Uso de Música no Telejornalismo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES Mestrado em Multimeios

O USO DE MSICA NO TELEJORNALISMO Anlise dos quatro telejornais transmitidos em rede pela TV Globo Marcos Patrizzi Luporini

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre, sob a orientao do Prof. Claudiney Carrasco

Campinas 2007

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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMPBibliotecrio: Helena Joana Flipsen CRB-8 / 5283

Luporini, Marcos Patrizzi. L973u O uso de msica o telejornalismo : anlise dos quatro telejornais transmitidos em rede pela TV Globo / Marcos Patrizzi Luporini. -- Campinas, SP : [s.n.], 2007.

Orientador: Claudiney Rodrigues Carrasco.

Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. 1. Telejornalismo. 2. Msica. 3. Televiso. I. Carrasco, Claudiney Rodrigues. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Ttulo. Ttulo e subttulo em ingls: The use of music in news broadcast : na analysis of the four news programs of TV Globo. Palavras-chave em ingls (Keywords): News broadcasts, Music, Television. Titulao: Mestre em Multimeios. Banca examinadora: Antonio Fernando da Conceio Passos, Jos Roberto Zan. Data da Defesa: 09-02-2007. Programa de Ps-Graduao em Multimeios.

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Agradecimentos Ao Prof. Dr. Claudiney Rodrigues Carrasco que, mais que um orientador, foi um incentivador e um amigo. Aos professores Ferno Pessoa Ramos, Nuno Csar de Abreu e Jos Roberto Zan pela preciosa colaborao. Rede Globo que me abriu as portas e ofereceu total liberdade para a busca das informaes que guiaram esta pesquisa. Aos maestros Aluzio Didier, Luiz Avellar e Leonardo Matsumoto pela presteza e ateno. A todos os profissionais da Rede Globo que forneceram as informaes que ajudaram a compor esta dissertao.

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Esta forma exageradamente correta de ligar os acontecimentos geralmente faz com que os mesmo sejam forados a se ajustar arbitrariamente, obedecendo a uma determinada noo abstrata de ordem. E, mesmo quando no isso o que acontece, mesmo quando o enredo determinado pelos personagens, constata-se que a lgica das ligaes fundamenta-se numa interpretao simplista da complexidade da existncia. Andrei Tarkovsky

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Resumo A pesquisa aqui apresentada tem por objetivo oferecer uma primeira anlise acerca da utilizao da msica nos quatro telejornais dirios exibidos em rede nacional pela Rede Globo, tanto no que diz respeito s aberturas e vinhetas que compem a roupagem dos telejornais, como na sonorizao das reportagens. Para tanto, a pesquisa se dividiu em uma primeira abordagem histrica do desenvolvimento do jornalismo audiovisual no Brasil, para, a partir dessa compreenso histrica, buscar entender os procedimentos atuais na insero de msica nos telejornais englobados, sempre tendo como ponto de partida a prxis interna da produo desses telejornais.

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Abstract The purpose of this dissertation is to analyse the usage of music in four TV news programs daily broadcasted nationwide by Rede Globo. By looking into their opennings and headnews as well as the sound tracks used during the main news reports, the research sheds some light on the editorial procedures utilized to decide on the most appropriate sound track to accompany the news. The dissertation presents a historical research on the development of the audiovisual journalism in Brazil which served as a starting point for understanding the usage of music in the production of TV broadcasted news.

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Siglas das instituies citadas ECAD: o Escritrio Central de Arrecadao e Distribuio (ECAD) uma sociedade civil, de natureza privada, instituda pela Lei Federal n 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira 9.610/98. (http://www.ecad.org.br/ViewController/Publico/conteudo.aspx?codigo=16) ABEM: Criada em 1973, a Associao Brasileira dos Editores de Msica - ABEM, uma associao civil sem fins lucrativos, regida por seu estatuto social e pelas disposies legais aplicveis, composta em sua maioria por empresas editoras musicais. (http://www.abem.com.br/) ABER: A Associao Brasileira de Editoras Reunidas uma associao civil, sem fins lucrativos, fundada em 21 de setembro de 2001, com sede na Cidade do Rio de Janeiro, Rua Jardim Botnico, 674/213, Estado do Rio de Janeiro, e que tem em seu quadro social editoras de msica legalmente estabelecidas no pas, cujos objetivos precpuos so os de representar e defender os interesses de seus associados no apenas perante entidades e empresas privadas, civis ou comerciais, celebrando Convnios, Acordos e Contratos, como tambm perante Reparties Pblicas; e ainda, em juzo ou fora dele; e manter intercmbio cultural. (http://www.aberbrasil.com.br/)

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Sumrio Introduo..........................................................................................................................1 Consideraes Iniciais.......................................................................................................3 Metodologia........................................................................................................................6

Parte 1 O incio do jornalismo audiovisual no Brasil 1.1 Os primrdios do cinejornalismo................................................................................7 1.2 As formas do cinejornal com base em suas limitaes tcnicas..............................13

Parte 2 O incio do jornalismo eletrnico.....................................................................15 2.1 O desenvolvimento do rdio........................................................................................15 2.2 O surgimento da TV.....................................................................................................19 2.3 Os primeiros telejornais...............................................................................................22 2.3.1 Imagens do Dia e Telenotcias Panair......................................................22 2.3.2 O Reprter Esso........................................................................................23 2.3.3 A TV Excelsior e o Jornal de Vanguarda................................................26

Parte 3 A entrada da TV Globo e o telejornalismo em rede 3.1 A Rede Globo................................................................................................................29 3.2 O Jornal Nacional e o jornalismo em rede................................................................33 3.3 A linguagem inaugurada pelo Jornal Nacional.........................................................36 3.4 A msica no incio do Jornal Nacional.......................................................................39

Parte 4 A udio nos telejornais atuais da Rede Globo 4.1 Rudos...........................................................................................................................40 4.2 Msica...........................................................................................................................43 4.3 Hierarquia na aprovao das trilhas musicais..........................................................44 4.4 Direitos Autorais..........................................................................................................49 4.4.1 Direitos Autorais na Sincronizao de Obras Musicais..........................49 4.4.2 Os Direitos Conexos na Execuo de Obras Musicais...........................51

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4.4.3 O Fair-Use.............................................................................................52 4.4.4 A Questo do Domnio Pblico.............................................................52 4.4.5 Os acordos da TV Globo........................................................................53 4.4.6 Os Direitos Autorais sobre as Msicas Tema dos Telejornais...............54 4.4.7 A Globo Internacional............................................................................55 4.4.8 Matrias Importadas Prontas..................................................................56

Parte 5 Os telejornais da pesquisa................................................................................57 5.1 Bom Dia Brasil.............................................................................................................58 5.1.1 Linha Editorial........................................................................................58 5.1.2 Cotidiano.................................................................................................60 5.1.3 Forma e Esttica......................................................................................61 5.1.4 Msica tema.............................................................................................62 5.1.5 Msicas internas......................................................................................65 5.1.6 Reportagens..............................................................................................66 5.1.7 Anlise de reportagens do Bom Dia Brasil..............................................67 Arte na Mesa: Uma torta com sabor da msica de Moza...............67 Salvem as Bromlias.......................................................................71 5.2 Jornal Hoje...................................................................................................................74 5.2.1 Linha Editorial........................................................................................74 5.2.2 Cotidiano.................................................................................................75 5.2.3 Forma e Esttica......................................................................................77 5.2.4 Msica tema............................................................................................78 5.2.5 Msicas internas......................................................................................80 5.2.6 Reportagens..............................................................................................81 5.2.7 Anlise de reportagens do Jornal Hoje.....................................................82 Mercado de trabalho: empregados domsticos...............................82 Hoje em Famlia: hipertenso infantil............................................88 5.3 Jornal Nacional...........................................................................................................96 5.3.1 Linha Editorial........................................................................................97

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5.3.2 Cotidiano................................................................................................98 5.3.3 Forma e Esttica.....................................................................................99 5.3.4 Abertura................................................................................................100 5.3.5 Msica tema..........................................................................................100 5.3.6 Msicas internas...................................................................................104 5.3.7 Reportagens...........................................................................................104 5.3.8 Anlise de reportagens do Jornal Nacional...........................................106 Caravana JN: os desejos dos eleitores na capital do Amazonas..106 Caravana JN: o desejo de futuro no meio do Pantanal................110 Nota coberta sobre a Feira de Caruaru........................................114 Um campeonato de imagens incomuns.......................................116 5.3.9 Planto do Jornal Nacional..................................................................116 5.4 Jornal da Globo.........................................................................................................119 5.4.1 Linha Editorial.....................................................................................119 5.4.2 Cotidiano..............................................................................................121 5.4.3 Forma e Esttica..................................................................................122 5.4.4 Msica tema.........................................................................................123 5.4.5 Msicas internas..................................................................................125 5.4.6 Reportagens..........................................................................................125 5.4.7 Anlise de reportagens do Jornal da Globo..........................................126 Os 7 Pecados Capitais na Poltica - Luxria...............................126 Mapa do Emprego Indstria Ferroviria..................................136 B.B. King est em So Paulo.......................................................148 Feira de Caruaru patrimnio cultural imaterial do Brasil.........154 Concluso.........................................................................................................................158 Bibliografia.......................................................................................................................163 Anexos Anexo I: Entrevista com Aluzio Didier maestro contratado da Globo RJ.........167 Anexo II: Entrevista com Erick Bretas editor-chefe do Jornal da Globo...........180 Anexo III: Entrevista com Berenice Sofiete Escritrio de Direitos Autorais.....190

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Anexo IV: Entrevista com Luiz Avellar maestro da Globo.................................198 Anexo V: Entrevista com Luciana Canto- Editora do Bom Dia Brasil.................202 Anexo VI: Entrevista com Teresa Garcia Editora-chefe do Jornal Hoje.............211 Anexo VII: Entrevista com Leonardo Matsumoto maestro da Globo SP............222 Anexo VIII: Elementos do telejornal......................................................................228 Anexo IX: CD-Rom com exemplos audiovisuais...................................................233

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Introduo Esta pesquisa tem por objetivo principal identificar padres no uso de msica no telejornalismo brasileiro a partir do estudo da prtica de sua produo atual. Este estudo, que se situa no delicado encontro entre a informao e o entretenimento televisivo, muitas vezes levanta questes outras tais como a tica jornalstica, a busca da verossimilhana pela TV, o cruzamento da fico com o jornalismo, a aproximao com o documentrio, o uso da notcia como fora poltica, o recorte da realidade pelo audiovisual, a relao entre a televiso e a sociedade, a criao de uma identidade nacional, a subjetivao de assuntos coletivos, mas, por uma questo prtica, nenhum destes temas ser aprofundado, ainda que, vez por outra, eles sejam abordados. Ao pesquisar assunto proposto como objetivo principal, foi possvel perceber que muito pouco se estudou sobre ele e que, quando este foi tocado, sempre foi de maneira superficial e como um parmetro envolvido em uma srie de fatores de carter scio-cultural. Explicando melhor, a msica no telejornalismo brasileiro nunca foi estudada de forma independente, entendida como um elemento que costuma obedecer tambm a convenes prprias e que, com o desenvolvimento do jornalismo televisivo, estabeleceu para si normas prticas e estticas que so reconhecveis. A pesquisa que se segue, portanto, ir levantar exatamente estas normas partindo da anlise da produo telejornalstica atual. Apesar deste carter prtico e contemporneo, a primeira parte da pesquisa procura fazer um breve levantamento histrico do jornalismo audiovisual brasileiro, partindo desde as primeiras experincias com o cinejornal em 1912, passando pelo surgimento do rdio e sua influncia no surgimento da televiso, os primrdios do telejornalismo, o marcante Reprter Esso e, por fim, o surgimento da TV Globo e do Jornal Nacional que, no entender desta pesquisa, foi o formador dos paradigmas do telejornalismo brasileiro atual. Esta abordagem inicial, alm de trazer referncias sobre o caminho percorrido pelo telejornalismo brasileiro, tenta estabelecer um norte histrico para a compreenso da produo atual. A segunda parte da pesquisa foca-se exclusivamente na produo atual, englobando o maior nmero de fatores possveis, mas com ateno especial para a insero

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da msica dentro da prtica da produo. Apesar de tratar das msicas utilizadas, a pesquisa no se prope fazer uma anlise musical profunda, indo apenas at onde parea o necessrio para apontar padres musicais que sejam identificados, em sua relao com a notcia e com a linguagem audiovisual televisiva.

