar virus (Daniel &Campos, 1991).

• Ácido peracéticoO ácido peracético é formado pela reação de ácido acético e peróxido de hidrogênio, sendo um líquidoincolor, com odor acre e irritante, e explode, quando aquecido acima de 110o C. A toxidade aguda do ácidoperacético é baixa, não havendo registro na literatura de que o ácido peracético possa ser cancerígeno ouapresentar toxicidade na reprodução e desenvolvimento humano. As informações disponíveis na literaturasão, em maioria, sobre a desinfecção de esgotos sanitários. Gasi et al (1995) desinfetaram efluentes de lodosativados empregando ácido peracético em dosagens de 5 mg/l e tempo de contato de 27 minutos, obtendoremoção de 99,98%, 99,40% e 96% de coliformes totais, coliformes fecais e colifagos, respectivamente. Alémdisso, verificaram que a aplicação de ácido peracético oxida a matéria orgânica, removendo em média 22,5%de DBO do efluente de lodos ativados.

APLICAÇÃO DOS EFLUENTES DE ETES EM CULTURAS AGRÍCOLAS

QUALIDADE DA ÁGUA DE IRRIGAÇÃO

A água para irrigação deve obedecer a determinados critérios de qualidade que visem a preservação daqualidade das culturas e dos níveis de produção, a preservação do solo agrícola e a proteção da saúde públicado consumidor, principalmente no que se refere a vegetais que possam ser ingeridos sem cozimento. Para airrigação, um dos aspectos mais importantes é o teor de sais presentes na água, os quais se acumulam no soloou são absorvidos pelas plantas ou evaporam. Os principais problemas associados à qualidade da água parairrigação são a salinidade, redução da infiltração de água no solo e toxicidade de íons específicos. (Bastos,1999)

• SalinidadeUma concetração elevada de sais dissolvidos provoca um aumento de pressão osmótica impedindo as plantasde assimilar água. A salinidade excessiva no nível da zona da raiz, ocasiona sucessivamente a queima dasfolhas, impede o crescimento e ocasiona a destruição das plantas. Assim, tanto o crescimento como aprodutividade decrescem quando a salinidade da água de irrigação ultrapassa determinados limites. Até um

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máximo de 1.000 mg/l os efeitos salinos são praticamente negligíveis. Entretanto, acima de 5.000 mg/lapenas algumas culturas bastante tolerantes apresentam boa produtividade. (Tsutiya, 1978)

• Infiltração de águaAlta salinidade aumenta a velocidade de infiltração da água, inversamente, baixa salinidade reduz acapacidade de infiltração. Os problemas de infiltração associados aos altos teores de sódio são avaliados pelamedida da relação de adsorção de sódio (RAS), que leva em conta o excesso de sódio em relação ao cálcio emagnésio.

• ToxidadeOs íons mais tóxicos são o cloreto, o sódio e o boro. Uma vez absorvidos tendem a se acumular nas folhasdurante o processo de transpiração, causando danos como queimaduras e queda de rendimento. O sódio ecloreto podem também ser absorvidos diretamente pelas folhas durante a irrigação por aspersão. Diferentesculturas apresentam ainda tolerância variada ao excesso de nitrogênio, que pode provocar inclusivecrescimento vegetativo, porém com queda de qualidade do produto.

TÉCNICAS DE IRRIGAÇÃO DE EFLUENTES DE ETES

A aplicação de esgotos tratados pode ser efetuada através dos seguintes métodos básicos de irrigação:• Inundação – consiste na cobertura de toda a área cultivada com um lençol d’água com uma determinada

espessura, que é função do tipo de solo e da cultura;• Sulcos e canais – o efluente é distribuído através dos canais e se infiltra no solo, molhando apenas uma

pequena parte da superfície do solo;• Aspersores – o efluente é aplicado em tubulações sob pressão, dispostas no solo, e aspergido através de

bocais especiais sobre o terreno, fazendo com que o solo e as culturas sejam molhados de maneirasemelhante ao que ocorre durante as chuvas;

• Irrigação subsuperficial – apenas uma pequena porção do solo é molhada, mas permitindo a saturação dosubsolo;

• Irrigação por gotejamento – irrigação localizada, na qual a água é aplicada a cada planta,individualmente.

