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Seminário Internacional Desfazendo Gênero 14 a 16 de agosto de 2013, Natal (RN) Grupo de Trabalho: 38 - Corpo(s), Gênero(s) e Multiplicidade(s): Modos de Subjetivação, Processos Políticos e Outras/Novas Moralidades. Coordenadoras/es do GT : Rodrigo Borba (UFRJ) / Fátima Lima (UFRJ) / Fabiano Gontijo (UFPI) Título do Trabalho: Explorando Momentos de Gêneros Inconformes – Esboços Autoetnográficos Title: Exploring Moments of Nonconforming Genders – Autoethnographic Sketches Autora: viviane v. (nome de registro civil: Douglas Takeshi Simakawa). Mestranda em Cultura e Sociedade e integrante do grupo Cultura e Sexualidade (CuS), UFBA. Resumo Este artigo procura apresentar alguns esboços autoetnográficos sobre uma experiência profissional minha enquanto atendente de restaurante. Pretendo pensar em como minha identificação enquanto pessoa transgênera influenciou minha inserção neste ambiente econômico – considerando-se sua intersecionalidade com outros posicionamentos subjetivos, como classe social e raça-etnia. Palavras-chave: Autoetnografia, Intersecionalidade, Transfeminismo, Anticolonialismo. Abstract This paper intends to present some autoethnographical sketches about a professional experience I had as a restaurant waiter. The purpose is to analyze how my identification as a transgender person has influenced my insertion in this economic environment – considering its intersectionality with other subjective positionings, such as class and racial status. Keywords: Autoethnography, Intersectionality, Transfeminism, Anticolonialism.

V Viviane - Explorando Momentos de Generos Inconformes

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Seminário Internacional Desfazendo Gênero

14 a 16 de agosto de 2013, Natal (RN)

Grupo de Trabalho: 38 - Corpo(s), Gênero(s) e Multiplicidade(s): Modos de

Subjetivação, Processos Políticos e Outras/Novas Moralidades.

Coordenadoras/es do GT: Rodrigo Borba (UFRJ) / Fátima Lima (UFRJ) / Fabiano

Gontijo (UFPI)

Título do Trabalho: Explorando Momentos de Gêneros Inconformes – Esboços

Autoetnográficos

Title: Exploring Moments of Nonconforming Genders – Autoethnographic Sketches

Autora: viviane v. (nome de registro civil: Douglas Takeshi Simakawa). Mestranda

em Cultura e Sociedade e integrante do grupo Cultura e Sexualidade (CuS), UFBA.

Resumo

Este artigo procura apresentar alguns esboços autoetnográficos sobre uma experiência profissional minha enquanto atendente de restaurante. Pretendo pensar em como minha identificação enquanto pessoa transgênera influenciou minha inserção neste ambiente econômico – considerando-se sua intersecionalidade com outros posicionamentos subjetivos, como classe social e raça-etnia.

Palavras-chave: Autoetnografia, Intersecionalidade, Transfeminismo, Anticolonialismo.

Abstract

This paper intends to present some autoethnographical sketches about a professional experience I had as a restaurant waiter. The purpose is to analyze how my identification as a transgender person has influenced my insertion in this economic environment – considering its intersectionality with other subjective positionings, such as class and racial status.

Keywords: Autoethnography, Intersectionality, Transfeminism, Anticolonialism.

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01. Introdução

A realidade dos mercados de trabalho para pessoas transgêneras, e em particular

mulheres trans*, é extremamente complicada na maior parte do mundo. O estigma e

discriminação relacionados a identidades e expressões de gênero inconformes são

significativos, e configuram vulnerabilidades que são exacerbadas pelo acesso

inadequado que pessoas transgêneras têm a oportunidades econômicas (UNAIDS,

2012:76). Shannon Price Minter (2006:142, tradução minha), ao analisar debates

sobre a inclusão de pessoas transgêneras na 'comunidade gay' e nas lutas por

'direitos gays' (gay rights, no inglês) no contexto estadunidense, nos provê um breve

quadro da situação social geral de pessoas transgêneras:

Pessoas de gêneros inconformes [...] têm estado consistentemente entre as mais visíveis e vulneráveis integrantes de comunidades gays – entre as que mais provavelmente serão espancadas, estupradas e mortas; […] entre as que mais provavelmente terminarão em hospitais psiquiátricos e prisões; entre as pessoas que mais provavelmente terão negados moradia, emprego, e cuidados médicos.

Um aspecto particularmente crítico a ser considerado nessa alarmante situação

social são as situações de inúmeras mulheres transgêneras no mercado sexual,

“muitas das quais tiveram de recorrer ao trabalho com sexo comercial devido à

necessidade econômica” (WILKINSON, 2006:193, tradução minha), o que as

expõem a vulnerabilidades como a exposição a doenças sexualmente transmissíveis

e ao abuso de clientes. Para além da questão econômica, relatos de pessoas

transgêneras também apresentam, infelizmente, outras facetas das realidades

cis+sexistas1 e transfóbicas contemporâneas, como a recorrência ao mercado

sexual enquanto busca por validação de suas identidades de gênero e por elevação

de autoestimas e enquanto atividade econômica associada de formas complicadas à

utilização de substâncias químicas – “algumas pessoas se envolvem com o trabalho

sexual para sustentar sua dependência de drogas, e outras relatam usar drogas

para suportar o trabalho sexual” (ibid.).

Para as pessoas transgêneras que não estão no mercado sexual – uma

porcentagem estimada em 56% (UNAIDS, 2012:76) –, a realidade social é de

1 O termo 'cis+sexismo' é uma tentativa de caracterizar a complexa interseção entre a normatividade sexista de gênero (produtora cultural das diferenças homem-mulher) e a normatividade cissexista de gênero (produtora cultural das diferenças cis-trans). A cisgeneridade, de forma bastante breve, pode ser caracterizada como as posições normativas/coerentes no segmento 'sexo-gênero': são as identidades de gênero binárias, definidas a partir de ilusões pré-discursivas (como a que pressupõe a existência de dois 'sexos biológicos' objetivamente identificáveis), e tidas como permanentes. É costume, em nosso contexto histórico, referir-se a pessoas cisgêneras como homens/mulheres 'biológicxs', 'de verdade', 'naturais', 'cromossômicxs', etc.

