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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO VALORES E USOS DO TEMPO DOS PROFESSORES: A (CON)FORMAÇÃO DE UM GRUPO PROFISSIONAL AMANDA MOREIRA DA SILVA RIO DE JANEIRO 2014

Valores e usos do tempo dos professores

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Page 1: Valores e usos do tempo dos professores

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VALORES E USOS DO TEMPO DOS PROFESSORES: A (CON)FORMAÇÃO DE UM GRUPO PROFISSIONAL

AMANDA MOREIRA DA SILVA

RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VALORES E USOS DO TEMPO DOS PROFESSORES: A (CON)FORMAÇÃO DE UM GRUPO PROFISSIONAL

AMANDA MOREIRA DA SILVA Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação.

ORIENTADORA: LIBÂNIA NACIF XAVIER

RIO DE JANEIRO

2014

Page 3: Valores e usos do tempo dos professores
Page 4: Valores e usos do tempo dos professores

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço e dedico este trabalho à minha família que, desde sempre, mostrou-se

uma inesgotável fonte de apoio e incentivo. Agradeço em especial a minha mãe, a meu

pai e meu irmão por ajudar a guiar os meus caminhos.

Ao Victor, que neste período esteve junto a mim, com paixão, amor e humor,

renovando minhas forças, alegrando meus dias e pacificando minhas angústias.

A todos os meus amigos e amigas, presentes em todos os momentos importantes

de minha trajetória profissional e acadêmica.

Aos meus camaradas de lutas estudantis e sindicais.

Aos alunos, professores e técnicos administrativos do Programa de pós-

graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ).

Aos amigos do Grupo de Pesquisa – Programa de Estudos e Documentação

Educação e Sociedade(PROEDES/UFRJ). Muito obrigada a cada um de vocês pelos

debates e pelos momentos de orientação coletiva.

À minha querida orientadora Libania Nacif Xavier pelo respeito às minhas

ideias, pelo companheirismo, dedicação e amizade.

Aos professores Roberto Leher e Amália Dias pelas sábias orientações no exame

de qualificação desta dissertação.

Agradecemos com todo carinho, aos professores e professoras da Rede Pública

Estadual do Rio de Janeiro. Pessoas generosas que disponibilizaram o seu tempo,

falando sem reservas sobre suas vidas, desejos e frustrações, contribuindo para a

realização desta pesquisa.

Ao povo brasileiro por financiar meus estudos nos mais de 10 anos de formação

dentro da Universidade Pública.

À vida.

Page 5: Valores e usos do tempo dos professores

5

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,

a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

(Carlos Drummond de Andrade - Cortar o tempo)

Page 6: Valores e usos do tempo dos professores

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RESUMO SILVA, Amanda Moreira. Valores e usos do tempo dos professores: a (con)formação de um grupo profissional. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.

O presente trabalho se insere na área de estudos sobre a história da profissão

docente. O cerne desta pesquisa é o conceito de tempo, a partir do qual subsidiaremos

grande parte de nossas análises, tendo-o como instrumento para pensar os valores e usos

do tempo dos professores: a expropriação do tempo, a sua relação com o tempo de

trabalho, com o “tempo livre”, com o tempo de deslocamento, entre outros tempos

sociais. Resgatamos a relação entre a legislação e os sujeitos, observando como o poder

público lida com o tempo do professor, tendo como marco principal as reformas

educacionais brasileiras iniciadas na década de 1990 e seus impactos nas políticas

estaduais fluminenses, que interferiram nas condições de trabalho dos professores no

período de 1990 a 2013. Desenvolvemos nossas análises por meio da pesquisa empírica

em que teoria e evidência interagem segundo a lógica metodológica da própria história.

Nossa referência central foi o autor inglês E.P. Thompson. Seus estudos foram de

grande valia para analisarmos a categoria tempo, a legislação, o papel dos sujeitos e

suas apropriações, revelando o “fazer-se” de um grupo profissional docente. Para

compor tal cenário, foi indispensável a observação dos agentes individuais e coletivos

de modo a perceber as suas experiências vividas no tempo e no espaço em sua dimensão

histórica. Analisamos as percepções que os professores expressam a respeito dos

impactos de determinadas políticas educacionais com as quais eles tenham lidado e

observamos que a adesão ao Programa Automomia, da Fundação Roberto

Marinho/FIESP, é uma forma por meio da qual os sujeitos têm se mobilizado no sentido

de preservar sua integridade física e psíquica, buscando fugir dos problemas insurgidos

no trabalho, tais como a fragmentação do tempo, o desgaste ao ter que lidar com

diversas turmas, a dificuldade em trabalhar longe de suas residências e/ou em diversas

instituições de ensino. Muitas vezes essa mobilização não reflete em buscar soluções

mais amplas e, assim, acaba sendo uma resistência individual, onde os sujeitos se

defendem de um ambiente que os agride.

Palavras-chave: Tempo do professor, trabalho docente, políticas educacionais.

Page 7: Valores e usos do tempo dos professores

7

ABSTRACT

The current paper puts in the area of study about the teacher profession history.

The girder of this research is the time concept, on the basis of if we will subsidize great

part of our analysis, having it as instrument to think about values and uses of teacher’s

time: the time expropriation, its relation with time of work, with free time, with the time

of movement to work, among other kinds of social time. We have got the relation

between legislation and subjects, observing how government authorities deal with the

teacher time, having as main mark the Brazilian educational reforms which started in

the 1990s and their impacts on politics of Rio de Janeiro state that interfered in the

employment conditions of teachers from 1990 to 2013. We have developed our analysis

by means of empirical research which theory and evidence interact according to

methodological logic of proper history. Our main reference was the English author E. P.

Thompson. His studies were valuable for us to analyze the category time, legislation,

the role of subjects and their appropriations, revealing what a group of teachers do. To

construct such scenery, it was indispensable the observation of individual and collective

agents in order to perceive their experience in time and space in their historical

dimension. We have analyzed the perceptions that teachers show concerning the

impacts of some educational politics which they have dealt and we observed the fact

they join in with the Programa Autonomia of Fundação Roberto Marinho/FIESP, is a

way that subjects have mobilized in the sense on preserving their physical and psychic

integrity, searching for running away from problems emerged at work, such as

fragmentation of time, fatigue because teachers work with many classes, the difficult

because they work far from their home and/or work at many schools. For many times

this mobilization does not ponder on searching for wider solutions, thus in the end it is

an individual resistance, where subjects protect themselves from an environment that

attacks them.

Keywords: teacher’s time, teacher’s work, educational politics.

Page 8: Valores e usos do tempo dos professores

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEB – Câmara de Educação Básica CECIERJ – Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro CIEP – Centros Integrados de Educação Pública CPF – Cadastro de Pessoas Físicas CNE – Conselho Nacional de Educação DIESP – Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas DOC – Docente EJA – Educação de Jovens e Adultos ENCCEJA – Exame Nacional para Certificação de Jovens e Adultos ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio FIES – Fundo de Financiamento Estudantil FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FRM – Fundação Roberto Marinho GLP – Gratificação por Lotação Prioritária IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDERJ – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado do Rio de Janeiro INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação MTE – Movimento todos Pela Educação NEJA – Nova Educação de Jovens e Adultos OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio PAR – Plano de Ações Articuladas PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PL – Projeto de Lei PREAL – Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina PRELAC – Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe PROUNI – Programa Universidade Para Todos SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica SAERJ – Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação SEPE – Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação STF – Supremo Tribunal Federal UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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LISTA DE TABELAS

TABELA Nº1 – Cálculo da duração da jornada de trabalho dos professores da rede

estadual do Rio de Janeiro de acordo com cada função, segundo a lei 11.738/2008....166

TABELA Nº2 – Número de escolas por Regional.......................................................166

TABELA Nº3 – Número de escolas por modalidade de ensino...................................167

TABELA Nº4 – Número de alunos e escolas por Regional.........................................167

TABELA Nº5 – Número de alunos matriculados nas diversas modalidades de

ensino.............................................................................................................................168

TABELA Nº 6 – Número de docentes na Rede Estadual.............................................168

TABELA Nº 7 – Motivos de afastamentos de docentes da Rede Estadual..................169

TABELA Nº 8 – Escolaridade dos docentes da Rede Estadual....................................169

TABELA Nº 9 – Remuneração dos docentes da Rede Estadual com os salários

aplicados em 2011 e 2012.............................................................................................169

TABELA Nº 10 – Carência de professores da Rede Estadual em novembro de

2011...............................................................................................................................170

TABELA Nº 11 – Identificação dos professores do Programa Autonomia (Regional

IV)..................................................................................................................................170

TABELA Nº 12 – Painel dos professores entrevistados com os respectivos nomes

fictícios..........................................................................................................................172

Page 10: Valores e usos do tempo dos professores

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 1. Tempo pensado 12 2. Tempo vivido 15 3. Tempo do professor 17 4. Trajetória 18 5. Aproximações de ordem teórico-metodológicas 22 6. A estrutura 24

CAPÍTULO 1: O TEMPO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE 27 PARTE 1 1.1.1. O tempo, o passar do tempo, a utilização do tempo 28 1.1.2. O tempo como experiência 29 1.1.3. Tempo, trabalho e vida 32 1.1.4. O controle e a luta sobre o tempo 35 PARTE 2 1.2.1. O tempo como instrumento para pensar a docência 39 1.2.2. A regulação do tempo: segundos, minutos e horas na legislação 40 1.2.3. Tempo para se preparar, aprender e refletir 47 1.2.4. Tempo de ir e vir: o deslocamento 50 1.2.5. Tempo fragmentado: uma matrícula, várias escolas 52 1.2.6. O direito à preguiça: o “tempo livre” dos professores 55 CAPÍTULO 2: A DOCÊNCIA NO TEMPO E NO CONTEXTO DAS LEIS 60 PARTE 1 2.1.1. A legislação como um campo de batalhas 61 PARTE 2 2.2.1. Condições de trabalho docente e as dimensões quantitativas do ensino 66 2.2.2. Marcos das políticas públicas para a educação no estado do Rio de Janeiro 73 2.2.3. Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro: contexto de ação dos professores estudados 76 2.2.4. O contexto institucional da SEEDUC: dados recentes 77 2.2.5. A rede estadual e suas escolas 78 2.2.6. O fechamento de escolas 81 2.2.7. Alunos e professores 82

Page 11: Valores e usos do tempo dos professores

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PARTE 3 2.3.1. Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e o Compromisso Fluminense 84 2.3.2. As metas da SEEDUC 87 2.3.3. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro (IDERJ) 89 2.3.4. Remuneração variável 90 CAPÍTULO 3: O FAZER-SE DOS PROFESSORES DO PROGRAMA AUTONOMIA FRUTO DE UMA EXPERIÊNCIA NA PROFISSÃO DOCENTE 94 3.1. Tempo de pensar a formação e a experiência 95 3.2. Teorias sobre a profissão docente 99 3.3. Professores do Programa Autonomia da Metropolitana IV 105 3.4. Os usos do tempo pelo professor ao longo de sua trajetória profissional 107 3.5. Tecendo diferenças de gênero no uso do tempo 110 3.6. Fazer-se professor(a) do Programa Autonomia: diversos caminhos para um mesmo fenômeno 112 3.7. A classe (professoral) na classe: a relação com os alunos 116 3.8. De uma realidade peculiarmente agressiva surgem diferentes estratégias 120 3.9. A (con) formação dos professores: características de um grupo profissional 122 3.10. Costumes em comum: alienação, adaptação e pertencimento 126 CAPÍTULO 4: TEMPOS E CAMINHOS PERCORRIDOS: UMA DISCUSSÃO METODOLÓGICA 131 4.1. Pontos de ancoragem da análise 131 4.2. O mosaico de estratégias mobilizadas 132 4.3. Itinerário de pesquisa: a escolha do grupo de depoentes 138 4.4. Sujeitos e sujeições: a variação do zoom 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153 APÊNDICES 159

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APRESENTAÇÃO

“O tempo é roído por vermes cotidianos. As vestes poeirentas de nossos dias, cabe a ti, juventude, sacudi-las.” (Maiakovski)

1. Tempo pensado

Este trabalho de pesquisa foi realizado em meio ao “olho do furacão1”. O ano de

2012 e, especialmente, o de 2013 trouxeram novos elementos para a história do nosso

município, do nosso estado e do nosso país. Vivemos um período em que a indignação

tomou conta do povo brasileiro e isso se expressou de forma explosiva. Não é a

primeira vez que isso acontece na história. Aconteceu agora, em nosso tempo. Vimos

milhões de pessoas nas ruas levantando bandeiras múltiplas, novas formas de

organização política e um aparato militar do Estado pronto a reprimir qualquer tipo de

manifestação.

Um período em que a juventude foi às ruas como protagonista de diversos

levantes, inicialmente recusando o aumento das passagens de ônibus, movimento que

foi se ampliando para o famoso “não é só por 0,20 centavos2”, e que caracterizou o

período conhecido como as “jornadas de junho”.

Governantes, políticos de todos os partidos, imprensa, cronistas políticos e até mesmo cientistas sociais foram pegos de surpresa pelas manifestações de massa que mudaram a face e o cotidiano de nossas cidades em junho. Pela rapidez com que se espraiaram, pelas multidões que mobilizaram, pela diversidade de temas e problemas postos pelos manifestantes, elas evocam os grandes e raros momentos da história em que mudanças e rupturas que pareciam inimagináveis até a véspera se impõem à agenda política da sociedade e, em alguns casos, acabem transformando em possibilidade algumas mudanças sociais e políticas que pareciam inalcançáveis (VAINER, C., 2013, p. 35).

1Adotamos a expressão por entender que se trata de uma alegoria ilustrativa do contexto singular em que se deu a escrita desta dissertação. 2 Nas ruas, o direito à mobilidade se entrelaçou fortemente com outras pautas e agendas constitutivas da questão urbana, como o tema dos megaeventos esportivos sediados pelo país (em especial a Copa das Confederações, ocorrida naquele momento) e suas lógicas de gentrificação e limpeza social.

Page 13: Valores e usos do tempo dos professores

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Poucas e incipientes são as tentativas de balanço, por se tratar de elementos tão

novos de um fenômeno tão recente, porém, uma das análises muito interessantes que

ajudam a entender tal fenômeno é aquela encampada por Ruy Braga, que faz uso do

conceito de “precariado3”. O autor caracteriza o “precariado” como uma juventude que

tem dificuldade em se organizar e que fica de fora dos gastos sociais, diferenciado

analiticamente do pauperismo (e do lumpemproletariado4), entende que “os

trabalhadores precarizados são uma parte da classe trabalhadora em permanente trânsito

entre a possibilidade da exclusão socioeconômica e o aprofundamento da exploração

econômica”. (BRAGA, 2012, p.19). Tal conceito ajuda ao analisar o fenômeno que

ficou conhecido como as “jornadas de junho”, pois grande parte do setor que se

levantou teve a característica comum de demonstrar insatisfação perante o mundo da

exclusão em que vivem. Deste modo:

se os grupos pauperizados que dependem do programa Bolsa Família e os setores organizados da classe trabalhadora que em anos recentes conquistaram aumentos salariais acima da inflação ainda não entraram na cena política, o “precariado” – a massa formada por trabalhadores desqualificados e semiqualificados que entram e saem rapidamente do mercado de trabalho, por jovens à procura do primeiro emprego, por trabalhadores recém-saídos da informalidade e por trabalhadores sub-remunerados – está nas ruas manifestando sua insatisfação com o atual modelo de desenvolvimento (BRAGA, R. 2013, p. 82).

Essa análise pode não dar conta de explicar a complexidade do fenômeno que

teve um forte impulso através das redes sociais, e englobou diversos outros setores

sociais com pautas difusas e confusas,

que se expressaram numa multifacetada manifestação de elementos de bom senso contra a ordem ao lado de representações de conteúdos conservadores e mesmo preocupantes do senso comum – como o nacionalismo exacerbado, o antipartidarismo, a retomada da extrema direita (IASI, M., 2013, p.46).