Cada um desses métodos de irrigação implica em diferentes riscos de saúde pública para os grupos de risco,diferentes custos e diferentes eficiências no uso da água aplicada. A tabela 10 relaciona todos esses fatores eserve como base para levantar os benefícos e custos associados a cada método de irrigação.

Tabela 10: Escolha dos Métodos de Irrigação para os Efluentes de ETEsMétodo de irrigação Fatores que afetam a escolha Medidas protetivas necessáriasInundação Menores custos

Não é necessário nivelamentopreciso do terreno

Proteção completa para operários agrícolas,consumidores e manuseadores de culturas

Sulcos Custo baixoNivelamento pode sernecessário

Proteção para operários agrícolasPossivelmente necessária para consumidores emanuseadores de culturas

Aspersores Eficiência média do uso daágua

Algumas culturas da categoria B, principalmenteárvores frutíferas são excluídasDistância mínima de 100 metros de casas e estradas

Subsuperficial oulocalizada

Custos elevadosElevada eficiência do uso daáguaAlta produtividade agrícola

Filtração para evitar entupimentos de orifícios(exceto no caso de irrigação por “bubbles”)

Fonte: Hespanhol (1999).

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CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

• O uso agrícola de efluentes das estações de tratamento de esgotos é um importante elemento das políticase estratégias de gestão de recursos hídricos, pois uma política criteriosa de reúso, transforma aproblemática poluidora e agressiva dos esgotos, em um recurso econômico.

• A fertirrigação com esgotos sanitários tratados irá proporcionar uma economia significativa defertilizantes, além de aliviar a demanda e preservar a oferta de água. A sua aplicação com os devidoscuidados e vencidas as resistências de natureza cultural, o reúso agrícola apresenta-se como uma soluçãosanitariamente segura, economicamente viável e ambientalmente sustentável.

• Recomenda-se que os governos estaduais e federais iniciem processos de gestão para estabelecer basespolíticas, legais e institucionais para o reúso, tanto ao uso de efluentes, como aos planos estaduais ounacionais de recursos hídricos.

• O conhecimento acumulado sobre a utilização agrícola de efluentes de ETEs no Brasil ainda é pequeno,o que torna premente a necessidade de pesquisas e ações na direção de reúso controlado, incluindo suaregulamentação.

• A tecnologia mais adequada para o tratamento de esgotos para o uso agrícola, são as lagoas deestabilização. A SABESP opera cerca de 195 lagoas de estabilização no Interior do Estado de São Paulo,cuja vazão representa aproximadamente 3% do total de água de irrigação previsto para o Estado SãoPaulo, e poderá irrigar cerca de 15.000 hectares.

• Os efluentes das ETEs contêm matéria orgânica e macro e micronutrientes. Quanto ao macronutrientes,os efluentes contêm cerca de 30 g/m3 de nitrogênio total, 14 g/m3 de fósforo e 30 g/m3 de potássio. Em setratando de esgotos domésticos, os metais pesados não constituem problemas para a aplicação agrícola, eos micronutrientes provavelmente estarão em concentração abaixo dos teores tóxicos e acima dademanda nutricional da maioria das culturas.

• A principal limitação do uso agrícola dos efluentes de ETEs, refere-se a qualidade microbiológica daságuas residuárias, pois os esgotos sanitários podem veicular os mais variados microrganismospatogênicos, como os vírus, bactérias, protozoários e helmintos. Para o reúso agrícola é imprescindívelque se obedeça as diretrizes microbiológicas, como o da Organização Mundial de Saúde.

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