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MARIANA GRAVINA PRATES JUNQUEIRA
UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS PELA POPULAÇÃO DO VALE DO GAMARRA- BAEPENDI- MG
UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS
LAVRAS – MG 2005
2
MARIANA GRAVINA PRATES JUNQUEIRA
UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS PELA POPULAÇÃO DO VALE DO GAMARRA- BAEPENDI- MG
Monografia apresentada ao Departamento de Agricultura na Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós- Graduação Lato Sensu em Plantas Medicinais: manejo, uso e manipulação, para a obtenção do título em especialista em Plantas Medicinais.
Orientador Prof. Osmar Alves Lameira
LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL
2005
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MARIANA GRAVINA PRATES JUNQUEIRA
UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS PELA POPULAÇÃO DO VALE DO GAMARRA- BAEPENDI- MG
Monografia apresentada ao Departamento de Agricultura na Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós- Graduação Lato Sensu em Plantas Medicinais: manejo, uso e manipulação, para a obtenção do título em especialista em Plantas Medicinais.
AROVADA em 23 de ABRIL de 2005 Prof.________________________________________ Prof.________________________________________
Prof. Osmar Alves Lameira
UFLA (orientador)
LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL
2005
4
A todos os moradores do Vale do Gamarra, que contribuíram para que esse trabalho fosse possível
Para a minha extraordinária família, que me apoiou em todos os momentos.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu querido pai, pelo seu incentivo e interminável motivação,
paciência e carinho,
Ao Toy, Pedrinho e Gabriel, pela paciência e apoio em momentos difíceis e esperas cansativas,
A Karla e Breno, pelas ajudas quando tudo parecia muito difícil, A Cris e Rô, pelos livros e sugestões, A minha mãe, pelas revisões e correções,
À toda a população do Vale do Gamarra , que sem a qual esse trabalho não seria
possível
6
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo reunir e catalogar as plantas medicinais utilizadas pela população do Vale do Gamarra, zona rural de Baependi, Minas Gerais. Procurando também encontrar especialistas em plantas medicinais que são chamados raizeiros, investigando as plantas nativas utilizadas, e as formas de preparação de remédios caseiros. Foi também iniciado um processo de sensibilização da população residente para a instalação de uma farmácia viva ou horto medicinal, que agregue os conhecimentos locais e possa atender às necessidades da população e preservar os conhecimentos tradicionais relativos a cura pelas plantas; ressaltando, também, a importância da preservação da biodiversidade vegetal. Foi possível perceber o interesse da população pelas plantas e a vontade de conhecê-las melhor através da instalação da Farmácia Viva. Diversas espécies de plantas medicinais foram observadas por meio de uma entrevista semi estruturada, visitas nas hortas dos entrevistados e caminhada transversal na área de coleta dos especialistas.
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS.........................................................................................8 LISTA DE TABELAS ........................................................................................9 1 - INTRODUÇÃO .............................................................................................1 2 - A PLANTAS MEDICINAIS EM COMUNIDADES TRADICIONAIS...3
2.1 A farmácia viva como alternativa de saúde......................................................5 3 – REGIÃO PESQUISADA .............................................................................7
3.1 O vale do Gamarra e o meio sócioambiental ...................................................7 3.2 O vale do Gamarra e o resgate da cultura tradicional .....................................8
4 - OBJETIVO ....................................................................................................9 5 - METODOLOGIA........................................................................................10 6 - RESULTADOS E DISCUSSÕES ..............................................................12 7- CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................18 8- BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................19 9 - ANEXOS ......................................................................................................20
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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Seu Chiquinho coletando remédio Cavalinho durante a caminhada transversal............................................................................................................16 Figura 2 - Seu José do Carmo Chiquinho coletando remédio Buta Jarrinha durante a caminhada transversal..........................................................................16 Figura 3 - Seu Chiquinho, seus remédios depurativos e sua “latinha de raízes”..................................................................................................................22 Figura 4 - Doradinha..........................................................................................22
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LISTA DE TABELAS Tabela 1: Plantas medicinais e utilizações pela população rural da região do Vale do Gamarra, Baependi, Minas Gerais.........................................................23 Tabela 2: As plantas medicinais segundo os especialistas .............................25
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1 - INTRODUÇÃO
O ser humano tem buscado sua sobrevivência em sua relação com os
meios naturais, a água, o solo, animais e plantas. E tem através deles garantido
sua sobrevivência.