3 Uma parte do subproletariado, mas também uma massa latente de jovens que são atingidos pelo emprego informal e que por ter qualificações escassas enfrentam uma rotatividade no mercado de trabalho. 4 Por lumpemproletariado, Marx compreendia “o lixo de todas as classes” formados por indivíduos arruinados e aventureiros egressos da burguesia, vagabundos, soldados desmobilizados, malfeitores recém-saídos da cadeia, batedores de carteiras, rufiões, mendigos. Para mais detalhes, ver Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte (São Paulo, Boitempo, 2011).

Page 14: Valores e usos do tempo dos professores

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Estes setores entraram, mas saíram. A massa popular continuou nas ruas. Os

protestos que chacoalharam o Brasil foram resultado em boa parte da inquietação social

do “jovem precariado pós-fordista” (BRAGA, 2012, p.187), um proletariado urbano

acantonado no setor de serviços, ou seja, jovens incorporados aos milhões ao mercado

de trabalho nos últimos anos, mas de forma precária. Todos esses novos elementos da

luta de classes exigem uma análise muito cautelosa e criteriosa para entender o que

gerou tal levante e o que ocasionará no futuro. O tempo dirá.

Um fator extremamente importante a ser destacado é que

até o fim de junho nenhuma greve importante acompanhou os protestos de rua – é preciso lembrar que em 2012 houve 58% mais greves do que em 2011. Os movimentos sociais e os grupos da periferia das grandes cidades ficaram em compasso de espera. Na primeira onda de manifestações encerradas em junho, as centrais sindicais, o MST e os partidos de esquerda não lograram polarizar a vida política. Enquanto os protestos desmaiavam nas ruas já cansadas no fim do mês, algo se insinuava no ar. O roteiro previsível do teatro da polícia brasileira se tornou incerto (SECCO, L., 2013, p.78).

Após uma onda mais amena de protestos, vimos o furor da juventude atingir em

cheio os profissionais da educação do Rio de Janeiro, que também tomaram as ruas

cansados da progressiva degradação salarial e de suas condições de trabalho, iniciando

uma greve unificada das redes municipal e estadual no dia oito de agosto de 2013, que

apesar do trato oferecido pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, conseguiu se

manter firme por dois meses, contando com amplo apoio da população e culminando no

15 de outubro de 2013, um dia do professor, que definitivamente entrou para a história

como um dia de vitória por colocar milhares de pessoas nas ruas, desta vez com uma

pauta muito bem demarcada: uma educação pública de qualidade para todos.

Assim composto o quadro, é possível definir o espaço-tempo de nossa

investigação, situando-o no interior dessa moldura, pois foi nessa conjuntura de novas

perspectivas políticas mobilizadas em nível nacional, associado a diversos movimentos

de contestação que se desenvolveu a escrita deste texto e a vivência dos sujeitos

participantes da pesquisa. Integrando essa realidade, a profissão docente, mostrou-se um

terreno privilegiado para a observação das atuais transformações.

Page 15: Valores e usos do tempo dos professores

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2. Tempo vivido

Dois anos de pesquisa. Tempo curto e diluído em meio a tantos desafios

acadêmicos, profissionais e militantes. Diversos fatores vivenciados poderiam ser

considerados desfavoráveis para uma boa escrita, tais como: trabalhar mais de 40 horas

semanais, morar longe do local de trabalho e estudo ou viver numa conjuntura nacional

de manifestações que “desnorteiam” qualquer um que não tem apenas o individual

como foco de vida.

Todo o tempo vivido foi utilizado de forma positiva, servindo como elementos

de reflexão, análise ou mesmo incorporação ao texto. Portanto, esta dissertação não

poderia ter sido escrita em momento mais propício. Foram anos marcantes, anos em que

entrei e me consolidei na profissão docente, anos em que me indignei ainda mais com as

políticas públicas da educação, anos em que muitos se indignaram. Anos em que passei

a atenuar o ritmo de militante para dar conta das tarefas das disciplinas do mestrado, dos

congressos, da pesquisa, das leituras, da escrita, do trabalho como professora da rede

estadual e municipal do Rio de Janeiro; mas que, ao mesmo tempo, em alguns

momentos, não me abstive em secundarizar as tarefas do mestrado para me dedicar a

uma greve, fazer trabalho de base nas escolas, ir às assembleias, ocupar a câmara de

vereadores, estar permanentemente nas ruas junto aos movimentos sociais enfrentando

as forças repressoras do Estado para garantir o direito elementar das pessoas que vivem

num estado democrático, o direito à livre manifestação. Tempos difíceis, mas

prazerosos.

Estas pressões enfrentadas refletem diretamente na construção desta dissertação.

De momentos de angústia, de incertezas, de alegria e de esperança em ver a categoria

dos profissionais da educação protagonizar uma greve histórica é que nasceram os

momentos de grande prazer e de muita emoção, pois cada novo elemento dessa luta era

uma injeção de ânimo para a escrita deste texto.

Manifestei muita alegria em pesquisar o tema, o espaço encontrado para

desenvolver uma pesquisa sobre a profissão docente no atual contexto é, de certa forma,

um privilégio.

Embora os trabalhos sejam autorais, e seja natural que quem escreve coloque sua

forma/concepção, essa imersão também impõe muitas dificuldades, pois cada dia foi

uma superação a fim de separar as diferentes esferas de atuação, como pesquisadora,

professora e militante. Neste sentido, como mestranda e professora, pretendo realmente

Page 16: Valores e usos do tempo dos professores

16

oferecer contribuições que possam vir a ser aprofundadas, fomentando o processo de

discussão da profissão docente.

Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo: Raiva e tenacidade. Ciência e indignação.

A iniciativa rápida, a reflexão longa, A paciência fria e a infinita perseverança,

A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto, Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade.

(Bertold Brecht)

Page 17: Valores e usos do tempo dos professores

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3. Tempo do professor

Dia primeiro de fevereiro de 2012, iniciou-se o ano letivo na Rede Pública

Estadual do Rio de Janeiro. Os professores que perderam sua lotação com o processo de

otimização/fechamento de turmas tiveram que comparecer à Diretoria Regional5 para

escolher novas escolas. Esse processo foi massivo e aconteceu em todas as regiões do

estado, onde centenas ou mesmo milhares de professores viveram esta situação.

Apresentando-se em suas respectivas diretorias metropolitanas, os professores tinham

que escolher seus doze tempos de aula a partir da carência atual das escolas que lhes

eram apresentadas, se discordassem, seriam alocados à revelia.

Ao chegar à Diretoria Regional, encontrei professores que, assim como eu, tinham

acabado de ingressar na rede e também professores mais antigos, muitos com mais de

dez anos de magistério, que passavam pelo mesmo processo de ruptura com seu

cotidiano de trabalho, num clima de decepção, insegurança e incerteza perante aquela

situação imposta.

Frente à falta de uma orientação sobre o quê fazer, somada à impotência e ao medo

de ficar com um horário inviável, os professores acabaram se submetendo àquela

situação, tendo que ir várias vezes à diretoria regional para tentar modificá-la. Este foi o

meu caso, que durante o mês de fevereiro, fui ao setor de quadro de horários na

Diretoria Regional diversas vezes, a fim de escolher um horário minimamente

compatível. Meu horário final se diluiu em três escolas nos bairros de Maria Paula,

Colubandê e Sacramento, localidades bem distantes do município de São Gonçalo, que

totalizam cerca de 25 km de distância de uma para as outras. Esse percurso entre as

escolas somava-se ao fato de eu já ter que percorrer cerca de 90 km de minha residência

até o local de trabalho, entre os bairros de Campo Grande no município do Rio de

Janeiro e o bairro Sacramento no município de São Gonçalo6. Nas escolas em que atuei

durante o ano de 2012, dava aulas de dois ou quatro tempos, tendo que fazer constantes

deslocamentos longos no mesmo dia, acarretando um grande cansaço físico, que

5 As Diretorias Regionais são unidades subordinadas à SEEDUC (Secretaria Estadual de Educação), responsáveis por atender às necessidades pedagógicas e administrativas da educação em áreas geográficas específicas do estado. São 14 Regionais, cada qual com uma Diretoria Pedagógica e outra Administrativa. Das 14 Regionais, sete são atuantes em municípios da Região Metropolitana e sete em municípios do interior fluminense. A atual disposição foi regulamentada pelo Decreto nº 42.837, de 04 de fevereiro de 2011, que transformou a estrutura básica da SEEDUC e deu fim à antiga organização, que possuía 30 Coordenadorias Regionais. Fonte: Secretaria do Estado de Educação. SEEDUC em números: transparência na educação. 2011 6 A distância entre os bairros dos referidos municípios podem ser vistas em https://maps.google.com.br/

Page 18: Valores e usos do tempo dos professores

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interferia diretamente na qualidade do meu trabalho. Situações parecidas e até piores se

colocaram, pois havia professores com a carga horária diluída em quatro e até cinco

escolas e que precisavam fazer esse trajeto de transporte público, geralmente escasso

nos bairros do referido município.

Com isso, nós, professores, tivemos o nosso tempo ainda mais fracionado, e

passamos a ter que lidar com uma referência espaço-tempo que inviabiliza a criação de

vínculos pessoais, institucionais e profissionais indispensáveis à realização de um

trabalho consistente, consciente e pertinente. Com essa rotina desagregada, durante o

ano letivo, fica quase inviável a criação de vínculos com a comunidade escolar, pois não

resta tempo para interagir com os colegas, com os alunos, com os pais, ou mesmo com a

Direção da Escola, tendo em vista a necessidade de ganhar tempo para estar em tantos

lugares diferentes. Chegar às escolas, dar os tempos de aula e imediatamente partir para

a outra escola, a fim de chegar no horário para cumprir os tempos de aula previstos na

jornada de trabalho, passou a ser a tarefa imposta aos professores. Isso reflete num

cotidiano desgastante, levando a relações superficiais com a comunidade escolar, esta

que, possivelmente, o professor irá abandonar no próximo ano letivo, quando buscará

uma nova escola mais próxima ou com mais tempo concentrado.

Considerando esta situação vivida, observamos que a experiência pedagógica dos

professores tem sido ligada à vivência de um tempo corrido, tarefeiro e mal

remunerado. Os dias da semana se tornam verdadeiros martírios, pois as condições de

trabalho os fazem ter uma relação extremamente extenuante com a profissão. E a cada

início de ano letivo que se aproxima, há inseguranças e dúvidas, pois a situação

vivenciada provavelmente irá modificar mais uma vez, com mais um processo de

otimização/fechamento de turmas fazendo com que os professores fiquem sujeitos a

novas alterações, fazendo com que a vida funcional desses profissionais seja

permanentemente permeada de incertezas. É da vida, do tempo perdido, que estamos

tratando.

4. Trajetória

O estudo percebe as consequências das condições de trabalho como contribuição ao

campo de estudos sobre a profissão docente e toma como tema, preferencial de reflexão

e análise, a questão da precarização do trabalho. Para tanto, define como base empírica

as condições de trabalho a que estão sendo submetidos os professores das escolas

Page 19: Valores e usos do tempo dos professores

19

públicas do estado do Rio de Janeiro. A escolha do tema está diretamente ligada à

minha atuação como professora desta rede e ao meu inconformismo para com as

orientações políticas dirigidas aos professores pela Secretaria Estadual de Educação.

Tendo em vista o evidente envolvimento da pesquisadora com as questões de

pesquisa que pretendemos desenvolver, resolvi iniciar a apresentação do problema de

estudo a partir do relato de minha própria experiência profissional já anunciada e que

será detalhada a seguir, com vistas a demonstrar que este relato não é meramente

pessoal, mas reflete as condições a que estão submetidos muitos outros professores.

A minha7 trajetória como professora do ensino público tem início em 2010 quando,

ao terminar a graduação em Educação Física, fui convocada no concurso público para

professor da Educação Básica do Estado do Rio de Janeiro. A minha entrada no

magistério começa um pouco conturbada, pois eu havia feito concurso para a região da

zona oeste que fica próxima da minha residência e acabei sendo convocada, junto a

outros professores, para escolher uma vaga em outros municípios, nos quais havia

carência de vagas. A escolha não era obrigatória, mas deixar de tomar posse naquele

momento significaria perder a chance do primeiro emprego público, pois o concurso

perderia a validade e a convocação não mais aconteceria.

Dentre as opções apresentadas pela Secretaria de Educação, foi difícil escolher um

caminho geograficamente mais curto entre os apresentados, pois todos representariam

uma verdadeira viagem para o trabalho. Porém, recém-formada, encarei o desafio e

aceitei a vaga no município de São Gonçalo, no qual iniciei trabalhando em uma escola

de ensino fundamental e médio, lecionando em doze turmas diferentes e dando um

tempo de 50 minutos em cada uma, com uma disciplina para a qual eu não havia sido

graduada. Esta disciplina era intitulada “Projeto definido”. Eram muitas as piadas que

relacionavam a disciplina a um Projeto indefinido8 devido à inexistência de objetivos

apresentados para aquela mais nova invenção9 da Secretaria Estadual de Educação,

demonstrando que a disciplina não tinha nenhum valor para os alunos, pois não tinha

nenhuma implicação para a sua vida escolar.

7 É válido esclarecer que optamos por escrever este tópico da apresentação com ênfase na primeira pessoa do singular, pois entendemos que a narrativa descrita trata fundamentalmente do contexto em que se insere a autora. O texto será redigido, em algumas partes, na primeira pessoa do plural, criando a cumplicidade entre orientanda e orientadora, produzindo um vínculo entre nossas ideias, que acabaram por convergir na escrita desta dissertação. 8 Título da disciplina utilizado pelos alunos e alguns membros da comunidade escolar. 9 Resolução SEEDUC nº 4359 de 19 de outubro de 2009 que fixa diretrizes para a implantação das matrizes curriculares para a educação básica nas unidades escolares da rede pública e dá outras providências.

Page 20: Valores e usos do tempo dos professores

20

A criação desta disciplina revelou, por um lado, a falta de planejamento da

Secretaria e das escolas, servindo apenas de carga horária complementar para os

professores que já estavam nas escolas ou para a alocação de professores dos concursos

que estavam para perder a validade. Por outro lado, enfrentou um descrédito dos alunos

e dos próprios profissionais da educação: dos primeiros, por não verem um propósito na

disciplina, que tinha matrícula optativa e não resultava em nenhum tipo de avaliação;

dos segundos, por enfrentarem uma resistência dos alunos e não terem uma proposta de

trabalho definida a ser feita naqueles 50 minutos em sala de aula.

No ano de 2011, o Projeto Definido extingue-se e, devido à licença médica de um

dos professores de Educação Física, provisoriamente, conquisto as vagas em seis

turmas, cumprindo minha carga horária de 12 tempos na mesma escola. Apesar da

distância que continuava enfrentando e das condições de trabalho extremamente

precárias, meu horário estava adequado às atividades a que passei a me dedicar e,

finalmente, me sentia uma professora da escola, começando a ter uma relação maior de

pertencimento àquele ambiente de trabalho.

Essa relação durou pouco, pois no início do ano de 2012, durante as férias de

janeiro, eu e mais seis professores da escola fomos comunicados via telefone, pela

direção, que precisaríamos deixar a mesma e buscar lotação em outras escolas, pois

estávamos excedentes no quadro de horários. Fato lamentado pela direção da escola,

que nos informou que havia recebido a informação da Secretaria, às vésperas, e que não

tinham outra opção a não ser cumprir as ordens recebidas.

