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USO EXCLUSIVO JF A O SEU CÓDIGO DE ACESSO. de Processo_Ano 41_vol. 252... · CONSELHO DE ORIENTAÇÃO – Thereza Celina de Arruda Alvim (presidente – PUC-SP) – Ana Cândida

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Revista dePROCESSO

Ano 41 • vol. 252 • fevereiro / 2016

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Revista dePROCESSOAno 41 • vol. 252 • fevereiro / 2016

CoordenaçãoTeresa arruda alvim Wambier

CONSELHO INTERNACIONAL – Alan Uzelac (Croácia – Universidade de Zagreb), Álvaro Pérez Ragone (Chile – PUC-Valparaíso), An-drea Proto Pisani (Itália – Universidade de Florença), Carlos Ferreira da Silva (Portugal), Christoph A. Kern (Alemanha – Universidade de Freiburg), Dmitry Maleshin (Rússia – Universidade Estadual de Moscou), Eduardo Ferrer Mac-Gregor (México – Universidade Nacional Autônoma do México), Eduardo Oteiza (Argentina – Universidade de La Plata), Emmanuel Jeuland (França – Universidade de Paris), Federico Carpi (Itália – Universidade de Bologna), Francesco Paolo Luiso (Itália – Universidade de Pisa), Georgios Orfa-nidis (Grécia – Universidade de Tessaloniki), Hanns Prütting (Alemanha – Universidade de Cologne), Héctor Fix-Zamudio (México – Universidade Nacional Autônoma do México), Italo Augusto Andolina (Itália – Universidade de Catânia), Jairo Parra (Colômbia – Universidade Externa da Colômbia), Joan Picó i Junoy (Espanha – Universidade Rovira i Virgilli), José Lebre de Freitas (Portugal – Universidade Nova de Lisboa), Linda Mullenix (USA – Universidade do Texas), Loïc Cadiet (França – Universidade de Paris), Lorena Bachmaier Winter (Espanha – Universidade Complutense de Madri), Luigi Paolo Comoglio (Itália – Universidade Católica de “Sacro Cuore” de Milão), Mario Pisani (Itália – Universidade de Milão), Michele Taruffo (Itália – Universidade Pávia), Miguel Teixeira de Sousa (Portugal – Universidade de Lisboa), Neil Andrews (Inglaterra – Universidade de Cambridge), Nikolaos Klamaris (Grécia), Paula Costa e Silva (Portugal – Universidade de Lisboa), Pedro Juan Bertolino (Argentina – Universidade de Buenos Aires), Peter Gilles (Alemanha – Universidade Johann Wolfgang Goethe), Peter Gottwald (Alemanha – Universidade de Regensburg), Roberto Berizonce (Argentina – Universidade de La Plata), Rolf Stürner (Alemanha – Universidade de Freiburg), Sergio Chiarloni (Itália – Universidade de Turim), Ulrich Haas (Alemanha/Suíça – Universidde de Zurique), Vincenzo Vigoriti (Itália – Universidade de Firenze), Walter Re-chberger (Áustria – Universidade Wien), Wolfgang Grunsky (Alemanha – Universidade Bielefeld).CONSELHO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Ada Pellegrini Grinover (USP), Aluisio Gonçalves de Castro Mendes (UERJ), Antonio Gidi (Universidade de Syracuse), Dierle Nunes (UFMG), Eduardo Cambi (UNIPAR), José Carlos Barbosa Moreira (UERJ), Nelson Nery Junior (PUC-SP), Ronnie Preuss Duarte (Escola da Magistratura do Estado de Pernambuco).CONSELHO DE ORIENTAÇÃO – Thereza Celina de Arruda Alvim (presidente – PUC-SP) – Ana Cândida da Cunha Ferraz (USP), Celso Antônio Bandeira de Mello (PUC-SP), Clito Fornaciari Júnior, E. D. Moniz Aragão, Edgard Lippman Jr., Eduardo Ribeiro de Oliveira (UnB), Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi, Fernando da Costa Tourinho Filho, Gilberto Quintanilha Ribeiro, João Batista Lopes (PUC-SP), José Afonso da Silva (USP), José Augusto Delgado (UNICEUB), José Carlos Barbosa Moreira (UERJ), José Carlos Moreira Alves (UnB), José Eduardo Carreira Alvim (UERJ), Luiz Fux (UERJ), Marcelo Zarif (PUC-Salvador), Petrônio Calmon Filho UNICEUB), Sebastião de O. Castro Filho, Sérgio Ferraz (PUC-RJ), Sydney Sanches, Teori Albino Zavascki (UFRGS).CONSELHO EDITORIAL – Luiz Manoel Gomes Jr. (responsável pela seleção e organização do material jurisprudencial - UNIPAR) – Ada Pellegrini Grinover (USP), Alexandre Freitas Câmara (EMERJ), Antônio Carlos de Araújo Cintra (USP), Antonio Carlos Marcato (USP), Antônio Janyr Dall’Agnol Jr. (Escola Superior da Magistratura), Antonio Magalhães Gomes Filho (USP), Antonio Scarance Fernandes (USP), Araken de Assis, Bruno Dantas (IDP), Cândido Rangel Dinamarco (USP), Cássio Mesquita de Barros Júnior (USP), Dirceu de Mello (PUC-SP), Donaldo Armelin, Edson Ribas Malachini (UFPR), Ennio Bastos de Barros, José Horácio Cintra Gonçalves Pereira (Universidade Mackenzie), José Rogério Cruz e Tucci (USP), Kazuo Watanabe (USP), Marcos Afonso Borges (UFG), Milton Evaristo dos Santos, Milton Paulo de Carvalho (Universidade Mackenzie), Nelson Luiz Pinto (UERJ), Nelson Nery Junior (PUC-SP), Rodolfo de Camargo Mancuso (USP), Sergio Bermudes (PUC-RJ), Vicente Greco Filho (USP).CONSELHO DE REDAÇÃO – Alexandre Freire (UFPE), André Luís Monteiro, Angélica Muniz Leão de Arruda Alvim (FADISP), Antonio Alberti Neto, Antonio Carlos Matteis de Arruda, Antônio Cezar Peluso, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Antonio Gidi (Universidade de Syracuse), Antonio Rigolin (EPD), Carlos Alberto Carmona (USP), Carlos Eduardo de Carvalho, Carlos Roberto Barbosa Moreira (PUC-RJ), Cassio Scarpinella Bueno (PUC-SP), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (FMU), Eduardo Cambi (UNIPAR), Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim (PUC-SP), Eduardo Talamini (UFPR), Elisabeth Lopes, Fábio Luiz Gomes (UNISINOS), Flávio Cheim Jorge (UFES), Flávio Renato Correia de Almeida (CESCAGE), Flávio Yarshell (USP), Francisco Duarte, Francisco Glauber Pessoa Alves, Fredie Didier Jr. (UFBA), Gilson Delgado Miranda (PUC-SP), Gisela Zilsch, Gisele Heloisa Cunha, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira (UFRN), Henrique Fagundes Filho (UnB), James José Marins de Souza (PUC-PR), Joaquim Felipe Spadoni (UNIC), José Eduardo Carvalho Pinto (FIG--UNIMESP), José Miguel Garcia Medina (UNIPAR), José Roberto Bedaque (USP), José Scarance Fernandes, Leonardo José Carneiro da Cunha (UFPE), Luiz Edson Fachin (UFPR), Luiz Fernando Bellinetti (UEL), Luiz Guilherme Marinoni (UFPR), Luiz Paulo da Silva Araújo Filho (UERJ), Luiz Rodrigues Wambier (UNIPAR), Luiz Sergio de Souza Rizzi, Luiz Vicente Pellegrini Porto (UNIP), Mairan Maia Jr. (PUC-SP), Manoel Caetano, Marcelo Abelha Rodrigues (UFES), Marcelo Bertoldi (IBGC), Marcelo Lima Guerra (UFC), Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (UFRN), Marcus Vinicius de Abreu Sampaio (PUC-SP), Oreste Nestor de Souza Laspro (USP), Patrícia Miranda Pizzol (PUC-SP), Paulo Henrique dos Santos Lucon (PUC-SP), Pedro Dinamarco, Rita Gianesini (PUC-SP), Rodrigo da C. Lima Freire (LFG), Rodrigo Mazzei (UFES), Ronaldo Bretas de C. Dias (PUC-Minas), Rui Geraldo Camargo Viana (USP), Sérgio Gilberto Porto (PUC-RS), Sergio Ricardo A. Fernandes, Sérgio Seiji Shimura (PUC-SP), Sidnei Agostinho Beneti (FDSBC), Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista (UNISEPE), Suely Gonçalves, Ubiratan do Couto Maurício (UNICAP), Victor Bomfim Marins, William Santos Ferreira (PUC-SP), Willis Santiago Guerra Filho (PUC-SP).CONSELHO DE APOIO E PESQUISA – Adriano Peráceo de Paula, André de Luizi Correia (PUC-SP), Cláudia Cimardi (PUC-SP), Cláudio Zarif (PUC-SP), Cleunice Pitombo, Cristiano Chaves de Farias (UFBA), Daniel Mitidiero (UFRGS), Fabiano Carvalho (PUC-SP), Fernan-do Zeni, Fernão Borba Franco (EPM), Francisco José Cahali (PUC-SP), Graciela Marins (UNICURITIBA), Gustavo Henrique Righi Badaró (USP), José Carlos Puoli (USP), José Sebastião Fagundes Cunha (CESCAGE), Leonardo Lins Morato (PUC-SP), Maria Elizabeth Queijo (UNIMESP), Maria Lúcia Lins Conceição, Maria Thereza Assis Moura (USP), Rita Vasconcelos (PUC-PR), Roberto Portugal Bacellar, Robson Carlos de Oliveira, Rodrigo Barioni (PUC-SP), Rogéria Dotti Doria (ESA), Rogerio Licastro Torres de Mello (PUC-SP), Sandro Gilbert Martins (Instituto de Direito Romeo Felipe Bacellar).SEGUNDOS PARECERISTAS (DUPLO BLIND PEER REVIEW) – DanielMitidiero (UFRGS), Darci Guimarães Ribeiro (UNISINOS), Dierle Nunes (UFMG), Eduardo de Avelar Lamy (UFSC), Fernando da Fonseca Gajardoni (UNAERP), Flávio Cheim Jorge (UFES), Flávio Luiz Yarshell (USP), Fredie Didier Jr. (UFBA), Georges Abboud (FADISP), Gisele Goes (UFPA), Gregório Assagra de Almeida (UIT), Joaquim Felipe Spadoni (UNIC), Leonardo Carneiro da Cunha (UFPE), Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz (UIT), Luis Otávio Sequeira de Cer-queira (PUC-SP), Luiz Henrique Volpe Camargo (UCDB), Luiz Manoel Gomes Júnior (UNIPAR), Luiz Rodrigues Wambier (UNIPAR), Marco Félix Jobim (PUC-RS), Osmar Mendes Paixão Côrtes (IDP), Pedro Miranda de Oliveira (UFSC), Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa (UFAM), Rodrigo Mazzei (UFES), Sidnei Amendoeira Junior (FGV).

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ISSN 0100-1981

Revista dePROCESSOAno 41 • vol. 252 • fevereiro / 2016

CoordenaçãoTeresa arruda alvim Wambier

Publicação ofi cial doInstituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP

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Revista dePROCESSOAno 41 • vol. 252 • fevereiro / 2016

CoordenaçãoTeresa arruda alvim Wambier

Os colaboradores desta Revista gozam da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhes a responsabilidade das ideias e conceitos emitidos em seus trabalhos.

© edição e distribuição daEDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.

Diretora EditorialMARISA HARMS

Rua do Bosque, 820 – Barra FundaTel. 11 3613-8400 – Fax 11 3613-8450CEP 01136-000 – São PauloSão Paulo – Brasil

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Impresso no Brasil: [02-2016]Profi ssionalFechamento desta edição: [15.01.2016]

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in memoriam

CONSELHEIROS DA REVISTA DE PROCESSOPERMANENTEMENTE HOMENAGEADOS POR ESTE PERIÓDICO

A. F. Cesarino Júnior, Adolfo Gelsi Bidart (Uruguai), Adriano Marrey, Alcides de Mendonça Lima, Alcides Munhoz da Cunha, Alfredo Buzaid, Amauri Mascaro do Nascimento, Amilcar de Castro, Ari Florêncio Guimarães, Arwed Blomeyer (Alemanha), Athos Gusmão Carneiro, Basileu Garcia, Bruno Affonso de André, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Celso Agrícola Barbi, Celso Neves, Celso Ribeiro Bastos, Cipriano Gómez Lara (México), Coqueijo Costa, Déscio Mendes Pereira, Djalma Negreiros Penteado, Domingos Franciulli Netto, Edoardo Garbagnati (Itália), Edoardo Ricci (Itália), Elio Fazzalari (Itália), E. Tullio Liebman (Itália), Enrico Allorio (Itália), Enrique Vescovi (Uruguai), Fritz Baur (Alemanha), Galeno Lacerda, Gentil do Carmo Pinto, Geraldo Ataliba, Gian Antonio Micheli (Itália), Giuseppe Tarzia (Itália), Hamilton de Moraes e Barros, Haroldo Valladão, Hélio Tornaghi, Henrique Augusto Machado, Henrique Fonseca de Araújo, Hermínio Alberto Marques Porto, Hernando Devis Echandia (Colômbia), Humberto Briseño Sierra (México), Ignácio Medina (México), J. J. Calmon de Passos, Jacy de Assis, Jesús González Pérez (Espanha), João Afonso Borges, João de Castro Mendes (Portugal), Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Jorge Antonio Zepeda (México), José Carlos Ferreira de Oliveira, José de Moura Rocha, José Frederico Marques, José Geraldo Rodrigues de Alckmin, José Ignácio Botelho de Mesquita, José Rodrigues Urraca (Venezuela), Jurandyr Nilsson, Karl Heinz Schwab (Alemanha), Lauro Malheiros, Lino Enrique Palácio (Argentina), Luís Antônio de Andrade, Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Luiz Alberto Vieira (Uruguai), Luiz Kubinszky, Luíz Loreto (Venezuela), M. Seabra Fagundes, Magnólia Santiago Guerra, Márcio Martins Ferreira, Mario Vellani (Itália), Mathias Lambauer, Mauro Cappelletti (Itália), Milton Luiz Pereira, Moacyr Amaral Santos, Moacyr Lobo da Costa, Mozart Victor Russomano, Odilon Ferreira Nobre, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Ovídio Baptista da Silva, Paulo Emílio Andrade de Vilhena, Plínio Neves da Cunha Cintra, Pontes de Miranda, Prieto Castro (Espanha), Roger Perrot (França), Rogerio Lauria Tucci, Romeu Pires de Campos Barros, Ronaldo Porto Macedo, Roque Komatsu, Rubens Lazzarini, Rudolf Bruns (Alemanha), Sálvio de Figueiredo Teixeira, Santiago Sentis Melendo (Argentina), Tomás Pará Filho, Victor Fairén Guilén (Espanha), Victor Nunes Leal, Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Walter Fasching (Áustria), Willis Santiago Guerra.

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Revista dePROCESSOAno 41 • vol. 252 • fevereiro / 2016

CoordenaçãoTeresa arruda alvim Wambier

Diretora Editorialmarisa harms

Diretora de Operações de Conteúdo BrasilJuliana mayumi ono

Editoras: Aline Darcy Flôr de Souza e Marcella Pâmela da Costa Silva

Coordenação Editorialdaniel dias de carvalho

Equipe de Produção EditorialAnalistas Editoriais: Damares Regina Felício, Danielle Rondon Castro de Morais, Flávia Campos Marcelino Martines, Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos, George Silva Melo, Maurício Zednik Cassim e Thiago César Gonçalves de Souza

Qualidade EditorialCoordenaçãoluciana vaz cameira

Analistas de Qualidade Editorial: Carina Xavier Silva, Cinthia Santos Galarza, Daniela Medeiros Gonçalves Melo,Daniele de Andrade Vintecinco e Maria Angélica Leite

Equipe de JurisprudênciaAnalistas Editoriais: Felipe Augusto da Costa Souza, Juliana Cornacini Ferreira, Patrícia Melhado Navarra e Thiago Rodrigo Rangel Vicentini

Capa: Andréa Cristina Pinto Zanardi

Administrativo e Produção Grá� caCoordenaçãocaio henrique andrade

Analista Administrativo: Antonia Pereira

Assistente Administrativo: Francisca Lucélia Carvalho de Sena

Analista de Produção Grá� ca: Rafael da Costa Brito

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sumário

Teoria geral do Processo

Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo CivilDemocratic civil procedure, contradictory and the New Code of Civil Procedure

GusTavo heNrique schNeider NuNes ........................................................................ 15

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua apli-cação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicosThe incident piercing the corporate veil and its application to the recognition, incidenter tantum, of the existence of economic groups

GusTavo vieGas marcoNdes ...................................................................................... 41

A desconsideração da personalidade jurídica para fi ns de responsabili-dade: uma visão dualista da disregard doctrineThe disregard of legal personality for liability purposes: a dualistic view of the disregard doctrine

mozarT vilela aNdrade JuNior ................................................................................. 59

Os limites objetivos da coisa julgada no Novo Código de Processo CivilLe domaine de l’autorité de la chose jugée et le Nouveau Code de Procédure Civile brésilien

rodriGo ramiNa de lucca ......................................................................................... 79

Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiçaDecentralized units of district courts and their power to judge cases concerning social security benefi ts: the fundamental right of access to justice

WalTer claudius roTheNburG e crisTiaNe Ferreira Gomes ramos ........................ 111

Processo de conhecimenTo

Julgamento antecipado parcial do méritoPartial summary judgment on the merits

edilToN meireles ........................................................................................................ 133

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10 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

A improcedência liminar do pedido e o saneamento do processoThe dismissal of the preliminary order request and process curative acts

Trícia Navarro Xavier cabral .................................................................................. 147

TuTela execuTiva

A penhora on line e o prazo dos embargos de terceiroOnline attachment and the deadline of third-party intervention

Felice balzaNo ........................................................................................................... 167

TuTela Provisória

Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”Tutela d’urgenzia cautelare tipiche nel Nuovo Codice di Procedura Civile e “l’applicazione” del Codice di Procedura Civile del 1973 come “dottrina”

Guilherme césar PiNheiro ......................................................................................... 209

meios de imPugnação das decisões Judiciais

Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015Suits to challange res judicata and to annuel procedural acts (art. 966, § 4.º) in the new Brazilian Civil Procedural Code

Fredie didier Jr. e leoNardo carNeiro da cuNha ................................................... 231

A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito localA constitutional claim and binding precedent: the control of interpretative ranking in local scope

José heNrique mouTa araúJo ................................................................................... 243

Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advo-catícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015“Embargos de declaração”. Problema de la fijación de los honorarios de abogado. Existencia de erro de fato” Importancia de la jurisprudencia en el “Código de Processo Civil” de 2015

NelsoN moNTeiro NeTo ............................................................................................. 263

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11Sumário

Técnicas adequadas à liTigiosidade coleTiva e rePeTiTiva

O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas pú-blicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014The new collective process for the judicial review of public policies: brief notes on Bill 8.058/2014

Thadeu auGimeri de Goes lima ................................................................................. 275

TuTela diferenciada

A tutela inibitória e os seus fundamentos no Novo Código de Processo CivilLa tutela inibitoria e i suoi fondamenti nel Nuovo Codice di Procedura Civile

edsoN aNTôNio sousa PiNTo e daNiela loPes de Faria............................................ 303

Jurisdição condicionada e acesso à justiça: considerações sobre a esca-lada de tutelas contra a Fazenda PúblicaConditioned jurisdiction and access to justice: considerations on the escalation of actions against the State

marcelo barbi GoNçalves ........................................................................................ 319

direiTo JurisPrudencial

As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Jus-tiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo CivilThe statements of the Supreme Court and the Superior Court about divergence embargoes and the New Civil Procedure Code

luiz aNToNio Ferrari NeTo ........................................................................................ 341

Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015Distinguishing and Overruling when applying Art. 489, § 1.º, section VI, of the 2015 CPC

WaGNer arNold FeNsTerseiFer .................................................................................. 371

A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a ne-cessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de JustiçaThe simulation in legal business of real estate brokerage and the need of standardising by Superior Tribunal de Justiça

lucas diNiz ayres de FreiTas..................................................................................... 387

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12 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

direiTo esTrangeiro e comParado – generalidades

La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civilA reavaliação da audiência preliminar ou preparatória: uma visão de justiça distributiva em processos cíveis

Álvaro Pérez raGoNe ................................................................................................ 405

Civil justice’s “songs of innocence and experience”. The gap between expectation and experienceCanções da Justiça Civil: inocência e experiência. A distância entre esperanças e experiência

Neil aNdreWs ............................................................................................................. 437

JurisPrudência anoTada

Acórdãos

suPremo TribuNal Federal

MANDADO DE SEGURANÇA – Condicionamento de inscrição de produtor rural ao pagamento de tributo – Inteligência das súmulas 70, 323 e 547 do STF ........ 457

suPerior TribuNal de JusTiça

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Perda do objeto – Antecipação de tutela .............. 473

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Omissão no julgado – Decisão que aborda os pontos destacados pelo embargante ....................................................................... 489

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Impugnação após a penhora nos autos – Inte-ligência do art. 475-J, § 1.º, do CPC/1973 ............................................................... 494

resenha

Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner KahlertResenha por arTur FlamíNio da silva ................................................................... 503

Índice alfabéTico-remissivo ............................................................................................... 509

normas de Publicação Para auTores de colaboração auToral inédiTa ......... 515

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Teoria Geral do Processo

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NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

15

Processo civil democráTico, conTradiTório e novo código de Processo civil

Democratic civil proceDure, contraDictory anD the new coDe of civil proceDure

gusTavo henrique schneider nunes

Mestre em Direito pelo Univem. Coordenador do Curso de Direito do Imesb. Professor de Direito Processual Civil no Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro – Imesb, da Faculdade de

Direito de Jaboticabal, da Escola Superior de Direito – ESD e da Escola Superior de Advocacia – [email protected]

Recebido em: 25.09.2015 Aprovado em: 24.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: Atualmente, o princípio do contraditório adquiriu maior extensão no processo civil. A con-cepção tradicional foi abandonada, que o limitava à obrigatoriedade da ciência dos atos e termos do processo para que a parte tivesse facultada a rea-ção, para adotar-se o entendimento que consagra a participação do juiz no diálogo processual travado com as partes, de tal modo que a efetiva observân-cia ao contraditório é condição de possibilidade para a atribuição de legitimidade democrática às decisões judiciais. O novo Código de Processo Civil, norteado pelas diretrizes constitucionais, raciona-liza satisfatoriamente o contraditório, em todas as suas possíveis formas e ainda garante a atuação das partes, em igualdade de condições, para influenciar a formação do convencimento judicial e também para proibir a prolação de decisões judiciais surpre-sa, ainda que diante de hipóteses que possam ser conhecidas de ofício.

Palavras-chave: Processo civil democrático – Con-traditório – Novo Código de Processo Civil.

absTracT: Currently, the principle of contradictory acquired greater extent in the civil procedure. The traditional view has been abandoned, which limited it to the obligatoriness of the awareness of the acts and terms of the procedure so that the party had the possibility to react, to take up the understanding which establishes the judge’s participation in the procedural dialogue between the parties, so that the effective observance of the contradictory is a condition of possibility for granting democratic legitimacy to judicial decisions. The new Code of Civil Procedure, guided by constitutional guidelines, satisfactorily rationalizes the contradictory in all its possible ways, and also ensures the parties’ acting, on equal terms, to influence the formation of judicial conviction as well as to prohibit the accomplishment of surprise judicial decisions, although on hypotheses that can be known without the existence of the party’s requirement in this sense.

KeyWords: Democratic civil procedure – Contradictory – New Code of Civil Procedure.

sumáRio: Introdução – 1. O processo civil nos diversos modelos de Estado: 1.1 Advertência inicial; 1.2 O processo civil no Estado Liberal; 1.3 Estado Social; 1.4 Estado Democrático de Direito –

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16 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

2. Ampliação do conteúdo do princípio do contraditório a partir do surgimento do processo civil democrático: 2.1 Notas introdutórias; 2.2 Fundamentos e extensão do contraditório; 2.3 O con-traditório como garantia de influência; 2.4 O contraditório como garantia de não surpresa; 2.5 As formas de contraditório no processo civil: 2.5.1 O contraditório prévio; 2.5.2 O contraditório diferido; 2.5.3 O contraditório eventual – 3. Considerações finais – 4. Referências bibliográficas.

iNTrodução

No decorrer deste trabalho, pretende-se, primeiramente, analisar as variações pro-cessuais civis pelas quais passaram os diversos modelos de Estado, para, ao depois, verificar se e em que medida o direito fundamental ao contraditório foi (re)dimensio-nado a partir da Constituição Federal de 1988, no Estado Democrático de Direito e, sobretudo, como o novo Código de Processo Civil racionalizou a sua estrutura.

1. o Processo civil Nos diversos modelos de esTado

1.1 Advertência inicial

Por mais que o sistema processual se ajuste a um determinado modelo de Estado, as suas características não são reproduzidas na realidade como algo intrinsecamente puro, porque o que ocorre é a caracterização e a inclusão dos ordenamentos em ca-tegorias que se inspiram no critério da predominância e não da exclusividade.1

Se o processo é o instrumento por meio do qual é prestada a tutela jurisdicional, e esta, por sua vez, consiste em uma das manifestações essenciais do poder estatal, não se pode olvidar que o processo constitui fenômeno politicamente relevante e que nem sempre se vê de modo transparente o nexo entre a ideologia oficial e a fi-sionomia das instituições judiciárias ou o modo de ser do processo. Nesse terreno, as ações e reações, os avanços e os recuos que traçam o curso da História possuem alto grau de complexidade, que muitas vezes escapam a qualquer análise racional. Seria exagero de simplificação conceber, automaticamente, que se determinada lei surgiu sob o regime autoritário será ela incompatível com as garantias democráti-cas conquistadas no decorrer do tempo. A realidade é sempre mais complexa do que a imagem que dela propõem interpretações lineares.2

1. BarBosa Moreira, José Carlos. Duelo e processo. Revista de Processo. vol. 112. p. 178. São Paulo: Ed. RT, out. 2003.

2. BarBosa Moreira, José Carlos. O neoprivativismo no processo civil. Revista de Processo. vol. 122. p. 9. São Paulo: Ed. RT, abr. 2005; BarBosa Moreira, José Carlos. Sobre a multiplicida-de de perspectivas no estudo do processo. Revista de Processo. vol. 49. p. 11. São Paulo: Ed. RT, jan. 1988.

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17Teoria Geral do Processo

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

No Brasil, por exemplo, há leis processuais que têm feição nitidamente progres-sista – como a da ação popular (Lei 4.717/1965) e da ação civil pública (Lei 7.347/1985) – e que foram editadas sob a batuta de governos militares de direita.3

Essa advertência inicial é necessária para esclarecer o fato da íntima vinculação entre processo civil e poder político e, mais do que isso, para deixar claro que a visão aprofundada do mecanismo judicial e de seu funcionamento requer a con-templação de tais realidades à luz da ciência política.4

1.2 O processo civil no Estado Liberal5

No Estado absolutista, o Rei concentrava nele todas as funções estatais, de tal modo que a concepção que se tinha de Estado se confundia com a própria figura do monarca, a ponto de Luís XIV ter pronunciado a célebre frase: L’État s’est moi.6

De um lado, culminava-se com a extensão de privilégios à nobreza e ao clero e, de outro, proporcionavam-se inúmeros arbítrios aos membros das classes menos favorecidas.

Na França, a burguesia revolucionária, objetivando a redução dos poderes do Reino e a extinção dos privilégios da feudalidade, desse prélio saiu vitoriosa.7 Mas, como ela foi incapaz de realizar a sua própria revolução, induziu o povo para aden-trar o campo bélico, com a promessa de uma sociedade construída com liberdade, igualdade e fraternidade.8

Numa visão marcada por forte influência iluminista, o indivíduo via-se como detentor de direitos inatos. Ainda num estado de liberdade primitiva, o homem já era possuidor de direitos naturais, entendidos como um conjunto de valores e de pretensões não decorrentes de uma norma jurídica emanada do Estado, mas que mesmo assim possuíam validade pelo simples fato de existirem, graças a uma ética superior.9

3. BarBosa Moreira, José Carlos. Sobre a multiplicidade de perspectivas... cit., p. 11.

4. Idem, ibidem.

5. Para uma análise mais detalhada, ver: NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Tempo do pro-cesso civil e direitos fundamentais. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010. p. 25-61.

6. sarMeNto, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 7.

7. BoNavides, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 42.

8. silva, Benedito Cerezzo Pereira da. O poder do juiz: ontem e hoje. Ajuris – Revista da Asso-ciação dos Juízes do Rio Grande do Sul. n. 104. p. 21. Porto Alegre: Ajuris, 2006.

9. Barroso, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: Barroso, Luís Roberto

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18 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Na constituição do contrato social, segundo o ponto de vista lockeano, os indi-víduos alienaram a sua liberdade a um corpo social composto por todos, mas sem abrir mão de seus direitos naturais, considerados inatos e inalienáveis, que have-riam de ser respeitados pelos governantes.10

A fórmula encontrada para racionalizar e legitimar o poder foi a Constituição, tida como lei escrita e superior às demais normas, que deveria tratar da separação dos poderes para contê-los e para garantir os direitos do cidadão oponíveis em face do Estado.11

Assim, as declarações de direito mais importantes surgidas no período, final do século XVIII, foram: (a) nos Estados Unidos da América: o Bill of Rights, no Estado de Virgínia, em 1776, e a Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787, alterada em 1791 para incluir em seu rol liberdades públicas e garantias em benefí-cio do cidadão norte-americano; (b) na França: a Declaração dos Direitos do Ho-mem e do Cidadão, em 1789, cujo art. 16 estabelecia que “toda a sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação de poderes determinada, não tem constituição”.

À luz do liberalismo, o Estado devia intervir o mínimo possível na esfera jurídi-ca dos particulares, garantindo a igualdade formal, a liberdade individual e o direi-to de propriedade, bem como a limitação do poder estatal, com vistas a coroar a ascensão da burguesia rumo a um patamar tal que a possibilitasse substituir a no-breza. Essas medidas consistiram no arcabouço institucional indispensável para o florescimento do regime capitalista.12

O papel reservado ao Poder Judiciário era o de fazer com que o juiz ignorasse as mais diferentes posições sociais, para que proferisse sentença judicial baseada no texto expresso da lei. De acordo com célebre expressão cunhada por Montes-quieu, o juiz deveria agir como se fosse a bouche de la loi (a boca da lei), declaran-do a lei produzida pelo legislador ao caso concreto, porque a tarefa de criação do Direito ficava a cargo exclusivo do Legislativo. Se assim não fosse, o juiz estaria constituindo uma opinião particular capaz de proporcionar insegurança jurídica, porque “viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos nela assumidos”.13

(org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações pri-vadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 20.

10. locke, John. O segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

11. sarMeNto, Daniel. Op. cit., p. 9.

12. Idem, p. 11.

13. MoNtesquieu, C. de Secondat. Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 160.

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19Teoria Geral do Processo

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Como decorrência do liberalismo jurídico, que via a atuação do juiz com des-confiança, foram sedimentados dogmas14 processuais civis, que indicavam as partes como protagonistas.

A jurisdição tinha a finalidade de tutelar apenas os direitos individuais subjeti-vos violados. Buscava-se a reparação do dano, pois ao juiz não se permitia a atuação de sua vontade antes que o ordenamento jurídico fosse violado. Qualquer ato judi-cial que viesse a tutelar um direito ainda não violado era considerado como um atentado à liberdade individual. Assim, inexistia possibilidade de se realizar a tute-la preventiva dos direitos. Tinha-se em mente que a reparação do dano deveria ser realizada por meio da prestação do equivalente econômico. Em razão disso, foi construída uma técnica processual baseada na prolação de uma sentença condena-tória, que, se não fosse voluntariamente cumprida pelo devedor, daria guarida ao surgimento dos mecanismos executivos de expropriação, com o fim de permitir a realização forçada do direito de crédito, mediante a penhora, a venda do bem pe-nhorado e o consequente pagamento do credor.15

Os atos judiciais eram desprovidos de qualquer poder de imperium. Não se in-terferia na realidade existente além da relação processual. O juiz não podia atribuir força executiva às suas decisões por meio da imposição de coerção, como, por exemplo, aplicação de multas em caso de descumprimento da obrigação reconhe-cida na sentença.

O juiz não se valia de poderes instrutórios. As provas produzidas ao longo do processo ficavam sob o encargo das partes. O desfecho do processo se dava unica-mente em razão do comportamento realizado pelas partes, sendo o juiz quase que um mero expectador de tal atividade. Ele não interferia na relação processual nem mesmo para determinar a realização de uma prova de ofício quando tinha cons-ciência da posição de vulnerabilidade de um dos litigantes ou de que a “verdade dos fatos” estava sendo construída pela astúcia ou em virtude de maior habilidade de uma das partes.

14. “O dogma, afinal, atravessa a história das ideias como uma verdade absoluta, que se pre-tende erguer acima de qualquer debate; e, assim, captar a adesão, a pretexto de que não cabe contestá-la ou a ela propor qualquer alternativa. Neste viés, terá, sempre, uma ten-dência a cristalizar as ideologias, mascarando interesses e conveniências dos grupos que se instalam nos aparelhos de controle social, para ditarem as normas em seu próprio benefí-cio. Como toda ideologia, aliás, não é questão de má-fé, uma vez que produz a cegueira mental e tem como resultado um ‘delírio declamatório’.” lyra Filho, Roberto. Para um di-reito sem dogmas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 1980. p. 12.

15. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: execução. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 34.

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20 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

A neutralidade judicial era indispensável – como se isso fosse possível –,16 pois ao juiz era vedado fazer com que suas paixões, suas ojerizas, sua ideologia e qual-quer outra ordem de sentimentos viessem à tona no momento de proferir alguma decisão judicial. A sua função como intérprete estava limitada à descoberta das leis que regiam o “fato normativo”. Toda atenção era voltada para os dizeres contidos na norma. Os fatos concretos somente entravam em cena no momento de sua sub-sunção à norma.

A busca da certeza e da verdade era incessante. O juiz não podia decidir com base em convicção de verossimilhança, diante da pretensa semelhança então pro-palada do Direito com as ciências matemáticas.17 O juiz só estava autorizado a jul-gar o mérito ao término de uma cognição plena e exauriente, que privilegiasse a plenitude da defesa.

Prevalecia o dogma da nulla executio sine titulo. Nula era a execução que não fosse baseada em um título executivo. O direito material apenas poderia ser concre-tamente realizado após a prolação de uma sentença judicial transitada em julgado e, posteriormente, pelo inadimplemento da obrigação consubstanciada no título executivo extrajudicial. Tanto era assim que a doutrina tradicional (Chiovenda) considerava que a execução provisória da sentença era uma “figura anormal”.18

Portanto, no momento em que restou consagrada a autonomia do Direito Pro-cessual Civil perante o Direito Civil, já se tornou possível constatar que ele estava comprometido com os ideais do liberalismo e com o pressuposto racionalista que determinou a submissão do juiz ao poder político. Enquanto oferecia-se às partes um procedimento amplo, apto a proporcionar a plenitude da defesa em juízo, fa-zendo com que o Estado viesse a decidir com a segurança que o tratamento exaus-

16. “O juiz deve atuar como um agente transformador da realidade social. O seu julgamento não poder ser ‘neutro’, porque ele traz consigo uma visão de mundo totalmente particular, que não se confunde – por mais que se tente – com a de qualquer outro ser. Mesmo que não tenha conhecimento disso, suas concepções filosóficas, sociais, políticas, históricas, dentre outras, não deixam de existir por meio de dogmatismos ainda enraizados na cultu-ra jurídica.” NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Op. cit., p. 53.

17. silva, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 279.

18. “Entrementes, pode ocorrer a figura de uma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre a definitividade da cognição e a executoriedade. É o que sucede, em primeiro lugar, quando a condenação é confirmada ou proferida em grau de apelação, e isso porque a sentença de apelação, se bem que não definitiva, por sujeita a cassação é to-davia executória, uma vez que a cassação não suspende a execução da sentença, e o mesmo se dirá do pedido de revogação. Conquanto seja uma figura anormal, porque nos apresen-ta uma execução descoincidente, de fato, da certeza jurídica.” chioveNda, Giuseppe. Insti-tuições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965. vol. 1, p. 235.

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21Teoria Geral do Processo

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

tivo lhe daria, esse mesmo procedimento haveria de esgotar todas as possíveis questões litigiosas, porque assim asseguraria para sempre a máxima amplitude da coisa julgada.

1.3 Estado Social

Com o passar dos anos e o evoluir da sociedade, o Estado Liberal absenteísta mostrou-se insuficiente para tutelar os direitos fundamentais e suprir as necessida-des imprescindíveis da sociedade, apesar de ter proporcionado inúmeros avanços em relação ao que se encontrava à época do absolutismo.19

Houve o surgimento do Estado do bem-estar social (welfare state), também cha-mado de Estado Social, a partir das Constituições do México, em 1917, de Weimar, em 1919, e das insurgentes após o término da Segunda Guerra Mundial, tendo ní-tido traço intervencionista e o firme propósito de promover a igualdade material.20

Por atribuir o comportamento ativo na realização da justiça social, não se cuida mais de evitar a intervenção arbitrária do Estado na esfera da liberdade individual, mas sim de proporcionar aos indivíduos direitos a prestações sociais, tais como pres-tações nos âmbitos da assistência social, da saúde, da educação, do trabalho etc.

A tutela aos direitos fundamentais passou a ser trabalhada em duas dimensões. Uma consistente em normas de competência negativa aos poderes públicos, com o propósito de impedir o cometimento de abuso estatal na esfera jurídica individual (status negativus), e a outra marcada pela existência da função prestacional social a ser realizada pelo Estado em benefício do indivíduo (status positivus).21

Nesse ambiente, embora os juízes ainda se encontrassem fortemente influencia-dos pelo modelo jurídico clássico liberal-individualista e pela cultura formal-posi-tivista, nota-se a presença de certo grau de comprometimento para com a obtenção de resultados justos e úteis no e por meio do processo.

O Estado-juiz passou a demonstrar interesse para com o objeto do processo e com o resultado útil e justo dele obtido, assumindo o protagonismo processual que, no Estado Liberal, era exercido pelas partes. A título de exemplos, registrem--se os poderes instrutórios do juiz e a prolação de decisões judiciais advindas da atuação solipsista do juiz.

Contudo, no Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, deu--se vida ao Estado Democrático de Direito, com a irradiação de novas luzes a con-tornar o processo civil.

19. sarMeNto, Daniel. Op. cit., p. 15.

20. Ver: BoNavides, Paulo. Op. cit.

21. caNotilho, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1992. p. 373-374.

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NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

1.4 Estado Democrático de Direito

Ao término da 2.ª Guerra Mundial inicia-se uma fase de transição do Estado Social para o Estado Democrático de Direito, na tentativa de consolidar conquistas e de evitar que experiências desastrosas anteriores voltassem a ocorrer, tendo como principais mecanismos de destaque a submissão do Estado às normas previstas no ordenamento jurídico, a proteção à dignidade da pessoa humana, a soberania po-pular, a supremacia das normas constitucionais, a efetividade dos direitos funda-mentais e a ampliação do conceito de democracia.

Nesse momento, houve a positivação de inúmeros princípios gerais de direito, transferindo-os para o âmbito constitucional, observando o que foi realizado em nível internacional com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.

Enquanto as Constituições dos países do Ocidente, à luz do constitucionalismo moderno, de modo geral, tratavam quase que exclusivamente do sistema político e das normas estruturais do Estado, a partir desse momento essa concepção foi supe-rada, por força do denominado neoconstitucionalismo que, sem abandonar as con-quistas anteriores, passa a buscar a limitação do poder estatal, a conferir suprema-cia normativa e valorativa às normas constitucionais, tendo-se em conta a necessi-dade de efetivar direitos fundamentais para concretizar-se a dignidade humana.

Segundo o magistério de Luís Roberto Barroso, o neoconstitucionalismo pos-sui três marcos fundamentais, a saber: (a) marco histórico: indicativo do período pós-guerra e a redemocratização; (b) marco filosófico: referente à construção do pós-positivismo, do qual passam a ter intenso destaque tanto o princípio da dignidade da pessoa humana quanto o princípio da proporcionalidade; e (c) mar-co teórico: consistente no reconhecimento da força normativa da Constituição, na expansão da jurisdição constitucional e na reelaboração doutrinária da inter-pretação constitucional.22

No Brasil, todavia, a inserção de direitos fundamentais no âmbito constitucional foi postergada pela ditadura militar vigente (1964-1984), sendo que somente aos 5 de outubro de 1988 é que as normas constitucionais brasileiras passaram a ser vis-tas e compreendidas à semelhança do que acontecia no Velho Mundo há anos. Nesse período, não houve vida constitucional propriamente dita, mas “arremedo disso, com a lei infraconstitucional assumindo o papel relevante de mecanismos de organização da sociedade”.23

22. Barroso, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 243 e ss.

23. arruda alviM WaMBier, Teresa. Os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, como inspiradores da compreensão de algumas recentes alterações de direito positivo –

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23Teoria Geral do Processo

NuNes, Gustavo Henrique Schneider. Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 15-39. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Em realidade, a Constituição Federal de 1988 “foi o marco zero de um recome-ço, da perspectiva da nova história”, que não representava a manutenção de velhas utopias e sim a construção de um caminho a ser feito ao andar.24

Diante da influência exercida pelas normas constitucionais sobre as normas processuais civis infraconstitucionais, sob um viés crítico bastante acentuado, a doutrina especializada houve por bem elaborar o que pode ser denominado de “Direito Constitucional Processual”,25 ou, então, como aqui se prefere, de “Modelo Constitucional de Direito Processual Civil”.26

Desse modo, no Estado Democrático de Direito, outros contornos foram confe-ridos ao processo civil, em especial em razão da constatação da supremacia consti-tucional na atividade hermenêutica,27 sendo a Constituição, em realidade, a “con-dição de possibilidade do exercício do regime democrático”.28 Não deve haver mais a figura de um protagonista. Nem as partes nem o juiz devem ocupar a posição de centralidade, de maneira que deve ser vislumbrado um denominado “policentris-mo processual”.29

Há, em realidade, efetiva comunicação entre todos os atores processuais em ra-zão das novas balizas conferidas ao contraditório – assunto diretamente analisado neste trabalho –, como o poder de influência das partes no processo de tomada de

Constituição Federal e CPC. Revista do Advogado. n. 88. p. 188. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2006.

24. Barroso, Luís Roberto; Barcellos, Ana Paula. O começo da história. A interpretação cons-titucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: Barroso, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 329.

25. “Naturalmente, o direito processual se compõe de um sistema uniforme, que lhe dá homo-geneidade, de sorte a facilitar a sua compreensão e aplicação para a solução das ameaças e lesões a direito. Mesmo que se reconheça essa unidade processual, é comum dizer-se dida-ticamente que existe um direito constitucional processual, para significar o conjunto das normas de direito processual que se encontra na Constituição Federal, ao lado de um di-reito processual constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional. Não se trata, portanto, de novos ramos do direito processual.” Nery Jr., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 13. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 45.

26. BueNo, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. vol. 1, p. 128 e ss.

27. Fux, Luiz. Processo e Constituição. In: Fux, Luiz (coord.). Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 8.

28. streck, Lênio Luiz. Verdade e consenso. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 77.

29. theodoro Jr., Humberto; NuNes, Dierle; Bahia, Alexandre Melo Franco; PedraN, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 67.

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decisão judicial, a proibição de decisões que peguem as partes de surpresa, o res-peito à boa-fé processual, à cooperação e a fundamentação estruturada da decisão judicial.

Note-se que o contraditório não se resume ao diálogo travado apenas entre as partes, pois se exige que haja a realização de um permanente dever de colaboração entre partes e o juiz, cabendo a este os deveres de esclarecimento, diálogo, preven-ção e auxílio, a fim de comprometer-se com a justa composição do litígio.30

O novo Código de Processo Civil, atento à premissa de que a decisão judicial só é possuidora de validade na hipótese de observância ao contraditório, positivou algumas previsões que já eram abordadas pela doutrina, de maneira que o seu real âmbito de atuação restou estendido para delinear-se de forma consentânea às exi-gências do processo civil atual.

2. amPliação do coNTeúdo do PriNcíPio do coNTradiTório a ParTir do surGimeNTo do Processo civil democrÁTico

2.1 Notas introdutórias

No Estado contemporâneo, o Direito Processual Civil deve ser estudado e apli-cado na perspectiva dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais de justiça, de modo a visualizar a responsabilidade assumida pelo Estado em prestar uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva (art. 5.º, XXXV, da CF), resguardando os interesses do autor que tem razão em detrimento do réu que não a tem, ao mesmo tempo em que deve também resguardar os direitos do réu – e na mesma medida – quando a situação o exigir.

Diante disso, pretende-se analisar os fundamentos e a extensão do princípio do contraditório, previsto no art. 5.º, LV, da CF, bem como verificar de quais formas ele pode ser desenvolvido na processualística civil brasileira, atentando-se para a convivência equilibrada que deve existir entre questões relacionadas ao direito de ação, ao direito de defesa e aos deveres de cooperação entre as partes e o juiz ao longo do processo.

2.2 Fundamentos e extensão do contraditório

O contraditório assenta-se em dois fundamentos: o lógico e o político. A bila-teralidade da ação que proporciona a bilateralidade do processo é o fundamento

30. Idem, p. 82. No mesmo sentido: MariNoNi, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. O Projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 48.

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25Teoria Geral do Processo

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lógico. O fundamento político consubstancia-se na assertiva de que ninguém pode ser julgado sem ser anteriormente ouvido a respeito daquilo que contra si é imputado.31

Se em todo processo de jurisdição contenciosa deve haver pelo menos dois liti-gantes – autor e réu –, somente pela parcialidade do que foi por eles argumentado e produzido é que o juiz terá condições de resolver com justiça o caso que lhe foi apresentado. É certo que cada um desses litigantes age no processo com o intuito de fazer prevalecer o próprio interesse, mas, no fundo, ambos são colaboradores necessários do juiz, na formação de um processo dialético, que culminará na justa eliminação do conflito do qual fazem parte.32

O processo inicia-se por vontade das partes, mas desenvolve-se por impulso empregado pelo juiz, sendo que este, para julgar a lide terá que se valer dos conhe-cimentos que veio a adquirir por força das alegações e das provas apresentadas pelas partes, não sendo permitido formar seu convencimento com base em fatos que eventualmente tenha tido conhecimento fora dos autos do processo.

As partes traçam suas estratégias de atuação, analisando as alegações que se mostram pertinentes para o sucesso da causa, bem como quais meios de prova (tes-temunhal, pericial, documental etc.) podem ser produzidos para amparar suas res-pectivas pretensões deduzidas em juízo. Daí falar, a doutrina tradicional (Calaman-drei), no processo como jogo, “sendo usual apontá-lo como a dinâmica do entrecho-que entre uma ‘tese’ sustentada pelo autor e uma ‘antítese’ trazida pelo réu, ambas à espera da ‘síntese’ que virá do juiz”.33

O exercício jurisdicional só será legítimo quando preparado por atos idôneos segundo a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais, com a efetiva partici-pação dos sujeitos interessados, pois, nas democracias, todo o poder é legitimado pela participação.34 Busca-se a legitimação pelo procedimento, ou, no ponto, a “‘le-gitimação pelo contraditório e pelo devido processo legal’”,35 até mesmo porque o contraditório acarreta uma importante limitação à atuação do juiz.

31. PortaNova, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 261.

32. ciNtra, Antônio Carlos de Araújo; GriNover, Ada Pelegrini; diNaMarco, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 55.

33. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2009. vol. 1, p. 221.

34. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz; Mitidiero, Daniel. Novo curso de proces-so civil: teoria do processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. vol. 1, p. 354.

35. Idem, p. 220. Atualmente, tem-se buscado a estruturação de um procedimento justo e que seja apto a produzir decisões judiciais materialmente justas. Para tanto, tem sido utilizada

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26 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

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Sustentado tanto pelo fundamento lógico quanto pelo fundamento político, “o princípio dinamiza a dialética processual e vai tocar, como momento argumentati-vo, todos os atos que preparam o espírito do juiz”.36

Para José Frederico Marques, “torna-se inviolável o direito do litigante de pro-pugnar, durante o processo, com armas legais, a defesa de seus interesses, a fim de convencer o juiz, com provas e alegações, de que a solução da lide lhe deve ser favorável”.37

O princípio do contraditório oportuniza aos litigantes tecer considerações sobre as alegações da parte adversária e também de produzir a prova que dá sustentação ao seu discurso, sob pena de cometer-se cerceamento de defesa, à semelhança do que se passa “quando se assegura a audiência da parte adversária, mas não lhe fa-culta a contraprova”.38

Ocorre que, em algumas situações, uma vez regularmente instaurado o processo pelo exercício do direito de ação, está autorizado o juiz a agir de ofício, principal-mente no que diz respeito à iniciativa probatória, amparado que está pelos seus poderes instrutórios, o que lhe possibilita comportar-se não mais como um mero espectador. Tal situação fica mais intensa quando a causa referir-se sobre direitos indisponíveis. Note, a título de exemplo, que nenhum juiz será capaz de julgar improcedente o pedido formulado numa ação de investigação de paternidade em virtude de insuficiência de provas sob o argumento de que o autor deixou de reque-rer a produção da prova pericial (DNA).39

O princípio dispositivo – segundo o qual o juiz deve julgar a causa com funda-mento nos fatos alegados e provados pelas partes – deve ser mitigado, pois ante a “vocação solidarista do Estado moderno”, o juiz deve ser um personagem partici-pativo e responsável do drama judiciário, não devendo se contentar em ser “mero figurante de uma comédia”. O processo é um instrumento público, que não pode ficar ao alvedrio de interesses, condutas e omissões dos particulares, porque o Es-tado não é uma instituição similar a um “negócio combinado em família”.40

a expressão “processo justo”. Ver: coMoGlio, Luigi Paolo. Garanzie constituzionali e “gius-to processo” (modelli a confronto). Revista de Processo. vol. 90. p. 95-150. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun. 1998.

36. PortaNova, Rui. Op. cit., p. 161.

37. Marques, José Frederico. Manual de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. vol. 1, p. 373.

38. theodoro Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. vol.1, p. 28.

39. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito... cit., p. 230.

40. Idem, p. 229.

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É evidente que isso não significa que o juiz deve assumir paternalmente a tutela da parte negligente. O que deve fazer, com os olhos voltados para a efetividade da isonomia processual, é diligenciar para que a parte vulnerável que não soube mani-festar-se ou que tenha se manifestado de maneira superficial não fique passível de injustiças no decorrer da relação processual, tal como se fosse um “juiz ‘Pilatos’, que, em face de uma instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a falta aos litigantes”.41

Ao mesmo tempo em que se deve assegurar a efetivação da igualdade de partici-pação das partes, é preciso que seja satisfeito o interesse público na descoberta da-quilo que pode ser entendido como verdade e na realização da justiça, o que evi-dencia sua importância para conter o arbítrio judicial.42

De acordo com Barbosa Moreira, o contraditório, quando relacionado à ativida-de instrutória, pode ser analisado em dupla perspectiva. De um lado, ele mostra-se apto a preservar a dignidade da disputa processual, que deve ser compatível com o respeito à personalidade dos litigantes, eliminando-se as surpresas desleais, o emprego insidioso de armas secretas, bem como o emprego de golpes realizados no escuro. De outro, no entanto, contribui para que a atividade judicial cognitiva tenda à reconstituição verdadeira dos fatos, na medida em que o conhecimento humano torna-se menos imperfeito quando as coisas são contempladas por mais de um ângulo e se ponham em confronto as diversas imagens parciais que foram assim colhidas.43

O contraditório, mais do que princípio processual é apanágio do regime demo-crático, e, por meio dele, estão enfeixados temas referentes à ação e à defesa que fazem a dialética indispensável do processo com vistas à solução justa.44

Tradicionalmente, o contraditório é compreendido como a obrigatoriedade de informar a parte adversária acerca do ato ou termo processual acrescida pela possi-bilidade de reação. Vê-se, assim, que a informação é indispensável e a reação é fa-cultativa.

Porém, nos dias atuais, por força do dever de colaboração, “o contraditório ga-nhou mais elastério, deixando de ser apenas o binômio ‘informação-reação’, para converter-se no trinômio ‘informação-reação-diálogo’”, pretendendo-se, com isso,

41. Idem, ibidem.

42. oliveira, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed. São Paulo: Sarai-va, 1997. p. 238.

43. BarBosa Moreira, José Carlos. A garantia do contraditório na atividade de instrução. Revis-ta de Processo. vol. 35. p. 231. São Paulo: Ed. RT, jul. 1984.

44. PortaNova, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 1997. 117.

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“garantir às partes à possibilidade de ‘participação efetiva’ no processo, no sentido de que o julgador analise e leve em consideração as alegações e provas por elas produzidas”.45

Nessa ordem de ideias, há que se (re)dimensionar o sentido e o alcance do prin-cípio do contraditório, à luz das disposições contidas no NCPC, sobretudo em seus arts. 7.º, 9.º e 10,46 que o racionalizam, para considerar dois desdobramentos indis-pensáveis: (a) o da influência exercida pelas partes quando da prolação de suas decisões; (b) o da proibição das decisões surpresa.

É o que se verá nos tópicos seguintes.

2.3 O contraditório como garantia de influência

Não basta mais a existência da bilateralidade de audiência, caracterizada pelo binômio conhecimento-reação, como ocorria à época do direito liberal. No Estado contemporâneo, deve haver efetiva participação das partes destinada a influenciar a formação da convicção judicial. Essa participação, aliás, consiste em condição de validade para a decisão judicial ser considerada legitimamente democrática.

Se por um lado o contraditório exige a ciência de um ato ou termo do processo, a fim de que a parte possa reagir, de outro, vale o registro de que essa reação deve ter verdadeiro poder de influenciar o juiz, sempre à luz das peculiaridades do caso concreto, distanciando-se, pois, de um contraditório que não leve em devida conta a qualidade e o conteúdo da real participação empreendida das partes.

É preciso que seja conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional por meio de apresentação de argumentos, ideias, alegação de fatos etc., sob pena de o contraditório restar violado. “É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a par-

45. loPes, João Batista. Princípios do contraditório e da ampla defesa na reforma da execução civil. In: saNtos, Ernane Fidélis dos; WaMBier, Luiz Rodrigues; Nery Jr., Nelson; arruda alviM WaMBier, Teresa. (coord.). Execução civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 80.

46. NCPC: “Art. 7.º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. “Art. 9.º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – à hipótese de tutela de evidência previstas no art. 311, incisos II e II; III – à decisão prevista no art. 701”. “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em funda-mento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trata de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

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ticipação com a possibilidade, conferida a parte, de influenciar no conteúdo da decisão”.47

Diante dessa nova dimensão, o contraditório deixou de ser algo cujos destinatá-rios sejam somente as partes e começou a incidir também sobre a figura do juiz, de maneira que deve não somente garantir o respeito ao contraditório entre as partes, mas fundamentalmente a ele também se submeter.48

Hipótese corriqueira na realidade processual civil – e que deve ser urgentemen-te revista –, consiste no uso de ementas de julgados e súmulas sem que qualquer exercício de reflexão, funcionando, muitas vezes, como verdadeiras âncoras facili-tadoras de julgamentos, com o propósito exclusivo, embora não exteriorizado, de otimizar o número de decisões proferidas. As súmulas e os precedentes têm sido utilizados sem a necessária recuperação do caso paradigma, tendo os tribunais, de modo geral, se reportado apenas a transcrição de ementas ou das súmulas, como se bastassem por si independentemente da contextualização dos casos que lhe deram origem e de forma a confundir ratio decidendi (fundamento determinante) com al-gum trecho contido na ementa ou no voto.49

Por respeito ao contraditório e à fundamentação estruturada da decisão judicial, o juiz precisa indicar em sua decisão quais são os argumentos de princípio contidos na fundamentação da súmula, jurisprudência ou precedente, que se mostram aptos a influenciar o novo julgamento. Não se pode ignorar que ele também pode contri-buir para a formação dos precedentes, seja concordando com a sua aplicação, seja apresentando contrapontos para que o tribunal leve em consideração novos argu-mentos, mesmo que seja obrigado a decidir conforme o padrão decisório adotado pelas Cortes Superiores.50

É relevante a possibilidade de o juiz dialogar com a corte que formou o pre-cedente.51

Sempre que o juiz ou o tribunal entender que não seja cabível a utilização de súmula, jurisprudência ou precedente precisará demonstrar que se trata de um caso diferente (distinguishing) ou de superação de entendimento (overruling), sob pena de nulidade, em consonância com o art. 489, § 1.º, V, do NCPC.

47. didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 1, p. 79.

48. sarlet, Ingo; MariNoNi, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 736.

49. theodoro Jr., Humberto; NuNes, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PedraN, Flávio Quinaud. Op. cit., p. 87-88.

50. Idem, p. 127.

51. Idem, ibidem.

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Por existir probabilidade de ser proferida decisão judicial apta a causar prejuízo à parte, parece mais do que evidente que há necessidade de o contraditório ser a ela oportunizado dessa maneira.

Esse desdobramento do contraditório vai exigir maior preparo dos advogados, na medida em que as suas argumentações ao longo do processo deverão apresentar resultado qualitativo mais intenso, bem como exigirá uma mudança de postura por parte de alguns juízes, no sentido de dialogar com as partes, de ouvir o que elas têm a dizer e de se mostrarem livres de ideias preconcebidas para estarem abertos a ar-gumentos que possam influenciá-lo.

Quanto maior for o poder de influência exercido pelas partes ao longo do pro-cesso, melhor será a qualidade conferida à decisão judicial, haja vista que “o de-ver de fundamentação das decisões consiste na ‘última manifestação do contradi-tório’, porquanto a motivação ‘garante às partes a possibilidade de constatar te-rem sido ouvidas’. Há, pois, um nexo inarredável entre inafastabilidade da juris-dição, direito fundamental ao contraditório e dever de fundamentar as decisões jurisdicionais, sem o qual não se pode reconhecer a existência de um processo justo”.52

2.4 O contraditório como garantia de não surpresa

Além de garantia de influência, o contraditório também deve ser considerado como uma garantia que impede a prolação de decisão surpresa. O juiz tem o dever de incitar o debate entre as partes a respeito das questões pendentes de julgamen-to, inclusive em relação àqueles que pode conhecer de ofício (art. 10 do NCPC). Por força do contraditório, as decisões judiciais não podem decorrer unicamente da atuação valorativa do juiz sem que antes tenha conferido às partes a possibili-dade de influenciá-lo em relação aos fundamentos fáticos e jurídicos inerentes à causa.53 Nessa perspectiva, é expresso o art. 10 do NCPC, de modo a seguir a linha do § 139 do ZPO.

A título de exemplo, se o réu não alegou a falta de uma das condições da ação, parece inegável que o juiz possa conhecê-la de ofício, por tratar-se de matéria de

52. Mitidiero, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 138.

53. De tal modo, entende-se equivocado – para não dizer algo que sinaliza verdadeiro retroces-so processual – o Enunciado 1 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ao prever que: “Entende-se por ‘fundamento’ referido no art. 10 do CPC/2015 o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribu-ído pelas partes”.

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ordem pública. Contudo, antes de decidir deve ouvir o que as partes têm a dizer. Uma coisa é decidir de ofício e outra é decidir sem a oitiva das partes.54

Antes mesmo da previsão contida no NCPC – inclusive, como especificamente o faz o art. 1.023, § 2.º –, parcela da doutrina e da jurisprudência, cônscia do mo-delo constitucional de processo civil, já entendia que, nos casos de omissão legisla-tiva, o juiz estava autorizado a construir o procedimento adequado ao direito de defesa, tal como na hipótese de embargos de declaração com eficácia infringente.

É óbvio que, por não visar apenas corrigir a decisão por obscuridade, contradição ou omissão, eis que possuidores da pretensão de modificar a decisão nos casos de erro de fato, equívoco manifesto ou erro material, estava a falar-se de uma forma de im-pugnação das decisões que não foi prevista pelo legislador e que necessitava da intima-ção da parte contrária, para que esta pudesse impugnar as razões dos embargos.55

Os embargos de declaração infringentes são excepcionais, sendo cabíveis apenas em dois grupos de hipóteses (suprimento de uma omissão e ataque a decisões ab-surdas), sendo-lhes inegável a natureza recursal. Por isso, havia – como agora há de forma mais clara – necessidade de se ouvir o embargado a respeito dos termos constantes nos embargos declaratórios, porque o que se está a postular é a prolação de uma decisão capaz de lhe retirar a condição de parte vencedora, transmudando--a em vencida.

Assim como ocorre com a apelação e com os embargos infringentes – não mais previstos como espécie recursal no NCPC –, os embargos de declaração, quando imbuídos de modificar substancialmente o julgado, estão sujeitos ao contraditório, a fim de que o embargado tenha oportunidade de oferecer suas contrarrazões, sob pena de nulidade.56

Para Marinoni, “qualquer forma de impugnação que possa modificar uma deci-são deve poder ser respondida pela parte que foi por ela beneficiada e pode ser prejudicada pela nova decisão a ser tomada”. Ocorre que, “se o juiz, em virtude dos embargos de declaração com efeitos infringentes, pode modificar a decisão embar-gada, prejudicando a parte contrária, não se pode negar o direito a resposta a essa modalidade de embargos de declaração”.57

54. Neves, Daniel A. Assumpção. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2012. p. 67.

55. MariNoNi, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Ed. RT, 2006. vol. 1, p. 343-344.

56. diNaMarco, Cândido Rangel. A nova era do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 194.

57. MariNoNi, Luiz Guilherme. Curso de processo... cit., p. 345. Nesse sentido: “Processual ci-vil. Violação do art. 535 do CPC inocorrente. Ação rescisória. Art. 485, V, do CPC. Embar-

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A garantia da não surpresa só não incidirá, por lógica, nos casos de (a) tutela provisória de urgência (art. 9.º, parágrafo único, I, do NCPC); de (b) tutela de evidência (i) quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas docu-mentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante ou (ii) quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa (art. 9.º, pará-grafo único, II, do NCPC), à decisão prevista no art. 701, atinente ao procedimen-to monitório (art. 9.º, parágrafo único, III, do NCPC); (c) de indeferimento da petição inicial (art. 330 do NCPC); e (d) de improcedência liminar do pedido (art. 332 do NCPC).

2.5 As formas de contraditório no processo civil

2.5.1 O contraditório prévio

O princípio do contraditório legitima a prestação da tutela jurisdicional, na medida em que as partes da demanda têm a faculdade de praticar atos capazes de influenciar o convencimento do juiz, em igualdade de condições, em paridade de armas.

O problema é que, com isso, a Constituição Federal, aparentemente, garantiu a plenitude da defesa, equiparando o contraditório exigido no processo penal ao con-traditório que se entende igualmente exigido no processo civil, pouco se importan-do, pois, com a disparidade do grau de disponibilidade dos bens jurídicos situados nestes ramos do Direito.58

gos de declaração. Atribuição de efeitos infringentes. Ausência de vista à defesa. Violação do princípio do contraditório. Juízo rescissorium. Inadmissibilidade antes da correção da falha. 1. Inexistem quaisquer resquícios de violação do art. 535 do CPC, porquanto a Cor-te de origem apreciou a controvérsia de modo integral e sólido, apenas não adotando a tese que a recorrente pretendia ver prevalente. 2. O entendimento jurisprudencial desta Corte e do STF trilham no sentido que, em observância ao princípio constitucional do contradi-tório, exige-se prévia intimação da parte embargada se os embargos de declaração tiverem caráter infringente. 3. Neste caso, mesmo que o efeito infringente concedido aos aclarató-rios, opostos pelo Estado para modificar a apelação, tenha decorrido da declaração de constitucionalidade procedente do julgamento da ADIn 1851, ainda assim, seria necessá-ria a prévia intimação da parte adversa (...)” (STJ, REsp 1.195.513, rel. Min. Castro Meira, j. 26.08.2010). E ainda: STF, 2.ª T., RE 250396, rel. Min. Marco Aurélio, j. 14.12.1999, DJ 12.05.2000; STJ, 3.ª T., AgRg 729.281, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 01.03.2007.

58. Ver: silva, Ovídio A. Baptista da. A “plenitude de defesa” no processo civil. In: teixeira, Sálvio de Figueiredo (coord.). As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1996.

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Por isso, difundiu-se a ideia de que o princípio do contraditório só existe quan-do for prévio, quando o juiz só puder conhecer a lide após a oitiva das partes, ou seja, a de que só haveria contraditório quando a parte tivesse a possibilidade de tomar prévio conhecimento de determinada questão e de tecer todas as considera-ções que julgar pertinentes, tudo com o intuito inequívoco de se aplicar a “vontade da lei”, após plena e ampla certificação do direito, salvo, como aponta Ovídio Araú-jo Baptista da Silva, “no processo executivo obrigacional que, milagrosamente, re-nega o sistema!”.59

Apesar de ter-se elaborado a execução de título executivo extrajudicial, cuja ação é de cognição sumária, o princípio do contraditório foi previsto na Constitui-ção Federal de 1988 como uma garantia suprema, o que ocasionou a exclusão do contraditório diferido e do contraditório eventual, transformando, por consequên-cia, “em ‘ordinárias todas as demandas, pois sem liminares de mérito todas elas tornam-se ordinárias, dada a relação essencial entre ‘contraditório prévio e ordinariedade’”.60

No entanto, no rol de procedimentos especiais, muitos deles previstos em legis-lação extravagante, o contraditório e a ampla defesa possuem vigência diversa da-quela havida na ordinariedade dos casos, demonstrando, assim, a formação de dois sistemas processuais, um popular, plebeu, para aqueles que não disponham de um procedimento privilegiado, e outro, “sofisticado”, destinado a tutelar as várias es-truturas de Poder, visível e invisível.61

Conforme ressaltado por Ovídio A. Baptista da Silva, o Estado, na qualidade de autor, continua a utilizar-se de procedimentos “sem defesa”, como na execução fiscal, ou, ainda, como ocorre nos procedimentos em que a defesa permitida ao réu é raquítica (ex.: ação de desapropriação), sendo que, a respeito deste ponto, vale salientar “que as limitações ao direito do contraditório e, por via de consequência, da cognição do juiz, sejam estabelecidas em lei processual ou em lei material, se impossibilitam a efetiva tutela jurisdicional do direito contra qualquer forma de denegação de justiça, ferem o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicio-nal e por isso são inconstitucionais (ofensa ao inc. XXXV do art. 5.º da CF/1988; na Constituição Federal anterior, art. 153, § 4.º)”.62

Como consequência, as estruturas do poder econômico se beneficiam de instru-mentos que os livram do processo de conhecimento comum. Exemplo marcante

59. silva, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia... cit., p. 112.

60. Idem, ibidem.

61. Idem, p. 162.

62. WataNaBe, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. São Paulo: DPJ, 2005. p. 134.

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desse estado de coisas é a ação de busca e apreensão do bem fiduciariamente alie-nado que, por tratar-se de uma demanda radicalmente sumária, visa proteger os interesses de uma classe de empresários.63

Entretanto, em que pese essa ideologia liberal-burguesa manter resquícios na legislação processual civil brasileira, o certo é que diante da nova ordem constitu-cional, percebe-se que é justamente por força do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional que o princípio do contraditório não pode existir e ser apli-cado somente na sua modalidade prévia. Há, em realidade, situações que permitem e legitimam restrições no âmbito de aplicação do contraditório, com o objetivo primordial de assegurar a efetividade jurisdicional, conforme sentido nas demais formas pelas quais o princípio do contraditório se manifesta no plano processual, quais, sejam, a diferida e a eventual.64

Inclusive, conforme já declinado acima, o art. 9.º, parágrafo único, do NCPC é expresso a prever que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”, salvo nas hipóteses de concessão de tutela provisória de urgência, de tutela de evidência (quando as alegações de fato puderem ser compro-vadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos re-petitivos ou em súmula vinculante, ou quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa) e de expedição do mandado monitório diante da evidência do direito do autor, nos ter-mos do art. 701.

2.5.2 O contraditório diferido

Contraditório diferido é aquele em que o juiz primeiro profere a decisão sobre determinada questão para, ao depois, intimar a parte para sobre ela se manifestar, a exemplo do que acontece quando da concessão de uma medida liminar inaudita altera parte em sede de possessórias, mandado de segurança, ações populares, ações diretas de inconstitucionalidade, cautelares, ações civis públicas e tutela antecipa-tória, hipóteses em que “a efetiva concessão da liminar não configura ofensa, mas sim ‘limitação imanente’ do princípio do contraditório no processo civil”.65

Nesses casos, o juiz julga desde logo o mérito da causa, antecipando a prática de atos executórios antes da prolação da sentença, mesmo admitindo que este julga-

63. silva, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia... cit., p. 162.

64. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz; Mitidiero, Daniel. Novo curso de proces-so... cit., p. 349.

65. Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legis-lação processual civil extravagante em vigor. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 25.

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mento seja provisório, cuja irradiação de efeitos será limitada até futura sentença meritória, seja esta de procedência, caso em que a parte que se destacara do conteú-do antecipado será absorvida; seja esta de improcedência, quando a antecipação acaba por ser eliminada.66

2.5.3 O contraditório eventual

Há, ainda, o contraditório eventual, que é aquele em que a análise de determi-nada questão é remetida para o plano existencial de outro processo, dando-se ense-jo ao contraditório apenas se a parte que figura no polo passivo da demanda tiver interesse em agir dessa maneira, tal como acontece com os embargos à execução de título executivo extrajudicial.

Cumpre destacar que o processo de execução foi idealizado para não ter cogni-ção sobre o crédito consubstanciado no título executivo, tendo em vista o fato de a obrigação já encontrar-se previamente reconhecida, nada havendo que se esclare-cer ao juiz antes de se requerer a sua realização.67 No entanto, como a presunção decorrente do título executivo extrajudicial é relativa, cabe ao executado atacar a execução apontando os aspectos viciados de seu procedimento, os defeitos do títu-lo apresentado, ou, ainda, a insubsistência do crédito alegado pelo exequente.

Essa defesa do executado não pode ser feita no corpo do processo de execução, mas em processo de conhecimento autônomo, por meios dos embargos à execu-ção, que constituem uma espécie de ação incidental à execução utilizada para se opor à pretensão de executar.68

Como no processo de execução de título extrajudicial o princípio do contradi-tório não é aplicado tal como no processo de conhecimento, as questões trazidas a lume pelos embargos à execução serão remetidas para o âmbito de outro processo.

Enquanto no contraditório prévio e no contraditório diferido “as posições das partes não se alteram (...) – o autor continua autor e o réu, como réu, haverá de contestar a ação –, no ‘eventual’ aquele que figura-se inicialmente como autor irá tornar-se demandado, na ação ‘plenária’ subsequente”.69

66. silva, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia... cit., p. 152.

67. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz. Curso de processo... cit., p. 447.

68. Registre-se: além da oposição dos embargos, o devedor tem a possibilidade de se defender no próprio processo de execução, apresentando a denominada exceção de pré-executivi-dade, de criação pretoriana, por meio da juntada de simples petição, desde que a matéria versada seja de ordem pública ou que, ao menos, possa ser provada de plano, sem neces-sidade de dilação probatória.

69. silva, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia... cit., p. 157.

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De modo que o contraditório eventual “é um importante expediente de sumari-zação material, concorrendo, pois, para outorgar efetividade à tutela jurisdicional, mercê da redução do campo do litígio”.70

3. coNsiderações FiNais

O processo civil democrático adota o modelo cooperativo (art. 6.º do NCPC), amparado pela boa-fé processual (art. 5.º do NCPC), a fazer com que a formação do convencimento judicial não seja algo unipessoal por parte do juiz. De um lado, as partes atuam ativamente em busca da composição do litígio, de modo a influen-ciar o juiz no proferimento da decisão judicial. De outro, ao juiz se impõe o dever de levar em consideração a atuação das partes na realização do seu processo de to-mada de decisão.

Por consequência, na atualidade, o contraditório – seja prévio, diferido ou even-tual, cada um a sua maneira –, inclui o juiz no diálogo processual, garantindo às partes o poder de influência na construção do provimento judicial e proibindo a prolação de decisões surpresa, ainda quando se estiver diante de matérias que pos-sam ser conhecidas de ofício pelo juiz (art. 10 do NCPC).

4. reFerêNcias biblioGrÁFicas

arruda alviM WaMBier, Teresa. Os princípios constitucionais da legalidade e da iso-nomia, como inspiradores da compreensão de algumas recentes alterações de direito positivo – Constituição Federal e CPC. Revista do Advogado. n. 88. p. 188. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2006.BarBosa Moreira, José Carlos. Duelo e processo. Revista de Processo. vol. 112. São Paulo: Ed. RT, out. 2003.

______. A garantia do contraditório na atividade de instrução. Revista de Processo. vol. 35. São Paulo: Ed. RT, jul. 1984.

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______. Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo. Revista de Processo. vol. 49. São Paulo: Ed. RT, jan. 1988.

Barroso, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Sa-raiva, 2009.

______. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: Barroso, Luís Roberto

70. Mitidiero, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil bra-sileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 56.

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37Teoria Geral do Processo

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BoNavides, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Dimensão dinâmica do contraditório, fundamentação decisória e conotação ética do pro-

cesso justo: breve reflexão sobre o art. 489, § 1.º, IV, do novo CPC, de Marcelo Veiga Franco – RePro 247/105-136 (DTR\2015\13183); e

• O princípio do contraditório no projeto do novo Código de Processo Civil, de Fernando Gon-zaga Jayme e Marcelo Veiga Franco – RePro 227/335-359 (DTR\2013\12498).

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o incidenTe de desconsideração da Personalidade JurÍdica e sua aPlicação ao reconhecimenTo, incidenTer

TanTum, da exisTência de gruPos econômicos

the inciDent piercing the corporate veil anD its application to the recognition, iNcideNTer TaNTum, of the existence of economic groups

gusTavo viegas marcondes

Mestre em Direito pela Unaerp. [email protected]

Recebido em: 21.10.2015 Aprovado em: 27.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil; Comercial/Empresarial

resumo: O presente estudo visa abordar o inciden-te de desconsideração da personalidade jurídica, criado pelo Novo Código de Processo Civil, parti-cularmente sob a perspectiva de sua aplicabilidade aos casos em que se busque o reconhecimento, no caso concreto, da existência de grupos econômicos não institucionalizados formalmente, entre duas ou mais pessoas jurídicas. Analisa-se a própria perspectiva constitucional acerca da jurisdição, no contexto contemplado pelo Novo Código de Proces-so Civil, e busca-se a aplicação do novo instituto também aos casos em que se procure o reconhe-cimento, no caso concreto, da existência de grupos econômicos.

Palavras-chave: Processo civil – Jurisdição – Con-traditório – Personalidade jurídica – Grupos eco-nômicos.

absTracT: This study aims to focus on the disregard incident of legal personality, created by the New Civil Procedure Law, particularly from the perspective of its applicability to cases where it is sought recognition, in each case, the existence of corporate groups not formally institutionalized, between two or more legal entities. It analyzes the very constitutional perspective on jurisdiction in the context contemplated by the new Civil Procedure Law, and seeks to the new institute application to cases in which they seek recognition, in each case, of the existence of corporate groups.

KeyWords: Civil procedural law – Jurisdiction – Right of adversarial – Legal personality – Corporate groups.

sumáRio: 1. Introdução – 2. A “nova” teoria da jurisdição – 3. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica – 4. O procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – 5. Críticas quanto à efetividade do incidente e as tutelas provisórias – 6. A questão dos grupos econômicos não institucionalizados – 7. A aplicabilidade do incidente para o reconheci-mento dos grupos econômicos – 8. Conclusões – 9. Referências bibliográficas.

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1. iNTrodução

Embora largamente admitida, no Brasil, a desconsideração da personalidade ju-rídica somente agora, com a edição do Novo Código de Processo Civil, passa a ter um regramento procedimental claro, específico e, ao menos em tese, uniforme. Se, por um lado, não subsistiam dúvidas, no plano do Direito Material, acerca de seu cabimento e, observada a natureza da relação jurídica, quais os seus respectivos pressupostos, no plano do Direito Processual, por outro lado, ainda se carecia de um modelo procedimental adequado para a sua aplicação.

Sob a perspectiva processual, a desconsideração da personalidade jurídica, até aqui, não representava uma pretensão específica da parte, sequer incidentalmente. Servia unicamente como fundamento para que se pudesse, conforme o caso, asse-gurar a efetivação do direito de crédito mediante ingresso na esfera jurídica do só-cio (desconsideração direta) ou da própria sociedade (desconsideração inversa).

Consequentemente, o deferimento ou indeferimento da desconsideração da per-sonalidade jurídica sempre foi tratado, sob o ponto de vista processual, como tema de menor importância, já que as decisões, via de regra, se apresentavam sucinta ou laconicamente fundamentadas. Em qualquer caso, a medida inevitavelmente repre-sentava uma surpresa para as partes e, sobretudo, ao atingido que, a partir daí, pas-sava a dispor unicamente da via recursal para buscar o afastamento de seus efeitos.

Sob a ótica do devido processo legal, portanto, a desconsideração da personali-dade jurídica efetuada nesses termos apresentava, naturalmente, duvidosa consti-tucionalidade, na medida em que a efetivação de tal medida se dava sem que hou-vesse oportunidade de efetiva participação processual aos atingidos.

Ao optar por regular procedimentalmente a desconsideração da personalidade jurídica, o Novo Código de Processo Civil dá um importante passo na direção de uma prestação jurisdicional concebida e construída, de fato, a partir dos preceitos constitucionais fundamentais, com destaque à garantia do devido processo legal e todos os seus consectários.

Sem embargo de todos os avanços que a criação do incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica poderá ensejar para aquelas hipóteses típicas já pre-vistas, notadamente a desconsideração direta e inversa, o reconhecimento inciden-ter tantum da existência de grupos econômicos também poderá se valer dos ganhos processuais inerentes a esse novo instituto jurídico, conforme se buscará demons-trar neste estudo.

2. a “Nova” Teoria da Jurisdição

Considerando a grandeza do diploma legislativo, a promulgação de um Novo Código de Processo Civil, naturalmente, suscita debates de todas as ordens. Trata-

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-se de uma Lei de regência aplicável, direta ou indiretamente, a todas as relações jurídicas de natureza não criminais e, bem por isso, apta a impactar, de inúmeras formas, todas as espécies de relações jurídicas. Tanto assim é que o art. 15 do NCPC expressamente o elege como fonte normativa e subsidiária aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos.

Entre os inúmeros debates já travados em sede doutrinária, inexiste consenso a respeito dos impactos que efetivamente poderão advir do Novo Código de Pro-cesso Civil. Há autores que propugnam a inauguração de um novo sistema proces-sual civil, calcado em novos paradigmas, ao passo que outros se mostram mais cé-ticos quanto à possibilidade de mudanças concretas.

A questão de se definir se o Novo Código de Processo Civil terá, ou não, o con-dão de inaugurar uma nova ordem jurídica processual não é menor e deve ser en-tendida em toda a sua amplitude de significado, sobretudo porque poderá, ou não, representar o início de uma nova cultura processual, com reais repercussões na aplicação de diversos institutos processuais, inclusive no que diz respeito ao inci-dente de desconsideração da personalidade jurídica, ora analisado.

Tome-se por objeto, inicialmente, a própria função jurisdicional. Tradicional-mente, a jurisdição sempre foi entendida como a expressão de um Poder Estatal e, bem por isso, prestada por um agente devidamente investido, no bojo de um proces-so, sempre mediante demanda e em caráter substitutivo à vontade das partes em lití-gio (tucci, 1988, p. 8). Em outras palavras, a jurisdição apresentava-se como o meio de realização subjetiva dos preceitos legais objetivos previamente definidos em Lei.

Essa concepção sobre o processo e a própria atividade jurisdicional encontrou guarida segura no Código de Processo Civil de 1973 que, do ponto de vista histó-rico, amoldava-se a um método de interpretação jurídica e compreensão do próprio Direito, que identificava texto e norma, pressupunha a solução jurídica dos confli-tos pré-moldada na Lei e atribuía ao juiz, quase que exclusivamente, o papel de intérprete do texto normativo.

“A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Nela esta-ria contida, em caráter geral e abstrato, a prescrição que deveria reger a hipótese. O problema, por sua vez, deveria oferecer os elementos fáticos sobre os quais incidira a norma, o material que nela se subsumiria. E o intérprete, por fim, desempenharia a função técnica de identificar a norma aplicável, de revelar o seu sentido e fazê-la incidir sobre os fatos do caso levado a sua apreciação” (Barroso, 2010, p. 308).

Era natural que fosse assim, considerando aquele momento histórico e a acep-ção que se tinha, na Teoria Geral do Direito, a respeito do próprio conceito de norma jurídica. Independentemente de sua fonte, concebia-se a norma jurídica

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como um enunciado propositivo, de natureza estrutural ou comportamental, cuja observância se tornava cogente diante da previsão de uma consequência jurídica para a sua violação (reale, 1998, p. 101).

Todavia, a ideia de jurisdição como atividade de pacificação social por meio da qual o juiz diz o Direito aplicável ao caso concreto representou uma cultura jurídi-ca cujo apogeu não ultrapassou o limiar do século XXI.

No Brasil, cite-se como exemplo desse fenômeno a promulgação do Código Ci-vil de 2002, permeado por cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, em que a inexistência de uma consequência jurídica claramente preestabelecida transportou para o campo da jurisdição, no caso concreto, a atividade de criação de uma solução jurídica específica.

A ideia de jurisdição como atividade meramente declaratória de uma solução jurídica pré-moldada no texto da Lei certamente contribuiu para a consolidação de uma cultura processual na qual o papel desempenhado pelas partes cingia-se uni-camente à apresentação da lide, mediante pretensão e resistência, de tal sorte que a responsabilidade pela resolução da lide não lhes incumbia.

Nesse contexto, a atividade de construção da decisão final incumbia exclusiva-mente ao juiz que, não por acaso, assumia papel presidencialista nessa relação ju-rídica processual. As partes pediam e o juiz prestava a jurisdição.

No bojo dessa cultura processual, as partes agem como meras destinatárias da jurisdição e se responsabilizam, portanto, apenas por seus próprios interesses, ba-lizadas por preceitos de cunho ético que frequentemente não assumem efetiva car-ga normativa. Não se responsabilizam – ao menos diretamente – pela construção efetiva da decisão final, atividade isoladamente atribuída ao juiz.

Com o descolamento conceitual entre texto normativo e norma jurídica, pas-sou-se a entender que norma, na realidade, é o produto da interpretação e que esta atividade interpretativa não recai (ou, ao menos, não deve recair) unicamente so-bre o texto normativo, mas na conjugação deste aos elementos de fato inerentes ao caso concreto (Barroso, 2010, p. 309). A norma jurídica, portanto, sendo fruto da interpretação, encontrará na jurisdição uma faceta inegavelmente criativa (BueNo, 2011, 100).

A partir dessa concepção havida no campo da Teoria Geral do Direito, houve a remodelação conceitual da jurisdição e do processo, dois dos grandes temas da ciência processual.

O processo, partindo dessa percepção, não mais se limita apenas a uma sequên-cia preestabelecida de atos jurídicos estruturados sobre uma relação jurídica pró-pria, voltados à obtenção de uma decisão cujo objetivo seria apenas a heterocom-posição de uma lide.

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O processo passou a ser entendido como um verdadeiro método de criação de norma jurídica. Norma jurídica concreta, em relação ao caso concreto, visto que a decisão se torna cogente às partes. Norma abstrata em relação aos casos análogos futuros, visto que a razão de decidir que inspira a decisão passa a nortear a resolu-ção dos próximos casos semelhantes.

Além disso, o processo também passou a ser entendido como instrumento de concretização de direitos fundamentais de cunho material e instrumental, ou seja, verdadeiro veículo de efetivação e concretização de direitos fundamentais.

O conceito de jurisdição, por sua vez, foi ampliado para contemplar também sua faceta criativa, de modo a não mais apenas dizer o direito aplicável ao caso concre-to, mas a efetivamente criar norma jurídica concreta destinada a reger o caso sub judice e, mais do que isso, a indicar como os futuros casos semelhantes deverão ser decididos.

Um dos principais efeitos dessa acepção acerca da jurisdição e do processo ocor-re no redimensionamento do princípio do contraditório. Se, antes, o contraditório poderia ser identificado apenas como a existência de paridade entre os contendores (bilateralidade), tanto que frequentemente conceituado como igualdade de armas e de oportunidades, a partir de agora, o princípio do contraditório passa assumir papel de maior relevo e, fundamentalmente, envolvendo todos os sujeitos processuais, incluindo o juiz.

Não basta, portanto, que haja a bilateralidade entre as partes. É necessário que haja efetivo diálogo entre todos os sujeitos do processo. E para que haja diálogo, naturalmente, é necessário mais do que oportunidades iguais de manifestação. Não basta que se assegurem às partes iguais chances de falar; é necessário que sejam efetivamente ouvidas e respondidas.

Essa mudança de perspectiva é extremamente relevante, porque repercute de modo decisivo no papel a ser desempenhado por cada sujeito no bojo da relação jurídica processual, sobretudo, no papel a ser desempenhado pelo juiz.

A ideia de contraditório centrada apenas na bilateralidade entre as partes, ou seja, na igualdade de armas e oportunidades fundava-se na premissa de que as par-tes detinham o domínio sobre o conhecimento dos fatos, ao passo que o juiz deti-nha o domínio sobre o conhecimento do Direito. Para que se chegasse a uma deci-são bastava que o juiz conhecesse os fatos, mediante atividade probatória desenvol-vida pelas partes, na medida em que a subsunção do fato à norma traria, por con-sequência, a solução jurídica para a lide previamente descrita na Lei.

Daí por que a atividade primordial atribuída às partes estava centralizada no fato, mediante alegação e prova. Por sua vez, a atividade primordial atribuída ao juiz estava centralizada no direito, de modo que lhe era lícito, inclusive, decidir ex

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officio sobre questões de “ordem pública”, ainda que as partes nada tivessem deba-tido a esse respeito.

Se, antes, o contraditório cingia-se ao tratamento igualitário entre as partes, de modo a permitir que houvesse iguais oportunidades de debate, a partir de agora, o contraditório deve ser entendido como direito de influência relevante na formulação da decisão final, o que também se destina ao papel desempenhado pelo juiz na condução do processo.

Isso significa, dentre outros efeitos, que não há mais que se falar em domínio sobre questões de fato ou sobre questões de direito.

Em suma, é preciso que o contraditório assegure mais do que tratamento pari-tário às partes, mas que também lhes assegure efetiva participação na criação dessa norma jurídica concreta advinda do processo. É preciso, portanto, mais do que as-segurar que as partes tenham iguais oportunidades de manifestação no processo, mas que seus argumentos sejam efetivamente considerados pelo julgador, antes que a decisão seja proferida, obviamente (caldas, 2015, p. 46).

E, para que o diálogo exista, é necessário que os sujeitos do processo possam argumentar e tenham seus argumentos efetivamente considerados no momento da construção da decisão final. As partes não podem falar sozinhas no processo; é pre-ciso que o juiz as responda.

“O contraditório, como ressaltado, garante o paritário diálogo entre as partes, não apenas como um simples dizer ou contradizer sob uma ‘ótica mecânica de con-traposição de teses’, mas, também, retrata a garantia de debate em simétricas posi-ções e em igualdade de oportunidades, com a efetiva prerrogativa de influência no conteúdo do provimento dialeticamente construído.

Contudo, além das dimensões estática e dinâmica, a compreensão do contradi-tório, para que seja completamente adequado ao Estado Democrático de Direito, requer, além de sua consideração em uma perspectiva com participativa do proces-so, a inserção da motivação decisória como um de seus elementos conceituais.

Com efeito, o processo, no Estado Democrático de Direito, deve ser gerido por todos os sujeitos processuais, uma vez que a decisão judicial é o resultado da par-ticipação isonômica, dialética e influente das partes na construção do provimento. Nessa perspectiva, a direção do processo é compartilhada igualitariamente entre as partes e o juiz, os quais cooperam com a gestão da atividade processual (‘policen-trismo processual’)” (JayMe, FraNco, 2014, p. 340).

Esse redimensionamento do princípio do contraditório produz verdadeira redis-tribuição de direitos e deveres processuais. Mais do que assegurar às partes o direi-to de influir de modo relevante na construção da decisão final, é preciso que lhes seja igualmente atribuída tal responsabilidade.

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É o que o Novo Código de Processo Civil faz ao eleger o princípio da cooperação como uma das normas processuais fundamentais. Evidentemente, o princípio da cooperação não impõe às partes um comportamento leniente com relação a seu adversário. O que se impõe às partes, ao contrário, é um comportamento que leve em consideração a responsabilidade pela criação de norma jurídica, de modo a evitar que se deduzam pretensões e defesas inidôneas, que se instaurem incidentes desnecessários, que se interponham recursos nitidamente protelatórios etc. (souza, 2013, p. 82).

O Novo Código, mais do que contemplar tais leituras a respeito da jurisdição e do princípio do contraditório, parte deles e verdadeiramente redistribui a respon-sabilidade pela criação da norma jurídica concreta entre juiz, partes e todos os su-jeitos do processo.

Com efeito, a base de sustentação axiológica do Novo Código de Processo Civil é dada, preponderantemente, pela conjugação de quatro princípios que, se não são absolutamente novos, assumem coloração mais destacada no novo diploma. Trata--se dos princípios da cooperação, do contraditório efetivo, da vedação às decisões surpresa e da boa-fé processual.

Exemplificando essa opção metodológica, se no contexto do Código de Proces-so Civil de 1973 a dedução de alegação juridicamente inidônea em favor da parte poderia repercutir negativamente apenas no âmbito de seus interesses litigiosos, sobretudo no campo da eficácia, no contexto do Novo Código de Processo Civil, tal postura viola norma processual fundamental.

Se a construção da norma jurídica concreta, a partir de agora, é responsabilidade de todos os sujeitos processuais, natural que todos, sem exceção, colaborem e coo-perem para tal desiderato; que todos ajam segundo preceitos de boa-fé processual; que haja ampla previsibilidade dos provimentos judiciais, vedando-se decisões sur-presa e que todos possam efetivamente contribuir para a construção da decisão fi-nal, antes que tal decisão seja proferida pelo juiz.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica insere-se nesse con-texto, a partir dessa concepção da atividade jurisdicional cooperativa.

3. o iNcideNTe de descoNsideração da PersoNalidade Jurídica

Partindo, portanto, dessa perspectiva principiológica, o Novo Código de Proces-so Civil regula a desconsideração da personalidade jurídica, direta e inversa, fazen-do-o por meio de um incidente processual típico.

Superando antiga controvérsia acerca da (im)prescindibilidade do ajuizamento de ação autônoma para se obter a desconsideração da personalidade jurídica, op-tou-se, no Novo Código de Processo Civil, pela criação de um incidente próprio,

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alocado dentre as modalidades típicas de intervenção de terceiros e, por previsão expressa, cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial (art. 134).

O Novo CPC, na realidade, submete expressamente toda e qualquer iniciativa tendente à desconsideração da personalidade jurídica ao incidente ora examinado. Dispõe expressamente o art. 795, alocado em capítulo dedicado à responsabilidade patrimonial, que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei”. E, em seu § 4.º, o mesmo dispositivo aduz que “para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a obser-vância do incidente previsto neste Código”. Nesse sentido, destaca Bueno que:

“A remissão feita pelo § 4.º do art. 795, contudo, não deve ser compreendida no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica confunda-se com as demais hipóteses legais de sujeição dos bens dos sócios à dívida da sociedade. Em-bora devam dialogar constantemente os planos do direito material e do direito processual, nem por isto há autorização para que, na perspectiva do direito mate-rial, hipóteses completamente diversas de responsabilização sejam tratadas, no pla-no do processo, indistintamente” (BueNo, 2015, p. 490).

A opção pela via incidental, além de significar um ganho de eficiência procedi-mental, uma vez que torna desnecessária a criação de nova relação jurídica proces-sual autônoma, alinha-se com maior exatidão à própria finalidade da disregard doc-trine, já que a desconsideração propriamente dita não representa o objetivo princi-pal da parte que o almeja (Gaio JuNior, 2013, p. 277).

Ao inserir o incidente no capítulo dedicado às modalidades de intervenção de terceiros reafirma-se a primazia dada pelo Novo Código de Processo Civil aos prin-cípios da cooperação, do contraditório efetivo e da vedação às decisões surpresa, conferindo a essa matéria, finalmente, tratamento procedimental condizente à ga-rantia constitucional do devido processo legal.

Considerando que o propósito da parte que almeja a desconsideração é, justa-mente, ampliar o âmbito de incidência subjetiva dos efeitos do processo, para fazer atingir terceiros não originariamente vinculados à relação jurídica processual, na-tural, portanto, que a alocação do incidente se desse no capítulo destinado às inter-venções de terceiros.

A opção pela via incidental reafirma, ainda, antiga tradição processual brasileira calcada, como regra, na legitimação ordinária (art. 18) e na produção de efeitos subjetivos da coisa julgada apenas às partes que efetivamente participaram do pro-cesso (art. 506). De modo que, com a instauração do incidente, as partes e também os eventuais interessados passam a ter efetiva oportunidade de participação rele-vante na produção da norma jurídica concreta que advirá como resultado da pres-tação jurisdicional, defendendo seus respectivos interesses.

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Para Reichelt, “a questão não é sem importância, visto que a caracterização de um personagem do processo como parte ou como terceiro é considerada juridica-mente relevante em se pensando nas prerrogativas de que o mesmo gozará em ter-mos de participação no debate processual e de submissão aos efeitos da decisão nele proferida” (reichelt, 2015, p. 246).

Por outro lado, o ganho de eficiência procedimental se dá por três razões essen-ciais. Em primeiro lugar, com a criação de um incidente especificamente destinado a essa questão, retira-se do bojo do procedimento “principal” a apreciação dos re-quisitos jurídicos necessários para que se tenha a desconsideração da personalida-de jurídica, o que, via de regra, demanda atividade probatória específica. Em segun-do lugar, havendo um incidente processual adequado a essa questão, estabelece-se, como procedimento padrão, a oportunidade de manifestação prévia aos interessa-dos, de modo que a efetiva decretação da desconsideração da personalidade jurídi-ca passa a ser produto de efetivo debate processual. Em terceiro lugar, com a cria-ção de um incidente procedimental ainda se mantém às partes a garantia de contro-le jurisdicional da decisão, mediante recurso de agravo de instrumento, expressa-mente previsto para a hipótese (art. 1.015).

4. o ProcedimeNTo do iNcideNTe de descoNsideração da PersoNalidade Jurídica

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica está regulado nos arts. 133 a 137 do NCPC e seu funcionamento, conquanto simples, parece atender satisfatoriamente às necessidades tanto da parte que almeja a desconsideração, quanto daquela que potencialmente poderá sofrer-lhe os efeitos.

Inicialmente, reserva-se às partes e ao Ministério Público a iniciativa para a sua instauração (art. 133). Embora a redação dada ao art. 133 possa sugerir tratar-se de um direito processual de natureza potestativa, ao prever que “o incidente (...) será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”, o melhor entendimento que parece deva ser dado ao dispositivo é aquele que o submete aos exames, tanto de admissibilidade, quanto de mérito.

Imagine-se, à guisa de exemplo, que a parte busque equivocadamente a descon-sideração da personalidade jurídica, pela via direta, quando o caso sugerisse tratar-se de simples solidariedade passiva e, portanto, litisconsórcio passivo facultativo. Nes-sa hipótese, poderia o juiz, observando os ditames impostos pelo contraditório efe-tivo e pela vedação às decisões surpresa, rejeitar a instauração do incidente, tendo em vista a clara inadequação diante dos propósitos almejados pela parte.

Por outro lado, também parece ser absolutamente adequada a conjugação da-quele dispositivo, naquilo que couber, com o art. 332 que trata da improcedência liminar.

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maRcoNdes, Gustavo Viegas. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos. Revista de Processo.

vol. 252. ano 41. p. 41-57. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Caso a matéria de fundo que tenha ensejado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica já tenha sido objeto de Súmula do STF ou STJ; acórdão pro-ferido por estes Tribunais em sede de julgamento de recursos repetitivos; enuncia-do de súmula de Tribunal de Justiça sobre direito local etc., parece ser de todo re-comendável que se aplique ao incidente o mesmo tratamento dado ao próprio pro-cesso, com a rejeição liminar, de sorte a se evitar atividade jurisdicional inútil ou desnecessária.

Tal ordem de interpretação parece adequar-se integralmente à própria finalidade do processo, inclusive sob a perspectiva da garantia constitucional da duração ra-zoável, prevista no art. 5.º, LXXVIII da CF, sem que se causem prejuízos processuais à parte interessada na desconsideração.

Isso porque, no caso do indeferimento liminar, que evidentemente haverá de ser fundamentado (art. 93, IX, da CF c/c art. 489, § 1.º, do NCPC), a via do recurso de agravo de instrumento ainda lhe será assegurada (art. 1.015, IV), tendo em vista que a hipótese de cabimento do recurso, nesse caso, não pressupõe a instauração do procedimento, mas apenas que tenha o incidente como objeto de impugnação, inclusive no que tange ao juízo de admissibilidade.

Via de regra, o incidente processar-se-á mediante suspensão do processo (art. 134, § 3.º), reservando-se à parte interessada – o sócio ou a pessoa jurídica – o prazo ordinário de 15 dias para apresentação de defesa (art. 135). Simplificando o procedimento, o Novo Código de Processo Civil dispõe que, caso a desconsidera-ção tenha sido pleiteada desde a petição inicial, inicia-se o procedimento pelo in-cidente, evitando-se que o processo permaneça suspenso (art. 134, § 2.º), já que o objeto da tutela jurisdicional estará voltado, inicialmente, apenas à resolução da-quela matéria.

Caberá ao interessado na desconsideração demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para a desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 4.º), seja em capítulo próprio no bojo da petição inicial, seja em peti-ção autônoma. Tais pressupostos, naturalmente, poderão apresentar variações, a depender da natureza da relação jurídica de Direito Material controvertida. Daí por que o próprio Novo Código de Processo Civil reserva à legislação especial a determinação dos respectivos pressupostos ensejadores da desconsideração (art. 133, § 1.º).

Esse requisito material reforça a pertinência do controle jurisdicional sobre a viabilidade da instauração do incidente.

A possibilidade de instrução probatória específica vem prevista no art. 136 que, por tratar da matéria de modo genérico, acabou facultando todas as iniciativas probatórias lícitas já cabíveis no procedimento comum. Essa possibilidade de am-pla dilação probatória também é garantida pela circunstância de o processo prin-

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vol. 252. ano 41. p. 41-57. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

cipal restar suspenso até a resolução do incidente, que se dará mediante decisão interlocutória.

Qualquer que seja o fundamento da decisão, inclusive para a hipótese de rejei-ção liminar supramencionada, assegura-se às partes e ao Ministério Público o con-trole jurisdicional mediante recurso de agravo de instrumento, expressamente pre-visto para a hipótese pelo art. 1.015, IV.

Importantíssima previsão acerca dos efeitos da decisão está contida no art. 137 que reputa ineficazes em relação ao requerente todas as alienações ou onerações de bens efetuadas em fraude a execução, para o caso de acolhimento do incidente. Isso significa que, uma vez acolhido o incidente, qualquer iniciativa que vise exclusiva-mente frustrar a eficácia da decisão, pela dilapidação patrimonial do devedor, será considerada ineficaz em relação ao requerente.

5. críTicas quaNTo à eFeTividade do iNcideNTe e as TuTelas Provisórias

O novo instituto, obviamente, não está isento de críticas. No entanto, as críticas relacionadas a uma possível falta de efetividade à própria desconsideração da per-sonalidade jurídica, em seu aspecto material, parecem não resistir a uma análise coerente do próprio Novo Código de Processo Civil.

Com efeito, a referida crítica parte da (falsa) premissa de que a instauração do incidente, antes da determinação de medidas que importem violência ao patrimô-nio do sócio ou da sociedade, ceifará a eficácia do próprio instituto da desconside-ração da personalidade jurídica, na medida em que permitirá ao interessado ter prévio conhecimento acerca dessa intenção e, consequentemente, adotar medidas que frustrem essas iniciativas judiciais.

Essa crítica, além de presumir a má-fé e, a partir daí, estabelecer como regra procedimental a violência prévia ao patrimônio dos atingidos, sem qualquer possi-bilidade de defesa, deixa de levar em consideração que mesmo no âmbito do inci-dente de desconsideração da personalidade jurídica, mostram-se cabíveis as tutelas provisórias, de urgência e de evidência, previstas no art. 294 e ss. do NCPC.

Isso porque o Novo Código de Processo Civil dispõe que a instauração do inci-dente depende da iniciativa da parte, ou do Ministério Público. Isso não impede – muito pelo contrário – que a parte ou o Ministério Público requeiram a instauração do incidente e, neste âmbito, pleiteiem a concessão de tutela de urgência ou de evidência baseados em elementos que “evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”, a teor do que dispõe o art. 300 do NCPC. Ou ainda, baseados em “alegações de fato puderem ser comprova-das apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repe-titivos ou em súmula vinculante” conforme dispõe o art. 311.

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maRcoNdes, Gustavo Viegas. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos. Revista de Processo.

vol. 252. ano 41. p. 41-57. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

A concessão dessas tutelas provisórias poderá se dar no âmbito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica sem qualquer ressalva, observados os respectivos requisitos materiais e formais, sem que haja prejuízo às normas proces-suais fundamentais que inspiram o Novo Código de Processo Civil.

E, evidentemente, por se tratar de tutelas provisórias, a decisão que concede ou indefere medidas prematuras que visem atingir o patrimônio do sócio ou da pessoa jurídica admite controle jurisdicional pela via do agravo de instrumento (art. 1.015, I), pouco importando se tal decisão tenha sido proferida no seio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ora analisado.

6. a quesTão dos GruPos ecoNômicos Não iNsTiTucioNalizados

O ordenamento jurídico brasileiro não cuida uniformemente da questão dos grupos econômicos, ou grupos de sociedades. Ao contrário, observa-se uma enor-me profusão de conceitos e requisitos formais e materiais para a sua configuração, variando enormemente a depender do ramo do Direito de que se trate.

Assim, verifica-se que no âmbito do Direito do Trabalho, o art. 2.º, § 2.º, da CLT considera existir grupo econômico “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica”.

No âmbito do Direito Societário, a Lei 6.404/1976 enumera os conceitos de so-ciedades coligadas, grupos de sociedades e consórcio (art. 243 e ss.). Até mesmo o Código de Defesa do Consumidor trata da matéria, especificamente ao prever a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses que enu-mera (art. 28), prevendo ser extensíveis os efeitos da desconsideração às sociedades integrantes dos grupos societários e sociedades controladas.

A dificuldade que se coloca nesse campo, contudo, ultrapassa essa multifacetada configuração do próprio conceito de grupo econômico e refere-se aos grupos de sociedades não institucionalizados, ou seja, aqueles grupos econômicos meramen-te de fato, nos quais inexiste qualquer relação institucional entre as sociedades in-tegrantes do grupo, nada obstante se observe intensa comunhão de ações empresá-rias entre elas.

Nesses casos, evidentemente, a inexistência formal do grupo de sociedades não pode sobrepujar a sua existência material, de modo que os mesmos efeitos jurídi-cos lhes devem ser aplicados, mediante atividade jurisdicional especificamente vol-tada a esse fim.

Todavia, esse reconhecimento, no caso concreto, tem sido recorrentemente em-preendido pelos Tribunais, conquanto ainda se ressintam, doutrina e jurisprudên-

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cia, de parâmetros claros e uniformes para a sua configuração. Por via de conse-quência, o que se observa é uma verdadeira proliferação não apenas de fundamen-tos e requisitos materiais para a própria configuração do grupo econômico, como também igual proliferação de mecanismos procedimentais para que se alcance esse resultado, no curso do processo.

Evidentemente, essa proliferação, quanto à forma e quanto ao fundo, produz efeitos deletérios sobre a estabilidade jurídica das relações empresariais, na medida em que, a depender do subjetivismo do juiz, qualquer relação empresarial não eventual poderá ser considerada um requisito configurador da existência de grupo econômico, de sorte a criar verdadeiras obrigações solidárias, à míngua de previsão legal ou contratual nesse sentido.

A existência meramente fática dos grupos econômicos coloca-nos, portanto, diante de duas grandes dificuldades: (i) estabelecer os elementos factuais necessá-rios à demonstração da própria existência do grupo e (ii) estabelecer um procedi-mento no qual esse reconhecimento possa ocorrer, sem implicar violações ao devi-do processo legal.

O reconhecimento, no caso concreto, da existência de grupo econômico não se confunde, no entanto, com a simples desconsideração da personalidade jurídica. Ao se reconhecer a existência de um grupo econômico, com efeito, o que se faz é ampliar o campo dos efeitos subjetivos da tutela jurisdicional, não para que os só-cios (ou a pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa) sejam atingidos, mas para que outras pessoas jurídicas o sejam, em conjunto com aquela que já in-tegra a relação jurídica processual.

O traço distintivo encontra-se justamente no direcionamento do espectro de incidência da tutela jurisdicional. Quando se trata de desconsiderar a personali-dade jurídica, “levanta-se o véu” da autonomia dos direitos de personalidade, porém, os efeitos da decisão permanecem restritos à própria pessoa jurídica e seus sócios, e eventualmente ex-sócios, tanto na desconsideração direta, quanto na inversa.

Em contrapartida, quando se está a reconhecer a existência de um grupo econô-mico, não há que se falar em “levantamento do véu”, pois o que ocorre é que, quando antes se considerava haver duas ou mais pessoas jurídicas, a partir do reco-nhecimento da existência do grupo, considera-se haver uma única pessoa jurídica. Daí por que, nesses casos, não há que se falar em reconhecimento direto ou inverso da existência de grupo econômico.

Quando se reconhece a existência de um grupo econômico, não necessariamen-te se está a desconsiderar a personalidade jurídica de qualquer das pessoas jurídicas que venham a ser inseridas nesse grupo. Considerar as pessoas jurídicas em unida-de não quer dizer, necessariamente, desconsiderá-las.

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Os efeitos do reconhecimento, no entanto, são conhecidos e, observada a nature-za da relação jurídica de Direito Material controvertida, fundamentais para se asse-gurar a efetividade da tutela jurisdicional. Em contrapartida, parece ser evidente que, a exemplo do que já ocorre no âmbito da aplicação da teoria da desconsidera-ção da personalidade jurídica, o reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos não deve prescindir das mesmas garantias processuais.

7. a aPlicabilidade do iNcideNTe Para o recoNhecimeNTo dos GruPos ecoNômicos

O incidente em questão, conquanto projetado para a análise do pedido de des-consideração – direta ou inversa – da personalidade jurídica, também poderá ter sua aplicação estendida, com visíveis ganhos processuais, para os casos de reconhe-cimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos, entre duas ou mais pessoas jurídicas.

Com efeito, o reconhecimento da existência de grupos econômicos tem suscitado intenso debate doutrinário e jurisprudencial, sobretudo, porque inexistem paradig-mas conceituais precisos para a sua configuração, circunstância que tem propiciado indesejável casuísmo jurisprudencial. Embora se trate de uma mesma realidade econômica, o reconhecimento da existência de grupos econômicos tem enfrentado critérios absolutamente distintos em cada ramo do Direito.

Não são raros os casos em que, sob singela alegação da parte interessada, decre-tam-se medidas constritivas que atingem bens e direitos de terceiros, não partícipes da relação jurídica processual, sem que se tenham assegurado aos interessados as mínimas garantias processuais.

Se, no plano do Direito Material, os elementos que denotam a existência do grupo econômico persistem sendo nebulosos, sob a perspectiva processual, não mais se justifica a decretação de medidas constritivas surpresa, sem que aos interes-sados sejam asseguradas as garantias processuais fundamentais consagradas no Novo Código de Processo Civil.

A despeito de não se tratar de desconsideração propriamente dita, já que nessa hipótese não se cuida de levantar o véu da pessoa jurídica (de modo direto ou inver-so) com a finalidade de atingir aqueles que se encontram sob a proteção da perso-nalidade jurídica, o incidente em questão contém mecanismo procedimental ade-quado para a inclusão de novos sujeitos processuais que, à guisa de comporem um mesmo grupo econômico, passam a suportar todos os efeitos processuais que origi-nariamente deveriam recair apenas sobre a parte demandada.

Nesse sentido, o próprio STJ já enfrentou questão semelhante, ressaltando a imprescindibilidade de se assegurar as garantias processuais constitucionais aos

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potencialmente atingidos pela decisão que culmina com o reconhecimento de gru-po econômico no caso concreto:

“Direito empresarial e processual civil. Desconsideração da personalidade jurí-dica. Extensão, no âmbito de procedimento incidental, dos efeitos da falência à sociedade do mesmo grupo.

É possível, no âmbito de procedimento incidental, a extensão dos efeitos da fa-lência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de utilização da personalidade jurídica da falida com abuso de direito, para fraudar a lei ou pre-judicar terceiros, e desde que, demonstrada a existência de vínculo societário no âmbito do grupo econômico, seja oportunizado o contraditório à sociedade empre-sária a ser afetada. Nessa hipótese, a extensão dos efeitos da falência às sociedades integrantes do mesmo grupo da falida encontra respaldo na teoria da desconsidera-ção da personalidade jurídica, sendo admitida pela jurisprudência firmada no STJ” (AgRg no REsp 1.229.579/MG, j. 18.12.2012, rel. Min. Raul Araújo, Informativo de Jurisprudência n. 513, 06.03.2013).

O que se percebe é que, ainda que o juiz empreenda ampla atividade argumen-tativa na fundamentação da decisão que reconhece a existência do grupo econômi-co, não há como se assegurar às partes – e terceiros – as garantias processuais ine-rentes à cláusula do devido processo legal, notadamente no que tange ao contradi-tório efetivo, sem lhes assegurar o direito à efetiva participação processual prévia.

Daí por que, também nos casos em que haja a alegação da existência de grupo econômico se deverá lançar mão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes previstos no Novo Código de Processo Civil, ainda que me-diante aplicação concomitante de tutelas provisórias.

8. coNclusões

À guisa de conclusão, em primeiro lugar faz-se necessário o elogio à inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica dentre as modalidades típi-cas de intervenção de terceiros previstas pelo Novo Código de Processo Civil. O elogio se deve, naturalmente, não apenas à alocação do instituto, mas, sobretudo, à própria previsão de um mecanismo procedimental adequado para as decisões que decretam a desconsideração, direta ou inversa, da personalidade jurídica.

O incidente, ao contrário do que se possa arguir, não implicará, por si só, a per-da de efetividade das decisões que, ao fim e ao cabo, decretem a desconsideração da personalidade jurídica. E isso se dá, fundamentalmente, por duas razões essenciais, ambas bastante claras nos dispositivos do Novo Código de Processo Civil.

Em primeiro lugar, porque se prevê especificamente a ineficácia, em relação à parte que almeja a desconsideração da personalidade jurídica, de qualquer ato

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tendente à alienação ou oneração de patrimônio quando procedente o incidente. Significa dizer que, admitida e reconhecida a desconsideração, os atos de aliena-ção e oneração de patrimônio não terão qualquer efeito em relação ao postulante da desconsideração.

Em segundo lugar, porque se admitem todas as modalidades de tutela provisória no âmbito do incidente, o que significa afirmar que, presentes os respectivos fun-damentos relativos à urgência ou mesmo à evidência, poderá o postulante pela desconsideração obter em seu favor tutela provisória que lhe assegure a preserva-ção do patrimônio, inclusive com as medidas que atualmente já são indiscrimina-damente aplicadas em todos os âmbitos jurisdicionais, tais como bloqueios on-line, arrestos, sequestros etc.

Por fim, considerando que há casos em que, a exemplo do que já ocorre com relação aos pedidos de desconsideração da personalidade jurídica, as decisões que reconhecem a existência de grupos econômicos significam verdadeira surpresa aos atingidos, a utilização do incidente também para estes casos se mostra não apenas útil, como também necessária, tendo em vista a própria opção principiológica ado-tada pelo Novo Código de Processo Civil.

9. reFerêNcias biblioGrÁFicas

BueNo, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

______. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito proces-sual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

caldas, Adriano Ribeiro. Processo civil e estado constitucional: o direito fundamen-tal à tutela jurisdicional efetiva e as fases metodológicas do processo. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. n. 66. p. 23-51. Belo Horizonte: UFMG, jan.-jun. 2015.

Gaio JuNior, Antônio Pereira. Desconsideração da personalidade jurídica: considera-ções sobre o “incidente” à luz do Novo CPC – PLS 166/2010. Revista de Processo. vol. 220. p. 271-290. São Paulo: Ed. RT, jun. 2013.

JayMe, Fernando Gonzaga; FraNco, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 227. p. 335-359. São Paulo: Ed. RT, jan. 2014.

reichelt, Luis Alberto. A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consu-midor. Revista de Direito do Consumidor. vol. 98. p. 245-259. São Paulo: Ed RT, mar.-abr. 2015.

souza, Arthur César de. O princípio da cooperação no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 225. p. 65-80. São Paulo: Ed. RT, nov. 2013.

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57Teoria Geral do Processo

maRcoNdes, Gustavo Viegas. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos. Revista de Processo.

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tucci, Rogerio Lauria. Jurisdição, ação e processo civil (subsídios para a teoria geral do processo civil). Revista de Processo. vol. 52. p. 7-40. São Paulo: Ed. RT, dez. 1988.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• A aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica à luz do ordena-

mento jurídico brasileiro, de Felipe Palhares – RDCC 3/55-80 (DTR\2015\6582);

• Desconsideração da personalidade jurídica: considerações sobre o “incidente” à luz do novo CPC, PLS 166/2010, de Antônio Pereira Gaio Júnior – RePro 220/271-290 (DTR\2013\3170); e

• O princípio da proporcionalidade, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e o projeto de um novo Código de Processo Civil, de Elias Marques de Medeiros Neto – RePro 209/375-394 (DTR\2012\44860).

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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a desconsideração da Personalidade JurÍdica Para fins de resPonsabilidade: uma visão dualisTa da disregard docTrine

the DisregarD of legal personality for liability purposes: a Dualistic view of the DisregarD Doctrine

mozarT vilela andrade Junior

Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). [email protected]

Recebido em: 25.09.2015 Aprovado em: 30.11.2015

área do direiTo: Processual; Comercial/Empresarial

resumo: O Novo Código de Processo Civil inaugu-ra no sistema processual civil brasileiro o inciden-te de desconsideração da personalidade jurídica. Com isso, ganha relevância o estudo da teoria da desconsideração. Não passam despercebidos deste trabalho a amplitude e variação do fenômeno des-considerativo, razão pela qual o objeto de análise se concentra na natureza jurídica da aplicação da te-oria desconsiderativa para fins de responsabilidade. Busca-se a qualificação desse instituto como uma técnica processual, um mecanismo de direito pro-cessual. Alcançada essa conceituação, investigam--se os principais desdobramentos dessa concepção na interpretação e aplicação das normas que disci-plinam o instituto.

Palavras-chave: Pessoa jurídica – Desconsideração – Natureza jurídica – Responsabilidade patrimonial – Responsabilidade secundária.

absTracT: The New Code of Civil Procedure inaugurates, in the Brazilian civil procedural system, the incident of the disregard of legal entities – sometimes referred to as “piercing the corporate veil”. Therefore, the Disregard Doctrine has earned new relevance in academic studies. In the present essay, the amplitude and variations of the disregarding phenomenon will not go unnoticed, being this the reason why the present analysis will focus at the legal nature of the application of the disregard doctrine for civil responsibility purposes. The qualification of this institute as a procedural technique, as a mechanism of procedural law, will be pursued at this work. Finally, reached that concept, its main developments at the interpretation and application of the norms disciplining the institute will be investigated.

KeyWords: Legal personality – Disregard doctrine – Legal nature – Civil liability – Secondary responsibility.

sumáRio: Introdução – 1. A dimensão do fenômeno da desconsideração da personalidade jurí-dica –2. A visão dualista da obrigação e a desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade – 3. Influência sobre os pressupostos de aplicação: insolvência da pessoa

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

jurídica – 4. Influência sobre aplicação das normas da desconsideração da personalidade jurí-dica – 5. Influência sobre a natureza e o conteúdo do provimento jurisdicional – 6. Conclusão – 7. Referências bibliográficas.

iNTrodução

O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) disciplina, de forma inédi-ta em nosso sistema jurídico, o incidente para desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137).

Dedicando-lhe todo um capítulo, a nova legislação lança holofotes sobre o ins-tituto da disregard doctrine e parece resolver grande parte das matérias de que cui-dava, com certa divergência é verdade, a rica doutrina desenvolvida acerca do tema. Todavia, a vigência da nova lei trará à tona outros questionamentos.

Nesse ambiente, o presente artigo se propõe a descortinar a natureza desse intri-gante instituto, na esperança de contribuir para obtenção de respostas às contro-vérsias emergentes das novas regras, detendo-se especialmente (a) na natureza e extensão da responsabilidade decorrente da desconsideração; (b) na aplicação das leis no tempo e os efeitos que esse projeta sobre o requerimento para desconsidera-ção; (c) no conteúdo do provimento que decreta a desconsideração da personalida-de jurídica.

1. a dimeNsão do FeNômeNo da descoNsideração da PersoNalidade Jurídica

O fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica é demasiadamente amplo. Há muito tempo a doutrina aponta dificuldades no estudo e sistematização do tema,1 sobretudo porque a desconsideração não se revela como um fenômeno unitário. Tanto em seus pressupostos objetivos e subjetivos como em seus efeitos existe uma enorme variação.

Os requisitos para desconsiderar a personalidade jurídica sofrem influência da relação jurídica material e, em geral, estão ligados à crise de função da personalida-de jurídica.2 Como regra, depende-se do desvio de finalidade ou da confusão patri-monial (teoria maior). Entretanto, a natureza da relação jurídica material pode modificá-los e tornar bastante a insolvência do ente jurídico (teoria menor).

1. JusteN Filho, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 1987. p. 99.

2. Quanto à função da personalidade jurídica e sua crise, pode ser consultada a célebre obra de Lamartine Correa (oliveira, José Lamartine Corrêa de. A dupla crise da personalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979).

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

A natureza da pessoa jurídica também pode influir na desconsideração. Em princípio, todas as pessoas jurídicas estão sujeitas à desconsideração. Nada obstan-te, pode ser desnecessária a utilização da dita teoria para que o credor da sociedade alcance o sócio ou seu patrimônio, conforme ocorre nas sociedades simples, coo-perativas, sociedades em nome coletivo, sociedades em comandita simples e em comandita por ações, se inexistir a limitação da responsabilidade.3

Quanto aos efeitos, a desconsideração jamais pode ser confundida com a des-personalização. Em vez de extinguir ou anular o ente jurídico, a desconsideração opera apenas a ineficácia dos efeitos da personalidade jurídica em determinado caso concreto.4 Para todos os outros efeitos, mantém-se incólume a personalidade.

Calixto Salomão Filho sublinha a variação nos efeitos da disregard doctrine.5 De acordo com o renomado professor, a ineficácia da personalidade tem como efeito constante a imputação de certa norma, dever ou obrigação6 à pessoa diversa de seu destinatário normal. A partir disso, distinguem-se quatro situações nas quais os efeitos produzidos pela desconsideração são diferentes: (a) desconsideração atribu-tiva; (b) desconsideração para fins de responsabilidade; (c) desconsideração em sentido inverso; (d) desconsideração em benefício do sócio.

A desconsideração atributiva particulariza-se pela atribuição de características pessoais do sócio à sociedade ou vice-versa,7 verificada, entre outros casos, na ex-tensão de sanções impostas à sociedade ao sócio, a exemplo das proibições de con-corrência (atribuição de sanção). Aqui se encontra também a desconsideração em benefício do sócio, ilustrada pela postulação em nome próprio do ressarcimento de danos sofridos pela sociedade, quando a sociedade unipessoal não o possa fazer (atribuição de direito).

3. Nesse ponto, reproduz-se o estudo de Bianqui, que analisa a teoria da desconsideração nos diferentes tipos societários (BiaNqui, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personali-dade jurídica no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 67-84).

4. O Projeto do Código Civil de 2002, no art. 48, buscou sancionar o abuso da personalidade jurídica com a exclusão do sócio responsável ou dissolução da sociedade (casillo, João. Desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais. vol. 528. p. 37. São Paulo: Ed. RT, out. 1979). Além de vetado, esse ponto do projeto mereceu severa crítica no sentido de que a proposta sequer se confundia com a teoria da desconsideração (JusteN Filho, Marçal. Op. cit., p. 153).

5. saloMão Filho, Calixto. O novo direito societário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 244-251.

6. Nem sempre se imputará obrigação. Pelas teses defendidas nesse trabalho, a imputação de obrigação somente pode ocorrer na desconsideração atributiva. A desconsideração para fins de responsabilidade atribui ao sócio apenas a responsabilidade pelo débito, que per-manece sendo exclusivamente da sociedade.

7. BiaNqui, Pedro Henrique Torres. Op. cit., p. 53.

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

A seu turno, a desconsideração para fins de responsabilidade tem como conse-quência estender a responsabilidade de dívida da sociedade ao patrimônio do sócio ou outra sociedade coligada, sendo admitida a incidência “às avessas” ou em senti-do inverso. Esta representa a forma de desconsideração mais aplicada no Brasil e está estampada, entre outros dispositivos, no art. 50 do CC.

Poder-se-ia questionar até que ponto a desconsideração em sentido inverso va-leria como categoria autônoma, tendo em vista que ora será tida como desconside-ração para fins de responsabilidade ora como atributiva. O fenômeno é o mesmo, somente o sentido inverte-se. A sociedade é atingida por dívida ou sanção atinente ao sócio.

Diante de todas essas variações, este estudo se limita a refletir sobre alguns pontos correlacionados à superação da personalidade jurídica para fins de responsabilidade.

2. a visão dualisTa da obriGação e a descoNsideração da PersoNalidade Jurídica Para FiNs de resPoNsabilidade

Embora a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para fins de res-ponsabilidade seja amplamente utilizada pelos tribunais pátrios, remanescem pon-tos obscuros na doutrina e na jurisprudência.

O primeiro ponto merecedor de esclarecimento diz respeito à natureza jurídica do instituto e da responsabilidade que ela faz recair sobre o sócio.

Desde o início convém apontar que, ao contrário do que sustenta parte da dou-trina,8 considera-se a desconsideração da personalidade jurídica para fins de res-ponsabilidade um instituto de direito processual.

Talvez para fundamentar de forma exaustiva a posição adotada seria oportuno regressar aos fecundos debates doutrinários atinentes à estrutura do ordenamento jurídico (plano processual e material; correntes monista e dualista), para, seguin-do, chegar-se à teoria dualista da obrigação (obrigação e responsabilidade). Por ora, isso deixa de ser feito, seja porque o tema foi objeto de muitos estudos de alto es-calão teórico, seja pelos limites deste singelo artigo.

Sem embargo, imprescindível consignar a adesão à tese dualista do ordenamen-to jurídico, bem como à visão dualista da obrigação.

8. O respeitado professor Milton Paulo de Carvalho indica que o direito material deve cuidar das hipóteses de desconsideração, enquanto o direito processual fica restrito à disciplina do procedimento para tanto (carvalho, Milton Paulo de. Brevíssimas notas sobre o proce-dimento da desconsideração da personalidade jurídica. In: Fux, Luiz; Nery Jr., Nelson; arruda alviM WaMBier, Teresa (coord.). Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 907).

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Em pouquíssimos dizeres, essas teorias enunciam que o ordenamento jurídico se edifica em dois planos – o material e o processual. O direito material coordena os interesses dos indivíduos integrantes da sociedade e, para isso, atribui-lhe direi-tos. O direito processual tem como objeto regular o desenvolvimento da atividade judiciária, necessária para colocar em prática as normas do direito material quando não cumpridas voluntariamente.

Entre eles há uma aproximação, em virtude do que pode ser chamado de nexo de instrumentalidade (“o direito processual a serviço da realização do direito mate-rial”).9 Em determinados pontos, de tão intensa a aproximação entre os dois pla-nos, fica difícil saber em qual precisamente se está; há uma zona nebulosa, que pode ser chamada de direito processual substancial.10 Em certa altura dessas “faixas de estrangulamento” está, no plano material, a relação obrigacional e, no plano processual, a responsabilidade patrimonial.

Essa visão dual do ordenamento conscientiza o jurista da existência de institu-tos bifrontes, a exemplo de ação, prova e responsabilidade patrimonial, os quais, embora processualísticos, devem ser analisados por uma ótica bifocal, a partir das premissas do direito material e com vistas à influência que exercem sobre situações jurídico-substanciais.11

Em doutrina, a diferenciação entre obrigação e responsabilidade mais antiga de que se tem notícia foi feita por Alois Brinz, posteriormente desenvolvida e adaptada à ciência processual moderna por Emilio Betti, Carnelutti e Liebman.

De acordo com a ótica dual, a obrigação corresponde ao vínculo jurídico de natureza pessoal pelo qual o devedor fica adstrito a satisfazer uma prestação (dívi-da) em favor do credor (crédito). A obrigação, como dívida, é objeto do direito material.12

Na hipótese de inadimplemento, o credor não poderá forçar, por si, o devedor ao cumprimento da prestação. Nada obstante, poderá pedir ao juiz que satisfaça o

9. Esse jargão não pode tornar menos claro que o direito processual tem escopos próprios, já analisados por autorizada doutrina (diNaMarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 1987. p. 206 e seguintes).

10. chioveNda, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002. vols. 1-2. p. 98. O direito processual substancial compõe-se de normas que projetam efeitos além do processo, alcançando a vida dos sujeitos, suas relações entre si e seus bens; outorgam--lhes situações exteriores ao processo, mas que nele repercutirão de alguma forma (diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. vol. 1. p. 47).

11. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito... cit., p. 48.

12. shiMura, Sérgio. Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 53.

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seu direito à custa do patrimônio do devedor e ainda que contra a sua vontade. O devedor não terá como resistir ao soberano e irresistível poder estatal; estará sujeito às medidas executivas. A esse estado de sujeição que corre entre os bens do devedor e o juiz, Carnelutti chamou responsabilidade.13

Quando a responsabilidade recai sobre o patrimônio do obrigado-devedor há caso de responsabilidade primária. A par disso, existem algumas relações estabelecidas entre o obrigado-devedor e terceiros que, por escolha do legislador, permitem a satisfação do direito do credor à custa do patrimônio destes terceiros. Mesmo sem obrigação por parte dessas pessoas, seus patrimônios ficam sujeitos às medidas executivas (responsabilidade secundária).

Confira-se se é isso que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade.

Para tanto, reporta-se ao art. 50 do CC que bem sintetiza a teoria maior da des-consideração. No caso de “abuso da personalidade”, qualificado como “desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial”, o juiz poderá “decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particula-res dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

As letras do Código Civil são claras ao traçar as linhas fronteiriças da desconsi-deração: os bens do sócio ficarão sujeitos às medidas executivas; a contrario sensu está dito que o juiz não tem poder para fazer do sócio devedor da obrigação.14 Com efeito, a desconsideração, na modalidade estudada, acarreta a responsabilidade se-cundária do sócio por dívida da qual não é devedor.

A doutrina não é pacífica quanto a esse ponto.

Para o respeitado professor Calixto Salomão Filho,15 a desconsideração não pode ser confundida com a aplicação da teoria dualista da obrigação, porque: (a) não existe responsabilidade secundária sem direito de regresso e, posto que o sócio aufere vantagem por meio da atividade fraudulenta, não lhe é dado tal direito; (b) trata-se de responsabilidade societária por dívida própria, decorrente não de um ato, mas de uma atividade abusiva que beneficiou o atingido pela desconsideração (que nem sempre será o executor da atividade lesiva); (c) o atingido torna-se deve-dor e não apenas garante ou responsável.

13. carNelutti, Francesco. Diritto e proceso. Napoli: Morano, 1958. p. 314-315. No mesmo sentido: ______. Direito processual civil e penal. Campinas: Péritas, 2001. vol. 1, p. 348.

14. Essa posição é defendida pelo ilustre professor Dinamarco (diNaMarco, Cândido Rangel. Desconsideração da personalidade jurídica, fraude, ônus da prova e contraditório. Funda-mentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 545).

15. saloMão Filho, Calixto. Op. cit., p. 261-262.

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Inegavelmente assiste razão ao insigne doutrinador quando demonstra que a desconsideração da personalidade jurídica não decorre de um ato, mas sim de uma atividade abusiva. Sim, precisa-se de muito cuidado para não confundir a teoria da desconsideração com a teoria dos atos ultra vires ou com a teoria da aparência.

Realmente, averiguar os caminhos trilhados na atividade da sociedade empresá-ria e saber quem foi o beneficiado pela atividade lesiva são balizas legítimas no emprego da disregard doctrine. Porém, isso não significa a inexistência de responsa-bilidade secundária ou falta de direito de regresso em favor do sócio atingido pela desconsideração, tampouco permite ignorar a redação do art. 50 do CC.

Em excelente trabalho, Rogério Licastro Torres de Mello analisa os argumentos de Salomão Filho e não vê dificuldades à qualificação da desconsideração como caso de responsabilidade secundária.

Mello afirma que, assim como o sócio, também o fiador, o avalista e o dador de bem em hipoteca por dívida alheia respondem por atos próprios, sem deixar de existir responsabilidade secundária. O negócio jurídico levado à via executiva, o próprio título executivo que ampara a execução, não se confunde com o ato ou o fato e a lei que servem de fundamento para a responsabilidade secundária.

Isto é, a responsabilidade dessas figuras (sócio, fiador, avalista ou dador de bem em hipoteca), seja decorrente de lei, como acontece na desconsideração, ou de avença, nasce isoladamente do débito exequendo e, assim, mostra-se, “por sua so-lidão relativamente ao direito material inobservado, executivamente secundária”.16

Melhor sorte não socorre ao argumento atinente ao não cabimento do direito de regresso.

Em primeiro lugar, aduzir que falta ao sócio direito de regresso em face da so-ciedade porque ele se beneficiou com a atividade lesiva ignora a positivação da teoria menor da desconsideração, para a qual a insolvência do ente coletivo basta para responsabilizá-lo secundariamente (art. 28, § 5.º, do CDC).

Nessa hipótese, sequer se cogita ou investiga a ocorrência de atividade fraudu-lenta ou vantagem auferida pelo sócio ou controlador. Em face disso, satisfeito o débito da sociedade pelo responsável secundário, legítimo que ele busque o ressar-cimento contra a sociedade, que no futuro poderá se tornar solvente, em autêntico direito de regresso.

Esse argumento já encerra a controvérsia, no entanto, junto dele existe outro concatenado aos aspectos subjetivos (quem pode ser responsabilizado) e objetivos (qual a extensão da responsabilidade) da desconsideração na teoria maior.

16. Mello, Rogério Licastro Torres de. O responsável executivo secundário. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 286.

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A desconsideração tem como objetivo potencializar a eficácia das normas jurí-dicas, por vezes, subtraída por meio do abuso da personalidade jurídica. Tratando-se de desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade o enfoque não consiste em punir a atividade lesiva,17 mas em universalizar e revigo-rar a tutela jurisdicional executiva para proteger o credor fraudado e, por que não?, a própria jurisdição.

Uma vez que a desconsideração difere da teoria dos atos ultra vires, sua exten-são, sob o ponto de vista subjetivo, não se restringe ao responsável pela execução ou condução da atividade lesiva. Todos os beneficiados de alguma forma com ela (com a distribuição de lucros que não existiriam, aumento indevido de patrimônio da sociedade, valorização das cotas sociais, entre outros) podem ser alcançados, inclusive o sócio minoritário e desprovido de poderes de gerência.18

Entre tutelar os interesses desta figura, que foi relapsa, porque dispunha de me-canismos legítimos para fiscalizar a atividade social (arts. 1.020 e 1.021 do CC) e os do credor, cujo direito acabou fraudado pelo abuso da personalidade, o Direito prefere aos últimos.

Resta saber a extensão da responsabilidade nascida com desconsideração. Esta-ria de alguma forma vinculada à dimensão da vantagem obtida ou à participação do sócio no capital social?

A participação no capital social não guarda liame com a teoria da desconsidera-ção. Desde logo, deve ser descartada.

Já o benefício econômico auferido pelos sócios, conquanto seja a baliza para determinar o alcance subjetivo da disregard, não desempenha tal desiderato sob a ótica objetiva, por razões de ordem prática e por atentar à finalidade do instituto.

Na prática, a desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabi-lidade tem lugar no processo ou na fase executiva e, corriqueiramente, passa-se à

17. Se o fito do legislador fosse punir o abuso e extirpar do mundo jurídico as sociedades que usaram sua personalidade para fraudar, o art. 50 do CC estabeleceria que, caracterizado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, o ente seria dissolvido. Quando foi venti-lada essa hipótese durante a proposta do Novo Código Civil, grande parte da doutrina se insurgiu contra sua aprovação, pois seriam infringidos os limites da disregard doctrine (por todos: JusteN Filho, Marçal. Op. cit., p. 153).

18. A posição defendida e que melhor se adapta aos contornos da disregard doctrine tem ecoado na jurisprudência. Ora pelo critério do benefício econômico (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1315110/SE. 3.ª Turma. Relatora Min. Nancy Andrighi. j. 28.05.2013, Diário [da] Justiça, Brasília, DF, 7 jun. 2013), ora pela omissão na fiscalização (Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento 0083618-86.2013.8.26.0000. 20.ª Câmara de Direito Privado. Relator Des. Álvaro Torres Júnior. j. 17.02.2014. Diário [da] Justiça, 17 maio 2013), o sócio minoritário tem sido responsabilizado.

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investigação do abuso somente depois de frustradas as tentativas para recebimento por meio do patrimônio da sociedade. Nesse iter passam-se anos sem a satisfação do direito reclamado pelo credor.

Permitir a este tempo o início de nova e intrincada discussão para auferir o exa-to benefício de cada sócio com a atividade abusiva da personalidade e, por via oblíqua, a extensão da responsabilidade de cada um, seria o mesmo que condenar o credor a não ter a tutela jurisdicional entregue em tempo razoável. Seguindo essa linha, caminha-se na contramão do fim máximo da desconsideração.19

Diante disso, o oxigênio tonificador dos ideais de justiça torna clarividente que o sócio atingido responde ilimitadamente pela dívida da sociedade.20 Caso repute a dimensão de sua responsabilidade superior às vantagens percebidas, poderá exer-cer seu direito – de regresso – em face dos demais sócios – se também foram bene-ficiados – e da sociedade. O importante é deixar claro que isso deverá ser feito após a satisfação do direito do credor.

Esse cenário acaba por reforçar a caracterização da responsabilidade secundária.

Retornando à questão principal (“teoria dualista da desconsideração”), o feste-jado jurista André Pagani de Souza advoga pela irrelevância da teoria dualista ao problema posto, haja vista que a desconsideração traz como consequência a identi-dade entre o sócio e a sociedade. Em outras palavras, a superação da personalidade jurídica revela que aqueles “são na realidade uma só pessoa, ambos devedores e responsáveis pelo adimplemento da dívida”.21

Como os efeitos da desconsideração estão presos ao campo da (in)eficácia soa equivocado o pensamento desenvolvido. Nesse ponto, mais feliz a lição de Bianqui no sentido de que a disregard suspende (torna ineficaz) os efeitos da personalidade jurídica em seu aspecto material (no ponto em que limitava a responsabilidade do

19. Esses mesmos argumentos serviram para que abalizada doutrina rechaçasse a possibilidade de denunciação da lide em tema de desconsideração da personalidade jurídica (BeNeti, Sidnei Agostinho. Desconsideração da sociedade e legitimidade ad causam: esboço de siste-matização. In: arruda alviM WaMBier, Teresa; didier Jr., Fredie. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil (e assuntos afins). São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 1025-1026).

20. Assim entendem o Tribunal de Justiça de São Paulo (Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento 0251751-28.2012.8.26.0000. Relatora Des. Maria Lúcia Pizzotti. 20.ª Câmara de Privado. j. 06.05.2013. Diário [da] Justiça, 21 maio 2013) e o Superior Tribunal de Justiça (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.169.175/DF. 3.ª Turma. Relator Min. Massami Uyeda. j. 17.02.2011. Diário [da] Justiça, Brasília, DF, 4 abr. 2011).

21. PaGaNi, André de Souza. Desconsideração da personalidade jurídica 2. ed. São Paulo: Sarai-va, 2011. p. 90.

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sócio), para alcançar o patrimônio do sócio, restando intacta a personalidade pro-cessual (capacidade de ser parte e a legitimidade).

Seguindo esse raciocínio, correto dizer que, inclusive no caso concreto no qual proclamada a desconsideração, sócio e sociedade não são uma só pessoa. Guardam suas personalidades autônomas, deixando mais cristalino o divórcio entre obriga-ção (sociedade) e responsabilidade (sócio).

Aclarada a dissociação entre obrigação e responsabilidade, é preciso imitar o poeta, que quer pegar na semente da palavra para compreendê-la22 e lançar-se em busca da essência da disregard. O que seria exatamente a desconsideração da perso-nalidade jurídica para fins de responsabilidade?

Respeitados entendimentos contrários, essa modalidade da disregard doctrine representa um mecanismo do processo, uma técnica processual engajada na univer-salização da tutela jurisdicional.23

Ainda dentro de uma visão dualista do ordenamento jurídico e da obrigação, a desconsideração, ao menos para fins de responsabilidade, está inserida no plano do direito processual, naquele exato e nebuloso ponto em que a responsabilidade pa-trimonial se liga, por um robusto vínculo de instrumentalidade, à obrigação, situa-da no plano material.

Porquanto, desarrazoado pensar na existência de um direito subjetivo à descon-sideração da personalidade jurídica. Ela não está no plano material em que esses se encontram.

Se existisse um direito subjetivo à desconsideração por parte do credor, qual seria o dever correspondente na esfera jurídica da sociedade e dos sócios? Estariam obrigados a “tornar ineficaz a personalidade jurídica”? Como o fariam? Ainda, qual o vínculo jurídico entre os sócios e o credor a amparar a suposta obrigação?

Abalizado jurista considerou se tratar de direito potestativo do credor.24 Ocorre que os direitos potestativos constituem, modificam ou extinguem as relações jurí-

22. Na ânsia por compreender seu instrumento de trabalho, dissera célebre poeta sul mato--grossense: “Eu queria pegar na semente da palavra” (Barros, Manoel. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2013, p. 431).

23. Já o demonstrara Dinamarco (diNaMarco, Cândido Rangel. Universalizar a tutela jurisdi-cional. Fundamentos do processo... cit., p. 423-426). Além disso, a obra de Bruschi se dedi-cou, em grande parte, à aproximação da disregard doctrine com outra técnica processual, qual seja, a fraude à execução (Bruschi, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009).

24. O eminente Min. Luis Felipe Salomão em louvável atitude e engenhosa construção teórica juntou argumentos para rechaçar a tese apresentada em parecer do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior no sentido de decadência do requerimento de desconsideração em determi-nado julgamento do STJ (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.180.714/

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dicas de direito material. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade não constitui, modifica ou extingue a relação obrigacional no pla-no material. A sociedade permanece sendo a única obrigada.

Convém destacar que mesmo o fundamento que serve à aplicação da disregard na situação concreta (abuso da personalidade) não existe entre sócio e credor; sim entre sociedade e sócio.

Em verdade, ao credor fraudado pelo abuso da personalidade, socorre a faculda-de processual de ver o sócio sujeito às medidas executivas.

Noutros dizeres, de pedir ao juiz a aplicação de uma técnica processual que revi-gora a efetividade da tutela jurisdicional outrora anulada pelo abuso da personali-dade ou, nos casos sujeitos à teoria menor, pela insolvência da pessoa jurídica.

Portanto, aí está a qualificação jurídica que se pretende dar à desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma técnica processual enga-jada na universalização da tutela jurisdicional por meio da responsabilidade secun-dária. Alguns desdobramentos dessa conceituação serão vistos adiante.

3. iNFluêNcia sobre os PressuPosTos de aPlicação: iNsolvêNcia da Pessoa Jurídica

A concepção da utilização da disregard doctrine para fins de responsabilidade como mecanismo a favor da expansão da tutela jurisdicional tem como corolário erigir um novo pressuposto para sua aplicação: a insolvência do ente coletivo.