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Consideraes iniciais Para a anlise dos fatores que possuem influncia direta na utilizao da msica pelo telejornalismo, foi necessria a compreenso primeira de que sua produo se insere no cotidiano da indstria televisiva e que, portanto, faz parte de uma produo em escala.Quando algum deve escrever diariamente tantas notcias quantas permite o espao disponvel, de modo que sejam legveis por um pblico de gostos, classe social e instruo diferentes, em todo um territrio nacional, a liberdade de quem escreve j terminou: os contedos da mensagem dependero no do autor, mas das determinaes tcnicas e sociolgicas do mdia.1

Esta compreenso permite que se faa uma inverso no entendimento da produo telejornalstica, uma vez que passa a ser possvel perceber que a notcia, quase como a fico, surge da necessidade do preenchimento do espao reservado ao jornalismo dentro da grade horria. Ou seja, o que torna um fato uma notcia televisiva no uma suposta importncia intrnseca, mas sim a sua capacidade de compor um quadro que, alm de ter a pretenso de informar, consiga tambm prender a ateno do telespectador.(...) talvez no haja uma medida exata para se afirmar se so as histrias contadas ou o modo de cont-las o que necessariamente torna um fato importante aos olhos do pblico.2

Muito embora seja evidente a contribuio da msica no sentido de criar uma maneira de contar as histrias no telejornalismo, para que o estudo previsto consiga atingir seus objetivos, torna-se necessrio assumir um recorte que deixe de fora aspectos indiscutivelmente interessantes, sem que, para isso, eles sejam ignorados.No caso da televiso, essa seduo exercida pelo contar histrias incrementada pelas possibilidades da linguagem do prprio meio. Dentre muitas, sua nfase na oralidade; a simultaneidade entre o acontecer e sua divulgao, o que torna os relatos mais excitantes porque desconhecidos; a presena da imagem que opera no s como testemunha, mas acrescenta

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ECO, Humberto Viagem na irrealidade cotidiana. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1984. p.166 RONDELLI, Elizabeth. A Realidade e fico no discurso televisivo. 1998 Revista Imagens, no. 8, p. 32

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possibilidades ao olhar que no cabem no relato oral; a possibilidade de aproximao a uma linguagem teatral, em que a performance sempre emerge como ato possvel; o sentido da veracidade trazido pelas cenas ao vivo; os recursos de edio que trabalham som (msica), imagem e presena de narradores distintos em diferentes locais relatando o fato de diversos pontos de vista.3

Neste trecho do texto de Elizabeth Rondelli podemos ter uma noo da complexidade da confeco da notcia. Nas entrevistas feitas para esta pesquisa, foi possvel perceber que profissionais envolvidos diretamente na produo tm a conscincia das imposies e dos limites da linguagem telejornalstica, at em nveis mais elementares.Todo jornalista tem que ter na cabea, para no achar que dono da verdade, que aquilo que ele apresenta no a verdade toda. um recorte da verdade e, como tal, ele est alterando a realidade. (...)Ento, de alguma maneira voc j est transformando aquilo numa fico. Num pequeno documentrio. No sei como chamar isso, mas voc j est adulterando. um recorte da realidade. A trilha tambm pode reforar isso? Pode. Pode aproximar ainda mais de uma fico? Sem dvida que pode. Agora... tico ou no tico fazer isso? Acho que depende do que voc faz.4

Ainda sobre esse cruzamento entre as limitaes prticas, a tica jornalstica e a necessidade da produo do entretenimento, falou Erick Bretas:Superficialidade, eu acho que sempre vai ter. A crtica cobertura superficial, ela recorrente e acho que ela uma coisa irresolvvel(sic). Voc sempre vai ter limitao de espao e de tempo que vai te obrigar a cortar coisas e, s vezes, h coisas que so importantes e o objetivo da gente, dirio, se esforar para no cortar as coisas relevantes para poder dar a solidez ou para voc no vulgarizar. Ainda que popularize, voc no pode vulgarizar.5

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Ibidem p. 33 Luciana Canto em entrevista em novembro de 2006 5 Erick Bretas em entrevista em fevereiro de 2006

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a partir da clareza do envolvimento e da importncia de outros fatores que esta pesquisa toma a liberdade de eleger a msica como seu objeto principal, tendo que, por vezes, deix-los de lado ou em segundo plano sempre tendo a noo de que, acerca do mesmo tema, outros caminhos podem ser seguidos.

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Metodologia Para a realizao desta pesquisa foram feitas duas etapas distintas. Na primeira etapa, foi estabelecida uma delimitao da histria do telejornalismo brasileiro desde as primeiras incurses com o cinejornal. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliogrfica, consultas aos arquivos da Cinemateca Nacional em So Paulo e uma demorada busca por material junto a arquivos da TV Globo (CEDOC). Esta busca mostrou que qualquer estudo a respeito da histria do jornalismo audiovisual brasileiro encontrar srias dificuldades para obteno de material para anlise, uma vez que os arquivos da Excelsior e da Tupi e parte dos arquivos da Globo foram destrudos em consecutivos incndios. Alm disso, era prtica comum a reutilizao de fitas de vdeoteipe para a gravao de novos programas que acabavam sobrepostos aos anteriores. Desta forma, perdeu-se o registro de muito material de importncia histrica e, s a partir do desenvolvimento de procedimentos de arquivamento, que comeou a se formar um corpo de arquivo regular, principalmente por parte da Rede Globo. Na segunda parte da pesquisa, feito um estudo da prtica da insero de msica nos 4 telejornais dirios exibidos em rede pela TV Globo. Para esta etapa foram feitas anlises de material recolhido diretamente junto emissora e em suas transmisses, visitas s Centrais Globo de Jornalismo no Rio de Janeiro em So Paulo, entrevistas com profissionais diretamente envolvidos na produo6 e uma pesquisa bibliogrfica especfica. Deixo o registro de minha surpresa quanto absoluta ausncia de bibliografia especfica sobre a msica no jornalismo. Se, por um lado isso tornou a pesquisa mais excitante e indita, por outro, fez com que esta ficasse mais difcil e desafiadora, uma vez que me obrigou a encontrar o caminho que me pareceu o mais correto com a caminhada j iniciada.

Foram entrevistados: Erick Bretas, editor-chefe do Jornal da Globo; Aluzio Didier, maestro contratado da Globo que comps as msicas temas do Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e fez os arranjos do Jornal Nacional; Luiz Avellar, maestro que comps a msica tema do Jornal Hoje juntamente com Aluzio Didier; Berenice Sofiete, responsvel pelo Escritrio de Direitos Autorais da Rede Globo; Luciana Canto, editora-chefe da sucursal de So Paulo do Bom Dia Brasil; Tereza Garcia, editora-chefe do Jornal Hoje.

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Parte 1 O incio do jornalismo audiovisual no Brasil

1.1 Os primrdios do cinejornalismo Ao assistirmos os telejornais contemporneos, vemos a forma atual do jornalismo audiovisual que comeou seu desenvolvimento bem antes das transmisses televisivas com a criao dos cinejornais, que nada mais eram do que registros em pelcula de eventos de importncia histrica, como, por exemplo, a coroao de reis e rainhas, realizao de grandes obras e alguns fatos curiosos que os ingleses chamariam posteriormente de Travelong.7 Os primeiros cinejornais foram produzidos em 1909 pelos prprios irmos Lumiere que, em 28 de dezembro de 1895 j haviam realizado tambm a primeira projeo comercial de filmes. J nos primrdios do cinejornalismo, houve a percepo que, diferentemente da imprensa escrita e falada, o jornalismo audiovisual poderia destacar-se pela animao, presena e contundncia, resultando disso a montagem de equipes com mltiplos cinegrafistas para as coberturas de grandes eventos e a preocupao com planos e montagens bem estudados e dirigidos. Tambm em seus primrdios, os cinejornais se aproximaram e se misturaram ao poder poltico, provendo cobertura e evidncia a figuras importantes da poca, sempre com a preocupao de encontrar uma forma equilibrada e palatvel ao gosto do espectador que freqentava as salas de projees. Segundo Jos Luis Sas (1986, pg. 28), a montagem de um cinejornal buscava ser amena e gil, misturando temas como esportes, acontecimentos dramticos, catstrofes, trivialidades e, sobretudo, notcias sobre importantes figuras do poder. Na Unio Sovitica, nos Estados Unidos, na Alemanha nazista, na Itlia fascista e na Espanha franquista, para citar os casos mais agudos, os cinejornais foram utilizados fortemente para camuflar propaganda poltica em forma de noticirio, com destaque para a Alemanha que, a partir de 1930, atravs do Ministrio de Propaganda do terceiro Reich, passou a produzir cinejornais com excelente qualidade tcnica que eram traduzidos para dezesseis lnguas e distribudos em todo o mundo. So desta poca os marcantes documentrios O Triunfo da Vontade(1935), sobre o congresso7

VIANNA, Ruth P. A. Histria comparada do telejornalismo: Brasil/Espanha. So Paulo, USP, 2003.