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desemprego e de desamparo legal em caso de discriminação: analisando o contexto

trabalhista estadunidense, Kylar Broadus (2006:99, tradução minha) nota que “como

uma pessoa transgênera, eu não era digna de proteção ou reconhecimento legal” ao

avaliar sua própria situação – bem como a de outras pessoas transgêneras –

enquanto vítima(s) de discriminações cis+sexistas. Neste sentido, para além das

vulnerabilidades a violências brutais2 e das realidades precárias do mercado sexual,

pessoas de gêneros inconformes ainda se deparam com mercados de trabalho

formais que frequentemente violam seus direitos. De forma geral, a “discriminação

no trabalho é uma questão urgente para pessoas transgêneras” (BROADUS,

2006:93) tanto em termos do acesso quanto em termos da manutenção de uma

ocupação econômica digna, mesmo em contextos como o estadunidense, em que

existem proteções legais relacionadas a discriminações baseadas em 'sexo' e

orientação sexual: Paisley Currah (2008) analisa como a evolução destas proteções,

devido a interpretações de juristas ou a estratégias políticas do ativismo gay, não

serviu para que pessoas de identidades de gênero inconformes pudessem se

proteger legalmente contra instâncias discriminatórias em ambientes profissionais.

Este é o pano de fundo histórico (bastante geral, e centrado no vetor identidade de

gênero) apesar do qual procuro construir minha identidade de gênero não cisgênera,

ou, noutras palavras, transgênera.

Moro em Salvador desde o primeiro trimestre de 2012, quando decidi me preparar

para um retorno à área acadêmica estando mais próxima ao grupo de pesquisa do

qual faço parte atualmente (o CuS). Tal decisão se explicava tanto pela mudança

significativa de interesse intelectual, agora muito mais voltado a questões de

identidades de gênero desde perspectivas anticoloniais e queer, quanto pela

vivência enquanto mulher transgênera que, imaginava, seria mais potente estando

longe de minha cidade natal no sudeste paulista do que estando muito próxima de

interações sociais normatizantes com famílias e pessoas até então amigas.

Após alguns meses utilizando economias prévias – frutos de uma posição

profissional anterior que consideraria impensável para minha atual vivência trans*3 –,

foi surgindo a necessidade de buscar alguma fonte de renda que garantisse meus

2 O relatório do projeto 'Transrespect versus Transphobia' (Transrespeito contra Transfobia), “Reported Deaths of 816 Murdered Trans Persons from January 2008 until December 2011” (Mortes Registradas de 816 Pessoas Trans Assassinadas entre Janeiro de 2008 e Dezembro de 2011) traz informações mais detalhadas sobre algumas destas violências (TvT, 2012).

3 Posição profissional que também se articula a vários outros privilégios sociais que marcaram minha subjetividade, como a branquitude, o acesso a recursos educacionais, meu gênero legitimado, entre outros.

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gastos e maior independência de minha família – independência que, em minha

percepção, poderia ser ameaçada caso aceitasse sua ajuda financeira (apesar dela

ter sempre sido oferecida sem quaisquer contrapartidas). A busca por trabalho,

entretanto, agora era complicada pelo 'fator trans*': embora tivesse recursos vários

que me posicionavam bem no mercado de trabalho – como um diploma socialmente

tido como 'bom' e experiências profissionais –, inseguranças significativas passaram

a fazer parte deste processo. Entre elas, dúvidas em relação ao(s) nome(s) a

ser(em) utilizado(s) nos currículos, a angústia de saber que minha presença trans*

irá chocar ambientes normativos, e as reflexões sobre que estratégias políticas

utilizar para tratar de minha identidade de gênero inconforme caso necessário – e

provavelmente será necessário.

Atualmente, atribuo a estas difíceis inseguranças ter realizado uma busca por

trabalho que avalio como medíocre. Compreendendo-as como resultado discursivo

de uma incipiente inserção e autoidentificação como mulher – e, particularmente,

uma mulher trans* – em um entorno social profundamente cis+sexista e transfóbico,

pude perceber como os processos normativos trouxeram desestímulos

consideráveis para que eu procurasse oportunidades profissionais em minha área de

formação e experiência (ciências econômicas, auditoria interna, planejamento

econômico, hoje áreas que parecem um pouco distantes de minha realidade trans*).

Dessa forma, concentrei minha procura de emprego em setores que imaginei (a

partir de certos estereótipos sociais, entre outros fatores) serem mais abertos a

identidades e expressões de gênero inconformes, em particular o da hospitalidade

(hoteis e restaurantes, por exemplo), e onde supus que minhas qualificações

poderiam suplantar eventuais impulsos discriminatórios.

Foi assim que, ao tomar conhecimento da abertura de vagas em um restaurante que

estava por ser inaugurado, decidi me inscrever para a função de atendente de

restaurante. A primeira etapa da seleção aconteceu em um hotel no bairro em que

se localiza o restaurante, de caráter fundamentalmente turístico e de entretenimento.

Decidi que iria, pela primeira vez em ocasiões do tipo, me apresentar em meu

gênero feminino: o nervosismo é intenso, mas tudo corre bem enquanto as pessoas

candidatas nos acomodamos nas carteiras para o preenchimento das fichas de

inscrição. Minha identidade de gênero inconforme passa a se destacar quando

algumas pessoas são chamadas para uma breve entrevista com futuros gerentes, e

eu estou entre elas: o trato dispensado pelo entrevistador é respeitoso (e, até onde

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me recordo, incluiu meu chamamento como viviane), ainda que seu desconforto com

a presença 'inusitada' de uma pessoa transgênera fosse visível. Ele me informa que

entrarão em contato comigo para as próximas etapas do processo seletivo.

Posteriormente, em caderno de anotações, descrevo a situação como “melhor que o

esperado, com estranhamentos discretos e respeito”, percebendo também como

“certos privilégios me auxiliaram nisso”, particularmente minhas qualificações

profissionais e minha passabilidade como pessoa cisgênera4.

Alguns dias depois, sou chamada para uma prova e uma entrevista com a

proprietária do restaurante. Desta vez, decido ir vestida de maneira socialmente

percebida como masculina: camisa, calças e sapato sociais. À chegada para a

realização da prova, a pessoa que a administra, gerente do restaurante, me faz

várias perguntas sobre minha identidade de gênero, incluindo-se curiosidades sobre

minha 'transição'5. Apesar do tom respeitoso, não posso evitar a percepção da

inutilidade (dados os propósitos profissionais de minha presença) e invasividade das

perguntas, que respondo de maneira forçosamente cordial. Após terminar a prova,

sou chamada pela proprietária para uma breve conversa.