Quando houver bens no patrimônio da sociedade suficientes para a satisfação do direito do credor, a esse faltará interesse para requerer a medida de desconside-ração. Frise-se: o abuso da personalidade, de forma isolada, não faz nascer para o credor um direito subjetivo ou potestativo à desconsideração. É indispensável a fraude, o prejuízo. Remanescendo outras maneiras de satisfazer o direito material (crédito), não se justifica a desconsideração, que tem cunho excepcional.

Ainda como consequência da caracterização da responsabilidade secundária, aos sócios socorre o benefício de ordem (art. 795, § 1.º, da Lei 13.105/2015), de modo que a responsabilidade se afigura como subsidiária à da sociedade.

RJ. 4.ª Turma. Relator Min. Luís Felipe Salomão. j. 05.04.2011. Diário [da] Justiça Eletrô-nico, Brasília, DF, 6 maio 2011). Tudo isso para manter válida e operante a desconsidera-ção, posto que a instância ordinária, examinando os fatos, concluiu pelo abuso da perso-nalidade. O parecerista defendia a decadência do “direito à desconsideração”. Deve ser exaltado o voto declarado, sobretudo por seu desiderato (manter a efetividade da tutela jurisdicional) e pela preocupação em se alcançar uma robusta fundamentação. Porém, em sede doutrinária, salvo melhor juízo, cabem os apontamentos feitos no texto.

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70 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

4. iNFluêNcia sobre aPlicação das Normas da descoNsideração da PersoNalidade Jurídica

Em relação à aplicação das normas atinentes à disregard doctrine, merece atenção o exame da competência para tanto.

Sendo tema de responsabilidade patrimonial e estando ligada às medidas execu-tivas, a desconsideração na modalidade em exame será atuada apenas pelo Judiciá-rio. Insta registrar que, diferentemente, a desconsideração atributiva tem sido legi-timamente aplicada pela Administração Pública25 e na arbitragem.26

Outro ponto relevante versa sobre a aplicação das leis que regulamentam a des-consideração da personalidade jurídica no tempo.

A esta altura, possível distinguir as normas que disciplinam a disregard doctrine, colocando, de um lado, as normas processuais puras, que regulam o procedimento para desconsideração (arts. 133 a 137 do NCPC), e, de outro, as normas proces-suais substanciais, indicadoras das hipóteses de cabimento da teoria (arts. 50 do CC, 28 do CDC, entre outras).

Em relação às normas processuais puras, o art. 1.045 do NCPC reproduziu a mesma disposição transitória que constava no art. 1.211 da Lei 5.869/1973. Logo, a lei nova não deve modificar a interpretação doutrinária vigente, persistindo, em tema de direito intertemporal, a teoria do isolamento dos atos processuais: os atos praticados e acabados se regulam pela antiga lei; os pendentes e a praticar, pela lei nova.27

Quer dizer que a partir da vigência da Lei 13.105/2015 os novos requerimentos de desconsideração da personalidade jurídica deverão observar o “incidente de desconsideração da personalidade jurídica” previsto no art. 133 e seguintes da re-ferida lei.

25. O STJ tem chancelado a aplicação da desconsideração atributiva mormente para efetivação de sanções ligadas a ilícitos administrativos (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 15.166/BA. 2.ª Turma. Relator Min. Castro Meira. j. 07.08.2003. Diário [da] Justiça, Brasília, DF, 8 set. 2003). Em liminar, com o parecer da Procuradoria-Geral da República, o Min. Celso de Mello sinalizou que essa aplicação com-patibiliza-se com os princípios constitucionais, quando observados o contraditório e a am-pla defesa (Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança 32.494/DF. Relator Min. Celso de Mello. j. 11.11.2013).

26. BiaNqui, Pedro Henrique Torres. Op. cit., p. 90-91.

27. ciNtra, Antônio Carlos de Araújo; GriNover, Ada Pellegrini; diNaMarco, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 1985. p. 106; diNiz, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 189.

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

O problema se torna realmente complexo na aplicação das normas processuais substanciais (hipóteses de cabimento da disregard). Como resolver os conflitos temporais entre as normas que restringem ou ampliam as hipóteses de desconside-ração da personalidade jurídica?

Essas regras, embora processuais, têm como marca peculiar atingir situações exteriores ao processo, de maneira que o emprego irrestrito da teoria do isolamen-to dos atos processuais pode conferir indesejada retroatividade à lei nova.28 Enten-da-se a controvérsia com alguns exemplos.

A partir da limitação da responsabilidade hoje vigente (art. 50 do CC), duas pessoas constituem uma sociedade limitada que estabelece com terceiros somente relações de cunho comercial. Integralizado o capital social, se não ocorrer o abuso da personalidade, os sócios jamais terão seus patrimônios atingidos por dívidas da sociedade, ainda que essa se torne insolvente. Suponha-se a superveniência de lei alteradora do art. 50 do CC, que torne a insolvência suficiente para a desconside-ração. Imagine-se ainda que a empresa por insucessos e fatores alheios à vontade dos sócios caia em insolvência. O que acontecerá?

Os sócios suportarão uma responsabilidade que, no momento da constituição da sociedade, não assumiram, respondendo ilimitadamente perante todos os credo-res? Ou apenas os detentores dos créditos contraídos depois da nova lei poderão requerer a desconsideração com base na insolvência?

É demasiadamente difícil encontrar uma solução uniforme para essa celeuma. Talvez a solução mais acertada para a hipótese lançada seja que a lei nova produza efeitos apenas para os créditos constituídos posteriormente ao início de sua vigência. Argumentar-se-ia que no momento da contratação com o credor da sociedade, os sócios da pessoa coletiva tinham ciência de que, caindo aquela em insolvência, eles responderiam com seu patrimônio particular. Ainda assim, outros posicionamentos poderiam ser ventilados.

A dificuldade permanece na situação inversa. Se a hipotética lei nova altera o art. 50 para excluir o cabimento da desconsideração quando verificada a confusão patrimonial, deverá ser desfeita a penhora realizada com base na lei revogada por aplicação imediata da lei processual?

28. Pode ser interessante consultar as espécies e os níveis de retroatividade das leis. Em céle-bre voto do Min. Moreira Alves proferido na ADIn 493, j. 25.06.1992, e na doutrina (raBello Filho, Franciso Pinto. O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 86-88. Apud PaulseN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tribu-tário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Es-mafe, 2009. p. 212) os níveis (máxima, média e mínima) e espécies (autêntica e impró-pria) de retroatividade são tratados com propriedade.

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Não. O sócio desrespeitara a lei que estava vigente à época da atividade que acabou por confundir as esferas e justificou a disregard. Nesse caso o desfazimento da penhora esvaziaria a promessa feita pela Constituição ao credor de garantir-lhe o acesso à ordem jurídica justa, privilegiando atividades que se consideravam ilíci-tas quando praticadas.

De todo modo, busca-se chamar a atenção do operador do direito de que as re-gras, embora atinentes à penhora e à responsabilidade patrimonial, projetam efei-tos além do processo, exigindo do magistrado extrema cautela para que a lei nova não modifique efeitos futuros de atos praticados anteriormente à sua vigência.29

Por fim, cabe analisar os efeitos do tempo sobre o requerimento de desconsidera-ção da personalidade jurídica.

Se não existe um direito subjetivo ou potestativo à desconsideração da persona-lidade jurídica, em princípio, a prescrição e a decadência não projetam efeitos sobre essa faculdade processual. Porém, a prescrição do crédito exequendo traz a ausência de interesse na desconsideração para fins de responsabilidade, que tem notório cunho instrumental, inviabilizando o requerimento.

Na realidade, afastada a prescrição do crédito exequendo, o pedido de desconsi-deração fica sujeito apenas à preclusão. O art. 134 do NCPC dispõe que o inciden-te tem lugar em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, mas não fixa prazo para seu exercício.

Na ausência de prazo específico para o pedido de desconsideração, esse pode ser feito enquanto pender a relação processual.30 Uma vez rejeitado o requerimento, a questão estará preclusa (preclusão consumativa), mas poderá ser reavivada se so-brevierem ou se forem alegados fatos diversos dos enfrentados na primeira decisão.

29. Guilherme Rizzo Amaral pensa diferente e defende que o art. 50 do CC implicará a cons-tituição de novas situações jurídicas (ponto em que se discorda), por isso, cabe sua aplica-ção imediata e irrestrita nos processos em curso (aMaral, Guilherme Rizzo. Ensaio acerca do impacto do Novo Código Civil sobre os processos pendentes. In: didier JuNior, Fredie; Mazzei, Rodrigo (org.). Reflexos do novo Código Civil no direito processual. Salvador: JusPo-divm, 2006. p. 498).

30. O entendimento corrente no STJ de que a citação da sociedade na execução fiscal inter-rompe o prazo prescricional para se pedir o redirecionamento do executivo aos sócios, que, assim, deve ocorrer em 5 (cinco) anos, não invalida o raciocínio exposto. Essa juris-prudência versa sobre os arts. 135 e 137 do CTN, os quais não fazem referência à teoria da desconsideração para fins de responsabilidade. Naquelas situações (arts. 135 e 137 do CTN), o sócio é o devedor originário do crédito tributário e o que faz a jurisprudência do STJ, de forma consciente ou não, é atribuir eficácia interruptiva à citação ocorrida na pes-soa da sociedade (devedora aparente ou putativa, por assim dizer).

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5. iNFluêNcia sobre a NaTureza e o coNTeúdo do ProvimeNTo JurisdicioNal

Outro desdobramento da visão dualista, ora tratada, relaciona-se ao conteúdo do provimento jurisdicional que decide o cabimento da desconsideração no caso concreto. Antes de examiná-lo, interessante expor a natureza desse ato judicial.

A matéria pode ser decidida por sentença, quando for requerida na petição ini-cial e apreciada ao final da fase de conhecimento (arts. 134, § 2.º, e 203, § 1.º, da Lei 13.105/2015), ou por decisão interlocutória que resolverá o incidente de des-consideração (arts. 136 e 203, § 2.º, da Lei 13.105/2015). Sem dificuldades se per-cebe que no primeiro caso caberá recurso de apelação pela parte inconformada e, no segundo, agravo de instrumento.

Cabe registrar que antes de apreciar o requerimento, o juiz determinará a cita-ção do sócio (art. 135 da Lei 13.105/2015), fazendo-o por despacho (art. 203, § 3.º, da Lei 13.105/2015), salvo quando for apreciada alguma outra questão, a exemplo de tutelas urgentes.

Pode ser de alguma valia examinar o teor do provimento que decreta a descon-sideração da personalidade jurídica. Existirá, em seu conteúdo, a condenação dos sócios?

Na realidade, no bojo dessa decisão, obrigatoriamente constarão várias decla-rações.

Primeiro se declara a existência de uma relação jurídica entre a sociedade (res-ponsável primário) e o sócio (responsável secundário) e algum fato (abuso da per-sonalidade + insolvência) que permite ao juiz ignorar, naquele determinado caso, a separação patrimonial (declará-la ineficaz), declarando ainda a sujeição dos sócios às medidas executivas.

É dizer, a um só tempo, a personalidade da devedora é declarada ineficaz em relação às medidas executivas e os sócios são declarados responsáveis secundários.

Não se acolhe a afirmação de que existe conteúdo condenatório na referida deci-são. Se isso fosse verdade, o provimento em comento consistiria em título executi-vo, sendo que, para tanto, teria de delimitar a sanção executiva,31 por meio da identificação das partes, da natureza da prestação e dos limites da pretensão.32

Ora, tudo isso (a própria norma jurídica individualizada) está no título exe-quendo constituído entre sociedade e credor; não nesse decisório, o qual se cinge a

31. lieBMaN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005. vol. 1, p. 237; ______. Processo de execução. Ara-ras: Bestbook, 2001. p. 16.

32. Esse é o conteúdo do título executivo (shiMura, Sérgio. Op. cit., p. 131-132).

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aNdRade JuNioR, Mozart Vilela. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 59-77. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

declarar a conveniência no caso concreto da utilização de uma técnica processual que viabilize a entrega da tutela jurisdicional ao credor, chamada de desconsidera-ção da personalidade jurídica.

Trocando em miúdo, assim como outras decisões proferidas no processo execu-tivo, o ato judicial em exame apenas resolve uma questão processual, dizendo se é ou não cabível, conveniente e adequada a técnica processual requerida.

Apesar disso, possível cogitar da existência de eficácia executiva do provimento, posto que constitui nova situação jurídico-processual, na qual o sócio passa a ser responsável e parte executada no processo, ainda que não seja devedor, mas mero responsável.33

Por último, interessante consignar que, mesmo quando consistir em decisão interlocutória, o ato judicial resolve o mérito do incidente atinente à legitimidade do responsável secundário para o processo executivo. Porquanto, pode formar coi-sa julgada material e desafiar ação rescisória.34

6. coNclusão

A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsa-bilidade consiste em técnica processual engajada na universalização da tutela juris-dicional pela qual os sócios respondem secundaria e subsidiariamente por dívida da sociedade.

Isso implica dizer que a desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade representa um instituto processual, integrado por normas de di-reito processual puro, que cuidam do procedimento de sua aplicação, e de direito processual substancial, as quais preveem as hipóteses de sua incidência.

Sendo uma faculdade processual ligada ao processo executivo, a desconsidera-ção para fins de responsabilidade deve ser aplicada pelo Judiciário e pode ser reque-

33. Acolhe-se aqui o conceito puramente processual de parte dado por Liebman (Manual de direito... cit., p. 123-124), em restrição ao conceito de Chiovenda (chioveNda, Giuseppe. Op. cit., p. 278), que está ligado ao direito material (parte legítima na demanda).

34. No sistema da Lei 5.869/1973, a doutrina indicava o cabimento de ação rescisória contra decisões interlocutórias que continham resoluções de mérito (diNaMarco, Cândido Ran-gel. Ação rescisória contra decisão interlocutória. Nova era do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 289-292). A jurisprudência do STJ inclusive julgou a fattispecie examinada e reconheceu o cabimento da ação rescisória ajuizada por sócio atingido pela disregard (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 784.799/PR. 1.ª Turma. Relator Min. Teori Albino Zavascki. j. 17.12.2009. Diário [da] Justiça, Brasília, DF, 2 fev. 2010). Na Lei 13.015/2015, a inconsistência na redação do art. 485 foi superada e a ação rescisória se destina, agora, à rescisão da “decisão de mérito” (art. 966).

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rida a qualquer tempo enquanto estiver pendente a relação processual e não pres-crito o crédito fraudado por meio do abuso da personalidade.

Em tema de direito intertemporal, a aplicação das normas processuais substan-ciais ligadas à desconsideração para fins de responsabilidade demandam especial atenção do operador do direito, a fim de que não sejam alcançados os efeitos futu-ros de atos jurídicos perfeitos e acabados anteriormente à vigência da lei nova.

A decisão que reconhece a conveniência da desconsideração para fins de res-ponsabilidade no caso concreto resolve uma questão incidental ao processo execu-tivo, declarando ineficaz a personalidade jurídica e a responsabilidade secundária do sócio pela dívida da sociedade.

7. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Imputação de responsabilidade ao ex-sócio como efeito da desconsideração da personalida-

de jurídica, de Tânia Bahia Carvalho Siqueira – RDPriv 63/197-219 (DTR\2015\13067); e

• Recuperação judicial e falência: algumas das possíveis consequências para os sócios das empresas afetadas, de Luís Alberto de Fischer Awazu – RDB 68/181-193 (DTR\2015\10804).

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RamiNa de Lucca, Rodrigo. Os limites objetivos da coisa julgada no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 79-110. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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os limiTes obJeTivos da coisa Julgada no novo código de Processo civil

le Domaine De l’autorité De la chose jugée et le nouveau coDe De procéDure civile brésilien

rodrigo ramina de lucca

Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil pela USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Comitê Brasileiro de Arbitragem e do Instituto Paranaense de Direito Processual. Advogado.

[email protected]

Recebido em: 28.09.2015 Aprovado em: 24.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: Este trabalho faz uma análise crítica do art. 503, § 1.º, do NCPC brasileiro, o qual estende os limites objetivos da coisa julgada às questões prejudiciais de mérito decididas expressamente na motivação da sentença. Após demonstrar que o dispositivo possui nítida inspiração em instituto do common law denominado issue preclusion (ou issue estoppel), são analisados os requisitos legais esta-belecidos no Novo Código, bem como algumas das consequências processuais resultantes da inovação legislativa.

Palavras-chave: Coisa julgada – Limites objetivos – Questões prejudiciais – Sentença.

résumé: Cet article fait une étude critique de l’art. 503, §1º, du Nouveau Code de Procédure Civile brésilien, lequel étend l’autorité de la chose jugée aux motifs préjudiciels et décisifs du jugement. Après avoir montré que la règle a été beaucoup influencée par l’issue preclusion du common law, l’article analyse les exigences légales  établies par le Nouveau Code et présente quelques-unes des conséquences procédurales apportés par l’innovation législatif.

moTs-clés: Chose jugée – Domaine de la chose jugée – Motifs préjudiciels – Jugement.

sumáRio: 1. Introdução – 2. Os limites objetivos da coisa julgada no Código de Processo Civil de 1973: 2.1 Rompimento com as incertezas decorrentes do Código de Processo Civil de 1939; 2.2 Coerência com o sistema processual brasileiro: 2.2.1 Limites objetivos e conceito de coisa julgada; 2.2.2 Limites objetivos e objeto do processo; 2.2.3 Limites objetivos e correlação entre demanda e sentença; 2.3 Proteção da posição do réu; 2.4 Efetividade e economia processual – A declaração incidente – 3. A extensão dos limites objetivos da coisa julgada no Novo Código de Processo Civil e a influência estrangeira: 3.1 Issue preclusion e issue estoppel – 4. O novo regime processual dos limites objetivos da coisa julgada: 4.1 Questões prejudiciais; 4.2 Questões incidentais; 4.3 Questões prejudiciais incidentais expressamente decididas; 4.4 Dependência do julgamento do mérito: 4.4.1 Pluralidade de questões prejudiciais; 4.4.2 Questões prejudiciais decididas desfavora-velmente ao vencedor; 4.5 Contraditório prévio e efetivo; 4.6 Competência do juízo para resolver

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a questão como principal; 4.7 Exceção em caso de restrições probatórias ou limitações à cognição; 4.8 Limitação a questões jurídicas – Críticas – 5. As consequências dos novos limites objetivos da coisa julgada: 5.1 A natureza das questões prejudiciais imutabilizadas; 5.2 Dever de motivação e manifestação expressa do juiz sobre questões prejudiciais incidentais; 5.3 Questões prejudiciais incidentais e interesse recursal; 5.4 Questões prejudiciais incidentais e ação rescisória – 6. Eficácia da novidade legislativa – Direito intertemporal – 7. Conclusão – 8. Referências bibliográficas.

1. iNTrodução

O art. 503, § 1.º, do NCPC rompe com a disciplina estabelecida no Código de Processo Civil de 1973 e estende os limites objetivos da coisa julgada a questões prejudiciais decididas incidentalmente na motivação da sentença. Não se trata, é certo, de disciplina inédita. Disposição semelhante já constava do art. 287 do CPC/1939, o qual gerava infindáveis polêmicas e discussões doutrinárias e juris-prudenciais. Ainda assim, pretendeu o legislador dar mais eficiência ao processo, aproveitando ao máximo aquilo que foi produzido e evitando a repetição indevida de questões já decididas.

Este trabalho propõe-se a analisar essa “nova disciplina”, iniciando-se por uma breve contextualização do regime estabelecido pelo Código de Processo Civil de 1973 para então seguir aos requisitos legais estabelecidos no Novo Código de Pro-cesso Civil e a algumas das consequências processuais dela resultantes.

2. os limiTes obJeTivos da coisa JulGada No códiGo de Processo civil de 1973

Coisa julgada é a autoridade que reveste a sentença de mérito, proferida me-diante cognição exauriente, tornando imutável o seu conteúdo decisório.1 Com previsão constitucional expressa, trata-se de garantia inerente ao Estado de Direito2 que proporciona a estabilização de uma dada situação jurídica e, consequentemen-te, previsibilidade ao jurisdicionado. A segurança jurídica proporcionada pela coisa julgada vale para ambas as partes, pois independentemente de o resultado ser posi-tivo ou negativo, ambas passam a ter certeza da situação jurídica que foi estabiliza-da, podendo moldar e planejar as suas vidas de acordo.3

1. BarBosa Moreira, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada, passim, esp. ponto 8; talaMiNi, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão, p. 30.

2. Ao menos do modelo de Estado de Direito por nós adotado e seguido. V. Nery Jr., Nelson. Coisa julgada e o Estado Democrático de Direito, esp. p. 713-714.

3. Apontando o valor da segurança jurídica independentemente do resultado, FrisoN-roche, Marie-Anne. La théorie de l’action comme principe de l’application dans le temps des ju-

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RamiNa de Lucca, Rodrigo. Os limites objetivos da coisa julgada no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 79-110. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

A coisa julgada pode ser formal ou material. É formal quando os seus efeitos são produzidos endoprocessualmente e a sentença torna-se imutável enquanto ato pro-cessual, não podendo mais ser discutida no processo em que foi proferida.4 É ma-terial quando a imutabilidade da sentença projeta-se para fora do processo, impe-dindo a rediscussão daquilo que já foi julgado (função negativa) e impondo a pro-cessos futuros que adotem como premissa do julgamento a decisão transitada em julgado (efeito positivo).5

Por projetar-se para fora do processo, é natural que a coisa julgada (material) tenha limites, que podem ser subjetivos ou objetivos. São subjetivos os que concer-nem aos sujeitos afetados pela imutabilidade. Como regra, apenas aqueles que “fi-guraram no processo e aos quais se dirigiu” a sentença ficam atrelados à coisa jul-gada.6 De acordo com o art. 472 do CPC/1973, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros”. A reda-ção foi atualizada pelo art. 506 para prever, indiretamente, que a coisa julgada também beneficiará terceiros, sobretudo diante da possibilidade de julgamento li-minar do mérito em favor de réu não citado (art. 332 do NCPC).7

Os limites objetivos, por sua vez, procuram definir o conteúdo da sentença que se torna imutável: o que faz coisa julgada? Também aqui o Código de Processo Civil de 1973 deu resposta à questão. O art. 469 dispõe: “Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”. O art. 470 complementa o tratamento da matéria: “Faz, todavia, coisa julgada a resolução

risprudences, p. 311: “Si la personne est rationnelle, elle n’attend pas tant la satisfaction de ses intérêts, car ceux-ci peuvent être changeants ou partagés, mais de connaître le sort que le droit lui réserve, de sorte qu’elle puisse agir en intégrant cette donnée”. Igualmente, diNaMarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 195: “O importante não é o consenso em torno das decisões estatais, mas a imunização delas contra os ataques dos contrariados; e indispensável, para o cumprimento da função pacificadora exercida pelo Estado legislando ou sub specie jurisdictionis, é a eliminação do conflito como tal, por meios que sejam reconhecidamente idôneos”.

4. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. 3, p. 295.

5. V. PuGliese, Giovanni. Giudicato civile (dir. vig.). p. 818-822: “(...) non si tratta di due o più effeti, i quali si contrappongano l’uno all’altro come entità diverse, bensì di semplici manifestazioni o estrinsecazioni di un unico effeto, che si compendia nell’attribuzione alla sentenza di un valore vincolante tale da assicurare che l’accertamento in essa contenuto ‘faccia stato’” (p. 822).

6. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito... cit., p. 315.

7. “Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.”

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da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5.º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”.

Bem analisado o Código de Processo Civil de 1973, portanto, fica fácil concluir que os limites objetivos da coisa julgada restringem-se ao dispositivo da sentença; i.e., ao seu efetivo conteúdo decisório.

2.1 Rompimento com as incertezas decorrentes do Código de Processo Civil de 1939

A opção legislativa do Código de Processo Civil de 1973 de restringir os limites objetivos da coisa julgada ao dispositivo da sentença tinha uma razão de ser muito clara. Ao definir precisamente o que fazia coisa julgada – e o que não fazia –, o le-gislador pretendia encerrar as infindáveis polêmicas existentes sob a vigência do CPC/1939 e seu art. 287:

“Art. 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas.

Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão”.

A redação do parágrafo único do art. 287, que acolheu a doutrina de Savigny,8 tornava incertos os limites objetivos da coisa julgada; afinal, quais eram as questões que constituíam premissa necessária da conclusão? Não é por acaso que, em 1945, Liebman apontava: “A questão dos limites objetivos da coisa julgada” como “uma das mais controvertidas no direito brasileiro”.9

De modo a pôr fim à controvérsia e proporcionar segurança jurídica ao jurisdi-cionado, o art. 469, III, do CPC/1973 excluiu as questões prejudiciais da abrangên-cia da coisa julgada material.10

2.2 Coerência com o sistema processual brasileiro

A escolha do legislador em limitar a coisa julgada ao dispositivo da sentença também era coerente com a estrutura do sistema processual brasileiro.

8. Para um brevíssimo e didático resumo histórico, v. Machado, Marcelo Pacheco. Novo CPC: que coisa julgada é essa? p. 1-2.

9. lieBMaN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença, p. 51. V. também loPes, Bruno Vasconcelos Carrilho. Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada, p. 29-30.

10. Nesse sentido, aMaral saNtos, Moacyr. Comentários ao Código de Processo Civil, t. IV, p. 476: “O Código vigente cortou definitivamente a controvérsia, excluindo da eficácia da coisa julgada as questões resolvidas na fundamentação, até mesmo as chamadas questões prejudiciais (art. 469)”. V. também: silva, Ovídio Araujo Baptista da. Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro atual, p. 45 e ss.

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2.2.1 Limites objetivos e conceito de coisa julgada

Em primeiro lugar, os limites objetivos confundiam-se com o próprio conceito de coisa julgada. Quando se afirma que a coisa julgada é a autoridade (ou qualidade) que torna imutável o conteúdo decisório da sentença, então a própria definição já deli-mita claramente qual é a parte da sentença que se torna imutável. E pouco importa se o conceito de coisa julgada abrange também a imutabilidade dos efeitos da sentença, como preferia Liebman,11 ou se faz prevalecer a imutabilidade da declaração contida na sentença.12 Em todas as concepções modernas de coisa julgada há uma indefectí-vel vinculação do instituto à decisão propriamente dita, consistente no dispositivo. Daí ter afirmado Cândido Dinamarco que “o confinamento da autoridade da coisa julga-da à parte dispositiva da sentença é inerente à própria natureza do instituto e à sua finalidade de evitar conflitos práticos de julgados, não meros conflitos teóricos”.13

Com efeito, jamais houve divergência doutrinária relevante na configuração do dispositivo como elemento nuclear e fundamental da sentença; o elemento que dá à sentença natureza de ato decisório. Se a falta de motivação é tida como causa de nulidade, e a falta de relatório, a depender do caso, mera irregularidade, a falta de dispositivo descaracteriza por completo o ato sentencial, uma vez que ausente a própria decisão, tratando-se de ato juridicamente inexistente.14

11. Nas palavras do mestre italiano: “Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sen-tença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua exis-tência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato” (lieBMaN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade... cit., p. 50).

12. A essa exata conclusão chegam Marinoni e Arenhart, mesmo adotando a concepção de que coisa julgada é a imutabilidade da declaração contida na sentença: “Em sendo assim, o que fica exatamente abrangido pela coisa julgada? A resposta parece ser bastante simples, mes-mo em decorrência da definição aqui adotada. Se este fenômeno incide sobre a declaração contida na sentença, e se essa declaração somente pode existir como resposta jurisdicio-nal, é certo que a coisa julgada atingirá apenas a parte dispositiva da sentença” (MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. p. 655). Liebman tam-bém relaciona expressamente o conceito de coisa julgada aos seus limites objetivos: “To-davia, razões de oportunidade, assim como determinaram a adoção do instituto, também traçam à sua aplicação limites precisos: limites objetivos que a definição dada há pouco de autoridade da coisa julgada ajuda a entender, visto como é só o comando pronunciado pelo juiz que se torna imutável, não a atividade lógica exercida pelo juiz para preparar e justifi-car a decisão” (lieBMaN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade... cit., p. 51).

13. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito... cit., p. 311.

14. Nesse sentido, exemplificativamente: diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito... cit., p. 682; aMaral saNtos, Moacyr. Op. cit., p. 437; talaMiNi, Eduardo. Op. cit., p. 309-310; arruda alviM WaMBier, Teresa. Nulidades do processo e da sentença, p. 337.

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2.2.2 Limites objetivos e objeto do processo

Em segundo lugar, os limites objetivos da coisa julgada estavam de acordo com a concepção de objeto (mérito) do processo. Essa é a conclusão a que chegou Lie-bman ainda em 1945:

“E para identificar o objeto (sentido técnico) do processo e, em consequência, da coisa julgada, é necessário considerar que a sentença representa a resposta do juiz aos pedidos das partes e que por isso (prescindindo da hipótese excepcional de de-cisão extra petita) tem ela os mesmos limites desses pedidos, que ministram, assim, o mais seguro critério para estabelecer os limites da coisa julgada. Em conclusão, é exato dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença (...)”.15

Liebman é incisivo, portanto, em vincular o objeto do processo ao pedido for-mulado pelo autor, superando a insustentável teoria de que lide e mérito consisti-riam no mesmo fenômeno. De um lado porque o autor não apresenta um litígio para julgamento, mas sim um pedido específico de tutela jurisdicional – aquilo que se convencionou denominar de “lide processual”.16 Se a lide fosse o mérito do pro-cesso, então ao autor bastaria narrar o conflito e pedir a pacificação pelo juiz. Ao contrário, é ele quem define aquilo que efetivamente pretende do Estado: a conde-nação do réu a uma prestação obrigacional, a invalidação de um ato jurídico etc. Daí falar-se que a lide é uma figura sociológica, e não jurídica.17 De outro porque o processo não depende de lide para se desenvolver, como comprova o chamado “processo civil inquisitório”,18 voltado a tutelar situações jurídicas reputadas rele-vantes pelo Estado, independentemente da configuração de um efetivo litígio entre duas partes opostas (p. ex., invalidade do casamento, inventário e partilha quando houver interessado incapaz, demandas de invalidação de atos normativos, como a ação direta de inconstitucionalidade etc.).

Se o objeto do processo é o pedido formulado pelo autor ou, com maior precisão técnica, a “pretensão processual” deduzida pelo autor em juízo (a condenação, a constituição, a desconstituição, a declaração),19 então é natural que a coisa julgada

15. lieBMaN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade... cit., p. 53.

16. lieBMaN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. p. 88; oliveira, Eduardo Ribeiro de. Notas sobre o conceito de lide, p. 88.

17. calaMaNdrei, Piero. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti, p. 221.

18. Idem, p. 210.

19. diNaMarco, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil, p. 33 e ss.; talaMiNi, Eduardo. Op. cit., p. 79-80; raMiNa de lucca, Rodrigo. O mérito do processo e as condi-ções da ação, p. 79 e ss. Para Pontes de Miranda, o mérito também é formado pela preten-são do autor, mas, segundo ele, trata-se da pretensão de direito material e não processual (Comentários ao Código de Processo Civil, t. I. p. 59). Araken de Assis, em sentido bastante

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fique vinculada apenas ao dispositivo. É nele que se encontra a decisão sobre o objeto do processo, concedendo-se, ou não, a tutela jurisdicional pleiteada. Todas as demais decisões proferidas incidentalmente não passariam de um caminho ne-cessário para que o Estado-juiz julgasse a pretensão processual do autor – o mérito.

2.2.3 Limites objetivos e correlação entre demanda e sentença

Os limites objetivos estabelecidos no Código de Processo Civil de 1973 estavam igualmente em consonância com a regra da correlação entre demanda e sentença.

A premissa era bastante simples. Sendo a jurisdição inerte, o Estado-juiz só pode agir mediante provocação. Se o autor, em exercício de sua autonomia privada, optou por pedir apenas X, então a decisão estatal ficaria limitada a X. Se o autor quisesse também um provimento jurisdicional específico sobre Y, com as vantagens de obter, em caso de procedência, uma tutela jurisdicional definitiva e imutável sobre Y, então teria que fazer pedido expresso nesse sentido.

Os limites objetivos da coisa julgada previstos no Código de Processo Civil de 1973 privilegiaram o princípio dispositivo e garantiram ao demandante a exata resposta àquilo que foi pedido (fosse ela positiva ou negativa).20 O dispositivo cor-respondia ao pedido, e as razões que amparam o dispositivo (motivação da senten-ça) correspondiam às causas de pedir e alegações jurídicas apresentadas como fun-damento do pedido.

A solução legislativa deu segurança às partes, que passaram a conhecer exata-mente as consequências da sentença proferida pelo Estado-juiz. Se o autor quer colocar fim à incerteza sobre determinada situação jurídica, basta fazer um pedido expresso de declaração, constituição ou desconstituição dessa situação.

Resumindo, fazia coisa julgada o que era efetivamente decidido de forma impe-rativa; decidia-se imperativamente aquilo que era pedido pelo demandante, fosse ele autor, fosse ele réu-reconvinte.

similar e partindo de grande parte das premissas de Pontes de Miranda, entende que o mérito do processo é formado pela ação de direito material (assis, Araken de. Cumulação de ações, p. 121). Contra ambos os posicionamentos podem ser citadas as críticas formu-ladas por Schwab à teoria de Lent sobre objeto do processo (schWaB, Karl Heinz. El objeto litigioso en el processo civil, p. 13 e ss.).

20. É o que explica Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes: “A opção do ordenamento jurídico brasileiro por restringir a coisa julgada ao dispositivo da sentença tem por principal fun-damento o princípio da demanda, que confere às partes o poder de delimitar o objeto do processo e, em consequência, também lhes atribuiria o poder de definir os limites objeti-vos da coisa julgada” (Op. cit., p. 66).

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2.3 Proteção da posição do réu

A exposição contida nos pontos anteriores pode dar a impressão de que o legis-lador cuidou apenas da posição jurídica do autor, ignorando os interesses do réu. Não foi o que ocorreu. O réu sempre teve o poder de reconvir, propondo ele próprio uma demanda em face do autor para julgamento expresso, definitivo e imutável (arts. 315 a 318 do CPC/1973). O único requisito da reconvenção era que tivesse conexão com a demanda principal ou com o fundamento da defesa. Ora, qualquer pedido voltado a consolidar uma questão prejudicial à pretensão do autor, em be-nefício do réu, certamente teria conexão com a demanda principal. E não custa lembrar que a reconvenção possui independência e autonomia perante demanda principal, podendo ser julgada mesmo em caso de desistência do autorreconvindo (art. 317 do CPC/1973).

2.4 Efetividade e economia processual – A declaração incidente

Também não se pode dizer que o Código de Processo Civil de 1973 tenha enges-sado a posição das partes, impedindo o máximo aproveitamento do processo. O art. 325 garantiu expressamente ao autor a possibilidade de ampliar o objeto do proces-so após a contestação do réu, de modo a pôr fim a quaisquer incertezas geradas por uma questão prejudicial à sua pretensão:

“Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sen-tença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depen-der, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5.º).”

Sendo assim, se o autor pedisse a condenação do réu a determinada prestação obrigacional e o réu, em contestação, arguisse a inexistência do contrato que fun-damenta o pedido, poderia o autor, no prazo de dez dias, pedir a declaração judicial expressa de que o contrato existe. Essa declaração seria um novo capítulo de sen-tença, configurando autêntico ato decisório. O instituto da declaração incidente, portanto, salvaguardava a posição do autor, dispensando a rediscussão sobre a exis-tência do contrato toda vez que ele buscasse a tutela jurisdicional em caso de inadimplemento ou inexecução contratual pelo réu.

E para arrematar, o art. 5.º proporcionou a declaração incidente a ambas as par-tes, sempre que “se tornar litigiosa a relação jurídica de cuja existência ou inexis-tência depender o julgamento da lide”.

Em resumo, o Código de Processo Civil de 1973 atribuía a autor e réu a possibi-lidade de máximo aproveitamento do processo, tornando definitivas e imutáveis quaisquer questões prejudiciais ao julgamento do mérito, desde que fossem sufi-cientemente diligentes para fazer os pedidos necessários.

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3. a eXTeNsão dos limiTes obJeTivos da coisa JulGada No Novo códiGo de Processo civil e a iNFluêNcia esTraNGeira

O Novo Código de Processo Civil rompe com a disciplina trazida pelo Código de Processo Civil de 1973 e estende os limites objetivos da coisa julgada para a “resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no proces-so” (art. 503, § 1.º). Isso significa que parte da motivação da sentença também pode vir a ser abrangida pela coisa julgada, tornando-se imutável.

De acordo com a exposição de motivos do Anteprojeto do Novo Código de Pro-cesso Civil, os trabalhos da Comissão foram orientados por cinco objetivos: 1. es-tabelecer uma “sintonia fina” do Novo Código de Processo Civil com a Constitui-ção da República; 2. “criar condições para que o juiz possa proferir decisão de for-ma mais rente à realidade fática subjacente à causa”; 3. simplificar o processo, “re-duzindo a complexidade dos subsistemas; 4. “dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado”; e 5. “imprimir maior grau de organicida-de ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão”.

A ampliação dos limites objetivos da coisa julgada estaria dentro do quarto objetivo:

“4. O novo sistema permite que cada processo tenha maior rendimento possí-vel. Assim, e por isso, estendeu-se a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais.”

A extensão da coisa julgada às questões prejudiciais já vinha sendo defendida por autorizada doutrina. Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, p. ex., escreveu:

“Estender a coisa julgada à motivação proporcionará simplesmente maior apro-veitamento do conteúdo da decisão, sem modificar a essência da atividade jurisdi-cional a ser desenvolvida.”21

A maior amplitude da coisa julgada estaria de acordo com a natureza pública do processo:

“A conveniência das partes, que podem não querer uma decisão definitiva acer-ca das questões postas como fundamento da pretensão, não deve prevalecer peran-te o interesse público que emana dos princípios da economia processual e da segu-rança jurídica”.22

Antonio do Passo Cabral também teceu, recentemente, severas críticas ao mo-delo dos limites da coisa julgada no Código de Processo Civil/1973, taxado de “estático e privatista”. Para ele, “o sistema europeu de coisa julgada é profunda-

21. loPes, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 79.

22. Idem, ibidem.

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mente marcado por traços privatistas e não apresenta formato unificado”; ademais, “o sistema de estabilidades, assim delineado, não consegue adquirir o dinamismo exigido pelas interações do processo contemporâneo”.23

3.1 Issue preclusion e issue estoppel

A novidade legislativa adota, em larga medida, parte do regime de estabilização das sentenças dos países do common law. Naqueles países, em contrapartida a um processo marcado por grande flexibilidade procedimental, com possibilidade de concentração de várias demandas contra partes distintas, alteração da causa de pe-dir até o julgamento final da causa etc., trata-se com maior rigor a coisa julgada e as preclusões a ela associadas.24

Desse modo, é comum que o países do common law imponham uma severa dis-ciplina da coisa julgada, incluindo até mesmo a sua extensão a causas de pedir não propostas, mas relacionadas ao mesmo ato ilícito (mesmo tort). No clássico caso Henderson vs. Henderson, julgado em 1843 e até hoje seguido pela jurisprudência inglesa, decidiu-se que as partes têm de apresentar à Corte a integralidade de seu “caso” (their whole case), vedando-se a propositura de novas demandas decorrentes da negligência das partes em fazer todos os seus pedidos ou deixar de alegar todos os fatos e argumentos relevantes.25 Em 2007, ao reiterar a Henderson Rule, a Court

23. caBral, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudan-ça e transição de posições processuais estáveis, p. 150-162.

24. V. GlaNNoN, Joseph W. Civil procedure, p. 541-542: “Certainly, one of the recurrent themes of the Rules is to create a flexible procedural system in order to prevent procedure from dominating substance, to assure that the merits of the parties’claims, not procedural miss-teps, determine the outcome of lawsuits. For example, parties are given broad power to join claims and parties in a single suit. (...) They are given the latitude to plead all their possible claims against opposing parties, within the limits of proper pleading. (...) Even if amendments are not offered, the court may treat the pleadings as though they had been amended when justice so requires (...) Once the parties have had a full and fait opportuni-ty to be heard under the flexible rules reviewed above, all this paternalistic indulgence comes to an abrupt halt. Regardless of a party’s reason for wishing to relitigate a dispute, the doctrine of res judicata stands like a brutish, unreflecting myrmidon, guarding the doors of the courthouse”.

25. Henderson vs. Henderson (1843) 3 Hare 100, 115: “(...) the Court requires the parties to that litigation to bring forward their whole case, and will not (except under special circu-mstances) permit the same parties to open the same subject of litigation in respect of matter which might have been brought forward as part of the subject in contest, but which was not brought forward, only because they have, from negligence, inadvertence, or even accident, omitted part of their case. The plea of res judicata applies, except in special cases, not only to points upon which the Court was actually required by the parties to form an

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of Appeal inglesa afirmou que se deve buscar “economia e eficiência na condução do processo”, o que seria “interesse das partes e do público como um todo”.26 Nos Estados Unidos, a Corte do Tennessee decidiu, em 1906, que de um ato ilícito de-corre uma única demanda (A single tort can be the basis of but one action), prevenin-do-se “a multiplicidade de processos, ônus sucumbenciais, morosidade e abuso do processo contra o réu”.27

É nesse contexto específico que se desenvolveram a issue preclusion, terminolo-gia moderna de collateral estoppel, e a issue estoppel.

A issue preclusion, em apertada síntese, é instituto do direito estadunidense, previsto expressamente no § 27 do Restatement (Second) of Judgments, que veda a rediscussão de questões já decididas em um processo:

“When an issue of fact or law is actually litigated and determined by a valid and final judgment, and the determination is essential to the judgment, the determina-tion is conclusive in a subsequent action between the parties, whether on the same or a different claim”.28

Há, portanto, quatro requisitos à issue preclusion: (1) a questão decidida no pro-cesso anterior deve ser a mesma questão decidida no novo processo; (2) a questão

opinion and pronounce a judgment, but to every point which properly belonged to the subject of litigation, and which the parties, exercising reasonable diligence, might have brought forward at the time”.

26. WWF vs. World Wrestling Federation [2007] EWCA Civ 28: “The course which the Fund has adopted is inconsistent with the underlying interest that there should be finality in litigation and that a party should not be vexed twice in the same matter: it is inconsistent with the need for economy and efficiency in the conduct of litigation, in the interests of the parties and of the public as a whole. The Federation was entitled to proceed on the basis that, a claim to an award of Wrotham Park damages not having been sought in 2001, such a claim was not being pursued in these proceedings”.

27. Mobile Ohio vs. Matthews (1906, Tenn.): “The negligent action of the plaintiff in error constituted but one tort. The injuries to the person and property of the defendant in error were the several results and effects of one wrongful act. A single tort can be the basis of but one action. It is not improper to declare in different counts for damages to the person and property when both result from the same tort, and it is the better practice to do so where there is any difference in the measure of damages, and all the damages sustained must be sued for in one suit. This is necessary to prevent multiplicity of suits, burdensome expen-se, and delays to plaintiffs, and vexatious litigation against defendants”.

28. Os Restatements of the Law são trabalhos publicados pelo American Law Institute que bus-cam organizar e sistematizar as normas da common law. Trata-se, em última análise, de uma codificação da jurisprudência. Para uma análise crítica do enunciado, v. vestal, Allan D. Restatement (Second) of Judgments: a modest dissent, passim.

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deve ter sido discutida pelas partes; (3) a questão deve ser sido expressamente de-cidida; e (4) a questão deve ter sido “necessária” ao julgamento anterior.29

Essas questões (issues) podem ser de fato ou de direito e não precisam estar re-lacionadas à mesma causa de pedir. O que importa é que sejam essenciais, tenham sido efetivamente decididas na sentença e as partes tenham tido uma oportunidade real de exercer o contraditório (“full and fair opportunity to litigate”).

A issue preclusion é simultaneamente mais ampla e mais restrita do que a coisa julgada (res judicata). É mais restrita porque não se estende a questões não decididas no processo anterior (caso da extensão da coisa julgada a pedidos e causas de pedir não propostos) – só há issue preclusion quando a questão for efetivamente decidida. Mas é mais ampla porque torna imutáveis questões em um contexto processual completamente novo, inclusive quando discutidos fatos e pedidos diferentes.30

A issue estoppel igualmente impede a rediscussão de questões “relevantes” em novos processos, a qual é estendida inclusive para questões decididas em proces-sos estrangeiros.31 Ao julgar o caso McIntyre vs. Richardson Estate, em 2012, a Supreme Court of British Columbia, no Canadá, reiterou a existência de três requi-sitos para a aplicabilidade das issue estoppel: “(1) que a mesma questão tenha sido decidida e tenha sido fundamental, e não colateral ou incidental, à decisão; (2) que a decisão no primeiro processo cuja preclusão se alega seja final; e (3) que as partes do primeiro processo, ou seus privies,32 sejam as mesmas partes, ou seus privies, do processo subsequente”.33 A jurisprudência inglesa é firme, porém, em afastar a issue estoppel quando houver mudança retroativa da lei ou quando existi-rem novas provas que “modificam inteiramente aspectos da causa”, com a condi-ção de que a parte não tenha podido produzir tais provas apesar de sua “diligência razoável”.34

29. GlaNNoN, Joseph W. Op. cit., p. 577-578. V. também shaPiro, David L. Civil procedure: pre-clusion in civil actions, p. 48-56.

30. GlaNNoN, Joseph W. Op. cit., p. 576-577: “(...) collateral estoppel is both broader and nar-rower than res judicata. It is narrower in that it does not preclude all possible issues that might have been raised in a prior action but only those actually decided in that action. But it is also broader in that it can foreclose litigation of a particular issue in an entirely new context”.

31. V. aNdreWs, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra, p. 290.

32. Sem tradução exata ao Português. Privity é a “relação entre duas partes que têm interesses jurídicos em comum”, autorizando a extensão da coisa julgada ao terceiro. Prates, Marília Zanella. A coisa julgada no direito comparado: Brasil e Estados Unidos, p. 104-109.

33. McIntyre vs. Richardson Estate, 2012 BCSC 1347.

34. Cf. aNdreWs, Neil. Op. cit., p. 291.

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4. o Novo reGime Processual dos limiTes obJeTivos da coisa JulGada

O Novo Código de Processo Civil aproxima-se da disciplina do common law e estende a coisa julgada a questões prejudiciais decididas incidentemente no proces-so. A disciplina consta desde o Projeto de Lei do Senado 166/2010:

“Art. 490. A sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites dos pedidos e das questões prejudiciais expressamente decididas.”

O dispositivo foi sensivelmente aprimorado na Câmara dos Deputados quando da apresentação do Substitutivo 8.046/2010. Dispõe o novo e definitivo art. 503:

“Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1.o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2.o A hipótese do § 1.o não se aplica se no processo houver restrições probató-rias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da ques-tão prejudicial.”

As mudanças foram providenciais. A prevalecer a redação original, as dúvidas geradas pelo dispositivo seriam tantas que quaisquer benefícios pretendidos pelo legislador seriam certamente sorvidos pelo caos que se instalaria no Judiciário bra-sileiro. Para evitar tamanha insegurança jurídica, a extensão da coisa julgada à questão prejudicial ficou limitada ao preenchimento de várias condições: (a) a questão deve ser prejudicial de mérito; (b) a decisão sobre a questão, embora inci-dental, tem que ser expressa; (c) o julgamento do mérito deve depender da resolução da questão; (d) é imperativo que tenha havido contraditório prévio e efetivo; (e) o juízo deve ser competente para resolver a questão como principal; e, por fim, (f) a cognição deve ser exauriente.

4.1 Questões prejudiciais

Costumava-se dizer que as questões prejudiciais “são pontos de direito material controvertidos, que, além de serem antecedentes lógicos da sentença, poderiam constituir objeto de uma ação autônoma”.35 Essa forma de conceber as questões

35. aMaral saNtos, Moacyr. Op. cit., p. 478.

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prejudiciais foi reconstruída por Barbosa Moreira ao defender o redirecionamento do foco à relação de “influência” e de “condicionamento” exercida pela questão prejudicial sobre a prejudicada. Essa influência pode tornar “dispensável ou impos-sível a solução dessa outra” ou predeterminar “o sentido em que a outra deve ser resolvida”. Logo, nem toda questão logicamente antecedente pode ser considerada prejudicial; e nem toda questão prejudicial é necessariamente uma questão de di-reito material: “O elemento decisivo é a configuração do particular modo de influên-cia a que se aludiu”.36

Especificamente no que diz respeito ao art. 503, § 1.º, do NCPC, importam as questões prejudiciais de mérito,37 antecedentes lógicos do dispositivo que sobre ele exercem influência decisiva.38 Ou, como diria Pontes de Miranda, “Prejudiciais são (...) as que prejulgam e prejudicam a futura sentença”.39 Sendo assim, podem ser consideradas questões prejudiciais passíveis de imutabilidade todas aquelas que, antecedentes lógicas do mérito, são determinantes ao resultado alcançado pelo Es-tado-juiz no julgamento do pedido do autor.40 São questões prejudiciais de mérito, p. ex., a paternidade para o pedido de alimentos; a propriedade para a reivindicação da posse; a relação locatícia para a cobrança de aluguéis; a invalidade do lançamen-to tributário para eventual pedido de repetição do indébito etc.

4.2 Questões incidentais

Nem toda questão prejudicial é necessariamente incidental.41 A questão pode ser prejudicial a um capítulo da sentença e constituir igualmente questão princi-pal; hipótese em que também comporá o mérito. Se o demandante pede a invali-dação de multa administrativa e a consequente restituição do indébito, cumula demandas com relação de prejudicialidade. A invalidação da multa é prejudicial à

36. BarBosa Moreira, José Carlos. Questões prejudiciais e coisa julgada, p. 21-27.

37. Cf. diNaMarco, Cândido Rangel. O conceito de mérito... cit., p. 329: “Questões de mérito não se confundem com o próprio mérito: são questões relativas a ele, da mesma forma como as dúvidas sobre a regularidade do processo se definem como questões processuais mas não se confundem com o processo em si mesmo”.

38. caBral, Antonio do Passo. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, p. 1290: “A cognição sobre as prejudiciais, embora não leve à interrupção da cognição ou extinção do processo, condiciona a análise do mérito”.

39. PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. V, p. 174.

40. V. loPes, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 69: “A imutabilidade deve ficar restrita às questões prejudiciais que figurem na motivação como premissa necessária e determinante do resultado do julgamento”.

41. Como bem alerta didier Jr., Fredie. Extensão da coisa julgada à resolução da questão pre-judicial incidental no novo Código de Processo Civil brasileiro, p. 82-83.

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restituição dos valores pagos, pois se a multa for reputada válida, não há que se falar em restituição.

Não é dessa hipótese que trata o Novo Código de Processo Civil. Se a questão prejudicial já compõe o mérito, a decisão sobre ela proferida ficará protegida pela coisa julgada por força do art. 503, caput. O § 1.º ocupa-se da questão prejudicial decidida incidentemente, quer dizer, como pressuposto lógico do mérito do proces-so e que não foi objeto de pedido expresso. É o caso do administrado que pede a restituição do valor pago à Administração, mas deixa de pedir a invalidação do ato administrativo que ensejou o pagamento indevido. Nesse caso, a constatação do descabimento do pagamento não é uma questão principal, mas incidental.

4.3 Questões prejudiciais incidentais expressamente decididas

Importante requisito imposto pelo art. 503, § 1.º, do NCPC é o de que as ques-tões prejudiciais incidentais devem ter sido expressamente decididas no processo para que fiquem imunizadas pela coisa julgada.

A disposição é de certa forma redundante, pois apenas aquilo que existe pode ser; logo, apenas decisões efetivamente tomadas podem ser imunizadas pela coisa julgada. Ainda assim, a redundância dá segurança ao jurisdicionado, eliminando o risco de se estender a coisa julgada a decisões incidentais implícitas. Quanto a isso, não custa lembrar a secular discussão no common law sobre rationes deciden-di implícitas.42

Por isso, mesmo que o juiz mande o réu pagar uma prestação obrigacional oriunda de contrato celebrado com o autor, o reconhecimento implícito de existên-cia desse contrato não fica abrangido pela coisa julgada; a existência deve ser expres-samente decidida como antecedente lógico e necessário da decisão para que o art. 503, § 1.º, do NCPC possa ser aplicado.

4.4 Dependência do julgamento do mérito

Talvez o aspecto mais sensível do novo dispositivo esteja no inc. I: da solução da questão deve “depender o julgamento do mérito”.

À primeira vista poder-se-ia imaginar que o inciso apenas reforça a prejudiciali-dade da questão. Alguma reflexão, porém, permite concluir que a dependência do inc. I é um plus à prejudicialidade, o qual limita ainda mais, e de forma correta, a abrangência da coisa julgada.

42. V. cross, Rupert; harris, J. W. Precedent in english law, p. 47.

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O dispositivo em larga medida relaciona-se a condição que já vinha sendo defen-dida por Bruno Vasconcelos Lopes antes da promulgação do Novo Código de Pro-cesso Civil: a questão prejudicial deve ser “necessária” ao resultado do processo.43

A discussão remete, de certa forma, à clássica polêmica estabelecida na doutrina do common law sobre a distinção entre rationes decidendi e obiter dictum. Como já tivemos a oportunidade de defender, a ratio decidendi é a “razão jurídica (ou razões jurídicas) ‘determinante’ ao dispositivo”; conceito que concilia a doutrina de Mac-Cormick (razão jurídica suficiente) e de Rupert Cross (razão jurídica necessária).44 Consideram-se determinantes todas as razões jurídicas que compõem o “caminho decisório” percorrido pelo juiz.45

Igualmente deve ser compreendida a questão prejudicial. São questões prejudi-ciais determinantes aquelas que se encontram no iter decisório percorrido pelo juiz para chegar ao dispositivo (das quais depende o julgamento).

Isso não significa, é claro, que a questão prejudicial do art. 503, § 1.º, tenha qual-quer relação com a ratio decidendi da sentença.46 Ratio decidendi não é uma questão prejudicial de mérito, mas a razão jurídica sobre a qual está fundado o julgamento. Se a invalidade do contrato é questão prejudicial à condenação do réu a restituir o valor recebido indevidamente do autor, é ratio decidendi a constatação, pelo juiz, de que assinar um instrumento contratual com uma arma de fogo apontada contra a cabeça configura “fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa” (art. 151 do CC) e, consequentemente, hipótese de vício de vontade por coação.

Embora as figuras sejam nitidamente distintas, a concepção de ratio decidendi é útil para compreender o que é uma questão prejudicial necessária ou determinante da qual depende o julgamento do mérito.

4.4.1 Pluralidade de questões prejudiciais

Da mesma forma que uma sentença pode apresentar uma pluralidade de rationes decidendi, também poderá enfrentar uma pluralidade de questões prejudiciais das quais dependa o julgamento do mérito. Exemplo singelo é do autor que pede a con-denação do réu a pagar aluguéis atrasados e este se defende alegando que inexiste

43. loPes, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 81.

44. V. raMiNa de lucca, Rodrigo. O dever de motivação das decisões judiciais, esp. p. 301-303.

45. aBraMoWicz, Michael; stearNs Maxwell. Defining dicta, p. 113: “A holding consists of those propositions along the chosen decisional path or paths of reasoning that (1) are ac-tually decided, (2) are based upon the facts of the case, and (3) lead to the judgment. If not a holding, a proposition stated in a case counts as dicta”.

46. Alerta preciso feito por didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 85.

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contrato de locação, pois a posse do imóvel estaria fundada em comodato tácito; em respeito ao princípio da eventualidade, aponta subsidiariamente a nulidade do suposto contrato de locação.

O juiz terá, nesse caso, duas questões prejudiciais das quais depende o julgamen-to da causa. Primeiro deverá enfrentar a existência ou inexistência do contrato de locação. Decidindo pela inexistência, o pedido será julgado improcedente. Decidin-do pela existência, deverá então enfrentar a validade do contrato. Se for inválido, o pedido será julgado improcedente; se for válido, o pedido será julgado procedente.

Ambas as questões são prejudiciais de mérito e compõem o iter decisório da sentença. O reconhecimento de inexistência ou de invalidade leva à improcedên-cia, enquanto a procedência depende necessariamente do reconhecimento de exis-tência e validade do contrato.

Nessa hipótese, julgado procedente o pedido, e supondo que todas as demais condições legais estejam presentes, é de se concluir que ambas as decisões inciden-tais que reconhecem a existência e a validade do contrato fazem coisa julgada. As-sim como fará coisa julgada a decisão que reconhece a inexistência do contrato, levando à improcedência do pedido.

4.4.2 Questões prejudiciais decididas desfavoravelmente ao vencedor

E qual é a solução, utilizando ainda o exemplo do ponto anterior, quando o pedido é julgado improcedente apenas por nulidade do contrato? Ficará o réu vin-culado à decisão que rejeitou o comodato e, consequentemente, a inexistência do contrato de locação? Abstraindo o problema: a coisa julgada estende-se a questões prejudiciais incidentais decididas desfavoravelmente à parte vencedora?

Antonio do Passo Cabral entende que sim:

“Por fim, deve-se salientar que a extensão da coisa julgada às prejudiciais muda a lógica do que significa vitória e derrota no processo. Tradicionalmente, a sucum-bência era verificada pela derrota no que se refere ao pedido principal. Na sistemá-tica do novo CPC, ainda que vencedor em relação ao pedido (e portanto não po-dendo ser considerado sucumbente), é possível que a derrota no que tange à preju-dicial possa ser ainda mais deletéria para a parte. A vitória e derrota num processo passarão a compreender algo mais que a mera sucumbência”.47

O posicionamento, porém, desconsidera justamente o inc. I do art. 503, § 1.º; e é aqui que o dispositivo revela a sua inestimável importância.

47. caBral, Antonio do Passo. Breves comentários... cit., p. 1294. No mesmo sentido, yarshell, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no CPC 2015. Texto inédito.

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Se a coisa julgada só se estende a questões das quais depende o julgamento do mérito, então é de se concluir que nenhuma decisão incidental contrária à parte vencedora poderá tornar-se imutável. Trazendo o raciocínio ao nosso exemplo da ação de cobrança de aluguéis, a rejeição da alegação de inexistência do contrato foi irrelevante ao julgamento do mérito. Mesmo afastando a defesa apresentada pelo réu, ainda assim o pedido do autor foi julgado improcedente. A improcedência do pedido não dependeu da inexistência do contrato, pois, embora a questão fosse po-tencialmente prejudicial, havia outro fundamento que amparava a decisão.

Nesse sentido, perfeita a colocação de Bruno Vasconcelos Lopes:

“Dentre as questões que respeitam essas premissas, não podem ser qualificadas como necessárias e, portanto, determinantes ao resultado do julgamento as decidi-das desfavoravelmente ao vencedor, pois nesse caso a decisão não será essencial para a conclusão pela procedência ou improcedência da demanda e não haverá a garan-tia de cognição exauriente.”48

A opção legislativa foi louvável, pois a identificação imediata de uma razão para o julgamento da causa pelo juiz muitas vezes pode levá-lo a tratar com displicência as demais. Teríamos, então, coisa julgada sobre uma questão que, embora decidida expressamente, era irrelevante ao julgamento do mérito do processo.

Essa é a exata solução dada pelo Direito estadunidense, como bem explica Marí-lia Zanella Prates: “Mesmo que uma questão tenha sido cuidadosamente discutida pelas partes e decidida atentamente pela Corte, não terá efeito de issue preclusion se for contrária aos interesses da parte que restou vencedora no julgamento final. Isso porque esse tipo de questão, em geral, não terá sido necessário ao resultado final”.49

Por isso, não é possível cogitar de extensão da coisa julgada a questões prejudi-ciais incidentais decididas desfavoravelmente à parte vencedora, uma vez que tais decisões não são determinantes ao resultado do processo; delas não depende o julga-mento do mérito.50

4.5 Contraditório prévio e efetivo

Sabe-se que o conceito moderno de contraditório está conectado à possibilidade de participação no processo e influência na decisão proferida pelo juiz.51 Alinhado a essa concepção, o Novo Código de Processo Civil preocupou-se em impor o pré-

48. loPes, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 69.

49. Prates, Marília Zanella. Op. cit., p. 167.

50. No mesmo sentido, zveiBil, Daniel Guimarães. Ampliação dos limites objetivos da coisa julgada no NCPC e o fantasma da simplificação desintegradora, p. 601-611.

51. didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 88.

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vio contraditório antes de qualquer decisão judicial, mesmo daquelas que podem ser proferidas de ofício (art. 10).

No entanto, a amplitude dada ao inc. II do art. 503, § 1.º, foi equivocada. Não porque o contraditório possa de alguma forma ser desrespeitado – evidentemente que não –, mas porque o dispositivo dá margem à interpretação de que o descaso da parte derrotada é suficiente para impedir a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada.

Utilize-se mais uma vez o exemplo da ação de cobrança de aluguéis. O réu apon-ta a inexistência e a invalidade do contrato, mas o autor apenas rebate a inexistên-cia. O réu reitera em outras oportunidades que o contrato é inválido e o autor mantém-se omisso quanto ao ponto. Ao final o juiz decide expressamente que o contrato é inválido. A coisa julgada estende-se a essa questão prejudicial de mérito efetivamente decidida e da qual dependeu o resultado?

A resposta deve ser positiva. O respeito ao contraditório não implica o real apro-veitamento pelo interessado das possibilidades que lhe são ofertadas. O contraditó-rio realiza-se com a própria oportunidade de participação efetiva e de influência efetiva na decisão judicial. Se a parte aproveita ou não essas oportunidades é fato que decorre unicamente da sua diligência ou negligência. No exemplo dado, o au-tor teve amplas oportunidades de debater a validade do contrato. Se não o fez, foi por negligência ou estratégia processual. Nem uma nem outra são hipóteses legíti-mas de impedimento da extensão da coisa julgada.

Não se pode exigir, destarte, um “debate intenso” da questão prejudicial para que haja “contraditório efetivo”. Primeiramente porque saber se o “debate foi in-tenso” é um juízo subjetivo e arbitrário que tornará incerta a aplicação do instituto. Secundariamente porque a efetividade do instituto seria mitigada pelo comporta-mento negligente da parte sucumbente. Por fim, simplesmente porque o “contradi-tório efetivo” possibilita um “debate intenso”, mas dele não é sinônimo e com ele não se confunde.

Errou o legislador, portanto, ao afastar a imutabilidade das questões prejudiciais em caso de revelia – ao menos naquelas em que há citação pessoal, e não ficta. A revelia não inibe o contraditório, que se realiza plenamente com a ciência dada ao réu de que há uma demanda contra si proposta e a sua intimação para que venha defender-se. A escolha (voluntária ou involuntária, pouco importa) de ausentar-se do processo é, também ela, autêntica manifestação do contraditório.52 Não custa

52. Compartilha desse entendimento caBral, Antonio do Passo. Breves comentários... cit., p. 1292: “Trata-se de uma postura excessivamente protetiva do legislador, pressupondo que, em caso de revelia, não terá havido contraditório efetivo. Assim não pensamos. É possível que, mesmo havendo revelia, o processo tenha transcorrido com exercício do contraditó-

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lembrar que a revelia é insuficiente para impedir a incidência da coisa julgada sobre a questão principal – consequência mais severa do que a imutabilidade da questão prejudicial.

Poder-se-ia argumentar que a lei estende a coisa julgada apenas às questões de mérito – e a ausência de impugnação específica da alegação pela outra parte impe-diria a transformação do ponto de mérito em questão de mérito. Esse raciocínio, porém, não se sustenta. A clássica distinção entre ponto e questão é de inestimável importância aos fatos relevantes ao processo, pois diferencia fatos controversos de fatos incontroversos, definindo o que será objeto de prova e o que será tido pelo juiz como verdadeiro. No que diz respeito às questões jurídicas, a concepção de controvérsia ou incontrovérsia é irrelevante. O direito é interpretado e aplicado segundo o aforismo iura novit curia; logo, toda alegação jurídica é uma questão que deverá ser necessariamente decidida pelo juiz. Ainda que inexista controvérsia so-bre uma alegação jurídica, esta não será assumida pelo juiz como válida e poderá ser rejeitada mesmo sem impugnação da outra parte. Daí por que a revelia não implica o julgamento de procedência do pedido, mas apenas a presunção de vera-cidade dos fatos narrados pelo autor.

Conclusivamente pode-se dizer que: a coisa julgada não se estenderá às ques-tões prejudiciais em caso de revelia por expressa disposição legal; mas a compreen-são de “contraditório efetivo” deve ligar-se à efetiva oportunidade de participação e influência, sendo irrelevante verificar se o debate foi intenso, se as partes alegaram tudo o que poderiam ter alegado, se a oportunidade de participação foi bem apro-veitada, e todas as demais alegações que a parte sucumbente desfavorecida pela decisão da questão prejudicial certamente fará para afastar a sua imutabilidade.

4.6 Competência do juízo para resolver a questão como principal

Importante condição legal para a extensão da coisa julgada é a da competência do juízo para resolver a questão prejudicial também como questão principal.53 A restrição é correta e coerente; necessária para legitimar a imutabilização da ques-tão prejudicial. Não pode fazer coisa julgada o reconhecimento incidental de in-constitucionalidade de lei federal por um juiz de primeiro grau, p. ex., Mas isso não impede que o juízo incompetente conheça de questões prejudiciais e as decida incidentalmente como pressuposto lógico e necessário do dispositivo da decisão; apenas a decisão incidental não se tornará imutável, podendo ser rediscutida em novos processos.

rio. É que o contraditório, no que se refere ao direito de expressão (um de seus consectá-rios), é uma faculdade das partes”.

53. V. didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 89-90; loPes, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 80.

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4.7 Exceção em caso de restrições probatórias ou limitações à cognição

Por derradeiro, o § 2.º do art. 503 do NCPC exclui dos limites objetivos da coisa julgada as questões decididas em processo com “restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão pre-judicial”.

O dispositivo traz dois critérios distintos e alternativos. O primeiro é a restrição probatória, como ocorre em alguns procedimentos especiais; o segundo é a limita-ção da cognição judicial. Essa segunda hipótese afasta, p. ex., a imutabilização de questões prejudiciais incidentais quando há estabilização da tutela antecipada (art. 304 do NCPC). Perceba-se que a verificação de qualquer uma das hipóteses é sufi-ciente para impedir a extensão da coisa julgada.

Também aqui acertou o legislador, pois limitações cognitivas e probatórias são limitações ao próprio contraditório, uma vez que restringem a possibilidade de in-fluência na decisão.54

4.8 Limitação a questões jurídicas – Críticas

A extensão da coisa julgada a questões decididas incidentemente no processo limita-se, única e exclusivamente, às questões jurídicas. Decisões incidentais sobre aspectos fáticos da causa, ainda que prejudiciais ao julgamento do mérito, não fa-zem coisa julgada. A restrição consta claramente do art. 504, II, do NCPC:

“Art. 504. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispo-sitiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.”

Trata-se de disciplina antiga, fundada em explicação pouco convincente. De acordo com Pontes de Miranda, p. ex.: “A verdade dos fatos em que se funda a sen-tença não faz coisa julgada, porque o juiz pode ter tido como verdadeiro o fato que não o era”.55 Moacyr Amaral Santos adotava a mesma linha de pensamento: “A verdade dos fatos resulta da livre apreciação das provas pelo juiz (art. 131), o que lhe dá caráter pessoal deste, que se não transmite necessariamente a outro juiz, que noutro processo venha a apreciá-las. (...) Nada obsta que a verdade produzida pela prova no primeiro processo seja negada em um segundo processo, em que se dis-cutem os mesmos fatos e entre as mesmas partes”.56

54. Igualmente, caBral, Antonio do Passo. Breves comentários... cit., p. 1293.

55. PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. V. p. 179.

56. aMaral saNtos, Moacyr. Op. cit., p. 477-478.

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Isso significa que a decisão sobre a validade de um contrato, prejudicial à con-denação do réu a cumprir a obrigação pactuada, pode vir a se tornar imutável por força da coisa julgada; mas a constatação de que o instrumento contratual foi assi-nado sob grave ameaça (hipótese de coação) não se torna imutável. Em outras pa-lavras, o reconhecimento de que o contrato é inválido pode ficar coberto pela coisa julgada material, mas o motivo pelo qual esse contrato é inválido, não.

A opção legislativa é incompreensível. O erro judicial pode estar no convenci-mento dos fatos ou na interpretação do direito. De uma forma ou de outra, as respostas jurisdicionais devem estabilizar-se para que haja segurança jurídica e paz social.

Se a intenção era otimizar o processo, evitar novas discussões e impedir decisões conflitantes, a imunização das questões fáticas seria muito mais eficiente do que a imunização das questões jurídicas. Como regra, a imunização das questões jurídi-cas impede novas demandas relacionadas à anterior; e também, como regra, dificil-mente são renovadas. Após ver seu pedido julgado improcedente, é improvável que o autor proponha nova demanda contra o réu com fundamento no mesmo contra-to considerado inválido previamente. Por outro lado, a imunização dos fatos traria resultados muito mais concretos. Basta pensar na hipótese em que o réu coagido propõe demanda por danos morais contra o autor. Em vez de aproveitar a decisão que já reconheceu a coação, terá que se submeter a nova fase instrutória, nova va-loração fático-probatória pelo juiz etc. E com o risco de ver a mesma coação, reco-nhecida no primeiro processo, afastada no segundo.

Outro exemplo. Em dado conflito societário discutia-se quem era o efetivo administrador da sociedade em determinado período, não obstante dispor o con-trato social que a administração seria conjunta. Apesar de reconhecida a adminis-tração unilateral de um dos sócios nos primeiros processos, posteriormente houve indefinição sobre o tema. Dezenas de decisões conflitantes foram proferidas: envol-vendo as mesmas partes e os mesmos fatos. Em cada caso era necessário retomar a mesma discussão, o que gerava autos cada vez mais volumosos e processos cada vez mais longos. A imunização da primeira decisão sobre essa questão fática preju-dicial à responsabilização do sócio, não importa qual fosse, teria proporcionado uma incalculável economia processual e evitado a rediscussão sistemática de um mesmo aspecto fático.

Esse tipo de situação não foi resolvido pelo Novo Código de Processo Civil, o que põe em xeque a efetividade da alteração promovida; sobretudo quando consi-deradas as dúvidas e incertezas que o instituto gerará ao jurisdicionado.

Não custa lembrar que a teoria da issue preclusion nos Estados Unidos desenvol-veu-se inicialmente para tornar imutáveis os fatos determinantes ao julgamento da causa. Apenas em um segundo momento é que a imutabilidade foi estendida às

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questões de direito.57 Quer dizer, importou-se um instituto que causa insegurança ao sistema sem aproveitar o que ele tinha de melhor a oferecer.

5. as coNsequêNcias dos Novos limiTes obJeTivos da coisa JulGada

Os novos limites objetivos da coisa julgada geram consequências processuais relevantes que podem repercutir em toda a estrutura sistemática do Direito Proces-sual Civil brasileiro.

5.1 A natureza das questões prejudiciais imutabilizadas

A primeira questão que vem à tona é: qual é a natureza das questões incidentais cobertas pela coisa julgada? Continuam sendo meras questões incidentais com a vantagem da imutabilidade ou passam a compor o dispositivo da decisão?

Se as questões prejudiciais passarem a compor o dispositivo da decisão, então será preciso reconstruir o princípio da demanda, a teoria da correlação entre de-manda e sentença e a própria concepção de inércia jurisdicional; dito de outro modo, a teoria geral do processo civil que conhecemos entrará em colapso e será preciso erigir uma nova – a inventividade dos processualistas será posta à prova diante da necessidade de sistematizar situações tão díspares.

Se as questões prejudiciais imutabilizadas mantiverem a natureza de questões decididas incidentalmente, o que parece mais logicamente adequado com o siste-ma, então será impossível resolver de maneira congruente vários problemas proces-suais decorrentes do novo art. 503, § 1.º. Além disso, o próprio conceito de coisa julgada terá que ser revisto, pois deixará de ser “a autoridade que reveste o conteú-do decisório da sentença” para ser “a autoridade que reveste o conteúdo decisório da sentença e as questões prejudiciais efetivamente decididas das quais dependeu o resultado do julgamento”.

Aparentemente vem prevalecendo a distinção ontológica entre dispositivo e mo-tivação – logo, entre questões principais e questões incidentais. Marcelo Pacheco Machado e Fredie Didier Jr., p. ex., estabelecem duas categorias de coisa julgada: a “coisa julgada comum”, que atinge o dispositivo da sentença, e a “coisa julgada excepcional”, específica para as questões prejudiciais decididas incidentalmente.58

57. Como explica David Shapiro, a extensão da issue preclusion às questões de direito represen-tam um “gradual development, from a time when the concept related only to issues of fact” (Op. cit., p. 53.) Ou seja, o instituto surgiu e desenvolveu-se para impedir a rediscus-são de questões fáticas e não jurídicas.

58. Machado, Marcelo Pacheco. Op. cit., p. 4; didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 87.

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Efetivamente, parece ser essa a melhor resposta, não obstante as várias dificul-dades processuais que ela apresentará.

5.2 Dever de motivação e manifestação expressa do juiz sobre questões prejudiciais incidentais

Sabe-se que uma das preocupações do Novo Código de Processo Civil foi dar mais dignidade ao dever de motivação, estabelecendo detalhadamente quando uma decisão pode ser considerada devidamente motivada. Dentre as exigências do art. 489 está o enfrentamento de “todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (inc. IV). A partir daí questiona-se: tem o juiz o dever de se manifestar sobre todas as questões prejudi-ciais incidentais?

O dever de motivação é uma garantia inerente ao Estado de Direito que busca dar racionalidade ao poder pela prestação de contas do exercício da atividade juris-dicional. Pela motivação o juiz deve demonstrar que analisou todos os argumentos e provas produzidas pelas partes, indicando as razões pelas quais se convenceu da veracidade das alegações fáticas apresentadas, e deve demonstrar que sua decisão é jurídica, pois fundada sobre o Direito produzido democraticamente pelo povo e para o povo.59

No entanto, sabe-se que toda norma processual é teleológica: não existe como valor em si mesmo, mas procura atingir uma finalidade específica reputada relevan-te pelo ordenamento jurídico. O dever de motivação não poderia ser diferente. A garantia não se presta a sanar dúvidas jurídicas ou tratar de questões irrelevantes ou impertinentes à causa. O seu objetivo é justificar o exercício do poder jurisdi-cional e dar uma resposta, sobretudo, à parte sucumbente, dizendo-lhe por que suas alegações foram repelidas.

Destarte, se é verdade que o juiz tem o dever de se manifestar sobre absoluta-mente todas as alegações fáticas e jurídicas da parte sucumbente (ainda que para dizer que tais alegações são inúteis, protelatórias, impertinentes etc.), basta que apresente as razões fáticas e jurídicas suficientes ao julgamento favorável à parte vencedora.

Utilizando mais uma vez o exemplo da ação de cobrança de aluguéis, a proce-dência do pedido condenatório do locador depende, necessariamente, do afasta-mento expresso e concreto das alegações de inexistência e nulidade do contrato – a parte sucumbente tem o direito de saber por que suas razões não foram acolhi-das. Por outro lado, constatando o juiz que o contrato, mesmo se fosse existente,

59. V. raMiNa de lucca, Rodrigo. O dever de motivação... cit., passim, esp. p. 121 e ss.

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é nitidamente nulo, basta que aponte a nulidade como causa da improcedência do pedido. Não se trata da melhor técnica decisória, pois a existência do contrato é logicamente antecedente à sua validade. Ainda assim, o juiz cumpriu o seu mister, justificando adequadamente a decisão de improcedência ao final proferida. Note--se que, nesse processo específico, era irrelevante, a autor e réu, saber se o contra-to era juridicamente existente quando já havia outra razão suficiente à improce-dência do pedido.

Sendo assim, duas são as conclusões: a parte sucumbente sempre poderá exigir a manifestação do juiz sobre questões prejudiciais incidentais que tenha levantado no curso do processo – o que não tem relação com a extensão da coisa julgada, mas decorre do próprio imperativo de motivação das decisões judiciais; e a parte vencedora não poderá exigir do juiz a análise de questões prejudiciais incidentais, uma vez que não foram determinantes ao resultado do processo e não compu-nham o seu objeto.

Se a parte quiser assegurar a manifestação judicial expressa sobre determinada questão que considera relevante, basta que proponha demanda nesse sentido, atri-buindo a tal questão a condição de principaliter. Isso vale também ao réu, que po-derá reconvir, agora de maneira bastante simplificada (art. 343), e alargar o objeto do processo para que dele conste a questão prejudicial.

Note-se que, embora não haja mais a ação declaratória incidente no Novo Códi-go de Processo Civil para questões prejudiciais (apenas para falsidade de prova), as partes conservam a possibilidade de pedir expressamente o que entenderem perti-nente – seja a desconstituição de um contrato nulo, seja a declaração de sua inexis-tência. Nesse sentido, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado 111: “Persiste o interesse no ajuizamento de ação declaratória quanto à questão prejudicial incidental”.

5.3 Questões prejudiciais incidentais e interesse recursal

Questão muito mais difícil é a do interesse recursal para impugnar apenas as questões prejudiciais que foram decididas desfavoravelmente à parte recorrente. A doutrina vem assinalando positivamente à ideia.60 Afinal, não seria razoável impor à parte a drástica consequência da imutabilidade da questão decidida incidental-mente e, ao mesmo tempo, impedir a sua rediscussão em âmbito recursal.

Por outro lado, não se pode ignorar a falta de coerência lógica em se permitir o recurso de uma questão incidental, analisada única e tão somente como pressupos-

60. didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 87; caBral, Antonio do Passo. Breves comentários... cit., p. 1294.

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to necessário da decisão principal. A mesma questão será incidental em primeiro grau, mas principal no âmbito recursal.

Ademais, aceitar recursos de questões incidentais implica violar um dos objeti-vos nucleares do Novo Código, que é a simplificação do processo (objetivo 3 da exposição de motivos). Em vez de mais simples, o processo tornar-se-á mais com-plexo e mais moroso. Os recursos proliferar-se-ão e os tribunais ficarão abarrotados de discussões que muito provavelmente jamais seriam retomadas em novos proces-sos. Se a proposta inicial do Novo Código de Processo Civil era diminuir o número de recursos, a medida certamente teria efeito contrário.61

A permissão tem ainda um gravíssimo inconveniente: antecipa, em âmbito re-cursal, a discussão sobre a extensão da coisa julgada à questão incidental. É ela prejudicial? Houve contraditório? O juiz era competente? O julgamento depen-deu de sua resolução? Etc. Tudo isso deveria ser diferido, caso necessário, a um novo processo, pois é a tentativa de rediscussão da questão já decidida incidental-mente que legitimará a objeção de coisa julgada e iniciará o debate necessário so-bre a incidência do art. 503, § 1.º. Aceito o recurso exclusivo contra questões in-cidentais, ficará o tribunal responsável por toda essa análise apenas para averiguar se a parte possui interesse recursal. Os tribunais seriam inundados de recursos voltados a discutir, como principais, questões que muitas vezes não são nem mes-mo prejudiciais.

Tudo isso fica seriamente agravado por outro dado relevante. Qual é a eficácia do juízo de admissibilidade do recurso feito pelo tribunal? Se o tribunal conhecer do recurso (por haver interesse) e negar-lhe provimento, consolida-se a extensão da coisa julgada à questão supostamente prejudicial? E em caso de juízo de admis-sibilidade negativo por falta de interesse? Será essa decisão, tomada sem “contra-ditório efetivo” e sem cognição exauriente, definitiva quanto à mutabilidade da questão prejudicial? Prevalecerá sobre a decisão do juiz que, em novo processo, constatar a extensão da coisa julgada a essa questão prejudicial por força do art. 503, § 1.º?

Apesar da inegável gravidade da consequência imposta à parte pelo art. 503, § 1.º, deve-se buscar uma solução mais pragmática, vedando-se recursos que bus-quem única e exclusivamente a reforma das decisões prejudiciais incidentais. O raciocínio é similar ao desenvolvido anteriormente no ponto 5.2. Se a parte quer discutir especificamente a questão prejudicial, então deve incluí-la no mérito do processo pela via adequada (demandando, reconvindo etc.) e dar-lhe status de questão principal. Enquanto a questão for incidental, assim deverá ser tratada.

61. O que seria severamente agravado se a coisa julgada fosse estendida também para questões prejudiciais decididas desfavoravelmente ao vencedor.

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A opção ora adotada evita que haja a antecipação em grau recursal de uma dis-cussão que só deve ocorrer em um novo processo, caso necessário. Também evita a proliferação indevida de recursos contra questões que não constituem objeto do processo.

Assim, se a parte estiver insatisfeita com a decisão, poderá recorrer do julgamen-to do mérito e questionar, incidentalmente, as questões incidentais. Mantida a sen-tença integralmente, então a questão incidental ficará coberta pela coisa julgada. Mantida a sentença por razões distintas, com rejeição expressa ou implícita da questão prejudicial, então afastada ficará a extensão da coisa julgada – é o caso, p. ex., do acórdão que mantém a sentença de improcedência da cobrança de aluguéis, mas não porque o contrato é inexistente ou inválido, mas porque o débito inexiste.

5.4 Questões prejudiciais incidentais e ação rescisória

Também é tormentoso o cabimento da ação rescisória para discutir questões prejudiciais incidentais que tenham sido acobertadas pela coisa julgada.

Em um primeiro momento, a tendência seria dizer que não é possível, diante do próprio caput do art. 966:

“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quan-do: (...).”

No entanto, o cabimento de ação rescisória parece adequar-se ao disposto no § 2.º do mesmo dispositivo, o qual permite a rescisão da decisão que, embora não seja de mérito, impeça nova propositura da demanda ou admissibilidade do recurso correspondente.

Sendo assim, embora as questões prejudiciais não devam ser consideradas prin-cipais, foi acertada a decisão do Fórum Permanente de Processualistas Civis de editar enunciado albergando expressamente o cabimento da ação rescisória: “338. Cabe ação rescisória para desconstituir a coisa julgada formada sobre a resolução expressa da questão prejudicial incidental”.62

6. eFicÁcia da Novidade leGislaTiva – direiTo iNTerTemPoral

O art. 1.054 do NCPC excepciona a usual eficácia imediata das novas leis pro-cessuais, que, em regra, atingem processos em curso e produzem efeitos sobre to-dos os atos ainda não praticados. Apenas os processos instaurados após o início da vigência do Novo Código serão afetados pela extensão da coisa julgada às questões

62. Aceitando o cabimento da ação rescisória, didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 87; caBral, Antonio do Passo. Breves comentários.... cit., p. 1294.

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prejudiciais. A medida é importante, uma vez que a aplicabilidade do art. 503, § 1.º, depende essencialmente dos atos praticados pela parte ao longo de todo o processo. Não fosse a exceção louvavelmente inserida no referido art. 1.054, a imutabilização de questões prejudiciais em processos instaurados antes da vigência do Novo Có-digo de Processo Civil configuraria verdadeira, e inaceitável, retroatividade norma-tiva. As partes sofreriam consequências que não puderam prever e que, se as conhe-cessem previamente, talvez pudessem ter adotado outro comportamento durante o processo – como, p. ex., o maior investimento na produção de determinada prova.

Como dispõe o Enunciado 367 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, o art. 503, § 1.º, valerá para todos os processos cuja data de protocolo da petição inicial ocorra após a vigência do Novo Código de Processo Civil.63

7. coNclusão

A extensão da coisa julgada às questões prejudiciais incidentalmente decididas traz, potencialmente, alguns benefícios. Dentre eles estão o maior aproveitamento dos processos, a prevenção de rediscussões a respeito de questões prejudiciais já decididas e a homogeneização das respostas jurisdicionais, evitando decisões con-flitantes sobre o mesmo tema.

Afirma-se que a mudança privilegia a natureza pública do Direito Processual em detrimento do interesse privado das partes em definir o objeto do processo e esco-lher o que deve ser julgado definitivamente pelo Estado-juiz. Mas até que ponto o princípio dispositivo e a inércia jurisdicional são manifestações exclusivamente “privatistas” do processo? A dicotomia público-privada não pode implicar a imposi-ção de um processo autoritário que restrinja a liberdade do indivíduo e o submeta a um poder estatal irracional e descontrolado. A inércia jurisdicional e o princípio dispositivo são inestimáveis conquistas históricas de racionalidade e imparcialidade no julgamento que não podem, jamais, ser tidas pejorativamente por privatistas. Quanto a isso, lembre-se que nem toda situação que beneficia o Estado é interesse público; e nem toda situação que prejudica o Estado viola o interesse público.64

63. Enunciado 367 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(Arts. 1.054, 312, 503). Para fins de interpretação do art. 1.054, entende-se como início do processo a data do protocolo da petição inicial”.

64. BaNdeira de Mello, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 68-69: “Só mesmo em uma visão muito pedestre ou desassistida do mínimo bom senso é que se poderia imaginar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado não está a reger nos casos em que sua realização traz consigo a proteção de bens e interesses indivi-duais e que, em tais hipóteses, o que ocorre(...) é a supremacia inversa, isto é, do interesse privado!”

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De qualquer forma, não parece que seja esse o problema. A extensão dos limites objetivos da coisa julgada não viola o princípio dispositivo ou a inércia jurisdicio-nal e não está ligada à sobreposição do interesse público sobre o privado. Trata-se unicamente de opção legislativa para dar mais ou menos efetividade ao processo e que em nada restringe a liberdade das partes.

O problema da extensão dos limites objetivos da coisa julgada é eminentemente pragmático. O legislador resgatou uma polêmica centenária que sempre gerou in-certezas e insegurança jurídica ao jurisdicionado e que havia sido louvavelmente enterrada pelo Código de Processo Civil/1973 com a construção de um sistema coeso e harmônico – e, por que não, efetivo, já que permitia o máximo aproveita-mento do processo mediante iniciativa das partes. Para que a mudança valesse a pena, os benefícios deveriam ser muito grandes.

No entanto, mesmo nos Estados Unidos, que serviu de modelo ao art. 503, § 1.º, o instituto da issue preclusion é bastante criticado pela doutrina justamente pela ineficiência que gera ao processo. Em vez de focar no mérito, perde-se tempo, ener-gia e dinheiro com discussões incidentais que podem acabar não tendo a menor relevância, seja para o próprio processo, seja para novos processos que suposta-mente viriam a ser instaurados.65

Além disso, a timidez do legislador em estender a coisa julgada apenas às ques-tões prejudiciais jurídicas elimina boa parte da real utilidade que o instituto poderia oferecer ao jurisdicionado. Não obstante carecer de dados estatísticos, alguma ex-periência demonstra que são os aspectos fáticos da causa que geralmente voltam a ser rediscutidos pelas partes em novos processos. De qualquer forma, a estabiliza-ção de uma decisão relativa à veracidade ou falsidade de uma causa de pedir, por constituir elemento da demanda, teria ainda mais legitimidade do que a estabiliza-ção de discussões jurídicas.

Talvez o tempo comprove o acerto da mudança. Ao que tudo indica, porém, a extensão dos limites objetivos a questões prejudiciais apenas servirá para tornar os processos mais complexos e morosos e dar um subterfúgio à parte que não tem razão para criar incidentes processuais e levantar discussões desnecessárias ao jul-gamento daquilo que realmente importa: o objeto do processo. Como escreveu Robert Ziff: “A preclusão só se justifica quando for previsível”; e complementa: “res judicata tem uma particular necessidade de clareza e regras bem conhecidas”.66

65. V., p. ex., FlaNaGaN, James F. Offensive collateral estoppel: inefficiency and foolish consistency. passim. Para um resumo geral, v. Prates, Marília Zanella. Op. cit., p. 203-205.

66. ziFF, Robert. For one litigant’s sole relief: unforeseeable preclusion and the Second Resta-tement, p. 905-906: “Preclusion, however, is only justified when it is foreseeable. ((...)) Thus, res judicata has a particular need for clear, well-known rules”.

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No entanto, para que o instituto tenha a efetividade que se pretende, é preciso compreendê-lo com os olhos do presente, extraindo máxima efetividade a partir de uma interpretação “em consonância com os motivos que a geraram”.67 Nesse sentido, a extensão dos limites objetivos da coisa julgada às questões prejudiciais deve ser compreendida como consequência do ocasional julgamento incidental de uma questão prejudicial. Isso significa rejeitar o tratamento de tais questões inci-dentais como se principais fossem, afastando tanto o dever do juiz de decidir questões prejudiciais que não sejam determinantes ao julgamento do mérito (com as ressalvas feitas no ponto 5.2, acima), quanto o interesse recursal para impugnação específica de questões incidentais – hipótese que certamente dará à mudança efeito contrário ao pretendido, inundando os tribunais com recursos inúteis e protelatórios. Se as partes pretendem discutir a questão prejudicial como mérito do processo, basta que tomem a iniciativa de incluí-la nos pedidos ou re-convenham.

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67. Machado, Marcelo Pacheco. Op. cit., p. 6.

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Análise epistemológica dos limites objetivos da coisa julgada, de Darci Guimarães Ribeiro –

RePro 215/61-84 (DTR\2013\365);

• Coisa julgada: extensão e limites objetivos, de José Manoel de Arruda Alvim Netto – Soluções Práticas, Arruda Alvim 4/233 (DTR\2012\317); e

• Questões prejudiciais e limites objetivos da coisa julgada no novo CPC, de Bruno Garcia Re-dondo – RePro 248/43-67 (DTR\2015\15861).

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varas disTriTais e comPeTência Previdenciária ou assisTencial: o direiTo fundamenTal de acesso à JusTiça

DecentralizeD units of District courts anD their power to juDge cases concerning social security benefits: the funDamental right of access to justice

WalTer claudius roThenburg

Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Paris II. Professor na Instituição Toledo de Ensino (ITE). Procurador Regional da República.

[email protected]

crisTiane ferreira gomes ramos

Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie. Servidora Pública no Ministério Público Federal.

[email protected]

Recebido em: 31.08.2015 Aprovado em: 23.11.2015

área do direiTo: Processual; Constitucional; Previdenciário

resumo: A Constituição brasileira atribui competên-cia à Justiça estadual para apreciar causas previ-denciárias e assistenciais onde não houver Justiça federal instalada. Essa extensão deve ser reconheci-da às varas distritais da Justiça estadual, de forma a conferir amplo acesso à justiça, especialmente às pessoas socioeconomicamente vulneráveis.

Palavras-chave: Acesso à justiça – Varas distritais – Previdência e assistência social – Competência delegada – Direitos fundamentais.

absTracT: Brazilian Constitution establishes that State Courts have power to judge cases concerning social security benefits whenever a Federal Court has not been settled in a district. This is a special situation in which federal jurisdiction is transferred to State Courts. It should be recognized that decentralized units of District Courts may also exercise federal jurisdiction for these cases, despite the Constitution does not have a specific provision in that sense. This interpretation expands the access to justice, mainly for socio-economically disadvantaged people.

KeyWords: Access to justice – State District Courts – Social security – Transferred competence – Human rights.

sumáRio: 1. As varas distritais no contexto federativo: descentralização da Justiça – 2. Causas previdenciárias e assistenciais e a competência da Justiça estadual (Constituição da República, art. 109, § 3.º): alguns aspectos controvertidos – 3. A facilitação do acesso à Justiça mais próxima, em matéria previdenciária e assistencial, e as varas distritais – 4. Uma questão de direitos fun-damentais: varas distritais, acesso à justiça, previdência e assistência social – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográficas.

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RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

“As organizações judiciárias terão alcançado o ideal quando puserem a Justiça à porta da casa do cidadão.” (Hélio Tornaghi)1

Uma alternativa encontrada para superar a dificuldade geográfica de acesso à justiça nos locais que não têm sede do Poder Judiciário é a criação de varas distritais, que são desdobramentos funcionais da Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

Viabilizar o acesso à justiça é um objetivo afirmado expressamente na Constitui-ção brasileira em relação a um assunto muito importante para grande número de pessoas em todo o território nacional e que, ordinariamente, é da alçada da Justiça Federal: as questões previdenciárias e assistenciais, ou, na linguagem do art. 109, § 3.º, da Constituição, “as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado”.

Com efeito, os benefícios previdenciários e assistenciais consistem em presta-ções fornecidas a pessoas que, não raro, se encontram em situação de vulnerabili-dade social. Tendo em vista que não existe vara federal instalada em muitos muni-cípios brasileiros e diante da natureza alimentar dos benefícios pleiteados, a distân-cia entre o domicílio dos beneficiários e a sede do juízo pode comprometer a subsistência daqueles que dependem de uma atuação efetiva do Poder Judiciário para o reconhecimento do direito previdenciário ou assistencial.

Há, portanto, uma atribuição originária de competência (impropriamente refe-rida como “delegação”) ao Poder Judiciário estadual e do Distrito Federal para processar e julgar causas que, não fosse a exceção constitucionalmente prevista, caberiam à Justiça Federal. Esse alargamento de competência considera que a Jus-tiça estadual e a do Distrito Federal têm maior capilaridade e estão presentes em muito mais localidades, visto que a atribuição está condicionada: “Sempre que a comarca de domicílio do segundo não seja sede de vara do juízo federal”. Ou seja, se houver Justiça Federal próxima, com sede no município de domicílio do segura-do, não se dará a extensão da competência à Justiça estadual ou do Distrito Federal, pois isso não seria proveitoso ao jurisdicionado.

Sustenta-se no presente estudo que também às varas distritais, que são instala-ções locais da Justiça estadual, deve ser reconhecida competência para as ações judiciais em matéria previdenciária e assistencial, como modo de concretização adequada dos direitos fundamentais envolvidos: direito à previdência e à assistên-cia social (arts. 6.º, 201 e 203 da Constituição), direito de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV) e direito à celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII). Essa questão tem gera-do controvérsia nos tribunais e merece ser devidamente equacionada.

1. Citado por: JuNqueira Filho, Manoel Octaviano. Varas distritais. Disponível em: [www.re-vistajustitia.com.br/revistas/6b588d.pdf]. Acesso em: 15.07.2015.

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1. as varas disTriTais No coNTeXTo FederaTivo: desceNTralização da JusTiça

Considerando as dimensões continentais de nosso país, é constante a preocupa-ção com o acesso à justiça, especialmente em relação à população carente e situada em locais mais afastados dos grandes centros.

Para a administração do Poder Judiciário, a Lei Orgânica da Magistratura Nacio-nal (LC 35/1979) prevê que o território do Estado seja dividido em comarcas, que podem ser agrupadas em circunscrições e divididas em distritos (art. 96), sendo que a criação, extinção e classificação de comarcas deverá levar em conta a extensão territorial, o número de habitantes, o número de eleitores, a receita tributária, o movimento forense, conforme critérios definidos na legislação estadual (art. 97).

O Conselho Nacional de Justiça editou a Res. 184, de 06.12.2013, que dispõe, entre outras coisas, sobre a criação de unidades judiciárias, estabelecendo os se-guintes critérios: necessidade de magistrados e/ou de servidores, estimativa de ca-sos novos da base territorial da unidade que se pretende criar e distância da unida-de judiciária mais próxima com mesma competência material (art. 8.º). Está previs-ta a possibilidade de instalação de postos avançados de atendimento, de acordo com o volume processual (art. 9.º, § 2.º), os quais equivalem a sedes de unidades judiciárias (§ 4.º).

Além desses postos avançados, que são fixos, é possível “o atendimento itine-rante para prestar jurisdição em localidades que não comportem a criação de postos avançados, utilizando-se de unidades móveis e/ou, mediante parceria, de estruturas de outros órgãos do Poder Judiciário e/ou instituições públicas” (Res. CNJ 184/2013, art. 9.º, § 5.º). Esta diretriz atende ao comando do art. 125, § 7.º, da Constituição, emergente da EC 45/2004, dita “Reforma do Judiciário”, que conferiu aos Tribunais de Justiça atribuição para instalar “a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públi-cos e comunitários”.

Sendo complexa a estrutura necessária à prestação jurisdicional, uma vez que requer o empenho de recursos humanos e financeiros, o Conselho Nacional de Justiça expede recomendações para a criação de varas. Mas, se os custos de manu-tenção da estrutura judiciária numa localidade de menor demanda não justificam a transformação em sede de comarca, pode então ser recomendada a extinção de va-ras, bem como sua substituição por outras formas de atendimento (como os já cita-dos postos avançados e a justiça itinerante). Assim, por exemplo, o Conselho Na-cional de Justiça já recomendou ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que es-tudasse a desativação de 25 comarcas ou a substituição por postos avançados, de-

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vido à baixa movimentação processual,2 embora a Bahia seja o quinto Estado com maior extensão territorial do país e o quarto com maior número de municípios.

Sobre a necessidade de conciliar o acesso à justiça e os respectivos custos, Clè-merson Merlin Clève aponta: “É necessário, também, ampliar os juízos e varas, le-var o juiz até o povo (o juiz, como o artista da canção de Milton Nascimento, deve ir aonde o povo está). Essa providência implica a racionalização do aparelho judi-cial para o fim de criar novos juízos e varas onde efetivamente forem indispensáveis (e, inversamente, extinguir juízos e varas), tendo em vista o número de feitos em andamento. (…) E os juízes, nos termos da Constituição (art. 126, parágrafo úni-co), sempre que for necessário à eficiente prestação jurisdicional, far-se-ão presen-tes no local do litígio. Por outro lado, é indispensável reduzir o custo da prestação jurisdicional, por isso a oficialização dos cartórios do foro judicial (Justiça Comum estadual) constitui providência urgente. Aliás, providência determinada pela pró-pria Constituição (art. 31 do ADCT)”.3

No âmbito federal, em consulta às páginas eletrônicas dos Tribunais Regionais Federais e da Justiça Federal na internet, verifica-se que existem cerca de 300 mu-nicípios brasileiros apenas que estão contemplados com a instalação de varas fede-rais e/ou juizados especiais federais, o que representa cerca de 5,4% dos 5.570 municípios existentes.4 Diante da ainda pequena – conquanto crescente – interio-rização da Justiça Federal, justifica-se a atribuição excepcional de competência pre-vista no art. 109, § 3.º, da Constituição, para que a Justiça estadual julgue as de-mandas previdenciárias e assistenciais, no precípuo escopo de facilitar o acesso dos beneficiários da seguridade social. A interpretação do dispositivo constitucional deve ser ampla, a fim de proporcionar efetivo acesso à Justiça mais próxima, pois é de direitos fundamentais que se trata, e então a leitura a fazer-se é no sentido da maior eficácia possível.

Quanto à estrutura judiciária estadual, dados do IBGE revelam que, em 2012, cerca de metade dos municípios brasileiros era sede de comarca, de modo que fo-ram pensadas formas de descentralização, para melhor atender à população, prin-cipalmente aquelas pessoas que moram em municípios que não sediam comarcas. Uma das iniciativas é a “justiça itinerante”, que consiste em oferecer atendimento simplificado e célere, de natureza judicial e extrajudicial, especialmente por meio do uso de veículos. Conforme pesquisa realizada por Adeilda Coêlho de Resende,

2. [www.cnj.jus.br/noticias/cnj/78920-conselho-recomenda-ao-tjba-estudo-sobre-desativa-cao-de-comarcas].

3. clève, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 188-189.

4. [www.trf1.jus.br]; [www.jfes.jus.br]; [www.jfrj.jus.br]; [www.trf3.jus.br]; [www.trf4.jus.br]; [www.trf5.jus.br]; [www.ibge.gov.br].

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até 2012 referida modalidade já havia sido utilizada por todos os Estados da fede-ração, com exceção do Rio Grande do Sul, embora estivesse desativada em alguns.5

Interessantes, ainda, são os chamados “postos avançados”, consistentes no des-locamento periódico de magistrado e equipe para o atendimento do público em locais de difícil acesso, geralmente em parceria com outros órgãos lá existentes, para a realização de audiências e outros atos processuais.

Diversamente da justiça itinerante e dos postos avançados, acima citados, que possuem caráter eventual, as varas distritais são estáveis, possuem pessoal e sede próprios, porém estão vinculadas administrativamente a uma comarca. As varas distritais podem conjugar-se com os juizados especiais, de modo que a descentrali-zação espacial ocorra em relação às causas de menor valor ou complexidade.

Todas as formas de descentralização do Poder Judiciário devem ter em vista fa-cilitar o atendimento do jurisdicionado, em estrito cumprimento do direito funda-mental de efetivo acesso à justiça.

Quanto às varas distritais, os Estados do Acre, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,6 Paraíba,7 Paraná, Pernambuco,8 Rio de Janeiro,9 Rio Grande do Nor-te, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins10 já as criaram como forma de descentra-

5. reseNde, Adeilda Coêlho de. Justiça itinerante: política judicial de acesso à justiça e cidada-nia. Tese (doutorado em Direito Político e Econômico). São Paulo, Universidade Presbite-riana Mackenzie, 2013. p. 121.

6. A Res. 26/2014 do TJPA trata expressamente das Varas Distritais de Icoaraci e de Mosquei-ro (art. 4.º).

7. A Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Paraíba (LC 96/2010) prevê: “Art. 314. Serão também criadas unidades judiciárias em fóruns regionais, quando o exigir expres-siva concentração populacional em núcleo urbano situado em região afastada do centro da sede da comarca, cuja distância torne onerosa ou dificulte a locomoção do jurisdicionado”.

8. Em Pernambuco, o art. 72 da LC 100/2007 autoriza a criação de “varas distritais, com ju-risdição sobre o território de distrito judiciário” (inc. I); “varas regionais, com competên-cia especializada e jurisdição sobre o território de mais de uma comarca ou circunscrição judiciária”; e “varas estaduais, com competência especializada e jurisdição sobre todo o território do Estado” (inc. III).

9. O Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro assim dispõe: “Art. 16. A criação de novas varas e fóruns regionais, nas comarcas de entrância especial e de segunda entrância, será feita: (…) c) por descentralização, quando o exigir expressiva concentração populacional em núcleo urbano situado em região ou distrito afastado do centro da sede da comarca, cuja distância em relação ao foro local torne onerosa ou difi-culte a locomoção dos jurisdicionados”.

10. A LC 10/1996 do Tocantins estabelece que “[o]s juizados especiais instituídos no inciso IX, do § 1º, do artigo 25 desta Lei Complementar, terão competência cível e criminal e serão instalados em foros distritais, nas localidades de maior concentração da população urbana da região metropolitana da Capital” (art. 28).

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lização ou previram tal possibilidade nas respectivas leis de organização judiciária, ainda que alguns tenham priorizado as capitais, como ocorreu, por exemplo, na divisão de Natal (RN) em regiões11 e na instalação do fórum distrital na parte con-tinental do balneário em Florianópolis (SC). Já o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que tem a peculiaridade de ser mantido pela União e que não conhece divisão em municípios (CR, art. 32), possui unidades instaladas em 14 circunscrições.

No Estado de Minas Gerais, por exemplo, existe a possibilidade de o juiz trans-ferir a realização de atos judiciais da sede para os distritos12 e, em comarcas com mais de duzentos mil habitantes, poderão ser estabelecidas varas regionais.13 Os juizados especiais “poderão funcionar descentralizadamente, em unidades instala-das em municípios ou distritos que compõem as comarcas, bem como nos bairros do município-sede, até mesmo de forma itinerante, conforme disposto em ato ex-pedido pelo Tribunal de Justiça”.14

O Código de Organização e Divisão Judiciárias do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná dispõe expressamente que “[o]s Juizados Especiais poderão funcionar descentralizadamente, em unidades a serem instaladas em Distritos Judiciários que compõem as comarcas, bem como nos bairros do município-sede, inclusive de for-ma itinerante em áreas de elevada densidade populacional, para maior comodidade e presteza no atendimento ao jurisdicionado” (destacamos).15

O Estado de São Paulo conta com 645 municípios, possui em torno de 267 co-marcas16 e pouco mais de 40 foros distritais, numa organização de 56 circunscri-ções judiciárias, que estão distribuídas em 10 regiões administrativas judiciárias, além de a Capital ser dividida em subdistritos.17

Quando a experiência de criação de varas distritais é bem sucedida, o distrito judiciário tende a ser elevado à condição de comarca (a exemplo de Jordão-AC, anteriormente vinculado à comarca de Tarauacá).18-19 Senão, as varas distritais são

11. LC estadual 165/1999, arts. 31 e 54.

12. LC estadual 59/2001, art. 4.º, parágrafo único.

13. LC estadual 59/2001, art. 10, § 11.

14. LC estadual 59/2001, art. 85.

15. Lei estadual 14.277, de 30.12.2003, art. 66.

16. IBGE, 2012.

17. Res. 560/2012 do TJSP.

18. LC estadual 221/2010; consta que, apesar de criada, em 2014 essa unidade ainda não havia sido instalada.

19. Em relação ao Estado de São Paulo, vejam-se as Leis Complementares estaduais 980/2005 e 991/2006.

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desativadas (como a que havia no Município de Terenos-MS, cujos processos foram redistribuídos para as Varas da Capital).20

A criação de unidades descentralizadas do Poder Judiciário em localidades (municípios, distritos, bairros) que não sejam sede judiciária (comarca) permite ao jurisdicionado um acesso facilitado, particularmente relevante para causas co-muns e numerosas que discutem direitos fundamentais à previdência e à assistên-cia sociais.

2. causas PrevideNciÁrias e assisTeNciais e a comPeTêNcia da JusTiça esTadual (coNsTiTuição da rePública, arT. 109, § 3.º): alGuNs asPecTos coNTroverTidos

O regime geral de previdência social (CR, art. 201) é gerido por uma autarquia federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).21 É também ao INSS que cabe a execução e manutenção dos benefícios de prestação continuada de assistência social, visto que é atribuição da União responder pela concessão e manutenção de tais benefícios.22 Isso seria bastante para atrair a competência ordinária da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição, que estabelece ser de compe-tência dos juízes federais “as causas em que a União, entidade autárquica ou em-presa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes (...)”.

Ocorre, como visto, que a própria Constituição trata de excepcionar expressa-mente, atribuindo à Justiça estadual, “no foro do domicílio dos segurados ou bene-ficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal” (art. 109, § 3.º). Essa atribuição é duplamente excepcional: concede-se à Justiça dos Estados e à do Dis-trito Federal uma competência que, de ordinário, caberia à Justiça Federal, e essa atribuição funciona somente em relação ao primeiro grau de jurisdição, pois a com-petência recursal não é deferida ao Judiciário estadual e permanece em âmbito fe-deral: “O recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau” (art. 109, § 4.º).

Trata-se de uma opção. Fredie Didier Jr. esclarece que, embora nada impeça o jurisdicionado de escolher propor a ação na sede da subseção judiciária federal que exerça jurisdição sobre o território de seu domicílio, a faculdade de optar pela “re-

20. Res. TJMS 221, de 01.09.1994, art. 4.º, § 1.º.

21. Lei 8.029/1990, art. 17; Dec. 99.350/1990, substituído pelo Dec. 569/1992.

22. Lei 8.742/1993, arts. 29, parágrafo único, e 12, I, respectivamente.

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gra de delegação foi criada para facilitar a vida do cidadão”.23 Esse critério deve nortear a solução do problema referente à competência das varas distritais, privile-giando-se a vontade do beneficiário da seguridade social: se ele pode optar entre a comarca da Justiça estadual em que o município de seu domicílio está situado e a subseção judiciária federal que compreende esse município (mas que não está nele sediada), deve igualmente poder optar entre a vara distrital de seu domicílio e a Justiça Federal, ainda que o município sede da comarca de que a vara distrital é pertencente também seja sede de vara federal. A razão é a mesma.

Ainda, Didier Jr. adverte quanto à inviabilidade de ajuizar a ação previdenciária ou assistencial perante o juízo estadual de outro município diverso daquele em que se tem domicílio, se houver vara federal no local do domicílio. Há conflitos de com-petência oriundos de casos em que os juízes estaduais exigem comprovante de re-sidência do jurisdicionado, antes de aceitar a demanda previdenciária ou assisten-cial que, ordinariamente, seria de competência da Justiça Federal. Outra questão é o deslocamento da causa para a vara federal, na hipótese de esta vir a ser implanta-da no local de domicílio posteriormente ao ajuizamento da ação, pois ocorre alte-ração de competência absoluta.24 O processualista citado anota que a autorização para que as causas previdenciárias sejam processadas na Justiça estadual do domi-cílio dos segurados ou beneficiários, caso não haja sede da Justiça Federal, inde-pende do fato de o segurado figurar no polo ativo ou passivo.25

Vladimir Passos de Freitas pondera que o dispositivo constitucional em questão deve ser utilizado com cautela, pois impõe um ônus à Justiça estadual, ao passo que o processo de interiorização da Justiça Federal tem se intensificado. Esse autor lembra que, na Constituição de 1891, era vedado atribuir qualquer competência federal às Justiças estaduais (art. 60, § 1.º). A Justiça Federal foi extinta em 1937 e restabelecida pela Constituição de 1967, tendo sido prevista a possibilidade de pro-por a ação de cobrança da dívida ativa da União no foro estadual (art. 119, § 3.º) e, por meio da EC 1/1969, autorizada a ampliação das hipóteses de competência de-legada por meio da edição de lei infraconstitucional.26

O STJ tem entendido que, em relação ao mandado de segurança, é inaplicável a atribuição de competência para a Justiça estadual, uma vez que o fato de o ato co-ator ser atribuído a uma autoridade federal determinaria a competência absoluta da

23. didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução do direito processual civil e processo de conhecimento. 16. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. vol. 1, p. 200.

24. Idem, p. 200-201.

25. Idem, p. 200.

26. Freitas, Vladimir Passos de. Comentário ao artigo 109, § 3.º. In: caNotilho, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, Almedina, 2013. p. 1466.

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Justiça Federal.27 A esse entendimento, Fredie Didier Jr. opõe as seguintes objeções: “(a) a Constituição fala de causas previdenciárias, sem especificar o procedimento; (b) mandado de segurança é direito fundamental; logo ele estaria fora de uma regra que tem o claro objetivo de favorecer o cidadão em face do Estado?”.28 Realmente, não deixa de parecer paradoxal que a mesma matéria e questões praticamente idên-ticas sejam julgadas por Justiças distintas (Federal ou estadual) em função do veí-culo processual utilizado: o mandado de segurança atrairia a competência da Justi-ça Federal, enquanto outra medida atrairia a competência da Justiça estadual.

Aos pedidos de benefício assistencial de prestação continuada (de que trata o art. 20 da Lei 8.742/1993) já houve controvérsia a respeito da atribuição de compe-tência à Justiça estadual prevista no art. 109, § 3.º, da Constituição, uma vez que o texto constitucional faz menção às “causas em que forem parte instituição de pre-vidência social e segurado” (destacamos). Se a atribuição de competência à Justiça estadual é excepcional e a previsão refere-se à “instituição de previdência social”, os benefícios de assistência social não estariam incluídos. Ou então a União deveria integrar o polo passivo em litisconsórcio com o INSS, visto que seria ela a respon-sável pelo benefício assistencial.

Nessa linha chegou a pronunciar-se, por exemplo, o Tribunal Federal da 4.ª Reg.: “Previdenciário. Benefício assistencial. CF/1988, art. 203, V, Lei 8.742/1993. Legitimidade passiva. Compete à União Federal a concessão e manutenção do be-neficio assistencial instituído no art. 203, V, da CF/1988 (Lei 8.742/1993, art.12, I), bem como a gestão do Fundo Nacional de Assistência Social. A operacionalização do benefício, por sua vez, foi atribuída ao INSS (Dec. 1.744/1995, art. 32). Portan-to, nas ações em que é postulado o beneficio assistencial, configura-se litisconsór-cio passivo necessário entre a União Federal e o INSS. Apelação provida em parte para que, declarada a incompetência absoluta da Justiça Estadual, sejam anulados os atos decisórios e remetidos os autos ao juízo federal competente”.29

Em sentido oposto, porém, consolidou-se a orientação de que, apesar de caber à União o repasse dos recursos necessários à concessão dos benefícios assistenciais, é o Instituto Nacional do Seguro Social que, na qualidade de gestor operacional para fins de concessão e manutenção dos benefícios, deve figurar como réu nas respectivas demandas. Assim, há mais de dez anos o STJ pacificou o entendimento de que, “[à] luz da evidente razão da norma inserta no § 3.º do art. 109 da Consti-

27. STJ, Processo 201402307170, CComp 135905, 1.ª Seção, rel. Sérgio Kukina, DJe 10.04.2015.

28. didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 201.

29. ApCiv 9604585770, 6.ª T., rel. Des. Federal João Surreaux Chagas, DJ de 10.03.1999, p. 1040.

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tuição da República, é de se interpretá-la atribuindo força extensiva ao termo ‘be-neficiários’, de modo a que compreenda os que o sejam do segurado, mas também aqueloutros do benefício da assistência social, como, aliás, resta implícita na juris-prudência desta E. 3.ª Seção, que tem compreendido no benefício previdenciário o benefício assistencial”.30

Comungamos, assim como Fredie Didier Jr., do mesmo ponto de vista, que é amplamente acolhido pela jurisprudência atual: a interpretação a ser dada ao texto constitucional deve ser estendida àqueles que fazem jus ao benefício assistencial, a fim de que possam demandar em seu domicílio perante a Justiça estadual, caso lá não haja sede da Justiça Federal, até porque, em razão da natureza e dos requisitos legais do benefício assistencial (pessoa com deficiência ou idoso sem condições de provimento da própria manutenção: art. 203, V, da Constituição), pressupõe-se uma hipossuficiência ainda mais pronunciada.31

Extrai-se um argumento em prol da competência das varas distritais para causas previdenciárias e assistenciais. Se a jurisprudência, inclusive do STJ, adotou uma in-terpretação extensiva, para incluir as causas assistenciais em que o texto constitucio-nal fala apenas em “instituição de previdência social e segurado” (destacamos), a mes-ma espécie de interpretação haverá de alcançar as varas distritais situadas nos muni-cípios dos domicílios dos beneficiários, desde que lá não haja sede de vara federal.

Podemos acrescentar ainda, como aspecto controvertido da atribuição de com-petência em matéria de seguridade social à Justiça estadual, a resistência em admi-tir a cumulação do pedido de concessão de benefício previdenciário ou assistencial com pedido de indenização por danos morais, como demonstra este exemplo do Tribunal Federal da 3ª Reg.: “De certo que a competência concorrente da justiça estadual com a justiça federal, prevista no art. 109, § 3.º, da Carta Magna, refere-se às ações de natureza previdenciária, não alcançando ação de indenização por ato ilícito proposta por segurado da previdência social contra o INSS, de forma que inacumuláveis pedido de benefício previdenciário e indenização por danos morais, ainda que decorrente da negativa do benefício pela entidade autárquica, quando o autor quer ter seu processo apreciado pela Justiça Estadual, pois a indenização por ato ilícito contra o INSS é de competência exclusiva da Justiça Federal”.32

Todavia, é mais razoável reconhecer que a Justiça estadual também terá compe-tência para apreciar eventual pedido cumulado de indenização por danos morais (e

30. Processo 200201474975, CComp 37717, 3.ª Seção, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 09.12.2003.

31. didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 202.

32. Processo 00313328220084030000, AgIn 344936, 8.ª T., rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, e-DJF3 Judicial 2 de 07.07.2009, p. 541.

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outros que guardem relação com o serviço prestado pelo INSS para a concessão de benefícios), uma vez que se trata de desdobramento da relação jurídica entre a ins-tituição de previdência social e o segurado. O mesmo Tribunal Federal da 3.ª Reg. tem pronunciamento nesse sentido: “4. A concessão ou restabelecimento de bene-fícios previdenciários, embasada no indeferimento administrativo, compete à justi-ça federal (art. 109, I, da CF) porque deduzida a respectiva ação em face do Insti-tuto Nacional do Seguro Social – INSS, ressalvada a competência dos juízos esta-duais nas comarcas onde não exista vara federal (§ 3.º). 5. Já a reparação por dano moral tem seu fundamento no suposto ato ilícito praticado pela Administração Pública, nos termos do art. 37, § 6.º, da CF, exsurgindo daí o nexo causal entre a lesão suportada pelo segurado e seu direito à concessão do benefício pretendido junto ao Instituto Autárquico que o indeferiu. 6. E porque ambas questões conexas à matéria previdenciária, admite-se a cumulação entre os dois pedidos, indepen-dentemente de se tratar de juízo federal ou juízo estadual investido na competência federal delegada, tendo o INSS integrado o polo passivo da demanda, nos moldes do art. 109, § 3.º, da Carta Republicana”.33

Essas discussões podem eventualmente alcançar as varas distritais. Aliás, a pró-pria competência delas em face das causas previdenciárias e assistenciais é um as-pecto controvertido, a merecer destaque especial em seguida.

3. a FaciliTação do acesso à JusTiça mais PróXima, em maTéria PrevideNciÁria e assisTeNcial, e as varas disTriTais

Contrariamente à opinião sustentada no presente artigo e em diversas manifes-tações judiciais nossas, o STJ vem decidindo que, no caso de haver vara distrital em determinado município que integra comarca sediada em outro município onde também está instalada vara federal, não há que se falar em atribuição de competên-cia à Justiça estadual para as causas previdenciárias e assistenciais. Veja-se o se-guinte excerto: “Existindo vara da Justiça Federal na comarca à qual vinculado o foro distrital, como se verifica no presente caso, não incide a delegação de compe-tência prevista no art. 109, § 3.º, da CF. Precedentes”.34 Assim, ainda que o reque-rente de benefício previdenciário ou assistencial tenha domicílio em município que não é sede de juízo federal e ainda que em seu município haja vara distrital instala-da, ele não poderia ajuizar a respectiva ação nessa vara distrital, mas apenas na vara federal situada no município que também é sede da comarca.

33. Processo 00024466420144036143, ApCiv 2047732, 10.ª T., rel. Juiz convocado Valdeci dos Santos, e-DJF3 Judicial 1 de 24.06.2015.

34. STJ, Processo 201102420530, AgRg no CComp 119352, 3.ª Seção, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 12.04.2012.

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122 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Tendo em vista que a discussão instaurada é de índole constitucional, a respeito da aplicação do art. 109, § 3.º, e dos direitos fundamentais envolvidos, a questão foi submetida à apreciação do STF pela via do recurso extraordinário. No conflito de competência em que foi travada referida discussão, ressaltamos, pelo Ministério Público Federal, “a especial condição de vulnerabilidade a que estão sujeitas as pessoas que reivindicam direitos previdenciários e assistenciais”.35 O recurso rece-beu juízo positivo de admissibilidade do Tribunal Federal da 3.ª Reg., para que o STF “possa se manifestar sobre a interpretação da regra constitucional do art. 109, § 3.º, da CR/1988”. Esse recurso extraordinário aguarda julgamento, assim como outros com o mesmo objeto.

É incoerente que a opção administrativa de descentralização da Justiça estadual por meio do estabelecimento de varas distritais, tomada em conformidade com as determinações constitucionais de franco acesso à jurisdição e efetividade da presta-ção jurisdicional, não seja aceita justamente em relação a questões para as quais a própria Constituição prevê a atribuição de competência à Justiça estadual, em te-mas de grande importância e enorme volume processual: previdência e assistência social. Vejamos o disparate: instala-se uma vara distrital no município onde a pes-soa tem domicílio, o que torna a Justiça mais próxima. A Constituição assegura que as demandas previdenciárias e assistenciais possam ser ajuizadas perante a Justiça estadual, se o município de domicílio do jurisdicionado não for sede de vara fede-ral. Contudo, o equivocado entendimento esposado pelo STJ e outros sustenta que, a despeito dessa proximidade, o jurisdicionado não pode ajuizar sua demanda na vara distrital do município onde está domiciliado, mas apenas em outro município, porque este é sede da comarca de que a vara distrital é uma descentralização e tam-bém é sede de vara federal (ou Juizado Especial Federal).

Para coroar o absurdo da indevida restrição da atribuição constitucional de competência à Justiça estadual, observe-se a possibilidade de uma vara distrital bem-sucedida, que se tenha justificado pela prestação jurisdicional oferecida à po-pulação, ser transformada em vara comum. O foro distrital é guindado à condição de comarca, ou seja, o município, antes contemplado apenas com a vara distrital, passa a ser sede de comarca. Então, sobre a mesma base territorial e provavelmente com os mesmos serventuários e magistrados, será agora admitida a atribuição cons-titucional de competência à Justiça estadual em matéria previdenciária e assisten-cial que era vedada à vara distrital. Ora, esta competência deveria ser admitida desde o início.

A incoerência é facilmente superada com o reconhecimento, às varas distritais, da competência jurisdicional para questões previdenciárias e assistenciais, nos ter-

35. Processo 0018577-50.2013.4.03.0000.

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RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

mos do art. 109, § 3.º, da Constituição. Essa é a alternativa que melhor atende os direitos fundamentais envolvidos.

4. uma quesTão de direiTos FuNdameNTais: varas disTriTais, acesso à JusTiça, PrevidêNcia e assisTêNcia social

O direito de acesso à justiça evoluiu ao longo da história. A concepção inicial do Estado liberal não se preocupava com as dificuldades econômicas enfrentadas para que o acesso à justiça fosse efetivo, mas, sobretudo, com o direito formal de propor ações judiciais. No entanto, o fato de os direitos fundamentais serem fruíveis, na prática, apenas por algumas pessoas em condição privilegiada levou a questionar o papel do Estado. Os reflexos das preocupações sociais espraiaram-se por todo o Direito e modificaram, inclusive, o conteúdo do direito de ação.36

A inafastabilidade da jurisdição, prevista no art. 5.º, XXXV, da Constituição da República, é reforçada no art. 3.º, caput, do NCPC (Lei 13.105/2015), e engloba o direito à tutela adequada e efetiva, pois “não basta declarar os direitos, importando antes de qualquer coisa prever técnicas processuais capazes de realizá-los, sem os quais o direito perde qualquer significado em termos de efetiva atuabilidade” (Ma-rinoni, Arenhart e Mitidiero).37

Convém destacar que os direitos fundamentais em geral e especialmente os di-reitos sociais requerem prestações positivas do Poder Público,38 no sentido de pro-mover a igualdade social dos hipossuficientes.39 Dentre tais direitos, relevam ao presente estudo o direito à previdência social e o direito à assistência social. Nesse contexto, a ação judicial, segundo Luiz Guilherme Marinoni, constitui um meio para alcançar uma prestação social, ou seja, apresenta-se como um instrumento para a proteção dos direitos fundamentais. O Estado tem o dever de estabelecer regras de procedimento que sejam aptas a garantir a atuação jurisdicional efetiva e tempestiva para a tutela dos direitos fundamentais.40 Nas precisas palavras desse jurista, “não adianta simplesmente proclamar que o direito de ação não pode ser

36. MariNoNi, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 187-189. (Curso do processo civil, vol. 1.)

37. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz; Mitidiero, Daniel. Novo Código de Pro-cesso Civil comentado. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 94.

38. sarlet, Ingo Wolfgang; MariNoNi, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Curso de direito cons-titucional. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 571-573.

39. tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 827.

40. MariNoNi, Luiz Guilherme. Teoria geral... cit., p. 203-205.

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RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

inviabilizado por questões sociais. Na verdade, o direito fundamental de ação re-quer uma postura ativa do Estado, não somente voltada à supressão dos obstáculos sociais ao seu uso, mas também à sua plena efetividade e tempestividade (art. 5.º, XXXV e LXXVIII, CF)”.41

Cumpre advertir, com Elton Venturi, que “a tutela jurisdicional se revela tarefa qualificada pela máxima essencialidade, na medida em que dela passa a depender a subsistência pragmática de todas as demais garantias e direitos fundamentais”.42 Por conseguinte, o direito de acesso à justiça apresenta-se reflexivamente como um direito fundamental de caráter instrumental, visto que viabiliza a realização dos direitos fundamentais em geral. Nesse sentido, o acesso à justiça é uma garantia fundamental.43

A propósito, Mauro Cappelletti, na referência de Cassio Scarpinella Bueno, vis-lumbrou a existência de três “ondas de acesso a justiça”: a primeira onda buscava estabelecer mecanismos de facilitação para que os cidadãos pobres tivessem condi-ções concretas de pleitear a atuação judicial, por meio da criação, por exemplo, de defensorias públicas e leis de assistência judiciária gratuita; a segunda onda, por sua vez, ocupava-se da tutela dos interesses difusos, cuja titularidade, para agir em juízo, nem sempre pode ser individualizada; já a terceira onda diria respeito à cria-ção de meios alternativos de solução de conflitos, mais apropriados às peculiarida-des do direito material controvertido.44

Essa falta de acesso à Justiça é bem marcante no Brasil, onde as políticas públi-cas adotadas mostram-se insuficientes. A desigualdade na realidade brasileira vai além do aspecto econômico, abrangendo questões culturais e fáticas (materiais).45 Por isso mesmo, há que se considerar que a distância entre o domicílio do jurisdi-cionado e a sede do juízo é um dos fatores que afetam o acesso à Justiça, pois a deficiência e o custo do transporte, mais o tempo de deslocamento, bem como a dificuldade de obtenção e compreensão de informações por parte de muitas pes-soas, constituem verdadeiros obstáculos.

41. Idem, p. 209.

42. veNturi, Elton. Direito à razoável duração do processo. In: clève, Clèmerson Merlin (coord.). Direito constitucional brasileiro: teoria da constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Ed. RT, 2014. vol. 1, p. 839.

43. diMoulis, Dimitri; MartiNs, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São Pau-lo: Atlas, 2014. p. 67-68.

44. BueNo, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do di-reito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. vol. 1. p. 89-92.

45. FoNtaiNha, Fernando de Castro. Acesso à justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à re-alidade brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 87.

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RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Diversas tentativas já foram empreendidas no sentido de promover a aproxima-ção do Poder Judiciário e dos cidadãos, tais como a realização de “mutirões de conciliação e cidadania”, a criação de juizados especiais, a instituição de “justiças itinerantes”. Aliás, a razão inspiradora dessas modalidades é idêntica: como afirma Fabio Resende Leal a propósito dos juizados especiais consagrados na Constituição de 1988, o “objetivo era ampliar e facilitar o acesso da população mais carente ao Judiciário, removendo embaraços de ordem econômica e social”.46 Igualmente para José Lázaro Alfrêdo Guimarães, a descentralização judiciária propicia melhor aten-dimento à população periférica, especialmente em favor dos “extratos sociais me-nos favorecidos”.47 Segundo esse autor: “O juiz mais próximo da comunidade vi-vencia os seus problemas, conhece melhor a gente e as coisas que conformarão as lides a serem submetidas ao seu julgamento. O cidadão, por sua vez, tem acesso facilitado à Justiça e condições de resolver mais rápida e eficazmente os litígios em que se vê envolvido”.48

Tais tentativas demonstram que o afastamento do jurisdicionado é um entrave a ser superado. A atribuição de competência para as demandas previdenciárias e as-sistenciais ao juízo estadual mais próximo inscreve-se nessa perspectiva de acessi-bilidade e é potencializada pelas varas distritais.

Ademais, o acesso facilitado ao Judiciário tende a interferir na velocidade da prestação jurisdicional, cumprindo, desse modo, o direito fundamental à celerida-de processual ou razoável duração do processo (CF/1988, art. 5.º, LXXVIII). Con-forme Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, o âmbito de proteção desse direito compreende a determinação de que os órgãos judiciários sejam organizados “de forma idônea (número de juízes e funcionários, infraestrutura e meios tecnológicos)”,49 o que certamente compreende a proximidade.

Por conseguinte, a inclusão das varas distritais no espectro alargado de compe-tência jurisdicional para viabilizar os direitos previdenciários e assistenciais deve ser tratada como uma questão de direitos fundamentais, os quais, como bem salien-ta Ingo Wolfgang Sarlet, não se encontram na esfera de disponibilidade dos poderes estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário): “É de destacar-se o dever de os tribu-

46. leal, Fábio Resende. A celeridade processual como pressuposto da efetividade dos direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 287.

47. GuiMarães, José Lázaro Alfrêdo. A competência das varas distritais de São Paulo e Salvador e das circunscrições do Distrito Federal. Revista de Informação Legislativa. n. 71. p. 259. Brasília: Senado Federal, jul.-set. 1981, Disponível em: [www2.senado.leg.br/bdsf/bitstre-am/handle/id/181325/000393300.pdf?sequence=3]. Acesso em: 12.08.2015.

48. Idem, ibidem.

49. sarlet, Ingo Wolfgang; MariNoNi, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Op. cit., p. 762.

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RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

nais interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamen-tais, assim como o dever de colmatação de eventuais lacunas à luz das normas de direitos fundamentais (...).”50

Nossa Constituição, ao enumerar os direitos e garantias fundamentais, anteci-pando-os, inclusive, à própria estruturação do Estado (Manoel Gonçalves Ferreira Filho),51 conferiu-lhes preeminência, de modo que devem ter eficácia imediata, o que gera uma vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o dever de guardar-lhes estrita observância (Gilmar Ferreira Mendes).52

Deve-se sempre procurar extrair dos direitos fundamentais o máximo de con-teúdo e realização que possam oferecer, do que uma maximização ou otimização, não apenas em termos teóricos – que devem ultrapassar a linguagem genérica e adotar disposições específicas –, mas igualmente de apelo prático, assim que se busque uma real implementação dos direitos fundamentais (efetividade), a despei-to de vicissitudes como a ausência de regulamentação suficiente ou a não inclusão entre as prioridades políticas de governo.53

A mais adequada realização dos direitos fundamentais de previdência e assistên-cia social, quando houver resistência a seu cumprimento, e a extração de suas má-ximas possibilidades, implica oferecer-lhes a mais eficiente tutela jurisdicional, viabilizando do melhor modo o acesso à justiça, o que ocorre efetivamente por meio das varas distritais, que permitem ao beneficiário demandar tais direitos junto ao órgão judiciário mais próximo de seu domicílio.

Em complementação à perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, segun-do a qual eles servem para amparar as pretensões dos sujeitos de direito, há a perspectiva objetiva, a fazer dos direitos fundamentais padrões gerais de estrutura-ção de toda a sociedade e que exigem meios e modos de efetivação.54 Thadeu Augi-meri de Goes Lima sustenta, com base em Eduardo Cambi, que ao princípio do acesso à justiça, que compreende a tutela jurisdicional efetiva, ficam vinculados “simultaneamente o legislador e os órgãos judiciais”, para que o processo judicial

50. sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 397.

51. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 6. ed. São Paulo: Sarai-va, 2004. p. 99.

52. MeNdes, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico. n. 10. Salvador, jan. 2002. Disponível em: [www.direitopublico.com.br]. Acesso em: 10.02.2008.

53. rotheNBurG, Walter Claudius. Direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2014. p. 34-35.

54. sarMeNto, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 135.

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RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

possa “garantir meios e resultados”.55 Essa perspectiva objetiva ou institucional dos direitos fundamentais envolvidos reclama estruturas tais como as varas distritais para conferir-lhes realização.

5. coNclusão

A Constituição de 1988 conferiu ao beneficiário da previdência social e da assis-tência social a faculdade de optar, no caso de inexistir vara federal sediada em seu domicílio, por propor a ação judicial correspondente perante o juízo de direito es-tadual (art. 109, § 3.º). Referido dispositivo constitucional encontra-se em conso-nância com o direito fundamental de acesso à justiça, em atenção à vulnerabilidade dos sujeitos envolvidos, haja vista que os benefícios previdenciários e assistenciais são normalmente destinados a prover o sustento de pessoas que se encontram fra-gilizadas seja pela idade avançada, seja pela dependência econômica, seja pela do-ença, seja pela incapacidade.

O regime jurídico dos direitos fundamentais – e não será demais rememorar que estão em jogo os direitos fundamentais à previdência e à assistência social, de aces-so à justiça e à celeridade processual – determina, assim, que, para as causas previ-denciárias e assistenciais, deve-se reconhecer que a atribuição de competência à Justiça estadual, expressamente prevista no art. 109, § 3.º, da Constituição, vale para as varas distritais. Portanto, negar tal competência jurisdicional à vara distri-tal, em município que não seja sede de Justiça Federal, viola a aludida norma cons-titucional.

6. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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129Teoria Geral do Processo

RotheNbuRg, Walter Claudius; Ramos, Cristiane Ferreira Gomes. Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 111-129. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Estudo comparativo do tratamento dedicado ao acesso à justiça na Constituição brasileira e

na Constituição portuguesa: um olhar sobre os hipossuficientes, de Juliana do Val Ribeiro – RDCI 87/45-68 (DTR\2014\3646); e

• Gratuidade da justiça no Novo CPC, de Fernanda Tartuce e Luiz Dellore – RePro 236/305-323 (DTR\2014\10502).

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Processo de Conhecimento

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meiReLes, Edilton. Julgamento antecipado parcial do mérito. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 133-146. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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JulgamenTo anTeciPado Parcial do mériTo

partial summary juDgment on the merits

edilTon meireles

Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal da Bahia (UFB). Professor de

Direito na Universidade Católica do Salvador (UCSal). Membro do IBDP. Membro da Associacion Iberoamericana de Derecho del Trabajo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino

Júnior. Desembargador do Trabalho na Bahia (TRT 5.ª Região)[email protected]

Recebido em: 05.10.2015 Aprovado em: 27.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: No presente trabalho tratamos da hipótese de julgamento antecipado de mérito conforme pre-visto no novo Código de Processo Civil. Preocupa-do com a efetividade da decisão judicial em prazo razoável, o legislador resolveu, com o novo Código de Processo Civil, autorizar a possibilidade de o juiz também julgar antecipadamente o mérito, de modo definitivo. Destacamos que, em verdade, essa pos-sibilidade não se constitui em novidade no proces-so civil brasileiro. Analisamos, ainda, o cabimento e processamento do recurso contra a decisão que julga antecipadamente o mérito.

Palavras-chave: Julgamento antecipado – Mérito – Processo civil – Recurso – Improcedência liminar.

absTracT: In this article we treat trial hypothesis of merit anticipated judgement as provided for in the new CPC. Concerned about the effectiveness of judicial decision within a reasonable doubt, the legislature decided, with the new CPC, allowing the possibility that the judge also of merit anticipated judgement in a definitive. We emphasize that, in fact, that possibility does not represent a novelty in the Brazilian civil procedure. We have analyzed also the pertinence and resource processing against the decision in anticipated judgement.

KeyWords: Anticipated judgment – Merit – Civil procedure – Appeal – Dismissal preliminary.

sumáRio: 1. Introdução – 2. Uma distinção necessária: ação e processo – 3. Do julgamento anteci-pado parcial na legislação anterior ao Código de Processo Civil de 2015 – 4. Do julgamento ante-cipado parcial do mérito no Código de Processo Civil de 2015 – 5. Do recurso – 6. Dos honorários advocatícios – 7. Da ordem cronológica – 8. No processo do trabalho – 9. Conclusão.

1. iNTrodução

Preocupado com o princípio da duração razoável do processo (celeridade), o legislador, em boa hora, tratou de regular de forma expressa a hipótese de julga-

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meiReLes, Edilton. Julgamento antecipado parcial do mérito. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 133-146. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

mento antecipado parcial do mérito no processo civil brasileiro no novo Código de Processo Civil.

Com essa regulamentação o legislador não só procurou dispor expressamente sobre essa possibilidade – que não se constitui novidade na legislação processual –, como quis corrigir uma atecnia existente no Código de Processo Civil de 1973, quando trata da antecipação da tutela na hipótese de pedido incontroverso (§ 6.º do art. 273 do CPC/1973).

Adiante procuramos tratar deste tema, em todas as suas vertentes. Deixamos de lado, porém, a hipótese de julgamento antecipado parcial sem resolução de mérito, que, mais uma vez, não foi objeto de regulamentação especifica pelo legislador.

2. uma disTiNção NecessÁria: ação e Processo

Antes de adentrarmos, todavia, a hipótese de julgamento antecipado parcial e mérito, é preciso relembrar uma distinção muito cara ao direito processual e que nem sempre é lembrada, inclusive pelo legislador. Queremos nos referir à distinção entre ação e processo.

Como é sabido, em expressão já clássica, para todo direito corresponde uma ação judicial. Ou seja, para cada direito subjetivo, o seu titular dispõe do direito de ação correspondente. Isso é, ele pode propor uma ação exigindo do Estado a pres-tação de um serviço jurisdicional tendente a lhe assegurar a satisfação do direito subjetivo que alega possuir.

Assim, por exemplo, se alguém deve o aluguel (os alimentos, o salário etc.) do mês de janeiro, o credor pode propor uma ação judicial cobrando a prestação respectiva.

Pode ocorrer, porém, de a pessoa ser titular de diversos direitos subjetivos em face da mesma pessoa (ou diversas pessoas). Neste caso, ela pode propor tantas ações judiciais quanto sejam seus direitos subjetivos. Por exemplo: se a pessoa é credora dos alugueres devidos em janeiro, fevereiro e março pode propor três dis-tintas ações, cobrando em cada uma delas a prestação devida em cada mês.

A ação judicial, por sua vez, é instrumentalizada em um processo. Processo aqui entendido, ao menos para fins didáticos, como o instrumento ou meio adequado pelo qual o Estado presta a tutela jurisdicional. Instrumento por meio do qual se exerce a função jurisdicional e a parte exerce seu direito de ação.

Assim, para cada ação o seu respectivo processo.

O direito, porém, por economia e até para melhor gestão do serviço público, acaba por admitir que o titular do direito subjetivo possa reunir todas essas suas ações num único procedimento judicial. Para tanto, o interessado pode propor

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então uma ação com cumulação de pedidos (art. 327 do CPC/2015). São várias ações reunidas.

Todas essas ações, por suas vezes, são reunidas em um único processo. Ou, se assim quiser entender, são vários processos (ação) reunidos em um único processo.

Todas as ações reunidas em um único processo, porém, tanto pode ser tratado pelo direito processual de forma autônoma entre si (diversas ações/processos reu-nidos distintos entre si), como pode ser regulada procedimentalmente de forma dependente uma da outra (como se fosse apenas uma ação/processo). Aqui se cuida de uma opção legislativa.

Nada impede, ainda, que mesmo em relação a uma única ação (demanda de apenas um direito subjetivo), o legislador permita que ela possa ser fracionada, autorizando ao juiz apreciar parcela do pedido, destacando-o do restante.

Tais lições, portanto, devemos ter em mente ao apreciarmos o instituto proces-sual do julgamento antecipado parcial de mérito.

3. do JulGameNTo aNTeciPado Parcial Na leGislação aNTerior ao códiGo de Processo civil de 2015

À primeira vista, poder-se-ia pensar que o julgamento antecipado parcial, ainda que do mérito, é uma das novidades disciplinadas no Código de Processo Civil de 2015. Ledo engano.

Em verdade, mesmo diante do Código de Processo Civil de 1973 encontramos diversas hipóteses de julgamento antecipado do mérito. Para tanto, podemos co-meçar por citar a hipótese de julgamento “de plano” da ação de consignação pro-posta contra duas ou mais pessoas fundada “em dúvida sobre quem deva legitima-mente receber” a prestação.

Nesta hipótese, diz o Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 898, que, “não comparecendo nenhum pretendente, converter-se-á o depósito em arrecada-ção de bens de ausentes; comparecendo apenas um, o juiz decidirá de plano; com-parecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os credores; caso em que se observará o procedimento ordinário”.

Em outras palavras, nesta hipótese, proposta a demanda contra dois ou mais réus, o juiz pode declarar extinta a obrigação cuja prestação foi consignada pelo autor, extinguindo o processo em face deste, “continuando o processo a correr uni-camente entre os credores”.

Vejam, então, que, nesta hipótese, o juiz julga antecipadamente o mérito, decla-rando a extinção da obrigação cuja prestação foi consignada pelo autor da consig-

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nação. Em outras palavras, julga procedente a consignação, certificando a satisfa-ção da obrigação.

Mais outros exemplos, mesmo de mérito, podem ser lembrados, ainda que não regulados expressamente na legislação. E aqui queremos nos referir às hipóteses em que o juiz homologa acordo judicial derredor de parte do pedido. Não é raro, em demanda judicial, as partes conciliarem derredor de parte do pleito da inicial, prosseguindo-se o processo no restante. Logo, aqui temos um julgamento antecipado do mérito.

Igual fenômeno, por sua vez, já percebido pela doutrina, verifica-se, à luz do Código de Processo Civil de 1973, quando o juiz concede a tutela antecipada do pedido incontroverso (§ 6.º do art. 273). Neste caso, diante da incontrovérsia, o juiz, em juízo exauriente, oferta a tutela final da demanda. Ou seja, julga parcial-mente o mérito.