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do Partido Nazista, e Olympia: the festival of beauty, the festival of people.(1938), sobre as Olimpadas de Berlim, ambos dirigidos por Leni Riefenstahl.8 No Brasil, o primeiro registro da produo de um cinejornal data 1912 com o Cine Jornal Brasil9, produzido no Rio de Janeiro pela produtora P. Botelho & Cia. Tratavase de um filme mudo em preto e branco com bitola 35 mm que, segundo dados da produo contidos no arquivo da Cinemateca Brasileira, parece ter sido feito de maneira bastante rudimentar, tendo como operadores os prprios produtores: os irmos Alberto e Paulino Botelho. O lanamento ocorreu em duas salas, Odeon e Parisiense, em primeiro de novembro de 1912. possvel notar atravs da sinopse presente no arquivo deste cinejornal que os temas abordados e a prpria seqncia de montagem remetem forma dos cinejornais desenvolvidos na Europa, numa mistura de esportes, curiosidades, amenidades e destaque figura do ento presidente Hermes da Fonseca.SinopseQuadros": 1. Na matriz da Glria; 2. Taa Seabra, festa esportiva realizada no Ipanema; 3. O momento poltico, caricatura de Raul (Pederneiras); 4. Primeira Semana de Aviao no Rio; 5. O Sr. Presidente da Repblica (Hermes da Fonseca) visita os aviadores no hangar; 6. Garros no seu monoplano Bleriot; 7. Conduzindo o monoplano para o campo de aviao; 8. Vos de fantasia pelos arrojados aviadores Garros; 9. Do Jockey Club a Niteri; 10. Sobre a baa da Guanabara; 11. Evoluo sobre a cidade de Niteri; 12. Do Rio a Terespolis, Garros vencedor do prmio de 50.000.000. (JCB/OESP).10

No h dados que permitam afirmar com absoluta certeza que os irmos Botelho tenham se inspirado no modelo de cinejornal j existente para a realizao dessa primeira empreitada, mas parece evidente que a produo no teve um carterHelene (Leni) Berta Amalie Riefenstahl, nasceu na Alemanha em 1902 e morreu em 2003. Teve seu talento ofuscado por ter seu nome ligado ao nazismo, mas, a partir da dcada de 1990, passou a ser reconhecida como grande diretora e marco da histria do cinema. 9 CINEMATECA BRASILEIRA: banco de dados. Disponvel em: www.cinemateca.gov.br/page.php?id=71. Acesso em: 28 de setembro de 2006 10 Ibidem8

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absolutamente experimental, nem que eles estivessem sem referncias quanto forma e temtica da produo. O estudo desse primeiro perodo de experincias com o cinejornal brasileiro extremamente prejudicado pela ausncia de arquivo de imagens. Freqentes incndios e at inundaes destruram depsitos e transformaram em cinzas boa parte das obras produzidas nesta poca. Causa ou conseqncia dessa falta de material, o cinejornal brasileiro parece no despertar grande interesse entre pesquisadores e, segundo Jean-Claude Bernadet, ...os historiadores no reconhecem que o que sustentou a produo local no foi o filme de fico11. Consultando os arquivos da Cinemateca Nacional possvel verificar o grande volume de produes de cinejornais j desde a dcada de 1910, sendo que h registro que os irmos Botelho produziram 17 cinejornais j no ano de 191212. Baseado nesses nmeros, Bernadet afirma ainda que por maior que fosse a avalanche de filmes importados, os historiadores notam, principalmente no Rio, um certo volume de produo"13 de onde podemos inferir que os produtores tiveram senso de oportunidade e souberam aproveitar a estruturao de salas de exibio comercial que se deu principalmente no Rio de Janeiro e em So Paulo entre 1907 e 1910. Infelizmente, esses primeiros cinejornais foram destrudos em incndios em 1928 e 1932 no Rio de Janeiro e, em seus registros na Cinemateca, constam como filmes desaparecidos. Apesar da produo de cinejornais mostrar certo vigor j nas dcadas de 1910 e 1920, foi no final dos anos 30 que o cinejornalismo brasileiro passou a ganhar fora e receber ateno especial do governo brasileiro, j durante o Estado Novo de Getlio Vargas. Atravs do Departamento Nacional de Propaganda o DNP em 1938, dirigido por Lourival Fontes, grande admirador de Mussolini e do fascismo, o governo brasileiro passou a produzir um cinejornal oficial, o Cine Jornal Brasileiro, seguindo o modelo dos governos totalitaristas europeus. Como o DNP no possua estrutura para a confeco do cinejornal, a Cindia, produtora do amigo ntimo de Vargas, Adhemar Gonzaga, cuidava da

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BERNADET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma histria. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p.28 12 Essa informao baseada exclusivamente no catalogo da Cinemateca Nacional e pode estar sujeito a erros de catalogao. 13 BERNADET, Op. cit, p. 12

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produo e, ao mesmo tempo, foi criada a Distribuidora de Filmes Brasileiros para cuidar da distribuio. J sob a bandeira da integrao nacional, da informao e educao do povo brasileiro, o Cine Jornal Brasileiro possua forte apelo nacionalista e ressaltava as qualidades do pas, de seu povo e, principalmente, de seus governantes. No entanto, a composio temtica continuava a mesma dos primrdios do cinejornal no Brasil, misturando variedades, amenidades, curiosidades, esportes, catstrofes, alguma notcia do estrangeiro e, invariavelmente, boas notcias sobre o poder, como possvel verificar atravs da sinopse do mais antigo registro do arquivo da Cinemateca Brasileira sobre o Cine Jornal Brasileiro, nesta poca produzido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que foi criado em 30 de dezembro de 1939 em substituio ao DNP.Sinopse: Em viagem de frias - Rio: O Embaixador Caffery e sua senhora embarcam para os Estados Unidos ; No Itamarati - Rio: Encerra-se a Conferncia Econmica argentino-Brasileira ; Combustveis do Brasil Rio: Uma experincia com o carvo nacional. ; Exposio das 'Vitrias Rgias' - Rio: Entrega de prmios as autoras dos melhores trabalhos ; No Rio Grande do Sul - Bag: O Interventor Federal visita a Grande Exposio Feira ; Velando pelos operrios - Rio: O Ministro do Trabalho inspeciona o restaurante popular da Praa da Bandeira ; Aeroporto Santos Dumont - Rio: Chegam dos Estados Unidos os aviadores brasileiros ; Depois de percorrer os Estados do Norte - Rio: Chega a esta capital o Chefe da Nao."14

Segundo levantamento feito junto ao arquivo de Imagem e Som da Fundao Oswaldo Cruz e ao arquivo da Cinemateca Brasileira, a durao do Cine Jornal Brasileiro era bastante variada, sendo que a documentao mostra que o mais longo possui 17 minutos e 15 segundo e o mais curto, apenas 39 segundos.

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CINEMATECA BRASILEIRA: banco de dados. Disponvel em: www.cinemateca.gov.br/page.php?id=71. Acesso em: 28 de setembro de 2006

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A partir da dcada de 1930, parece ter havido um aumento significativo nas produes com o surgimento de vrios cinejornais, dentre os quais podemos citar: Sonofilms Jornal, produzido pela Sonofilms S. A., com primeiro registro de 1936; Atualidades Tupi, produzido pela Tupi Filmes com primeiro registro de 1938; Jornal do Ince, produzido pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo, dirigido pelo j bastante estudado Humberto Mauro15 e com primeiro registro de 1939; Guanabara Jornal, produzido pela Guanabara Filmes, com primeiro registro de 1941; Cinelndia Jornal, produzido pela Sonofilms S.A., com primeiro registro de 1943; Jornal na Tela, produzido pela Cinelndia Filmes, com primeiro registro de 1946 16, todos produzidos no Rio de Janeiro. Em So Paulo, j nos anos 20, surgiu o Rossi Atualidades, produzido por Gilberto Rossi que havia decido filmar para o ento governador do estado, Washington Luiz, e foi capaz de instalar uma eficiente estrutura de produo e distribuio que permitia a produo de filmes mais rpida, chegando a exibir noite o que havia sido produzido tarde. Gilberto Rossi conseguiu manter seu cinejornal por cerca de 20 anos17. Tambm em So Paulo, merece destaque o trabalho de Primo Carbonari, que na dcada de 50 criou o cinejornal Amplaviso, totalmente voltado para So Paulo, e permaneceu com sua produo at o final dos anos 70, chegando a beneficiar-se da Lei do Curta18. Fora do eixo Rio de Janeiro-So Paulo, teve carreira destacada o Cine Jornal Actualidades, produzido pela Carrio Filme na cidade de Juiz de Fora em Minas Gerais, com primeiro registro de 1934. O Cine Jornal Brasileiro criado pelo governo de Getlio Vargas significou uma nova ordem na produo nacional. Se, antes, a legislao federal promovia a abertura de espaos para a produo de cinejornais nacionais, a partir de ento, os produtores teriam que enfrentar a desleal concorrncia do estado e seu poder poltico e financeiro. A soluo encontrada por alguns destes produtores foi se transformar em funcionrios pblicos e trabalhar diretamente para o DIP. Este cinejornal significou ainda um passo decisivo doHumberto Mauro, mineiro de Cataguases, destacou-se por sua atuao no INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo) criado em 1936, onde dirigiu mais de 300 filmes. 16 CINEMATECA BRASILEIRA, Op. cit. 17 Infelizmente, no h registro de seus cinejornais na Cinemateca Brasileira, constando l apenas alguns ttulos seus de fico. 18 Lei do Curta: lei federal 6.281/75 de 09 de dezembro de 197515

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Estado Novo em transformar sua presena em algo visvel e palpvel no cotidiano dos cidados urbanos(Souza, 1990, p.180). O Cine Jornal Brasileiro durou de 1938 a 1946 19, quando, com o fim do Estado Novo, mudou de nome para Cine Jornal Informativo20.

Na verdade, h incoerncias quanto a essas datas, sendo que diferentes registros como a Cinemateca Brasileira e o Arquivo de Imagem e Som da Fundao Oswaldo Cruz apresentam datas no coincidentes. 20 O novo governo de Eurico Gaspar Dutra encerrava a criao de seu antecessor, mas no se dava ao luxo de se desfazer da ferramenta de comunicao e propaganda. Ver CD-Rom anexo.