No último século nossa sociedade transformou em muito os meios
naturais e tem posto em graves riscos o meio ambiente e a biodiversidade do
planeta.
Essa preocupação tem levado muitos pesquisadores ao estudo e
observação das relações sustentáveis de algumas populações em comunidades,
isto é àquelas que desenvolvem atividades com baixo impacto ambiental, como
o cultivo de plantas medicinais.
As plantas medicinais constituem um dos recursos mais antigos
utilizados pelo homem; conforme registros arqueológicos, a cura das doenças
através das plantas data da pré- história.
Desde a antiguidade diversas civilizações cultivaram, desenvolveram
diferentes usos e, é claro, curaram com plantas, essas possuíam um simbolismo
específico para cada cultura. Para os indianos há 1000 anos as plantas eram
consideradas filhas dos deuses; na Grécia, Hipócrates, um grande herbalista foi
considerado o “pai da medicina”.
Passados muitos séculos, as transformações modernas, trouxeram as
indústrias e os remédios sintéticos e com eles, muitos interesses nesse mercado
próspero e lucrativo que fizeram com que os valores culturais tradicionais
fossem caindo no esquecimento e, como decorrência, perdessem sua importância
cultural para as populações locais.
As plantas medicinais desempenham um importante papel sócio
econômico, tanto para as populações rurais como para as urbanas. A utilização
de espécies medicinais, nativas da região ou cultivadas no quintal, reduz ou até
2
elimina os gastos com remédios sintéticos, item pesado no orçamento familiar
das famílias brasileiras, especialmente as que têm crianças e idosos.
Plantas, que a população tem usado para cuidar da saúde, têm sofrido
com o desmatamento, com a expansão agropecuária e com a destruição dos
ecossistemas. Contudo essas plantas, hoje, são objeto de preocupação dos
pesquisadores que querem melhor conhecê-las, catalogá-las, para que esse
conhecimento se perpetue para as demais gerações.
Ademais ainda existem populações tradicionais nas quais esses
conhecimentos são preservados, e muitos pesquisadores têm se preocupado em
difundir esses conhecimentos para além da própria comunidade. Por populações
tradicionais entende-se, grupos e povos que , vivendo em áreas periféricas à
nossa sociedade encontram-se em situação de relativo isolamento do mundo
ocidental capitalista, acarretando a construção de formas de se relacionar entre
si e com os seres e coisas da natureza, de maneira muito diferente das formas
vigente em nossa sociedade (ESTERCI, 2005).
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é discutir como essas plantas são
usadas por segmentos da população denominadas tradicionais, localizadas na
região sul de Minas Gerais, no município de Baependi, verificando sua
utilização como alternativa de cura.
Este trabalho inicia-se com uma discussão teórica sobre o tema, para em
seguida apresentar seus objetivos, metodologia e os resultados da pesquisa, junto
a população tradicional.
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2 - A PLANTAS MEDICINAIS EM COMUNIDADES TRADICIONAIS
A sociedade moderna criou um grande distanciamento entre o homem
do campo, que muitas vezes constituem populações tradicionais, e o homem
urbano.Este último tem sistematicamente destruído os recursos naturais,
enquanto, as populações tradicionais têm mantido uma relação saudável com o
meio ambiente.
Assim, pesquisadores se voltam agora para essas comunidades,
constantemente vistas como atrasadas e observam como vivem em contato direto
com os ciclos da natureza e reproduzem sua cultura de maneira diferenciada,
entretanto plena de significado, pois todo signo tem valor quando compartilhado
socialmente, inseridos em uma cultura e não isoladamente (GEERTZ, 1989).
Essas populações tradicionais possuem um modo de vida específico,
uma relação peculiar, com a natureza e os recursos naturais, interagindo sem
acarretar destruições e transmitindo o conhecimento para perpetuar a identidade
do grupo (DIEGUES, 1996).