Isso não foi um processo isolado, ele se deu em todo o estado do Rio de Janeiro, que

além de sofrer a extinção de diversas escolas públicas de ensino noturno, que atendiam

jovens e adultos em prédios compartilhados com o município, ainda contou com a

otimização/fechamento de turmas regulares nas escolas existentes e a abertura de novas

turmas do Programa Autonomia10, que existe desde 2009 e utiliza a metodologia do

10 O Programa Autonomia é o resultado de uma parceria entre o Banco Mundial, a Fundação Roberto Marinho e a SEEDUC. Se propõe a acelerar a formação dos alunos que se encontram em defasagem em relação ao fluxo idade-série, levando a que estes sejam agrupados em turmas “de aceleração”, que levarão apenas um ano para completar o ensino fundamental e 18 meses para terminar o ensino médio. Assim, o “Autonomia” diminui a distorção idade-série e a repetência escolar, elevando consequentemente o IDEB. A partir da análise dos indicadores do IDEB, o MEC ofereceu apoio técnico ou financeiro aos municípios com índices insuficientes de qualidade de ensino. O aporte de recursos se deu a partir da adesão ao Compromisso Todos pela Educação e da elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR). A adesão a projetos como o Autonomia, está inserido no Compromisso Todos pela Educação que propõe diretrizes e estabelece metas para o IDEB das escolas e das Redes Municipais e Estaduais de Ensino.

Page 21: Valores e usos do tempo dos professores

21

Telecurso FRM-FIESP11 para aceleração da aprendizagem dos alunos com distorção

idade-série.

Atualmente, o programa atende mais de 47 mil alunos dos níveis fundamental e

médio da rede pública do estado12. A resolução nº 4295 de 04 de junho de 2009 da

SEEDUC, afirma em seu artigo 2º que

O Projeto Autonomia é implementado por meio da instalação de Telessalas, utilização do material do Novo Telecurso, professores capacitados pela Fundação Roberto Marinho, alunos regularmente matriculados e espaços existentes na escola, integrando a unidade escolar e a Rede Estadual de Educação.

É importante enfatizar a ingerência do Banco Mundial na política educacional dos

países considerados em desenvolvimento, definindo a agenda geral dos rumos que a

educação deve seguir, sendo esta, em geral, recontextualizada. Além disso, outro

importante fato é a participação em número crescente de empresas privadas na educação

pública brasileira. O Programa Autonomia é lançado dentro desse contexto de aumento

da participação do empresariado em um governo de perfil administrativo neoliberal, de

uma verdadeira evasão de professores e de um discurso de inserção de tecnologias

novas na Educação do Estado do Rio de Janeiro.

Diferentemente da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que conta com um

professor para cada disciplina, as telessalas do Programa Autonomia utilizam apenas

um professor por turma. O resultado é que vários professores simplesmente não têm

mais turmas para lecionar e precisam mudar de escola, dividir seu tempo entre várias

unidades, encaixar-se em horários já estabelecidos, etc.

Em algumas escolas da Rede ocorreram fechamentos de turmas do ensino regular

para que em seu lugar fossem abertas turmas do Programa Autonomia, o que gerou forte

crítica do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), pelo fato de apenas

um professor ser responsável por todas as disciplinas, sendo “reduzido a um mero

11 O Telecurso é uma iniciativa conjunta da Federação das Indústrias do estado de São Paulo (FIESP) e da Fundação Roberto Marinho. Atualmente o programa é adotado nos estados do Acre, Amazonas, Minas Gerais (na Rede Municipal de Ensino) Pernambuco e Rio de Janeiro (nas Redes Municipal e Estadual de Ensino). O índice de aprovação do Telecurso, que chega a mais de 90%, é um dos principais motivos que levam governos estaduais a adotarem este programa como política pública de ensino. (Disponível em: www.telecurso.org.br acesso em 27 de outubro de 2012) 12 Método diferenciado de ensino conquista jovens. O Fluminense. Niterói, 30/03/2013. Nacional/Mundo, p.2.

Page 22: Valores e usos do tempo dos professores

22

entregador de conhecimentos prontos” (SEPE, 2012) e pela falta de comunicação entre

a SEEDUC e as escolas, que só foram informadas que possuiriam turmas do Programa

depois do final do ano letivo anterior, quando os professores já estavam de férias13.

Com a implantação de Programas como o Autonomia, com o fechamento de turmas

e escolas, a cada início de ano letivo, muitos professores da rede estadual precisam

mudar de local de trabalho e dificilmente conseguem concentrar seu horário em apenas

uma instituição, precisando desdobrar-se em diversas escolas a fim de completar a sua

carga horária. Não encontrando palavras para descrever tal sensação de insegurança

perante essas situações, busquei a partir daí entender a fragmentação do tempo do

professor, como os profissionais lidam com essas inseguranças e frustrações de não

poder manter um vínculo institucional que exige a atividade docente. Afinal, como os

professores têm lidado com tudo isso?

5. Aproximações de ordem teórico-metodológicas

As páginas que seguem são resultado de três anos de trabalho, estudo e pesquisa,

que permitiram o amadurecimento das ideias aqui contidas. Ora trabalhando dentro de

uma perspectiva histórico-conceitual, ora fazendo pesquisas exploratórias e de campo,

pude acumular experiências e uma tímida ousadia que me impulsionou a escrever algo a

respeito do que vivencio e observo no cotidiano dos professores.

Sem o objetivo de cair no ecletismo, buscaremos não fazer uma conciliação entre

autores de diversas matizes teóricas, e sim buscar uma confluência, afirmando uma

complementaridade sem contudo expressar uma diferença ou oposição de ideias.

Traremos insights interpretativos a partir das intervenções no campo empírico e das

vivências expostas pelos sujeitos. Desenvolveremos nossas análises14 por meio da

pesquisa empírica em que teoria e evidência interagem segundo a lógica metodológica

da própria história.

Nossa referência central foi o autor inglês E. P. Thompson, que consegue extrair de

suas fontes uma leitura perspicaz, que revela com sua escrita mordaz, críticas a linhas de

pensamento e escolas teóricas que são, a seu ver, falhas em reconhecer as nuances do

processo histórico. Buscarei a motivação para estudar a profissão docente com profunda 13 Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação. Nota oficial do SEPE sobre o Programa Autonomia da SEEDUC: Autonomia para quem? Disponível em: http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=2758 acesso em 28 de novembro de 2013. 14 Para mais detalhes sobre os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa, ver o último capítulo: “Tempos e caminhos percorridos: uma discussão metodológica”.

Page 23: Valores e usos do tempo dos professores

23

simpatia, muito inspirada naquela que Thompson nutria pelos plebeus ingleses do

século XVIII e pela forma com que se organizavam enquanto grupo social em oposição

a outros que os queriam subalternizar.

O resgate de E. P. Thompson e de sua lógica histórica, assim como de sua trajetória

intelectual e política adquire relevância nos dias de hoje e nos ajuda a analisar a

categoria docente. A presença de Thompson como referência nas obras dos

historiadores da Educação tem crescido e/ou tem sido mantida, embora ainda não seja

dos mais citados. Uma boa amostra pode ser buscada nas referências ao historiador

inglês presentes em artigos da principal revista brasileira da área, a Revista Brasileira de

História da Educação publicada pela Sociedade Brasileira de História da Educação

(SBHE). Acompanhando todos os números publicados da revista, pude constatar a

presença de referências a E. P. Thompson em apenas oito artigos, num total de 224

artigos, em 32 edições do periódico acadêmico, entre os anos de 2001 e 2013. Numa

apreciação geral, pode-se dizer que, se esse autor não é um dos “campeões de citações”

entre os artigos da revista15, mas encontramos referências que demonstram a

importância do autor para a história da educação.

Não é ocioso lembrar que noções tão frequentadas pela historiografia

educacional mais recente, tais como tempos e espaços sociais, disciplina e controle,

costumes/hábitos, ritos, sociabilidades, histórias de vida, entre outros, foram objetos das

preocupações de Thompson desde os anos 50 do século XX pelo menos, justamente na

tentativa de conferir aos marginalizados pela história oficial o seu lugar na construção

da história.

Na graduação, durante a iniciação científica, tive um contato inicial, porém

profundo, especificamente com uma das obras de Thompson: os três tomos de “A

formação da classe operária inglesa16”. Esse contato inicial, já me fez nutrir pelo autor

uma profunda admiração, seja por sua simpatia pelos “esquecidos”, seja por sua prática

historiográfica. Retomar as leituras de Thompson hoje no mestrado, em especial leituras

15 Poucos estudos de história da educação tomam a obra de Thompson e da chamada história social inglesa, mesmo como referência marginal. Pelo menos aqueles que têm circulado no Brasil. Podemos identificar o estudo de Taborda (2008) como uma das publicações recentes que trabalha diretamente com os conceitos de Thompson e faz um estudo mais sistemático sobre as contribuições do autor para a pesquisa em história da educação. Disponível em: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/112 acesso em 11 de novembro de 2013. 16 FORTES, Alexandre. SILVA, Amanda Moreira. Revisitando um clássico da história social: a estrutura narrativa de A Formação da Classe Operária Inglesa. Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v.29, n.2, jul-dez, p.01-24, 2007. Disponível em: http://www.editora.ufrrj.br/revistas/humanasesociais/rch/rch29n2/01-24.pdf

Page 24: Valores e usos do tempo dos professores

24

que não tive contato anteriormente, entendendo sua crítica ativa ao materialismo

histórico, seu conceito de experiência, de costumes e modos de vida, sua polêmica com

o estruturalismo de Althusser, e seus escritos sobre cultura17 popular, me fizeram

perceber a riqueza que o autor da “Formação” poderia me oferecer.

Ao descrever a “consciência de classe” e a compreensão das experiências em

termos culturais, Thompson percebe que grande parte dessa experiência se encontra

condicionada às relações produtivas dentro das quais os homens nascem e são inseridos

a ela involuntariamente. Seus estudos atenderam às diversas partes da história, da

história do trabalho à história da cultura, principalmente da história social e inspirou

pesquisas originais sobre temas que vem afligindo a nossa sociedade. Tomaremos como

base seus escritos para analisar a categoria tempo, a legislação, o papel dos professores

e suas apropriações, constituindo o “fazer-se” de um grupo profissional. Portanto, suas

obras permearão todos os capítulos dessa dissertação.

6. A estrutura

O trabalho não respondeu apenas a um plano de pesquisa rigidamente definido,

mas foi movido pelo contato com as fontes, pois o material acabou levando a novas

direções. A situação das páginas que seguem fugiu parcialmente do projeto que lhes deu

origem. Inicialmente pretendíamos fazer um estudo sobre as condições de trabalho dos

professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Imaginamos um trabalho que

incluísse um capítulo introdutório sobre a profissão docente e suas atuais condições de

trabalho; outro que trouxesse análises documentais baseadas em fontes Secretaria de

Educação e por fim; um capítulo que desse voz aos professores da rede estadual e que se

inserem numa lógica precarizada de trabalho.

De certa forma, tal proposta ainda está presente nesta dissertação, porém um

novo horizonte da pesquisa começou a se delinear a partir do exame de qualificação,

quando, junto à orientadora e à banca examinadora do projeto, pudemos reformular

questões e delimitar o referencial teórico-metodológico. Quando comecei a escrever

sobre as condições de trabalho docente e observar as fontes orais, percebi que surgiram

novas categorias de análise que foram confirmadas com a observação empírica. A partir 17 Sobre o conceito de cultura em Thompson, é preciso fazer duas ressalvas. A primeira, lembrada pelo próprio Thompson, de que cultura é um conceito muito impreciso (como economia ou política), sendo mais uma noção geral que um conceito. A segunda, lembrada por Badaró (2012, p. 118), de que, ao contrário de classe social, o conceito de cultura não teve como campo privilegiado de emprego a tradição do materialismo histórico.

Page 25: Valores e usos do tempo dos professores

25

daí, o que era para ser introdutório se tornou praticamente o conjunto do trabalho e a

questão do tempo demonstrou ser realmente central para o entendimento do nosso

objeto de pesquisa. Então, a guinada para estudar o(os) conceito(os) de tempo se deu de

forma mais enfática, despertando a vontade de dar mergulhos mais profundos na

temática, embora o tempo da conclusão da dissertação e o tempo exíguo restante das

minhas atividades laborais só tenham me permitido ficar na superfície. Como se vê, a

centralidade do tempo extrapola o objeto estudado, estabelecendo limites ao próprio

estudo que pretende compreender a sua ação sobre a vida social.

Pretendemos permear todo o texto com narrativas sobre a experiência vivida pelos

professores, cuidando para que esta seja entrelaçada com a reflexão teórica. O estudo

terá como base relatos e problemas. Chamamos de relatos, aquela história construída

pelos viventes a partir de seus depoimentos, com base nas memórias e nas percepções

produzidas pelos professores sobre o vivido e vivenciado. E de problemas chamaremos

o estudo dos processos históricos que engendram os acontecimentos destacados como

relevantes, sobre os quais nós empreenderemos uma análise e a verificação de suas

causas.

Esta dissertação está organizada em quatro capítulos que tratam de temas diferentes

nas suas raízes, embora sejam convergentes na problemática. No capítulo um,

começaremos pelo cerne desta pesquisa, o conceito a partir do qual subsidiaremos

grande parte de nossas análises: a noção de tempo, tendo-a como instrumento para

pensar as condições de trabalho dos professores. No capítulo dois, dividido em três

partes, consideramos dois níveis de análise: na parte um, trataremos da relação entre

legislação e sujeitos; na parte dois, abordaremos os objetivos gerais da educação, tal

como são definidos pelas autoridades escolares. Interessa, também, perceber como o

poder público lida com o tempo dos professores, definindo por fim, quais serão os

recortes espaciais e temporais para os quais esta pesquisa se volta. Neste capítulo,

investigaremos as reformas educacionais brasileiras dirigidas aos professores das

escolas públicas fluminenses, no período de 1990 a 2013. Além disso, recolhemos

indícios (documentos/dados) que permitiram caracterizar as políticas atuais da

SEEDUC em sua interferência na rotina dos professores, buscando assim, demonstrar

através dos dados oficiais, a intensidade das mudanças na organização e funcionamento

da rede escolar que o estado tem provocado.

No terceiro capítulo resgatamos as experiências de um grupo de professores que me

parece ter especial relevância: os professores do Programa Autonomia. Destacamos as

Page 26: Valores e usos do tempo dos professores

26

ações cotidianas a fim de precisar de que modo os professores respeitam, adaptam e

transformam tanto os objetivos gerais da educação quanto os programas escolares no

seu processo concreto de trabalho. Buscaremos observar as condições de trabalho

docente na rede pública estadual, assim como a construção da profissão de acordo com

os relatos dos próprios professores em entrevistas concedidas para este estudo.

Analisamos as percepções que os professores expressam a respeito dos impactos de

determinadas políticas educacionais com as quais eles tenham lidado, destacando as

condições de trabalho, o grau de autonomia no desenvolvimento de seu trabalho, além

de outras questões enfatizadas nos depoimentos colhidos. E por fim, no último capítulo

arremataremos com algumas palavras sobre a metodologia adotada e o trato com as

fontes utilizadas na pesquisa.

Certamente escolher uma instituição para a pesquisa facilitaria nosso trabalho,

porém, nosso foco não foi institucional. Nós optamos, sim, por uma abordagem sócio-

profissional que não se furta em compreender as experiências dos professores e

professoras em relação às políticas educacionais e suas condições de trabalho, assim

como por meio da observação de suas formas de lidar com a realidade e de produzir

respostas aos constrangimentos a que estão submetidos.

Ora, quando se trata de procurar pontos comuns entre os indivíduos, convém

restringir um tanto o alcance das situações. Assim, escolhemos a profissão docente; uma

só rede de ensino, a estadual do Rio de Janeiro; um só nível de ensino, o ensino

secundário; e um só Programa: o Autonomia; numa região geográfica limitada.

Optamos por três gerações de professores (os com menos de cinco anos de atuação,

outros com mais de cinco e menos de 15 anos de magistério e outros com mais de 20

anos de profissão) que viveram estruturas institucionais e acontecimentos históricos

diferentes e que lecionam disciplinas diferentes. Especificamente nossa pesquisa de

campo teve como objetivo: identificar as estratégias utilizadas pelos professores antes e

depois deles aderirem ao Programa Autonomia. Trata-se de considerar o que fizeram, o

que fazem e como lidam com o próprio tempo.

