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V de Vingança e o elogio à desobediência civil Wagner Francesco "O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes uma inconveniência, e todo governo algum dia acaba sendo inconveniente." (THOUREAU,1984, p. 27) "Minha origem é nobre demais para que eu seja propriedade de alguém Para que eu seja o segundo no comando ou um útil serviçal ou instrumento de qualquer estado soberano deste mundo." (THOUREAU,1984, p. 30) O filme Esse filme, gravado em 2006, é um filme de suspense dirigido por James McTeigue e produzido por Joel Silver e pelos irmãos Wachowski. Duas pessoas se destacam no filme, a belíssima Natalie Portman (Evey Hammond) e o personagem principal do filme, chamado apenas de V (Hugo Weaving). Tudo acontece numa Inglaterra que vivia sob regime totalitário, onde o Estado controlava todas as ações sociais do indivíduo. Logo nas primeiras cenas a Evey sai de sua casa, após o “toque de recolher” e é parada por dois homens, os “Homem Dedo”, que são uma espécie de policiais – tipo os que viviam caçando os comunistas na ditadura de 64 no Brasil. Nesse momento em que ela é abordada por esses policiais e parece que seria violentada, aparece um homem com uma roupa preta e uma máscara do Guy Fawkes, um soldado inglês católico que teve participação na "Conspiração da pólvora" e que pretendia assassinar o rei protestante Jaime I da Inglaterra e todos os membros do parlamento durante uma sessão em 1605. O uso da máscara mostra que as aparências não fazem revoluções, mas apenas ações são capazes. No momento em que o V salva a garota há o seguinte diálogo:

V de Vingança e o elogio à desobediência civil

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V de Vingança e o elogio à desobediência civil

Wagner Francesco

"O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício

conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes uma

inconveniência, e todo governo algum dia acaba sendo

inconveniente." (THOUREAU,1984, p. 27)

"Minha origem é nobre demais

para que eu seja propriedade de alguém

Para que eu seja o segundo no comando

ou um útil serviçal ou instrumento

de qualquer estado soberano deste mundo."

(THOUREAU,1984, p. 30)

O filme

Esse filme, gravado em 2006, é um filme de suspense dirigido

por James McTeigue e produzido por Joel Silver e pelos irmãos Wachowski.

Duas pessoas se destacam no filme, a belíssima Natalie Portman (Evey

Hammond) e o personagem principal do filme, chamado apenas de V (Hugo

Weaving). Tudo acontece numa Inglaterra que vivia sob regime totalitário, onde

o Estado controlava todas as ações sociais do indivíduo. Logo nas primeiras

cenas a Evey sai de sua casa, após o “toque de recolher” e é parada por dois

homens, os “Homem Dedo”, que são uma espécie de policiais – tipo os que

viviam caçando os comunistas na ditadura de 64 no Brasil. Nesse momento em

que ela é abordada por esses policiais e parece que seria violentada, aparece

um homem com uma roupa preta e uma máscara do Guy Fawkes, um

soldado inglês católico que teve participação na "Conspiração da pólvora" e

que pretendia assassinar o rei protestante Jaime I da Inglaterra e todos os

membros do parlamento durante uma sessão em 1605.

O uso da máscara mostra que as aparências não fazem revoluções, mas

apenas ações são capazes. No momento em que o V salva a garota há o

seguinte diálogo:

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(Evey): - Quem é você? (V): - O que importa são as ações. Sou um homem com uma máscara.1

De fato, V é um homem de ação e quer agir contra o governo ditatorial

do Adam Sutler. Ao meu ver, resumo do filme e ao que o V se opõe: Uma

sociedade sob regime fascista e intolerante e que é controlada pelo homem

chamado Líder. Os cidadãos são vigiados constantemente e parecem

conformados com a situação.

Aqui, então, iremos com o filme e levantaremos algumas questões; por

fim, chegaremos à exaltação da desobediência civil.

O Estado e a repressão.