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1.2 As formas do cinejornal com base em suas limitaes tcnicas. Tendo contato com os arquivos da Cinemateca Brasileira, foi possvel notar que a produo dos cinejornais obedecia a uma srie de restries tcnicas impostas pelas dificuldades na produo. Muito raramente era utilizado o udio direto, uma vez que o deslocamento de equipamentos para este tipo de captao tornava a produo cara e pouco gil. Podemos inferir que foi em conseqncia disso que grande parte dos cinejornais foi composta basicamente de imagens acompanhadas de msica e de uma voz over.21 Este tipo de produo possibilita a sincronizao do udio apenas na ps-produo, facilitando tanto a captao quanto a montagem. H ainda a possibilidade deste tipo de esttica ter sido herdada da consolidao da linguagem dos primeiros cinejornais que se desenvolveram ainda na fase do cinema mudo22, mas no encontrei nenhuma entrevista ou material de pesquisa que pudesse corroborar uma hiptese como esta. Como resultado dessas limitaes ou heranas, este tipo de produo apia-se fortemente na textualidade da notcia, utilizando as imagens de maneira ilustrativa. Percebe-se, por fim, que h pouca articulao dramtica em relao trilha musical, que se utiliza basicamente de gravaes e composies prontas, com o intuito principal de dar ritmo e preenchimento do espao sonoro das notcias apresentadas. Este tipo de abordagem inaugura uma modalidade de notcia que hoje conhecido como nota coberta, ou seja, imagens que ilustram a informao dada pela leitura do texto em voz over.23 A perda dos registros dos primeiros cinejornais produzidos antes do advento da sincronizao do udio nas projees, deixou uma lacuna que impossibilita precisar como eram feitas as projees dos mesmos. Nesta poca (lembrando que o primeiro cinejornal brasileiro data de 1912), as projees de cinema mudo eram comumente acompanhadas por um pianista, numa aproximao com a forma dos melodramas do final do sculo XIX, do que podemos deduzir que, seguindo a tradio da presena da msica em projees, os

Ver Cine Jornal Informativo no CD-Rom anexo considerado o incio do cinema falado o filme O Cantor de Jazz de 1927, 15 anos depois do primeiro registro de produo de um cinejornal no Brasil. 23 Ver CD-Rom anexo22

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primeiros cinejornais tenham sido acompanhados por msica ao vivo tocada nas salas comerciais. O Cine Jornal Brasileiro contava com um sistema de distribuio que se revelava ao mesmo tempo poderoso, atrasado e desordenado. Segundo Souza (1990), os cinejornais do DIP possuam presena ostensiva no circuito Rio de Janeiro/So Paulo/Belo Horizonte, porm, fora dele, os filmes chegavam desatualizados, chegando a ter uma defasagem de seis meses em localidades mais afastadas como Salvador e Porto Alegre.

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Parte 2 O incio do jornalismo eletrnico No Brasil, o desenvolvimento da TV se deu apoiado nos quadros profissionais e nos conhecimentos do rdio que, quando do surgimento da TV em 1950, j se encontrava institudo e com sua programao consolidada. Este fenmeno se aplicou tanto dramaturgia quanto ao telejornalismo, sendo que muitos profissionais mostraram-se reticentes em migrar de um veculo ao outro, deixando para trs todo o glamour j conquistado para se lanar em um terreno desconhecido que, no caso brasileiro, no contava com uma indstria audiovisual desenvolvida como nos Estados Unidos que contavam com um cinema forte e consistente. A seguir, ser feita uma breve exposio da histria do incio do rdio no Brasil e de como este se estabeleceu como meio de comunicao de massa para, ento, partirmos para a histria do incio da televiso no pas e de como esta se baseou nos quadros dos programas radiofnicos, em especial no telejornalismo.

2.1 O desenvolvimento do rdio no Brasil Bero dos primeiros profissionais a fazerem telejornalismo quando do incio das transmisses televisivas brasileiras, o rdio no Brasil teve sua primeira transmisso reconhecida oficialmente na abertura da Exposio Comemorativa do Primeiro Centenrio da Independncia do Brasil em setembro de 1922 no Rio de Janeiro, atravs da instalao de uma transmissora no morro do Corcovado que emitiu o discurso do ento presidente Epitcio Pessoa e a execuo da pera O Guarany de Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal.24 O evento fazia parte das comemoraes dos 100 anos da independncia do Brasil e a transmisso repercutiu na imprensa escrita por ter sido considerada um grande sucesso.25 Alguns meses depois, em maio de 1923, no mesmo Rio de Janeiro, Roquete Pinto, juntamente com Henry Morize, funda a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira rdio oficialmente autorizada do Brasil, transmitindo de maneira amadorsticaTINHORO, Jos R. Msica Popular, do Gramofone ao Rdio e TV. So Paulo, tica, 1981 AZEVEDO, Lia C. A participao do rdio no cotidiano da sociedade brasileira (1923-1960) in: Cincia e Opinio. Curitiba, v.1, n2/4 jul. 2003/dez.200425 24

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msicas de discos emprestados e informaes em oraes rebuscadas para um seleto pblico que tinha poder aquisitivo para comprar os aparelhos de rdio que na poca eram todos importados. As finanas eram conduzidas atravs de doaes e mensalidades que entusiastas pagavam, pois a publicidade no era permitida por lei. O crescimento na primeira dcada se deu de forma lenta e foi conduzido por rdios-sociedade26 que no contavam com nenhum esquema comercial para manuteno de suas existncias. Quase uma dcada depois, em 1932, o governo autorizava a veiculao de propagandas no rdio27. Mais que modernizar administrativamente as emissoras de rdio do pas, a insero de publicidade durante a programao significou uma nova abordagem para os programas. O que antes se pretendia erudito, educativo e cultural, passou e ser popular, divertido e ligeiro. Houve tambm a modernizao das rdios atravs de esquemas mais profissionais de administrao e produo, alm da compra de transmissores mais potentes para que o sinal chegasse mais claro a seus ouvintes. Em um Brasil onde a maioria da populao era analfabeta, o rdio rapidamente ganhou importncia e criou uma massa de ouvintes que tinham nele sua principal fonte de informaes e sua fonte formadora de uma imagem nacional, ditando modas e entrando em sintonia com um pas que comeava a se industrializar e carecia de padres para seu desenvolvimento.28 O decreto proposto pelo governo tambm evidenciou a preocupao com a dimenso que o novo meio vinha tomando. Neste mesmo decreto que garantia s rdios o usufruto da publicidade como fonte de renda, o estado garantia para si uma hora diria da programao de todas as rdios do territrio nacional para a transmisso do programa oficial do governo, chamado de Programa Nacional que, em 1939, viria a se chamar a Hora do Brasil. Um dos marcos da histria do rdio brasileiro foi o surgimento da Rdio Nacional no Rio de Janeiro, inaugurada em 1936 e que, em 1940, atravs do Decreto-Lei n 2.073 de Getlio Vargas, foi incorporada s recm-criadas Empresas Incorporadas ao Patrimnio da Unio, passando, portanto a pertencer ao estado. Entretanto, o DIP Departamento de Imprensa e Jornalismo que passou a ser o rgo controlador da Rdio26 27

Rdio-sociedade uma rdio em que seus ouvintes so scios e contribuem para a manuteno da emissora. Decreto n. 21.111, de 1 de maro de 1932 28 ORTRIWANO, Gisela Swetlano. A Informao no rdio. Summus Editorial. So Paulo, 1985, p. 17

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Nacional, no modificou significativamente sua estrutura administrativa, conservando nela um perfil de empresa privada.29 Com uma administrao voltada ao mercado e o apoio estatal, a Rdio Nacional ganhou imensa fora, passando a contar com grandes verbas publicitrias e inaugurou em 1942 a primeira emissora de ondas curtas do pas, tornando a cobertura de sua transmisso nacional. A qualidade tcnica, a competncia de seus profissionais e o apoio estatal transformaram a Rdio Nacional em um modelo a ser seguido. Sua programao apoiava-se principalmente nas telenovelas e nos programas musicais, mas foi tambm a Rdio Nacional que tornou notrio o programa A Hora do Brasil, famoso informativo oficial do estado produzido pelo DIP. A partir de 1945, o rdio no Brasil entra na fase que considerada seu perodo ureo. Empresas multinacionais que entravam no pas tinham no rdio o seu principal meio de divulgao, o barateamento dos aparelhos de recepo aumentou consideravelmente o pblico ouvinte e as radionovelas e os programas musicais alavam condio de estrela seus protagonistas em todo o pas.30 Essas radionovelas e programas musicais seguiam uma receita norte-americana em que os programas participavam de estratgias planejadas por agncias de publicidade para aumentar a venda de determinados produtos.31 Paralelamente a esse glamour artstico, foram surgindo nas rdios outras especialidades que foram aos poucos se firmando na programao, com destaque para o rdio-jornalismo. J na Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, no incio da dcada de 1920, Roquete Pinto tinha o seu Jornal da Manh no qual ele prprio lia e comentava as notcias retiradas diretamente do jornal impresso. Este modelo de rdio-jornalismo foi utilizado durante as duas primeiras dcadas pelas rdios brasileiras, sem que houvesse qualquer adaptao redao das notcias para a criao de uma linguagem radiofnica prpria dos programas noticiosos. O esquema de produo s foi mudado com o incio da Segunda Grande Guerra, quando o imediatismo e urgncia das notcias, aliados ao uso do rdio para propaganda poltico-ideolgica, criou o ambiente propcio para o desenvolvimento de29

SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Snia Virgnia. Rdio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1984 30 GOLDFEDER, Miriam. Por trs das ondas da Rdio Nacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 31 ORTIZ, Renato. A moderna tradio brasileira. Cultura Brasileira e Indstria Cultural. So Paulo; Brasiliense, 1988, p. 44 e 45.

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corpos de jornalistas voltados para a produo especfica de notcias radiofnicas. Esta nova ordem tem como principais representantes o Reprter Esso, que foi ao ar pela primeira vez em agosto de 1941 na Rdio Nacional e o Grande Jornal Falado Tupi, que teve sua edio inaugurau em 3 de abril de 1942. Enquanto o Reprter Esso implementava o modelo da sntese noticiosa que expunha um painel com notcias curtas e diretas produzidas pela United Press International, o Grande Jornal Falado Tupi, comandado por Corifeu de Azevedo Marques, tinha sua editoria mais baseada na tradio do jornal impresso, comeando com as manchetes e apresentando as notcias posteriormente em blocos divididos por assunto, o que o coloca como uma primeira experincia da forma atual dos telejornais. Alm disso, o Grande Jornal Falado Tupi ia ao ar em uma nica edio diria noite, enquanto o Reprter Esso possua vrias edies curtas durante todo o dia. Para efeito desta pesquisa, o Reprter Esso apresenta maior relevncia e possui aspectos importantes que sero abordados mais adiante. O rdio chegava ao final da dcada de 1940 como principal fonte de informao, entretenimento e veculo de formao de costumes na sociedade brasileira. Havia j no ouvinte o hbito, o sincronismo de atitudes ditado pelo horrio da programao que colocava o pas em compasso, consolidando sua posio como meio de comunicao de massa.