Já quanto ao julgamento antecipado sem resolução de mérito podemos citar, mesmo à luz do Código de Processo Civil de 1973 a hipótese em que o juiz homo-loga o pedido de desistência parcial do pedido ou da demanda em face de um dos litisconsortes passivo.

No processo do trabalho e nos juizados especiais podemos citar a hipótese de arquivamento (extinção sem resolução de mérito) da demanda proposta pelo litis-consorte ativo que não comparece à audiência, prosseguindo o processo apenas com os autores presentes. Aqui há extinção parcial do processo, em face de um dos autores.

Situação semelhante a esta, cuida-se daquela na qual o juiz impõe a limitação do litisconsórcio ativo (parágrafo único do art. 46 do CPC/1973). Neste caso, o juiz, ao determinar a limitação pode adotar dois procedimentos alternativos: primeiro, extinguir o processo como um todo, determinando que novas ações sejam propos-tas com a limitação de litisconsortes; ou, segundo, extinguir o processo em relação a alguns demandantes, prosseguindo em relação aos remanescentes, permitindo-se que aqueles primeiros proponham outras demandas.

No Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, além dos exemplos acima mencionados, expressamente menciona outra hipótese de julgamento antecipado parcial. Trata-se da extinção da demanda contra réu originário quando este alega sua ilegitimidade ou que não é o responsável pelo prejuízo invocado (art. 338).

Vejam, que, neste caso, o autor pode pedir a substituição do réu (parágrafo úni-co do art. 338). Logo, ele estaria desistindo da demanda proposta em face do réu originariamente ilegítimo, prosseguindo do mesmo processo contra o novo réu (substituto).

E no caso de substituição do réu originário quando este alega que não é o res-ponsável pelo prejuízo invocado, podemos até concluir que o autor, ao pedir a

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substituição, estaria reconhecendo a improcedência da demanda em face daquele primeiro, prosseguindo com o processo em face do réu substituto.

Em suma, com os diversos exemplos acima mencionados, verificamos que o julgamento antecipado parcial com ou sem resolução do mérito não se constitui nenhuma novidade no processo civil brasileiro. De novidade mesmo apenas sua expressa regulamentação no art. 356 do CPC/2015.

4. do JulGameNTo aNTeciPado Parcial de mériTo No códiGo de Processo civil de 2015

Como dito na introdução, preocupado com a duração razoável do processo (em verdade, da ação judicial), o legislador processual tratou de regulamentar expressa-mente as hipóteses de julgamento antecipado do mérito, sem prejuízo das hipóte-ses tratadas especificamente, a exemplo da ação de consignação proposta contra credores duvidosos.

Assim é que, no art. 356 do CPC/2015, está estabelecida a possibilidade do jul-gamento parcial antecipado do mérito “quando um ou mais dos pedidos formula-dos ou parcela deles”:

a) “mostrar-se incontroverso”;

b) “não houver necessidade de produção de outras provas”;

c) ou quando o réu for revel, presumindo-se “por verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor” (art. 344 do CPC/2015) e não haja requerimento de produção de prova pelo demandado.

Observem que, seguindo a regra da tutela antecipada de pedido incontroverso, previsto no § 6.º do art. 273 do CPC/1973, o legislador repetiu a fórmula quanto à possibilidade de julgamento de um ou mais pedido ou de parcela deles. Por exem-plo, diante de dois ou mais pedidos, o juiz pode julgar, desde logo, um deles, pros-seguindo o processo em suas fases posteriores com o outro ou demais pedidos.

Pode, ainda, em relação a um dos pedidos, julgar apenas uma parcela dele, pros-seguindo na demanda em suas fases posteriores para em seguida apreciar o restan-te do mesmo pedido, em sua parcela ainda não avaliada. Exemplo que se tem é aquele no qual o autor pede a condenação do réu em determinada quantia e este reconhece dever um valor inferior ao demandado na inicial. Logo, diante da incon-trovérsia de parcela do pedido, o juiz está autorizado a julgar antecipadamente uma parcela do pedido.

Os exemplos se avolumam, sendo que, no processo do trabalho, que se caracte-riza pelo fato de que na inicial, em geral, o autor formula diversos pedidos, muitas vezes ultrapassando a casa da unidade (dez ou mais pedidos), essa possibilidade ganha contornos de ampla utilidade.

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O pedido se revela incontroverso quando o réu não contesta ou reconhece a procedência do pedido. Também aqui se enquadra a hipótese na qual o autor re-núncia à pretensão formulada na ação, pois, neste caso, o pedido se torna incontro-verso como não sendo (mais) devido.

Hipótese em que não há necessidade de produção de outras provas se tem quando o fato resta comprovado pela prova documental exibida pelo autor ou réu, ou quando diante da realização da perícia ou mesmo quando diante da confissão da parte.

Também se terá oportunidade para o julgamento antecipado parcial do mérito quando, não havendo contestação, ter-se “por verdadeiras as alegações de fato for-muladas pelo autor” (art. 344 do CPC/2015) e não haja, por parte do demandado, o requerimento de produção de prova.

Vale lembrar, todavia, que a falta de contestação não induz a veracidade das alegações de fato postas na inicial se, conforme art. 345 do CPC/2015:

“I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei consi-dere indispensável à prova do ato;

IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estive-rem em contradição com prova constante dos autos”.

A legislação, por sua vez, não limita a natureza da decisão. Logo, ela pode se referir a um pedido meramente declaratório, constitutivo ou condenatório.

Da mesma forma, a lei não limita a quantidade de decisões antecipadoras par-ciais do mérito. Daí por que o juiz pode proferir diversas decisões de antecipação parcial do mérito, à medida que, em relação ao pedido, esteja preenchido o pressu-posto para seu julgamento. Uma vez encerrada a fase de instrução, todavia, descabe o julgamento parcial dos pedidos. Neste caso, o julgamento deverá ser “em bloco”, sob pena de verdadeira fraude à lei.

A decisão, por sua vez, “poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida” (§ 1.º do art. 356 do CPC/2015).

A parte, outrossim, está autorizado a “liquidar ou executar, desde logo, a obri-gação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemen-te de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto” (§ 2.º do art. 356 do CPC/2015).

Vejam que, mesmo diante do cumprimento provisório, foi dispensada a exigên-cia da caução.

Essa liquidação ou cumprimento da decisão, por sua vez, poderá ser processada em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz (§ 4.º do

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art. 356 do CPC/2015). Melhor será, ao certo, formar autos apartados ou procedi-mento virtual autônomo para evitar tumultos processuais, com perda do benefício buscado (celeridade).

5. do recurso

A decisão que julga antecipadamente de forma parcial o mérito é, no conceito do Código de Processo Civil de 2015, de natureza interlocutória (art. 203, § 2.º). Isso porque ela não põe fim à fase de conhecimento em seu todo. Daí por que, den-tro da lógica do novo Código de Processo Civil de 2015, o § 5.º do art. 356 estabe-lece que essa decisão é impugnável por agravo de instrumento. Tal regra se repete, em outras palavras, no inc. II do art. 1.015 do CPC/2015, já que cuida de decisão de “mérito do processo”.

Tal agravo de instrumento, por sua vez, tem verdadeira natureza de apelação. E tanto assim o é que o próprio Código de Processo Civil o tratou dessa forma ao estabelecer a incidência da técnica de julgamento prevista do art. 942 quando, no agravo de instrumento, “houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mé-rito” (inc. II do § 3.º).

Em suma, tal como na apelação, quando o resultado não for unânime, “o julga-mento [do agravo de instrumento] terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamen-te definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibili-dade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores” (art. 942, caput, CPC/2015).

Vejam, ainda, que, da aplicação deste dispositivo, extrai-se outra regra própria da apelação, somente estendida ao agravo de instrumento por norma expressa. Estamos a nos referir do direito de sustentação oral.

O art. 937 do CPC não estabelece expressamente a possibilidade de a parte po-der fazer sustentação oral em agravo de instrumento interposto contra decisão que julga antecipadamente de forma parcial o mérito. Há previsão para a sustentação oral “no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que ver-sem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência” (inc. VIII). Olvidaram de mencionar, no entanto, o agravo de instrumento interposto contra decisão que julga antecipadamente de forma parcial o mérito.

Pelas vias transversas, no entanto, em face da incidência do art. 942 do CPC/2015, podemos concluir que também é assegurada a sustentação oral no agra-vo de instrumento interposto contra decisão que julga de forma antecipada parcial-mente o mérito. Isso porque por este dispositivo está “assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos

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julgadores” (art. 942, caput, CPC/2015). Se tem direito de sustentar perante os no-vos julgadores, ao certo tem perante os “antigos” (originários) julgadores.

Destaque-se, porém, que, mesmo diante de uma decisão com natureza de sen-tença (pois resolve em definitivo o mérito, ainda que parcialmente) e de um recur-so com natureza de apelação, o legislador retirou o efeito suspensivo a este (recurso). E tal decorre da própria lógica do cabimento do julgamento antecipado parcial, já que com esse instituto o que se busca é a maior celeridade processual, “incluída a atividade satisfativa” (art. 4.º do CPC/2015). Não teria lógica, assim, estabelecer o efeito suspensivo ao recurso. Aqui se seguiu a lógica do agravo de instrumento, que não é dotado de efeito suspensivo.

Entendemos, porém, que o legislador andou mal ao regulamentar esse instituto. Deveria ter feito de forma mais técnica, de modo a evitar confusões. Para tanto, e mesmo para sua melhor compreensão, teria sido melhor que o legislador tivesse sido expresso em conceder poderes ao juiz para “dividir” o processo. Separar as ações ou dividi-la em caso de parcela julgada parcialmente de forma antecipada.

Em suma, o que ocorre no julgamento antecipado parcial, seja de mérito, seja sem resolução de mérito, é uma verdadeira separação das ações reunidas no mesmo processo ou da divisão da ação quando se julga apenas uma parcela do (de um) pedido. Separação ou divisão ex officio.

Esse fenômeno, aliás, repete-se quando da limitação “do litisconsórcio facultati-vo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sen-tença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou di-ficultar a defesa ou o cumprimento da sentença” (§ 1.º do art. 113 do CPC).

Vejam que o que ocorre, nesta hipótese, é uma verdadeira separação de ações reunidas em um único processo. Quando o juiz determina a limitação do litiscon-sórcio, ele, em outras palavras, manda dividir o processo. Isso fica claro em especial na fase de liquidação de sentença e na de seu cumprimento. Aqui se tem um pro-cesso que é dividido de acordo com o número de litisconsórcio, desdobrando-se em quantos seja determinado pelo juiz.

A partir dessa percepção, então, deveria ter o legislador previsto, de forma ex-pressa, que o juiz estaria autorizado a dividir o processo, presentes os pressupostos para julgamento antecipado parcial do mérito. Dividido, formando-se um novo processo, dar-se-ia a este o mesmo tratamento dado à sua decisão definitiva. Ou seja, teríamos uma sentença a reclamar apelação etc.

Tal regramento, por sua vez, teria a vantagem de evitar dúvidas quanto ao pro-cessamento do recurso. Isso porque, na forma estabelecida no Código de Processo Civil de 2015, tratando-se de agravo de instrumento com natureza de sentença, restam dúvidas quanto à aplicação das regras próprias do agravo de instrumento, a exemplo do juízo de retratação do órgão recorrido (§ 1.º do art. 1.018 do CPC/2015).

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De qualquer forma, ainda que assim não tenha sido previsto em lei, é fato que ao agravo de instrumento interposto contra a decisão que julga antecipadamente de forma parcial o mérito deve ser dado o mesmo tratamento dispensado à apela-ção, salvo o seu efeito suspensivo, em face de regra expressa (§ 2.º do art. 356 do CPC/2015).

Mas, de qualquer forma, algumas dúvidas restam. Por exemplo, o recurso deve ser interposto diretamente perante o tribunal (art. 1.016 do CPC/2015) ou perante o juízo recorrido (art. 1.010 do CPC/2015)? Cabe-lhe exigir o preparo próprio da apelação ou não?

São dúvidas que somente a jurisprudência irá sanar de forma definitivo. Até lá, cabe a aplicação do princípio da fungibilidade. De nossa parte, entendemos que cabe aplicar, a este agravo de instrumento, as regras próprias da apelação.

6. dos hoNorÁrios advocaTícios

Outra questão duvidosa se refere aos honorários advocatícios.

Na dicção do art. 85 do CPC/2015 os honorários advocatícios devem ser fixados na “sentença”.

Se se adotar a literalidade deste dispositivo, quando do julgamento antecipado parcial do mérito, descaberá ao juiz decidir quanto aos honorários advocatícios. Restaria deixar essa questão para ser enfrentada quando do último julgamento, isto é, quando da prolação da sentença (decisão que põe fim à fase de conhecimento).

A questão aqui, porém, é duvidosa. Partindo do pressuposto acima sustentado que caberia ter esse julgamento antecipado parcial como uma decisão que impõe a “divisão” do processo, haveríamos de apreciar cada uma das partes divididas como verdadeira ação autônoma, de modo a atrair a condenação em honorários.

E se assim se entender ou interpretar as normas do Código de Processo Civil, a questão dos honorários advocatícios estaria resolvida.

O novo Código de Processo Civil, porém, parece que segue outra lógica, permi-tindo o julgamento parcial, mas sem considerar a parte decidida como “demanda” autônoma, que se separa em definitivo do processo original (dos “autos principais”).

Sendo assim, parece-nos que, de fato, o procedimento a ser adotado e de somen-te decidir os honorários advocatícios quando da prolação da sentença. Isso porque, em relação aos honorários advocatícios, o juiz haveria de ter em conta a atuação do advogado em todo o processo ajuizado. Da inicial à sentença. Descaberia, assim, ao juiz condenar o vencido de forma antecipa.

A princípio se poderia pensar no contrário. Essa divisão, porém, traria uma di-ficuldade.

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Vejam a hipótese de sucumbência mínima do pedido. Neste caso, a regra é con-denar a outra parte, por inteiro, pelas despesas e honorários advocatícios (parágra-fo único do art. 86 do CPC). Imaginem, então, que a parte mínima seja justamente aquela acolhida em julgamento antecipado parcial de mérito, mas somente assim definida após o julgamento dos demais pedidos. Se nesta oportunidade do julga-mento antecipado o juiz tiver que decidir quanto aos honorários advocatícios, ha-veria de condenar o vencido nos honorários incidentes sobre a parcela objeto da condenação antecipada. Se, no entanto, ao julgar o restante dos pedidos o juiz concluir que o derrotado na decisão antecipada somente foi vencido em parte mí-nima considerando todos os pedidos, que seria justamente aquela antecipada, tería-mos criado uma situação na qual a regra do parágrafo único do art. 86 do CPC teria sido fraudada. Isso porque, uma vez condenado o vencido em parte mínima do pedido nos honorários incidentes sobre a parcela antecipada, não se teria mais como aplicar a regra do parágrafo único do art. 86 do CPC.

Aqui estamos, pois, diante de outra questão a ser resolvida pela jurisprudência. De lamentar, todavia, esse outro vacilo do legislador.

7. da ordem croNolóGica

Outra dificuldade temos em relação ao julgamento na ordem cronológica de conclusão.

O art. 12 do novo CPC estabelece que “os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”.

E, mais uma vez, adotando-se a interpretação literal do caput do art. 12, tería-mos que a decisão interlocutória que antecipa parcialmente o mérito não está sujei-ta à apreciação conforme a ordem cronológica de conclusão, já que este dispositivo somente menciona as sentenças e acórdãos. E tanto seria assim, pois, ao mencionar os procedimentos ou atos que estão excluídos desta regra, o legislador não incluiu o julgamento antecipado (§ 2.º do art. 12). Ou seja, teria distinguido a decisão in-terlocutória que antecipa parcialmente o mérito da sentença em si.

Assim pode até ser, mas essa interpretação acaba por tratar de forma contraditó-ria o mesmo instituto processual. Isso porque, ora teria a decisão que antecipa parcialmente o mérito como simples decisão interlocutória, afastando-o da regra do art. 12 do CPC, ora teria essa mesma decisão como de natureza de sentença ao dar ao agravo de instrumento contra ela interposto o tratamento dispensado à apelação (que pressupõe uma sentença).

Creio, porém, que o sentido do art. 12 do CPC é estabelecer uma ordem de cro-nológica para prolação de decisão de mérito, seja interlocutoriamente, seja ao final da fase de conhecimento, lembrando que a decisão que extingue o processo sem resolução do mérito está na exceção do § 2.º do art. 12 (inc. IV).

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Assim, a decisão que antecipa parcialmente o mérito somente deve ser prolatada em obediência à ordem cronológica a que se refere o caput do art. 12 do novo CPC.

Não temos dúvidas, porém, em afirmar, numa interpretação teleológica deste instituto do processo civil, que, no mínimo, deve haver respeito à ordem cronoló-gica de conclusão dos processos nos quais o juiz pode prolatar decisão antecipada parcial de mérito. Isso de modo a evitar os “privilégios”, que é o que justamente essa norma – que impõe o respeito à ordem cronológica – busca por fim.

8. No Processo do Trabalho

Afirmamos acima que a possibilidade de julgamento antecipado parcial de mé-rito cai como uma luva no processo do trabalho, considerando que, em geral, na inicial da demanda trabalhista, são formulados inúmeros pedidos, aumentando a probabilidade da adoção deste procedimento de apreciação dos pleitos.

A isso se acresça o fato de que, na demanda trabalhista, em geral, o autor é pes-soa vulnerável, com parcos recursos econômicos, a demandar parcela de natureza alimentar (salários), o que atraia a incidência do princípio da duração razoável do processo com fortes cores. O julgamento antecipado parcial do mérito, portanto, vai ao encontro dos anseios do trabalhador demandante.

Podemos, assim, concluir que este instituto processual é plenamente aplicável ao processo do trabalho e chegaria em boa hora.

Mas uma dificuldade há de ser superada. E para tanto um “dogma” do processo do trabalho há de ser quebrado, reinterpretando-se uma de suas regras de ouro. Refiro-me à regra do § 1.º do art. 893 da CLT, que admite “a apreciação do mereci-mento das decisões interlocutórias somente em recurso da decisão definitiva”, en-tendendo-se esta como a sentença que põe fim à fase de conhecimento.

Está consagrado na doutrina e na jurisprudência trabalhistas o entendimento de que contra decisão interlocutória descabe a interposição de imediato de recur-so. A decisão interlocutória seria, assim, objeto de recurso somente quando da decisão definitiva ou terminativa do feito (art. 895, I, da CLT). Mas, repito: enten-dendo-se a decisão terminativa ou definitiva como aquela que põe fim à fase de conhecimento.

Mas esse entendimento tem toda a sua lógica à luz do Código de Processo Civil de 1973. Com o novo Código de Processo Civil, no entanto, não se pode mais ter a sentença como a única decisão definitiva ou terminativa do feito. Isso porque a decisão interlocutória que julga antecipadamente de forma parcial o pedido tam-bém é uma decisão definitiva. É definitiva em relação ao pedido apreciado anteci-padamente. E uma vez proferida, não cabe mais ao juiz de primeiro grau voltar a apreciar a mesma questão.

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Daí se tem que cabe reinterpretar o § 1.º do art. 893 da CLT de modo a se enten-der que a “apreciação do merecimento das decisões interlocutórias” somente cabe-rá em recurso interposto contra a sentença se aquela (decisão interlocutória) não for definitiva (não for de mérito).

Assim não se entendendo, seria mínimo o ganho com o julgamento antecipado parcial do mérito no processo do trabalho. Em outras palavras, ele seria mera “an-tecipação da tutela” em seus efeitos práticos, ainda que não sujeito à confirmação na “decisão definitiva” (sentença).

A grande vantagem do julgamento antecipado é justamente permitir a formação da coisa julgada antecipadamente ou mesmo o processamento de eventual recurso de imediato. Se for para aguardar o fim do processo como um todo para que esses fenômenos possam ocorrer, o julgamento antecipado de mérito do Código de Pro-cesso Civil de 2015 irá se igualar à tutela antecipada do Código de Processo Ci-vil/1973.

Pensamos, porém, que cabe a reinterpretação, tal como já procedida pelo TST em situações semelhantes, quando passou a admitir o recurso contra decisão inter-locutória de decisão “(a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; (b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; (c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que [qual] se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2.º, da CLT” (Súmula 214).

Vejam que, nessas três hipóteses, a CLT não admite a interposição de recurso contra a decisão interlocutória. Mesmo na hipótese do § 2.º do art. 799 da CLT, o que ali está dito é que, se o juiz acolher a exceção de incompetência e julgar extin-ta a demanda (decisão “terminativa do feito”), em vez de remeter o processo para o juízo competente, caberia o recurso ordinário. A menção a este dispositivo, aliás, é um grande equívoco interpretativo do TST. Isso porque, neste dispositivo, em momento algum se diz que cabe recurso contra a decisão que determina a remessa dos autos para outro juízo, até porque ela não é terminativa do feito.

O TST, porém, inovando, passou a admitir o recurso contra a decisão interlocu-tória que, acolhendo a exceção de incompetência territorial, determina a remessa dos autos para juízo vinculado a Tribunal Regional distinto daquele a qual se vin-cula o juízo excepcionado.

Em suma, no que nos interessa, é fato que o próprio TST já inovou, reinterpre-tando a CLT, de modo a admitir o recurso contra decisão interlocutória ao menos em três hipóteses. E em relação à segunda hipótese (decisão “suscetível de im-pugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal”), generalizou-se a possibilida-de da interposição do recurso de agravo previsto no Código de Processo Civil ou

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meiReLes, Edilton. Julgamento antecipado parcial do mérito. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 133-146. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

instituído por Regimento Interno (em norma inconstitucional, já que os Tribunais não têm competência para legislar em matéria de direito processual).

Cabe, pois, apenas ter a coragem de romper com esse “dogma” de modo que processo do trabalho possa avançar.

E avançando, diria que o recurso cabível contra a decisão definitiva que antecipa de forma parcial o mérito no processo do trabalho é o ordinário. E, como tal, ele atrai a incidência de todas as regras relativas ao preparo recursal, inclusive a exi-gência do depósito recursal, se for o caso.

Como no processo do trabalho não se aplica a regra da sucumbência mínima para fixação dos honorários advocatícios, nada impede, ainda, da sua condenação em decisão antecipada parcial de mérito.

Caberia, ainda, ao juiz do trabalho, ao julgar antecipadamente de forma parcial o mérito, caso acolha o pedido, impor, desde logo, a condenação do demandado no pagamento das custas parciais do processo. Caso, porém, rejeite integralmente o pedido de forma antecipada em decisão parcial, deve deixar a decisão quanto às custas para o final do processo. Isso porque, caso o autor venha a ser vencedor em qualquer outro pedido, ainda que mínimo, essa despesa deve ser arcada pelo de-mandado. Isso se entender que continua a ser um mesmo processo, ainda que re-partido, mas não dividido.

Uma dificuldade teríamos quanto ao depósito recursal. Isso porque a lei estabe-lece um limite a este depósito. Pode ocorrer, porém, que com o recurso interposto contra a decisão que antecipa parcialmente o mérito a empresa efetue o total deste limite. Fica a dúvida: quando da interposição de novo recurso, contra acolhimento dos demais pedidos, cabe novo depósito?

A questão se resolve pela definição que significa a decisão que antecipa parcial-mente o mérito. Se se tem que se trata de um fenômeno que divide o processo, se-parando as ações, passaríamos a ter duas ou mais demandas, que devem ser trata-das como feitos autônomos um do outro. Se se entender que se trata apenas de uma repartição de pedidos, sem divisão das ações em vários processos, continuando a existir apenas um procedimento, a lógica será tratar os “autos suplementares” (pro-cedimento de antecipação) como parte de um todo. Neste caso, teríamos apenas um processo, o que asseguraria o aproveitamento do depósito recursal que even-tualmente foi antecipado quando da interposição do recurso contra a decisão que julgou de forma parcial o mérito.

9. coNclusão

Para finalizar, podemos então concluir com as seguintes teses:

a) o julgamento antecipado parcial do processo, com ou sem resolução de méri-to, não é nenhuma novidade no direito processual civil brasileiro;

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meiReLes, Edilton. Julgamento antecipado parcial do mérito. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 133-146. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

b) a decisão que julga antecipadamente de forma parcial o mérito é, no conceito do Código de Processo Civil de 2015, definida como interlocutória (art. 203, § 2.º), mas tem natureza de sentença;

c) essa decisão é impugnável por agravo de instrumento, que, por sua vez, tem verdadeira natureza de apelação;

d) a este agravo de instrumento devem ser aplicadas todas as regras procedi-mentais que incidem sobre a apelação;

e) com o julgamento antecipado parcial de mérito o juiz estabelece verdadeira separação das ações reunidas no mesmo processo ou a divisão da ação quando se julga apenas uma parcela de um pedido;

f) o julgamento antecipado parcial de mérito é plenamente aplicável ao processo do trabalho;

g) no processo do trabalho, contra a decisão de primeiro grau que julga anteci-padamente de forma parcial o mérito, cabe recurso ordinário, incidindo as regras pertinentes, inclusive quanto à exigência do preparo.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• A fragmentação do julgamento do mérito no novo Código de Processo Civil, de Thiago Fer-

reira Siqueira – RePro 229/121-166 (DTR\2014\686); e

• A sentença parcial vista pelos tribunais e o reflexo do fracionamento do mérito no Antepro-jeto do novo Código de Processo Civil, de Paulo Gonçalves de Arruda – RePro 222/257-291 (DTR\2013\7232).

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cabRaL, Trícia Navarro Xavier. A improcedência liminar do pedido e o saneamento do processo. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 147-163. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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a imProcedência liminar do Pedido e o saneamenTo do Processo

the Dismissal of the preliminary orDer request anD process curative acts

TrÍcia navarro xavier cabral

Doutora em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito pela UFES. Membro-efetivo do IBDP. Juíza Estadual no Espírito Santo.

[email protected]

Recebido em: 02.09.2015 Aprovado em: 27.11.2015

área do direiTo: Processual

resumo: O presente estudo aborda a relação entre a improcedência liminar do pedido e os poderes do juiz, especialmente no que diz respeito à flexibili-zação do procedimento e à melhor solução para as hipóteses passíveis de resolução imediata, no iní-cio do processo. O tema passa pelo ato judicial de saneamento do processo, pelas questões de ordem pública, contraditório e procedimento.

Palavras-chave: Improcedência liminar – Sanea-mento – Poderes do juiz.

absTracT: The present study addresses the relationship between the dismissal of the preliminary order request and judiciary powers, especially with regard to the flexibility of the procedure and the best solution for the immediate resolution hypotheses, early in the process. The theme through the judicial curative acts, public order issues, contradictory and procedure.

KeyWords: Preliminary order dismissal – Curative acts – Judiciary power.

sumáRio: 1. Premissas ideológicas do Código de Processo Civil de 2015 – 2. A evolução legislativa da improcedência liminar do pedido – 3. O saneamento do processo – 4. Questões cognoscíveis do ofício – 5. O contraditório – 6. Breves considerações sobre o procedimento – 7. Conclusão – 8. Referências bibliográficas.

1. Premissas ideolóGicas do códiGo de Processo civil de 2015Passados mais de 40 anos de vigência do Código de Processo Civil de 1973 e

com o advento da Constituição de 1988, fez-se necessário redefinir a ideologia do processo civil e as regras de condutas procedimentais, adequando-as à atual reali-dade social e jurídica.

A Lei 13.105, de 16.03.2015, que institui o novo Código de Processo Civil, ten-ta resgatar um processo mais simples, flexível e com maior participação das partes no desenvolvimento do processo.

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Não obstante, o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao trazer logo no seu início, um rol de artigos relativos aos princípios e garantias do processo civil, exte-riorizando as premissas basilares que devem pautar o direito processual, todos, obviamente, frutos da ideologia constitucional que refletiu sobre a matéria após 1988. Os princípios fundamentais que devem ser observados pelos sujeitos proces-suais são: duração razoável do processo, boa-fé, cooperação, igualdade, ampla de-fesa, proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade, eficiência, contra-ditório, não surpresa e motivação das decisões.

Assim, mais do que inovação legislativa, o Código de Processo Civil de 2015 vem carregado de novos paradigmas valorativos, cuja absorção pelos operadores do direito será essencial para a adequada aplicação das técnicas processuais.

Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015 vem com o compromisso de resgatar a credibilidade do Poder Judiciário, solucionando o problema de morosi-dade nos julgamentos, democratizando o processo, melhorando o acesso à justiça, simplificação, aprimoramento das técnicas processuais e harmonização dos valores constitucionais da segurança jurídica e da efetividade.

Neste contexto, o Poder Judiciário brasileiro enfrenta o desafio de assimilar o novo formato legislativo e imprimir técnicas judiciais de gestão, especialmente em relação aos seus maiores gargalos: custo-lentidão-complexidade.

A gestão judicial é o conjunto de tarefas que garante o uso eficaz de recursos do Poder Judiciário visando uma prestação jurisdicional eficiente. Destarte, o modelo de juiz-gestor constitui um novo paradigma,1 já que essa postura otimiza o funcio-namento das unidades judiciárias, por meio de decisões racionais e fundamentadas que buscam a satisfação das necessidades dos jurisdicionados.

Para tanto, o juiz-gestor utiliza indicadores e metas de desempenho no exercício de sua profissão. Planos estratégicos e operacionais, bem como um efetivo acompa-nhamento e controle de gestão garantem a eficiência da prestação jurisdicional, especialmente em unidades judiciárias doentes.2

Em outros termos, a maior eficiência na gestão administrativa e na condução processual pode proporcionar a efetividade jurisdicional,3 eliminando, por conse-quência, a morosidade das ações judiciais e a baixa eficácia de suas decisões.

1. reis, Wanderlei José dos. Juiz-gestor: um novo paradigma. Disponível em: [www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=215]. Acesso em: 07.01.2015.

2. Idem, ibidem.

3. cahali, Cláudia Elisabete Schwerz. O gerenciamento de processos judiciais: em busca da efe-tividade da prestação jurisdicional (com remissões ao projeto do novo CPC). Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. (Coleção Andrea Proto Pisani, vol. 10).

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Essas técnicas governamentais devem ser conjugadas com os poderes e deveres do juiz no Código de Processo Civil de 2015. Isso porque a figura do juiz como legítimo representante estatal se revelou fundamental, sendo que a sua participação no processo como mero espectador cedeu lugar a uma conduta mais enérgica,4 imprimindo maior controle e atuação, bem como assegurando aos jurisdicionados um processo mais igualitário, justo e tempestivo.5

Registre-se que o Código de Processo Civil de 1973 – instituído em um contex-to constitucional e ideológico próprio –, bem como suas posteriores modificações, já confere aos juízes amplos poderes diretivos, probatórios e coercitivos, visando maior eficiência e efetividade na entrega da tutela jurisdicional. Porém, no Código de Processo Civil de 2015,6 os poderes do juiz foram ainda mais intensificados, possibilitando uma atuação positiva no desenvolvimento do processo.

4. “A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legis-lativo ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder Público, notada-mente em matéria de políticas públicas.” Barroso, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado – RDE. vol. 13. p. 77. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar. 2009.

5. Sobre o papel ativo no juiz na “aceleração do processo”, ver: Baur, Fritz. O papel ativo do juiz. Revista de Processo. ano 7. vol. 27. p. 186-189. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 1982.

6. “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento; II – velar pela duração razoável do processo; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postu-

lações meramente protelatórias; IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias

necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que te-nham por objeto prestação pecuniária;

V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;

VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, ade-quando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;

VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;

VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri--las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;

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Com efeito, a Comissão de Juristas quis ir além, para dotar os juízes de amplos poderes gerenciais do processo, autorizando, inclusive, adaptações procedimentais ainda pouco experimentadas.7

E entre os mecanismos processuais colocados à disposição do magistrado para gerir o procedimento está a possibilidade de julgamento liminar de improcedência do pedido, que permite encerrar a relação jurídica processual ainda em seu estágio inicial, nos casos em que a lei especifica.

2. a evolução leGislaTiva da imProcedêNcia limiNar do Pedido

A Lei 11.277, de 07.02.2006, introduziu o art. 285-A ao Código de Processo Civil, prevendo a possibilidade de julgamento de improcedência pelo juiz antes da citação do réu. Assim, compete ao magistrado, após exercer o juízo de admissibili-dade da petição inicial, verificar a possibilidade de julgamento liminar de improce-dência, de acordo com o estado do processo.

O dispositivo legal previu como requisitos de aplicação da técnica processual: (a) matéria controvertida unicamente de direito; (b) haver sentença de total impro-cedência em casos idênticos; (c) haver sentenças de improcedência proferidas em outros casos idênticos; e (d) sentenças proferidas pelo mesmo juízo.8

Ademais, embora o art. 285-A não mencione a necessidade de o julgamento ter que seguir o entendimento dos tribunais superiores, a orientação doutrinária é no sentido de que o mecanismo exige que a sentença esteja em conformidade com os órgãos hierarquicamente superiores.

IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros ví-cios processuais;

X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se refe-rem o art. 5.º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei 8.078, de 11 de se-tembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.

Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.”

7. Segundo Barbosa Moreira, os poderes do juiz servem de instrumento para a boa prestação jurisdicional, mas é a quantidade e a qualidade de sua atuação que dirão se contribuíram para a efetividade do processo, objetivo de toda reforma. BarBosa Moreira, José Carlos. Reformas processuais e poderes do juiz. Revista da Emerj. vol. 6. n. 22. Rio de Janeiro: Emerj, 2003.

8. Abordando as controvérsias sobre o tema: BühriNG, Marcia Andrea; castaldello, Janaine Longui. O artigo 285-A do CPC e a discussão acerca da constitucionalidade da norma (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3695-5). Disponível em: [www.reajdd.com.br/html/ed3-9.pdf]. Acesso em: 29.04.2015.

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Diante das divergências sobre a aplicação dessa técnica processual, seu aprovei-tamento prático como meio hábil de racionalizar o procedimento foi comprometi-do, não tendo havido uma utilização sistemática pelos magistrados.

No novo Código de Processo Civil algumas distorções foram corrigidas e a fer-ramenta do julgamento liminar de improcedência foi reconfigurada, com a finali-dade de estancar as dificuldades inicialmente detectadas.

Com efeito, logo no primeiro projeto de novo Código de Processo Civil, o PLS 166/2010, o instituto do julgamento liminar de improcedência teve seu conteúdo substancialmente alterado, o que se manteve – com algumas poucas modificações redacionais e materiais – tanto no Projeto 8.046/2010 da Câmara dos Deputados, como na versão final do Senado, que deu origem à Lei 13.105/2015.9

Fazendo uma análise comparativa das principais modificações, pode-se citar: (a) passou de uma atividade facultativa para ser um dever do juiz; (b) o critério legislativo de aplicação deixou de ser a existência de matéria unicamente de direito e passou a ser as causas que dispensam a fase instrutória; (c) foi retirada a exigência de outros julgados no mesmo juízo; (d) o requisito legal passou a ser somente a existência de entendimentos firmados pelos tribunais hierarquicamente superiores;10 (e) houve previsão expressa aos casos de prescrição e decadência; e (f) no aspecto procedimental, em caso de não haver retratação, o réu deverá ser intimado do trân-sito em julgado da decisão.

9. “Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da cita-ção do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de as-

sunção de competência; IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. § 1.o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde

logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição. § 2.o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença,

nos termos do art. 241. § 3.o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias. § 4.o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação

do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrar-razões, no prazo de 15 (quinze) dias.”

10. theodoro Jr., Humberto; NuNes, Dierle; Bahia, Alexandre Melo Franco; PedroN, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização (Lei 13.105, de 16.03.2015). 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 363.

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Verifica-se, pois, que as alterações foram fruto do acolhimento da interpretação que vinha sendo dada pela doutrina e jurisprudência sobre o tema, eliminando-se as controvérsias iniciais do art. 285-A do CPC/1973.

Ademais, consolidou-se o posicionamento de que a finalidade do instituto é, além de servir de técnica eficiente de julgamento, também uniformizar os entendi-mentos judiciais, inibindo desde logo a proliferação de ações em massa e a existên-cia de decisões diferentes sobre tema já consolidado.

3. o saNeameNTo do Processo

O processo contemporâneo utiliza as formas e formalidades a seu favor, e o con-trole precoce dos atos deve servir para tentar salvar o processo e não para invalidá--lo. Como se vê, à ideologia do processo foram agregados os valores da efetividade11 e da duração razoável.12

Com efeito, é consequência lógica da jurisdição proporcionar uma resposta de mérito aos jurisdicionados e não virar refém das regras de processo, de modo que eventuais defeitos processuais devem ser corrigidos sempre que possível, e o quan-to antes, a fim de que o processo possa ter seu regular e tempestivo desfecho.

Para tanto, o juiz deve se valer do saneamento do processo,13 feito por meio do juízo de admissibilidade dos atos processuais e também do procedimento como um

11. Dispondo sobre o que seria um “programa básico” da campanha em prol da efetividade, ver: BarBosa Moreira, José Carlos. Efetividade do processo e técnica processual. Temas de direito processual: sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 17-29.

12. “Certo, non è mia intenzione assumere una prospettiva unilateral eche, per ciò solo, risul-te rebbeins od disfacente. Il principio di ragionevole durata non opera in modo isolato, manel quadro constituzional ed iun processo giusto (e quindi, com lacorretta applicazione del diritto), svolto nel pienori spetto del contraddittorio, governato da un giudice terzo ed imparziale. Non si tratta neppure di svuotare la regola iura novi tcuria, quasi imponendo alle cortidi di menticare le norme, pur di arrivare a decidere presto. Il punto è invece quello di una ragione vole selezione dei tempi e deu momenti di intervento officioso del giudice nel sollevarele questioni e dicostruire una corretta policy che tenga conto delle esigenze complessive del sistema. Se il rilievo d´ufficio di questioni di diritto sostanziale è inelubibile, perché collegato strutturalmente alla giustizia della decisione di merito, diver-so mi sembral´atteggiamento che il giudice deve tenere nell´apllicare le regole del gioco, vale a dire le disposizioni processuali.” Biavati, Paolo. Appunti sulla struttura dela decisio-ne e l’ordine dele questioni. Revista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. anno LXIII. n. 1. p. 1322. Milano: Giuffrè, mar. 2009.

13. Galeno Lacerda atribui a José Alberto dos Reis a sistematização do saneador (lacerda, Galeno. Despacho saneador. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 1985. p. 40). Ainda sobre a sua origem: “Em sua origem clássica, sob o pálio do Código de Processo Civil português, o despacho saneador surgiu, inicialmente, no Decreto-Lei 960, de 17.12.1938, sem o nomen iuris − anterior ao Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-

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todo, eliminando vícios, irregularidades ou nulidades processuais e preparar o pro-cesso para receber a sentença.14

Em outros termos, a ideia de que o saneamento15 do processo só se inicia após o contraditório e subsiste somente até a fase instrutória não se confirma, uma vez que a referida providência do juiz ocorre em diversos momentos do processo, desde a inicial, e independe da citação do réu.

Destarte, o juízo de admissibilidade é ato cognitivo e tem como conteúdo a aná-lise da regularidade formal e material do processo.16 Trata-se de provimento juris-dicional de cunho decisório, que visa: (a) declarar a regularidade do processo; (b) determinar a correção de defeitos sanáveis; ou (c) desconstituir a relação jurídica processual diante da existência de vícios insanáveis ou questões prejudiciais.17

Por sua vez, a cognição do juiz pode se dar em relação à admissibilidade do processo ou então ao seu mérito. Assim, compete ao juiz da causa o exercício do juízo de admissibilidade das questões que surgem durante o procedimento, resol-vendo-as tempestivamente para que se possa alcançar o provimento de mérito.

Dessa forma, em regra, o juízo de admissibilidade se inicia com os pressupostos processuais, passando pelas condições da ação, prosseguindo pelas prejudiciais de mérito, até se chegar ao exame do mérito propriamente dito.

Não obstante, ele pode envolver questões de fato ou de direito, prévias ou de fundo, processuais ou materiais, capazes de comprometer ou impedir o alcance de

-Lei 1.608, de 18.09.1939, com vigência a partir de 01.03.1940)” (MeNdoNça liMa, Alcides de. Do saneamento do processo. In: oliveira, Carlos Alberto Álvaro de (org.). Saneamento do processo: estudos em homenagem ao professor Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 1989 p. 62).

14. “Podemos conceituar o despacho saneador como a decisão proferida logo após a fase pos-tulatória, na qual o juiz, examinando a legitimidade da relação processual, nega ou admite a continuação do processo ou da ação, dispondo, se necessário, sobre a correção dos vícios sanáveis.” lacerda, Galeno. Op. cit., p. 7.

15. “Contudo, a unidade era mantida do ponto de vista teleológico. Por maior que fosse o desdobramento, o despacho saneador era considerado um só por ficção. Sua finalidade era, como o nome estava a indicar, SANEAR, equivalente a ‘curar, sarar, sanar: sanear enfermos’ (Novo Dicionário Aurélio), empregado, no processo, em acepção fictícia, em relação aos atos irregulares que precisam ser sarados, para normalização dos autos, não maculando a sentença, ponto culminante da luta judiciária.” MeNdoNça liMa, Alcides de. Op. cit., p. 61.

16. Sobre os efeitos do saneador: “Provoca, portanto, a concentração do material de conheci-mento neste ato do processo, e habilita o juiz a dirigi-lo com perfeito domínio da causa, o que, sem dúvida, representa para a sentença uma garantia de segurança e de justiça” (lacerda, Galeno. Op. cit., p. 178).

17. “Concluindo, portanto, a análise da natureza jurídica do despacho saneador, devemos con-siderá-lo uma provisão jurisdicional declaratória, a respeito da legitimidade da relação pro-cessual. Assumirá também constitutiva se modificar ou extinguir essa relação.” Idem, p. 106.

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um pronunciamento judicial meritório. Além disso, o sistema processual brasileiro estabelece técnicas quanto à ordem cronológica de enfrentamento das questões previas,18 como forma de superar gradativamente as etapas, de acordo com a preju-dicialidade da questão para o processo, garantindo que seja feito um saneamento progressivo, de acordo com a finalidade da matéria para a cadeia procedimental.19

Com isso tem-se a ordem pública processual, entendida como técnica de con-trole adequado e tempestivo das irregularidades e do desenvolvimento do processo, que tem o juiz como seu principal protagonista. Assim, com base no dever de dire-ção do processo, o magistrado tem de atentar para a existência de obstáculos que possam macular o ato ou o procedimento, para afastá-los o quanto antes do proces-so, permitindo a entrega integral da tutela jurisdicional.

De qualquer modo, observa-se que, na prática forense, seja por impossibilidade ou por incapacidade técnica, os juízes acabam prorrogando a análise da regularidade do processo, permitindo que ele caminhe por diversas fases sem o adequado e ne-cessário controle, o que muitas vezes pode acarratar desperdício de tempo de todos os envolvidos, aumento de custos e insatisfação dos juridicionados, comprometen-do, inclusive, a credibilidade do Poder Judiciário.

E no caso do julgamento liminar de improcedência, o juiz deve fazer uma aná-lise da admissibilidade da petição inicial em relação ao preenchimento dos requisi-tos processuais previstos em lei. Superada essa fase, o juiz está autorizado a verifi-car a regularidade da questão de fundo, conforme os critérios objetivos estabeleci-dos no art. 332 do CPC/2015.

Portanto, o reconhecimento de uma hipótese de julgamento liminar de impro-cedência é fruto de um saneamento mais completo do processo que implica um juízo negativo de admissibilidade da petição inicial, por meio de um pronuncia-mento de natureza meritória.

4. quesTões coGNoscíveis do oFício

Conforme mencionado, o juízo de admissibilidade da petição inicial começa com a análise: (a) do preenchimento dos requisitos estabelecidos no Código de Processo Civil; (b) da adequação do procedimento escolhido; e (c) da presença de

18. Analisando a ordem de enfrentamento das questões processuais, ver: BarBosa Moreira, José Carlos. Aspectos da “extinção do processo” conforme o art. 329 CPC. Temas de direito processual: quinta série. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 85-94.

19. Ao tratar das questões prejudiciais e preliminares, Barbosa Moreira adverte que o critério para distingui-las deve repousar no tipo de relação existente entre a questão prioritária e a que dela depende (BarBosa Moreira, José Carlos. Questões prejudiciais e questões prelimi-nares. Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 88-89).

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cabRaL, Trícia Navarro Xavier. A improcedência liminar do pedido e o saneamento do processo. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 147-163. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

outros pressupostos de validade e desenvolvimento do processo. Em caso negativo, oportunizará a emenda à inicial para suprir as irregularidades ou ausências, sob pena de indeferimento da petição inicial.

Além dessas hipóteses, o Código de Processo Civil admite a verificação de pla-no, e antes da citação do réu, de outras circunstâncias capazes de inviabilizar o prosseguimento do feito: a existência de requisitos autorizativos do julgamento li-minar de improcedência do pedido autoral.

No Código de Processo Civil de 1973, os requisitos para o julgamento liminar de improcedência eram os estabelecidos no art. 285-A;20 já no Código de Proces-so Civil de 2015, houve uma alteração substancial do instituto, que passou a exigir apenas a existência de entendimentos firmados pelos tribunais hierarqui-camente superiores (art. 332 e seus incisos), e a ocorrência de decadência e pres-crição (art. 332, § 1.º).

Nota-se que são questões que, por força legal, passaram a ser cognoscíveis de ofício, ensejando o julgamento liminar de improcedência do pedido inicial, com resolução do mérito.

A pergunta é: tais situações passaram a ser qualificadas como questões de ordem pública? A resposta é negativa.

Isso porque as questões de ordem pública são aquelas cujo interesse público envolvido é elevado a ponto de justificar uma intervenção corretiva do juiz, em nome da boa administração da justiça.21 Contudo, a relação entre a questão de or-

20. “Sucede que também é possível o indeferimento da petição inicial com julgamento de mérito. O magistrado, liminarmente, reconhece a improcedência do pedido e não admite sequer a citação do réu, ato que se revela desnecessário ante a macroscópica impertinência do pedido. Trata-se de decisão que analisa o mérito da causa, apta, portanto, a ficar impu-ne pela coisa julgada. Exemplo que se encontra no direito positivo e o do reconhecimento ex officio da decadência legal (art. 210 do CC/2002) e da prescrição em favor de incapaz (art. 194 do CC/2002). O art. 295, IV, do CPC é claro ao admitir o indeferimento da peti-ção inicial pelo reconhecimento da decadência ou da prescrição, situações que, por força do art. 269, IV, do CPC, importam resolução do mérito da causa. Há aqui, de fato, certa antinomia entre esses dispositivos e o art. 267, I, que prescreve o indeferimento da petição inicial como hipótese de decisão sem exame de mérito. Prevalece, no entanto, a regra: o reconhecimento da prescrição e da decadência é análise de mérito, mesmo que tenha sido feito liminarmente.” didier Jr., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 304.

21. “A questo proposito (e ripetendo ciò che rammentavo in un incontro di studi, in questa medesima sede, pochi mesi da), è sempre utileri leggerel´art. 1 delle Civil procedure rules inglesi del 1998, che ricorda come il giudice deve governare il processo in modo da ‘deal with cases justly’. È forse questa la chiave per passare da in approcciodi rigorosa logica giuridica, ad in altro diverso, che, senza negare le norme, ante pongalo scopo di offrire ai cittadini inagiustizia credibile.” Biavati, Paolo. Op. cit., p. 1323.

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dem pública e a atividade de cognição de ofício pelo juiz nem sempre se confirma e não devem ser confundidas.22

Com efeito, as questões cognoscíveis de ofício, embora geralmente apresentem boa dose de interesse público, podem ser criadas para atender à política legislativa ou judiciária, não se identificando, necessariamente, como o conteúdo e densidade das questões ou matérias afetas à ordem pública processual ou material.

Dessa forma, uma matéria que hoje é tratada como direito disponível pode ama-nhã passar a integrar o rol de questões cognoscíveis de ofício, o que não terá o condão de transformá-la em uma questão de ordem pública, mas apenas de permi-tir que em relação à mesma o magistrado dê um tratamento jurídico diferenciado.

Um exemplo disso foi o que ocorreu com a prescrição, que antes constituía ma-téria que dependia de arguição pela parte interessada e que com o Código Civil de 2002 passou a poder ser conhecida de ofício. Ora, esse poder cognitivo dado ao juiz em razão de política legislativa não tornou a prescrição uma questão de ordem pú-blica, ou seja, aquela em que há um efetivo comprometimento do desenvolvimento do processo. E tanto é assim que ainda cabe a renúncia, embora ela passasse a ser inserida em um regime jurídico processual próprio.

Registre-se que essa maleabilidade política em relação à abrangência de situa-ções cognoscíveis de ofício, apesar de sugerir aparente insegurança jurídica, na verdade modela o sistema processual de acordo com as novas tendências e necessi-dades sociais, sendo, pois, relevante para o bom funcionamento da justiça.23

Nesse passo, as modernas técnicas de efetividade decorrentes da evolução do próprio direito processual, o poder criativo do juiz para adequar o princípio da

22. “Nessa perspectiva, a cognição sobre questões de ordem pública e a cognição que o magis-trado pode realizar por ato espontâneo configuram fenômenos diferentes. Se é fato que as matérias de ordem pública podem ser examinadas de ofício, o inverso não se verifica, ao contrário. Muito poucas das atividades que se realizam de ofício possuem traços próprios da ordem pública. Ser ou não apreciada de ofício, ao que tudo indica, decorre exclusiva-mente de política legislativa, eis que a grande variedade destas hipóteses nem sequer apresenta traços comuns, que permitam extrair razões desta classificação.” aPriGliaNo, Ricardo de Carvalho. Ordem pública e processo: o tratamento das questões de ordem pública no direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2011. p. 114-115 (Coleção Atlas de Processo Civil. – coord. Carlos Alberto Carmona).

23. “En trambe le pronuncecitate all´inizio di questo studio contemplano la necessità di circo scrivere i poteri ufficiosi del giudice in materia di giurisdizione in applicazione della rego-la del precetto constituzionale della ‘ragionevole durata del processo’ di cui all´art. 111 cost., ritenendo quest´ultimo prevalente anche sugli altri precetti constituzionali che pos-sano occasionarela pronuncia d´illegittimità da parte del giudice delle leggi riguardo all enorme sulla giurisdizione (arg., in ispecie, dagli artt. 25 e 102 cost.).” Barletta, Antonino. I limiti al rilievo d’ufficio del difetto di giurisdizione. Revista Trimestrale di Diritto e Proce-dura Civile. anno LXIII. n. 1, p. 1197. Milano: Giuffrè, mar. 2009.

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instrumentalidade às particularidades do caso concreto e ainda as modificações legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias são fatores que servem para oxigenar a ciência processual, permitindo a sua constante adaptação e atualização aos anseios sociais e jurídicos.

Frise-se, mais uma vez, que o poder de cognição de ofício de certas matérias pelo juiz não se confunde com as questões de ordem pública processual e não transforma estas últimas naquelas.

Portanto, no contexto apresentado, o julgamento liminar de improcedência pas-sa a configurar um mecanismo eficaz de racionamento e aceleração do processo, por meio do reconhecimento de questões que a lei deu status de cognoscíveis de ofício e que ensejam uma resolução do mérito favorável ao réu.

5. o coNTradiTório

A discussão a respeito da constitucionalidade do julgamento liminar de impro-cedência, já superada na ADIn 3695-5, demanda novas controvérsias à luz do novo Código de Processo Civil, em especial sobre o contraditório.

Com efeito, o julgamento liminar de improcedência tem gerado dois questiona-mentos em relação ao contraditório: (a) se o juiz deve comunicar ao autor a iden-tificação de questões que levem ao julgamento liminar de improcedência dando-lhe a oportunidade de manifestação; (b) se o réu deve ser citado antes desta decisão de mérito para que possa lançar suas considerações sobre o tema.

Isso porque o Código de Processo Civil de 2015 é ainda mais exigente em rela-ção à necessidade de observância do contraditório, estabelecendo diretrizes já no capítulo inicial que trata das normas fundamentais do processo civil, sobretudo nos arts. 7.º,24 9.º25 e 10.26

Por sua vez, há outros princípios de igual relevância que devem ser sopesados para a aplicação da técnica processual em comento, que são o da razoável duração

24. “Art. 7.o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de san-ções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”

25. “Art. 9.o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701.”

26. “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

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do processo e primazia da resolução do mérito (art. 4.º),27 o da boa-fé (art. 5.º),28 o da proporcionalidade e da eficiência (art. 8.º).29

Assim, a conjugação desses valores será importante para se definir o tratamento processual mais adequado ao julgamento liminar de improcedência do pedido.

De toda sorte, em relação ao autor, o juiz deve lhe conceder a oportunidade de se manifestar antes da decisão que fulmina o processo com resolução do mérito, atendendo-se à premissa de que mesmo as matérias sobre as quais o juiz deve deci-dir de ofício estão sujeitas ao contraditório, evitando-se decisões surpresa e chan-ces de recursos.30

Contudo, em relação ao réu, deve permanecer a dispensa de citação, como já era previsto no art. 285-A do CPC, caso a matéria se enquadre no referido rol legal, sob a justificativa de que a citação seria ato incapaz de alterar o entendimento do juízo e que só concorreria para atrasar uma solução já sedimentada, sem prejuízo de que, caso o autor apresente apelação, o réu seja citado para ingressar na relação proces-sual e apresentar a sua manifestação sobre o assunto.

Verifica-se, pois, que a técnica traz a possibilidade de se proferir uma decisão a favor do réu, sem que o mesmo sequer precise ingressar na relação jurídica proces-sual, em nome da racionalidade do procedimento e dos princípios da razoável du-ração do processo e da efetividade.

Com isso, valoriza-se apenas o contraditório útil, como aquele que efetivamente tem o condão de influir na decisão judicial.31

6. breves coNsiderações sobre o ProcedimeNTo

O julgamento liminar de improcedência é fruto da evolução da flexibilização do procedimento32 que o nosso ordenamento vem experimentando nos últimos anos,

27. “Art. 4.o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

28. “Art. 5.o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”

29. “Art. 8.o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

30. Nesse sentido: theodoro Jr., Humberto; NuNes, Dierle; Bahia, Alexandre Melo Franco; PedroN, Flávio Quinaud. Op. cit., p. 363.

31. Nesse sentido: castro, Renato. Julgamentos liminares de improcedência. Rio de Janeiro: GZ, 2012. p. 144.

32. O presente estudo está disponível em: caBral, Trícia Navarro Xavier. Flexibilização proce-dimental. Revista Eletrônica de Direito Processual (REDP). ano 4. vol. 6. p. 135-164. 2010.

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159Processo de conhecimento

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sendo que o Código de Processo Civil de 2015 reforça em diversos momentos essa possibilidade, de variadas formas, visando à efetividade da atividade jurisdicional.33

A flexibilização do procedimento não é novidade no Brasil, e se manifesta em fenômenos denominados de: (a) princípio da conversão: se revela no sentido de troca, substituição; (b) princípio da fungibilidade: no sentido de escolha; (c) prin-cípio da adaptação, no sentido de elasticidade ou de aproveitamento do meio como se fosse o mais correto; e (d) princípio do aproveitamento. Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 inova a trazer mais duas ferramentas: as convenções proces-suais e o calendário processual.

Como se vê, a variação do procedimento admite diferentes formatos, podendo ser classificada em quatro categorias:34 (a) por imposição legal; (b) por ato judicial; (c) por ato conjunto das partes e do juiz; e (d) por atos de disposição das partes.35

Assim, a interrupção do curso procedimental pela resolução antecipada do pe-dido se enquadra na espécie de flexibilização em que o juiz é autorizado por lei a assim proceder, nas hipóteses objetivas estabelecidas no art. 332.

33. Fernando Gajardoni justifica as hipóteses de maleabilidade das formas do processo civil bra-sileiro, em razão de dois princípios, a saber: (a) princípio da adequação, que é “a imposição dirigida ao legislador federal e estadual para que construa modelos procedimentais aptos para a tutela especial de certas partes ou do direito material”; e (b) princípio da adaptabi-lidade (ou da elasticidade processual), para designar “a atividade do juiz de flexibilizar o procedimento inadequado ou de reduzida utilidade para melhor atendimento das pecu-liaridades da causa”. Acrescenta o autor que a flexibilização do procedimento “é condição inexorável da aplicação do princípio da adaptabilidade”, bem como que ambos os princípios “se operam do ponto de vista subjetivo (das partes) ou objetivo (direito material)” (GaJardoNi, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do proce-dimento em matéria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC. São Paulo: Atlas, 2008. p. 134-135 (Coleção Atlas de Processo Civil – coord. Carlos Alberto Carmona)).

34. Diogo Almeida também defende a existência de variados sistemas de flexibilização, a sa-ber: (a) por procedimento livre; (b) por procedimento opcional; (c) por procedimento em calendário; (d) por procedimento legal adaptável. Conclui que a hipótese de flexibilização por convenção processual entre as partes seria um quinto modelo que denomina de flexi-bilização por procedimento convencional. (alMeida, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Tese (Doutorado em Direito). Rio de Janeiro, Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro, 2014. p. 44, 247 p.).

35. Já Fernando Gajardoni classifica os sistemas de flexibilização procedimental em: 1. flexi-bilização por força de lei, subdividido em (a) flexibilidade procedimental legal genérica e (b) flexibilidade procedimental legal alternativa; 2. flexibilização procedimental judicial; e 3. flexibilização procedimental voluntária das regras de procedimento. E assevera: “Por vinculado ao sistema da legalidade das formas, nosso país se filiou, preponderantemente, ao primeiro regime de flexibilização procedimental, com ampla incidência do modelo legal de tramitações procedimentais alternativas em detrimento do modelo legal genérico de flexibilização” (GaJardoNi, Fernando da Fonseca. Op. cit., p. 138-139).

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Destarte, pelo novo Código, ao realizar o juízo de admissibilidade da petição inicial e, inexistindo questões processuais comprometedoras, como é caso da in-competência do juízo, o juiz, verificando que a causa dispensa a fase instrutória e identificando as situações previstas no art. 332, deverá oportunizar ao autor a ma-nifestação nos autos para que possa demonstrar o possível distinguishing do seu caso em relação à tese estabilizada.

Sendo o caso de se julgar liminarmente improcedente o pedido, o autor poderá apelar, momento em que o juiz terá a oportunidade de se retratar em cinco dias. Com a retratação, o processo prossegue em seu fluxo, com a citação do réu; se o juiz não se retratar o réu será citado para apresentar as contrarrazões, em 15 dias.

Por sua vez, se o autor não interpuser a apelação, o réu deverá ser intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241. Trata-se de importante novidade do novo Código, já que, pela sistemática atual, essa comunicação era dispensada, fazendo com que a parte que teve sua esfera jurídica beneficiada por provimento judicial ficasse sem ter conhecimento deste fato.

Ainda a respeito do tema, merece ser observada a regra sobre a fundamentação das decisões, pois impõe ao juiz a apreciação de todos os argumentos levantados no processo, sob pena de nulidade. Com efeito, o § 1.º do art. 489 estabeleceu requisi-tos objetivos para a fundamentação de qualquer decisão judicial (interlocutória, sentença ou acórdão) que são: (a) abordar todas as questões de fato e de direito; (b) explicar a indicação do ato normativo; (c) explicar o motivo da aplicação de con-ceito jurídico indeterminado; (d) impossibilidade de ser genérica ou padrão; (e) enfrentar todos os argumentos capazes de influenciar a convicção do julgador; (f) identificar fundamentos que adaptem o caso ao enunciado de súmula ou preceden-te; (g) ao deixar de aplicar enunciado de súmula ou jurisprudência alegada deve mostrar a distinção ou a superação do entendimento.

Já o § 2.º prevê que, em caso de colisão de normas, deve o juiz indicar objeto e critérios da ponderação, tanto para afastar quanto para acolher a norma. Por sua vez, o § 3.º estabeleceu a boa-fé como critério de interpretação da decisão.

Ressalte-se, por fim, que o art. 12 do CPC/2015,36 ao estabelecer a ordem crono-lógica de julgamento dos processos conclusos, dando-se, inclusive, publicidade às listas formadas, exclui, expressamente da regra, os casos de sentenças de improce-

36. “Art. 12. Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

§ 1.º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores.

§ 2.º Estão excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência

liminar do pedido;

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dência liminar do pedido (§ 2.º, I), reforçando o intuito do legislador em incentivar a utilização dessa técnica processual, em prol da efetividade do processo.37

7. coNclusão

O Código de Processo Civil de 2015 ampliou as ferramentas processuais e de controle do juiz para tentar otimizar o procedimento, em busca de pronunciamen-tos eficientes, rápidos e justos, visando obter a tutela do direito de modo integral, satisfatório e efetivo, sobretudo em momentos precoces, como quando do juízo de admissibilidade da petição inicial.

II – o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julga-mento de casos repetitivos;

III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repe-titivas;

IV – as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932; V – o julgamento de embargos de declaração; VI – o julgamento de agravo interno; VII – as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça; VIII – os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal; IX – a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão funda-

mentada. § 3.º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-á a ordem cronológica das conclusões

entre as preferências legais. § 4.º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1.º, o requerimento formulado

pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reaber-tura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência.

§ 5.º Decidido o requerimento previsto no § 4.º, o processo retornará à mesma posição em que anteriormente se encontrava na lista.

§ 6.º Ocupará o primeiro lugar na lista prevista no § 1.º ou, conforme o caso, no § 3.º, o processo que:

I – tiver sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução;

II – se enquadrar na hipótese do art. 1.040, inciso II.”

37. “Nessa visão do direito processual, em que a preocupação fundamental é com os resulta-dos a serem produzidos de maneira eficaz e efetiva no plano material, assume enorme importância o princípio da adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa, tam-bém denominado de princípio da elasticidade processual. Trata-se da concepção de um modelo procedimental flexível, passível de adaptação às circunstâncias apresentadas pela relação substancial. Não se admite mais o procedimento único, rígido, sem possibilidade de adequação às exigências do caso concreto. Muitas vezes a maior ou menor complexidade do litígio exige sejam tomadas providências diferentes, a fim de se obter o resultado do processo.” Bedaque, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito mate-rial sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 68-69.

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162 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

cabRaL, Trícia Navarro Xavier. A improcedência liminar do pedido e o saneamento do processo. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 147-163. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Para tanto, foram previstas algumas formas de flexibilização do procedimento que dão nova roupagem à concepção de previsibilidade e de devido processo legal, fazendo-se necessário dimensionar o modo e as consequências resultantes da utili-zação das variações procedimentais destinadas à prestação adequada da tutela ju-risdicional, de acordo com os escopos da jurisdição.

E para equilibrar o princípio da efetividade, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece algumas garantias processuais, como a necessidade de contraditório e de exaustiva fundamentação das decisões judiciais, conferindo, assim, a necessária segurança jurídica aos jurisdicionados.

Neste contexto, o julgamento liminar de improcedência, entendido como técni-ca processual capaz de racionalizar o processo, pode se tornar relevante ferramenta judicial, mas desde que observadas normas que assegurem ao instituto a sua devida legitimidade.

8. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Improcedência liminar no novo Código de Processo Civil: contraditório prévio para o autor?,

de Silas Silva Santos – RePro 249/187-199 (DTR\2015\16573); e

• Sentença liminar de improcedência e a dupla conformidade, de Laércio Franco Junior – RT 944/213 (DTR\2014\2124).

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Tutela Executiva

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baLzaNo, Felice. A penhora on line e o prazo dos embargos de terceiro. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 167-205. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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a Penhora on line e o Prazo dos embargos de Terceiro

online attachment anD the DeaDline of thirD-party intervention

felice balzano

Especialista, Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil, pela PUC-SP. [email protected]

Recebido em: 19.10.2015 Aprovado em: 25.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: Vivemos um período de transição, com o pe-ríodo final de vigência do Código de Processo Civil de 1973, e a vacatio legis da Lei 13.105/2015 – o novo Código de Processo Civil –, que se tornará vigente em março deste ano. Considerando este cenário, o presente estudo tem por escopo traçar um panora-ma dogmático, doutrinário e jurisprudencial acerca da penhora, particularmente em relação àquela feita eletronicamente pelo juiz, sobre dinheiro – a deno-minada penhora on line, culminando pela abordagem do prazo para a propositura de embargos de terceiro, carente de regulamentação legislativa tanto no Códi-go vigente quanto no novel Código de Processo Civil.

Palavras-chave: Penhora – Dinheiro – Sistema Ba-cen-Jud – Doutrina – Jurisprudência – Prazo – De-vido processo legal.

absTracT: We live in a transition period, with the final period of the CPC/73 and the vacatio legis of the new Civil Procedure Code Law 13105/2015, which was enacted in March 2015 and will enter into force in March 2016. Considering this scenario, this study aims at giving a dogmatic, doctrinal and jurisprudential overview on the attachment about money, particularly regarding the electronic attachment carried out by the judge – the so-called online attachment –, culminating by the approach on the deadline for bringing embargoes to third parties, lacking legislative regulations both in the current code and in the Civil Procedure Code.

KeyWords: Attachment – money – Bacenjud System – Doctrine – Jurisprudence – Deadline – Due process of law.

sumáRio: 1. O dinheiro como objeto de preferência no rol de bens penhoráveis – 2. A penhora on line – 3. O credor com garantia real – 4. A penhora on line de conta-corrente conjunta – 5. A de-fesa do executado na penhora on line – 6. O adequado instrumento de defesa – 7. O prazo para a propositura dos embargos de terceiro quando a constrição incidir sobre dinheiro – 8. A oposição dos embargos de terceiro pela própria parte – 9. Conclusão –10. Referências bibliográficas.

1. o diNheiro como obJeTo de PreFerêNcia No rol de beNs PeNhorÁveis

É tarefa do Estado-juiz, a quem compete o monopólio da atividade jurisdicional executiva, fazer valer, efetivar, tornar realidade os comandos normativos positiva-

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dos no ordenamento jurídico do país. Trata-se de regra elementar do direito, ins-culpida no preâmbulo da Constituição Federal, para quem o Estado Democrático se destina a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”. O Estado tem o dever constitucional de modificar o mundo empírico e realizar o direito material por ele reconhecido no exercício da atividade jurisdicional.

Corolário disso é que, uma vez constituído o título executivo – judicialmente, como resultado da atividade jurisdicional de reconhecimento do direito, ou extra-judicialmente, por imperativo legal –, o titular do direito tem o alcance a um acervo de meios legalmente previstos, tendentes a realizar o bem da vida cristalizado no tí-tulo executivo, ainda que sem a participação do executado.

A tutela jurisdicional condenatória, derivada do conflito originado pelo des-cumprimento de uma obrigação pecuniária reconhecida no título (crise de adimplemento),1 tem por único objeto o dinheiro. Segundo Enrico Tullio Liebman, a execução desenvolve-se com “as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra (regra jurídica concreta que deve regular o caso), para mo-dificar os fatos da realidade de modo a que se realize a coincidência entre a regra e os fatos”.2

Instaurado o processo de execução e iniciada a atuação de medidas coercitivas, o responsável pela obrigação permanece em um estado de sujeição, o que significa que seus bens poderão ser judicialmente constritos sem que haja a possibilidade deste de impedir essa atuação impositiva. No caso, o Estado, ordinariamente, sub-trai o bem da esfera jurídica do devedor ou do responsável secundário, aliena-o em procedimento licitatório e entrega o produto obtido no certame ao credor a fim de satisfazer-se.3

Trata-se de uma decorrência do princípio da patrimonialidade, segundo o qual aquele que sofre os efeitos da força expropriatória do Estado somente responde pela mesma com seus bens e direitos que possam ser legitimamente transformados em dinheiro.

1. “Conflito, assim entendido, é a situação existente entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizada pela pretensão a um bem ou situação da vida e impossibilidade de obtê-lo – seja porque negada por quem poderia dá-lo, seja porque a lei impõe que só possa ser obti-do por via judicial. Essa situação recebe tal denominação porque significa sempre o cho-que entre dois ou mais sujeitos, como causa da necessidade do uso do processo.” diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. vol. 1, p. 120-121.

2. lieBMaN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3. ed. Trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 37.

3. MediNa, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/73. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1.103.

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Relativamente ao descumprimento de uma obrigação de pagar quantia líquida e certa, a plena satisfação do direito depende, necessariamente, da realização de exe-cução forçada. Via de regra, ninguém será detido por dívida inadimplida – exceto nos casos de descumprimento de obrigação alimentar (CPC, art. 733, § 1.º; NCPC, art. 528, § 3.º) –; a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor a fim de satisfazer o crédito exequendo (CPC, arts. 646 e 475-I; NCPC, arts. 824 e 513).

Assim, não existe possibilidade de o devedor do título pagar com sua vida, ou receber chibatadas, sofrer amputações ou castigos, fazer serviços forçados (como ocorreu no direito primitivo e ainda ocorre em diversos países do ocidente), ou mesmo de permanecer temporariamente preso pelo inadimplemento de uma dívida.

A Constituição Federal prestigia a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º), garantindo ao indivíduo que não haverá prisão por dívida (CF, art. 5.º, LXVII) – exceto em relação ao débito de jaez alimentício – e que este não será privado de seus bens sem o devido processo legal (CF, art. 5.º, LXIV).

A penhora é o ato de apreensão judicial por excelência pelo qual se apreendem bens para empregá-los, direta ou indiretamente, na satisfação do crédito exequen-do.4 Respondendo o devedor, para o cumprimento de suas obrigações, quase sem-pre com todos os seus bens, presentes e futuros (CPC, art. 591; NCPC, art. 789), é com a penhora que se particulariza, dentre os bens que compõem o patrimônio do executado, aqueles sobre os quais recairá a força expropriatória (CPC, art. 647; NCPC, art. 825).5

Entretanto, quais bens do acervo patrimonial do devedor devem ser constritos? A eleição não é arbitrária, sendo atualmente realizada, em princípio, por iniciativa do credor,6 dentro de determinados critérios previamente elencados na lei.7

O devedor somente poderá eleger os bens que serão penhorados diante de even-tual e inusitada inércia do credor em exercer tal preferência legal. Ao sujeito passi-vo da execução incumbirá impugnar a nomeação de bens feita pelo credor – por

4. BarBosa Moreira, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. Rio de Janeiro: Foren-se, 2002. p. 225.

5. MediNa, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 145.

6. O Código de Processo Civil de 1973 foi concebido com a ideia de que cabia ao devedor a nomeação de bens à penhora. Posteriormente, com a positivação das Leis 11.232/2005 e 11.382/2006, que implementaram uma série de medidas tendentes a dar maior efetividade à atividade jurisdicional, essa prerrogativa passou para o credor (CPC, arts. 475-J, § 3.º, e 652, § 2.º).

7. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – Execução. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. vol. 3, p. 271.

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falta de observação à ordem legal de indicação ou por atentar contra o princípio da menor onerosidade – ou, no prazo de 10 dias da intimação da penhora, requerer a justificada substituição do bem penhorado (CPC, art. 668; NCPC, art. 847).8

A penhora de coisas corpóreas – bens móveis ou imóveis – perfaz-se mediante a lavratura do auto de penhora e depósito (CPC, arts. 475-J, § 1.º, e 664; NCPC, arts. 523, § 3.º, e 839), além de avaliação (CPC, arts. 475-J, § 1.º, e 652, § 1.º; NCPC, arts. 523, § 3.º, e 829, § 1.º). Sem o depósito, a penhora padece de juridicidade, restando incompleta para todos os efeitos legais.9

A partir da positivação da Lei 11.232/2006, com a introdução de uma série de medidas tendentes a privilegiar o sujeito ativo da execução a fim de torná-la mais célere e efetiva, o Código de Processo Civil de 1973 inclinou-se por conferir trata-mento preferencial ao dinheiro no rol de bens penhoráveis à disposição do credor (CPC, art. 655, I) – preponderância que foi reiterada pelo novel CPC/2015 (art. 835, I), ainda em vacatio legis.

No caso de haver penhora sobre dinheiro, teremos uma expropriação simples – diferentemente da expropriação por conversão de bens –, haja vista que, diante da dispensa lógica da avaliação e praceamento, o dinheiro é singelamente entregue ao credor, satisfazendo, desde logo, a execução.10

Valores tutelados até então pelo direito, como a segurança jurídica, a menor onerosidade da execução para o devedor, assim como o formalismo jurídico, na melhor acepção do termo,11 ficaram relegados a um plano secundário, passando-se a prestigiar a execução em prol do credor – o verdadeiro detentor do direito à ade-

8. A substituição do bem penhorado é permitida pelo Código de Processo Civil, pelo execu-tado – quando demonstrado que o ato não trará prejuízo ao exequente, e sendo, por outro lado, forma de satisfação menos onerosa ao devedor. Pode a substituição incidir sobre qualquer espécie de bem (RT 591/145), podendo ser exercida pelo devedor ou por qual-quer interessado na extinção da dívida (CC, art. 304), independentemente da anuência do credor, quando a substituição for requerida por dinheiro (JTA 124/555, Lex-JTA 146/39; NeGrão, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 894).

9. saNtos, Ernane Fidélis dos. Manual do direito processual civil – Processo de execução e cau-telar .14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. vol. 2, p. 185.

10. MediNa, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo... cit., p. 1103.

11. “No processo civil, a forma é a fronteira que é construída pela formação da matéria – ela constitui a confirmação da pretensão litigiosa, conforme o seu sentido fático e jurídico. Pela forma processual determina-se dentro de quais limites podem cooperar as pessoas atuantes no processo para o desenvolvimento da pretensão litigiosa.” troller, Alois. Dos fundamentos do formalismo processual civil. Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009. p. 23.

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quada tutela jurisdicional –, visando sua recolocação no mesmo estágio de satisfa-tividade existente, não fosse o inadimplemento da obrigação.

Isto implica que não importa quais ou quantos bens o devedor detenha em seu acervo patrimonial: havendo dinheiro no momento da penhora, em princípio, é so-bre este que deverão voltar-se os atos processuais executivos. Contudo, como não existem direitos absolutos no ordenamento jurídico,12 a regra da primazia da pe-nhora sobre o dinheiro também não é incondicional e totalitária, devendo ser rela-tivizada pelo magistrado diante das particularidades do caso concreto.

O STJ, valendo-se de sua reiterada jurisprudência, editou a Súmula 417,13 cujo enunciado determina: “Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de no-meação de bens não tem caráter absoluto”. No novo Código de Processo Civil de 2015, a norma essencial destaca: “O processo civil será ordenado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição” (NCPC, art. 1.º).

Atento a isso, o legislador do novo Código de Processo Civil de 2015 tornou regra a orientação jurisprudencial então reinante, estabelecendo: “É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem previs-ta no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto” (art. 835, § 1.º).

Destarte, no embate entre a efetividade da tutela jurisdicional executiva e o princípio da menor onerosidade da execução que favorece o devedor, o juiz deve sopesar as circunstâncias e adotar a posição que se lhe mostrar mais justa e equâni-me com o ordenamento jurídico. A título exemplificativo, a penhora que recai so-bre o dinheiro da pessoa jurídica, por conformar seu capital de giro e comprometer os recursos necessários à continuidade de seu regular funcionamento, pode, muitas vezes, trazer grande prejuízo não somente para o devedor, mas também para a so-ciedade civil em sua totalidade, ao comprometer o exercício da função social da empresa. Tanto isso é veraz que o Novo Código de Processo Civil admite a penhora de percentual de faturamento se o executado “não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado” (NCPC, art. 866).

O juiz não é um autômato,14 devendo, ao aplicar a lei, construir a norma concre-ta, atendendo, sobretudo, aos valores previstos na Constituição Federal, aos seus

12. Nem a vida possui status de direito absoluto na Constituição Federal, que prevê a possi-bilidade de pena de morte, na hipótese de guerra declarada pelo Estado (CF, art. 5.º, XLVII, a).

13. STJ, Corte Especial, j. 03.03.2010, DJe 11.03.2010, RSTJ 218/685.

14. Para Barbosa Moreira: “Nem por isso se desconhece, é claro, o aspecto criativo de que se reveste a função judicante. A noção da decisão judicial como aplicação automática da nor-

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fins sociais, e às exigências do bem comum (LINDB, art. 5.º).15 Nesse sentido, o enunciado legal é categórico, mas não absoluto, ao estabelecer que a penhora ob-servará, “preferencialmente”, o “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira” (CPC, art. 655, I; NCPC, art. 835, I).

A constrição recairá, portanto, prioritariamente, sobre o dinheiro em notas per-tencentes ao devedor, encontrado, diretamente, com este, e ainda que em poder de terceiros (CPC, art. 592, III; NCPC, art. 790, III).

O dinheiro, não obstante enquadrar-se como coisa corpórea, não recebe o mesmo tratamento destinado à penhora de coisas dessa natureza – penhora, depósito e ava-liação – por incompatibilidade lógica. Nesses casos, o tratamento processual é espe-cífico, segundo procedimento especialmente trilhado pelo Código de Processo Civil16 – rectius, Código de Processo Civil de 1973 e novo Código de Processo Civil de 2015.

Entretanto, diversas questões de ordem prática, abordadas a seguir, podem sur-gir, envolvendo, de certo modo, a penhora sobre dinheiro.

Penhora de moeda estrangeira. Se a penhora recair sobre a moeda estrangeira, não poderá ser aplicada a mesma sistemática conferida para o dinheiro nacional, dado que há proibição legal que veda pagamentos efetuados em território nacional em moeda estrangeira (Lei 10.192/2001, art. 1.º).

Assim sendo, a satisfação da obrigação deverá ser feita por meio da conversão da moeda estrangeira em dinheiro nacional por uma instituição financeira prestadora de serviços de câmbio. Ela receberá o dinheiro alienígena e creditará o valor corres-pondente em reais (R$), em conta bancária administrada judicialmente, conforme cotação no mercado respectivo.17

ma abstrata ao fato concreto, segundo esquema rigidamente formalístico, inscrito no plano da pura lógica dedutiva, corresponde a uma representação extremamente simplificada do processo de formação das decisões e põe ‘entre parênteses’ não poucas de suas complexas e variadas componentes, entre as quais se inserem opções de caráter valorativo e (no sen-tido lato do termo) político” (BarBosa Moreira, José Carlos. Temas de direito processual – Primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 9).

15. Para Teresa Arruda Alvim Wambier, “exercendo o juiz a sua criatividade, há de fazê-lo de modo neutro, ou seja, valendo-se de valores encampados pelo direito vigente, sob forma de princípios fundamentais, em sua grande maioria constantes do texto constitucional, e não de acordo com as suas concepções pessoais a respeito do que deva ser a decisão acer-tada para o caso” (arruda alviM WaMBier, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008 p. 151).

16. theodoro Jr., Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Leud, 2009. p. 287.

17. Mutatis mutandis: AgRg no REsp 1.299.460/SP, 4.ª T., j. 10.03.2015, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 18.03.2015; AgRg no AgREsp 188.026/PR, 3.ª T., j. 03.03.2015, rel. Min. Paulo de

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Penhora de caixa de Banco. No caso das instituições financeiras, a penhora do dinheiro que os Bancos mantêm em seus próprios caixas é lícita desde que a cons-trição não avance para as suas respectivas reservas bancárias mantidas junto ao Banco Central do Brasil. Isto ocorre porque as referidas verbas cumprem uma fun-ção social, de funcionamento adequado do sistema bancário, razão pela qual foram legalmente declaradas como impenhoráveis (Lei 9.069/1995, art. 68).

Assim, por atingirem a esfera jurídica de terceiros – correntistas ou não – que se utilizam dos serviços bancários, são insuscetíveis de penhora ou qualquer outra forma de constrição.

Nessa perspectiva, a jurisprudência do STJ redundou na edição da Súmula 328, cujo enunciado reza: “Na execução contra instituição financeira, é penhorável o numerário disponível, excluídas as reservas bancárias mantidas no Banco Central”.18

Penhora de cotas de fundos de investimento. A penhora incidente sobre depósitos ou saldo de aplicações financeiras são realizadas com o mesmo status do dinheiro em espécie.19 Porém, para fins do CPC/1973, art. 655-A e NCPC/2015, art. 854, cotas relativas a fundos de investimentos não estão inseridas na dicção dos citados dispositivos, uma vez que os “créditos” eventualmente constritos nessa categoria são variáveis e não refletem um valor líquido e certo, estando sujeitos a eventos futuros e incertos. Nessa acepção está voltada a jurisprudência do STJ.20

Programas de nota fiscal. Os programas de nota fiscal eletrônica, idealizados por diversos Estados do país, preveem a devolução de um percentual sobre o ICMS recolhido no ato da aquisição de produtos e serviços, em favor dos consumidores – mediante a informação de seu CPF/MF –, com o objetivo de incentivar a emissão do documento fiscal no ato da compra, assim como de, consequentemente, aumen-tar o valor da arrecadação tributária do ente público.

Tarso Sanseverino. DJe 06.03.2015; AgRg no AgREsp 17.099/PR, 3.ª T., j. 17.09.2013, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 24.09.2013; AgRg no REsp 660.170/SP, 4.ª T., j. 03.09.2013, rel. Min. Raul Araújo, DJe 07.02.2014; REsp 1.323.219/RJ, 3.ª T., j. 27.08.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 26.09.2013, extraindo-se desse último aresto: “Quando não enquadradas nas exceções legais, as dívidas em moeda estrangeira deverão, no ato de qui-tação, ser convertidas para a moeda nacional, com base na cotação da data da contratação, e, a partir daí, atualizadas com base em índice oficial de correção monetária”.

18. STJ, Corte Especial, j. 02.08.2006, DJ 10.08.2006, p. 254, RSTJ 203/559.

19. AgRg no REsp 1.489.460/PR, 1.ª T., j. 16.12.2014, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 19.12.2014.

20. “A expressão ‘dinheiro em aplicação financeira’ não equivale ao valor financeiro corres-pondente às cotas de fundos de investimento” [REsp 1.346.362/RS, 1.ª T., rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 07.12.2012] (AgRg no AgREsp 543.966/PR, 2.ª T., j. 20.11.2014, rel. Min. Og Fernandes, DJe 05.12.2014).

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Os créditos computados no programa são acumulados ao longo do tempo, de acordo com o valor das compras efetivadas pelo consumidor, e creditados em con-ta-corrente indicada pelo credor junto à rede mundial de computadores, mediante prévia solicitação. Referidos créditos constituem-se em ativos do devedor, subsu-mindo-se ao tipo descrito no inc. I do art. 655 do CPC e inc. I do art. 835 do NCPC, equiparáveis que são ao dinheiro. Nesse sentido, não seria legítimo permitir ao devedor levantar o crédito originado no programa, deixando de lado a obrigação contraída e inadimplida junto ao exequente.21

Ativos provenientes de cartão de crédito. A penhora de créditos do executado jun-to às administradoras de cartão de crédito – por compras realizadas por consumi-dores – está equiparada, para fins processuais, ao regime jurídico da penhora de faturamento da empresa (CPC, art. 655-A, § 3.º; NCPC, art. 866, caput). Pode ser concedida somente em hipóteses especiais, quando frustradas outras tentativas de localização de bens e desde que não coloque em risco a função social da empresa, com sua plena continuidade funcional.22

Penhora de mão própria.23 A penhora de mão própria, inserida no campo da pe-nhora de crédito,24 é a possibilidade de se constringir créditos que o executado possui em outro processo25 e cujo devedor é o próprio exequente, implicando, forçosamente, diante da liquidez, certeza e exigibilidade na compensação dos cré-ditos (CC, arts. 368 e 369). Por se constituir em crédito líquido do devedor junto ao credor, deve ser considerada como dinheiro na ordem de gradação do Código de Processo Civil.

Com efeito, a jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a supracitada ques-tão, asseverando:

“Se a compensação opera-se automaticamente, dispensando até mesmo a neces-sidade de conversão em moeda, conclui-se que essa forma de garantia do juízo é a mais eficaz e célere, indo de [ao] encontro aos princípios constitucionais da econo-

21. Doutrina e jurisprudência corroboram esse entendimento: TJSP, Ag. 2043997-77.2015.8.26.0000, 22.ª Câm. de Direito Privado, j. 07.05.2015, rel. Des. Sérgio Rui, v.u., DJ 09.05.2015; NeGrão, Theotonio et al. Op. cit., p. 859.

22. AgRg no AgREsp 385.525/MG, 2.ª T., j. 19.03.2015, rel. Min. Assuete Magalhães, DJe 26.03.2015; REsp 1.408.367/SC, 2.ª T., j. 25.11.2014, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16.12.2014, RSTJ 236/278.

23. NeGrão, Theotonio et al. Op. cit., p. 859.

24. assis, Araken de. Manual da execução. 14. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 753.

25. AgRg no AgREsp 155.342/RJ, 4.ª T., j. 02.12.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 10.12.2014.

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mia processual e da razoável duração do processo, bem como de realização da execução pelo modo menos gravoso para o devedor”.26

Porém, a compensação operada pela penhora de mão própria não poderá ser concretizada se houver prejuízo para a esfera jurídica de outros credores. Nesse caso, diante da existência de vários credores, com dívidas vencidas, líquidas e fun-gíveis, faz-se mister a instalação de concurso de credores (CPC/1973, art. 711; NCPC/2015, art. 908).

Valores em conta-corrente provenientes de cheque especial. Após a pesquisa de in-formações financeiras, realizada pelo juiz nas contas e aplicações do devedor, é muito comum o exequente deparar-se com valores na conta-corrente oriundos de mútuo concedido pelas próprias instituições financeiras depositárias – o ordinaria-mente denominado crédito de cheque especial.

Referidos montantes – que conformam uma espécie de crédito rotativo –, mal-grado constituírem dinheiro creditado na conta-corrente do devedor, são insuscetí-veis de penhora, “tendo em vista que tais contas resultam de um contrato existente entre a instituição bancária e o depositante”.27

Nelson e Rosa Nery consideram que: “Empréstimos e saldo negativo no cheque especial não são ativos, mas passivos financeiros”. Portanto, não podem ser cons-tritos, exigindo a penhora a subsistência de um saldo positivo por parte do titular da obrigação de pagar.28

Ademais, regras de experiência indicam que, naturalmente, referidos valores creditados pelo banco, pelo elevado custo que envolvem, prestam-se a fazer frente às necessidades básicas do devedor (CPC, art. 335; NCPC, art. 375).

Penhora de precatório. O crédito representado pelo precatório é bem penhorável por qualquer credor. No entanto, a apreensão judicial do precatório equivale à pe-nhora de crédito, e não propriamente de dinheiro, podendo a Fazenda Pública, diante da existência de outros bens preferenciais na ordem, recusar a nomeação feita pelo devedor, ou mesmo seu pedido de substituição – nesse caso, em razão de o precatório não estar equiparado a dinheiro ou fiança bancária. O STJ, em recurso especial repetitivo, posicionou-se, recentemente, sobre referida questão.29

26. REsp 829.583/RJ, 3.ª T., j. 03.09.2009, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 30.09.2009.

27. theodoro Jr., Humberto. Processo de execução... cit., p. 288, citando Carreira Alvim e Luciana Alvim Cabral.

28. Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 13. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 1.237.

29. REsp 1.090.898/SP, 1.ª Seção, j. 12.08.2009, rel. Min. Castro Meira, DJe 31.08.2009, RSTJ 38/273.

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Plano de previdência privada complementar (PGBL). Refere-se a um contrato, de-nominado de Plano Gerador de Benefício Livre, baseado na constituição de reser-vas, em plano de previdência complementar, visando futuro resgate (LC 109/2001 e CF, art. 202). Trata-se, inegavelmente, de um fundo de jaez previdenciário – ainda que de natureza privada –, destinado à aposentadoria do devedor e sua família, o que lhe garante um status de impenhorabilidade (CPC/1973, art. 649, IV e NCPC/2015, art. 833, IV) diante de seu caráter alimentar.

Se admitirmos que o valor depositado – pelo menos na fase de formação do capital, antes de constituído o benefício – é penhorável por se constituir em mera aplicação financeira, teremos, necessariamente, que admitir a penhora dos valores, depositados junto à Previdência Social e que possuem o mesmo destino e finalidade.

Não nos parece razoável a posição adotada pelo STJ – em embargos de divergên-cia30 –, no sentido de que a aferição da impenhorabilidade dos valores depositados em tais fundos tem que ser feita casuisticamente, devendo ser relativizada quando ficar evidenciado que a remuneração tem como único objetivo a acumulação de capital. A justificativa para tal questão é que, quem faz uma previdência comple-mentar assim procede visando uma data longínqua, para o bem da família, diante de um futuro incerto e com escassez de recursos. Destarte, o referido contrato está ligado ao pecúlio do devedor, de forma a preservar a dignidade da pessoa humana.

2. a PeNhora on line

O modo clássico de se proceder à penhora sobre dinheiro, atendendo a preferên-cia legal, está positivado nos arts. 655-A, do CPC, e 854, do NCPC. Atualmente, a penhora é realizada eletronicamente pelos juízes dos principais Tribunais Estaduais e Federais, valendo-se estes da rede mundial de computadores (internet).

Trata-se de espécie de arresto executivo,31 comumente retratado pelo codinome penhora on line, em que o juiz pode requisitar informações32 ao gestor do sistema

30. EREsp 1.121.719/SP, 3.ª T., j. 12.02.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 04.04.2014.

31. didier Jr., Fredie; cuNha, Leonardo José Carneiro da; BraGa, Paula Sarno; oliveira, Rafael. Curso de direito processual civil – Execução. Salvador: JusPodivm, 2009. vol. 5, p. 605.

32. Nesse caso, a indisponibilidade decretada judicialmente possui natureza cautelar para ga-rantir o resultado prático da execução. Nesse sentido, “conquanto o numerário indisponi-bilizado fique desde logo afetado à execução, como acontece com o arresto, a penhora só se substancia em outra oportunidade, ainda que incontinenti à vinda das informações da autoridade bancária. Disso resulta a função preventiva dessa indisponibilidade, a qual tem por desígnio resguardar o dinheiro para o ato de constrição, no qual será futuramente convertida” (arMeliN, Donaldo; BoNicio, Marcelo J. M.; ciaNci, Mirna; quartieri, Rita. Co-

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bancário eletronicamente33 (CPC, art. 659, § 6.º; NCPC, art. 837), determinando, a partir de então, a indisponibilidade dos recursos eventualmente encontrados em montante suficiente para satisfazer a execução.

No Brasil, o instituto mostrou resultados surpreendentes, em termos de eficácia, junto à execução trabalhista, o que, paulatinamente, motivou sua aplicação excepcio-nal à execução civil, com base em entendimentos jurisprudenciais e doutrinários.34

Somente por meio das reformas empreendidas pela Lei 11.382, de 06.12.2006, é que foi introduzido o dispositivo legal no Código de Processo Civil de 1973, se-guindo o legislador uma tendência manifestada pelo ordenamento jurídico de ou-tros países.35

Anteriormente, para se obter a penhora de recursos em contas e aplicações do devedor, era necessário o cumprimento de um verdadeiro calvário. Após o pleno esgotamento das tentativas de localização de outros bens e direitos do devedor, o juiz autorizava a expedição ofício, em papel, ao Banco Central do Brasil, solicitan-do: (a) informações relativas ao dinheiro do devedor, depositado em conta-corren-te ou aplicações financeiras, em todos os bancos componentes do sistema financei-ro; e (b) bloqueio dos respectivos valores porventura encontrados.

Após um longo período de tempo, inúmeras respostas eram unidas nos proces-sos, sendo que a maioria delas relatava a inexistência de recursos.36 Uma vez iden-

mentários à execução civil – Título judicial e extrajudicial (artigo por artigo) – De acordo com as Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 217).

33. “O art. 655-A do CPC estabelece que a forma preferencial para as medidas ali adotadas seja o meio eletrônico, possibilitado pelo Sistema Bacen-Jud e conhecido como ‘penhora on line’. Apesar de preferencial, essa forma não é exclusiva, de forma que a requisição de in-formações e a determinação de indisponibilidade de bens podem ser feitas pelo tradicional método de ofício” (REsp 1.017.506/RS, 4.ª T., j. 22.03.2011, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 01.04.2011, RJP 39/123).

34. A jurisprudência admitia a aplicação do instituto, nas execuções fiscais, após a Fazenda Pública proceder ao esgotamento das tentativas de localização de bens e direitos penhorá-veis do devedor – CTN, art. 185-A (WaMBier, Luiz Rodrigues; arruda alviM WaMBier, Teresa; MediNa, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 118-119).

35. arMeliN, Donaldo; BoNicio, Marcelo J. M.; ciaNci, Mirna; quartieri, Rita. Op. cit., p. 214.

36. Essa acentuada demora no cumprimento do ofício propiciava ao devedor, atento ao anda-mento do processo, esvaziar as contas e aplicações antes da concretização da ordem de bloqueio. Esse quadro, conforme adverte Fátima Nancy Andrighi, carimbava a execução como um processo “sem resultados”, em que a parte exequente “ganha, mas não leva” (aNdriGhi, Fátima Nancy. A gênese do sistema “penhora on line”. In: saNtos, Ernane Fidélis dos (coord.). et al. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 386).

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tificados, e se ainda mantidos em conta, os recursos eram efetivamente constritos mediante expedição de mandado, cumprido pelo oficial de justiça designado. Pos-teriormente, a partir de 2001, foi criado o Sistema Bacen-Jud, possibilitando o aces-so eletrônico aos recursos do devedor junto ao sistema financeiro do país.37

A criação do citado instituto contribuiu para o aprimoramento do ordenamento jurídico, implementando uma poderosa ferramenta para a obtenção da máxima efe-tividade da execução,38 facilitando, sobremaneira, a realização de penhora sobre di-nheiro, e prestigiando, por conseguinte, o ideal de razoável duração do processo (CF, art. 5.º, LXXVIII).

A penhora on line é ato processual também afinado com o princípio da menor onerosidade (CPC, art. 620 c/c art. 668; NCPC, arts. 805 e 847),39 pois possibilita a

37. “Em 08.05.2001, foi celebrado o ‘Convênio de Cooperação Técnico-institucional que fa-zem entre si o Banco Central do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal, para fins de acesso ao Sistema Bacen-Jud’. (...) Esse sistema permite que juízes acessem um site do Banco Central (...) preencham um cadastro e obtenham uma senha, que mais se assemelha a uma assinatura virtual. Munidos dessa senha, tornam-se aptos não somente a requerer informações sobre eventual existência de ativos financeiros em nome das partes, como também determinar-lhes a penhora ou arresto. Tanto a requisi-ção de informações, como a ordem de constrição, são veiculadas on line, isto é, via Inter-net, por meio eletrônico.” correia, André de Luizi. Em defesa da penhora on line. Revista de Processo. vol. 125. p. 92. São Paulo: Ed. RT, jul. 2005.

38. Para Wambier, Arruda Alvim Wambier e Medina, “trata-se, indubitavelmente, de meca-nismo moderno, com aptidão de realizar, mais rapidamente, o direito do credor à obten-ção do dinheiro que lhe é devido, o que materializa o princípio da máxima efetividade” (WaMBier, Luiz Rodrigues; arruda alviM WaMBier, Teresa; MediNa, José Miguel Garcia. Op. cit., p. 120).

39. “Conforme decidido no julgamento do REsp 1.112.943/MA, realizado pelo rito do art. 543-C do CPC, a determinação de penhora on-line pelo juiz, sem exigência de exaurimen-to de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados, não contraria a gradação prevista no art. 655 do CPC, tampouco o princípio da menor onerosidade da execução disposto no art. 620 do referido código” (AgRg no RMS 36.616/PI, 3.ª T., j. 28.04.2015, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 11.05.2015); “O E. Tribunal de origem decidiu em consonância com a jurisprudência pacífica do STJ sobre o tema do art. 620 do CPC, no sentido de que a determinação de penhora on line, além de obedecer à gradação prevista no art. 655 do CPC, não ofende o princípio da menor onerosidade da execução para o devedor” (AgRg no AgREsp 573.999/SP, 4.ª T., j. 16.04.2015, rel. Min. Raul Araújo, DJe 14.05.2015); “Na linha dos precedentes desta Corte, a penhora sobre dinheiro depositado em conta-corrente não ofende o princípio da menor onerosidade para o executado, inscul-pido no art. 620 do CPC” (AgRg no Ag 1.036.279/RJ, 3.ª T., j. 16.10.2008, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 03.11.2008); “Este Tribunal de Uniformização, realizando interpretação siste-mática dos arts. 620 e 655 da Lei Processual Civil, já se manifestou pela possibilidade do ato constritivo incidir sobre numerário, sem que haja afronta ao princípio da menor one-rosidade da execução, disposto no art. 620 da Norma Processual (cf. REsp 528.227/RJ e

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constrição do exato valor do débito exequendo, evitando que a penhora se faça sobre bens imóveis ou móveis – muitas vezes, de valores muito maiores do que aquele efetivamente devido –, propiciando leilões ou praceamentos em valores in-feriores em relação àqueles encontrados no mercado respectivo, onerando assim, demasiadamente, os direitos do devedor.40

Contribui, também, o referido instituto para a efetividade da tutela jurisdicional executiva,41 evitando o desperdício de tempo42 e recursos na busca do crédito exe-quendo.43 Com efeito, com a medida elimina-se a necessidade de atos processuais morosos e dispendiosos, como a avaliação do bem penhorado e sua posterior alie-nação a terceiros, contribuindo para a economia processual.44

Para que se dê cumprimento à lei que determina o sigilo bancário (LC 105/2001), as informações apuradas pelo juiz deverão limitar-se à existência ou inexistência de recursos suficientes para fazer frente ao débito exequendo,45 não podendo, jamais, alcançar o saldo das contas e aplicações do devedor.

Não obstante tratar-se de medida abrupta – ao avançar necessariamente inaudita altera parte sobre o patrimônio do devedor46 –, sua concessão, por parte do órgão

390.116/SP)”. (AgRg no Ag 839.874/RS, 4.ª T., j. 05.06.2007, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 29.06.2007, p. 642); “Este Tribunal de Uniformização, realizando interpreta-ção sistemática dos arts. 620 e 655 da Lei Processual Civil, já se manifestou pela possibili-dade do ato constritivo incidir sobre numerário, sem que haja afronta ao princípio da menor onerosidade da execução, disposto no art. 620 da Norma Processual (cf. REsp 528.227/RJ e 390.116/SP)” (AgRg no Ag 711.971/RS, 4.ª T., j. 29.06.2006, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 14.08.2006, p. 285).

40. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 277.

41. arMeliN, Donaldo; BoNicio, Marcelo J. M.; ciaNci, Mirna; quartieri, Rita. Op. cit., p. 215.

42. “O tempo é a dimensão fundamental da vida humana. No processo, desempenha idêntico papel, pois processo também é vida. O tempo é, assim, uma dos grandes adversários do ideal de efetividade do processo” (Freire e silva, Bruno. O bloqueio on line e a necessária aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. In: Bruschi, Gilberto Gomes (org.). Execução civil e cumprimento de sentença. São Paulo: Método, 2006. p. 107)

43. Para Didier: “É medida simples e barata, que merece ser estimulada e que, a despeito da ausência de dados mais precisos, se tem revelado muito eficaz na praxe forense. A penho-ra on line é meio executivo que está em conformidade com o princípio da adequação, constituindo-se na ‘principal modalidade executiva destinada à execução pecuniária’” (didier Jr., Fredie; cuNha, Leonardo José Carneiro da; BraGa, Paula Sarno; oliveira, Rafael. Op. cit., p. 606).

44. MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 277.

45. saNtos, Ernane Fidélis dos. Manual do direito... cit., p. 185.

46. No novo Código de Processo Civil, é expressa a alusão à falta de ciência prévia do ato ao executado, para não comprometer a eficácia da medida (art. 854, caput).

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jurisdicional, passou a não mais depender do esgotamento das vias ordinárias após a vigência da Lei 11.382/2006.47 Vale dizer, a concessão do pedido independe de prévia busca de outros bens penhoráveis do devedor.48 Essa agilidade em sua reali-zação contribui para a diminuição de fraudes à execução (CPC, art. 593), perpetra-das por executados ladinos às vésperas do bloqueio eletrônico, situação frequente-mente encontrada antes da implantação do Sistema Bacen-Jud.49

Para que seja assegurado ao devedor o devido processo legal, a concretização da penhora on line pressupõe – como corolário dos princípios constitucionais que re-gulamentam a entrega da tutela jurisdicional50 – que tenha havido a citação válida do executado no processo do qual originou a ordem de bloqueio, além de que, na execução ou no cumprimento de sentença, tenha o devedor, uma vez citado, tido a oportunidade de pagar o débito reclamado.51

47. AgRg no AgREsp 585.716/SC, 4.ª T., j. 07.04.2015, rel. Min. Raul Araújo, DJe 29.04.2015; “A 1.ª Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.184.765/PA, submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), ratificou a necessidade de interpretação sistemática dos arts. 655-A do CPC e 185-A do CTN, de modo a autorizar a penhora eletrônica de depósi-tos e aplicações financeiras, independentemente do exaurimento de diligências extrajudi-ciais, pelo exequente, após o advento da Lei 11.382/2006” (AgRg no REsp 1.496.150, 2.ª T., j. 05.02.2015, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12.02.2015). Na doutrina, BueNo, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – Tutela jurisdicional exe-cutiva. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. vol. 3, p. 254.

48. AgRg no Ag 1.418.355/RS, 4.ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 13.11.2012.

49. BueNo, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. vol. 3, p. 116.

50. Para José Rogério Cruz e Tucci, “impõe-se assegurar a todos os membros da coletividade um processo governado pelo amplo acesso à justiça, perante um juiz natural ou pré-cons-tituído, com um igual tratamento dos sujeitos parciais do processo, para que possam de-fender os seus direitos em contraditório, com todos os meios e recursos a ele inerentes, dando-se publicidade dos atos processuais e motivando-se os respectivos provimentos; tudo dentro de um lapso temporal razoável. Como pressuposto de um processo revestido de todas essas garantias, é imprescindível que os titulares de direitos ameaçados ou viola-dos possam submeter as suas respectivas pretensões à apreciação dos órgãos jurisdicionais. O art. 5.º, XXXV, do texto constitucional, consagra o princípio da inafastabilidade do con-trole jurisdicional” (cruz e tucci, José Rogério. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 105).

51. Na jurisprudência do STJ, resta cristalizado o entendimento no sentido de que, “sendo a citação válida um pressuposto essencial para o desenvolvimento do processo, não se reve-la legítimo o bloqueio de disponibilidades financeiras do executado, sem que ele tenha sido chamado para integrar a lide e efetuar o pagamento de seu débito, sob pena de ofensa ao princípio do devido processo legal” (AgRg no REsp 1.510.848/DF, 4.ª T., j. 14.04.2015, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 23.04.2015). Precedentes: AgRg no AgREsp 554.742/RS, 2.ª T.,

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Sendo a citação um pressuposto processual essencial à higidez da relação jurídi-ca processual, é natural que a ordem de bloqueio seja precedida desse fundamental ato processual de chamamento, bem como da oportunidade concedida ao devedor de pagar o débito exequendo. A referida exigência é uma decorrência dos princí-pios do contraditório e devido processo legal, pois a constrição sem citação confi-gura ato executivo contra quem não é parte da relação processual, ensejando, con-sequentemente, a proposição de embargos de terceiro.

Já em relação ao arresto executivo sobre dinheiro (CPC/1973, art. 653 c/c art. 654; NCPC/2015, art. 830), o mesmo somente deve ser concedido quando, apesar de procurado, o devedor não é encontrado, e o oficial de justiça depara-se com a exis-tência de dinheiro em nome do devedor. Isto ocorre porque o arresto executivo tem por fito evitar que a frustração da citação impeça o desenvolvimento regular da execução.52

Não obstante os arts. 655-A do CPC/73 e 854 do NCPC citarem a possibilidade de o juiz determinar a indisponibilidade dos recursos, este tem o poder-dever de proceder ao bloqueio eletrônico diante da subsistência de seus pressupostos legais. Recentemente, o STF decidiu ser constitucional o ato regulamentar do CNJ – Reso-lução 61/2008, art. 2.º –, impondo ao juiz a realização do cadastro pessoal junto ao Sistema Bacen Jud para permitir a penhora on line53 devido ao fato costumeiramen-

j. 07.10.2014, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 15.10.2014; EDcl no AgRg no AgREsp 195.246/BA, 1.ª T., j. 17.12.2013, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 04.02.2014; AgRg no REsp 1.296.737/BA, 1.ª T., j. 05.02.2013, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21.02.2013.

52. Posição adotada por Luiz Fernando Casagrande Pereira em: arruda alviM WaMBier, Teresa; didier Jr., Fredie; talaMiNi, Eduardo; daNtas, Bruno. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1958; e pelo precedente do STJ no REsp 1.370.687/MG, 4.ª T., j. 04.04.2013, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 15.08.2013, REVPRO 227/417.

53. “I – O art. 103-B da Constituição da República, introduzido pela EC 45/2004, dispõe que o Conselho Nacional de Justiça é órgão com atribuições exclusivamente administrativas e correicionais, ainda que, estruturalmente, integre o Poder Judiciário. II – No exercício de suas atribuições administrativas, encontra-se o poder de ‘expedir atos regulamentares’. Esses, por sua vez, são atos de comando abstrato que dirigem aos seus destinatários co-mandos e obrigações, desde que inseridos na esfera de competência do órgão. III – O Conselho Nacional de Justiça pode, no lídimo exercício de suas funções, regulamentar condutas e impor a toda magistratura nacional o cumprimento de obrigações de essência puramente administrativa. IV – A determinação aos magistrados de inscrição em cadastros ou sítios eletrônicos, com finalidades estatística, fiscalizatória ou, então, de viabilizar a materialização de ato processual, insere-se perfeitamente nessa competência regulamentar. V – Inexistência de violação à convicção dos magistrados, que remanescem absolutamente livres para determinar ou não a penhora de bens, decidir se essa penhora recairá sobre este

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te outrora encontrado em que os juízes indeferiam o pedido de penhora on line ao ilegítimo argumento de inexistência de cadastro junto ao sistema.

Outra questão que se apresenta na doutrina reporta-se à impossibilidade de con-cessão da ordem de bloqueio sem que subsista expresso requerimento por parte do exequente. Doutrina e jurisprudência54 inclinam-se, apropriada e preponderante-mente, pela impossibilidade da penhora on line ex officio por contrariedade ao prin-cípio do dispositivo,55 salvo quando o bloqueio sem petitum se destinar a garantia o pagamento de multa diária fixada.

Luiz Fernando Casagrande Pereira advoga a ausência de necessidade de pedido expresso, posto que não se justifica um segundo pedido de penhora quando o exe-quente já faz um requerimento genérico na petição inicial, outrossim porque o juiz não está adstrito ao meio executivo solicitado.56

Contudo, apesar de a lei não prever qualquer limitação quantitativa para a pe-nhora eletrônica, está dentro do poder jurisdicional cautelar do juiz circunscrever a ordem de bloqueio a um percentual do saldo existente quando comprovadamente demonstrado o risco de a constrição ocasionar dano irreparável ao devedor.

No caso de pessoa jurídica, a delimitação deve se dar com a cabal demonstração de que os valores bloqueados são indispensáveis à continuidade da empresa quan-

ou aquele bem e, até mesmo, deliberar se a penhora de numerário se dará ou não por meio da ferramenta denominada ‘Bacen JUD’. VI – A necessidade de prévio cadastramento é medida puramente administrativa que tem, justamente, o intuito de permitir ao Poder Judiciário as necessárias agilidade e efetividade na prática de ato processual, evitando, com isso, possível frustração dos objetivos pretendidos, dado que o tempo, no processo execu-tivo, corre em desfavor do credor. VII – A ‘penhora on line’ é instituto jurídico, enquanto ‘Bacen JUD’ é mera ferramenta tendente a operacionalizá-la ou materializá-la, através da determinação de constrição incidente sobre dinheiro existente em conta-corrente bancária ou aplicação financeira em nome do devedor, tendente à satisfação da obrigação. VIII – Ato administrativo que não exorbita, mas, ao contrário, insere-se nas funções que constitucio-nalmente foram atribuídas ao CNJ. IX – Segurança denegada.” (MS 27.621/DF, Pleno, j. 07.12.2011, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 11.05.2012).

54. AgRg no REsp 1.218.988/RJ, 1.ª T., j. 24.05.2011, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 30.05.2011; REsp 1.137.041/AC, 1.ª T., j. 15.06.2010, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 28.06.2010; REsp 958.383/PR, 1.ª T., j. 18.11.2008, rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.12.2008; REsp 394.523/SC, 2.ª T., j. 06.04.2006, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 25.05.2006; REsp 396.292/SC, 1.ª T., j. 13.08.2002, rel. Min. Garcia Vieira,,DJ 03.06.2002.

55. Cassio Scarpinella Bueno sustenta que a medida pode ser determinada de ofício pelo juiz (Curso sistematizado... cit., p. 254).

56. arruda alviM WaMBier, Teresa; didier Jr., Fredie; talaMiNi, Eduardo; daNtas, Bruno. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil cit., p. 1956-1957.

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do a apreensão puder comprometer sua função social.57 À vista disso, deverá ser aplicado à hipótese o regramento previsto no § 3.º do art. 655-A do CPC/1973 e no art. 866 e parágrafos do NCPC/2015, circunscrevendo-se a penhora a um percen-tual do faturamento. Por outro lado, no que tange à pessoa física, a limitação pode ser igualmente concedida quando os valores constritos mostrarem-se indispensá-veis à subsistência das necessidades básicas do devedor, que advém quando os va-lores objeto da constrição demonstrarem nítido caráter alimentar.58

Há decisões judiciais que determinam o desbloqueio do dinheiro diante da “ir-risoriedade” do montante constrito, considerando-se o custo do aparelhamento do Poder Judiciário. Todavia, a ausência de expressividade do valor bloqueado ante o débito exequendo não justifica o desbloqueio do valor penhorado.59 Porquanto, o dispositivo legal não condiciona a concessão da medida ao valor do débito exe-quendo em termos de proporcionalidade. A regra básica de hermenêutica induz que aquilo que o legislador não distingue não cabe ao intérprete assim proceder.

Voltando ao procedimento trilhado pelo Código de Processo Civil de 1973 e novo Código de Processo Civil de 2015, após formalizada a decretação de indis-ponibilidade, os recursos serão preferencialmente transferidos e depositados em um banco oficial (CPC, art. 666, I; NCPC, art. 840, I) – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal ou outro banco em que a União detenha mais da metade de seu capital social integralizado –, permanecendo à disposição do juízo até ulte-rior deliberação.

Essa preferência prevista na regra e exercida em relação aos bancos públicos não deve ser entendida como uma espécie de privilégio de tais entidades em detrimento das instituições privadas, uma vez que somente pode subsistir em igualdade de

57. Especificamente em relação à pessoa jurídica: AgRg no AgREsp 320.037/DF, 1.ª T., j. 25.11.2014, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 01.12.2014; REsp 1.412.081/GO, 2.ª T., j. 03.12.2013, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 10.12.2013; AgRg no AgREsp 320.037/DF, 1.ª T., j. 25.11.2014, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 01.12.2014; AgRg no REsp 1.184.025/RS, 4ª T., j. 10.05.2011, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 19.05.2011.

58. “É possível a penhora ‘on line’ em conta corrente do devedor, contanto que ressalvados valores oriundos de depósitos com manifesto caráter alimentar” (AgRg no AgREsp 363.466/SC, 4ª T., j. 08.10.2013, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 28.10.2013).

59. AgRg no REsp 1.488.237/PR, 2.ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 05.03.2015; REsp 1.345.666/PR, 1.ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 14.02.2014; REsp 1.421.482/PR, 2.ª T., j. 10.12.2013, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 18.12.2013; AgRg no REsp 1.383.159/RS, 1.ª T., j. 05.09.2013, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 13.09.2013; REsp 1.242.852/RS, 2.ª T., j. 03.05.2011, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 10.05.2011; REsp 1.241.768/RS, 2.ª T., j. 05.04.2011, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 13.04.2011; REsp 1.187.161/MG, 1.ª T., j. 05.08.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.08.2010.

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condições entre a proposta do ente público e a dos demais bancos, em prévio e necessário procedimento licitatório a ser instalado pelo juiz.60

Convertido automaticamente o arresto em penhora – sem necessidade de lavra-tura de auto de penhora, tendo em vista que os extratos de bloqueio preenchem a finalidade de tal ato61 –, e formalizada, portanto, a constrição com a concretização do depósito (CPC, art. 664; NCPC, art. 839), o executado será devidamente inti-mado desse ato – pela imprensa oficial, na pessoa do seu advogado (CPC, arts. 652, §§ 1.º e 4.º, e 475-J, § 1.º; NCPC, arts. 829, § 1.º, e 523), ou pessoalmente, se não tiver advogado constituído – a fim de oferecer impugnação ou embargos do deve-dor, conforme o caso concreto.

Com a não concessão de efeito suspensivo aos embargos porventura opostos (CPC, art. 745, II; NCPC, art. 917, II), ou à eventual impugnação (CPC, art. 475-M; NCPC, art. 525, § 6.º),62 será possível a imediata satisfação da execução com o levantamento do dinheiro penhorado.63

A impenhorabilidade, por conformar matéria de ordem pública,64 pode ser in-vocada pelo executado por meio de mera petição, quando houver prova pré-cons-tituída acerca da impenhorabilidade, ou por meio de embargos à execução,65 posi-ção essa que vem sendo corroborada pela jurisprudência do STJ.66 O ônus da pro-

60. diNaMarco, Cândido Rangel. Processo civil empresarial. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 828.

61. “Havendo penhora on-line, não há expedição de mandado de penhora e de avaliação, uma vez que a constrição recai sobre numerário encontrado em conta-corrente do devedor (...)” (REsp 1.195.976/RN, 3.ª T., j. 20.02.2014, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05.03.2014, RSTJ 235/257).

62. EDcl na Rcl 8.367/RS, 2.ª Seção, j. 25.09.2013, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 02.10.2013.

63. MediNa, José Miguel Garcia. Processo civil moderno – Execução. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 163.

64. AgRg no Ag 1.355.749/SP, 4.ª T., rel. Min. Marco Buzzi, j. 26.05.2015, DJe 01.06.2015; AgRg no AgREsp 635.815/SP, 4.ª T., j. 19.05.2015, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 27.05.2015; AgRg no REsp 1.462.993/SE, 4.ª T., j. 19.05.2015, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 01.06.2015; AgRg no AgREsp 607.413/RJ, 4.ª T., j. 16.12.2014, rel. Min. Luis Felipe Salo-mão, DJe 19.12.2014; AgRg no AgREsp 537.034/MS, 4.ª T., j. 26.08.2014, rel. Min. Raul Araújo, DJe 01.10.2014.

65. theodoro Jr., Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista de Processo. vol. 176. p. 28. São Paulo: Ed. RT, out. 2009.

66. “A impenhorabilidade do imóvel protegido pela Lei 8.009, de 1990, pode ser oposta como matéria de defesa, nos embargos do devedor, ou por simples petição, como incidente da execução.” (REsp 180.286/SP, 3.ª T., j. 16.09.2003, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 15.12.2003, p. 301). No mesmo sentido: AgRg no REsp 844.766/DF, 3.ª T., j. 12.08.2008, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 23.06.2008; REsp 656.180/PR, 4.ª T., j. 16.03.2006, rel.

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va, nesse caso, pertence ao devedor, pois a impenhorabilidade é fato constitutivo de seu direito à desconstituição da medida (CPC, art. 655-A, § 2.º; NCPC, art. 854, § 3.º, I).

Uma vez demonstrada a subsunção dos fatos que envolvem a constrição a uma das hipóteses de impenhorabilidade (CPC, art. 649, IV, IX, X e XI; NCPC, art. 833, IV, IX, X e XI), o juiz deverá desconstituir a peia efetivada, valendo-se de imediato desbloqueio, em até 24 horas (NCPC/2015, art. 854, § 1.º), preferencialmente por meio eletrônico, flagrantemente mais célere do que o convencional.

No que tange à reiterada utilização da tentativa de se apreender eletronicamente o dinheiro do devedor, via Bacen-Jud, o STJ tem entendimento firmado no sentido de que a renovação do pedido de penhora on line depende de sua razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto.67

3. o credor com GaraNTia real

O crédito, acompanhado de uma garantia real, confere o direito de sequela e a ordem de preferência ao seu detentor. O direito de sequela é oponível erga omnes e retrata a faculdade de perseguir e reaver a coisa do poder de quem quer que a dete-nha (CC, art. 1.228), enquanto o direito de preferência consiste no privilégio de se obter o pagamento de uma dívida com a expropriação daquele bem previamente aplicado à sua satisfação.68

O Código Civil estabelece que, nas dívidas com garantia real, “o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação” (CC, art. 1.419), selando o liame de direito material. No aspecto processual, por sua vez, o Código de Processo Civil de 1973 assevera que a penhora, nesse caso, incidirá, “preferencialmente”, sobre a coisa dada em garantia (art. 655, § 1.º).

A finalidade da regra é evitar que, em caso de inadimplência, a constrição recaia sobre outros bens do devedor quando houver um que já fora previamente previsto para responder pelo débito. Contudo, a própria literalidade do dispositivo indica

Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 17.04.2006, p. 200; AgRg nos EDcl na MC 6.138/SP, 3.ª T., j. 08.05.2003, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 23.06.2003, p. 349.

67. AgRg no AgREsp 415.638/SP, 4.ª T., j. 07.11.2013, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.11.2013; AgRg no REsp 1.311.126/RJ, 1.ª T., j. 14.05.2013, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 22.05.2013; AgRg no AgREsp 183.264/AC, 1.ª T., j. 13.11.2012, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 23.11.2012; REsp 1.323.032/RJ, 2.ª T., j. 07.08.2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.08.2012; REsp 1.267.374/PR, 2.ª T., j. 07.02.2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.02.2012.

68. GoMes, Orlando. Direitos reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 20.

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que não há na execução forçada, necessariamente, obrigação de a penhora recair sobre o bem garantidor. Por vezes, a expropriação desse bem representa, além de elevado custo para o devedor, ônus demasiado ao próprio devedor, não se justifi-cando diante da existência de outros bens de maior liquidez.

Pelo prisma da função social do contrato, deve preponderar a manutenção do mútuo com garantia real quando, comprovadamente, o devedor detém patrimônio suficiente, livre e desembaraçado para fazer frente ao crédito executado.69 Há de se considerar que a resolução de um contrato de mútuo e da garantia real pela expro-priação pode culminar com a desocupação do mutuário e de sua família do imóvel afetado, e a perda, por parte da instituição financeira, dos juros relativamente ao restante do contrato de empréstimo cujo vencimento antecipado foi decretado.70

Em dadas e especiais hipóteses, a penhora de outros bens, em detrimento do bem garantidor, pode representar prestígio aos interesses do exequente, bem como o modo de execução menos gravoso para o devedor (CPC, art. 620). Consoante já se decidiu no âmbito do STJ:

“Tratando-se de execução de título executivo judicial, não é exigível que a pe-nhora recaia obrigatoriamente sobre o imóvel dado em garantia hipotecária. De-mais, o preceito inserto no art. 655, § 2.º, do CPC não é inflexível, pois em situa-ções especiais pode haver motivo para justificar a constrição sobre bem diverso do gravado”.71

No caso do novo Código de Processo Civil de 2015, não obstante a redação do dispositivo apontar para o fato de a penhora recair, forçosamente, sobre a coisa dada em garantia (art. 835, § 3.º),72 deve-se prestigiar uma exegese mais voltada à totalidade do código, deixando prevalecer a orientação antes trilhada pelo Código de Processo Civil de 1973, mais consentânea com os princípios básicos que nor-teiam a execução forçada.73

69. STJ, REsp 667.237/RS, 3.ª T., j. 17.10.2006, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 12.03.2007, p. 219.

70. assis, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 1.217.

71. REsp 491.193/RS, 4.ª T., j. 19.05.2005, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 27.06.2005, p. 397. MediNa, José Miguel Garcia. CPC – Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 823.

72. Na redação do novo Código de Processo Civil de 2015 foi suprimida a expressão “prefe-rencialmente”, dando a falsa percepção de que, no novel diploma, a penhora deve, forço-samente, recair sobre o bem garantidor.

73. Nesse sentido: MediNa, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo... cit., p. 1133; arruda alviM WaMBier, Teresa; coNceição, Maria Lúcia Lins; riBeiro, Leonardo Ferres da Silva; Mello, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1197. Em sentido contrário: Bruno Garcia

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Destarte, em situações excepcionais, tanto pelo regime do Código de Processo Civil de 1973 quanto no regramento do Novo Código de Processo Civil de 2015, pode e deve o credor, de forma justificada, recusar a penhora efetivada sobre a garantia,74 devendo redirecioná-la, preferencialmente, sobre o dinheiro. Porém, na execução hipotecária, criada pela Lei 5.741/1971 para financiamentos contraídos junto ao SFH, efetuar-se-á, forçosamente, a penhora do imóvel hipotecado (art. 4.º), uma vez que, após a adjudicação do bem pelo credor, o devedor ficará exone-rado da obrigação de pagar eventual saldo remanescente da dívida (art. 7.º), com exceção dos honorários advocatícios sucumbenciais.75

4. a PeNhora on line de coNTa-correNTe coNJuNTa

Evidentemente, como costuma suceder, a penhora on line poderá recair sobre a conta-corrente do devedor, mantida conjuntamente com outra pessoa – normal-mente o cônjuge ou companheiro –, junto à instituição bancária. Nesse caso, sub-siste divergência acerca da possibilidade ou não de se penhorar a totalidade do saldo existente, malgrado a dívida ter sido contraída somente por um dos titulares da conta.

Duas correntes subsistem na doutrina e jurisprudência: (a) a possibilidade de se penhorar a totalidade do saldo da conta conjunta; e (b) a possibilidade de se pe-nhorar apenas a parcela do saldo atribuída ao devedor.

A primeira corrente, francamente minoritária, parte da premissa de que o di-nheiro depositado na conta comum pertence a todos os correntistas, conjunta e solidariamente, cada um sendo credor da totalidade dos fundos. Defende que am-bos os correntistas podem usufruir livremente do valor depositado, sendo inexigí-vel a anuência ou autorização por parte do outro correntista como pressuposto de disposição. Esta posição é sufragada por José Miguel Garcia Medina,76 com base em um único precedente do STJ.77

Redondo em: arruda alviM WaMBier, Teresa; didier Jr, Fredie; talaMiNi, Eduardo; daNtas, Bruno. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil cit., p. 1930.

74. REsp 105.617/MG, 4.ª T., j. 28.04.1998, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 01.06.1998, p. 117, RSTJ 109/210. MediNa, José Miguel Garcia. CPC – Código de Processo... cit., p. 823.

75. REsp 1.114.426/MG, 3.ª T., j. 02.05.2013, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 08.05.2013.

76. MediNa, José Miguel Garcia. CPC – Código de Processo... cit., p. 828.

77. “Execução fiscal. Penhora on line. Conta-corrente conjunta. Terceiro na execução. Irrele-vância. Possibilidade de se penhorar a totalidade da conta-corrente. 1. No caso de conta conjunta, cada um dos correntistas é credor de todo o saldo depositado, de forma solidária. O valor depositado pode ser penhorado em garantia da execução, ainda que somente um

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A segunda vertente escora-se no fato jurídico de inexistência de responsabilida-de patrimonial do cotitular da conta-corrente diante do débito exequendo. Funda-menta que a solidariedade existente entre os correntistas é exercida, apenas e tão somente, perante a instituição financeira depositária, e não perante terceiros, even-tualmente credores de qualquer dos correntistas.

Nesse sentido, ao terceiro alheio caberá comprovar que os valores penhorados que excedem o patrimônio do devedor a ele pertencem, não possuindo nexo de causalidade com a execução forçada, presumindo-se, em caso de negativa de com-provação, a divisão do saldo em partes igualitárias entre os correntistas.

A jurisprudência do STJ inclina-se, preeminentemente, no sentido de que, se desconhecida e não provada a parcela real de cada correntista na conta, presume-se, relativamente, que cada um detenha partes iguais sobre seu montante total.78 Esta é a posição por nós perfilhada pelos mesmos argumentos esposados.

5. a deFesa do eXecuTado Na PeNhora on line

O novo Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma inovação, regulamentan-do a possibilidade de defesa apresentada pelo devedor, após o decreto judicial de

dos correntistas seja responsável pelo pagamento do tributo. 2. Se o valor supostamente pertence somente a um dos correntistas – estranho à execução fiscal – não deveria estar nesse tipo de conta, pois nela a importância perde o caráter de exclusividade. 3. O terceiro que mantém dinheiro em conta-corrente conjunta admite tacitamente que tal importância responda pela execução fiscal. A solidariedade, nesse caso, se estabelece pela própria von-tade das partes no instante em que optam por essa modalidade de depósito bancário. 4. In casu, importante ressaltar que não se trata de valores referentes a ‘vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e monte-pios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal’, previstos como impenhoráveis pelo art. 649, IV, do CPC, inexistindo óbice para a penhora da conta-corrente conjunta.” (REsp. 1.229.329/SP, 2.ª T., j. 17.03.2011, rel. Min. Humberto Martins, DJe 29.03.2011).

78. REsp. 1.184.584/MG, 4.ª T., j. 22.04.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15.08.2014; AgRg no AgREsp 115.536/SP, 4.ª T., j. 26.06.2012, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Dje 02.08.2012; REsp 127.616/RS, 1.ª T., j. 13.02.2011, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 25.06.2001, p. 104, RSTJ 151/72; AgRg no AgRg na Pet 7.456/MG, 3.ª T., j. 17.11.2009, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 26.11.2009, RDDP 83/136; REsp 13.680/SP, 4.ª T., j. 15.09.1992, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 16.11.1992, p. 21.144; REsp 702.445/MG, 2.ª T., j. 18.05.2015, rel. Min. Mauro Campbell Marques, decisão monocrática; AgREsp 649.003/PR, 4.ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Luis Felipe Salomão, decisão monocrática; AgREsp 563.414/RS, 3.ª T., rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 05.11.2014, decisão monocrática; AgREsp 427.715/SP, 4.ª T., j. 10.12.2013 rel. Min. Luis Felipe Salomão, decisão monocrática.

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indisponibilidade dos recursos bloqueados. Nesse caso, o devedor, ciente da indis-ponibilidade (NCPC, art. 854, § 2.º), poderá, desde logo, voltar-se contra a referida ordem de bloqueio, advogando a impenhorabilidade de tais valores ou o excesso de constrição (NCPC, art. 854, § 3.º).

O prazo será de cinco dias, contados da regular intimação do devedor, realizada na forma do § 2.º do art. 854. Não se trata da intimação da penhora, mas de intima-ção acerca da ordem de indisponibilidade. A conversão desta em penhora somente ocorrerá caso a defesa não seja acolhida pelo juiz, ou não for tempestivamente oposta À objeção (§ 5.º).

A novidade introduzida pelo novo Código de Processo Civil de 2015 está justa-mente nessa separação dos atos jurídicos, com previsão de intimação do devedor acerca da ordem de indisponibilidade e posterior intimação da penhora propria-mente dita (NCPC, art. 829, § 1.º).

Caso o devedor perca a oportunidade de impugnar a decisão de indisponibilida-de no prazo do art. 854, § 3.º, haverá, consequentemente, a transformação do ar-resto em penhora e a transferência dos recursos para a conta judicial.79 Dessa for-ma, o devedor poderá ingressar com embargos à execução, alegando a impenhora-bilidade dos recursos ou o casual excesso de penhora (NCPC, arts. 525, IV, e 917, II), uma vez que se trata de matéria de ordem pública, alegável, até mesmo, por mera petição.

Apesar de não haver preclusão temporal se o devedor não exercer a impugnação no prazo do art. 854, § 3.º, do NCPC/2015, em razão da natureza da matéria – de ordem pública –, incide sobre a hipótese a preclusão consumativa. Uma vez decidida a questão, não mais poderá ser objeto de nova decisão.

6. o adequado iNsTrumeNTo de deFesa

O Código de Processo Civil, no Capítulo IV, do Título I (Da execução em geral), do Livro II (Processo de execução), regulamentou a responsabilidade patrimonial sobre a qual incidem os meios executivos destinados à satisfação do título.

O devedor, ao contrair uma obrigação, admite uma responsabilidade, assume o dever jurídico de pagar, entregar, fazer ou não algo em favor do credor, obrigação esta subsidiada pela potencialidade econômica dos seus bens – o estado de sujei-ção –, sejam eles móveis, imóveis ou direitos com significação econômica. É a de-

79. Conforme Luiz Fernando Casagrande Pereira em: arruda alviM WaMBier, Teresa; didier Jr., Fredie; talaMiNi, Eduardo; daNtas, Bruno. Breves comentários ao Novo Código de Proces-so Civil cit., p. 1960.

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nominada responsabilidade patrimonial:80 um dos fundamentos da execução na qual os meios coercitivos recaem, necessariamente, sobre o patrimônio do devedor ou do de quem for chamado a cumprir em seu lugar, ou, ainda, com ele conjuntamen-te, com sanção pelo descumprimento do débito.

As leis material e processual (CC, art. 391,81 CPC, art. 591, NCPC, art. 789)82 preconizam que a execução incidirá sobre todos os bens do devedor, sejam eles pre-sentes, futuros e, até mesmo, em determinadas situações, pretéritos,83 buscando transformá-los em dinheiro.

A penhora sobre dinheiro pode, eventualmente, atingir, de forma indesejada, a esfera jurídica de terceiros alheios que não possuem responsabilidade patrimonial sobre o objeto da execução, ocasionando-lhes turbação ou esbulho na posse de seus bens.

Essa situação, evidentemente, contraria o direito por responsabilizar patrimo-nialmente aquele que, em tese, não integra o título executivo que respalda a or-dem de constrição e que, portanto, não se submete à eficácia do ato judicial.84 Isto posto, os embargos de terceiro configuram o remédio jurídico adequado para a obtenção da tutela jurisdicional de desconstituição do indevido ato de constrição (CPC, art. 1.046; NCPC, art. 674) e consequente proteção da posse ou proprieda-de sobre o bem.

Esse importante remédio jurídico, de natureza contenciosa, possui particulari-dades relevantes, de cunho procedimental, idealizadas pelo legislador, a fim de extrair o resultado potencial máximo da medida, no menor prazo possível, sem descurar das garantias constitucionais conferidas ao sujeito passivo da relação. O rito, que prevê a concessão de liminar de manutenção ou reintegração de posse (CPC, art. 1.051, NCPC, art. 678), a possibilidade de realização de audiência de justificação prévia (CPC, art. 1.050, § 1.º; NCPC, art. 677, § 1.º), a suspensão do

80. “A responsabilidade patrimonial recai sobre os bens que integram o patrimônio do deve-dor quando da instauração do processo executivo – bens presentes –, assim como sobre aqueles adquiridos no seu curso – bens futuros.” (STJ, REsp 1.010.988/MT, 4.ª T., j. 04.08.2011, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05.09.2011).

81. “Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”

82. “Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

83. Nesse caso, os atos de execução incidem sobre bens que não mais se encontram no patri-mônio do devedor, mas que, não obstante, continuam respondendo por suas obrigações. É o caso da fraude de execução (CPC, art. 592) e da fraude contra credores (CC, art. 158).

84. PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977. vol. 15, p. 24.

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processo principal até que sobrevenha a sentença (CPC, art. 1.052, sem correspon-dência no novo Código de Processo Civil), cognição sumária e imposição do rito cautelar após a contestação (CPC, art. 1.053, sem correspondência no novo Códi-go, que aplica o rito comum), contribui para que os embargos de terceiro constitu-am-se como o mais eficaz instrumento contra execuções indevidas sobre bens de terceiros alheios.

Com isso, a medida supracitada “se coaduna com os princípios da instrumenta-lidade das formas, do aproveitamento dos atos judiciais, da economia e da celeridade do processo”.85 Tem, portanto, os embargos de terceiro, o condão de entregar ao terceiro alheio a tutela jurisdicional de afastamento, de forma simplificada, justa, célere e eficaz, desde que preenchidos seus requisitos legais.

Particularmente com relação ao prazo de interposição dos embargos de terceiro, o Código de Processo Civil de 1973 e o novo Código de Processo Civil de 2015 não especificaram o seu marco inicial, regulamentando, apenas, o seu respectivo termo final, dispondo de forma apartada quando se tratar de processo de conhecimento e quando se referir a ato espoliativo proveniente de processo executivo.

Reza o art. 1.048 do CPC que: “Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a senten-ça, e, no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da arrematação, adjudica-ção ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta”. O art. 675 do NCPC praticamente reproduz a versão do Código de Processo Civil de 1973.86

Relativamente ao termo inicial para a oposição da medida, há de se considerar a mera ameaça de lesão para que seja configurado o interesse de agir em sua proposi-tura. Ainda que não esteja suficientemente aparelhado o ato de constrição, mas, na iminência de sê-lo, pode o embargante promover a demanda, pois um direito ainda não violado, porém ameaçado, também pode e deve receber a adequada e eficaz proteção jurisdicional do Estado, à luz do princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5.º, XXXV). Destarte, o prazo tem início a partir da constrição – indispo-nibilidade, penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha etc. – ou de sua efetiva e comprovada ameaça.87

85. STJ, REsp 856.699/MS, 3.ª T., j. 15.09.2009, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 30.11.2009.

86. “Art. 675. Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimen-to enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença ou no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.”

87. “Na ação inibitória, deverá ser provado fato que constitua indício de que a violação futura provavelmente ocorrerá. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve recair sobre fato que indique que o fato temido poderá ocorrer antes da efetivação da

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No que tange ao prazo final para a oposição da medida no processo de execução forçada, também aplicável ao cumprimento de sentença (CPC, art. 475-R; NCPC, art. 675) –, o texto legal estabelece que o ingresso poderá ser exercido em até cinco dias após o ato de expropriação, com a ressalva de que isto seja feito “sempre antes da assinatura da respectiva carta”.

Esse prazo de cinco dias é condicional, comportando variação: se a carta de ar-rematação, adjudicação ou remição for subscrita após dois dias de tais atos, o lapso para a propositura reduzir-se-á para dois dias; porém, caso a respectiva carta seja assinada após os cinco dias previstos na norma – como sói acontecer –, o terceiro alheio não mais se beneficiará dessa dilação, devendo respeitar o quinquídio previs-to na regra para não ver a intempestividade da medida declarada.88

Gerson Fischmann,89 Cândido Rangel Dinamarco90 e Araken de Assis,91 entre outros doutrinadores, aludem à perda do prazo do art. 1.048 como causa de deca-dência do direito de opor os embargos de terceiro. Em contrapartida, Hamilton de Moraes e Barros92 e Rogério Marrone de Castro Sampaio, entre outros, sustentam a mera preclusão do ato de embargar.93

A interposição serôdia dos embargos de terceiro, em nossa opinião, configura hipótese de carência de ação superveniente, por inexistência de um ato de apreen-são judicial, na exata medida em que este redundou na expropriação do bem ou direito objeto da constrição. Como a arrematação ou adjudicação – e, por equipa-ração, o dinheiro entregue ao credor para satisfação do débito – extingue de pleno direito o ato de apreensão (a propriedade do bem afetado é perdida e constituída em favor do adquirente – CC, art. 1.275, I), torna-se desnecessária e inútil a prestação jurisdicional desconstitutiva da constrição.94

sentença e, evidentemente, sobre a afirmada ilicitude deste último.” (MariNoNi, Luiz Guilherme. A tutela inibitória. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 192).

88. Moraes e Barros, Hamilton de. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 946-1102. Rio de Janeiro: Forense, 1977. vol. 9, p. 381.

89. FischMaNN, Gerson. Comentários ao Código de Processo Civil: dos procedimentos especiais, arts. 982 a 1.102c. Coord. Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Ed. RT, 2000. vol. 14. p. 252.

90. diNaMarco, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2009. vol. 4, p. 883.

91. assis, Araken de. Op. cit., 11. ed., 2007, p. 1.195.

92. Moraes e Barros, Hamilton de. Op. cit., p. 381.

93. saMPaio, Rogério Marrone de Castro. Embargos de terceiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 124.

94. Para Humberto Theodoro Jr.: “O trânsito em julgado é apontado pelo art. 1.048 apenas como marco temporal, já que para o estranho à relação processo não se forma a res iudica-

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7. o Prazo Para a ProPosiTura dos embarGos de Terceiro quaNdo a coNsTrição iNcidir sobre diNheiro

Cabe situar uma indagação importante, no ápice do presente estudo, sobre como fica o prazo dos embargos de terceiro se a constrição é feita sobre dinheiro de terceiros alheios, já que não há propriamente arrematação, adjudicação, alienação por iniciativa particular ou remição, na penhora on line, tal qual como previsto na regra (CPC, art. 1.048; NCPC, art. 675).

Para que se ultrapasse a barreira da literalidade do texto normativo, é imprescin-dível aplicar uma exegese voltada para a totalidade do ordenamento jurídico, deno-minada por Emílio Betti de “cânone hermenêutico da totalidade”95 e positivada no art. 1.363 do CC italiano.96 O referido autor esclarece que:

“(...) a partir da premissa de que o todo do discurso, bem como de toda mani-festação do pensamento, é gerado por um único espírito e a um único espírito e sentido tende a voltar e a se reduzir, deduz-se uma ilação fundada na correspon-dência levantada entre iter genético e iter hermenêutico ou seja, o critério de ex-trair de cada elemento o sentido do todo e de entender o elemento individual em função do todo e de entender o elemento individual em função do todo de que é parte integrante. Assim como o significado, a intensidade e a nuança de uma pala-vra só podem ser entendidas no contexto em que tal palavra foi dita, ou se encon-tra, o significado e o valor de uma proposição e daquelas que se associam a ela só podem ser compreendidos pelo nexo recíproco e pelo conjunto orgânico do discur-so a que pertencem”.97

Partindo de tais premissas, há que se considerar que o rol previsto na lei não é taxativo (numerus clausus). As hipóteses descritas no texto foram lançadas pelo

ta. Assim, mesmo depois de ultrapassado o dies ad quem assinalado na lei, ao terceiro sempre estará facultado o uso das vias ordinárias para reivindicar o bem constrito judicial-mente. Apenas não poderá se valer da via especial dos embargos disciplinados pelo art. 1.046. Por isso, está assente na doutrina o entendimento de que nenhum terceiro está jungido à obrigação ou ônus de usar dos embargos. Trata-se de simples faculdade que a lei lhe confere, cuja não utilização em nada afeta o direito material do interessado” (theodoro Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. 3, p. 291).

95. Betti, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos – Teoria geral e dogmática. Trad. Karina Jannini, a partir da segunda edição revista e ampliada por Giuliano Crifò. São Paulo: Mar-tins Fontes, 2007. p. XLVIII, estudos preliminares,

96. “Art. 1.363 Interpretazione complessiva delle clausole. Le clausole del contratto si inter-pretano le une per mezzo delle altre, attribuendo a ciascuna il senso che risulta dal com-plesso dell’atto (1419).”

97. Betti, Emilio. Op. cit., p. XLVII.

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legislador de maneira meramente exemplificativa, dado que, se assim não fosse, outras formas de expropriação previstas no ordenamento jurídico e não contempla-das no dispositivo ficariam absolutamente fora do âmbito dos embargos de terceiro (v.g., a alienação por iniciativa particular – CPC, art. 647, II;98 o usufruto de bem ou direito – CPC, art. 647, IV; NCPC, art. 825, III; expedição de mandado de imissão na posse ou busca e apreensão na execução para entrega de coisa certa – CPC, art. 625).99

O dispositivo legal, na medida do possível e viável, deve sempre ser interpretado “de forma objetiva e despojada de especiosidades interpretativas, de modo a se evitar que o dispositivo legal em questão se transforme em um celeiro de armadi-lhas esconsas para os litigantes e, consequentemente, assegurando-se a amplitude desejável do acesso à Justiça”.100

Não é esta, evidentemente, a ratio que emana do texto normativo. Pela isonomia constitucional, hipóteses semelhantes ensejam o mesmo tratamento jurídico (CF, art. 5.º, caput e I).101

Não há como se prever prazo para os embargos de terceiro para o caso, por exemplo, de adjudicação do bem do devedor sem que tal prazo não possa ser apli-cado para qualquer outra forma de expropriação prevista na própria lei processual, salvo raríssimas exceções, como sucede, por exemplo, na desapropriação.102 Dou-trinadores de escol corroboram o entendimento de que o rol do art. 1.048 não se encerra nas hipóteses nele lançadas:

98. No novo Código de Processo Civil, a alienação por iniciativa particular está ressalvada no art. 675.

99. Artigo sem correspondência no novo Código de Processo Civil de 2015.

100. AgRg no REsp 1.289.845/RJ, 3.ª T., j. 21.03.2013, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 03.04.2013.

101. Para Cassio Scarpinella Bueno: “A isonomia ou igualdade deve ser entendida no sentido de que o Estado-juiz (o magistrado, que o representa) deve tratar de forma igualitária os liti-gantes. Seja dando-lhes igualdade de condições de manifestação ao longo do processo, seja criando condições para que esta igualdade seja efetivamente exercitada” (BueNo, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado... cit., 7. ed., 2013, vol. 1, p. 145).