Nesta entrevista, a proprietária faz questão não somente de afirmar que 'gostou de

mim' e que eu 'tinha o perfil do restaurante', mas particularmente de aprovar as

vestimentas (tidas como 'masculinas') que utilizava no dia. Interpretando seu 'gostar

de mim' como o conforto com alguns de meus (aparentes) alinhamentos normativos

– como a respeitabilidade, a branquitude, a adequação a certos critérios corporais

estéticos e funcionais, as qualificações 'acima' dos requisitos da função, entre outros

–, sua aprovação de meu crossdressing 'como homem' não passava de mais um

exercício de normatização que se explicitaria na frase “Prefiro que você trabalhe

como [meu nome civil masculino]”. Ciente de que sua 'preferência' era um

eufemismo que camuflava relações de poder desiguais, assenti dizendo que,

naquela etapa de minha 'transição', tanto um nome quanto outro ainda serviam,

ressalvando que esta era uma situação que poderia se alterar. Ela prometeu

4 Tomo a 'passabilidade cis' como a invisibilidade contingencial que alguns gêneros inconformes (trans*, mas não somente) possam experimentar. A passabilidade enquanto pessoa cisgênera configura um privilégio, em uma sociedade cissexista e transfóbica. Nas palavras de Hailey Kaas (2013): “O termo 'passar' significa que algumas pessoas trans* 'passam como cis' dentro da lógica social ciscêntrica. Ou seja, que no geral, em situações cotidianas, essas pessoas não são percebidas como sendo trans*, de acordo com um conjunto de critérios cissexistas (aparência, por ex.)”.

5 'Transição' é um termo comumente utilizado para designar alterações corporais e sociais relacionadas ao(s) gênero(s) percebido(s) de diversas pessoas transgêneras. Pode ser problematizado por se associar a ideias de 'antes e depois' e de gênero como algo binário ('homem que virou mulher'), nem sempre aproximações tidas como válidas por pessoas transgêneras.

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mantermos um 'diálogo aberto e sincero' a respeito do assunto.

Devido a questões acadêmicas, somente iniciei no restaurante alguns meses depois

de sua inauguração, passando por um novo processo seletivo. Novamente, me foi

reforçado que eu trabalharia como 'homem', ao mesmo tempo em que havia um

esforço de construção de um discurso, por parte da proprietária, de que esta

exigência era feita para “me proteger” (curiosamente, sem me consultar sobre quais

formas de proteção eu considero pertinentes) e que eu me sentiria bem naquele

ambiente de trabalho 'respeitoso às diversidades', por estar 'cheio de gays e

lésbicas', quase me levando a agradecer pelo supostamente generoso gesto de me

empregar6. Os esforços autoetnográficos que proponho neste artigo são, em certo

sentido, uma forma de desconstrução destas proposições, e uma tentativa de pensar

nas maneiras que minha identificação enquanto pessoa transgênera influenciaram

minha inserção no restaurante, tomando em consideração, também, outros

posicionamentos subjetivos, como classe social, raça-etnia socialmente percebida, e

acesso a recursos educacionais e culturais.

Estruturo o artigo da seguinte maneira: a seguir, discuto brevemente como uma

perspectiva autoetnográfica trans* pode ser relevante no contexto acadêmico

contemporâneo, para posteriormente apresentar um esquema simplificado do

espaço social do restaurante. A partir daí, seguem-se algumas reflexões preliminares

sobre alguns episódios ocorridos durante minha experiência profissional, bem como

algumas conclusões esboçadas a partir deles. As análises propostas aqui são

fundamentadas, especialmente, em perspectivas anticoloniais e dos estudos

transgêneros (transgender studies).

02. A autoetnografia como perspectiva crítica

Buscas autoetnográficas têm inspirado muitas de minhas reflexões acadêmicas

recentes. Minha construção subjetiva enquanto pessoa transgênera tem sido um

importante aspecto daquilo que vem acontecendo em minha vida nos últimos

tempos: seja em minhas atividades acadêmicas – cujo enfoque passou das ciências

econômicas às identidades de gênero –, seja em relação a minhas vivências

pessoais, minha recente socialização como mulher trans* tem tido impactos

significativos sobre como meu corpo, minha sexualidade e afetividade são

6 Inspiro-me em algumas palavras de Malcolm X para desconstruir esta suposta generosidade: “Como você pode agradecer a uma pessoa por lhe dar o que já é seu? Como, então, você pode lhe agradecer por lhe dar somente parte do que é seu?” (X, 1964)

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percebidas por mim e por outras pessoas, sobre minhas possibilidades econômicas

e profissionais, entre vários outros aspectos. Sendo assim, acredito que a realização

de um esforço autoetnográfico, que consiste em “aproveitar e fazer valer as

'experiências' afetivas e cognitivas de quem quer elaborar conhecimento”

(SCRIBANO & SENA, 2009, tradução minha), pode servir adequadamente às

minhas inquietações intelectuais e políticas tão entrelaçadas com minha vivência

transgênera.

Tomando-se em especial consideração o contexto histórico contemporâneo, que

imagino poder ser caracterizado como de colonização das vivências, percepções e

identificações de gêneros que sejam inconformes, em variadas formas, à

normatividade cisgênera7 – colonização que se instaura de forma intersecional8 a

outros vetores normativos, como raça-etnia, classe social, padrões corporais, etc. –,

considero o processo de construção autoetnográfica como um projeto político que se

opõe criticamente a alguns aspectos de inspiração colonial que Sandy Stone

(1991:163, tradução minha) percebe na relação de pessoas trans* com o

establishment médico, onde “o fascínio inicial com o exótico, [que se estende] a

pesquisadorxs profissionais” coexiste com uma situação em que pessoas trans*9

“não têm voz nessa teorização [de gênero]” e são vistas como possuidoras de “algo

aquém de agência”, pessoas “infantilizadas, consideradas ilógicas ou irresponsáveis

demais para alcançar uma verdadeira subjetividade, ou clinicamente apagadas por

critérios diagnósticos”. Esta percepção de oposição política e, acima de tudo, da

relevância de uma perspectiva autoetnográfica trans*, é reforçada por uma análise

mais centrada na teorização social sobre pessoas trans* realizada por Katherine

Cross (2010, tradução minha):

Tudo isto se faz manifestar no fascínio que algumas pessoas teóricas têm conosco, fetichizando as exóticas pessoas trans que elas veem em suas mentes como inerentemente radicais ou conservadoras, negando que as autocompreensões individuais das pessoas trans são importantes […], e crendo que as ideias articuladas na medicina, psiquiatria ou na academia patriarcalmente controladas podem de alguma forma nos salvar. Permeando tudo isso […] está a ideia de

7 Esta caracterização é trabalhada no artigo “Pela descolonização das identidades trans*” (V., 2012).8 A intersecionalidade é uma importante perspectiva defendida, particularmente, por pensadoras negras

feministas. “A tendência a se tratarem raça e gênero como categorias mutuamente exclusivas de experiência e análise” (CRENSHAW, 1989:139) é objeto central desta perspectiva, mostrando as limitações de tratamentos unidimensionais e propondo uma crítica profunda às lutas antirracistas e antissexistas que se utilizam deste tratamento. Este raciocínio também pode ser ampliado para diversos outros vetores normativos.

9 Ampliando o que Stone conceitua, em seu contexto, como 'transexuais' ('transexuals', no original). Para os efeitos desta reflexão, acredito que não haja problemas nesta ampliação.

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que nós não podemos falar ou agir por conta própria, de que nós nunca poderemos ser produtorxs adequadxs de conhecimento sobre nossas próprias vidas.