Diante de todas as ações e de todos os discursos do V fica claro que

ele quer revelar o Estado, naquela atual situação, como um aparelho

repressivo que cuidava de limitar as ações dos indivíduos. A censura reinava e

nada poderia ser feito se não fosse para agradar ao interesses do sistema.

Interessante em todo Estado repressivo, ditatorial, é que o argumento para

legitimar os seus atos é sempre “em nome do bem da sociedade, da ordem!”. V

questiona esse modelo de governo e deixa isso claro quando diz as seguintes

palavras:

A verdade é que há algo terrivelmente errado com o país. Se antes vocês tinham liberdade de se opor, pensar e falar quando quisessem, agora vocês têm censores e câmeras obrigando vocês a se submeterem. Como isso aconteceu? Quem é o culpado? Há alguns mais responsáveis que outros e eles vão arcar com as consequências. Mas, verdade seja dita, se procuram culpados basta vocês se olharem no espelho. Eu sei por que vocês fizeram isso: sei que tinham medo. Quem não teria? Guerra, terror, doença. Uma série de problemas se juntaram para corromper sua razão e afetar seu bom senso. O medo dominou vocês!2

O medo sempre foi uma arma poderosa para manipular as pessoas. Não

é por acaso que o Maquiavel escreve, em O Príncipe, que quem governa

                                                            1 Tempo da cena: 00:06:47,885 à 00:06:52,319 2 Tempo da cena: 00:19:53,136 à 00:20:46,747 

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“Não deve se incomodar com a reputação de cruel, se seu propósito é manter o povo unido e leal. [...] É muito mais seguro ser temido (a ser amado)” (MAQUIAVEL, 2002, p. 98-9)

O Estado, em V de Vingança, usa os aparelhos repressivos para se

sustentar. De fato, aparelho repressivo aqui tem o sentido dado pelo francês

Louis Althusser que diz que o aparelho repressivo de Estado funciona pela

violência. No entanto é muito mais do que pela violência física, cujo papel é

delegado à polícia (vide os quebra-paus em atos grevistas!), que um Estado se

mantém em pé, mas também pelos aparelhos ideológicos. Dessa forma,

escreve Althusser

“Qualquer aparelho de Estado, seja ele repressivo ou ideológico funciona simultaneamente pela violência e pela ideologia. [...] É que em si mesmo o Aparelho repressivo de Estado funciona de uma maneira massivamente prevalente pela repressão (inclusive física), embora funcione secundariamente pela ideologia. (Não há aparelho puramente repressivo). Exemplos: o Exército e a Polícia funcionam também pela ideologia, simultaneamente para assegurar a sua própria coesão e reprodução e pelos valores que projetam no exterior.” (ALTHUSSER, 1974, p. 46-7)

O Estado usa o medo como forma coibir a sociedade, e cria uma

realidade que faz com que a sociedade, alienada de sua razão, não perceba a

opressão à qual está submetida. V, no filme, se opõe a essa realidade inglesa

e convoca o povo para que, em 05 de Novembro, eles possam fazer o que o

Fawkes não fez em 1605, isto é, explodir o Parlamento. O parlamento é o

símbolo do poder, lugar de onde saem as decisões. V, ao pretender derrubar o

Parlamento, está de acordo com Marx & Engels que entendem, no Manifesto

do Partido Comunista que

"O Governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia" (MARX & ENGELS, 1998, p. 12)

Dessa forma nem na Inglaterra de V e nem no atual Estado a sociedade

é beneficiada, pois o que há são formas de manter os poderes na mãos das

mesmas pessoas. Ora, se “o poder emana do povo”, como diz a CF/88,

devemos perguntar: “emana! Mas vai pra onde?”

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No entanto coisa interessante no discurso do V é colocar a questão do

símbolo na problemática. Em um diálogo muito curioso com Evey, há as

seguintes falas:

(Evey): - Explodir um prédio levará a isso? (V): - O prédio é um símbolo, assim como o ato de destruí-lo. O poder dos símbolos emana do povo. Sozinho, um símbolo não tem valor, mas com gente suficiente explodir um prédio pode mudar o mundo.3

Evidente que a explosão do prédio é física, mas a força da explosão está

no campo do significado. Explodir o Parlamento, destruir o Estado opressor,

significa mostrar a fragilidade do sistema quando o povo se une. A proposta

simbólica da explosão do Parlamento é a mesma proposta da ditadura do

proletariado em Marx: o povo oprimido toma consciência de sua situação e se

revolta para reverter a situação.