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2.2 O surgimento da TV no Brasil A inaugurao da TV Tupi em 18 de setembro de 1950, primeira emissora de TV do Brasil, ocorreu luz do pioneirismo de Assis Chateaubriand, um homem que j havia se envolvido em diferentes empreitadas pioneiras como a introduo de novas espcies bovinas no pas, implantao de aeroclubes e participao decisiva na criao do Museu de Arte de So Paulo. Mas foi a criao do grupo Dirios Associados, que mais tarde viria a se chamar Dirios e Emissoras Associadas, que Assis Chateaubriand comeou sua trajetria rumo criao da TV Tupi. Os Dirios e Emissoras Associadas eram uma rede de jornais e emissoras de rdio que se iniciou com em 1924 com a compra no Rio de Janeiro de O Jornal e foi montado aos poucos, utilizando-se da grande habilidade poltica de Assis Chateaubriand32 que, desde cedo, percebeu a estreita relao que se estabelecia entre o poder e os meios de comunicao. Quando da fundao da TV Tupi, os Dirios e Emissoras associadas j contavam com uma forte rede de comunicao, na qual se destacavam os jornais Dirio de So Paulo e Dirio da Noite, alm de vrias rdios, com destaque para a Rdio Tupi , inaugurada em 1935 com um soberbo espetculo artstico, segundo a imprensa escrita (leia-se jornais dos Dirios e Emissoras Associadas). O grupo envolveu-se ainda em algumas rpidas incurses cinematogrficas atravs da produo de dois filmes de longa metragem em 1948. Sob direo de Oduvaldo Vianna - que dirigira um grande sucesso das telas, Bonequinha de Seda foram produzidos Felicidade e Chuva de Estrelas, com destaque para o segundo que, numa prvia do que seria a televiso brasileira em seus primrdios, aproveitava-se do sucesso de artistas das rdios Difusora e Tupi para sua promoo, dava imagem s vozes j conhecidas e alcanava relativo sucesso junto ao pblico que queria ver os artistas em ao.33 A inaugurao da TV Tupi canal 3 (PRF-3), cuja razo social era Rdio e Televiso Difusora, se deu dentro de um processo de aprendizagem, tanto tcnica quanto artstica. Os recursos eram primrios, com o equipamento mnimo suficiente para manter a estao no ar e a maior parte dos profissionais trabalhando dentro dos conhecimentos que32 33

Assis Chateaubriand foi senador duas vezes, pela Paraba e pelo Maranho. SIMES, Inim. TV Chateaubriand. in COSTA, Alcir Henrique; SIMES, Inim e KHEL, Maria Rita. Um pas no ar: a histria da TV brasileira em trs canais. So Paulo, Brasiliense/FUNARTE, 1986

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haviam adquirido no rdio, no cinema ou no teatro. A ausncia de registros deste programa inaugural parece ter aberto espao para um grande nmero de verses sobre qual teria sido a sua programao. H relativa concordncia quanto a um discurso de abertura realizado pelo prprio Assis Chateaubriand, a execuo de um hino composto especialmente para a ocasio34, a participao da atriz Yara Lins que recitou uma srie de prefixos de rdios da rede da Associadas que transmitiam ao vivo o evento e um espetculo musical como encerramento. Na verdade, este referido evento tratava da inaugurao da programao televisiva que pretendia-se regular.Alguns dias antes, no dia 10 de setembro, havia sido feita uma transmisso experimental de um filme no qual Getlio Vargas falava sobre o seu retorno vida pblica e, ainda anteriormente, dos dias 20 a 26 de julho do mesmo ano, aconteceu a transmisso de um show chamado Vdeo Educativo, realizado no auditrio da Faculdade de Medicina de So Paulo. A partir, ento, de 18 de setembro de 1950, servindo-se principalmente dos profissionais do rdio, a TV Tupi passa a transmitir uma programao regular, propondo-se a entrar no ar s 20 horas e encerrar sua programao s 23 horas. Atrasos e gafes eram constantes, pois todos os programas, assim como as propagandas, eram feitos ao vivo e os profissionais vindos de outras reas passavam por um processo de aprendizagem que se misturava com a prtica. Havia a utopia de fazer um cinema em domiclio, sonho que revelava um total despreparo dos profissionais envolvidos na produo e a ausncia de referncias de linguagens prprias do novo meio de comunicao que surgia. Alm disso, aps todo o envolvimento e esforo com a produo do programa inicial, os diretores da TV Tupi no tinham a definio exata de como seria a programao a partir da. Segundo lvaro Moya35, a televiso brasileira, diferentemente da televiso norte-americana, padeceu de no possuir uma indstria cinematogrfica comercial forte. Se nos Estados Unidos a indstria cinematogrfica de Hollywood logo percebeu que o advento da TV abria um novo mercado para a produo de filmes, no Brasil, a primeira tentativa de um cinema industrial com a Vera Cruz ocorreu concomitantemente com o surgimento da

Segundo o site Histria da TV, o hino foi composto por Marcelo Tupinamb, com letra de Guilherme de Almeida (em http://www.tudosobretv.com.br, acessado no dia 11 de outubro de 2006) 35 lvaro Moya foi o primeiro diretor artstico da TV Excelsior.

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TV. Sem ter uma produo cinematogrfica local da qual se alimentar, toda a programao tinha que ser feita ao vivo. Outra caracterstica marcante do surgimento da TV no Brasil foi a migrao de profissionais j estabelecidos no jornalismo, no teatro e, principalmente, no rdio. A TV Tupi surgiu como um desenvolvimento dos Dirios e Emissoras Associadas e, de maneira natural, houve o reaproveitamento do corpo de profissionais sob contrato. Maurcio Loureiro Gama36 disse que, certa vez, uma mulher o parou na rua para reclamar de sua arrogncia ao falar com ela pela TV. Segundo seu relato, foi a partir da que Loureiro Gama repensou a linguagem do telejornalismo como uma conversa entre o apresentador e o telespectador. A histria da TV Tupi feita de alguns acertos e muitos enganos. Dentre os principais deles, o de no ter se adaptado s novas condies polticas e econmicas que se impunham no decorrer da dcada de 1960. A administrao centralizada e, ao mesmo tempo, pouco profissional de Assis Chateaubriand no cedeu lugar aos anseios do novo governo militar e foi motivo de perseguies. Em 17 de julho de 1980, aps vrios atritos polticos, uma j falida TV Tupi tem sua concesso cassada pelo governo federal, sem chegar a completar 30 anos no ar.

Maurcio Loureiro Gama era jornalista de rdio e foi o apresentador, juntamente com Jos Carlos Moraes, do Edio Extra, primeiro jornal vespertino da TV Tupi.

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2.3 Os primeiros Telejornais

2.3.1 Imagens do Dia e Telenotcias Panair O primeiro telejornal brasileiro foi o Imagens do Dia, que nasceu juntamente com a TV Tupi. Dia 19 de setembro de 1950, um dia aps a inaugurao da emissora, foi ao ar sua primeira edio, apresentada por Ribeiro Filho e com texto e reportagens de Rui Rezende. Apesar de haver certo consenso sobre a data de estria do programa, a ausncia de imagens de arquivo e, por conseqncia, de estudos mais aprofundados sobre o mesmo geram incertezas em relao aos nomes envolvidos na produo37. O que se sabe que o Imagens do Dia era feito de maneira bastante rudimentar, apresentando as notcias atravs de um locutor que as lia em estdio para a cmera com postura e linguagens formais. As imagens, a exemplo do que j ocorria nos cinejornais, apareciam de maneira ilustrativa atravs de pequenos filmes produzidos em 16 mm para o prprio telejornal e projeo de fotos. Para serem transmitidas, as imagens eram projetadas em um anteparo e capturadas diretamente pelas cmeras da emissora, tudo ao vivo. A maior parte das notcias era vinda do noticirio de jornais impressos, pois no havia ainda uma equipe especializada para fazer a cobertura de acontecimentos e a produo apoiava-se no corpo jornalstico dos jornais Dirio de So Paulo e Dirio da Noite (anteriormente j citados). Havia tambm problemas no horrio de exibio do telejornal, uma vez que a entrada do programa ficava sujeita aos imprevistos do restante da programao e de problemas tcnicos, podendo entrar no ar s 21:30 horas, conforme o previsto, ou meia hora depois. Este relativo amadorismo no incio do telejornalismo brasileiro deveu-se tambm pouca importncia dada atrao pela direo da emissora que priorizava a realizao de shows musicais e teleteatro, linguagens que pareciam mais prximas linguagem televisiva. Quanto forma do Imagens do Dia, no foi possvel encontrar uma imagem ou informao sequer, exceto aquelas sobre sua forma de produo. Apesar de ser plausvel admitir que muito da forma deste telejornal veio da dificuldade em produzi-lo, nada possvel afirmar em relao ao uso de msica em sua produo, seja em sua abertura, seja37

Loureiro Gama clama para si a apresentao do primeiro programa.

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durante a apresentao das reportagens. Intuo que houvesse uma abertura musical como herana do radiojornalismo e do cinejornalismo, mas no possuo elementos para dar a informao como verdadeira. O Imagens do Dia permaneceu no ar por aproximadamente um ano, quando, em 1952, foi substitudo pelo Telenotcias Panair que, ao contrrio de seu antecessor, trazia consigo a marca da pontualidade, indo ao ar sempre s 21 horas. Teve vida curta e logo foi substitudo pelo Reprter Esso.

2.3.2 O Reprter Esso O Reprter Esso foi o primeiro grande sucesso telejornalstico da TV brasileira, traduzindo a contento a migrao dos paradigmas radiofnicos para o incio da televiso brasileira. Iniciado na Rdio Nacional em 28 de agosto de 1941, o Reprter Esso, surgiu atravs da solicitao da Esso agncia norte-americana McCann-Erickson que, ento, passou a produzir o telejornal de maneira muito semelhante ao apresentado nos Estados Unidos da Amrica, indo ao ar em trs edies dirias: s 8, s 12:55 e s 22:55 horas. Seu contedo vinha da redao da UPI38 e tinha maior nfase no noticirio internacional.39 Parte de um projeto publicitrio maior da Esso, o Reprter Esso era produzido tambm em outros pases da Amrica do Sul, como Argentina, Chile e Peru. No Brasil, o rdiojornal era apresentado por Heron Domingues que imprimia sua assinatura vocal abertura. O importncia do Reprter Esso dentro do jornalismo eletrnico brasileiro se deve aos novos padres estilsticos que ele introduziu atravs do manual de redao da United Press International. Pelo manual, as notcias deviam ser redigidas respondendo a seis perguntas bsicas: o qu?, quando?, quem?, como?, onde? e por qu? Alm disso, estabelecia normas formais que diziam que as notcias no deveriam tem mais que 30 palavras e, lidas, deveriam durar no mximo 16 segundos, seguindo padres norteamericanos. No Reprter Esso, era obrigatrio o uso de uma linguagem correta, porm38 39

United Press International SQUIRRA, Sebastio. Boris Casoy, o ncora no telejornalismo brasileiro. Petrpolis: Vozes, 1993.