A ausência de pessoas trans* no meio acadêmico, particularmente nas instâncias de

influência e decisão mais diretamente relacionadas à nossa inserção enquanto

'tópico de interesse', exige uma “redefinição da teoria”, uma vez que:

Aquilo que se constitui como teoria válida é ainda frequentemente limitado às páginas em branco e preto de periódicos […] completamente dominados por pessoas cis que ou mal ouviram falar de nós ou teorizam contra nós de maneiras incompetentes (ibid.).

Uma autoetnografia trans* crítica é uma proposta, portanto, que procura “reconhecer

que a presença dos pontos de vista de quem pesquisa pode favorecer a captação de

experiências não acessíveis desde outra perspectiva” (SCRIBANO & SENA, 2009),

considerando particularmente importante que haja, à diferença da maior parte da

produção acadêmica relacionada a identidades de gênero, uma teorização que parta

de um ponto de vista trans* comumente tido como perspectiva válida somente

enquanto 'campo'10 a ser filtrado pela pessoa pesquisadora não trans (ou cis). A

autoetnografia, assim, é uma “estratégia experiencial” que se configura em “uma

possibilidade de incorporar minha voz e realizar uma leitura atenta de vozes

múltiplas” (ibid.), com a intenção de analisar como a presença de uma existência

abertamente trans* afetou o espaço e as pessoas do restaurante em que trabalhei.

Sendo assim, espero poder, através do esforço autoetnográfico que se esboça neste

artigo, “enriquecer e adicionar credibilidade à pesquisa […] de uma população

marginalizada e bastante específica” (SMITH, 2005:6, tradução minha).

A seção a seguir procura esboçar o espaço do restaurante em que trabalhei,

delineando os elementos que, esquematicamente, considerei relevantes para a

análise autoetnográfica.

03. O espaço do restaurante e sua ocupação social: uma esquematização

Procuro, nesta seção, delinear um esquema básico para o restaurante que nos

permita refletir sobre algumas questões surgidas durante minha experiência

profissional nele. Este esquema tem como objetivo dar destaque a diferentes formas

10 Em um projeto sobre pessoas trans* de que participei, um antropólogo, diante de um questionamento crítico que fiz, inferiu que tal questionamento foi possibilitado por eu ser, em sua opinião, 'o campo', uma percepção limitada que analiso como resultado discursivo da exclusão ou inserção subalternizada (enquanto 'campo') na academia, ignorando minha perspectiva sobre estas questões (também) enquanto pessoa acadêmica.

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de relacionamento social que ocorrem no espaço do restaurante, em uma

perspectiva que está alinhada à concepção de como “espaços são organizados para

sustentar relações sociais desiguais e como essas relações conformam os espaços”

(RAZACK, 2002:01, tradução minha). Neste sentido, espero que o esquema

simplificado seja útil para as reflexões propostas no artigo, e que também promovam

um olhar intersecional que as complexifique para além do vetor normativo ligado a

identidades de gênero – também destacando, assim, questões relacionadas a como

este espaço é diversamente ocupado em termos de classe social, raça-etnia e

sexualidades, e de que maneira estas presenças dialogam com identidades de

gênero inconformes.

Para os propósitos deste artigo, sugere-se a seguinte estruturação analítica do

restaurante:

Áreas de suporte, compreendendo estoques, áreas de atividades

administrativas e de uso de funcionárixs (vestiários, área de alimentação);

Cozinha, que pode ser subdividida em dois subespaços: o da preparação de

ingredientes e o da preparação de pratos;

Salão, subdividido entre áreas do bar, das mesas e da recepção de clientes.

A partir desta configuração espacial, derivam-se as divisões funcionais do

restaurante que permitirão analisar a ocupação social deste espaço:

Atividades administrativas: proprietária, gerentes, pessoas funcionárias

administrativas;

Atividades de limpeza das áreas internas (áreas de suporte e cozinha) e de

pratos, talheres e outros utensílios de cozinha;

Atividades de cozinha: preparação de ingredientes e preparação de pratos;

Atividades do salão: limpeza do salão, atividades do bar, atendimento de

mesa, e recepção inicial de clientes.

A partir de tais elementos, faço alguns apontamentos sobre sua ocupação social:

a maior presença de pessoas racializadas conforme se passava do salão

para o interior do restaurante. Duas exceções são o pessoal de limpeza de

salão (predominantemente composto por pessoas não brancas) e

administrativo (predominantemente composto por pessoas brancas).

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a existência de uma certa divisão de gêneros entre as atividades de cozinha:

nas atividades de preparação dos ingredientes que servirão de base para

preparações posteriores, há uma presença maior de mulheres (cis), enquanto

na preparação dos pratos predominam homens (cis). Em ambas áreas da

cozinha, a presença de pessoas racializadas é predominante.

as proporções aproximadamente iguais de homens e mulheres (cis) na

limpeza das áreas internas, excetuando-se a parte de limpeza de utensílios

de cozinha, composta somente de homens (cis). A predominância também é

de pessoas racializadas.

alguns alinhamentos normativos mais presentes entre as pessoas do salão

(excetuando-se, no geral, as pessoas envolvidas em sua limpeza), como por

exemplo em relação aos padrões dominantes de beleza e faixa etária, ou em

relação a padrões de consumo dominantes. Também é um grupo mais

branco, como sugerido anteriormente, e sem predominâncias acentuadas de

gênero, à exceção da recepção, exclusivamente composta por mulheres (cis).

finalmente, compreendo minha inserção neste espaço social enquanto

atendente de restaurante como não destoante, no geral, em parte devido à

branquitude socialmente perceptível em mim e a privilégios relacionados a

classe social, portanto estabilizando, em certo sentido, o perfil da ocupação

social do restaurante de um ponto de vista étnico-racial e de classe, apesar

de minha inconformidade de gênero.

A partir das reflexões sobre autoetnografia e da esquematização simplificada do

espaço social do restaurante, apresento na seção seguinte alguns esboços

autoetnográficos que, acredito, permitem uma análise de minha inserção enquanto

pessoa transgênera na função de atendente de restaurante.

04. Apontamentos autoetnográficos

Estranhamentos iniciais

Como indicado anteriormente, há um verniz de respeito às diversidades, com

constante ênfase – inclusive por parte de colegas – ao fato de que havia muitas

pessoas não heterossexuais trabalhando no restaurante. Em várias ocasiões, esta

apreciação era acompanhada pela ressalva de que as pessoas não heterossexuais

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estariam principalmente entre as pessoas do salão do restaurante, onde

supostamente estariam, ainda, minhas maiores possibilidades de aceitação social.