Esta dissertação é minha oportunidade de explicar o que aprendi sobre o trabalho

docente e também de sugerir, com um expressivo grau de modéstia e total

reconhecimento de minhas próprias limitações e erros, os resultados da pesquisa e o

resultado do teste das hipóteses que nortearam todo o percurso.

Deixo claro, e assumo, tão conscientemente quanto possível, todo o ardor que

emprego na discussão do tema. Resguardando as dificuldades de análise ao fazer a

Page 27: Valores e usos do tempo dos professores

27

história do tempo presente, estar imersa na realidade da pesquisa e passar diretamente

pela experiência que origina o objeto do estudo; foi muito bom ter a oportunidade de

trabalhar um tema tão presente na minha experiência profissional. Certamente, isso fez

do tema de pesquisa algo mais apaixonante.

CAPÍTULO 1: O TEMPO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE

Cada (tic-tac) es un segundo de la vida que pasa, huye, y no se repite. Y hay en ella tanta intensidad, tanto interés, que el problema es sólo saberla vivir. Que cada persona lo resuelva como pueda.

Frida Kahlo

Teremos no presente capítulo o objetivo de ensaiar uma análise do conceito de

tempo como categoria central, somado às noções de experiência, cultura, indivíduo e

sociedade, estando atentos a como essas categorias podem nos ajudar a analisar as

condições atuais do trabalhador docente. Para isso optamos por dialogar com autores

como Thompson, Marx, Elias, entre outros, que nos oferecem um aporte teórico capaz

de lançar luz sobre essas temáticas. A escolha do referencial se deu pelo fato de serem

teóricos que direta ou indiretamente se debruçaram sobre o tema central do tempo,

assim como os conceitos adjacentes citados e por considerar a forma tão sublime, real e

crítica com que tratam as referidas questões na história de nossa sociedade em suas

diferentes formas de abordagem.

Discutiremos as potencialidades de algumas ideias contidas em determinadas

obras dos referidos autores, especialmente tentando encontrar nas produções teóricas o

lugar de onde cada autor está lendo e escrevendo para, a partir daí, dialogar com cada

um deles. Assim, buscaremos resgatar de forma crítica e reflexiva, conceitos e contextos

nos quais as relações entre tempo, trabalho, experiência, cultura, indivíduo e sociedade

foram sendo construídas e transformadas.

Portanto, o objetivo deste capítulo é desenvolver um aporte teórico mais

conceitual, que ajude no discorrer da dissertação, orientando a análise empírica que

pretendemos desenvolver. Desta forma, não objetivaremos fazer um capítulo teórico

inicial puro e outros baseados apenas na parte empírica, mas, ao contrário, pretendemos

estabelecer uma relação dialética, colocando a teoria em diálogo com a empiria, todo o

tempo, de forma que os conceitos ajudem na interpretação, refutação ou contestação das

hipóteses apresentadas e do material empírico levantado. Assim, todo o trabalho estará

Page 28: Valores e usos do tempo dos professores

28

permeado de questionamentos e a interpretação será buscada a partir do que os sujeitos

da pesquisa apresentarem.

PARTE 1

1.1.1. O tempo, o passar do tempo, a utilização do tempo...

Na busca por compreendermos qual a relação dos professores com o seu tempo,

antes nos questionamos sobre a relação do indivíduo e da sociedade com o tempo,

fomos buscar algumas definições que pudessem ajudar a analisar o tempo na trajetória

profissional dos docentes.

Ao discorrer “Sobre o Tempo”, Nobert Elias (1998) trouxe uma contribuição

fundamental que servirá de pontapé inicial para a discussão a qual nos propomos. Em

sua importante obra, nos limitaremos ao quesito que tange à observação da função

social do tempo como meio de orientação e de regulação social. Observamos que ele

desenvolve uma teoria sociológica de vasto alcance, porém, não versa nem sobre o

tempo de trabalho nem sobre o tempo livre. Para dar conta desses tempos que nos

interessam mais diretamente ao analisar a profissão docente, recorreremos a outros

autores que se apresentarão no decorrer do texto.

A concepção de tempo social, de Elias, servirá de base para a exposição que

seguirá no presente capítulo. O tempo de que falaremos não é o tempo dicotomizado,

que didaticamente se costuma separar, numa tentativa de compreendê-lo: os tempos

social e físico. Concordamos com o autor, quando afirma que estes dois tempos,

separados no tempo da intimidade de nosso ser, não fazem sentido. Elias propõe uma

alternativa de superação da dicotomia das ciências, prefere analisar o tempo num

contexto sociológico e, para isso, traz uma ideia básica e necessária para entender o

tempo: não se trata do homem e da natureza, como fatos separados, senão do homem na

natureza. Com isso, fica facilitado o empenho de investigar o que significa o tempo, por

entender que a dicotomia do mundo em natureza (área de estudo das ciências naturais) e

sociedades humanas (área de estudo das ciências humanas e sociais) conduzem a uma

cisão de mundo, que segundo o autor é produto artificial de um desenvolvimento

científico dicotômico.

Trouxemos esta contribuição de Elias porque não se trata aqui de compreender o

tempo de forma isolada, pois este há de ser considerado no contexto da sociedade. Se a

Page 29: Valores e usos do tempo dos professores

29

sociedade não é formada por homens independentes do mundo exterior, o tempo deve

ser produzido em interação com outros elementos da vida social, em articulação. Foi

graças a Elias, que argumentando sobre o “tempo físico” o articulou ao “tempo social” e

se posicionou diante dessa nova faceta, podendo assim trazer importantes contribuições

para a historiografia da educação.

Nesse empenho, traremos Thompson (2011), que nos ajuda a compreender até

que ponto, e de que maneira, a mudança no senso de tempo afetou a disciplina de

trabalho, e até que ponto influenciou a percepção interna de tempo dos trabalhadores.

Ao analisar a transição para a sociedade industrial madura, o autor observa a

reestruturação rigorosa dos hábitos de trabalho e de que forma isso se relaciona com a

mudança da noção interna do tempo. O que Thompson examina não são apenas as

mudanças na técnica de manufatura, que exigem maior sincronização do trabalho e

maior exatidão nas rotinas do tempo em qualquer sociedade, mas como essas mudanças

são experienciadas na sociedade capitalista industrial nascente. O autor se preocupa

simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento tecnológico e

com a medição do tempo como meio de exploração da mão de obra, o que nos interessa

bem de perto.

1.1.2. O Tempo como experiência

O tempo é um instrumento criado pelo ser humano, capaz de coagir os

indivíduos a se orientarem de acordo com as noções criadas, “uma instituição cujo

caráter varia conforme o estágio de desenvolvimento atingido pelas sociedades”

(ELIAS, 1998, p.15). A partir da fundamental contribuição de Thompson (2011) ao

analisar a cultura europeia, entendemos que a transição para a sociedade industrial foi

acompanhada de mudanças na percepção do tempo, acarretando uma reestruturação

rigorosa dos hábitos de trabalho e a adoção de uma nova disciplina de trabalho que

culminou numa mudança na percepção e numa nova experiência do tempo.

Tal como Elias, Thompson considera o aspecto cultural que perpassa a noção de

tempo, trazendo exemplos de como diferentes povos atuam na organização de sua

temporalidade, utilizando-se de elementos recorrentes em sua cultura para medir e

dividir o tempo. Para exemplificar as diversas formas de aferição do tempo nas diversas

sociedades e buscar a noção de tempo desvinculada de nossa realidade ocidental

Page 30: Valores e usos do tempo dos professores

30

capitalista, traremos a contribuição da etnologia de Evans-Pritchard (1978) que faz uma

análise da estrutura social Nuer18, na qual o sistema social é um sistema dentro do

sistema ecológico, ou seja, as relações sociais deste povo nilota são diretamente

influenciadas por limitações ecológicas.

Evans-Pritchard demonstra com vários exemplos como os Nuer têm maior

facilidade em falar do tempo em relação às atividades que executam, em vez de falarem

abstratamente ou em números. Ao observar esse povo na década de 1930 a 1950,

culminando em uma conhecida trilogia, o autor analisa, entre outros fatores, o senso de

tempo dos Nuer:

Os Nuer não possuem uma expressão equivalente ao ‘tempo’ de nossa língua e, portanto, não podem, como nós podemos, falar do tempo como se fosse algo de concreto, que passa, pode ser perdido, pode ser economizado, e assim por diante. Não creio que eles jamais tenham a mesma sensação de lutar contra o tempo ou de terem de coordenar as atividades com uma passagem abstrata do tempo, porque seus pontos de referência são principalmente as próprias atividades, que, em geral, têm o caráter de lazer. Os acontecimentos seguem uma ordem lógica, mas não são controlados por um sistema abstrato, não havendo pontos de referência autônomos aos quais as atividades devem se conformar com precisão. Os Nuer têm sorte (EVANS-PRITCHARD, 1978, p.116).

Para efeito de compreensão, podemos perceber que os Nuer pensam com muito

mais facilidade em função das tarefas que realizam do que em unidades puras de tempo,

há um verdadeiro descaso pelo tempo dos relógios, sua relação é muito maior com os

ritmos naturais.

Não há unidades de tempo dentro do mês, dia e noite. As pessoas indicam a ocorrência de um acontecimento há mais de um dia ou dois fazendo referência a algum outro acontecimento que tenha ocorrido ao mesmo tempo ou contando o número dos “sonos” ou dos “sóis”. Existem termos para hoje, amanhã, ontem, etc., mas não possuem qualquer precisão (IBIDEM, p.113).

Elias também traz exemplos de tipos primitivos de determinação do tempo,

baseados no sol e na lua, que segundo ele “representam um nível de síntese ou de

abstração relativamente baixo” (ELIAS, 1998, p.75). Essas modalidades de

determinação do tempo que repousam sobre um acontecimento pontual, como na

observação de uma lua nova, por exemplo, representam uma determinada forma de

experiência do tempo.

18 Grupo de povos africanos que falam línguas nilóticas e habitam a região sul do vale do rio Nilo.

Page 31: Valores e usos do tempo dos professores

31

É preciso destacar, que ao analisar o tempo há sempre o risco de cair no

etnocentrismo19 ou no anacronismo20, neste caso, como em muitos outros, produzimos e

reproduzimos o conhecimento em função de nossa sociedade e de nosso tempo. É

sempre bom resgatar que em outros contextos a naturalização do tempo como

conhecemos causaria estranhamento. Fabian (1983), referência importante para os

debates teóricos e epistemológicos sobre os limites e as possibilidades da interpretação

antropológica, se dedica em “Time and the other” a fazer uma análise histórica para

demonstrar a criação, transformação, e diferenciação dos usos do tempo. Para Fabian, o

conhecimento produzido possui uma contradição fundamental: de um lado a

Antropologia está baseada na pesquisa de campo, que consiste em uma prolongada

interação como outro, mas a construção do conhecimento utiliza-se de um discurso

sobre “o Outro” fundado em uma distância espacial e temporal. Para Fabian, o que se

produz é uma situação em que o outro é colocado em temporalidade alguma. Afirma

que é preciso imaginação e coragem para imaginar o que iria acontecer com o Ocidente

se sua fortaleza no tempo fosse subitamente invadida pelo tempo do Outro. (FABIAN,

1983)

Assim sendo, trazemos exemplos de outras atitudes que se aproximam ou

afastam de nós em termos de compreensão de tempo, entendendo não como ausência de

tempo, mas como o “tempo do Outro”. Sem objetivar aqui superar os limites de uma

temporalidade linear, ou de problematizar mais a fundo a característica de nosso modelo

de cientificidade e de representação/percepção do tempo, trouxemos outros exemplos de

construções sociais nas quais a utilização do tempo tem sido realizada. Antes da

sociedade industrial havia uma irregularidade característica dos padrões de trabalho,

onde percebemos o tempo organizado por tarefas. Conforme exemplificou Thompson:

Em Madagáscar, o tempo podia ser medido pelo “cozimento do arroz” (cerca de meia hora) ou pelo “fritar de um gafanhoto” (um momento). Registrou-se que os nativos de Cross River que dizem: “o homem morreu em menos tempo do que leva o milho para assar” (menos de quinze minutos). [...]. No Chile do século XVII, o tempo era medido em “credos”, um terremoto (1647) como tempo de “dois credos”, e o cozimento de um ovo, por uma “ave Maria” rezada em voz alta (THOMPSON, 2011, p. 269-270).

19 Etnocentrismo: atitude emocional que sustenta o grupo, a raça ou a sociedade a que uma pessoa pertence, superiores a outras entidades raciais, sociais ou culturais. Esta atitude encontra-se associada ao desprezo pelo estrangeiro ou pelo forasteiro, assim como pelos seus costumes. Disponível em: http://chafic.com.br/chafic/moodle/file.php/1/Biblioteca_Virtual/Temas_educacionais/Dicionario_de_Sociologia.pdf 20 Anacronismo: erro que consiste em situar numa época personalidades, acontecimentos, costumes ou estilos próprios de outra. Disponível em: Dicionário enciclopédico ilustrado. São Paulo: Larousse, 2007.

Page 32: Valores e usos do tempo dos professores

32

Sobre a orientação por tarefas que surge nesses contextos, sejam eles primitivos,

em alguns contextos rurais e vilarejos, Thompson propõe três questões:

Primeiro, há a interpretação de que é mais humanamente compreensível do que o trabalho de horário marcado. O camponês ou o trabalhador parece cuidar do que é uma necessidade. Segundo, na comunidade em que a orientação pelas tarefas é comum parece haver pouca separação entre “o trabalho” e “a vida”. As relações sociais e o trabalho são misturados – o dia de trabalho se prolonga ou se contrai segundo a tarefa – e não há grande senso de conflito entre o trabalho e “passar o dia”. Terceiro, aos homens acostumados com o trabalho marcado pelo relógio, essa atitude para com o trabalho parece perdulária e carente de urgência (THOMPSON, 2011, p.271-272).

1.1.3. Tempo, trabalho e vida

Certamente, as mudanças na complexidade das sociedades, a divisão do trabalho

e a diferenciação funcional dos indivíduos fazem com que a operação de determinação

do tempo tome uma direção específica. A experiência do tempo é vivida, sentida e

percebida de diversas formas em cada momento histórico e varia de acordo com cada

cultura. Formularemos aqui, unicamente, uma problematização prévia, um ponto de

partida sobre a concepção do tempo e sua utilização em nossa sociedade.

Elias (1998) afirma que as mudanças que afetam a operação de determinação do

tempo tomam uma direção específica quando as sociedades incorporam um número

cada vez maior de indivíduos, e quando se orientam para uma crescente diferenciação

funcional. Na mesma linha, porém num outro viés de análise, Thompson (2011) afirma

que quando o tempo começa a “se transformar em dinheiro, o dinheiro do empregador”,

e se contrata a mão de obra real, fica “visível a transformação pelas tarefas no trabalho

de horário marcado” (p.272), ainda que essa regulação do tempo de trabalho preceda a

difusão do mecanismo do relógio.

Nesse sentido, o tempo e as medidas temporais decorrem dos processos de

urbanização, comercialização e mecanização da produção, provocando profundas

alterações na sociedade. E por isso trazem maior dependência dos instrumentos criados

para medir o tempo e menor dependência de medidas baseadas nos fenômenos da

natureza. Pelo que se pode observar, o tempo passa a ser elemento imprescindível na

coordenação e integração das relações sociais, isto porque as atividades a serem

Page 33: Valores e usos do tempo dos professores

33

sincronizadas na modernidade são maiores e em redes mais complexas. Com a maior

dependência das medidas temporais, há uma ênfase excessiva na temporalidade,

ocasionando a sensação de escassez do tempo. Nesse contexto, resgatamos o

questionamento: “Como pode um conceito geralmente considerado decorrente de um

altíssimo nível de síntese exercer uma coerção tão intensa nos homens?” (ELIAS, 1998,

p.39)

O autor retrata como o tempo adquire novos contornos e novas concepções são

introduzidas na vida dos seres humanos, como por exemplo, os relógios e os calendários

que passam a determinar o tempo numa continuidade evolutiva, acarretando uma

reestruturação rigorosa de hábitos de trabalho e uma nova vida para o trabalhador é

exigida. Conforme expõe Elias, os calendários já passaram por inúmeras reformas até

chegarem aos modelos atuais, dias e meses do calendário se constituem em um modelo

repetitivo da não repetição da sequência de fatos. Tais formas de se medir tempo

trouxeram uma certa previsibilidade e padronização diante da irreversibilidade do

mundo.