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popular, sempre informando a precedncia da notcia. Tematicamente tambm haviam diretrizes a serem seguidas, pois no eram informados suicdios, crimes hediondos ou desastres que no tivessem grande repercusso na comunidade. Pessoas no eram chamadas pelo seus nomes, com exceo feita quelas de importncia notria. Sempre que um candidato era citado em poca de eleies, os outros candidatos deviam tambm ser citados. Por fim, o jornal no informava sobre tenses sociais ou perturbaes na ordem pblica.40 Alm desse pacote estilstico importado do jornalismo norte-americano, o Reprter Esso tem importncia fundamental nesta pesquisa por ter sido o primeiro jornal eletrnico a utilizar uma abertura musical que conseguiu se estabelecer como marca registrada. Apesar de no ser um jornal com referncias regionalistas, a msica de abertura foi composta nacionalmente com exclusividade, segundo o Dicionrio Cravo Albin de Msica Popular Brasileira41, por Ivan Paulo da Silva, mais conhecido como Maestro Carioca, e executada pela banda do baterista Luciano Perrone, com Francisco Sergio no trombone e Marino Pissiani no trompete . A composio seguia o estilo de uma fanfarra, onde os ataques dos metais imitavam um toque de caixa e no levavam nenhum acompanhamento de seo rtmica42. A voz de Heron Domingues completava a composio. O toque dos metais parecia acrescentar um carter marcial e pico frase dita em alto e bom som, como que com urgncia: Amigo ouvinte, aqui fala o Reprter Esso, testemunha ocular da histria. 43 Em 17 de junho de 1953, concomitantemente com suas transmisses via rdio, o Reprter Esso passa a ser transmitido pela TV Tupi, tendo como apresentadores Antnio Carlos Nobre na Tupi So Paulo posteriormente substitudo por Mario Fanucchi e, finalmente, por Kalil Filho - e Gontijo Teodoro na Tupi Rio de Janeiro. O esquema de produo e contedo continuaram semelhantes ao rdio, com a produo centralizada na40 41

Idem Dicionrio Abin da Msica Popular Brasileira. Disponvel em http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_C&nome=R%E1dio+Nacional - acessado em 06 de julho de 2006 42 A seo rtmica composta pelos instrumentos que so responsveis pela conduo rtmico-harmnica da msica. Normalmente, so eles: o piano ou teclado, a bateria, o baixo, a guitarra e o violo. 43 Ver ltimo programa do Reprter Esso no rdio em CD-Rom anexo

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agncia publicitria McCann-Erickson, fornecimento de notcias da United Press International, composio majoritria de notcias internacionais e redao seguindo o manual de redao da UPI. Apesar de ter sido um marco tambm na histria do telejornalismo, o Reprter Esso televisivo pouco acrescentou forma do telejornal da poca. As notcias eram lidas em estdio contra uma cortina de fundo e eram ilustradas por imagens e fotos que muitas vezes vinham do arquivo da TV, o qual vinha sendo incrementado pelas incurses para captao de imagens em 16 mm44. A inexistncia do vdeo-teipe e das transmisses em ondas curtas obrigavam cada transmissora a produzir seu noticirio ao vivo, sendo que, conforme o Reprter Esso foi ganhando popularidade na televiso, cada cidade passou a possuir o seu apresentador: Luiz Cordeiro em Belo Horizonte, Edson Almeida no Recife, Helmar Hugo em Porto Alegre. O grande legado do Reprter Esso para o telejornalismo foi a inaugurao de um jornalismo organizado para a televiso, j inserindo alguns padres norte-americanos, com durao de 33 minutos e apresentao diria s 19:45 horas, seguindo o padro imposto pela Esso, obedecendo mesma postura cnica e as mesmas intenes de contedo para todas as cidades da Amrica Latina em que era produzido e transmitido. Especificamente no caso brasileiro, o Reprter Esso levou para a TV a inconfundvel fanfarra de abertura do rdio, bem como a adaptao da frase de chamada: Amigo telespectador, aqui fala o Reprter Esso, testemunha ocular da histria. Na televiso brasileira, este sem dvida nenhuma o primeiro caso da consolidao de uma assinatura musical dentro do telejornalismo. A vinheta de abertura era composta por uma animao do tigre mascote da Esso que se apressava para ver as notcias enquanto ao fundo tocava a msica de Maestro Carioca que delimitava o espao da programao para a notcia.45 O Reprter Esso tambm pode ser considerado smbolo de uma poca em que a televiso brasileira vivia de programas de patrocinador, como o Mr. Fisk, "Telenotcias Panair", "Telejornal Bendix", "Reportagem Ducal", "Telejornal Pirelli", "Gincana Kibon", "Sabatina Maizena" e o "Teatrinho Trol. O Reprter Esso espelhava assim as duasAs cmeras utilizadas eram as Aurikon (com udio ptico) ou Bell Howell (sem udio), com filme em 16mm, que funcionavam a corda manual. 45 Ver trecho da abertura em CD-Rom anexo44

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caractersticas mais evidente na fase inicial da TV brasileira: (...) a herana radiofnica e a subordinao total dos programas aos interesses e estratgias dos patrocinadores46. Durante quase 20 anos, o Reprter Esso foi o principal modelo de telejornalismo brasileiro, mas em 31 de dezembro de 1970, foi encerrado sem jamais ter sido transmitido em rede47 e sucumbindo aos novos modelos de jornalismo trazidos pela Rede Globo, em especial pelo Jornal Nacional.

2.3.3 A TV Excelsior e o Jornal de Vanguarda Quando a TV Excelsior entrou no ar em 9 de julho de 1959, fruto de uma empreitada da famlia Simonsen48, a transmisses televisivas brasileiras j se encontravam desenvolvidas e vrias emissoras j haviam estreado suas programaes. Estavam no ar: a TV Tupi do Rio de Janeiro, inaugurada em janeiro de 1951; a TV Paulista, inaugurada em maro de 1952; a TV Record (SP), inaugurada em setembro de 1953; a TV Rio, inaugurada em julho de 1955; a TV Itacolomi (BH), inaugurada em setembro de 1955. Sua programao era basicamente apoiada em jornalismo, sries e filmes estrangeiros. Sua existncia foi marcada por uma conturbada relao com o governo militar devido postura nacionalista imposta pela famlia Simonsen e seu apoio a Jnio e Joo Goulart. Porm, apesar de no ter participado dos primeiros momentos da televiso no Brasil, A TV Excelsior teve grande importncia na definio do modelo seguido pelas emissoras brasileiras, uma vez que implantou conceitos at ento negligenciados pelas outras emissoras e que, a partir de ento, passaram a ser incorporados. Sua programao era pontual, havendo a entrada do mesmo programa, todos os dias mesma hora49. Alm, disso, havia uma seqncia programtica bem estruturada que levava os espectadores a assistirem um programa aps o outro50. A Excelsior tambm provocou um aumento nos pagamentos do mercado de profissionais de televiso, pois, com o apoio financeiro doPRIOLLI, Gabriel. A Tela Pequena no Brasil Grande, in Televiso & Vdeo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p.23 47 Dois anos antes, em 31 de dezembro de 1968, havia sido feita a ltima edio do Reprter Esso no rdio. 48 A famlia Simonsen era a controladora de um grupo de 41 empresas, dentre as quais estava a extinta Panair. 49 Este conceito conhecido como programao horizontal. 50 Este conceito conhecido como programao vertical.46

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grupo da famlia Simonsen, pde contratar com salrios mais altos profissionais j estabelecidos em outras emissoras e, conseqentemente, imps uma nova relao de fora entre empregados e empregadores. No caso especfico do telejornalismo, a TV Excelsior, tambm copiando padres norte-americanos, produziu jornais que dedicavam especial ateno a um padro visual mais trabalhado, avanando em relao linguagem que vigorava at ento, rompendo com a linguagem deixada pelos profissionais do rdio que migraram para a TV. O auge dessa nova proposta telejornalstica se deu com a criao do Jornal de Vanguarda em 1963. O programa era dirigido por Fernando Barbosa Lima, homem que havia trabalhado com jornalismo, mas tambm possua incurses em produtoras independentes de televiso e publicidade, e passou a tratar a notcia como uma atrao televisiva. O formato corrente se utilizava de um nico locutor lendo notcias contra um fundo composto por uma cortina escura foi substitudo por quase uma dezena de pessoas em cena, compondo um corpo de apresentadores que dividiam funes. Segundo depoimento de Fernando Barbosa Lima51, havia uma rpida apresentao de um resumo de notcias feita por Cid Moreira e, posteriormente, as notcias eram comentadas por jornalistas de cada rea e at por humoristas, transformando a notcia em show. O vdeoteipe, que havia sido introduzido na televiso brasileira tambm em 1969, era utilizado para aumentar a dinmica das imagens. Foi tambm o Jornal de Vanguarda que introduziu mulheres como apresentadoras52. O sucesso do Jornal de Vanguarda foi tanto que ele passou tambm pela TV Tupi, pela TV Globo e terminou na TV Rio com o Ato Institucional nmero 5. A TV Excelsior foi o primeiro grande passo rumo profissionalizao da televiso brasileira, seja no estabelecimento de novas relaes de trabalho, seja na abordagem de sua programao. Mais que isso, a TV Excelsior parece ter inaugurado a linguagem televisiva que prevalece at hoje. Em relao ao Jornal de Vanguarda, depoimentos deixam claro que foi criado com ele um novo paradigma que, se no umEm http://www.telehistoria.com.br/canais/emissoras/excelsior/excelsior7.htm, - acessado em 08 de agosto de 2006 52 Interessante notar que, apesar de haver mulheres em cena, no cabia a elas locutar a notcia, mas apenas fazer comentrios.51

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padro ainda seguindo, tem seus traos notados em telejornais atuais. Porm, a perda dos arquivos da emissora em um incndio em 1970 e a conseqente ausncia de material de arquivo da poca, deixam uma lacuna na anlise dos traos estilsticos do telejornal e o emprego da msica em sua produo. Apesar da sua habilidade administrativa, a TV Excelsior no contou com a mesma habilidade na rea poltica (ou talvez tenha feito as apostas erradas) e acabou sofrendo perseguies do governo militar que culminaram com a cassao de sua concesso em 1970 sem que tivesse conseguido cumprir seu projeto inicial de transformar-se em rede nacional.