Esses saberes do mundo camponês, ao contrário do que muitos ainda
pensam são de uma profundidade e complexidade surpreendentes, criando e
recriando estilos, formas e sistemas de saber, de viver e de fazer (BRANDÃO,
1986).
Nessas comunidades, a existência de especialistas, contribui para a
manutenção dessas tradições. Os raizeiros1 são os responsáveis pelo
conhecimento das plantas medicinais, procuram-nas no mato, identificam-nas e
produzem remédios e garrafadas2, sempre acompanhados de rezas e cânticos
1 O raizeiro é um indivíduo com um grande conhecimento sobre raízes e plantas medicinais,
podemos considera-lo um especialista no assunto 2 A garrafada é um remédio feito com várias plantas com um objetivo específico de curar uma
certa doença.Ele é colocado em uma garrafa, da qual os pacientes retirarão sua dose diária.
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específicos, para seus pacientes. Esses especialistas, têm uma habilidade em
algum campo do conhecimento e contribuem de alguma forma para a
comunidade,como por exemplo em plantas medicinais, desempenham um papel
de curandeiros ou médicos da comunidade.
“O especialista exerce na comunidade um trabalho profissional e uma
relação de docência, reconhecida como fazendo parte de um domínio comum do
trabalho, são os pequenos magos e feiticeiros da comunidade, assim como
rezadores, artistas e artesãos” (Brandão, 1986).
Ao longo de nossa história, podemos observar também, o papel
fundamental das plantas medicinais em rituais religiosos e mágicos, e sua
importância crescente, agora no século XXI, desvendando mistérios antes
obscuros para os homens da ciência. A fé faz parte do processo de cura de um
paciente, portanto essas relações espirituais desprezadas no século XIX e XX
são verificadas na atualidade (LEVI STRAUSS, 1970). Essa relação do
homem com sua religiosidade e a possibilidade de cura tem sido amplamente
estudada por vários pesquisadores, e com isso nota-se a relação intrínseca entre a
saúde e suas crenças.
As plantas medicinais, sempre foram de grande importância para muitas
comunidades, como instrumento de cura e, muitas vezes, vinculadas à crenças
religiosas. Na atualidade as plantas de poder3, usadas não apenas, no interior das
florestas, mas em centros urbanos ocasionam a cura, fundada tanto na fé como
no uso das plantas medicinais. Essas plantas permitem que comunidades se
organizem e instalem Farmácias Vivas, o que possibilita o uso sistemático das
plantas, para a melhoria da sua qualidade de vida.
3 As plantas de poder, são plantas com poderes mágicos, usadas em rituais religiosos
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2.1 A farmácia viva como alternativa de saúde A expressão “Farmácias Vivas” foi criada com intuito de padronizar as
hortas de plantas medicinais, instaladas em comunidades , de acordo com as
normas estabelecidas no projeto desenvolvido pela Universidade Federal do
Ceará em 1983. O projeto pode ser considerado um programa de medicina social
com a finalidade de oferecer, sem fins lucrativos, assistência farmacêutica
fitoterápica de base científica às comunidades onde haja carência dos meios de
atendimento médico-sanitário. Isso ocorre pelo aproveitamento de plantas
nativas, de nível local ou regional, com poder terapêutico comprovado
cientificamente (MATOS, 1991).
A utilização das Farmácias Vivas nos programas de saúde pode se
constituir numa forma de alternativa terapêutica, por sua eficácia aliada a um
baixo custo operacional. A disponibilidade das plantas e compatibilidade
cultural do programa com as comunidades atendidas, faz com que a adoção
desse recurso seja extremamente útil no atendimento às comunidades onde a
assistência médico-farmacêutica tenha se mostrado difícil, como ocorre no
nordeste.(MATOS,1991)
O autor ainda enquadra as Farmácias Vivas instaladas nas comunidades
como apenas um tipo de horta medicinal, aparentando uma horta caseira ou
comunitária, embora seja instalada de acordo com normas rígidas de base
científica. As pessoas encarregadas dessas hortas desenvolvem também
atividades de pesquisa, como experimentação de outras plantas medicinais, o
trabalho agronômico de coleta, adaptação e cultivo das plantas selecionadas, a
preparação e distribuição de mudas para novas farmácias vivas e,
complementarmente, a prestação de assessoria técnico-científica às comunidades
que tenham optado pela fitoterapia como alternativa terapêutica.