A sociedade e os indivíduos

Se o Estado, no filme, é um instrumento repressivo e que, sob muitos

pretextos, está tirando a liberdade do povo, então é preciso entender que tipo

de sociedade é essa que V se depara e qual o papel dos indivíduos nessa

questão.

Só a título de informação, sem pretender aprofundar – por questão de

espaço e propósito – existem duas teorias para a formação da sociedade: a

teoria orgânica e a teoria mecânica. Segundo Paulo Bonavides,

“Os primeiros, por se abraçarem ao valor Sociedade, são organicistas; os segundos, por não reconhecerem na Sociedade mais que mera soma de partes, que não gera nenhuma realidade suscetível de subsistir fora ou acima dos indivíduos, são mecanicistas.” (BONAVIDES, 2001, p. 65)

Isso já é suficiente para afirmar que o personagem V, no filme, entende

a sociedade conforma a teoria mecânica. De forma alguma existiu primeiro a

sociedade e depois os indivíduos, e que há valores de sociedade superiores ao

valor individual, como se tudo o que é valor de sociedade não fosse construído

                                                            3 Tempo da Cena: 00:32:27,123 à 00:32:42,931 

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ideologicamente e com determinados fins. Marx também, assim como V,

entende que a sociedade, e seus valores, podem ser, como aparece na

Londres do filme, prisões para se colocar indivíduos e uma parcela continuar o

seu processo de dominação e expansão do lucro e poder. A sociedade, esse

complexo de relações dos seres humanos entre si, é o conjunto de indivíduos

alienados da realidade. Indivíduos que obedecem regras e que se conformam

com aquilo que está diante dos olhos.

V deixa claro que compreende que os indivíduos que constroem a

sociedade estão sob o domínio do Estado e vivem em completa manipulação.

Ele diz

As pessoas não deviam temer seu governo. O governo é que devia temer seu povo.4

As pessoas temem o governo porque não sabem que podem ser

temidas. Os indivíduos obedecem a ideias que não são suas ideias. Isso Marx

e Engels já explicaram quando, na Ideologia Alemã, publicaram que

“As ideias da classe dominante são as ideias dominantes em cada época, quer dizer, a classe que exerce o poder objetal dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante.” (MARX & ENGELS, 2007, p. 71)

Conforme já citado aqui – vide nota 2 – V já argumentará que as

pessoas não tinham mais liberdade de se opor, pensar e falar o que queriam,

pois o Estado detinha o poder sobre a consciência do indivíduo. Ora, como se

dá isso? Acontece que o Estado – esse comitê para gerir os interesses da

burguesia – detêm os meios de comunicação. Não é por acaso que o filme V

de Vingança explora essa questão. Telões em toda a cidade para transmitir a

vontade do chanceler Adam Sutler e o uso da televisão, aliás, uma única rede

de tevê que é controlada pelo Estado5, para espalhar as mentiras do Estado.

Numa cena do filme, quando Sutler se vê ameaçado, ele ordena

                                                            4 Tempo da Cena: 00:32:22,485 à 00:32:26,953 5 Sobre o uso da  televisão para manipular vale  lembrar do caso do debate entre o Collor e o Lula e, também, vale a pena assistir ao documentário “A revolução não será televisionada”, que conta como a 

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Sr. Dascomb, o que precisamos neste momento é de uma mensagem clara para o povo deste país. Essa mensagem deve ser divulgada em todos os jornais... rádios e TVs. Essa mensagem deve ressoar em toda a InterLink! O país deve ver que estamos à beira da destruição.6