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Parte 3 A entrada da TV Globo e o telejornalismo em rede 3.1 A Rede Globo O surgimento da TV Globo ocorre em abril de 1965 e acontece de maneira discreta. Igualmente s primeiras emissoras de TV brasileiras, a Globo muniu-se de profissionais vindos do teatro e do rdio e, mesmo com apoio das Organizaes Globo, um forte grupo de comunicao que possua uma rede de rdios e jornais que vinha se consolidando desde 1925, no representou grande ameaa concorrncia. Sua programao era desorganizada e a produo no era profissional. Alguns programas de auditrio feitos ao vivo encarregavam-se de preencher os horrios de transmisso com contedo popularesco. Comparada ao profissionalismo e arrojo j protagonizados pela TV Excelsior, a TV Globo parecia ser s uma diversificao dos negcios das Organizaes Globo. Porm, j em 1966, a Rede Globo compra a TV Paulista, estabelecendo-se tambm em So Paulo, e, a partir da contratao de Walter Clark, passa a ser dirigida por homens de publicidade e marketing que a tornam um empreendimento primordialmente comercial. Esse novo corpo administrativo implanta na Rede Globo o modelo de uma cadeia norteamericana que importa conceitos e parmetros dentro dos quais tanto a produo quanto a administrao da emissora deveriam atuar. Administrativamente, a novidade apresentada pela TV Globo foi a insero do sistema de rotativos em sua publicidade, ou seja, em vez de vender pacotes caros que cobriam apenas o horrio nobre, a publicidade na Globo era feita atravs de pacotes que contemplavam toda a programao do dia. Desta forma, a TV Globo pode investir mais em programas que ocupavam horrios pouco valorizados pela concorrncia e, aos poucos, foi melhorando a qualidade destes programas e ganhando audincia em horrios menos nobres, cultivando assim a fidelidade nos espectadores atravs do hbito de assistir a Globo. Segundo Otto Lara Resende, O modelo da Globo o modelo de uma cadeia americana, at na publicidade. Tudo, at o linguajar, americano, a determinao de que um documentrio

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tem 40 minutos, porque a ateno do espectador comum dura 12 minutos por segmento, tudo isso vem estudado e cronometrado dos EUA.53 Essa nova ordem marcada pela associao do grupo norte-amercano Time-Life com as organizaes Globo em 1962, trs anos antes da inaugurao da TV. Atravs de um contrato que atribua Time-Life a funo de administrao, programao, publicidade, controle do capital, orientao tcnica, contrato e treinamento de pessoal, construo e operao de canais, compra e venda de material de propaganda54. Vrios pesquisadores questionam os termos em que esse contrato foi firmado, alegando que houve injeo de dinheiro na emissora atravs de manobras fiscais e legais para as quais o governo militar no deu a devida ateno. No que tange a esta pesquisa, o contrato com a Time-Life deve ser encarado como um passo da TV Globo rumo ao modelo norte-americano de fazer televiso que, apoiado em pesquisas, definia toda a forma da programao e administrao e, a partir disso, montava seus quadros artsticos e administrativos, visando a produo de programas palatveis ao pblico, a criao de fidelidade no espectador e ateno especial ao espao publicitrio na grade, atravs do qual a emissora gerava dinheiro para realimentar toda a cadeia. Nesta mesma poca, a TV Globo contratou tambm Jos Bonifcio Sobrinho (bastante conhecido como Boni) para ser seu diretor artstico, um profissional que j havia passado pelo rdio e por outras emissoras de televiso e que, aps realizar estudos nos Estados Unidos, passou a possuir um forte vnculo com a publicidade e com o negcio televiso.Enquanto outras emissoras comearam com homens de rdio, ela comea com Boni, que um publicitrio, um homem que vive no cruzamento dos negcios com a comunicao, e que entende dessa descoberta americana que o marketing, a coisa ideal para esse novo veculo que estava nascendo: o estudo das estratgias para se vender imagens.5553 54

Depoimento concedido equipe de pesquisas do NEP/Funarte, 1981 KHEL, Maria Rita. Eu vi um Brasil na TV. in COSTA, Alcir Henrique; SIMES, Inim e KHEL, Maria Rita. Um pas no ar: a histria da TV brasileira em trs canais. So Paulo, Brasiliense/FUNARTE, 1986, p.181 55 Gabriel Romeiro em entrevista a Inim Simes e Maria Rita Khel, setembro de 1981

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Jos Bonifcio Sobrinho tem atuao decisiva na linguagem televisiva desenvolvida pela TV Globo, cabendo a ele todas as decises estticas. Era o Boni que mandava em tudo.56 Formando dupla com Walter Clark, Boni implementou mudanas na roupagem da programao que, sem se afastar das classes mais populares, buscavam uma aproximao esttica com a emergente classe mdia, que era quem podia comprar. Deu-se, ento, uma nova ateno forma dos programas, implementando novos conceitos estticos. bastante difcil definir o exato motivo pelo qual a TV Globo conseguiu alcanar os nveis de audincia com os quais ela trabalha at hoje, mas a mentalidade administrativa da emissora parece ter encontrado ressonncia no projeto de integrao nacional do governo militar entre os anos de 1965 e 1969. A criao da Embratel em 196557, mostra uma convergncia de interesses da emissora e do estado, ambos interessados na promoo de uma rede nacional de comunicao. A TV Globo, com oportunismo profissional, soube afinar sua linguagem e seu modelo empresarial com os anseios do estado e colocou-se como uma alternativa atraente para a implantao de uma televiso que integrasse todo o territrio nacional. Deixando de lado as crticas normalmente feitas atuao e contratos da emissora nesta poca, percebe-se que houve mritos empresariais na implementao de seu projeto, uma vez que sua administrao soube adequar o contedo de sua programao e o formato da venda de sua publicidade e, diferentemente da TV Excelsior, soube adaptar-se politicamente conjuntura que se apresentava. Em 1969, quando j contava com centrais de produo no Rio, So Paulo e em Belo Horizonte, alm de centenas de afiliadas, a TV Globo, aproveitando-se da estrutura montada pelo governo federal atravs da Embratel, passa a ser transmitida nacionalmente atravs de ondas curtas com a estria do Jornal Nacional. O momento foi bastante oportuno, uma vez que a produo j se encontrava mais centralizada no Rio de Janeiro devido a um incndio ocorrido na TV Globo So Paulo em julho que havia destrudo a central de produo local. O que suscita muitas dvidas em pesquisadores desta poca que, no mesmo perodo, de maneira inexplicvel, rescindido o contrato com o grupo Time-LifeAluzio Didier em entrevista em fevereiro de 2006. Apesar de criada em 1965, a autorizao para sua criao j se encontrava na lei n 4.117, de 27 de agosto de 1962, que instituiu o Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes57 56

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por iniciativa dos norte-americanos que alegavam no ter mais interesse na parceria devido a uma nova poltica interna da empresa que estava se rescindindo todos os contratos com emissoras fora dos Estados Unidos. Ou seja, no momento em que a TV Globo alcanava o que todas as outras emissoras sempre quiseram, a Time-Life se desinteressou pelo contrato e ela se viu livre de uma parceria que lhe custava parte dos lucros58. Desta forma, a TV Globo transforma-se em Rede Globo e passa a ser a primeira emissora brasileira a transmitir em rede para todo o territrio nacional, realizando o sonho perseguido por tantas outras emissoras. Inaugura-se, ento, um novo momento da televiso brasileira quando a busca por uma linguagem mais genrica se sobrepe s cores regionais da programao.

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detalhes em Extra Realidade Brasileira, n 1, O pio do Povo, Editora Smbolo, SP, 1976

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3.2 O Jornal Nacional e o jornalismo em rede Segundo Maria Rita Kehl, A Rede Globo de Televiso foi definitivamente implantada a 1 de setembro de 1969, com a primeira transmisso do Jornal Nacional.59 A importncia dada ao Jornal Nacional na histria da televiso brasileira deve-se ao seu pioneirismo mais evidente de ter sido o primeiro telejornal transmitido simultaneamente para todo o territrio nacional, inaugurando a centralizao a sincronizao da informao60. Tal advento veio ao encontro dos anseios do governo federal que, atravs da informao, promovia constantemente o imaginrio da integrao nacional. Este foi o grande salto que a Rede Globo conseguiu em relao concorrncia: ter chamado para si o papel de divulgadora da mentalidade e das idias oficiais do governo, promovendo uma pretensa identidade nacional unvoca e mostrando a imagem de um pas integrado em um momento em que a conjuntura poltica pedia por isso. Cabe aqui um esclarecimento. comum encontrar pesquisadores que afirmam que a primeira edio do Jornal Nacional foi apresentada por Lo Baptista e Heron Domingues (o mesmo locutor do Reprter Esso). Na verdade, esses apresentadores dividiram a bancada do um telejornal na TV Rio que se chamava Telenotcias Pirelli. Aps a resciso do contrato de patrocnio com a Pirelli, a TV Rio fechou um novo contrato para manuteno do telejornal no ar com o mesmo corpo de jornalista. Este novo patrocinador era o Banco Nacional e, desta forma, o telejornal ganhou o nome de Jornal Nacional, que, apesar do nome, era transmitido regionalmente apenas para o Rio de Janeiro. O nome foi reutilizado pela Globo, mas no h relao alm desta entre ambos, sendo que, o Jornal Nacional da Globo tinha este nome devido sua cobertura nacional e no devido a seus patrocinadores. O Jornal Nacional da Rede Globo foi criado por Armando Nogueira e tinha Cid Moreira e Hilton Gomes na apresentao. s 19h45, com a frase de Hilton Gomes O

KHEL, Maria Rita. Eu vi um Brasil na TV. in COSTA, Alcir Henrique; SIMES, Inim e KHEL, Maria Rita. Um pas no ar: a histria da TV brasileira em trs canais. So Paulo, Brasiliense/FUNARTE, 1986, p.190 60 At ento, as programaes eram produzidas nas centrais e levadas em fitas de vdeo-teipe de nibus ou avio at outras praas, chegando l at com dias de atraso.

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Jornal Nacional da Rede Globo, um servio integrando o Brasil novo, inaugura-se neste momento: imagem e som de todo o Brasil, complementada por Cid Moreira, Dentro de instantes, para vocs, a grande escalada nacional de notcias comeava a primeira transmisso61. Aparte a pompa da frase de estria, no nenhum exagero dizer que a estria do Jornal Nacional foi um marco na histria do pas. Infelizmente, no h registro em vdeo da primeira edio, pois estes foram destrudos em mais um dos incndios que marcaram a histria da televiso brasileira, mas sabe-se que, em sua primeira edio, o Jornal Nacional durou apenas 15 minutos e que foi encerrado com Cid Moreira dizendo o Brasil ao vivo a na sua casa e finalizado com o marcante boa noite, saudao que virou marca registrada do telejornal e permanece at hoje. Segue a descrio da pauta que foi ao ar:A manchete do dia informava que o presidente Costa e Silva recuperavase de uma crise circulatria e que o governo estava entregue a uma junta militar formada pelos ministros Augusto Rademaker, da marinha, Lira Tavares, do Exrcito, e Mrcio de Souza Melo, da Aeronutica. Em seguida, foi exibida uma declarao de 46 segundos do ministro da Fazenda, Delfin Netto. Logo depois, Hilton Gomes anunciou a transmisso direta de Porto Alegre, terra do presidente Costa e Silva, com a repercusso do Ato Institucional n 12, que transferia os poderes do governo Junta Militar e no ao sucessor legal, o vice-presidente Pedro Aleixo. O noticirio internacional registrava as mortes do campeo mundial dos pesos-pesados Rocky Marciano e do comentarista norte-americano Drew Pearson, conhecido no Brasil pela coluna que assinava na revista O Cruzeiro. Na Lbia, um golpe militar derrubou o prncipe Hassan Al Rida. Imagens da agncia Visnews mostravam a chegada ao Paquisto de uma caravana de chineses, montados em camelos, comemorando a reabertura da Rota da Seda, fechada desde 1949. No Japo, moas de mais de 50 pases se preparavam para disputar o ttulo de Miss Beleza Internacional.

REDE GLOBO DE TELEVISO. Jornal Nacional: a notcia faz histria. (Memria Globo). Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2004. p.24.