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A instalação dessas Farmácias requerem um trabalho conjunto de três
profissionais,um médico,um farmacêutico e um agrônomo, para diagnosticar a
doença, orientar a coleta e secagem e preparação de remédios fitoterápicos e
orientar o cultivo, preparação de mudas e crescimento das plantas
respectivamente. Esses profissionais podem ser substituídos pelo sistema de
exercício profissional delegado por grupos auxiliares. A área deve ter no mínimo
200 metros quadrados, com disponibilidade de água para o plantio das espécies
medicinais selecionadas.Essas atividades podem ser complementadas com uma
oficina farmacêutica, equipada com secador moinho, frascos, encapsuladores e
fogareiro.
Portanto, a Farmácia Viva insere-se como alternativa de acesso à saúde
e também como um meio de preservação e aprofundamento de conhecimentos
antigos em algumas comunidades tradicionais e rurais. Além disso, a Farmácia
Viva comunitária pode também contribuir para a preservação da biodiversidade
dos ecossistemas, uma vez que informa a população e promove a
conscientização da importância das plantas.
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3 – REGIÃO PESQUISADA
Entender o uso que as populações fazem das plantas é um trabalho que
exige não apenas conhecer a região e as plantas nela dominantes como também
sua forma de utilização.
3.1 O vale do Gamarra e o meio sócioambiental
O vale do Gamarra localiza-se no município de Baipendi, próximo ao
circuito das águas em Minas Gerais. O acesso à cidade, saúde e educação se dá
através dos vilarejos próximos: São Pedro e Piracicaba.
Situado na Serra da Mantiqueira, com uma hidrografia rica e com águas
de pureza extraordinária, pertence à Bacia do Rio Grande. As altitudes do
município variam de 868m a 2359m e a vegetação da região enquadra-se nos
domínios da Mata Atlântica, campos de altitude e mata ciliar nas margens dos
rios. Essa grande biodiversidade torna possível a existência de diferentes plantas
medicinais, com características bem distintas.O clima da região é o tropical de
altitude, com chuvas abundantes em janeiro, e sensível queda de temperatura
entre junho e agosto, com geadas.
A declividade da área é elevada o que dificulta a conservação das vias
de acesso, um problema enfrentado pela população, uma vez que o ônibus não
consegue nelas trafegar, só o fazem veículos com tração nas quatro rodas e os
animais locais(jumento ,burros e cavalos)
O povoamento da região é bastante antigo, já no período da exploração
do ouro em Minas Gerais. Essa região também foi palco da mineração, que
rendeu ao rio principal uma ação antrópica intensa: desvios e explosões.
Na atualidade a atividade econômica principal é a pecuária extensiva,
predominantemente leiteira, a produção de queijo e o artesanato de cestos de
bambu que são vendidos na cidade através do intermédio de atravessadores.
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3.2 O vale do Gamarra e o resgate da cultura tradicional
As populações rurais do Brasil possuem tradicionalmente um grande
conhecimento das plantas locais e também o seu manuseio para cura. Entretanto
esse conhecimento tem ficado cada vez mais distantes da maioria das pessoas,
que vivem nas cidades e também no campo, estas permanecem cada vez mais
dependentes da indústria farmacêutica e da cura das doenças em hospitais. Os
poucos conhecedores das plantas medicinais que ainda restam nas comunidades
rurais já estão velhos e, muitas vezes, seu conhecimento não é repassado aos
mais jovens, correndo o risco de perder-se para sempre.
A área que se propõe estudar, zona rural de Baependi, é de grande
biodiversidade, com uma riqueza natural bastante peculiar, como já foi
mencionado anteriormente. O conhecimento da medicina popular está cada dia
mais sendo deixado de lado e esquecido. Assim a população deixa de valoriza-
lo, pois seu desconhecimento faz com que para fazer frente a qualquer doença
recorra-se ao médico na cidade, aos postos de saúde e hospitais. Como os
médicos possuem uma formação que apenas privilegia os remédios, a cura da
doença é feita com medicamentos, que a maioria da população nem sempre pode
ter acesso, pelo seu custo.