Para avançar na compreensão do tema, Elias traz uma nova contribuição para a

discussão a respeito da medição do tempo. Assim ele expressa:

O que chamamos de “tempo” nada mais é do que o elemento comum a essa diversidade de processos específicos que os homens procuram marcar com a ajuda de relógios ou calendários. Mas, como a noção de “tempo” pode servir para determinar, de acordo com o antes e o depois, processos muito variados, os homens têm facilmente a impressão de que o “tempo” existe independentemente de qualquer sequência de referência socialmente padronizada ou de qualquer relação com processos específicos. “Estamos medindo o tempo” dizem eles, quando se esforçam por sincronizar, por datar alguns aspectos apresentados por processos específicos e tangíveis, em termos potenciais ou efetivos (ELIAS,1998, p.84).

Antes da revolução industrial “o padrão de trabalho sempre alternava momentos

de atividade intensa e de ociosidade quando os homens detinham o controle de sua vida

produtiva” (THOMPSON, 2011, p. 282). Ao analisar a aferição do tempo como meio de

exploração da mão de obra, afirma:

O que estamos examinando neste ponto não são apenas mudanças na técnica de manufatura que exigem maior sincronização de trabalho e maior exatidão nas rotinas do tempo em qualquer sociedade, mas essas mudanças como são experienciadas na sociedade capitalista industrial nascente. Estamos preocupados simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento tecnológico e com a medição do tempo como meio da exploração da mão de obra (THOMPSON, 2011, p.289).

Page 34: Valores e usos do tempo dos professores

34

É importante destacar nesta discussão, ainda que sumariamente, a revolução

teórica de Marx: a questão do tempo-mercadoria. Ainda que Marx não tenha se

indagado diretamente a respeito da questão “o que é o tempo?”, ou melhor, mesmo não

tendo situado a questão nestes termos, incontestavelmente Marx trouxe muitas

contribuições para o conhecimento científico do tempo. Rejeitando a concepção de

tempo abstrato, linear e dissociado dos acontecimentos concretos, fez sobressair o seu

caráter político, econômico e cultural, descobertas que culminaram com o conceito de

sobrevalor (mais-valia).

Marx descobriu que o tempo é a realidade quantitativa do trabalho, base do processo de extração da mais-valia (o trabalhador é concebido como tempo de trabalho personificado, determinação quantitativa do trabalho), metamorfoseada como fetiche na mercadoria. Rompendo com os preceitos da economia clássica de Smith e Ricardo, Marx examinou a teoria do valor trabalho em uma perspectiva inteiramente nova. Com efeito, em sua formulação, o trabalho é a única fonte capaz de produzir valor, por meio do sobrevalor, isto é, pelo excedente de valor produzido pelo assalariado durante seu tempo de trabalho global, uma vez que ele tenha reproduzido o valor de sua força de trabalho (salário) (J-P. LEFEBVRE, 1985, apud LEHER 2008, p.150).

Recorrendo ao próprio Marx, partimos da premissa fundamental de que o tempo

de trabalho se subdivide em tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho

excedente. O tempo de trabalho necessário seria aquela fração de tempo de trabalho que

é necessária à própria manutenção do próprio trabalhador. Já o tempo de trabalho

excedente existe quando o trabalhador não detém mais os meios de produção e a outra

fração do seu tempo total de trabalho é dedicada ao detentor desses meios, o capitalista.

O que Marx aponta é que nas diversas formações sociais que antecederam o

capitalismo, o trabalho excedente correspondia às necessidades dos homens,

predominando apenas o valor de uso dos produtos, sem que haja cobiça por trabalho

excedente, como no capitalismo.

Para exemplificar, recorremos ao exemplo de trabalho de um camponês, citado

por Marx:

O trabalho necessário do camponês valáquio para sua própria manutenção está fisicamente separado de seu trabalho excedente para o boiardo. Executa o primeiro em seu próprio terreno e o segundo na terra senhorial [...]. Na corvéia, o trabalho excedente está claramente separado do trabalho necessário (MARX, 2003, p. 275).

Page 35: Valores e usos do tempo dos professores

35

Isso não ocorre no modo de produção capitalista, uma vez que “o trabalho

excedente e o trabalho necessário se confundem” (MARX, 2003, p. 275), ou seja,

encontram-se atrelados durante a jornada de trabalho. Ao comprar a força de trabalho do

trabalhador, o capitalista o faz por um determinado período de tempo, que configura a

jornada diária de trabalho. Entretanto, o tempo necessário para que este trabalhador

produza a quantidade de mercadorias que corresponde, em valores de mercado, ao

suficiente para sua subsistência e de sua família (assegurando a reprodução da força de

trabalho, também ela uma mercadoria), não esgota toda a jornada de trabalho contratada

pelo empregador. Ele continua trabalhando e produzindo até o final de sua jornada. Este

excedente de trabalho gera mercadorias, que contém, em si, uma determinada

quantidade de valor. A este valor a mais, que é apropriado pelo capitalista, Marx

chamou de “mais-valia”.

No caso da sociedade industrial, que se complexificava durante o século XIX, o

relógio assumiu um papel de destaque, na medida em que permitia uma sincronização

do trabalho. Deparamos aqui com o problema específico da relação entre o tempo e os

novos instrumentos de aferição do tempo. Para Thompson (2011, p.354), o tempo e as

medidas temporais formaram a disciplina necessária para o desenvolvimento do

capitalismo industrial. Revolução industrial, ascensão da burguesia ao poder,

ressignificação de tempo e espaço na vida urbana e expansão do capitalismo, suscitaram

a necessidade de maior sincronização e integração entre tempo e trabalho. Isso

favoreceu a difusão e o desenvolvimento mais intenso dos relógios que, por sua vez,

provocaram mudanças nos tempos dos trabalhadores e da sociedade. Na cultura da

Europa Ocidental do século XIX, o relógio aos poucos vai tomando o espaço do tempo-

natureza.

1.1.4. O controle e a luta sobre o tempo

O tempo tende a exercer a sua função de dominação, seja pelo controle do

passado, por meio da memória social, seja pelo controle do futuro, através de profecias

e de promessas de redenção após a morte, ou, ainda para beneficiar a produção

capitalista. O que importa destacar é que o (controle do) tempo é historicamente

utilizado pelas classes dominantes.

Page 36: Valores e usos do tempo dos professores

36

Nos estágios primitivos, essa função é comumente exercida por certas figuras dominantes, como sacerdotes ou reis. Em particular, a atividade de coordenação, que pressupõe o conhecimento do “momento favorável” em que convém fazer as coisas, foi, durante muito tempo, a função social específica dos sacerdotes. Estes não têm que trabalhar para produzir seu próprio alimento e, desse modo, dispõem de mais tempo para observar os movimentos e mudanças dos corpos celestes. (...) Durante a longa história do desenvolvimento das sociedades humanas, os sacerdotes quase sempre foram os primeiros especialistas da determinação ativa do tempo. Numa fase posterior, quando surgiram as sociedades-Estado, mais vastas e mais complexas, os sacerdotes passaram, de um modo geral, a dividir com as autoridades leigas a função de fixação do momento das grandes atividades sociais e, em muitos casos, essa partilha deu margem a tensões múltiplas. Depois, quando a luta entre sacerdotes e reis pela supremacia deu vantagem a estes últimos, o estabelecimento do calendário tornou-se, tal como a cunhagem da moeda, um monopólio do Estado (ELIAS, 1998, p.45).

Elias (1998) destaca que a necessidade de uma cronologia unitária e ordenada

variou conforme o crescimento e o declínio das unidades políticas, conforme o tamanho

e o grau de integração de seus povos e seus territórios, e também conforme o grau

correspondente de diferenciação e extensão de suas redes comerciais e industriais. “As

instituições jurídicas dos Estados exigiam sistemas unificados de mensuração do tempo,

adaptados à diversidade e à complexidade dos negócios que eles tinham que regular.”

(p.46)

A apropriação do tempo regulado, o conhecimento sobre o tempo e as possíveis

interferências diretas sobre a modificação dele, seja através da modificação dos

calendários ou através dos relógios, primordialmente, pertenciam aos setores que

gozavam de maior status social. Percebemos claramente como as autoridades

eclesiásticas e políticas eram detentoras do monopólio da determinação do tempo.

Foi certamente Carlos IX, rei da França, quem decidiu, em 1563, após alguma discussão, impor uma única data – ou seja, o dia 1º de janeiro – para o começo do ano. O edito entrou em vigor em 1566 e rompeu com a tradição mais ou menos oficial, que associava o começo do ano com a festa da Páscoa. O ano de 1566, que começou em 14 de abril e terminou em 31 de dezembro, teve apenas oito meses e 17 dias. Os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, que até então haviam designado – em função do calendário romano, que fazia o ano começar em março, e como seu nome indica – o sétimo, oitavo, nono e décimo meses do ano, transformaram-se, de maneira bastante absurda, no nono, décimo, décimo primeiro e décimo segundo meses. Essa inovação deparou com viva resistência, embora, hoje em dia, mal cheguemos a notar seu caráter incongruente (ELIAS, 1998, p.46).

A igreja era encarregada da administração do tempo na Idade Média. Concebia-o

como propriedade restrita a Deus e, portanto, qualquer forma de apoderação do tempo

Page 37: Valores e usos do tempo dos professores

37

pelo homem, com o propósito de obter lucros, era condenável. Mas, posteriormente,

verificamos que essa dominação do tempo realizada pela Igreja veio se chocando com

as transformações nas relações econômicas. Nesse contexto:

Da mesma forma que o camponês, o mercador está submetido, na sua atividade profissional, em primeiro lugar ao tempo meteorológico, ao ciclo das estações, à imprevisibilidade das intempéries e dos cataclismos naturais. Neste aspecto, e durante muito tempo, ele só necessitou de submissão à ordem da natureza e de Deus e só teve como meio de ação, a oração e as práticas supersticiosas. Mas quando se organiza uma rede comercial, o tempo torna-se objeto de medida. (LE GOFF, 1979, p. 51)

Thompson (2011b) ao analisar a apropriação do tempo pelos empresários

capitalistas no século XVIII, relaciona essa apropriação ao controle da medição do

tempo. Quando surgiram, na metade do século XVIII, os relógios, pertenciam

majoritariamente às classes dominantes: “a gentry, aos mestres, aos fazendeiros e aos

comerciantes”, “talvez a complexidade do formato e a preferência pelo metal precioso

fossem uma maneira deliberada de acentuar o seu simbolismo de status.”

(THOMPSON, 2011b, p.277). A classe dos possuidores de tempo, de dinheiro e de

relógios encontrava diversos mecanismos para expropriar os trabalhadores do

conhecimento do tempo e assim burlar o andamento do tempo aferido, adiantando e

atrasando os ponteiros dos relógios das fábricas a fim de extrair mais tempo de trabalho

dos trabalhadores, conforme Thompson exemplificou através do relato de uma

testemunha anônima.

Na realidade não havia horas regulares: os mestres e os gerentes faziam conosco o que desejavam. Os relógios nas fábricas eram frequentemente adiantados de manhã e atrasados à noite; em vez de serem instrumentos para medir o tempo, eram usados como disfarces para encobrir o engano e a opressão. Embora isso fosse do conhecimento dos trabalhadores, todos tinham medo de falar, e o trabalhador tinha medo de usar relógio, pois não era incomum despedirem aqueles que ousavam saber demais sobre as ciências das horas. (Chapters in the life a Dundee factory boy, 1887, p.10 apud Thompson, p. 294, 2011)

Com o advento da Revolução Industrial e uma maior sincronização do trabalho,

esta elitização do domínio do tempo mudou, “a ênfase estava mudando do “luxo” para a

“conveniência”. “O pequeno instrumento que regulava os novos ritmos da vida

Page 38: Valores e usos do tempo dos professores

38

industrial era ao mesmo tempo uma das mais urgentes dentre as novas necessidades que

o capitalismo industrial exigia para impulsionar o seu avanço.” (IBIDEM, p.297).

O que Thompson se detém a analisar em relação a maior exatidão nas rotinas do

tempo, maior sincronização do trabalho na sociedade industrial nascente, o leva a se

preocupar simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento

tecnológico e com a medição do tempo como meio de exploração da mão de obra. Em

função disso, o operário perde completamente o controle sobre seu dia de trabalho. Há

uma supressão total do trabalho orientado por costumes, tradições, ou experiências para

aumentar a eficiência e produtividade. Toda essa disciplina industrial do tempo atuou

como uma pressão externa, e foi fortemente acompanhada de uma disciplina moral dos

capitalistas a fim de internalizar nos trabalhadores os novos hábitos, fazendo uma forte

investida contra os antigos hábitos de trabalho.

Por meio de tudo isso – pela divisão do trabalho, supervisão do trabalho, multas, sinos e relógios, incentivos em dinheiro, pregações e ensino, supressão das feiras e dos esportes – formaram-se novos hábitos de trabalho e impôs-se uma nova disciplina de tempo (THOMPSON, 2011, p.297).

A interiorização da disciplina em relação ao tempo ditada pela Igreja e pelos

patrões partia de uma verdadeira retórica moral. Tratava da disposição incondicional

para o trabalho e do desprezo ao ócio. Esse era o receituário que deveria ser seguido

pelos trabalhadores na vida individual e coletiva. Compreendido como uma mercadoria,

o tempo não deveria sofrer “desperdícios”, o tempo deveria ser todo “empregado para o

dever”. Em contraposição a moralização do tempo de trabalho, Lafargue dizia em 1880:

Mas para que tenha consciência de sua força, é preciso que o proletariado pisoteie os preconceitos da moral cristã, econômica e livre – pensadora; é preciso que volte a seus instintos naturais, que proclame os Direitos a Preguiça [...] (Lafargue, 2000, p. 84).

O grande erro para Lafargue era os proletários quererem infligir aos capitalistas

as dez horas de trabalho, anunciava que um regime de preguiça seria necessário para

matar o tempo que mata o trabalhador, fazendo-se necessário que a classe operária não

levantasse para reclamar os Direitos do Homem ou o Direito ao Trabalho, mas para

forjar uma lei que proibisse todos os homens de trabalhar mais de três horas por dia.

Denunciou que a produtividade vinha para empobrecer os homens, que os tempos livres

Page 39: Valores e usos do tempo dos professores

39

não vieram com o advento da indústria e que a redução da jornada de trabalho realizada

pelo governo da Inglaterra, que proibiu por lei trabalhar mais de dez horas por dia,

serviu para aumentar a produção inglesa mantendo a Inglaterra como a primeira nação

industrial do mundo.

Contudo, observamos que com o advento da nova disciplina de trabalho, os

trabalhadores passaram a lutar não contra o tempo, mas sobre ele. Segundo Thompson

(2011), a primeira geração de trabalhadores nas fábricas aprendeu com seus mestres a

importância do tempo; a segunda geração formou os seus comitês em prol de menos

tempo de trabalho no movimento pela jornada de dez horas; a terceira geração fez

greves pelas horas extras ou pelo pagamento de um percentual adicional (1,5%) pelas

horas trabalhadas fora do expediente. “Eles tinham aceito as categorias de seus

empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos. Haviam

aprendido muito bem a sua lição, a de que tempo é dinheiro.” (THOMPSON,2011,

p.294).