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Pilotos de linha areas ameaavam greve geral se a ONU no tomasse medidas efetivas em relao ao seqestro de um avio norte-americano. No Brasil, o preo da gasolina subia: a especial (azul) passava para 48 centavos de cruzeiro novo o litro e a comum para 39,1. Os espectadores viram as primeiras imagens das obras de alargamento da praia de Copacabana e souberam da previso do tempo para Esprito Santo, Rio de Janeiro e Niteri. Foram informados de que, no dia seguinte, o jogador Garrincha iria depor num processo pelo acidente em que morreu a me da cantora Elza Soares, sua mulher. Para encerrar, gol do Brasil!!! Era o nmero 979 da carreira de Pel e garantia a classificao da seleo brasileira para a Copa de 1970, no Mxico.62

Em suas primeiras edies, o Jornal Nacional utilizava-se de cmeras de filme 16mm para a gravao de externas sem udio direto. Mesmo sem o registro dos primeiros programas, possvel afirmar que, neste ponto, o telejornal da Globo em nada se diferenciou de seus antecessores, obrigando a formatao das reportagens maneira tradicional, ou seja, imagens ilustrando a locuo que dava a notcia compondo uma nota coberta63. Tambm no havia ainda o teleprompter e os apresentadores eram obrigados a ler a notcias em um papel, alternando o olhar para a cmera. A abertura, tambm sem nenhum registro, continha o slogan A notcia unindo seis milhes de brasileiros. O Jornal Nacional exibia, em sua abertura, imagens de acontecimentos e personalidades importantes do pas. A logomarca era composta pelo JN ao lado do globo terrestre com seus hemisfrios, smbolo da emissora. O cenrio era formado por um fundo azul com as letras do telejornal em amarelo.64

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Ibidem, p.25 Nota coberta a notcia lida pelo apresentador com a cobertura de imagens. 64 REDE GLOBO DE TELEVISO, Op cit. p. 34

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3.3 A linguagem inaugurada pelo Jornal Nacional J em seus primeiros programas, o Jornal Nacional repetia a composio temtica consagrada desde as primeiras experincias do cinejornal com notcias sobre esportes, acontecimentos dramticos, catstrofes, trivialidades, curiosidades, poltica e economia. As notcias eram divididas em trs partes - local, nacional e internacional - e eram lidas alternadamente entre os apresentadores. Havia uma evidente concorrncia com o Reprter Esso da TV Tupi e, desde o incio, as diferenas eram acentuadas, sendo que a grande vantagem do Jornal Nacional em relao ao seu concorrente direto era que o primeiro era feito localmente e o Reprter Esso vinha fechado da United Press International. Isto gerava duas conseqncias bsicas: uma editorial o Reprter Esso tinha um grande nmero de notcias com um foco maior no noticirio internacional enquanto o Jornal Nacional tinha menos notcias, porm com um foco mais local e outra no formato no Reprter Esso o apresentador apenas lia as notcias em cima das imagens j prontas, sendo que, no Jornal Nacional, havia uma maior flexibilidade formal, possibilitando uma melhor interao entre a imagem e os apresentadores. Alm disso, enquanto a ltima notcia do Reprter Esso era sempre a mais impactante do dia, o Jornal Nacional era fechado com uma notcia leve que passou a ser conhecida como o boa noite e essa notcia de encerramento se mantm at hoje e caracterstica marcante dos telejornais da Globo. Quando do lanamento do Jornal Nacional, a TV Globo j possua grande poder econmico e, conduzida por Walter Clark e Boni, tinha um padro tcnico superior a todas as outras emissora, at mesmo TV Excelsior que, nesta poca, j era uma emissora decadente65. A aquisio de equipamentos de ponta tornou a Rede Globo uma das emissoras lderes em tecnologia no mundo. Este aprimoramento tecnolgico era reafirmado constantemente pela esttica de sua programao, que tem como sua expresso mxima o padro Globo de qualidade.

Vale lembrar que, no mesmo perodo em que a TV Globo vivia em harmonia com o governo militar, a Excelsior sofria perseguies que culminaram com a cassao de sua concesso em 1970.

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No seu comportamento de programa, nos seu vivo(sic), digamos assim, ela tem uma linguagem que foi determinada pelo equipamento, ou seja, a eletrnica criou a imagem da Globo. A possibilidade de estar atualizada com equipamentos criou a linguagem da TV Globo. A sua linguagem representativa do tipo de cmera que ela tem, do tipo de croma que ela usa. O prprio jornalismo da Globo s diferente dos anteriores pelo tipo de mobilidade do equipamento que acaba determinando a linguagem. O resto igual. (...) No o profissional criando a partir do equipamento, o equipamento se impondo e ele mesmo sendo a linguagem.66

Da, podemos inferir que o Jornal Nacional nasceu sob a influncia dessa traduo da tecnologia na linguagem da Rede Globo e, portanto, carregava em sua abertura e vinhetas essa marca. Mais que isso, o Jornal Nacional nasceu tambm sob os paradigmas dos modelos norte-americanos de telejornalismo impostos pela direo artstica da emissora (leia-se Jos Bonifcio Sobrinho). Segundo Aluzio Didier, maestro que fez o atual arranjo da msica de abertura do Jornal Nacional, as chamadas aberturas da TV Globo eram verdadeiros exerccios de linguagem. Era o que havia de moderno, de eletrnico67. Infelizmente, a perda dos arquivos que continham a primeira edio no nos permite dizer se esta orientao aconteceu desde os seus primrdios. No Jornal Nacional, havia um padro esttico a ser obedecido. Seguindo o projeto de integrao nacional, a imagem que Brasil deveria fazer de si mesmo era a de um pas em pleno crescimento e harmonia. Em consonncia com esse objetivo oficial, o Jornal Nacional no mostrava pessoas com defeito fsico ou de ar muito miservel, divulgando sempre a imagem de um povo bem alimentado, feliz e bonito. As notcias eram mais curtas e dinmicas, nunca ultrapassando os 40 segundos, obedecendo a uma certa obsesso pela forma e percepo das possibilidades do meio televisivo para a divulgao da notcia. Neste sentido, possvel afirmar que o Jornal Nacional representou uma acentuao da linguagem inaugurada com o Reprter Esso no Brasil, com seu manual de estilo, bem como uma readaptao do Jornal de Vanguarda da TV Excelsior, no na66 67

Valter Avancini, entrevista equipe de pesquisas do NEP/Funarte em outubro 81 Em entrevista em fevereiro de 2006

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descontrao ou profundidade do comentrio da notcia, mas na percepo e aceitao da notcia como um show televisivo que faz parte do entretenimento proposto pela TV. O Jornal Nacional teve influncia do modelo de telejornalismo da Excelsior em procedimentos motivados por questes tcnicas, tais como a gravao em vdeo-teipe que permitia maior movimentao tanto dentro quanto fora do estdio, com a captao de externas mais gil e a no-necessidade da revelao qumica dos filmes de 16 mm. Alm disso, o vdeo-teipe aumentou a quantidade de imagens, trazendo para a tela um jornalismo menos lido e mais imagtico. lvaro Moya categrico ao afirmar que o padro de telejornalismo da Rede Globo segue o da TV Excelsior que, por sua vez, seguia o norteamericano, afirmando que a forma como hoje a Globo coloca uma imagem atrs da outra a introduo de uma tcnica cinematogrfica e da utilizao do vdeo-teipe.68 A liderana alcanada pelo Jornal Nacional devida ao seu pioneirismo foi consolidada por uma srie de inovaes que foram introduzidas em primeira mo na televiso brasileira pela Rede Globo em seu telejornalismo. Ele foi o primeiro telejornal a mostrar reportagens internacionais via satlite e o primeiro a apresentar reportagens em cores no incio dos anos 1970, fato que merece destaque porque modificou determinantemente o padro visual da TV Globo. A cor revelava imperfeies e forou a TV a dar um salto de qualidade, modificando at o padro de beleza dos atores. A esttica com apelo tecnolgico que a Globo possua foi ainda mais acentuada com a entrada do designer grfico Hans Donner na emissora em 1975. Prontamente, Hans Donner modificou o logotipo da TV Globo, criando o globo que engloba a tela, que engloba o globo, mas foi em 1979 que ele criou uma nova roupagem para o Jornal Nacional, inserindo elementos grficos com profundidade. Em 1983, foi feita a primeira vinheta em computao grfica69 utilizando-se de elementos de aparncia metlica e modelos em 3 dimenses, recursos que se espalharam por todos os outros telejornais da emissora e, at hoje, so referncia nas aberturas dos telejornais da pesquisa.

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em depoimento FUNARTE. 1982 Ver abertura em CD-Rom anexo

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3.4 A msica no incio do Jornal Nacional No h registro sobre a msica que foi usada na primeira abertura do Jornal Nacional em 1969. Nem mesmo o livro Jornal Nacional: A notcia faz histria que se prope a contar a trajetria do telejornal traz qualquer informao a esse respeito. Alm disso, a Rede Globo perdeu grande parte de seus arquivos em dois incndios, sem ser possvel precisar se no de 10 de janeiro de 1970 ou em outro em 28 de outubro de 1971. Sabe-se tambm que era prtica comum reutilizar fitas de vdeo-teipe para a gravao de novos programas, apagando assim o material anterior. O primeiro registro da abertura deste telejornal de 197270 e, nela, j utilizada a msica atual, porm com um arranjo bem diferente e sem a frase musical final que foi inserida posteriormente e se tornou o trecho mais marcante da abertura.

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Ver abertura de 1972 em CD-Rom

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Parte 4 O udio nos telejornais atuais da Rede Globo

4.1 Rudos Muito embora esta pesquisa tenha como foco a utilizao da msica no telejornalismo, em seu desenvolvimento, principalmente durante as entrevistas, foi levantada a questo dos rudos no udio das reportagens. Esses rudos so normalmente captados durante a ao exposta nas reportagens, como explicou Luciana Canto:Ainda que a matria no tenha msica, toda matria tem o que a gente chama de BG, que o rudo de fundo. Ento, em matria de chuva, maravilhoso aquele rudo de fundo. Muitas vezes, ela ganha com aquele rudo de chuva, de enchente, de inundao. A matria ganha com aquilo. Ento, toda matria, seja ela qual for, tem que ter um rudo de fundo.71

Opinio semelhante tem Tereza Garcia:A gente valoriza muito o BG das reportagens, dos factuais. Muito, mas o BG do que aconteceu. Ento, eu fui no local, estava um silncio enorme, de repente ouviu-se um tiro, em seguida saiu a informao de que algum foi assassinado. Eu vou incluir aquele tiro na minha matria. Eu vou valorizar esse momento da narrativa da reportagem, muito, mas jamais eu vou sonorizar essa matria no jornal dirio. No jornal dirio, eu jamais vou sonorizar porque eu preciso que o tiro seja a informao sonora mais fiel para eu relatar aquele caso. Isso a gente valoriza muito. Se eu pego uma reportagem sobre uma passeata onde houve um confronto dos manifestantes com a polcia e houve lanamento de bomba, houve tiro para o alto, houve bala de borracha, houve grito, etc, vo