Refletindo a respeito disso, faço duas ressalvas a estas percepções:

a suposta existência de mais pessoas não heterossexuais no salão pode

estar associada a estereótipos de homossexualidade que tendem a visibilizar

homens (cis) 'mais femininos' e mulheres (cis) 'mais masculinas', que por

motivos vários estavam em maior evidência no salão. Pareceu-me que não

heterossexualidades das áreas de suporte e cozinha, possivelmente devido a

alinhamentos normativos impostos socialmente, tinham perfil mais 'discreto'.

a maior presença de pessoas não heterossexuais no salão não

necessariamente significou, para mim, maior respeito e integração social

enquanto mulher transgênera: alguns episódios constrangedores de cunho

transfóbico ocorreram, inclusive, a partir de ações de pessoas não hetero. Por

outro lado, é preciso dizer que entre as pessoas que mais me apoiaram nos

'problemas de gênero' desta experiência profissional estiveram pessoas não

heterossexuais e pessoas menos alinhadas à normatividade cisgênera (em

termos de suas expressões de gênero, ao menos).

Um pouco depois de iniciar meu treinamento, soube que, antes de minha entrada, a

administração decidira fazer uma reunião com as pessoas trabalhadoras do

restaurante para 'expor a situação', isto é, para dizer que, em breve, haveria uma

pessoa transgênera na equipe. Não estando presente a esta reunião, escutei em

alguns relatos que a reunião teve o propósito de enfatizar o respeito a mim enquanto

pessoa, assim como de reiterar que meu tratamento naquele espaço seria

unicamente enquanto homem. Relataram, ainda, que nesta reunião as pessoas

foram informadas de que esta preferência de tratamento teria sido escolhida por mim

– o que é uma versão bastante questionável diante das conversas que tivemos,

onde a 'preferência' da administração fora explicitamente colocada.

Em outra ocasião, preocupei-me com o teor que tal reunião possa ter tido. Em certo

momento, depois de aproximadamente 3 meses de trabalho, o restaurante foi

obrigado a contratar pessoas portadoras de deficiência11, e uma outra reunião para

'expor a situação' foi convocada. Nela, efetivamente se falou da necessidade de se

11 Ver o artigo 93 da lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, sobre as exigências legais para contratação de pessoas portadoras de deficiência. (CÂMERA DOS DEPUTADOS, 2013:106).

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respeitarem as pessoas que estariam por chegar, porém a partir de um tom

condescendente, como se o respeito estivesse condicionado à percepção destas

pessoas como 'coitadas'. Adicionalmente, enfatizou-se a importância de se prestar

atenção ao comedimento nas 'piadas', pois seriam pessoas 'muito inocentes' que

talvez se 'magoassem' por não entenderem que, afinal, 'piadas são piadas'. O

detalhe é que, nesta mesma reunião, a proprietária denominou, como 'piada', uma

das pessoas funcionárias (não deficiente) como alguém que seria 'menos

desenvolvida intelectualmente', levando a uma certa descontração problemática.

Talvez as ofensas capacitistas não tenham atingido a todas as pessoas, e eu me

perguntava se 'piadas' similares não teriam acontecido sobre a 'travesti' ou

'transexual' que estava, poucos meses antes, para entrar no restaurante.

De todas maneiras, desde o início me propus a ir para o trabalho me apresentando

como mulher. Foi um processo complicado pelo fato de eu não estar acostumada a

fazer desta apresentação de gênero algo cotidiano: até então, apresentar-me

socialmente como mulher era ocasional. No entanto, considerei a adoção cotidiana

daquela performatividade de gênero feminina como um ato político de

desestabilização, e como uma forma de resistência à obrigatoriedade de, no

trabalho, ter de me apresentar como homem.

Este ato político não se estabeleceu sem resistências conservadoras. Apesar de, em

meu primeiro dia de trabalho, uma pessoa da gerência ter me orientado a utilizar o

vestiário feminino, e de isso ter sido aparentemente tranquilo, no terceiro dia uma

outra pessoa da gerência, sob ordens da proprietária, me solicita que eu utilize o

vestiário masculino, e que eu não utilize os pequenos brincos (femininos) que estava

usando. Anoto em caderno que “me sinto afrontada com a forma pela qual se deu o

'repasse da ordem' – sem me pedir opinião”, e que fico “ansiosa sobre as [...]

mudanças corporais” que estavam acontecendo. Aquilo não parecia em nada

próximo, afinal, ao 'diálogo aberto e sincero' que se me havia prometido.

No entanto, aproximadamente 20 dias depois desta 'ordem', a proprietária me

chama para uma conversa em que “diz que as meninas do restaurante a procuraram

e pediram a ela que eu utilizasse o vestiário feminino […]. [Eu] [f]ico emocionada, e

escrevo um agradecimento a elas” (anotações de caderno). Este talvez tenha sido

um dos momentos mais emblemáticos nesta minha experiência profissional: ter

recebido o apoio de mulheres (cis) que legitimavam meu uso do vestiário adequado

e, de alguma forma, minha identidade de gênero, configurou um profundo exemplo

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de sororidade fundamentado na minha consideração enquanto mulher. Como havia

mencionado no agradecimento que escrevi, este importante posicionamento político

estava alinhado aos Princípios de Yogyakarta12, o que é particularmente importante

em um cenário histórico de constante desrespeito a existências não cisgêneras. Em

minha leitura, ainda, este apoio também esteve significativamente associado a meus

posicionamentos subjetivos em outros vetores normativos, tais como minha

passabilidade como mulher cisgênera e meu comportamento tido como 'respeitável'.

De todas maneiras, deste dia em diante até o dia em que pedi demissão, somente

utilizei o vestiário feminino, à exceção de alguns momentos de pressa em que recorri

ao velho vestiário masculino que tinha cabine disponível. Abafa.

Relações com clientes

A relação com clientes durante esta minha experiência no restaurante foi, no mais

das vezes, sem grandes distúrbios, sendo fundamental notar, ainda, o fato de que

em uma das capitais mais negras do Brasil, a predominância destas pessoas era

branca. De qualquer maneira, minhas estética e expressões socialmente

generificadas traziam constantes confusões entre clientes, especialmente entre

aquelas pessoas que não eram diretamente atendidas por mim. Entretanto, no geral,

minha identificação (imposta pelas condições de trabalho) enquanto homem era

rapidamente restabelecida e relegitimada através da leitura social de elementos

como minha voz, por exemplo, enquanto provas cabais supostamente biológicas de

meu pertencimento ao sexo-gênero masculino.

Nesse sentido, era-me doloroso ter de aceitar e confirmar a deslegitimação de meu

gênero feminino diante de clientes que, possivelmente, interpretavam minhas

expressões de gênero como função de uma não heterossexualidade masculina ou

algo do tipo. 'Você aqui é só homem', diziam-me, e clientes não pareciam se

surpreender muito diante desta constante reafirmação, apesar dos meses de

hormonização: não me senti ainda pior com isso porque, ao sair do restaurante

depois do trabalho, era socialmente percebida como mulher, no mais das vezes –

novamente, uma vivência trans* permeada pelo privilégio de passabilidade cis.