O estado usa os meios de comunicação para sustentar seus valores. A

mídia, por meio de suas propagandas, controlam as ações dos indivíduos

dizendo o que eles devem comprar, o que deve comer, o que deve vestir e o

que deve pensar. Nunca das cenas dos filme alemão “Educadores”7 nos

deparamos com as seguintes palavras

A droga da ética burguesa: “decência, honestidade, valores familiares. Seja pontual no serviço, pague impostos, não furte em lojas.” Vivem martelando isso! Primeiro na escola. Depois na TV. [...] Mande essa moral à merda. Destruir a sua vida é imoral.8

E, mais adiante, há o seguinte diálogo  

Quantas pessoas lá embaixo estão pensando em revolução? Neste momento, não muitas. Agora são 22:45, estão vendo TV.9

A televisão, em V de Vingança, tem esse poder, e talvez justamente por

isso o V tenha usado ela pra convocar os indivíduos para que em 05 de

Novembro explodissem o Parlamento. É esse, em resumo, o pensamento de V

sobre a sociedade e o indivíduo: os indivíduos constroem a sociedade, mas

sob o poder do Estado, o indivíduo aliena essa sua condição de construtor e

aceita apenas a posição de mantenedor da ordem. O Estado, por meio de

seus aparelhos – de repressão e ideológicos – é quem constrói os costumes e

institucionalizam valores. Sobre a institucionalização dos valores os sociólogos

Peter Berger e Thomas Luckmann dizem que

Toda atividade humana está sujeita ao hábito. Qualquer ação frequentemente repetida torna-se moldada em um padrão, que pode sem seguida ser reproduzido com economia de esforço e que, ipso

                                                                                                                                                                              rede de  televisão RCTV manipulou  imagens para destruir o governo democrático do Hugo Cháves na Venezuela.  6 Tempo da Cena:  01:30:06,583 à 01:30:25,733 7 Edukators: Die Fetten Jahre Sind Vorbei.  Filmado em 2004 e dirigido por Hans Weingartner. Sinopse: Jan e Peter são "Os Edukadores": de forma criativa e sem violência protestam contra as injustiças sociais invadindo mansões para deixar um aviso, aos milionários, de que "seus dias de fartura estão contados" 8 Tempo da Cena:  00:22:46,551 à 00:23:07,160 9 Tempo da Cena:  00:35:28,479 à 00:35:39,188 

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facto, é apreendido pelo executante como tal padrão. [...] A institucionalização ocorre sempre que há uma tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores. Dito de maneira diferente, qualquer uma dessas tipificações é uma instituição. [...] As instituições implicam a historicidade e o controle. Têm sempre uma história, da qual são produtos. Dizer que um segmento da atividade humana foi institucionalizado já é dizer que este segmento da atividade humana foi submetido ao controle social. (BERGER & LUCKMANN, 1996, p. 81)

V, no filme, luta contra essa institucionalização social, onde os indivíduos

legitimaram uma sociedade oprimida e sem criatividade. Ele convoca os

indivíduos a questionarem as coisas, a se revoltarem contra o sistema, a terem

autonomia, a criarem uma sociedade livre.

Conclusão – Elogio à desobediência civil: a explosão do

parlamento.

Amanhã, começará outro mundo que pessoas diferentes construirão, e essa escolha pertence a elas.10

Explodir o parlamento é a forma de abrir os olhos dos indivíduos e dar a

oportunidade de recomeçar as coisas. É simbólico. Explodir o parlamento é

explodir as estruturas e infraestruturas sociais que prendem e impedem que a

sociedade seja de fato livre. É preciso que os indivíduos se rebelem!

O filósofo esloveno Slavoj Žižek, quando no auge do movimento em

Nova Iorque chamado de Occupy Wall Street, escreveu um artigo muito

instigante intitulado de “A tinta vermelha”. Ápice do texto acontece quando ele

escreve

“Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De

                                                            10 Tempo da Cena:  01:50:50,358 à 01:50:57,658 

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quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.”11

Não é de uma explosão do Parlamento, de um prédio, que V se

preocupa no filme. Pra ele a explosão é começo de novos dias. Não é o dia em

que o Parlamento explode que é importante, mas os dias seguintes. Não é

derrubar um sistema que importa, mas o que será posto no vazio que ficou. A

teoria do V, bem como a teoria marxiana do fenecimento do Estado, não é

destruir o Estado, acabar com as formas de organizações sociais, mas

modificar o estado das coisas.