O resgate da medicina tradicional poderia ocasionar uma nova maneira
de lidar com a doença. Isso possibilitaria a ampliação de informações sobre o
uso sustentável dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade local e
preservação dos valores culturais associados a essa prática. Isso no caso do
Gamarra, região inserida na APA da Serra da Mantiqueira poderia contribuir
para a sua maior preservação e também para a segurança alimentar, elevando a
qualidade de vida da população, tornando-a acessível a remédios naturais de
fácil acesso, baratos, capazes de resolver os problemas da doença e preservar a
saúde.
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4 - OBJETIVO
O objetivo principal desse trabalho é identificar a prática e uso das
plantas medicinais pelas populações moradoras do Vale do Gamarra, Baependi -
Minas Gerais, buscando o resgate cultural desta atividade na região.
Este objetivo será alcançado mediante os seguintes objetivos específicos:
I. Reunir e catalogar as plantas medicinais utilizadas
tradicionalmente na região.
II. Identificar especialistas em plantas medicinais na região.
III. Dar início ao processo de sensibilização da população para
organização de um horto medicinal.
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5 - METODOLOGIA
Para alcançar as metas propostas foi utilizado um sistema de
amostragem por julgamento, isto é quinze pessoas foram escolhidas de acordo
com os depoimentos dos entrevistados, de quais pessoas cultivavam plantas e as
utilizavam.
Um roteiro semi estruturado de entrevista foi aplicado nas visitas com
uma duração de aproximadamente 1h e 30min, para conhecer as plantas
utilizadas, como são preparadas e onde são encontradas (se são cultivadas ou
encontradas no mato). Outras questões foram: com quem aprendeu a utilizá-las,
as doenças mais freqüentes, a disponibilidade e interesse na formação da
farmácia viva, integrando os conhecimentos de todos.
Com essa pesquisa procurou-se descobrir especialistas em plantas
medicinais. Foi descoberto alguns especialistas em plantas medicinais, entre eles
o sobrinho de um antigo especialista da região, que já prestou serviços à
comunidade no passado .
Francisco José, conhecido por Chiquinho do São Pedro é sobrinho de
Antônio Pedro, raizeiro, viveu 106 anos e foi um grande conhecedor das plantas
medicinais e curador, atendia nas casas das pessoas e levava remédios para elas.
Procurava os remédios não só próximo de sua casa como por toda região.
Caminhava longas distâncias para encontrar seus remédios e também para
atender seus pacientes, segundo nos conta a sua filha, Jurema Cândida dos
Santos, 63 anos.
“Ele dizia pra a gente ir com ele aprender sobre as plantas, que ele ia
morrer e ninguém se interessava, aí ele começou a ensinar o Chiquinho, mas ele
também não tinha muito tempo pra sair com o pai”.
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Assim, Chiquinho aprendeu alguns remédios, plantas e raízes e continua
atender quem o procura. Sua especialidade são as plantas depurativas e contra o
reumatismo.
Conseguimos encontrar mais três especialistas, Zé Rodrigues dos Santos,
Cláudia Diniz e José do Carmo.
Uma caminhada transversal com os especialistas, ajudou a identificar
algumas plantas e raízes, que foram enviadas para análise em laboratório.Uma
visita às hortas, também fizeram parte da identificação das plantas.Essa
caminhada consistiu em uma caminhada pelo terreno do entrevistado, tendo-o
como guia,visando conhecer seu sistema de produção e suas áreas de extração de
recursos.
Esses especialistas possuem uma grande importância cultural, uma vez
que esse conhecimento é transmitido por algum parente, também especialista,
que reparou a aptidão desse descendente. Ele recebe assim como informações
sobre as plantas, rezas e receitas de remédios que deverão ser preparados.
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6 - RESULTADOS E DISCUSSÕES
A região estudada, com grande biodiversidade, possui plantas medicinais
nativas nas áreas naturais de campo, mata ciliar (restinga como é chamada na
região) e Mata Atlântica. Entretanto essa biodiversidade não é muito conhecida
pela população local, pois só usam os remédios que estão em suas hortas.