Procuro esquematizar os numerosos estranhamentos de clientes a partir de três

12 Os Princípios de Yogyakarta são “uma série de princípios jurídicos internacionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos às violações baseadas em orientação sexual e identidade de gênero”, “em resposta a quadros documentados de abusos”, o que inclui “assassinatos extrajudiciais, a tortura e maus tratos, as agressões sexuais e estupros, as ingerências na privacidade, as detenções arbitrárias, a negação de emprego ou de oportunidades educativas.” (ICJ, 2007, tradução minha)

Page 14: V Viviane - Explorando Momentos de Generos Inconformes

eixos: o estético, o de gênero e o étnico-racial. Evidentemente, estes eixos são

intersecionais, com diferentes composições de acordo com o contexto. Faço breves

observações sobre eles a seguir:

o eixo estético: com frequência, clientes (especialmente mulheres cis) me

perguntavam sobre minhas sobrancelhas feitas de forma 'feminina', ou me

faziam elogios do tipo “você é muito bonito”. Percebo que meu alinhamento a

determinados padrões estéticos dominantes é elemento importante na

aceitação de uma pessoa supostamente 'homem' que utiliza de 'ferramentas

de gênero' para construir feminilidades, como maquiagem – a minha era leve,

porém marcadamente feminina, com lápis de olho, rímel, blush e batom.

o eixo de gênero: os estranhamentos de gênero mais comuns vinham de

clientes com quem não interagia diretamente: acontecia de ser chamada

como 'moça' por várias destas pessoas. Nas interações diretas – como nas

mesas que eu atendia –, e até mesmo pelas condições a mim impostas,

minha identidade enquanto 'homem' era pouco questionada, ou talvez

indiretamente questionada através das perguntas e afirmações relacionadas à

estética (o eixo anterior) ou a minhas origens étnico-raciais (o próximo eixo).

O eixo étnico-racial: minhas origens étnico-raciais foram objeto de frequentes

perguntas de clientes. De maneira compreensível em se considerando o

contexto da cidade de Salvador, Bahia, este estranhamento era bastante

associado à leitura de minha pessoa como proveniente de outra região (mais

ao sul) do Brasil. Infelizmente, meu serviço, quando considerado bom, se

constituía em elemento de reforço a certos preconceitos de ordem racista ou

regionalista – 'ah, então é por isso que você é tão educadinho', 'por isso que

você é tão atencioso' e quetais. Interpreto, ainda, que há uma racialização de

gênero que tende a reduzir o estranhamento de gênero de um corpo 'tido

como de homem' que demonstra sinais de feminilidade: me parece algo

associado à feminilização estereotipada de homens leste-asiáticos.

Relações com colegas

É importante dizer que, desde o início de minha experiência profissional, houve

várias pessoas que buscaram apoiar minha autoidentificação enquanto mulher, e

também compreender um pouco mais sobre transgeneridades – ainda que nem

sempre tenha sido possível a elas evitar olhares de curiosidade exotificante.

Page 15: V Viviane - Explorando Momentos de Generos Inconformes

Notei, particularmente, que este apoio se expressou de forma mais significativa entre

as mulheres (cis) com quem trabalhei, e não necessariamente entre aquelas que

tivessem maior acesso ou proximidade a recursos relativos a questões trans*: o

respeito e carinho por viviane que eu senti parecia proveniente mais da

consideração e empatia humanas que de um esforço teórico de desconstrução de

gênero, o que evidentemente não está isento de limitações, mas também traz

possibilidades de entendimentos das demandas políticas trans* que não

necessariamente passem pelo escrutínio teórico-analítico minucioso que procure

pelo entendimento científico objetivo do 'universo trans' – ou seja, possibilidades que

de certa maneira lançam um questionamento sobre a utilidade mesma deste

escrutínio, muitas vezes marcado por exotificações e generalizações questionáveis.

Destaco, também, o apoio de algumas pessoas não heterossexuais cujos respeito e

apoio foram bastante importantes neste período. Estas pessoas me fazem pensar

que alianças efetivas entre pessoas LGBTQIs ainda configuram um horizonte

possível de lutas, que nossas dissidências em relação às normatividades sejam

vistas como elemento de percepção empática das múltiplas resistências sexuais e

de gêneros, bem como de outras resistências que as intersecionam. Finalmente, é

necessário dizer que eu fiquei positivamente surpresa com minha receptividade por

parte das pessoas trabalhadoras do restaurante: embora analise esta receptividade

como articulada às minhas posições normativas, não posso deixar de reconhecer

que, no geral, os estranhamentos iniciais foram se transformando em

relacionamentos afetuosos e solidários, e cada pequeno gesto que me empoderou

naquele espaço é guardado por mim com muita afeição.

Babas

'Bater um baba' é uma expressão comum na Bahia para uma partida de futebol

informal. Em um dado momento no final de janeiro, pessoas – principalmente do

turno da noite, e em particular duas mulheres (cis) – começaram a organizar o 'baba'

em algumas madrugadas, após o fechamento do restaurante. No geral, os jogos

começavam às 3 da manhã e se estendiam até o nascer do sol, pelas 6.

Fiquei verdadeiramente entusiasmada em poder jogar esses babas: além de gostar

bastante de futebol, seria uma das primeiras possibilidades de jogar após minha

decisão de buscar me apresentar cotidianamente como mulher transgênera –

decisão que, dado o cis+sexismo dominante, me afastava de babas pelo receio de

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violências transfóbicas e sexistas. E assim, com um certo medo de que jogar o baba

poderia colaborar para minha invalidação como mulher – afinal, no Brasil, jogar

futebol é algo tido como 'masculino' –, aguardei ansiosa para jogar.

Recordo-me estar bastante insegura antes do primeiro baba. Diante do espelho, era

doloroso pensar que minha identificação enquanto mulher poderia estar em (ainda

maior) risco de deslegitimação ao vestir minha camisa do Barcelona, short e tênis de

futebol – ainda que houvesse alguma alegria com o fato de, devido ao acesso que

tive a certos procedimentos e substâncias, me sentir confortável com um certo nível

de 'passabilidade cis' que me legitimava, se não como uma mulher inquestionável,

ao menos como uma mulher trans*. Pensando em elevar um pouco essa sensação

de conforto, uso maquiagem leve e meu 'top de ginástica' de maior bojo, coloco um

som, inspiro(-me) e saio de casa.