102. A exceção que pode ser apontada ocorre com a desapropriação legítima, que não admite que o terceiro alheio busque a tutela jurisdicional contra a ordem de imissão na posse so-bre o bem, expropriando em razão da não configuração de um ato de esbulho à posse do terceiro. Isso ocorre porque o direito material subjacente – seja de natureza real ou pessoal – “não tem potencialidade de obstar o ato de constrição que pende sobre o objeto desapro-priado”, derivado de um direito preferencial junto ao ordenamento jurídico, diante do interesse público existente. Eventual disputa de interesses entre o expropriado e o terceiro deverão voltar-se contra o preço depositado ou discutido, em ação específica para tal mis-ter (Dec.-lei 3.365/1941, art. 31).

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“O art. 1.048 menciona como ato ocasionador de turbação ou esbulho a arrema-tação, no sentido de alienação coativa (art. 647, II e III), a adjudicação (art. 647, I) e a hipótese do art. 685-A, § 2.º, do CPC. Nesses casos, a transferência do domínio, que constitui ato ofensivo à posse do terceiro, mas tais atos não esgotam a tipologia dessa espécie de ofensa. Por exemplo, o usufruto forçado (art. 716 c/c o art. 647, IV do CPC), ao implicar perda da posse até a extinção do crédito do executado; o de-sapossamento do art. 625; em lesionando posse alheia, ensejam a mesma situação, pois é da índole do ato executório a invasão da esfera jurídica”.103

Com efeito, a assinatura do alvará de levantamento do dinheiro penhorado se subsume perfeitamente às formas exemplificativas descritas no texto legal, pois concerne ato formal com a aptidão de possibilitar e legitimar a transferência de do-mínio do bem penhorado para o credor do título executivo objeto da ação executi-va, o que será complementado com o efetivo levantamento da importância deposi-tada (CPC, art. 708, I; NCPC, art. 904, I). Tratando-se de bem imóvel, essa comple-mentação é feita com o registro da carta de arrematação, adjudicação ou alienação por iniciativa particular na matrícula do registro imobiliário do bem.

Podemos considerar, então, a assinatura do alvará judicial como ato jurídico equiparável àqueles elencados no CPC, art. 1.048 – adjudicação, arrematação e remição –, ou mesmo à alienação por iniciativa particular do NCPC, art. 675, pos-sibilitando a transferência de domínio dos recursos ao credor, por conta do débito exequendo – pelo menos até ulterior decisão judicial.104

103. arruda alviM; assis, Araken de; arruda alviM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 1.743; e assis, Araken de. Op. cit., 14. ed., 2012, p. 1388.

104. Nesse sentido, há farta jurisprudência do TJRS: “Apelação cível. Embargos de terceiro. Constrição de valores em conta-corrente conjunta do casal. Intempestividade. Hipótese em que se mostram intempestivos os embargos de terceiro, porque interpostos muito de-pois de esgotado prazo previsto no art. 1.048 do CPC, que começa a fluir após a expedição do alvará. Precedentes. Impenhorabilidade. Conhecimento da matéria de ofício, por sua natureza de ordem pública. Não caracterização, porque a embargante não se desincumbiu do seu ônus de comprovar a impenhorabilidade das verbas constritas, de acordo com o § 2.º do art. 655-A do CPC” (TJRS, ApCiv 70060151586, 18.ª Câm. Civ., j. 17.07.2014, rel. Des. Heleno Tregnago Saraiva, v.u.); “Embargos de terceiro. Tempestividade. Prazo. Termo inicial. Penhora on line. Em caso de penhora de dinheiro por meio eletrônico, o prazo dos embargos de terceiro flui a contar da expedição do alvará em favor do credor e não da constrição. Não são intempestivos, portanto, os embargos de terceiro opostos pela mulher do devedor para defesa da sua meação, que sequer foi intimada da penhora, antes do jul-gamento dos embargos à execução” (TJRS, ApCiv 70058933391, 22.ª Câm. Civ. j. 24.04.2014, rel. Maria Isabel de Azevedo Souza); “Apelação cível. Ensino particular. Em-bargos de terceiro. Interesse de agir. Penhora on-line. Termo inicial para fluir o prazo da ação incidental. Data da expedição do alvará. Tempestividade. 1. Presente o interesse de

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Como dies a quo para o oferecimento dos embargos de terceiro, deve ser consi-derado o deferimento do pedido, por parte do exequente, de bloqueio sobre o di-nheiro depositado em nome do executado – hipótese em que, diante da iminência de uma concreta constrição, os embargos conformarão caráter inibitório.105

Em contrapartida, como dies ad quem para a oposição da medida, há de se considerar o prazo de cinco dias após a assinatura do alvará judicial expedido em favor do exequente, data em que ocorre a transferência de domínio da quantia depositada.106

Essa posição – que não contraria a sistemática empreendida pelo novo Código de Processo Civil de 2015 – é referendada pela recentíssima jurisprudência do STJ, nos seguintes termos:

“Em hipótese de utilização do sistema Bacen-JUD, considera-se realizada a penhora no momento em que se dá a apreensão do dinheiro depositado ou apli-cado em instituições financeiras, mas a alienação somente ocorre com a coloca-ção do dinheiro à disposição do credor, o que acontece com a autorização de ex-pedição de alvará ou de mandado de levantamento em seu favor, devendo este ser o

agir, pois evidenciada a necessidade e utilidade da tutela pretendida, uma vez que a embar-gante busca o levantamento de penhora incidente sobre numerário que alegadamente lhe pertence. 2. Fundando-se os embargos de terceiro em alegação de penhora on-line, o prazo para que sejam oferecidos somente começa a fluir após a expedição do alvará, que deverá ser assinado pelo magistrado, momento no qual ocorre a transferência do domínio, tal como nos atos elencados no art. 1.048 do CPC. Dado provimento ao apelo, sentença des-constituída” (TJRS, ApCiv 70055972376, 5.ª Câm. Civ., j. 30.10.2013, rel. Jorge Luiz Lo-pes do Canto); “Apelação cível. Direito privado não especificado. Embargos de terceiro. Penhora on-line. Tempestividade. Bloqueio de valores em conta-corrente de terceiro. Ônus da prova. 1. Preliminar. Intempestividade. O ato de penhora on-line não se confunde com o ato de efetivo desapossamento do bem, pois este somente se daria na data da assinatura do alvará para levantamento da quantia, oportunidade em que se poderia cogitar do prazo de cinco dias previsto na segunda parte do precitado art. 1.048, do CPC. Desta feita, tendo os embargos em questão sido interpostos antes mesmo da ordem de expedição de alvará para levantamento da quantia, deve ser afastada a preliminar de intempestividade dos em-bargos” (TJRS, ApCiv 70029316338, 9.ª Câm. Cív., j. 15.07.2009, rel. Odone Sanguiné).

105. “Os embargos de terceiro são admissíveis não apenas quando tenha ocorrido a efetiva constrição, mas também preventivamente. A simples ameaça de turbação ou esbulho pode ensejar a oposição dos embargos.” (STJ, REsp 389.854/PR, 4.ª T., rel. Min. Sálvio de Fi-gueiredo, DJ 19.12.2002, p. 367).

106. “No desapossamento, o prazo termina em cinco dias após o término do meio executório. Porém, quando há expedição de carta de arrematação (art. 703), de adjudicação (art. 685-B, caput), de usufruto (art. 722, § 1.º) e do termo de alienação (art. 685-C, § 2.º), o prazo de cinco dias se iniciará com a assinatura dos autos respectivos.” arruda alviM; assis, Araken de; arruda alviM, Eduardo. Op. cit., p. 1743).

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termo ad quem do prazo de 5 (cinco) dias para apresentação dos embargos de terceiro”.107

Entretanto, a posição externada pelo TJSP é ainda mais flexível, ao considerar como dies ad quem o término do quinquídio, a partir do efetivo levantamento da quantia constrita, pois se trata de ato que constitui efetiva ofensa à posse de tercei-ro, equivalendo, portanto, à adjudicação, arrematação ou remição do bem. Há rei-terados precedentes nesse sentido na 23.ª,108 7.ª109 e 6.ª110 Câmaras de Direito Priva-do do Tribunal Bandeirante.

107. REsp 1.298.780/ES, 3.ª T., j. 19.03.2015, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 27.03.2015.

108. “Embargos de terceiro – Prazo – Art. 1.048 do CPC – Hipótese de penhora on line – Inexis-tência de atos de arrematação, adjudicação ou remição – Prazo de até cinco dias para a oposição dos embargos de terceiro que deve ser contado a partir do levantamento da quan-tia constrita – Ato que constitui ofensa à posse de terceiro e equivale à adjudicação – Em-bargos opostos logo que a embargante tomou conhecimento da penhora on line e antes de eventual levantamento da quantia constrita judicialmente – Tempestividade reconhecida.” (TJSP, Ap. 0218872-61.2009.8.26.0100, 23.ª Câm. de Direito Privado, j. 29.04.2015, rel. Des. José Marcos Marrone, v.u.).

109. “Embargos de terceiro. Extinção do processo sem resolução do mérito por intempestivida-de Inadmissibilidade Inteligência dos arts. 1.046 e 1.048 do CPC Embargante que não foi parte no processo de conhecimento e contra quem se redirecionou a execução, porém sem sua prévia citação em razão da desconsideração da personalidade jurídica da empresa exe-cutada – Na penhora on line, não se tem atos de arrematação, adjudicação ou remição, logo, o prazo de cinco dias para oposição de embargos de terceiro deve ser contado a partir do levantamento da quantia, o que não se tem notícia nos autos Precedentes deste Tribunal de Justiça – Causa madura para o julgamento, nos termos do art. 515, § 3.º, do CPC – Cientificada a executada da renúncia de seu advogado ao mandato, sem constituir outro no lapso temporal do art. 45 do CPC, os prazos processuais correm independentemente de intimação – Jurisprudência do STJ – Desconsideração da personalidade jurídica para atin-gir bem da empresa embargante que figura como sócia da empresa executada – Admissi-bilidade – Exauridos os meios disponíveis para se encontrar bens em nome da executa-da, além de ausente indicação de bens livres e desembaraçados de propriedade da execu-tada – Obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos consumidores – Incidência do art. 28, § 5.º, do CDC.” (Ap 0150864-61.2011.8.26.0100/SP, 7.ª Câm. de Direito Priva-do, j. 04.12.2013, rel. Des. Mendes Pereira, v.u.).

110. “Embargos de terceiro. Extinção do feito sem resolução do mérito por intempestividade afastada. Prazo para interposição de embargos de terceiro, em sede de execução, tem como termo final o decurso do prazo de 5 dias após o levantamento dos valores bloqueados on line, ato que correspondente à adjudicação prevista no art. 1.048 do CPC. Simples blo-queio de valores, sem que tenha sido efetivamente levantado pelo exequente, que afasta intempestividade dos embargos de terceiro. Divergência jurisprudencial acerca da legitimi-dade ativa do sócio da empresa que teve personalidade jurídica desconsiderada para opo-sição de embargos de terceiro, somada ao princípio da fungibilidade das formas, que reco-

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baLzaNo, Felice. A penhora on line e o prazo dos embargos de terceiro. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 167-205. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

O Código de Processo não determina a intimação do cotitular de eventual con-ta-corrente ou aplicação financeira em nome do executado. Além do devedor, o Código de Processo Civil impõe a intimação somente do cônjuge, tratando-se de penhora efetivada sobre bem imóvel (CPC, art. 655, § 2.º; NCPC, art. 842). Esta situação pode, igualmente, interferir na incidência do prazo para os embargos de terceiro, uma vez que não se pode exigir de quem não foi parte o cumprimento de prazos processuais se não teve ciência inequívoca do ato que o originou. Dentro das mazelas do Poder Judiciário brasileiro, não é incomum o terceiro ter um bem seu constrito e não ter tido ciência do ato ou sequer da execução forçada.

Destarte, na hipótese de o titular do dinheiro não ter sido intimado da constrição ou não ter tido ciência inequívoca do ato,111 deve ser aplicada a exegese ampliativa do STJ – arts. 1.048 do CPC/1973 e 675 do NCPC/2015 – tanto na execução como na fase de cumprimento de sentença. Nesse caso, a Corte Especial, em um viés de ins-trumentalidade e efetividade da jurisdição, reconhece que, em tais hipóteses, o pra-zo dos embargos de terceiro deve iniciar a partir da data do efetivo ato de turbação, da agressão concreta à sua posse, com a real ciência do ato de espoliação.112

mendam recebimento de embargos de terceiro. Julgamento do mérito dos embargos, nos termos do art. 515, § 3.º, do CPC. Embargante que era sócio administrador da sociedade empresária ao tempo em que se deu a celebração do negócio jurídico cujo inadimplemen-to deu azo à ação de conhecimento, agora em fase de cumprimento de sentença. Respon-sabilidade do sócio da empresa que teve personalidade jurídica desconsiderada que não se limita à proporção de quotas que titularizava. Precedentes do STJ. Embargante que não se desincumbiu do ônus de provar que valores bloqueados eram impenhoráveis. Extinção do feito sem resolução do mérito afastada. Embargos rejeitados. Recurso improvido.” (Ap 01322-59.2012.8.26.0100/SP, 6.ª Câm. de Direito Privado, j. 31.01.2013, rel. Des. Francisco Loureiro, v.u.).

111. “Segundo a jurisprudência do STJ, a incidência do art. 1.048 do CPC pressupõe elevado grau de convicção de que o terceiro-embargante teve prévio conhecimento da turbação ou do esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial. A propósito, destaca-se julgado da 2.ª Turma, no qual se estabeleceu a necessidade de que fique provada a ciência inequívoca (AgRg no REsp 1.206.181/PA, 2.ª T., rel. Min. Castro Meira, DJe 1.12.2010). Na mesma linha, encontra-se precedente da 4.ª Turma, em que o voto condutor do acórdão afasta expressamente a admissibilidade do emprego de presunção para o reconhecimento acerca da prévia ciência do terceiro-embargante (REsp 678.375/GO, rel. Min. Massami Uyeda, DJ 26.02.2007, p. 596).” (AgRg no AgREsp 312.124/MG, 2.ª T., j. 03.12.2013, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 21.03.2014).

112. “Estando alheio ao processo e aos atos de reintegração de posse, o terceiro pode defender sua posse sem estar submetido ao prazo constante do art. 1.048 do CPC.” (REsp 723.950/PR, 4.ª T., j. 15.12.2009, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 02.02.2010); “Conforme jurisprudência pacífica do STJ, o prazo para a oposição de embargos de terceiro é contado a partir da data em que se configurou a turbação da posse.” (AgRg nos EDcl no Ag 812.823/PE,

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Elogiável a interpretação abrangente por parte do STJ, partindo-se da premissa de que pode ter havido uma constrição indevida de recursos em dinheiro de quem não faz parte da execução e, no plano teórico, não possui responsabilidade patri-monial sobre o objeto da execução, cenário este em que urge um desbloqueio céle-re e eficaz.113

Por fim, a perda do prazo dos embargos de terceiro não interfere no direito ma-terial que o embargante mantém sobre o bem ou direito violado, já que essas ques-tões são decididas incidenter tantum (CPC, art. 469, I; NCPC/2015, art. 504, I).114

O que se decide em caráter principalliter é a desconstituição do ato de constrição que configura a turbação ou o esbulho judicial. Nada impede, portanto, que o pre-judicado ingresse nas vias ordinárias, visando à anulação da arrematação115 ou a reintegração de posse.116

2.ª T., j. 17.03.2009, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.03.2009); “Conforme jurispru-dência pacífica desta Corte, o prazo para a oposição de embargos de terceiro é contado da data em que se configurou a turbação da posse” (REsp 419.697/SC, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 26.02.2008, DJe 04.03.2009); “A jurisprudência deste STJ firmou-se no sentido de que o prazo de cinco dias para o terceiro-embargante, que não teve ciência do processo de execução, ajuizar os embargos de terceiro conta-se da data da efetiva tur-bação da posse e não da arrematação.” (REsp. 974.249/SP, 4.ª T., j. 12.02.2008, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 19.05.2008, RDDP vol. 65, p. 136).

113. Essa posição não é unânime, encontrando vozes em sentido contrário: “Quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista prático, não há como se entender que o prazo fixado pelo legislador seja contado a partir da ciência do terceiro, mesmo que já transitada em julgado a sentença do processo de conhecimento, ou assinada a respectiva carta no proces-so de execução. Em primeiro lugar, o processo principal já estará definitivamente resolvi-do, em virtude de que seus efeitos não poderão ser suspensos pela ação de embargos de terceiro. Em segundo lugar, a ação de embargos de terceiro, eventualmente proposta nessas condições, não estaria funcionando como ação incidental, como é próprio da sua natureza, mas como ação autônoma – possessória ou petitória, dependendo do caso. Pretendesse o terceiro, na sua ação autônoma, obter alguma providência preliminar, tal como tutela an-tecipada ou cautelar, deveria pleitear a primeira no bojo da sua própria ação principal, e a segunda, através de ação cautelar preparatória” (carNeiro, Paulo Cezar Pinheiro. Comen-tários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. vol. 9, t. II, p. 170).

114. O novo Código de Processo Civil de 2015 admite que também a decisão incidental profe-rida acerca de questão prejudicial, mediante a subsistência de pressupostos, fique abrangi-da pela coisa julgada, tornando-se imutável e indiscutível, ainda que não haja pedido ex-presso da parte (art. 503, §§ 1.º e 2.º).

115. AgRg no Ag 638.146/GO, 4.ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 03.10.2005, p. 266.

116. “Processo civil. Ação possessória. Embargos de terceiro. A utilização dos embargos de terceiro é facultativa; decorrido o respectivo prazo, o terceiro cuja posse foi turbada por

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A única consequência relevante é que, uma vez perdido o prazo para aviamento da medida, o prejudicado não mais poderá valer-se do procedimento sumário dos embargos de terceiro, com suas especificidades (suspensão do processo principal, liminar, procedimento sumário, cognição sumária etc.), mas manterá hígido o seu direito de propriedade sobre o direito usurpado pela constrição.

8. a oPosição dos embarGos de Terceiro Pela PróPria ParTe

Outra indagação que interessa ao presente artigo condiz com a possibilidade de interposição de embargos de terceiro por parte do executado, no caso de haver pe-nhora on line em excesso em quantia que extrapola o valor do título executivo.

O CPC, art. 655-A, caput, e seu § 1.º, induzem à regra de que as informações requisitadas pelo juiz, e posterior indisponibilidade do dinheiro eletronicamente bloqueado, deverão limitar-se ao valor do débito exequendo, devidamente acrescido dos consectários legais.

O art. 659 do CPC/1973 confere força jurídica à regra, preceituando que “a pe-nhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios”. Por outro lado, o NCPC/2015 é ainda mais expresso ao dispor, no art. 854, que a indisponibilidade limitar-se-á “ao valor indicado na execução”, e, no art. 831, que a penhora deverá recair em bens suficientes para o pagamento do principal e demais consectários.

Por conseguinte, mera petitio ou exceção de pré-executividade podem ser avia-das pelo sujeito passivo, com o desiderato de desconstituir a apreensão judicial indevida sobre os valores que suplantam o débito exequendo (CPC, art. 745, III; NCPC, art. 917, III).

Em regra, os embargos de terceiro configuram medida adequada aos interesses jurídicos daquele que não compõe como parte a relação processual, mas que, não obstante, é atingido por um ato indevido de constrição. Todavia, tanto o Código de Processo Civil de 1973, importando a ideia do direito português, quanto o novo Código de Processo Civil de 2015 não descartam a possibilidade de a própria parte aviar a medida na defesa de bens que, “pelo título de sua aquisição ou pela qualida-de em que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial” (CPC, art. 1.046, § 2.º), ou na defesa de um direito “incompatível com o ato constritivo” (NCPC, art. 674, caput).

ordem judicial, alegadamente mal executada, pode defendê-la por meio da ação de reinte-gração. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 150.893/SC, 3.ª T., j. 11.12.2001, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 25.03.2002, p. 269, RSTJ 158/249.)

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Na hipótese de haver excesso de apreensão no momento de concretizar a pe-nhora on line pelo juiz poderá a parte exercer, simultaneamente, ambos os papéis – de parte propriamente dita e de terceiro alheio –, visando a desconstituição da decisão que culminou por ultrapassar os limites de sua responsabilidade patrimo-nial. Evidentemente, são títulos jurídicos diversos que justificam o exercício deste duplo papel.117

Conforme ressalta Gerson Fischmann, não é o réu que é equiparado ao terceiro alheio, mas sim o bem apreendido que não integra a res in iudicio deducta e que, à vista disso, demanda a proteção de afastamento do ato.118

O simples requerimento por petição, pela parte prejudicada, nos próprios autos da execução nem sempre tem a esperada efetividade propiciada pelos embargos de terceiro, que faz coisa julgada material e impõe a condenação da parte vencida nas verbas da sucumbência.

Ausente o vínculo de causa e efeito entre o montante excedente objeto da cons-trição e o objeto litigioso da demanda – o valor da execução –, restará configurada a espoliação processual justificadora da medida.119

É claro que, tendo o devedor tantos mecanismos para defender o dinheiro inde-vidamente constrito – mera petição, exceção de pré-executividade e embargos do devedor –, deve o executado justificar, de acordo com as particularidades do caso concreto, a necessidade do exercício desse duplo papel.120

117. PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 19.

118. FischMaNN, Gerson. Op. cit., p. 233.

119. “Por força da expressa previsão do art. 1.046, § 2.º, do CPC, é possível a equiparação a terceiro do devedor que figura no polo passivo da execução quando este defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela penhora, como é o caso daqueles alienados fiduciariamente” (STJ, AgRg no Ag 1.249.564/SP, 2.ª T., j. 27.04.2010, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 11.05.2010).

120. “A parte citada na execução como executada, mesmo indevidamente, integra a relação processual enquanto não excluída por decisão judicial. Assim, na defesa de seu direito, não poderá ela se valer do manejo de embargos de terceiro, por ser essa via deferida apenas a quem não é parte no processo. II – No caso concreto, no entanto, em face da instrumen-talidade do processo, admite-se o manejo dos embargos de terceiro, na medida em que poderiam os recorrentes, inclusive, oferecer a exceção de pré-executividade. Se podiam mais, poderiam também utilizar-se, não obstante, sem rigor técnico, da via dos embargos de terceiros.” (STJ, REsp 98.655/RS, 4.ª T., j. 12.09.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 17.03.2000, p. 231). A propósito, vide: BroNzatto, Alexandre Novelli. Legiti-mação ativa para embargos de terceiro; comentários ao REsp 98.655/RS. In: didier Jr., Fredie; arruda alviM WaMBier, Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 15-32.

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9. coNclusões

A um pedido de tutela jurisdicional executiva – de pagamento de quantia certa – o Estado dá ensejo a um conjunto de meios técnico-jurídicos destinados a entre-gar o bem da vida almejado pelo credor: o dinheiro. A penhora, dentro deste cená-rio, desempenha um papel crucial, como um dos principais atos processuais que possibilitarão a satisfação da execução. Ao contrário, sem sua concretização, o cre-dor, no lugar do almejado crédito, levará para os anais do Poder Judiciário mais uma execução frustrada.

Nesse sentido, a penhora sobre dinheiro ganha um status preferencial dentro do processo civil contemporâneo, por contribuir para uma tutela jurisdicional satisfa-tiva e, ao mesmo tempo, prestigiar uma menor onerosidade para o devedor, sem desperdício de tempo e recursos financeiros.

Dentre as várias formas de se proceder à penhora sobre dinheiro, aquele feita eletronicamente, por meio do sistema Bacen-Jud, foi a que se consagrou na prag-mática, como poderosa ferramenta na obtenção da máxima efetividade da execução e prestigiando, por conseguinte, o ideal de razoável duração do processo (CF, art. 5.º, LXXVIII).

Essa notável importância dentro do sistema positivo nos incentivou a estudar e entender melhor o instituto, de forma a abordar seus aspectos dogmáticos, deixan-do uma base para um trabalho científico com maior profundidade, abrangendo todas as vertentes da penhora e sua imbricação com os embargos de terceiro, inclu-sive quando houver envolvimento com a fraude de execução.

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• A penhora on line após o advento da Lei 11.382/2006, de Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa

– RePro 154/135-155 (DTR\2007\712);

• A penhora virtual de valores e o prognóstico de sua (in)eficácia enquanto instrumento de racionalização da tutela jurisdicional executiva, de César Busnello e Daniel Mattioni – RePro 164/170-184 (DTR\2008\649);

• A penhora, efetivada por meio eletrônico. Faculdade ou dever do magistrado? Considerações após a EC 45/2004, Leis 11.232/2005, 11.277/2006 e 11.280/2006, de Antonio Carlos de Oli-veira Freitas – RePro 144/133-164 (DTR\2007\170); e

• O arresto on-line e o princípio da execução menos gravosa para o credor, de Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa – RePro 234/119-141 (DTR\2014\8869).

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Tutela Provisória

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

209

TuTela de urgência cauTelar TÍPica no novo código de Processo civil e a “aPlicação” do código de Processo

civil de 1973 como “douTrina”

tutela D’urgenzia cautelare tipiche nel nuovo coDice Di proceDura civile e “l’applicazione” Del coDice Di proceDura civile Del 1973 come “Dottrina”

guilherme césar Pinheiro

Mestre em Direito Processual pelo Programa de Pós-graduação da PUC-MG. Professor de Direito Processual Civil na UEMG. Advogado.

[email protected]

Recebido em: 25.09.2015 Aprovado em: 18.12.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: Este artigo objetiva apresentar e discutir a ideia de que o Código de Processo Civil de 1973, no que diz respeito à regulamentação minucio-sa das tutelas cautelares típicas, servirá de base interpretativa para aplicação do novo Código de Processo Civil. Para tanto, será feita uma apre-sentação do tema, esclarecendo a terminologia técnica adotado no texto. Depois, será feita uma comparação de como o tema é regulado nos dois Códigos de Processo Civil (1973 e 2015). Por fim, a ideia central do artigo será apresentada, oportu-nidade em que se procurará demonstrar que toda a edificação técnica e teórica do Código de Pro-cesso Civil de 1973 no que se refere às cautelares típicas não deverá ser desprezada pelos intérpre-tes do Direito, de modo que lhes servirão de base interpretativa e argumentativa para a aplicação do Código de Processo Civil de 2015, mesmo após o início da sua vigência e consequente revogação do Código 1973.

Palavras-chave: Tutelas cautelares típicas – Código de Processo Civil de 1973 – Novo Código de Pro-cesso Civil.

riassunTo: Questo articolo mira presentare e discutere l’idea che il Codice di Procedura Civile del 1973, per quanto riguarda la regolamentazione minuziosa delle tutele cautelari tipiche, servirà come base interpretativa per l’applicazione del Nuovo Codice di Procedura Civile. Con questo obiettivo sarà fatta una presentazione del tema, chiarendo la terminologia tecnica adottata nel testo. In seguito sarà proposta una comparazione che mostra come il tema è regolato nei due Codici di Procedura Civile (1973 e 2015). Finalmente, l’idea centrale dell’articolo sará presentata, cercherà di dimostrare che tutta l’edificazione tecnica e teorica del CPC-1973 rispetto alle cautelari tipiche non dovrà essere disprezzata dagli interpreti del Diritto, in modo che gli servirà come base interpretativa e argomentativa per l’applicazione del CPC-2015, anche dopo l’inizio della vigenza del CPC-2015 e la conseguente revocazione del CPC-1973.

Parole chiave: Tutele cautelari tipiche – Codice di Procedura Civile del 1973 – Nuovo Codice di Procedura Civile.

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

sumáRio: 1. Introdução – 2. Tutela de urgência cautelar como tutela provisória: uma improprie-dade terminológica – 3.Tutela de urgência cautelar no Novo Código de Processo Civil: será fim das cautelares típicas ou nominadas? – 4. “Aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina” após o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015 no que concerne às tutelas cautelares típicas ou nominadas – 5. Conclusões – 6. Referências bibliográficas.

1. iNTrodução

O dia 16.03.2015 passa a ser um dos mais importantes, senão o mais importan-te, da história do Direito Processual Civil brasileiro. Foi o dia em que Dilma Rous-seff, Presidente da República Federativa do Brasil, sancionou o Novo Código de Processo Civil e vetou alguns de seus dispositivos, dando-se início ao período de vacatio legis do mencionado diploma legal: um ano. O Código de Processo Civil de 2015 é o primeiro votado e aprovado após a instituição do regime democrático no Brasil, uma vez que os outros dois Códigos de Processo Civil do Brasil (1939 e 1973) foram produzidos em períodos ditatoriais.

Com isso, à comunidade científica e aos profissionais do Direito em geral cabem intensificar os estudos que já vinham sendo realizados sobre o texto do Novo Có-digo de Processo Civil, a fim de apreender suas novidades e importância para o sistema jurisdicional brasileiro, além de esclarecer seus fundamentos e alcance dos seus dispositivos normativos.

É bastante comum que no período de discussão, votação, aprovação, promulgação e sanção de um novo Código de Processo Civil, bem assim durante o período de sua vacatio legis os olhos dos juristas fiquem voltados para o futuro, para o texto do Código de Processo Civil de 2015 e suas novidades. Mas e o Código de Processo Civil de 1973 deve ser esquecido? Terá ele alguma serventia após a entrada em vi-gor do Código de Processo Civil de 2015? Sua serventia será meramente histórica? É possível esquecê-lo por completo?

Adianta-se: o Código de Processo Civil de 1973 faz parte da história do Direito brasileiro e será carregado para o futuro por aqueles que o vivenciaram, de forma a influenciar a aplicação do Código de Processo Civil de 2015.

A partir disso, este artigo pretende apresentar e discutir a ideia de que mesmo com a entrada em vigor da Lei 13.105/2015: o Novo Código de Processo Civil, a legislação processual civil reformada – Código de Processo Civil de 1973 – poderá continuar sendo “aplicada” como “doutrina”, no que concerne às tutelas cautelares típicas ou nominadas. Isso pela seguinte circunstância: embora o Código de Pro-cesso Civil de 2015 não tenha em seu bojo a regulamentação técnica e pormenori-zada de tais cautelares, como constante no Código de Processo Civil de 1973, o arresto, o sequestro e a busca e apreensão – para citar apenas essas três –, continua-rão a existir no mundo jurídico e poderão ser concedidas e aplicadas pelo Judiciá-

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

rio, de modo que os dispositivos existentes no Código de 1973 servirão como nor-te hermenêutico para os sujeitos processuais.

Para tanto, o presente artigo terá a seguinte estrutura de desenvolvimento. Num primeiro momento, será feita uma breve apresentação do tema, bem como um es-clarecimento a respeito da nomenclatura utilizada no título e no desenvolvimento deste trabalho. Isso com a finalidade de indicar a impropriedade técnico-científica do legislador, ao colocar a tutela de urgência cautelar como tutela provisória.

Em seguida, será feita uma rápida exposição comparativa a respeito da regula-mentação da tutela cautelar no Código de Processo Civil de 1973 e no Código de Processo Civil de 2015, a fim de demonstrar que, embora este último não tenha em sua estrutura normativa um capítulo dedicado às tutelas cautelares típicas, como previsto na legislação de 1973 – procedimentos cautelares específicos –, essas [as tutelas cautelares típicas] não foram extirpadas do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira que continuarão existindo e poderão ser aplicadas pelo Judiciário.

Em razão disso, finalmente, a ideia central do texto será apresentada e discutida, buscando demonstrar que toda a edificação técnica, teórica e jurisprudencial das tutelas cautelares típicas ou nominadas regulamentadas no Código de 1973 conti-nuarão tendo importância, mesmo após a entrada em vigor do Código de 2015 e a consequente revogação do anterior. Com isso, os intérpretes do Direito, em geral, e do Direito Processual Civil, em especial, não poderão desconsiderar os dispositivos normativos e as enunciações teóricas e a jurisprudência atinentes às tutelas caute-lares típicas tratadas no Código de Processo Civil de 1973.

2. TuTela de urGêNcia cauTelar como TuTela Provisória: uma imProPriedade TermiNolóGica.

Antes de tudo, importante recordar que as tutelas de urgência cautelares inse-rem-se no âmbito do que Andrea Proto Pisani designou de tutelas diferenciadas, especialmente no enfoque relativo à sumariedade cognitiva. É que as tutelas jurisdi-cionais diferenciadas, segundo Proto Pisani, têm dois enfoques que não se confun-dem: (a) são estruturadas pela técnica da sumariedade cognitiva (tutela cautelar, antecipada e de evidência); ou (b) são estruturadas a partir da predisposição de vários procedimentos de cognição (plena e exauriente ou não) destinados a tratar de maneira mais adequada de situações jurídicas substanciais e específicas (procedi-mento especiais previsto no Código de Processo Civil e na legislação extravagante).1

1. NuNes, Dierle José Coelho. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferen-ciação procedimental a partir da diversidade de litigiosidades. Revista de Processo. vol. 184. p. 55-56. São Paulo: Ed. RT, 2010.

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Vê-se, portanto, que no plano teórico as tutelas de urgência cautelares são com-preendidas como tutelas diferenciadas, uma vez que são sumárias, haja vista que concedida a partir da probabilidade de existência de lesão ou ameaça de lesão a direitos e perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo. A diferença (dife-renciadas) reside na circunstância de que tutela comum é pautada em cognição plena e exauriente a respeito da lesão ou ameaça de lesão a direitos, enquanto as tutelas de urgências cautelares são sumárias.

Já no plano técnico do Código de Processo Civil de 2015 a tutela cautelar, ao lado da tutela antecipada, é colocada como espécie do gênero tutelas de urgência, essas, ao lado da tutela de evidência, são espécies de tutela de provisória. O que diferencia as tutelas de urgência das de evidência é a circunstância de que estas independem da demonstração de perigo dano ou risco ao resultado útil do proces-so, nos termos do art. 311 do CPC/2015. As tutelas de evidência pautam-se apenas na sumariedade cognitiva a respeito da probabilidade de existência do direito ale-gado. Sendo certo que as tutelas de urgência (cautelar e antecipada) dependem não só da demonstração da probabilidade da existência do direito, lesado ou ameaçado de lesão, mas também da demonstração do perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo.

Assim, para o Novo Código de Processo Civil a tutela de urgência cautelar é provisória. Mas há algo de errado nisso? A resposta é positiva. A provisoriedade não é característica das cautelares. É que o Código confundiu dois termos técnicos diferentes e que dizem respeito às tutelas de urgência, que podem ser cautelares ou antecipadas: provisória não se confunde com temporária. E tal distinção não é novidade, já sendo trabalhada por Piero Calamandrei, em sua pioneira obra, publi-cada no início do século passado e responsável pela sistematização do processo cautelar enquanto um tertium genus da função jurisdicional, colocada entre o pro-cesso de conhecimento e de execução:

“É oportuno, no entanto, advertir que o conceito de provisoriedade (e como aquele, coincidente, de interinidade) é um pouco diferente, e mais restrito, que aquele de temporaneidade. Temporâneo é, simplesmente, aquilo que não dura para sempre, aquilo que, independentemente da superveniência de outro evento, tem por si mesmo duração limitada; provisório é, por sua vez, aquilo que é estabelecido para durar até quando não sobrevenha um evento sucessivo, em vista e na espera do qual o estado de provisoriedade permanece no ínterim. Nesse sentido, provisório equivale a interino: ambas as expressões indicam que é estabelecido para durar so-mente aquele tempo intermediário que precede o evento esperado”.2

2. calaMaNdrei, Piero. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares. Trad. Carla Roberta Andreasi Bassi. Campinas: Servanda, 2000. p. 25-26.

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Não é difícil constatar, portanto, que provisório é qualidade daquilo que é des-tinado a perdurar até que seja substituído. Temporário, por sua vez, é aquilo que tem duração limitada no tempo, mesmo que não seja substituído posteriormente. O que é temporário perdura no tempo até que desapareça o motivo que o fez surgir, enquanto o que é provisório dura até ser substituído por algo que se possa qualifi-car como definitivo.

O equívoco consiste justamente em colocar a tutela cautelar como provisória. É que as tutelas cautelares são temporárias, porque devem perdurar até que dure a situação fática que exponha a perigo o interesse tutelado:

“A tutela cautelar é temporária, porque deve durar enquanto dure a situação de perigo a que esteja exposto o interesse tutelado. A duração do arresto, por exemplo, decretado no curso de uma demanda condenatória, não fica condicionada à prola-ção da sentença que vier a julgar procedente a ação, de tal modo que esse provi-mento cautelar tenha de desaparecer tanto que transite em julgado a sentença. Em verdade, depois do trânsito em julgado da sentença que houver proclamado a exis-tência real do direito que o arresto protegera apenas como aparência de direito, é que tal medida cautelar tornar-se-á ainda mais justificada e prestante, devendo per-durar até que, promovida a ação de execução de sentença. E, entre o trânsito em julgado da sentença e a efetivação da penhora, como se sabe, é comum intercorrer um lapso de tempo considerável. Pense-se na hipótese de sentenças ilíquidas”.3

Para ilustrar a distinção entre provisório e temporário toma-se emprestado o exemplo dado por Alfredo de Araújo Lopes da Costa, referente aos andaimes de uma construção e à barraca de um desbravador dos sertões utilizada como mora-dia. O andaime de uma construção é temporário, porque ao terminar o trabalho externo do construtor nada é colocado em seu lugar, eis que não há mais motivo para sua utilização, impondo a sua retirada. Por outro lado, a barraca que o desbra-vador utiliza para habitar enquanto constrói sua casa é provisória, porque é substi-tuída pela casa.4

Essa distinção pode ser melhor compreendida com os exemplos de Alexandre Freitas Câmara. O autor explica que o arresto, cautelar destinada a garantir futura execução por quantia certa, efetivado mediante constrição de bens do devedor, deve perdurar até que se possa realizar a penhora de bens do devedor. É temporá-rio, portanto, o arresto, porque deixa de existir quando não mais há motivos para continuar produzindo efeitos, não sendo substituído por outra medida. Noutro

3. silva, Ovídio Araújo Baptista da. Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 91.

4. loPes da costa, Alfredo de Araújo. Medidas preventivas, medidas preparatórias, medidas de conservação. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1953. p.16.

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sentido, a decisão interlocutória liminar que fixa alimentos provisórios em proce-dimento com pretensão condenatória ao pagamento de alimentos, ou a decisão interlocutória liminar que concede a reintegração de posse em procedimento pos-sessório, são tutelas provisórias, pois serão substituídas por sentenças:

“O arresto, porém, é medida temporária, pois desaparecerá assim que for possí-vel a realização da penhora de bens do executado, o que se fará no processo execu-tivo. Nota-se que o arresto não é substituído pela penhora. O que ocorre é que, ocorrendo a penhora, o arresto não tem mais razão de ser. Trata-se, pois, de medida temporária. (...) Com a propositura de ‘ação de alimentos’. O juiz, ao início do pro-cesso, fixa alimentos provisórios, os quais produzirão seus efeitos até que, na sen-tença, o juiz fixe os alimentos definitivos, que substituirão aqueles fixados in limine litis. Os alimentos provisórios, pois, são caracterizados pela provisoriedade (como, aliás, seu nome indica), não tendo, portanto, natureza cautelar. Outro exemplo que poderia ser citado é o da decisão que concede, liminarmente, a reintegração de posse. Este provimento será, ao fim do processo (e sendo procedente a pretensão do demandante, obviamente), substituída pela sentença. Medida provisória desti-nada a ser substituída por outra definitiva, tal provimento não tem, como parece óbvio, índole cautelar”.5

A tutela antecipada é que é provisória, eis que tem sua duração limitada no tem-po, até que seja substituída por uma tutela definitiva.

Isto posto, percebe-se que a terminologia utilizada pelo Novo Código de Proces-so Civil no que se refere às tutelas cautelares é equivocada. É que o legislador pre-tendeu diferenciar as tutelas de urgências e de evidência da tutela comum, qualifi-cando aquelas como provisória, pelo fato de não serem atingidas pela coisa julgada material, fato que ocorre apenas em relação à tutela comum, que é definitiva.6

5. câMara, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2014. vol. 3, p. 28-29.

6. A respeito da impossibilidade das tutelas de urgências serem atingidas pela coisa julgada formal, consultar interessante artigo de autoria de Érico Andrade e Dierle José Coelho Nunes. No texto, os autores explicam que as tutelas de urgências não são atingidas pela coisa julgada material porque são concedidas com base em cognição sumária. Com isso, os autores acabam por desvendar o “mistério” da estabilização da tutela de urgência anteci-pada requerida em caráter antecedente sem formação da coisa julgada. Em síntese, de-monstram que a estabilização da aludida tutela de urgência não se resolve pelo instituto processual da coisa julgada, mas pela situação jurídica da decadência, instituto de direito material (aNdrade, Érico; NuNes, Dierle José Coelho. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o mistério da ausência de for-mação da coisa julgada. In: Freire, Alexandre; Barros, Lucas Buril de Macedo; Peixoto, Ravi. Coletânea Novo CPC: doutrina selecionada. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 61-94).

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Por isso, doravante neste texto, toda e qualquer referência que for feita às cau-telares tratadas no Código de Processo Civil de 2015 será como tutela de urgência cautelar, da mesma maneira que está grafado no título deste artigo.

Superada e esclarecida essa questão preliminar e terminológica, já se pode dis-correr sobre o tratamento da tutela de urgência cautelar no Novo Código de Pro-cesso Civil, realizando uma comparação com a legislação reformada.

3. TuTela de urGêNcia cauTelar No Novo códiGo de Processo civil: serÁ Fim das cauTelares TíPicas ou NomiNadas?

Ao se pretender discorrer a respeito da tutela de urgência cautelar no Código de Processo Civil de 2015, necessário que se faça um comparativo com o Código re-formado, com o fito de compreender de que maneira o tema foi tratado em ambos os diplomas normativos e quais são as diferenças existentes entre eles.

Nesse sentido, recorda-se que por influência dos italianos o processo civil brasi-leiro adotou a linha da tríplice divisão das funções exercidas pela jurisdição, sendo elas conhecimento, execução e cautelar. Dessa forma, um Código de Processo Civil deveria abarcar normas atinentes à atividade cognitiva, executiva e cautelar. Com isso, a estruturação do Código de Processo Civil de 1973 deu-se a partir dessa no-ção de que a jurisdição seria exercida por funções vinculadas a fins específicos. Tal legislação foi dividida sistematicamente em cinco livros. O livro I tratando do pro-cesso de conhecimento, ali incluindo o sistema recursal; o livro II do processo de execução; o livro III do processo cautelar. Há ainda o livro IV que trata dos proce-dimentos especiais, que são processo de conhecimento com algumas particularida-des procedimentais, além do livro V contendo disposições finais e transitórias.7

Especialmente quanto à tutela cautelar, esta se encontra disposta no Livro III, sob a rubrica “Do processo cautelar”, e é regulamentada pelos arts. 796 a 889. Sua re-gulamentação é dividida em duas partes: uma acerca das disposições gerais (arts. 796-812) e outra referente aos procedimentos cautelares específicos, os quais são

7. Maciel JuNior, Vicente de Paula. A tutela antecipada no projeto do novo CPC. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; MediNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). Novas ten-dências do processo civil: estudos sobre o projeto de novo Código de Processo Civil. 1. ed. Sal-vador: JusPodivm, 2013. vol. 1, p. 304-306. Ver também: quiNaud PedroN, Flávio Barbosa; toleNtiNo, Fernando Lage. Sumarização da cognição nas tutelas de urgência e evidência no projeto de novo Código de Processo Civil: expectativas e frustrações. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; Fux, Luiz (org.). Novas tendên-cias do processo civil: estudos sobre o projeto de novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2014. vol. 2, p. 533-546.

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chamados de tutelas cautelares típicas ou nominadas. As disposições gerais basica-mente estruturam um procedimento comum para as cautelares (arts. 800-806), es-tabelece as hipóteses de manutenção e cessação dos efeitos temporais de tais tutelas (arts. 807-808), bem como as circunstâncias que induzem a responsabilidade civil do requerente da cautelar em caso de prejuízo causado pela execução da medida (art. 811). Ademais, cuidam de outras particularidades das cautelares, como o poder geral de cautelar que autoriza a adoção de tutela cautelar atípica ou inominada (não expressamente prevista) sempre que houver fundado receio de que uma parte, antes do deslinde final da demanda, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil repa-ração. Ou seja, abordam temas relacionados à teoria geral da cautelaridade.

As cautelares típicas ou nominadas são reguladas pelos dispositivos dos arts. 813-889: arresto, sequestro, busca e apreensão, exibição, produção antecipada de provas, arrolamento de bens, protestos, notificações e interpelações, entre outros. Trata-se de procedimentos cautelares específicos delineados pelo legislador com finalidade de proteger bens, pessoas e provas que sejam objeto de demanda judicial de conhecimento ou execução e estejam em situação de perigo ou perecimento, capaz de tornar futuro provimento executivo ou de conhecimento ineficaz.

É nesse ponto que o Novo Código de Processo Civil inova ao não trazer a previsão de procedimentos cautelares específicos (cautelares típicas ou nominadas). Esclarece-se que a cautelar na novel legislação processual civil é tradada no Livro V da Parte Geral: “Da tutela provisória”, pelos conteúdos normativos dos arts. 294-299, os quais enunciam disposições gerais aplicáveis às tutelas provisórias, seja ela de urgência (cautelar ou antecipada), seja ela de evidência; pelos arts. 300-302, que trazem normas gerais sobre as tutelas de urgências; e, pelos arts. 305-310, os quais estruturam o procedimento da tutela de urgência cautelar pleiteada em cará-ter antecedente. Esses últimos dispositivos são reproduções substanciais dos arti-gos atinentes ao procedimento comum cautelar constantes no Código de Processo Civil reformado (arts. 801-809).

Por uma rápida leitura dos artigos do Novo Código de Processo Civil no que concerne à tutela de urgência cautelar, vê-se que não há regulamentação das caute-lares típicas como havia na legislação de 1973. A questão que se coloca, então, é a seguinte: com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 as cautelares típicas ou nominadas, como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão, o arrola-mento de bens – só para lembrar quatro delas –, deixarão de existir no ordenamen-to jurídico brasileiro?

A resposta é negativa. Primeiro, pela circunstância de que o próprio código faz menção a tais tutelas de urgência cautelares no seu art. 301: “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”. Segundo, pelo fato de que mesmo que o código não

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fizesse expressa menção ao arresto, ao sequestro, à busca e apreensão, ao arrola-mento de bens, ao registro de protesto conta alienações de bens, essas tutelas de urgência cautelares poderiam ser pleiteadas e concedidas. Isso porque ainda que o Código de Processo Civil de 2015 não se referisse ao arresto no seu art. 301, tal medida seria necessária e adequada para assegurar execução de quantia certa, me-diante constrição de bens indeterminados do devedor. Do mesmo modo, o seques-tro é (e continuará sendo) a medida cautelar adequada para assegurar execução de entregar coisa certa, também por meio de constrição de bens, mas, neste caso, a constrição dá-se sobre bens determinados, ainda que não houvesse menção no Có-digo.8 Isso porque de acordo com o Código de 2015 toda tutela de urgência cautelar depende da incidência de dois requisitos gerais, a saber: (i) probabilidade da exis-tência do direito; (ii) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300 do NCPC: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Nessa perspectiva, questões em torno da aplicação, alcance, incidência e extin-ção de cada uma das tutelas de urgência cautelares típicas ou nominadas que rece-bem nominação pela legislação e pela processualística, deverão ser resolvidas pelo Código de Processo Civil de 2015 sem aquele apoio normativo minucioso do Có-digo de Processo Civil de 1973. E diante da inexistência de dispositivos normativos vigorantes após o início da vigência do Código de 2015, qual será a base normativa de orientação dos sujeitos processuais (advogados, magistrados, membros do Mi-nistério Público e partes) na aplicação e solução dos problemas que lhes serão co-locados no dia a dia da prática jurídica?

A resposta a essa pergunta será desenvolvida no próximo tópico, oportunidade em que a ideia principal deste artigo será discutida e ofertada à comunidade científica.

4. “aPlicação” do códiGo de Processo civil de 1973 como “douTriNa” aPós o iNício da viGêNcia do códiGo de Processo civil de 2015 No que coNcerNe às TuTelas cauTelares TíPicas ou NomiNadas

Conforme salientado acima, o Código de Processo Civil de 2015, apesar de não trazer em seu bojo dispositivos normativos referentes aos procedimentos cautelares específicos – tutelas cautelares típicas ou nominadas –, faz menção ao arresto, ao sequestro, arrolamento de bens e busca e apreensão, que são cautelares típicas ou nominadas. Dessa forma, dúvidas quanto à incidência de uma ou outra tutela de urgência cautelar podem surgir na prática jurídica.

8. câMara, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 110-145.

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E o problema reside na circunstância da ausência de disciplina normativa por-menorizada sobre o assunto. Quando será cabível o arresto? E o sequestro? E a busca e apreensão, quando terá incidência? E o arrolamento de bem a qual ou quais situações é adequado? São algumas perguntas que ficam no ar.

Respostas a essas perguntas – colocadas de maneira abstrata e simplista – podem ser encontradas nos revogados dispositivos normativos Código de Processo Civil de 1973 e, sobretudo, na interpretação que lhes são dadas pela doutrina e pela ju-risprudência.

Os questionamentos surgem devido ao fato de que o texto normativo do artigo constante no Código de Processo Civil de 2015 é, à primeira vista, insuficiente. Refere-se aqui ao art. 300, que estabelece quais são os requisitos genéricos para incidência de qualquer tutela de urgência, seja cautelar ou antecipada: elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Necessário então voltar os olhos para o texto do Código de 1973, especialmente aos dispositivos do Capítulo II – dos procedimentos cautelares específicos – do Livro III – do processo cautelar. Assim, pode-se concluir que, de modo geral, o ar-resto será cabível diante de situação que indique insuficiência patrimonial do deve-dor – perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo – para satisfação de prová-vel direito de crédito – probabilidade do direito. Essa conclusão tem como base nor-mativa os arts. 813 e 814 do CPC/1973.9 Já com base no art. 822 do CPC/1973,10 vê-se que o sequestro terá incidência quando se estiver diante de litígio sobre bens

9. “Art. 813. O arresto tem lugar: I – quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar--se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II – quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III – quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV – nos demais casos expressos em lei. Art. 814. Para a concessão do arresto é essencial: I – prova literal da dívida líquida e certa; II – prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo antecedente. Parágrafo único. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíqui-da, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de presta-ção que em dinheiro possa converter-se.”

10. “Art. 822. O juiz, a requerimento da parte, pode decretar o sequestro: I – de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando lhes for disputada a propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou danificações; II – dos frutos e rendimentos do imóvel reivindi-cando, se o réu, depois de condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar;

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

móveis, imóveis ou semoventes determinados. A adequabilidade da tutela de ur-gência cautelar de busca e apreensão pressupõe dúvida quanto à localização da coisa ou da pessoa e limita-se a coisas móveis e pessoas incapazes, de acordo com a interpretação dada aos arts. 839 e 84011 do CPC/1973.12 Diferente é a tutela de urgência cautelar de arrolamento de bens que se mostra adequada para conservar uma universalidade de bens que se encontra em perigo de extravio e dissipação, de acordo com o conteúdo normativo do art. 855 do CPC/1973.13

Mas não é somente a respeito da incidência das tutelas de urgências cautelares que a dúvida reside. Questionamentos serão colocados também no que diz respeito a algumas nuances técnicas. Exemplos podem ajudar na compreensão da proble-mática que se quer levantar. Primeiro, pense na seguinte situação: um devedor após sofrer constrição judicial em bem seu, em decorrência de uma decisão liminar con-cessiva de arresto (tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 301 do CPC/2015), procurou o credor e celebrou uma transação se comprometendo a adimplir o crédi-to em questão em seis parcelas. Diante disso, um problema pode ser vislumbrado, a saber: após a celebração da transação entre credor e devedor acerca do crédito que o arresto procurava garantir a satisfação, a decisão liminar concessiva de arresto deve manter-se ou ser extinta (revogada)?

O texto normativo do Código de Processo Civil de 2015 não oferece resposta, nem mesmo apresenta diretriz interpretativa para solucionar a questão colocada. Contudo, ao se analisar o conteúdo do art. 820, III, do CPC/197314 não se terá muita dificuldade em concluir que a medida de arresto deve cessar quando for celebrada transação ou qualquer forma de extinção da obrigação. Essa solução é apresentada pelo texto normativo do Código de 1973, mas pode ser levada em con-sideração na aplicação do Código de 2015.

Outra situação hipotética que pode auxiliar na compreensão da questão refere-se aos requisitos para o cumprimento do mandado da tutela de urgência cautelar de busca e apreensão. O Código de Processo Civil de 2015 não prescreve requisitos

III – dos bens do casal, nas ações de separação judicial e de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando; IV – nos demais casos expressos em lei.”

11. “Art. 839. O juiz pode decretar a busca e apreensão de pessoas ou de coisas. Art. 840. Na petição inicial exporá o requerente as razões justificativas da medida e da ciência de estar a pessoa ou a coisa no lugar designado.”

12. MariNoNi, Luiz Guilherme Marinoni; areNhart, Sérgio Cruz. Processo cautelar. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 238. Curso de Processo Civil, vol. 4.

13. “Art. 855. Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens.”

14. “Art. 820. Cessa o arresto: I – pelo pagamento; II – pela novação; III – pela transação.”

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

especiais para o cumprimento da mencionada ordem judicial, mas o de 1973, em seu art. 842, estabelece que o mandado há de ser cumprido por dois oficiais de justiça, acompanhados de duas testemunhas. Além disso, tratando-se de direito autoral ou direito conexo do artista, intérprete ou executante, produtores de fono-gramas e organismos de radiodifusão, os oficiais de justiça deverão ser acompanha-dos por dois peritos, aos quais incumbirá a confirmação da ocorrência da violação dos direitos referidos, antes de ser efetivada a apreensão.

Muitos outros exemplos podem ser pensados, mas não se tem aqui a pretensão de esgotar o tema ou tratá-lo de maneira minuciosa. A ideia é apenas ressaltar que toda a edificação técnico-normativa constantes no Capítulo II do Livro III do CPC/1973, assim como a interpretação que lhe foi dada pela doutrina e jurispru-dência não deverão ser desprezadas e servirão como base interpretativa para aplica-ção do novo Código.

Importante deixar bem claro que isso não significa uma defesa de aplicação das disposições do Código de Processo Civil de 1973 como norma, após sua revoga-ção, porque isso violaria de forma frontal o princípio constitucional da legalidade (art. 5.º, II, da Constituição brasileira). A “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 se daria como “doutrina”. E doutrina aqui tem o sentido de conjun-to de interpretações especializadas sobre determinado assunto, ensinando, ins-truindo e mostrando seus conteúdos jurídicos,15 de sorte a auxiliar todos os su-jeitos processuais a resolverem os problemas colocados no dia a dia da prática jurídica.

Isso ocorre pela circunstância de o legislador ter preferido privilegiar a simplifi-cação do sistema, mediante a redução de dispositivos normativos e tratamento da matéria em termos genéricos, o que implica um certo vazio normativo e traz a ne-cessidade de “aplicar” o dispositivo antigo, revogado. Esses dispositivos são cha-mados por André Vasconcelos Roque de “dispositivos-zumbis”, uma vez que se-riam “ressuscitados” mesmo após o início da vigência do novo Código e a conse-quente revogação do anterior:

“Nem sempre, todavia, essa avaliação do legislador corresponde à realidade, ocasião em que acaba por abrir mão de disciplinar assuntos ainda relevantes. É nesses vazios normativos que, diante da omissão da nova legislação, surge a tenta-ção de aplicar a regra antiga – revogada – como forma de solucionar os problemas que surgem. Quando isso ocorre, é como se a regra revogada ‘ressuscitasse’, de forma velada. No mundo das normas, ela está morta, tendo dado espaço à nova legislação. No mundo real, todavia, ela continua viva e efetiva. É o que eu tenho

15. Brêtas c. dias, Ronaldo. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 9, nota de pé de página 1.

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

chamado de ‘dispositivos-zumbis’, ou seja, regras do CPC de 1973 que, na prática, continuarão a ser aplicadas mesmo após o novo CPC”.16

E essa ideia de “vazio normativo”, que incomoda os sujeitos processuais e será causada pela entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, no que diz respeito às tutelas de urgência cautelares, decorre do fato de que o Direito brasilei-ro é filiado e encontra-se inserido na tradição jurídica romano-germânica ou de civil law. É bem verdade que já há alguns anos ocorre inegável convergência entre as tradições jurídicas do common law e do civil law,17 e o Brasil, cada vez mais, se aproxima da tradição do common law. Contudo, mesmo que o Direito brasileiro venha atribuindo significativa importância à jurisprudência, às sumulas e aos pre-cedentes como base decisória, os textos legislativos constituem o objeto central do Direito e fornecem sobremaneira as soluções jurídicas para os casos concretos. São os textos legislativos o principal norte de orientação para os sujeitos processuais (advogados, juízes, membros do Ministério Público, serventuário e auxiliares da justiça). Tanto é que houve grande mobilização da academia, dos juízes, advogados e membros do Ministério Público, dos Parlamentares durante os mais de cinco anos de discussão do Novo Código de Processo Civil: uma Lei. Há ainda enorme expec-tativa de que essa nova legislação crie uma base normativa para uma nova raciona-lidade de aplicação do Direito, que seja consentânea aos preceitos constitucionais, principalmente.

Logo, a ausência de dispositivos normativos no Código de Processo Civil de 2015, no que concerne às tutelas de urgência cautelares típicas, induzirá à busca de

16. roque, André Vasconcelos. O novo CPC e os dispositivos zumbis. JOTA (on-line), 2015, p. 1. Disponível em: [http://jota.info/o-novo-cpc-e-os-dispositivos-zumbis].

17. A respeito da aproximação do Direito brasileiro ao common law, consultar: arruda alviM WaMBier, Teresa. Interpretação da lei e de precedentes: civil law e common law. Revista dos Tribunais. ano 99. vol. 893. p. 33-45. São Paulo: Ed. RT, mar. 2010; arruda alviM WaMBier, Teresa. (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 2012; MariNoNi, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011; Faria, Gustavo de Castro. Jurispru-dencialização do direito: reflexões no contexto da processualidade democrática. Belo Horizon-te: Arraes, 2012; BustaMaNte, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012; BarBoza, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a juris-dição constitucional brasileira. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2014; PiNheiro, Guilherme César. A vinculação decisória no Estado Democrático de Direito brasileiro: uma proposta de com-preensão hermenêutica da fundamentação das decisões judiciais no contexto de aproximação entre o civil law e common law. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito. Belo Horizonte: PUC-MG, 2013, 214 p.; theodoro Jr., Humberto; NuNes, Dierle José Coelho; Bahia, Alexandre Gustavo de Melo Franco; quiNaud PedroN, Flávio Barbosa. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

respostas no texto do Código de Processo Civil de 1973 aos problemas colocados na prática do dia a dia. A interpretação doutrinária, e a jurisprudência formada sobre a legislação reformada. Nesse sentido, o Código de 1973 será “aplicado” como “doutrina”, no sentido de conjunto de enunciações técnicas que auxiliam aos intérpretes na solução de problemas concretos.

O interessante é que já há quem defenda que a interpretação processual já deve considerar conceitos do Código de Processo Civil de 2015 antes mesmo do início de sua vigência, raciocínio com sentido oposto ao defendido neste artigo. Isso por-que o Código de 2015 cria uma nova racionalidade para o sistema processual, de maneira que os intérpretes do Direito comecem a se adaptar com suas novidades, especialmente aqueles que possuem estrita relação com os preceitos processuais previstos na Constituição:

“No entanto, na medida em que o mesmo cria uma nova racionalidade para o sistema processual, em conformidade com suas premissas fundamentais, seria ab-solutamente recomendável que, neste período de transição legislativa, toda inter-pretação processual levada a cabo, especialmente pela doutrina e Tribunais, fosse se adaptando aos fundamentos (ratio) dos novos comandos com o fim de se promover uma adaptação ao novo paradigma hermenêutico estabelecido. Perceba-se que aqui não estamos advogando uma aplicação imediata de suas técnicas, uma vez que seria absurdo e feriria a verba legis dos dispositivos supra transcritos. Nem se trata de uma discussão de direito intertemporal, que gerará profundas discussões a partir de 18.03.2016. O que aqui se defende é que no âmbito interpretativo os próprios apli-cadores, com destaque para os tribunais (e doutrina), comecem a adaptar seu modo de interpretar o sistema processual em conformidade com as novas premissas.”18

Para explicar seu raciocínio Dierle Nunes afirma que o conteúdo normativo do art. 10 do CPC/2015 já deveria ser levado em consideração, vedando-se aos magis-trados de surpreender as partes, ao decidir com fundamento em argumentos e questões que não tenham sido objeto de debate processual, ao propor que o contra-ditório seja compreendido “como direito de participação na construção do provi-mento, sob a forma de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação das decisões”.19 O autor traz outro exemplo, agora com apoio no art. 218, § 4.º, do CPC/2015, o qual determina que é tempestivo o recurso interposto antes

18. NuNes, Dierle José Coelho. Interpretação processual já deveria considerar conceitos do novo CPC. Consultor Jurídico. vol. 30032015. p. 1-2. São Paulo, on-line, 2015.

19. theodoro Jr., Humberto; NuNes, Dierle José Coelho; Bahia, Alexandre Gustavo de Melo Franco; quiNaud PedroN, Flávio Barbosa. Op. cit., p. 93. Mais sobre a moderna compreen-são do princípio do contraditório, consultar: NuNes, Dierle José Coelho. Processo jurisdi-cional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008.

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do início do protesto. Com isso, protesta pela superação da Súmula 41820 do STJ, que considera extemporâneo interposto antes no início do prazo para recorrer:

“Nestes termos, por exemplo, em conformidade com o art. 10 do CPC/2015 o juiz não pode surpreender as partes no momento decisório ao trazer fundamento não discutido no curso do processo. Como já defendo há muito, o art. 5.º, LV, da Constituição já garante esta interpretação desde 1988, assim, é perfeitamente pos-sível que os juízes já apliquem hoje esta intelecção, nos casos que atuarem, de modo a adaptar-se ao sistema do Novo CPC. Outro exemplo diz respeito à nomina-da jurisprudência defensiva dos tribunais, que cria filtros formais abusivos para o conhecimento do mérito recursal. Em inúmeros pontos o CPC 2015 a combate estabelecendo a racionalidade interpretativa óbvia de que as formas processuais devem ser interpretadas em conformidade com seus conteúdos (de direitos funda-mentais) e não como mero rito (desprovido de razão e lógica). Em assim sendo, o art. 218, § 4.º, do CPC/2015, em superação ao enunciado de Súmula 418 do STJ, impede ao tribunal julgar extemporâneo ou intempestivo recurso, na instância or-dinária ou na extraordinária, interposto antes da abertura do prazo”.21

Interessante salientar que a ideia de que a interpretação processual já deve con-siderar as diretrizes normativas do Código de Processo Civil de 2015, de modo a viabilizar um aprendizado gradual a respeito das bases interpretativas da nova le-gislação e de seu impacto na prática judicial, já tem sido aceita pelo STJ, consoante se observa no acórdão do AgRg no AgRg no REsp 1.403.999/PE (2013/0309990-0), cuja relatoria foi do Min. Napoleão Nunes Maia Filho. No caso, a 1.ª Turma do STJ negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que havia conhe-cido recurso de apelação não ratificado após o não conhecimento de embargos de declaração, afastando, assim, a incidência da Súmula 418 do próprio tribunal. Em síntese, o acórdão em referência toma como base interpretativa o formalismo processual democrático criado pelo Código de Processo Civil de 2015, principal-mente a partir do texto de sua norma fundamental expressa do art. 4.º e, por conseguinte, afasta a antiquada concepção de formalismo excessivo ou exacerbado que deu origem à aludida súmula.22 Isso porque não faria qualquer sentido exigir

20. Súmula 418 do STJ: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

21. NuNes, Dierle José Coelho. Interpretação processual... cit., p. 1-2.

22. Sobre a ideia de formalismo processual democrático, consultar o interessante artigo: NuNes, Dierle José Coelho; cruz, Clenderson Rodrigues da; druMMoNd, Lucas Dias Costa. Forma-lismo processual democrático e algumas incursões de sua aplicação no Código de Processo Civil Projetado. In Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; MediNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto de novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 4.

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

que a parte recorrente ratificasse um recurso que já havia sido recebido. Quer dizer, tal formalidade seria um fim em si mesmo e não representaria a incidência de qual-quer direito fundamental, ao contrário, revelaria ofensa a direitos fundamentais: direito de recorrer e inafastabilidade da jurisdição ou acesso à jurisdição.23 Veja importante trecho do acórdão em questão:

“Processual civil e administrativo. Recurso especial. Não se pode exigir da parte que ratifique o recurso nos termos da Súmula 418/STJ, quando na mesma decisão em que se rejeitam os declaratórios o juízo já recebe o recurso da parte contrária. Situação peculiar que excepciona a incidência do referido entendimento sumular. Fundamentos insuficientes à reforma da decisão. Agravo regimental desprovido. 1. Não se pode exigir da parte recorrente que ratifique um recurso que já foi objeto de recebimento pelo Juiz, por ocasião da rejeição dos declaratórios da parte contrária. 2. Situação que excepciona a aplicação da Súmula 418/STJ. 3. Os argumentos expostos no Agravo Regimental não são suficientes para modificar o entendimento trazido na decisão recorrida, os quais ainda são reforçados pela redação do novo Código de Processo Civil, em período de vacatio legis. 4. Agravo Regimental desprovido. (...) 2. Verifi-ca-se que a decisão recorrida fundou-se no simples e peculiar fato de que, no pre-sente caso, a Súmula 418/STJ é inaplicável, uma vez que o Juízo, na mesma decisão em que rejeitara os declaratórios, já recebera a apelação. 3. Referida situação impede que a parte apelante seja obrigada, após o próprio recebimento da sua apelação, a ratificá-la, ainda que sua decisão seja precária e provisória. 4. Qual o sentido de se obrigar à parte que já foi contemplada com o recebimento de um recurso, que o ra-tifique, para que seja recebido? 5. O entendimento defendido pela Empresa Pública Agravante, além de privilegiar sobremaneira o formalismo excessivo, tornando-o um fim em si mesmo, em total desapego à ideologia processual, que etimologica-mente significa marcha adiante, causa profunda injustiça, contrariando as diretrizes já aprovadas pelo Congresso Nacional, na redação do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), o qual se encontra em período de vacatio legis”.24

Vê-se que para o Direito brasileiro os textos de leis, ainda que não se encontrem em vigência, seja porque já foi revogado – Código de Processo Civil de 1973 –, seja porque se encontra no período de vacatio legis – Código de Processo Civil de 2015 – também são importantes. Servem como base interpretativa dos dispositivos nor-mativos vigorantes, auxiliam os sujeitos processuais na articulação argumentativa de seus arrazoados e na aplicação do Direito.

23. theodoro JúNior, Humberto; NuNes, Dierle José Coelho; Bahia, Alexandre Gustavo de Melo Franco; quiNaud PedroN, Flávio Barbosa. Op. cit., p. 190-194.

24. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.403.999/PE (2013/0309990-0). Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 1.ª Turma, Diário de Justiça, Brasília, 14 de abril de 2015.

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Nesse sentido, mesmo após o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015, as disposições do Código de Processo Civil de 1973 não deverão ser esqueci-das pelos intérpretes do Direito, a fim de que os erros do passado não se repitam e, consequentemente, que o “novo” seja compreendido como algo capaz de criar uma renovada racionalidade aplicativa do Direito. O Código de Processo Civil de 1973 faz parte da história do Direito Processual brasileiro, não ficará preso e esquecido no passado após sua revogação e será levado com os juristas para o futuro, influen-ciado na compreensão do de 2015. Em especial, continuará sendo “aplicado” como “doutrina”, sobretudo no que concerne às tutelas de urgência cautelares típicas ou nominadas.

5. coNclusões

O Novo Código de Processo Civil trata a tutela cautelar como tutela de urgência, ao lado da tutela antecipada, e provisória, ao lado da tutela de evidência. Logo, para o este Código a tutela de urgência cautelar é provisória, o que consiste em impreci-são terminológica do legislador, porque a cautelar não tem como característica a provisoriedade, mas sim a temporalidade, pois perdura do tempo até que o motivo que a fez surgir desapareça, não sendo substituída por outra.

Ao regulamentar as cautelares no Código de 2015, o legislador não trouxe para a estrutura do novo código regulamentação minuciosa das cautelares típicas ou nomi-nadas como presente do Código de 1973 no Capítulo II do Livro III – dos procedi-mentos cautelares específicos. No entanto, as cautelares típicas ou nominadas como o arresto, sequestro, busca e apreensão, só para citar três delas, continuarão existin-do no Direito brasileiro e serão aplicadas pelo Judiciário, ainda que inexista discipli-na minuciosa no Código de Processo Civil ou em legislação extravagante.

Esse “vazio normativo” induzirá a que os sujeitos processuais procurem respos-tas aos problemas da prática judicial, no que se refere a incidência das tutelas cau-telares típicas ou nominadas, no Código de Processo Civil de 1973, mesmo após o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015 e a consequente revogação do anterior. Isto é, o Código de 1973 será “aplicado” como “doutrina”, uma vez que servirá de base interpretativa para aplicação do Código de 2015.

Assim, o Código de Processo Civil de 1973 não poderá ser desprezado após sua revogação, bem assim todas as interpretações que lhe foram dadas pela doutrina e pela jurisprudência. As obras especializadas sobre o tema não deverão ser jogadas no lixo, ao contrário, deverão ser preservadas. O Código de 1973 faz parte da his-tória do Direito brasileiro em geral e do Direito Processual Civil brasileiro, em es-pecial, de sorte que não ficará esquecido no passado, em vez disso, será levado para o futuro junto com os seus intérpretes e influenciará na aplicação do Código de Processo Civil de 2015.

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PiNheiRo, Guilherme César. Tutela de urgência cautelar típica no Novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 209-227. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Análise da tutela antecipada no Projeto da Câmara dos Deputados no Novo CPC: tutela satis-

fativa urgente e de evidência. Tutela cautelar primeira parte, de Artur César de Souza – RePro 230/127-171 (DTR\2014\1070);

• As tutelas de urgência no Projeto de Novo Código de Processo Civil, de Desirê Bauermann – RePro 224/425-445 (DTR\2013\9323);

• Tutelas de urgência: novas perspectivas e o Projeto do Novo Código de Processo Civil, de Gabriel Carmona Baptista – RePro 233/99-119 (DTR\2014\3354); e

• Tutelas sumárias, tutelas de urgência e o pensamento de Alcides Munhoz da Cunha, de Sér-gio Cruz Arenhart – RePro 241/205-217 (DTR\2015\2124).

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Meios de Impugnação das Decisões

Judiciais

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didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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ação rescisória e a ação de invalidação de aTos Processuais PrevisTas no arT. 966, § 4.º, do cPc/2015

suits to challange res JudicaTa anD to annuel proceDural acts (art. 966, § 4.º) in the new brazilian civil proceDural coDe

fredie didier Jr.Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFBA. Livre-docente pela USP. Membro da Associação Internacional de Direito Processual,

do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Professor associado na Universidade

Federal da Bahia, nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. [email protected]

leonardo carneiro da cunha

Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFPE. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito

Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Professor Adjunto na Faculdade de Direito do Recife (UFPE), nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. Procurador

licenciado do Estado de Pernambuco. [email protected]

Recebido em: 19.10.2015 Aprovado em: 02.12.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: Este ensaio examina, sob um prisma dog-mático, o § 4.º do art. 966 do CPC/2015, que supos-tamente pretende regular uma ação de invalidação de atos processuais.

Palavras-chave: Ação rescisória – Ação anulatória – Decisão homologatória – Partilha – Jurisdição vo-luntária.

absTracT: This essay examines, from a dogmatic point of view, art. 966 § 4.º of the Brazilian Code of Civil Procedure, that allegedly intends to regulate an action to invalidate procedural legal acts.

KeyWords: Rescissory action – Action for invalidation – Approval by the judge – Disputes over the distribution of inheritance – “Jurisdição voluntária”.

sumáRio: 1. Introdução – 2. Rescindibilidade das decisões que homologam autocomposição – 3. Rescindibilidade da decisão que homologa partilha amigável – 4. Rescindibilidade da decisão proferida em jurisdição voluntária – 5. A ação rescisória e a ação “anulatória” do § 4.º do art. 966 do CPC/2015: 5.1 Nota introdutória. Premissas para a compreensão do problema; 5.2 Análise

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232 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

dogmática do § 4.º do art. 966: 5.2.1 Generalidades e duas primeiras impropriedades técnicas; 5.2.2 Atos de disposição de direitos homologados pelo juízo; 5.2.3 Atos homologatórios pratica-dos no curso da execução.

1. iNTrodução

O § 4.º do art. 966 do CPC/2015 é o dispositivo que carrega a maior quantidade de imprecisões técnicas entre todos os que compõem o novo Código.

É muito difícil examiná-lo dogmaticamente.

Ao que tudo indica, ele vem a ser o correspondente ao art. 486 do CPC/1973, servindo como base normativa para a “ação anulatória” de ato jurídico processual.

Sucede que, em um novo sistema de impugnação da coisa julgada, implantado pelo Código de Processo Civil de 2015, o dispositivo não pode ser interpretado com base no repertório dogmático forjado ao tempo do Código de 1973, que, no particular, é bem diferente do novo. Ainda que o texto do § 4.º do art. 966 do CPC/2015 fosse idêntico ao do art. 486 do CPC/1973, o que não é, sua interpreta-ção deveria ser repensada, porque o dispositivo está inserido em outro contexto. É muito importante perceber isso.

A interpretação do § 4.º do art. 966 do CPC/2015 pressupõe a apresentação de algumas premissas em torno da rescindibilidade de algumas decisões: homologató-rias de autocomposição e proferidas em jurisdição voluntária.

Em seguida, cuidaremos do dispositivo que é o foco desse pequeno ensaio.

2. resciNdibilidade das decisões que homoloGam auTocomPosição

A decisão que homologa a autocomposição, uma vez transitada em julgado, é rescindível.1

Trata-se de espécie de decisão de mérito (art. 487, III, do CPC/2015) e, nessa qualidade, se subsume à hipótese do caput do art. 966 do CPC/2015. Qualquer de-cisão de mérito é rescindível. Não há razão para ser diferente nesse caso.

O Código de Processo Civil de 2015, ao ampliar o cabimento da ação rescisória também para as decisões de admissibilidade (art. 966, § 2.º, do CPC/2015) e ao falar em “decisão de mérito”, e não mais “sentença de mérito” no caput do art. 966, não dá margem a dúvidas quanto a isso.

1. Nesse sentido, Mazzei, Rodrigo; GoNçalves, Tiago Figueiredo. Primeiras linhas sobre a disciplina da ação rescisória no CPC/15. In: Macêdo, Lucas Buril de; Peixoto, Ravi; Freire, Alexandre (org.). Doutrina selecionada – Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 6, p. 179.

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233Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Aliás, a decisão homologatória é título executivo judicial (art. 515, II, do CPC/2015). Nessa condição, o executado somente pode opor-se ao cumprimento de sentença alegando uma das matérias do § 1.º do art. 525 do CPC/2015, sendo--lhe vedado suscitar pontos que deveriam ser enfrentados na fase de conhecimento; só lhe restará alegar matérias pertinentes à própria execução ou fatos supervenien-tes à decisão homologatória. Essa regra revela, claramente, a existência da eficácia preclusiva da coisa julgada nesse caso (art. 508 do CPC/2015). Daí o cabimento da ação rescisória para desconstituí-la.

Assim, deve ser encerrada a polêmica, existente ao tempo do Código de Proces-so Civil de 1973, quanto à rescindibilidade das decisões que homologam a auto-composição. A polêmica decorria da necessidade de combinação do art. 485, VIII, do CPC/1973, que previa rescisória nos casos de transação, com o art. 486 do CPC/1973, que falava em “sentença homologatória”.2

É rescindível, então, a decisão que homologa transação, reconhecimento da pro-cedência do pedido e renúncia ao direito sobre o que se funda a ação3 (art. 487, III, do CPC/2015). A observação é muito importante, para fim de compreensão da abrangência do § 4.º do art. 966, adiante examinado.

Nesses casos, a ação rescisória pode fundar-se em fatos que digam respeito ao ato homologado4 ou à decisão de homologação. É possível, por exemplo, rescindir a decisão que homologou renúncia obtida mediante coação (art. 966, III, CPC/2015) ou que homologou transação em fraude à lei (art. 966, III, CPC/2015).5 Também será possível a rescisão, por exemplo, nos casos de incompetência absoluta do juízo que homologou a autocomposição ou no caso de homologação de acordo relativo a incapaz sem prévia intimação do Ministério Público.6

2. Sobre essa polêmica doutrinária, ver, amplamente: BarBosa Moreira, José Carlos. Comentá-rios ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. 5, p. 157-163; carvalho, Fabiano. Ação rescisória: decisões rescindíveis. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 66-94; didier Jr., Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. vol. 3, p. 407-412.

3. alviM, Thereza. Notas sobre alguns aspectos controvertidos da ação rescisória. Revista de Processo. vol. 39. p. 14. São Paulo: Ed. RT, 1985; carvalho, Fabiano. Op. cit., p. 84 e segs.

4. Não admitindo a rescisória por vício no ato homologado, BarioNi, Rodrigo. Da ação rescisó-ria. In: arruda alviM WaMBier, Teresa; didier Jr., Fredie; talaMiNi, Eduardo; daNtas, Bruno (coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 2150.

5. “Com isso, ainda é possível a rescisão da sentença que se baseou em autocomposição vi-ciada, não só pela própria coação, mas também pelo dolo e pela fraude à lei.” Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1916.

6. Idem, p. 1924.

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234 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Enfim, a ação rescisória pode ser proposta por haver vício na autocomposição, no procedimento que acarretou a homologação, na competência do juízo ou na própria decisão homologatória.

3. resciNdibilidade da decisão que homoloGa ParTilha amiGÁvel

A redação originária do art. 2.027 do CC prescrevia: “A partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos”.

Em sua literalidade, permitia o Código Civil que uma partilha “julgada” pudes-se ser anulada como um negócio jurídico comum.

Costumava-se interpretar como “julgada” apenas a partilha decidida por senten-ça. Mas também se deveria compreender como “julgada” a partilha homologada pelo juiz, quando houvesse consenso.

No primeiro caso, há julgamento propriamente dito. Ora, se há julgamento, há aptidão para a coisa julgada. A coisa julgada é estabilidade da decisão que somente pode ser desconstituída por meios típicos, dentre os quais sobressai a ação rescisó-ria (art. 966 e segs. do CPC/2015). A sentença de partilha, aliás, é expressamente rescindível nos termos do art. 658 do CPC/2015.

No segundo caso, o juiz não a julga, mas a decisão que homologa a partilha consensual é igualmente de mérito (art. 487, III, b, do CPC/2015). Essa decisão homologatória também é, pelas mesmas razões, rescindível.7 Isso decorre da com-binação de alguns dispositivos, imprescindíveis para compreender a extensão da mudança no art. 2.027 do CC.

Os arts. 657 e 966, § 4.º, do CPC/2015 deixam claro que a decisão (transitada em julgado) que homologa partilha amigável é rescindível.

Já havia clara incompatibilidade entre o Código Civil e o Código de Processo Civil de 1973; em relação ao Código de Processo Civil de 2015, a antinomia seria ainda mais evidente. O dispositivo do Código Civil somente poderia ser aplicado às partilhas amigáveis; àquelas que passaram pelo crivo judicial se reservaria a ação rescisória.8

7. “Se a partilha amigável foi feita por instrumento particular homologado pelo juiz, pode ela ser anulada por dolo, erro essencial ou incapacidade relativa, ou ter decretação de nulida-de, por incapacidade absoluta do figurante. Mas há sentença homologante e essa, como sentença, que é, está sujeita às regras jurídicas do art. 485, I-IX.” PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977. t. XIV, p. 276. O art. 485 do CPC/1973 corresponde ao art. 966 do CPC/2015.

8. Entendendo que somente as partilhas julgadas se submetem à ação rescisória – às homo-logadas não se aplicaria a ação rescisória, mas sim a ação anulatória de ato jurídico: leite,

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235Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Não era caso de revogar o art. 2.027 do CC, pois ele é importante para os casos de partilha não “julgada”. Era preciso, então, redefinir os limites de sua incidência.

O Código de Processo Civil de 2015 evitou essa antinomia, ao alterar a redação do art. 2.027 do CC. O art. 1.068 do CPC/2015 determinou a alteração do texto do art. 2.027 do CC, que passou a conter a seguinte redação: “A partilha é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos”.

Com a mudança, ficou claro que a partilha, que pode ser amigável e feita em serventia extrajudicial, é, como qualquer negócio jurídico, anulável. Não há mais menção à decisão da partilha. Isso porque, se há decisão judicial e trânsito em jul-gado, o caso é de ação rescisória (art. 658 do CPC/2015), não de anulatória.

Eis, então, a síntese do sistema atual de impugnação de partilha: se a partilha for decidida ou homologada pelo juiz, e a respectiva decisão transitou em julgado, o caso é de ação rescisória da sentença que a homologou (arts. 658 e 966 do CPC/2015);9 se for extrajudicial ou, tendo sido decidida ou homologada pelo juiz, a respectiva decisão ainda não tiver transitado em julgado, cabe ação anulatória da partilha, nos mesmos casos e prazos previstos para os negócios jurídicos em geral (arts. 657, caput, e 966, § 4.º, CPC/2015).10

4. resciNdibilidade da decisão ProFerida em Jurisdição voluNTÁria

Tradicionalmente, diz-se que as sentenças proferidas em procedimento de juris-dição voluntária não se tornam indiscutíveis pela coisa julgada e, por isso, não poderiam ser alvo de uma ação rescisória. Essa é a orientação predominante.

Não é, porém, o entendimento aqui defendido.

As sentenças proferidas nos procedimentos de jurisdição voluntária também são aptas à coisa julgada, tornando-se imutáveis e indiscutíveis. No procedimento de jurisdição voluntária, há pedido, existindo, portanto, mérito. A sentença que o acolhe está a resolver o mérito, encaixando-se na hipótese do art. 487, I, CPC/2015.

Eduardo Oliveira. Comentários ao Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. vol. 21, p. 823; Prado, Maria Isabel. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2008. vol. 17, p. 575-576; FuJita, Jorge Shiguemitsu. Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coord. Carlos Eduardo Nicoletti Camillo; Glauber Moreno Talavera; Jorge Shiguemitsu Fujita; Luiz Antonio Scavone Jr. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 1397.

9. Nesse sentido, Enunciado 137 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Contra sentença transitada em julgado que resolve partilha, ainda que homologatória, cabe ação rescisória”.

10. Nesse sentido, Enunciado 138 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A partilha amigável extrajudicial e a partilha amigável judicial homologada por decisão ainda não transitada em julgado são impugnáveis por ação anulatória”.

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236 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

A sentença de mérito, proferida em procedimento de jurisdição voluntária, torna--se imutável e indiscutível, produzindo coisa julgada. Desse modo, transitada em julgado uma sentença num procedimento de jurisdição voluntária, cabe ação resci-sória com a finalidade de desconstituir a coisa julgada que se produzir, em razão de alguma das hipóteses previstas no art. 966 do CPC/2015.11

Note que, de acordo com o Código de Processo Civil de 2015, até mesmo deci-sões que não resolvem o mérito da causa podem ser objeto da ação rescisória. Nada há no texto do Código de Processo Civil que impeça a ação rescisória de decisão proferida em jurisdição voluntária, que é decisão de mérito, produzida após contraditório.

5. a ação rescisória e a ação “aNulaTória” do § 4.º do arT. 966 do cPc/2015

5.1 Nota introdutória. Premissas para a compreensão do problema

A compreensão dos contornos dogmáticos do § 4.º do art. 966 pressupõe a fixa-ção de algumas premissas.

a) A ação rescisória incorporou os casos de invalidade da sentença. Algumas causas de invalidade da sentença convertem-se em hipóteses de rescindibilidade. Quando se funda em questões de validade, a ação rescisória serve como ação de invalidação da decisão.

b) Decisão judicial transitada em julgado pode ser invalidada por ação rescisó-ria, seja ela de mérito (art. 966, caput), seja ela decisão que não tenha examinado o mérito (art. 966, § 2.º). A regra, como visto, também se aplica às decisões que ho-mologam a autocomposição.

Em dois casos específicos, cabe querela nullitatis (arts. 525, § 1.º, I, e 535, I, do CPC/2015). Isso porque a coisa julgada é situação jurídica que somente pode ser

11. José Maria Tesheiner, embora entenda não haver coisa julgada na jurisdição voluntária, ressalta existirem decisões de mérito nos processos de jurisdição voluntária, motivo pela qual não se deve, na sua opinião, preexcluir o cabimento da ação rescisória, devendo-se, concretamente, investigar o interesse de agir na sua propositura (tesheiNer, José Maria. Ação rescisória no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 244. p. 212-213. São Paulo: Ed. RT, 2015). Para Humberto Theodoro Jr., apenas nos casos em que tenha havido resistência no procedimento, a sentença proferida em jurisdição voluntária pode ser obje-to de ação rescisória (theodoro Jr., Humberto. A ação rescisória no Novo Código de Pro-cesso Civil. Revista Brasileira de Direito Processual. n. 90. p. 292. Belo Horizonte: Forum, 2015).

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237Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

extinta por meio de ação judicial específica. E a coisa julgada pressupõe a existên-cia de decisão judicial transitada em julgado.

c) Decisão judicial que não tenha transitado em julgado pode ser invalidada por recurso, como regra, ou até mesmo, embora seja bem excepcional, ex officio, nos casos em que isso for possível (art. 64, § 1.º, do CPC/2015, por exemplo).

d) Atos processuais praticados pelas partes ou por auxiliares da justiça não são aptos a se tornarem indiscutíveis pela coisa julgada. São, porém, atos jurídicos e, nessa qualidade, podem ser invalidados. A invalidação desses atos jurídicos cos-tuma ser requerida e decretada nos próprios autos do processo em que o ato foi praticado, incidentalmente. Mas nada impede que se proponha ação com esse propósito.

O § 4.º do art. 966 do CPC/2015 cuida da invalidação dos atos processuais pra-ticados pelas partes ou pelos auxiliares da justiça. Ele não cuida da invalidação de atos decisórios, que, conforme visto, será resultado de ação rescisória, querela nulli-tatis ou recurso.

e) O § 4.º do art. 966 deve ser interpretado em consonância com o restante do artigo em que inserido.

O caput do art. 966 não deixa margem para dúvida: decisão jurisdicional de mérito é alvo de ação rescisória. O § 2.º do art. 966 também é bem claro: decisão jurisdicional que não é de mérito também é objeto da ação rescisória.

Assim, ao § 4.º do art. 966 sobrou o regramento da ação de invalidação de atos processuais não decisórios: os atos das partes ou dos auxiliares da justiça.

f) Por causa disso, o § 4.º do art. 966 está mal posicionado no Código. Como nada tem a ver com a ação rescisória, não deveria estar no capítulo a ela dedicado. Dispositivo sobre a invalidação de atos não jurisdicionais deveria estar no capítulo do Código de Processo Civil dedicado às invalidades processuais.12

12. Como, aliás, sugerido pela versão do Código de Processo Civil aprovada pela Câmara dos Deputados, em 26.03.2014, com redação tecnicamente muito superior à que restou apro-vada: “Art. 284. O ato negocial praticado pela parte ou por participante do processo, ho-mologado ou não em juízo, está sujeito à invalidação, nos termos da lei. § 1.º É anulável o ato negocial praticado no cumprimento de sentença e no processo de execução. § 2.º Não se aplica o disposto neste artigo quando o pronunciamento homologatório resolver o mérito e transitar em julgado, caso em que será cabível ação rescisória, nos termos do art. 978”. A numeração refere-se à versão da Câmara dos Deputados. O Senado Federal, porém, não aceitou essa sugestão e restaurou o § 4.º do art. 966. Criticando a colocação do dispositivo como parágrafo do art. 966, embora elogiando a redação (que, para nós, é muito ruim): BueNo, Cassio. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 605-606.

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238 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

5.2 Análise dogmática do § 4.º do art. 966

5.2.1 Generalidades e duas primeiras impropriedades técnicas

Eis a redação do § 4.º do art. 966 do CPC/2015: “Os atos de disposição de direi-tos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei”.

O dispositivo tem um núcleo normativo: cuida da “anulação” de alguns atos jurídicos. É para isso que ele serve. Regula, porém, a invalidação de atos jurídicos em duas situações: atos praticados na fase de conhecimento (primeira parte do § 4.º, que vai até “homologados pelo juízo”) e os “atos homologatórios”, praticados no “curso da execução”.

O dispositivo normativo contém, ainda, uma série de impropriedades. Esse item é dedicado a examinar as duas partes do § 4.º do art. 966 e as suas impropriedades.

Uma dessas impropriedades é geral: aplica-se a ambas as situações. Ela se en-contra no núcleo normativo do enunciado.

Fala-se que determinados atos processuais estão “sujeitos à anulação”. “Anula-ção” é uma espécie de invalidação, relacionada às anulabilidades, que, por sua vez, costumam relacionar-se aos vícios de vontade (coação, dolo, erro etc.).

Os atos processuais podem, porém, estar sujeitos à “nulidade”, espécie de inva-lidação relacionada a defeitos mais graves do ato jurídico, como a incapacidade do agente e a ilicitude do objeto ou da forma. Aliás, o parágrafo único do art. 190 do CPC/2015 expressamente fala em “nulidade” da convenção processual atípica, também ela exemplo de ato jurídico processual.

É preciso, então, fazer a correção dogmática do texto normativo: onde se lê “anulação”, leia-se “invalidação”.

Há outra impropriedade “geral” do dispositivo. Na verdade, qualquer ato jurídi-co processual, porque ato jurídico, é sujeito à invalidação, e não apenas aqueles mencionados no § 4.º do art. 966 do CPC/2015. É preciso não ignorar que o dispo-sitivo deve conviver com todo o regramento geral das invalidades processuais (arts. 276-283 do CPC/2015) e com o regramento geral das invalidades dos atos jurídicos previsto no Código Civil. Os atos processuais não são passíveis de invalidação por causa do § 4.º do art. 966 do CPC/2015; já o seriam independentemente dele, por força de todo o ordenamento jurídico e, mais precisamente, das normas que tratam das invalidades processuais e das invalidades dos atos jurídicos em geral.

5.2.2 Atos de disposição de direitos homologados pelo juízo

a) A primeira parte do dispositivo cuida dos “atos de disposição de direitos” “homologados pelo juízo”. Há dois problemas aqui.

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239Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

a1) Nem todo ato de disposição é homologável. A renúncia ao recurso e a desis-tência do recurso, por exemplo, dispensam homologação.

A desnecessidade de homologação do ato de disposição de direitos – que, aliás, é a regra geral do sistema,13 sendo conveniente lembrar o disposto no art. 200 do CPC/2015 – não impede a sua invalidação. Ou seja: é possível invalidar atos de disposição de direitos que não foram homologados pelo juiz. A redação do § 4.º do art. 966 pode levar ao entendimento de que o ato de disposição da parte somente pode ser invalidado após a sua homologação. Assim, é plenamente possível, por exemplo, a invalidação de uma convenção processual atípica, celebrada nos termos do art. 190, e, portanto, não homologada, em que tenha havido disposição de direi-tos por alguma das partes.

a2) Nem todo ato da parte ou de outro participante do processo é de disposição de direitos. A petição inicial, a outorga de procuração e a confissão (declaração de fato, sem disposição de direito algum),14 por exemplo, são atos jurídicos proces-suais que não são dispositivos. Mas eles podem ser invalidados, normalmente, já que se trata de atos jurídicos.

b) Se há homologação de negócio jurídico sobre o objeto litigioso (transação, renúncia ao direito sobre o que se funda a ação ou reconhecimento da procedência do pedido), há decisão judicial de mérito, que, uma vez transitada em julgado, so-mente poderá ser desfeita por rescisória ou querela nullitatis.15 Lembre-se que a impugnação ao cumprimento de sentença desse acordo tem cognição limitada (arts. 515, II, e 525, § 1.º, do CPC/2015), não sendo possível versar sobre as ques-tões pertinentes à fase de conhecimento, justamente por causa da coisa julgada e de seu efeito preclusivo (art. 508 do CPC/2015).

Assim, a primeira parte do § 4.º do art. 966 do CPC/2015 refere-se à possibilidade de invalidação de atos jurídicos processuais, praticados pelas partes ou por outros sujeitos do processo, e homologados pelo juiz, tendo como pressuposto negativo a existência de coisa julgada.

13. didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 1, p. 379. Especificamente para as convenções processuais, o Enunciado 133 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do caput do art. 190 não dependem de homologação judicial”.

14. Aliás, o art. 393 do CPC/2015 expressamente prevê a anulação da confissão.

15. Adota-se, aqui, a interpretação dada ao art. 486 do CPC/1973, a que em linhas gerais cor-responde ao art. 966, § 4.º, CPC/2015: rizzi, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Ed. RT, 1979. p. 90; BarBosa Moreira, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. vol. 5, p. 144-145; didier Jr., Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p. 410-412; carvalho, Fabiano. Op. cit., p. 84.

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didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Embora o dispositivo refira-se apenas a “atos homologados” pelo juiz, é eviden-te que qualquer ato jurídico processual que contenha vício passível de anulação pode ser anulado nos termos da lei. O dispositivo não pode ser interpretado literal-mente, com essa restrição. A má redação, de baixa qualidade técnica, precisa ser corrigida por uma interpretação que lhe confira rendimento e não conflite com todo o ordenamento jurídico. Cabe, enfim, uma interpretação sistêmica, concluin-do-se que o dispositivo não altera o cenário normativo até então existente.

Se há coisa julgada, a anulação desses atos jurídicos fica impedida. Enquanto não houver coisa julgada, é, porém, possível invalidar o ato ou o negócio jurídico. As-sim, cabe ação anulatória de transação homologada, desde que tenha havido recurso contra a sentença de homologação em cujas razões a invalidade não tenha sido re-querida. Se requerida a invalidade no recurso, a ação não pode ser proposta, sob pena de caracterizar litispendência. A ação somente poderá ser proposta se tiver sido interposto recurso no qual a invalidade não tenha sido postulada. Nesse caso, a ação de invalidação é prejudicial à ação em cujo processo a transação fora homologada.

5.2.3 Atos homologatórios praticados no curso da execução

a) A parte final do dispositivo fala em “atos homologatórios praticados no curso da execução”. O Código de Processo Civil vale-se também do termo “cumprimento de sentença”, para referir-se à fase de execução da decisão judicial. Assim, onde se lê “curso da execução”, compreenda-se “execução fundada em título judicial ou extrajudicial”.

b) Há, ainda, nítida assimetria entre as duas partes do § 4.º do art. 966.

Na primeira parte, o dispositivo cuida de atos processuais das partes e de outros sujeitos (atos a serem homologados); na segunda, a literalidade do texto remete aos atos do juiz (atos homologatórios). Na primeira parte, o alvo é de uma natureza; na segunda, de outra. Confusão. Não há distinção entre os ambientes (conhecimento, supostamente o ambiente a que se refere a primeira parte, e execução, o ambiente a que se refere expressamente a segunda) que justifique esse tratamento desigual.

O dispositivo inteiro aplica-se apenas aos atos processuais não jurisdicionais. É o ato homologado, enquanto não transitada em julgado a decisão homologatória, ou a ser homologado que está sujeito à anulação nos termos do § 4.º do art. 966 do CPC/2015.16 Se o objetivo é invalidar decisão judicial, ainda que homologatória e mesmo que proferida “no curso da execução”, é preciso recordar a premissa: o caso é de ação rescisória ou recurso.

16. Assim, MariNoNi, Luiz Guilherme; areNhart, Sérgio; Mitidiero, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. vol. 2, p. 599.

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241Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

didieR JR, Fredie; cuNha, Leonardo Carneiro da. Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais previstas no art. 966, § 4.º, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 231-241. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

c) Caso se opte pela interpretação literal, chegaríamos a uma situação esdrúxula e incoerente com todo o sistema: apenas as decisões homologatórias em execução seriam objeto de anulação por meio distinto da ação rescisória. É que o § 4.º do art. 966 do CPC/2015 menciona as decisões homologatórias praticadas “no curso da execução”. Decisões homologatórias “praticadas” no curso do processo de conhe-cimento seguiriam a regra geral: sujeitam-se a invalidação por ação rescisória ou recurso. Essa interpretação é assistemática e incoerente e a coerência, como se sabe, é um atributo indispensável à dogmática jurídica.17

A distinção não faria o menor sentido; não há diferença de cognição judicial, para fim de homologação da autocomposição, entre a decisão homologatória pro-ferida na fase de conhecimento e aquela proferida “no curso da execução”.

d) Caso, ainda, se entenda que a segunda parte se refere mesmo a atos do juiz “praticados no curso da execução”, a anulação desse ato deve ser feita, conforme determina o mesmo § 4.º, “nos termos da lei”. E a lei que cuida da “anulação” de decisão judicial é o próprio Código de Processo Civil – e não a lei civil. Assim, se houve o trânsito em julgado da decisão homologatória praticada no curso da exe-cução, o caso é de ação rescisória; se ainda não houve o trânsito em julgado, por recurso fundado em error in procedendo.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Ação rescisória no novo Código de Processo Civil, de José Maria Tesheiner – RePro 244/209-243

(DTR\2015\9706); e

• O Novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil vigente, de Candido Rangel Dinamarco – RePro 247/63-103 (DTR\2015\13199).

17. PeczeNik, Alexander. Certainty or coherence. The reasonable as rational? On legal argumen-tation and justification. Festschrift for Aulis Aarnio. Berlin: Duncker & Humblot, 2000. p. 169.

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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a reclamação consTiTucional e os PrecedenTes vinculanTes: o conTrole da hierarquização inTerPreTaTiva no âmbiTo local

a constitutional claim anD binDing preceDent: the control of interpretative ranking in local scope

José henrique mouTa araúJo

Doutor e Mestre em direito (UFPA). Estágio de Pós-doutoramento (FDUL). Professor titular na Unama (PA), Cesupa (PA) e Fametro (AM). Advogado e Procurador do Estado do Pará.

[email protected]

Recebido em: 30.09.2015 Aprovado em: 30.11.2015

área do direiTo: Constitucional; Processual

resumo: A instabilidade da jurisprudência é um dos maiores problemas do sistema processual brasileiro. A nova legislação pretende, dentre vários aspectos, ampliar a força dos precedentes judiciais e criar um sistema de controle e imposição de sua aplicação. A reclamação possui importante papel nesse processo de hierarquização interpretativa no âmbito local. Os tribunais locais deverão estar preparados para este novo momento e para a ampliação da utilização desse instrumento de controle interpretativo. Novos desafios, ligados à estrutura e trabalho interpretati-vo, serão enfrentados pelos tribunais locais, tendo em vista que os interessados provocarão a discussão quanto a não aplicação, pelos órgãos a ele vincula-dos, das teses firmadas no incidente de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência.

Palavras-chave: Instabilidade – Jurisprudência – Precedentes – IRDR – Reclamação – Controle – Tri-bunal – Ampliação.

absTracT: The instability of law is one of the largest Brazilian legal system problems. The new legislation is intended, among many things, expand the judicial precedents strength and create a control system and impose their application. The complaint has an important role in this interpretative hierarchy process at the local level. Local courts should be prepared for this new era and to expand the use of this interpretive control instrument. New challenges, linked to the structure and interpretive work, will be faced by local courts, given that those concerned will lead the discussion as not applying, by the bodies linked to it, the signed thesis in Repetitive Claims Resolution Incident and Assumption competence.

KeyWords: Instability – Jurisprudence – Previous – IRDR – Complaint – Control – Court – Extension.

sumáRio: 1. Introdução – 2. O conceito de precedente e os instrumentos de seu controle – 3. Natureza jurídica da reclamação: um tema com variações – 4. Nova modalidade de reclamação constitucional – Não atendimento à súmula vinculante e aos procedentes oriundos dos proces-sos repetitivos (IRDR e AC) – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográficas.

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

1. iNTrodução

O Código de Processo Civil de 20151 pretende superar alguns pontos de estran-gulamento do sistema e abreviar o tempo de duração dos processos judiciais. A nova legislação possui vários pontos de sustentação, como, por exemplo: cooperação, contraditório substancial, concentração da defesa, calendarização, flexibilização procedimental, modificações recursais, tutela provisória e força dos precedentes.

Vale ressaltar que, em verdade, no decorrer dos últimos anos, vários institutos foram consagrados objetivando proporcionar maior efetividade e brevidade à presta-ção da tutela jurisdicional, tentando diminuir o tempo de duração do processo,2 am-pliar a estabilização da interpretação dos tribunais e fortalecer a jurisprudência3 Com

1. Lei 13.105, de 16.03.2015.

2. Barbosa Moreira, em artigo publicado em 2001, chamou atenção para os vários mitos en-volvendo o futuro da justiça, dentre os quais estava (e ainda está nos dias atuais) a rapidez acima de tudo. De acordo com suas lições: “O submito número 2 é a ideia de que todos os jurisdicionados clamam, em quaisquer circunstâncias, pela solução rápida dos litígios. Ideia ingênua: basta alguma experiência da vida forense para mostrar que, na maioria dos casos, o grande desejo de pelo menos um dos litigantes é o de que o feito se prolongue tanto quanto possível. Ajunto que os respectivos advogados nem sempre resistem à tenta-ção de usar todos os meios ao seu alcance, lícitos ou ilícitos que sejam, para procrastinar o desfecho do processo: os autos retirados deixam de voltar a cartório no prazo legal, criam-se incidentes infundados, apresentam-se documentos fora da oportunidade própria, interpõem-se recursos, cabíveis ou incabíveis, contra todas as decisões desfavoráveis, por menos razão que se tenha para impugná-las, e assim por diante. É verdade que o Código de Processo Civil prevê sanções para uma série de comportamentos irregulares, mas, por vários motivos, elas permanecem quase letra-morta no texto legal, ou, mesmo aplicadas, não se revelam capazes de coibir totalmente a chicana”. BarBosa Moreira, José Carlos. O futuro da justiça: alguns mitos. Revista de Processo. vol. 102. p. 230. São Paulo: Ed. RT, 2001.

3. “A tendência de fortalecimento da jurisprudência no processo civil brasileiro vem se dese-nhando, de forma gradativa e persistente, desde o final do século XX. Reformas do CPC, em especial no seu art. 557, permitiram substancial incremento dos poderes do relator no âmbito dos tribunais, admitindo-se o julgamento monocrático de recursos sob o funda-mento da aplicação da jurisprudência dos tribunais superiores. Anos mais tarde, essa ten-dência se intensificaria de forma inquestionável, sendo implementados, através de suces-sivas reformas na Constituição e no CPC, institutos como a súmula vinculante, a súmula impeditiva de recursos e a sentença liminar de improcedência, todos fundados na invariá-vel perspectiva de valorização da jurisprudência.” roque, André Vasconcelos. Dever de motivação das decisões judiciais e o controle da jurisprudência no novo CPC. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; MediNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). Novas ten-dências do processo civil – Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 257.

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245Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

o Código de Processo Civil de 2015, novos institutos são criados e outros aprimo-rados, visando atender a esta ideia de superação dos obstáculos por meio de am-pliação do caráter vinculante das decisões judiciais em processos repetitivos e com isso alcançar a efetiva e real duração razoável do processo (art. 5.º, LXXVIII da CF/1988 c/c art. 4.º, do CPC/2015).4

Uma das modificações mais importantes ligadas ao sistema de precedentes é, sem dúvida, a ampliação do cabimento da reclamação constitucional, agora sendo cabí-vel em qualquer tribunal com o objeto de controle de atendimento de julgamento advindo de casos repetitivos. Na prática, ocorrerá um grande aumento da utilização da reclamação e os tribunais pátrios deverão se preparar para esta tendência.

O objeto deste trabalho, portanto, é analisar a ampliação do cabimento da recla-mação, inclusive para decisões oriundas de tribunais locais, como instrumento de verticalização dos precedentes obrigatórios.

Vamos aos argumentos.

2. o coNceiTo de PrecedeNTe e os iNsTrumeNTos de seu coNTrole

Antes de se analisar especificamente a reclamação constitucional e sua amplia-ção com o Código de Processo Civil de 2015, vale a pena lançar algumas palavras sobre o conceito de precedente e os instrumentos do novo Código voltados ao seu controle.

Vale aduzir, de passagem, que um dos objetivos traçados pelas últimas reformas do Código de Processo Civil de 1973 e do próprio Código de Processo Civil de 2015 gira em torno da ampliação do caráter vinculante dos precedentes judiciais,5

4. No Código de Processo Civil de 2015, existem outros instrumentos que procuram alcan-çar a efetiva duração razoável do processo, como a tutela de evidência e a ordem cronológi-ca de conclusão. No tema, ver, com maior fôlego: caBral, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo Código de Processo Civil. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; MediNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). No-vas tendências do processo civil – Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 75-99.

5. No tema, ver, dentre outros: ataíde Jr., Jadelmiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Curitiba: Juruá, 2012; loPes Filho, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâ-neo. Salvador: JusPodivm, 2014; MariNoNi, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Ed. RT, 2010; rosito, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais – Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012; cruz e tucci, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Ed. RT, 2004. arruda, Paula. Efeito vinculante: ilegitimidade da jurisdição constitucional. Estudo comparado com Portugal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006;

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

tentando, de um lado, atingir o poder de criação dos magistrados e, de outro, dimi-nuir a divergência interpretativa e, consequentemente, o número de recursos em tramitação (especialmente nos casos dos litigantes habituais).

A estabilização dos precedentes – stare decisis – é, para o novo modelo processual e para as reformas já ocorridas no Código de Processo Civil de 1973, o caminho natural visando a superação da divergência interpretativa nos processos repetitivos.

É razoável afirmar que a tendência interpretativa passa pela ampliação do cará-ter vinculante das decisões dos Órgãos Colegiados (Superiores e Locais). Neste fulgor, o Código de Processo Civil de 2015 consagra que os tribunais devem uni-formizar sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente (art. 926).

Uma coisa é certa: a ampliação da força vinculante é uma realidade nos sistemas processuais tanto da civil law quanto da common law, pelo que não é correto afirmar que o termo precedente é ligado apenas a este último.6

Será demonstrado no decorrer deste ensaio que a verticalização e horizontaliza-ção do precedente7 (da ratio decidendi) atingirão sobremaneira os processos repeti-tivos e vários institutos processuais, dentre os quais a reclamação contra teses fir-madas pelos tribunais locais (em incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – e assunção de competência – AC). Em suma, estes são alguns dos princi-pais objetivos do Código de Processo Civil de 2015 neste tema (arts. 927-928):

a) Atendimento, pelos juízes e tribunais, dos precedentes do STF em controle concentrado de constitucionalidade, enunciados de súmula vinculante, acórdãos em incidente de assunção de competência (IAC) e em resolução de demandas repetitivas (IRDR), além dos julgamentos em recurso extraordinário e especial repetitivos;

azevedo, Marco Antonio Duarte. Súmula vinculante: o precedente como fonte de Direito. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, 2008; dias, João Luís Fischer. O efeito vinculante: dos precedentes jurisprudenciais: das súmulas dos tribunais. São Paulo: IOB Thomson, 2004; e MaNcuso, Rodolfo de Camargo. Divergência jurispruden-cial e súmula vinculante. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2007.

6. De acordo com as lições de Ravi Peixoto: “A categoria de precedente pertence à teoria do direito. Trata-se de noção fundamental para o funcionamento dos sistemas jurídicos, es-tando também relacionada com a teoria das fontes. Como destacado, tanto no civil law, como no comum law, existem precedentes, a diferença opera na importância a eles conce-dida por cada ordenamento jurídico”. (Peixoto, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 158).

7. Não se deve confundir uma simples decisão judicial com precedente. Como bem observa Marinoni: “Seria possível pensar que toda decisão judicial é um precedente. Contudo, ambos não se confundem, só havendo sentido falar de precedente quando se tem uma decisão dotada de determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados”. MariNoNi, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 215.

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

b) Juízes e tribunais atenderão os enunciados de Súmulas do STF, em matéria Constitucional, e do STJ, em matéria infraconstitucional, além da orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Percebe-se, com isso, que o processo de estabilização hermenêutica é um cami-nho sem volta. Aos magistrados em geral, haverá o dever hierárquico de demons-trar o atendimento ao sistema de precedentes dos tribunais, inclusive sendo dever destes últimos, dar publicidade aos seus próprios precedentes, preferencialmente, na rede mundial de computadores (art. 927, § 5.º, do CPC/2015).

Em seguida, o CPC/2015 deixa claro (art. 928) que o julgamento de casos repe-titivos é aquele oriundo do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e dos recursos excepcionais (especial e extraordinário) repetitivos. Logo, esses jul-gamentos repetitivos dos tribunais locais e superiores passam a gerar a vinculação na atuação dos juízes e órgãos a eles vinculados.

O desafio a ser enfrentado refere-se à manutenção desses precedentes e, neste particular, a possibilidade de ampliação de instrumentos como a rescisória (em caso de divergência de interpretação do julgado concreto com precedente de Tribunal) e a reclamação constitucional.

De acordo com o novo ordenamento processual, haverá muito mais do que a vinculação nos casos de repercussão geral8 e de processos repetitivos oriundos dos Tribunais Superiores, e sim a necessidade de atendimento das decisões oriundas dos próprios tribunais locais em que os juízes estiverem subordinados.

Outro instituto que demonstra esta nova etapa de coletivização dos conflitos e de massificação dos precedentes, com reflexos na teoria do direito e na própria teoria do processo, é o dever geral de fundamentação judicial (art. 93, IX, da CF/1988).

As questões a serem enfrentadas neste momento são as seguintes: há liberdade de fundamentação judicial nos casos repetitivos? O magistrado é livre para, na fun-

8. É interessante observar a utilização, pelo art. 102, § 3.º, da CF/1988, da palavra Tribunal, com T maiúsculo, demonstrando que está se referindo ao Tribunal Excelso. Logo, a condi-ção de admissibilidade envolvendo a repercussão geral é exclusiva do colegiado máximo do STF. No mesmo sentido, entendem Élvio Ferreira Sartório e Flávio Cheim Jorge que: “Houve por bem o legislador em dizer que o Tribunal (com letra maiúscula) competente só pode recusar a causa por ausência da repercussão geral por meio da manifestação de dois terços de seus membros. A letra maiúscula de Tribunal sugere que o Tribunal competente é o STF, uma vez que na sistemática da Constituição Federal de 1988 a palavra tribunal (com letra minúscula), em regra, é utilizada para designar os tribunais em geral (ou os ordinários) e, em letra maiúscula, para designar os tribunais superiores”. (sartório, Élvio Ferreira; JorGe, Flávio Cheim. O recurso extraordinário e a demonstração da repercussão geral. In: arruda alviM WaMBier, Teresa; WaMBier, Luiz Rodrigues; GoMes Jr., Luiz Manoel; Fischer, Octavio Campos; Ferreira, William Santos (coord.). Reforma do Judiciário. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 186).

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

damentação do julgado, afastar um precedente em situação jurídica idêntica (com a mesma ratio decidendi)?

As respostas passam pela seguinte premissa: o sistema de vinculação na atual legislação e no Código de Processo Civil de 2015 só pode alcançar os resultados esperados se houver a obediência de forma vertical e horizontal (inclusive am-pliando os poderes do relator previstos no art. 557 do CPC/19739 e 932, IV, do CPC/2015).

A liberdade interpretativa é diretamente atingida em caso de existência ou não de decisão colegiada vinculante, tendo em vista que o Código de Processo Civil de 2015 impõe o dever de fundamentação para afastamento do precedente, quer por sua superação ou distinção. A simples discordância não é parâmetro de fundamen-tação adequada.

Este entendimento é aplicável a qualquer grau de jurisdição. A simples afirma-ção de que não concorda com o precedente firmado por colegiado superior ou local está em desacordo com uma das maiores pretensões do sistema processual projeta-do, a saber: a uniformização interpretativa como instrumento de diminuição do tempo do processo.

Com efeito, a redação do art. 489 do CPC/2015 consagra que:

“§ 1.º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela inter-locutória, sentença ou acórdão, que:

(...)

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

9. Jordão Violin assevera que: “Os precedentes, no Brasil, têm eficácia persuasiva, tanto no sentido vertical (os Tribunais Superiores para inferiores), quanto no sentido horizontal (entre órgão do mesmo tribunal), limitada aos argumentos efetivamente debatidos em contraditório quando da primeira decisão. Em outras palavras: a existência de súmula ou jurisprudência dominante (de Tribunal Superior ou do próprio Tribunal, conforme o caso) acerca da tese jurídica deduzida no recurso impede a análise deste pelo colegiado, e é dever do relator negar seguimento a ele. Somente se o recurso trouxer argumento novo, ou seja, tese jurídica não constante da ratio decidendi do precedente, o recurso poderá ser analisado pelo colegiado. Este poderá, então, decidir de maneira diversa daquela fixada pelo prece-dente, desde que o faça fundamentadamente, explicitando os motivos pelos quais entende que os novos argumentos são suficientes para afastar a justificação da decisão-paradigma” (violiN, Jordão. O julgamento monocrático pelo relator: o artigo 557 do CPC e o reconhe-cimento dos precedentes pelo direito brasileiro. In: MariNoNi, Luiz Guilherme (coord.). A força dos precedentes – estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual da UFPR. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 208).

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invo-cado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Pela leitura da redação pretendida aos itens V e VI, percebe-se que: (a) há a ne-cessidade, na fundamentação, de identificação da causa e do precedente a ela apli-cado; (b) a identificação genérica de que o caso é repetitivo não é suficiente para atender ao critério de motivação; (c) a mera citação de ementa de acórdão pode também ser insuficiente; (d) o dever jurídico impõe a necessidade de mencionar a ratio decidendi,10 o distinguishing ou o overruling; (e) a súmula, jurisprudência ou precedente passa a ser vinculante e deve constar no julgado (espécie de fundamen-tação per relationem)11 e, caso ocorra o seu afastamento, o dever jurídico impõe a demonstração do distinguishing ou overruling.12

10. Vale destacar a importante observação feita por Nelson Nery Jr. e Georges Abboud: “O que frequentemente se visualiza nas decisões dos tribunais superiores – em que os casos são decididos fazendo referência a diversas ementas de forma descontextualizada – não corres-ponde a uma argumentação por precedentes, pois esta última é muito mais complexa do que a mera reunião de ementários para resolver litígio. Isso ocorre porque a ratio decidendi, ou seja, aquilo que efetivamente vincula em um precedente, é determinado pelos tribunais inferiores e não pelo próprio Tribunal que decidiu a questão”. (Nery Jr., Nelson; aBBoud, Georges. Stare decisis vs. direito jurisprudencial. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; MediNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). Novas tendências do processo civil – Es-tudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 491).

11. Como bem explica Beclaute Oliveira Silva: “Até hoje, coube ao Poder Judiciário, destina-tário da norma de estrutura que ordena a fundamentação, definir os contornos de uma decisão fundamentada. Para isso, muitas vezes, fez-se uso da denominada, mas rechaçada por muitos, fundamentação per relationem, que ocorre quando o julgador, em vez de cons-truir as razões que o levaram a decidir acerca de uma questão em sentido amplo, prefere se reportar a decisão anteriormente produzida”. E arremata: “A casuística da fundamentação per relationem pode ser assim resumida: (a) o Tribunal adota como seus os fundamentos da decisão de 1.º grau rechaçada; (b) o Magistrado adota como seus os motivos apresentados por outro juízo – inclusive os que remetem à jurisprudência ou à súmula (...)”. (silva, Beclaute Oliveira. Decisão judicial não fundamentada no projeto do novo CPC: nas sendas da linguagem. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; Me-diNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). Novas tendências do processo civil – Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 195).

12. No tema, ver: Bahia, Alexandre Gustavo Melo Franco; vecchiatti, Paulo Roberto Iotti. O dever de fundamentação, contraditório substantivo e superação de precedentes vinculan-tes (overruling) no novo CPC – ou do repúdio a uma nova escola de exegese. In: Freire, Alexandre; daNtas, Bruno; NuNes, Dierle; didier Jr., Fredie; MediNa, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; caMarGo, Luiz Henrique Volpe; oliveira, Pedro Miranda de (org.). Novas ten-

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Como já mencionado, o que pretende o sistema processual é, além de ampliar o caráter vinculante dos precedentes, impor ao julgador o dever de motivar sua não concordância, desde que apresente, na fundamentação, os critérios de afastamento ou de superação. O simples não atendimento por discordância gera a falta de fun-damentação da decisão judicial.

A liberdade de criação, portanto, estará afetada nos casos sumulados e com pre-cedentes vinculantes, se estimulando a fundamentação per relationem.13 Há, neste sentido, a necessidade de ser repensado o próprio princípio da motivação judicial e, consequentemente, o processo hermenêutico do papel do juiz e sua liberdade na criação e aplicação do direito.

3. NaTureza Jurídica da reclamação: um Tema com variações

É necessário destacar, neste momento, que há um amplo sistema de impugnação de decisão judicial, que pode ser subdividido em recursal e não recursal (incluindo a rescisória, reclamação, mandado de segurança, suspensão de segurança etc.).14

Alguns desses sucedâneos recursais têm natureza jurídica de mero incidente processual, já outros são verdadeiras ações, como o caso da rescisória que, em que pese não ser recurso e sim ação (art. 966 do CPC/2015), tem por objetivo impugnar decisão judicial transitada em julgado.

No que respeita a reclamação, duas indagações se fazem necessárias: qual a sua natureza jurídica e se se trata de sucedâneo recursal.

Há, como bem aponta Humberto Theodoro Jr., divergência na identificação da natureza jurídica da reclamação, já que alguns a qualificam como recurso, outros como ação e outros, ainda, como simples incidente processual.15

Contudo, antes de se apresentar uma conclusão sobre o assunto, vale fazer algu-mas reflexões.

Com efeito, o recurso visa impugnar decisão judicial prolatada com error in procedendo (vícios de atividade) ou error in judicando (vícios de juízo), com o obje-

dências do processo civil – Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2014. vol. 2, p. 27-46.

13. Sobre a fundamentação judicial, ver Pero, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sen-tença civil. São Paulo: Saraiva, 2001.

14. Como afirma Nelson Nery Jr., “existem alguns remédios que, por absoluta falta de previsão legal, não são considerados como recursos, mas tendo em vista a finalidade para a qual foram criados, fazem as vezes destes e, por esta razão, são denominados como seus suce-dâneos”. (Nery Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004. p.75).

15. theodoro Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. vol. 1, p. 575.

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aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

tivo de anulá-la ou reformá-la. A característica dos recursos, portanto, está na no-ção de vício e necessidade de anulação ou reforma da decisão.

De outra banda, na reclamação, a rigor, não se procura discutir quaisquer das duas espécies de vícios, assim como não possui pressupostos recursais como a su-cumbência ou prazo, sendo medida utilizada a fim de resguardar competência ou autoridade de uma decisão superior, inclusive no que respeita ao atendimento dos precedentes oriundos dos processos repetitivos (art. 988, IV, do CPC/2015). Visa, em suma, afastar o ato e não anulá-lo ou reformá-lo (ou pelo menos não é esse o seu objetivo principal).

Aliás, quanto à inexistência de prazo preclusivo para a reclamação, importante aduzir que no STJ houve o julgamento da Rcl 526/DF – envolvendo o descumpri-mento de medida judicial passados mais de cinco anos. Esta é a ementa da referida decisão:

“Constitucional e processual civil. Reclamação. Cabimento. Mandado de segu-rança concedido. Decisão transitada em julgado. Demora injustificada na execu-ção. Pedido procedente. Elegeu a Constituição Federal, entre as matérias de com-petência deste Colegiado, o processo e julgamento, originariamente, da reclama-ção, com o objetivo especial de garantir a autoridade de suas decisões. Insurgindo--se a reclamante contra a posição da autoridade apontada coatora, ao protelar e, em consequência, retardar o atendimento à decisão desta Primeira Seção, já não há mais dúvida de que cabível o meio utilizado para fazer cumprir o mandado de se-gurança concedido. Decorridos cinco anos, inexiste justificativa plausível para não estar ainda obedecida a determinação judicial, como se esta nada valesse, ainda mais diante da situação singular, quando a execução chegou a ser iniciada. Proce-dência da reclamação”.16

Contudo, se de um lado não há um prazo preestabelecido, de outro há a neces-sidade de sua apresentação antes do trânsito em julgado da decisão, consoante aponta o Enunciado 734 da Súmula da Jurisprudência dominante do STF e tam-bém o art. 988, § 5.º, do CPC/2015.

Outrossim, se de um lado a reclamação não é substitutiva de rescisória, como instrumento de controle de decisões passadas em julgado, de outro, ela não fica condicionada ao resultado do recurso (art. 988, § 6.º, do CPC/2015). Logo, a recla-mação poderá ter eficácia rescindente superveniente, apesar de não ser instrumen-to de controle de decisão já passada em julgado.

16. STJ, Rcl 526/DF (1997/0094011-0), 1.ª Seção, j. 09.09.1998, rel. Min. Hélio Mosimann, DJ 09.11.1998 p. 2; RSTJ vol. 117, p. 105. Ainda sobre desobediência injustificada de decisão envolvendo Mandado de Segurança, ver STJ, Rcl 131, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 28.06.1993; RTSJ, vol. 50, p. 63.

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Por outro lado, quanto ao objetivo da Reclamação, ensina Cândido Rangel Di-namarco que “as hipóteses de admissibilidade da reclamação, ditadas na Constitui-ção Federal, mostram que, quando acolhida esta, o tribunal cuja autoridade fora de algum modo molestada pela decisão inferior condena o ato à ineficácia total, sem reformá-lo e mesmo sem anulá-lo para que outro seja proferido”.17

Logo, é possível afirmar que a reclamação tem natureza de ação, de competên-cia originária dos Tribunais Superiores e Locais (nos casos de IRDR e AC – como restará claro posteriormente) naqueles casos previstos na Constituição Federal, nos respectivos regimentos internos, e no art. 988 do CPC/2015. Sendo ação, de-vem ser atendidos os requisitos previstos no art. 319 e seguintes do CPC/2015, inclusive no que respeita às provas necessárias à comprovação dos vícios aponta-dos pelo reclamante.

Segundo as lições de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, “prevista na CF, 102, I l, a reclamação tem natureza jurídica de processo incidente autônomo. São dois os objetivos da reclamação ao STF: (a) para a preservação da competência da Corte; (b) para garantir a autoridade de suas decisões. Quando o juiz ou o tribu-nal invade a competência do STF ou deixa de cumprir decisão (provisória ou defi-nitiva) do Pretório Excelso, á cabível a reclamação para que as coisas voltem ao seu estado regular”.18

Portanto, conclui-se que a reclamação tem natureza de ação, gerando processo originário junto aos Órgãos colegiados,19 nos casos previstos na Constituição Fede-ral, nos Regimentos Internos e no Código de Processo Civil de 2015.

Outrossim, deve ser considerada um sucedâneo recursal? Como se demonstrou anteriormente existem institutos que têm natureza de ação e que são consideradas sucedâneos recursais, como no caso da ação rescisória. Logo, não deve ser este ca-minho para se chegar a qualquer conclusão.

Aliás, por falar em ação rescisória e sua relação com a reclamação, mister é sa-lientar que, consoante a previsão contida no já mencionado Enunciado 734 da

17. diNaMarco, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. In: Nery Jr., Nelson; arruda alviM WaMBier, Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e outros meios de impugnação das decisões judiciais. São Paulo: Ed. RT, 2002. vol. 6, p. 101.

18. Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legis-lação processual civil extravagante em vigor. 6. edição. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 1.814.

19. Ademais, possui a reclamação procedimento especial, já que tem, dentre outras, as seguin-tes características (consoante previsão dos arts. 13 a 18 da Lei 8.038/1990): (a) legitimida-de para apresentação pela parte interessada ou pelo Ministério Público; (b) com o despa-cho, solicitará o relator informações da autoridade a que se atribui a prática do ato impug-nado, e a quem caberá prestá-la no prazo de 10 dias; (c) a determinação para cumprimen-to da decisão é imediata, antes mesmo da lavratura do Acórdão.

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253Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

aRaúJo, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 243-262. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Súmula da Jurisprudência dominante do STF,20 mesmo em caso de desrespeito a decisão daquele Tribunal, apenas é cabível a reclamação antes do trânsito em julga-do da decisão que se alega tal vício. Após, fica sujeita a decisão, pelo menos em tese, à ação rescisória.

Em que pese à existência de posicionamento em sentido contrário,21 nos casos em que a reclamação tem por objetivo cassar decisão exorbitante do julgado (art. 161, III, do Regimento Interno do STF e 191 do Regimento Interno do STJ), deve--se entendê-la sucedâneo recursal.

Com efeito, ao julgar procedente a reclamação, por exemplo, o plenário do STF poderá, dentre outras consequências previstas nos itens I e II do art. 161 de seu Regimento Interno (avocar o conhecimento do processo em que se verifique a usurpa-ção de sua competência ou ordenar que lhe seja remetidos, com urgência, os autos do recurso para ele interposto)22 cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determi-nar a medida adequada à observância de sua jurisdição. Consequências semelhan-tes também são determinadas no julgamento da Reclamação pelo STJ, como se observa no art. 191 de seu Regimento Interno.

Ora, in casu, a reclamação terá como consequência a reforma ou invalidação de uma decisão, sem ter natureza jurídica de recurso, razão pela qual terá, pelo menos nessa hipótese, natureza de sucedâneo recursal.

4. Nova modalidade de reclamação coNsTiTucioNal – Não aTeNdimeNTo à súmula viNculaNTe e aos ProcedeNTes oriuNdos dos Processos rePeTiTivos (irdr e ac)

Neste momento, vale observar os objetivos traçados pelo Código de Processo Civil de 2015 em relação à reclamação e sua ampliação: passa a ser instrumento de controle de verticalização e de controle de aplicação dos precedentes obrigatórios.

O ponto de partida desta observação é a análise dos arts. 927 e 928 do CPC/2015: os juízes e tribunais observarão, além dos enunciados de súmulas e decisões em

20. Referido Enunciado tem a seguinte redação: “Não cabe reclamação quando já houver tran-sitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

21. Nelson Nery Jr. entende que: “Não são sucedâneos de recursos os incidentes de uniformi-zação da jurisprudência (CPC 476) e de declaração de inconstitucionalidade (CPC 480), nem a avocação de causas que vinha prevista no CF/1969 119 I o, hoje abolida pela CF de 1988, nem o habeas data (CF 5.º. LXXII), nem o mandado de injunção (CF 5.º LXXI), tampouco a reclamação para o STF (CF 102 I l e RISTF 156) ou STJ (CF 105 I f e RISTJ 187)” (Nery Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos cit., p. 75).

22. Situação que poderá ocorrer na hipótese de negativa de seguimento de agravo de instru-mento interposto em face de decisão que nega seguimento a recurso extraordinário.

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controle concentrado de constitucionalidade, os acórdãos oriundos dos julgamentos do IRDR,23 AC e julgamentos em recursos especiais e extraordinários repetitivos.

Assim, não resta dúvida que o Código de Processo Civil de 2015 caminha no sentido de ampliar a força vinculante dos precedentes e, como consequência trará um aumento significativo de reclamações apresentadas visando discutir a sua não aplicação.

Não se deve esquecer que a reclamação deverá ser apresentada antes do trânsito em julgado da decisão que não acolher o julgamento oriundo do IRDR, AC ou re-cursos especiais e extraordinários repetitivos, não ficando condicionado ao resultado do apelo (art. 988, §§ 5.º e 6.º).

A tendência é que, com o IRDR, ocorrerá uma vinculação regionalizada dos precedentes no âmbito local o que gerará um aumento do número de reclamações junto aos tribunais regionais e estaduais.

No tema, vale citar o Enunciado 349, do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

“Cabe reclamação para o tribunal que julgou o incidente de resolução de de-mandas repetitivas caso afrontada a autoridade dessa decisão.”

Neste momento, vale tecer algumas observações em relação à sistemática do IRDR e da reclamação no âmbito local.

Como já mencionado, há no novo sistema um claro objeto de ampliação da vinculação das decisões judiciais aos casos repetitivos como instrumento de estabi-lização da jurisprudência e de diminuição do número de recursos e do tempo de duração dos processos (stare decisis horizontal e vertical). O Código de Processo Civil de 2015 considera julgamento de casos repetitivos a decisão advinda do IRDR e dos recursos especial e extraordinário repetitivos (art. 928 c/c arts. 976 a 987 e 1.036 a 1.041).

Logo, o legislador tem preocupação específica em relação aos processos que são atingidos em decorrência da tese jurídica advinda do IRDR, com os seguintes refle-xos: (a) exclusão da ordem cronológica para julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídica decorrente do incidente (art. 12, § 2.º, II); (b) improcedên-cia liminar do pedido (art. 332, III); (c) dispensa de caução no cumprimento provi-sório de sentença (art. 521, IV); (d) julgamento de plano do conflito de competência

23. Como bem aponta Marcos Cavalcanti: “Se os juízes e tribunais vinculados à decisão de mérito do IRDR não aplicarem nos respectivos repetitivos a tese jurídica adotada no julga-mento do incidente, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para o tribunal que julgou o IRDR, a fim de garantir a observância da decisão vinculante profe-rida no incidente (art. 985, § 1.º, do NCPC)”. (cavalcaNti, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas. Salvador: JusPodvim, 2015. p. 471).

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(art. 955, parágrafo único, II); (e) apreciação de reclamação (arts. 988, IV, e 985, § 1.º) e de embargos de declaração (art. 1022, parágrafo único, I); (f) existência de repercussão geral para fins de recurso extraordinário (art. 1.035, § 3.º, II).

Portanto, por onde quer que se olhe a questão, é o IRDR um dos institutos mais importantes do novo sistema processual, gerando várias consequências em relação aos processos em tramitação no âmbito de vinculação do tribunal. Mas afinal de contas, o que pretende o instituto? Existem alguns objetivos claros, a saber: (a) diminuição da divergência interpretativa e da jurisprudência lotérica24 entre magis-trados vinculados ao mesmo tribunal; (b) estabilização do pensamento cognitivo local sobre um mesmo tema; (c) vinculação do pensamento do tribunal, com força obrigatória, antes da disseminação da divergência interpretativa; (d) alcance da isonomia, evitando que a divergência gere atraso na prestação jurisdicional; (e) diminuição de recursos aos Tribunais Superiores; (f) alcance da previsibilidade e segurança jurídica.25

Contudo, outras perguntas que devem ser feitas são as seguintes: será que, na atual etapa da ciência processual nacional, estamos preparados para o encerramen-to da maioria das causas no âmbito local? Os tribunais estaduais e regionais fede-rais estão preparados para esse poder de vinculação interpretativa?

Ademais, a principal indagação, diretamente ligada a este ensaio é a seguinte: os tribunais estão preparados pelo natural aumento do número de reclamações que serão apresentadas visando discutir o não atendimento às decisões oriundas do julgamento do IRDR?

Este instituto não pode ser pensado de forma isolada. Já há, no sistema proces-sual em vigor até março de 2016, grande restrição da remessa de teses recursais ao STJ e STF, bem como já há, e está ampliado com o Código de Processo Civil de 2015, o caráter vinculante dos precedentes daqueles órgãos superiores colegiados

24. A divergência, a rigor, gera uma crise interpretativa, na medida em que coloca em risco a certeza e a previsibilidade no que respeita à aplicação do direito. Sobre o assunto, ver: caMBi, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais. ano 90. vol. 786. p. 111. São Paulo: Ed. RT, abr. 2001.

25. Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lis Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribei-ro e Rogério Licastro Torres de Mello escrevem, sobre o IRDR, que: “Trata-se de um inci-dente que tem por objeto, à semelhança do que já ocorre com muitos institutos do CPC em vigor, proporcionar uniformização do entendimento acerca de certa tese jurídica. A deci-são que deve ser considerada, a respeito de certa tese jurídica comum a inúmeras ações ocorre, quando se utiliza este instituto, no segundo grau de jurisdição. O teor da decisão do Tribunal é ponto de partida para que os juízos singulares decidam seus processos” (arruda alviM WaMBier, Teresa; coNceição, Maria Lúcia Lis; riBeiro, Leonardo Ferres da Silva; Mello, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1395).

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(inclusive com item próprio intitulado “do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos” – arts. 1.036 a 1.041). O que se quer, portanto, é encerrar a discussão de temas repetitivos no âmbito do próprio tribunal local, deixando aos Superiores apenas os temas com repercussão nacional.

Vale afirmar, mesmo que de passagem, que o próprio IRDR pode ser analisado pelos Tribunais Superiores o que irá gerar uma vinculação do tema no âmbito na-cional (art. 982, §§ 3.º e 4.º). Além disso, a análise do órgão superior pode ocorrer caso seja apresentado recurso especial ou extraordinário (com repercussão geral presumida) da decisão final do incidente (art. 987).

Além disso, considerando os momentos e graus de vinculação, o sistema proces-sual deixa claro que o IRDR não será cabível quando o tema já estiver sendo anali-sado pelo Tribunal Superior em recurso repetitivo (art. 976, § 4.º).

De acordo com o Código de Processo Civil de 2015 são estes, em resumo, os requisitos para o IRDR: (a) risco de ofensa à isonomia e segurança jurídicas; (b) efetiva repetição de processos; (c) controvérsia sobre a mesma questão de direito (art. 976). Nestes casos, há o deslocamento da tese jurídica para o tribunal local, com o objetivo de vincular a interpretação aos demais órgãos a ele vinculados.

Em relação ao primeiro aspecto, vale fazer um destaque e uma ressalva. Real-mente, com a provocação do tribunal para firmar o precedente (suspendendo a tra-mitação das causas individuais ou coletivas – art. 982, I), evitar-se-á divergência in-terpretativa dos membros do órgão colegiado – vinculação horizontal – e dos pró-prios magistrados de piso a ele subordinados – vinculação vertical – e, com isso, poderá ser alcançada a isonomia e a segurança jurídicas.

Contudo, será que o TJE ou TRF vai manter firme o posicionamento firmado no incidente? Se houver instabilidade do pensamento interpretativo do tribunal não será alcançada a isonomia e, ao contrário do texto pretendido no art. 976, II, do NCPC, o incidente poderá violar a isonomia e a segurança jurídica.

A instabilidade hermenêutica do tribunal, se ocorrer na prática forense, poderá comprometer os valores jurídicos pretendidos pelo incidente e colocar em risco os princípios constitucionais citados anteriormente, em especial o devido processo legal e a isonomia para os titulares de processos individuais e coletivos que serão atingidos de forma direta ou reflexa pelo resultado do incidente.

Os objetivos estão bem traçados: num primeiro momento, é evitar divergência dos magistrados vinculados ao tribunal local e, em segundo plano, evitar a chegada de grande número de recursos aos Tribunais Superiores, mantendo a questão de direito vinculada à interpretação que fora dada pelo órgão colegiado estadual ou regional federal.

Como consequência, haverá um natural aumento do número de reclamações advindas da discussão quanto ao não atendimento da tese jurídica firmada no inci-dente, além dos casos de recursos repetitivos.

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257Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

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Da mesma forma, haverá um aumento natural do número de reclamações em decorrência dos julgamentos advindos do incidente de assunção de competência. Nos casos de repercussão social em relação aos julgamentos dos feitos em compe-tência originária, recursal ou em sede de reexame necessário, a competência pode ser transferida para o órgão colegiado local com maior composição do tribunal, o que irá gerar um precedente obrigatório às demais instâncias locais (art. 947, §§ 1.º, 2.º, e 3.º).

Resta, neste último momento, observar que o Código de Processo Civil de 2015, ao ampliar o cabimento de reclamação, acaba superando a interpretação de que ela apenas seria cabível visando discutir o não atendimento às decisões oriundas do controle concentrado de constitucionalidade.

Na verdade, este entendimento vem sendo superado mesmo durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973.

Com a EC 45, o sistema processual constitucional passou a admitir uma nova hipótese de reclamação, exatamente nos casos de não atendimento à sumula vincu-lante, inclusive visando impugnar ato administrativo.

Com efeito, de acordo com a previsão constitucional: “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anu-lará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso” (art. 103, A, § 3.º).

Aliás, observando-se o caput do citado artigo, percebe-se que intenção da EC 45 foi implementar a súmula vinculante, nos casos envolvendo decisões sobre matéria constitucional, mediante decisão de dois terços dos membros do STF.

Outrossim, com a ampliação do sistema de precedente obrigatório, houve um natural aumento das hipóteses de cabimento de reclamação, não só para os Tribu-nais Superiores, mas também e, na prática será, com o início de vigência do Código de Processo Civil de 2015, principalmente, no âmbito dos tribunais locais.

Contudo, nesse momento se faz necessário novamente indagar: será que a am-pliação das hipóteses de cabimento de reclamação alcançará o resultado esperado (superação da divergência interpretativa)?

Referida indagação deve ser respondida no futuro e após profunda meditação, até para não se cometer erros.

Aliás, é importante transcrever as lições de Teresa Arruda Alvim Wambier quan-do afirmar que: “Haverá súmulas erradas? Talvez. Haverá sumulas inconstitucio-nais? É provável. Ao juiz caberá não aplicá-las, se demonstrar que a situação de fato em que incide aquela súmula não é igual à dos autos; ao juiz caberá também recu-

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sar seu cumprimento, se entender inconstitucional. Isto já ocorre hoje com textos de lei inconstitucionais”.26

Assim, não há dúvida que poderá existir julgamento de IRDR com fixação de tese errada, ou superada no futuro. Os instrumentos de superação dos precedentes servem como instrumentos de oxigenação.

A reclamação, por outro lado, funcionará como instrumento de aplicação e de cassação da decisão que não atender à tese firmada pelo Tribunal. Portanto, é pos-sível concluir que este aumento de trabalho, de responsabilidade, e de força da tese firmada em IRDR, são consequências naturais do sistema de aplicação obrigatória do precedente e se configura uma das diretrizes centrais no Código de Processo Civil de 2015.

5. coNclusão

Em face do exposto, é possível concluir que:

– No decorrer dos últimos anos, vários institutos foram consagrados objetivan-do proporcionar maior efetividade e brevidade à prestação da tutela jurisdicional, tentando diminuir o tempo de duração do processo, ampliar a estabilização da inter-pretação dos tribunais e fortalecer a jurisprudência com o Código de Processo Civil de 2015, novos institutos são criados e outros aprimorados, visando atender a esta ideia de superação dos obstáculos por meio de ampliação do caráter vinculante das decisões judiciais em processos repetitivos e com isso alcançar a efetiva e real dura-ção razoável do processo (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988 c/c art. 4.º do CPC/2015);

– Um dos objetivos traçados pelas últimas reformas do Código de Processo Civil de 1973 e do próprio Código de Processo Civil de 2015 gira em torno da ampliação do caráter vinculante dos precedentes judiciais, tentando, de um lado, atingir o poder de criação dos magistrados e, de outro, diminuir a divergência interpretativa e, consequentemente, o número de recursos em tramitação (especialmente nos ca-sos dos litigantes habituais);

– A verticalização e horizontalização do precedente (da ratio decidendi) atingi-rão sobremaneira os processos repetitivos e vários institutos processuais, dentre os quais a reclamação contra teses firmadas pelos tribunais locais (em incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – e assunção de competência – AC);

– A liberdade interpretativa é diretamente atingida em caso de existência ou não de decisão colegiada vinculante, tendo em vista que o Código de Processo Civil de

26. arruda alviM WaMBier, Teresa. Súmula Vinculante: desastre ou solução? Estudos em Ho-menagem ao Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Revista de Processo. vol. 98. p. 306. São Paulo: Ed. RT, 2000.