Apenas os quatro especialistas entrevistados têm esse conhecimento.
Quando o pesquisador chegou na casa dos entrevistados no início da
entrevista, sete deles diziam não conhecer nada sobre plantas medicinais
(remédios de horta, conforme nomenclatura regional), mas no decorrer das
mesmas se mostraram conhecedores de diversos remédios caseiros,
principalmente para as crianças.
Apesar dessa utilização, algumas pessoas encontram certa dificuldade de
adquirir algumas espécies de plantas, remédios caseiros, que morreram em suas
hortas ou não conhecem outros que poderiam contribuir para cura de suas
doenças.
Todas as pessoas entrevistadas se mostraram interessadas na formação
de uma farmácia viva que agregue os conhecimentos regionais e que torne
possível o acesso de todos a essas plantas. Assim a implantação de uma farmácia
viva, tão funcional e benéfica , como já se mostrou em outras partes do Brasil e
do mundo poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população
local, possibilitando um acesso mais rápido e barato aos medicamentos naturais.
Ao contrário do que poderíamos esperar,o interesse pelas plantas é presente
nessa população, abrindo então a possibilidade de desenvolvimento e difusão
dos conhecimentos encontrados. Os especialistas também acreditam na
importância da Farmácia viva e de hortos medicinais, um deles manifestou,
espontaneamente o desejo de implementar a farmácia em São Pedro.
Os moradores mais antigos da região são Seu Pedro Lopes de Castro, 82
anos e D. Maria do Carmo, 76 anos, que devido à idade avançada e precárias
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Figura 3 – Seu Chiquinho, seus remédios depurativos e sua “latinha de raízes”
Figura 4 – Doradinha
condições de saúde não podem mais cultivar a terra, nem mesmo uma horta,
sentem muita falta de remédios caseiros que eram feitos pelo raizeiro Antônio
Pedro. Hoje só utilizam remédios da cidade, mas a condição financeira dificulta
essa tarefa..
“A gente vai pro hospital e não adianta nada,aí a gente vai pra casa
com uma lista de remédios que não dá pra comprar; é, chá da horta é muito
melhor”(Seu Pedro Lopes)
O acesso à cidade é bastante difícil e encontrei uma população com
idades diferenciadas (12, 19, 24, 38, 40, 52, 60, 76, 82), mas todos com
entusiasmo pelas plantas, em usá-las, passar os seus conhecimentos e obter mais
informações sobre elas, com a formação da farmácia viva.
A população local tem ainda uma nomenclatura própria para chamar as
plantas. A forma de utilização das plantas se dá através de chás, nenhuma outra
forma de beneficiamento foi verificada na população local, com exceção dos
especialistas, que preparam vinhos, garrafadas, xaropes, tinturas e pós.
Os especialistas pesquisados têm um amplo conhecimento sobre as
plantas locais e suas utilizações.
O remédios mais fabricado por Chiquinho é o vinho depurativo, que
inclui as plantas e raízes depurativas (vide Tabela - 2). Algumas delas ainda são
heranças do falecido Antônio Pedro, guardadas carinhosamente numa lata de
Nescau. A preparação é feita em um caldeirão grande, utilizado para ferver as
plantas e raízes e muita “fé em Deus”, segundo seu Chiquinho. Quando o
paciente tem condições de comprá-lo ele vende, senão dá.
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As doenças mais comuns na região segundo os relatos são: gripe,
resfriado, bronquite e mais raramente reumatismo, picada de cobra, pneumonia,
circulação, derrame, coração, entre outras.
A farmácia viva, agregando conhecimentos locais sobre as plantas
medicinais, difunde e perpetua esse conhecimento existente, contribuindo para o
processo de valorização cultural.
As plantas citadas pelos entrevistados, com suas utilizações estão
listadas na Tabela – 1 .
As plantas citadas pelos especialistas , com suas utilizações estão listadas
na Tabela - 2.