Percorro a distância entre minha casa e a quadra, localizada na orla de Salvador a

aproximadamente 10 minutos de corrida leve. É um caminho conhecido por mim,

devido ao meu costume de correr ali; o vazio das 3 da manhã, contudo, associado

às percepções de perigo que permeiam a área, me amedronta. Corro de forma

contida e bastante concentrada, e vou passando por alguns pontos de forte

significado para mim, como a bica onde, certa vez, vislumbrei uma pessoa

aparentemente trans* se banhando de espelho amarelo na mão, e a santa cristã que

acolheu tantos de meus choros ateus. Chego à quadra e fico um tanto constrangida

com os efeitos de minha chegada, que desperta alguns elogios e surpresas que

interpreto como possíveis reações ao que Benjamin Singer caracteriza como o

“sublime transgênero”13 que o corpo de uma mulher trans* em um jogo de futebol

pode incitar: uma presença corporificada e generificada que, por suas incoerências

normativas, excedia as leituras e narrativas dominantes sobre corpos e gêneros.

Neste sentido, reflito sobre que efeitos desestabilizantes a minha performatividade

de gênero (enquanto mulher trans*), junto à minha performance enquanto jogadora

de futebol, poderia ter sobre narrativas e estereótipos dominantes relacionados a

vivências trans*. De forma simplificada, acredito que os babas são espaços

interessantes para que eu, enquanto uma mulher trans* branca, leste-asiática,

passável como cis, com acesso a recursos educacionais e culturais valorizados –

13 O 'sublime' se caracteriza na distinção com o 'belo': enquanto “se diz que a forma da beleza consiste em limitação […], o sublime desafia o próprio ato de julgamento em si ao sugerir a possibilidade da infinitude” (SINGER, 2006:614). Desde uma perspectiva trans*, podemos pensar que o sublime se constitui através da “visível variedade de corpos e gêneros trans [que] excede […] a capacidade cognitiva de sua compreensão. Este excesso é justamente a condição que possibilita o surgimento do sublime.” (ibid.: 616)

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isto é, uma pessoa normativa em vários aspectos – possa provocar rupturas

antinormativas em relação a construções de gênero cis+sexistas que supõem

gêneros pré-discursivos, binários, permanentes, bem como a supremacia das

posições 'cis' e 'homem+macho' nestas estruturas14.

E, neste sentido, penso que os babas têm sido oportunidades micropolíticas para

fazer com que o 'sublime transgênero' desfaça certos mapas binários de gênero,

centrados naquilo que se chama de 'civilização ocidental' – em uma interpretação

bastante parcial da história15 –, incapazes e desinteressados em nos situarem em

lugares que não sejam os da abjeção, da patologia, e do imoral.

05. Conclusão

04 de agosto de 2013, aproximadamente 15 horas. Jardim dos Namorados, bairro

da Pituba, Salvador, Bahia. 'Observações do campo'. Chego à quadra onde meninos

(alguns deles, amigos) combinaram de jogar baleô (ou queimada, noutras

localidades). Uso camisa de futebol, short curto de corrida, tênis de futsal. O sol

arde, e as bichas se queimando em baleados. Em duas outras quadras, rolam

babas; a que está adjacente ao baleô parece ser mais competitiva. Cumprimento os

meninos que se sentam à pequena arquibancada assistindo ao baleô, e também os

que já conheço e jogam; mais tarde, soube que perguntaram de mim “quem é a

amapô16”. Sento-me e assisto ao jogo, até que chega um amigo da universidade.

Conversamos, entre outras coisas, sobre frustrações e possibilidades de resistência

acadêmicas, e sobre um texto de Deleuze (1997:9) que fala de Go e Xadrez que,

segundo pensamos, poderia ser pensado desde uma perspectiva trans*:

As peças do xadrez são codificadas, têm uma natureza interior ou propriedades intrínsecas […]. Elas são qualificadas, o cavaleiro é sempre um cavaleiro, o infante um infante, o fuzileiro um fuzileiro. [...] Os peões do go, ao contrário, são grãos, pastilhas [...], cuja única função é anônima, coletiva ou de terceira pessoa [...]. Os peões do go são os elementos de um agencia-mento maquínico não subjetivado, sem propriedades intrínsecas, porém apenas de situação. Por isso as relações são muito diferentes nos dois casos.

14 Coloco a ruptura como possibilidade, por estar consciente de potenciais reapropriações sistêmicas de minha presença, como por exemplo no sentido de minha habilidade no futebol ser uma invalidação de meu gênero (trans*)feminino, reforçando assim o sexismo à brasileira do 'futebol é coisa de macho'.

15 Pensando, por exemplo, na construção da “assim chamada ciência ocidental”, Amartya Sen argumenta que “[h]á uma cadeia de relações intelectuais que vincula a matemática e a ciência ocidentais a uma variedade de praticantes evidentemente não ocidentais” (SEN, 2006:56).

16 Amapô é um termo comumente utilizado em círculos sociais 'não cis e não hetero dominados' para se referir a uma mulher cisgênera, sendo também um adjetivo de uso frequente entre mulheres trans* para se dizer que ela 'passa por mulher cis', ou, em uma interpretação alinhada a discursos cissexistas, que ela 'está bonita'. “Você está uma 'mapô hoje, mulher” é um exemplo deste uso entre mulheres trans*.

Page 18: V Viviane - Explorando Momentos de Generos Inconformes

Isso nos fez pensar em como diversas vivências trans* sobrevivem a partir de

posicionamentos situacionais que, muitas vezes, são percebidos por elas como

estratégias de resistência. Pensei em como, por exemplo, meu(s) gênero(s)

passava(m), especialmente durante a 'transição', de uma função enquanto peça de

Xadrez (o masculino socialmente referendado, institucionalizado, supostamente

permanente) para uma enquanto peça de Go (a feminilidade autoidentificada, porém

produzida contingencialmente, que é deslegitimada por certas instituições e espaços

sociais, e diante destes frequentemente impelida à resignação – por necessidade

econômica, por exemplo), e na volatilidade que este(s) gênero(s) tinha(m) durante

minha experiência no restaurante.

Ríamos sobre estas e outras divagações acerca do texto enquanto as bichas do

baleô 'fechavam' e os machos do futsal performatizavam suas masculinidades

(aparentemente) cisgêneras – e nós, minha feminilidade trans* aparentemente

amapônica e sua masculinidade cis gay. Quando o sol baixou um pouco, sentamo-

nos na arquibancada, mas nos voltando para assistir ao baba. Eu quis ficar mais

próxima para, quem sabe, ver alguma possibilidade de entrar no jogo, e seguimos

conversando. Até o final do baleô, com a noite iniciando o escuro e as estrelas, não

me senti segura o suficiente para pedir para entrar 'na outra' (no próximo time de

fora da quadra que irá jogar). Era hora de voltar para casa.

Caminhei com dois amigos ao ponto de ônibus, e não cheguei a esperar para seguir

em direção ao Rio Vermelho, onde moro. Decido parar para uma cerveja e, talvez,

um aperitivo. Consigo uma mesa com uma garçonete que me atendera (muito bem)

anteriormente, peço uma cerveja e uma porção de pasteis. Penso, preocupada, nos

prazos para finalizar este artigo, e particularmente em como seria sua conclusão.