PARTE 2

1.2.1. O tempo como instrumento para pensar a docência21

A partir da discussão feita até o momento no presente capítulo, argumentaremos

a partir de agora a respeito da apropriação do tempo pelos detentores do poder político e

econômico, assim como do padrão de organização do tempo de trabalho dos

professores, destacando as estratégias mobilizadas pelos professores para lidar com a

fragmentação do tempo ao longo de suas trajetórias profissionais. Podemos indagar

como o poder público lida com o tempo dos professores, buscando compreender os

objetivos de tal fragmentação, assim como os efeitos gerados nas condições de trabalho

da categoria docente e as suas estratégias na luta sobre o controle do tempo.

21 Toda a discussão será feita em relação ao tempo do professor. Nos dedicaremos ao tempo de trabalho (sala de aula e planejamento), tempo de descanso, tempo de deslocamento citadino, tempo de transeunte, tempo de lazer, entre outros tempos sociais com os quais os professores estão envolvidos. Considerando que existe toda uma discussão em torno do tempo e espaço escolar (disciplinas, horários de aulas, tempo pedagógico), estes não serão focos de análise. Para ver mais sobre esse tema, existe o artigo de FARIA FILHO e VIDAL “Os tempos e espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, nº14, 2000. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n14/n14a03 acesso em 16 de novembro de 2012.

Page 40: Valores e usos do tempo dos professores

40

Thompson nos trouxe a contribuição a respeito da reestruturação do tempo na

sociedade industrial. Para ele, essa reestruturação não era uma questão de técnicas

novas, mas de uma percepção mais aguçada dos capitalistas quanto ao uso minucioso do

tempo. Em relação à disciplina do trabalho, Thompson cita o Law Book [Livro de leis]

da Siderurgia Crowley, uma unidade manufatureira de grande escala, observando que:

“Já em 1700, estamos entrando na paisagem familiar do capitalismo industrial

disciplinado, com a folha de controle do tempo, o controlador do tempo, os delatores e

as multas.” (p.291). O capitalista “achava necessário projetar todo um código civil e

penal, que chegava a mais de 100 mil palavras para governar e regular a sua força de

trabalho rebelde.” (p.289).

Mais de trezentos anos depois da criação do Livro de leis de Crowley, vale um

esforço teórico para nos aproximarmos do nosso objeto de estudo: os professores.

Trabalhadores não fabris, com suas particularidades, regidos pelo poder público, com

estatutos e leis específicas, mas com um tempo regrado, regulado e minuciosamente

calculado em seu cotidiano de trabalho, com minutos, segundos e horas presentes na

legislação, que sofrem constantes mudanças em busca de uma regulação e que

enfrentam de um lado, a resistência dos governantes ao implementá-las, buscando

expropriar o tempo do professor; e do outro, dos próprios professores ao encontrar

mecanismos que lhes permitam não seguir à risca as condutas impostas pelas normas

legais. Fazendo um paralelo com essa discussão, observamos um uso regrado do tempo,

minuciosamente calculado pelo poder público, a fim de extrair do professor o máximo

de aproveitamento de sua carga horária de trabalho. Ao mesmo tempo, observamos que

o professor cria suas próprias estratégias para lidar com esses mecanismos de regulação.

1.2.2. A regulação do tempo: segundos, minutos e horas na legislação

Quando se estipula que vai se pagar certa quantia por determinado trabalho dos

professores, há que se explicitar qual é a quantia e qual é o trabalho. O trabalho é tanto a

quantidade de horas de exercício do ofício como é também a descrição dessas mesmas

horas, ou seja, de como elas se dividem, dentro ou fora da sala de aula.

Page 41: Valores e usos do tempo dos professores

41

A Lei nº 11.738/200822 (art.2º) - na alínea “e”, inciso III do caput do art. 60 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal sancionada no dia

16 de julho de 2008, - regulamenta as normas unificadas para o salário base de todos os

professores, em todos os entes federados, bem como uma regra única para a composição

da jornada de trabalho docente em todo o país. Segundo a referida Lei “na composição

da jornada de trabalho deve-se observar o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga

horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos”. Logo, 1/3 da

jornada será dedicado à preparação de aulas e às demais atividades fora da sala da aula.

Esta lei encontrou resistência dos governos e foi questionada judicialmente por alguns

governadores de estado23, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI

4.16724). Foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e na decisão, os

ministros declararam a Lei constitucional, deixando claro no julgamento que "é

constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga

horária dos docentes da Educação Básica para dedicação às atividades extraclasse". São

consideradas como atividades extraclasse aquelas destinadas à preparação e avaliação

do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões

pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de

acordo com a proposta pedagógica de cada escola.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)25 em seu Artigo 67º

no inciso V, prevê “período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na

carga de trabalho”. Posteriormente, no inciso VI, prevê: “Condições adequadas de

trabalho”, dentro da orientação geral de que “os sistemas de ensino promoverão a

valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos

estatutos e dos planos de carreira do magistério público”.

22 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm acesso em 22 de outubro de 2012. 23 A lei que fixa a carga horária e um piso nacional para os professores foi questionada na Justiça pelos estados do Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os cinco estados que questionaram a constitucionalidade da lei 11.738/ 2008 alegam que ela fere o princípio de autonomia das unidades da federação prevista na Constituição. Também argumentam que a lei não leva em consideração o orçamento e a quantidade de trabalhadores de cada unidade da federação. 24 ADI 4.167, disponível para consulta na página do STF. 25 Lei 9394/96. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf acesso em 21 de abril de 2013.

Page 42: Valores e usos do tempo dos professores

42

Com base na Constituição Federal e na LDB, o CNE26 (Conselho Nacional de

Educação) estudou a concepção e implantação da Lei nº 11.738/2008 e expôs por meio

do parecer CNE/CEB nº 1827, uma tabela28 com a composição da jornada de trabalho

dos professores, dela extraímos o cálculo da jornada dos professores de 40 horas, 30

horas, 24 horas, 16 horas, referentes às carreiras docentes DOC I existentes no estado do

Rio de Janeiro no ano de 2012/2013. De acordo com a lei, a jornada de trabalho dos

docentes deveria ser composta conforme exposto na tabela nº 1 (ver apêndice B, tabela

nº1, p. 166). Observamos que para o cumprimento de uma jornada de 40 horas semanais,

o professor deve realizar 26,66 horas de atividades com educandos e 13,33 horas de

atividades extraclasse. Para a carreira de 30 horas esse número fica em 20 para

atividades com os educandos e 10 para atividades extraclasse.

Porém, essa regulação do tempo de trabalho do professor é diferente no

Programa Autonomia. Neste, os professores29 têm uma carga horária de 24 horas

semanais, sendo quatro horas de planejamento. Conforme a lei, 16 horas deveriam ser

destinadas às atividades em sala de aula e 8 de atividades extraclasse. Para a carreira

Docente I, as 16 horas de trabalho deveriam se dividir em 10,66 de atividades em sala

de aula e 5,33 de atividades extraclasse. Hoje os profissionais da rede estadual que

ocupam as 75.170 funções docentes ativas, nas 1.447 escolas da Rede30, a maioria faz

parte da carreira DOC I, com carga horária de 16 horas semanais, destes 53.370

docentes são exigidos, 12 tempos em sala de aula e 4 horas de atividades extraclasse.

A figura abaixo, publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 16 de novembro

de 2011, mostra uma tabela com a situação de implementação da lei nº 11.738/2008 nos

estados:

26 O Conselho Nacional de Educação é um órgão independente, com funções consultivas, cujo(a) presidente é eleito(a) pela Assembleia da República. Disponível em: Site do CNE, http://www.cnedu.pt/cne/default.htm, acesso em 21 de julho de 2013. 27 Existem outros pareceres do CNE que tratam da questão do tempo. Estão disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12868, visitado em 21 de julho de 2013. 28 Tabela completa disponível no parecer CNE/CEB nº 18/2012, em www.portal.mec.gov.br 29 Esses professores não possuem uma carreira específica, assim como não há concurso específico para o quadro de docentes do Programa Autonomia. Para participar do programa basta ser professor da Rede. Podem se inscrever para desempenhar a função de professor regente do programa: professores docentes I com carga horária de 16h semanais; professores docente I e II com carga horária de 40h semanais, desde que complemente 6 tempos no Ensino Regular / Educação de Jovens e Adultos; professores Docentes II com carga horária de 22h e de 40h semanais, desde que estejam em regime de aproveitamento conforme Decreto 42.883/2011 e Resolução SEEDUC n° 4.686/2011. Disponíveis em: Site da SEEDUC, http://www.rj.gov.br/web/seeduc, visitado em 15 de agosto de 2013. 30 Dados citados a partir do último relatório anual da SEEDUC de 2011, a ser analisado no próximo capítulo.

Page 43: Valores e usos do tempo dos professores

43

Figura 1: Situação dos professores no país de acordo com a lei 11.738/2008 (Folha de São Paulo, 2011).

Segundo a tabela, formada a partir dos dados das respectivas secretarias de

educação, no que se refere à jornada fora de sala de aula, o estado do Rio de Janeiro

aparece como um estado que cumpre a lei e garante os 33% da jornada fora de sala de

aula. Porém, o que se manifesta como realidade na rede estadual é o descumprimento da

lei federal nº 11.738 que estipula 1/3 da carga horária do professor para atividades

extraclasse – e que também cria o piso nacional do magistério. Não está sendo

Page 44: Valores e usos do tempo dos professores

44

respeitado o 1/3 do trabalho do professor fora da sala de aula para estudos, formação,

preparação das tarefas, correção de provas, trabalhos e todas as outras atividades

essenciais ao exercício do magistério.

Observamos como o Estado burla a lei no tempo de planejamento, onde se

contabiliza todos os resquícios de tempo para chegar a 1/3 de planejamento e justificar

com as 4 horas (em relação aos docentes de 16 horas). Para chegar ao cálculo, a

Secretaria de Educação contabiliza no tempo de planejamento os 10 minutos que restam

de cada aula (que tem tempos de 50 minutos), o tempo de recesso ou mesmo o horário

do recreio, admitindo ser possível planejar durante os intervalos das aulas ou em outros

momentos em que o tempo diminuto não oferece condições para planejamento.

De acordo com a legislação, a jornada de trabalho deve ser composta com 2/3 de

carga horária para atividades em sala de aula e 1/3 para atividades extraclasse,

independentemente do tempo de duração de cada aula, definido pelos sistemas de

ensino. O que vale é a hora-aula31 e não se a aula possui 45, 50, 60 minutos, ou qualquer

outra unidade de tempo. Além disso, períodos do tempo de aula podem ser usados para

outras funções como preenchimento de chamadas, ordem e silêncio necessários em sala

de aula, enfim, tudo depende da dinâmica que o professor estabelece com seus

estudantes, em cada aula. A rigor, nem mesmo uma definição temporal é necessária

para uma hora-aula, pois a aprendizagem do conteúdo pode se dar em 30 minutos ou em

três horas. Portanto, para cumprir seus objetivos, a base da jornada de trabalho do

professor necessita de diferentes ritmos e prazos, exigindo, para exibir eficácia, uma

margem de longo prazo e certa flexibilidade aliada à persistência e continuidade. A

garantia do tempo mínimo foi legalmente estabelecida como direito do aluno e dever do

estabelecimento de ensino.

Essa questão foi objeto do Parecer CNE/CEB nº 8/200432 formulado pelo

Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, que esclarece o seguinte:

(...) as 800 horas na Educação Básica, os 200 dias e as horas de 60 minutos na carga horária são um direito dos estudantes e é dever dos estabelecimentos cumpri-los rigorosamente. Este cumprimento visa não só equalizar em todo o território nacional este direito dos estudantes, como garantir um mínimo de

31 A fim de desfazer uma possível sinonímia entre os vocábulos hora e hora-aula, a partir da nova LDB, Lei 9.394/96 e do Parecer CNE/CEB 05/97 é definido com clareza que o conceito de hora responde ao padrão nacional e internacional de 60 minutos distinguindo-a do de hora-aula que é de competência do projeto pedagógico do estabelecimento de ensino. 32 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB08.pdf acesso em 22 de julho de 2013.

Page 45: Valores e usos do tempo dos professores

45

tempo a fim de assegurar o princípio de padrão de qualidade posto no artigo 206 da Constituição Federal e reposto no Art. 3º da LDB. Dentro do direito dos estudantes, o projeto pedagógico dos estabelecimentos pode compor as horas-relógio dentro da autonomia escolar estatuindo o tempo da hora-aula. Assim a hora-aula está dentro da hora-relógio que, por sua vez, é o critério do direito do estudante, que é conforme ao ordenamento jurídico.

Por outro lado, diz o Parecer:

O direito dos estudantes é o de ter as horas legalmente apontadas dentro do ordenamento jurídico como o mínimo para assegurar um padrão de qualidade no ensino e um elemento de igualdade no país. Já a hora-aula é o padrão estabelecido pelo projeto pedagógico da escola, a fim de distribuir o conjunto dos componentes curriculares em um tempo didaticamente aproveitável pelos estudantes, dentro do respeito ao conjunto de horas determinado para a Educação Básica, para a Educação Profissional e para a Educação Superior.

O Parecer citado aqui, que é corretíssimo e continua atual, não disciplina a forma

como os sistemas de ensino devem organizar as jornadas de trabalho de seus

professores, mas apenas e tão somente qual é a quantidade de tempo que garante aos

estudantes os direitos que lhes são consagrados pela LDB. Sendo assim, não há

qualquer problema que determinado sistema componha jornadas de trabalho de

professores com duração da hora-aula em 50 ou 40 minutos, desde que as escolas e a

própria rede estejam organizadas para prestar aos estudantes a totalidade da carga

horária a qual eles fazem jus. Poderá, então, haver redes que necessitem de mais

professores do que outras para ministrar a mesma disciplina, porque em determinados

sistemas, licitamente, diga-se de passagem, a lei garante aos docentes uma jornada

composta de horas-aula cuja unidade é menor do que a hora; em outros pode ocorrer

justamente o contrário.

Um raciocínio simplista, que se queira emprestar ao parecer do Conselheiro

Carlos Roberto Jamil Cury, não levaria em conta que a hora-aula precisa ter uma

unidade de tempo menor do que a hora porque, senão, fatalmente, haveria menos

disciplinas lecionadas a cada ano. Este modo de pensar apresenta mais serventia à lógica

da diminuição de gastos estatais com educação do que à lógica da promoção de uma

educação de qualidade para as classes menos favorecidas, que é quem se utiliza, com

maior preponderância, da educação pública em nosso país.

Então, com base na lei e na aplicação dos governantes, concluímos que há uma

expropriação do tempo de planejamento do professor, consequentemente mais tempo

Page 46: Valores e usos do tempo dos professores

46

lhe é exigido em sala de aula, o que reduz a contratação de novos professores e

sobrecarrega os professores em exercício da função. Muito tempo de trabalho deixa de

ser pago aos professores na forma de planejamento, obrigando-os a cumprirem essas

horas em sala de aula. Levando em conta que o tempo de planejamento exige que o

professor esteja fora da sala de aula, o cumprimento da lei exigiria um grande número

de novos contratados para dar conta da grade de horários das escolas, o que por si só, é

um argumento forte para que os governantes não cumpram a referida lei.

O sistema de ensino do Rio de Janeiro, assim como outros do país, fazem uma

interpretação enviesada da Lei nº 11.738/2008, no que se refere à composição da

jornada de trabalho. Esta interpretação, nitidamente, está mais calcada em questões de

ordem financeira do resultado de sua aplicação do que propriamente da análise e

atendimento ao conteúdo do texto jurídico normativo.