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259Meios de iMpugnação das decisões Judiciais

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2015 impõe o dever de fundamentação para afastamento do precedente, quer por sua superação ou distinção;

– Na reclamação, a rigor, não se procura discutir quaisquer das duas espécies de vícios, assim como não possui pressupostos recursais como a sucumbência ou pra-zo, sendo medida utilizada a fim de resguardar competência ou autoridade de uma decisão superior, inclusive no que respeita ao atendimento dos precedentes oriun-dos dos processos repetitivos (art. 988, IV, do CPC/2015);

– A reclamação tem natureza de ação, de competência originária dos Tribunais Superiores e Locais (nos casos de IRDR e AC) naqueles casos previstos na Consti-tuição Federal, nos respectivos regimentos internos, e no art. 988 do CPC/2015;

– A reclamação terá como consequência a reforma ou invalidação de uma deci-são, sem ter natureza jurídica de recurso, razão pela qual terá, pelo menos nessa hipótese, natureza de sucedâneo recursal;

– O Código de Processo Civil de 2015 caminha no sentido de ampliar a força vinculante dos precedentes e, como consequência trará um aumento significativo de reclamações apresentadas visando discutir a não sua não aplicação;

– O IRDR um dos institutos mais importantes do novo sistema processual, ge-rando várias consequências em relação aos processos em tramitação no âmbito de vinculação do tribunal;

– Com a ampliação do sistema de precedente obrigatório, houve um natural aumento das hipóteses de cabimento de reclamação, não só para os Tribunais Su-periores, mas também e, na prática será, principalmente, no âmbito dos tribunais locais;

– A reclamação, por outro lado, funcionará como instrumento de aplicação e de cassação da decisão que não atender à tese firmada pelo Tribunal. Portanto, é pos-sível concluir que este aumento de trabalho, de responsabilidade, e de força da tese firmada em IRDR, são consequências naturais do sistema de aplicação obrigatória do precedente e se configura uma das diretrizes centrais no Código de Processo Civil de 2015.

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Considerações acerca da natureza jurídica da reclamação constitucional, de Breno Baía Ma-

galhães – RePro 210/399-424 (DTR\2012\450442);

• Os “precedentes” no sistema jurídico brasileiro (STF e STJ), de Gilberto Andreassa Junior – RT 935/81-102 (DTR\2013\7376); e

• Reclamação constitucional e precedentes obrigatórios, de Lucas Buril de Macêdo – RePro 238/413-434 (DTR\2014\19821).

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embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocaTÍcios. exisTência de erro de faTo. imPorTância da

JurisPrudência no código de Processo civil de 2015

“embargos De Declaração”. problema De la fijación De los honorarios De abogaDo. existencia De “erro De fato”. importancia De la jurispruDencia en el “cóDigo De processo civil” De 2015

nelson monTeiro neTo

[email protected]

Recebido em: 10.10.2015 Aprovado em: 04.12.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: A jurisprudência considera o erro de fato como fundamento dos embargos de declaração. O sistema do Código de Processo Civil de 2015 revela que a jurisprudência tem força vinculativa.

Palavras-chave: Embargos de declaração – Erro de fato – Jurisprudência – Exemplo concreto.

resumen: La jurisprudencia considera el “erro de fato” como fundamento de los “embargos de declaração”. El sistema del “Código de Processo Civil” de 2015 revela que la jurisprudencia tiene fuerza vinculativa.

Palabras clave: “Embargos de declaração” – “Erro de fato” – Jurisprudencia – Ejemplo concreto.

Primeira Parte

Texto integral do acórdão

Superior Tribunal de Justiça

2.ª Turma

EDcl no AgRg no REsp 1.407.546/RN

EMENTA

Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental no recurso espe-cial. Execução fiscal. Art. 20, §§ 3.º e 4.º, do CPC. Redução de honorários. Excep-cionalidade. Erro de fato. Premissa fática equivocada.

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moNteiRo Neto, Nelson. Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 263-272. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

1. A jurisprudência desta Corte admite o acolhimento de embargos declarató-rios, com efeitos infringentes, para a correção de erro de fato, quando este constitua premissa fática equivocada sobre a qual se erigiu o acórdão impugnado.

2. No caso dos autos, o agravo regimental foi provido sob a equivocada assertiva de ter havido condenação anterior, a título de honorários advocatícios, no montan-te de R$ 3.902.163,75 (três milhões novecentos e dois mil cento e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos) pela procedência na ação anulatória, o que tornaria exorbitantes novos honorários na execução fiscal extinta.

3. Todavia, os elementos trazidos nos embargos de declaração revelam que a referida ação anulatória foi desconstituída no que tange aos honorários advocatí-cios ali fixados, em vista da procedência da ação rescisória proposta pela Fazenda estadual, redimensionando da verba honorária ao patamar de R$ 390.000,00 (tre-zentos e noventa mil reais).

4. Retirada a veracidade e validade da premissa que lastreou o provimento do agravo regimental, devido o restabelecimento da decisão que não entendeu exorbitantes os honorários advocatícios fixados na origem, com base nas pecu-liaridades do caso concreto, diante das circunstâncias que efetivamente devem ser consideradas.

5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar pro-vimento ao agravo regimental do Estado do Rio Grande do Norte, mantendo a verba honorária fixada na origem.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una-nimidade, acolher os embargos de declaração, com efeitos modificativos, para ne-gar provimento ao agravo regimental do Estado do Rio Grande do Norte, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 22 de setembro de 2015 (Data do Julgamento)

Ministro Og Fernandes

Presidente e Relator

RELATÓRIO

O Sr. Min. Og Fernandes: Trata-se de embargos de declaração opostos por Com-panhia de Águas e Esgoto do Rio Grande do Norte – CAERN, desafiando o acórdão de e-STJ, f. 1.199/1.209, vazado nos termos da seguinte ementa:

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Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 263-272. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Execução fiscal. Perda de objeto. Honorários advocatícios. Cabimento. Art. 20, §§ 3.º e 4.º, do CPC. Dimi-nuição da verba honorária. Excepcionalidade. Precedente.

1. Atento ao princípio da causalidade, o ajuizamento indevido de execução fis-cal, que foi extinta por perda superveniente do objeto (procedência de ação anula-tória), após a apresentação de exceção de pré-executividade, reclama a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de verba honorária.

2. Hipótese em que houve condenação anterior no montante de R$ 3.902.163,75 (três milhões, novecentos e dois mil, cento e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos) pela procedência na ação anulatória, tendo sido fixado, na execução fis-cal extinta por perda de objeto, novo valor equivalente a R$ 920.750,06 (novecen-tos e vinte mil, setecentos e cinquenta reais e seis centavos), ambos a título de verba honorária.

3. Nem sempre o valor da causa influi na importância da matéria debatida em juízo para fins de fixação dos honorários advocatícios, principalmente naquelas ações nas quais houve a sua desistência ou perda superveniente do objeto, limitan-do-se a controvérsia que se instaurou ao montante da verba honorária. Precedente: AgRg no AgREsp 532.550/RJ, rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, 2.ª T., j. 02.10.2014, DJe 02.02.2015.

4. Retratação parcial da decisão agravada para fixar a verba honorária em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

5. Agravo regimental a que se dá parcial provimento. Em suas razões, a embargan-te aponta a existência de nítido erro de fato quanto ao montante fixado a título de honorários advocatícios na ação anulatória de débito fiscal n. 0008183-18.2006.8.20.0001, pois embora arbitrados inicialmente no importe de R$ 3.902.163,75 (três milhões novecentos e dois mil cento e sessenta e três reais e seten-ta e cinco centavos), o valor não foi acobertado pela coisa julgada, sendo reduzido ao patamar de R$ 390.000,00 (trezentos e noventa mil reais), em sede de ação rescisória.

Sustenta que o provimento do agravo regimental se escorou no valor apontado pela Fazenda estadual, que, embora tivesse conhecimento dos desdobramentos ha-vidos no curso do processo, optou por seguir utilizando informações desatualiza-das, induzindo a Corte em erro de fato.

Assevera que “o acórdão ora vergastado perdeu sua base fática, ou seja, não existe motivo que justifique a diminuição do quantum dos honorários” (e-STJ, f. 1.218).

Colaciona o acórdão da ação rescisória que reduziu a verba honorária na ação anterior, e precedentes desta Corte no sentido que lhe aproveita.

Assim, protesta pelo acolhimento dos embargos declaratórios, a fim de que o vício apontado seja corrigido, e atribuído efeito infringente para manter o quantum

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Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 263-272. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

original a título de honorários advocatícios estabelecido no Tribunal de origem, no patamar de 2% sobre o valor da causa.

Instado a se manifestar acerca da petição de embargos declaratórios, o Estado do Rio Grande do Norte voluntariamente deixou de apresentar suas contrarrazões, pugnando, contudo, pelo não acolhimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Min. Og Fernandes (relator): O presente recurso especial foi interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte, e objetivava a redução dos honorários advo-catícios arbitrados em favor da Companhia de Águas e Esgoto do Rio Grande do Norte – CAERN, nos autos de execução fiscal cancelada, na medida em que enten-deu exorbitante o percentual de 2% sobre o valor executado.

Na primeira oportunidade, negou-se seguimento ao recurso especial fazendário, ao argumento de não se divisar exorbitantes os honorários fixados em R$ 920.750,06 (novecentos e vinte mil setecentos e cinquenta reais e seis centavos), tendo em vista o valor econômico da causa, que perfaz o montante de R$ 46.037.502,88 (quarenta e seis milhões trinta e sete mil quinhentos e dois reais e oitenta e oito centavos).

Já em sede de agravo regimental, a Fazenda estadual argumentou que a causa foi extinta por perda superveniente de objeto, haja vista o trânsito em julgado da ação anulatória de débito fiscal, ação na qual foram fixados honorários advocatícios no patamar de 10% sobre o valor da causa, os quais corresponderam ao total de R$ 3.902.163,75 (três milhões novecentos e dois mil cento e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos).

Sob tal assertiva, deu-se provimento ao agravo regimental, pois, de acordo com as premissas fáticas consideradas, o valor arbitrado a título de honorários advoca-tícios na ação anulatória de débito fiscal bem remuneraria a atuação dos patronos do contribuinte no bojo da controvérsia, não se justificando nova condenação de vulto nos autos da execução fiscal cancelada.

Todavia, nos embargos de declaração que ora se apresentam, a Caern traz aos autos um relevante dado acerca do desfecho da ação anulatória em que baseada a decisão embargada, qual seja, a desconstituição do julgado no que tange aos hono-rários advocatícios ali fixados, em vista da procedência da ação rescisória proposta pela Fazenda estadual.

É o que demonstra o acórdão acostado às e-STJ, f. 1.225/1.265, em que procedi-do o redimensionamento da verba honorária ao patamar de R$ 390.000,00 (trezen-tos e noventa mil reais).

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Sobre tal fato se omitiu o Estado do Rio Grande do Norte quando da interposição de seu agravo regimental, não tendo sobre ele sequer se manifestado em sede de im-pugnação aos presentes embargos declaratórios, muito embora intimado para tanto.

Assim constatado dos documentos trazidos à baila, parece-me não subsistir a motivação utilizada para o provimento do agravo regimental, porque o acórdão claramente se lastreou em premissa equivocada a que a Corte foi induzida com base nas alegações da então agravante, que nesse contexto constitui erro de fato.

Como é amplamente sabido, o teor do art. 535, I e II, do CPC, os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradi-ção existente no julgado.

Todavia, a jurisprudência desta Corte admite o acolhimento de embargos decla-ratórios, com efeitos infringentes, para a correção de erro de fato, quando este constitua premissa fática equivocada sobre a qual se erigiu o acórdão impugnado.

Nessa esteira de entendimento, são os precedentes:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Usucapião extraordinário. Requisitos configurados. Revisão. Súmula 7/STJ. Embargos de declaração. Omissão e erro de fato. Efeitos infringentes. Possibilidade. Agravo regimental não provido.

1. Assentado pelas instâncias ordinárias o preenchimento dos requisitos neces-sários para o reconhecimento da usucapião, a inversão do que foi decidido pelo Tribunal de origem demandaria, tal como propugnado nas razões recursais, novo exame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é possível conferir efeitos infringentes aos embargos de declaração para corrigir erro de fato ou suprir omissão, principalmente nas hipóteses em que a decisão embargada baseou-se em premissas dissociadas da realidade delineada nos autos, ou quando a alteração do julgado sur-ja como consequência lógica do saneamento da apontada omissão. Precedentes.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AgREsp 77.429/MS, rel. Min. Raul Araújo, 4.ª T., j. 26.08.2014, DJe 1º.10.2014)

Direito processual civil e previdenciário – Acórdão condenando o INSS em cus-tas processuais – Erro de premissa fática reconhecido – Exclusão da condenação – Alegação de omissão e erro de fato na fixação da verba honorária – Não verificação – Embargos parcialmente acolhidos.

1. Nas demandas em trâmite perante a Justiça Federal, o INSS goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos.

2. Reconhecido o erro de premissa fática que embasou o julgamento, os embar-gos devem ser acolhidos neste ponto.

3. Não é desarrazoado o arbitramento de verba honorária quando proporcional ao valor da causa.

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moNteiRo Neto, Nelson. Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

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4. Os Embargos de Declaração não se prestam à manifestação de inconformismo ou à rediscussão do julgado.

5. Nos termos da Súmula 356/STF, a mera oposição dos embargos declaratórios preenche o requisito do prequestionamento.

6. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, apenas para o fim de excluir da condenação o valor relacionado às custas processuais.

(EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1.271.015/RS, rel. Min. Moura Ri-beiro, 5.ª T., j. 07.08.2014, DJe 14.08.2014)

Processual civil. Embargos de declaração nos embargos de declaração nos em-bargos de declaração no agravo no agravo de instrumento. Erro de fato presente. Correção do erro pela via dos embargos declaratórios.

Viabilidade. Embargos acolhidos com efeitos modificativos.

É admitido o uso de embargos de declaração com efeitos infringentes, em cará-ter excepcional, para a correção de premissa equivocada, com base em erro de fato, sobre a qual tenha se fundado o acórdão embargado, quando tal for decisivo para o resultado do julgamento.

Na hipótese dos autos, o erro de fato traduz-se na falsa percepção sobre a natu-reza do recurso acerca do qual se discutia a possibilidade de correção da represen-tação processual da parte.

A análise dos acórdãos proferidos pelo STJ mostra severo rigor na atribuição da consequência decorrente de falha na formação do instrumento do agravo – qual seja, o não conhecimento do recurso – ao agravante.

Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos. (EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 632.184/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 19.09.2006, DJ 02.10.2006, p. 264)

Na vertente hipótese, como já devidamente registrado, observa-se que o ele-mento inverídico interferiu decisivamente no resultado do julgado, pois somente se admitiu a superação da Súmula 7/STJ na análise da adequação dos honorários advocatícios, diante dos vultosos honorários arbitrados na ação anulatória do débi-to excutido, e que por fim foram drasticamente reduzidos, retirando a veracidade e validade da premissa.

Nesse contexto, entendo devido o restabelecimento da decisão monocrática de e-STJ, f. 1.157/1.161, diante das circunstâncias que efetivamente devem ser consi-deradas.

Não se divisa exorbitantes os honorários fixados em 2% do valor da causa – R$ 920.750,06 (novecentos e vinte mil setecentos e cinquenta reais e seis centavos) –, tendo em vista o valor econômico da causa, que perfaz o montante de R$ 46.037.502,88 (quarenta e seis milhões trinta e sete mil quinhentos e dois reais e

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moNteiRo Neto, Nelson. Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 263-272. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

oitenta e oito centavos), especialmente em face do registro feito no aresto recorri-do, de que foram consideradas a importância e o trabalho realizado pelos advoga-dos, em execução indevidamente ajuizada, pois o crédito tributário tinha sua exi-gibilidade suspensa judicialmente (e-STJ, f. 1.060/1.063).

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para, conferindo efeitos in-fringentes, negar provimento ao agravo regimental do Estado do Rio Grande do Norte, mantendo a verba honorária fixada na origem.

É como voto.

(Diário da Justiça Eletrônico de 14.10.2015, p. 1.511-1512)

Segunda Parte

Comentário ao Acórdão

sumáRio: 1. O erro de fato na decisão embargada – 2. A jurisprudência e o erro de fato – 3. Cabi-mento dos embargos de declaração: lei e jurisprudência (novo CPC, arts. 1.022 e 489, § 1.º, VI) – 4. Os embargos declaratórios e a eficácia normativa de enunciado da Súmula de Tribunal Superior (novo CPC, art. 927, caput, e IV).

1. o erro de FaTo Na decisão embarGada

A 2.ª Turma do STJ, no julgamento do agravo regimental, entendeu que é pro-cedente a postulação do Estado do Rio Grande do Norte, a que se refere o recurso especial, no sentido da redução dos honorários advocatícios, fixados no processo executivo fiscal. Inconformada com o acórdão, a contribuinte ofereceu embargos de declaração.

A informação prestada pela embargante no que tange à redução da verba hono-rária, referente não à execução fiscal, mas a outro processo judicial (ou seja, à ação anulatória), levou o órgão julgador à conclusão de que existiu no acórdão embar-gado erro de fato.

O ministro relator, no seu voto, assim se pronuncia: “Como é amplamente sabi-do, o teor do art. 535, I e II, do CPC, os embargos de declaração destinam-se a su-prir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição existente no julgado”. Prossegue S. Exa.: “Todavia, a jurisprudência desta Corte admite o acolhimento de embargos declaratórios, com efeitos infringentes, para a correção de erro de fato, quando este constitua premissa fática equivocada sobre a qual se erigiu o acórdão impugnado”. E, pouco adiante, conclui: “Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para, conferindo efeitos infringentes, negar provimento ao agravo regi-mental do Estado do Rio Grande do Norte, mantendo a verba honorária fixada na origem”.

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moNteiRo Neto, Nelson. Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

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Nesses termos, o julgador, nos embargos, declarou que o referido Estado-mem-bro não tem razão, quando postula a redução da verba honorária em causa.

Perfeita a observação supratranscrita, consoante a qual a jurisprudência reco-nhece o erro de fato, como fundamento dos embargos de declaração, ainda que não se trate de defeito típico (obscuridade, contradição ou omissão).

Nota-se que o fundamento dos embargos de declaração foi, justamente, o erro de fato, não previsto na lei, mas há tempos admitido pela jurisprudência.

2. a JurisPrudêNcia e o erro de FaTo

Jurisprudência significa os entendimentos jurídicos adotados pelos órgãos com-petentes, no âmbito do Judiciário, sobre determinados temas.

Escreve a respeito Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 3. ed., Rio de Janeiro, São Paulo, 1941, p. 217: “Chama-se jurisprudência, em geral, – ao conjunto das soluções dadas pelos tribunais às questões de Direito; relativamen-te a um caso particular, denomina-se jurisprudência – a decisão constante e unifor-me dos tribunais sobre determinado ponto de Direito”.

Os entendimentos jurídicos adotados pelos tribunais, convém frisar, dizem res-peito, não só ao direito material, mas também ao direito processual.

É exato dizer, no que aqui interessa, que a jurisprudência dos Tribunais Supe-riores, e bem assim de diversos Tribunais de segunda instância, sem dúvida algu-ma, autoriza o emprego dos embargos de declaração na hipótese de erro de fato.

Aliás, é notório, o que dispensa a indicação de precedentes a respeito, que o STF e o STJ reputam admissíveis os embargos declaratórios, caso se trate de erro de fato. Por sinal, diversos comentários a Acórdão, por nós redigidos, se referem ao respec-tivo entendimento jurídico.

3. cabimeNTo dos embarGos de declaração: lei e JurisPrudêNcia (Novo cPc, arTs. 1.022 e 489, § 1.º, vi)

Sob o regime do novo Código de Processo Civil, que deverá entrar em vigor a 17.03.2016, se existir na decisão erro de fato, então poderá o recorrente invocar tal defeito como fundamento dos embargos de declaração, e cumprirá ao órgão juris-dicional, quanto ao cabimento do recurso, admitir estes embargos, ante o preceitu-ado pelo art. 489, § 1.º, VI, do Código novo,1 em vez de declarar, simplesmente, que não são admissíveis os embargos em caso não previsto no art. 1.022.

1. O § 1.º e o inc. VI, do dispositivo citado no texto, estão assim redigidos: “§ 1.º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou

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Em última análise, havendo dados jurisprudenciais que apontam no sentido de que o STF ou o STJ autoriza o emprego dos embargos declaratórios em determinado caso, não previsto na lei (como o erro de fato, o superveniente acontecimento relativo à jurisprudência, o exame do requisito da repercussão geral do tema no que concerne ao recurso extraordinário etc.), é lícito ao órgão jurisdicional, no tocante ao cabimen-to do recurso, afirmar admissíveis estes embargos, ante o preceituado pelo art. 489, § 1.º, VI, do Código novo, nada importando que não se trate de alguma das hipóteses a que alude o art. 1.022 (obscuridade, contradição, omissão ou erro material).

O que se quis dizer, enfim, é que, na vigência do Código de Processo Civil de 2015, o órgão julgador tem de levar em conta, não apenas o texto do art. 1.022, mas também a jurisprudência, no que tange ao cabimento dos embargos de declaração. Estes embargos, no sistema do Código novo, serão cabíveis tanto nas hipóteses previstas na lei (art. 1.022), quanto nos casos a que se refere a jurisprudência (ar-gumento extraído dos arts. 489, § 1.º, VI, 926 e 927).

4. os embarGos declaraTórios e a eFicÁcia NormaTiva de eNuNciado da súmula de TribuNal suPerior (cPc Novo, arT. 927, caput, iv)

Nos termos do art. 927, caput, e IV, do NCPC: “Os juízes e os tribunais observa-rão (...) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria cons-titucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional”.

Com base nessa norma, se, por exemplo, o STJ, levando-se em conta a jurispru-dência a respeito, inclui na Súmula um enunciado que afirma admissíveis os embar-gos de declaração em caso de erro de fato, essa disposição tem eficácia normativa em relação aos outros tribunais e magistrados, cabendo observar que, nessa hipó-tese (atinente à demarcação da área de cabimento dos embargos declaratórios), li-da-se com matéria infraconstitucional, ou seja, lei federal.

Admita-se, para argumentar, que a jurisprudência do STF não reconheça, em data futura, o cabimento dos embargos de declaração em caso não previsto na lei, como o erro de fato.

A matéria relativa às hipóteses de cabimento dos embargos declaratórios, repe-timos, situa-se no plano infraconstitucional, razão pela qual, não coincidindo a jurisprudência do STF com a do STJ, deveria aquela Corte Judiciária submeter-se ao entendimento desta.

Seja como for, a verdade é que, até este momento (últimos dias de outubro de 2015), ambos os Tribunais Superiores acima referidos consideram admissíveis os

acórdão, que: (...) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou preceden-te invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

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embargos de declaração na hipótese de erro de fato, não prevista no Código de Processo Civil.

Observe-se, ainda, que, já antes, o STF e o STJ, exemplificativamente, adotaram entendimentos diferentes a respeito de outro assunto, o da exigência do depósito prévio do valor da multa processual no que tange à interposição de outro recurso, por parte da Fazenda Pública (CPC, arts. 557, § 2.º, e 538, parágrafo único).

Enquanto o STF, unanimemente, concluiu pela obrigatoriedade de tal depósito (EDcl. no AgRg. no AgIn 667.365, 2.ª T., 14.08.2012, este acórdão menciona o pre-cedente do Plenário, 02.08.2010, AgRg. nos EDiv. no AgRg. no RE 521.424), o STJ firmou entendimento no sentido da desnecessidade do depósito acima referido, ao tempo da interposição (EREsp 1.068.207, Corte Especial, 02.05.2012, por maioria).

O Código de Processo Civil de 2015 procura resolver essa questão, por meio das normas dos arts. 1.021, § 5.º, e 1.026, § 3.º, consoante as quais a Fazenda efetuará se-melhante pagamento no encerramento do processo, e não no instante da interposição.

Merece, outrossim, referência a norma do art. 927, caput, III, do Código de 2015, de acordo com a qual: “Os juízes e os tribunais observarão (...) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”. O sistema do Código novo, aí também, revela que a jurisprudência deverá ter força vinculativa.

Em resumo: conforme várias decisões judiciais, como a transcrita no início des-te trabalho, se o recorrente aponta como fundamento dos embargos de declaração o erro de fato, presentes os outros requisitos, são admissíveis os embargos; e, além disso, o Código de 2015 valoriza a jurisprudência (arts. 489, § 1.º, VI, 926 e 927).

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Autonomia privada e contratação de honorários advocatícios, de Nelson Nery Jr. – Soluções

Práticas de Direito, Nelson Nery Junior 6/289-327 (DTR\2014\17367);

• Condenação em honorários em ações coletivas, de Fernando Crespo Queiroz Neves – RePro 236/243-255 (DTR\2014\10498); e

• Honorários advocatícios, jus postulandi. O advogado é indispensável à justiça do trabalho?, de Claudio Peron Ferraz – RIASP 28/33-50, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 4/393-410 (DTR\2010\5245).

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Técnicas Adequadas à Litigiosidade

Coletiva e Repetitiva

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Lima, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 275-300. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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o novo Processo coleTivo Para o conTrole Jurisdicional de PolÍTicas Públicas: breves

aPonTamenTos sobre o ProJeTo de lei 8.058/2014

the new collective process for the juDicial review of public policies: brief notes on bill 8.058/2014

Thadeu augimeri de goes lima

Doutorando em Direito Processual na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Coordenador e professor do

curso de pós-graduação em “Ministério Público e Estado Democrático de Direito” da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (Fempar), unidade de Londrina. Promotor de Justiça de

Entrância Final na Comarca da Região Metropolitana de [email protected].

Recebido em: 06.07.2015 Aprovado em: 11.12.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: O presente artigo aborda o novo modelo de processo coletivo voltado ao controle jurisdicio-nal de políticas públicas trazido no Projeto de Lei 8.058/2014, ora em trâmite na Câmara dos Deputa-dos, fazendo breves apontamentos sobre seus prin-cipais aspectos. Utiliza preferencialmente os méto-dos histórico-evolutivo, dialético, indutivo e siste-mático. Tece considerações sobre o controle jurisdi-cional de políticas públicas na realidade brasileira e a busca do procedimento adequado ao seu correto desenvolvimento, analisando a inovadora estrutura procedimental prevista pelo PL 8.058/2014, em suas fases essenciais. Encerra com as conclusões obtidas no exame da matéria.

Palavras-chave: Processo coletivo – Controle ju-risdicional – Políticas públicas – Projeto de Lei 8.058/2014 – Principais aspectos.

absTracT: This paper discusses the new model of collective process aimed at the judicial review of public policies brought in Bill 8.058/2014, now pending in the House of Representatives, making brief notes on its main aspects. It preferably uses the historical- evolutionary, dialectical, inductive and systematic methods. It reflects on the judicial review of public policies in the Brazilian reality and the search for the appropriate procedure to its proper development, analyzing the innovative procedural structure provided by Bill 8,058/2014, in its essential stages. It closes with the conclusions reached in examining the subject.

KeyWords: Collective process; judicial review; public policies; Bill 8,058/2014; main aspects.

sumáRio: 1. Introdução – 2. O controle jurisdicional de políticas públicas na realidade brasileira – 3. Em busca do procedimento adequado: o PL 8.058/2014 e os principais aspectos do novo processo

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Lima, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 275-300. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

coletivo: 3.1 Fase postulatória; 3.2 Fases preliminar e instrutória; 3.3 Fase decisória; 3.4 Fase satisfativa – 4. Conclusão – 5. Bibliografia.

1. iNTrodução

O controle jurisdicional de políticas públicas continua sendo, nos dias atuais, palpitante tópico de discussão a ocupar o labor doutrinário e jurisprudencial.

No plano jurídico-científico, o tema ainda suscita grandes embates de argumen-tos que perpassam notadamente as searas do Direito Constitucional, do Direito Administrativo, do Direito Econômico e do Direito Processual, e que contam com o aporte de contribuições da Filosofia, da Ciência Política, da Sociologia e da Ciên-cia da Administração, entre outros ramos do conhecimento pertinentes, fomentan-do riquíssimos enfoques interdisciplinares e mesmo transdisciplinares.

De outra parte, no plano jurídico-empírico, isto é, da concretização do Direito na realidade cotidiana, em especial nos campos das práticas judiciárias e das rela-ções institucionais, o assunto da fiscalização judicial das políticas públicas se mos-tra, sobretudo, tormentoso e delicado. As abstrações teóricas e os tipos ideais ce-dem lugar às tendencialmente infinitas necessidades concretas e à escassez de re-cursos para supri-las. A atenção é desviada das digressões e dos debates doutriná-rios para as carências e os clamores de seres humanos reais. E o Poder Judiciário, quando invocado nesse âmbito a desempenhar sua função precípua de solucionar conflitos e adjudicar direitos, não raro se vê premido a fazer escolhas trágicas que, a depender do interesse privilegiado no caso sub judice, são capazes de gerar reper-cussões sistêmicas de enorme vulto perante a coletividade.

Em acréscimo, a falta de marcos legais que estabeleçam disciplina normativa sistemática, precisa e segura para a condução do processo jurisdicional e a imple-mentação prática da decisão versando sobre política pública acarreta verdadeira anarquia metodológico-processual, com a proliferação de discrepantes posiciona-mentos e modos de atuação de juízes e tribunais, em prejuízo da desejada unifor-midade e, muitas vezes, da própria efetividade da intervenção judicial corretiva das omissões ou disfunções verificadas. De fato, são já bastante emblemáticos os casos nos quais, após moroso e complexo trâmite procedimental, o pronunciamento ju-risdicional resultou truncado e de difícil exequibilidade, por desconsiderar a reali-dade material subjacente e a constante mutabilidade das necessidades sociais que embasam as políticas públicas.1

1. Vejam-se, por exemplo, os casos do Hospital Municipal Salgado Filho, no Rio de Janeiro, e das creches do Município de São Paulo, cf. GriNover, Ada Pellegrini. Caminhos e desca-

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Lima, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 275-300. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Com o escopo de tentar contornar os problemas acima mencionados, tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 8.058/2014, subscrito pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que visa a instituir processo especial para o controle e a intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário.2 Trata-se, em suma, de nova modalidade de processo coletivo que, espera-se, virá integrar o minis-sistema processual coletivo pátrio, reforçando-o inequivocamente.

minhos do controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil. Disponível em: [www.direitoprocessual.org.br/index.php?textos-importantes]. Acesso em: 08.06.2015, p. 13-16.

2. O Projeto de Lei em apreço, de acordo com a sua Justificação, consistiu no resultado de trabalho coletivo empreendido inicialmente pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej), à época presidido pela professora Ada Pellegrini Grinover, que suce-deu o criador da entidade, professor Kazuo Watanabe. Pesquisadores do Cebepej analisa-ram, em todos os seus aspectos, a problemática do controle jurisdicional de políticas pú-blicas, apresentando seus trabalhos em seminário aberto ao público realizado pelo Cebepej e pelo Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP em 14 e 15 de abril de 2010. O Seminário apresentou conclusões, traçando as linhas gerais do texto pro-jetado, cuja primeira redação ficou a cargo de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, vindo depois a ser aperfeiçoada pelos pesquisadores do cebepej e pelos alunos e professo-res do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), na disciplina “Controle Jurisdicional de Políticas Públicas”. Posteriormente, a última versão do então anteprojeto foi debatida por grupos de trabalho durante o 2.º seminário sobre controle jurisdicional de políticas públicas, realizado pelo Cebepej, pelo IBEA/RJ e pelo Departa-mento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP em 03.10.2011. As propostas de modificação restaram incorporadas e a nova versão ainda foi examinada pelos pós--graduandos matriculados na disciplina “Políticas Públicas”, ministrada na Faculdade de Direito da USP (com a colaboração do professor Paulo Lucon), bem como da mesma dis-ciplina no Doutorado da Universidad Lomas de Zamora, em Buenos Aires. Apresentado ao debate público na Associação dos Advogados de São Paulo no decorrer de 2012, com a participação de magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e advo-gados públicos e privados, o anteprojeto agregou outras sugestões. Foi também debatido na Universidade de Itaúna, onde é ministrada a disciplina “Controle Jurisdicional de Polí-ticas Públicas”, em nível de Mestrado, e, por fim, foi exposto e debatido mais uma vez em 2013, em seminário conjunto do Cebepej e do Instituto dos Advogados de São Paulo, na presença de especialistas argentinos e do Deputado Paulo Teixeira. Mais recentemente, incorporaram-se as últimas experiências de tribunais da Argentina, da Colômbia e dos Estados Unidos da América, que indicam o caminho a ser seguido pelo Poder Judiciário, em estreito contato com o Poder Público, para a construção do consenso ou a formulação de comandos flexíveis e exequíveis, que permitam o controle da constitucionalidade e a intervenção em políticas públicas, evitando que o juiz se substitua ao administrador (Bra-sil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei [PL] 8.058/2014. Institui processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário e dá outras providên-cias. p. 12-13. Disponível em: [www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C22A085420C09554A1375205719BD24A.proposicoesWeb1?codteor=1284947&filename=Avulso+-PL+8058/2014]. Acesso em: 08.06.2015).

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278 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

Lima, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 275-300. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

É objetivo geral do presente artigo abordar esse novo modelo processual coleti-vo, fazendo breves apontamentos a respeito de seus principais aspectos. Serão teci-das considerações sobre o controle jurisdicional de políticas públicas na realidade brasileira e a busca do procedimento adequado ao seu correto desenvolvimento, analisando a inovadora estrutura procedimental prevista pelo PL 8.058/2014, em suas fases essenciais.

Serão preferencialmente utilizados, na consecução da tarefa proposta, os métodos histórico-evolutivo, dialético, indutivo e sistemático. Com efeito, os objetivos especí-ficos acima declinados serão examinados no contexto da sua evolução ao longo do tempo e mediante o cotejo, o contraste e a síntese conclusiva das ideias de autores que deles trataram. Outrossim, os dispositivos do texto legal projetado que cuidam da nova modalidade de processo coletivo serão inseridos e examinados em categorias metodológicas previamente organizadas e reciprocamente coordenadas, correspon-dentes, em linhas gerais, às etapas que compõem a estrutura procedimental.

2. o coNTrole JurisdicioNal de PolíTicas Públicas Na realidade brasileira

É comum referir que, entre o final do século XVIII e a primeira metade do sécu-lo XX, o processo jurisdicional se tornou garantia reconhecida como componente do núcleo essencial do Estado de Direito, que foi acolhida em diversas Constituições e declarações e tratados internacionais concernentes a direitos individuais. Nessa ótica liberal, o processo jurisdicional guardava a dimensão de dupla garantia: ativa e passiva. O processo se faz garantia ativa porque, diante de alguma ilicitude, pode o prejudicado dele se utilizar para buscar preveni-la ou remediá-la. Por outro lado, o processo se erige como garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos, tanto a oriunda do exercício unilateral do poder estatal quanto a praticada por particular em favor da satisfação direta de uma sua pretensão.3

Atualmente, no contexto do Estado Democrático de Direito, o processo jurisdicio-nal mantém sua conotação garantista, porém se vê enriquecido com uma nova e im-portantíssima faceta político-participativa. Ele hoje assume a condição de via ou canal de participação, atua como instrumento da jurisdição e se habilita como modus de participação do cidadão na busca da concretização e proteção dos direitos fundamen-tais e do patrimônio público. Mais do que instrumento do poder, é instrumento de participação no poder. Enfim, é um microcosmo da democracia, porquanto realiza os objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, como locus da cidadania.4

3. Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 46.

4. aBreu, Pedro Manoel. O processo jurisdicional como um “locus” da democracia participativa e da cidadania inclusiva. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de Pós-Graduação em Direi-to. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. p. 440, 544 p.

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279Técnicas adequadas à LiTigiosidade coLeTiva e RepeTiTiva

Lima, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 275-300. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Com efeito, o Poder Judiciário vem experimentando gradual expansão em sua atuação institucional e, nessa linha evolutiva, tem se convertido em uma instância participativa, à medida que é chamado a se pronunciar sobre grandes temas da atualidade, tais como a defesa do meio ambiente, das relações de consumo e dos princípios regentes da Administração Pública. Não se trata de ingerência direta e espontânea do Judiciário, e sim da participação do povo no controle da boa gestão da coisa pública, por intermédio dos mecanismos processuais que, estes sim, induzem a intervenção judicial. O Poder Judiciário, portanto, não ficou alijado da democra-cia participativa fomentada e disponibilizada pela Constituição da República de 1988 por meio de variados canais, passando a recepcionar, em grande parte por conta da incúria ou leniência de outras instâncias, iniciativas diversas, generica-mente aderentes ao manejo dos interesses metaindividuais.5

A desneutralização política do Poder Judiciário é consequência das alterações oriundas do advento do Estado Social e da complexa sociedade tecnológica sur-gida em meados do século XX. A previsão de direitos fundamentais sociais, eco-nômicos e culturais nas Constituições contemporâneas ensejou, nas últimas dé-cadas, uma explosão de litigiosidade, fazendo aportar no Judiciário demandas in-dividuais e coletivas voltadas à efetivação de mencionados direitos, dependentes, via de regra, de políticas públicas para a sua fruição concreta. O desempenho do Poder Judiciário passou a ter maior relevância social e suas decisões se tornaram objeto de controvérsias públicas e políticas. Significa que o Estado Social modifi-cou profundamente a relação entre Estado e sociedade, pois, enquanto o Estado Liberal apenas protegia as liberdades negativas, de cunho eminentemente indivi-dual, aquele veio tutelar as liberdades positivas, tornando viável exigir do Poder Público ações materiais tendentes à implementação de direitos à proteção ou a prestações.6

Boaventura de Souza Santos esclarece que a concepção da administração da justiça como uma instância política foi inicialmente propugnada pelos cientistas políticos, que viram nos tribunais um subsistema do sistema político global, parti-lhando com este a característica de processarem uma série de inputs externos, cons-tituídos por estímulos, pressões, exigências sociais e políticas, e de, mediante me-

5. MaNcuso, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 85-86.

6. Cf. caMBi, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, polí-ticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 194; e GriNover, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janei-ro: Forense, 2013. p. 126.

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canismos de conversão, produzirem outputs (as decisões) portadores de impacto social e político nos restantes subsistemas.7

Todavia, conforme bem alerta Camilo Zufelato, é preciso rever o sentido da ex-pressão judicialização da política, que outrora significava interferência abusiva do Direito em temas de exclusividade dos agentes políticos, para um sentido no qual as questões que envolvam comportamentos políticos se revestem de status de direi-tos fundamentais, e nessa medida são perfeitamente judicializáveis. Segundo o au-tor, basta pensar que o conteúdo das políticas públicas remete à ideia de direitos sociais e de solidariedade, como os direitos à saúde, à educação, ao trabalho, ao meio ambiente sadio, dentre outros, todos passíveis de apreciação judicial quando violados. Ademais, a obrigação de implementação de direitos fundamentais, sejam eles instrumentalizados por meio de políticas públicas ou não, é dever de todos os Poderes do Estado, incluído o Judiciário, para a própria realização e concretização dos escopos do Estado Democrático de Direito.8

Guardada essa conotação para a expressão, percebe-se que a judicialização da política é atualmente inevitável em nosso país, dados o caráter analítico da Cons-tituição Federal de 1988 e o amplo acesso ao Poder Judiciário que ela garantiu. Ao introjetar a disciplina de determinadas matérias (ainda que prima facie de índole política) e lhes conferir assim feição normativa da mais alta estatura, a Carta Mag-na institui critérios jurídicos para a avaliação de condutas a elas relacionadas, cria situações subjetivas ativas e passivas e fomenta pretensões suscetíveis de serem deduzidas em juízo. Outrossim, devido à expansão do controle jurisdicional e do universo dos legitimados a invocá-lo, que não mais engloba apenas os titulares dos interesses substanciais contrariados ou insatisfeitos, tendo sido acrescido de ou-tros órgãos e entidades aos quais se abrem as vias das ações coletivas e dos instru-mentos de controle concentrado de constitucionalidade, é certo que qualquer ato comissivo ou omissivo dos Poderes Legislativo e Executivo pode ser questionado e submetido à apreciação do Judiciário, que verificará sua conformidade com a ordem jurídica como um todo, em especial com o estrato constitucional, e con-cluirá, em caso positivo, por sua validade ou licitude, ou, em caso negativo, por sua invalidade ou ilicitude, julgando a causa de acordo com tal conclusão. Trata-se de regular exercício da atividade típica do Poder Judiciário, que a este não é possível declinar quando presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento vá-

7. saNtos, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. ed. Porto: Afrontamento, 1999. p. 150-151.

8. zuFelato, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e indi-viduais. In: GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 311.

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lido do processo e as condições da ação. Não há aí nenhuma invasão ou usurpação de competências alheias.9

Destarte, o cerne da controvérsia não se situa na judicialização dos megaconfli-tos em si mesma, já que é uma virtualidade em um sistema que resguarda a univer-salidade da jurisdição, porém se desloca para outro foco, o dos excessos que, a partir daquela judicialização, podem vir a ser cometidos, mormente quando a con-duta judicial revelar incapacidade de recepcionar e mensurar os elementos no en-torno da questão central, que com ela compõem um só contexto, ou quando faltar ao magistrado percepção mais acurada e sensível no tocante ao balanço entre custo e benefício ou em face dos contingenciamentos financeiro-orçamentários a que estão sujeitos os órgãos e entes demandados.10 Por isso, avulta a importância de serem tomados em conta pelo Judiciário, sempre que instado a se pronunciar sobre questão de natureza política, os critérios de sua capacidade institucional para me-lhor resolvê-la, em detrimento do locus deliberativo primariamente encarregado, e dos efeitos sistêmicos de sua decisão, isto é, dos perigos de repercussões externas imprevisíveis e indesejadas.11 Tais cautelas, entretanto, não devem servir para inti-midá-lo ou constrangê-lo no desempenho de seu nobre mister de guardião máximo da ordem constitucional.

Têm razão Ronald Dworkin e Eduardo Cambi, ao asseverarem que a transferên-cia de poder político ao Judiciário certamente fará com que a maioria dos cidadãos, notadamente aquela imensa parcela destituída de privilégios, ganhe mais do que perca. De fato, conquanto o aparato judicial se mostre imperfeito, em muitos casos será o último refúgio para a exigência de satisfação dos direitos fundamentais dos excluídos, não raras vezes completamente ignorada pelo Legislativo e pelo Execu-tivo. Essa pretensão, deduzida perante os órgãos jurisdicionais, ao menos será ana-lisada e receberá decisão fundamentada, ainda que contrária à sua tutela. Portanto, a singela possibilidade da minoria de acessar o Poder Judiciário em busca de prote-ção aos seus interesses jurídicos já consubstancia um eficaz instrumento para im-pedir a ditadura da maioria. A jurisdição constitucional, assim, é capaz de estabele-cer um compromisso constante entre a maioria e a minoria, em favor da paz social.12

9. liMa, Thadeu Augimeri de Goes. Tutela constitucional do acesso à justiça. Porto Alegre: Núria Fabris, 2013. p. 70-71.

10. MaNcuso, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 83.

11. Barroso, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponí-vel em: [www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf]. Acesso em: 26.01.2012, p. 16-17; e MaNcuso, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 83-85.

12. dWorkiN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 30-32; e caMBi, Eduardo. Op. cit., p. 246-247.

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Ademais, a sua intervenção não é irrestrita, dependendo, além da provocação dos legitimados, da constatação da infringência de preceitos da Lei Maior, mormente daqueles que consagram direitos fundamentais, hipótese em que não poderá se eximir de tutelá-los.

Em suma, defende-se um ativismo judicial responsável, comprometido com a implementação das disposições constitucionais e com a efetivação dos direitos fun-damentais de todos, todavia ciente das limitações institucionais e técnicas inerentes ao Poder Judiciário e da necessidade de respeitar o jogo democrático e de motivar consistentemente as decisões que impliquem censura aos atos comissivos ou omis-sivos dos outros Poderes Públicos.13 Dentro desse modelo ideal que se preconiza, algumas diretrizes merecem nortear o comportamento do juiz constitucional: 1. ele só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; 2. deve ter deferência relativamente às decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; 3. não deve perder de vista que, em-bora não eleito, o poder que exerce é representativo (emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação haverá, na medida do possí-vel, que estar em sintonia com o sentimento social, porém sem resvalar para o po-pulismo, pois a conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, são condição para o funcionamento do constitu-cionalismo democrático.14

O controle jurisdicional de políticas públicas é uma realidade presente no dia a dia dos tribunais brasileiros. Embora a doutrina e a jurisprudência, sobretudo do STF, hajam se dedicado ao tema, fixando limites ao próprio controle e construindo diretrizes a respeito da matéria, ainda permanecem dúvidas e frequentemente o julgador enfrenta dificuldades concretas para decidir assuntos tão relevantes. Difi-culdades oriundas da falta de informações, de dados, de assessoria e de contatos com a Administração encarregada da implementação da política pública, com os demais juízes e com os tribunais, além de dificuldades de ordem orçamentária e decorrentes da multiplicidade de demandas individuais que culminam inevitavel-mente por incidir sobre as políticas públicas.15 A conjunção desses fatores torna

13. caMBi, Eduardo. Op. cit., p. 312.

14. Barroso, Luís Roberto. Op. cit., p. 14.

15. Como se dá com as chamadas demandas individuais com efeitos coletivos e demandas “pseu-doindividuais”. Demanda individual com efeitos coletivos é aquela que, embora ajuizada de forma individual, na verdade, em função do pedido deduzido, espraiará os efeitos da sen-tença sobre toda a coletividade, ao passo que demanda “pseudoindividual” é aquela que, a pretexto de buscar tutela em favor de pessoa(s) determinada(s), funda-se em direito que só poderia ser pleiteado a título coletivo. ciNtra, Antônio Carlos de Araújo; GriNover, Ada

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necessária a fixação de parâmetros seguros para o magistrado e as partes e, princi-palmente, a criação de um novo processo, dotado de cognição e de contraditório ampliados, de modo que a intervenção judicial em políticas públicas não crie pro-blemas insolúveis para a Administração e para a população, bem como a fim de que o julgador possa decidir com equilíbrio e justiça, após conhecer todos os dados da questão que está em jogo, sem prejuízo de mecanismos adequados e eficazes de acompanhamento da execução, a qual, a seu turno, precisa ser flexível, em prol da efetividade do comando judicial.16

Tal novo modelo processual, de feição coletiva, é objeto do Projeto de Lei 8.058/2014, cujos principais aspectos passamos a analisar na sequência.

3. em busca do ProcedimeNTo adequado: o Pl 8.058/2014 e os PriNciPais asPecTos do Novo Processo coleTivo

Leciona José Roberto dos Santos Bedaque se esperar do processo, como instru-mento de solução das crises de cooperação existentes no plano substancial, que cumpra o seu mister, cabendo aos estudiosos do Direito Processual a elaboração dos fundamentos, princípios e regras necessários para que esse escopo seja atingi-do. Analisar cientificamente o processo não pode significar apenas fixar as bases de sua autonomia. É preciso encontrar a técnica mais adequada a que o instrumento produza o resultado desejado. Dotar o processo de efetividade prática constitui preocupação não só do processualista, mas de todos os que têm consciência da importância da atividade jurisdicional para a realização dos direitos.17

A respeito da tutela jurisdicional efetiva a que deve tender o processo, e de ma-neira semelhante, acentuam Comoglio, Ferri e Taruffo que a existência dela repre-senta variável dependente da disponibilidade de remédios processuais construídos realisticamente em função das necessidades que emergem dos diversos tipos de si-tuações substanciais, bem como da eficiência destes remédios em termos de acessi-bilidade e funcionalidade, o que, reconhecem, afigura-se como hipótese ideal bas-tante difícil de se realizar em concreto, mas que constitui um sistema de referência pelo qual se devem orientar os ordenamentos processuais. Segundo os citados mes-tres italianos, a tutela jurisdicional efetiva, em sentido constitucional, vem a impli-

Pellegrini; diNaMarco, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 30. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2014. p. 383-384.

16. GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 507.

17. Bedaque, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 20.

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car: (a) a possibilidade séria e efetiva de obter do juiz um provimento que seja compatível e homogêneo com a natureza das situações subjetivas tuteláveis, satisfa-zendo plenamente a necessidade da tutela para elas invocada; (b) a elasticidade e a diferenciação das formas de tutela, em relação às características variáveis dos direi-tos ou interesses pretendidos com o exercício da ação; (c) a relevância garantista das formas de tutela admissíveis, posto que homogêneas com as situações tuteláveis e adequadas ao ponto de lhes conceder o máximo possível de proteção concreta.18

Mostra-se imperioso, portanto, que o processo não perca de vista as exigências do direito material que é chamado a atuar, cujas peculiaridades deverão nortear a sua estruturação técnica. Feita tal observação, merecem ser examinadas as caracte-rísticas das políticas públicas que dão margem aos denominados conflitos de interes-se público19 e que sobressaem para a escolha e a formatação do modelo processual (individual ou coletivo) adequado ao seu controle jurisdicional.

18. coMoGlio, Luigi Paolo; Ferri, Corrado; taruFFo, Michele. Lezioni sul processo civile: il pro-cesso ordinario di cognizione. 5. ed. Bolonha: Il Mulino, 2011. vol. 1, p. 33 e 67.

19. Como registra Ada Pellegrini Grinover, os conflitos de interesse público, ou estratégicos, são os que se destinam à implementação de direitos fundamentais coletivos, implicando colo-car em debate a atuação de grandes instituições ou serviços públicos (sistemas escolares, estabelecimentos carcerários, entidades e organismos destinados à saúde pública, acesso ao transporte, à moradia, ao saneamento, à mobilidade urbana). Derivam daí os litígios de interesse público, desenvolvidos a partir da década de 1950 do século passado no Direito norte-americano, dos quais é exemplo o amplamente conhecido e emblemático caso “Bro-wn vs. Board Education of Topeka”, conduzido pela Corte Warren, juntamente com outros precedentes que permitiram o desenvolvimento da doutrina, capitaneada especialmente por Mauro Cappelletti, a partir de 1976. Assim foi se afirmando o reconhecimento da exis-tência de uma importante categoria de litígios de direito público, que deve ser diferenciada não só da tutela processual destinada a solucionar conflitos privados, mas até da maioria da tutela coletiva, pois agora o diálogo que se estabelece no processo tem natureza interinstitucional, envolvendo outros Poderes estatais. A decisão não mais versa sobre fa-tos pretéritos aos quais aplicar a lei, mas se projeta para o futuro, em uma dimensão pros-pectiva. A ordem do juiz não deve mais ser para pagar ou fazer, mas uma sinalização dos passos a serem empreendidos para que se chegue ao resultado pretendido pela sentença, que por sua vez há que ser construída pelo diálogo entre as partes e, sobretudo, entre os Poderes, expandindo-se o contraditório também mediante audiências públicas e interven-ção de terceiros como os amici curiae. A cognição judicial precisa ser ampliada, servindo-se o magistrado de assessorias especializadas e das próprias informações da Administração, para que, se não houver acordo, aquele se dê conta dos efeitos de sua decisão e esta possa ser justa, equilibrada e exequível. O cumprimento da sentença, por sua vez, deve ser flexi-bilizado, com a participação da Administração mediante planejamentos aprovados pelo julgador, o qual necessita acompanhar a execução, podendo se servir para tanto do auxílio de um terceiro independente, pertencente a órgãos públicos ou privados, porém sempre em comunicação estreita com o juiz e sob seu comando. Finaliza a ilustre jurista asseve-

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Para Hermes Zaneti Jr., é incorreto afirmar que as políticas públicas somente veiculam programas coletivos, tornando impossível sua sindicabilidade a título individual, assim como é incorreto afirmar que o interesse público se encontra apenas nos direitos coletivos. Aduz o autor que tanto os direitos individuais quan-to os coletivos traduzem momentos da evolução das dimensões dos direitos funda-mentais, não podendo ser suprimidos. Ademais, completa, de um mesmo fato po-derão surgir ilícitos e lesões a direitos coletivos e a direitos individuais, o que ense-jará a análise judicial de ambos.20

Em linha semelhante, Lívia Regina Savergnini Bissoli Lage adverte que não se confunde a política pública com o próprio direito social em si. A política pública é, de acordo com ela, um programa de governo para se alcançar a efetivação desse direi-to, tendo a Constituição Federal já definido as políticas públicas prioritárias que devem ser implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo, aos quais resta apenas a discricionariedade de meios. Por conseguinte, somente poderão ser cole-tivamente judicializadas as políticas públicas definidas pelo Texto Constitucional que não reflitam exclusivamente direitos subjetivos individuais. Os direitos funda-mentais sociais poderão, portanto, ser individualmente exigidos quando se apre-sentarem como direitos subjetivos individuais, e judicializados pela via coletiva quando se apresentarem como direitos transindividuais. Também poderão servir de parâmetro para a verificação da constitucionalidade das ações ou omissões do Es-tado, ou ainda para determinar a criação ou a adequação das políticas públicas a cargo do Executivo ou do Legislativo. Vale dizer, sendo situações jurídicas comple-

rando que este novo modelo processual, que demanda grande ativismo judicial e a amplia-ção dos poderes do juiz, bem como o chamado método dialogal, com o diálogo entre os Poderes, maior publicidade, participação e transparência, ainda não existe formalmente, porém a jurisprudência de diversos países tem sabido criá-lo, modificando os esquemas processuais clássicos (GriNover, Ada Pellegrini. Caminhos e descaminhos... cit., p. 17-18). Sobre os conflitos de interesse público e a intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas na doutrina estrangeira: dahl, Robert A. Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker. Journal of Public Law. n. 6. p. 279-295. 1957; koMesar, Neil K. A job for the judges: the Judiciary and the Constitution in a massive and complex society. Michigan Law Review. vol. 86. n. 4. p. 657-721. Michigan, fev. 1988; e BerizoNce, Roberto Omar. Procesos de interés público y función de garantía para la efectivi-dad de los derechos fundamentales. Texto disponibilizado para a disciplina “O Controle Ju-risdicional de Políticas Públicas e o Processo para os Conflitos de Interesse Público”, mi-nistrada no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Largo de São Francis-co, da Universidade de São Paulo (USP), no 1.º semestre de 2015. 18 p.

20. zaNeti Jr., Hermes. A teoria da separação de poderes e o Estado Democrático Constitucio-nal: funções de governo e funções de garantia. In: GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 56-57.

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xas, as especificidades do caso concreto é que indicarão a forma adequada de tutela jurisdicional do direito fundamental social.21

Do exposto, e conforme Ada Pellegrini Grinover, surge inarredável conclusão: qualquer tipo de demanda, na jurisdição constitucional e na ordinária, pode ser utilizado para provocar o Poder Judiciário a exercer o controle e a possível inter-venção em políticas públicas, notadamente nos casos de condutas omissivas. Na jurisdição constitucional, por meio de mandado de injunção, inclusive coletivo, de arguição de descumprimento de preceito fundamental, de ação direta de inconsti-tucionalidade por omissão. E na jurisdição ordinária, por meio de demanda coleti-va, demanda individual com efeitos coletivos ou demanda meramente individual, sendo certo que, neste último caso, mais cuidados deverão ser tomados para a ob-servância dos limites postos à intervenção. Isso porque o acolhimento da pretensão estritamente individual diminui a disponibilidade de verbas destinadas à política pública geral (aspecto negativo), embora a reiteração de pedidos no mesmo sentido possa acabar influindo na ampliação da própria política pública (aspecto positivo).22

Ainda trazendo à colação o magistério da emérita professora, nota-se que a ju-risprudência do STF admite, para o controle jurisdicional de políticas públicas, tanto as ações individuais quanto as ações coletivas. Todavia, na esteira da impor-tantíssima e bastante divulgada decisão monocrática do Min. Celso de Mello toma-da na ADPF 45-9, são necessários alguns requisitos para que o Judiciário interve-nha nas políticas públicas, até como imperativo ético-jurídico: 1. o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; 2. a razoabilidade da pretensão in-dividual/social deduzida em face do Poder Público; e 3. a existência de disponibili-dade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclama-das. Conclui Ada Pellegrini Grinover que, relativamente à intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, o juiz, valendo-se da proporcionalidade e da razoa-bilidade, analisará a situação concreta e dirá se o legislador ou o administrador público pautou sua conduta de acordo com os interesses maiores do indivíduo ou da coletividade, estabelecidos pela Constituição. E, assim, apreciará, do lado do autor, a razoabilidade da pretensão individual ou social deduzida em face do Poder Público, e do lado deste, se a escolha do agente público foi desarrazoada.23

21. laGe, Lívia Regina Savergnini Bissoli. Políticas públicas como programas e ações para o atingimento dos objetivos fundamentais do Estado. In: GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 162-163.

22. GriNover, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional... cit., p. 148-149. Em idêntico sentido: zuFelato, Camilo. Op. cit., p. 315.

23. Idem, p. 130-132.

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Cumpre enfatizar, com Marco Antônio da Costa Sabino, que a opção pela ação coletiva é uma maneira de abrandar os custos da jurisdição. Por ela, são contempla-dos todos os membros do grupo, categoria ou classe, mesmo aqueles que não co-nhecem seus direitos ou a forma de sua tutela, distribuindo-se de modo mais uni-forme os bens adjudicados pelo Judiciário. Aludindo especificamente às políticas públicas de saúde, ressalta o autor que, se há concordância com a tese de que o Poder Judiciário não pode ser afastado do seu controle, então é preciso concordar que a ação coletiva é o campo propício para que ocorra tal prestação jurisdicional. A sentença coletiva que condena o Estado a fornecer determinado fármaco traz benefício a todos os que se enquadram na mesma categoria, classe ou grupo, isto é, que guardam identidade de direitos e de fatos entre si. Ademais, as ações coletivas ampliam o debate, permitindo que várias opiniões sejam colhidas.24

O Projeto de Lei 8.058/2014 escolhe deliberadamente a via judicial do processo coletivo para o controle de políticas públicas, por ser o mais adequado à universa-lidade e à igualdade próprias dos programas e ações do Governo no campo dos direitos sociais prestacionais, não descurando, entretanto, da realidade da conco-mitância de demandas individuais, em que cada pessoa faz valer em juízo seu direi-to subjetivo individual, introduzindo técnicas para privilegiar as ações coletivas e coletivizar as ações individuais.25

24. saBiNo, Marco Antônio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucio-nais e institucionais. O caso da saúde. In: GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (co-ord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 376-377.

25. GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas cit., p. VII. O PL, por seu art. 30, pretende introduzir no ordenamento jurídico pátrio, de forma escorreita, o incidente de conversão de ação individual em coletiva, que constou do art. 333 do NCPC (Lei 13.105/2015), em sua redação final aprovada no Con-gresso Nacional, mas foi objeto de veto presidencial. Frise-se que, embora o instituto em si seja elogiável e se mostre necessário na sistemática processual, a disciplina legal que recebera ao cabo de longo e tumultuado processo legislativo não parecia a mais adequada para um uso profícuo. Logo, o recente veto acabou por ostentar caráter providencial, ao permitir que o regramento volte à discussão e seja melhor trabalhado. Sobre as críticas à redação do dispositivo, tal como previsto no Substitutivo aprovado na Câmara dos Depu-tados, cf. GriNover, Ada Pellegrini. O projeto de novo CPC e sua influência no minissiste-ma de processos coletivos: a coletivização dos processos individuais. Disponível em: [www.direitoprocessual.org.br/index.php?novo-cpc-2]. Acesso em: 08.05.2015. p. 7. No que tange às demandas individuais, o art. 28, caput, do PL 8.058/2014 determina que, se a solução delas for apta a interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz so-mente poderá conceder a tutela na hipótese de se tratar do mínimo existencial ou de bem da vida assegurado em norma constitucional de forma completa e acabada, nos termos do § 1.º do art. 7.º, e desde que haja razoabilidade do pedido e irrazoabilidade da conduta da

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Outrossim, o PL se preocupa em instituir uma cognição judicial mais aprofunda-da, necessária às decisões sobre políticas públicas, bem como um contraditório am-pliado, que envolva o diálogo com os responsáveis por sua efetivação, de modo a fornecer ao juiz dados e informações que lhe permitam decidir de maneira mais equilibrada, justa e exequível. Cuidados especiais se tomam com o cumprimento da sentença, que é flexibilizado. A reunião de processos, tanto na instância originária quanto na recursal, e a instituição de cadastros nacionais são outras técnicas utiliza-das para uma distribuição mais equilibrada e efetiva da justiça nesse campo.26

O art. 2º, caput, do PL consigna expressamente que o controle de políticas pú-blicas pelo Poder Judiciário se regerá pelos seguintes princípios, sem prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais: I – proporcionalida-de; II – razoabilidade; III – garantia do mínimo existencial; IV – justiça social; V – atendimento ao bem comum; VI – universalidade das políticas públicas; e VII – equilíbrio orçamentário.

Em complemento, o parágrafo único do dispositivo estabelece que o processo especial apresentará as seguintes características: I – estruturais, a fim de facilitar o diálogo institucional entre os Poderes; II – policêntricas, indicando a intervenção no contraditório do Poder Público e da sociedade; III – dialogais, pela abertura ao diálogo entre o juiz, as partes, os representantes dos demais Poderes e a sociedade; IV – de cognição ampla e profunda, de modo a propiciar ao juiz o assessoramento necessário ao pleno conhecimento da realidade fática e jurídica; V – colaborativas e participativas, envolvendo a responsabilidade do Poder Público; VI – flexíveis

Administração. O parágrafo único, a seu turno, estabelece que cada circunscrição judiciá-ria deverá organizar e manter comissão de especialistas destinada a assessorar o magistra-do nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e informações que o auxi-liem em sua decisão. Por derradeiro, o art. 29 do PL consigna mandamento similar ao que consta do art. 139, X, do NCPC, impondo que, nos casos previstos no art. 28, o juiz noti-fique o Ministério Público e outros legitimados às ações coletivas para, querendo, ajuizar o processo coletivo versando sobre a implementação ou correção da política pública, o qual observará as disposições daquela lei projetada.

26. GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas cit., p. VII. O PL trata da reunião de processos, na instância originária e na recur-sal, nos seus arts. 23 e 25, bem como da instituição de cadastros nacionais nos seus arts. 26 e 27. Além dessas técnicas, seu art. 24 fomenta a promoção de encontros periódicos, presenciais ou por videoconferência, com os juízes competentes para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de polí-ticas públicas, destinados ao conhecimento e possível harmonização de entendimentos sobre a matéria. Finalmente, o seu art. 31 determina aos tribunais federais e autoriza aos tribunais estaduais que, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado a partir da entrada em vigor da lei, criem varas especializadas para o processo e julgamento de ações que vi-sem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas.

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quanto ao procedimento, a ser consensualmente adaptado ao caso concreto; VII – sujeitas à informação, ao debate e ao controle social, por qualquer meio adequado, processual ou extraprocessual; VIII – tendentes às soluções consensuais, construí-das e executadas de comum acordo com o Poder Público; IX – que adotem, quando necessário, comandos judiciais abertos, flexíveis e progressivos, de modo a consen-tir soluções justas, equilibradas e exequíveis; X – que flexibilizem o cumprimento das decisões; e XI – que prevejam o adequado acompanhamento do cumpri-mento das decisões por pessoas físicas ou jurídicas, órgãos ou instituições que atuem sob a supervisão do juiz e em estreito contato com este.

Avulta, nesse contexto, a relevância conferida aos meios alternativos de solução de controvérsias, tratados nos arts. 11 a 13, que variam entre a arbitragem, a media-ção e a conciliação judiciais ou extrajudiciais e a transação, aqui incluído o com-promisso de ajustamento de conduta.

Feitas essas observações preambulares, passemos ao estudo do novo modelo processual coletivo proposto, a partir de categorias metodológicas corresponden-tes, em linhas gerais, às fases de sua estrutura procedimental.

3.1 Fase postulatória

Nesta categoria, por conveniência expositiva, inserimos os temas da competência para o julgamento do processo coletivo, da legitimidade para a sua instauração, do obje-to da demanda, dos requisitos da petição inicial e da antecipação dos efeitos da tutela.

Por força do art. 3.º, caput, do PL, é competente para o controle judicial de po-líticas públicas a Justiça Comum, Estadual ou Federal, ressalvadas as hipóteses de cabimento de ações constitucionais, que, quando for o caso, estarão inseridas na órbita de competência dos tribunais (por exemplo, ação direta de inconstituciona-lidade por ação ou omissão, mandado de injunção etc.).

O art. 3.º, caput, ainda prevê que a legitimidade ad causam para o ajuizamento da respectiva ação coletiva se dá na forma do estabelecido pela legislação pertinen-te, ou seja, basicamente conforme o art. 5.º da Lei da Ação Civil Pública (na reda-ção dada pela Lei 11.448/2007) e o art. 82 do CDC, que se integram no tocante à indicação dos legitimados ativos para a propositura da ação civil pública ou coleti-va. Assim, poderão ajuizá-la, de maneira concorrente e disjuntiva: (a) o Ministério Público; (b) a Defensoria Pública (incluída no rol pela citada Lei 11.448/2007); (c) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (d) autarquia, empresa pública, fundação (pública ou privada) e sociedade de economia mista; (e) entida-des e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem persona-lidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses difusos, coleti-vos ou individuais homogêneos (art. 82, III, do CDC); (f) associação constituída desde pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e com finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse questionado.

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Relativamente à demanda coletiva, impende salientar preliminarmente que, na perspectiva processual, o seu objeto litigioso será a implementação, do ponto de vista prático e efetivo, das próprias políticas públicas em discussão, para que se atinja por meio do processo, do modo mais eficiente possível, a implementação de tais políticas, e por decorrência o respeito ao direito transindividual.27 Por isso, o art. 3.º, par. ún., do PL admite, para a implementação ou correção de política pú-blica, qualquer espécie de ação ou provimento.

A petição inicial, dispõe o art. 4.º, obedecerá aos requisitos previstos no Código de Processo Civil e deverá indicar com precisão a medida necessária para a imple-mentação ou correção da política pública, bem como a autoridade responsável por sua efetivação (caput), além da pessoa jurídica de direito público à qual pertencer dita autoridade (par. ún.). Logo, parece que o pedido formulado, embora dispense desde logo a exata quantificação (quantum debeatur), que, tratando-se de políticas públicas, é extrema e rapidamente mutável (pense-se, por exemplo, em demanda pleiteando a criação de vagas em creches ou a disponibilização de leitos de UTI em determinada região), não prescinde da minuciosa exposição do quid debeatur.

No que tange à causa de pedir, concordamos com Ricardo de Barros Leonel, se-gundo quem, nas demandas coletivas, a regra da substanciação é mais tênue, re-caindo apenas sobre aspectos gerais da conduta (comissiva ou omissiva) impugna-da. Não se faz necessária uma especificação tão intensa dos fatos, no sentido de que não são deduzidos a ponto de se identificarem com uma situação individual, porém apenas no limite da suficiência e aptidão para a demonstração da situação ampla e abrangente, de largo espectro de incidência, inerente à própria natureza das rela-ções coletivas em sentido lato. Esta observação decorre da própria essência dos direitos coletivos, que, embora sejam genericamente definidos pelo legislador, em virtude de sua profusão e imensa gama de possibilidades, e ainda delineamento amplo e abrangente, acabam sendo desprovidos da especificidade inerente apenas aos direitos meramente individuais. Em consequência, certamente que os funda-mentos jurídicos da causa nas demandas coletivas não obedecerão com exclusivi-dade e tão claramente a categorias lógicas e jurídicas, igualmente refletindo a sub-sunção dos fatos a interesses que são juridicamente tutelados, mas que denotam também o envolvimento com opção valorativa, axiológica, tal verdadeira escolha entre valores igualmente relevantes. Para além disso, prossegue o mestre, um plus deverá ser inserido, a fim de individualizar a demanda, conferindo-lhe característi-cas e gênese próprias e diferenciando-a de outras semelhantes: é necessário que o autor afirme, a título causal, os fatos, os fundamentos jurídicos e, de certa forma mesclados nesta categoria, porém com nota peculiar, os fundamentos valorativos não jurídicos, ou seja, a importância ou relevância, naquele caso, da tutela almeja-

27. zuFelato, Camilo. Op. cit., p. 316.

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da, para que seja possível ao julgador adotar, quando da operação intelectiva que envolve o processo decisório, a solução desejada pelo autor, e não acolher os argu-mentos contrários de idêntica natureza.28

Finalmente, a teor do art. 7.º, se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, e na presença dos requisitos genericamente impostos pelo Código de Processo Civil, o juiz poderá antecipar os efeitos da tutela, estando nessa hipótese dispensadas as informações a respeito dos incs. II, III e IV do art. 6.º, que sinteticamente se referem à chamada cláusula da reserva do possível. Realmente, nos casos de urgência e vio-lação ao mínimo existencial, a reserva do possível não deverá constituir obstáculo para a imediata satisfação do direito.29

3.2 Fases preliminar e instrutória

Nestas fases estão certamente os pontos mais inovadores do processo coletivo especial previsto pelo PL 8.058/2014. Dizem respeito propriamente à cognição ju-dicial mais aprofundada, necessária às decisões sobre políticas públicas, bem como ao contraditório ampliado, que envolva o diálogo com os responsáveis por sua efetivação, de modo a fornecer ao juiz dados e informações que lhe permitam deci-dir de maneira mais equilibrada, justa e exequível. Como muito bem pondera Ca-milo Zufelato, atualmente é preciso reconhecer que a legitimidade política das de-cisões judiciais deve provir não da eleição dos juízes, mas da efetiva participação dos litigantes diante do Estado-juiz, num processo dialético que redundará em deci-são-síntese do conflito. Neste binômio participação-processo reside o elemento in-dispensável que dá sustentação e legitimidade à intervenção judicial em tema de políticas públicas, que é um contraditório amplo e facilitador do diálogo entre as partes, o qual aportará ao julgador os dados indispensáveis para uma decisão final justa e equânime.30

O art. 6.º preconiza que, estando em ordem a petição inicial, o juiz a receberá e notificará o órgão do Ministério Público (quando não for o demandante) e a auto-ridade responsável pela efetivação da política pública, para que esta preste, pessoal-

28. leoNel, Ricardo de Barros. A causa petendi nas ações coletivas. In: cruz e tucci, José Rogério; Bedaque, José Roberto dos Santos (coord.). Causa de pedir e pedido no processo civil: (ques-tões polêmicas). São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 157 e 159.

29. GriNover, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional... cit., p. 139. O art. 7.º, par. ún., do PL define o mínimo existencial como o núcleo duro, essencial, dos direitos fundamentais so-ciais garantidos pela Constituição Federal, em relação ao específico direito fundamental invocado, destinado a assegurar a dignidade humana.

30. zuFelato, Camilo. Op. cit., p. 313.

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mente e no prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, informações detalhadas que deverão contemplar os seguintes dados da política pública objeto do pedido, os quais constarão do mandado: I – o planejamento e a execução existentes; II – os recursos financeiros previstos no orçamento para sua implementação; III – a previ-são de recursos necessários a sua implementação ou correção; IV– em caso de in-suficiência de recursos, a possibilidade de transposição de verbas; e IV – o crono-grama necessário ao eventual atendimento do pedido.

Na forma do art. 8.º, se não forem prestadas as informações requisitadas, o jul-gador aplicará à autoridade responsável as sanções previstas no Código de Processo Civil, podendo também convocá-la pessoalmente para comparecer em juízo. Na prestação de informações, a autoridade poderá se servir de assessores técnicos es-pecializados. Outrossim, ao magistrado também será facultado se utilizar de técni-cos especializados para assessorá-lo na análise das informações, sem prejuízo de consulta a órgãos e instituições do ramo.

Estabelece o art. 9.º que, se considerar as informações insuficientes, o juiz, de ofício ou a requerimento do autor ou do Parquet (quando atue como órgão interve-niente), poderá solicitar esclarecimentos e informações suplementares, a serem prestadas em prazo razoavelmente fixado, bem como poderá designar audiências, em contraditório pleno e inclusive com a presença dos técnicos envolvidos, para os mesmos fins.

Por outro lado, ex vi do art. 10, caso tenha por esclarecidas as questões suscita-das na fase preliminar, o juiz poderá designar audiências públicas, convocando re-presentantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados, admitin-do-se ainda a intervenção de amicus curiae, pessoa física ou jurídica, que poderá se manifestar por escrito ou oralmente.

Conforme o art. 14, encerrada a fase preliminar, e não tendo havido composição entre as partes, o juiz examinará, em juízo de prelibação, a razoabilidade do pedido e da atuação da Administração, podendo extinguir desde logo o processo com resolução do mérito (juízo de prelibação negativo) ou determinar a citação do representante judi-cial da autoridade competente para apresentar resposta (juízo de prelibação positivo). Trata-se, neste momento procedimental, da verificação do que Kazuo Watanabe chama de justiciabilidade dos direitos fundamentais, que não constitui requisito para o acesso à justiça ou para o exame do meritum causae, mas sim requisito para o acolhimento da pretensão de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais so-ciais, isto é, a efetiva existência de um direito fundamental social tutelável jurisdi-cionalmente. É, portanto, um qualificativo do direito material.31

31. WataNaBe, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas – “mínimo existencial” e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis. In: GriNover, Ada Pellegrini;

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O que importa, segundo Hermes Zaneti Jr., é notar que a questão não gira em torno da admissibilidade, mas do mérito, cabendo ao Poder Judiciário, no caso con-creto, ante condicionantes fáticas (necessidade e adequação) e jurídicas (propor-cionalidade em sentido estrito), indagar qual a margem de discricionariedade do legislador e da Administração Pública. Enfatiza que, para tal análise, destacam-se alguns corolários do princípio da “prossecução” do interesse público, quais sejam: (a) vedação do desvio de poder do agente administrativo; (b) vedação da persegui-ção de “interesses privados” por parte do administrador em detrimento do interes-se público definido em lei ou na Constituição; (c) dever de boa administração, que impõe ao Poder Público a procura do máximo de eficiência com o mínimo de custo na gestão dos recursos disponíveis.32

Resultando positivo o juízo prelibatório, e ordenada a citação, preconiza o art. 15 do PL que a autoridade responsável pela política pública continuará vinculada ao processo. Em acréscimo, estabelece o art. 16 que todos os elementos probatórios colhidos na fase preliminar, em contraditório, serão aproveitados no processo judi-cial, devendo o magistrado privilegiar o julgamento antecipado do mérito, sempre que possível. Finalmente, o art. 17 fixa o prazo legal para contestar em 30 dias, excluindo outros benefícios de dilação para a Fazenda Pública, e determina a apli-cação subsidiária do rito ordinário previsto no Código de Processo Civil, autorizan-do ainda modificações acordadas entre o juiz e as partes, para melhor adequação ao objeto da demanda.

WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janei-ro: Forense, 2013. p. 216. Leciona o mestre que a tese da justiciabilidade imediata dos di-reitos fundamentais sociais, sem a prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo, limi-tada ao mínimo existencial, pode parecer, à primeira vista, muito restritiva. Não o será, porém, se se adotar o entendimento prestigiado pela jurisprudência da Suprema Corte e do STJ, de que em relação a ele não é invocável pelo Estado a cláusula da reserva do possível. O mínimo existencial, prossegue, diz respeito ao núcleo básico do princípio da dignidade humana, assegurado por um extenso elenco de direitos fundamentais sociais, tais como os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência social, ao acesso à justiça, à moradia, ao trabalho, ao salário mínimo e à proteção à maternidade e à infância. Para a implementação de todos esses direitos, ainda que limitada à efetivação do mínimo existencial, são necessárias prestações positivas que exigem recursos públicos bastante consideráveis. Outrossim, esclarece que somente em relação aos direitos fundamentais imediatamente judicializáveis, que são os previstos em normas constitucionais de “densi-dade suficiente”, poderá ser contraposta, mediante fundada alegação e demonstração ca-bal, a cláusula da reserva do possível, que o magistrado analisará valendo-se das regras de proporcionalidade e de razoabilidade (idem, p. 218-219 e 223).

32. zaNeti Jr., Hermes. Op. cit., p. 54-55.

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3.3 Fase decisória

Nesta categoria, mais uma vez por conveniência expositiva, inserimos os temas do conteúdo e forma da decisão judicial (notadamente a sentença e a decisão antecipa-tória de tutela) e dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada material.

Como discorre Camilo Zufelato, se é verdade que toda decisão judicial tem um viés político, pois a experiência jurídica transcende o aspecto meramente normativo, fato é que cada uma terá carga de conteúdo político variável, de acor-do com a natureza dos direitos envolvidos. No que concerne a decisões que ver-sem sobre políticas públicas, pode-se afirmar que essa carga se intensifica, por-quanto se trata de interesses cujo conteúdo se reveste da eficácia de direitos fun-damentais, razão por que a técnica processual decisória deve ser compatível com o conflito latente.33

Destarte, continua o jovem processualista, enquanto para a maioria dos casos apreciados pelo Poder Judiciário ainda é prevalente a singela operação de subsun-ção do fato à norma, que depende de regra explícita sobre o assunto, para certos tipos de conflito, como os referentes a políticas públicas, não há regra jurídica a priori aplicável ao caso, pois o que prevalece é o exame da situação concreta e do conflito de interesses jurídicos relevantes, em que se busca identificar o interesse prioritário naquele caso. A norma jurídica aplicável em sede de políticas públicas, muitas vezes, deixa de decorrer de uma lei e passa a decorrer de princípios consti-tucionais, sobrelevando por consequência a utilização de métodos decisórios peculiares, como a razoabilidade e a proporcionalidade.34

Com efeito, o juiz está diante de um conflito de interesses juridicamente rele-vantes, e deverá, por meio de um contraditório de valores constitucionalmente protegidos, e não exclusivamente de fatos ou provas, eleger o valor mais relevante no caso sob análise. A judiciabilidade das políticas públicas significa que o magis-trado deverá submeter a escolha do administrador público ao crivo dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, que em última análise são também direitos transindividuais, para só então concluir se a opção política levada a cabo é compatível com a prioridade eleita pelo constituinte. Não significa, contudo, que essa seja uma escolha subjetiva ou discricionária do julgador, mas sim que decorre do sistema jurídico-constitucional e dos interesses eleitos como relevantes. Ade-mais, com a ideia de processo como instrumento democrático no qual as próprias partes constroem, por intermédio do contraditório cooperativo, juntamente com o juiz, a solução jurídica, afasta-se a crítica de crise de legitimidade da jurisdição ao

33. zuFelato, Camilo. Op. cit., p. 321.

34. Idem, ibidem.

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se imiscuir em questões políticas, um dogma que precisa ser revisto a partir dos novos paradigmas do processo civil contemporâneo.35

Dessa forma, na hipótese de existir determinada política pública, já em execu-ção de modo eficiente pelo Estado, o Judiciário deverá considerá-la no momento de sua intervenção, respeitando a esfera de liberdade de conformação dos Poderes Legis-lativo e Executivo. Assim, a ponderação do juiz relativamente à política pública existente é de enorme importância, não só do ponto de vista material (isto é, da necessidade e possibilidade de a questão ser atendida, mesmo que por outra via), como também do ponto de vista formal (o chamado princípio democrático ou for-mal, de respeito interinstitucional, que permite a harmonia e a independência entre os Poderes).36

Julgando procedente a pretensão deduzida na demanda coletiva, ou concedendo a tutela antecipada, quando pertinente, por verificar que a política pública não existe ou não corresponde aos padrões normativos que a instituem, o art. 18 do PL 8.058/2014 permite que o juiz, se for o caso, na decisão final ou na antecipatória, determine, independentemente de pedido do autor (em clara exceção à regra da con-gruência), cumprimento de obrigações de fazer sucessivas, abertas e flexíveis, que poderão consistir, exemplificativamente, em: I – impor ao ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória a apresentação, em pra-zo razoavelmente fixado, do planejamento necessário à implementação ou correção da política pública objeto da demanda, instruído com o respectivo cronograma, que será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor, o Parquet e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil; e II – impor ao Poder Públi-co que inclua créditos adicionais especiais no orçamento do ano em curso ou de-terminada verba no orçamento futuro, com a obrigação de aplicar efetivamente as verbas na implementação ou correção da política pública requerida.37

35. Idem, p. 321-322.

36. zaNeti Jr., Hermes. Op. cit., p. 58.

37. A solução já foi preconizada em sede doutrinária por Ada Pelegrini Grinover, in verbis: “O Judiciário, em face da insuficiência de recursos e de falta de previsão orçamentária, devi-damente comprovadas, determinará ao Poder Público que faça constar da próxima propos-ta orçamentária a verba necessária à implementação da política pública. E, como a lei or-çamentária não é vinculante, permitindo a transposição de verbas, o Judiciário também determinará, em caso de descumprimento do orçamento, a obrigação de fazer consistente na implementação de determinada política pública. Desse modo, frequentemente a ‘reser-va do possível’ pode levar o Judiciário à condenação da Administração a duas obrigações de fazer: a inclusão no orçamento da verba necessária ao adimplemento da obrigação e a obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da obrigação” (GriNover, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional... cit., p. 138).

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Quanto aos limites objetivos da coisa julgada material, o art. 20 do PL autoriza que o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, altere a decisão na fase de execu-ção, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese de o ente público demandado promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do que as determinadas pelo juízo, ou se o pronunciamento judicial se revelar ina-dequado ou ineficaz para o atendimento do direito que constitui o núcleo da polí-tica pública deficiente. Trata-se de dispositivo lapidar e sobremaneira inovador, que se mostra atento à enorme mutabilidade das necessidades sociais que embasam as políticas públicas e por isso mitiga a rigidez da intangibilidade do comando judicial exarado no dispositivo da sentença.

Dotado da mesma lógica, o art. 18, § 3.º, expressamente preconiza que, homo-logada a proposta de planejamento a que alude o inc. I do seu caput, a execução do projeto será periodicamente avaliada pelo juiz, com a participação das partes e do Ministério Público, e, caso se revele inadequada, deverá ser revista nos moldes de-finidos no § 2.º, isto é, assegurando-se a mais ampla discussão entre os sujeitos processuais e, quando possível e adequado, os representantes da sociedade civil.

Finalmente, sobre os limites subjetivos da coisa julgada, frisa Camilo Zufelato que, no processo civil, via de regra, a autoridade da coisa julgada se restringe às partes, uma vez que o objeto litigioso a elas diz respeito. As demandas envolvendo implementação de políticas públicas, no entanto, têm uma amplitude, do ponto de vista do objeto do processo, que exige a expansão da decisão, e por consequência da sua imutabilidade, com contornos erga omnes ou ultra partes, nos termos do art. 103 do CDC. Com efeito, a previsão de uma coisa julgada inter alios própria do processo coletivo se aplica perfeitamente às demandas envolvendo o controle de políticas públicas. O aspecto interessante dessa constatação é que há verdadeira-mente uma aproximação entre as funções legislativa, executiva e jurisdicional, do ponto de vista do conteúdo e da extensão da decisão imutável. A política pública, que inicialmente era de competência dos Poderes Legislativo e Executivo, na omis-são deles passa a ser concretizada pelo Poder Judiciário, mediante decisão apta a transitar em julgado, criando assim a “norma jurídica do caso concreto”, que na espécie se aproxima, na perspectiva do seu conteúdo, da sua extensão e da sua fruição, de um ato legislativo ou executivo.38

3.4 Fase satisfativa

Nesta categoria, ao fim e ao cabo, inserimos os meios destinados à efetivação das decisões judiciais proferidas em sede de controle de políticas públicas, previstos nos arts. 19 e 21 do PL 8.058/2014.

38. zuFelato, Camilo. Op. cit., p. 325.

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Vale trazer à baila o alerta de Samuel Meira Brasil Jr. e Juliana Justo Botelho Castello, para quem, nos casos em que se exige avaliação completa do desenvolvi-mento do programa estatal para a implementação de uma política pública comple-xa, tal qual comumente se dá no tocante à reorganização ou gestão dos sistemas afetos à segurança pública, à educação ou à saúde, o enforcement da decisão judiciá-ria não se exaure com a incidência isolada de algumas sanções, fazendo-se necessá-ria uma postura ativa, flexível e criativa do juiz na aferição das medidas operacio-nais adequadas.39

Nesse passo, o art. 19 dispõe que, para o efetivo cumprimento da sentença ou da decisão de antecipação da tutela, o magistrado poderá nomear comissário, per-tencente ou não ao Poder Público, ou que também poderá ser instituição ou pessoa jurídica, para a implementação e acompanhamento das medidas necessárias à satis-fação das obrigações. Tal comissário, nova figura auxiliar do juízo criada pelo texto projetado para funcionar no processo coletivo especial em tela, deverá com fre-quência informar o juiz sobre as ocorrências havidas na consecução das tarefas, podendo o julgador, em seguida, solicitar-lhe quaisquer providências. O comissário terá o direito de receber honorários, que serão fixados pelo magistrado e custeados pelo ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão de an-tecipação da tutela.

Por outro lado, o art. 21 estabelece que, se a autoridade responsável não cum-prir as obrigações determinadas na sentença ou na decisão antecipatória da tutela, o julgador poderá aplicar as medidas coercitivas previstas no Código de Processo Civil, inclusive multa periódica de responsabilidade solidária do ente público descum-pridor e da própria autoridade, devida a partir da intimação pessoal para o cumpri-mento do decisum, sem prejuízo da responsabilização do agente público por ato de improbidade administrativa ou das sanções cominadas aos crimes de responsabili-dade ou de desobediência, bem como da intervenção da União no Estado ou do Estado no Município. Trata-se, como visto, de sanções que ostentam crescente se-veridade e que se prestam a, mais do que punir, compelir o ente e o agente públicos à observância das ordens judiciais.

4. coNclusão

Após percorrermos em sucintas linhas os principais aspectos trazidos pelo Pro-jeto de Lei 8.058/2014, que visa a instituir no ordenamento jurídico brasileiro nova

39. Brasil Jr., Samuel Meira; castello, Juliana Justo Botelho. O cumprimento coercitivo das decisões judiciais no tocante às políticas públicas. In: GriNover, Ada Pellegrini; WataNaBe, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 476.

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Lima, Thadeu Augimeri de Goes. O novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 275-300. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

e especial modalidade de processo coletivo para o controle e a intervenção em po-líticas públicas pelo Poder Judiciário, percebemos que o texto projetado incorpora as mais avançadas ideias e tendências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, estabelecendo disciplina normativa satisfatoriamente sistemática, precisa e segura e oferecendo instrumental adequado para a condução do processo jurisdi-cional e a implementação prática das decisões, antecipatória ou final, proferidas no seu curso.

A aprovação do diploma perspectivado contribuiria, sem dúvida, para solucio-nar a anarquia metodológico-processual denunciada na introdução deste trabalho, em prol da uniformidade e da efetividade da intervenção judicial corretiva das omissões ou disfunções verificadas nas políticas públicas, mormente porque o re-gramento não se descola da realidade material subjacente no que diz respeito à constante mutabilidade das necessidades sociais que as embasam.

Para além disso, o novo modelo processual coletivo proposto representa verda-deiro e elogiável câmbio de paradigma para o contemporâneo e inevitável fenômeno da judicialização da política, uma vez que reconhece solenemente ao processo ju-risdicional a condição de importantíssimo espaço público de reivindicações e pro-porciona ampla abertura democrática ao consenso dialogado e à participação cole-tiva na formulação e fiscalização das políticas públicas. Longe de significar expres-são de uma indesejada e autoritária “judiciocracia”, o PL 8.058/2014 regulamenta e erige corretos limites à atuação do Poder Judiciário naquele destacado e impres-cindível âmbito.

5. biblioGraFia

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299Técnicas adequadas à LiTigiosidade coLeTiva e RepeTiTiva

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• A litigância de interesse público numa perspectiva comparada: possibilidades no ordenamen-

to brasileiro, de Ricardo Magalhães de Mendonça – RePro 242/427-454 (DTR\2015\3688); e

• Da jurisdição coletiva à tutela judicial plurindividual: evolução da experiência brasileira com as demandas seriais, de Rodolfo de Camargo Mancuso – RePro 237/307-334 (DTR\2014\17947).

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Tutela Diferenciada

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PiNto, Edson Antônio Sousa; FaRia, Daniela Lopes de. A tutela inibitória e os seus fundamentos no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 303-318. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

303

a TuTela inibiTória e os seus fundamenTos no novo código de Processo civil

la tutela inibitoria e i suoi fonDamenti nel nuovo coDice Di proceDura civile

edson anTônio sousa PinTo

Professor na Faculdade Católica de Rondônia. [email protected]

daniela loPes de faria

Doutoranda em Constitucionalismo, Transnacionalidade e Produção do Direito na Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Mestre em Direito Socioambiental pela PUC-PR. Professora na Faculdade Católica de Rondônia.

[email protected]

Recebido em: 10.10.2015 Aprovado em: 23.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: O presente artigo visa a demonstrar no que consiste a tutela inibitória, seus fundamentos, bem como o seu tratamento no Novo Código de Proces-so Civil (CPC/2015), ressaltando-se sempre que a prevenção é requisito indispensável para uma tute-la efetiva na defesa de direitos que não permitem a sua transformação em pecúnia.

Palavras-chave: Tutela inibitória – Tutela preventi-va – Tutela de remoção do ilícito – Novo Código de Processo Civil.

riassunTo: Il presente articolo desidera dimostrare che cosa è la tutela inibitoria, i suoi fondamenti e la sua descrizione nel Nuovo Codice di Procedura Civile (CPC/2015), sottolineando sempre che la prevenzione è un requisito essenziale per una tutela effettiva dei diritti che non permettono la loro trasformazione in denari.

Parole chiave: Tutela inibitória – Tutela preventiva – Tutela di rimozione dell’illecito – Nuovo Codice di Procedura Civile.

sumáRio: 1. Introdução – 2. A prevenção como requisito essencial a uma tutela jurisdicional efeti-va – 3. Da tutela inibitória – 4. Fundamentos da tutela inibitória – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográficas.

1. iNTrodução

O processo é resultado da realidade social, e se materializa como um instrumen-to garantido ao cidadão na busca da tutela do direito. É, nesse sentido, um produto

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do contexto em que se encontra a sociedade, inseridos nela os legisladores, juristas, operadores do direito e demais agentes que influenciam a ciência processual.

Assim sendo, não se pode afastar o processo da realidade econômico-social, bem como das cargas ideológicas de seus legisladores e aplicadores que nele incidem,1 afinal, o processo é sim produto da realidade, e deve ser estruturado como tal, amoldando-se aos direitos materiais presentes no ordenamento constitucional e infraconstitucional.

E a realidade impõe, desta forma, uma visão diferenciada do Poder Judiciário, diversa da noção básica de que a tutela jurisdicional será garantida para repreender danos e lesões ao direito do sujeito ativo do processo, pois, nem todos direitos po-dem ter sua natureza deturpada, e simplesmente transformada em moeda.

A diferenciação da categoria de dano e ilícito passa a ser pressuposto basilar para a consecução do objetivo de atuação preventiva da tutela de direitos extrapatrimo-niais, exigindo-se, assim, uma atuação diferenciada do Estado-Juiz, e consequente-mente um aperfeiçoamento da estrutura processual de 1973.

Com base nesse paradigma, o presente trabalho visa demonstrar no que consis-te a tutela inibitória, seus fundamentos, bem como o seu tratamento no Novo Có-digo de Processo Civil (CPC/2015), ressaltando-se sempre que a prevenção é requi-sito indispensável para uma tutela efetiva na defesa de direitos que não permitem a sua transformação em pecúnia.

2. a PreveNção como requisiTo esseNcial a uma TuTela JurisdicioNal eFeTiva

O Estado harmoniza as relações sociais com a formulação de normas jurídicas, determinando, por meio do império da lei, quais são os interesses que prevalecem em uma dada situação, criando, assim, direitos subjetivos para uns e obrigações para outros.2

1. “Anzitutto, si può osservare che il processo non è affatto un oggetto ‘dato’ nella realtà em-pirica una volta per tutte, e quindi osservabile in modo distaccato e indifferente, e sempre uguale a se stesso, come se fosse un pezzo di minerale. Tutti sanno, infatti, che esistono vari processi, la cui disciplina normativa varia nel tempo e nello spazio per effetto di una pluralità di fattori storici, economici, culturali e soprattutto politici. La disciplina del pro-cesso, dunque, non è nulla di ‘oggettivamente dato’ una volta per tutte e per tutti. Essa è il risultato contingente di scelte essenzialmente politiche, e dunque delle opzioni valutative, ossia – appunto – delle ideologie dei legislatori e di coloro che di volta in volta la determi-nano. Discorso analogo vale, inoltre, per coloro che interpretano ed applicano questa dis-ciplina.” taruFFo, Michele. Ideologie e teorie della giustizia civile. Revista de Processo Com-parado. n. 1. p. 293-304. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2015.

2. Fazzalari, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006. p. 84. Segun-do o jurista italiano, “(...) a norma que concede ao sujeito uma faculdade, ou um poder, dá

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A inobservância de um dispositivo legal poderá gerar uma lesão ao direito de outrem, o que, por consequência, gerará a este um novo direito à realização da vontade da lei mediante provocação da via jurisdicional.3

Este novo direito é o direito de ação, que em nosso ordenamento vem previsto no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, e garante que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Por isso, o Estado ao garantir a via jurisdicional proíbe o cidadão de se utilizar da própria força para fazer valer o seu direito lesado, ao disponibilizar um sistema ju-risdicional apto e eficaz a determinar, quando provocado, a vontade concreta da lei.

Cria-se, pois, um verdadeiro monopólio estatal em prol da realização do direito e dos ditames legais, concentrando toda competência jurisdicional nos órgãos e agentes estatais.4

Atualmente, porém, cabe ao Estado não só garantir ao cidadão simplesmente o acesso a um sistema jurisdicional; deve outorgá-lo instrumentos efetivos que refli-tam a norma material e o seu resultado prático,5 de forma que o processo e a sua

a ele de início uma posição de proeminência sobre o objeto da faculdade ou do poder: isto é, exatamente um ‘direito subjetivo’ (o poder pode ser indicado, e é indicado também como ‘direito potestativo’). Por isso, não é por outro motivo que a norma que impõe a um sujeito o dever de prestar alguma coisa a um outro sujeito confere a este último uma posi-ção de proeminência sobre o objeto da prestação, portanto um ‘direito subjetivo’ (...)”.

3. “(...) a ação é um dos direitos que podem fluir da lesão de um direito; e eis como aquela se apresenta na maioria dos casos: como um direito por meio do qual, omitida a realização de uma vontade concreta da lei mediante a prestação do devedor, se obtém a realização da-quela vontade por outra via, a saber, mediante o processo.” chioveNda, Giuseppe. Institui-ções de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2009. p. 57-58.

4. “(...) se o direito subjetivo significa preferência dada pela lei ao interesse individual, isto não quer dizer que quem está investido daquele possa pôr em ação a própria força privada para fazer valer, a cargo do obrigado, tal preferência. Formando a base dos conceitos de jurisdição e de ação encontra, no moderno, a premissa fundamental da proibição da auto-defesa: direito subjetivo significa interesse individual protegido pela força do Estado, e não, direito de empregar a força privada em defesa do interesse individual.” calaMaNdrei, Piero. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2003. p. 188. Neste sentido, também, obtempera Eduardo Couture: “La actividad de dirimir conflictos y deci-dir controversias es uno de los fines primarios del Estado. Sin esa función, el Estado no se concibe como tal. Privados los individuos de la facultad de hacerse justicia por su mano, el orden jurídico les ha investido del derecho de acción y al Estado del deber de la juris-dicción” couture, Eduardo. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1958. p. 39.

5. “Ao criar a jurisdição no quadro de suas instituições, visou o Estado garantir que as nor-mas de direito substancial, contidas no ordenamento jurídico, efetivamente conduzam aos postulados enunciados. Procurou assegurar a obtenção, na experiência concreta, daqueles

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consequente tutela jurisdicional devam dar à parte a mesma providência que ela conseguiria pautando-se, somente, nas normas de direito material, sem valer-se, portanto, da intervenção jurisdicional do Estado.6

É assim que surge a necessidade de se pensar o processo como instrumento de realização do direito material, primando, pois, por uma reaproximação do direito substancial e do processo, afinal, não há como pensar em uma pretensão processual sem estar basilada em uma pretensão de direito material, pois, aquela só tem senti-do se fundada nesta.7

A privação da autotutela, pois, faz com que a norma material seja igualmente, em via reflexa, dependente das normas processuais, justamente por aquelas só se-rem realizadas litigiosamente quando existentes estas.8

Logo, a máxima chiovendiana (o processo deve dar, quanto for possível pratica-mente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha

precisos resultados práticos que o direito material preconiza.” sPadoNi, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 22.

6. areNhart, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 45-46.

7. “Se o Direito Processual Civil quiser cumprir sua função instrumental, a primeira regra que deve seguir é manter-se fiel ao Direito material que lhe cabe tornar efetivo e realizado. É necessário, para que esta função seja atendida, que entre os procedimentos e as respec-tivas ações (de Direito material), que lhe formem o conteúdo, mantenha-se constante uma relação proporcional, segundo a qual os procedimentos cresçam à medida que se reduza a evidência das respectivas pretensões de Direito material, cuja realização se busca através da ação (igualmente de Direito material)”. silva, Ovídio Baptista da. Os princípios do di-reito processual civil e as novas exigências, impostas pela reforma, no que diz respeito à tutela satisfativa de urgência dos arts. 273 e 461. In: arruda alviM WaMBier, Teresa (co-ord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 413.

8. No direito italiano, o jurista Andrea Proto Pisani assim contextualiza a autotutela com a necessidade de uma tutela jurisdicional próxima ao direito material: “La presenza nel nos-tro ordinamento del divieto di autotutela privata significa che il diritto sostanziale può dirsi effettivamente esistente solo ove esistano norme processuali (disciplinatrici di mezzi di tutela giurisdizionale) idonee a garantirne l’attuazione in ipotesi di mancata cooperazio-ne spontanea di chi vi è tenuto, attraverso la messa a disposizione, a favore del privato, della forza dello Stato. Ne segue che senza diritto processuale il diritto sostanziale no può esiste-re in un ordinamento caratterizato dal divieto di autotutela privata (quanto meno non può esistere come fenomeno giuridico, in quanto la sua attuazione, anziché essere garantita dallo Stato, è rimessa ai meri rapporti di forza: con la conseguenza che il detentore o i de-tentori del potere di fatto divengono i detentori del potere legale, indipendentemente da quanto dispongono le norme sostanziali e che i conflitti di interesse si risolvono non secon-do giustizia, alla stregua dei criteri legali, bensì secondo i rapporti di forza” (Proto PisaNi, Andrea. Lezioni di diritto processuale civile. 5. ed.. Napoli: Jovene, 2006. p. 5).

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direito de conseguir)9 traduz a preocupação metodológica de um processo instru-mental10 que visa, sobretudo, uma sincronização com as normas de direito afirma-do, defendendo a constante influência e necessidade de ambos os planos, de um modo amplamente dualista11 em que o processo amolda-se e adapta-se ao objeto que visa tutelar, como um instrumento moldado conforme as necessidades e os fins a que se destina.12

No entanto, observamos, de modo breve, que a tutela jurisdicional não deve se ater somente à noção de direito a sentença de mérito, afinal, há uma autonomia do direito de ação garantido pela Constituição Federal que assegura, em seu art. 5.º, XXXV, um direito a uma tutela jurisdicional efetiva e adequada, garantidos todos os meios possíveis para a obtenção do provimento visado pelo direito afirmado.13

9. chioveNda, Giuseppe. Op. cit., p. 87.

10. “O processualista sensível aos grandes problemas jurídicos sociais e políticos do seu tem-po e interessado em obter soluções adequadas sabe que agora os conceitos inerentes à ci-ência já chegaram a níveis mais do que satisfatórios e não se justifica mais a clássica pos-tura metafísica consistente nas investigações conceituais destituídas de endereçamento teleológico. Insistir na autonomia do direito processual constitui, hoje, como que preocu-par-se o físico com a demonstração da divisibilidade do átomo. Nem se justifica, nessa quadra da ciência processual, pôr ao centro das investigações a polêmica em torno da na-tureza privada, concreta ou abstrata da ação; ou as sutis diferenças entre a jurisdição e as demais funções estatais, ou ainda a precisa configuração conceitual do jus excepcionis e sua suposta assimilação à ideia de ação. O que conceitualmente sabemos dos institutos funda-mentais deste ramo jurídico já constitui suporte suficiente para o que queremos, ou seja, para a construção de um sistema jurídico-processual apto a conduzir aos resultados práti-cos desejados. Assoma, nesse contexto, o chamado aspecto ético do processo, a sua cono-tação deontológica.” diNaMarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 22-23).

11. oliveira, Carlos Alberto Alvaro de. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 7 et seq.

12. Bedaque, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 22-23.

13. “A concepção de direito de ação como direito a sentença de mérito não poderia ter vida muito longa, uma vez que o julgamento do mérito somente tem importância – como deve-ria ser óbvio – se o direito material envolvido no litígio for realizado – além de reconheci-do pelo Estado-Juiz. Nesse sentido, o direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa direito à efetividade em sentido estrito.” MariNoNi, Luiz Guilherme. Técnica pro-cessual e tutela dos direitos. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 179-180. Em outra obra, o doutri-nador paranaense obtempera: “(...) o direito de ação existirá ainda que o direito material não seja reconhecido (...)” (MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coleti-va. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 32).

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A ciência processual contemporânea deve se preocupar, então, com a efetivação dos direitos elencados nas regras de direito material, eliminando a concepção equi-vocada de que os procedimentos existentes são suficientes em si para tutelar todas as situações presentes na norma substancial.14

Fortifica-se, assim, a utilização e o implemento das tutelas jurisdicionais dife-renciadas com o escopo de preencher a lacuna jurídica deixada pela utilização das tutelas eminentemente repressivas. Afinal, essas tutelas reduzem todos os direitos à pecúnia por meio de uma sentença condenatória seguida, posteriormente, de uma execução forçada, o que acaba por não realizar efetivamente o direito lesado, apenas traçando um equivalente monetário para ele.

Surge, portanto, a necessidade de uma tutela preventiva em face de atos contrá-rios à ordem jurídica, na medida em que certos direitos – ditos extrapatrimoniais – não suportam a sua transformação em pecúnia, sob pena de perder a sua razão de ser no mundo fático, além de tornar inócuas as normas materiais e constitucionais que os protegem.15

A própria Constituição aduz a existência desse novo escopo de atuação da tute-la jurisdicional, ao dispor no art. 5.º, XXXV, que o Poder Judiciário apreciará a ameaça de direito, ou seja, permitirá uma atuação preventiva na tutela dos direitos, buscando, desta forma, a máxima fruição in natura do direito proclamado pelo pró-prio Estado.16

14. “O fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial. (...) Autonomia não é sinônimo de neutralidade ou indiferença. (...) Na realidade, jamais houve – ou pode-ria ter ocorrido – isolamento do direito processual, pois há nítida interdependência entre ele e o direito material. Isso é tão evidente que supor o contrário seria o mesmo que esque-cer a razão de ser do processo, considerada a necessidade de este ter que ser pensado à luz da realidade social e do papel que o direito material desempenha na sociedade. Portanto, não há dúvida que a suposição de que bastaria um único procedimento para todas as situa-ções de direito material implica em uma lamentável confusão entre autonomia e neutralida-de do processo (...).” MariNoNi, Luiz Guilherme. Técnica processual... cit., p. 55-56.

15. Marinoni afirma que “para a efetiva proteção desses direitos, ou melhor, para a realização das normas que objetivam lhes dar proteção, é indispensável a tutela contra o ato contrário ao direito, ou seja, a tutela da norma, vista como tutela jurisdicional destinada a inibir a viola-ção da norma ou a remover os efeitos concretos derivados da sua violação. Ora, se o ordena-mento jurídico dos dias de hoje deve proteger determinados bens mediante a imposição de certas condutas, e por esta razão são editadas normas de direito material, é necessário que o processo civil seja estruturado de modo a atuá-las” (MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, do CPC/2015). Revista de Processo. vol. 245. p. 313-329. São Paulo: Ed. RT, jul. 2015.). Ver também: sPadoNi, Joaquim Felipe. Op. cit., p. 28.

16. saNtiaGo, Marcus Firmino. Uma abordagem diferenciada acerca da tutela jurisdicional. Revista de Processo. vol. 146. São Paulo: Ed. RT, abr. 2007. p. 34.

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PiNto, Edson Antônio Sousa; FaRia, Daniela Lopes de. A tutela inibitória e os seus fundamentos no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 303-318. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Impende concluir que para a dogmática processual atual a prevenção é requisito essencial à efetividade da tutela jurisdicional que, a partir de então, passa a atuar de dois modos distintos: preventiva e repressivamente.

A tutela preventiva então se mostra uma questão de interesse estatal e social, pois, no momento em que nascem novos valores (como a defesa do meio ambiente e do consumidor, por exemplo), ao Estado surge o dever de disponibilizar meios efetivos a protegê-los, permitindo a realização do direito processual (instrumento) de acordo com as necessidades desses novos direitos materiais.

O dano, nesse contexto, não é o único requisito a justificar a atividade jurisdi-cional, afinal, como dito alhures, existem direitos que não permitem a ocorrência de lesão para que seja devidamente tutelado, sob pena de deturpar a própria natu-reza do direito em questão.

A categoria do ilícito é, assim, analisada independentemente da ocorrência do dano, e merece a atuação jurisdicional por uma tutela que lhe dê o devido tratamento, evitando-se a ocorrência, se for o caso, de um consequente dano, ainda não presente.17

O provimento inibitório é, portanto, consequência direta dessa concepção juris-dicional, pois é verdadeira tutela aderente ao direito material, destinada a proteger preventivamente contra os atos antijurídicos, direitos extrapatrimoniais que não permitem repressivamente a sua transformação em pecúnia.

3. da TuTela iNibiTória

A tutela inibitória pode ser conceituada como um provimento jurisdicional que visa impedir a prática, a continuação, ou a repetição de um ato ilícito (ou antijurí-dico), possibilitando de forma definitiva, por meio de cognição exauriente, a frui-ção in natura do direito pelo autor da ação – de acordo com o direito substancial previsto no ordenamento jurídico.18

É, em outras palavras, tutela adquirida pelo titular do direito por meio de pro-cesso de conhecimento voltado para o futuro, requerendo ao réu o cumprimento de uma obrigação de fazer (inibitória positiva) ou não fazer (inibitória negativa), sob pena de imputação de multa ou outras medidas necessárias que garantam o resul-tado prático equivalente – ou seja, a inibição do ato ilícito (e não do dano).

Portanto, podemos dizer que é um provimento inequivocadamente satisfativo19 diretamente relacionado ao direito substancial; é tutela aderente ao direito material que reflete a necessária proteção ao direito ameaçado do autor contra atos ainda

17. MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela contra o ilícito... cit., p. 313-329.

18. areNhart, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 219.

19. sPadoNi, Joaquim Felipe. Op. cit., p. 73.

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PiNto, Edson Antônio Sousa; FaRia, Daniela Lopes de. A tutela inibitória e os seus fundamentos no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 303-318. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

não praticados, ou seja, que estão sobre justo receio de futuramente ocorrerem, o que justifica a referida atuação jurisdicional inibitória.20

Na ordem jurídica nacional, a tutela inibitória possui um duplo conteúdo, po-dendo constituir uma obrigação de fazer ou de não fazer, conforme dispõe o art. 497, caput, do CPC/2015, ao determinar que “na ação que tenha por objeto a pres-tação de fazer21 ou de não fazer,22 o juiz, se procedente o pedido, concederá a tute-la específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”.

Assim, a tutela inibitória terá conteúdo positivo quando visar uma obrigação de fazer, e negativo quando tiver por objeto uma obrigação de não fazer. A prevenção, portanto, não se refere somente à possibilidade de inibir um ato comissivo (fazer), mas, também, as situações que requeiram uma ação por parte daquele que se omitir em praticá-la.23 Desta forma, a tutela pleiteada dependerá da obrigação praticada, ou não, pelo réu e que, por isso, ameaça violar direito do autor, devendo a tutela jurisdicional, neste caso, ordenar o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer visando cessar o ato ameaçador.24

20. MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela inibitória... cit., p. 35-39.

21. “O dever de fazer consiste na imposição da prática de um ato, estritamente pessoal ou exequível por outra pessoa. Porém, a rigor, todo dever que envolva uma prestação positiva recai em um fazer, em um sentido lato: entregar uma coisa ou pagar uma quantia também são enquadráveis na concepção ampla de ‘praticar um ato’. Assim, define-se por exclusão o âmbito dos deveres de fazer. Estes têm por objeto a adoção de comportamento que não se destina preponderantemente a transferir a posse ou titularidade de coisa ou soma ao titular do direito. Trata-se de prestação de um fato – noção genérica que abarca qualquer serviço, trabalho ou, mais largamente, conduta ativa não destinado à simples entrega de coisa ou pagamento em dinheiro.” talaMiNi, Eduardo. Tutela relativa aos direitos de fazer e de não fazer. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 132-133.

22. “Entre os deveres de não fazer, é usual a distinção entre tolerar e abster-se. Pelo dever de tolerância, o sujeito é obrigado a suportar atos alheios de interferência na sua esfera jurí-dica, ficando-lhe vedado adotar condutas de reação (ex.: servidão de passagem). Já o dever de abstenção implica a proibição da prática de atos que afetem a esfera jurídica alheia (ex.: dever de não ofender a honra de outrem). Ambos recaem na imposição de um ‘não agir’ (...)” Idem, p. 149.

23. “(…) a ação inibitória não visa somente impor uma abstenção, contentando-se, assim, com um não fazer. O seu objetivo é evitar o ilícito, seja ele comissivo ou omissivo, razão pela qual pode exigir um não fazer ou um fazer, conforme o caso.” MariNoNi, Luiz Guilherme. Técnica processual... cit., p. 261-262.

24. Neste mesmo sentido, Joaquim Felipe Spadoni esclarece: “Como o que pretende o autor da ação inibitória é impedir a futura ocorrência da violação do direito, traduzido pelo inadim-plemento da obrigação – e não se duvida que este, visto sob o prisma da conduta lesiva, pode ser praticado mediante atos comissivos ou omissivos, dependendo da espécie da

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É de se concluir, nesta seara, que a tutela inibitória concedida pelo juiz poderá ter conteúdo positivo ou negativo, mas nada impede que haja uma cumulação de ambos os conteúdos, visando que para determinada obrigação não cumprida pelo réu se determine uma abstenção (não fazer) e para outra seja ordenado um fazer, objetivando dar eficácia à tutela do direito ameaçado do autor.

Por fim, não há dúvidas do conteúdo duplo (e cumulativo) da tutela inibitória, e ao juiz foi dada a possibilidade de se utilizar essas duas formas de inibitória, conjun-ta ou separadamente, visando sempre dar uma maior eficácia à tutela dos direitos.

4. FuNdameNTos da TuTela iNibiTória

Para delimitar os fundamentos da tutela inibitória, devem ser analisados tanto os aspectos substancias como os processuais da tutela aqui tratada.

O fundamento material da tutela inibitória repousa na ideia de inviolabilidade dos novos direitos (v.g., direito do consumidor; ambiental etc.), afinal, é notável que eles não são passíveis de transformação em pecúnia e, por consequência, ne-cessitam imperiosamente de uma atuação jurisdicional preventiva em face da ameaça provável que venham a sofrer.

São, pois, direitos que antes não eram reconhecidos pela ordem jurídica e, por isso, quebram o paradigma processual individualista, de forma a inovar o ordena-mento com essas novas formas de atuação jurisdicional.25

O direito substancial, nesta seara, requer um provimento específico inibitório por meio da determinação de uma conduta de fazer (inibitória positiva) ou não fazer (inibitória negativa) para que se assegure a proteção do direito irreparável, haja vista a insuficiência dos provimentos ressarcitórios.

A fruição in natura do direito, portanto, é fundamento substancial do provimen-to inibitório visando afastar as ameaças que o cercam, mediante imposição de con-dutas, positivas ou negativas, ao agente causador do ilícito, ou que esteja na imi-nência de realizar o ato atentador ao direito.

obrigação violada – ter-se-á, em princípio, uma inibitória negativa, determinando um não fazer, quando se estiver diante de ameaça de atos comissivos, enquanto na presença da ameaça de um ato omissivo, ter-se-á uma inibitória positiva, determinando-se um fazer (...)” (sPadoNi, Joaquim Felipe. Op. cit., p. 76).

25. “No outro vértice das tendências do direito material atual está a concepção de novos direi-tos, não reconhecidos pelo direito estatal anteriormente. Trata-se, no mais das vezes, de direitos metaindividuais, próprios de sociedades de massa, que representam valores nucle-ares das sociedades modernas. Esta também é uma tendência da modernidade, a impor sério desafio ao direito processual. Como se sabe, o processo foi pensado para tratar com problemas individuais, de maneira compartimentada e isolada (...).” areNhart, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 41.

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PiNto, Edson Antônio Sousa; FaRia, Daniela Lopes de. A tutela inibitória e os seus fundamentos no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 303-318. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

O modelo processual, portanto, deve pautar-se pela existência dessas novas ver-tentes não patrimoniais do direito material para não fugir do escopo instrumental que lhe é inerente, pois lembramos que a sua função primordial é servir ao direito, neste caso ameaçado, e tutelá-lo de forma efetiva.26

A efetividade processual constitui, portanto, uma garantia constitucional funda-mental de organização e procedimento (Rechte auf Organisation und Verfahren)27 e, por isso, o ordenamento deve fornecer meios jurídicos idôneos a proteger todas as formas de direito nele contidas, atingindo todas as suas peculiaridades.

O processo, em suma, deve adaptar-se ao direito substancial sob pena de se tor-nar apenas mais uma alegoria jurídica sem utilidade fática.28 Nisso consiste um dos escopos do direito fundamental à efetividade29 processual, estampado no art. 5.º,

26. “Como conteúdo constitucional e internacional mínimo, exige-se que a proteção jurisdi-cional não fique aniquilada em virtude da inexistência de uma determinação legal da via judicial adequada. Além deste conteúdo mínimo, é de questionar se bastará o facto de a lei assegurar, de qualquer forma, mesmo vaga e imprecisa, a abertura da via judiciária. Se a determinação dos caminhos judiciais for de tal modo confusa (ex.: através de reenvios sucessivos de competências) que o particular se sinta tão desprotegido como se não hou-vesse via judiciária nenhuma, haverá violação do princípio do Estado de direito e do direi-to fundamental de acesso ao direito e à via judiciária.” caNotilho, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2008. p. 497.

27. “Rechte auf gerichtliche und behördliche Verfahren sind wesentlich «Rechte auf effektiven Rechtsschutz». Bedigung eines effektiven Rechtsschutzes ist, daβ Ergebnis des Verfahrens die materiellen Rechte des jeweils betroffenen Grundrechtsträgers wahrt. (...) All dies weist darauf hin, daβ im Bereich des Verfahrens zwei Aspekte ins Verhältnis zu setzen sind: ein prozeduraler und ein materialer.” alexy, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. p. 444.

28. “En verdad, la Idea de la universalidad del proceso ordinário atenta contra la necesidad de tratamiento específico de las varias situaciones de derecho material. Como se ha señalado, esa concepción se inspira en la ilusión de la neutralidad del proceso en relación al derecho material, que llega a ser confundida con la autonomía del proceso. No cabe admitir, espe-cialmente en el Estado constitucional de justicia, que el proceso civil vaya a desligarse del papel que el derecho material y los derechos fundamentales desempenãn en la sociedad”. BerizoNce, Roberto O. Fundamentos y confines de las tutelas procesales diferenciadas. Revista de Processo. vol. 165. p. 132-133. São Paulo: Ed. RT, nov. 2008.

29. “(...) a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indi-víduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade. (...).” diNaMarco, Cândido Rangel. Op. cit., p. 320. Lembra ainda Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “Trata-se de um direito fundamental e inviolável por parte dos poderes estatais, pois, assegurado o acesso à jurisdição, em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito (ainda que meramente afirma-da), constituiria evidente incongruência não se compreendesse aí o exercício do direito de

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XXXV, da CF, que impõe ao Estado disponibilizar procedimentos seguros, eficientes e congruentes aos direitos descritos na seara material, de forma a englobar dinamicamente todas as possibilidades existentes de direito.

Assim, portanto, é que se demonstra o fundamento material da tutela inibitória trazida no art. 497 do CPC/2015, por meio de uma pretensão de direito material a exigir do Poder Judiciário um provimento que iniba, positivamente (fazer) ou ne-gativamente (não fazer), a conduta antijurídica do réu que atente contra o direito do autor.

Traçados os fundamentos materiais da tutela inibitória devemos delinear os fun-damentos de natureza processual que possibilitam o engendramento de uma ação preventiva ao ilícito.

É neste âmbito que a Constituição Federal traz em seu art. 5.º, XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito erigindo, desta forma, verdadeiro princípio geral de prevenção.30

Transforma-se, assim, a realidade processual ao modificar a noção axiológica do princípio da inafastabilidade da jurisdição; afinal, não mais prevalece a ideia de ressarcimento puro e simples e, sim, abre a possibilidade de se pleitear a tutela ju-risdicional preventivamente quando o direito postulado estiver ameaçado, ou seja, na iminência de dano.

Logo, este princípio revela-se o fundamento processual constitucional da tutela inibitória ao garantir o acesso à justiça (por meio do direito de ação) antes da ocor-rência do dano (ou seja, em sede ainda de ilicitude) bem como os meios efetivos à prestação da tutela jurisdicional adequada a evitar a ameaça ao direito do autor.31

invocar e obter tutela jurisdicional adequada e efetiva. A situação subjetiva assegurada ao longo do art. 5.º da Constituição brasileira se traduz, portanto, no poder de exigir do órgão judicial, em tempo razoável, o desenvolvimento completo de suas atividades, tanto instru-tórias, necessárias para a cognição da demanda judicial, quanto decisórias, com emissão de um pronunciamento processual ou de mérito sobre o objeto da pretensão processual, e que possa ser realizado efetivamente do ponto de vista material. Daí decorrem o direito funda-mental a um processo justo e o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e adequada.” oliveira, Carlos Alberto Alvaro de. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica. Revista de Processo. vol. 155. p. 18. São Paulo: Ed. RT, jan. 2008.

30. MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela inibitória... cit., p. 71. Para Marinoni: “É possível afirmar até mesmo que a inserção da locução ‘ameaça a direito’ na verbalização do princípio da inafastabilidade, teve por fim garantir a possibilidade de qualquer cidadão solicitar a tute-la inibitória” (idem, p. 81-82).

31. sPadoNi, Joaquim Felipe. Op. cit. p. 48. Luiz Guilherme Marinoni esposa que “o direito de ação nos dias de hoje, não pode mais ser visto como o simples direito de ir ao Judiciário,

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No plano infraconstitucional – especificamente no âmbito do Novo Código de Processo Civil de 2015, para não fugirmos do escopo do presente trabalho32 – há a previsão de uma tutela que objetiva afastar o ilícito preventivamente ao dano, sendo para tal tutela irrelevante, sequer, a comprovação da ocorrência de tal elemento.

O art. 497 do CPC/2015 prevê que “na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”.

Desta forma, traz o legislador a previsão de uma tutela mandamental que visa ordenar ao sujeito passivo que cumpra obrigações de fazer e/ou não fazer, seja re-pressiva, ou preventivamente, por intermédio de uma ação ordinária.

Não há, pois, muita diferença do já contido no CPC/1973 em seu art. 461 que previa a tutela específica de fazer e não fazer. Todavia, a descrição dessas tutelas na sistemática processual anterior carecia de uma maior diferenciação entre tutela contra o dano e tutela contra o ilícito.

Assim sendo, o caput do art. 497 do CPC/2015 prevê a possibilidade de se plei-tear em juízo a tutela específica da obrigação33 de fazer ou não fazer – da mesma forma descrita no art. 461 do CPC/1973.

Trata-se, pois, do fundamento processual da tutela inibitória apto a possibilitar, de forma inconteste, um provimento jurisdicional inibitório – lembrando, também, que o referido artigo, da mesma forma que o antigo art.461 do CPC/1973, não pos-sibilita restritivamente a concessão, única e exclusivamente, da tutela inibitória,

mas sim como o direito à predisposição da técnica processual realmente capaz de dar tute-la ao direito. Não basta dizer que todos podem afirmar, perante o Judiciário, um direito à tutela, mas é preciso garantir ao cidadão o direito à técnica processual capaz de viabilizar a sua obtenção” (MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela inibitória... cit., p. 83).

32. Vale mencionar que o Código de Defesa do Consumidor também traz em seus arts. 83 e 84 uma possibilidade de concessão da tutela inibitória no direito do consumidor e no direito coletivo, haja vista o regramento ser válido também para o macrossistema processual de proteção de direitos coletivos.

33. “Em verdade, mesmo por imperativo lógico, impõe-se entender que o termo obrigação, empregado no dispositivo, tem o sentido de prestação sem nenhuma vinculação com o direito privado estrito, ou com exclusivas relações de caráter obrigacional. Não haveria, com efeito, lógica em atribuir-se mecanismo de tão significativa eficácia e tão agressivo potencial a relações obrigacionais, impedindo sua utilização para interesses muito mais nobres, como os direitos personalíssimos, os absolutos ou, em geral, aqueles que não go-zam de conteúdo patrimonial. Reservar para estes os meios tradicionais de tutela – que converte a obrigação específica em perdas e danos, impondo sua satisfação por meio de execução por sub-rogação, seria, de fato, paradoxo insustentável em qualquer ordenamen-to preocupado com a efetividade do processo.” areNhart, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 220-221.

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mas, também, toda uma gama de outras técnicas processuais que busquem diversas outras espécies de provimentos, inclusive o inibitório.34

A doutrina35 há muito já vinha discutindo essa necessidade de correlação entre prevenção36 e afastamento do ilícito, diversamente da concepção padrão de repres-são e dano, e o Novo Código Processual avançou e inovou nesse ponto, ao garantir um maior delineamento entre as categorias de dano e ilícito.

O parágrafo único do art. 497 do CPC/2015 determina que “para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”.

Por este dispositivo vê-se que o Código de Processo Civil, pela primeira vez, reconhece uma tutela que visa inibir o ilícito, ou a sua reiteração, continuação, e a sua remoção, não colocando o dano como requisito fundamental processual para a garantia da tutela jurisdicional, mas sim o ilícito.

Importa, pois, para a concessão da tutela inibitória tão somente o descumpri-mento da norma e a transgressão da ordem jurídica pelo sujeito passivo, sem que

34. “Os arts. 461, CPC, e 84, CDC, constituem as fontes de vários instrumentos processuais necessários para a efetividade da concessão de diversas espécies de tutelas. A possibilidade de se criar um aparato técnico (um procedimento) através da conjunção destes instrumen-tos, permite conceber ações adequadas à prestação de várias tutelas, entre elas a inibitória.

Estes artigos, em outras palavras, instituem apenas técnicas processuais adequadas. Não devem ser vistos como o fundamento substancial da tutela inibitória ou mesmo da tutela das obrigações de fazer e de não fazer, mas sim como as normas de natureza processual que, seguindo a orientação consubstanciada no art. 5.º, XXXV, da CF, estabeleceram os instrumentos necessários para que o direito à tutela pudesse ser efetivamente exercido.” MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela inibitória... cit., p. 115.

35. Ver a vasta obra de Luiz Guilherme Marinoni sobre o tema da tutela inibitória. A título de comparação, citamos a situação processual no Peru, nas palavras de Christian Suárez: “Tertium comparationis, no processualismo peruano, em nível doutrinário, jurisprudencial e legislativo, inexiste preocupação com a instalação de um procedimento especial que vise a inibir um ato ilícito ou remover seus efeitos nocivos espraiados no tempo. À falta disso, o procedimento de cognição plena e exauriente domina a estrutura procedimental para que em terrenos do processo civil peruano, possa ser impetrada uma ação inibitória que concluirá com uma sentença condenatória para que, depois do trânsito até a execução da sentença, possa ser executada com técnicas executivas, atualmente, inexistentes no CPC peruano de 1993” (suárez, Christian Delgado. O panorama atual e a problemática proce-dimental em torno da tutela inibitória. Revista de Processo. vol. 226. p. 283-321. São Paulo: Ed. RT, dez. 2013.).

36. Como bem reflete Sérgio Cruz Arenhart: “Se, pois, as simples ameaças de lesão a direito já são inafastáveis da apreciação do Poder Judiciário, então é necessário que o direito positivo infraconstitucional disponha de mecanismos capazes (e adequados) a permitir extravasar tais pretensões em juízo” (areNhart, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 219).

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haja a necessidade de demonstração de sua culpa ou dolo, sendo, assim, responsá-vel objetivamente pelo ilícito praticado.

A tutela inibitória visa atacar o ilícito, e nada mais certo que excluir de seus pressupostos a configuração de culpa ou dolo, pois não interessa ao Estado-Juiz, neste caso, repreender um dano, mas sim prevenir que ocorra um ilícito, ou ele venha a se perpetuar, independente da vontade do agente.37

Feliz foi o legislador ao inovar o ordenamento infraconstitucional com uma sistemática que tem o ilícito como fundamento para uma tutela preventiva na defe-sa de direitos que, na maioria das vezes, não comportam uma atuação repressiva, sob pena de modificação da própria natureza do direito em questão.

5. coNclusão

A tutela inibitória prevista no Novo Código de Processo Civil consagra a estru-tura essencial de um processo efetivo que garanta as tutelas necessárias ao resguar-do do direito material em ameaça, ao possibilitar o ajuizamento de qualquer espé-cie de ação capaz de propiciar a efetiva tutela contra o ilícito, garantindo-se, desta forma, que para cada direito deve, o ordenamento, fornecer uma forma de tutela específica e condizente com o direito substancial que se procura tutelar.

Rememora-se, assim, a ideia chiovendiana de que o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aqui-lo que ele tenha direito de conseguir.38

É neste sentido, portanto, que o paradigma atual do processo civil converge toda a força axiológica do direito de ação constitucional, postulado no art. 5.º, XXXV, da CF, no objetivo de tutelar os direitos de forma efetiva e direta, aderindo ao direito material que justifica o agir do Estado na defesa da parte que se socorre do Poder Judiciário.

Em conclusão, como se viu, o novo ordenamento processual traz importante inovação ao delimitar a diferença conceitual entre dano e ilícito, ao permitir a atua-ção do Magistrado independentemente da demonstração da ocorrência de dano ou

37. “O dano e, por consequência, a culpa e o dolo não integram a causa de pedir das ações contra o ilícito. Não estão presentes não só na causa de pedir da ação inibitória – voltada contra o ilícito futuro –, mas também na causa de pedir da ação de remoção do ilícito. Com efeito, quando se deixa claro que a tutela de remoção do ilícito visa eliminar o ilícito, e assim não tem relação com o dano, esclarece-se, igualmente, que esse tipo de tutela, à se-melhança da tutela inibitória, não tem entre os seus pressupostos a culpa ou o dolo.” MariNoNi, Luiz Guilherme. Tutela contra o ilícito... cit., p. 313-329.

38. chioveNda, Giuseppe. Op. cit., p. 87.

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da existência de culpa ou dolo, quando da concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção.

E são pequenas modificações conceituais do texto legislativo, como essa aqui descrita, que fazem do Novo Código de Processo Civil um diploma que tem por característica a inovação principiológica e estrutural da ciência processual nacional e, consequentemente, da atuação do Poder Judiciário brasileiro.

6. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• A tutela inibitória e a multa para efetivação de tutela específica: um diálogo de coerência

entre os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, de Renzo Cavani – RDC 87/153-176 (DTR\2013\3457);

• O panorama atual e a problemática procedimental em torno da tutela inibitória, de Christian Delgado Suárez – RePro 226/283-321 (DTR\2013\11583); e

• Tutela inibitória no direito ambiental: considerações sobre o perigo de ilícito, de Gustavo Crestani Fava – RDA 79/191-218 (DTR\2015\13245).

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goNçaLves, Marcelo Barbi. Jurisdição condicionada e acesso à justiça: considerações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 319-338. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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Jurisdição condicionada e acesso à JusTiça: considerações sobre a escalada de TuTelas conTra a fazenda Pública

conDitioneD jurisDiction anD access to justice: consiDerations on the escalation of actions against the state

marcelo barbi gonçalves

Doutorando em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito. Juiz Federal. [email protected]

Recebido em: 01.10.2015 Aprovado em: 26.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: O presente artigo se propõe a analisar o in-teresse de agir à luz do art. 5.º, XXXV, da CF. A juris-dição condicionada, que se tem quando o legislador ordinário não impede as partes de se dirigirem ao juiz, mas estabelece que, primeiramente, essas de-vem desenvolver determinadas atividades, não viola a garantia constitucional.

Palavras-chave: Acesso à justiça – Interesse de agir – Jurisdição condicionada.

absTracT: This article aims to analyze the interest of acting in the light of art. 5, inc. XXXV of the Federal Constitution. The conditioned jurisdiction, which is when the ordinary legislator does not preclude parties from approaching the judge, but states that, first, they must develop certain activities, does not violate the constitutional guarantee.

KeyWords: Access to justice – Interest to act – Conditioned jurisdiction.

sumáRio: 1. Introdução – 2. Prévio exaurimento administrativo: 2.1 Expurgando equívocos con-ceituais; 2.2 Escalada de tutelas sucessivamente coordenadas; 2.3 Análise do inc. XXXV do art. 5.º da CFRB/1988; 2.4 Justiça desportiva e dissídios coletivos como exceções ao direito de ação? – 3. Outras hipóteses de condicionamento: 3.1 Habeas data; 3.2 Súmula Vinculante; 3.3 Ações previdenciárias – 4. Conclusão – 5. Referências bibliográficas.

1. iNTrodução

No âmbito dos debates acerca da promulgação de um Novo Código de Processo Civil, não é fantasioso imaginar que institutos tradicionais possam ganhar uma potencialidade otimizadora da prestação da tutela jurisdicional. Nesse contexto, não apenas o ius novorum possui o condão de fomentar discussões e abrir fronteiras

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ocultas, como, ainda, o velho arsenal pode descortinar virtualidades negligenciadas por ocasião da aplicação do diploma revogado.

É esse o caso, precisamente, do interesse de agir nas ações ajuizadas contra a Fazenda Pública, o qual deve ser repensado a fim de que o Poder Judiciário não seja acionado quando sua intervenção for desnecessária. Não basta, assim, mudar endo-genamente o processo, já que a jurisdição deve ser repensada sob o enfoque de uma alteração macroestrutural no sistema de acesso à justiça.

Para que se tenha na devida linha de perspectiva a importância de se estimular a justiça coexistencial perante o Poder Público, pense-se, v.g., em um caso no qual uma viatura do Exército colida com um veículo particular. Todos os dados proba-tórios são uníssonos no sentido de que estão presentes os requisitos da responsabi-lidade civil do Estado. Nessa hipótese, após verificação da legitimidade dos elemen-tos obrigacionais (an, quid, quis, cui e quantum dabeatur), não existe nenhum óbice à submissão administrativa ao requerimento – concretização do direito de petição –, da parte interessada, sendo certo que a recomposição extraprocessual do ordena-mento jurídico é mais célere e menos dispendiosa do que a jurisdicional. Perceba--se, assim, que: (i) a obrigatoriedade de o particular postular perante o causador do dano é exigência que se afina com a necessidade de que a pretensão de direito ma-terial seja resistida previamente à propositura da ação; (ii) a situação de direito substancial lamentada não está subtraída à apreciação do Poder Judiciário, já que se faculta ao lesado se insurgir a posteriori contra a decisão administrativa.

Sem embargo, leituras açodadas do inc. XXXV do art. 5.º da CF/1988 sustentam que não se pode condicionar o direito de ação ao esgotamento da via administrati-va, como ocorria no sistema constitucional revogado (CF/1967, art. 153, § 4.º).1 Esse argumento, porém, não colhe razão.

1. “Prévio esgotamento da via administrativa. Não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento da via administrativa, como ocorria no siste-ma revogado (CF/1967, art. 153 § 4.º). Não é de acolher-se a alegação da fazenda pública, em ação judicial, de que não foram esgotadas as vias administrativas para obter-se o pro-nunciamento que se deseja em juízo. (RP 60/224). Apenas quanto às ações relativas à disciplina e às competições desportivas é que o texto constitucional exige, na forma da lei, o esgotamento das instâncias da justiça desportiva (CF 217 § 1.º).” Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 128. “A Constituição de 1988 inclusive eliminou a possibilida-de de a lei infraconstitucional condicionar em certos casos o acesso à jurisdição ao prévio esgotamento da discussão na esfera administrativa. Na esfera processual civil, o único condicionamento nesses termos – legítimo porque previsto no próprio texto constitucio-nal – diz respeito ao controle de decisões da ‘justiça desportiva’ (art. 217, § 1.º, da CF/1988).” talaMiNi, Eduardo. Tutela de urgência e Fazenda Pública. Revista de Processo. vol. 152. p. 41. São Paulo: Ed. RT, 2007.

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2. Prévio eXaurimeNTo admiNisTraTivo

2.1 Expurgando equívocos conceituais

É preciso, à guisa de aporte propedêutico, registrar que o prévio exaurimento administrativo não exige o percurso obrigatório de todas as instâncias decisórias, já que a exaustão do procedimento dá-se seja quando se percorre todos os degraus recursais, seja quando se renuncia ao recurso ou seu prazo transcorre in albis.

Mal comparando, o esgotamento do iter administrativo apresenta um delinea-mento aproximado com a coisa julgada. Esta, como se sabe, pode surgir tanto com a prolação da sentença no primeiro grau de jurisdição como no STF. Para a sua formação é irrelevante, portanto, que a parte tenha recorrido. Passa-se o mesmo no âmbito extrajudicial: consuma-se o procedimento com o percurso de todas as ins-tâncias decisórias, ou, ainda, mediante a manifestação de vontade da parte de não prosseguir em seu pleito.

Dessa forma, veja-se que o art. 223 do revogado Estatuto dos Funcionários Pú-blicos da União (Dec.-lei 1.713) previa que: “O funcionário só poderá recorrer ao Poder Judiciário depois de esgotados todos os recursos da esfera administrativa, ou após a expiração do prazo a que se refere o § 1.º do art. 221”. Em palavras outras: a cláusula da exaustão dos recursos administrativos é temperada pela possibilidade de renúncia à esfera recursal. É por essa razão que, conforme salienta Ada Pellegri-ni Grinover, o STF consolidou sua jurisprudência no sentido de afirmar a constitu-cionalidade do dispositivo.2

2. GriNover, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: Ed. RT, 1973. p. 161. Igualmente: “Ressaltamos esse aspecto, porque é comum ouvir-se a indaga-ção: é preciso exaurir antes a via administrativa para só depois recorrer-se ao Judiciário? O enfoque para o momento de recorrer ao Judiciário não deve levar em conta o exaurimento da via administrativa, tal como comumente é entendido, mas sim a operatividade ou não do ato ou da conduta administrativa que o interessado pretenda contestar. Se a exaustão ocorrer porque o interessado percorreu efetivamente todas as instâncias, é possível ajuizar a ação porque a decisão final tornou operante a vontade administrativa. Se, por outro lado, o interessado deixou passar em branco o prazo para recorrer, ou se renunciou ao recurso, esse fato também torna operante a vontade administrativa e possibilita o recurso à esfera judicial. Com isso, é possível concluir que o recurso ao Judiciário sempre será possível quando haja efetiva lesão ou ameaça de lesão ao direito do indivíduo. Desse modo, se se entender a exaustão da via administrativa da forma como demonstramos, podemos res-ponder positivamente à indagação acima: antes da ação judicial é preciso que se tenha exaurido a via administrativa, no sentido de que não pode o interessado prosseguir o seu percurso e que, por isso mesmo, a vontade administrativa se torna operante” (carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Ju-ris, 2005. p. 773).

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Nesse contexto, esvai-se a preocupação frequentemente externada no sentido de que o condicionamento ao prévio exaurimento administrativo poderia importar em denegação da justiça. Ainda que a Administração Pública, de forma canhestra, ofertasse um procedimento labiríntico e truncado, facultar-se-ia ao particular a re-núncia aos degraus recursais, com a possibilidade de, imediatamente, ingressar com a ação judicial.

2.2 Escalada de tutelas sucessivamente coordenadas

O reconhecimento de que a Administração Pública tem aptidão para tutelar os direitos antecipadamente ao Judiciário é uma decorrência do princípio da econo-mia processual, uma vez que se considera regularmente exercido o direito de ação apenas quando há necessidade da prestação jurisdicional. Ou seja, nos conflitos ci-dadão x Estado é preciso que a sindicabilidade administrativa – mais econômica e tempestiva – seja exercida antes da jurisdicional.3 Assim, tendo em vista que “we use law more both in its wholesale and ex ante form (legislation and administrative regulation) and in its retail and ex post form (litigation)”,4 há uma escalada de tu-telas5 a serem sucessivamente coordenadas, quando o Estado descumpre, se afasta da ordem jurídica.

Primeiramente, espera-se que a norma de direito material seja apta a garantir o cumprimento espontâneo das obrigações. Esse é o estado ideal do Direito: incidên-cia no plano social apenas dos comandos reguladores da conduta social, sem neces-sidade de aplicação da sanção normativa.

Em um segundo momento, caso transgredidas essas regras de convivência, de-ve-se oportunizar à Administração Pública a recomposição da lesão mediante o exercício da tutela administrativa, já que, violada a norma de direito substancial, esta é a mais eficaz forma de restabelecimento do ordenamento (ex.: retirada de

3. Contra: “Todavia, não existe, segundo pensamos, o dever de se demonstrar expressamente a impossibilidade de resolução extrajudicial do conflito afirmado ou mesmo a resistência do réu. (...) Por tal motivo, deve-se negar, salvo disposição legal expressa – que, em nosso pensar, não viola a Constituição Federal –, a existência do dever de demonstração do pré-vio requerimento ou simples comunicação à esfera administrativa, como condição para a caracterização da necessidade do provimento jurisdicional”. (Freire, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 162).

4. GalaNter, Marc. The day after the litigation explosion. Maryland Law Review vol. 46. p. 14. 1986.

5. Mutuamos a expressão de Flávio Luiz Yarshell, o qual, contudo, a utiliza para se referir a diverso fenômeno. (Tutela jurisdicional. 2. ed. São Paulo: DPJ, 2006. p. 26).

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comércio de produtos perecíveis em desconformidade com as regras de vigilância sanitária).6

Em última ocasião, evidenciada a necessidade de intervenção do Judiciário, pres-tar-se-ia a tutela jurisdicional àquele que não teve seu direito efetivado seja em virtude da obediência espontânea ao direito material, seja à vista da recomposição voluntária do Poder Público. Essa proposta de condicionar a prestação jurisdicional ao exaurimento da tutela administrativa – tornando o Judiciário a última parada do iter compositivo –, exige um juízo acerca da constitucionalidade da medida, o que nos leva a ponderar a “imperiosa necessidade de discutir com seriedade a implan-tação gradativa de limitações ao uso de demandas individuais”.7

2.3 Análise do inc. XXXV do art. 5.º da CRFB/1988

Nesse passo da exposição, é preciso analisar se é correta a afirmativa de que não pode a lei condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento da via adminis-trativa à vista da contraposição entre o inc. XXXV do art. 5.º da CRFB/1988 e o § 4.º do art. 153 da Carta de 1967, com a redação que lhe foi dada pela EC 7/1977:

“Art. 5.º (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...)”.

“Art. 153. (...) § 4.º A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garan-tia de instância, nem ultrapassado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a de-cisão sobre o pedido”.

Afirma-se, então, à luz de uma interpretação gramatical, que a atual Constitui-ção não mais prevê a possibilidade de que o ingresso em juízo poderá ser condicio-nado ao exaurimento administrativo. Esse argumento seria corroborado pelo § 1.º

6. “Só finalmente é que o Estado, conhecedor das concretas transgressões a todo o momento perpetradas contra as regras de convivência e não ignorando que as próprias sanções esta-belecidas para essas transgressões podem restar sem efetividade se não contarem com um mecanismo de apoio, predispõe meios de atuação, pelos quais se dispõe a impor imperati-vamente a observância das normas (tutela preventiva) e as consequências antes ditadas no plano puramente abstrato (tutela reparatória etc.). Entre esses meios de atuação inclui-se sua própria atividade administrativa e também a tutela jurisdicional.” diNaMarco, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Ma-lheiros, 2010. vol. 1, p. 364.