Uma ideia me vem à mente, e procuro papel e caneta: tenho comigo uma sacola de

farmácia com algumas das substâncias que utilizo em minha 'transição', comprada

há algumas horas, e encontro na bula do gel de estradiol um pedaço de papel em

branco por entre as informações direcionadas exclusivamente a mulheres cis.

Escrevo:

“Análise da normatividade cis somente pode ser feita via intersecionalidade.

Autoetnografia como possibilidade epistemológica interessante para grupos

marginalizados.”

Acredito que estes dois pontos possam ser uma pertinente conclusão preliminar

Page 19: V Viviane - Explorando Momentos de Generos Inconformes

para estes esboços autoetnográficos. Em uma mesa próxima, um homem (cis) me

olha: como estou vestindo camisa de futebol e sem nenhuma maquiagem, fico

preocupada se ele catou17 que sou trans*. Trocamos olhares, ele sorri algumas

vezes, e em dado momento vai ao banheiro, passando por mim. Ele é atraente, e

quando volta, pede para se sentar comigo, ao que assinto apesar de estar muito

insegura. Ele se senta em uma cadeira a meu lado, um pouco atrás de mim.

Conversamos sobre nossas atividades, ele me pergunta sobre a sacola de remédios

que deixo em cima da mesa (sobre a qual desconverso, com medo), e me elogia o

sorriso, dizendo que sou uma mulher linda. Minha insegurança se acentua conforme

ele fica mais próximo a meu rosto, e ao mesmo tempo eu o desejo. Em meio a

conversas, sorrisos e aproximações, nos beijamos, e eu ignoro o fato de estarmos

em local público, as roupas que vestia, os cabelos bagunçados, e o amigo dele na

mesa próxima. Por pouco tempo, no entanto: preocupada com alguma situação que

me 'denunciasse' enquanto pessoa trans*, digo a ele que iria para casa, e

combinamos de nos encontrar dali a uma hora.

Chego ansiosa em casa, falo com uma amiga trans* sobre o acontecido – ela me

recomenda não contar que sou trans* –, tomo um banho gelado, me arrumo com um

som positivo, e então converso com um amigo (cis e gay) – ele me recomenda

contar. Após relutar, decido contar: ligo para seu celular, Queria falar uma coisa para

você, Que foi, Eu sou uma mulher trans*, O quê [a ligação é ruim], Trans*, Trans,

Isso mesmo, [pausa] Estou confuso, vamos conversar, Você está bem, Sim, só estou

confuso, Você está bravo, Não, confuso, Tá bem, então você vem, Sim.

Eu o esperei, e ele não veio. Trocamos mensagens, então:

[eu (22:43 – 04-ago)]: “Preferi ser sincera com vc desde sempre. Gostei de nossa

conversa hj. Fique bem, te envio boas energias..bjos!”

[ele (22:53 – 04-ago)]: “eu tb, não fazia a menor ideia, não tem como perceber, e to

aqui confuso querendo entender, você fez a cirurgia também foi?, desculpe

perguntar...”

[eu (22:54 – 04-ago)]: “Não fiz não..”

[não há resposta dele]

[eu (10:45 – 05-ago)]: “Bom, eu preferi ser sincera com vc logo de cara. Não

costumo sair c homens, sou lésbica, mas gostei d vc. Nossos olhares não mentiram.

Bjs e boa sorte […].”

17 'Catar' é expressão corrente entre pessoas trans* para dizer 'perceber'.

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[ele (hora não identificada - 05-ago)]: “se soubesse não ia acontecer nem que a

disgrama, isso não tem nada a ver comigo, equívocos acontecem. Cada um na sua.”

[eu (21:30 – 05-ago)]: “Td certo. Cada pessoa na sua. Até.”

* * *

Esta experiência profissional por que passei foi bastante importante para mim,

particularmente por haver sido a primeira ocupação econômica em que me

apresentei abertamente como uma pessoa transgênera e por, consequentemente (e

devido às características da função), ter sido uma oportunidade de fazer reflexões

de caráter pessoal, político e acadêmico (sem enxergar separações e fronteiras

entre estas dimensões) sobre minha inserção trans* no mundo.

A partir das relações sociais estabelecidas com as pessoas colegas de restaurante,

com sua administração corporativa e com clientes, pude observar, desde um ponto

de vista trans* bastante privilegiado, como a respeitabilidade de minha identidade de

gênero esteve intersecionalmente atrelada ao meu alinhamento (ou não) a outros

vetores normativos, bem como às interações sociais entre meus posicionamentos

em relação aos de outras pessoas18. Esta observação me leva à primeira conclusão

preliminar a partir destes esboços: a análise crítica da normatividade cisgênera

somente pode ser feita via intersecionalidade.

Por outro lado, acredito que os esforços autoetnográficos que venho realizando me

permitiram atentar criticamente para a percepção de que muitas das preocupações

teóricas e políticas trabalhadas no meio acadêmico – no qual pessoas trans* têm

historicamente participado como objetos de estudo ou 'campo' – não levam em

consideração as demandas políticas trans* mais prementes. Esta leitura fortalece a

ideia de que a autoetnografia pode ser um instrumento que colabore

construtivamente para a existência de “novas perspectivas” sobre gênero, algo que é

particularmente importante “para pessoas que se sentem em desvantagem na

ordem social” (ECKERT & McCONNELL-GINET, 2003:9, tradução minha).

Não gostaria de propor aqui que os grupos marginalizados se utilizem

necessariamente do instrumental autoetnográfico para produzir questionamentos

intelectuais críticos, mas somente de apontar que esta pode ser uma trincheira de

resistência acadêmica possível aos esforços de caráter exploratório, exotificante, e

18 Frases como 'você não é igual às trans que já conheci ou ouvi falar', frequentemente ouvidas de colegas de restaurante, representam bem a interpretação social destas associações entre posicionamentos normativos.

Page 21: V Viviane - Explorando Momentos de Generos Inconformes

reformista que permeiam a produção acadêmica relacionada, mais especificamente,

às questões trans*. Neste sentido, portanto, acreditando que a epistemologia

autoetnográfica potencialmente pode se configurar em trincheira que se expanda a

ponto de colocar as prioridades políticas trans* em maior evidência, e também a

ponto de possibilitar que pessoas trans* produzam teoria não somente de formas

não autoetnográficas, mas em qualquer campo teórico, seja ele 'diretamente' ligado

a questões trans* ou não. Destacando, finalmente, que qualquer teoria crítica deve

ser fundamentalmente comprometida com esforços intersecionais. É neste sentido

que penso, como a segunda conclusão preliminar deste artigo, na autoetnografia

como possibilidade epistemológica interessante para grupos marginalizados.

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