Pois bem, se previsto na lei, caberia aos trabalhadores da educação exigirem dos

gestores públicos a efetivação do 1/3 de hora-atividade33, uma vez que está vigente e

obrigatória para todo o país. O Estado do Rio de Janeiro não cumpre a lei do piso, entre

outros aspectos, no que se refere a 1/3 de planejamento, devido a isso, em maio de

2013, o Departamento Jurídico do Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE-RJ),

obteve uma decisão favorável da justiça sobre o 1/3 de planejamento, que discute o

cumprimento de um terço da carga horária para atividades fora da interação com os

alunos na Rede Estadual. Abaixo um trecho da sentença:

No caso em tela, o argumento do Estado de que dez minutos de cada aula seriam destinados ao planejamento, bem como as semanas nas quais não há aula, poderiam compensar eventual carga horária faltante para completar o 1/3 exigido, não merece prosperar. A lei exige a destinação de 1/3 da carga horária semanal. Isso é adequado e fundamental para a preparação das aulas daquela semana e atualização dos professores. Assim, as semanas sem aulas, nas quais os professores não estão de férias não podem ser computadas para esse fim. A lei também exige 1/3 da carga horária. O fato da hora-aula ter cinquenta minutos não se pode admitir que os dez minutos restantes sejam considerados como tempo de planejamento, principalmente, porque este planejamento exige do professor um tempo maior e contínuo para ser efetivo. Assim, é o caso de precedência do pedido para condenar o réu a adequar a carga horária dos seus professores às exigências da Lei. Esta sentença não pode servir de carta branca para contratações sem licitação, nem para contratações em regime de urgência. Assim, é o caso de conferir ao Estado o prazo de um ano para se adequar às normas descritas na fundamentação desta

33 Em 15 de agosto de 2013 foi deflagrada uma greve dos profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro, um dos pontos da pauta de reivindicações é o cumprimento de 1/3 da carga horária para planejamento.

Page 47: Valores e usos do tempo dos professores

47

sentença. Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para condenar o Estado a regularizar a distribuição da jornada de trabalho do todos os professores do quadro de educação básica no ensino público para o exercício de no máximo 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos, sendo resguardado o mínimo de 1/3 para as atividades complementares de planejamento, estudo e avaliação, para o início do ano letivo e seguintes, bem como, para aplicar a Lei do Piso Salarial Nacional aos profissionais da rede de ensino estadual, nos termos previstos na Lei nº 11.738/2008, no prazo de um ano, sob pena de configuração de ato de improbidade administrativa, na forma do art. 11, inc. II, da Lei 8.429/1992. (...)” (13ª Vara de Fazenda Pública no processo 0006850-48.2012.8.19.0001).

Como a decisão é desfavorável ao estado, por força da lei, houve o chamado

duplo grau de jurisdição obrigatório, que significa a remessa do processo à 2ª instância

para avaliação da sentença pelo Tribunal (independentemente de interposição de

recurso). Com relação ao prazo de um ano concedido pela sentença, o SEPE enviou

recurso para que fosse melhor esclarecido que a decisão seria para o início do ano letivo

de 2014.

1.2.3. Tempo para se preparar, aprender e refletir

Não resta dúvida de que, quotidianamente, a lei é utilizada pelas autoridades

ligadas ao executivo, em suas várias instâncias, na tentativa de realizar a partir dela,

algumas funções. Os secretários de educação, as direções de escola e as coordenações

sempre fazem cobranças, baseados na lei com um discurso, que por vezes, chega a ser

extremamente legalista. Cobrar sobretudo dos professores, o cumprimento da lei é parte

fundamental da prática e da retórica dos ocupantes dos cargos de fiscalização. No

mesmo movimento, joga-se, na ilegalidade, boa parte das atividades e práticas dos

professores.

Isso é muito comum em relação ao tempo de planejamento pedagógico. São

inúmeras denúncias de que os professores recorrem a ilegalidades quando não cumprem

o seu tempo de planejamento, ignorando que o cumprimento da lei seja praticamente

impossível nas condições de exercício da função. Na verdade, esta é uma via de mão

dupla: tanto os legalistas e diretores querem impor a legalidade nos atos dos

professores, quanto estes utilizam dos artifícios da lei como estratégias para obter

resultados que atenuem o desgastante cotidiano de trabalho.

Page 48: Valores e usos do tempo dos professores

48

Para além da discussão técnica que se faz necessária em relação às horas

destinadas ao planejamento, podemos observar de acordo com alguns depoimentos a

dificuldade dos professores em destinar tempos de suas jornadas profissionais para

pensar sua prática, refletir e realmente planejar. Isso exigiria um ritmo de trabalho

menos desgastante e uma remuneração adequada para que o tempo fora da sala de aula

realmente pudesse ser colocado em prática para os devidos fins.

O ritmo natural de tempo do trabalho de um professor deveria ser bem diferente

do que assistimos hoje. Entre os professores da Rede Estadual de Ensino, diversas

pressões tem incidido para que esse ritmo seja cada vez mais alterado de uma forma que

precariza cada vez mais o trabalho docente. A hora-atividade não pode ser tratada como

uma questão trabalhista, dissociada de uma dimensão pedagógica. O tempo do professor

poderia ser considerado de forma diferenciada, mas ultimamente o trabalho docente se

encontra cada vez mais inserido numa lógica fechada de produção e resultados, com

cronogramas precisos (datas de provas, conselhos de classe, dias letivos, metas a serem

atingidas), que impedem uma maior flexibilidade na busca do conhecimento e na

qualidade do trabalho. Por hora, tomaremos como base trechos de depoimentos de

alguns professores que nos trazem pistas de como a ausência do tempo para o

planejamento influencia a qualidade de seu trabalho e o desenvolvimento de uma boa

aula:

Muitas vezes, isso (o tempo de planejamento) não funciona, aí que eu falo da demanda ser muito pesada, pois isso requer muito tempo, para haver um planejamento de qualidade seria necessária a dedicação exclusiva do professor (em uma escola). E isso não acontece, muitas vezes ele está aqui nessa escola, mas daqui a duas horas, meia hora ele está em outra, trabalhando com outro tipo de aluno, outra escola diferente (Antônio, 30 anos de idade, seis anos de magistério).

É muito complicado você parar para planejar uma aula, porque te falta tempo. Você trabalha muito pra conseguir um rendimento legal pra sua vida. O que interfere no trabalho do professor é a falta de dinheiro mesmo, para você seguir na área do magistério é a maior dificuldade, eu acho... (Fábio, 29 anos de idade, 12 anos de magistério).

Quando dá eu faço (o planejamento). Mas vou ser sincera que eu não faço muito não. As aulas do Autonomia já são planejadas, e assim, numa forma muito fácil de lidar. Por mais que seja Química, Física ou coisas que

Page 49: Valores e usos do tempo dos professores

49

desconheço, que não são da minha área, mas tem a teleaula que é bem explicadinha, então dá pra levar. Planejar aula eu não planejo não. Planejo prova, quando tem que fazer; agora aula em si, eu não planejo não. Não planejo porque não dá certo. Planejamento é fictício, tudo que você faz não dá tempo, acontece alguma coisa. Agora quando dá tempo, que é muito difícil, ainda assisto a teleaula antes, dou uma lida no que é a matéria, quando dá. Mas é muito difícil (Christiane, 32 anos, seis anos de magistério).

Quando você consegue se adaptar à metodologia (do Programa Autonomia) e você leva isso para as outras turmas, você acaba até descansando nas outras. Então, de uma certa forma você aproveita e você acaba usufruindo disso. Você acaba usufruindo positivamente e creio eu que os alunos também (Janete, 49 anos de idade, 27 anos de magistério).

Ao observarmos que o tempo de planejamento é reivindicado na lei e

descumprido pelo governo, ao mesmo tempo, os depoimentos dos professores nos

alertam que a utilização do tempo de planejamento hoje existente não tem sido usado

necessariamente para planejar. O tempo destinado ao planejamento se coloca como

insuficiente para os professores, pois o tempo em que deveriam planejar está sendo

destinado muitas vezes a outros trabalhos, em outras escolas, sejam públicas, privadas

ou mesmo em outras ocupações fora do magistério. O que ocorre é que resta pouco, ou

nenhum tempo do professor destinado a essa prática e o fator forte de influência seria a

baixa remuneração, onde todo o tempo que possuem é utilizado ao máximo “dando

aulas” a fim de obter uma remuneração um pouco melhor.

O Programa Autonomia já possui sua metodologia pronta, sendo suficiente que o

professor implemente-a; as teleaulas já vem planejadas, sendo necessário que o

professor execute-as, apresentando e debatendo (ou não) as questões propostas com os

seus alunos. Esse tipo de metodologia é um fator de forte influência para que os

professores deixem de fazer o planejamento, uma prática inerente e fundamental à

docência. Desse modo, o professor é dispensado do trabalho de elaboração, tornando-se

mero executor de um plano traçado por outrem.

Muitos professores não parecem seguir completamente todo o tratado advindo

do Programa, outros, porém, seguem-no à risca, sem reflexões anteriores. Conforme o

depoimento de Christiane, que assume que não faz o planejamento, o considera fictício,

e o faz quando dá, o planejamento é algo secundário, ela diz que assiste à teleaula junto

com o aluno em sala e que por considerar as teleaulas didaticamente inteligíveis ela

dificilmente assiste as aulas anteriormente ou prepara os seus conteúdos e estratégias

didáticas previamente.

Page 50: Valores e usos do tempo dos professores

50

Os professores que trabalham com mais de uma modalidade de ensino, como

Janete que trabalha no Programa Autonomia, no ensino regular de nível médio e no

Nova EJA34, ou seja, em três modalidades bem distintas, a ausência de tempo para o

planejamento é latente. No caso em questão, seria necessário planejar inúmeras aulas

semanalmente para diversas turmas dentro das diferentes modalidades e, apesar de

preparar materiais nos finais de semana, conforme ela mesma afirmou em seu

depoimento, na prática, acaba usufruindo das aulas prontas, da metodologia do

Programa Autonomia para as outras modalidades, descansando e assim evitando a

preparação de algumas aulas, segundo ela, trabalhando de forma positiva e proveitosa

também para os alunos.

A menos que haja uma dedicação exclusiva do professor a uma escola ou a uma

modalidade de ensino, o tempo de planejamento acaba sendo uma prática esporádica,

ineficiente, insuficiente e que não condiz com os objetivos do que seria um tempo

necessário para pensar, refletir e preparar boas aulas, sendo assim o trabalho docente

não se realiza de forma autônoma, plena e eficiente. A definição de uma jornada de

trabalho compatível com a especificidade do trabalho docente está diretamente

relacionada à valorização do magistério e à qualidade do ensino, uma vez que a

utilização do tempo fora da sala de aula para realizar outras atividades ligadas ao

planejamento do ensino interfere positivamente na qualidade das aulas e no desempenho

do professor.

1.2.4. Tempo de ir e vir: o deslocamento

É um fator comum na Rede Estadual de ensino encontrarmos professores que

trabalham muito distante de suas residências. Isso se dá pelo fato dos concursos nem

sempre oferecem vagas para todos os municípios, fator que gera um grande contingente

de professores aprovados para regiões distantes, que acabam sendo convocados e

aceitando essas vagas. Outro fator, menos comum, mas que também ocorre, é o

professor fazer o concurso para a região onde mora, e na data convocação, na

inexistência de vagas este professor ser convidado para atuar em outra região mais

distante. Geralmente este último caso ocorre quando o concurso está perto de perder a

34 Segundo a SEEDUC, o NovaEJA é uma nova política de Educação de Jovens e Adultos, com metodologia e currículo específicos, material didático próprio, recursos multimídia e aulas dinâmicas e metodologia para ser trabalhada com alunos em defasagem idade-série em parceria com a Fundação CECIERJ. Fonte: http://projetoseeduc.cecierj.edu.br/principal/nova-eja.php

Page 51: Valores e usos do tempo dos professores

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validade, sendo assim, não aceitar a vaga oferecida, significa perder a matrícula

conquistada. Devido à estabilidade do emprego público, muitos professores fazem

concurso para áreas distantes de suas residências ou acabam aceitando a proposta da

Secretaria de Educação de assumir sua matrícula em outra região, esperando, mais

tarde, poder atuar próximo de sua residência, o que acaba provocando um grande

desgaste em sua vida profissional.

O relato de Janete nos desperta neste ponto, quando afirma que no seu décimo

ano de atuação no magistério, já atuando com uma matrícula no estado, em Seropédica,

foi convocada para assumir a sua segunda matrícula na rede estadual do Rio de Janeiro

e foi trabalhar no município de Pinheiral, no Sul Fluminense, localidade para a qual não

havia feito o concurso.

Eu fiz o concurso para Piraí. Aí só tinha vaga para Pinheiral, que era uma cidade mais pra perto de Volta Redonda. Longe de Piraí e mais perto de Volta Redonda. (pausa). Eu ia terça e quarta, foram os horários que eu consegui. Então eu ia terça e voltava, que eu tinha um filho menor, né?! Aí depois ia quarta e voltava. Então realmente era muito cansativo. Aí eu comecei a conhecer pessoas lá e eu comecei a dormir. Então eu ia na terça, dormia lá e voltava na quarta feira, e isso foram dois anos e meio (Janete, 49 anos de idade, 27 de magistério).

Tendo em vista que as referidas cidades são bem distantes uma das outras e que,

além disso, Janete naquele momento morava no município de Itaguaí, a entrevistada

nos conta as dificuldades encontradas em relação ao deslocamento:

Nossa! De Pinheiral eu gastava... Eu saia da minha casa cinco (horas) da manhã pra chegar lá oito e meia, oito e quarenta. Era três horas e quarenta (minutos). Só tinha uma condução. Então eu saia de Itaguaí às cinco horas em ponto, pegava um ônibus... Porque eu morava na reta de Itaguaí. Da reta ia até Itaguaí, de Itaguaí eu ia até o Belvedere, que sete e dez em ponto passava um ônibus pra Pinheiral. Só tinha aquele. Aí o outro ônibus só tinha depois das dez horas, se eu perdesse, não adiantava, eu não conseguiria chegar mais na escola (IDEM).

Por ser muito distante de sua residência, Janete acabou desistindo da matrícula

ao não conseguir pedir remoção para outra localidade. Continuou com sua primeira

matrícula em Seropédica e dois anos depois fez um novo concurso, onde posteriormente

foi chamada para trabalhar no bairro de Campo Grande, próximo ao local onde passara

a morar. Em relação ao deslocamento, a entrevistada afirma que sua vida só ficou

Page 52: Valores e usos do tempo dos professores

52

tranquila em 2006, ou seja, dezoito anos depois de entrar no magistério, quando

finalmente conseguiu concentrar suas duas matrículas em uma escola e ir a pé para o

trabalho. Neste caso, observamos que, na docência, antiguidade pode ser posto para uma

melhor colocação em relação a locais de trabalho e para uma carga horária mais

concentrada.

1.2.5. Tempo fragmentado: uma matrícula, várias escolas

É de comum acordo que para um trabalho pedagógico se realizar de forma

consistente é preciso que haja dedicação do professor a um número pequeno de turmas e

que ele atue preferencialmente em uma única instituição. Isto porque só desta maneira é

possível criar uma relação de conhecimento, pertencimento e interação, fundamentais à

prática pedagógica.

Porém, a realidade é que um professor da educação básica dificilmente tem uma

única matrícula e geralmente acumula vários empregos na esfera pública ou privada a

fim de alcançar uma remuneração razoável. Nesse sentido, a fragmentação do tempo de

trabalho de um professor pode ser alvo de infinitos estudos e discussões35.

No inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, onde há as disposições gerais

da administração pública, afirma-se que é vedada a acumulação remunerada de cargos

públicos, excetuando, entre outros casos, a de dois cargos de professor quando houver

compatibilidade de horários. Deste modo, de acordo com o texto constitucional, os

professores do ensino básico não podem acumular mais de dois cargos em esferas

públicas, sejam elas, federal, estadual ou municipal.