É evidente que esse discurso esbarra sempre no discurso – que é um

mero discurso ideológico para impedir revoluções – de que “tudo isso é utopia”.

Podem perguntar o que de fato aconteceu após a explosão do parlamento em

V de Vingança, o que aconteceu após a Queda do Muro de Berlim, o que

aconteceu após a vitória do camarada Stálin, na Rússia etc., mas em toda

revolta social algo de bom nasce – o que dá pra entender porque é que o

Durkheim fala que o crime é uma necessidade. No já referido filme – Edukators

– há um diálogo que justifica a necessidade da luta mesmo a despeito das

derrotas. Ipsis Litteris:

Em todas as revoluções uma coisa ficou clara: mesmo algumas não dando certo o mais importante é que as melhores ideais sobreviveram.12

As ideias sobrevivem porque, como V fala no filme as ideias são à prova

de bala. A convocação de V para a explosão do parlamento/explosão da ordem

deve ser ouvida ainda hoje. Sem medo de que haja erro ou sem a preguiça que

o “isso é utopia” cria em nós. Devemos atentar para o que já citado Slavoj

Žižek diz em seu livro “Em defesa das causas perdidas”

Portanto, nossa defesa das Causas perdidas não está envolvida com nenhum tipo de jogo desconstrutivo, no estilo de “em primeiro lugar, toda Causa tem de ser perdida para exercer sua ei ciência enquanto Causa”. Ao contrário, o objetivo é deixar para trás, com toda a violência necessária, o que Lacan chamou zombeteiramente de

                                                            11 Žižek, Slavoj. A Tinta Vermelha. Disponível em http://migre.me/aV8hY Acesso em 29/09/2012 12 Tempo da Cena: 00:34:48,459 à 00:35:01,788 

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“narcisismo da Causa perdida”, e aceitar com coragem a concretização total de uma Causa, inclusive o risco inevitável de um desastre catastrófico. Badiou estava certo quando propôs a máxima “mieux vaut un désastre qu’un désêtre” a respeito da desintegração dos regimes comunistas. Melhor um desastre por fidelidade ao Evento do que um não-ser por indiferença ao Evento. Parafraseando a memorável frase de Beckett, à qual voltarei várias vezes adiante, depois de errar pode-se continuar e errar melhor, enquanto a indiferença nos afunda cada vez mais no lamaçal do Ser imbecil. ( ŽIŽEK, 2011, p 25-6)

O filme V de Vingança tem, no final, uma mensagem de esperança. Isso

porque nenhuma revolução vale a pena se não tiver a confiança de que coisas

melhores são possíveis. No final do filme, Evey diz por que o prédio precisa ser

explodido:

Este país precisa mais do que um prédio. Precisa de esperança.13

Não seria essa a mesma palavra que István Mészáros escreve em Para

além do Capital: rumo à teoria da transição”?

Vivemos hoje em um mundo firmemente mantido sob as rédeas do capital, numa era de promessas não cumpridas e esperanças amargamente frustradas, que até o momento só se sustentam por uma teimosa esperança. (MÉSZÁROS, 2002, p. 37)

“Peço que estejam ao meu lado, daqui a um ano... na entrada do

Parlamento... e juntos daremos a eles um 5 de novembro... que nunca, jamais

será esquecido. [...] Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” (V & Marx)

Bibliografia

1. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e os aparelhos

ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial Presença, 1974.

120p.

2. BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção

social da realidade. São Paulo: Vozes, 1996, 247p.

                                                            13 Tempo da Cena:  02:00:52,760 

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3. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. rev. e atual..

10. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2001, 498p.

4. MARX, Karl; A ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2007, 643p.

5. MÉSZÁROS, István. Para além do Capital: rumo à teoria

da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, 1002 p.

6. THOREAU, Henry. A desobediência civil e outros

escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 1894, 167p.

7. ŽIŽEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. São

Paulo, 2011, 477p.