7. sica, Heitor Vitor Mendonça. Congestionamento viário e congestionamento judiciário. Reflexões sobre a garantia de acesso individual ao Poder Judiciário. Revista de Processo. vol. 236. p. 24. São Paulo: Ed. RT, out. 2014.

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do art. 217, o qual, quanto às ações relativas à disciplina e às competições despor-tivas, pressupõe o esgotamento das instâncias da justiça especializada, bem como pelo § 2.º do art. 114, que exige a recusa de participação em negociação ou envol-vimento em arbitragem como condição do dissídio coletivo. Pois bem.

Saliente-se, de plano, que a redação do inc. XXXV do art. 5.º não é um primor. Percebe-se um avanço no sentido de açambarcar a tutela preventiva (inibitória, cautelar, antecipada), bem como a dos direitos metaindividuais. Mas, sob o prisma da técnica processual, o dispositivo carece de reparos.

Isso porque, o texto, caso interpretado gramaticalmente, é um tributo ao con-cretismo, na medida em que pressupõe a lesão/ameaça ao direito para que o pe-dido seja apreciado. À apreciação, porém, basta que seja narrado um histórico de infração atual ou provável ao ordenamento. A tutela jurisdicional, sim, é que será ou não concedida à vista da existência dos fatos jurídicos expostos pelo autor. São dois, portanto, os planos: o primeiro – que demanda apenas a afirmação de um histórico – é o da apreciação; o segundo – no caso de efetiva lesão/ameaça – é o da tutela.

Outro ponto que demanda lume é aquele relacionado à norma jurídica que está subjacente ao enunciado prescritivo em tela. A dissociação entre texto e norma é um pressuposto metodológico para a aplicação do direito, uma vez que esta é o resultado do processo interpretativo, de maneira que inexiste uma correspondência semântica unívoca entre texto e norma. Para que do dispositivo se chegue à norma é preciso a intermediação do intérprete, o qual não desvela uma prescrição subja-cente ao texto, senão exerce uma atividade constitutiva de significado a partir de sua pré-compreensão, dos métodos hermenêuticos, das teorias interpretativas, das consequências da decisão e do direito comparado.

Cabe, assim, analisar qual a norma que se pode depreender do inc. XXXV do art. 5.º. É interessante destacar que até mesmo a sua denominação é algo um tanto quanto polêmico, tendo Flávio Galdino, ao se debruçar sobre a evolução histórica do conceito de acesso à justiça, afirmado que o mesmo fenômeno é designado por pelo menos quatorze expressões.8

A diacronia quanto à designação repete-se, agora com efeitos práticos, quanto ao seu conteúdo e destinatário. Segundo uma linha interpretativa, a norma a ser extraída possui caráter institucional, pois objetiva responder aos desmandos do Estado praticados nos regimes de exceção. Seria, portanto, uma cláusula de salva-guarda contra as arbitrariedades praticadas à época da ditadura, as quais restaram

8. GaldiNo, Flávio. A evolução das ideias de Acesso à Justiça. In: sarMeNto, Daniel; GaldiNo, Flávio (coord.). Direito fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 436-437.

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impunes à vista do que preconizava o art. 11 do AI 5/1968. Nessa perspectiva, não é possível encerrar a aferição da juridicidade de um ato administrativo e/ou legisla-tivo em suas respectivas esferas de poder, à revelia, portanto, da apreciação jurisdi-cional.9 Sem embargo, de acordo com outra visão, o texto encamparia o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de sorte que se migra de um enfoque horizontal (preocupado com a separação dos poderes) para outro vertical (centrado na relação cidadão x Estado).10

Essa controvérsia, porém, apenas tangencia o objetivo que nos propusemos, uma vez que ambas as posições afirmam a possibilidade de se conformar infracons-titucionalmente o direito de ação, pois é pacífico que “ao legislador é dado regula-mentar o exercício do direito de ação, submetendo-o a condições de exercício, sempre que com isso não fique mutilada ou aniquilada a garantia constitucional”.11 De fato, a Lei Maior não prevê um direito de ação ilimitado. O legislador, no exer-cício da competência que lhe foi atribuída (art. 22, I, da CF), disciplina condições para o regular exercício da ação, pressupostos processuais, regras de competência, prazos, fórmulas preclusivas e isso nunca foi suspeito de eiva.

O de que se cuida, assim, é que as posições jurídicas de vantagem constitucio-nalmente delineadas, em virtude de um imperativo lógico de sumariedade descriti-va, recebem nesta sede apenas um esboço, de modo que a conformação do institu-to é delegada ao legislador. Que essa degradação do grau normativo não consubs-tancia predicado exclusivo do processo em geral, e do direito de ação em particular, é acaciano. Apenas um exemplo. O direito de propriedade está garantido no inc. XXII do art. 5.º. Não se discute, porém, a constitucionalidade das normas do Códi-go Civil que o restringem em face do direito de vizinhança. Aliás, é a própria seção I do capítulo V do título II do livro III que prescreve: “Do uso anormal da proprie-dade”. E por que essa conformação é válida? Porque, sem infringir o núcleo do

9. “Dado que a ação, em seu sentido mais preciso, se identifica como o direito a uma decisão judicial de mérito, por aí se evidencia a inconsistência de se tentar visualizar o direito de ação no inc. XXXV, cujo enunciado, como antes dito, é precipuamente dirigido ao legisla-dor, prevenindo-o para que se abstenha de subtrair, a priori, certos históricos de lesão te-mida e sofrida à apreciação judicial”. (MaNcuso, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. Condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 221).

10. “O que falta, porém, é atentar para que, se a técnica processual é imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos, não se pode supor que, diante da omissão do legislador, o juiz nada possa fazer. Isso por uma razão simples: o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige contra o Estado-Juiz.” MariNoNi, Técnica processual e tutela dos direitos. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 178.

11. GriNover, Ada Pellegrini. A conciliação extrajudicial na Justiça do Trabalho. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 96.

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direito de propriedade, salvaguarda outros interesses considerados igualmente re-levantes pelo ordenamento jurídico.

A propósito, é interessante destacar que a Corte Constitucional italiana já se manifestou a respeito da legitimidade da giurisdizione condizionata em face dos arts. 2412 e 11313 da Constituição de 1947. Por ocasião da aferição da constitucio-nalidade do art. 460 do CPC italiano,14 que subordinava o exercício da ação em matéria de previdência social ao esgotamento das vias administrativas, decidiu a Corte:

“Indubbiamente il precetto contenuto nell’invocato art. 113 della Costituzione per cui, contro gli atti della pubblica Amministrazione, è ammessa ‘sempre’ la tute-la giurisdizionale, proclama l’inviolabilità del diritto a tale tutela. Ma quel precetto, come non afferma che il cittadino possa conseguire la protezione giudiziaria sem-pre nella medesima maniera e con i medesimi effetti (sentenza 3 luglio 1962, n. 87), così non vieta che la legge ordinaria possa regolare il modo di esercizio del diritto a quella protezione, in guisa da renderla concreta (sentenza 14 giugno 1956, n. 1), purché, si intende, non siano scelte modalità che rendano impossibile o diffi-cile l’esercizio del diritto.

(...)

Questa tutela è garantita ‘sempre’ dalla Costituzione, non certo nel senso che si imponga una sua relazione di immediatezza con il sorgere del diritto; e pertanto non ha pregio obiettare che condizionare l’azione all’espletamento di un procedi-mento amministrativo è procrastinarne l’esercizio. Questa Corte ha costantemente ritenuto la legittimità costituzionale di disposizioni che impongono oneri diretti ad evitare l’abuso del diritto alla tutela giurisdizionale (sentenze 21 aprile 1962, n. 40; 27 aprile 1963, n. 56; 25 maggio 1963, n. 83; 27 giugno 1963, n. 113); e si percor-re la stessa via logica quando si riconoscono non pregiudizievoli all’esercizio di quel diritto norme, come le denunciate, che vogliono evitarne, se non l’abuso, l’eccesso, e vogliono indirizzarlo perciò verso un suo uso adeguato, ancorandolo ad uma determinazione dell’opportunità di promuovere l’azione giudiziaria, che ma-

12. “Tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi.”

13. “Contro gli atti della pubblica amministrazione è sempre ammessa la tutela giurisdiziona-le dei diritti e degli interessi legittimi dinanzi agli organi di giurisdizione ordinaria o am-ministrativa.”

14. “La domanda relativa a controversie previste nel presente capo non può essere proposta, se non quando sono esauriti i procedimenti prescritti dalle leggi speciali per la composi-zione in sede amministrativa o sono decorsi i termini ivi fissati per il compimento dei procedimenti stessi.” Conquanto o artigo em referência tenha sido revogado, a sua ratio permanece no art. 22 do dPR n. 698 de 21.09.1994.

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turi dopo un apprezzamento della fondatezza della pretesa, compiuta alla stregua delle risultanze emerse in un procedimento preliminare di natura amministrativa”.15

Veja-se que, segundo o rel. Fragali, a garantia constitucional da proteção judi-ciária não implica uma relação imediata entre o nascimento do direito material e a sua tutelabilità em juízo. Sem o exercício da pretensão de direito substancial peran-te a Administração Pública, portanto, não se pode fazer uso dos remédios proces-suais que estão à disposição dos titulares de interesses resistidos. Não é outra, a propósito, a posição de Francesco P. Luiso:

“Un`altra ipotesi, la cui legittimità costituzionale va saggiata in base all`art. 24 Cost., è quella della cosiddetta giurisdizione condizionata, che si ha quando il le-gislatore non inibisce alle parti di rivolgersi al giudice, ma stabilisce che, prima che ciò accada, le parti debbono svolgere una certa attività: ci sono delle condizioni da adempire, prima di poter proporre la domanda al giudice. Qui la tutela giurisdizio-nale non è direttamente esclusa ma è subordinata, condizionata al preventivo com-pimento di una certa attività. Su questo punto la Corte Costituzionale ha avuto modo di intervenire spesso, in più occasioni, e dalle pronuncie della Corte possia-mo ricavare il seguinte principio: purché gli ostacoli posti, e quindi ciò che deve essere compiuto prima di rivolgersi al giudice, non rendano eccessivamente diffici-le l`acesso alla giurisdizione, la giurisdizione condizionata è costituzionalmente legittima, ma solo se le condizioni da soddisfare hanno la finalità di garantire un migliore svolgimento dell`attività giurisdizionale; mentre è incostituzionale il con-dizionamento della giurisdizione quando, attraverso di esso, il legislatore vuole raggiungere uno scopo diverso da quello di consentire un miglior svolgimento dell`attività giurisdizionale stessa”.16

É esse, precisamente, o caso em tela, eis que o condicionamento, sem esvaziar o conteúdo da garantia constitucional de acesso ao Judiciário, responde às exigências de economia processual na medida em que (i) favorece o credor estatal que passa a dispor, para satisfação de sua pretensão, de um procedimento simplificado e econô-mico, já que o custo do acertamento administrativo remanesce a expensas do Esta-do ainda quando se resolve em desfavor do particular, sendo certo que, se fosse proposta a ação judicial, este deveria suportar as despesas processuais; (ii) permite ao credor da prestação conhecer as posições de defesa do Poder Público antes de deliberar acerca da oportunidade de ajuizar a ação judicial, de modo que corre um menor risco de sucumbência; e, ainda (iii) não se pode desconsiderar as benéficas

15. Sentenza n. 47, de 1964.

16. luiso, Francesco P. Dirittto processuale civile. Principi generale. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2013. vol. 1, p. 28-29.

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externalidades macroprocessuais que decorreriam para o descongestionamento do Poder Judiciário.

Em solo pátrio, o STF já decidiu inúmeras vezes sobre a possibilidade de o legis-lador conformar o direito de ação desde que não se nulifique a garantia de proteção judicial efetiva.17 Entre tantos exemplos que poderiam ser aventados, pense-se no prazo para a impetração do mandado de segurança. Como é cediço, os incs. LXIX e LXX do art. 5.º preveem o objeto, destinatários e a legitimidade ad causam desse remédio processual. E, a despeito disso, é pacífica a jurisprudência do STF acerca da constitucionalidade do prazo de 120 dias para a impetração do writ.18 De outro lado – e à revelia da discussão sobre a natureza prescricional ou decadencial do prazo –, é inequívoco que o mesmo manifesta-se como extintivo do interesse-ade-quação, eis que o seu escoamento torna a via processual eleita inadequada.19

Posto, assim, e assim sumariamente assente, que (i) cabe ao legislador estabele-cer os pressupostos para o exercício regular das posições jurídicas de vantagem estabelecidas no plano constitucional, entre as quais se encarta o direito de acesso à justiça; (ii) que a conformação normativa deve ocorrer a fim de proteger outros interesses igualmente relevantes; (iii) e que a limitação, a pretexto de disciplinar o direito de ação, não pode nulificar o núcleo essencial da garantia de proteção judi-cial efetiva, conclui-se que o prévio exaurimento da fase administrativa não viola a Constituição.20

2.4 Justiça desportiva e dissídios coletivos como exceções ao direito de ação?

Antes de prosseguir com a análise de exemplos incontestes de exigibilidade de prévia submissão do litígio à apreciação da Administração Pública, é preciso anali-sar os arts. 114 § 2.º, e 217, § 1.º da Carta Maior, uma vez que é usual a afirmativa

17. AgIn 258.867-AgRg, 2.ª T., j. 26.09.2000, rel. Min. Celso de Mello; AgIn 258.910-AgRg, 1.ª T., j. 06.06.2000, rel. Min. Octavio Gallotti; Pet 4.556-AgRg, Plenário, j. 25.06.2009, rel. Min. Eros Grau.

18. “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança.” Enunciado 632 de sua Súmula de Jurisprudência Dominante).

19. Por todos: câMara, Alexandre Feitas. Manual do mandado de segurança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 324.

20. Essa posição, aliás, é sustentada por Ada Pellegrini Grinover há mais de 40 anos: “Isso indica, mais uma vez, que os Tribunais entendem cabível a regulamentação do exercício do direito de ação pelo legislador ordinário, mesmo com a sujeição a condições de procedibi-lidade, mas desde que se observe a possibilidade efetiva do exercício, sem limitações ou restrições que possam equivaler à aniquilação da garantia constitucional”. (As garantias constitucionais... cit., p. 164).

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de que quando esta quer instituir a fase administrativa como condição de aprecia-ção de uma demanda, o faz expressamente, tal como a propósito dos dissídios co-letivos e da justiça desportiva. Esta tese presidiu a argumentação dos votos na ADI 2.160-5/DF, j. 13.05.2009, rel. Min. Marco Aurélio, a qual impugnava a Lei 9.958/2000, responsável pela instituição das Comissões de Conciliação Prévia na Justiça do Trabalho. Veja-se a posição do relator:

“Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário sofre uma mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase administrativa está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de con-trovérsia a envolver disciplina e competições, sendo que a chamada justiça des-portiva há de atuar dentro do prazo máximo de 60 dias, contados da formalização do processo, proferindo, então, decisão final. Também tem-se aberta exceção ao princípio do livre acesso no campo das questões trabalhistas. Entrementes, a nor-ma que versa sobre o tema está limitada aos chamados dissídios coletivos, às ações coletivas (...)”.

Os argumentos não convencem. Dois equívocos podem ser apontados.

O primeiro consiste no fato de que os arts. 114, § 2.º, e 217 § 1.º, não têm o al-cance que se lhes pretende dar. A previsão constitucional da condição da ação rela-cionada à exaustão administrativa não significa que o legislador ordinário não a possa adotar para outras hipóteses uma vez que esses dispositivos não excepcio-nam o inc. XXXV do art. 5.º.

A tese encampada pelo STF, levada às suas últimas consequências, acarretaria a existência de dois direitos constitucionais de ação. O primeiro, previsto no inc. XXXV do art. 5.º, amplo e absoluto, não se submeteria a qualquer conformação legislativa. E o segundo, disciplinado nos arts. 114, § 2.º, e 217, § 1.º, limitado e restrito, eis que condicionado ao prévio exaurimento da fase administrativa.

Percebe-se, assim, que essa posição toma nuvem por Juno ao considerar os arts. 114, § 2.º, e 217, § 1.º como exceções ao inc. XXXV do art. 5.º. O de que se trata, porém, é que naquelas hipóteses o constituinte se sub-rogou ao legislador e disci-plinou matéria que, a rigor, por ser de natureza processual, não é de sua alçada. Mas isso não subtrai a competência do Poder Legislativo para, nos termos do inc. I do art. 22 CFRB, disciplinar o exercício do direito de ação à vista do interesse público. Mais: não lhe retira a faculdade de generalizar um filtro de litigiosidade que ao próprio constituinte se afigurou legítimo. Significa dizer que estão em dois planos distintos a exclusão – inconstitucional – do acesso e a condição – legítima – de esgotar-se, antes do ingresso, a tutela administrativa. Nesse sentido, veja-se a posi-ção de Estevão Mallet que, a despeito de dirigida à Comissão de Conciliação Prévia, serve como uma luva para o caso sob comento:

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“A obrigação de prévia tentativa de conciliação, cuja legitimidade já foi posta em causa, antes mesmo de entrarem em vigor as disposições da Lei 9.985/2000, não se mostra inconstitucional. Não atrita com a garantia de ação, que nada tem de in-compatível com a chamada jurisdição condicionada, como se procurou demonstrar em outra oportunidade, invocando-se inclusive precedentes da Corte Constitucio-nal italiana. É certo que o direito de acesso aos tribunais não permite que se exclua, em hipótese alguma, a possibilidade de solução jurisdicional do conflito. Mas esse direito não impõe tenha de ser toda e qualquer demanda submetida direta e incon-dicionalmente à solução jurisdicional. Na verdade, se a condição a ser satisfeita antes do ajuizamento da ação revela-se legítima, na medida em que se funda em interesse público, não se destinando apenas a protelar a tutela jurisdicional ou a beneficiar o demandado, não se está diante de exigência abusiva”.21

O segundo equívoco reside no fato de que, mesmo quando a Constituição Fede-ral se excepciona (o que não é o caso!), ela não impede o legislador de fazê-lo. Em palavras outras: ainda que fosse válido o argumento de que os arts. 114, § 2.º, e 217, § 1.º, consubstanciam uma exceção ao inc. XXXV do art. 5.º, isso não impediria o Poder Legislativo de ampliar o regime de exceção previsto no texto constitucional.

Esse argumento, é importante dizê-lo, foi enfrentado pelo próprio STF em um rumoroso julgado. Trata-se da ADI 3.330/DF, que contestou o Programa Universi-dade para Todos (ProUni), cuja discussão concentrava-se sobre a constitucionali-dade da reserva de vagas em universidades públicas a partir de critérios raciais e sociais.

Na inicial, alegou-se que a política de cotas fere vários preceitos constitucio-nais, tais como os princípios republicanos (art. 1.º, caput); da dignidade da pessoa humana (inc. III); do repúdio ao racismo (art. 4.º, VIII); da isonomia (art. 5.º, I). Este último é o que nos interessa para ilustração do ponto que propugnamos de-monstrar, pois o autor sustentou que a cláusula geral de igualdade prevista no caput do art. 5.º da Constituição não pode ser excepcionada pelo legislador. Isso porque o Poder Constituinte Originário já concebeu, a par do princípio isonômi-co, hipóteses excepcionais nos incs. XX do art. 7.º e VIII do art. 37. Dessa forma – ainda segundo a peça impugnativa – a Constituição teria consagrado dois regi-mes de igualdade. O primeiro, genérico, previsto no caput do art. 5.º. E um segun-do, direcionado às mulheres e aos deficientes, que excepcionaria o primeiro. Em síntese: as hipóteses de ações afirmativas estabelecidas no texto constitucional, por consubstanciarem uma exceção à isonomia, não poderiam ser estendidas pelo legislador. Pois bem.

21. Mallet, Estevão. Primeiras linhas sobre as Comissões de Conciliação. Revista LTr. vol. 64. n. 4. p. 444. São Paulo: Ed. LTr, abr. 2000.

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O que entenderam os ministros? Que os preceitos que se traduzem em exceções devem receber “o empréstimo de interpretação estrita”? Decidiu-se, ao revés, que as cláusulas de exceção previstas no texto da Carta Maior não encerram rol numerus clausus, ou seja, o legislador ordinário poderia gestar ações afirmativas outras que não aquelas constitucionalizadas. E esse raciocínio se aplica – caso se desconsidere nossa afirmação de que não há qualquer contraposição entre os arts. 114, § 2.º, e 217, § 1.º e o inc. XXXV do art. 5.º – ao exaurimento das instâncias administrativas, pois é lícito ao legislador disciplinar o exercício do direito de ação por meio da instituição de requisitos de admissibilidade que aperfeiçoam a prestação da tutela jurisdicional.22

3. ouTras hiPóTeses de coNdicioNameNTo

3.1 Habeas data

De relevo salientar que o condicionamento do ingresso ao Judiciário à prévia manifestação administrativa é uma realidade em nosso ordenamento. De fato, é doutrina assente que, sem prévia resistência à pretensão, não há interesse-necessi-dade de tutela jurisdicional. O que está subjacente a esse requisito é o caráter subs-titutivo23 da jurisdição, o qual significa que, na hipótese de os interessados não lo-grarem dirimir consensualmente um litígio, a atividade de composição será substi-tuída pelo Estado.

Recorde-se, assim, da fase administrativa prévia estabelecida no rito do habeas data. É interessante dizer que, mesmo antes da edição da Lei 9.507/1997 – a qual previu expressamente em seus arts. 2.º e 8.º a necessidade de o cidadão dirigir-se primeiramente ao banco de dados depositário do registro –, a jurisprudência do

22. Idêntica é a conclusão de Leonardo Carneiro da Cunha em parecer a respeito da necessi-dade de prévio requerimento para que se possa propor ação destinada à cobrança do segu-ro obrigatório DPVAT (Falta de interesse de agir – Cobrança sem o prévio requerimento – Seguro obrigatório DPVAT. Revista de Processo. vol. 236. p. 49. São Paulo: Ed. RT, out. 2014. passim).

23. “Questo carattere secondario della tutela giurisdizionale, rispetto alla tutela primaria o sostanziale, sta già in relazione con l`altra caratteristica propria dell`attività giurisdiziona-le, ossia la sua natura sostitutiva: vale a dire la caratteristica per cui, svolgendo l`attività giurisdizionale, quei soggetti del processo qche vedremo chiarmarsi organi giurisdizionali, si sostituiscono a coloro che avrebbero dovuto tenere il comportamento previsto dalle norme sostanziali in via primaria, per attuare in via secondaria quella medesima protezione di interessi che stava alla base in via primaria della norma sostaziale.” MaNdrioli, Crisanto; carratta, Antonio. Corso di diritto processuale civile. Nozioni introduttive e disposizioni ge-nerali. 11. ed. Torino: G. Giappichelli, 2013. vol. 1, p. 7.

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STF,24 do STJ25 e do extinto TFR26 era sedimentada quanto à imprescindibilidade da negativa administrativa para se caracterizar a resistência à pretensão. De outro lado, doutrinariamente nunca se controverteu acerca da validade desse condicionamento conforme se extrai da lição de J. J. Calmon de Passos:

“O direito à informação de dados pessoais é exercitável diretamente contra a entidade detentora e utilizadora dessas informações. Como qualquer direito subje-tivo, autoriza formular-se a pretensão perante aquele a que está obrigado juridica-mente. Só o inadimplemento desse dever por quem obrigado justifica a impetração do habeas data. Assim, a prova da recusa, explícita ou implícita (omissão no res-ponder ao pedido de informações ou retardamento no fazê-lo), impõe-se, para que se configure o interesse processual no habeas data. Deve, portanto, preceder ao ajuizamento a solicitação, devidamente formalizada e comprovada, da prestação das informações pessoais desejadas”.27

Para que se tenha uma visão mais clara do entendimento do STF sobre o tema em comento, vale a pena alinhavar algumas considerações sobre o RO HD 22-8/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.09.1991. Nesse caso, o impetrante, no dia seguinte à

24. “Habeas data – Natureza jurídica – Regime do poder visível como pressuposto da ordem democrática – A jurisdição constitucional das liberdades – Serviço Nacional de Informa-ções (SNI) – Acesso não recusado aos Registros Estatais – Ausência do interesse de agir – Recurso improvido. O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições e admis-sibilidade, a existência de interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se confi-gure situação prévia de pretensão resistida, há carência de ação constitucional do habeas data.” (RO HD 22-8/DF, Tribunal Pleno, j. 19.09.1991, rel. Min. Celso de Mello.)

25. “Habeas data – CF, art. 5.º, LXII, a e b. Para exercer judicialmente o direito postulativo é indispensável a prova de ter o impetrante requerido, na via administrativa, as informações pretendidas.” (HD 5/DF, 1.ª Seção, j. 27.06.1989, rel. Min. Américo Luz). O entendimento, posteriormente, recebeu beneplácito no Enunciado 2 de sua Súmula de Jurisprudência Dominante: “Não cabe o habeas data (CF, art. 5.º, LXXII, a) se não houve recusa de infor-mações por parte da autoridade administrativa”.

26. “O direito de ação relativamente ao habeas data nasce da negativa do fornecimento das informações, sendo indispensável a provocação de um ato gerador de conflito para atrair o provimento jurisdicional” (HD 1, j. 02.05.1989, rel. Min. Milton Luiz Pereira.)

27. calMoN de Passos, José Joaquim. Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, Constituição e processo. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 146. Na mesma li-nha: silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 455; Barroso, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Reno-var, 2003. p. 273.

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promulgação da Constituição de 1988, impetrou habeas data no TFR contra a Se-cretaria de Assuntos Estratégicos, órgão que sucedeu ao Serviço Nacional de Infor-mação, a fim de que lhe fosse assegurado o conhecimento de todas as informações relativas a si constantes do arquivo do SNI. Como os dados colhidos sobre as ativi-dades desenvolvidas pelos cidadãos eram armazenados e mantidos sob sigilo, o impetrante não fez qualquer requerimento administrativo. Cumpre dizer que, à época da impetração, vigia Parecer da Consultoria-Geral da República, da lavra do Dr. Saulo Ramos, aprovado pelo Presidente da República José Sarney, alçando as informações colhidas pelo SNI à categoria de indevassáveis.

O TFR acolheu preliminar de carência de ação ao argumento de que, inexistindo precedente pedido administrativo, não se configuraria o interesse de agir. O impe-trante recorreu ao STF contra essa decisão, tendo o processo sido distribuído ao Min. Marco Aurélio, o qual, em seu voto, consignou:

“Frise-se, por oportuno, que somente a 11 de outubro, cinco dias após o ajuiza-mento da presente demanda, foi publicado novo parecer amenizando o enfoque relativo à intangibilidade das informações, pois passou-se a admitir duas espécies dentre estas e, segundo as informações do acionado, as relativas ao Impetrante en-quadram-se nas de conhecimento vedado porque sigilosas”.

(...)

“Inegavelmente, mesmo que prevaleça o entendimento a respeito da necessida-de de o interessado dirigir-se ao detentor das informações antes de recorrer ao Ju-diciário – e sobre o tema não se exige, para deslinde do caso, a definição da Corte – surgiu para o Impetrante, com a nova Carta e diante da vigência do citado Parecer normativo, o interesse de agir, pois somente a via do novo remédio heroico poderia alcançar respostas às inúmeras indagações que, ressalta, atordoavam de há muito o respectivo espírito. O referido interesse de recorrer ao derradeiro meio restou evi-denciado pela sabença do óbice existente, à época, à obtenção administrativa dos dados pessoais constantes do arquivo do Serviço”.

O colegiado, contudo, não encampou este entendimento. Prevaleceu o voto--vista do Min. Celso de Mello, o qual salientou que o habeas data é uma ação que:

“(...) submete-se aos requisitos de procedibilidade fixados na lei geral – que é o Código de Processo Civil – e que se traduzem nas condições da ação. Impossível, ausente o interesse legitimador da ação, o exercício desse direito público subjetivo. Impõe-se, por isso mesmo, que o autor demonstre a existência de uma pretensão resistida. Esta resistência, que se vê traduzida na ocorrência de obstáculo que im-pede o gozo de um direito pelo requerente, deve manifestar-se na verificação real, prévia e concreta de um óbice oposto pela parte contrária, em ordem a evidenciar que a invocação da tutela jurisdicional se justifica e se torna necessária em face de impedimento, jurídico ou de fato, que inviabilize a satisfação de uma determinada pretensão de direito material”.

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O argumento subjacente ao julgado é que sem o prévio inadimplemento pré--processual do dever de se manifestar sobre o requerimento de acesso, retificação e/ou complementação de informações relativas à pessoa do impetrante não se confi-gura regular o exercício do direito de habeas data. No caso em tela, porém, a defesa dessa posição – correta em tese – desconsiderou uma peculiaridade fundamental, qual seja, que à época da propositura da ação vigia parecer normativo que obstacu-lizava o pedido do autor. Ora, por que não se pode considerá-lo como uma forma de resistência à pretensão? A afirmação do Min. Celso de Mello, no sentido que o óbice deve ser “real, prévio e concreto”, não é, absolutamente, a mais adequada.

Real, sim. Não se pode hipostasiar uma condição da ação, o que configuraria uma fraude à lei processual. Prévio, não. Com efeito, a doutrina é unânime ao afir-mar que a ausência inicial de uma condição da ação pode ser supervenientemente suprida. E concreto? Ora, a resistência pode ser identificada tanto em um ato admi-nistrativo individual quanto em um geral, abstrato e impessoal. Sustentar, como o fez o Ministro, que o óbice deve ser concreto importa em desconsiderar que a única diferença entre os atos individuais e os gerais é o seu espectro de destinatários: mais restrito naqueles, e mais amplo nestes. Ambos, porém, consubstanciam manifesta-ções de vontade que podem ser ampliativas ou restritivas de direitos. Nesta segun-da hipótese, configura-se a resistência à pretensão.

Veja-se, portanto, que o STF não apenas ratificou a necessidade de prévio reque-rimento administrativo em sede de habeas data, como ainda aplicou esse entendi-mento de forma rigorosa, desconsiderando peculiaridades do caso concreto que afastavam essa exigência.

Assim, fixada a legitimidade da fase administrativa prévia no rito do habeas data, por que não se admiti-la para as demais ações? Por que sem o prévio requerimento não há exercício regular do habeas data, mas o há para as demais ações ajuizadas contra o Estado? A ação processual, então, não seria una e universal?

3.2 Súmula Vinculante

Conforme antes salientado, a exigência da prévia exaustão administrativa como condição ao regular exercício do direito de ação não é algo estranho ao nosso orde-namento. Para além do exemplo do habeas data – cuja fase administrativa prévia é bradada como legítima há mais de 25 anos pela doutrina e jurisprudência – pode-se citar ainda o § 1.º do art. 7.º da Lei 11.417/2006, o qual prevê que no caso de ato da administração pública contrario à súmula vinculante, “o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas”.

Acrescente-se, ainda, que não se tem notícia de qualquer contestação, em sede de fiscalização concentrada ou difusa, ao dispositivo em tela. A seu turno, a acade-mia debate profundamente a súmula vinculante – constitucionalidade, adequação

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com o modelo romano-germânico, compatibilidade com o princípio da separação de poderes e da independência funcional –, mas poucas linhas são dedicadas ao exame do § 1.º do art. 7.º. Pode-se dizer, sem exagero, que a necessidade de prévia exaustão administrativa como condição ao ajuizamento da reclamação é tema que se encontra à revelia das ponderações doutrinárias. À guisa de exemplo, cite-se obra de Rodolfo de Camargo Mancuso, especificamente voltada ao tema em co-mento, na qual o autor faz a seguinte consideração em nota de rodapé:

“O dispositivo se explica nisso que, enquanto não esgotada a esfera administrati-va, não estará cabalmente configurada a recusa, pela Autoridade, em aplicar a súmu-la vinculante, assim como poderá ela ainda retratar-se quanto à sua anterior aplica-ção indevida (Súmula STF 473; art. 64-A da Lei 9.784/1999, inserido pela Lei 11.417/2006); ou seja, enquanto pendente esse contexto, faltaria interesse (necessi-dade mais utilidade) para o manejo da reclamação ao STF. Sem embargo de o direito de ação ser público, abstrato e autônomo, ele não é incondicionado e genérico, mas depende do atendimento de certos requisitos, tanto positivos (condições da ação, pressupostos processuais) como negativos (ausência de impedimentos, como coisa julgada, litispendência, convenção de arbitragem). Aliás, a própria Constituição Fe-deral traz o precedente dos litígios de natureza desportiva, que só podem ser judicia-lizados após o esgotamento das instâncias da justiça desportiva (§ 1.º do art. 217)”.28

3.3 Ações previdenciárias

A melhor forma de se compreender a importância da escalada de tutelas que se vem de expor, bem como sua aptidão para combater a pletora de processos que afogam o Judiciário, dá-se com o prévio requerimento administrativo para fins pre-videnciários. Como se sabe, sempre grassou enorme divergência em sede jurispru-dencial acerca da necessidade de o cidadão poder ingressar com ação na Justiça Federal para requerer benefício previdenciário sem antes fazer o pedido no Institu-to Nacional do Seguro Social.

De um lado, ambas as turmas do STF manifestavam-se no sentido de afastar a exigência de prévio requerimento como condição de acesso ao Judiciário.29 A Tur-ma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, a seu turno, sem-

28. MaNcuso, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 398-399, nota de rodapé 210. Em sentido semelhante: saNtos, Manuella. Súmula vinculante: implicações de sua adoção no ordenamento jurídico brasi-leiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional. ano 15. vol. 61. p. 208. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2007.

29. AgRg RE 549.238, 1.ª T., j. 05.06.2009, rel. Min. Ricardo Lewandowski; AgRg RE 545.214/MG, 2.ª T., j. 02.03.2010, rel. Min. Joaquim Barbosa; AgRg RE 548.676, 2.ª T., j. 20.06.2008,

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pre entendeu que sem o requerimento não se pode falar em lesão/ameaça ao direito do beneficiário.30 Quanto ao STJ, a jurisprudência era verdadeiramente lotérica.31

Felizmente, em 03.09.2014, o Pleno do STF julgou o RE 631.240/MG, afetado ao regime de repercussão geral, no qual se analisava se a exigência de prévio reque-rimento do segurado feriria a garantia de livre acesso ao Judiciário. A Corte seguiu majoritariamente o voto do Min. Barroso no sentido de que sem pedido adminis-trativo anterior, não fica caracterizada lesão ou ameaça de direito: “Não há como caracterizar lesão ou ameaça de direito sem que tenha havido um prévio requeri-mento do segurado. O INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido”.

4. coNclusão

Ante as considerações expostas, pode-se concluir que a exigência de prévio re-querimento administrativo nada mais representa do que a concretização do caráter substitutivo da tutela jurisdicional, de modo que, caso não comprovado o adimple-mento desse ônus pré-processual, não há necessidade na prestação da tutela jurisdi-cional, e, a fortiori, deve a petição inicial ser indeferida com lastro no inc. III do art. 330 do CPC/2015.

5. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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30. Ver, por todos: Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal 200470950080428, rel. Juíza Sônia Diniz Viana, j. 15.03.2006.

31. Pela necessidade de prévio requerimento: REsp. 1.310.042/PR, 2.ª T., j. 15.05.2012, rel. Min. Herman Benjamin. Pela desnecessidade: AgRg no AgREsp 304.348/SE, 1.ª T., j. 28.05.2013, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima.

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337TuTela DiferenciaDa

goNçaLves, Marcelo Barbi. Jurisdição condicionada e acesso à justiça: considerações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 319-338. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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338 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

goNçaLves, Marcelo Barbi. Jurisdição condicionada e acesso à justiça: considerações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 319-338. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Colaboração no processo previdenciário, de Eduardo Cambi e Nathan Barros Osipe – RePro

228/283-307 (DTR\2014\324);

• O acesso à justiça e as condições da ação, de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – RePro 174/325-338 (DTR\2009\499); e

• Princípio constitucional de acesso à justiça, o requerimento administrativo como condição da ação nas ações de benefícios previdenciários, de Gustavo Pompílio – RDT 151/277-311 (DTR\2013\3879).

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Direito Jurisprudencial

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FeRRaRi Neto, Luiz Antonio. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 341-370. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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as súmulas do suPremo Tribunal federal e do suPerior Tribunal de JusTiça sobre embargos de divergência e o novo código de Processo civil

the statements of the supreme court anD the superior court about Divergence embargoes anD the new civil proceDure coDe

luiz anTonio ferrari neTo

Doutorando, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor do Centro Universitário Estácio Radial. Membro da Comissão de Direito Processual da OAB-SP,

Subseção de Pinheiros. Membro do Ceapro. [email protected]

Recebido em: 09.09.2015 Aprovado em: 27.11.2015

área do direiTo: Processual

resumo: O presente artigo tem por finalidade trazer a interpretação e aplicação dos embargos de diver-gência nos Tribunais Superiores e confrontá-lo com o Novo Código de Processo, trazendo sua real fina-lidade, como um meio essencial à uniformização da jurisprudência nacional.

Palavras-chave: Súmulas – Embargos de Divergên-cia – Novo Código de Processo Civil.

absTracT: This article aims to bring the interpretation and application of the divergence embargoes in the Superior Courts and to confront with the new Civil Procedure Code, in order to bring its real purpose as an essential instrument to uniform the national jurisprudence.

KeyWords: Statement – Divergence Embargoes – New Civil Procedure Code.

sumáRio: 1. Conceito e finalidade – 2. Breve histórico – Lei 623/1949 e os primeiros enunciados sobre o tema: 2.1 Enunciados de súmula editados sob a vigência da Lei 623/1949 – 3. Os embar-gos de divergência no CPC de 1973 em sua redação originária – 4. Os embargos de divergência na redação da Lei 8.038/1990 e o posterior revigoramento do art. 546 do CPC: 4.1 Enunciados de súmula editados sob a vigência da Lei 8.950/1994 – 5. Breve sumário sobre os enunciados e seus precedentes – 6. Os embargos de divergência no Código de Processo Civil de 2015 – 7. Hipóteses de cabimento: 7.1 Pode haver o manejo dos embargos de divergência no âmbito do julgamento de recurso ordinário constitucional? Mandado de Segurança? Habeas Corpus?; 7.2 Embargos contra decisão exarada em agravo que julga o mérito do recurso excepcional; 7.3 Embargos de divergência e o julgamento do agravo contra decisão denegatória; 7.4 Embargos de divergência quando a divergência ocorrer dentro do mesmo órgão fracionário; 7.5 E se a decisão for proferida em embargos de declaração tirados contra decisão que julgou recurso especial ou

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recurso extraordinário? – 8. Os embargos de divergência nos demais Tribunais – 9. Sobre o aresto paradigma – 10. Divergência – 11. Divergência quanto à quantificação dos danos morais – 12. Conclusão – 13. Referências bibliográficas.

1. coNceiTo e FiNalidade

Os embargos de divergência, seja no Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), seja no de 2015 (NCPC), é recurso, não apenas pela previsão legal como tanto,1 mas também por sua própria natureza jurídica. Trata-se de um recur-so,2 interposto perante os Tribunais Superiores, tendo por finalidade uniformizar a jurisprudência interna do Tribunal Superior. Assim como os recursos extraordiná-rio e especial, esse recurso não se presta para a tutela do direito subjetivo, mas sim do direito objetivo. A proteção é do sistema jurídico.3

A doutrina é quase que uníssona em afirmar que a finalidade desse recurso é a uniformização dos julgados dissonantes dentro do próprio Tribunal. Seu objetivo imediato é a uniformização. Seu objetivo mediato ou secundário é reformar/anular o acórdão embargado.4

Esse recurso serve para que os temas apreciados sejam pacificados, mostrando a todos como a Corte, que apesar de ser dividida, julga as matérias, dando base para atuação dos Tribunais inferiores.5 Como consequência desta uniformização, os Tri-bunais inferiores terão um norte a seguir a partir da aplicação uniformizada da ju-risprudência das Cortes Superiores.

1. Arts 496, VIII, do CPC/1973 e 994, IX, do NCPC.

2. Em sentido contrário, RE 47.110 AgRg, rel. Min. Victor Nunes Leal, para quem o recurso teria a natureza de reexame do julgamento da turma e não de um recurso autônomo.

3. PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. atual. por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 2002. t. VIII, p. 193.

4. Freire, Rodrigo da Cunha Lima. Embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. Tese de Doutoramento. São Paulo, PUC, 2004, p. 19. Destaca Rodrigo da Cunha Lima Freire, citando Rodolfo de Camargo Mancuso, que o dissenso entre órgãos de um mesmo Tribunal é inevitável, por isso, “compreensível, mas não desejável” tal dissenso, pois vulnera a igualdade; a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade que se es-pera do direito; a respeitabilidade do Poder Judiciário e o princípio da economia processual.

5. JorGe, Flávio Cheim. Embargos de divergência: alguns aspectos estruturantes. Revista de Processo. vol. 190. p. 9 e ss. São Paulo: Ed. RT, 2010: “Observe-se, portanto, que a razão primeira dos embargos não é a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Superiores, mas sim permitir que a decisão a ser proferida reflita, repita-se, o entendimento do Tribu-nal. Significa dizer que esse recurso tem por ratio essendi evidenciar a real interpretação do Tribunal a respeito de uma determinada questão jurídica. A uniformização, como dito, é mera consequência de seu julgamento”.

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343Direito JurispruDencial

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Assim, a principal função deste recurso é a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Superiores.6

Verifica-se que o recurso especial tem, entre outras finalidades, a de uniformizar a interpretação da lei federal quando haja divergência de interpretação entre Tribu-nais Locais. Os embargos de divergência não se prestam a isto. Voltam-se para a uniformização da interpretação da Lei Federal (STJ) ou da Constituição Federal (STF) dentro do próprio Tribunal Superior.

2. breve hisTórico – lei 623/1949 e os Primeiros eNuNciados sobre o Tema

Na vigência da Constituição Federal de 1891, a mais alta Corte do país não po-dia ser dividida. A divisão do STF passou a ser permitida a partir da Constituição Federal de 1934. Assim, a divisão da Corte ocorreu por meio do Dec.-lei 6/1937.7

Após a divisão da Corte Suprema em Turmas, a doutrina passou a entender ca-bível a interposição do recurso de revista, até então previsto como meio cabível para a uniformização do entendimento dos Tribunais locais (apesar de o próprio Dec.-lei 6, que realizou a divisão do STF em Turmas prever a possibilidade de in-terposição de embargos).

Em que pese o entendimento doutrinário da época afirmar que seria possível o manejo do recurso de revista para a uniformização do entendimento da Corte Su-prema, esta entendeu que não seria possível o manejo de tal recurso. Posteriormen-te foi editada a Lei 623/1949, que alterou o Código de Processo Civil de 1939 e teve a finalidade de garantir a uniformização da jurisprudência perante a Corte Supre-ma, evitando-se decisões conflitantes perante aquela Corte.8

6. Em sentido contrário: JorGe, Flávio Cheim. Op. cit., p. 9 e ss.

7. Idem, ibidem.

8. Idem, ibidem. BarBosa Moreira, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. 5, p. 641. Destaca o autor, nesse ponto, a infelicida-de do legislador de então criar nova figura com o nome de embargos, causando maior equivocidade do termo. Apesar disso, verifica-se que o Dec.-lei 6/1939, o mesmo que pre-viu a divisão do STF em turmas, também previu a existência dos embargos. Esses embar-gos eram até mais amplos do que os embargos de divergência, pois ali se cuidava de em-bargos infringentes, de declaração e também de divergência. Vejamos:

“Art. 6.º Admitem-se embargos para o tribunal pleno dos julgamentos das turmas: (...) II – quando, embora não se verifique unanimidade no julgamento, o acórdão embargado:

a) (...) b) estiver em manifesta divergência com a jurisprudência do Tribunal Pleno ou da outra turma; (...)”.

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Os embargos de divergência não tinham, àquela época, a restrição que têm hoje, o que era salutar para uma correta uniformização da jurisprudência da Corte.9 A partir de então começamos a ter a evolução da interpretação e aplicação pelo STF.

2.1 Enunciados de súmula editados sob a vigência da Lei 623/1949

Sob a vigência do Código de Processo Civil de 1939 o STF editou alguns enun-ciados de súmula sobre o tema que acabaram por restringir o âmbito de incidência deste recurso. Restrição esta que não era prevista pelo art. 833 do CPC/1939. Tal restrição também não era prevista pela legislação anterior a esta sobre o tema (art. 6º do Dec.-lei 6/1939).

O primeiro enunciado a restringir a aplicação deste recurso foi o 233: “Salvo em caso de divergência qualificada (Lei 623/194910), não cabe recurso de embargos contra decisão que nega provimento a agravo ou não conhece de recurso extraordi-nário, ainda que por maioria de votos”.11

Perceba-se que, apesar de a redação da Lei ser abrangente, o STF editou enun-ciado restringindo o cabimento deste recurso.

Vale destacar que o julgado citado como precursor para referido enunciado tra-tava de matéria criminal (RE 38.448, rel. Min. Nelson Hungria). A essência do julgado era a inexistência de divergência entre os arestos, porque distintos os casos paradigma e o que era objeto de recurso, não havendo, portanto, SMJ, razão para a edição do referido enunciado.

O segundo enunciado foi o 247: “O relator não admitirá os embargos da Lei 623, de 19.02.1949, nem deles conhecerá o Supremo Tribunal Federal, quando houver jurisprudência firme do plenário no mesmo sentido da decisão embargada”.

Este enunciado teve como fundamento o RE 43.382/RS, de 15.12.1961, rel. Min. Victor Nunes Leal. Parece-nos adequada a redação do referido enunciado, uma vez que o objetivo deste recurso é a uniformização da interpretação do Tribu-nal. Se o Tribunal já firmou seu entendimento no mesmo sentido da decisão ataca-

9. Parágrafo único do art. 833: “Além de outros casos admitidos em lei, serão embargáveis, no Supremo Tribunal Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno”.

10. Alterou o Código de Processo Civil de 1939, acrescentando o parágrafo único ao art. 833: “Além de outros casos admitidos em lei, serão embargáveis, no Supremo Tribunal Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno”.

11. Julgado citado como “precedente” à edição do enunciado: RE 38.448 EI-AgRg, RTJ 10/313, DJ 24.06.1960.

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345Direito JurispruDencial

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da, não há razão para cabimento dos embargos de divergência em razão do simples fato de não haver divergência.

Insta salientar que há decisões do STJ que aplicam o entendimento firmado por meio deste enunciado, o que nos parece correto.12

O terceiro enunciado é o 253: “Nos embargos da Lei 623, de 19.02.1949, no Supremo Tribunal Federal, a divergência somente será acolhida, se tiver sido indi-cada na petição de recurso extraordinário”.13

Os julgados precursores do Enunciado 253, por sua vez, tiveram como origem julgados que vedaram o recurso em razão de os recursos extraordinários terem se fundado apenas na alínea a do art. 101, III, da CF/1946.

Para o STF, somente seria cabível a interposição dos embargos de divergência quando o recurso extraordinário também tivesse sido fundado na alínea d do inc. III do art. 101.14 Segundo o entendimento exarado pelo Min. relator Victor Nunes Leal e pelo Min. Pedro Chaves, em voto vista no RE 34.055, não seria possível ino-var para interpor os embargos de divergência. Se o recurso extraordinário foi inter-posto unicamente porque a decisão foi contrária à interpretação da Constituição Federal ou da Lei Federal, não poderia, posteriormente, a parte recorrente inovar e interpor os embargos de divergência sob o fundamento de divergência que até en-tão não havia sido alegada.

A fundamentação à época se deu em razão da natureza jurídica dos embargos de divergência. Segundo decisão exarada no RE 47.110 AgRg, rel. Min. Victor Nunes Leal, o recurso teria a natureza de reexame do julgamento da turma e não de um recur-so autônomo. Não poderia o plenário pretender corrigir a Turma sobre algo que a Turma não foi instada a se manifestar. Na visão dos Ministros, não seria possível os embargos porque a Turma não teria errado ao julgar. Então não seria possível o reexame. Rejeitou-se naquela oportunidade a função de uniformização da jurispru-dência do STF (apesar de o relator ter levantado as duas posições e ter afirmado que qualquer das duas interpretações seria possível).

12. STJ, 1.ª Seção, EREsp 197672/PR, rel. Min. Paulo Medina, j. 24.10.2001.

13. Julgados citados como “precedentes”: (i) RE 34055 EDiv, DJ 05.09.1962; (ii) RE 47110 AgRg, DJ 20.09.1962; (iii) RE 47787 AgRg, DJ 13.09.1962; (iv) RE 45165 embargos, DJ 13.01.1963; (v) RE 37142 embargos, DJ 17.12.1963; (vi) AgIn 29377 embargos, DJ 17.12.1963.

14. CF/1946: “Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...) III – julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes: (...) d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for di-versa da que lhe haja dado qualquer dos outros Tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal”.

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Vale ressaltar que tal enunciado não mais pode ser aplicado pelo STF, uma vez que não cabe recurso extraordinário por divergência jurisprudencial e não encontra-mos aplicação no âmbito do STJ, o que nos parece salutar, uma vez que a natureza dos embargos de divergência é de recurso e sua função é uniformizar o entendimen-to dissonante entre órgãos colegiados distintos dentro de um Tribunal Superior.

O quarto enunciado editado na vigência do Código de Processo Civil de 1939 foi o 273: “Nos embargos da Lei 623, de 19.02.1949, a divergência sobre questão prejudicial ou preliminar, suscitada após a interposição do recurso extraordinário, ou do agravo, somente será acolhida se o acórdão-padrão for anterior à decisão embargada”.15

Em que pese a citação de diversos julgados, verificou-se que apenas o Embargos no AgIn 29.377, é que tratou de matéria objeto da redação do enunciado, demons-trando-se o perigo que temos desde aquele momento até o atual estágio de edição de enunciados de súmulas, nas quais os julgados citados como precursores não tratam do tema sobre o qual é editado o enunciado. Segundo o citado recurso, cujo relator foi o Min. Victor Nunes Leal, houve a interposição do recurso extraordiná-rio com base nas alíneas a e d do art. 101, III, da CF/1946. Todavia, a parte não demonstrou, quando da interposição do recurso extraordinário, a exata divergência entre o julgado recorrido e o paradigma. Após o julgamento do recurso extraordi-nário, todavia, a parte interpôs embargos de divergência, utilizando como paradig-ma outra decisão, que foi exarada em momento posterior à interposição do recurso extraordinário. Assim, e com base no que já havia sido consolidado pelo STF, a di-vergência precisaria ser demonstrada quando da interposição do recurso extraordi-nário. Se a decisão divergente veio em momento posterior, não seria possível a in-terposição dos embargos de divergência.

Como dito anteriormente, não há qualquer razão para restringir o cabimento dos embargos de divergência, nem mesmo razão para confundi-lo como reexame do recurso extraordinário decorrente de dissídio jurisprudencial (existente na vi-gência da Constituição de 1946 e de 1967). Tal enunciado já perdeu a razão de ser em razão de não ser mais possível a interposição de recurso extraordinário em ra-zão de dissídio jurisprudencial. Pelas razões acima, não há que se cogitar da aplica-ção deste enunciado pelo STJ.

O quinto enunciado editado foi o 290: “Nos embargos da Lei 623, de 19.02.1949, a prova de divergência far-se-á por certidão, ou mediante indicação do ‘diário da justiça’ ou de repertório de jurisprudência autorizado, que a tenha publicado, com

15. Julgados citados como “precedentes”: (i) RE 34055 EDiv, DJ 06.09.1962; (ii) RE 47110 AgRg, DJ 20.09.1962; (iii) RE 45165 embargos, DJ 13.01.1963; (iv) AgIn 29377 embargos, DJ 17.12.1963; (v) RE 37142 embargos, DJ 17.12.1963.

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a transcrição do trecho que configure a divergência, mencionadas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.16

Com relação aos julgados que deram azo à aprovação deste enunciado, verifica-mos pelo teor deles a necessidade, em todos, da citação de repositório oficial. Nos Embargos no RE 43.951 extrai-se do voto do relator que o recorrente sequer juntou certidão ou cópia do acórdão invocado e, por isto, o relator teve que mandar buscar em biblioteca o diário de justiça que publicou o acórdão citado pelo embargante. A justificativa para a apresentação da certidão ou cópia do acórdão decorre da neces-sidade de dar ciência a outra parte para evitar que ela seja pega de surpresa e tam-bém para que não desse ao relator o trabalho de ele ter que buscar o acórdão para-digmático.17 Um dos recursos citados como “precedente”, todavia, sequer tratava de embargos de divergência, mas do então recurso de revista.18

A questão do repositório de que se pode extrair o julgado paradigma passará a ser regulada no novo CPC pelo art. 1.043, § 4.º, que prevê a possibilidade de utilização de citação de reprodução de julgado citado em mídia eletrônica ou em sítios eletrônicos (com indicação da fonte), mostrando a evolução do tema.

O sexto enunciado é o 300: “São incabíveis os embargos da Lei 623, de 19.02.1949, contra provimento de agravo para subida de recurso extraordinário”.19

Este enunciado trouxe restrição que não constava da Lei, ao afirmar que os em-bargos de divergência seriam incabíveis contra agravo interposto para a subida do extraordinário. Ao se analisar os julgados que deram azo à edição deste enunciado, verificou-se que os embargos de divergência seriam cabíveis quando da análise do recurso extraordinário. Não seria possível tal análise no agravo contra a negativa de subida. Nos Embargos no AgIn 21.713 a então Cia Docas de Santos interpôs embar-gos contra a decisão que deu provimento ao agravo para o julgamento do recurso

16. Julgados citados como “precedentes”: (i) RE 43951 embargos, DJ 27.07.1961; (ii) RE 51732, DJ 06.06.1963; (iii) AgIn 27472 embargos, DJ 06.06.1963; (iv) RE 50188 em-bargos, DJ 17.12.1963;

17. Vale ressaltar que o julgado paradigmático mencionado neste caso era um agravo de ins-trumento contra a negativa de subida do extraordinário. O relator chegou a analisar o acórdão citado, afirmando que não se tratava da mesma questão jurídica.

18. RE 51.732. À guisa de curiosidade, discutiu-se naquele oportunidade se era cabível a uti-lização da Revista Forense como repositório de jurisprudência, porque em São Paulo, à época, já havia a Revista dos Tribunais como repositório oficial. Nos Embargos no RE 50.188 a discussão versava sobre a admissibilidade da Revista de Direito Administrativo como repositório oficial (o que foi admitido).

19. Julgados citados como “precedentes”: (i) AgIn 20084 embargos, DJ 07.04.1960; (ii) AgIn 21810 embargos, DJ 27.07.1961; (iii) AgIn 24829 embargos, DJ 14.12.1961; (iv) AgIn 21713 embargos, DJ 13.09.1962.

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extraordinário. Entendeu o Tribunal que os embargos deveriam ser interpostos quando do julgamento do recurso extraordinário. Assim, não haveria qualquer pre-juízo à parte pelo não conhecimento do recurso. Noutro recurso – Embargos no AgIn 24.829, o Min. Victor Nunes Leal volta a reafirmar a impossibilidade de inter-posição de embargos da Lei 623/1949 contra acórdão que julga o agravo de instru-mento, pois aquela não é a posição final da Turma. Ela apenas entendeu presentes os requisitos para que o recurso extraordinário pudesse ser apreciado. Destacou ainda que os embargantes, naquela ocasião, pretendiam discutir o mérito do ex-traordinário, por meio dos embargos ao agravo. Ocorre que o mérito do extraordi-nário ainda não havia sido apreciado.20 Apenas nos Embargos no AgIn 20.084, de relatoria do Min. Luiz Gallotti é que se cogitou da possibilidade de admissão dos embargos em Agravo de Instrumento, na qual afirmou o Ministro que deveria o embargado demonstrar a divergência do provimento do agravo com outra decisão de outra Turma, que em caso similar tenha negado provimento ao agravo.

Pela mesma razão que levou o STF a cancelar o Enunciado 599 (descrito adian-te), o presente enunciado também deveria ser cancelado, uma vez que atualmente o Agravo contra decisão denegatória de recurso extraordinário pode enfrentar o próprio mérito do recurso extraordinário, o que também ocorre em relação ao re-curso especial. Apesar de o Novo Código de Processo Civil não possuir mais o juízo prévio de admissibilidade dos recursos excepcionais, tramitam dois projetos de lei (PLS 414/2015 e PL 2.384/2015), os quais têm a finalidade de manter o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais nos Tribunais Locais e, por consequência, manter os agravos contra estas decisões denegatórias.

O sétimo enunciado é o de 353: “São incabíveis os embargos da Lei 623, de 19.02.1949, com fundamento em divergência entre decisões da mesma turma do Supremo Tribunal Federal”.21

Consta como “precedente” deste enunciado apenas os Embargos no RE 44.665. No caso em questão, a parte (Banco do Estado de São Paulo) citou quatro julgados em sentido contrário, de três relatores distintos (Ministros Ary Franco, Luiz Gallo-tti e Nelson Hungria). Não obstante, segundo o voto do relator (Min. Villas Bôas), não foi superada a exigência de que a divergência deva ser demonstrada entre Turmas.

20. Nos Embargos no AgIn 21.810, rel. Min. Ary Franco, em voto preliminar afirma que com-pete à Turma a análise da subida ou não do recurso. Se a Turma entendeu pela subida, não poderia o Plenário decidir de outra forma. Segundo ele, seria um poder quase que discri-cionário da Turma para que ela pudesse formar seu convencimento sobre a matéria que seria apreciada posteriormente no recurso extraordinário.

21. Julgado citado como “precedente”: RE 44665 embargos, DJ 12.10.1961.

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A Jurisprudência e a própria doutrina já aplicam entendimento diverso a este enunciado na hipótese de alteração de mais da metade dos membros da Turma.

Tal entendimento doutrinário e jurisprudencial agora consta expresso no Novo CPC, em seu art. 1.043, § 3.º, do CPC.22

O oitavo e último enunciado na vigência do Código de Processo Civil de 1939, com a redação dada pela Lei 623/1949 foi o 598: “Nos embargos de diver-gência não servem como padrão de discordância os mesmos paradigmas invoca-dos para demonstrá-la, mas repelidos como não dissidentes no julgamento do recurso extraordinário”.23

Verifica-se dos julgados que deram azo à edição do último enunciado editado sob a vigência da Lei 623 que nos Embargos no RE 65.817 o embargante utilizou como paradigma o mesmo acórdão que havia utilizado para a interposição do re-curso extraordinário pela divergência jurisprudencial, tendo a Corte afastado tal alegação quando do julgamento do recurso extraordinário porque o recurso não possuía a mesma similitude. Se o recurso não serviu de paradigma para o extraor-dinário por divergência jurisprudencial, também não serve para os embargos de divergência.24

3. os embarGos de diverGêNcia No cPc de 1973 em sua redação oriGiNÁria

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, o recurso foi previsto no parágrafo único do art. 546 do CPC/1973: “Além dos casos admitidos em lei, é embargável, no Supremo Tribunal Federal, a decisão da turma que, em recurso extraordinário, ou agravo de instrumento, divergir do julgamento de outra turma ou do plenário”.

Verificou-se restrição ao cabimento dos embargos de divergência às hipóteses de divergência em recurso extraordinário e agravo de instrumento. Na redação do Código de Processo Civil de 1939 não havia tal restrição, apesar de o STF ter res-tringido, por meio da edição dos enunciados citados.

22. “Art. 1.043. (...) § 3.º Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros.”

23. Julgados citados como “precedentes”: (i) RE 67681 embargos, DJ 09.10.1970; (ii) RE 65317 embargos; (iii) RE 70628 embargos, DJ 05.06.1972; (iv) RE 78024 embargos, DJ 13.02.1976; (v) RE 65817 embargos, DJ 26.03.1976.

24. A tal conclusão também chegaram os demais recursos citados como precursores do enun-ciado (ERE 78.024; ERE 70.628; ERE 67.681; ERE 65.317).

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Na vigência da redação originária do Código de Processo Civil, o STF editou o enunciado de Súmula 599, que foi cancelado, posteriormente, em 2008: “São inca-bíveis embargos de divergência de decisão de Turma, em agravo regimental”. Sú-mula cancelada (v. AgRg nos EDiv nos EDcl. no AgRg no RE 283.240-5, DJe 14.03.2008, divulgado em 13.03.2008)”.25

Este enunciado chegou a ser aplicado pelo STF e pelo STJ, perdendo sua razão de ser a partir do momento em que entrou em vigor a Lei 9.756/1998, que permitiu ao relator julgar monocraticamente o recurso especial, surgindo daí o manejo do regimental.

4. os embarGos de diverGêNcia Na redação da lei 8.038/1990 e o PosTerior reviGorameNTo do arT. 546 do cPc

Com a entrada em vigor da Constituição de 1988, a interpretação e a aplicação da Lei Federal passaram a ser da competência do STJ (por meio de recurso especial) e não mais do STF. Em razão disto, houve revogação do art. 546 do CPC, passando a matéria a ser regulada pelo art. 29 da Lei 8.038/1990: “É embargável, no prazo de 15 dias, a decisão da turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimento estabe-lecido no regimento interno”.

Tal redação, todavia, padeceu da grave falha de não prever os embargos de diver-gência no âmbito do STF.

Apesar disto, o Regimento Interno do STF continuou prevendo os embargos de divergência, assim como a Corte Suprema continuou admitindo tal recurso.26

Na primeira grande etapa de reforma do Código de Processo Civil, ocorrida em 1994, a Lei 8.950/1994 revigorou o art. 546 do CPC, que passou a viger com sua redação atual.

Esta Lei, contudo, não revogou expressamente o art. 29 da Lei 8.038/1990. To-davia, tal revogação, no que tange ao cabimento dos embargos de divergência em matéria cível, ocorreu de forma tácita a partir da entrada em vigor da Lei 8.950/1994.

Assim, os embargos de divergência, previstos na Lei 8.038/1990 continuam re-gulando a sua aplicação em matéria criminal. Com a entrada em vigor do Novo

25. Julgados citados como “precedentes”: (i) AgIn 44447 AgRg-EDiv, DJ 11.09.1970; (ii) AgIn 47157 AgRg-EDiv, DJ 21.12.1972; (iii) AgIn 59253 embargos-AgRg, DJ 06.12.1974; (iv) AgIn 61430 AgRg-EDiv-AgRg, DJ 05.09.1975; (v) AgIn 61705 embargos-AgRg, DJ 19.09.1975.

26. Paula, Alexandre de. Código de Processo Civil anotado. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 1994. vol. 2, p. 2253. BarBosa Moreira, José Carlos. Op. cit., 15 ed., 2009, vol. 5, p. 642.

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Código de Processo Civil haverá a revogação da Lei 8.038/1990, o que implicará vácuo legislativo no que tange à aplicação deste recurso em matéria criminal (vide art. 1.072, IV). Em razão deste vácuo legislativo e, em que pese o art. 15 do NCPC não mencionar sua aplicação de forma subsidiária ao processo penal, entendemos que os embargos de divergência também em matéria penal serão processados e julgados conforme a previsão constante do Novo Código de Processo Civil.

4.1 Enunciados de súmula editados sob a vigência da Lei 8.950/1994

Sob a égide desta redação revigorada do art. 546 do CPC/1973 o STJ editou cin-co enunciados de súmula sobre o tema: Enunciado 158: “Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão de turma ou seção que não mais tenha competência para a matéria neles versada”.27

Na análise dos julgados que deram azo à edição do Enunciado 158, verifica-se, do EREsp 43.239/SP, que a matéria tratava de relação locatícia, que passou à época a ser da competência da 3.ª Seção (anteriormente a matéria era de competência da 2.ª Seção). O relator (Min. Waldemar Sveiter), reconhecendo a existência de diver-gência do julgado com paradigmas da 3.ª Turma e da 2.ª Seção, dava provimento ao recurso. Em aparte realizado pelo Min. Assis Toledo, este destacou que os julgados da 2.ª Seção estariam superados pela nova interpretação dada à questão pelas duas Turmas da 3.ª Seção. Afirmou-se que teria ocorrido evolução da interpretação da questão pelo STJ. Em razão do debate sobre o tema, o Min. Antônio Torreão Braz chamou a atenção para o fato de que a 2.ª Seção não tinha mais competência sobre o tema. Também o fazendo o Min. Costa Leite. Em razão disto, o relator retificou seu voto, para evitar ingerência da Corte Especial sobre matéria que é da competência exclusiva da 3.ª Seção. No julgamento do EREsp 50442/SP o relator, Min. José Dantas, trouxe orientação exarada na questão de ordem proferida no REsp 43.139/SP, no sentido de que não servem como paradig-mas acórdãos proferidos por turma que perderam a competência para apreciar a matéria. O mesmo se deu com o EREsp 35.314/SP.

Interessante notar que a QO no EREsp 43.139/SP, que serviu de base para a edi-ção do Enunciado 158 sequer é citado como “precedente” no sítio do STJ.

Ousamos discordar de tal enunciado, uma vez que, se há entendimento diver-gente por outra turma, é sinal que a matéria precisa ser melhor interpretada. Além disto, uma matéria que pode ser da competência de uma seção poderá ser da com-

27. Julgados citados como “precedentes”: (i) AgRg nos EREsp 42.280/RJ 1995/0046273-7, Decisão: 26.10.1995; (ii) EREsp 35.314/SP 1994/0004015-6, Decisão: 10.08.1995; (iii) EREsp 50.442/SP 1995/0018927-5, Decisão: 10.08.1995; (iv) EREsp 43.239/SP 1994/0018704-1, Decisão: 08.06.1995.

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petência de outra seção posteriormente. Exemplo claro disto é a matéria de loca-ção. Era da 2.ª seção, passou para a 3.ª seção e voltou para a 2.ª seção. Além disto, em razão da necessidade de segurança jurídica e estabilidade, é essencial que sejam cabíveis os embargos de divergência para que a Corte analise as razões que levaram a outra Seção à ter interpretação que é divergente da interpretação dada pela seção que atualmente tem competência para julgar a matéria.

O segundo enunciado editado pelo STJ foi o 168: “Não cabem embargos de di-vergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado”.28

Este enunciado tem redação similar ao 247 do STF, o que, a nosso sentir, deve ser bem visto, pois se os embargos de divergência servem para eliminar a dissonân-cia existente dentro do Tribunal, não há razão de ser dos embargos se não há diver-gência. Todos os julgados descritos no sítio do STJ como “precedentes” chegam a esta mesma conclusão.

O terceiro enunciado editado pelo STJ foi o 315: “Não cabem embargos de di-vergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.29

Fazemos as seguintes considerações com relação aos julgados citados como “precedentes” desde enunciado:

No Ag na Pet 1.840 verifica-se que foi negado seguimento ao especial, tendo a parte interposto agravo contra aquela decisão denegatória de seguimento. Ao ana-lisar o recurso, o relator não o admitiu sob o fundamento de que a decisão do Tri-bunal a quo estaria em consonância com o entendimento do STJ. Segundo a Min. Eliana Calmon (relatora), tal decisão não teria adentrado o mérito (o que não nos parece correto, todavia). Para a relatora somente seria admissível embargos de di-vergência em agravo de instrumento se houvesse análise do mérito do especial (quando ele fosse acolhido e, a partir de então, fosse julgado o próprio recurso es-

28. Julgados citados como “precedentes”: (i) AgRg nos EREsp 53.284/SP 1995/0050075-2, De-cisão: 14.12.1995; (ii) AgRg nos EREsp 58.402/SP 1995/0019432-5, Decisão: 13.06.1995; (iii) EREsp 36.012/SP 1994/0015159-4, Decisão: 13.10.1994; (iv) AgRg nos EREsp 32.309/PR 1993/0033791-2, Decisão: 09.03.1994; (v) AgRg nos EREsp 864/MG 1993/0015735-3, Decisão: 07.12.1993; (vi) AgRg nos EREsp 904/SP 1993/0016001-0, Decisão: 28.09.1993.

29. Julgados citados como “precedentes”: (i) EAg 541924/RJ 2004/0033061-5, Decisão: 18.10.2004; (ii) AgRg na Pet 2.854/MG 2004/0064923-5, Decisão: 25.08.2004; (iii) Pet 2.169/PI 2002/0174762-5, Decisão: 10.03.2004; (iv) AgRg nos EAg 364.181/RJ 2003/00409.0-0, Decisão: 17.12.2003; (v) AgRg na Pet 2.488/PR 2003/0161911-0, Deci-são: 10.12.2003; (vi) AgRg nos EAg 448.197/SP 2003/0172824-2, Decisão: 26.11.2003; (vii) EDcl nos EREsp 244.525/DF 2002/0009064-8, Decisão: 06.08.2003; (viii) Pet 2.151/DF 2002/0162432-7, Decisão: 26.03.2003; (ix) AgRg na Pet 1.840/MG 2002/0083496-4, De-cisão: 18.09.2002.

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pecial – como passou a ser permitido pela inclusão do § 3.º ao art. 544 do CPC – Lei 8.950/1994). Neste julgado a relatora externou uma preocupação: afirmou que era grande a quantidade de embargos de divergência sobre este tema e que havia diversos agravos decorrentes do próprio enfrentamento do mérito do especial pelo Tribunal a quo.30

No julgamento da Pet 2151, o voto do Min. Hamilton Carvalhido afirmou que o STJ já havia exarado entendimento no sentido de não caber os embargos de diver-gência quando a Corte, ao julgar o agravo de instrumento, não enfrentar o mérito do recurso especial, citando o entendimento do STF, exarado na Súmula 599, ape-sar de no próprio voto o relator afirmar que, diante da possibilidade de julgamento monocrático do recurso especial, ser cabível os embargos de divergência em agravo regimental quando este julga o mérito do recurso especial (em razão da alteração do art. 557 do CPC).

Na mesma toada, os EDcl no EREsp 244.525/DF aplica o enunciado 599 do STF afirmando que se o agravo não adentrou o mérito do especial, não seria possível a interposição dos embargos de divergência.

Pelos julgados citados, é possível constatar que o STJ possui entendimento no sentido de que somente é cabível embargos de divergência contra acórdão prolata-do em agravo em duas hipóteses: “(i) quando o Relator, ao apreciar o agravo de instrumento, julga o mérito do recurso especial, com fundamento no art. 544, § 3.º, primeira parte, do CPC; (ii) ou quando o mérito do recurso especial é apreciado pelo relator em decisão monocrática, com arrimo no art. 557 do CPC. Nesses casos, o acórdão que julgar o agravo regimental eventualmente interposto poderá ser ob-jurgado via embargos de divergência, desde que, é claro, atendidos os pressupostos do recurso”.31

30. Vale citar trecho da manifestação da Min. Eliana Calmon ao defender seu voto: “(...) pro-blema é que o juízo de admissibilidade feito pelos Tribunais a quo, parece-me, avançam muito, porque esse deveria ser um juízo muito seco, pequeno, apenas com os pressupos-tos, porém ele avança para examinar o próprio mérito; quando cita jurisprudência daqui, na realidade examina um pouco o mérito, dizendo que é admissibilidade. O STJ sempre fechou os olhos para isso, porque é conveniente, age como um dique, tirando-nos muito dessa repetição. É o que tem causado problema.

Se admitirmos que a admissibilidade é também mérito, faremos uma confusão técnica muito grande. O recurso especial é um recurso especialíssimo, em que há o juízo de ad-missibilidade, o juízo de conhecimento e o juízo meritório. Entendo que não se pode ul-trapassar de um para outro, porque, nos embargos de divergência, seja em agravo de ins-trumento, seja em recurso especial, há uma necessidade imperiosa de que o mérito seja efetivamente examinado; discussão de tese jurídica. (...)” (p. 8-9).

31. Pet 2.169/PI, rel. Min. Laurita Vaz, j. 10.03.2004.

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O quarto enunciado editado pelo STJ foi o 316: “Cabem embargos de divergên-cia contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial”.32

Cabe fazer algumas observações quanto aos julgados citados como “preceden-tes” deste enunciado.

Ao se analisar os julgados que deram azo ao Enunciado 315 já se verificou, em todos eles, a admissibilidade de embargos de divergência quando a decisão proferi-da em agravo de instrumento ou agravo regimental tiver apreciado o mérito do re-curso especial. A partir da reforma do Código de Processo Civil pela Lei 9.756/1998 foi aumentado o poder do relator, que pôde, a partir de então, julgar o mérito do recurso especial monocraticamente e, até mesmo, julgar o mérito do recurso espe-cial ao analisar e conhecer o então agravo de instrumento contra decisão denegató-ria de seguimento do especial.

Vale trazer aqui o julgado proferido no AgRg nos EDiv no REsp 172.821/SP, em que o relator original (Milton Luiz Pereira) entendia que da decisão monocrática que julgasse o recurso especial é que caberia os embargos de divergência em razão do Enunciado 599 do STF. Todavia, o entendimento dos demais membros da Corte Especial foi no sentido de que este enunciado deveria ser interpretado com tempe-ramento, pois a partir da reforma do Código de Processo Civil pela Lei 9.756/1998, em agravo regimental passou a ser possível o enfrentamento do mérito do recurso especial quando este fosse julgado monocraticamente.33

32. Julgados citados como “precedentes”: (i) AgRg na Pet 3.934/MG 2005/0066903-1, Deci-são: 15.06.2005; (ii) AgRg na Pet 1.590/MG 2001/0172512-6 Decisão: 09.03.2005; (iii) AgRg na Pet 3.285/RJ 2004/0107804-6, Decisão 25.10.2004; (iv) EREsp 295.842/DF 2003/0226002-4, Decisão: 09.06.2004; (v) AgRg nos EREsp 289.176/DF 2001/0119821-2, Decisão: 28.08.2002; (vi) AgRg nos EREsp 279.889/AL 2001/0154059-3, Decisão: 14.08.2002; (vii) AgRg nos EREsp 172.821/SP 2000/0084222-2, Decisão: 18.08.2001; (viii) EREsp 258.616/PR 2000/0121212-5, Decisão: 07.03.2001; (ix) AgRg no REsp 172.821/SP 1998/0030974-8, Decisão: 13.06.2000; (x) EREsp 133.451/SP 1998/0023527-2, Decisão: 10.04.2000.

33. Vale fazer um aparte para trazer trecho de manifestação do Min. Humberto Gomes de Bar-ros, exarado no AgRg no EREsp 279.889, no qual se discutia a constitucionalidade ou in-constitucionalidade do julgamento monocrático do recurso especial com base na alteração introduzida pela Lei 9.756/1998, na qual sua Excelência assim se manifestou: “(...) Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do STJ, assumo a au-toridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribu-nal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a dou-trina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeita-do. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ de-cide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o

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FeRRaRi Neto, Luiz Antonio. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 341-370. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Este foi o entendimento que prevaleceu não apenas perante o STJ, mas também perante a doutrina.

O quinto enunciado editado pelo STJ foi o 420: “Incabível, em embargos de di-vergência, discutir o valor de indenização por danos morais”.34

No que tange a este enunciado, os julgados procuraram afastar a possibilidade de interposição de embargos de divergência para uniformização do entendimento do STJ com relação à fixação do quantum da indenização a título de danos morais.

Sob o pretexto de ter que se analisar questão fática, no AgRg nos EREsp 613.036/RJ a 2.ª Seção do STJ afirmou claramente que não seria o caso de embargos de divergência, mantendo-se decisão que afirmou não ser exagerada a fixação de danos morais por danos causados em agência, fixada em 2.000 salários mínimos, em razão de perda de visão e danos estéticos.

No caso objeto do AgRg nos EREsp 507.120/CE a parte recorrente apresentou julgado paradigma em que também teria havido homicídio violento praticado por policial militar. No caso em questão, a decisão havia mantido indenização por da-nos morais em 300 salários mínimos, quando havia outro julgado, em situação se-melhante, na qual o Estado do Ceará havia sido condenado em 2.000 salários. Afirmou o Min. Luiz Fux que não haveria o cotejo analítico para o caso.

No EREsp 663.196/PR discutia-se a possibilidade de redução do quantum inde-nizatório em razão do elevado tempo transcorrido para ajuizamento da ação inde-

pensamento do STJ, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certa-mente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja. (...)”. Ainda com relação a este julgado, vale fazer o destaque de que, mesmo após a alteração da legislação por meio da Lei 9.756/1998, o Min. Garcia Vieira ainda en-tendia aplicável o Enunciado 599 do STF para regular a questão que é legal, smj.

34. Julgados citados como “precedentes”: (i) AgRg nos EREsp 838.550/RS 2007/0217083-9, Decisão: 24.09.2008; (ii) AgRg nos EREsp 965.703/SP 2007/0283581-1, Decisão: 24.09.2008; (iii) AgRg nos EREsp 506808/MG 2006/0252486-2, Decisão: 12.03.2008; (iv) AgRg nos EREsp 970.260/SP 2007/0250979-7, Decisão: 12.03.2008; (v) AgRg nos EREsp 866.458/DF 2007/0278487-4, Decisão: 11.02.2008; (vi) AgRg nos EREsp 510299/TO 2006/0200390-8, Decisão: 07.11.2007; (vii) AgRg nos EREsp 791595/PE 2006/0114704-0, Decisão: 13.12.2006; (viii) AgRg nos EAg 646.532/RJ 2006/0064442-1, Decisão: 07.06.2006; (ix) AgRg nos EREsp 614.831/PI 2005/0095794-7, Decisão: 08.02.2006; (x) AgRg nos EREsp 735.574/PE 2005/0162803-0, Decisão: 14.12.2005; (xi) EREsp 663.196/PR 2005/0060545-2, Decisão: 14.09.2005; (xii) AgRg nos EREsp 507.120/CE 2004/0113481-2, Decisão: 27.04.2005; (xiii) AgRg nos EREsp 613.036/RJ 2004/0152337-9, Decisão: 09.03.2005.

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FeRRaRi Neto, Luiz Antonio. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 341-370. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

nizatória (no caso dos autos, 11 anos). Entendeu-se no caso em questão que o de-curso do tempo não influenciaria a fixação do quantum. Ocorre que, em julgado citado como paradigmático, o entendimento foi no sentido de que o decurso do tempo influenciaria na fixação do quantum, o que foi rechaçado sob o argumento de que os embargos de divergência não serviriam para alterar o valor fixado em inde-nização por danos morais.

No AgRg nos EREsp 735.574/PE, por sua vez, não se admitiu os embargos in-fringentes sob a fundamentação de que a fixação dos danos morais levam em conta a situação fática do caso concreto e que, por isto, não poderia ser apreciado em embargos de divergência. No caso em questão, a Caixa havia sido condenada a pa-gar indenização de R$ 30.121,41 por inscrição indevida em cadastro de inadim-plentes (decisão da 3.ª Turma), havendo decisão da 4.ª Turma reduzindo o valor da indenização para R$ 3.000,00 e R$ 5.200,00.

Noutro caso, o AgRg nos EREsp 791.595/PE o STJ entendeu também que não seria possível o manejo dos embargos de divergência. No caso concreto a Império das Tintas havia sido condenada a quase 100 salários mínimos em razão de um protesto indevido de título cambial. Em razão da peculiaridade do tema – aprecia-ção de fixação do quantum em danos morais e o cabimento ou não de embargos de divergência sobre o tema, esta questão será analisada com maior vagar em tópico próprio abaixo.

5. breve sumÁrio sobre os eNuNciados e seus PrecedeNTes

Como se pode verificar, o STF e, posteriormente, o STJ vieram, no decorrer dos anos, reduzindo as hipóteses de cabimento deste importante recurso que teria como função justamente evitar a chuva de recursos que todos os dias chegam aos Tribunais Superiores. Este recurso, que deve servir para mostrar que a Corte, ape-sar de dividida, tem um pensamento e aplicação deste pensamento de modo unifor-me, tem que ser aplicado da forma mais ampla possível, o que não foi verificado com o transcurso dos anos. Não fosse apenas este o problema, verifica-se, em mui-tos dos enunciados que os julgados citados como precedentes não tratam da maté-ria objeto do enunciado, o que segue na contramão da tendência de se seguir pre-cedentes. Infelizmente, tal constatação não se restringe aos enunciados que tratam dos embargos de divergência.

6. os embarGos de diverGêNcia No códiGo de Processo civil de 2015O Novo Código de Processo Civil, por sua vez, regula a matéria nos seus arts.

1.043 e 1.044, que tratou de ampliar novamente o âmbito de abrangência e aplica-ção dos embargos de divergência, o que é salutar.

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7. hiPóTeses de cabimeNTo

A redação do Novo Código de Processo Civil veio em boa hora.

Isto porque de acordo com o novo texto, cabem embargos de divergência da decisão que divergir do julgamento de: (a) outra Turma; (b) da Seção ou de outra Seção; (c) ou da Corte Especial.

No caso de embargos de divergência no STF, o recurso é cabível quando o julga-mento de uma das Turmas, em recurso extraordinário divergir do julgamento: (a) da outra turma; (b) do plenário do STF.

Perceba que o caput do art. 1.043 e seus incs. I a IV deixam claro que os embar-gos de divergência são cabíveis quando houver divergência entre qualquer órgão do mesmo Tribunal, algo que não ocorre no art. 546 do CPC/1973, pois pode haver divergência entre Seções no STJ ou entre esta e a Corte Especial.

Sobre a possibilidade de embargos de divergência de decisões proferidas entre Seções ou entre esta e Corte Especial, parece-nos que se o objetivo é a uniformiza-ção dos julgados, fazendo com que a jurisprudência do Tribunal passe a caminhar num único sentido, não haveria razão para interpretação em sentido contrário já no direito vigente, como já exposto por Sérgio Seiji Shimura.35

Considerando que pode haver divergência entre entendimentos exarados por turmas pertencentes a seções distintas, por que não entender que seções distin-tas possam ter entendimentos distintos, que devam ser pacificados pela Corte Especial?

É certo que a divisão de competência entre as seções reduz as matérias objeto de conflito, mas basta analisarmos a questão processual que pode ser afeta a mais de uma Seção e até recentemente, nem mesmo a 3.ª Seção ficava isenta dela (a partir de 1.º de janeiro de 2012 a 3.ª Seção tem competência para processar e julgar matéria penal apenas). Isso por si só demonstra a possibilidade de haver divergência entre seções, o que deve ensejar o manejo do recurso em questão.36

35. shiMura, Sérgio Seiji. Embargos de divergência. In: arruda alviM WaMBier, Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 416.

36. Na mesma linha de pensamento: oliveira, Eduardo Ribeiro de. Embargos de divergência. In: Nery Jr., Nelson; arruda alviM WaMBier, Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Ed. RT, 2006. vol. 9, p. 137. Afirma o autor que essa limitação foi “uma opção de conveniência do legislador”. Parece-nos, todavia, que se pode afirmar que o legislador dixit minus quan voluit e, dando-se interpretação extensiva, podermos afirmar que também se enquadra nas hipóteses de cabimento do recurso, a di-vergência surgida entre Seções ou entre Seção e a Corte Especial, no âmbito do STJ. Nota: nas obras a seguir destacadas não se fala da possibilidade de interposição dos embargos de

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7.1 Pode haver o manejo dos embargos de divergência no âmbito do julgamento de recurso ordinário constitucional? Mandado de segurança? Habeas corpus?

O Código de Processo Civil de 1973 admite apenas o manejo dos embargos de divergência quando do julgamento de recurso especial (no âmbito do STJ) e de recurso extraordinário (no âmbito do STF).37 Assim, não seria cabível o manejo dos embargos de divergência no julgamento do recurso ordinário constitucional ou no julgamento de causas de competência originária da Corte.

A pergunta que fica é: Seria realmente essa a mens legis? Não deveria ser possível a interposição de embargos de divergência contra acórdãos nestes casos?

O novo Código de Processo Civil previu a possibilidade de embargos de diver-gência para uniformização de entendimento em casos de competência originária (aí incluídos o mandado de segurança e o habeas corpus).38

A razão de ser para isto é simples: a própria função dos órgãos de cúpula (Tribunais Superiores como um todo) é a de criar parâmetros para a interpretação e aplicação da Lei (em sentido lato).39

Se há a necessidade de interpretação uníssona do Direito, até mesmo para que os demais membros do Judiciário e a sociedade como um todo entendam como pensam as Cortes Superiores, não se pode admitir a impossibilidade de uniformi-zação dessas decisões.

Todavia, não houve previsão expressa de cabimento dos embargos de divergên-cia contra decisão exarada em recurso ordinário constitucional.

divergência contra decisão exarada por Seção: didier Jr.; Fredie; cuNha, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. vol. 3 p. 355; arruda alviM WaMBier, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisó-ria. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 337; PoNtes de MiraNda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 194. Esse, em particular de acordo com as notas do atualizador.

37. Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha (Op. cit., p. 355). A doutrina consultada, de modo geral, afirma não ser possível o manejo dos embargos de divergência em face de decisões de turmas que não sejam em recurso especial ou extraordinário.

38. “Art. 1.043. (...) IV – nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal.”

39. “(...) conquanto a validade e a eficácia das decisões seja, predominantemente, circunscrita às partes, as que são proferidas pelos tribunais de cúpula transcendem o âmbito das partes e, com isto, projetam-se o prestígio e a autoridade da decisão no seguimento da atividade jurídica, de todos quantos lidam com o direito e, mesmo em espectro maior, para a socie-dade toda.” Freire, Rodrigo da Cunha Lima. Reflexões sobre o cabimento dos embargos de divergência em recurso especial. In: assis, Araken et al. (coord.). Direito civil e processo: estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 1211.

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Não obstante, pensamos ser possível a interposição, haja vista a própria amplia-ção dada ao instituto pelo inc. IV do art. 1.043 do NCPC.

Sobre a possibilidade de embargos de divergência em recurso ordinário já se manifestou Oreste Laspro40 (ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973).

Vale também destacar a previsão expressa do § 1.º, de que a tese jurídica pode ser verificada em qualquer julgado, previsão esta que é muito bem-vinda e que in-corpora a utilização de julgado em recurso ordinário como paradigma. Resta ape-nas a interpretação sistemática para se entender como cabível os embargos de di-vergência do julgamento de recurso ordinário.

7.2 Embargos contra decisão exarada em agravo que julga o mérito do recurso excepcional

No âmbito do STF o assunto era polêmico. O STF chegou a editar o enunciado 599, na época em que estava vigente a redação original do Código de Processo Civil de 1973, que, com as alterações legislativas pela qual passou o instituto, tornou-se

40. lasPro, Oreste Nestor de Souza. O objeto dos embargos de divergência. Revista de Processo. vol. 186. p. 9 e ss. São Paulo: Ed. RT, 2010: “Diante desse sistema, criado constitucional-mente, em uma interpretação literal do Código de Processo Civil, se as partes chegam ao Tribunal Superior via recurso especial ou extraordinário, teriam ainda direito – nos limites legais – aos embargos de divergência; já, pela via do recurso ordinário esse direito não existiria. Pior, se a ordem tivesse sido concedida parcialmente e, portanto, na parte que foi denegada, o recurso seria ordinário e, na parte concedida, especial ou extraordinário, quando do julgamento do especial ou extraordinário caberiam embargos de divergência e do restante não”.

“Vamos imaginar duas situações para verificar se a interpretação literal é sustentável. Em um mandado de segurança que envolve estritamente questão de direito federal, podere-mos ter as seguintes situações: (a) A ordem é concedida no Tribunal a quo e o Poder Público interpõe o recurso especial. Ao recurso especial é negado provimento. O Poder Público pode interpor embargos de divergência; (b) A ordem é denegada e a parte interpõe recurso ordinário. O recurso ordinário é provido. Pela interpretação literal, o Poder Públi-co não pode interpor os embargos de divergência. Conclusão: como o Poder Público tra-dicionalmente recorre, quando o mandado de segurança envolve matéria exclusivamente de direito federal é melhor para o impetrante perder no juízo a quo, do que vencer”. (...)

“Assim, parece que a solução mais adequada é a de admitir o recurso de embargos de di-vergência no julgamento de recurso ordinário, agregando um limite: no caso de julgamen-to perante o STF somente para matéria que seria examinável em extraordinário e perante o STJ somente para matéria de recurso especial. A título de exemplo: não se pode preten-der reexame de direito local, mas sim de lei federal”. Em sentido contrário: MariNoNi, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 576.

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inaplicável,41 pois passou a haver maior concentração de poder nas mãos do relator. Assim, se o relator pode julgar o mérito do recurso extraordinário e do recurso es-pecial, deve-se entender cabível o recurso de embargos de divergência de agravo interno (recurso interposto contra a decisão monocrática que julgou o especial ou o extraordinário).

Na época em que editado o enunciado, como visto, o recurso de agravo não servia para julgar o mérito do recurso extraordinário.42 Por conta disso a Súmula 599 do STF foi cancelada, conforme já exposto.

Já no âmbito do STJ a questão também se encontra pacificada, conforme se depreende do teor da Súmula 316,43 que permite o manejo dos embargos de diver-gência quando, a turma, ao julgar o agravo interno, enfrentar o mérito do recurso especial.

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil pensamos que tal entendimento deva continuar sendo aplicado, isto porque o relator poderá julgar monocraticamente o recurso excepcional (art. 932, III e IV).

7.3 Embargos de divergência e o julgamento do agravo contra decisão denegatória

Segundo a doutrina vigente, deve-se entender como possível a interposição dos embargos de divergência quando, superada a questão da denegatória, o tribunal passar a analisar o mérito do recurso extraordinário, tanto no âmbito do STJ quan-to no do STF.

Há, todavia, decisão do Pleno do STF, de 2011, entendendo pelo não cabimento dos embargos de divergência contra decisão exarada em agravo interno tirado con-tra agravo de decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário, afir-

41. Redação original do art. 557. “Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído.

Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso para o órgão a que compe-tiria julgar o agravo”.

42. arruda alviM, José Manoel. Cabimento de embargos de divergência contra acórdão (de mérito) de turma, proferido em agravo regimental, tirado de decisão de relator de recurso extraordinário: imprescindibilidade de uma releitura da Súm. 599 do STF. Revista de Pro-cesso. vol. 144. p. 9 e ss. São Paulo: Ed. RT, 2007.

43. Súmula 316 do STJ: “Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regi-mental, decide recurso especial”. No mesmo sentido: Ferreira Filho, Manoel Caetano. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2001. vol. 7, p. 360.

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mando que esse caso não se encaixaria na exceção de agravo interno que julga o mérito do extraordinário.44

O entendimento pela possibilidade de se embargar da decisão que julga o agravo de decisão denegatória decorre da previsão contida no art. 544, §§ 3.º e 4.º, do CPC.45

Acrescente-se a redação do art. 330 do RISTF, que deveria servir para reduzir a polêmica:

“Art. 330. Cabem embargos de divergência à decisão de Turma que, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergir de julgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal”.

No âmbito do STJ, há a Súmula 315 do STJ que deve ser entendida como veda-ção ao manejo dos embargos de divergência quando o agravo de instrumento não apreciar o mérito do recurso especial.

Esse agravo, via de regra, é julgado pelo relator, que pode negar ou dar provi-mento e, dando provimento, poderá, de acordo com o Regimento Interno do STJ, pedir dia para julgamento (arts. 254 do SISTJ e 316 do RISTF).

Mas seria realmente essa a mens legis? No âmbito do STJ, por exemplo, a Corte aceita como possível os embargos de divergência quando o recurso especial não é admitido. Por que então negar esse recurso quando o agravo não é admitido. A função desse recurso de agravo é apenas fazer com que o recurso especial suba em razão de um “filtro” feito em segunda instância. Se não foi realizado o filtro pelo Tribunal local e o Especial subiu, cabem os embargos de divergência, mesmo no caso de não admissão do especial. No outro caso, em que foi realizado o filtro e, então houve a necessidade do recurso de agravo de decisão denegatória, também deveriam ser cabíveis os embargos de divergência, mesmo no caso de não admissão do agravo.46

44. “Embargos de divergência – Acórdão relativo a agravo de instrumento – Inviabilidade. Agravo regimental interposto contra ato do relator no exame de agravo de instrumento não enseja a interposição de embargos de divergência, a teor do art. 546 do CPC.” (STF, Pleno, AgRg nos EDiv no AgRg no AgIn 306.474-AgR-EDiv-AgRg/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 22.06.2011, v.u.

45. BueNo, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Sarai-va, 2008. vol. 5, p. 315, entende que só seriam cabíveis os embargos de divergência de agravo de instrumento quando este for convertido em recurso extraordinário ou recurso especial, nos moldes do art. 544, §§ 3.º e 4.º.

46. Nesse sentido: JorGe, Flávio Cheim. Op. cit., p. 9 e ss. “(...) Ora, se o acórdão que não admite o recurso especial pode ser impugnado pelos embargos, por que também não cabe-riam embargos de divergência contra a decisão que, em sede de agravo de instrumento,

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Não deveria haver restrição se a matéria fática apreciada é a mesma, indepen-dentemente da admissão ou não do recurso excepcional, ou mesmo do agravo.

O que deve realmente importar é a divergência interna entre julgados, pois isso é fator de instabilidade jurídica, capaz de causar multiplicação desnecessária de recursos e demandas, pois dá ampla possibilidade para que quaisquer das partes recorram de qualquer que seja o resultado da demanda.

Nos termos do Novo Código de Processo Civil, é possível a interposição dos embargos de divergência quando o acórdão paradigma e o recorrido versarem sobre o juízo de admissibilidade. O inc. I trata de juízo de admissibilidade em recurso especial e extraordinário. Nada fala do agravo previsto no art. 1.042 do NCPC. In-dependentemente disto, pensamos que é possível a interposição dos embargos de divergência contra decisões exaradas em agravo contra decisão denegatória de se-guimento de recurso especial ou de recurso extraordinário pelas razões já expostas. Este tema ainda continua sendo importante, como dito alhures, em razão dos dois projetos de lei que visam manter o juízo de admissibilidade dos recursos excepcio-nais nos Tribunais Locais.

7.4 Embargos de divergência quando a divergência ocorrer dentro do mesmo órgão fracionário

Em que pese haver entendimento doutrinário e mesmo jurisprudencial admi-tindo, parece-nos que o caso seria de superação de entendimento pelo órgão fracionário.

Assim, pensamos não ser cabível, quer no âmbito do STJ,47 quer no âmbito do STF. A ideia do recurso é a uniformização da interpretação da Corte e não a obten-ção de unanimidade na interpretação da turma.48

não admite o recurso especial? Uma de duas: ou os tribunais superiores mudam o enten-dimento – pacificado – de que cabem embargos de divergência contra o não conhecimento dos recursos excepcionais; ou, então, há que se evoluir no sentido de também admitirem--se os embargos contra acórdão que, em agravo de instrumento, decidiu a respeito da ad-missibilidade do recurso excepcional”.

47. GraNado, Daniel Willian. São admissíveis embargos de divergência quando o acórdão pa-radigma não provém de recurso especial? – Análise da orientação do STJ. Revista de Proces-so. vol. 186. p. 270 e ss. São Paulo: Ed. RT, 2010.

48. “Agravo regimental nos embargos de divergência no agravo regimental no agravo de ins-trumento. Processual civil. Recurso fundado em paradigma da mesma turma: ausência de diversidade orgânica. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (STF, Pleno, AgRg nos EDiv no AgRg no AgIn 707.478 AgRg-EDiv-AgRg/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 03.08.2011, v.u.) No mesmo sentido: Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de

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Excepcionalmente, porém, o STF já entendeu cabível o manejo contra julga-mento da mesma turma quando tenha ocorrido substancial modificação na compo-sição desta.49

Parece-nos mais acertado o entendimento no sentido do não cabimento dos embargos de divergência nessa hipótese, pois se houve modificação da composi-ção e mudança de entendimento, deve-se passar a adotar o novo entendimento, utilizando-se como justificativa que o direito não deve ser estático, podendo haver evolução na interpretação que os Tribunais fazem dos artigos de leis. Todavia, numa reflexão mais profunda e, levando-se em consideração a ideia de segurança e, principalmente, previsibilidade das decisões judiciais, o sistema deveria possuir mecanismos para evitar a mudança abrupta de posicionamento do Tribunal, mas isso independe da mudança de composição do Tribunal. Não é porque houve mu-dança na composição do Tribunal que seus precedentes não devem ser seguidos. Muito pelo contrário. Os embargos de divergência, todavia, não têm essa função. Perceba que esse tema tem fundamental importância, ainda mais nos dias atuais em que a carga de trabalho dos magistrados de um modo geral e, dos Ministros, em especial, é absurda, o que pode ocasionar falha humana na prolação de uma ou outra decisão (falha essa possível, mas não querida). O que precisaria haver é a utilização de procedimento específico para a hipótese de mudança de posiciona-mento da própria turma.

Não obstante, o Novo Código de Processo Civil previu a possibilidade de mane-jo dos embargos de divergência quando houver mudança da composição de mais da metade do órgão fracionário (art. 1.043, § 3.º). Problema, todavia, surgirá, quando houver julgamento em sentido diverso sem que tenha havido alteração da composição do Tribunal e, nesta hipótese, a parte ficará sem recurso contra tal decisão, voltando a tona a insegurança jurídica tão repudiada por todos nós.

Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 807.

49. STF, Pleno, RE 318.469 EDiv-QO/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 03.10.2002, v.u. “(...) Os embargos de divergência estão sujeitos, dentre os vários pressupostos que lhe condicio-nam a interposição, à observância do requisito da diversidade orgânica. Esse requisito impõe que o padrão de divergência – para ser validamente invocado como expressão do dissídio interpretativo – resulte de acórdão emanado, ou do Plenário ou de outra Turma do STF, pois não se reveste de idoneidade processual, para efeito de demonstração do conflito pretoriano, a indicação de acórdão proferido pela própria Turma de que proveio a decisão contra a qual foram opostos os embargos de divergência (Súmula 353/STF), ressalvada a hipótese excepcional de a Turma haver sofrido substancial modificação em sua composi-ção. (...)”.

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FeRRaRi Neto, Luiz Antonio. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 341-370. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

7.5 E se a decisão for proferida em embargos de declaração tirados contra decisão que julgou recurso especial ou recurso extraordinário?

No entender da doutrina dominante, são cabíveis os embargos de divergência da decisão prolatada em sede de embargos de declaração, quando estes forem opostos contra decisão prolatada em sede de recurso especial ou recurso extraordinário, haja vista que a função desse recurso é simplesmente integrar o julgado anterior. Isto seria possível se os embargos de declaração fossem interpostos contra decisão que já seria passível de embargos de divergência.

No nosso sentir, todavia, o que interessa é haver discrepância de julgados sobre a mesma questão fática. Se houver divergência interna, independentemente da de-manda em que isso ficou constatado (ação originária ou recurso, qualquer que seja) devem ser admitidos os embargos de divergência, ainda que esta seja verificada em julgamento de embargos de declaração.

8. os embarGos de diverGêNcia Nos demais TribuNais

A doutrina nega a possibilidade de manejo de embargos de divergência no âm-bito dos Tribunais locais.50 Na vigência do Código de Processo Civil de 1939, o recurso de revista tinha essa finalidade no âmbito local. Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, cogitou-se sobre a possibilidade de cabimento dos embargos de divergência para todos os Tribunais.51

Apesar disso, anota Eduardo Ribeiro de Oliveira que o entendimento à época foi no sentido contrário, ou seja, de não cabimento desse recurso no âmbito dos tribu-nais locais, porque dependeria de lei que instituísse tais recursos.52

Parece-nos que seja diante do direito vigente (Código de Processo Civil de 1973), seja diante do Novo Código de Processo Civil, não há qualquer possibilidade de cabimento dos embargos de divergência no âmbito de Tribunais de Segundo Grau.

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973 havia o incidente de uniformi-zação de jurisprudência, que teria a função de tornar uníssona a interpretação e aplicação da lei no âmbito do Tribunal respectivo.

50. Nesse sentido, dentre outros: Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 807.

51. “Art. 101. Os Tribunais compor-se-ão de Câmaras ou Turmas, especializadas ou agrupadas em Seções especializadas. A composição e competência das Câmaras ou Turmas serão fixa-das na lei e no Regimento Interno. § 1.º Salvo nos casos de embargos infringentes ou de divergência, do julgamento das Câmaras ou Turmas, participarão apenas três dos seus membros, se maior o número de composição de umas ou outras. (...) § 3.º A cada uma das Seções caberá processar e julgar: a) os embargos infringentes ou de divergência das deci-sões das Turmas da respectiva área de especialização; (...).”

52. oliveira, Eduardo Ribeiro de. Op. cit., p. 136.

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365Direito JurispruDencial

FeRRaRi Neto, Luiz Antonio. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 341-370. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Na vigência do Novo Código de Processo Civil, a uniformização deverá ser exer-cida pelo incidente de resolução de demandas repetitivas.

9. sobre o aresTo ParadiGma

Felizmente o legislador ampliou a interpretação restritiva dos Tribunais Supe-riores53 para permitir que o aresto paradigma possa ser exarado em qualquer ação ou recurso. Na doutrina já encontrávamos vozes neste sentido.54

Esta questão encontra-se agora regulada pelo Novo Código de Processo Civil, que passou a prever a possibilidade de confronto de acórdãos prolatados em recur-sos ou em ações de competência originária (art. 1.043, § 1.º).

10. diverGêNcia

Novamente, o legislador nos brindou com a ampliação da matéria que pode ser objeto de divergência55 (art. 1.043, III, do NCPC). A doutrina afirma, todavia, que não se pode confrontar um acórdão que não analisou o mérito com outro que ana-

53. No âmbito do STJ: STJ, 3.ª Seção. AgRg nos EREsp 793405/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 27.04.2011, v.u.; STJ, 1.ª Seção, AgRg nos EREsp 1187845/ES, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 25.05.2011, v.u.; STJ, Corte Especial, Pet 2398/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12.04.2010. Também, adotando interpretação restritiva: BueNo, Cassio Scarpinella. Curso... cit., p. 310. Sobre esse ponto, vale a pena verificar a profunda pesquisa realizada em artigo publicado na RePro por GraNado, Daniel Willian. Op. cit., p. 270 e ss.

54. Granado destaca que: “A tendência doutrinária, a respeito dessa controvérsia, vai no sen-tido de admitir que todo e qualquer acórdão proferido pelo STJ é apto a servir de acórdão paradigma a ser cotejado com o acórdão embargado, desde que proferido por órgão cole-giado daquele tribunal.

A esse respeito, diz Bernardo Pimentel Souza que ‘ao contrário do aresto recorrido, que só é passível de impugnação por meio de embargos de divergência se foi proferido em julga-mento de recurso especial, de recurso extraordinário, dos respectivos embargos declarató-rios ou de agravo interno em recurso especial e extraordinário, o acórdão paradigma pode ter sido prolatado em julgamento de qualquer recurso, bem como de ação de competência originária do tribunal superior’.

Nesse mesmo sentido, assevera Sérgio Shimura: “O que se exige é que a decisão a ser ata-cada seja tomada pela Turma. Todavia, a outra decisão pode ter sido proferida em sede de outro recurso ou processo, não necessariamente em recurso especial ou extraordinário” (shiMura, Sérgio Seiji. Op. cit., p. 418).

Ainda nessa linha, Barbosa Moreira pontua que “o acórdão invocado como padrão do qual se divergiu não precisa haver sido igualmente proferido no julgamento de recurso espe-cial”. GraNado, Daniel Willian. Op. cit., p. 270 e ss.

55. BarBosa Moreira, José Carlos. Op. cit., p. 643.

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FeRRaRi Neto, Luiz Antonio. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre embargos de divergência e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 341-370. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

lisou o mérito.56 Apesar disso, assim como a professora Teresa Arruda Alvim Wam-bier, não descartamos a possibilidade de o mesmo tema ser enfrentado pela Corte Superior em acórdão que enfrentou o mérito e em acórdão que analisou sua admis-sibilidade. Basta lembrarmo-nos de divergência sobre normas processuais, que também devem ter sua interpretação uniformizada no âmbito dos Tribunais Supe-riores.57

11. diverGêNcia quaNTo à quaNTiFicação dos daNos morais

Vale destacar que este tema, apesar de pacificado pelo STJ, por meio da Súmula 420, no sentido do não cabimento do recurso, é bem problemático, pois a quantifi-cação dos danos morais envolve, na imensa maioria das vezes, senão em todas, o revolvimento de matéria fática, razão pela qual pouquíssimos seriam os casos em que a matéria poderia ser analisada pelo STJ. Apesar disso, esta Corte entende ca-bível o recurso especial para questionar o valor fixado pelas instâncias inferiores a

56. Nesse sentido: shiMura, Sérgio Seiji. Op. cit., p. 419; orioNe Neto, Luiz. Recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 547-548. Ferreira Filho, Manoel Caetano. Op. cit., p. 360; BueNo, Cassio Scarpinella. Curso... cit., p. 312, este último citando julgados afirmando que não é possível utilizar aresto que não conheceu do recurso extraordinário ou recurso espe-cial para demonstrar a divergência com outro que teve seu mérito julgado ou vice-versa.

57. Em sentido contrário: arruda alviM WaMBier, Teresa. Op. cit., p. 338. São suas as palavras: “(...) Assim, rigorosamente, dever-se-ia encaminhar a jurisprudência para admitir embar-gos de divergência quando em uma decisão se tratasse da inexistência de ilegalidade ou da inconstitucionalidade e, noutra, da inexistência, ainda que fosse aquela proferida quando do exercício do juízo de inadmissibilidade e esta, quando do exercício de juízo de mérito”. Ainda corroborando com o posicionamento adotado: JorGe, Flávio Cheim. Op. cit., p. 9 e ss.: “Pensemos num exemplo: o acórdão recorrido não conhece do recurso especial porque faltou assinatura do advogado. Já no acórdão paradigma, o recurso especial foi conhecido – porque se permitiu fosse corrigida a irregularidade relativa a falta de assinatura – e teve, com isso, o seu mérito apreciado”.

“Fica patente, no caso, a necessidade de se admitir os embargos de divergência. Aliás, curiosamente, foi justamente a circunstância de ter um dos acórdãos adentrado no mérito do recurso, e o outro não, o que gera o dissenso quanto a essa importante questão da pos-sibilidade ou não de correção da falta de assinatura no recurso especial”.

“O grau de cognição na análise do recurso especial não pode ser, sob essa ótica, fator de inadmissibilidade, já que o juízo de admissibilidade não se confunde com o juízo de méri-to. Aliás, se a divergência encontra-se exclusivamente quanto a um dos requisitos de ad-missibilidade, não há que se cogitar de interferência do grau de cognição exercido no re-curso especial”.

“Obviamente, o raciocínio seria diferente caso se pretendesse cotejar acórdãos relativos ao juízo de admissibilidade e ao juízo de mérito do recurso. Em tal hipótese o dissenso não se instauraria, não pelo diferente grau de cognição, mas por falta de similitude”.

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título de danos morais. Pensamos que o recurso especial sequer poderia ser cabível. No máximo poderia ser admitido em casos extremos, que ferissem, por exemplo, princípios como o da proporcionalidade da condenação. Assim, não seria possível sequer a interposição de recurso especial.

Se não deveria admitir-se o recurso especial, também não deveriam ser admiti-dos os embargos de divergência.

Todavia, se o STJ admite o recurso especial, não há razão para se negar acesso aos embargos de divergência.

A partir do momento em que se entende cabível o recurso especial para a análi-se do caso, também passam a ser cabíveis os embargos de divergência, caso haja julgados com parâmetros distintos proferidos entre turmas.

Além disso, ainda envolvendo o aspecto da quantificação dos danos morais e a admissibilidade ou não dos embargos de divergência, deve-se levar em questão uma amenização quanto ao requisito da similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma. Poderia ser utilizado como paradigma um recurso na qual uma pes-soa foi condenada a pagar R$ 100 salários mínimos a título de danos morais pela inscrição indevida da outra parte junto ao Serasa num caso em que a outra parte foi condenada a pagar R$ 10.000,00?58 Outro caso: fixação de danos morais em R$ 100.000,00 pela perda de um dedo e outro caso em que se fixou R$ 5.000,00 de indenização a uma mãe que perdeu um filho? É certo que são casos distintos, mas é possível verificar um descompasso entre os valores fixados e a dimensão dos da-nos? A dor da mãe é menor do que a da pessoa que perdeu um dedo a ponto de a indenização a ela ser de 5% do valor fixado para a pessoa que perdeu o dedo? Por este motivo a professora Teresa Arruda Alvim Wambier destaca cabíveis os embar-gos de divergência nessa hipótese.59 Ocorre que o problema não é de todo simples, pois na fixação dos danos morais a doutrina destaca que se deve levar em conta o poder aquisitivo do autor do delito, da vítima do delito, o grau de culpabilidade, o caráter lenitivo, punitivo e também o educativo. Isso talvez dificulte a comparação entre os casos para fins de cabimento dos embargos de divergência, mas no exem-plo acima dado, a divergência de valores é tão gritante que é possível afirmar equí-voco numa das decisões, sem sombra de dúvidas.

Havendo essa pacificação, evitam-se demandas sobre o tema e recursos desne-cessários, pois caso contrário, quem foi condenado irá recorrer, assim como aquele que teve seu pleito negado noutro caso, também irá recorrer. Sempre haverá dúvida sobre o resultado final da demanda, não pelas provas produzidas ou pelos percalços

58. Isso foi verificado no AgRg nos EREsp. 651.894/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha.

59. Exemplo dado pela professora em 08.11.2011 no Largo São Francisco, durante o Seminá-rio em homenagem ao prof. Cândido Rangel Dinamarco.

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procedimentais da demanda, mas porque há divergência de interpretação da lei dentro das mais altas Cortes, que têm a função justamente de extirpar divergências na aplicação da lei federal.

Em suma, ou o STJ não admite o recurso especial para apreciação do quantum fixado a título de danos morais ou, ao se admitir, também deverá admitir os embar-gos de divergência, pois em ambos os casos, haverá análise de questões preponde-rantemente fáticas.

12. coNclusão

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil muitas das discus-sões decorrentes da divergência de entendimento entre a doutrina e o entendimen-to do STJ/STF tenderão a se pacificar. O Novo Código de Processo Civil acabou por demonstrar a real finalidade dos embargos de divergência, o que é salutar. Não obstante, ele acabou por não prever, expressamente, a possibilidade de interposição do recurso contra decisões exaradas em sede de recurso ordinário constitucional. Isto, todavia, não impedirá o manejo do recurso nestas hipóteses, uma vez que é possível extrair do texto normativo a possibilidade de manejo para esta hipótese, valendo-se da interpretação sistemática.

O que é interessante, no caso em questão, é o Novo Código de Processo Civil dar maior prevalência à interpretação dos Tribunais, mas, antes disto, desdiz prati-camente tudo o que os Tribunais estabeleceram como correta interpretação e apli-cação para o recurso em questão. Assim, apesar de entender corretas as disposições do Novo Código de Processo Civil sobre este tema, há um paradoxo entre o que o Novo Código de Processo Civil pretende pregar e o que ele faz com o entendimen-to consolidado dos Tribunais Superiores.

13. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Dos recursos no Projeto de Novo Código de Processo Civil, de Luís Antônio Giampaulo Sarro

– RDB 66/191-220 (DTR\2015\380);

• Embargos de divergência e identidade entre as hipóteses confrontadas. Cabimento de EDIv no juízo de admissibilidade recursal, de Nelson Nery Jr. – Soluções Práticas de Direito, Nelson Nery Junior 10/581-612 (DTR\2014\17500); e

• Os embargos de divergência à luz da duração razoável do processo, de Yuri Guerzet Teixeira – RePro 217/319-338 (DTR\2013\1842).

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FeNsteRseiFeR, Wagner Arnold. Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 371-385. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

371

disTinguishing e overruling na aPlicação do arT. 489, § 1.º, vi, do cPc/2015

Distinguishing anD overruling when applying art. 489, § 1.º, section vi, of the 2015 cpc

Wagner arnold fensTerseifer

Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro do Grupo de Pesquisa CNPq – Processo Civil Norte-Americano e

Brasileiro – coordenado pelo Prof. Dr. Sérgio Luís Wetzel de Mattos. Membro do Grupo de Estudos – Processo Civil e Estado Constitucional – coordenado pelo Prof. Dr. Daniel Francisco Mitidiero.

[email protected]

Recebido em: 25.09.2015 Aprovado em: 27.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: O presente estudo centra-se na inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 com o objetivo de que a fundamentação das decisões judiciais deva necessariamente levar em conta a jurisprudência, os precedentes e enunciados de súmula invocados pelas partes. Ao analisar o inc. VI do § 1.º do art. 489 do CPC/2015 percebe-se a conveniência de um estudo detalhado acerca de duas técnicas que dão dinamismo aos preceden-tes: o distinguishing e o overruling. O artigo almeja demonstrar que a exigência de fundamentação das decisões levando em conta os precedentes, bem como as técnicas de aplicação e confrontamento destes apresenta-se como fundamental para a coe-rência sistêmica de um ordenamento jurídico que já há muito tempo deixou de utilizar a mera subsun-ção da lei para o caso concreto. Assim, objetiva-se demonstrar a contribuição trazida pela utilização de tais técnicas para o aumento da segurança jurídica e da previsibilidade das decisões, sem prejuízo da evolução jurisprudencial e do dinamismo do direito.

Palavras-chave: Precedentes – Distinguishing – Overruling – Fundamentação CPC/2015 – art. 489.

absTracT: This study focuses on the innovation brought by the Civil Procedure Code of 2015 in order that the reasoning of judicial decisions must necessarily take into account the case law, precedents and statements of precedent relied upon by the parties. By analyzing section VI of § 1 of Article 489 of the CPC/15 we see the need for a detailed study on two techniques that give dynamism to the precedents: the distinguishing and overruling. The paper aims to demonstrate that the requirement to give reasons for decisions in light of the precedents, as well as application techniques and confrontation of these presents as essential to a coherent system of law that have long since stopped using the mere subsumption of the law to the case. Thus, the objective is to demonstrate the contribution brought by the use of such techniques for increasing legal certainty and predictability of decisions, without detriment to the case law developments and the dynamism of law.

KeyWords: Precedents – Distinguishing – Overruling – Reasoning – CPC/2015 – Art. 489.

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FeNsteRseiFeR, Wagner Arnold. Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 371-385. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

sumáRio: 1. Introdução – 2. As técnicas do distinguishing e overruling: 2.1 Distinguishing; 2.2 Overruling – 3. A fundamentação da decisão judicial em um sistema de precedentes – 4. Conclu-sões – 5. Referências bibliográficas.

1. iNTrodução

O art. 489 da Lei 13.105/2015 (CPC/2015) trata dos elementos essenciais da sentença, elencando – tal qual fazia o Código de Processo Civil anterior – em cada um de seus três incisos, os seguintes elementos: I – relatório, II – fundamentos e III – dispositivo. Até aqui, nada de inovador, haja vista que o art. 458 do CPC/1973 previa exatamente os mesmos elementos essenciais da sentença. A partir do § 1.º do art. 489 do CPC/2015, todavia, já se pode falar efetivamente em inovação, por-quanto o legislador optou por detalhar e especificar como deve ser fundamentada a decisão judicial, sob pena de ser considerada nula.

Nesse sentido, o § 1.º do art. 489 do CPC/2015 estipula que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acór-dão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; e VI – deixar de seguir enuncia-do de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

No que diz respeito ao objetivo do presente artigo, é de suma importância a previsão contida no último inciso do referido parágrafo, pois é nela que se encontra a normatização da aplicação das técnicas do distinguishing e do overruling. Tal pre-visão normativa, sem sombra de dúvidas, reflete uma preocupação doutrinária com a necessidade de se aumentar a exigência de fundamentação analítica das decisões judiciais, podendo-se afirmar que o referido dispositivo é norma expletiva em rela-ção ao art. 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil. De igual modo, a exigência de fundamentação das decisões levando-se em conta os prece-dentes representa a positivação da pretensão de correção das decisões anteriormen-te proferidas1 e o reconhecimento do ônus argumentativo para a superação de um

1. Tal conceito será desenvolvido posteriormente; todavia, por ora, basta saber que a preten-são de correção das decisões anteriormente proferidas é um dos fundamentos de um siste-

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FeNsteRseiFeR, Wagner Arnold. Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 371-385. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

entendimento anterior.2 Em outras palavras, a exigência de racionalidade nas deci-sões, bem como o respeito ao stare decisis horizontal e vertical, como consequência lógica do Estado Constitucional, agora está positivada no Código de Processo Civil, de modo que se espera uma modificação de paradigma na relação entre juiz e juris-dicionados, bem como na relação destes com o próprio processo civil. Tais relações serão exploradas posteriormente, no desenvolvimento desse artigo.

O respeito ao precedente se dá no âmbito da ordem institucional, estando estru-turado para promover a unidade do direito e visando sempre à realização da segu-rança jurídica, da igualdade e da coerência normativa.3 Precedentes são decisões anteriores que funcionam como modelos para decisões posteriores,4 entretanto, sua aplicação não pode, sob hipótese alguma, deixar de apresentar fundamentação ra-cional e analítica, a qual permite o controle intersubjetivo da decisão proferida.

Há que se enfrentar, todavia, uma das principais objeções feitas por parte da doutrina no que diz respeito à possibilidade de se instaurar um sistema de prece-dentes no Brasil: a solução do problema da incerteza do direito e da insegurança jurídica por meio da adoção do sistema de precedentes poderia levar a um engessa-mento da atividade jurisdicional, uma vez que haveria menor possibilidade de evo-lução e modificação dos entendimentos e interpretações, em face da obrigatória vinculação ao precedente.5 Igualmente, existe temor de que a má aplicação da teo-ria dos precedentes venha a sustentar práticas mecanicistas e meramente estatísti-

ma de precedentes, porquanto parte do princípio de que os casos futuros devem ser deci-didos conforme os casos precedentes simplesmente porque aquela decisão é correta e uni-versalizável. Sob tal perspectiva, o ônus argumentativo da decisão que deixa de seguir o precedente sempre será maior do que aquele que recai sobre a decisão que repete um pre-cedente.

2. zaNeti Jr., Hermes. Precedentes (treat like cases alike) e o novo Código de Processo Civil. Universalização e vinculação horizontal como critérios de racionalidade e a negação da jurisprudência persuasiva como base para uma teoria e dogmática dos precedentes no Brasil. Revista de Processo. vol. 235. p. 293. São Paulo: Ed. RT, 2014.

3. Mitidiero, D. F. Fundamentação e precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. vol. 206. p. 61-78. São Paulo: Ed. RT, 2012.

4. MaccorMick, D. Neil; suMMers, Robert S. Interpreting precedents: a comparative study. Dart-mouth: Ashgate, 1997. p. 2.

5. A exemplo do que ocorreu na Inglaterra até 1966, onde o sistema de precedentes era tão rígido que a House of Lords não podia sequer modificar seus próprios precedentes, na versão mais rígida que se conhece até hoje do stare decisis. A supervalorização da seguran-ça jurídica e da estabilidade do direito levou até mesmo a casos extremos em que, por ode à igualdade, replicou-se erro cometido pelo tribunal julgando um caso, para todos os casos subsequentes, por aplicação acrítica do precedente formado. Veja-se, por todos: cruz e tucci, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Ed. RT, 2004.

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cas nos tribunais pátrios, que se afastariam cada vez mais da boa análise de cada caso e dos fundamentos jurídicos a ele aplicáveis.6

Pretende-se, neste artigo, responder de forma detalhada a essa objeção, por se entender que as técnicas do distinguishing e do overruling cumprem exatamente o papel de dar dinamicidade ao sistema jurídico que adota a teoria dos precedentes, permitindo que os aplicadores do direito superem entendimentos e realizem distin-ções entre os casos em julgamento e àqueles anteriormente julgados. A adoção de tais técnicas permite que a evolução da sociedade possa ser acompanhada tempes-tivamente pela prestação jurisdicional. Todavia, também é preciso enfrentar o pro-blema dos critérios normativos que permitem que se afaste a aplicação de um pre-cedente, bem como as exigências de fundamentação da decisão que contraria um precedente, haja vista a existência de presunção de correção em favor deste.

O próximo tópico, portanto, tratará do conceito das supramencionadas técnicas e apresentará alguns exemplos de sua aplicação e funcionamento, para que se pos-sa, no capítulo final, tecer alguns juízos críticos sobre a sua introdução e aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, sobremaneira no que diz respeito à fundamen-tação da decisão judicial.

2. as TécNicas do Distinguishing e overruling

Antes de iniciar o estudo detalhado das técnicas de distinção e superação de precedentes é preciso tecer breves comentários a respeito da forma como se apli-cam precedentes para resolução de casos, e como deve ser feita a fundamentação da decisão com base em precedentes, observando-se as exigências postas pelo § 1.º do art. 489 do CPC/2015.

De forma bastante didática – e talvez demasiadamente simplificada – afirma-se que decidir com base em precedentes consiste em aplicar uma decisão proferida anteriormente, ou as razões fundamentais daquela decisão, para decidir um caso futuro, em face das semelhanças entre os casos. Em uma frase: decidir com prece-dentes é tratar de forma igual casos que podem ser considerados iguais, ou, treat like cases alike. A teoria dos precedentes traduz essencialmente a ideia de que o julgador está obrigado a proferir a mesma decisão que foi tomada em uma ocasião anterior, quando se decidiu um caso semelhante.7

6. schMitz, L. Z. Compreendendo os “precedentes no Brasil” – Fundamentação de decisões com base em outras decisões. Revista de Processo. vol. 226. p. 349-384. São Paulo: Ed. RT, 2013.

7. schauer, F. Precedent. Stanford Law Review. n. 39. p. 571-605. Stanford: Stanford Universi-ty, 1987.

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Nesse contexto, é possível depreender que “o que efetivamente vincula num precedente é a ratio decidendi. Diz-se que a ratio é uma proposição de direito neces-sária para a decisão”.8 Ainda em relação às razões de decidir, também sinaliza-se que a ratio decidendi não consiste apenas em uma razão de direito fundamental para a decisão do caso, mas também integram a ratio decidendi os elementos fáticos con-siderados pelo julgador na formação da decisão.9

A fórmula para decidir com base em precedentes poderia ser explicada do se-guinte modo: (i) o julgador examina o caso, considerando os fatos e sua qualifica-ção jurídica bem como o direito pleiteado pelas partes; (ii) o julgador verifica a existência de semelhanças relevantes entre o caso que deve ser decidido e os prece-dentes existentes sobre o tema, tanto aqueles invocados pelas partes quanto os que já são de seu conhecimento; (iii) o julgador extrai a ratio decidendi do precedente e, posteriormente, (iv) decide se aplica ou não aplica o precedente, sempre de for-ma detalhadamente fundamentada. E é exatamente no quarto passo da decisão que se verifica a possibilidade de utilização das técnicas de distinção (distinguishing) ou de superação (overruling) do precedente.

2.1 Distinguishing

Como se viu, a técnica de distinção entre o precedente e o caso que está sendo jul-gado ocorre na etapa derradeira do processo decisório com base em precedentes, haja vista que somente poderá ser aplicada após ter sido devidamente verificada a possi-bilidade de aplicação do precedente ao caso, e após ter sido extraída do precedente a ratio decidendi. Portanto, a técnica do distinguishing é utilizada para fundamentar a decisão de aplicar ou não o precedente para solucionar o caso em julgamento.

Tendo a compreensão do momento em que se aplica a técnica do distinguishing, é preciso compreender no que, de fato, consiste realizar a distinção entre o caso em julgamento e o precedente.

Aplicar a distinguishing é o oposto de raciocinar por analogia. Quando se distingue um caso de outro, o argumento utilizado aponta que os fatos do caso precedente são, em alguma medida, diferentes dos fatos do caso em julgamento, de tal modo que as razões fundamentais do precedente não deverão ser aplicadas ao caso em julgamento, realizando-se uma exceção que permite que o julgador se fur-te da aplicação do precedente.10 Em suma, verifica-se que o precedente seria aplicá-

8. arruda alviM WaMBier, Teresa. Interpretação da lei e de precedentes: civil law e common law. Revista dos Tribunais. ano. 99. vol. 893. p. 33-45. São Paulo: Ed. RT, 2010.

9. Idem, ibidem.

10. FruehWald, Edwin S. Legal Argument and Small-Scale Organization. Hofstra University: Legal Studies Research. Paper n. 7-11.

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vel para solucionar o caso; todavia, a existência de alguma peculiaridade existente no caso em julgamento que não existia no caso-precedente autoriza que o julgador excepcione a aplicação do precedente, que permanecerá válido, mas terá seu senti-do reduzido para se adaptar ao caso concreto.11

Pode-se vislumbrar tal conceituação mais facilmente por meio do seguinte exemplo:12 existe no ordenamento jurídico a regra de que a parte pode ser obrigada a adimplir contratos não cumpridos, sendo que tal regra é extraída de um prece-dente. Em situação futura, o caso em julgamento trata de um negócio jurídico que foi celebrado pelas partes, mas não foi devidamente cumprido por elas. Em princí-pio, dever-se-ia obrigar a parte a adimplir o contrato, por aplicação da regra cons-tante do precedente. Todavia, verifica-se que o negócio em análise possui como parte contratante um menor de idade. Assim, tendo em vista essa peculiaridade no caso a ser julgado, é possível que se realize a distinção em relação ao caso preceden-te, que permanecerá válido para todas as situações futuras, salvo se houver a pre-sença de menores de idade nos contratos. Reduziu-se o sentido da regra constante do precedente, que agora passa a comportar uma exceção: a parte pode ser obrigada a adimplir contratos não cumpridos, salvo se uma das partes for incapaz.

Evidentemente, na prática cotidiana de interpretação e aplicação do direito, as complexidades que envolvem os casos em julgamento tornam a tarefa muito mais árdua do que no exemplo acima, o qual possui fins meramente didáticos. Grande parte da dificuldade de se realizar a aplicação e a distinção de precedentes situa-se no âmbito da comparação entre os casos e na definição do que deve ser considerado necessário ou contingente na verificação da semelhança entre os casos.13

Em outras palavras, uma situação fática somente pode ser considerada seme-lhante à outra com base em algum critério, e esse critério precisa estar claro e defi-nido, permitindo a racionalidade e o controle do processo decisório. Ao se analisar dois casos, será possível verificar a existência de semelhanças e diferenças, pois dificilmente ambos serão exatamente iguais. É preciso compreender o que integra o núcleo do precedente e o que é irrelevante para a tese jurídica ali empregada.

Imagine-se, por exemplo, um caso envolvendo defeitos em um veículo da fabri-cante Ford no qual se decidiu que esta deverá responder pelos danos causados pe-

11. didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. vol. 2, p. 402-403.

12. O exemplo é de autoria de Melvin A. Eisenberg e foi citado pela professora Teresa Arruda Alvim Wambier (arruda alviM WaMBier, Teresa. Estabilidade e adaptabilidade como obje-tivos do direito: civil law e common law. Doutrinas essenciais de processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. 9).

13. Tal preocupação é compartilhada por: schauer, Fredrick. Thinking like a lawyer: a new in-troduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009.

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los defeitos do produto. Parece razoável que em outro caso envolvendo danos cau-sados por um veículo fabricado pela Toyota o precedente da Ford seja invocado. Note-se: em que pese exista diferença entre os casos analisados, a ratio decidendi que se extrai do precedente pode ser aplicada ao caso futuro, pois a peculiaridade fática – o precedente trata de veículo da Ford e o caso em julgamento de veículo da Toyota – é irrelevante para a tese jurídica aplicada, não permitindo que se afaste o precedente.

Algo diferente ocorre em uma situação envolvendo danos causados por defeitos em um veículo fabricado pela Ford na qual se verifica que os defeitos são decorren-tes de manutenção realizada em contrariedade às orientações constantes do manual do veículo. Nesse caso não será possível a aplicação do precedente, muito embora em uma análise apressada, fosse possível afirmar que o precedente poderia ser apli-cado ao caso, tendo em vista que envolvia danos causados por defeitos em veículo, a presença do fato peculiar de que os danos ocorreram tão somente por conta da atuação da vítima – que realizou a manutenção de forma equivocada – permite que se excepcione o precedente.

O direito classifica os fatos e objetos do mundo à sua própria maneira, pois pos-sui seus valores e objetivos característicos.14 E é exatamente por esse motivo que a ratio decidendi não pode ser considerada tão somente por suas razões de direito, mas necessariamente precisa levar em consideração os fatos do caso e a forma como eles foram classificados pelo direito.15 Importa muito mais a verificação do critério utili-zado para classificar os fatos sob o ponto de vista do direito do que propriamente a semelhança dos fatos nos casos que estão sendo comparados. Uma situação fática somente pode ser considerada semelhante a outra com base em algum critério.

Em síntese, a técnica do distinguishing é aquela que permite que a regra estabelecida pelo precedente sobreviva, embora seu sentido se torne menos abrangente.16 O julgador faz referência ao precedente, afirmando que ele seria ple-namente aplicável ao caso que está sendo julgado; contudo, em virtude de uma peculiaridade que existe no caso julgado e que não existia no caso precedente, a regra deve ser reformulada para se adaptar à circunstância.17 Em outras palavras, “se existirem particularidades fático-jurídicas não presentes – e, por isso, não con-sideradas – no precedente, então é caso de distinguir o caso do precedente, recu-sando-lhe aplicação”.18

14. Idem, p. 47.

15. cruz e tucci, José Rogério. Op. cit., p. 171.

16. arruda alviM WaMBier, Teresa. Estabilidade e adaptabilidade... cit., p. 10.

17. Idem, p. 11.

18. Mitidiero, D. F. Fundamentação e precedente... cit. p. 61-78.

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Não é possível ignorar as dificuldades na realização do cotejo entre o caso em julgamento e o caso precedente, tampouco o problema da verificação da ratio deci-dendi que será utilizada para solução do caso, motivo pelo qual as decisões preci-sam sempre ser fundamentadas de forma precisa e analítica, permitindo o controle das decisões do julgador pelas partes envolvidas na lide, bem como o exercício das garantias processuais do contraditório e da ampla defesa.

A técnica aqui apresentada afigura-se como essencial para que um sistema judi-cial que aplica precedentes não seja demasiadamente rígido e, por consequência, produza um número inaceitável de injustiças. Entretanto, conforme visto, as exigências de fundamentação e demonstração analítica do raciocínio jurídico empregado no julgamento são indispensáveis para que se possa controlar ao máximo a discricionariedade do julgador.

2.2 Overruling

Diferentemente do que alegam as objeções realizadas pelos críticos do sistema de precedentes, no sentido de que o mesmo leva ao engessamento do ordenamento jurídico, a perspectiva moderna da teoria dos precedentes não admite que existam decisões que não possam ser superadas ou modificadas. A tradição inglesa por mui-to tempo defendeu que os precedentes da House of Lords não poderiam ser modificados, por respeito aos valores da certeza, estabilidade e previsibilidade.19

Todavia, até mesmo na Inglaterra, atualmente – após a edição do practice state-ment da House of Lords em 1966 – a Corte Suprema pode superar e modificar seus próprios precedentes, ainda que recaia sobre tal atividade um ônus argumentativo considerável, em virtude da presunção de correção em favor do precedente. Esse assunto, no entanto, poderá ser aprofundado em uma futura pesquisa, haja vista que a sua análise detalhada no presente trabalho desbordaria o objetivo aqui pro-posto. O que importa destacar, por ora, é o seguinte: na moderna teoria dos prece-dentes existe uma flexibilização do stare decisis, sobretudo no que diz respeito à sua perspectiva horizontal, tendo em vista que uma Corte pode superar e modificar seus próprios precedentes.

É preciso, agora, verificar quais são as situações que autorizam a Corte a superar seu entendimento anterior, uma vez que não se pode admitir que essa superação de entendimento ocorra ao alvedrio dos julgadores, sob pena de mitigação total da estabilidade do sistema e da confiança gerada por ele, valores tão caros ao Estado democrático constitucional.

A técnica do overruling é um instrumento que permite uma resposta judicial ao desgaste da dupla coerência do precedente. Essa dupla coerência consiste em: (i)

19. cruz e tucci, José Rogério. Op. cit. p. 160.

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congruência social e (ii) consistência sistêmica. Assim, quando o precedente care-cer de dupla coerência, ele estará violando os princípios básicos que sustentam a regra do stare decisis – a segurança jurídica e a igualdade – deixando de autorizar a sua replicabilidade. Nesse cenário, o precedente deverá ser superado. Ao teste de dupla coerência dá-se o nome de norma básica para superação de precedente (basic overruling principle).20

A seguir, serão expostos dois exemplos, a fim de demonstrar a aplicação dos conceitos acima delineados, bem como realizar o teste da norma básica para supe-ração de precedente. No primeiro, uma situação em que o precedente carece de congruência social; no segundo, há ausência de consistência sistêmica.

Imagine-se a seguinte situação:21 um pai de dois filhos, que possuem dois anos de diferença de idade entre si, determina que os seus filhos, ao atingirem a maiori-dade, poderão utilizar o veículo da família para passear com seus amigos. O filho mais velho, ao atingir os 18 anos e obter sua carteira de habilitação, solicita ao pai a utilização do veículo para sair com sua namorada. O jovem dirige após ter inge-rido considerável quantia de álcool, ocasionando um acidente de trânsito que por muito pouco não tirou a sua vida. Cerca de dois anos depois, quando o filho mais novo atingiu a maioridade, tendo em vista o precedente aberto pelo pai para o seu irmão, solicita o veículo da família para realizar uma viagem com seus amigos. En-tretanto, seu pai, em face da experiência negativa no passado, nega o empréstimo do veículo, contrariando sua determinação anterior. Pode-se afirmar, nesse caso, que o pai realizou um overruling em face da experiência recalcitrante gerada pela decisão anterior. Ele realizou o teste de dupla coerência e verificou que não havia mais congruência social capaz de sustentar a aplicação do precedente, haja vista que a experiência anterior demonstrou que seus filhos não possuíam maturidade suficiente para dirigir o veículo da família sem supervisão. Em suma, o pai perce-beu que sua decisão anterior foi equivocada, e com base nas experiências negativas geradas por ela resolveu superar aquele entendimento.

Exemplo bastante elucidativo de overruling por ausência de consistência sistê-mica foi promovido pela 1.ª Turma do STF. A Corte possuía entendimento no sen-tido de admitir a utilização de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário constitucional (ROC),22 o que era amplamente utilizado por advogados, tendo em

20. Mitidiero, D. F. Fundamentação e precedente... cit. p. 61-78.

21. O exemplo, aqui adaptado, foi utilizado pelo Prof. Dr. Hermes Zaneti Jr. em aula aberta proferida no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS em 09.05.2015.

22. Não existe um precedente específico sobre o tema, mas a prática da Corte indicava para a aceitação pacífica da utilização de um instrumento em substituição ao outro, conforme se pode verificar na própria fundamentação da decisão que superou esse entendimento.

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vista que a tramitação de habeas corpus possui trâmite prioritário. Todavia, esse precedente do STF ocasionou abarrotamento de habeas corpus nos gabinetes do Supremo, de tal sorte que não mais havia possibilidade de dar a eles a necessária tramitação célere. Mais do que isso, os “verdadeiros” habeas corpus restaram pre-judicados pela utilização maciça dos “habeas substitutivos de ROC”, o que revelou um prejuízo sistêmico maior do que o benefício trazido pelo precedente. Deste modo, o Min. Marco Aurélio, no julgamento do HC 109956, sustentou que o pre-cedente deveria ser superado, tendo em vista que não resistia ao teste de dupla coerência, ao esbarrar no requisito de consistência sistêmica.23

Os exemplos acima citados demonstram situações em que a superação do pre-cedente poderá ocorrer, tendo-se sempre em conta que a aplicação da técnica do overruling é exceção, pois a regra é que os precedentes sejam respeitados e aplica-dos sempre que os casos a serem julgados possuam semelhanças que permitam o seu emprego na decisão do caso.

Portanto, afirma-se a existência de presunção de correção em favor do preceden-te, a qual somente poderá ser superada naqueles casos em que a regra do preceden-te seja óbvia e seriamente injustificável.24 Em outras palavras, um precedente so-mente poderá ser considerado superável quando os resultados produzidos por sua aplicação aos casos futuros sejam evidentemente piores do que a sua superação. A superação de precedentes deve ser considerada, nesse sentido, como um mal neces-sário – ainda que seja prejudicial ao sistema a superação de um precedente, em razão da quebra da confiança no precedente, por exemplo –, a manutenção de um precedente que produz maus resultados traz ainda mais prejuízos ao sistema, justi-ficando-se a sua expurgação.

Dessa forma, conforme se demonstrou, a adoção de um sistema de precedentes não conduz de forma imediata a um engessamento das decisões. A técnica do over-ruling significa justamente a possibilidade de superação do precedente que não se encontra mais em relação de coerência com o ordenamento. Contudo, a fundamen-

23. Conforme consta do voto do Min. Marco Aurélio, no HC 109956, “com isso, atualmente, tanto o Supremo quanto o STJ estão às voltas com um grande número de habeas corpus – este Tribunal recebeu, no primeiro semestre de 2012, 2.181 habeas e 108 recursos ordiná-rios e aquele, 16.372 habeas e 1.475 recursos ordinários”. E ainda, “o habeas corpus subs-titutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inc. LXVIII do art. 5.º do Diploma Maior, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos arts. 102, II, a, e 105, II, a, tem-se a previsão do recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Su-premo, contra decisão proferida por Tribunal Superior indeferindo ordem, e para o STJ contra ato de Tribunal Regional Federal e de Tribunal de Justiça”.

24. alexaNder, Larry; sherWiN, Emily L. Precedent. University of San Diego: Legal Studies Re-search Paper n. 5-14.

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tação da decisão que supera um precedente deverá ser sempre mais detalhada e pormenorizada do que a decisão que aplica o precedente. Isso porque o ônus argu-mentativo da decisão que alega a superação do entendimento constante do paradig-ma precisa demonstrar de forma racional e convincente que, de fato, o precedente que seria aplicável ao caso não deve mais permanecer vigendo no sistema.

3. a FuNdameNTação da decisão Judicial em um sisTema de PrecedeNTes

“Existindo um Poder Judiciário, deve haver meios de controle sobre a raciona-lidade de suas decisões de forma a garantir a uniformidade e a continuidade do direito para todos os casos análogos futuros.”25

Tendo analisado as definições e a forma de aplicação das técnicas de distinção (distinguishing) e superação (overruling) de precedentes, podendo-se afirmar que tais técnicas abrem possibilidades de dinamização do sistema e de flexibilização do stare decisis, é preciso verificar quais são os requisitos no que diz respeito à funda-mentação da decisão que aplica um precedente, realiza distinção ou supera um precedente. Não se pode perder de vista o objeto do presente ensaio: o § 1.º do art. 489 do CPC/2015, o qual trata das exigências de fundamentação das decisões judi-ciais. Nesse contexto, passa-se a analisar a fundamentação da decisão judicial em um sistema de precedentes.

Conforme adiantou a epígrafe do presente capítulo, a fundamentação das deci-sões judiciais é, antes de tudo, a principal forma de controle sobre a racionalidade da atuação judicial, uma vez que somente será possível o pleno exercício das garan-tias do contraditório e da ampla defesa por parte dos jurisdicionados, se o julgador explicitar de forma analiticamente fundamentada suas decisões acerca da interpre-tação e aplicação do direito – lei ou precedente – ao caso concreto.

Nesse contexto, não se pode perder de vista o impacto do constitucionalismo, juntamente com a evolução da teoria da interpretação e do desenvolvimento da argumentação jurídica26 que ensejaram modificações nas funções das Cortes, as quais não mais podem ser consideradas como declaradoras do exato sentido da lei,

25. zaNeti Jr., Hermes. Op. cit., p. 3.

26. Aqui é preciso ter em mente a elaboração teórica da Escola de Gênova, cujos principais expoentes são Tarello, Guastini e Chiassoni, segundo a qual existe separação estrutural entre texto e norma, sendo a última o produto final do processo de interpretação. Confor-me afirmou o professor Luiz Guilherme Marinoni (MariNoNi, L. G. Da corte que declara o “sentido exato da lei” para a corte que institui precedentes. Revista dos Tribunais. vol. 950. p. 165. São Paulo: Ed. RT, 2014). No mesmo sentido: Mitidiero, D. F. Cortes Superiores e Cortes Supremas – Do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015.

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mas sim como atribuidoras de sentido ao direito, mediante a apresentação de “ra-zões racionalmente convincentes”.27

E, dentro dessa perspectiva, afiguram-se como essenciais as exigências de fun-damentação da decisão judicial, uma vez que as razões racionalmente convincentes precisam ser devidamente apresentadas e submetidas ao contraditório, não mais se admitindo decisões baseadas unicamente em argumentos de autoridade, ou que simplesmente reproduzem entendimentos sem demonstrar como se amoldam ao caso que está sendo julgado.