Tabela 1: Plantas medicinais e utilizações pela população rural da região do
Vale do Gamarra, Baependi, Minas Gerais (*atividade validada pela ciência)
Planta medicinal
Nome científico Utilização
Número de citações populares
Onde pode ser encontrada
Alecrim* Rosmarinus officinalis
Dor de barriga de neném
3 Horta
Alfazema* Lavandula vera
Dor de barriga de neném, cólica
5 Horta
Arruda Ruta graveolens
Dor de cabeça para mulher de dieta(pós parto)
1 Horta
Atroverã* Ocimum selloii Cólica 1 Horta
Açafrão Umbigo de neném
1 Horta
Bálsamo* Cotyledon Gastrite, 5 Horta
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(barso) orbiculata contusões, anti- inflamatório
Boldo* Colens barbatus
Estômago,fígado, digestão
2 Horta
Capim limão* Cymbopogon citratus Resfriado 8 Horta
Cardo santo* Cnicus benedictus
Pneumonia e gripe
4 Horta
Canfarinho (canfo)
Arthemísia canphorata
Umbigo de neném
5 Horta
Capuccinha Tropaeolum majus Coração 1 Horta
Chapéu de coro*
Echinodorus macrophyllus Reumatismo 3 Brejo
Confrei* Symphytum officinale Dor , contusão 1 Horta
Curraleira Reumatismo 2 Campo /cerrado
Doradinha Limpa o sangue 3 Campo/cerrado
Doril* Alternanthera brasiliana Dor 1 Horta
Planta medicinal
Nome científico Utilização
Número de citações populares
Onde pode ser encontrada
Erva cidreira Lippia alba Dor de cabeça,calmante
8 Horta
Erva doce* Foeniculum vulgare
Gases, empachamento
7 Horta
Planta medicinal
Nome científico Utilização
Número de citações populares
Onde pode ser encontrada
Erva terrestre Tosse 3 Campo
Gengibre* Zingiber officinale Dor de garganta 1 Horta
Guaco* Mikania glomerata Bronquite 1 Horta
Hortelã* Mentha x vllosa
Resfriado e verminose
6 Horta
16
Levante* Mentha sp Tosse 5 Horta
Losna* Artemísia absinthium Estômago 4 Horta
Marcelinha* Achyrocline satureioides Dor de barriga 4 Horta
Novalgina* Aquillea millefolium
Dor de cabeça, febre, insônia
5 Horta
Poejo* Mentha pulejium Tosse 2 Horta
Rosa branca Prisão de ventre 3 Horta
Sabugueiro* Sambucus australis
Sarampo e coceira
3 Horta
Salsaparrilha* Smilax papirácea poir
Limpar o sangue
1 Campo
Sálvia Salvia officinalis Vômito 3 Horta
Velame* Limpar o sangue 2 Campo (raiz)
Tabela 2: As plantas medicinais segundo os especialistas (*atividade validada
pela ciência)
Planta medicinal
Nome científico Utilização
Número de citações
Onde pode ser encontrada
Agoniada Plumeria lancifolia Mulle
Útero,ovário 2 Campo
Alfavaca Calmante inseticida
1 Campo
Arnica* Contusão 3 Campo Avenca* Adianthus
capillus veneris,
Queda de cabelo 1 Mata
Barbatimão* Styphnodendron barbatiman
inflamação,coceira,banho de acento
3 Mata(casca)
17
Buta jarrinha Reumatismo 2 Campo (raiz) Buta preta Hepatite,fígado
abortivo 3 Campo(raiz)
Caninha do brejo
depurativo 3 Brejo
Carapiá brônquios 1 Campo Carobinha depurativo 3 Campo Carqueja* Bacharis
trimera,
Diabetes,anti queda de cabelo
2 Campo
Cavalinha * Equisetumsp
Rins, depurativo 1 Brejo
Cavalinho(árvore)
depurativo 1 Campo(casca)
Chapéu de coro*
Echinodorus macrophyllus
depurativo 2 Brejo
Cipó lage estômago 2 Campo Cipó de são jõao
Coração,pressão 1 Campo
Curraleira depurativo 4 Campo Dália Picada de
escorpião 1 Jardim(flor)
Planta medicinal
Nome científico Utilização Número de
citações Onde pode ser encontrada
Doradinha Depurativo estômago
3 Campo
Erva de são João*
Anti depressivo dor
1 Campo
Fava Santo Inácio
depurativo 2 Barranco
Fragalia hepatite 1 Campo Gelol contusão 1 Campo(raiz) Gervrão cirrose 2 Erva daninha Goiabeira Hemorragia,infla
mação 1
Ipê roxo Garganta,cicatrizante
2 Mata(casca)
Isopo* Leonorus sibiricus
estômago 3 campo
Jaborandir* seborréia Anti-caspa,
2 Erva daninha
18
Japecanga depurativo 3 Mata ciliar João da costa Útero ,ovário 2 Campo Manacá(árvore)
depurativo 2 Mata
Para tudo Reumatismo Órgãos genitais da mulher Para engravidar
3 Campo
Picão Bidens pilosa hepatite 2 barranco Quebra pedra Phyllantus
niruri L rins 2 Erva daninha
Sassafraz reumatismo 1 Campo Tanchagem Plantago sp antiflamatória 2 Campo Velame depurativo 4 Campo(raíz) Cardo santo Cnicus
benedictus Gripe,resfriado 3 Horta
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento tradicional das plantas medicinais pelas comunidades
é importante, tanto para uma pessoa sem recursos para ter acesso a
medicamentos como para a sociedade que busca outras alternativas ao
tratamento alopático.
É relevante ver a natureza com sua biodiversidade e riqueza, como fonte
de vida, que pode prover o alimento e a cura para os muitos males que afetam a
população.
O conhecimento da natureza e a interação homem x natureza, pode trazer
de volta o respeito que há muito perdemos em nome do desenvolvimento.As
plantas podem ser um caminho para firmar esse vínculo, resgatando o respeito e
a crença no mundo vegetal.
19
8- BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO,C.R. Saber de classe e educação popular. IN:O ardil da
ordem.Campinas:Papirus,1986.2ed.p.9-39
BORNHAUSEN.R.L. As ervas do sítio-história, magia,saúde, culinária
e cosmética.São Paulo:M.A.S,1991.
DIEGUES, A.C. O mito moderno da natureza intocada.São
Paulo:Hucitec.1998.
ESTERCI, N. Populações tradicionais. In: Almanaque Brasil
socioambiental 2005.São Paulo:Instituto Socioambintal,2004.p.178-182
GERRTZ, C. Interpretações das culturas. Rio de Janeiro, 1989.
LEVI STRAUSS, C. Magia e Religião. In: Antropologia Estrutural.Rio
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FAEP, 2001.
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9 - ANEXOS
Anexo 1: roteiro semi estruturado das entrevistas com a população local
1) Nome e idade
2) Usa plantas medicinais? Onde as encontra?
3) Quem o ensinou sobre as plantas?
4) Quais as plantas utilizadas e para quais doenças?
5) Quais são as doenças mais freqüentes na região?
6) Quando tem necessidade de ir para a cidade por motivo de saúde, que
transporte utiliza?
7) Gosta dos remédios das farmácias ou preferem os “remédios de
horta”.
8) Gostaria de saber mais sobre as plantas medicinais?
9) Gostaria de fazer parte de uma farmácia viva comunitária para
compartilhar os seus conhecimento e adquirir novos?
10) Tem algum remédio de horta que gostaria de tomar para alguma cura
e não tem acesso a ele?
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Anexo 2 :Roteiro semi estruturado das entrevistas com os especialistas
1) , Nome idade, a quanto tempo vive na comunidade?
2) Como, quando e por que começou a lidar com as plantas medicinais?
3) As pessoas da comunidade gostam dos remédios caseiros?
Costumam procura-lo(a)?
4) De onde ,como e quando as plantas são colhidas, coletadas? Tem
horta medicinal?
5) Como as plantas são preparadas para o uso?
6) Como aprendeu a reconhecer e utilizar essas plantas?
7) Há pessoas que se interessam em aprender sobre as plantas?
8) Quando tem dúvida, consulta alguém ou algum livro?
9) Você prepara algum remédio para vender? Onde vende esses
remédios?
10) As pessoas acreditam na cura pelas plantas?