Em outras palavras, ainda que a teoria dos precedentes e o stare decisis vertical atribua às Cortes de Vértice a competência para indicar qual o sentido do direito posto, esse poder somente se legitimará quando for exercido de forma racional e convincente. A fundamentação da sentença deve operar como meio para que se possam justificar as escolhas feitas pelo julgador, que deverá expressar de forma clara e transparente suas valorações e decisões sobre a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, permitindo, com isso, o controle intersubjetivo de sua racionalidade.28

Isso posto, não se pode deixar de considerar que a ratio decidendi de um prece-dente não deixa de ser uma regra que também é veiculada por meio de um texto, e assim sendo, é passível de interpretação. Como se viu, o processo de interpretação que permite ao aplicador do direito chegar à norma, partindo do texto, deve ser realizado de forma racional e fundamentada, permitindo o controle intersubjetivo das decisões realizadas sobre a interpretação. De igual modo, a aplicação do prece-dente precisa levar em conta as peculiaridades do caso que o gerou, não podendo ser considerado tão somente como uma regra que, em vez de estar positivada na legislação, está estampada em decisão anteriormente proferida.

Nesse sentido, afirma-se que “para o precedente ser aplicado, deve estar fun-dado em um contexto, sem a dispensa de profundo exame acerca das peculiarida-des do caso que o gerou. Logo, a fundamentação de um princípio através do uso da jurisprudência, em nosso sistema, não dispensa o que é mais caro para a com-mon law – a justificação acerca da similitude do caso que está servindo como holding”.29

De igual forma, o emprego de técnicas de distinção e superação de precedentes também precisa estar inserido nesse contexto de justificação e fundamentação das

27. MariNoNi, L. G. Op. cit., p. 165.

28. Mitidiero, D. F. Cortes Superiores... cit., p. 59.

29. streck, Lenio Luiz. Da interpretação de textos à concretização de direitos. In: coPetti, André; streck, Lenio Luiz; rocha, Leonel Severo (org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 172, n. 2.

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FeNsteRseiFeR, Wagner Arnold. Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 371-385. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

decisões. Em verdade, mais ainda do que a decisão que aplica um precedente, a de-cisão que realiza a distinguishing ou o overruling precisa apresentar todas as razões consideradas para se chegar à conclusão de distinguir ou superar o precedente.

Como visto anteriormente, em uma decisão com base em precedentes o julga-dor examina o caso, considerando os fatos e sua qualificação jurídica bem como o direito pleiteado pelas partes. Após, verifica a existência de semelhanças rele-vantes entre o caso que deve ser decidido e os precedentes existentes sobre o tema e, então, percebendo que existem semelhanças entre o caso a ser decidido e algum dos precedentes em análise, extrai a ratio decidendi do precedente para, finalmente, decidir se irá aplicar ou não o precedente, estando autorizado a fur-tar-se da aplicação do precedente somente nos casos de distinção ou superação do entendimento.

Sendo o processo decisório composto por tantas etapas diferentes, e em face da necessidade de tomada de decisões em cada uma delas, a única forma de se realizar algum controle e algum tipo de influência sobre a atividade de decisão judicial se dá por meio de uma fundamentação detalhada e analítica, de tal sorte que as partes envolvidas sejam capazes de compreender as decisões e escolhas do julgador.

4. coNclusões

1. A inovação trazida pelo art. 489 do CPC/2015 diz respeito aos elementos es-senciais da sentença, com ênfase para a fundamentação da decisão judicial, que deverá levar em consideração os precedentes, somente furtando-se de aplicá-los quando puder racionalmente realizar distinções ou superações.

2. A aplicação da técnica chamada distinguishing é uma forma de excepcionar o precedente, sem, no entanto, expurgá-lo do sistema. Sua aplicação deve ser realiza-da quando o caso concreto possuir particularidades fático-jurídicas não presentes – e, por isso, não consideradas – no precedente.

3. A aplicação do overruling pressupõe que o precedente não mais se sustenta, de modo que não poderá ser aplicado ao caso em julgamento. O teste básico reali-zado para verificar se o precedente pode ser superado é chamado de basic overruling principle. Por meio desse teste apura-se se o precedente possui consistência sistê-mica e congruência social, podendo permanecer em vigência, se deverá ser supera-do, caso falhe em um dos dois aspectos do teste.

4. Tais técnicas são instrumentos que permitem a atualização e o desenvolvi-mento dos precedentes, autorizando que a prestação jurisdicional acompanhe de forma eficaz os avanços e modificações da sociedade, sem se perder de vista a ne-cessidade de uniformidade, segurança jurídica, igualdade e coerência normativa, valores que o sistema de precedentes almeja maximizar.

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FeNsteRseiFeR, Wagner Arnold. Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 371-385. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

5. A forma mais adequada de se controlar a atividade dos juízes ao realizarem distinções (distinguishing) e superações (overruling) de precedentes é a fundamen-tação analítica da decisão judicial, de modo que o julgador explicite de forma clara e objetiva as decisões tomadas por ele em cada uma das etapas do processo decisó-rio.

6. O Código de Processo Civil de 2015 traz importante inovação que oferece grande possibilidade para que a doutrina e a jurisprudência no Brasil voltem cada vez mais seus olhares para a boa técnica de decisão, bem como para a necessária exigência de fundamentação detalhada, objetiva e analítica, como forma de aumen-to da qualidade das decisões e da possibilidade de realização de controle intersub-jetivo do processo de interpretação e aplicação do direito.

5. reFerêNcias biblioGrÁFicas

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015. Uma análise sobre a adaptabilidade

da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistent distinguishing), de Ravi Peixoto – RePro 248/331-355 (DTR\2015\15860);

• Precedentes judiciais e separação de poderes, de Thiago Baldani Gomes De Filippo – RePro 247/423-448 (DTR\2015\13192); e

• Precedentes, jurisprudência e súmulas no Novo Código de Processo Civil brasileiro, de Daniel Mitidiero – RePro 245/333-349 (DTR\2015\11014).

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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A simulação em negócios JurÍdicos de correTagem imobiliária e a necessidade de uniformização do

Tema Pelo suPerior Tribunal de JusTiça

the simulation in legal business of real estate brokerage anD the neeD of stanDarDising by superior tribunal De justiça

lucas diniz ayres de freiTas

Professor de Direito Civil e de Processo Civil na Escola Superior de Direito de Ribeirão Preto. [email protected]

Recebido em: 03.09.2015 Aprovado em: 25.11.2015

área do direiTo: Registral e Imobiliário; Processual

resumo: O texto examina a necessidade de o STJ re-conhecer os casos em que há simulação nos negó-cios jurídicos de corretagem envolvidos na compra de imóveis por consumidores.

Palavras-chave: Corretagem – Simulação.

absTracT: The text examines the need of Superior Tribunal de Justiça recognize the cases wherein the simulation in legal business of real estate brokerage results from purchase and sale of property by consumers.

KeyWords: Brokerage – Simulation.

sumáRio: 1. Introdução – 2. Aspectos jurídicos da corretagem – 3. A caracterização da simulação em negócios jurídicos – 4. A simulação em corretagem envolvendo negócios imobiliários e as posições trazidas pela jurisprudência do TJSP a respeito – 5. A ausência de uma posição do STJ sobre este tema e a necessidade de uniformizá-la para para lhe aferir maior segurança jurídica – 6. Conclusões – 7. Bibliografia.

1. iNTrodução

O presente trabalho tem por intuito expor os casos em que o negócio jurídico de corretagem, longe de aproximar o consumidor de pessoas físicas e/ou jurídicas envolvidas com empreendimentos imobiliários, figura como um artifício para que os custos de contratação de pessoal destas pessoas sejam, de forma mascarada, im-putados ao consumidor.

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Mais do que isso: busca-se, com análise não apenas da doutrina sobre o tema, mas também da jurisprudência do TJSP, uma tentativa de uniformizar este entendi-mento, com interpretação dos dispositivos de lei federal referentes ao negócio jurí-dico de corretagem e também à simulação por parte do STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário responsável por este desiderato, como é cediço.

Sobretudo porque os julgados mais recentes do STJ sobre esse tema simples-mente se limitaram aplicar a sua vetusta Súmula 7 e, sob o argumento de ausência de prequestionamento pelas instâncias ordinárias, não enfrentaram a matéria.

Desta forma, não se almeja – muito longe disso – estabelecer um posicionamen-to a ser seguido por aquela C. Corte Superior, mas sim conferir subsídios para que os recursos especiais sobre a matéria possam ser conhecidos e, assim, permitir uma adequada uniformização da interpretação da legislação federal sobre o tema.

2. asPecTos Jurídicos da correTaGem

O conceito de corretagem é extraído do art. 722 do CC, mostrando-se importan-te a sua transcrição literal:

“Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga--se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas” (PlaNalto, 2014).

A partir desta definição legal, infere-se que o elemento principal que a distingue dos contratos de mandato, de prestação de serviços e de outros congêneres é a ine-xistência de qualquer relação de dependência. “O corretor apenas aproxima as par-tes, permitindo que estas, em próprio nome, realizem a negociação colimada” (FraNco, 2013). O que importa então é a aproximação daquele que contrata a cor-retagem ao negócio almejado; quando esta efetivamente ocorrer, perfeito e acabado o contrato de corretagem.

Assim, o corretor (diNiz, 2003), ao “aproximar pessoas que pretendam contra-tar, aconselhando a conclusão do negócio, informando as condições de sua celebra-ção, procurando conciliar os seus interesses”, realiza uma intermediação. Não ne-cessariamente de forma imparcial, como o faria se a corretagem fosse uma media-ção, mas sim atendendo às solicitações e aos anseios de quem o contrata, seguindo as instruções que lhe forem passadas e aproximando negócios que realmente este-jam de acordo com tais instruções.

Não é demais repisar: o contrato de corretagem torna-se perfeito e acabado com a tão só aproximação entre as partes para realização dos negócios desejados pelo contratante, pouco importando se houve ou não êxito na sua celebração.

Toma-se como exemplo a corretagem imobiliária: se alguém, que quer comprar um imóvel, tece instruções ao corretor sobre o tipo de imóvel que desejar, a sua

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localização, o preço e forma de pagamento, dentre outras características que julgar importantes, estará perfeito e acabado o contrato quando o corretor conseguir aproximar seu contratante da compra do imóvel almejado, sem que haja necessa-riamente a aquisição do imóvel propriamente dita. Basta, então, a indicação do negócio ao seu contratante: se ele o celebrou ou não, isso não influi na corretagem, que, neste diapasão, já está perfeita e acabada.

Dessa forma, afasta-se a ideia de que a corretagem poderia ser vista como um contrato acessório, já que por meio dele se buscaria a consecução de outros contra-tos. Aqui se transcreve a lição de Gustavo Tepedino (Peluso, 2012), por meio da qual se infere que a corretagem é contrato acessório “muito mais porque sua função econômica se volta ao contrato que o corretor tenciona promover, embora não de modo a que a inconclusão desse negócio necessariamente faça desaparecer a eficá-cia da corretagem”.

Não é demais dizer então que o contrato de corretagem cumpre a sua função, e estará perfeito e acabado, mesmo que, realizada a intermediação e oferecidos os negócios jurídicos a que o corretor se comprometeu, aqueles não venham a se rea-lizar por motivos alheios à vontade do corretor.

Segundo lição da doutrina,

“O que se tem em vista nesse contrato é a aproximação ou resultado útil, tanto que a remuneração será devida na hipótese de arrependimento injustificado das partes e quando estas realizam o negócio diretamente, após a atividade útil do cor-retor” (veNosa, 2005).

Não obstante, a interpretação de “atividade ou resultado útil”, a ensejar o aper-feiçoamento do contrato de corretagem e, a fortiori, o pagamento da comissão ao corretor, aferida pelo STJ não tem sido essa. No julgamento do AgRg no Ag em REsp 390.656/PR, a Corte Superior, pelo voto do Min. Sidnei Beneti, assim entendeu:

“É óbvio que o contrato de corretagem deve seguir a sorte do principal, pois, caso contrário, não teria razão de existir. Estamos diante de um contrato de fim e não de meio, onde os corretores devem saber que a parte financeira que lhes é de-vida ocorre como consequência do sucesso do principal. (...) Portanto, somente caberia o pagamento da comissão de corretagem se o contrato tivesse se findado, com resultado útil, ou seja, efetiva venda do imóvel, o que não aconteceu” (suPe-rior triBuNal de Justiça, 2014).

Ao contrário dos apontamentos doutrinários, tem sido pugnado pela Corte Su-perior que a comissão pela corretagem somente será devida se efetivamente houver a celebração do negócio jurídico pelo qual o corretor se comprometeu a interme-diar. Nota-se então que se interpreta o contrato de corretagem como acessório ao que for almejado por aquele que a contrata. Se celebrados os negócios quistos, en-tão estará perfeita e acabada a corretagem. Cuida-se de posição distinta da doutrina

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majoritária, que entende ser devida a comissão com a tão só aproximação à celebra-ção do negócio desejado.

Mas é importante que se diga também: celebrado o negócio buscado por meio do contrato de corretagem, tem entendido a C. Corte Superior que a comissão será devida mesmo que haja desistência posterior por parte do seu contratante. Isso fi-cou claro no julgamento do REsp 1.339.642/RJ, foi esposado no voto da Min. Nancy Andrighi o seguinte:

“A assinatura da promessa de compra e venda e o pagamento do sinal demons-tram que o resultado útil foi alcançado e, por conseguinte, apesar de ter o compra-dor desistido do negócio posteriormente, é devida a comissão por corretagem” (su-Perior triBuNal de Justiça, 2014).

Nesse diapasão, a posição do STJ não consagra o contrato de corretagem como puramente acessório do contrato principal, mas sim como acessório até que o con-trato principal seja celebrado, pois, a partir de então, estará a corretagem perfeita e acabada. Fatos posteriores à conclusão do negócio aproximado pelo corretor não lhe podem ser imputados para impedir o recebimento da sua comissão ou para determinar a devolução do que ele receber, a não ser que haja vício na contratação que possa ser imputado ao corretor.

E é aqui que se debruça este estudo: por detrás de uma “capa de aparente licitu-de”, tem sido utilizada a corretagem para imputar ao consumidor – sem que ele muitas vezes saiba disso – um custo que, na verdade, não lhe pertence, pois não foi ele que contratou a corretagem, mas sim aquele que tem interesse em lhe vender um produto ou serviço, mas que lhe repassa parte do custo de sua produção ou execução.

Essa situação tem sido muito comum em empreendimentos imobiliários, em que o fornecedor, valendo-se da estrutura por ele montada para captação de clien-tes e do afã dos consumidores em adquirir sua moradia própria pelo preço mais em conta no mercado (e dentro de suas condições financeiras), cobra dele valores, a título de (suposta) corretagem, que não constavam inicialmente na proposta e aca-bam sendo pagos pelo consumidor no momento da aquisição do imóvel.

Não existe aqui uma contratação propriamente dita de um corretor pelo consu-midor: ele é atraído ao estande de vendas da incorporadora por anúncios publicitá-rios na televisão, pela internet, em redes sociais etc., e ao comparecer no estande, é recebido por pessoas que geralmente estão trajadas com emblemas da própria incor-poradora. Estas pessoas se dizem corretores, e ninguém duvida que o são. Contudo, não são corretores dos consumidores, mas sim da incorporadora que os contrata para facilitar a aquisição dos produtos e serviços que são disponibilizados por ela.

O consumidor não procura o corretor para fornecer-lhe instruções sobre o tipo de imóvel que busca, a sua localização, o preço etc. O próprio corretor que, com o

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

comparecimento do consumidor ao local, já se dirige a ele e tem uma lista de imó-veis, dentro de determinado empreendimento (disponibilizado pela própria incor-poradora), que lhe serão oferecidos.

Há aqui uma corretagem, mas ela não foi contratada pelo consumidor. A corre-tagem, neste caso, é instrumento da incorporadora para angariar clientes. Tanto que foi ela que estabeleceu as instruções aos corretores quanto ao tipo de imóvel a ser oferecido aos consumidores, quanto ao preço e condições de pagamento e quanto aos descontos que podem ser oferecidos para o pagamento.

No entanto, não é a incorporadora que paga pela corretagem que ela mesma con-tratou. Na proposta de compra e venda do imóvel, consta um valor (já com a mar-gem de lucro da incorporadora), mas, por fora, o consumidor se vê jungido a assinar outro contrato – agora diretamente com o corretor – mediante o qual se comprome-te a pagar o valor de corretagem, majorando assim o preço final do imóvel.

Há má-fé aqui por parte das incorporadoras em agir dessa forma? Não se duvida que o repasse da corretagem ao consumidor implica redução no valor do preço dos imóveis, bem como facilidades nas condições de seu pagamento. E não se duvida também que esta tática faz parte de seu planejamento tributário, já que não terão de recolher tributos sobre a remuneração que é paga aos corretores. Não obstante, esta prática também infringe a legislação consumerista, na medida em que não é informado ao consumidor sobre essa prática.

Na verdade, verifica-se na prática que a assunção da corretagem pelo consumi-dor é condição para compra do imóvel. E mais que isso: a assinatura do contrato de corretagem pelo consumidor – quando ele não a contratou – mascara um negócio jurídico simulado, no qual a incorporadora se beneficia, violando o dever de infor-mação fidedigna ao qual é obrigada a cumprir, explicando ao consumidor os exatos termos do produto ou serviço que lhe é oferecido.

A partir deste panorama, importante que se verse acerca da simulação, vício social por excelência que acarreta a nulidade absoluta do negócio jurídico por ele maculado.

3. a caracTerização da simulação em NeGócios Jurídicos

A simulação, conforme assim define a doutrina (Peluso, 2012), corresponde à “divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente do acordo en-tre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros”. Em síntese conclusiva, tecida brilhantemente por Pontes de Miranda (diNiz, 2003), “quer-se o que não aparece e não se quer o que aparece”.

A simulação pode ser classificada em absoluta ou relativa, sendo que na primei-ra os declarantes (diNiz, 2003) “fingem uma relação jurídica que na realidade não

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

existe” e, na segunda (diNiz, 2003), quando “a parte contratante não for o indiví-duo que tirar proveito do negócio”.

A simulação relativa (a que interessa ao escopo do presente trabalho) está pre-vista no art. 167, § 1.º, do CC (PlaNalto, 2014): “Haverá simulação nos negócios jurídicos quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem”.

E a sanção pelo vício de simulação constante no negócio jurídico (mesmo que se trate de simulação relativa) é a nulidade absoluta dele, como reza o art. 169 do CC, ao afirmar que (PlaNalto, 2014) “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”, embora, a teor do art. 170 do CC (PlaNalto, 2014), “se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.

Ou seja, o negócio jurídico simulado é nulo (pouco importando se a simulação é absoluta ou relativa), diante da gravidade do vício que o eiva (com reflexos inclu-sive sobre a pacificação social).

Contudo, e em observância à boa-fé objetiva (um dos cânones do Código Civil em vigor), o que foi dissimulado, se válido em sua forma e em sua substância, de-verá ser mantido. Por essa razão, possível então a manutenção do negócio, apenas com modificação de suas bases, atribuindo a responsabilidade pelo adimplemento a quem realmente a caiba (como será melhor mostrado adiante).

Pois bem. Feito este breve panorama jurídico sobre a simulação, mister que seja desenvolvida a sua aplicação aos contratos de corretagem, mormente aqueles rela-cionados a negócios imobiliários.

4. a simulação em correTaGem eNvolveNdo NeGócios imobiliÁrios e as Posições Trazidas Pela JurisPrudêNcia do TJsP a resPeiTo

É cediço que as sociedades empresárias que atuam no ramo imobiliário têm fundamental importância no fomento de riquezas (ao desempenhar a função social da propriedade, enquanto princípio de jaez constitucional) e, sobretudo, na imple-mentação do direito à moradia, também assegurado pela Constituição Federal e tão imprescindível ao desiderato do postulado da dignidade da pessoa humana.

Não obstante, muitas vezes estas sociedades empresárias, impulsionadas pela premente necessidade de angariar lucros (o que é agravado com a recessão que o setor tem passado nos últimos tempos), valem-se do desconhecimento de par-te significativa dos consumidores acerca da legislação e, sobretudo, da necessi-dade delas em adquirir seu imóvel, e repassam os valores devidos ao seu pessoal aos consumidores, de forma velada, mascarando uma relação jurídica existente

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

entre aqueles. O jurídico jamais pode ser suplantado em benefício de conjuntu-ras econômicas.

E como as incorporadoras procedem?

Em primeiro lugar, muitas delas constituem verdadeiros grupos econômicos com outras empresas que atuam no ramo imobiliário para maximizarem a eficácia de sua atuação no mercado. Algumas, então, se responsabilizam pela incorporação propriamente dita e outras pela venda dos produtos e serviços aos consumidores, seja pela implementação de campanhas publicitárias, seja pela contratação de pes-soal para a realização das vendas.

Na prática, essa situação fica clara quando o consumidor, ao comparecer ao es-tande de vendas, assina um contrato de corretagem no qual a parte contrária é uma sociedade empresária que tem como acionista ou cotista uma mesma pessoa, física ou jurídica, que também integra o quadro social da incorporadora. Uma simples pesquisa no sítio eletrônico da Junta Comercial (quando este serviço for disponibi-lizado) permite constatar, em determinados casos, a existência de sócios em co-mum tanto na sociedade, que figura como corretora, quanto na sociedade constru-tora/incorporadora.

Em segundo lugar, aquela “independência” que o corretor tem para indicar ne-gócios àquele que o contrata é no mínimo bastante mitigada quando se trata de negócios imobiliários feitos pelas incorporadoras. O corretor – muitas vezes um simples vendedor – usa vestimentas com o timbre da incorporadora ou do grupo econômico. Este fato, de per si, já mostra para quem o corretor está trabalhando. E ainda que este fato não seja suficiente, as instruções passadas pela incorporadora quanto aos imóveis disponíveis, aos preços, às condições de pagamento etc., refor-çam que os corretores estão a serviço da incorporadora.

Ao consumidor resta no máximo questionar o corretor se o imóvel que ele veio procurar, ao comparecer no estande de vendas, está disponível e dentro do quanto ele pode pagar, o que é muito pouco para caracterizar a contratação de uma corre-tagem por ele, dentro dos moldes do art. 722 do CC.

Daí dizer-se que há uma corretagem, mas ela não foi contratada e muito menos é feita em prol do consumidor. Até porque, por diversas vezes, as próprias socie-dades empresárias do ramo imobiliário fazem maciça publicidade nos meios de comunicação e disponibilizam estandes de vendas no local onde será realizado o empreendimento ou em locais de grande circulação de pessoas. É isso que, na verdade, atrai o consumidor e que muitas vezes já mostra a ele o leque de imóveis que estarão no estande à sua disposição e os valores que estarão envolvidos em eventual aquisição.

Aliás, muitas vezes o consumidor fica perplexo ao ver os valores de compra de imóveis que constam nas propostas e, quando da assinatura do contrato, se depa-

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

ram com um valor maior a ser pago, pois tem de arcar com a corretagem, atividade esta que ele, por conta da simulação então existente, não contratou.

Esse valor assumido pelo consumidor pode até ser comissão de corretagem, mas não pode por ele ser suportado. Sobretudo porque, como explanado alhures, os corretores estão jungidos às determinações estabelecidas pela incorporadora ou pelo grupo econômico do qual ela faz parte.

Logo, confere-se ao consumidor o pagamento de uma corretagem que é dever da incorporadora, pois foi ela que efetivamente a contratou. Confere-se à incorpora-dora, por meio desse negócio, direito de se ver livre da corretagem, imputando-a ao consumidor. Aqui está a simulação sobre o negócio jurídico de corretagem, nos moldes do art. 167, § 1.º, do CC.

E nem se diga que haveria um resultado útil ao consumidor que o faria respon-der pelo pagamento da corretagem. Como explanado alhures, a atuação do corretor está inserida dentro da estrutura montada pela incorporadora (ou pelo grupo eco-nômico da qual faz parte) para atrair o consumidor e vender a ele seus produtos e serviços. Não pode o consumidor responder além do preço a ser pago pelo imóvel, pois nele estão inseridos, além da margem de lucro, os custos do fornecedor para disponibilizá-lo ao mercado.

Também não deve ser olvidado, de forma alguma, que o consumidor de modo geral não tem conhecimento sobre a sistemática da corretagem (relevando aqui a presunção absoluta de sua vulnerabilidade, tutelada expressamente pela lei con-sumerista), bem como (e quiçá o mais importante) a contratação da corretagem tem de ser feita da forma mais explícita possível, com indicação dos valores a serem pagos antes mesmo da celebração de qualquer contrato, justamente para impedir que, no ato da compra do imóvel, o consumidor não venha a ser (ou se sentir) lesado.

Esta providência é de suma importância para que o próprio consumidor possa optar em contratar ou não esta corretagem, sobretudo porque a própria publicidade feita pelos empreendimentos imobiliários acaba por figurar como “agente de inter-mediação”, aproximando o consumidor da compra do imóvel. E para que o próprio consumidor saiba que o corretor, na verdade, está a cargo da sociedade empresária do ramo imobiliário e assim possa decidir, sem qualquer vício em sua vontade, se quer pagar ou não a alegada comissão, mesmo que isso possa ocasionar um aumen-to no valor a ser pago do imóvel.

O que, contudo, não se pode admitir é o consumidor arcar com os ônus desta contratação, feita pela sociedade que vende o empreendimento, sem que saiba que está assumindo um ônus que não lhe pertence. E fazer com que ele apenas assine o contrato, ou outros documentos, que não provam que houve a sua compreensão sobre a situação, apenas reforça a existência da simulação.

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Salienta-se: a simulação existe porque há declarações de vontade prévias entre sociedade empresária imobiliária e corretor (ou sociedade corretora) no sentido de atribuir o valor da comissão ou remuneração, pelos serviços prestados por este úl-timo em prol daquela, ao consumidor, que tem sua vontade viciada porque não tem ciência (e nem tem como tê-la) a respeito deste ardil.

E este ardil resta ainda mais estampado quando a sociedade empresária imobili-ária pertence a um mesmo grupo econômico do qual também fazem parte socieda-des que atuam como corretoras, mormente quando estas prestam serviços em prol dos empreendimentos desenvolvidos pelo próprio grupo econômico da qual fazem parte.

Atesta-se então a existência de simulação ao serem cobradas do consumidor comissões por serviços que elas fazem em prol delas mesmas (em ultima ratio), porquanto há aqui sérios indícios de que foi criada toda uma situação jurídica que na verdade inexiste.

Por fim, mas não menos importante, a simulação resta ainda mais evidente quando o consumidor, no ato da assinatura do contrato de compra e venda, é coa-gido pelo corretor a pagar a corretagem, sob pena de não ser aperfeiçoada a compra.

A venda casada aqui, e a nosso ver, figura como instrumento para garantir esta simulação, pois encobre a verdade dos fatos dos olhos do consumidor.

Toda esta argumentação tem sido referendada pelo TJSP em alguns dos seus julgados mais recentes (que versam sobre a cobrança de comissão de corretagem), como se nota no julgamento da Ap 0006037-36.2011.8.26.0009, tendo constado no voto do Des. Luiz Mário Galbetti o seguinte:

“A devolução dos valores relativos à comissão de corretagem é adequada, pois a contratação destes serviços foi realizada no interesse da ré. (...) Não poderia a ré transferir à adquirente verba de sua responsabilidade, com a comissão de correta-gem, quando o adquirente não se utilizou deste serviço para tentar adquirir a uni-dade, a intermediação foi contratada no interesse da ré” (triBuNal de Justiça de são Paulo, 2014).

Não obstante, este entendimento está longe de estar pacificado no âmbito do TJSP. Há desembargadores que entendem que, mesmo celebrado o contrato de compra e venda no estande do empreendimento imobiliário, não seriam os corre-tores meros prestadores de serviços em prol da sociedade empresária vendedora do imóvel e, assim, seria devida a comissão pelo contrato, bastando apenas que ela tenha aproximado as partes.

Neste sentido, importante salientar o entendimento esposado por aquele E. Tri-bunal no julgamento da Ap 0190734-79.2012.8.26.0100, de relatoria do Des. Vito Guglielmi:

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

“(...) É certo que se de um lado, concluído o negócio por intermediação do cor-retor de imóveis, se afigura irrelevante se celebrado o contrato no estande de ven-das ou na imobiliária, sendo devida a comissão de corretagem. (...) Havendo o corretor levado às partes a celebrar o contrato de promessa de compra e venda do imóvel, a comissão de corretagem é mesmo devida, independentemente de eventu-ais desdobramentos posteriores do negócio jurídico”.

Nota-se que, por ora, há discrepâncias nos posicionamentos das Câmaras do TJSP, as quais causam insegurança jurídica que pode, em ultima ratio, obstar o aces-so do consumidor ao Judiciário, mormente por conta dos elevados custos de uma demanda contra a situação esposada.

E tudo porque deve haver um posicionamento, ainda inexistente, quanto à in-terpretação dos dispositivos legais da legislação civil e consumerista que possam estabelecer em quais casos envolvendo negócios imobiliários a cobrança da comis-são de corretagem é devida e em que há, por detrás de uma máscara de corretagem, um negócio jurídico simulado entre corretor e empresa imobiliária para repassar encargos a um terceiro, o consumidor.

Neste átimo, mister que o STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal, a teor do art. 105, III, a e c, da CF, possa averiguar em sede de recurso especial se decisão proferida por Tri-bunal a quo contraria ou não lei federal (ou negar-lhe vigência) ou lhe confira in-terpretação divergente daquela dada por outro Tribunal.

E aqui se aquilata o escopo deste trabalho porque, se dentro do próprio TJSP há posições tão díspares, quanto mais entre os Tribunais de Justiça dos demais Estados da Federação.

5. a ausêNcia de uma Posição do sTJ sobre esTe Tema e a Necessidade de uNiFormizÁ-la Para lhe aFerir maior seGuraNça Jurídica

Conforme muito bem leciona a doutrina, e já adiantado no tópico anterior:

“O Superior Tribunal de Justiça mantém a função de interpretar a legislação infraconstitucional, corrigindo ilegalidades cometidas no julgamento de causas, em última ou única instância, pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça.

Nesse mister de interpretar e preservar a legislação infraconstitucional, insere--se uma outra função do STJ: uniformizar a jurisprudência nacional. Trata-se de função importantíssima, intimamente relacionada com o princípio da segurança jurídica. Ora, se ao STJ compete interpretar e preservar a legislação infraconstitu-cional, o julgamento que venha a ser proferido, conferindo interpretação a deter-minada norma federal, serve, a um só tempo, como corretivo da decisão impugna-

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

da e elemento de uniformização da jurisprudência quanto à interpretação da refe-rida norma.

Tudo isso significa que o STJ desempenha uma função paradigmática, na medi-da em que suas decisões servem de exemplo a ser seguido pelos demais tribunais, com o que se obtém a uniformização da jurisprudência nacional” (didier Jr., 2014).

Um dos pressupostos para o conhecimento do recurso especial, como cediço, é o prequestionamento, ou seja, o enfrentamento da questão federal, posta à sua apreciação, pelos Tribunais locais. Para isso, a questão enfrentada, além de esposa-da no acórdão objeto de recurso especial, deve ser compreendida sem necessidade alguma de reexame de fatos e de provas, como há tempos determina a Súmula 7 do STJ. Vale dizer: que esteja estampada no acórdão solução jurídica que nega vigência ao dispositivo de lei federal colacionado ou que seja discrepante daquela dada por outros Tribunais.

Aqui se faz importante a lição da doutrina quando constatada a ocorrência do prequestionamento:

“O termo questão não se aplica somente quando há contestação de ponto alega-do por alguma das partes, mas também quando o próprio juiz tenha suscitado a dúvida sobre determinado ponto. Desse modo, haverá questão federal ou questão constitucional sempre que o juiz aplicar a lei federal ou a Constituição à hipótese, seja em decorrência de as partes terem controvertido acerca de determinado ponto, tornando-o questão a ser resolvida pelo órgão julgador, seja quando o próprio ór-gão julgador identificar o ponto, colocá-lo em dúvida e sobre ele resolver. Importa, sob esse prisma, que a questão tenha sido resolvida pelo juiz, seja ou não em virtu-de de provocação da parte.

(...) Prequestionamento quer dizer questionamento antes, apresentação do tema antes do julgamento, e não depois” (MediNa, 2005).

Logo, veda-se a tentativa de transformar o STJ em uma espécie de “terceiro grau de jurisdição”, na medida em que, para a apreciação dos recursos especiais que lhes forem dirigidos, imprescindível prévio debate sobre a matéria nas instâncias ordi-nárias e, sobretudo, prévia manifestação do julgador a seu respeito (ou ao menos de mostras de que, mesmo instado a se manifestar – o que se faz pela via dos em-bargos de declaração, como inclusive determinado pela Súmula 211 daquela Corte Superior –, não houve clara recusa do Tribunal em dela conhecer).

Pois bem. Feita essa breve explanação, cumpre verificar como o STJ, nos recur-sos especiais (e seus desdobramentos, como agravos em recurso especial e agravos regimentais), tem recebido e julgado a matéria envolvendo a simulação de contra-tos de corretagem.

Toma-se por primeira amostra o julgamento, não tão recente (pois realizado em 2008), do AgRg no AgIn 1.009.667/RS, de relatoria do Min. Fernando Gonçalves,

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

no qual, ao analisar pedido de reforma de decisão por conta de alegação de simula-ção em corretagem relacionada a negócios imobiliários, fez constar o seguinte:

“(...) Se as instâncias ordinárias, soberanas na análise de provas, decidem que não restou comprovada a responsabilidade contratual do réu quanto ao pagamento de corretagem pela intermediação de venda de imóvel ao autor, bem como que não há prova cabal que permita atestar a ocorrência de simulação, decisão em sentido contrário, por esta Corte, encontra óbice na Súmula 7/STJ”.

Mais recentemente (em 2014), toma-se por amostra o julgamento do AgRg em Ag em REsp 465.043/SP, de relatoria do Min. João Otávio de Noronha, em que, da mesma forma, foi afastada qualquer apreciação do recurso sob o argumento de au-sência de prequestionamento sobre a tese aventada no recurso e que, assim, deveria prevalecer a conclusão tomada pelo Tribunal a quo:

“(...) Note-se que a decisão agravada limitou-se a apreciar a tese jurídica que lhe foi submetida, sem adentrar questões de natureza fático-probatórias, que, como cediço, são insuscetíveis de avaliação na via especial.

Nesse contexto, a premissa fática que está a orientar o julgado, a saber, a de que foram eficazes os trabalhos de aproximação realizados pela corretora, foi colhida do próprio acórdão estadual recorrido, tratando-se, portanto, de questão incontrover-sa nos autos” (suPerior triBuNal de Justiça, 2014).

E mesmo nos poucos casos em que o STJ enfrentou a corretagem, ela se restrin-giu a pessoas físicas que efetivamente contratam um corretor para lhes aproximar de negócios imobiliários de seu interesse, o que não se coaduna com o caso ora enfrentado. Vejamos o que foi decidido no julgamento do REsp 1.288.450/AM, julgado pela Corte Especial e de relatoria do ínclito Min. João Otávio de Noronha:

“O encargo, pois, do pagamento da remuneração desse trabalho depende, em muito, da situação fática contratual objeto da negociação, devendo ser considerado quem propõe ao corretor nela intervir. Independentemente dessas situações, exis-tindo efetiva intermediação pelo corretor, as partes podem, livremente, pactuar como se dará o pagamento da comissão de corretagem. Há, porém, casos em que tanto o comprador quanto o vendedor se acham desobrigados desse encargo, pois entendem que ao outro compete fazê-lo. Há casos ainda em que essa pactuação nem sequer existe, porquanto nada acordam as partes a respeito, daí surgindo a interpretação que se ampara no art. 724 do CC. Em face dessas dúvidas ou omis-sões e em virtude da proposta dirigida inicialmente ao corretor, conforme acima exposto, é justo que a obrigação de pagar a comissão de corretagem seja de quem efetivamente contrata o corretor, isto é, do comitente, que busca o auxílio daquele, visando à aproximação com outrem cuja pretensão, naquele momento, está em conformidade com seus interesses, seja como comprador ou como vendedor. Res-salte-se ainda que, quando o comprador vai ao mercado, pode ocorrer que seu in-teresse se dê por bem que está sendo vendido já com a intervenção de corretor. Aí,

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

inexistindo convenção das partes, não lhe compete nenhuma obrigação quanto à comissão de corretagem, pois o corretor já foi anteriormente contratado pelo ven-dedor. Diferente é a hipótese em que o comprador, visando à aquisição de bem, contrate o corretor para que, com base em seu conhecimento de mercado, busque bem que lhe interesse. Nessa situação, a tratativa inicial com o corretor foi do pró-prio comprador” (suPerior triBuNal de Justiça, 2015).

Neste contexto, é possível concluir que a fórmula do prequestionamento utilizada pela C. Corte é hermeticamente restrita, como se só fosse possível discutir o tema tratado nas instâncias ordinárias sobre corretagem e simulação se elas houverem en-frentado as nuanças trazidas pelas partes e, sobretudo, as provas por elas produzidas.

Assim, somente em caso de error in procedendo por parte do Tribunal a quo, ca-racterizando negativa de vigência à questão federal posta à apreciação em sede de recurso especial, será possível o conhecimento do apelo extremo e, com mais ra-zão, a uniformização sobre o tema.

Não obstante, e como já explanado, a simulação, mais que simples vício de von-tade, é vício social que viola a ordem pública, desagrega a pacificação social e, mais precisamente quanto à corretagem relacionada à aquisição de imóveis (mormente para fins de moradia própria), torna letra morta o postulado da presunção absoluta de vulnerabilidade do consumidor.

Por conta disso, e como parte do escopo deste trabalho, sugerimos que os no-bres causídicos, em primeira instância, não apenas juntem na exordial cópias do contrato de compra e venda, documentos nos quais constam o (maculado) com-promisso do consumidor em arcar com a comissão de corretagem e as propostas com os preços das unidades imobiliárias divulgadas na grande mídia.

Mais que isso, façam um cotejo destes documentos, pois não é raro haver tim-bres das sociedades empresárias do ramo imobiliário nos documentos de cobrança da corretagem, o que serve de indício para atestar que o corretor, a bem da verdade, está a serviço do empreendimento, e não do consumidor.

Ademais, também é medida curial analisar se o corretor (ou sociedade correto-ra) faz parte do mesmo grupo econômico responsável pelo empreendimento imo-biliário ou integra o quadro social da sociedade empresária responsável por ele, ou tem sócios em comum, sejam pessoas físicas ou jurídicas.

Embora não se olvide que cada um tem personalidade jurídica própria, a parti-cipação societária nas mesmas empresas traz ao menos fortes indícios de que a corretagem, longe de beneficiar o consumidor, é instrumento criado em prol do fornecedor.

Também é muito importante que se insista na produção de prova em audiência para que se colha o depoimento pessoal do corretor, de seus representantes ou pre-postos (em caso de sociedade corretora) e de representantes e/ou prepostos da so-

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

ciedade empresária do ramo imobiliário, tudo para que possam explicar em juízo o funcionamento da estrutura para venda das unidades do empreendimento.

Estas medidas são curiais para que o julgador tenha maior empatia com o caso e conhecimento de suas nuanças, de suma importância para a prolação da sentença.

Sem falar que, para o consumidor, a demonstração destes indícios pode ensejar a inversão do ônus da prova ao fornecedor e, para este, a produção de provas em audiência pode ser uma saída para atestar que a realidade dos fatos reflete o contido nas propostas e nos instrumentos de contrato de compra e venda e, sobretudo, de corretagem.

O cotejo com a documentação (mostrando os pontos em que pode haver indí-cios de simulação no contrato de corretagem) e a produção de prova em audiência são medidas de suma importância também para que o Tribunal possa conhecer detidamente sobre a matéria e pronunciar-se de forma adequada, inclusive para fins do tão necessário prequestionamento.

E, por fim, com o prequestionamento, e levando em consideração a relevância social do tema, entendemos que será possível um pronunciamento do STJ não so-bre fatos e provas, conforme constou nos excertos de acórdãos acima transcritos, mas sim sobre o direito que foi aplicado à realidade e que necessita urgentemente de uma uniformização para que seja alcançada a segurança jurídica tão necessária ao acesso à justiça.

6. coNclusões

A liberdade de contratar tem sofrido o balizamento da eticidade, da socialidade e da operabilidade, alicerces do Código Civil e do direito civil contemporâneo, e que também iluminam o Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, não se pode mais admitir que situações jurídicas que deveriam ser claras, estejam imbuídas por artifícios ardilosos que mascaram a verdadeira inten-ção das partes.

Pelo contrário: com espeque naqueles alicerces, e dentro do tema tratado neste breve trabalho, o contrato de corretagem tem de atender a uma função social (deve efetivamente aproximar o consumidor do imóvel que ele tanto almeja), mas tem de se pautar na boa-fé objetiva, denotando o corretor que age exclusivamente em be-nefício de seu contratante.

E ainda que o corretor mantenha vínculo de subordinação com sociedades em-presárias do ramo imobiliário, que ao menos então deixe clara esta situação ao consumidor, para que efetivamente a sua vontade não seja viciada.

O que se defende neste trabalho é que seja coibido este comportamento de re-passar ao consumidor, sem o seu devido conhecimento, os custos despendidos pelas sociedades empresárias, ou por grupos econômicos, com a contratação de

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

pessoas que arregimentam negócios ao seu favor, sob a máscara de intermediar negócios supostamente em prol do consumidor.

Sobretudo porque, em muitos casos, a própria publicidade em meios de comu-nicação acaba figurando como o agente responsável por realizar esta intermedia-ção, aproximando o consumidor do empreendimento imobiliário de seu interesse. Ou melhor: a própria publicidade, feita muitas vezes de forma assaz incisiva, tem o condão de despertar o interesse no consumidor e de aproximá-lo à celebração de negócios com o grupo empreendedor.

A consequência, por óbvio, é a inexistência de qualquer aproximação ou inter-mediação por parte de um corretor, que, na verdade, é parte integrante da estrutura de captação de clientes desenvolvida pela sociedade empresária do ramo imobiliá-rio, mas, em vez de receber sua remuneração dela, cobra o consumidor por conta das declarações volitivas feitas entre eles de forma simulada para que o consumidor arque com tal encargo.

Esta situação é ainda mais grave porque o consumidor, diante da premente ne-cessidade em adquirir sua casa própria, é impelido a arcar com estes custos, muitas vezes mediante venda casada, quando não lhe resta muita opção a não ser se com-prometer a pagar a comissão pela suposta corretagem, sob pena de não assinar o contrato de compra e venda do imóvel que lhe interessa.

E a simulação aqui é vício social, acerca do qual não só um, mas uma coletivida-de de consumidores está sujeita. Mais um motivo para que o STJ, diante da vacilação dos Tribunais de Justiça (dentro do próprio TJSP há decisões diametralmente opos-tas), venha a uniformizar o entendimento da legislação federal sobre a matéria para impedir decisões tão díspares, que ora favorecem o consumidor, ora o prejudicam.

Mas também é cediço que o STJ não pode avocar processos para decidir a este respeito. A questão deve ser levada adequadamente ao seu conhecimento, respei-tando-se os requisitos formais para tanto. Mormente o prequestionamento, ou seja, o enfrentamento dos fatos e provas que ficarem à disposição das instâncias ordiná-rias e, a partir das quais, permita não apenas a formação de seu entendimento, mas (e sobretudo para o objetivo proposto) o esgotamento da matéria fática para que somente o direito seja discutido na aludida instância extraordinária.

7. biblioGraFia

Brasil. Planalto. Legislação. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/ L10406.htm]. Acesso em: 03.12.2014.

______. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em: [www.stj.jus.br/SCON/]. Acesso em: 04.12.2014.

______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Jurisprudência. Disponível em: [https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1]. Acesso em: 04.12.2014.

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FReitas, Lucas Diniz Ayres de. A simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 387-402. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2014. vol. 3.

diNiz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 1.

FraNco, Vera Helena Mello. Contratos: direito civil e empresarial. São Paulo: Ed. RT, 2013.

MediNa, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e espe-cial. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2005.

Peluso, Cesar. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. ed. Barueri: Ma-nole, 2012.

veNosa, Silvio de Salvo. Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. vol. 3.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Compra e venda de imóvel. Negócio jurídico válido e eficaz. Simulação, de Nelson Nery Jr. –

Soluções Práticas de Direito 6/329-364 (DTR\2014\17368);

• O ônus de pagamento do serviço de corretagem e do serviço de assessoria técnico-imobili-ária (Sati) nos contratos de compra e venda de unidades autônomas na planta, de Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima – RDC 93/185-206 (DTR\2014\2105);

• Simulação no novo Código Civil, de José Martinho Nunes Coelho – RT 805/741-744, Doutri-nas Essenciais de Direito Civil 4/385-389 (DTR\2002\664); e

• Teoria da simulação de atos e negócios jurídicos, de Heleno Taveira Tôrres – RT 849/11-56, Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos 2/547-610 (DTR\2006\509).

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Direito Estrangeiro e Comparado – Generalidades

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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la revalorización de la audiencia Preliminar o PreParaToria: una mirada desde la JusTicia disTribuTiva en el Proceso civil

a reavaliação Da auDiência preliminar ou preparatória: uma visão De justiça Distributiva em processos cíveis

álvaro Pérez-ragone

Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Colonia (Alemanha). Ex bolsista Alexander-von Humboldt. Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal. Membro da Asociación Internacional del Derecho Procesal.

[email protected]

Recebido em: 24.09.2015 Aprovado em: 23.11.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: O autor analisa percucientemente ferra-mentas para equilibrar o custo, a demora e o resul-tado da prestação jurisdicional. Dá especial relevo à audiência preliminar ou preparatória, observando que esta não pode ser vista como uma audiência rí-gida. Neste momento, são relevantes a colaboração das partes e os poderes de gestão do juiz.

Palavras-chave: Prova – Racionaldiade – Processo público x processo privado – Força – Ordálias – De-cisão justa – Gestão do processo – Juiz e partes – Audiência preliminar ou preparatória – Saneamento de defeitos – Instrução.

resumen: El autor analiza percucientemente herramientas para equilibrar el costo, los retrasos y el resultado de la adjudicación. Pone especial énfasis en la audiencia primaria o preparatoria, y señala que esta no puede ser vista como una audiencia rígida. En este momento, es relevante el principio de la cooperación de las partes y los poderes de gestión del juez.

Palabras clave: Evidencia – Racionaldiad – Proceso público x proceso privado – Fuerza – Ordalías – Decisión justa – Gestión de procesos – Juez y las partes – Audiencia preparatoria ou preliminar – Saneamiento – Instrucción.

sumaRio: I. Introducción – II. Algunas referencias a similares preocupaciones en la historia del derecho procesal: ¿solución de conflictos, verdad, justicia, celeridad? – III. Gestión y dirección de procesos en la justicia civil – IV. La distribución de roles como responsabilidad entre el juez y las partes en el proceso civil – V. Propuestas para un audiencia preparatoria funcional: a. Debida delimitación y discusión del objeto del proceso; b. Debida instrucción e interrogación; c. Debido esclarecimiento del qué y sobre qué se discute. La función preventiva y saneadora de vícios; d. Debida documentación y registro del proceso; e. Emplazamiento para manifestarse y conclusión de las audiencias; f. Determinación de sumariedad y/o flexibilidad procedimental; g. Posibilidad de decidir anticipadamente cautelar o satisfactivamente; h. La opción de las puer-tas para las soluciones colaborativas; i. Los casos repetitivos y el recurso al precedente – VI. Conclusiones – VII. Bibliografía.

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406 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

i. iNTroduccióN

Una1 justicia civil, consciente de la necesidad de procesos eficientes, eficaces, de duración razonable para una solución equitativamente justa es una alternativa válida y no una mera utopía, tal cual pretendo desarrollar en el presente artículo. Hay herramientas que históricamente fueron en mayor o menor medida emplea-das y que podrían evidenciar salidas articuladas para el logro de esos fines. Los componentes básicos que amalgaman esos fines y medios pueden agruparse en tres. (i) En primer lugar el acceso a la justicia (entendida más allá que el solo acceso a los, tribunales de justicia), traducido en la eliminación de vallas de ca-rácter económico y socio-cultural. Ello se traduce en una buena prestación y asignación de los recursos. (ii) Un segundo componente consiste en que la pos-terior salida de la prestación del servicio de justicia debe considerar la eficacia y eficiencia del proceso empleado y de los resultados mediante mecanismos que minimicen el error (desde la decisión, los recursos empleados, el tiempo y la uti-lidad de lo decidido para el justiciable) (iii) Un tercer componente exige que las partes frente , antes, ante, durante y luego de un proceso (que puede ser adjudi-cativo o complementario como la mediación, conciliación y otros mecanismos) sean tratados en forma equitativa, justa y debida. Este marco permite que cual-quiera sea la solución, producto o resultado obtenido de la prestación del servicio de justicia, sea legítimo, creíble y convincente.2 El proceso visto como un “juego” o una narrativa lúdica donde gana el mejor frente al solo control de las normas de juego por el “árbitro” es una visión restrictiva de la enorme riqueza que impli-ca impartir justicia.3

Estos tres componentes debieran contribuir a que la tutela de los derechos y la solución de controversias se pueda desenvolver de tal manera que cualquiera sea el resultado (adverso o favorable) para una parte en concreto, pueda ser convincente. Una combinación que ciertamente pueda maximizar una solución racional y al mismo tiempo raznoble.4 Uno de los principales inconvenientes, no solamente doctrinarios sino también de técnica legislativa, y hasta incluso de visión político--procesal fue la discusión maniqueista durante los siglos XIX y XX sobre el rol

1. Este texto é parte do projeto Fondecyt n. 1150468, “Gestión y dirección eficiente de pro-cesos civiles”.

2. zuckerMaN, Adrian. Civil Justice in Crisis a comparative perspective of civil procedure Gräns. Oxford: Oxford University Press, 1994. p. 4.

3. Comp. ya calaMaNdrei, Piero. Il processo come giuoco. Rivista di Diritto Processuale. vol. 5. Parte I. p. 24-51. 1950.

4. Para el uso de estos términos en la explicación de aarNio, A. The Rational as Reasonable. A Treatise on Legal Justification. Dordrecht: Springer, 1987. esp. p. 185-198.

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407Direito estrangeiro e ComparaDo – generaliDaDes

PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

asignable a los partes y al juez en un proceso civil.5 El tratamiento en especial de las máximas o principios procesales vinculados con el acceso a la información probato-ria no llamó la atención al legislador y fue muy dependiente del tiempo y las corrien-tes dogmáticas-ideológicas coynturales que pendulaban entre lo conservador y libe-ral, menor o mayor poder de los jueces o de las partes (adversarial vs. Inquisitivo)6. Siendo el conflicto civil una mera disputa de partes con intereses privados, ellas eran libres de determinar la duración y manejo de un proceso que se identificaba con lo “privado”. Otra visión posterior ya postulada por Klein (1854-1926)7 en la reforma al proceso civil austríaco consideraba que el conflicto privado al acudir al poder judi-cial para buscar una solución entraba de lleno en lo “público”: recursos del Estado, tiempo, eficiencia y eficacia que no podían -ni debían interesar- solo a las partes.

La mayor o menor duración de un proceso en concreto, la mayor o menor legi-timidad de la sentencia, no es por sí una cuestión que interese solo a las partes. Contemporáneamente hablar de las ”cosas de las parte” vs. “las cosas del juez” es no entender el debido y justo proceso. No solo existe una claúsula del debido pro-ceso (procedimental) con simple contenido negativo: no es posible que el Estado judicial intervenga más allá de donde debe en un proceso en concreto.8 El justo proceso además de contener lo anterior es una claúsula positiva que impone para el demandante el acceso y tutela efectiva y para el demandado el derecho a ser oído en su defensa y al Estado el deber de proveer procedimental y orgánicamente una adecuada asignación de recursos. Ya no es un simple y “debido”, sino un “justo y equitativo” contradictorio donde las partes deben cooperar en algo que las incluye como necesarias, pero no como requisito sufiente, ya que también el tribunal debe intervenir y actuar para que estemos frente a un proceso. Por cierto el despliegue de un proceso judicial interesa e incumbe además al conjunto de ciudadanos que

5. stürNer, Rolf. Parteipflichten bei der Sachaufklärung im Zivilprozess. Zeitschrift für Zivil-prozessrecht. 98. p. 237. 1985; schlosser, Peter. Die lange deutsche Reise in die prozessuale Modern. Juristen Zeitung. 1991. p. 599-566.

6. kleiN, Franz. Reden, Vorträge, Aufsätze, Briefe. Viena, 1927. p. 190; stürNer, Rolf. Partei-pflichten… cit., p. 237.

7. El autor austríaco publicó una serie de artículos que fueron luego compilados es una de sus monografías más influyentes: kleiN, Franz. Pro Futuro. Separatabdruck aus “Juristische Blätter”.Viena, Leipzig: Deuticke, 1891. p. 20-44; JeliNek, Walther. Einflüsse des österreichischen Zivilprozessrechts auf andere Rechtsordnungen. In: haBscheid, Walther (ed.). Das deutsche Zivilprozessrecht und seine Ausstrahlung auf andere Rechtsordnungen. Bielefeld: Gieseking, 1991. p. 50-62.

Ver igualmente: Frodl, Susanne. The heritage of the Franz Klein Reform of Austrian Civil Procedure in 1895-1896. Civil Justice Quaterly. n. 31. 1. p. 43. 2012.

8. En la visión contenida en la Magna Carta de limitación a poder o imposición de deberes negativos.

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

con sus tributos financian al sistema de administración de justicia aunque no usen el sistema y más aún a aquellos cuyos derechos necesitados de tutela deberán pos-tergarse en ingresar y quizás ser decididos porque los recursos humanos e infraes-tructurales actuales se encuentran siendo aplicados para otros procesos anteriores.9 Aún cuando la justicia civil persiga tutelar y resolver los conflictos de las partes como particulares, la utilización de recursos de la función judicial no parece ser sólo cuestión de las partes, o al menos no sólo exclusivamente de ellas.10

El desarrollo jurídico en la historia el derecho procesal civil ha conducido desde fines del siglo XIX hasta finales del siglo XXI con las últimas grandes reformas euro-peas, latinoamericanas y asiáticas a un aumento del poder del juez.11 Así, consecuen-te con su responsabilidad en la dirección y manejo del proceso se pasó de un simple juez observador y pasivo a uno director y organizador (juez activo y colaborador).12 Acá no cabe distinción entre el proceso civil del Common Law (modelos como el del Reino Unido (Jackson 2013), incluso las reformas a la FRCP de EEUU13 con entrada en vigencia en diciembre del 2015) y del Civil Law. La recopilación de información para iniciar un proceso o para enfrentarlo según la parte que se considere, puede

9. BeNthaM, Jeremy. Rationale of Judicial Evidence Specially Applied to English Practice. Lon-dres, 1827. vol. 1, p. 34.

10. oliveira, C. A. alvaro de. El derecho a la tutela jurisdiccional efectiva desde la perspectiva de los derechos fundamentales. Derecho Procesal. XXI Jornadas Iberoamericanas. Lima: Uni-versidad de Lima, 2008. p. 67; laNG, Sonja. Die Urkundenvorlagepflichten der Gegenpartei gemäß § 142 Abs. 1 Satz 1 ZPO. Frankfurt: Peter Lang, 2007. p. 10-34.

dreNckhahN, Cornelia. Urkundsvorlagepflichten im Zivilprozess und im arbeitsgerichtlichen Verfahren nach der ZPO-Reform unter besonderer Berücksichtigung der Neufassung des § 142 ZPO. Frankfurt a. M.: Peter Lang, 2007. p. 20-50.

11. verBerk, Remme. Fact-Finding in Civil Litigation. Antwert: Intersentia, 2010. p. 66.

12. schlosser, Peter. Op. cit., p. 599; schöPFliN, Martin, Die Beweiserhebung von Amts wegen im Zivilprozess. Frankfurt a M.: Peter Lang, 1992. p. 17-26; PrüttiNG, Hanns. Die Grundlage des Zivilprozesses im Wandel der Gesetzgebung. Neue Juristischen Wochenschrift. 1980, p. 361.

13. Así se pueden mencionar recientes reformas como: The Lawsuit Abuse Reduction Act of 2015 (Septiembre 2015); material de guía para las reformas al Descovery y la proporcionalidad: Guidelines and Suggested Practices for Implementing the 2015 Discovery Amendments to Achieve Proportionality. [https://law.duke.edu/sites/default/files/centers/judicialstudies/guidelines_and_suggested_practicesthird_draft.pdf]. Visitado: 18.09.2015; Especialmente debe mencionarse la propuesta de reforma del Comité que se introduce Rule 1: “They should be construed, and administered, and employed by the court and the parties to secure the just, speedy, and inexpensive determination of every action and proceeding” ver completo en [http://lawprofessors.typepad.com/files/frcp-amendments---redline-committee-notes.pdf]. Visitado: 18.09.2015). Igualmente la regulación sobre gestión de las audiencias preliminares, calendarización y otros detalles (Regla 16). Para una revisión completa de las FRCP puede verse [www.law.cornell.edu/rules/frcp] (Visitado: 18.09.2015).

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generar mejores frutos cuando permite focalizar, determinar y limitar sobre lo que lo podría ser objeto de una disputa y poder ser el cimiento de una futura motivación de la decisión.14 Ello puede fundar adecuadamente la elección del camino adecuado para llegar a un resultado respetando los tres componentes cuatro premisas básicas que enunciara en la introducción. La adecuada dirección y gestión del caso en una audiencia destinada a ello es relevante e importante para los pasos posteriores.15

Este aporte se compone de las siguientes partes: en primer lugar se desarrollan las ideas relacionadas con la la finalidad del proceso y su eficiencia en un período histórico concreto (II). Luego se analizan las nociones de gestión y dirección del proceso a partir de las reformas al proceso civil inglés (III). Continúa la propuesta con la distribución de responsabilidades entre el juez y las partes en el proceso civil (IV), que permite sentar las bases de la proposición de una audiencia preparatoria con mayores aspiraciones (V). Finalmente se plantean las conclusiones (VI).

ii. alGuNas reFereNcias a similares PreocuPacioNes eN la hisToria del derecho Procesal: ¿solucióN de coNFlicTos, verdad, JusTicia, celeridad?

En el período del temprano medioevo la prueba tenía un significado y uso en el proceso que combinaba racionalidad e irracionalidad. El acceso a la prueba y en especial la necesidad de minimizar el riesgo de error está directamente relaciona-do con las creencias y cosmovisión de una sociedad en un momento particular de la historia, lo que evoluciona y se transforma dentro de un contexto holístico de comprensión donde hay muchos factores que interactúan en la comprensión de la finalidad del proceso y elementos tales como la prueba. La fuerza y contrafuerza de los bárbaros, el legado del derecho romano y el derecho canónico desempeñan un rol fundamental. En el caso del common law su origen es esencialmente teutó-nico y proviene de dos fuentes el derecho anglosajón y el derecho normando y este a su vez tiene fuentes en el derecho de los francos. Puede decirse con certeza que el derecho común del Reino Unido es más germánico y tuvo mayor influencia germánica que el propio derecho austríaco alemán y de alguna forma por los fran-cos y el derecho canónico tuvo recepción muy tamizada ciertos elementos del proceso civil romano.16

14. verBerk, Remme. Op. cit., p. 303-324.

15. huBer, Stefan. Entwicklung transnationaler Modellregeln Zivilverfahren. Tubinga: Mohr Sie-beck, 2008. p. 11-20.

16. aMes, J. The Salic and Anglo-Saxon Courts. Lectures on Legal History. Cambridge: Harvard University Press 1913. p. 34.

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1. Recortes de la historia medieval sobre la finalidad del proceso y la jurisdicción: la solución de controversias

Especialmente para las tribus teutónicas no resultaba ajeno el riesgo de la incer-tidumbre y mucho más del error al que podía arribar un proceso en la decisión. Más si se tiene en cuenta que en períodos de fragilidad institucional en sociedades disueltas la paz y la seguridad eran valores esenciales. La falta de distinción entre lo cuestiones civiles y penales coadyuvava a tratar materias diferentes con algunos instrumentos comunes que a la luz contemporánea resultan difícil de comprender. En otras palabras la alternativa inicial al proceso era la guerra o la venganza priva-da, donde el más fuerte se imponía al más debil, independiente de quien tuviera la razón. Ello fue evolucionando para dar lugar a mecanismos más civilizados, así los acuerdos o composiciones al menos garantizaban al más débil condiciones menos gravosas que ser vencido y sometido con violencia y en el marco de un enfrenta-miento bélico, aunque sea meramente tribal. Simplemente debía satisfacer las aspi-raciones del vencedor. La composición no en un mecanismo original de los fran-cos, aunque tampoco les era ajeno al derecho romano y las tribus teutónicas como a otros pueblos que iban sometiéndose al imperio en expansión como un mecanis-mo de gobierno para evitar la anarquía en los pueblos bárbaros conquistados.17 La diferencia entre la composición romana y la teutónica estaba en que la primera no se admitía como sustituto cuando era aplicable la pena de muerte. La aceptación paulatina de la composición para sustituir las sanciones de amputación o de pena de muerte puede explicarse dentro del contexto social y legal de cohabitación del sistema teutónico con la injerencia de la Iglesia Católica y la conversión del impe-rio romano cuya regulación era contraria al empleo de medios sanguinarios como sanción. De forma que es correcto sostener que el origen de la composición en la temprana edad media surgirá de la combinación de las costumbres teutónicas y las la práctica del derecho romano con la morigeración incorporada de la Iglesia Cató-lica. Esto puede verse concretado en la Lex Salica (Derecho Franco) que logró combinar las distintas influencias.18

El uso de la fuerza como medio para la consecución de la paz, como se verá, no fue abolido totalmente y trasuntó en mecanismos procesales (con finalidad proba-toria) que conservaban tintes de irracionalidad y de lucha donde el más fuerte triunfaba, es decir le asistía la razón y justicia. En una segunda etapa los procedi-mientos evolucionaron hacia modalidades más civilizadas como el caso de los fran-cos y de los anglo-sajones luego de la caída del imperio romano con el empleo

17. ho, H. L. The Legitimacy of Medieval Proof. Journal of Law and Religion. 19. n. 2. p. 259-298. 2003.

18. Beauchet, l. L’organisation judiciaire en France epoque Franque. Paris: Rousseau, 1886. p. 14 (n. 3) y 11 (n. 39).

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significativo de la prueba de testigos e incipiente prueba documental (al menos entre las clases más preparadas y alfabetizadas).19 El temor a la insuficiencia proba-toria y la necesidad de tener una decisión final no dejaron de ser un tema no solu-cionado aceptablemente. El peligro de la falta de persuasión del tribunal por un lado, y por el otro la necesidad de que el tribunal debía pronunciarse, ya que de lo contrario la paz podía ser alterada, justificó el empleo del duelo, el azar, las ordalí-as (sucedaneos irracionales de la guerra y convenciones) como complemento por la influencia del proceso canónico, la prueba tarifada o legal. Esta última como sa-lida irracional camuflada de racionalidad y dogmatismo.

El trabajo y rol principal comienza a ser asumido por las partes como responsa-bles primarias de dar curso para que el juez pasivo –y lentamente sobrecargado- pueda arribar a una decisión. Ahora bien, la decisión se fundaba en un veredicto emanado del agrupamiento de vecinos respetables y libres que le proponían la deci-sión luego de evaluar el enfrentamiento de las partes. El germen del jurado popular comenzaba a tomar forma.20 Las nuevas características del procedimiento fueron la preponderancia de la oralidad, la publicidad y ciertos elementos de solemnidades preestablecidos. Las partes litigantes estaban obligadas a exponer a viva voz sus de-mandas de acuerdo a reglas estrictas requeridas en el tribunal. La sola desobediencia o falta de observancia del ritual procedimental podía tener por consecuencia la con-clusión de la disputa en perjuicio de la parte irrespetuosa de las formas.21 El uso del juramento por el demandante y el reto al demandado para que también lo prestara, instaba a que cada parte debía indicar vecinos cercanos que los apoyaran asumiendo ellos también las consecuencias de un juramento falso. Así si nadie acompañaba a la parte, por saber que el juramento lo afectaría era de suponer que esa parte no tenía la razón y podía perder el proceso. Las resoluciones normalmente ordenaban al de-mandado que hiciera comparecer amigos o parientes que adhirieran a su juramento los que “co-purgaban” con la parte. En el supuesto de no cumplir con ello, pues era la prueba subsidiaria del juicio de Dios ya sea mediante ordalías o mediante un due-lo judicial lo que brindaría la solución al caso. Teniendo estas vías subsidiarias un sustento desde mágico a divino eran creíbles, vinculantes y ponían fin al proceso.22 En la temprana edad media los co-purgadores tenían un significado excepcional de prueba entre los francos. Justamente los manuscritos iniciales de la ley Sálica redu-

19. Wood, J. Disputes in the Late Fifth and Sixth-Century Gaul. In: davis, W.; Fouracre, P. (coord.). Settlement of Disputes in the Early Medieval Europe. Cambridge: Cambridge Uni-versity Press, 1986. p. 17-20.

20. Beauchet, l. Op. cit.

21. Mcauley, Finbarr. Canon law and the end of the ordeal. Oxford Journal of Legal Studies. 26. n. 3. p. 473-513. 2006.

22. PalMer, R. Trial by Ordeal. Michigan Law Review. vol. 87. n. 6. p. 1547-1556. 2013.

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cen su admisibilidad sólo si no existían otros medios de prueba disponible para los litigantes. Esto contrastaba con las tribus germánicas teutones y anglosajones donde si asumía un rol relevante. Entre las tribus germanas la credibilidad de los testigos era la misma de acuerdo a su rango y estatus su testimonio tenía el mismo peso y no era tenido en cuenta la calidad de testigo excepto para aquellos casos de condena por perjurio donde no era permitido el juramento.23

La Iglesia católica adoptó también las ordalías como medio de prueba y aún cuando no era la la ideadora de aquellas, sí fue su promotora dentro de las tribus teutónicas para de cierta forma “institucionalizar” y poder controlar su uso.24 En definitiva la ordalía no era un medio ordinario de prueba sino que desempeñó siempre un rol subsidiario y extraordinario como última ratio. Es decir una vez que se habían agotado los medios racionales de prueba y no había claridad sobre quien había resultado ganador del proceso. Si debe mencionarse que en la ordalía el eje-cutor de la misma era normalmente un sacerdote que podía manipular fácilmente el resultado de la misma. Por otro lado el duelo judicial fue muy popular entre los teutónicos y en el continente, en contraste a su poco uso por parte de los anglosa-jones. Cuando el juramento no era suficiente, pues el reto a duelo y la mayor o menor habilidad y capacidad de los contendores nuevamente garantizan arribar a un resultado con ganador y perdedor. Aún cuando el duelo fue usado más en el ámbito y en el contexto criminal –en especial en delitos donde había víctima y vic-timario– también tuvo su uso en materia de procesos civiles en especial en materia de sucesiones.25 El duelo no era bien visto ni estaba institucionalizado por la Igle-sia, ello debido a la prohibición que pesaba sobre los religiosos de intervenir en cualquier actividad donde hubiera derrame de sangre. Los sacerdotes y obispos tenían prohibido otorgar su bendición o tomar parte en un duelo judicial. Esto es importante ya que a diferencia de las ordalías la intervención del clérigo –por fines humanitarios– no garantizaba ni tenía relevancia en el resultado. La falta de con-fianza en la administración de las ordalías, justamente por la manipulación de su resultado, pudo haber sido influyente entre los francos para que prefieran el duelo a aquellas. Mucho más aún el duelo fue siempre considerada entre los francos como un privilegio de nobles y de hombres libres como opuesto a las ordalías usa-da normalmente por personas de nivel y estatus social bajo.26 Una de las peculiari-

23. Idem, ibidem.

24. Mcauley, Finbarr. Op. cit.

25. NehlseN-voN stryck, k. Die Krisse der “irrationalen” Beweisses in Hoch- und Spätmittelalter und ihre geschelschaftliche Implikationen Zeitschrift der Savigny-Stiftung für Rechtsgeschichte – Germ. Abt. 117, 2000, p. 1-38.

26. GaNshoF, F.-l. La preuve dans le Droit Franc. Recueils de la Société Jean Bodin. t. XVII. p. 71-98. 1965.

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dades ausentes del sistema bárbaro es la ausencia de toda referencia regulativa a la carga de la prueba, contrario al derecho romano que exigía al menos el aporte de la prueba por el demandante. Ello podría haber solucionado la compleja aplicación subsidiaria o principal de reglas probatorias irracionales.

Una de las características fundamentales de las tribus teutónicas que influyó en su sistema procesal fue justamente su organización social. Así en períodos en los cuales la revancha en la guerra privada eran comunes, los miembros de las comu-nidades germánicas asumieron un compromiso o garantía de paz y tregua. Los factores de decisión finalmente terminaban siendo la fuerza de una parte y su apoyo o soporte social específico. Las cortes y tribunales de justicia desempeñaban justa-mente el rol del lugar indicado para el logro de estos objetivos, la pacificación por la solución de controversias antes que lograr un resultado fundado en la justicia y veracidad para dar o no la razón a uno de los contendores. Eran el perfecto suceda-neo de la guerra y la alternativa de la paz. Pero quien ganaba el proceso era la parte más fuerte y no necesariamente la que tenía razón; en segundo lugar las decisiones judiciales no tenían por objeto sino sólo la solución de la controversia en ningún caso la búsqueda de la verdad y la justicia para el caso concreto.

2. El inicio de la preocupación por una decisión legítima y justa.

La paulatina ampliación de dominio territorial y con ello de la burocratización, corruptela y falta de control sobre la administración de territorios lejanos al poder central tanto de los francos como de la Iglesia Católica marcó el surgimiento de un instituto común: la inquisición. Cada vez más se necesitaba controlar la adminis-tración de justicia en territorios alejados del monarca para evitar las crecientes in-justicias o bien decisiones que iban en contra de los intereses de la administración central. Así Carlomagno decide enviar jueces itinerantes a las diferentes partes del reino. El trasfondo de la inquisición franca estaba dada en la necesidad que tenía el rey de conservar la unidad y dominio de las comunidades que integraban su reino y tomar el mando frente a la crecinte y poderosa aristocracia en cada una de ellas.27

Por ello era relevantes desde el punto de vista político que en determinados casos no se apliquen los mecanismos ordinarios de prueba por ejemplo el juramen-to, la ordalía o el duelo que como vimos dependían del más fuerte y en los cuales la aristocracia y clero local tenían mayores posibilidades de manipulación a costa de sacrificar la verdad y la justicia de la demanda. Por cierto ya era posible ver que no fue un invento original de Carlomagno sino que ya tuvo sus antecedentes en el derecho romano particularmente en los oficiales mencionados en el código Teodo-siano. Ello corrobora además de que el derecho de los francos tiene indicios de

27. Mcauley, Finbarr. Op. cit.

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haber empleado fuentes romanas, aún cuando no pueden arribarse a conclusiones definitorias, no puede negarse tampoco el hecho de que el derecho romano era conocido y en cierta forma en algunos casos incorporado como fuente en el dere-cho carolingio.28 Por de pronto en el desempeño del cumplimiento de la ley y como fiscales una de sus funciones principales era citar a los hombres honorables del correspondiente distrito a los efectos de que estos informen sobre el tema en dispu-ta. Los comisionados tenían el poder para interrogar a los citados, y el interrogato-rio no sólo se podría circunscribir a crímenes u ofensas en mayor o menor grado sino también a todo tipo de materia de interés real. Las preguntas se dirigían direc-tamente al testigo quien prestaba juramento, pero no existían reglas o normas de solemnidad de cómo llevarlas adelante: una de las alternativas era el interrogatorio individual otra el grupal.

La influencia de la Iglesia católica en el proceso civil además de las diferencias obvias entre los procedimientos de carácter canónico y el empleado por las comu-nidades bárbaras es correcto sostener que ambos siguen similares patrones de evo-lución que finalmente terminan influenciándose mutuamente. Ello a punto que en los procedimientos eclesiásticos era posible encontrar sistemas tanto racionales como irracionales de prueba. Durante la temprana edad media el proceso canónico fue una mera adaptación de los procedimientos contenidos en el corpus de Justi-niano y que seguían los patrones del sistema adversarial. Sin embargo la Iglesia desarrolló un singular sistema procesal mucho más complejo y fundado en la prue-ba legal o tasada que al igual que todas los métodos antes mencionados tenía en mira el riesgo de la insuficiencia probatorio. La doctrina del derecho canónico es-tudio la prueba testimonial con muchísimo mayor detalle que otro medio de prue-ba elaborando estrictas reglas de examen y valoración. Manifestación de ello fue la incorporación modificada de la carga de la prueba combinada con el valor tarifado de cada medio de prueba para lograr una precisión aritmética que, combinada con el sistema adversarial, permitían tener un ganador claro. Nada quedaba librado a la discresión judicial. El alto grado de perjurio en los tribunales eclesiásticos más la influencia ejercida por las curias locales hizo repensar el sistema y en definitiva percatarse que la mejor forma de evitar la arbitrariedad era mediante emisarios di-rectos de Roma procurando decisiones justas y mayor acercamiento a la verdad. Este fue el escenario justamente encontrado por el Papa Inocencio III quien quien para luchar contra dicha deficiencia creó el sistema de la inquisición canónica. La inquisición canónica comenzó a tener lugar para ocupar el lugar o sustituir el jura-mento purgatorio en caso de las denuncias hasta entonces debido a su carácter adversarial la jurisdicción eclesiástica perseguía crímenes sólo cuando alguien pre-sentaba cargos ya se haba por la forma de acusación o de denuncia. Inocencio III

28. GaNshoF, F.-l. Op. cit.

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introdujo una nueva forma para el inicio del procedimiento, de oficio que era la inquisición de esta forma la inquisición canónica se convirtió en un medio de po-der obtener y recolectar prueba en procedimientos criminales.29

Puede verse de este relato histórico, como el paso de la simple solución de con-troversias a la preocupación por la verdad y justicia de las decisiones marcan un rumbo que veremos se repite contemporaneamente.

iii. GesTióN y direccióN de Procesos eN la JusTicia civil

Si analizamos la regla primera de las Civil Procedure Rules inglesas30 puede identificarse un postulado teleológico y referencias instrumentales, es decir para qué sirven estas reglas y cómo lograr los objetivos enunciados.31 Lo primero es brindar un tratamiento a los casos de manera justa y proporcional a su costo (fi-nes). Lo segundo implica que deben tenerse en cuenta para el tratamiento según criterios de justicia y proporcionalidad: la igualdad de las partes en el proceso, el costo (financiero, temporal) y las condiciones de las partes para abordarlo, la im-portancia como complejidad de los temas que comprende, la proporcional asigna-ción de recursos y energías para el caso (medios). Esta asignación de recursos no está solo focalizada para un proceso actual a ser conocido por un tribunal, sino que debiera tener en cuenta que hay y habrán otros caos que requeriran la infraestruc-tura y recursos humanos del poder judicial.32 ¿Quiénes son los destinatarios de estas normas, quiénes deben garantizar su aplicación? Pues las reglas 1.2 y 1.3 es-

29. BruNdaGe, James. The Medieval Origins of the Legal Profession. Chicago: Chicago University Press, 2008. p. 135-145.

30. “1.1(1) These Rules are a new procedural code with the overriding objective of enabling the court to deal with cases justly and at proportionate cost.

(2) Dealing with a case justly and at proportionate cost includes, so far as is practicable – (a) ensuring that the parties are on an equal footing; (b) saving expense; (c) dealing with the case in ways which are proportionate – (i) to the amount of money involved; (ii) to the importance of the case; (iii) to the complexity of the issues; and (iv) to the financial position of each party; (d) ensuring that it is dealt with expeditiously and fairly; (e) allotting to it an appropriate share of the court’s resources, while taking into account

the need to allot resources to other cases; and (f) enforcing compliance with rules, practice directions and orders.”

31. dWyer, Déidre. What Is The Meaning of CPR r 1.1.(1). In: dWyer D. (ed.). The Civil Proce-dure Rules Ten Years on. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 65-76.

32. aNdreWs, Neil. The Three Paths of Justice. Dordrecht: Springer, 2012. p. 25-48.

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tablecen ques son responsables de ello el tribunal y las partes respectivamente. Las partes mediante su adecuada colaboración, el tribunal mediante la gestión, direcci-ón y cooperación con las partes. En definitiva los intereses y los derechos que final-mente serán tutelados son diferentes, pero la finalidad de una solución justa sigue siendo común.

¿Es posible trasladar esta visión a nuestros procesos civiles por audiencias? Mi respuesta es que no solo es posible y deseable. Podría inicialmente afirmarse que la finalidad del proceso es lograr una solución justa mediante la averiguación de la verdad. Esta afirmación, tal cual surge arriba de la descripción del modelo británico no sería totalmente incorrecta, pero tampoco es totalmente correcta. Hay otros elementos a tener en cuenta como la eficiencia, eficacia, tiempo, la concentración y los derechos procesales de las partes que imponen un marco complementario nece-sario a lo afirmado. Y ese marco se traduce en la proporcionalidad, si se quiere mediante el respeto muchas veces reducido en la visión del civil law a la “economía procesal”.33 Hablar de gestión y dirección del proceso no es lo mismo y por ende deben hacerse algunas precisiones conceptuales que llenen de contenido a la pre-misa del “juez activo”.

Gestionar un caso es considerarlo dentro del universo posible de otros casos que debieran o deberán merecer la atención y consecuente asignación de recursos esca-sos. Para la gestión es fundamental el contexto de la importancia, cuantía, costos del proceso actual y situación de las partes para la aplicación de la proporcionadad a los efectos de dirigir ese caso hacia una solución justa equitativa.34 La regla 1.435 de las CPR justamente señalan al tribunal el deber de gestión y la dirección en con-

33. rhee, C. H. van. Civil Justice in Pursuit of Efficiency. In: uzelac, a. (coord.). Goals of Civil Justice and Civil Procedure in the Contemporary World. New York, London, 2014. p. 61 y ss.; rechBerGer, Walter. Economy and efficiency of civil procedure versus litigation culture- an Austrian perspective. Recent Trends in Economy and Efficiency of Civil Procedure. Vilnius, 2013. p. 225 y ss.

34. MaGeNdie, J.-C. Célérité et qualité de la justice – La gestion du temps dans le procès. La documentation francaise. Paris, 2004. p. 20-35.

35. “1.4(1) The court must further the overriding objective by actively managing cases. (2) Active case management includes – (a) encouraging the parties to co-operate with each other in the conduct of the proceedings; (b) identifying the issues at an early stage; (c) deciding promptly which issues need full investigation and trial and accordingly dis-

posing summarily of the others; (d) deciding the order in which issues are to be resolved; (e) encouraging the parties to use an alternative dispute resolution(GL)procedure if the

court considers that appropriate and facilitating the use of such procedure; (f) helping the parties to settle the whole or part of the case; (g) fixing timetables or otherwise controlling the progress of the case;

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

creto de cada proceso en tanto: (i) debe ser proactivo para instar a las partes a co-laborar y participar, poder identificar los temas y problemáticas del caso temprana-mente, (ii) lo que permite priorizar y ordenar los pasos a seguir (analítica del caso lo relevante de lo irrelevante, lo simple de lo complejo), (iii) alentar a las partes a arribar a una solución amistosa, (iv) poder establecer el espacio de tiempo adecua-do para ese caso en términos de costo y esfuerzos requeribles. Así una evaluación temprana adecuada proporciona la mayor cantidad de información posible que pueda iluminar sobre pasos futuros, sea en la vía adjudicatica, sea mediante la re-misión a mediación, arbitraje o una propuesta de conciliación. Estos mecanismos que no llamaré de alternativos, sino complementarios suelen ser menos formales y más flexibles con rol preponderante de las partes y sus intereses. Las ventajas po-tenciales del uso de ADR incluyen ahorro de tiempo, ahorro de dinero, y un mayor control sobre el proceso y el resultado, y el aumento de la satisfacción (o al menos disminuida insatisfacción) en ambos lados de la disputa. Ello por cierto no excluye el peligro que pueda eficientemente arribarse a un resultado donde una parte fuer-te se imponga a la debil “inequitativamente” (tal como la composición y el duelo lo hicieron en su momento histórico).36

Antes de la introducción de las reformas Woolf en Inglaterra, la respuesta a la pregunta de cuál era la finalidad u objetivos del sistema de justicia civil podía for-mularse en estos términos: lograr la justicia sobre el mérito, una decisión correcta en criterios de justicia material. El costo que ello podía irrogar a las partes, al tribu-nal y al Estado implicaba una panacea en la que la duración, los recursos aplicados y en definitiva la tutela de los derechos en un caso particular como en otros proce-sos actuales o potenciales era tolerable.37 Tamaño fin justificaba los medios. Las reformas Woolf y las recientes Jackson del 2013 modificaron radicalmente el com-promiso con el principio de exactitud/corrección justa de la decisión. Ello fue con-cebido como un cambio de paradigmas que imponía un compromiso más equili-brado, donde la exactitud era un objetivo más a ser comprendido dentro del con-

(h) considering whether the likely benefits of taking a particular step justify the cost of taking it;

(i) dealing with as many aspects of the case as it can on the same occasion; (j) dealing with the case without the parties needing to attend at court; (k) making use of technology; and (l) giving directions to ensure that the trial of a case proceeds quickly and efficiently.”

36. Comp. igualmente en Francia cadiet, loïc. Introduction to French Civil Justice System and Civil Procedural Law. Ritsumeikan University Law Review. 2011. p. 331.

37. clarke, Anthony. The Woolf Reforms: A Singular Event or an Ongoing Process? In: dWyer, D. (ed.) The Civil Procedure Rules Ten Years on. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 33-50.

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

texto de concurrencia con otros principios.38 Ya no era solo la justicia del mérito del caso, sino el tratamiento de cada caso en forma justa y equitativa lo que incorpora los principios de igualdad, economía, la proporcionalidad y la celeridad que son fundamentales para un sistema moderno de justicia eficaz. La proporcionalidad luego permite hablar de una justicia procesal distributiva.39

La proporcionalidad, es un aspecto realmente novedoso como faro orientador de la justicia civil, ya no se admite que solo y necesariamente deba arribarse a una decisión correcta a cualquier costo, incluso del derecho de la parte cuya tutela se solicita (y es otorgada tardía o insuficientemente).40 La proporcionalidad no exige precisión y se aplica al menos a dos dimensiones: (i) a las parte en tanto amplía el horizonte de acceso a la justicia y poder transitar en ella con costos adecuados y en un tiempo razonable ; (ii) en relación al tribunal que debe considerar un caso actu-al y los recursos a él asignados contextualizándolo dentro de otros casos que debe-rá de futuro conocer y decidir “considerar la cantidad de recursos gastados en cada caso haya en la necesidad de asegurar que los recursos judiciales apropiados están disponibles para otros litigantes” (CPR 1.1 (2) (e)). La combinación del juez activo director y gestor del proceso sumado al rol de las partes (en el ejercicio de su auto-nomía para proponer el diseño y flexibilidad del proceso sumado a su deber de cooperación) parecen ser una salida aceptable y funcional. No se excluye lo que incumbe al juez y a las partes, sino más bien se complementan.41

iv. la disTribucióN de roles como resPoNsabilid eNTre el Juez y las ParTes eN el Proceso civil

La justificción del compromiso con la justicia proporcional era y es de carácter pragmático. Se basa en la aceptación de que sólo hay una cantidad limitada de re-cursos, financieros y temporales, a disposición de los tribunales.42 En consecuen-

38. lord Justice JacksoN. Review of Civil Litigation Costs: Final Report, vol. I. p. 45-72. London, 2009.

39. rhee, C. H. van; uzelac, Alan. The pursuit of truth in contemporary civil procedure: revival of accuracy or new balance in favor of effectiveness?. In: rhee, C. H. van; uzelac, A. (co-ord.). Truth and Efficiency in Civil Litigation. Cambridge: Intersentia, 2012. p. 3-9.

40. GalliGaN, Denis. Due Process and Fair Procedures. Oxford, 1996; Picó i JuNoy, Joan. Il dirit-to processuale tra garantismo ed efficacia: un dibattito mal impostato. Studi di Diritto Pro-cessuale Civile in onore Giuseppe Tarzia. Milano: Giuffrè, 2005. vol. 1, p. 213 y ss.

41. Markus, Richard. Cooperation and Litigation: Thoughts on the American Experience. Kansas Law Review. n. 61. p. 821 y ss. 2013.

42. GreGer, Reinhard. Justizreform? Ja, aber… Juristen Zeitung. 2001. p. 842-850.; haNseNs, Heinz. Die ZPO-Reform. Anwaltsblatt. 2002. p.125-130; schellhaMMer, Kurt. Zivilprozess-reform und erste Instanz. Monatsschrift für Deutsches Rech, 2001. p. 1081-1082.

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

cia, con el fin de garantizar el acceso a la justicia para todos, debe conciliarse un equilibrio entre la necesidad de lograr una decisión precisa, el valor y el costo de adjudicación y la necesidad de garantizar el acceso efectivo a los recursos limitados para todos los litigantes (actuales y potenciales). Este equilibrio, inevitablemente dará lugar a una reducción en el compromiso con la exactitud: en lugar de tratar de lograr la justicia de los tribunales, de manera coherente con la necesidad de tratar los casos con justicia, se busca lograr la justicia proporcional.43

La proporcionalidad va de la mano de la flexibilidad y de abandonar la visión de la primacía y rigidez absoluta y utópica del procedimiento ordinario. Existen otras vías más adecuadas como técnica procesal para la tutela de un determinado dere-cho. Mientras se generen incentivos para contar con la mayor información posible en estadios iniciales del proceso hay mayor probabilidad de elección acertada de los pasos posteriores. Estamos acostumbrados en los modelos de procesos por audien-cia a concentrar la atención en en la audiencia principal, de juicio o de prueba restando importancia a la audiencia preparatoria, preliminar o primera audiencia.

1. La responsabilidad y rol del juez

El juez tiene el deber de esclarecer las cuestiones de hecho de derecho para una resolución motivada y razonable para el auditorio al que se destina.44 Un principio fundamental es el del control de las partes del inicio, mutación, fin y objeto del proceso (principio dispositivo).45 Si focalizamos ahora la atención en contexto no del sistema inglés, sino del alemán el § 139 del ZPO fue –y es considerado– como uno de los pilares del justo proceso.46 Este parágrafo regula el impulso y dinámica procesal en general, tanto en su redacción actual como en la anterior a la reforma del 2002. Se debe recordar que aquel no estaba contenido en el proyecto de Código Procesal Civil publicado en 1871 y fue recién incorporado con motivo de la reenu-meración del Código con la reforma de 1898.47 En los hechos, las modificaciones posteiores al CPO (Civilprozessordnung) no resultaron exitosas en su aplicación práctica y es a partir del 2002 que toma un real impulso. Veremos como se dan si-militudes en la visión del rol atribuido al juez en el modelo procesal alemán.

Inicialmente se fue reticente a la aplicación plena de la norma, por considerarla inocua e inobservable en la práctica por los operadores del sistema. Por ello, aun-

43. strodthoFF, Bert-Hagen. Die richterliche Frage- und Erörterungspflicht im deutsschen Zivil-prozess in historischer Perspektive. Frankfurt: Peter Lang, 2004. p. 266-270.

44. haNNich, Rolf. ZPO-Reform, Einfürung-Texte-Materialien. Múnich: Beck, 2002. p. 190-193.

45. schilkeN, Eberhard. Zivilprozessrecht. Colonia: Heymanns, 2011. p. 7-24.

46. PrüttiNG, Hanns; GehrleiN, Markus. ZPO-Kommentar. Colonia: Luchterhand, 2011. n. 1-5; reNseN, Harmut. Die richterliche Hinweispflicht. Bielefeld: Gieseking, 2002. p. 1-15.

47. reNseN, Harmut. Op. cit., p. 15.

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

que las aclaraciones y preguntas que realice el tribunal –en teoría– colaboran con una mejor claridad y orden del proceso previniendo inútiles incidencias posterio-res, era necesario diagnosticar por qué fracasó en sus inicios el sistema de incentivo y sanciones. La falta de éxito se debió a una serie conexa de causas. (i) En primer lugar, las audiencias eran tardíamente preparadas. Incluso el tribunal recibía los expedientes, así como los dictámenes pertinentes, con una semana o días de anti-cipación a la primera audiencia oral. (ii) En caso de creer pertinentes determinadas aclaraciones, obviamente surgía el temor de que fueran introducidas nuevas cues-tiones de hecho o de derecho que podrían tácticamente obstaculizar el dictado in-mediato de una sentencia y así dilatar el proceso siendo necesarias nuevas audien-cias. (iii) También colaboró con ello el Supremo Tribunal Federal Alemán (BGH) con decisiones como la de 1984,48 según la cual la parte con representación letrada no tendría derecho a recibir instrucciones del juez que se relaciones con el derecho o los hechos sobre los que se sustenta el litigio. Más aún, en el año 1990 el BGH volvió sobre sus pasos, contrariando la decisión precedente a favor de la potestad esclarecedora del juez. De modo tal que la poca coherencia y predecibilidad sobre los alcances y la aplicación de esta disposición, la hizo ser resistida por temor en la práctica judicial.

Con la reforma del 2002, se agregó al § 139 ZPO el apartado 3 del antiguo § 278 ZPO. En su actual redacción, el § 139 ZPO se divide en cinco apartados. El prime-ro establece que el tribunal puede aclarar con las partes las cuestiones de hecho controvertidas realizando las preguntas pertinentes. De este modo el tribunal (también) colabora e incentiva a las partes para lograr una aclaración más comple-ta sobre las cuestiones de hecho relevantes. El apartado segundo dispone que cuando un punto de vista no haya sido reconocido por una parte o bien, evaluado como irrelevante por ambas, el tribunal podrá referirse a ello en su decisión sola-mente cuando haya permitido previamente el contradictorio de las partes sobre el punto. Ello también es válido cuando el punto de vista del tribunal sea absoluta-mente contrario al de las partes. El apartado tercero establece el derecho del tribu-nal de advertir en todas las cuestiones donde proceda su actuación de oficio. El apartado cuarto señala que el tribunal puede y debe instar las medidas para el adecuado conocimiento del proceso para evitar y prevenir errores futuros. El apar-tado quinto autoriza a que una parte pueda solicitar el otorgamiento de un plazo al tribunal para hacer entregar sus las aclaraciones que le fueran solicitadas por escrito.49

48. BGH (Bundesgerichtshof/Supremo tribunal Federal Alemán), NJW, (1984), p. 310.

49. schaeFer, Thomas. Was ist neu an der neuen Hinweispflicht? Neue Juristische Wochen-schrift. 2002, p. 849-855.

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PéRez-RagoNe, Álvaro. La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 405-435. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

2. La responsabilidad y rol colaborativo de las partes

Tradicionalmente se crearon dentro de la relación procesal ciertas dificultades para la incorporación de las distintas situaciones jurídicas que podían darse en la relación material. Me refiero especialmente a los supuestos de deberes-derechos, obligaciones, privilegios y potestades. Superando la distinción entre carga y deber, podría hablarse de deberes procesales de las partes en relación al aporte de infor-mación relevante para un proceso.50 La evolución conceptual del principio de contradicción o bilateralidad tiene correlación con el deber de cooperación a par-tir de supuestos objetivos de buena fe y la teoría del abuso del derecho. Ello en tanto deberes aplicables a los sujetos procesales.51 Si consideramos la pretensión de información en un proceso podríamos considerarla desde dos puntos de vistas, no necesariamente excluyente. O es meramente auxiliar a una pretensión sustan-tiva principal que motivará y será el centro de discusión en ese proceso. O por el contrario tiene cierto grado de independencia que permite fundamentar una exis-tencia y fines propios (como el esclareciemiento mismo y la satisfacción de las fi-nalidades el proceso civil. Dentro del primer grupo hemos de encontrar casos que denominaremos pretensiones de información procesal derivadas, mientras que el segundo comprende las pretensiones de información autónomas. Creo que nada impide la co-existencia de ambos tipos de debberes de información exigibles.52 La necesidad de disminuir el déficit de información probatoria impone la cohexisten-cia de deberes de cooperación (de partes y terceros) con límites contenidos en derechos de objeción absolutos y relativos que deben ponderarse en cada caso particular.

Las primeras contemplan deberes de cooperación procesal que contienen uno de caracter material, como por ejemplo el deber de conservar determinados docu-mentos celebrado un contrato o el deber de rendición de cuentas de quien adminis-tra un negocio e intereses ajenos. Al caso anterior se deben sumar deberes procesa-les cuyo fundamento directo es la relación procesal misma, así el clásico ejemplo de los deberes del testigo. Esta clasificación asume importancia a los efectos de deter-

50. stürNer, Rolf. Die Aufklärungspflicht der Parteien des Zivilprozesses. Tubinga: Mohr Siebeck, 1976. p. 329.

51. Ver en detalle: caBral, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva. Revista de Processo. ano 30. vol. 126. p. 59-81. São Paulo: Ed. RT, ago. 2005; Beri-zoNce, R. El principio de colaboracion procesal y el régime de la prueba. La Prueba: home-naje al maestro Hernando Devis Echandía. Colombia: Universidad, 2002. p. 385-401; y por cierto la formulación del Nuevo Código de Processo Civil del Brasil (2015) en su art. 6: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo ra-zoável, decisão de mérito justa e efetiva” (recuérdese la formulación de las reglas inglesas).

52. verBerk, Remme. Op. cit., p. 413.

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minar una técnica legislativa adecuada para el tratamiento del deber de coopera-ción procesal informativa.53

Lo que tratamos antes como necesidad de debido esclarecimiento instado o “co-adyuvado” por el tribunal (en realidad el rol o grano de arena que a éste incumbe) como herramienta de dirección material y de gestión del proceso se complementa con la imposición de debida cooperación de las partes.54 La acuciosa discusión de siglos en torno a la existencia o no de un deber procesal general de esclarecimiento no tuvo especial relevancia en la praxis jurisprudencial alemana, sino a partir de la sentencia del tribunal Federal alemán del 11 junio 1990.55

Creo necesario evaluar la recepción en principio e ideas de una vanguardista tesis de habilitación56 y otra monografía posterior57 para justificar y examinar la reforma alema-na a partir del año 2002 como enrome contribución al derecho procezxal civil compa-rado. El deber de aviso, advertencia o instrucción del juez a las partes y el imperativo de aclaración de éstas coadyuvan a un mejor y más justo proceso dentro de los marcos de libertad, igualdad y reconocimiento de la responsabilidades de los distintos intervi-nientes en el proceso civil. Cualquiera sea la visión crítica que se asuma nos encontra-remos con una serie de supuestos regulados, ya en el derecho material ya en el derecho procesal, que conforman imperativos de cooperación o esclarecimiento.58

Hasta la reforma del año 2002 existían (se debe aclarar que incluso luego de la reforma existen) al menos tres posiciones en la dogmática y jurisprudencia alema-na al respecto.

(i) Una sostiene que a la parte que no tiene la carga de la prueba no puede exigírsele un deber procesal de cooperación informativa o de esclarecimiento. Ello justificaría que pueda exigírsele dicho deber si se funda en el derecho mate-rial, mas no en forma autónoma. Para esta teoría es importante la limitación dentro de este deber de cooperación fundado en el derecho material y la necesi-

53. schöPFliN, Martin. Op. cit., p. 190.

54. stürNer, Rolf. Parteipflichten… cit., p. 239. Ver igualmente BräNdli, Beat. Prozessökonomie im schweizerischen Recht. Berna, 2013. p. 150 y ss.

55. stürNer, Rolf. Anm. zum Urteil des BGH vom 11.6.1990 (NJW 1990, 315 1). Zeitschrift für Zivilprozessrecht. 104. p. 208-213. 1991.

56. Me refiero a la tesis de Rolf Stürner, Die Aufklärungspflicht… cit. Una posición minoritatia incluso hasta el siglo XXI, no obstante con importantes claves- para entender y aplicar – a la reforma desde el 2002. La tesis tuvo efectos relevantes en reformas como la protuguesa donde se incorpora una norma expresa en tal sentido.

57. stürNer, Rolf. Richterliche Aufklärungspflicht. Tubinga: Mohr Siebeck, 1982.

58. koch, Raphael. Mitwirkungsverantwortung im Zivilprozess. Tübingen, 2013. p. 5-10, p. 330

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dad de la ponderación de los distintos intereses en juego a partir de la disposición sustantiva.

(ii) Contra la tesis antes descrita se parte afirmando la existencia de un deber procesal general de esclarecimiento, el que incluso obligaría a la parte sin necesi-dad que pese sobre ella la carga de la prueba. Así siempre y cuando la (a) parte que tiene la carga de la prueba (b) haya alegado como fundamento de su petición deter-minados hechos y (c) ello pudo ser discutido en el juicio, surgiría entonces un deber general que obliga igualmente a ambas partes sin importar sobre quién recae la carga de probar. Ello siempre que (d) no exista una norma que permita un actu-ar oficioso del tribunal en razón de los intereeses o derechos en disputa. Así es posible hablar de un deber general de cooperación procesal cuando se verifican copulativamente las condiciones (a), (b) y (c). Independiente de ellas si se verifica un supuesto como (d) directamente se justifica un deber de colaboración procesal en razón de un interés o derecho superior copulativamente y para ese caso. Si no se dan alguno de los supuestos mencionados corresponderá la carga de la prueba a la parte cuya alegación necesita ser acreditada. Los representantes de esta visión la sustentan en la finalidad del proceso cuál es procurar lo mejor y lo máximo posible el acercamiento a la verdad, lo que estaría garantizado constitucionalmente me-diante el derecho de las partes a una tutela jurisdiccional efectiva. Los matices dentro de este posición permiten subdistinguir distintas visiones. Una postura59 acude al argumento de la fundamentación por analogía para poder ampliar la aplicación del deber general a partir de determinados supuestos existentes en el código procesal civil alemán. A partir de un deber general de veracidad e informa-ción procesal consagrado en el § 138 inciso primero y segundo, lo regulado en los §§ 423 445 372a y 654 ZPO serían casos especiales de aplicación del principio. Para ello a ello se enuncian las disposiciones sobre la división de la carga de la prueba enunciada por la dogmática en base a la cual, tiene la carga de la prueba aquella parte que, de acuerdo a las circunstancias se encuentra en mejores condi-ciones de poder acceder a la prueba. Otra parte de la doctrina infiere el deber gene-ral de información o cooperación procesal de principios generales aplicables al proceso y en especial de los relacionados por las conductas de coherencia que de-

59. stürNer, Rolf. Die Aufklärungspflicht… cit., p. 92; huBer, Stefan. Op. cit., p. 106-112. Ver en detalle zekoll, Joachim; Bolt, Jan. Die Pflicht zur Vorlage von Urkunden im Zivilprozess – Amerikanische Verhältnisse in Deutschland? Neue Juristische Wochenschrift. 2002. p. 2129-2133; kraayvaNGer, Hilgard, Urkundenvorlegung im Zivilprozess – Annäherung an das amerikanische “discovery” – Verfahren. Neue Justiz. 2003, p. 572. En detalle sobre las teorías la siempre vigente la obra de stürNer, Rolf. Die Aufklärungspflicht… cit., p. 10-60; Beckhaus, Gerrit. Die Bewältigung von Informationsdefiziten bei der Sachverhaltsaufklärung. Tubinga: Mohr Siebeck, 2010. p.25-35. En contra PrüttiNG, Hanns. Gegenwartsprobleme der Beweislast. Múnich: Beck, 1996. p. 13-18.

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ben asumir las partes en aplicación de máximas tales como el “venire contra factum propium” ( actuar contra los actos propios).60

(iii) Entre ambas posiciones extremas se encuentra una teoría intermedia61 que reconoce la existencia de deberes especiales de esclarecimiento fundados en el dere-cho material, los que deben ser observados, cumplidos y en su caso sancionados procesalmente (lo que se toma de la teisis (i)). A ello suma la necesidad de respetar y de cumplir aquellos deberes de cooperación procesal que surjan en casos excepcio-nales aun sin fundamento en el derecho sustantivo (lo que incluye a partir de la tesis (ii)).62 Serían una serie de principios jurídicos como la buena fe, la prohibición de actos contradictorios o incoherentes y la lealtad procesal los fundamentarían deberes procesales especiales de esclarecimiento. Así no habría un deber general, sino casos particulares fundados en aquellos principios que imponen deberes de esclarecimien-tos para esos supuestos. Integra esta tesis intermedia la histórica posición adoptada por el superior tribunal Federal alemán, la denominada teoría de la carga de la argu-mentación o del aporte argumentativo secundario, que justifica la imposición de imperativos de esclarecimiento aun sin relación con norma sustantiva alguna.63

En relación a estas tres posiciones desarrolladas la intermedia (iii) parece ser que combina adecuadamente las responsabilidades y roles del tribunal, de las par-tes y de terceros. Por ello compartiendo los funamentos de la tesis intermedia no veo obstáculos a una aplicación más extensiva de la misma.64 La lealtad y colabora-ción de las partes entre sí y para con el órgano jurisdiccional y recíprocamente imponen incluso, la eliminación de conductas estratégicas obstructivas de aquella parte que no tiene la carga de la prueba.65 Pero analicemos con mayor detalle la propuesta ampliada de la tesis intermedia. En realidad la pregunta central debiera reformularse en estos términos: (i) ¿En base a cuales requisitos y con qué amplitud

60. stürNer, Rolf. Anm. zum Urteil… p. 208 y 212.

61. PrüttiNG, Hanns. Gegenwartsprobleme… cit., p. 13.

62. schlosser, Peter. Op. cit., p. 599 e 604; PrüttiNG, Hanns. Gegenwartsprobleme… cit., p.137; stickelBrock, Barbara. Die Kollision von Prozessmaximen. Colonia: Heymanns, 1996. p.156; en ese sentido la jurisprudencia de varios tribunales: OLG Koblenz NJW 1968, 897; BGH NJW 1972, 1131, 1132; 1986, 2371, 2372; OLG Koblenz NJW 1968, 897;OLG Koblenz NJW 1968, 897; BGH NJW 1960, 821; 1963, 389, 390.

63. En detalle katzeNMeier, Christian. Aufklärungs/-Mitwirkungspflicht der nicht beweisbe-lasteten Partei im Zivilprozess. Juristen Zeitung. 2002, p. 534.

64. Comp. PrüttiNG, Hans. Gegenwartsprobleme… cit., p. 30-35, n. 43; schlosser, Peter. Op. cit., p. 599, n. 3; con matices más cercanos a la posición que acá se postula GreGer, Reinhard. Op. cit. p. 842, n. 24; haNseNs, Heinz. Op. cit., p. 125-127, n. 24; schellhaMMer, Kurt. Op. cit., p. 1082, n. 24.

65. En contra de esta propuesta PrüttiNG, Hans. Gegenwartsprobleme… cit., p. 137, n. 43.

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se podría exigir a las partes (tengan o no la carga de la prueba) el esclarecimiento de los hechos controvertidos en el proceso?; (ii) ¿Cómo podrían las partes y terce-ros ponderar adecuadamente el costo-beneficio frente al deber de colaboración, de forma tal que se generen incentivos adecuados y proporcionales que minimicen el riesgo de falta de información y maximicen la cooperación adecuada para una sen-tencia legítiva y convincente?

Acorde con la tesis planteada al incio de este aporte, los deberes de información se fundan no sólo en un derecho reconocido previamente en normas de carácter sustantivo, sino que además se correlacionan con los fines primarios de la justicia civil. No pueden ser estudiados in abstracto sin relacionarlos con la prestación de justicia eficiente, eficaz, oportuna, mediante un cause legal y equitativo.66 De esta forma, siendo que el derecho sustantivo no logrará cubrir todas las hipótesis de regulación de aporte de información en relación a las partes de futuros procesos, ello tiene que complementarse con los imperativos procesales de cooperación y esclarecimiento. Es que los deberes de esclarecimiento sustantivos y procesales deben distinguirse en su contenido y alcances de la “carga de alegación” que pesa sobre la parte procesal que no tiene “la carga de la prueba”. A la parte que está su-jeta a una carga secundaria, es pues el propio derecho sustantivo que le exige de-terminada conducta. El proceso “usa” de los deberes que impone el derecho sus-tantivo para exigir el aporte de información de aquel que no tiene la carga de la prueba procesal, pero que sí es sujeto obligado del derecho sustantivo.67

No es un problema, sino por el contrario representa la solución, partir conside-rando la existencia de un deber general de información y colaboración (de partes y terceros). En algunos casos ese deber se potencia con la regulación especifica de deberes sustantivos al respecto que pueden ayudar al mejor esclarecimiento de los hechos, sin necesidad de acudir a la carga de la prueba, siendo suficiente las alega-ciones sustanciadas o controvertidas de las partes.68

v. ProPuesTas Para uN audieNcia PreParaToria FuNcioNal

Una audiencia preparatoria (preliminar o primaria) debe contener la informaci-ón necesaria para que las partes y el tribunal puedan realizar una actividad analíti-

66. schlosser, Peter. Op. cit., p. 599, n. 3.

67. stickelBrock, Barbara. Op. cit., p. 156, n. 44; comp. PrüttiNG, Hanns. Datenschutz und Zivilverfahrensrecht. Zeitschrift für Zivilprozessrecht. n. 106. p. 427. 1993.; BrüGGeMaNN, Dieter. Judex statutor und judex investigator. Bielefeld: Gieseking, 1968. p. 47-51.

68. storMe, Matthias. Harmonisation of Civil Procedure and the Interaction with Substantive Private Law. In: kraMer, X-C. H.; rhee, C. V. van (ed.). Civil Litigation in a Globalising World. Springer: Asser, La Haya, 2012. p. 151-158.

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ca de lo pertinente, relevante y del contenido real de la disputa. Ello permite di-mensionar la carga financiera, temporal y emocional que podrían implicar las dis-tintas alternativas que se sigan. Es la oportunidad para poder sopesar los intereses y posiciones (algunas veces contradictorios, otras simplemente diferentes). Poder examinar y sanear defectos procesales que eventualmente acarrearían immecesa-rias disputas ajenas al mérito de la causa (con los consecuentes costos y dilacio-nes). La necesidad de poder contar con la mayor información posible (no en la cantidad y calidad que podría producirse de futuro en una audiencia de juicio) antes de la audiencia preliminar es importante. Para ello deben coadyuvar la exis-tencia de mecanismos de resguardo y requerimiento probatorio y preparatorio que nos son sino herramientas cautelares.

Solo para ejemplificar vale mencionar pre-action protocols del derecho inglés en vigencia desde 1999, al igual que los procedimientos prejudiciales de la ley alema-na de promoción de la resolución extrajudicial de litigios de 2000. Especial atenci-ón merece el régimen instituido en Italia con las reformas al Código Procesal Civil de 2005-2006, para la obtención preventiva de las pruebas en una fase judicial an-terior al proceso. El artículo 696 bis ha introducido la consulta técnica con función conciliatoria y desvinculada del tradicional requisito de la urgencia. De esta forma la fijación (y prueba) de los hechos con anterioridad al proceso mismo donde ten-drá lugar la audiencia preliminar asumen un valor tanto para un futuro camino contencioso, como también un rol facilitador de salidas amistosas. Nuevamente la fijación y comprobación temprana de los hechos facilita la evaluación de los inte-resados incluyendo al propio juez. La audiencia preliminar puede funcionar con la oralidad o la escrituración, idealmente con la combinación de ambas ello permite garantizar las externalidades positivas de la inmedicación y la concentración. En la audiencia preliminar se imponen así (a las partes y al tribunal) ciertos deberes com-partidos.

a. Debida delimitación y discusión del objeto del proceso

El tribunal –en colaboración con las partes– deben intentar ya en la audiencia preliminar al esclarecer aquello que se discute y debe ser decidido en el proceso. Ello es poder precisar el objeto del juicio. Mediante el intercambio de opiniones entre el tribunal y las partes es posible identificar coincidencias, diferencias y hasta aspectos muchas veces desconocidos por unos u otros. Sí se exige del tribunal una prudencia en el ejercicio de este deber, de modo que pueda brindar igual oportuni-dad a las partes para ser oidas (como componente de la bilateralidad entendida como la posibilidad del contradictorio) tal cual ya se lo formuló. En relación con ello hay que recordar que el Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE) se pronun-ció claramente en favor de la tutela del derecho a ser oído y del derecho de defensa,

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aplicando el principio de igualdad de armas.69 Si el tribunal tiene alguna visión nueva sobre el caso que pudiera servir como alternativa a las posiciones marcadas por las partes debe someterla al escrutinio de ellas, transparencia para evitar posi-bles soluciones sorpresivas.

b. Debida instrucción e interrogación

Siempre que surjan dudas sobre los fundamentos de hecho o de derecho invo-cados por las partes para la tutela de sus derechos, el tribunal debe interrogar a las partes al respecto. Las preguntas pueden ser realizadas aun en forma de indicacio-nes. Acá el término instrucción, no solo refiere a investigar, sino también a infor-mar (hacer conocer a las partes sus derechos y obligaciones) en el supuesto especí-fico de ese proceso. El mismo Tribunal Constitucional Federal alemán considera contrario a la Ley Fundamental el no ejercicio o pasividad del tribunal de una de-bida instrucción o interrogación. Así, por ejemplo, cuando ciertas argumentaciones no son comprensibles para el tribunal, debe ejercer su deber de pregunta e informa-ción. Por cierto el deber tiene tal importancia que fue considerado por el Tribunal Constitucional Federal en directa relación con el artículo 3, apartado 1.º de la Ley Fundamental.70

La audiencia preliminar busca ser el momento para poder examinar las pruebas que ofrecieron las partes o que se produjeron anticipadamente, como poder ofrecer prueba que deberá analizarse en su procedencia y admisibilidad.

c. Debido esclarecimiento del qué y sobre qué se discute. La función preventiva y saneadora de vicios

De futuro se impone la clara y transparente motivación de una decisión judicial. El porqué y el cómo se arriba a una sentencia debe resultar apreciable clara e indis-cutiblemente tanto para las partes como para el tribunal. El BGH alemán se pro-nunció al respecto en el sentido de que las contradicciones en cuestiones relevantes de la demanda deben ser esclarecidas antes de que pueda arribarse a la sentencia.71 Nótese que este deber se ejerce cuando ya se delimitó o precisó el objeto del proce-so previamente (lo mencionado en a). Para ser coherentes con el deber de indica-ción y en combinación con el deber de discusión y esclarecimiento, el tribunal puede discutir y esclarecer con las partes sus peticiones. Así por ejemplo en los

69. BVerGE, 84, p. 190.

70. BVerfG, NJW, 1976, p. 1391.

71. BGH, MDR, 2001, p. 104.

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supuestos de modificación o cambios de situaciones que influyan en las cuestiones de hechos o derechos discutidas. El límite de la imparcialidad del juez impone que no debe ejercer los deberes y facultades antes mencionados de una manera arbitra-ria que conduzca a perjudicar la posición de una de las partes beneficiando a la otra. El tribunal debe ejercer su deber de esclarecimiento para corregir errores en la formulación de los argumentos no considerados, erroneamente ponderados por las partes o incluso contrarios al punto de vista del juzgador.

El tribunal igualmente debe realizar las advertencias, indicaciones y requeri-mientos de las aclaraciones pertinentes de las partes, en todo lo que se corresponda pueda (o deba) ser realizado de oficio por el. Siempren tendrán ambas partes el derecho a ser oidas para oponerse a un actuar arbitrario o de tratamiento inequita-tivo según centenerario fallo del Superior Tribunal Constitucional de 1910.72

d. Debida documentación y registro del proceso

La publicidad y registro del proceso imponen tener en cuenta todas las obliga-ciones pertinentes a la debida documentación y protocolización de los actos proce-sales. Las indicaciones, aclaraciones y advertencias que realice el juez deben ser debidamente protocolizadas o tomadas en el expediente de la manera adecuada para ello. Qué se hizo, concretó, fracasó y determinó en la audiencia preliminar debe poderse conocer con posterioridad.

e. Emplazamiento para manifestarse y conclusión de las audiencias

En los casos donde surjan interrogantes que necesiten de un tiempo para ser respondidos, el tribunal debe conceder un plazo a las partes para que puedan ma-nifestarse sobre una pregunta o aclaración requerida por el tribunal. El derecho que tiene una parte al otorgamiento de un plazo para expresar su opinión sobre un re-querimiento específico, no implica el correlativo derecho de la otra para aclarar, integrar o refutar sobre lo que ya haya manifestado por escrito.73

Ahora bien, también debe contemplarse la hipótesis de una audiencia ya formal-mente concluída, pero con determinados elementos que quedaron fuera y que de no incorporarse podrían menoscabar la calidad de la visión y determinación del proceso en ese estadio procesal. Ello permitir ciertas excepciones a las reglas de preclusión y facilita la incorporación tardía de nuevos puntos, siempre que se per-mita a ambas partes manifestarse al respecto. Todo se vincula con el conjunto con-diciones necesarias para una atmósfera de confianza que debe imperar entre las

72. BVerGE 10, p. 182; BVerGE 15, p. 218.

73. Comp. OLG Colonia, NJW-RR, 1987, p. 1152.

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partes y el tribunal.74 Las técnicas aplicables de una preclusión dinámica y la nece-sidad de resguardar el principio de congruencia se adecuan al respecto de los fines públicos del proceso y la rápida definición del litigio. Ello es una aplicación con-creta de lo que se dijo en la introducción sobre la justicia distributiva y la aplicaci-ón de la proporcionalidad.75

f. Determinación de sumariedad y/o flexibilidad procedimental

De acuerdo a lo requerido por el demandante y la oposición del demandando el juez está en condiciones de determinar el procedimiento a seguir según su simple-za o complejidad, respetando el debido contradicorio.76

g. Posibilidad de decidir anticipadamente cautelar o satisfactivamente

Claro que la audiencia preliminar también podría justificar la adopción de la tecnica anticipatoria en tanto la anticipación de la cautela o bien la satisfacción de un derecho (derecho o pretensión que se desea hacer o se hizo valer en juicio) so-metido a la necesidad de su tutela actual, en base a una cognición en grado de probabilidad. Acá se gestiona y dirige el proceso considerando una adecuada distri-bución del tiempo y el detrimento que podrían sufrir las partes. Así podría adoptarse ya una decisión cautelar en tanto protección de aseguramiento de un (i) derecho o pretensión que se desea hacer o se hizo valer valer en juiciosometido a peligro de daño irreparable o de difícil reparación, en base a una cognición en grado de probabilidad y con ímpetu provisorio. O bien una decisión que (ii) sea satisfactiva en tanto satisfac-ción actual de un derecho en forma resarcitoria o restitutiva total o parcialmente fun-dado en el peligro que irroga la demora de la tutela procesal definitiva en base a una cognición en grado de probabilidad y con ímpetu provisorio.

h. La opción de las puertas para las soluciones colaborativas

Ya con la información que las partes y el tribunal cuentan es posible instar al empleo de soluciones colaborativas para arribar a un resultado consensuado que tendrá la virtud de ser equiparable a una sentencia definitiva. Con su misma fuerza

74. Así BVerfGE 51, p. 192; 75, p. 190.

75. zuckerMaN, Adrian A. S. Procedural reform in England. In: trocker, N.; varaNo, N.; GiaPPichelli, G. The reforms of Civil Procedure in Comparative Perspective. Torino: Giappi-chelli, 2005. p. 149.

76. carPi, F. La simplicazione dei modelli di cognizione ordinaria e l’oralitá per un processo civile efficiente, relación sintetizada al Seminario en homenaje a Ada Pellegrini Grinover. Revista de Processo. vol. 178. p. 290-294. São Paulo: Ed. RT, 2009.

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vinculante y con el ahorro de tiempo y quizás mantenimiento de las relaciones entre las partes. Vías en las cuales los intereses de las partes procuran ser valorados y darles una cabida equitativa para un resultado de suma positiva.77

Las soluciones cooperativas deben diferenciarse de los contratos procesales en-tre las partes que buscan establecer y pautar el proceso. Claro que ello también lo incluyo entre las posibilidades abiertas en en esta audiencia. La audiencia prelimi-nar también es un espacio adeuado para generar negocios procesales entre las par-tes que puedan ya determinar el procedimiento futuro,78 ya optar por vías comple-mentarias como los on la mediación y conciliación . Incluso el propio tribunal podría ordenar a las partes que usen esas medidas antes de dar continuidad al proceso. Incluso podría acudirse a ordenar acudir al arbitraje (se trataría de un supuesto de arbitraje forzoso judicialmente determinado).

i. Los casos repetitivos y el recurso al precedente

Ningún caso es idéntico a otro, pero podría decirse que para similares situacio-nes jurídicas fundadas en determinados hechos corresponde una misma solución.79 Las externalidades del precedente judicial entendido como un medio más y rele-vante para la igual y efectiva tutela de los derechos coadyuvan a “gestionar” cohe-rencia, seguridad, previsibilidad, y especialmente el diálogo entre los diversos tri-bunales hasta llegar a un argumento legitimante y convincente que pueda ser se-guido por los tribunales en sus fallos futuros minimizando el riesgo de error.80 El precedente es mucho más que simplemente hablar de uno o más fallos que forman parte de la jurisprudencia como fuente del derecho con efecto vinculante “disuasi-vo”. Lo principal es que es un producto y se genera en las relaciones dialógicas (discursivas de diálogo y argumentación) entre los tribunales de justicia.81

77. caPPelletti, Mauro. Appunti su conciliatore e conciliazione. Riv. Trim. Dir. e Proc. Civ. 1981. p. 49.

78. cadiet, Loïc; NorMaNd, Jacques; aMraNi Mekki, Soraya. Théorie générale du process. Paris: PUF, 2010. p. 192; igualmente y teniendo en cuenta la incorporación concreta de esta al-ternativa en el Nuevo Código de Processo Civil del Brasil ver la obra colectiva sobre el tema el artículo de didier Jr., Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. In: didier Jr., Fredie; caBral, Antonio do Passo; NoGueira, Pedro Henri-que Pedrosa (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodvim, 2015. p. 19-27.

79. GriNover, Ada Pellegrini. O tratamento dos processos repetitivos. Processo civil. Novas ten-dências. Homenagem ao Prof. Humberto Theodoro Junior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 1.

80. BueNo de Mesquita, Ethan; Stephenson Matthew, Informative Precedent and Intrajudicial Communication. American Political Science Review. 196. p. 755-766. 2002.

81. Así como ya se hizo referencia a las finalidades del proceso cabe dicha justificación tambi-én para el empleo temprano del precedente en casos repetitivos. Comp. Mitidiero, Daniel.

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vi. coNclusioNes

Tratar de articular el equilibrio entre el costo, la demora y el resultado de justicia es un desafío permanente. Las herramientas para lograrlo van desde el activo case management del juez hasta los distintos procedimientos disponibles para cada caso. Por ello la audiencia preliminar es un punto no de inicio, sino de inflexión y tem-prano conocimiento de la causa a partir de una justicia con base en la proporciona-lidad. Ello es la implementación de la justicia proporcional o si se quiere de la proporcionalidad aplicada a una nueva justicia civil como eje de actuación. Es po-sible así sostener la existencia de deberes de información, unos fundados en el de-recho material que en algunos casos no resultan autosuficientes para su despliegue práctico procesal y que por consiguiente están sujetos a la necesidad de ser comple-mentados a través de deberes netamente procesales, aún cuando no tengan un sus-tento en los imperativos e información sustantivos. Existe la necesidad de una gestión y dirección activa del juez que complemente al deber de colaboración de las partes y ello concretado ya en la audiencia preliminar o preparatoria permite una nueva visión y rol de esta etapa procesal.

Se exploró el tránsito desde la decisión correctamente hacia la proporcional o distributibamente justa. La suma de la eficiencia y eficacia o consideraciones a eco-nomía procesal (costo, tiempo y recursos) moldean el actual acceso a la justicia e imponen un revisión de las responsabilidades compartidas por el tribunal (de direc-ción formal y materia como de gestión del proceso) y por las partes (deberes de co-laboración y posibilidad de regulación negociada del proceso). Ello es posible y de-seable pueda ya traducirse en la audiencia preparatoria o preliminar para una detec-ción temprana de los pasos a seguir a partir de una correcta delimitación de la causa.

La audiencia preliminar o preparatoria ya no puede ser vista como una audien-cia rígida donde el juego de la preclusión, inmediación y concentración imponen llevar adelante limitados actos preordenados para una única alternativa, la vía ad-judicativa y con ella el foco de la atención puesto en la audiencia de juicio. La fina-lidad de de una justicia equitativa y proporcional ya vislumbrada en la audiencia preliminar impone el ejercicio de la dirección y gestión activa que se suma a la co-laboración de las partes para la prosecusión de tan digno fin.

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Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional, de J. E. Carreira Alvim – RePro

84/175-199, Doutrinas Essenciais de Arbitragem e Mediação 6/201-234 (DTR\1996\447); e

• Projeto legislativo de Novo Código de Processo Civil e a crise da jurisdição, de Joel Dias Figueira Júnior – RT 926/455-480 (DTR\2012\451073).

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aNdRews, Neil. Civil justice’s “songs of innocence and experience”. The gap between expectation and experience. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 437-454. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

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civil JusTice’s “songs of innocence and exPerience”. The gaP beTWeen exPecTaTion and exPerience

canções Da justiça civil: inocência e experiência. a Distância entre esperanças e experiência

neil andreWs

Professor de Processo Civil e Direito Privado na Universidade de Cambridge.

Recebido em: 08.10.2015 Aprovado em: 02.12.2015

área do direiTo: Processual; Civil

resumo: Este artigo trata de diversos temas relacio-nados com a disfunção entre o direito “nos livros” e o direito “na realidade”: os códigos processuais nacionais e a experiência real das partes sujeitas a esses sistemas. O texto apresenta seis tópicos, do ponto de vista Inglês. O autor trata dos elementos humanos: juízes e advogados, e das relações neces-sárias entre eles. As funções do juiz, a revogação de sanções, decisões cautelares, comunicações “privi-legiadas”, peritos, julgamento, recursos e execução. Antes de suas conclusões, aborda problemas liga-dos aos custos e às despesas. No final, as principais conclusões são manifestadas em tópicos especiais e são indicados outros tópicos merecedores de uma discussão mais aprofundada.

Palavras-chave: Direito “nos livros” – Direito “na realidade” – Juízes – Advogados – Disclosure – Re-cursos – Execução – Custas e despesas.

absTracT: This article deals with many topics related to the dysfunction between law “in books” and law “in act”: national procedural codes and the real experience of parties subject to those legal systems. The text deals with six topics seen from the English point of view. The author deals with the human elements: judges and lawyers, and the necessary relations between them. Them the text deals with the functions of the judge, relief from sanctions, protective relief, disclosure, privileged communications, experts, trial, appeals and enforcement. Before his conclusions, the subjects dealt with are costs and expenses. At the end, main conclusions are exposed and special topics are indicated as requiring further discussion.

KeyWords: Law “in books” – Law “in act” – Judges – Lawyers – Disclosure – Appeals – Enforcement – Costs and expense.

summaRy: Introduction – I. Information Overload: Drowning in a Sea of Complicated Rules – II. The human element: lawyers, judges, parties: A. Who are the parties’ lawyers?; B. Who are the jud-ges?; C. Relations between the parties, lawyers, and the court – III. Judicial Multi-tasking: Two New Functions, Case-management and Protective Relief: A. Case management; B. Relief from sanctions; C. Protective relief – IV. Mechanisms to Uncover the Real Facts: Disclosure, Experts, Trial: A. Disclosure; B. Privileged communications; C. Experts; D. Trial – V. Close of Play: Appeals and Enforcement: A. Appeals; B. Enforcement of judgments – VI. The Financial Element: Costs

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and Expense: A. The persistent problem of high costs; B. Qualified One Way Costs Shifting in Personal Injury Litigation; C. Conditional Fee Agreements; D. Damages-Based Agreements – VII. Summary of the discussion – VIII. Recommendations and topics requiring further discussion.

iNTroducTioN

The inspiration for this paper is Marcel Storme’s seminal discussion, in his keynote Moscow address, “Best Science, Worst Practice?”. In that remarkable paper he explores many points of dysfunction between national procedural codes and the real experience of litigants subject to those legal systems. Marcel Storme proposes “Ten remedies for bridging the gap”: (1) greater State financial support for civil justice; (2) better training of citizens in dispute-resolution; (3) impro-ving the training of lawyers; (4) fostering co-operation between courts and la-wyers; (5) promoting greater professional discipline amongst lawyers. Marcel Storme also recommends that: (6) attention be given to the operation of the bur-den of proof in certain categories of case; (7) legal systems should show greater sensitivity to the peculiarities of various types of procedure; (8) opportunity to resort to appeal should be reduced; (9) media interference in high-profile cases should be curbed; (10) and that the influence of scientific comparative associa-tions should be strengthened.

The themes which form the substance of the following paper, and which were discussed at the Gent symposium, draw heavily on the critique so attractively pre-sented by Marcel Storme. It was a great pleasure to participate in this celebration of his great achievement as a scholar and of his long-standing influence in promoting the global family of procedural experts.

i. iNFormaTioN overload: droWNiNG iN a sea oF comPlicaTed rules

Legal systems permit citizens and business to bring civil claims for decision before public courts. The aim is to promote the rule of law, protect rights, uphold financial entitlements. Procedural rules are made available. These tend to be close-ly drafted. Such rules proliferate and become complex.

On 28 March 1994, Lord Mackay LC of Clashfern (Lord Chancellor 1987-1997) appointed Lord Woolf to make recommendations concerning civil procedure, with the following aims:1 (i) improving access to justice and reducing the cost of litigation; (ii) reducing the complexity of the rules; (iii) modernising terminology; and (iv) remo-

1. Terms of appointment cited in Lord Woolf, Access to Justice: Interim Report (London, 1995), introduction.

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ving unnecessary distinctions of practice and procedure. Woolf’s interim and final re-ports appeared in 19952 and 1996,3 and they stimulated a substantial literature.4 The CPR were enacted in 1998 and took effect on 26 April 1999.

The new CPR system recognised and sought to promote nine procedural featu-res: (1) proportionality; (2) procedural equality; (3) active judicial involvement in a case’s progress; (4) accelerated access to justice by improved summary procedu-res; (5) curbing excessive documentary disclosure; (6) greater resort to the disci-plinary use of costs orders; (7) curbing appeals; (8) stimulating settlement by use of costs incentives to induce acceptance of reasonable settlement offers; and (9) judicial encouragement of resort to ADR, notably mediation.

The procedural code is a large and intricate body of rules. The rules, rather like law professors from some Member States, have retinues of assistants. These ancilla-ry rules are called Practice Directions. Some branches of the civil judiciary are subject also to specialist procedural Guides, notably, The Admiralty and Commercial Courts Guide.5

The Civil Procedure Rules (1998) were intended to introduce a simplified new procedural code. But some topics have become heavily criss-crossed with com-plex regulations. This is a feature of costs law (see section VI of this paper), whe-re the Jackson changes of April 2013 have introduced a new system of damages--based agreements (England’s terminology for the contingency fee) and costs--budgeting. The topic of freezing injunctions (see further Section III C of this paper) is another procedural aspect where there is effectively a mini-code.6 Here the rules are impressively detailed, as they need to be, in order to offer extensive protection of the unrepresented respondent, whose assets are about to become

2. Idem; this and its successor are available on-line at: [www.dca.gov.uk/civil/reportfr.htm].

3. Access to Justice: Final Report (London, 1996).

4. AAS Zuckerman and R Cranston (eds.), The Reform of Civil Procedure: Essays on “Access to Justice” (Oxford University Press, 1995); R Cranston, How Law Works: The Machinery and Impact of Civil Justice (Oxford University Press, 2006), chapter 5; Neil Andrews, English Civil Procedure (Oxford University Press, 2003), chapter 2; Neil Andrews, “A New Civil Procedural Code for England: Party-Control ‘Going, Going, Gone’’’ (2000) 19 CJQ 19-38; S Flanders, “Case management: Failure in America? Success in England and Wales?” (1998) 17 CJQ 308; JA Jolowicz, “The Woolf Report and the Adversary System” (1996) 15 CJQ 198; M Zander, “The Government’s Plans on Civil Justice’ (1998) 61 MLR 383 and ‘The Woolf Report: Forwards or Backwards for the New Lord Chancellor?” (1997) 16 CJQ 208; AAS Zuckerman, “The Woolf Report on Access to Justice” (1997) 2 ZZP Int 31 ff.

5. (9th edn, 2011), at section D2.

6. PD (25) Interim Injunctions, Annex, Freezing Injunctions.

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subject to a highly coercive order. And the tentacles of the procedural code ex-tend to the ante-chamber of pre-action contact between the prospective parties: pre-action protocols.7

In addition to the rules, there is much procedural case law to be noted by legal advisors. These precedent decisions are collected because they provide authoritati-ve guidance in the application of these Rules, notably the exercise of the numerous discretions and powers conferred on the courts.

But poor judicial guidance, or guidance which at least causes a major stir within the legal profession, can lead to a flurry of litigation. This occurred when the Court of Appeal in the Mitchell case (2013)8 (November 2013) issued a robust interpreta-tion of the judicial power (under CPR 3.9) to consider granting relief from the automatic application of sanctions, where a party has failed to comply with a pro-cedural order, such as a time-tabling requirement. It became necessary in July 2014 for the Court of Appeal in the Denton case (2014)9 to revise this guidance, softening it slightly, and clarifying the central message (see below for further detail).

ii. The humaN elemeNT: laWyers, JudGes, ParTies

A. Who are the parties’ lawyers?

A remarkable feature of English practice is the division between solicitors and barristers. Most barristers appear regularly in court as advocates. Some barristers have only a small court-based practice and instead give advice on pure matters of law. But that is rare. Solicitors do not enjoy a right of audience in the High Court, or higher appellate courts, unless they have qualified as a “solicitor-advocate”. In practice, solicitors (often members of medium-sized or large law firms) prefer to take a supportive role in the conduct of litigation. This is not to ignore their strate-gic function. And, of course, their power is considerable, because they select the relevant advocates. Solicitors will decide whether to use a barrister again. Careers can be made by such decisions, for a barrister’s career can turn on a single appoint-ment to a complex case which is likely to run for many years.

7. Practice Direction-Pre-Action Conduct, at [5]; Neil Andrews, “general report” (examining nearly 20 jurisdictions) on this topic for the world congress on procedural law in Brazil, in A Pellegrini Grinover and R Calmon (eds), Direito Processual Comparado: XIII World Congress of Procedural Law (Rio de Janeiro: Forense, 2007), p. 201-42.

8. [2013] EWCA Civ 1537; noted S Sime (2014) CJQ 133.

9. [2014] EWCA Civ 906; [2014] 1 WLR 3926; noted A Higgins (2014) CJQ 379; JR Williams, (2014) CJQ 394.

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Cuts to legal aid have rendered some areas of advocacy highly unattractive.

Competition among lawyers for lucrative litigation remains intense. In particu-lar, London firms of solicitors now include foreign firms which have merged with existing English firms, or which have simply acquired the English forum as ano-ther of their global ports-of-call.

B. Who are the judges?

A neglected topic in comparative studies concerns the nature of the civil judi-ciary. It is curious that this has become so overlooked. Is it a comparative `taboo’ topic, so embedded in the national “psyche” that commentators dare not permit it to be examined? English judges are not trained in the way in which some civil law systems train prospective judges. In England, training is associated with dogs, race-horses, and perhaps brick-layers. There is no career judiciary in England and Wales. For centuries the elite High Court judiciary was appointed upon invitation by the Lord Chancellor. But in recent years this came to be regarded as an opaque and suspicious arrangement, a relic of an age of self-perpetuating oligarchy. Now all prospective judges must make a special application. Appointment bodies exist to ensure that there is `diversity’ in selection of judges, both in terms of gender and ethnicity.

Remuneration and pension provision must be adequate, indeed attractive. More generally, the conditions and prestige of judges must be perceived by prospective applicants as a congenial and stimulating last phase in a legal career (penultimate in the case of judges wishing to practise as arbitrators once they have retired from the Bench). But for various reasons some of the shine seems to have been taken off the once highly coveted High Court position.

The Supreme Court, at the apex of the system, enjoys a privileged existence. Its case-load is carefully controlled to ensure that only very important final appeals are received. Legal argument is received orally (supplementing extensive documenta-tion). The pace is much more leisurely.

C. Relations between the parties, lawyers, and the court

English law has not abandoned the principle that the parties must choose how to support their rival contentions, by adducing witness and documentary evidence, and by framing and researching legal submissions (this contrasts with the more active involvement of some civil law courts). Under the English system, witness statements and expert reports are prepared in consultation with the parties’ lawyers but without judicial supervision.

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iii. Judicial mulTi-TaskiNG: TWo NeW FuNcTioNs, case-maNaGemeNT aNd ProTecTive relieF

A. Case management10

During the early stages, and throughout the case’s development and preparation for trial, the court must now ensure that matters are properly focused, procedural indiscipline checked, expense reduced, and progress maintained or even accelera-ted. There is a need for a common goal: that the courts, in exercise of their case management responsibility, should constantly seek to ensure that the action re-mains focused on essential issues and that the case does not lose direction or beco-me bogged down in minutiae or side-issues.

Case management enjoys international support. The (non-binding) American Law Institute/UNIDROIT’s “Principles of Transnational Civil Procedure” recommend that11 the court should “actively manage the proceedings, exercising discretion to achieve disposition of the dispute fairly, efficiently, and with reasonable speed”.12

Lord Neuberger, in a lecture (2012),13 suggested that a sea-change has occurred since 1998:

“The judiciary, and lawyers, have adapted pretty well to active case management over the last decade(...) It is something now with which we are all familiar; and more importantly we now have a generation of solicitors and barristers who know nothing other than a system where there is active case management. There are also

10. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 9; on the new system from the perspective of the traditional adversarial principle, Neil Andrews, “A New Civil Procedural Code for England: Party-Control ‘Going, Going, Gone’” (2000) 19 CJQ 19-38; Neil Andrews, English Civil Procedure (Oxford University Press, 2003), 13.12 to 13.41; 14.04 to 14.45; 15.65 to 15.72; John Sorabji, English Civil Justice after the Woolf and Jackson Reforms: A Critical Analysis (Cambridge University Press, 2014), notably chapter 6 and the conclusion to the book; and D Dwyer (ed), The Civil Procedure Rules Ten Years on (Oxford University Press, 2009), notably the essay by Profes-sor R. Turner.

11. Principle 14.1; accessible at: [www.unidroit.org/english/principles/civilprocedure/main.htm]. Also published as American Law Institute/UNIDROIT’S Principles of Transnational Civil Procedure (Cambridge University Press, 2006), 33-4.

12. Idem, Principle 14.1; the case management of cases should be conducted “in consultation with the parties” (Principle 14.2; and there is acknowledgment of the need for time-tables, Principle 14.3).

13. Lecture entitled “Docketing: Completing Case management’s Unfinished Revolution” (2012), at [11] and [14]: [www.judiciary.gov.uk/Resources/JCO/Documents/Speeches/mor-speech-solicitors-cost-conference-lecture-feb2012.pdf].

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many judges who have been appointed since 1999, who know no different appro-ach to carrying out their judicial role (...) What was once novel is for many not just the norm but the only one they have known. It is unsurprising therefore that we have all got better at it (...)”.

Regulating Expenditure. The court must decide whether a proposed step in the action is cost-effective,14 taking into account the size of the claim (‘proportionality’).15

Costs Budgets.16 On the Multi-Track (but not Admiralty Court or Commercial Court cases, nor claims over £2 million in the Technology and Construction Court, Chancery Division, and Mercantile Courts),17 parties must file a costs budget.18 This will constrain assessment of standard basis costs, unless the court finds that there is a good reason to depart from the budget.19 Costs managements conferences can be conducted by telephone or `in writing’.20

B. Relief from sanctions

CPR 3.9 was re-drafted in April 2013 and now reads:

“On an application for relief from any sanction imposed for a failure to comply with any rule, practice direction or court order, the court will consider all the cir-cumstances of the case, so as to enable it to deal justly with the application, inclu-ding the need (a) for litigation to be conducted efficiently and at proportionate costs; and (b) to enforce compliance with rules, practice directions and orders”.

In the wake of the Jackson rule changes (implemented April 2013), the Court of Appeal delivered its judgment in the Mitchell case (November 2013).21 That court robustly declared that judges should be very slow to grant relief from procedural sanctions (including the possible dismissal of a defaulting party’s case) where a party

14. Eg, suggestion that video-conferencing be used for short appeals: Black vs. Pastouna [2005] EWCA Civ 1389; [2006] CP Rep 11, (Brooke LJ).

15. CPR 1.4(2)(h) and 1.1(2)(c).

16. CPR 3.12 to 3.18; PD (3E); V Ramsey, “Implementation of the Costs Reforms” (2013) 32 CJQ 112, 118-119; noting Lord Neuberger MR, Lecture, May 29, 2012: [www.judiciary.gov.uk/Resources/JCO/Documents/Speeches/proportionate-costs-fifteenth-lecture-30052012.pdf].

17. See the judicial declaration concerning the TCC, Chancery Division, and Mercantile Courts: [www.judiciary.gov.uk/JCO%2FDocuments%2FPractice+Directions%2Fcosts-budge-ting-announcement-draft-direction-cpr-rule-3-12.pdf].

18. Annexed to PD (3F).

19. CPR 3.18.

20. CPR 3.16.

21. [2013] EWCA Civ 1537; noted S Sime (2014) CJQ 133.

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fails to comply with procedural requirements. But on 4 July, 2014, in the Denton case, the Court of Appeal softened the robust “message” of its earlier decision.22 This later decision makes clear that a party will not receive relief from sanctions if the default was serious or significant, and there was no good reason shown for it, and the general criteria of sound administration of justice require the sanction to remain in force.

C. Protective relief 23

Freezing injunctions.24 Invented by the English courts in the 1970s, these orders are granted ex parte against a respondent who is considered likely to spirit away or dissipate his assets before the case can proceed to judgment and enforcement. The respondent is protected, in his absence, in numerous ways. A freezing injunction is an in personam order (an order addressed personally to the respondent) requiring the respondent to refrain from dealing with his assets. Freezing injunctions’, formerly called Mareva injunctions, can normally25 be granted only by puisne judges in the High Court, rather than by Masters in the High Court or by judges in the county courts. This is because they are draconian.26

Civil search orders. A prospective respondent might be subject to this ex parte order. The court authorises the applicant, under the supervision of an independent solicitor, to require the respondent to allow his premises to be searched for eviden-ce to substantiate the civil claim. A typical context will involve allegations of intel-lectual property infringement.

iv. mechaNisms To uNcover The real FacTs: disclosure, eXPerTs, Trial

A. Disclosure 27

Documents possessed or within the control of each party, if relevant, must be made available to the opponent for inspection (generally, CPR Part 31). The disclo-sing party must list the relevant documents. The opponent can then proceed to

22. [2014] EWCA Civ 906; [2014] 1 WLR 3926; noted A Higgins (2014) CJQ 379; JR Williams, (2014) CJQ 394.

23. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 21.

24. CPR 25.1(1)(f) renames the injunction (which had been earlier ratified by section 37(3), Se-nior Courts Act 1981).

25. PD (25A), para 1.2: Masters or District judges can make such orders only in special cases.

26. Fourie vs. Le Roux [2007] UKHL 1; [2007] 1 WLR 320.

27. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 11.

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inspect them. The recipient is obliged to use the relevant documentary information only for the purpose of the present civil proceedings. It will be a serious breach for the recipient to use it in some other way, including by revealing it to the press.28 But once the information is received in open court, protection ceases to apply.29

Under the CPR, “document” refers to “anything in which information of any description is recorded”:30 whether paper or electronic; literary, pictorial, visual or “audio”. It thus encompasses “e-mail”, “e-commerce”, information held on answer--phones, and details recorded in mobile phones.

Lord Woolf’s new “standard disclosure” test (effective since 1999) was an at-tempt to render the process proportionate to the nature of the claim.31 April 2013 changes expand the “menú” of possible forms of disclosure. Standard disclosure remains the default regime. But there are five other possibilities.32

B. Privileged communications33

The main exception to disclosure concerns privileged communications between the client and her lawyer. This privilege operates as an absolute form of protection because: (i) it cannot be overridden by exercise of judicial discretion;34 and (ii) unless this privilege is waived by a privilege holder (or his authorised agent),35 protection endures beyond the immediate occasion or context of the privileged communications.36

28. CPR 31.22(1).

29. CPR 31.22(1)(a).

30. CPR 31.4.

31. Especially, CPR 31.3(2), 31.7(2), 31.9(1).

32. Apart from standard disclosure (option (e) below), there are five other possibilities: CPR 31.5(7): “(a) an order dispensing with disclosure; (b) an order that a party disclose the do-cuments on which it relies, and at the same time request any specific disclosure it requires from any other party;(c) an order that directs, where practicable, the disclosure to be given by each party on an issue by issue basis; (d) an order that each party disclose any documents which it is reasonable to suppose may contain information which enables that party to ad-vance its own case or to damage that of any other party, or which leads to an enquiry which has either of those consequences; (e) an order that a party give standard disclosure; (f) any other order in relation to disclosure that the court considers appropriate”.

33. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 12.

34. R vs. Derby Magistrates’ Court, Ex p B [1996] AC 487, HL; B vs. Auckland District Law Society [2003] UKPC 38; [2003] 2 AC 736, PC, at [50] to [56], per Lord Millett.

35. For detailed discussion, Neil Andrews, English Civil Procedure (Oxford University Press, 2003), chapter 28.

36. B vs. Auckland District Law Society [2003] UKPC 38; [2003] 2 AC 736, PC at [44].

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446 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

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In Three Rivers DC vs. Governor and Company of the Bank of England (No 6) (2004),37 Baroness Hale quoted Lord Taylor (Taylor LJ, as he then was) in Balabel vs. Air India (1988)38 who had said: “legal advice is not confined to telling the client the law; it must include advice as to what should prudently and sensibly be done in the relevant legal context”. In R (Prudential plc) v. Special Commissioner of Income Tax (2013)39 the Supreme Court held that accountants are not lawyers for the purpose of legal advice privilege, even if the accountant in question is a tax specialist.

C. Experts40

English law allows matters of expert evidence to be admitted by use of a “single, joint expert”, or by party-appointed experts, or by court assessors.41

The court can restrict use of experts. It can require the parties to agree upon the nomination of a “single, joint expert”. However, in more complex cases, the tradi-tional system of “party-appointed” witnesses continues to apply. This permits the parties to select their own “rival” experts. The party-appointed expert system in-jects often salutary scepticism, debate, and ‘intellectual honesty’, into the process of taking a ‘view’ on debatable matters of opinion.

Compared with the system of party-appointed experts, a “single, joint expert” is more likely to enjoy neutrality and objectivity. But the major problem with the “single, joint expert” system is the danger of inaccuracy, for experts are fallible.

The (non-binding) American Law Institute/UNIDROIT’s “Principles of Transna-tional Civil Procedure”, in this respect reflecting the civilian majority membership of its working group, recommend that42 “the court may appoint an expert to give evi-dence(...)”. But this is qualified by the rider: ‘A party has a right to present expert

37. [2004] UKHL 48; [2005] 1 AC 610; noted Neil Andrews (2005) CJQ 185; S Partington and J Ward [2005] JBL 231; J Seymour [2005] CLJ 54; C Tapper (2005) 121 LQR 181; the leading historical survey conducted by an English court is Lord Taylor of Gosforth CJ’s speech in R vs. Derby Magistrates Court, Ex p B [1996] AC 487, HL; HL Ho, “History & Judicial Theories of Legal Professional Privilege” (1995) Sing J L Studies 558.

38. [2004] UKHL 48; [2005] 1 AC 610, at [62], referring to Taylor LJ’s statement in Balabel vs. Air India [1988] Ch 317, 330, CA.

39. [2013] UKSC 1; [2013] 2 WLR 325.

40. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 13.

41. The court assessor system is of minor significance, being confined to maritime collisions, patent disputes, and costs issues.

42. Principle 22.2.4; American Law Institute/UNIDROIT’S Principles of Transnational Civil Pro-cedure (Cambridge University Press, 2006), 43.

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447Direito estrangeiro e ComparaDo – generaliDaDes

aNdRews, Neil. Civil justice’s “songs of innocence and experience”. The gap between expectation and experience. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 437-454. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

testimony through an expert selected by that party(...)’ In this way, the traditions of all legal communities were deftly acknowledged and a benign agnosticism prevailed.

D. Trial43

Trial is the culmination of first instance proceedings: a hearing on the merits, with the legal arguments and factual and expert evidence being presented by the parties, conducted before a trial judge. But trial is rare. Many actions end without trial. The general rule is that a hearing, including a trial, must be in public.44 Under the English system of trial, factual witnesses and experts are examined and cross--examined by the parties (normally by their advocates) in the presence of a judge whose task is to listen. Indeed the trial judge must only ask occasional questions, for the purpose of clarification. Thus the Court of Appeal in the Southwark London Bo-rough Council case (2006)45 affirmed that if the judge were to intervene excessively during presentation of oral evidence, he would “arrogate to himself a quasi-inquisi-torial role”, something which is “entirely at odds with the adversarial system”.

v. close oF Play: aPPeals aNd eNForcemeNT

A. Appeals46

Trial is a luxury: a fortiori an appeal should be regarded as exceptional; a fortis-simo a second appeal is quite exceptional. Appeals cannot be brought unless the court (at first instance or on appeal) grants permission. This filter exists to prevent unnecessary or hopeless attempts to challenge first instance decisions.

The prospective appellant must successfully seek permission. The first oppor-tunity is to ask the first instance decision-maker to grant permission. If that is unsuccessful, a paper application can be made to the relevant appeal court. If the verdict at that stage is that the application is “totally without merit”, this is the end of the road. Where a paper application for permission is refused by an appella-

43. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 14.

44. CPR 39.2(1); CPR 39.2(3) and PD (39A) 1.5 set out exceptions; the primary source is section 67, Senior Courts Act 1981; J Jaconelli, Open Justice (Oxford University Press, 2002); North Shore Ventures Ltd vs. Anstead Holdings Inc (No 2) [2011] EWHC 910 (Ch); [2011] 1 WLR 2265, per Floyd J.

45. Southwark LBC vs. Kofi-Adu [2006] EWCA Civ 282; [2006] HLR 33, at [143].

46. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 15.

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te judge47 because it is “totally without merit”, that judge can dispense with a further “hearing” on this issue.48 Otherwise, there is a third, and final, chance to gain per-mission, by receiving an oral hearing. If the verdict at that third stage is still negati-ve, the appeal will not occur. There can be no appeal from refusal to grant appeal.

B. Enforcement of judgments49

Enforcement of Money Judgments. The court’s judgments or orders are open to enforcement. For example, money judgments can be enforced, at the creditor’s ini-tiative, according to various official processes: seizure of the debtor’s goods, attach-ment of earnings orders, garnishee proceedings (‘third party debt orders’), or by charging orders against real property. There are special procedures relating to the recovery of movable and immovable property.

Directly Coercive Non-Money Judgments: Contempt of Court. The English judge, therefore, has an intensely coercive set of powers to support enforcement of interim or final injunctions. An injunction or order for specific performance granted by a judge must be obeyed. Disobedience can be punished by contempt of court procee-dings (‘committal proceedings’). The consequences can be serious. A person in con-tempt of court is liable to be punished.

vi. The FiNaNcial elemeNT: cosTs aNd eXPeNse

A. The persistent problem of high costs50

Lord Justice Jackson’s Civil Litigation Costs Review (2009-10)51 (supplemented by a stream of lectures)52 placed the whole topic of costs and funding under scru-

47. Whether a member of the Court of Appeal, or of the High Court, or a Designated Civil Judge, or a ‘Specialist Circuit Judge’ (this last phrase is defined, at CPR 52.3(4A)(b), as “a patents court judge and any circuit judge in any county court nominated to hear cases in the Mercantile, Chancery or Technology and Construction Court lists”).

48. CPR 52.3(4A).

49. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapter 17.

50. Andrews on Civil Processes (vol. 1, Court Proceedings) (Intersentia, Cambridge, 2013), chapters 18 to 20.

51. Sir Rupert Jackson, Review of Civil Litigation Costs: Final Report (2010); on which AAS Zuckerman, “The Jackson Final Report on Costs – Plastering the Cracks to Shore up a Dysfunctional System” (2010) 29 CJQ 263; the Special Issue (“Implementation of Sir Ru-pert Jackson’s Review of Civil Litigation Costs”) (2013) 32 CJQ, foreword by Sir Rupert Jackson, idem, 109.

52. Accessible collectively at: [www.judiciary.gov.uk/publications-and-reports/review-of-civil--litigation-costs/lectures].

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tiny. The “Woolf reforms” were expected to alleviate the problem of the high cost of civil litigation. But the situation had not improved. In Coventry vs. Lawrence (2014) Lord Neuberger in the Supreme Court commented:53

“(...). I am as aware as anyone how hard it is to ensure that a case, particularly one that does not involve a very large sum of money but is potentially complex in terms of fact, law and expertise, such as the present case, is both properly and pro-portionately litigated (…) None the less, (...) it would be wrong for this court not to express its grave concern about the base costs in this case, and express the hope that those responsible for civil justice in England and Wales are considering what further steps can be taken to ensure better access to justice”.

B. Qualified One Way Costs Shifting in Personal Injury Litigation

In personal injury claims,54 the claimant will not normally be at risk of liability for the defendant’s costs, if the claim fails, although the defendant will be liable for costs if the claim succeeds.55 And so a major exception is introduced to the recipro-cal principle of the “loser pays”. For this privileged cohort of claimants, one barrier to access to justice is removed: the prospect of liability for the opponent’s costs if the case is lost.

As for standard basis costs, the leitmotiv of proceedings “at proportionate cost” has now been given prominence in the Overriding Objective, Part One of the CPR. And the same concept is the major determinant when assessing standard basis costs. In fact “standard basis” costs awards only partially indemnify the expense of fighting the case.

CPR 44.3(2) makes clear that proportionality is the dominant criterion, trum-ping the receiving party’s plea that individual items were `reasonably or necessarily incurred’.56

C. Conditional Fee Agreements

The so-called “CFA” system was the first English “no win, no fee” system.57 CFAs entered on or after 1 April 2013 are subject to these restrictions: the success

53. [2014] UKSC 46; [2014] 3 WLR 555, at [36].

54. CPR 44.13(1).

55. CPR 44.13 to 44.16; PD (44) (General Rules About Costs) 12.4 to 12.7.

56. Neil Andrews, “On Proportionate Costs” (2014) 232 Revista de Processo 393-409; Universi-ty of Cambridge Faculty of Law Research Paper No. 22/2014, Date posted: 22 Feb 2014; J Sorabji, “Prospects for Proportionality: Jackson Implementation” (2013) 32 CJQ 213.

57. For a judicial overview, Gloucestershire County Council vs. Evans [2008] EWCA Civ 21; [2008] 1 WLR 1883, at [1] to [11] per Dyson LJ.

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fee cannot exceed 100 per cent of the recoverable fees;58 and in the case of personal injury claims at first instance the success fee cannot exceed 25 per cent of dama-ges.59 From 1 April 2013, neither the success fee60 nor the ATE legal expenses pre-mium can be recovered from the defeated party,61 although there are exceptions.62

It follows that the success fee and any ATE insurance premium will have to be paid by the client.

D. Damages-Based Agreements

“Damages-based agreements” are now permitted in all fields of civil proceedin-gs.63 This was intended to be the new engine of economic access to justice.

In essence, the new system is as follows.64 A legal representative can agree with the client65 that professional remuneration will be waived unless the case is won. In the event of victory, the representative’s payment will be expressed by reference to the money recovered by the client from the opponent.66

58. Art. 3, Conditional Fee Agreements Order 2013/689.

59. Art’s 4 and 5, idem; Art 5(2), ibid, refers to: “(a) general damages for pain, suffering, and loss of amenity; and (b) damages for pecuniary loss, other than future pecuniary loss”.

60. Section 44(4), Legal Aid, Sentencing, and Punishment of Offenders Act 2012, substituting a new section 58A(6) within the Courts and Legal Services Act 1990.

61. Section 46(1), Legal Aid, Sentencing, and Punishment of Offenders Act 2012; for com-ment, Sir Rupert Jackson, “Legal Aid and the Costs Review Reforms” (talk to the Cambrid-ge Law Faculty, 5 September 2011) [www.law.cam.ac.uk/press/news/2011/09/lord-justice--jackson-legal-aid-and-the-costs-review-reforms--recording/1588].

62. (a) There is an exception to the non-recoverability of the ATE premium in the case of ex-pert reports in clinical negligence litigation; section 46(1), Legal Aid, Sentencing, and Punishment of Offenders Act 2012; for comment, Sir Rupert Jackson, “Legal Aid and the Costs Review Reforms”, idem. (b) There is an exception to the non-recoverability of suc-cess fees and ATE premia in respect of these three classes of proceeding (Art’s 1, 6(2), Conditional Fee Agreements Order 2013/689), as explained at V Ramsey, “Implementa-tion of the Costs Reforms” (2013) 32 CJQ 112, 115.

63. Section 58AA(3)(a), Courts and Legal Services Act 1990 (amended by section 45, Legal Aid, Sentencing, and Punishment of Offenders Act 2012); Damages-Based Agreements Regulations 2013/609; CPR 44.18.

64. The new system is an expansion of the DBA arrangements formerly confined to employ-ment matters: The Damages-Based Agreements Regulations 2010 regulates use of DBAs in employment tribunals until 1 April 2013, when they were superseded by the Damages--Based Agreements Regulations 2013.

65. Regulation 1(2), Damages-Based Agreements Regulations 2013/609.

66. Section 58AA(3)(a), Courts and Legal Services Act 1990 (amended by section 45, Legal Aid, Sentencing, and Punishment of Offenders Act 2012).

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The amount of this contingent payment is, however, capped as a percentage of the ‘sums ultimately recovered’ by the client from the opponent.

That percentage cap is 35 per cent in the case of employment disputes,67 25 per cent in the case of personal injury disputes,68 and 50 per cent in all other cases.69

vii. summary oF The discussioN

These six topics excited lively discussion amongst the symposium participants on the third day (16 September, 2015) of the Gent meeting. Everyone expressed gratitude to Marcel Storme for his visionary intellectual creativity in establishing this important critical framework for discussion.

Here is a summary of the main comments made in respect of these six topics concerning the gap between expectation and experience:

(1) Information Overload: Drowning in a Sea of Complicated Rules. The question posed here is whether it is inevitable that the procedural code becomes densely technical. In particular, do we need multi-layer procedural systems: that is, rules operating at different levels of generality and specificity?

Summary of discussion. Although one participant defended the extreme richness of his national code, other participants were emphatic that the procedural codes (notably the profusion of satellite specialist codes crafted by individual branches of the judiciary) need to be shorter: ‘less is more’.

(2) The Human Element: Lawyers, Judges, Parties. Here the following issues arise: Who are the judges? What is the significance of the manner of appointing them? Who are the lawyers? Are there specialist advocates? If so, does this help? What are the expectations and realities concerning the relations between courts, lawyers, and the parties?

Summary of discussion. There is a modern expectation that judges and parties should co-operate more. It is also expected that opposing parties’ lawyers should not fight tooth-and-nail. But as the profession becomes more diffuse there is greater need for ethical guidance in the field of professional conduct and standards. The courts have assumed greater managerial powers which brings them into greater danger of conflict with litigants and their lawyers. But in all matters it remains fun-damental that the court should behave with strict neutrality. Courts are at difficul-ty in coping with the rise of litigants-in-person.

67. Regulation 7, Damages-Based Agreements Regulations 2013/609.

68. Regulation 4(2), idem.

69. Regulation 4(3), idem.

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(3) Judicial Multi-tasking: New Functions. It is clear that judges no longer simply sit at trial or similar plenary sessions. Their functions have become more diverse. Are they over-stretched or competent in all these areas?

Summary of discussion. Judges in the various national systems represented at the Gent conference have different levels of experience. But there was an optimistic sense that, with appropriate training and support, judges are capable of mastering these new challenges and that, already, some national judiciaries have developed impressive new skills (for example, in the field of case-management, costs budge-ting, and the award of protective relief).

(4) Mechanisms to Uncover the Real Facts: Disclosure, Experts, Hearings. Different techniques and responsibilities have arisen within the various national traditions. What are the options for uncovering the facts? What is the optimal system of: (a) disclosure, (b) of expertise, and (c) of the testing of evidence?

Summary of discussion. A comparative ‘sticking-point’ emerged: whether access to information, notably in modern times, to documents and electronically accessi-ble information must be controlled by the court or whether the procedural system can be left to provide the framework for party exchange of such information. A distinction was drawn, and substantially accepted, between access to information (without the judge intervening: inter partes) and the technical reception of eviden-ce (before the court: coram iudice).

(5) Close of Play: Appeal and Enforcement. Here the following points require at-tention. What are the appropriate restrictions upon appeals? What is the general perception concerning the quality of first-instance decision-making? What are the powers of enforcement? Are these adequate? Does the system work effectively?

Summary of discussion. It was agreed that appeals might be restricted more effec-tively in many national systems. Some participants also reported that the system of enforcing judgments has become highly problematic.

(6) The Financial Element: Costs and Expense. What are the main sources of ex-pense? Can these be controlled? Are there any special solutions to the great chal-lenge of promoting economic access to justice? Or is the financial barrier to access a good thing, given the human propensity to be disputatious?

Summary of discussion. The German system of fixed costs was discussed. But it was also noted that it does not prescribe in practice the total fees paid to lawyers. This is because parties are free to supplement the sums received by lawyers (even if these will not be fully recovered from the opponent if the latter loses the case). The problems of billing-by-the-hour costs systems, notably in England, were con-trasted.

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453Direito estrangeiro e ComparaDo – generaliDaDes

aNdRews, Neil. Civil justice’s “songs of innocence and experience”. The gap between expectation and experience. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 437-454. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

viii. recommeNdaTioNs aNd ToPics requiriNG FurTher discussioN

(1) Information Overload.

Procedural codes need to be shorter. The concrete recommendation is that each legal system should reduce the number of words within these prolix documents by at least fifty per cent.

(2) Lawyers, Judges, Parties.

(a) There is a modern expectation that judges and parties, including parties’ la-wyers, should co-operate more.

(b) As the profession becomes more diffuse there is greater need for ethical gui-dance in the field of professional conduct and standards.

(c) The facts that courts have assumed greater managerial powers has subjected to even greater pressure the relationship between judges and parties and lawyers. But it remains fundamental that the court should behave with strict neutrality in all its activities.

(d) Courts are at difficulty in coping with the rise of litigants-in-person. This is a trend which requires further discussion.

(3) Judicial Multi-tasking: New Functions.

There must be training and support to enable judges to master their new functions and to acquire necessary new skills (for example, in the field of case-management, involvement in costs decisions, the award of protective relief).

(4) Mechanisms to Uncover the Real Facts: Disclosure, Experts, Hearings.

A distinction was drawn, and substantially accepted, between access to informa-tion (without the judge intervening) and the technical reception of evidence (befo-re the court). There is a need to develop controlled systems so that parties are required to share information.

(5) Close of Play: Appeal and Enforcement.

Appeals should be restricted more effectively in many national systems.

The system of enforcing judgments has become highly problematic and requires gre-ater State support.

(6) The Financial Element: Costs and Expense.

The German system of fixed costs was discussed. But it was also noted that Ger-man parties are free to supplement the sums received by lawyers (even if these will not be fully recovered from the opponent if the latter loses the case). The problems of run-away costs systems, notably in England, were contrasted. The new systems of no-win-no-fee arrangements were considered. This is likely to remain an intrac-table topic within most procedural systems.

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454 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

aNdRews, Neil. Civil justice’s “songs of innocence and experience”. The gap between expectation and experience. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 437-454. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

It is a major challenge for legal systems to fund means-tested legal aid and, in its absence, to promote access to civil justice for all ranks of society and for businesses of different sizes. Litigation is often very expensive: prohibitively and unfairly so; and inequality is intensified. Lawyers and experts need to keep this problem at the top of the civil justice policy agenda.

Pesquisas do ediTorial

Veja também Doutrina• Conteúdo do processo formular romano, com suas condições da ação e pressupostos, de

Francisco da Silva Caseiro Neto – RePro 245/551-568 (DTR\2015\11024);

• O princípio da cooperação e a construção de um sistema comunicativo das nulida-des sob a ótica da teoria do fato jurídico procesual, de Ravi Peixoto – RDPriv 60/99-125 (DTR\2014\17897); e

• Os pressupostos processuais: uma análise crítica sobre a citação, de Amarildo Samuel Junior – RTSP 4/35-47 (DTR\2014\9401).

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Jurisprudência Anotada

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STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

457

acórdãos

suPremo Tribunal federal

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG – Plenário – j. 15.10.2015 – m.v. – rel. Min. Edson Fachin – Área do Direito: Constitucional; Tributário; Processual.

MANDADO DE SEGURANÇA – Condicionamento de inscrição de produtor rural ao pagamento de tributo – Inadmissibilidade – Restrição ao livre exercício de atividade econômica ou profissional que é inconstitucional, quando utilizada como meio de cobrança indireta de tributos – Inteligência das Súmulas 70, 323 e 547 do STF.

Jurisprudência no mesmo sentido

• RT 873/264 (JRP\2008\2301).

Veja também Jurisprudência

• Conteúdo Exclusivo Web: JRP\2002\3722.

Veja também Doutrina

• A autorização para impressão de documentos fiscais, a apreensão de mercadorias e a certidão de re-gularidade fiscal: meios coercitivos e os reflexos na responsabilidade civil do Estado, de Gabriel Pinós Sturtz – RTrib 63/290, Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil 6/123 (DTR\2005\539);

• Apreensão de mercadorias para coagir o contribuinte ao pagamento de tributos, de Thiago Silva Nogueira e Gustavo Trindade Lima – RTrib 122/345 (DTR\2015\6520); e

• As sanções políticas como meio coercitivo de pagamento de tributos e o protesto da CDA – Ilegalidade e inconstitucionalidade do art. 25 da Lei 12.767/2012, de Milton Carmo de Assis Júnior – RTrib 110/95, Doutrinas Essenciais de Direito Tributário 11/1351 (DTR\2013\3115).

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458 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Repercussão Geral no RE com Ag 914.045 – Minas Gerais.Relator: Min. Edson Fachin.Recorrente: Estado de Minas Gerais – Procurador: Advogado-Geral do Es-tado de Minas Gerais.Recorrido: Flávio Lúcio Moreira Vianna – advogados: Maria Cleusa de Andrade e outros.

Ementa:NE Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. Reafirmação de jurisprudência. Direito tributário e direito processual civil. Cláusula da reserva de plenário. Art. 97 da CF. Jurisprudência do Tribunal Pleno do STF. Restrições im-postas pelo Estado. Livre exercício da atividade econômica ou profissional. Meio de cobrança indireta de tributos.

1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercus-são geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em juris-prudência do Plenário do STF ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da CF, e 481, parágrafo único, do CPC/1973.

2. O STF tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.

3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso ex-traordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da re-percussão geral, do inc. III do § 1.º do art. 219 da Lei 6.763/1975 do Estado de Minas Gerais.

Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o Min. Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Rosa We-ber. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da ques-tão constitucional suscitada, vencido o Min. Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Rosa Weber. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Roberto Barroso. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Rosa Weber.

EDSON FACHIN, relator.

MANIFESTAÇÃO – O Sr. Min. Edson Fachin (relator): Trata-se de agravo inter-posto em face de decisão que inadmitiu recurso extraordinário contra acórdão de TJMG, cuja ementa se reproduz a seguir:

NE. Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibilizado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

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459Jurisprudência anotada

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

“Reexame necessário – Apelação cível – Mandado de segurança – Inscrição de produtor rural – Condicionamento ao pagamento de tributo – Impossibilidade – Restrição do livre exercício de atividade profissional – Sentença concessiva da or-dem mantida, com alteração da parte dispositiva – Apelação prejudicada. 1 – A Administração Fiscal tem à sua disposição meios apropriados e eficazes para a co-brança de seus créditos, não podendo se utilizar de vias oblíquas ou sancionatórias para a satisfação dos débitos que lhes são devidos. 2 – O condicionamento do defe-rimento de inscrição em cadastro de produtor rural, requerida pelo impetrante, à regularização de débitos fiscais constantes em PTAs, constitui óbice à atividade profissional lícita, o que é vedado constitucionalmente, à luz do princípio da livre iniciativa. 3 – Sentença concessiva da segurança mantida, com alteração da parte dispositiva. Apelação prejudicada. (f.)

Os embargos de declaração foram rejeitados (f.).

No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da CF, aponta-se violação aos arts. 5.º, XIII; 93, IX; 97; e 170 do Texto Constitucional.

Nas razões recursais, alega-se que o acórdão recorrido violou a cláusula de re-serva de plenário, encartada no art. 97 da CF e na Súmula Vinculante 10, pois afastou a aplicação dos arts. 16 da Lei estadual 6.763/1975 e 97, § 1.º, do RI-CMS/2002.

Sustenta-se, ainda, o seguinte:

Não há no caso impedimento ao exercício de atividade comercial, uma vez que não existe qualquer impedimento no sentido de que o recorrido exerça suas ativi-dades, mas sim, a fiel observância da lei. Se, porventura, a situação do recorrido estivesse regular, teria o deferimento da inscrição. (f.)

A primeira vice-presidência do TJMG julgou prejudicado o recurso quanto à questão alcançada pelo paradigma AgIn 791.292/PE e negou seguimento às maté-rias remanescentes com base na jurisprudência do STF.

Interposto agravo nos próprios autos, reiterando-se as razões recursais e atacan-do os fundamentos da decisão agravada.

É o relatório.

Submeto a matéria ao Plenário Virtual, a fim de que seja analisada a existência de repercussão geral.

Na verdade, verifica-se que os temas hauridos do presente feito são dois, a saber, (i) a necessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plená-rio do STF ou em Súmula deste Tribunal; e (ii) a constitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.

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STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Nesse sentido, torna-se patente que a controvérsia apresenta relevância nas di-mensões jurídica, política, econômica e social da repercussão geral. Por certo, tam-bém aqui não ocorre limitação aos interesses jurídicos das partes, porquanto está em xeque um conflito concreto entre direitos fundamentais, dado os interesses ju-ridicamente relevantes e divergentes entre Estado e contribuinte, replicável em uma infinidade de lides jurídicas.

Além disso, veja-se que o Plenário desta Corte já reconheceu a repercussão geral da discussão sobre a observância da cláusula de reserva de plenário na questão de ordem proposta no RE 580.108, de relatoria da Min. Ellen Gracie (presidente), DJe 19.12.2008.

No entanto, tem-se a necessidade de desenvolvimento do precedente, tendo em conta a própria racionalidade da sistemática da repercussão geral.

Igualmente, o Tribunal Pleno reconheceu a repercussão geral de controvérsia similar, embora mais específica, isto é, a exigência de garantia real ou fidejussória para impressão de documentos fiscais de contribuintes inadimplentes. Trata-se do Tema 31, cujo recurso paradigma é o Repercussão Geral no RE 565.048, de relato-ria do Min. Marco Aurélio, DJe 09.10.2014.

Assim sendo, constata-se que o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência desta Corte, segundo a qual é inconstitucional a imposição de restrições ao exercí-cio de atividade econômica ou profissional do contribuinte, quando este se encon-tra em débito para com o Fisco.

A esse respeito, vejam-se os seguintes Enunciados das Súmulas desta Corte:

Súmula 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coerciti-vo para cobrança de tributo.

Súmula 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula 547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito ad-quira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Cito, ainda, os seguintes precedentes: AgRg no AgIn 623.739, 1.ª T., de relatoria do Min. Roberto Barroso, DJe 26.08.2015; AgRg no AgIn 808.684, 2.ª T., de relato-ria do Min. Joaquim Barbosa, DJe 18.09.2012; AgRg no RE 216.983, 2.ª T., de rela-toria do Min. Carlos Velloso, DJ 13.11.1998; RE 100.919, 1.ª T., de relatoria do Min. Néri da Silveira, DJ 04.03.1988; AgRg no AgIn 529.106, 2.ª T., de relatoria da Min. Ellen Gracie, DJ 03.02.2006; AgRg no RE 787.241, 1.ª T., de relatoria do Min. Marco Aurélio, DJe 25.05.2015, este último assim ementado:

Recurso extraordinário. Legislação local. A apreciação do recurso extraordiná-rio faz-se considerada a Constituição Federal, descabendo interpretar normas lo-

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461Jurisprudência anotada

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cais visando a concluir pelo enquadramento no permissivo do inc. III do art. 102 da CF. Tributo. Fiscalização. Regime especial. Sanção política. Insubsistência. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual por meio da qual são im-postas restrições ao exercício da atividade econômica ou profissional do contri-buinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, caracterizada forma oblíqua de cobrança de tributos Verbetes 70, 323 e 547 da Súmula do Supremo. Precedentes: RE 413.782-8/SC e 565.048/RS, ambos de minha relatoria.

No caso concreto, trata-se de um cidadão que teve seu requerimento de inscri-ção em cadastro de produtor rural indeferido pelo Poder Público, em razão de si-tuação de irregularidade fiscal perante a Administração Tributária. Demais, o fun-damento da negativa do pedido se funda no não preenchimento das exigências le-gais constantes da Lei estadual 6.763/1975.

Em relação à reserva de plenário, tem-se que a questão constitucional em debate se refere à interpretação do art. 97 da CF, in verbis: Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

No âmbito infraconstitucional, vê-se que tal dispositivo constitucional fora as-sim conformado pelo Código de Processo Civil de 1973 no parágrafo único do art. 481: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão. Aliás, esse comando normativo foi repetido, ipsis litteris, no bojo do parágrafo único do art. 949 do CPC/2015.

Nesse quadro, não houve error in procedendo por parte do Tribunal de origem, uma vez que sua razão de decidir se pautou no Enunciado da Súmula 547 do STF, o que, por óbvio, demandou reiterados julgamentos do Tribunal Pleno para propi-ciar a cristalização do entendimento jurisprudencial em enunciado sumular.

Assim, as manifestações reiteradas desta Suprema Corte são no sentido de que não viola o art. 97 do Texto Constitucional, quando existir pronunciamento plená-rio do STF acerca da matéria de fundo.

Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes:

AgRg na Rcl 9.299, de relatoria do Min. Dias Toffoli, 1.ª T., DJe 12.02.2015; AgRg no AgIn 607.616, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, 2.ª T., DJe 01.10.2010; EDcl no RE 361.829, de relatoria da Min. Ellen Gracie, 2.ª T., DJe 19.03.2010; AgRg no RE 876.067, de relatoria da Min. Cármen Lúcia, 2.ª T., DJe 22.05.2015; e Segun-do AgRg no AgRg 2.105, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Ple-no, DJe 16.10.2013, este último assim ementado:

Agravo regimental. Ação rescisória. Art. 485, V, do CPC/1973. Violação ao art. 97 da CF. Não ocorrência. Mérito. ISS. Entidades autorizadas a funcionar pelo Ban-co Central. Lei complementar que afasta a tributação. Agravo improvido. I. A obe-

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diência à cláusula de reserva de plenário não se faz necessária quando houver orientação consolidada do STF sobre a questão constitucional discutida. II. A LC 56/1987, que institui hipótese de não incidência do ISS sobre atividades desempe-nhadas por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil foi recepcionada pela Constituição de 1988. III. Agravo regimental improvido.

Assim, entende-se que as orientações já expostas devem ser aplicadas ao caso em tela, desta vez na sistemática da repercussão geral, para reconhecer as seguintes teses:

(i) A desnecessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do STF ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da CF e 481, parágrafo único, do CPC/1973;

(ii) A inconstitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos, na esteira da jurisprudência pacífica desta Corte.

Assim, manifesto-me pela existência de repercussão geral das questões constitu-cionais debatidas na presente manifestação e pela reafirmação da jurisprudência do STF, nos termos dos arts. 323 e 323-A do RISTF.

Ante o exposto, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso extraor-dinário, para assentar a inconstitucionalidade, incidentalmente e com os efeitos da repercussão geral, do inc. III do § 1.º do art. 219 da Lei 6.763/1975 do Estado de Minas Gerais.

Publique-se.

Brasília, 25 de setembro de 2015 – Edson Fachin, relator.

Manifestação: Ementa: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Cláusula de Reserva de Plenário. Restrições a atividades econômicas em razão de débitos tributários.

1. Possuem caráter constitucional e repercussão geral as seguintes questões: (i) necessidade ou não de observância da cláusula da reserva de plenário quando já houver súmula ou pronunciamento do Plenário do STF sobre a questão; e (ii) a possibilidade ou não de restringir atividades econômicas em razão da existência de débitos tributários.

2. Reafirmação da jurisprudência do Tribunal sobre o tema (i), pela desnecessi-dade da observância da reserva de plenário nas hipóteses previstas no art. 481, pa-rágrafo único, do CPC/1973.

3. Não reafirmação da jurisprudência sobre o tema (ii), cujas sutilezas devem ser mais bem discutidas em Plenário físico.

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O Sr. Min. Luís Roberto Barroso: 1. Trata-se de agravo em recurso extraordinário interposto contra acórdão do TJMG, assim ementado:

“Reexame necessário – Apelação cível – Mandado de segurança – Inscrição de produtor rural – Condicionamento ao pagamento de tributo – Impossibilidade – Restrição do livre exercício de atividade profissional – Sentença concessiva da or-dem mantida, com alteração da parte dispositiva – Apelação prejudicada. 1 – A Administração Fiscal tem à sua disposição meios apropriados e eficazes para a co-brança de seus créditos, não podendo se utilizar de vias oblíquas ou sancionatórias para a satisfação dos débitos que lhes são devidos. 2 – O condicionamento do defe-rimento de inscrição em cadastro de produtor rural, requerida pelo impetrante, à regularização de débitos fiscais constantes em PTAs, constitui óbice à atividade profissional lícita, o que é vedado constitucionalmente, à luz do princípio da livre iniciativa. 3 – Sentença concessiva da segurança mantida, com alteração da parte dispositiva. Apelação prejudicada”.

2. O recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, a, da CF/1988, aponta violação aos arts. 5.º, XIII; 93, IX; 97; e 170 da CF. Segundo o relator, Min. Edson Fachin, “verifica-se que os temas hauridos no presente feito são dois, a sa-ber, (i) a necessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de ple-nário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do STF ou em Súmula deste Tribunal; e (ii) a constitucionalidade de res-trições impostas ao Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissio-nal, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos”.

3. O eminente relator propõe o reconhecimento do caráter constitucional e da repercussão geral das duas matérias acima relacionadas, bem como a reafirmação da jurisprudência sobre ambos os temas, para assentar as seguintes teses, in verbis:

“(i) A desnecessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do STF ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da CF e 481, parágrafo único, do CPC/1973;

(ii) A inconstitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos, na esteira da jurisprudência pacífica desta Corte”.

4. Assim, S. Exa. conclui no sentido de conhecer do agravo para negar segui-mento ao recurso extraordinário da Fazenda Pública e assentar a inconstitucionali-dade, de forma incidental e com efeitos de repercussão geral, do art. 219, § 1.º, III, da Lei 6.763/1975 do Estado de Minas Gerais, que assim dispõe:

“Art. 219. Será exigida certidão de débitos tributários negativa nos seguintes casos:

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464 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

(…)

§ 1.º Nas hipóteses abaixo indicadas não será exigida a apresentação do docu-mento de que trata o caput deste artigo, ficando o deferimento do pedido condicio-nado a estar o requerente em situação que permitiria a emissão de certidão de dé-bitos tributários negativa para com a Fazenda Pública estadual:

(…)

III – nos casos previstos em regulamento, inscrição como contribuinte, altera-ção cadastral que envolva inclusão ou substituição de sócio e reativação da inscri-ção estadual;”

5. Feita esta breve recapitulação, passo à manifestação.

6. Estou de acordo com o reconhecimento da natureza constitucional e da reper-cussão geral de ambas as questões suscitadas. Também estou de acordo com a rea-firmação da jurisprudência no que diz respeito ao tema (i), isto é, a desnecessidade de observância da cláusula da reserva de plenário quando o acórdão do órgão fra-cionário estiver de acordo com súmula ou entendimento já manifestado pelo Ple-nário do STF sobre a questão, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC/1973 (norma, aliás, repetida pelo art. 949, parágrafo único, do novo CPC – Lei 13.105/2015).

7. No entanto, tenho dúvidas sobre a conveniência de uma reafirmação de juris-prudência nos termos propostos para o tema (ii). Apesar da existência das Súmulas 70, 323 e 547 do STF,1 aprovadas entre 1963 e 1969, a matéria comporta sutilezas que devem ser mais bem discutidas em Plenário físico. Basta observar, e.g., que o Plenário da Corte estipulou parâmetros para o exercício da atividade da indústria do cigarro em caso de inadimplência tributária. A argumentação da empresa recor-rente baseava-se precisamente nas três súmulas acima referidas, mas foi rejeitada em julgamento datado de 22.05.2013. Confira-se a ementa:

“Constitucional. Tributário. Sanção política. Não pagamento de tributo. Indús-tria do cigarro. Registro especial de funcionamento. Cassação. Dec.-lei 1.593/1977, art. 2.º, II. 1. Recurso extraordinário interposto de acórdão prolatado pelo TRF-2.ª Reg., que reputou constitucional a exigência de rigorosa regularidade fiscal para manutenção do registro especial para fabricação e comercialização de cigarros (Dec.-lei 1.593/1977, art. 2.º, II). 2. Alegada contrariedade à proibição de sanções políticas em matéria tributária, entendidas como qualquer restrição ao direito fun-

1. Súmula 70 do STF: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”. Súmula 323 do STF: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. Súmula 547 do STF: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercado-rias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.

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damental de exercício de atividade econômica ou profissional lícita. Violação do art. 170 da CF, bem como dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. A orientação firmada pelo STF rechaça a aplicação de sanção política em matéria tributária. Contudo, para se caracterizar como sanção política, a norma extraída da interpretação do art. 2.º, II, do Dec.-lei 1.593/1977 deve atentar contra os seguintes parâmetros: (1) relevância do valor dos créditos tributários em aberto, cujo não paga-mento implica a restrição ao funcionamento da empresa; (2) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle do ato de aplicação da penalidade; e (3) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle da validade dos créditos tributários cujo não pagamento implica a cassação do registro especial. 4. Circunstâncias que não foram demonstradas no caso em exame. 5. Recurso ex-traordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento” (RE 550.769, rel. Min. Joaquim Barbosa).

8. A propósito, observo que as normas referentes ao registro especial para a in-dústria do cigarro e para produtores e importadores de biodiesel, que exigem, entre outros requisitos, regularidade tributária, são objeto das ADIn 3.465 e 3.527, am-bas atualmente sob a minha relatoria.

9. Em outro julgamento recente (j. 30.10.2013), sujeito ao regime da repercus-são geral, o Tribunal considerou válida a exigência de regularidade fiscal para ade-são ao Simples Nacional, rejeitando a incidência das Súmulas 70, 323 e 547 do STF, invocando, entre outros fundamentos, a proporcionalidade da medida, sua genera-lidade e a necessidade de assegurar o equilíbrio concorrencial. Confira-se:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Microempresa e em-presa de pequeno porte. Tratamento diferenciado. Simples Nacional. Adesão. Débi-tos fiscais pendentes. LC 123/2006. Constitucionalidade. Recurso não provido. 1. O Simples Nacional surgiu da premente necessidade de se fazer com que o sistema tributário nacional concretizasse as diretrizes constitucionais do favorecimento às microempresas e às empresas de pequeno porte. A LC 123, de 14.12.2006, em con-sonância com as diretrizes traçadas pelos arts. 146, III, d, e parágrafo único; 170, IX; e 179 da CF, visa à simplificação e à redução das obrigações dessas empresas, conferindo a elas um tratamento jurídico diferenciado, o qual guarda, ainda, perfei-ta consonância com os princípios da capacidade contributiva e da isonomia. 2. Ausência de afronta ao princípio da isonomia tributária. O regime foi criado para diferenciar, em iguais condições, os empreendedores com menor capacidade con-tributiva e menor poder econômico, sendo desarrazoado que, nesse universo de contribuintes, se favoreçam aqueles em débito com os fiscos pertinentes, os quais participariam do mercado com uma vantagem competitiva em relação àqueles que cumprem pontualmente com suas obrigações. 3. A condicionante do inc. V do art. 17 da LC 123/2006 não se caracteriza, a priori, como fator de desequilíbrio concorrencial, pois se constitui em exigência imposta a todas as pequenas e as microempresas (MPE),

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bem como a todos os microempreendedores individuais (MEI), devendo ser contextuali-zada, por representar também, forma indireta de se reprovar a infração das leis fiscais e de se garantir a neutralidade, com enfoque na livre concorrência. 4. A presente hipó-tese não se confunde com aquelas fixadas nas Súmulas 70, 323 e 547 do STF, porquanto a espécie não se caracteriza como meio ilícito de coação a pagamento de tributo, nem como restrição desproporcional e desarrazoada ao exercício da atividade econômica. Não se trata, na espécie, de forma de cobrança indireta de tributo, mas de requisito para fins de fruição a regime tributário diferenciado e facultativo. 5. Recurso extraordinário não provido” (RE 627.543, rel. Min. Dias Toffoli).

10. Debate semelhante também se coloca quanto à constitucionalidade do art. 1.º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997, incluído pela Lei 12.767/2012, que permi-te o protesto de certidões de dívida ativa, o que se discute na ADIn 5.135, sob a minha relatoria.

11. De resto, o caráter genérico da tese que o relator propõe afirmar poderia gerar efeitos muito amplos e não dimensionados adequadamente por este Tribunal. Por exemplo, de acordo com os termos da tese proposta, seria válida a exigência de certidão de regularidade fiscal para participação de empresas em licitações, obten-ção de empréstimos em instituições públicas, incentivos fiscais etc.?

12. Portanto, sem propriamente discordar do entendimento do Min. Edson Fa-chin, considero, no entanto, que o tema (ii) deveria ser melhor debatido em Plená-rio físico, com todas as suas nuances.

13. Diante do exposto, manifesto-me no sentido do caráter constitucional e da repercussão geral de ambas as questões suscitadas, pela reafirmação da jurispru-dência quanto à tese (i), e pela não reafirmação da jurisprudência quanto à tese (ii), para cuja apreciação me reservo em eventual julgamento pelo Plenário físico.

Publique-se.

Brasília, 13 de outubro de 2015 – Luís Roberto Barroso.

PRONUNCIAMENTO – Repercussão geral – Recurso extraordinário – Jurispru-dência consolidada – Inadequação do instituto.

1. O assessor Dr. José Marcos Vieira Rodrigues Filho prestou as seguintes infor-mações:

“Eis a síntese do que discutido no RE com Ag 914.045/MG, da relatoria do Min. Edson Fachin, inserido no sistema eletrônico da repercussão geral em 25.09.2015.

O processo revela mandado de segurança impetrado contra o ato mediante o qual o Chefe da Administração Fazendária do Estado de Minas Gerais indeferiu pedido de inscrição em cadastro de produtor rural, em virtude da existência de débitos tributários com o Fisco estadual em nome do impetrante.

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467Jurisprudência anotada

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A 6.ª Câm. Civ. do Tribunal de Justiça, em reexame necessário, confirmou a sentença que implicou o implemento da segurança, modificando apenas a parte dispositiva da decisão, visando adequá-la ao pleito inicial. Julgou prejudicada a apelação interposta pelo Estado. Consignou afrontar a Constituição Federal a pre-visão, em lei estadual, a condicionar o acolhimento do pedido de inscrição de pro-dutor rural à regularidade fiscal do requerente perante o Fisco, ante os princípios do livre exercício profissional e da livre iniciativa versados no art. 170 da CF/1988. Fez ver, com fundamento no Verbete 547 da Súmula do Supremo, a impossibilida-de de a Administração utilizar-se de vias oblíquas ou sancionatórias para a quitação de tributos, em substituição aos meios legais de cobrança dos créditos fiscais. En-fatizou que, embora a garantia do exercício da livre iniciativa não consubstancie direito absoluto, deve-se utilizar o princípio da razoabilidade para harmonizar a interpretação constitucional com o interesse público envolvido no caso concreto. Alterou o dispositivo da sentença, no que se proibiu, de modo amplo, o indeferi-mento do pedido de inscrição, para restringir o alcance da ordem somente quanto ao óbice alusivo a débitos tributários em aberto.

No exame dos embargos de declaração interpostos, assentou-se não haver viola-ção à cláusula da reserva de plenário quando, em observância verbete da Súmula do Supremo sobre a controvérsia, deixa-se de aplicar norma estadual considerada in-constitucional, diante da exceção contida no parágrafo único do art. 481 do CPC/1973.

No extraordinário, protocolado com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, o Estado de Minas Gerais argui ofensa aos arts. 5.º, XIII, 93, IX, 97 e 170 da CF. Sustenta a negativa de prestação jurisdicional em virtude de não ter sido sanada a omissão apontada nos declaratórios. Aduz transgressão à cláusula de reserva de plenário, porquanto o órgão fracionário do Tribunal de origem teria de-clarado a inconstitucionalidade de dispositivo de lei estadual sem que existisse pronunciamento definitivo do Supremo acerca da matéria. Sustenta ser inadequado o entendimento veiculado, no acórdão recorrido, atinente ao conteúdo do princí-pio da livre iniciativa, haja vista o alcance ilimitado que lhe foi conferido. Frisa encontrar-se o Poder Público autorizado a estabelecer limitações ao exercício de atividade econômica, nos termos do parágrafo único do art. 170 da Lei Fundamen-tal. Salienta a legitimidade do ato impugnado, editado com base nos arts. 16, IV, da Lei estadual 6.763/1975 e 99, § 1.º, do Dec. estadual 43.080/2002.

Enfatiza que a exigência de regularidade fiscal para o deferimento do pedido de inscrição de produtor rural não constitui forma indireta de cobrança de tributo, mas instrumento hábil a coibir o desrespeito às instituições do Estado. Assinala a ocorrência de violação ao princípio da livre concorrência, porquanto o entendi-mento adotado na decisão recorrida favorece as empresas que não cumprem obri-gações tributárias, em detrimento das que o fazem. Esclarece haver débitos fiscais

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em nome da empresa na qual o impetrante é sócio e cujas atividades foram encer-radas de forma irregular.

Sob o ângulo da repercussão geral, anota que a matéria versada no recurso ultra-passa os limites subjetivos da lide, mostrando-se relevante do ponto de vista econô-mico e jurídico. Afirma estar em discussão, no processo, a existência, ou não, de princípios constitucionais incondicionados e ilimitados, capazes de garantir aos par-ticulares o exercício de atividades econômicas independentemente da observância a preceitos legais voltados à prevalência do interesse público e do Estado Democrático.

O recorrido, apesar de intimado, não apresentou contrarrazões.

Diante da inadmissão do extraordinário na origem, foi interposto agravo, no qual se pleiteia a sequência do recurso.

Eis o pronunciamento do ministro Edson Fachin, no sentido de reafirmar a ju-risprudência do Supremo:

O Sr. Min. Edson Fachin (relator): Trata-se de agravo interposto em face de de-cisão que inadmitiu recurso extraordinário contra acórdão de TJMG, cuja ementa se reproduz a seguir:

Reexame necessário – Apelação cível – Mandado de segurança – Inscrição de produtor rural – Condicionamento ao pagamento de tributo impossibilidade – Res-trição do livre exercício de atividade profissional – Sentença concessiva da ordem mantida, com alteração da parte dispositiva – Apelação prejudicada. 1 – A Admi-nistração Fiscal tem à sua disposição meios apropriados e eficazes para a cobrança de seus créditos, não podendo se utilizar de vias oblíquas ou sancionatórias para a satisfação dos débitos que lhes são devidos. 2 – O condicionamento do deferimen-to de inscrição em cadastro de produtor rural, requerida pelo impetrante, à regula-rização de débitos fiscais constantes em PTAs, constitui óbice à atividade profissio-nal lícita, o que é vedado constitucionalmente, à luz do princípio da livre iniciativa. 3 – Sentença concessiva da segurança mantida, com alteração da parte dispositiva. Apelação prejudicada.

(f.)

Os embargos de declaração foram rejeitados (f.).

No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da CF, aponta-se violação aos arts. 5.º, XIII; 93, IX; 97; e 170 do CF.

Nas razões recursais, alega-se que o acórdão recorrido violou a cláusula de re-serva de plenário, encartada no art. 97 da CF e na Súmula Vinculante 10, pois afastou a aplicação dos arts. 16 da Lei estadual 6.763/1975 e 97, § 1.º, do RI-CMS/2002.

Sustenta-se, ainda, o seguinte:

Não há no caso impedimento ao exercício de atividade comercial, uma vez que não existe qualquer impedimento no sentido de que o recorrido exerça suas ativi-

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dades, mas sim, a fiel observância da lei. Se, porventura, a situação do recorrido estivesse regular, teria o deferimento da inscrição. (f.)

A primeira vice-presidência do TJMG julgou prejudicado o recurso quanto à questão alcançada pelo paradigma AgIn 791.292/PE e negou seguimento às maté-rias remanescentes com base na jurisprudência do STF.

Interposto agravo nos próprios autos, reiterando-se as razões recursais e atacan-do os fundamentos da decisão agravada.

É o relatório.

Submeto a matéria ao Plenário Virtual, a fim de que seja analisada a existência de repercussão geral.

Na verdade, verifica-se que os temas hauridos do presente feito são dois, a saber, (i) a necessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plená-rio do STF ou em Súmula deste Tribunal; e (ii) a constitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.

Nesse sentido, torna-se patente que a controvérsia apresenta relevância nas di-mensões jurídica, política, econômica e social da repercussão geral. Por certo, tam-bém aqui não ocorre limitação aos interesses jurídicos das partes, porquanto está em xeque um conflito concreto entre direitos fundamentais, dado os interesses ju-ridicamente relevantes e divergentes entre Estado e contribuinte, replicável em uma infinidade de lides jurídicas.

Além disso, veja-se que o Plenário desta Corte já reconheceu a repercussão geral da discussão sobre a observância da cláusula de reserva de plenário na Questão de Ordem proposta no RE 580.108, de relatoria da Min. Ellen Gracie (presidente), DJe 19.12.2008. No entanto, tem-se a necessidade de desenvolvimento do precedente, tendo em conta a própria racionalidade da sistemática da repercussão geral.

Igualmente, o Tribunal Pleno reconheceu a repercussão geral de controvérsia similar, embora mais específica, isto é, a exigência de garantia real ou fidejussória para impressão de documentos fiscais de contribuintes inadimplentes. Trata-se do Tema 31, cujo recurso-paradigma é o Repercussão Geral no RE 565.048, de relato-ria do Min. Marco Aurélio, DJe 09.10.2014.

Assim sendo, constata-se que o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência desta Corte, segundo a qual é inconstitucional a imposição de restrições ao exercí-cio de atividade econômica ou profissional do contribuinte, quando este se encon-tra em débito para com o Fisco.

A esse respeito, vejam-se os seguintes Enunciados das Súmulas desta Corte:

Súmula 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coerciti-vo para cobrança de tributo.

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470 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Súmula 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula 547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito ad-quira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Cito, ainda, os seguintes precedentes: AgRg no AgIn 623.739, de relatoria do Min. Roberto Barroso, 1.ª T., DJe 26.08.2015; AgRg no AgIn 808.684, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, 2.ª T., DJe 18.09.2012; AgRg no RE 216.983, de relatoria do Min. Carlos Velloso, 2.ª T., DJ 13.11.1998; RE 100.919, de relatoria do Min. Néri da Silveira, 1.ª T., DJ 04.03.1988; AgRg no AgIn 529.106, de relatoria da Min. Ellen Gracie, 2.ª T., DJ 03.02.2006; AgRg no RE 787.241, de relatoria do Min. Marco Aurélio, 1.ª T., DJe 25.05.2015, este último assim ementado:

Recurso extraordinário – Legislação local. A apreciação do recurso extraordiná-rio faz-se considerada a Constituição Federal, descabendo interpretar normas lo-cais visando a concluir pelo enquadramento no permissivo do inc. III do art. 102 da CF. Tributo. Fiscalização. Regime especial. Sanção política. Insubsistência. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual por meio da qual são im-postas restrições ao exercício da atividade econômica ou profissional do contri-buinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, caracterizada forma oblíqua de cobrança de tributos Verbetes 70, 323 e 547 da Súmula do Supremo. Precedentes: RE 413.782-8/SC e 565.048/RS, ambos de minha relatoria.

No caso concreto, trata-se de um cidadão que teve seu requerimento de inscri-ção em cadastro de produtor rural indeferido pelo Poder Público, em razão de si-tuação de irregularidade fiscal perante a Administração Tributária. Demais, o fun-damento da negativa do pedido se funda no não preenchimento das exigências le-gais constantes da Lei estadual 6.763/1975.

Em relação à reserva de plenário, tem-se que a questão constitucional em deba-te se refere à interpretação do art. 97 da CF, in verbis: Somente pelo voto da maio-ria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial pode-rão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

No âmbito infraconstitucional, vê-se que tal dispositivo constitucional fora as-sim conformado pelo Código de Processo Civil de 1973 no parágrafo único do art. 481: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão. Aliás, esse comando normativo foi repetido, ipsis litteris, no bojo do parágrafo único do art. 949 do CPC/2015.

Nesse quadro, não houve error in procedendo por parte do Tribunal de origem, uma vez que sua razão de decidir se pautou no Enunciado da Súmula 547 do STF,

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471Jurisprudência anotada

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

o que, por óbvio, demandou reiterados julgamentos do Tribunal Pleno para propi-ciar a cristalização do entendimento jurisprudencial em enunciado sumular.

Assim, as manifestações reiteradas desta Suprema Corte são no sentido de que não viola o art. 97 do Texto Constitucional, quando existir pronunciamento plená-rio do STF acerca da matéria de fundo.

Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes:

AgRg na Rcl 9.299, de relatoria do Min. Dias Toffoli, 1.ª T., DJe 12.02.2015; AgRg no AgIn 607.616, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, 2.ª T., DJe 01.10.2010; EDcl no RE 361.829, de relatoria da Min. Ellen Gracie, 2.ª T., DJe 19.03.2010; AgRg no RE 876.067, de relatoria da Min. Cármen Lúcia, 2.ª T., DJe 22.05.2015; e Segun-do AgRg na AR 2.105, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 16.10.2013, este último assim ementado:

Agravo regimental. Ação rescisória. Art. 485, V, do CPC/1973. Violação ao art. 97 da CF. Não ocorrência. Mérito. ISS. Entidades autorizadas a funcionar pelo Ban-co Central. Lei complementar que afasta a tributação. Agravo improvido. I – A obediência à cláusula de reserva de plenário não se faz necessária quando houver orientação consolidada do STF sobre a questão constitucional discutida. II – A LC 56/1987, que institui hipótese de não incidência do ISS sobre atividades desempe-nhadas por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil foi recepcionada pela Constituição de 1988. III – Agravo regimental improvido.

Assim, entende-se que as orientações já expostas devem ser aplicadas ao caso em tela, desta vez na sistemática da repercussão geral, para reconhecer as seguintes teses:

(i) A desnecessidade de submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do STF ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da CF e 481, parágrafo único, do CPC/1973;

(ii) A inconstitucionalidade de restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos, na esteira da jurisprudência pacífica desta Corte.

Assim, manifesto-me pela existência de repercussão geral das questões constitu-cionais debatidas na presente manifestação e pela reafirmação da jurisprudência do STF, nos termos dos arts. 323 e 323-A do RISTF.

Ante o exposto, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso extraor-dinário, para assentar a inconstitucionalidade, incidentalmente e com os efeitos da repercussão geral, do inc. III do § 1.º do art. 219 da Lei 6.763/1975 do Estado de Minas Gerais.

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472 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

STF – Repercussão Geral no RE com Ag 914.045/MG. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 457-472. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Publique-se.

Brasília, 25 de setembro de 2015 – Edson Fachin, relator”.

2. Em reiterados pronunciamentos, o Supremo já analisou as questões versadas no extraordinário, vindo a assentar não só a dispensa da reserva de Plenário, quan-do o colegiado de origem declara, com base em verbete da Súmula deste Tribunal, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, mas também a invalidade das res-trições ao exercício de atividade profissional como forma de cobrança indireta de tributos. Vale frisar que esse último tema é, até mesmo, objeto dos Verbetes 70, 323 e 547 da Súmula.

A repercussão geral foi criada pela EC 45/2004 com o propósito de reduzir a sobrecarga de trabalho do Supremo. A inserção, no sistema eletrônico, de matérias pacificadas na jurisprudência contraria a finalidade do instituto, considerado o es-trangulamento da pauta do Plenário físico. Apenas para se ter uma ideia da ordem de grandeza do problema, em 2014, foi reconhecida a repercussão geral, para pos-terior apreciação do mérito recursal pelo colegiado, em 35 processos. Acrescente-se que o estoque de temas com repercussão geral admitida e pendente de exame con-ta com mais de 320 casos.

O quadro revela a impropriedade da inclusão do processo no Plenário Virtual.

3. Pronuncio-me pela inadequação do instituto da repercussão geral.

4. À assessoria, para acompanhar a tramitação do incidente, inclusive quanto aos processos que, no Gabinete, tratem de idêntica controvérsia.

5. Publiquem.

Brasília, 13 de outubro de 2015 – MARCO AURÉLIO, relator.

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sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

473

suPerior Tribunal de JusTiça

STJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP – Corte Especial – j. 07.10.2015 – v.u. – rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.11.2015 – Área do Direito: Processual; Civil.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Perda do objeto – Ocorrência – Antecipação de tutela – Posterior sentença de mérito que caracteriza a ausência superveniente de interesse recursal em razão da eficácia plena da decisão ante o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo – Análise do recurso, ademais, que deve considerar a realidade fática e o momento processual que se encontra o feito de forma casuística.

Veja também Jurisprudência

• RePro 132/239 (JRP\2006\1957).

Veja também Doutrina

• Agravo de instrumento pendente de julgamento e sentença superveniente irrecorrida, de Artur de Brito Lemos – RePro 186/353 (DTR\2010\372);

• Considerações sobre o destino do agravo de instrumento na superveniência de sentença, de Juliana Lopes da Cruz – RePro 169/251 (DTR\2009\194);

• Perda de objeto de agravo de instrumento, em que se deferiu tutela antecipada, por superveniência de sentença?, de Leonardo de Abreu Birchal e Fernando Daniel de Moura Fonseca – RePro 185/245 (DTR\2010\495); e

• Tutela antecipada, agravo de instrumento pendente e prolação da sentença, de Welder Queiroz dos Santos – RePro 199/281 (DTR\2011\2438).

EDiv em Ag em REsp 488.188 – SP (2014/0191588-2).Relator: Min. Luis Felipe Salomão.Embargante: Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Repre-sentada por: Procuradoria-Geral Federal.Embargada: Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias – advogados: Paula Cristina Acirón Loureiro e outros.

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474 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Ementa:NE Processual civil. Embargos de divergência. Agravo de instrumento in-terposto contra decisão proferida em antecipação de tutela incidental. Superveniente prolação de sentença de mérito. Perda de objeto.

1. Há dois critérios para solucionar o impasse relativo à ocorrência de esvazia-mento do conteúdo do recurso de agravo de instrumento, em virtude da superve-niência da sentença de mérito, quais sejam: (a) o da cognição, segundo o qual o conhecimento exauriente da sentença absorve a cognição sumária da interlocutória, havendo perda de objeto do agravo; e (b) o da hierarquia, que pressupõe a preva-lência da decisão de segundo grau sobre a singular, quando então o julgamento do agravo se impõe.

2. Contudo, o juízo acerca do destino conferido ao agravo após a prolatação da sentença não pode ser engendrado a partir da escolha isolada e simplista de um dos referidos critérios, fazendo-se mister o cotejo com a situação fática e processual dos autos, haja vista que a pluralidade de conteúdos que pode assumir a decisão impug-nada, além de ensejar consequências processuais e materiais diversas, pode apresen-tar prejudicialidade em relação ao exame do mérito.

3. A pedra angular que põe termo à questão é a averiguação da realidade fática e o momento processual em que se encontra o feito, de modo a sempre perquirir acerca de eventual e remanescente interesse e utilidade no julgamento do recurso.

4. Ademais, na específica hipótese de deferimento ou indeferimento da antecipa-ção de tutela, a prolatação de sentença meritória implica a perda de objeto do agravo de instrumento por ausência superveniente de interesse recursal, uma vez que: (a) a sentença de procedência do pedido – que substitui a decisão deferitória da tutela de urgência – torna-se plenamente eficaz ante o recebimento da apelação tão somente no efeito devolutivo, permitindo desde logo a execução provisória do julgado (art. 520, VII, do CPC/1973); (b) a sentença de improcedência do pedido tem o condão de revogar a decisão concessiva da antecipação, ante a existência de evidente antinomia entre elas.

5. Embargos de divergência não providos.

ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Cor-te Especial do STJ acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento aos embargos de divergência, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Felix Fischer, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Mar-tins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Fi-lho, Jorge Mussi e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro relator.

NE. Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibilizado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

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475Jurisprudência anotada

sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Ausentes, justificadamente, a Sra. Min. Nancy Andrighi e o Sr. Min. Benedito Gonçalves.

Brasília (DF), 07 de outubro de 2015 – LUIS FELIPE SALOMÃO, relator.

EDiv em Ag em REsp 488.188 – SP (2014/0191588-2).Embargante: Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Repre-sentada por: Procuradoria-Geral Federal.Embargada: Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias – advogados: Paula Cristina Acirón Loureiro e outros.

RELATÓRIO – O Sr. Min. Luis Felipe Salomão (relator): 1. São embargos de di-vergência interpostos por Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa em face de acórdão proferido pela 2.ª T. desta Corte, da relatoria do Min. Herman Ben-jamin, assim ementado (f.):

“Processual civil. Recurso especial em agravo de instrumento interposto na ori-gem contra o deferimento de tutela antecipada. Superveniência de sentença de mé-rito. Prejudicialidade. Precedentes do STJ.

1. Fica prejudicado, ante a perda de objeto, o recurso especial interposto contra acórdão que examinou agravo de instrumento contra decisão que defere ou indefe-re liminar ou antecipação de tutela, quando se verifica a prolação de sentença de mérito nos casos em que o objeto do apelo extremo limita-se à discussão acerca do preenchimento dos requisitos previstos no art. 273 do CPC/1973. No mesmo sen-tido: AgRg no Ag em REsp 98.370/RO, 1.ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20.06.2012; AgRg no Ag 1.301.908/PR, 1.ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 16.02.2011; EDcl no AgRg no Ag 1.228.419/SC, 2.ª T., rel. Min. Humberto Mar-tins, DJe 17.11.2010; REsp 1.288.477/PR, 2.ª T., rel. Min. Mauro Campbell Mar-ques, DJe 18.12.2013; REsp 1.232.489/RS, 2.ª T., rel. Min. Eliana Calmon, DJe 13.06.2013; AgRg no REsp 1.350.780/RJ, 3.ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 14.08.2013; AgRg no AgRg no Ag 1.327.988/MG, 4.ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27.09.2013.

2. Agravo regimental não provido”.

A embargante sustenta a existência de divergência jurisprudencial entre o en-tendimento manifestado no aresto impugnado e aquele adotado no REsp 765.105/TO, julgado pela Corte Especial e que teve como relator o Min. Hamilton Carva-lhido (f.):

“Embargos de divergência. Direito processual civil. Agravo de instrumento con-tra decisão que concede tutela antecipada. Superveniência de sentença de mérito confirmando a tutela. Perda do objeto. Inocorrência.

1. A superveniência da sentença de procedência do pedido não prejudica o re-curso interposto contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação de tutela.

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476 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

2. Embargos de divergência rejeitados” (EDiv em REsp 765.105/TO, Corte Es-pecial, j. 17.03.2010, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 25.08.2010).

Argumenta que o dissídio jurisprudencial está caracterizado, pois, ao contrário do acórdão embargado, no aresto paradigma entendeu-se que a superveniência de sentença não prejudica o recurso interposto contra decisão que deferiu a antecipa-ção de tutela.

Não foi apresentada impugnação ao recurso (f.).

O parecer do Ministério Público é pelo não provimento dos embargos de diver-gência (f.).

É o relatório.

EDiv em Ag em REsp 488.188 – SP (2014/0191588-2).Relator: Min. Luis Felipe Salomão.Embargante: Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Repre-sentada por: Procuradoria-Geral Federal.Embargada: Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias – advogados: Paula Cristina Acirón Loureiro e outros.

Ementa: Processual civil. Embargos de divergência. Agravo de instrumento in-terposto contra decisão proferida em antecipação de tutela incidental. Superveniente prolação de sentença de mérito. Perda de objeto.

1. Há dois critérios para solucionar o impasse relativo à ocorrência de esvazia-mento do conteúdo do recurso de agravo de instrumento, em virtude da superve-niência da sentença de mérito, quais sejam: (a) o da cognição, segundo o qual o conhecimento exauriente da sentença absorve a cognição sumária da interlocutória, havendo perda de objeto do agravo; e (b) o da hierarquia, que pressupõe a preva-lência da decisão de segundo grau sobre a singular, quando então o julgamento do agravo se impõe.

2. Contudo, o juízo acerca do destino conferido ao agravo após a prolatação da sentença não pode ser engendrado a partir da escolha isolada e simplista de um dos referidos critérios, fazendo-se mister o cotejo com a situação fática e processual dos autos, haja vista que a pluralidade de conteúdos que pode assumir a decisão impug-nada, além de ensejar consequências processuais e materiais diversas, pode apresen-tar prejudicialidade em relação ao exame do mérito.

3. A pedra angular que põe termo à questão é a averiguação da realidade fática e o momento processual em que se encontra o feito, de modo a sempre perquirir acerca de eventual e remanescente interesse e utilidade no julgamento do recurso.

4. Ademais, na específica hipótese de deferimento ou indeferimento da antecipa-ção de tutela, a prolatação de sentença meritória implica a perda de objeto do agravo de instrumento por ausência superveniente de interesse recursal, uma vez que: (a) a sentença de procedência do pedido – que substitui a decisão deferitória da tutela de

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477Jurisprudência anotada

sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

urgência – torna-se plenamente eficaz ante o recebimento da apelação tão somente no efeito devolutivo, permitindo desde logo a execução provisória do julgado (art. 520, VII, do CPC/1973); (b) a sentença de improcedência do pedido tem o condão de revogar a decisão concessiva da antecipação, ante a existência de evidente antinomia entre elas.

5. Embargos de divergência não providos.

VOTO – O Sr. Min. Luis Felipe Salomão (relator): 2. No caso presente, após a interposição do recurso especial, houve juízo de admissibilidade negativo na ins-tância de origem, em virtude da alegada perda de objeto do agravo de instrumento, sob o fundamento de superveniência de sentença de mérito mantendo a antecipa-ção de tutela.

A 2.ª T., com base em remansosa jurisprudência encabeçada pelos órgãos fracio-nários desta Corte de Justiça, confirmou o posicionamento do Tribunal estadual:

“Processual civil. Recurso especial em agravo de instrumento interposto na ori-gem contra o deferimento de tutela antecipada. Superveniência de sentença de mé-rito. Prejudicialidade. Precedentes do STJ.

1. Fica prejudicado, ante a perda de objeto, o recurso especial interposto contra acórdão que examinou agravo de instrumento contra decisão que defere ou indefere li-minar ou antecipação de tutela, quando se verifica a prolação de sentença de mérito nos casos em que o objeto do apelo extremo limita-se à discussão acerca do preenchimento dos requisitos previstos no art. 273 do CPC/1973. No mesmo sentido: AgRg no Ag em REsp 98.370/RO, 1.ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20.06.2012; AgRg no Ag 1.301.908/PR, 1.ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 16.02.2011; EDcl no AgRg no Ag 1.228.419/SC, 2.ª T., rel. Min. Humberto Martins, DJe 17.11.2010; REsp 1.288.477/PR, 2.ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.12.2013; REsp 1.232.489/RS, 2.ª T., rel. Min. Eliana Calmon, DJe 13.06.2013; AgRg no REsp 1.350.780/RJ, 3.ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 14.08.2013; AgRg no AgRg no Ag 1.327.988/MG, 4.ª T., rel. Min. Luis Felipe Salo-mão, DJe 27.09.2013.

2. Agravo regimental não provido”.

No caso paradigmático, ao revés, a Corte Especial, em precedente julgado no ano de 2010 (EDiv em REsp 765.105/TO), entendeu que o agravo de instrumento interposto contra decisão concessiva de tutela de urgência não fica prejudicado com a prolação de sentença confirmatória da decisão pretérita, ao fundamento de que “a antecipação da tutela não antecipa a sentença de mérito, mas sim a própria execução do julgado que, por si só, não produziria os efeitos que irradiam da tute-la antecipada” (f.).

Demonstrado, assim, o dissenso pretoriano, passa-se à análise do recurso.

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478 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

3. A controvérsia central consiste em definir se a superveniência de sentença meritória conduz, necessariamente, à perda do objeto do agravo de instrumento in-terposto contra decisão interlocutória concessiva ou denegatória de antecipação de tutela.

Em abstrato, há dois critérios para solucionar o impasse relativo à ocorrência de esvaziamento do conteúdo do recurso de agravo de instrumento, em virtude da superveniência da sentença de mérito, quais sejam: (a) o da cognição, segundo o qual o conhecimento exauriente da sentença absorve a cognição sumária da inter-locutória, havendo perda de objeto do agravo; e (b) o da hierarquia, que pressupõe a prevalência da decisão de segundo grau sobre a singular, quando então o julga-mento do agravo se impõe.

Fredie Didier elucida bem o tema:

“Há quem diga que, admitido o agravo de instrumento, a decisão do tribu-nal, seja a que o acolhe ou a que o rejeita, substitui a decisão interlocutória, de modo que a sentença, por ter sido proferida por juízo singular, não poderia ser incompa-tível com a decisão tomada pelo órgão colegiado nos autos do agravo de instrumen-to. Este é o chamado critério da hierarquia e com base nele se entende que, justa-mente porque há possibilidade de as decisões serem incompatíveis (acórdão do agravo e sentença), o agravo de instrumento não fica prejudicado por conta da su-perveniência de sentença. Os efeitos desta decisão final, portanto, ficariam condi-cionados ao desprovimento do agravo – isto é, à confirmação da decisão interlocu-tória.

Há, por outro lado, quem diga, que, por ter sido proferida com base num juí-zo de cognição exauriente, a sentença englobaria a decisão interlocutória impugna-da – que fora proferida com base em juízo de cognição sumária –, de modo que o agravo de instrumento perderia seu objeto” (Curso de direito processual civil. Salva-dor: Jus Podivm, 2013. p. 191).

À guisa de exemplo, adotando a tese da cognição, os seguintes precedentes:

“Processo civil. Sentença proferida antes de provido o agravo interposto ante-riormente. Ausência de efeito suspensivo deste. Ocorrência de coisa julgada. Perda de objeto do agravo. Recurso especial provido.

I – A existência de agravo não impede que a sentença seja proferida nem que ela transite em julgado, dada a ausência, por lei, de efeito suspensivo para o agravo.

II – Sem a suspensão da eficácia da decisão interlocutória impugnada pela via do agravo de instrumento, o processo segue seu curso, sem prejuízo dos atos subse-quentes, entre eles o pronunciamento de mérito.

III – Em última análise, nem o efeito meramente devolutivo do agravo, nem a sentença, muito menos a coisa julgada podem submeter-se a condições, isto é,

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479Jurisprudência anotada

sTJ – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 473-488. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

admitir-se que o juiz deva aguardar o desfecho do agravo, em todos os casos, para que possa sentenciar, significaria ampliar a extensão do efeito devolutivo do agra-vo, sem base legal.

IV – Assim, a eficácia do comando da sentença não pode subordinar-se ao jul-gamento de agravo interposto anteriormente, seja pela inadmissibilidade da sen-tença condicional, seja pela sua finalidade de resolver definitivamente o conflito de interesses.

V – Sob outro ângulo, ainda que eficaz a sentença, a formação ou não da coisa julgada, conforme provido ou não aquele agravo anterior, comprometeria de fundo a segurança jurídica, princípio que, afinal, resguarda toda a ciência jurídica.

VI – A ausência de prequestionamento inviabiliza o acesso à instância especial”.

(REsp 292.565/RS, 4.ª T., j. 27.11.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixei-ra, DJ 05.08.2002, p. 347).

“Processual civil – Ação ordinária – Despacho interlocutório – Agravo de instru-mento – Ausência de efeito suspensivo – Sentença que antecede o julgamento do agravo – Apelação inexistente – Coisa julgada – Ocorrência – Divergência jurispru-dencial não configurada – Lei 8.038/1990 e RISTJ, art. 255 e parágrafos – Precedente.

– Não se configura o dissídio jurisprudencial se os acórdãos confrontados apre-ciaram situações semelhantes, mas não idênticas e não foi juntada a cópia autenti-cada do paradigma colacionado para ilustrar o dissenso.

– Inadmissível que o juiz deva aguardar o julgamento do agravo para que seja proferida a sentença, já que ausente o efeito suspensivo daquele.

– A não interposição do recurso de apelação contra a sentença faz coisa julgada material, não obstante pendente de julgamento ou provido o agravo, já que a situ-ação determinada pela sentença permanecerá imutável.

– Do exposto, não conheço do recurso” (REsp 204.348/PE, 2.ª T., j. 27.04.2004, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 21.06.2004, p. 182).

Aplicando o critério da hierarquia:

“Processo civil. Agravo de instrumento. A sentença proferida durante o proces-samento do agravo de instrumento cede ao que for decidido neste, ainda que o re-curso tenha sido recebido no efeito meramente devolutivo. Recurso especial co-nhecido e provido” (REsp 187.442/DF, 3.ª T., j. 27.08.2001, rel. Min. Ari Pargend-ler, DJ 01.10.2001, p. 204).

“Processual civil. Provimento de agravo. Efeitos.

– O agravo, recebido apenas no efeito devolutivo, condiciona os atos subsequen-tes a sua interposição ao seu resultado. Se provido, estes atos, no que forem incom-patíveis com o provimento do recurso, deverão ser anulados, inclusive a sentença.

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480 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

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– Recurso provido” (REsp 66.043/SP, 5.ª T., j. 21.10.1997, rel. Min. Felix Fis-cher, DJ 24.11.1997, p. 61258).

Constata-se que tais critérios, se utilizados isoladamente, não se mostram sufi-cientes para resolver as peculiares situações que exsurgem na prática processu-al, haja vista a ampla gama de decisões interlocutórias, cujos conteúdos podem abarcar, entre outros: (a) o afastamento ou reconhecimento de nulidades relativas ou absolutas; (b) o juízo de admissibilidade recursal e seus efeitos; (c) deferimento ou indeferimento de provas, bem como determinação de sua realização ex officio; (d) a admissão ou não de intervenção de terceiros, assim também a sua determina-ção de ofício; (e) concessão ou indeferimento de providências urgentes (WaMBier, Teresa Arruda Alvim. O destino do agravo depois de proferida a sentença. Temas controvertidos de direito processual civil: 30 anos do CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 448).

Sob esse enfoque, o juízo acerca do destino conferido ao agravo após a prolata-ção da sentença não pode ser engendrado a partir da escolha isolada e simplista de um dos referidos critérios, fazendo-se mister o cotejo com a situação fática e pro-cessual dos autos, haja vista que a pluralidade de conteúdos que pode assumir a decisão impugnada, além de ensejar consequências processuais e materiais diver-sas, pode apresentar prejudicialidade em relação ao exame do mérito.

De fato, tanto é verdade que a prolatação de sentença não esvazia automatica-mente o conteúdo do recurso de agravo que o próprio diploma processual, em seu art. 559, considera a possibilidade de convivência entre esse recurso e a apela-ção, ao prever que “a apelação não será incluída em pauta antes do agravo de ins-trumento interposto no mesmo processo”.

Por outro lado, também não parece correto afirmar que o agravo de instrumento sempre deva ser julgado, independentemente de posterior decisão de mérito e da interposição de apelação.

4. É bem por isso que a definição acerca de a superveniência de sentença de mérito ocasionar a perda do objeto do agravo de instrumento deve ser feita casuis-ticamente, mediante o cotejo da pretensão contida no agravo com o conteúdo da sentença.

Nesse sentido, precedentes da Casa:

“Processual civil. Recurso especial. Violação do art. 535 do CPC/1973 não con-figurada. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indefere a produção de provas. Superveniente prolação de sentença.

1. Não se vislumbra violação ao art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal a quo se pronuncia de forma motivada para a solução da lide, declinando, ainda que su-cintamente, os fundamentos jurídicos que embasaram sua decisão; sendo certa a desnecessidade de que rebata um a um os argumentos do recorrente.

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481Jurisprudência anotada

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2. Verifica-se a existência de dois critérios para solucionar o impasse relativo à ocorrência de esvaziamento do conteúdo do recurso de agravo de instrumento em virtude da superveniência da sentença de mérito, quais sejam: (a) o da cognição, segundo o qual o conhecimento exauriente da sentença absorve a cognição sumá-ria da interlocutória, havendo perda do objeto do agravo; e (b) o da hierarquia, que pressupõe a prevalência da decisão de segundo grau sobre a singular, quando então o julgamento do agravo se impõe.

3. Contudo, o juízo acerca do destino a ser dado ao agravo após a prolatação da sentença não pode ser feito a partir de uma visão simplista e categórica, ou seja, a solução da controvérsia não pode ser engendrada a partir da escolha isolada de um dos referidos critérios, fazendo-se mister o cotejo com a situação fática e processu-al dos autos, haja vista que a pluralidade de conteúdos que pode ter a decisão im-pugnada, além de ensejar consequências processuais e materiais diversas, pode apresentar prejudicialidade em relação ao exame do mérito.

4. A pedra angular que põe termo à questão é a averiguação da realidade fática e do momento processual em que se encontra o feito, devendo-se sempre perquirir se remanesce interesse e utilidade no julgamento do recurso, o que, em princípio, transcende o fato de ser ou não, a questão nele discutida, pressuposto lógico da decisão de mérito.

5. No caso, conquanto a questão da produção de provas seja antecedente lógico da solução do mérito da lide, é certo que, pelas peculiaridades da situação fática e processual dos autos, não se revela nenhuma utilidade nem justo interesse no jul-gamento do agravo de instrumento, que perdeu, assim, o seu objeto.

6. Recurso especial não provido” (REsp 1389194/SP, 4.ª T., j. 20.11.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 19.12.2014).

“Processual civil. Agravo de instrumento art. 522 do CPC/1973. Tempestivida-de. Inspeção na vara de origem. Hipótese de prorrogação de prazo. Supervenien-te prolação de sentença. Perda do objeto. Não configuração. Matéria devolvida ao tribunal. Critério da hierarquia. Embargos à execução. Prazo. Art. 188 do CPC/1973. Inaplicabilidade.

(...)

2. A superveniente prolação de sentença nos autos originários não implica, ne-cessariamente, a perda do objeto do agravo de instrumento, a qual dependerá da matéria devolvida ao Tribunal bem como do conteúdo da sentença. Precedente.

(...)

5. Recurso especial conhecido e desprovido” (REsp 547.415/AL, 5.ª T., j. 22.05.2007, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 29.06.2007. p. 691).

“Processual civil. Ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança. Violação do art. 535 do CPC/1973. Súmula 284 do STF. Ilegitimidade pas-

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siva. Coisa julgada. Agravo de instrumento julgado após prolação de sentença. Per-da de objeto. Não ocorrência.

(...)

2. A orientação do STJ de que a superveniência de sentença de mérito acarreta a perda do objeto do agravo de instrumento deve ser observada com ponderação e a perda de objeto do agravo há de ser verificada no caso concreto, visto que, em determinadas situações, a utilidade do agravo mantém-se incólume mesmo após a prolação da sentença.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (REsp 962.117/BA, 4.ª T., j. 04.08.2011, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05.09.2011).

Ilustrando com propriedade a tese ora albergada, julgado em que a 2.ª T. proce-deu à ponderação do critério que deve prevalecer ante a realidade retratada naque-les autos:

“Processual civil. Recurso especial. Agravo de instrumento em processo cautelar julgado posteriormente à sentença. Dúvida quanto à perda de objeto. Alegação de julgamento ultra petita. Ausência.

1. A superveniência da sentença no processo principal não conduz, necessaria-mente, à perda do objeto do agravo de instrumento. A conclusão depende tanto ‘do teor da decisão impugnada, ou seja, da matéria que será examinada pelo tribunal ao examinar o agravo, quanto do conteúdo da sentença’ (O destino do agravo de-pois de proferida a sentença. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de ou-tros meios de impugnação às decisões judiciais. Série 7. Nelson Nery Jr. e Teresa Ar-ruda Alvim Wambier (coords.). São Paulo: Ed. RT, 2003).

2. A questão soluciona-se pela aplicação de dois critérios: (a) o da hierarquia, se-gundo o qual a sentença não tem força para revogar a decisão do tribunal, razão por que o agravo não perde o objeto, devendo ser julgado; (b) o da cognição, pelo qual a cognição exauriente da sentença absorve a cognição sumária da interlocutória. Neste caso, o agravo perderia o objeto e não poderia ser julgado.

3. Se não houver alteração do quadro, mantendo-se os mesmos elementos de fato e de prova existentes quando da concessão da liminar pelo tribunal, a sentença não atinge o agravo, mantendo-se a liminar. Nesse caso, prevalece o critério da hierarquia. Se, entretanto, a sentença está fundada em elementos que não existiam ou em situação que afasta o quadro inicial levado em consideração pelo tribunal, então a sentença atinge o agravo, desfazendo-se a liminar.

4. Trata-se de medida cautelar no curso da qual não houve alteração do quadro pro-batório, nem qualquer fato novo, entre a concessão da liminar pelo tribunal e o julga-mento de improcedência do pedido do autor. Prevalência do critério da hierarquia. Agravo de instrumento não prejudicado.

5. Ausência de julgamento ultra petita.

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483Jurisprudência anotada

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6. Recurso especial improvido” (REsp 742.512/DF, 2.ª T., j. 11.10.2005, rel. Min. Castro Meira, DJ 21.11.2005, p. 206).

Em outro precedente, chegou-se à conclusão diversa, apesar de tratar sobre a mesma matéria, qual seja, de recurso em sede de antecipação de tutela após profe-rida decisão com base em cognição exauriente:

“Processo civil – Reclamação – Tutela antecipada – Posterior sentença de mérito – Prevalência.

1. O juízo provisório outorgado por liminar ou tutela antecipada, oriundo de Tribunal ou por ele chancelado, não perde a natureza jurídica de precariedade, sendo substituído inteiramente pela sentença de mérito, após cognição exauriente.

2. Teoria da hierarquia que ofende a lógica do sistema e aprofunda a hierarqui-zação objetiva no âmbito do Poder Judiciário, aspecto que a nova tendência do processo pretende atenuar.

3. Embargos de declaração prejudicados. Reclamação improcedente” (Rcl 1.444/MA, 1.ª Seção, j. 23.11.2005, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 19.12.2005, p. 203).

Dessarte, forçoso concluir que a pedra angular que põe termo à questão é a ave-riguação da realidade fática e o momento processual em que se encontra o feito, de modo a sempre perquirir acerca de eventual e remanescente interesse e utilidade no julgamento do recurso.

5. Na específica hipótese de interposição de agravo contra decisão de deferimen-to ou indeferimento da antecipação de tutela, entendo que a prolatação de sentença meritória implica a perda de objeto do agravo de instrumento, em virtude da super-veniente perda do interesse recursal.

Isso porque a sentença de procedência do pedido – que substitui a decisão con-cessiva da tutela de urgência – torna-se plenamente eficaz ante o recebimento da apelação tão somente no efeito devolutivo, permitindo desde logo a execução provisória do julgado, nos termos do art. 520, VII, do CPC/1973:

“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

(...)

VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela”.

O mesmo se diga em relação à sentença de improcedência do pedido, a qual tem o condão de revogar a decisão concessiva da antecipação, ante a existência de evi-dente antinomia entre elas.

Nessa direção, o escólio de doutrina abalizada:

“Eventualmente, poderá ter havido perda de objeto do agravo por carência su-perveniente de interesse recursal.

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É o que se passa quando o agravo pendente, por exemplo, tiver sido interposto contra decisão que conceda ou denegue pedido de antecipação de tutela. Conforme já tivemos oportunidade de sustentar em outro trabalho de nossa autoria, o agravo contra a decisão antecipatória de tutela perde seu objeto com a sentença (= há carên-cia superveniente de interesse recursal). Da mesma forma, o agravo contra a decisão que denega a antecipação de tutela perde seu objeto com a posterior sentença.

Deveras, a sentença posterior, proferida após cognição exauriente do feito, ab-sorve a decisão antecipatória de tutela, fazendo com que desapareça o interesse em cassá-la ou desapareça o interesse em obter a antecipação denegada em primeira instância. (alviM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 914-915).

No mesmo sentido da tese ora albergada, vale transcrever excertos do voto-vista lavrado pelo eminente Min. Teori Zavascki por ocasião do julgamento do julgado paradigma – EDiv em REsp 765.105/TO –, nos quais são evidenciadas a tempora-riedade e a dependência das tutelas de urgência em relação aos provimentos de tutela definitiva, o que vem ratificar o fundamento de que o julgamento da causa esgota a finalidade da medida liminar:

“(...) não há dúvida de que, processualmente, está prejudicado o julgamento do agravo de instrumento interposto contra a decisão deferitória da liminar, já que esta esgotou inteiramente a função para a qual foi deferida no processo. Com efeito, as medidas liminares, tanto as antecipatórias quanto as tipicamente cautelares, são provimentos jurisdicionais com características e funções especiais. São editados em situações peculiares de ocorrência ou de iminência de risco ou de perigo de dano ao direito ou ao processo. Justamente em razão da urgência, são medidas tomadas à base de juízo de verossimilhança, que, por isso mesmo, se revestem de caráter precário, não fazem coisa julgada e podem ser modificadas ou revogadas a qual-quer tempo. Elas exercem, no contexto da prestação jurisdicional, uma função de cará-ter temporário, vigorando apenas pelo período de tempo necessário à preparação do processo para o advento de outro provimento, tomado à base de cognição exauriente e destinado a dar tratamento definitivo à controvérsia.

É importante realçar esse aspecto: as medidas liminares desempenham no processo uma função essencialmente temporária. Ao contrário dos provimentos finais (senten-ças), que se destinam a trazer soluções com a marca da definitividade, as liminares são concedidas em caráter precário e com a vocação de vigorar por prazo determinado. (...)

O signo da temporariedade das medidas liminares decorre, portanto, do neces-sário vínculo de referência e de dependência que guardam em relação aos provi-mentos de tutela definitiva, cujos efeitos ela antecipa provisoriamente. É a tutela definitiva, com a qual mantêm elo de referência, que demarca a função e o tempo de duração da tutela provisória. Isso significa que, em relação às liminares, o marco

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de vigência situado no ponto mais longínquo no tempo é justamente o do advento de uma medida com aptidão de conferir tutela definitiva.

É por isso que o julgamento da causa esgota a finalidade da medida liminar. Daí em diante, prevalece o comando da sentença, tenha ele atendido ou não ao pedido do au-tor (...). Procedente o pedido, fica confirmada a liminar anteriormente concedida bem como viabilizada a imediata execução provisória (CPC/1973, art. 520, VII). Improce-dente a demanda (...), a liminar fica automaticamente revogada, com eficácia ex tunc (Súmula do 405 do STF), ainda que silente a sentença a respeito. A partir de então, novas medidas de urgência devem, se for o caso, ser postuladas no âmbito do próprio sistema de recursos, seja a título de efeito suspensivo, seja a título de antecipação da tutela recursal, medidas que são cabíveis não apenas em agravo de instrumento (CPC/1973, arts. 527, III e 558), mas também em apelação (CPC/1973, art. 558, parágrafo único) e, como medida cautelar, em recursos especiais e extra-ordinários (RISTF, art. 21, IV; RISTJ, art. 34, V).

Assim, mesmo após a publicação do aresto paradigma pela Corte Especial, eri-giu-se a jurisprudência dos órgãos fracionários da Casa no sentido de que a super-veniência da sentença de mérito ocasiona a perda de objeto do anterior agravo de instrumento (ou de outro recurso ainda pendente) contra decisão sobre medi-da antecipatória, valendo citar, entre inúmeros outros precedentes:

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil e administrativo. Militar. Reintegração como agregado. Tratamento médico. Agravo de instrumen-to. Recurso especial. Superveniência da sentença de mérito. Perda do objeto da pretensão recursal. Recurso especial prejudicado. Agravo regimental a que se nega provimento.

1. O exame do recurso especial, interposto contra acórdão proferido em agravo de instrumento tirado de decisão liminar ou de antecipação de tutela, fica prejudicado, ante a perda de objeto, na hipótese de já ter sido prolatada a sentença.

2. Inaplicável a orientação adotada pela Corte Especial do STJ no julgamento dos EDiv em REsp 765.105/TO, que versam situação especial (antecipação da própria exe-cução, viabilizada pela decisão judicial proferida com base no art. 273 do CPC/1973).

3. No caso em apreço, todavia, a ação fora ajuizada visando declarar a incapaci-dade definitiva do autor para fins de reforma com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierarquicamente superior; assim, a reintegração do autor à organização militar na qualidade de agregado até o desfecho da deman-da, a fim de receber tratamento médico e respectiva a remuneração, foi deferida em razão do caráter alimentar do direito postulado e da precária condição de saúde do autor. Ou seja, não se vislumbra aqui a antecipação da execução do julgado, que poderia ser sustada em sede recursal, mesmo após a sentença de mérito de proce-dência; muito pelo contrário, o julgamento do mérito confirmou a necessidade da manutenção da tutela antecipada na hipótese sob análise.

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4. Agravo Regimental desprovido” (AgRg no Ag 1320816/PR, 1.ª T., j. 03.09.2015, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21.09.2015).

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC/1973) – Autos de agravo de instrumento dirigido contra o deferimento de pedido de antecipação de tutela for-mulado no bojo de ação civil pública – Decisão monocrática negando provimento ao agravo, mantida a inadmissão do recurso especial. Insurgência da ré.

1. Consoante cediço nesta Corte, resta prejudicado, ante a perda de objeto, o agravo de instrumento de decisão deferitória ou indeferitória de liminar ou ante-cipação de tutela, quando verificada a prolação de sentença de mérito, ‘tanto de procedência, porquanto absorve os efeitos da medida antecipatória, por se tratar de decisão proferida em cognição exauriente; como de improcedência, pois há a revo-gação, expressa ou implícita, da decisão antecipatória’ (REsp 1.232.489/RS, 2.ª T., j. 28.05.2013, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 13.06.2013). Precedentes. Incidência da Súmula 83 do STJ.

2. Agravo regimental desprovido” (AgRg no Ag em REsp 650.161/ES, rel. Min. Marco Buzzi, 4.ª T., j. 12.05.2015, DJe 20.05.2015).

“Processual civil. Administrativo. Indeferimento de liminar. Agravo de instru-mento. Prolação de sentença de mérito na ação principal. Perda de objeto. Prece-dentes.

1. Perde o objeto o agravo de instrumento interposto contra decisão que defere ou indefere o pedido liminar ou a antecipação da tutela quando superveniente a prolação de sentença, tendo em vista que esta absorve os efeitos do provimento li-minar, por se tratar de juízo de cognição exauriente. Precedentes.

2. No caso dos autos, o recurso especial foi interposto contra acórdão do TJSP que reconheceu, liminarmente, em sede de agravo de instrumento, o direito da entidade bancária em imitir-se na posse do imóvel.

3. Nesse interstício, nos autos da ação de imissão na posse, sobreveio sentença que reconheceu a procedência da imissão na posse, entendimento que fora reitera-do pelo Tribunal de origem em apelação. Inconteste, portanto, que a sentença ab-sorveu o entendimento anteriormente exarado na liminar que legitimou a imissão na posse, de modo que qualquer pretensão à modificação do entendimento subsis-te apenas naqueles autos, porquanto nestes opera-se a perda do objeto do instru-mental e, consequentemente, do apelo nobre.

Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 1279474/SP, 2.ª T., j. 28.04.2015, rel. Min. Humberto Martins, DJe 06.05.2015).

“Agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em recurso especial. Decisão de antecipação dos efeitos da tutela confirmada na sentença. Perda do ob-jeto do agravo de instrumento interposto contra a decisão precária. Agravo impro-vido.

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1. De acordo com a jurisprudência do STJ, a sentença de mérito que confirma a antecipação da tutela absorve seus efeitos, por se tratar de decisão proferida em cognição exauriente, ocasionando a perda do objeto do agravo de instrumento.

Precedentes.

2. No caso, a sentença confirmou a antecipação dos efeitos da tutela, determi-nando à agravante a compra de carro adaptável destinado ao transporte do agrava-do. Assim, o pedido de suspensão dos efeitos da decisão precária ficou prejudicado com a sentença de mérito amparada em cognição exauriente, esvaecendo-se o con-teúdo do agravo de instrumento.

3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg nos EDcl no Ag em REsp 608.086/RJ, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3.ª T., j. 19.03.2015, DJe 25.03.2015).

“Processual civil. Agravo regimental em agravo em recurso especial. Antecipa-ção dos efeitos da tutela. Art. 273 do CPC/1973. Superveniência de sentença de mérito, confirmando a medida antecipatória. Perda de objeto do agravo de ins-trumento relativo à medida antecipatória. Precedentes do STJ. Agravo regimental improvido.

I. Hipótese de recurso especial, interposto contra acórdão de 2.º grau, que, ante a superveniência de sentença de mérito que confirmou a tutela antecipada, enten-deu prejudicado agravo de instrumento que se insurgia contra o deferimento de antecipação dos efeitos da tutela, que anulou o ato administrativo que determinara a transferência do agravado para a cidade de Recife/PE.

II. Consoante a jurisprudência do STJ, a superveniência de sentença de mérito, confirmatória da antecipação dos efeitos da tutela, implica na prejudicialidade do Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória, por absorver os efeitos da medida antecipatória. Precedentes: STJ, AgRg no Ag em REsp 47.270/RS, 1.ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 04.02.2013; STJ, AgRg no Ag em REsp 202.736/PR, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, DJe 07.03.2013.

III. Agravo regimental improvido” (AgRg no Ag em REsp 306.043/RN, 2.ª T., j. 04.09.2014, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 11.09.2014).

Portanto, penso que deve prevalecer o posicionamento albergado no acórdão embargado.

6. Ante o exposto, nego provimento aos embargos de divergência.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO – EDiv em Ag em REsp 488.188/SP; Corte Espe-cial; número do registro: 2014/0191588-2; processo eletrônico; números de origem: 00450111820094030000, 200903000450110, 200961980000420, 201400574179 e 450111820094030000; pauta: 07.10.2015; julgado: 07.10.2015; relator: Exmo. Sr.

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Min. Luis Felipe Salomão; presidente da sessão: Exmo. Sr. Min. Francisco Falcão; Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Ela Wiecko Volkmer de Casti-lho; secretária: Vania Maria Soares Rocha.

Autuação: Embargante: Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Re-presentada por: Procuradoria-Geral Federal; embargada: Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias – advogados: Paula Cristina Acirón Loureiro e outros.

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Atos ad-ministrativos – Licenças – Comercialização e/ou utilização sem restrições de medi-camentos.

Certidão: Certifico que a E. Corte Especial, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, negou provimento aos embargos de diver-gência, nos termos do voto do Sr. Ministro relator.

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Felix Fischer, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Og Fernandes vota-ram com o Sr. Ministro relator.

Ausentes, justificadamente, a Sra. Min. Nancy Andrighi e o Sr. Min. Benedito Gonçalves.

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489

STJ – EDcl nos EDiv em REsp 1.077.658/SP – Corte Especial – j. 18.12.2013 – v.u. – rel. Min. Ari Pargendler – DJe 06.02.2014 – Área do Direito: Processual.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Omissão no julgado – Inocorrência – Decisão que aborda os pontos destacados pelo embargante – Autoridade do julgado, ademais, que não pode ser contrastada simplesmente pelas convicções dos procuradores do sucumbente.

Veja também Jurisprudência

• RePro 175/301 (JRP\2009\821).

Veja também Doutrina

• A influência do contraditório na convicção do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão, de Teresa Arruda Alvim Wambier – RePro 168/53, Doutrinas Essenciais de Processo Civil 6/531 (DTR\2009\158);

• Embargos de declaração, de Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior – RePro 102/89, Doutrinas Essenciais de Processo Civil 7/715 (DTR\2001\808); e

• Sobre os embargos de declaração, de Antônio Carlos de Araújo Cintra – RT 595/15, Doutrinas Essenciais de Processo Civil 7/221 (DTR\2012\1734).

EDcl nos EDiv em REsp 1.077.658 – SP(2012/0173136-6).Relator: Min. Ari Pargendler.Embargante: Lia Maria Aguiar – advogados: Antônio Carlos Marcato, Fernando Toffoli de Oliveira e outros, e Marcelo Henriques Ribeiro de Oli-veira e outros.Embargados: Fundação Bradesco e outros – advogados: Arnoldo Wald e outros e Jose Diogo Bastos Neto; Amador Aguiar – Espólio – advogados: Afonso Colla Francisco Junior – Inventariante e outros; Maria Ângela Aguiar – advogados: Milton Luiz Cunha e outros; e Sylvia Maria da Gló-ria de Mello Franco Nabuco e outros – advogados: Donaldo Armelin e outros, e Marcus Vinicius Vita Ferreira.

Ementa:NE Processo civil. Embargos de declaração.

A opinião que os procuradores das partes têm acerca do modo como a causa deve ser decidida merece o respeito do Tribunal, e constitui auxílio inestimável à presta-

NE. Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibilizado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

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490 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

stJ – edcL Nos ediv em ResP 1.077.658/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 489-493. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

ção jurisdicional. Proferido, no entanto, o acórdão, prevalece a autoridade do julga-do, que não pode ser contrastada, pura e simplesmente, com as convicções de quem representa a parte que sucumbiu.

Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do STJ, por unanimidade, rejei-tar os embargos de declaração nos termos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes, Raul Araújo e Paulo de Tarso San-severino votaram com o Sr. Ministro relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Herman Benjamin.

Convocados os Srs. Ministros Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília, 18 de dezembro de 2013 – ARI PARGENDLER, relator – FELIX FISCHER, presidente.

RELATÓRIO – Exmo. Sr. Min. Ari Pargendler (relator): Os embargos de declara-ção foram opostos contra o acórdão assim ementado:

“Embargos de divergência. Ordem das questões e racionalidade.

A ordem das questões ativadas nos embargos de divergência deve observar a lógica do acórdão embargado.

Espécie em que, tendo o julgado declarado que, prescrita a ação, os bens sub judice foram objeto de usucapião, só a remoção desse fundamento autorizaria o exame da motivação restante.

A alteração dessa ordem desconstrói o acórdão e lhe subtrai a racionalidade.

Embargos de divergência não conhecidos” (e-STJ, f.).

A teor do recurso, in verbis:

“Na realidade, o provimento dos embargos de divergência em relação a qualquer um dos temas a seguir indicados teria o condão de afastar a afirmação de usucapião apresentada no acórdão do especial, pois implicaria o reconhecimento da subsis-tência da cláusula de inalienabilidade. Vejamos:

1) nulidade da renúncia ao usufruto celebrada por procurador sem poderes es-peciais. A ora embargante demonstrou, por meio da divergência, que deve ser ates-tada a nulidade da renúncia ao usufruto, por ter sido realizada por procurador sem poderes especiais. Assim, se nula a renúncia e se o acórdão do especial considerou

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491Jurisprudência anotada

stJ – edcL Nos ediv em ResP 1.077.658/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 489-493. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

que foi esta que extinguiu a cláusula de inalienabilidade, deverá se concluir, por óbvio, pela subsistência do gravame e, assim, pela impossibilidade de usucapião.

2) necessidade de distrato. Demonstrou-se nos embargos de divergência que, em consonância com julgados desta Corte, a revogação da cláusula de inalienabili-dade depende de distrato, que deve observar a mesma forma pela qual o gravame foi instituído. Ocorre que, na espécie, o acórdão do especial dispensou a necessida-de de distrato e considerou que a renúncia ao usufruto, efetivada por meio de ins-trumento particular, cancelou a cláusula de inalienabilidade, instituída por meio de escritura pública. Como se vê, também por este motivo, como explicitado nos em-bargos de divergência, revela-se não ter havido o cancelamento da cláusula de ina-lienabilidade. Afinal, além de não ter havido distrato, não se observou a mesma forma pela qual o gravame foi imposto.

O conhecimento e provimento dos embargos de divergência, em relação a qual-quer um destes temas, implicará reforma do acórdão do especial quanto à usuca-pião.

(...)

Por outro lado, diga-se sem quebra de reverência, o acórdão embargado omitiu--se em verificar que, no caso concreto, ao contrário de beneficiar, a renúncia ao usufruto, tal como vista pelo acórdão do especial, prejudicou nitidamente os inte-resses da ora embargante” (e-STJ, f.).

VOTO – Exmo. Sr. Min. Ari Pargendler (relator): 1. Os embargos de declaração supõem omissão, contradição ou obscuridade na prestação jurisdicional.

Na espécie, eles se desdobram em dois capítulos.

No primeiro, sob o título de “Omissão quanto à relação de prejudicialidade en-tre as questões discutidas nos embargos de divergência” (e-STJ, f.), diz-se que o tema atinente à usucapião, “ao contrário do que afirmou o acórdão ora embargado, não é prejudicial em relação às demais matérias dos embargos de divergência” (e--STJ, f.).

No segundo, sob a rubrica “Omissão relativa à questão da nulidade da renúncia ao usufruto celebrada por procurador sem poderes especiais” (e-STJ, f.), afirma-se que o acórdão embargado não examinou a alegação de que “o acórdão do especial, ao caracterizar ‘como irregularidade’ a falta de poderes especiais para a prática do ato pelo mandatário divergiu de julgados de outros órgãos fracionários desta Corte, que afirmam a nulidade do ato praticado nestas circunstâncias” (e-STJ, f.).

2. Há contradição no primeiro capítulo. Com efeito, como imputar ao acórdão omissão “quanto à relação de prejudicialidade entre as questões discutidas nos em-bargos de divergência” (e-STJ, f.), se os embargos de declaração atacam a relação de

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492 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

stJ – edcL Nos ediv em ResP 1.077.658/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 489-493. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

prejudicialidade proclamada no julgado entre o tema atinente à prescrição e os demais? Exista ou não a lógica que o acórdão proferido no julgamento dos embar-gos de divergência identificou no acórdão prolatado no julgamento do recurso es-pecial, omissão não existe. Evidentemente, a Corte Especial decidiu nos limites de sua competência, e o respectivo fundamento no particular valerá no julgamento que se seguirá na 2.ª Seção menos pela autoridade do que pelo convencimento. A 2.ª Seção não está, neste âmbito, vinculada ao pronunciamento da Corte Especial.

3. No segundo capítulo, há uma má percepção do que foi decidido no acórdão embargado. Na alínea c do julgado (e-STJ, f.), o acórdão proferido no julgamento do recurso especial foi comparado com aquele prolatado no REsp 112.939/MG, rel. Min. Adhemar Maciel – 2.ª T., tendo como tema “Ato praticado pelo mandatário sem poderes especiais” (e-STJ, f.). No acórdão indicado como paradigma a 2.ª T. decidiu que “é nulo o termo de penhora assinado por advogado que não possui poderes especiais para nomear bens à penhora, assinar o respectivo termo e aceitar o encargo de depositário” (e-STJ, f.). Não há qualquer similitude entre este o julga-do e o acórdão prolatado no julgamento do recurso especial, em que estava em pauta um negócio jurídico “de direito privado, entre partes maiores e capazes e sobre negócio jurídico não regido por normas de ordem pública”, para cuja argui-ção de nulidade, segundo o julgado, “somente é legitimado (...) o titular do direito, isto é, no caso, quem suportava os efeitos do agir como mandatário por parte de quem não formalmente destinatário de procuração específica, ou seja, a esposa Eli-sa Silva Aguiar, mas esta jamais se manifestou alegando nenhuma nulidade” (e-STJ, f.). Quando o voto condutor do acórdão embargado afirma que “A renúncia ao usufruto favoreceu, em tese, as embargantes, excluindo da propriedade destas um gravame” (e-STJ, f.), estava obviamente referindo-se à alegada divergência entre o acórdão embargado e aquele indicado como paradigma.

4. A opinião que os procuradores das partes têm acerca do modo como a causa deve ser decidida merece o respeito do Tribunal, e constitui auxílio inestimável à prestação jurisdicional. Proferido, no entanto, o acórdão, prevalece a autoridade do julgado, que não pode ser contrastada, pura e simplesmente, com as convicções de quem representa a parte que sucumbiu.

Voto, por isso, no sentido de rejeitar os embargos de declaração.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO – EDcl nos EDiv em REsp 1.077.658/SP; Corte Especial; número do registro: 2012/0173136-6; processo eletrônico; números de origem: 200702829021, 200801713998, 22159118, 33802002, 43984641, 4398464100, 4398464301 e 4398464703; em mesa; julgado: 18.12.2013; relator: Exmo. Sr. Min. Ari Pargendler; presidente da sessão: Exmo. Sr. Min. Felix Fischer;Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho; secretária: Vania Maria Soares Rocha.

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493Jurisprudência anotada

stJ – edcL Nos ediv em ResP 1.077.658/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 489-493. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Autuação – Embargante: Lia Maria Aguiar – advogados: Fernando Toffoli de Oliveira e outros, Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira e outros, e Antônio Carlos Marcato; embargados: Fundação Bradesco e outros – advogados: Arnoldo Wald e outros, e Jose Diogo Bastos Neto; Amador Aguiar – Espólio – advogados: Afonso Colla Francisco Junior – Inventariante e outros; Maria Ângela Aguiar – advogados: Milton Luiz Cunha e outros; e Sylvia Maria da Glória de Mello Franco Nabuco e outros – advogados: Donaldo Armelin e outros, e Marcus Vinicius Vita Ferreira.

Assunto: Direito civil – Empresas – Espécies de sociedades – Anônima – Subs-crição de ações.

Embargos de declaração – Embargante: Lia Maria Aguiar – advogados: Antônio Carlos Marcato, Fernando Toffoli de Oliveira e outros, e Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira e outros; embargados: Fundação Bradesco e outros – advogados: Arnol-do Wald e outros, e Jose Diogo Bastos Neto; Amador Aguiar – Espólio – advogados: Afonso Colla Francisco Junior – Inventariante e outros; Maria Ângela Aguiar – ad-vogados: Milton Luiz Cunha e outros; e Sylvia Maria da Glória de Mello Franco Nabuco e outros – advogados: Donaldo Armelin e outros, e Marcus Vinicius Vita Ferreira.

Certidão: Certifico que a E. Corte Especial, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro relator.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes, Raul Araújo e Paulo de Tar-so Sanseverino votaram com o Sr. Ministro relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Herman Benjamin.

Convocados os Srs. Ministros Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino.

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494

STJ – REsp 1.455.937/SP – 3.ª T. – j. 03.11.2015 – v.u. – rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 09.11.2015 – Área do Direito: Processual; Civil.

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Impugnação após a penhora nos autos – Ad-missibilidade – Prazo para impugnar os cálculos ofertados pelo credor que se inicia a partir da intimação do executado a respeito da constrição – Garantia do juízo, ademais, que faz surgir o direito de se contestar o quantum apresen-tado – Inteligência do art. 475-J, § 1.º, do CPC/1973.

Jurisprudência no mesmo sentido

• RT 958/548 (JRP\2015\2218); e

• Conteúdo Exclusivo Web: JRP\2013\14270 e JRP\2012\31363.

Veja também Doutrina

• A defesa do executado na reforma processual brasileira: a impugnação e os embargos à execu-ção, de Juvêncio Vasconcelos Viana – RePro 159/148, Doutrinas Essenciais de Processo Civil 8/1305 (DTR\2008\308); e

• A exigência de caução em sede de execução, de Tiago Figueiredo Gonçalves – RePro 168/161 (DTR\2009\169).

REsp 1.455.937 – SP (2011/0281348-0).Relator: Min. João Otávio de Noronha.Recorrente: Banco Panamericano S/A – advogados: Flávia Regina Ferraz da Silva e outros.Recorrida: Roseli Sybilla Grunemberg – advogada: Sandra Mara Peciuko-nis de Sousa.

Ementa:1NE Recurso especial. Direito processual civil. Cumprimento de senten-ça. Penhora e intimação do devedor. Garantia do Juízo. Impugnação. Excesso de execução.

1. Somente a partir da intimação do executado a respeito da penhora realiza-da nos autos é que se inicia o prazo para impugnação, a teor do que dispõe o § 1.º do art. 475-J do CPC/1973.

NE. Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibilizado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

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495Jurisprudência anotada

stJ – ResP 1.455.937/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 494-499. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

2. A garantia do juízo é requisito necessário à admissão da impugnação ao cum-primento de sentença.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.

ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da 3.ª T. do STJ, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao re-curso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro relator.

Brasília (DF), 03 de novembro de 2015 – JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, relator.

REsp 1.455.937 – SP (2011/0281348-0).

Relator: Min. João Otávio de Noronha.

Recorrente: Banco Panamericano S/A – advogados: Flávia Regina Ferraz da Sil-va e outros.

Recorrida: Roseli Sybilla Grunemberg – advogada: Sandra Mara Peciukonis de Sousa.

RELATÓRIO – O Exmo. Sr. Min. João Otávio de Noronha: Na origem, em ação indenizatória, a instituição financeira ora recorrente foi condenada a pagar à autora indenização moral por inscrição indevida nos órgãos de restrição ao crédito.

Com o trânsito em julgado, iniciou-se a fase de cumprimento de sentença. Nesta, após realização de alguns atos processuais, o juiz da causa rejeitou a im-pugnação apresentada pela parte devedora, entendendo que ocorrera a preclusão. Daí a interposição de agravo de instrumento, julgado pelo TJSP em acórdão as-sim ementado:

“Cumprimento de sentença. Impugnação que versa sobre excesso. Necessida-de de cumprimento da parte incontroversa. Penhora irrelevante. Provimento ne-gado” (f.).

Inconformado, Banco Panamericano S/A interpõe recurso especial com funda-mento no art. 105, III, a, da CF, no qual aponta violação dos seguintes artigos:

a) 475-L, § 2.º, do CPC/1973, argumentando que não se evidencia nenhuma determinação legal de depósito prévio de valor incontroverso para que seja apre-sentada impugnação ao excesso de execução;

b) 475-J, § 1.º, do CPC/1973, defendendo ser cabível o conhecimento da im-pugnação apresentada no prazo legal, somente contado após a efetivação da pe-nhora; e

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496 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

stJ – ResP 1.455.937/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 494-499. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

c) 884 do CC, alegando que se deve evitar o enriquecimento sem causa da parte adversa decorrente do excesso de execução.

Pleiteia, assim, o provimento do apelo especial com a reforma do julgado de origem, de modo a se permitir a análise da impugnação apresentada.

As contrarrazões foram apresentadas (f.).

Neste Tribunal, dei provimento ao agravo, determinando sua conversão em re-curso especial para melhor exame.

É o relatório.

Ementa: Recurso especial. Direito processual civil. Cumprimento de sentença. Pe-nhora e intimação do devedor. Garantia do Juízo. Impugnação. Excesso de execução.

1. Somente a partir da intimação do executado a respeito da penhora realiza-da nos autos é que se inicia o prazo para impugnação, a teor do que dispõe o § 1.º do art. 475-J do CPC/1973.

2. A garantia do juízo é requisito necessário à admissão da impugnação ao cum-primento de sentença.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.

VOTO – O Exmo. Sr. Min. João Otávio de Noronha (relator): O recurso merece prosperar.

De início, para melhor exame da controvérsia, é necessário mencionar alguns fatos ocorridos na causa.

Iniciada a fase de cumprimento de sentença, na forma do art. 475-B do CPC/1973, o credor apresentou seu pedido, trazendo a memória do cálculo. Foi determinada a intimação da parte devedora para realização do pagamento, sob pena de aplicação de multa e de imediata constrição de bens. A parte devedora apresentou impugna-ção aos cálculos, alegando excesso de execução.

O juiz da causa proferiu nova decisão, determinando ao devedor que providen-ciasse o depósito do valor incontroverso, sob pena de não conhecimento da impug-nação apresentada. Como o devedor não providenciou o depósito, a parte credora apresentou novos cálculos, agora com o acréscimo de multa.

Em outra decisão, concluiu-se pelo não conhecimento da impugnação anterior-mente apresentada, bem como se determinou a expedição de mandado de penhora pelo valor total da dívida e a intimação do devedor para os fins do art. 475-J, § 1.º, do CPC/1973.

Efetuada a penhora via sistema Bacen-Jud, o devedor apresentou então nova im-pugnação aos cálculos do credor, ratificando a alegação de excesso de execução. Na oportunidade, decidiu-se pela ocorrência de preclusão do direito de impugna-ção ao cumprimento de sentença.

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497Jurisprudência anotada

stJ – ResP 1.455.937/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 494-499. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Daí a interposição de agravo de instrumento, que foi desprovido pelo Tribunal de origem e que deu origem ao presente recurso especial. Concluiu-se pelo não conhecimento da impugnação de sentença nestes termos:

“Observa-se que a penhora determinada pelo Judiciário (f.) não substitui o de-pósito voluntário mencionado no referido dispositivo.

Nesse sentido, a decisão de f., que proporcionou ao agravante no prazo para depósito, sob pena de não conhecimento da impugnação. Decisão que não foi cum-prida ou recorrida.

O argumento do agravo de instrumento, portanto, é falacioso e não reflete o va-lor da norma do art. 475-L, § 2.º, do CPC/1973, pois esta norma prescreve que o devedor que pretender discutir o excesso de execução, deve depositar o valor tido como incontroverso, não havendo novo prazo para as mesmas alegações após a inércia e execução forçada pelo Judiciário.

Acresce que o prazo previsto no art. 475-J, § 1.º, do CPC/1973, deve ser inter-pretado em conjunto com essa norma, ou seja, do auto de penhora o devedor é in-timado para apresentar impugnação, desde que não verse sobre o excesso, que de-pende de depósito voluntário da parte incontroversa” (f.).

O entendimento, porém, não reflete a melhor orientação a respeito dos disposi-tivos tidos por violados.

Com efeito, com o trânsito em julgado da sentença de mérito, inicia-se a fase executória com o desencadear de atos e procedimentos que buscam a liquida-ção do referido título judicial.

Tendo o credor requerido o cumprimento de sentença e apresentado seus cálcu-los, como se deu na espécie, o devedor é intimado, na pessoa de seu advogado, para, querendo, efetuar o pagamento na forma do art. 475-J do CPC.

Não obstante, se a parte devedora apresenta impugnação ao cumprimento de sentença sem efetuar, espontaneamente, o competente depósito, é cabível, como ocorreu na origem, o não conhecimento do alegado excesso de execução naquele momento.

Não providenciado o depósito, além da incidência de multa no percentual de 10% (dez por cento) sobre o total do débito, haverá determinação judicial de expe-dição do mandado de penhora e avaliação.

Somente a partir da intimação do executado a respeito da penhora realizada nos autos é que se inicia o prazo para impugnação, a teor do que dispõe o § 1.º do art. 475-J do CPC/1973. Assim, havendo a garantia do juízo ante a penhora realiza-da nos autos, surge o direito da parte de impugnar os cálculos ofertados pelo credor.

Igual entendimento tem Arruda Alvim ao afirmar que “poderá o devedor, uma vez seguro o juízo, oferecer a impugnação referida no art. 475-L, dentro de 15 dias

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498 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

stJ – ResP 1.455.937/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 494-499. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

contado da intimação do auto de penhora e avaliação, isto é, estando devidamente seguro o Juízo” (Comentários ao Código de Processo Civil, 1. ed. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012. p. 716).

Também Nelson Nery Junior e Rosa Maria A. Nery lecionam:

“Na execução de sentença, que se faz pelo instituto do cumprimento da sentença, a segurança do juízo se dá pela penhora, de modo que o devedor só poderá valer-se da impugnação depois de realizada a penhora, pois o prazo para impugnação só começa a correr depois de o devedor haver sido intimado da penhora. Como diz a norma comentada, o executado será intimado para oferecer impugnação, depois de haver sido realizada a penhora e a avaliação. Caso não tenha havido, ainda, a penhora ou a avaliação, isso não impede o devedor de defender-se por meio de exceção ou objeção de executividade” (Código de Processo Civil comentado e legisla-ção extravagante. 14. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 910-911.)

Ressalte-se que o STJ entende que a garantia do juízo é requisito necessário à admissão da impugnação ao cumprimento de sentença.

A respeito da questão, menciono os seguintes julgados: 4.ª T., AgRg no Ag em REsp 624.464/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 18.03.2015; 3.ª T., AgRg no Ag em REsp 547.397/SC, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe de 28.11.2014; e 3.ª T., AgRg no Ag em REsp 552.851/SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 26.11.2014.

Dessa forma, garantido o juízo com a penhora nos autos, não se pode obstar o direito do devedor de se insurgir, via impugnação, contra os cálculos apresentados pelo credor tidos por excessivos.

Relativamente à invocada violação do art. 884 do CPC/1973, descabe considera-ção a respeito ante a falta de prequestionamento apta a atrair o óbice da Súmula 282 do STF.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e dou-lhe provimen-to para possibilitar o exame da impugnação dos cálculos apresentada pelo devedor.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO – REsp 1.455.937/SP; 3.ª T.; número do registro: 2011/0281348-0; processo eletrônico; números de origem: 04763571020108260000, 110537, 4763571020108260000, 5408484, 5830720061097046, 7061097046 e 990104763576; pauta: 03.11.2015; julgado: 03.11.2015; relator: Exmo. Sr. Min. João Otávio de Noronha; presidente da sessão: Exmo. Sr. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Alpino Bigonha; secretária: Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha.

Autuação – Recorrente: Banco Panamericano S/A – advogados: Flávia Regina Ferraz da Silva e outros; recorrida: Roseli Sybilla Grunemberg – advogada: Sandra Mara Peciukonis de Sousa.

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499Jurisprudência anotada

stJ – ResP 1.455.937/sP. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 494-499. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Contratos bancá-rios.

Certidão: Certifico que a E. 3.ª T., ao apreciar o processo em epígrafe na ses-são realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro relator.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (presi-dente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro relator.

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Resenha

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Silva, Artur Flamínio da. Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 503-505. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

503

recensão à obra verTraulichKeiT im schiedsverfahren, de heiner KahlerT

arTur flamÍnio da silva

Doutorando e Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

[email protected]

Recebido em: 11.12.2015 Aprovado em: 18.12.2015

dados bibliográficos: KahLeRt, Heiner. Vertraulichkeit im Schiedsverfahren. Tubinga: Mohr Siebeck, 2015.

O texto de Heiner Kahlert ocupa-se de uma temática actualíssima na arbitragem internacional e nacional. Na verdade, a problemática envolvendo a confidencialida-de é uma questão dogmaticamente pouco explorada no domínio da arbitragem.1 O macrotema que está por detrás deste estudo é, portanto, a difícil questão de saber em que consiste a suposta confidencialidade – enquanto característica recorrente-mente apontada como imanente à arbitragem – e qual a sua abrangência.2 Colo-cam-se, em regra, dúvidas relevantes que se manifestam, por exemplo, em questões relacionadas com a (necessidade ou não) de publicidade do processo arbitral ou das sentenças arbitrais – que, em regra, são confidenciais no direito transnacional, mas também em diversos países –, sendo, portanto, interessante um estudo da na-tureza esquemática e da dimensão daquele que é por nós recenseado.

Neste contexto, é relevante mencionarmos que esta monografia tem origem numa dissertação defendida no ano lectivo de 2014/2015 na Faculdade de Direito de Zurique. Na orientação da redacção deste texto científico, Heiner Kahlert con-

1. Embora já existam alguns estudos relevantes e específicos sobre o tema, cf., entre outros: sMeureaNu, Ileana M. Confidentiality in International Commercial Arbitration. Alphen aan den Rijn: Kluwerlaw International, 2011; Noussia, Kyriaki. Confidentiality in International Commercial Arbitration. Hamburgo: Springer, 2010. Em língua portuguesa, refira-se, por exemplo, silva, Artur Flamínio da; MoNteiro, António Pinto. Publicidade vs. confidenciali-dade na arbitragem desportiva transnacional, ainda inédito.

2. É este precisamente o ponto de partida de: kahlert, Heiner. Vertraulichkeit im Schiedsver-fahren. Tubinga: Mohr Siebeck, 2015. p. 1 e ss.

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504 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

Silva, Artur Flamínio da. Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 503-505. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

tou com o auxílio do prestigiado jusprocessualista suíço e Professor da Faculdade de Direito de Zurique, Ulrich Haas. Num plano formal, a escrita de Heiner Kahlert é sintética e facilmente compreensível. A obra assume, por sua vez, uma dimensão adequada em face da profundidade tratada, atingindo um total de 438 páginas, di-vidida por oito partes. Na primeira parte, o autor introduz a temática. Na se-gunda parte, Kahlert desenvolve os traços gerais da confidencialidade. Na terceira parte, o autor estuda as tensões entre os interesses privados e públicos. Na quarta parte, o autor enuncia as linhas gerais do Direito Europeu, Direito Internacional Público e do Direito Constitucional relativamente à publicidade do processo. Na quinta parte é estudado o acesso a informações no processo arbitral. Na sexta parte o autor reflecte sobre os deveres de confidencialidade. Na sétima parte são objecto de estudo os tópicos dos fundamentos e da possibilidade de imposição da confiden-cialidade. Por último, existe no texto recenseado uma síntese conclusiva. Conta, ainda, com uma importante bibliografia que, em muito, valorizam a obra.

Num plano substancial, são, entre outros, de realçar os seguintes aspectos. Em primeiro lugar, na terceira parte, estudando a tensão que existe entre os interesses públicos e privados na arbitragem, o autor coloca com especial acuidade uma ques-tão determinante na problemática da confidencialidade. Com efeito, o problema da confidencialidade na arbitragem implica ter presente que existem dois polos im-portantíssimos nesta temática: (i) por um lado, a arbitragem assume-se enquanto uma manifestação da autonomia contratual das partes e, neste sentido, deve ser considerada como um exercício privado de jurisdição; (ii) num polo oposto, esse exercício da função jurisdicional – que originariamente pertencia ao Estado – tem como consequência uma substituição da competência do Estado para decidir o fundo da causa.3

Esta tensão acaba por ter efeitos determinantes no estudo da confidencialidade, tal como o autor demonstra, estudando os diversos interesses públicos (como a necessidade de controlo do exercício da função jurisdicional pelo Estado) e inte-resses privados (como a protecção da intimidade da vida privada) que envolve o exercício da função jurisdiccional por privados.4 Na verdade, é nesta dicotomia que se situa toda a discussão em torno da susceptibilidade da confidencialidade da arbitragem.

Em segundo lugar, é também muito interessante a exposição crítica em torno dos deveres de confidencialidade dos mais diversos intervenientes no processo ar-bitral (árbitros, instituição arbitral, partes, peritos ou testemunhas). O autor con-clui que existe como regra um dever de confidencialidade que, no entanto, não é

3. Idem, p. 49-50.

4. Idem, p. 49 e ss.

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505Resenha

Silva, Artur Flamínio da. Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert. Revista de Processo. vol. 252. ano 41. p. 503-505. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.

absoluto, podendo ceder em determinadas situações.5 Neste contexto, convém, po-rém, mencionarmos que teria valorizado – ainda mais – o trabalho de Heiner Kah-lert que o autor tivesse explorado com maior profundidade (embora este já estu-dasse com algum desenvolvimento as dificuldades mais determinantes) os proble-mas que envolvem a confidencialidade regulada nos regulamentos processuais de alguns dos maiores tribunais arbitrais.6 Esta circunstância não deve, no entanto, ser interpretada como sendo um ponto negativo, mas, pelo contrário, como uma hipó-tese que valorizaria ainda mais a monografia recenseada.

Numa apreciação geral, parece-nos evidente que existe um elevado mérito do autor ao optar por tratar um tema com tamanha novidade. Por outro lado, acabou também por conseguir conjugar esta situação com um tratamento adequado, sério e crítico das fontes. Heiner Kahlert alcançou, portanto, a elaboração de uma obra muito bem estruturada que pode, acima de tudo, ser uma base para a discussão que envolve a questão da confidencialidade na arbitragem. Neste debate, a monografia que recenseamos tem todo o potencial para se tornar uma obra de referência.

5. Idem, p. 331 e ss.

6. Idem, p. 340 e ss. O autor tem uma abrangente exposição em mais de 30 páginas. Entre regulamentos processuais analisados encontram-se, por exemplo, alguns dos seguintes tribunais arbitrais: (i) da Deutsche Instituition für Schiedsgerichtsbarkeit (DIS); (ii) do International Court of Arbitration da International Chamber of Commerce; (iii) do London Court of International Arbitration; (iv) do International Centre of Dispute Resolution; ou (v) o Tribunal Arbitral du Sport.

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Índice Alfabético-

Remissivo

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Índice alfabéTico-remissivo

A

Ação anulatória – Vide: Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais prevista no art. 966, § 4.º, do CPC/2015; e Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

Ação civil pública – Vide: Processo civil demo-crático, contraditório e novo Código de Processo Civil.

Ação popular – Vide: Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil.

Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais prevista no art. 966, § 4.º, do CPC/2015 – Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha – p. 231

Acesso à justiça – Vide: Jurisdição condicionada e acesso à justiça: considerações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública; e Varas distritais e competência previdenci-ária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça.

Agravo de instrumento – Perda do objeto – Ocorrência – Antecipação de tutela – Poste-rior sentença de mérito que caracteriza a ausência superveniente de interesse recursal em razão da eficácia plena da decisão ante o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo – Análise do recurso, ademais, que deve considerar a realidade fática e o momento processual que se encontra o feito de forma casuística (STJ) – p. 473

Agravo regimental – Vide: Embargos de decla-ração. Problema da fixação dos honorários

advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

Ampa defesa – Vide: Improcedência liminar do pedido e o saneamento do processo (A).

Arbitragem internacional – Vide: Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert.

Arbitragem nacional – Vide: Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert.

Aresto paradigma – Súmulas do STF e do STJ sobre embargos de divergência e o novo CPC (AS).

Aspectos jurídicos da corretagem – Vide: Simu-lação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformi-zação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (A).

Assunção de competência – Vide: Reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local (A).

Ativos financeiros – Vide: Penhora on line e o prazo dos embargos de terceiro (A).

Audiência preliminar – Vide: La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil.

C

Cautelares típicas – Vide: Tutela de urgência cautelar típica do novo Código de Processo

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510 Revista de PRocesso 2016 • RePRo 252

Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”.

Celeridade – Vide: Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça.

Civil Justice’s ‘songs of innocence and expe-rience’ the gap between expectation and experience – Neil Andrews – p. 437

Coisa julgada – Vide: Limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil (Os).

Confidencialidade – Vide: Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert.

Confronto de acórdãos – Súmulas do STF e do STJ sobre embargos de divergência e o novo CPC (AS).

Confusão patrimonial – Vide: Desconsideração da personalidade jurídica parta fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine (A).

Contraditório – Vide: Incidente de desconside-ração da personalidade jurídica e sua apli-cação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos (O); Penhora on line e o prazo dos embargos de terceiro (A); e Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil.

Controle da hierarquização interpretativa – Vide: Reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local (A).

Controle jurisdicional – Novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014 (O).

Corretagem imobiliária – Vide: Simulação em negócios jurídicos de corretagem imobili-ária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (A).

Cumprimento de sentença – Impugnação após a penhora nos autos – Admissibilidade – Prazo para impugnar os cálculos ofer-tados pelo credor que se inicia a partir da

intimação do executado a respeito da cons-trição – Garantia do juízo, ademais, que faz surgir o direito de se contestar o quantum apresentado – Inteligência do art. 475-J, § 1.º, do CPC/1973 (STJ) – p. 494

D

Decisão homologatória – Vide: Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais prevista no art. 966, § 4.º, do CPC/2015.

Desconsideração da personalidade jurídica – Vide: O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação ao reconhecimento, incidenter tantum, da exis-tência de grupos econômicos (O).

Desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine (A) – Mozart Vilela Andrade Junior – p. 59

Devido Processo Legal – Vide: Penhora on line e o prazo dos embargos de terceiro (A).

Disclosure – Vide: Civil Justice’s ‘songs of inno-cence and experience’ the gap between expectation and experience.

Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015 – Wagner Arnold Fensterseifer – p. 371

E

Efeitos da sentença – Vide: Distinguishing e over-ruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015.

Elementos essenciais da sentença– Vide: Distin-guishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015.

Embargos de declaração – Omissão no julgado – Inocorrência – Decisão que aborda os pontos destacados pelo embargante – Auto-ridade do julgado, ademais, que não pode ser contrastada simplesmente pelas convic-

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511Índice AlfAbético-Remissivo

ções dos procuradores do sucumbente (STJ) – p. 489

Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015 – Nelson Monteiro Neto – p. 263

Embargos de divergência – Vide: Súmulas do STF e do STJ sobre embargos de divergência e o novo CPC (AS).

Erro de fato – Vide: Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advo-catícios. Existência de erro de fato. Impor-tância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

Estado Democrático de Direito – Novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014 (O).

Exaurimento administrativo – Vide: Jurisdição condicionada e acesso à justiça: conside-rações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública.

Execução – Vide: Civil Justice’s ‘songs of inno-cence and experience’ the gap between expectation and experience.

F

Fundamentação das decisões– Vide: Distin-guishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015.

G

Grupos econômicos – Vide: O incidente de desconsideração da personalidade jurí-dica e sua aplicação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos (O).

H

Honorários advocatícios – Vide: Embargos de declaração. Problema da fixação dos honorários advocatícios. Existência de erro de fato. Importância da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.

I

Improcedência liminar – Vide: julgamento ante-cipado parcial do mérito.

Improcedência liminar do pedido e o sanea-mento do processo (A) – Trícia Navarro Xavier Cabral – p. 147

Impugnação da coisa julgada – Vide: Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais prevista no art. 966, § 4.º, do CPC/2015.

Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação ao reconhecimento, incidenter tantum, da existência de grupos econômicos (O) – Gustavo Viegas Marcondes – p. 41

Incidente de resolução de demandas repeti-tivas – Vide: Reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local (A).

Insolvência da pessoa jurídica – Vide: Desconsi-deração da personalidade jurídica parta fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine (A).

Instrução – Vide: La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil.

Interesse de agir – Vide: Jurisdição condicionada e acesso à justiça: considerações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública.

Interesse recursal – Vide: Limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil (Os).

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Interesses públicos e privados na arbitragem – Vide: Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert.

J

Julgamento antecipado parcial do mérito – Edilton Meireles – p. 133

Jurisdição condicionada e acesso à justiça: consi-derações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública – Marcelo Barbi Gonçalves – p. 319

Jurisdição voluntária – Vide: Ação rescisória e a ação de invalidação de atos processuais prevista no art. 966, § 4.º, do CPC/2015.

Justiça desportiva – Vide: Jurisdição condicio-nada e acesso à justiça: considerações sobre a escalada de tutelas contra a Fazenda Pública.

L

La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil – Álvaro Pérez Ragone – p. 405

Limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil (Os) – Rodrigo Ramina de Lucca – p. 79

M

Mandado de segurança – Condicionamento de inscrição de produtor rural ao pagamento de tributo – Inadmissibilidade – Restrição ao livre exercício de atividade econômica ou

profissional que é inconstitucional, quando utilizada como meio de cobrança indireta de tributos – Inteligência das Súmulas 70, 323 e 547 do STF (STF) – p. 457

Medida cautelar – Vide: Tutela de urgência cautelar típica do novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”.

Mérito – Vide: julgamento antecipado parcial do mérito.

N

Negociação colimada – Vide: Simulação em negócios jurídicos de corretagem imobili-ária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (A).

Negócios jurídicos – Vide: Simulação em negó-cios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (A).

Novo Código de Processo Civil – Vide: Tutela inibitória e os seus fundamentos no novo Código de Processo Civil (A); Limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil (Os); e Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil.

Novo processo coletivo para o controle jurisdi-cional de políticas públicas: breves aponta-mentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014 (O) – Thadeu Augimeri de Goes Lima – p. 275

O

Organização judiciária – Vide: Varas distritais e competência previdenciária ou assis-

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tencial: o direito fundamental de acesso à justiça.

P

Penhora on line e o prazo dos embargos de terceiro (A) – Felice Balzano – p. 167

Políticas públicas – Novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014 (O).

Precedentes– Vide: Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015.

Precedentes vinculantes – Vide: Reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local (A).

Prestação jurisdicional – Vide: La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil.

Processo civil democrático, contraditório e novo Código de Processo Civil – Gustavo Henrique Schneider Nunes – p. 15

Processo coletivo – Vide: Novo processo coletivo para o controle jurisdicional de políticas públicas: breves apontamentos sobre o Projeto de Lei 8.058/2014 (O).

Processo privado – Vide: La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil.

Processo público – Vide: La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil.

Publicidade do processo arbitral – Vide: Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsverfahren, de Heiner Kahlert.

R

Razoável duração do processo – Vide: Improce-dência liminar do pedido e o saneamento do processo (A).

Recensão à obra Vertraulichkeit im Schiedsver-fahren, de Heiner Kahlert – Artur Flamínio da Silva – p. 503

Reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local (A) – José Henrique Mouta Araújo – p. 243

Recursos – Vide: Civil Justice’s ‘songs of inno-cence and experience’ the gap between expectation and experience.

Responsabilidade patrimonial – Vide: Desconsi-deração da personalidade jurídica parta fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine (A).

Responsabilidade secundária – Vide: Desconsi-deração da personalidade jurídica parta fins de responsabilidade: uma visão dualista da disregard doctrine (A).

Revogação de sanções – Vide: Civil Justice’s ‘songs of innocence and experience’ the gap between expectation and experience.

S

Saneamento – Vide: Improcedência liminar do pedido e o saneamento do processo (A).

Saneamento de defeitos – Vide: La revalorización de la audiencia preliminar o preparatoria: una mirada desde la justicia distributiva en el proceso civil.

Simulação em negócios jurídicos de corretagem imobiliária e a necessidade de uniformização do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (A) – Lucas Diniz Ayres de Freitas – p. 387

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Súmulas do STF e do STJ sobre embargos de diver-gência e o novo Código de Processo Civil (AS) – Luiz Antonio Ferrari Neto – p. 341

T

Tutela de direitos extrapatrimoniais – Vide: Tutela inibitória e os seus fundamentos no novo Código de Processo Civil (A).

Tutela de remoção do ilícito – Vide: Tutela inibi-tória e os seus fundamentos no novo Código de Processo Civil (A).

Tutela de urgência cautelar típica do novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina” – Guilherme César Pinheiro – p. 209

Tutela inibitória e os seus fundamentos no novo Código de Processo Civil (A) – Edson Antônio Sousa Pinto e Daniela Lopes de Faria – p. 303

Tutela jurisdicional – Vide: julgamento anteci-pado parcial do mérito.

Tutela preventiva – Vide: Tutela inibitória e os seus fundamentos no novo Código de Processo Civil (A).

U

Uniformização da jurisprudência – Súmulas do STF e do STJ sobre embargos de divergência e o novo CPC (AS).

V

Vacatio legis – Vide: Tutela de urgência cautelar típica do novo Código de Processo Civil e a “aplicação” do Código de Processo Civil de 1973 como “doutrina”.

Varas distritais e competência previdenciária ou assistencial: o direito fundamental de acesso à justiça – Walter Claudius Rothenburg e Cristiane Ferreira Gomes Ramos – p. 111

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4. O material recebido e não publicado não será devolvido.

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8. Não há um número predeterminado de páginas para os textos. Esse número deve ser adequado ao assunto tratado. Porém, para publicação nesta Revista,

os trabalhos deverão ter no mínimo 15 e no máximo 20 laudas (cada lauda deve ter 2.100 toques). Os parágrafos devem ser justificados. Não devem ser usados recuos, deslocamentos, nem espaçamen-tos antes ou depois. Não se deve utilizar o tabulador <TAB> para determinar os parágrafos: o próprio <ENTER> já o de-termina. Como fonte, usar a Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter entrelinha 1,5; as margens superior e inferior 2,0 cm e as laterais 3,0 cm. A for-matação do tamanho do papel deve ser A4.

9. O curriculum deve obedecer ao seguinte critério: iniciar com a titulação acadê-mica (da última para a primeira); caso exerça o magistério, inserir os dados per-tinentes, logo após a titulação; em segui-da completar as informações adicionais (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três; finalizar com a função ou profissão exer-cida (que não seja na área acadêmica). Exemplo:

Pós-doutor em Direito Público pela Università Statale di Milano e pela Uni-versidad de Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDP. Juiz Federal em Londrina.

10. Os Conteúdos Editoriais deverão ser pre-cedidos por um breve Resumo (10 linhas no máximo) em português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês.

11. Deverão ser destacadas as Palavras-chave (com o mínimo de cinco), que são pa-lavras ou expressões que sintetizam as ideias centrais do texto e que possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho; elas também devem aparecer em portu-

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517Normas de Publicação Para autores

guês e em outra língua estrangeira, pre-ferencialmente em inglês, a exemplo do Resumo.

12. A numeração do Sumário deverá sempre ser feita em arábico. É vedada a numera-ção dos itens em algarismos romanos. No Sumário deverão constar os itens com até três dígitos. Exemplo:

suMário: 1. Introdução – 2. Responsabili-dade civil ambiental: legislação: 2.1 Nor-mas clássicas; 2.2 Inovações: 2.2.1 Dano ecológico; 2.2.2 Responsabilidade civil objetiva.

13. As referências bibliográficas deverão ser feitas de acordo com a NBR 6023/2002 (Norma Brasileira da Associação Brasilei-ra de Normas Técnicas – ABNT – Anexo

I). As referências devem ser citadas em notas de rodapé ao final de cada página, e não em notas de final.

14. Todo destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com o uso de itálico. Jamais deve ser usado o negrito ou o sublinha-do. Citações de outros Autores devem ser feitas entre aspas, sem o uso de itálico ou recuos, a não ser que o próprio original tenha destaque e, portanto, isso deve ser informado (“destaque do original”).

15. As referências legislativas ou jurispruden-ciais devem conter todos os dados neces-sários para sua adequada identificação e localização. Em citações de sites de Inter-net, deve-se indicar expressamente, entre parênteses, a data de acesso.

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Contrato e raCionalidadeContraCt and raCionality

maRcos cáPRio FoNseca soaRes

Mestre em Sociologia pela UFRGS. Advogado.

área do direiTo: Civil; Processual; Consumidor

resumo: O presente artigo é fruto de pesquisa empírica levada a cabo junto aos acórdãos do TJRS, especificamente em matéria contratual. Aqui, trago as conclusões obtidas no âmbito dos contratos abrangidos pelo Sistema Financeiro de Habitação. Delimitei a racionalidade jurídica nutrida pelos desembargadores de referido Tribunal ao procederem às tomadas de decisões neste tema. Após precisar o conceito central deste trabalho (racionalidade), exponho e analiso os dados obtidos junto aos acórdãos coletados, promovendo uma classificação dos atores jurídicos consentâneo o teor argumentativo invocado na fundamentação dos votos, ocasião em que a nova teoria dos contratos passa a ser contextualizada em meio a um processo de transformações pelas quais vem passando o direito privado como um todo.

Palavras-chave: Cláusulas gerais – Juros – Revisão contratual – Racionalidade – Rematerialização.

absTracT: The present article is a result of empiric research mode next to judgements of Tribunal de TJRS, specifically in contractual subject. Here, I bring the conclusions got among the contracts embroced by the “Sistema Financeiro de Habitação”. I delimited the juridical racionality sustained by magistrates of the abovementioned Tribunal when they took decisions on this matter. After precising the main concept of this work (racionality), I expose and analyse data got next to judgements collected, promoting a classification of the juridical actors according to the armentative contents evoked in the fundamentation of votes, occasion where the new theory of contracts starts to be contextualized in a process of transformations by which private law is passing as a whole.

KeyWords: General clauses – Interest – Contractual review – Racionality – Rematerialization.

sumáRio: 1. Introdução – 2. A racionalidade jurídica e o contexto atual do direito privado: 2.1 A matriz weberiana; 2.2 Reflexões contemporâneas – 3. A mudança paradigmática no direito privado brasileiro – 4. A pesquisa empírica: o caso do SFH – 5. Considerações finais – 6. Bibliografia.

1. iNTrodução

Nononononononononononononononononononononononononononononononono-nononononononononononononononononononononononononononononononononono-

nonononononono.

6. biblioGraFia (eXemPlos)alBerGaria, A. Cinco anos sem chover: história de João Louco. Recife: Sertão, 1999.

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