Observamos que ao mesmo tempo que a Lei maior impede que o professor tenha

mais de duas matrículas públicas, estados e municípios permitem que os professores

façam horas extras dupla ou triplamente. Na rede estadual do Rio de Janeiro, através do

regime de GLP (Gratificação por Lotação Prioritária)36, é permitido que o professor

35 Em busca realizada no banco de teses da CAPES com a combinação das palavras chave: “Condições de trabalho, tempo de trabalho e trabalho docente” foram encontrados 25 estudos no ano de 2007, 32 em 2008, 31 em 2009, 28 em 2010, 37 em 2011 e 46 em 2012, resultando numa média crescente ao longo dos anos. Muitas dissertações e teses se referem ao mal estar docente, qualidade de vida e burnout. 36 A GLP é uma gratificação que o professor pode perder a qualquer momento, pois as vagas ocupadas são de professores licenciados e/ou afastados. O dinheiro da gratificação não vai para a aposentadoria e demais benefícios aos quais o professor tem direito na matrícula.

Page 53: Valores e usos do tempo dos professores

53

amplie até 24 tempos37 da sua carga horária em sala de aula, alcançando 36 tempos de

atividade de interação com os educandos.

Percebemos então que a restrição ao acúmulo de mais de duas matrículas não se

dá, necessariamente, para que o professor obtenha mais tempo fora de sala de aula para

planejar seus cursos, pois ele pode, legalmente, ficar a semana toda em sala de aula

fazendo “hora extra” ou GLP, ou mesmo ter outros empregos na rede privada de

educação tanto quanto a sua disponibilidade permita. Observamos através deste fator

que existem várias formas de o poder público aproveitar as lacunas na Lei que acabam

gerando práticas extremamente prejudiciais como essas.

Relembremos o relato exposto na apresentação desta dissertação, onde

expusemos a fragmentação do tempo de acordo com a experiência da autora enquanto

professora da Rede estadual do Rio de Janeiro. Aquela realidade apresentada é bem

parecida com a de muitos professores que, além de trabalharem em mais de uma

matrícula, seja ela no estado, em outro município ou em escolas particulares, ainda têm

sua carga horária de uma única matrícula dividida em várias escolas. Essa irregularidade

geral situada no âmbito de um ciclo irregular da semana de trabalho é um fator que

provoca muitas lamentações por parte dos professores.

No depoimento abaixo, de um professor que só atua na rede estadual,

observamos a fragmentação do tempo de trabalho e os gastos com deslocamento, fator

que o levou a aderir ao Programa Autonomia recentemente.

Nos primeiros três anos de trabalho eu saia de casa e pegava um ônibus e um trem para Queimados, dava aula durante o dia todo no Colégio (Estadual) São Cristóvão, depois pegava dois ônibus pra ir pra Manguariba onde dava aula a noite no Colégio (Estadual) Gandhi, depois eu pegava mais um ônibus para ir pra casa. (Nesse período) Também trabalhei no (Colégio Estadual) Cesarão38. Isso trabalhando dois dias no estado. Com a compra do carro eu vi que andava 200 km por semana para trabalhar. Hoje trabalho só em Cosmos, no (Colégio Estadual) Jornalista Artur da Távola, com o Programa Autonomia. Trabalho cinco dias por semana e faço 100 km por semana (Professor Fábio, 29 anos, 12 anos no magistério).

O depoimento da professora Christiane também nos revela a mesma situação:

37 Tabela completa com a carga horária permitida aos professores através de GLP, disponível no manual de alocação de professores da SEEDUC, disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/736278/DLFE-45111.pdf/manualQHI_05DEJANEIRO.pdf 38 Nome fictício da escola, por solicitação do professor, que afirmou ter saído desta escola não só pela distância mas por divergências com o diretor.

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Trabalhei no CIEP 188, que fica localizado numa área totalmente rural, sua rua de acesso não possui asfalto. Levava um tempo médio de 40 minutos para chegar nesta escola, já o CIEP 354, se localiza numa área de risco eminente e era longe, eu levava cerca de 1 hora e 20 (minutos) para chegar lá. Hoje nesta escola que atuo com o (Programa) Autonomia, utilizo carro com um tempo médio de viagem de 15 minutos (Professora Christiane, 32 anos, seis anos de magistério).

A divisão da matrícula em várias escolas tem sido um fator muito presente na

Rede Estadual do Rio de Janeiro que tem se dado devido ao fechamento de turmas,

escolas ou implementação de novas modalidades de ensino, onde muitos professores

perdem turmas, consequentemente a lotação e acabam tendo que dividir sua carga

horária de uma única matrícula em várias escolas, ou seja, seus doze tempos em sala de

aula passam a ser diluídos em duas, três, quatro ou mais escolas.

Considerando esta uma realidade muito presente na Rede Estadual, a emenda de

nº1739, de autoria dos deputados Marcelo Freixo, Robson Leite e Inês Pandeló,

acrescentava ao PL 2200/1340, que concedeu novo reajuste aos profissionais da

educação, que “a matrícula do profissional da educação deverá corresponder à lotação

em apenas uma escola”. O objetivo proposto pela emenda era superar um fator de

precarização existente hoje na rede: a fragmentação do tempo do professor que precisa

trabalhar em três, quatro ou mais escolas, muitas vezes fora do município em que reside.

Logo após a proposta ter sido colocada, o veto à emenda foi solicitado pelo secretario de

educação Wilson Risolia e a emenda foi vetada pelo governador Sérgio Cabral em 18 de

junho de 2013.

Toda essa fragmentação do tempo, além de levar o professor a um intenso

desgaste físico, ainda gera um tempo maior de deslocamento que não é remunerado,

pois, o auxílio transporte41 pago pela Secretaria de Educação, além de ter critérios

pouco claros, desconsidera o fato de o professor trabalhar em uma ou mais escolas, ou

ter uma ou duas matrículas na rede estadual. A fragmentação da matrícula na rede têm

levado muitos professores a aderirem ou optarem por atuar junto ao Programa

Autonomia quando lhes é oferecida esta oportunidade, pois este Programa lhe garante a

39 Emenda aditiva nº37, em regime de urgência, em discussão única ao Projeto de Lei nº2200/2013. 40 Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, publicado em 15 de maio de 2013 41A partir de fevereiro de 2013, de acordo com o decreto nº 42788 de 06 de janeiro de 2011, a SEEDUC

passou a pagar o auxílio transporte no valor que varia de R$ 57,00 a R$ 110,00 aos servidores da secretaria estadual de educação. O valor é pago por CPF e não por matrícula, portanto o docente que possua duas matrículas na Rede Estadual recebe apenas por uma matrícula.

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concentração da matrícula numa única escola, além de uma gratificação decorrente do

aumento da carga horária.

1.2.6. O direito à preguiça: o “tempo livre42” dos professores

Conforme vimos anteriormente, o estudo do tempo é bastante enriquecedor para

a compreensão das sociedades e dos modos de vida humana, na medida em que vida e

tempo mesclam-se, relacionam-se, determinam-se. A história do lazer – ocupação de um

“tempo livre” ou disponível – está inegavelmente associada à história dos tempos

sociais, seus usos, suas percepções, representações, bem como às lutas travadas para

medi-los e controlá-los.

O direito à preguiça, obra panfletária que já nos referimos, tem uma clara

mensagem política: fazer a crítica materialista do trabalho assalariado ou do trabalho

alienado. A preguiça seria, então, uma condição para que o proletariado se libertasse ao

mesmo tempo em que se desenvolvesse física, psíquica e politicamente. Lafargue

(2000) reivindicou em 1880, o direito à preguiça porque ele queria estender um espaço

de lazer que era disponível apenas para alguns privilegiados.

A redução da jornada de trabalho aparece já no final do século XIX, como uma

das propostas para atenuar a alienação do trabalho. O desenvolvimento tecnológico e o

uso racional das máquinas pareciam, então, uma solução para que os trabalhadores se

livrassem da exploração que sofriam do trabalho, na medida em que teriam suas

jornadas reduzidas, ao menos potencialmente, a três horas diárias. Para Lafargue (2000),

essa drástica redução da jornada de trabalho poderia fazer o trabalho voltar a ser uma

fonte de prazer para o homem. A redução da jornada de trabalho era vista, tanto por

Lafargue como por Marx, como saída para aumentar o “tempo livre” dos trabalhadores.

Fica claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho a ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem

42 A expressão “tempo livre” foi utilizada entre aspas para sinalizar que é preciso relativizar o uso da palavra “livre”. Quando se usa a palavra “livre” para qualificar um tempo, presume-se que algo precisa ser pensado como seu oposto. Seria um tempo livre liberto do quê? De uma prisão? De um inimigo? De uma obrigação social? De normas ou regras? Quando se pensa com mais profundidade nessas “oposições” sociais à liberdade, chega-se a conclusão que é preciso entender o sentido de liberdade. O que é liberdade? O que é ser livre ou o que significa ter um tempo específico para ser livre? Essa discussão, por demais abrangente, não será feita nesta dissertação, utilizaremos a expressão “tempo livre” para o tempo disponível fora das obrigações e do trabalho.

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qualquer sentido o tempo para educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o descanso dominical [...]. Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do Sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo sempre que possível ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos [...] como se fosse mero meio de produção. [...] O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho (Marx, K. 1989, p.300-1).

Partindo dessas reflexões, acreditamos ser necessário analisar criticamente como

tem se dado as formas de utilização do “tempo livre43” por parte dos professores. Os

depoimentos que apresentaremos a seguir demonstram uma mistura de concepção do

que seria o “tempo livre” e diferentes formas de apropriação desse tempo.

Um fator comum nos depoimentos foi associar o final de semana ao “tempo

livre”. Visto que, são dias que o trabalhador docente não está em sala de aula, embora

alguns afirmem planejar aulas, estudar ou se aperfeiçoar nestes dias. O depoimento de

Nilda, que está próxima de se aposentar, parece emblemático neste ponto:

Eu não tenho mais lazer. Eu gosto só de ficar na internet. Mas geralmente, final de semana eu planejo aula de toda a semana, da semana inteira, e durante a semana não dá tempo, tem que cuidar de casa é complicado. O lazer acabou (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).

A professora associa diretamente o final de semana a um período que deveria ser

reservado ao “tempo livre” com atividades de lazer, porém com a vida atarefada que

possui, incluindo as tarefas domésticas, este tempo tem sido negligenciado em função

de um cotidiano, durante a sua semana de trabalho, que não permite que ela faça o

planejamento de suas aulas. Ao dizer que gosta só de ficar na internet, associa as

navegações na rede como uma forma de distração e ocupação do “tempo livre”, se

referindo como um “lazer” menor ou um não-lazer, pois, como ela mesma afirma, não

possui mais formas de lazer em sua vida.

Outro depoimento que chama a atenção neste ponto é de uma outra professora

que também está próxima de se aposentar. Neste caso, ela afirma não possuir muito

43 Nas entrevistas, geralmente ao final, a pergunta feita foi “Como você utiliza o seu tempo livre?” Alguns professores associaram a questão ao tempo de lazer, ao tempo sem trabalho, ao tempo fora da sala de aula ou demarcaram o final de semana como sinônimo de “tempo livre”.

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“tempo livre”, que tem ocupado, praticamente, todo o seu tempo com o trabalho, mas

que almeja o “tempo livre”, assim que deixar a docência, embora afirme que não irá

deixar de ter uma vida produtiva, mesmo que seja atuando em outras áreas, associando

desta forma que a sua realização pessoal após a aposentadoria será através da realização

de atividades que até então não pôde colocar em prática.

Esse ano tá complicado. Ano que vem eu vou me aposentar. Então nessa reta final eu tô realmente ocupando o meu tempo. [...] Ultimamente tô sem horário livre. Esse ano eu peguei bastante turmas, então agora eu tô trabalhando mais um pouco. Meu ritmo sempre foi acelerado, sempre foi forte, batidão. Parei durante muito tempo, fiquei afastada, readaptada e agora voltei ao ritmo normal, que é não ter lazer. Como eu vou me aposentar ano que vem eu tô me dedicando mais esse ano. É o último ano. Aí sim, eu vou pra minha casa em Mangaratiba, ficar lá, vou fazer o curso que quero, de costura... Eu sempre fui muito agitada. Parar não! (Professora Janete, 50 anos, 26 anos de magistério). O meu lazer por enquanto é ficar em casa... internet, televisão... Entendeu? Quero ir ao cinema mas eu não consigo, tô tão cansada fim de semana que, sabe, acabo nem indo. Eu falo “Ah, vou sair”, mas eu prefiro dormir por conta do cansaço (IBIDEM).

Esta professora que sempre teve um ritmo acelerado de trabalho ficou de licença

médica por sete meses, recentemente, segundo ela devido a carga de trabalho muito

pesada que tinha. Quando voltou ficou readaptada de função por um ano, trabalhando na

biblioteca da escola. Quando voltou para a sala de aula, Janete parece seguir o mesmo

ritmo anterior, mas segundo ela, por um curto período, visto que irá se aposentar em

breve.

Janete associa o “tempo livre” ao tempo destinado ao ócio ou a outras atividades

como assistir televisão ou ficar na internet, diz que gosta de ir ao cinema, mas que não

tem conseguido fazer isso atualmente, preferindo dormir por conta do cansaço.

Exemplos semelhantes de utilização do “tempo livre” encontramos no depoimento de

Christiane.

Tenho tempo livre porque eu faço o meu tempo livre. Não abdico de ter sábado e domingo em casa. Durmo, vou ao cinema, vou no shopping, saio para tomar uma cerveja. [...] Eu trabalho de segunda a sexta. Faço com que o meu final de semana seja para mim, de descanso para poder aguentar a semana, porque durante a semana eu estou em cinquenta lugares ao mesmo tempo. Hoje eu já dei aula em Valqueire, já dei aula no Pechincha, tô em

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Paciência e vou voltar pra Valqueire. Amanhã eu tô lá dentro de Jacarépagua, tô no Pechincha de novo, tô no Valqueire e tô em Paciência. Então, dia de semana eu rodo que nem louca, mas final de semana é pra mim. Eu faço o meu tempo livre pra ter esse tempo pra mim, se não, não dá. Dinheiro né? A Gente ganha pouco, então a gente acaba tendo que trabalhar assim, então eu prefiro não trabalhar final de semana, eu prefiro descansar. Eu faço o meu tempo livre, me dou esse prazer (Professora Christiane, 32 anos, 5 anos de magistério).

Ir ao shopping, ir ao cinema (geralmente nos Shoppings) foram citados

coincidentemente por essas duas professoras. Christiane cita determinadas atividades

em seu tempo livre nas quais busca uma atividade de lazer que lhe renove as energias

para aguentar o intenso ritmo semanal. Tudo isso nos remete a uma reflexão realizada

por Padilha (2006), quando faz uma análise dos espaços de lazer da sociedade

contemporânea, vasculhando o espaço e os meandros do bazar cultural mundializado

que seriam os Shopping Centers e nos sugere importantes reflexões.

De um lado o capitalismo de hoje impõe à classe média uma ditadura do lazer, ou seja, faz-se necessário ocupar o tempo livre de qualquer maneira, uma vez que o ócio – no sentido de não fazer nada ou de simplesmente contemplar – é condenado num sistema que depende da produtividade acelerada. Assim, as atividades de lazer entram no mesmo ritmo da produção e são oferecidas prontas aos seus consumidores, sob o pretexto de que o ser humano moderno, não preparado para desfrutar do seu tempo livre, possibilitado pelo avanço do capitalismo, seria incapaz de inventar o seu próprio lazer. Dessa relação entre trabalho e lazer nasce a concepção compensatória, ou seja, se o trabalho aliena e cansa, deve-se oferecer aos trabalhadores uma atividade de lazer que supostamente compense tal alienação, de forma a recuperá-lo para o trabalho no dia seguinte. Gera-se um círculo fechado na lógica do capital do qual não escapam nem o tempo de trabalho nem o tempo de não-trabalho. Por isso, viver a plenitude de um tempo livre numa sociedade controlada pela racionalidade econômica do mercado fica cada vez mais difícil (PADILHA, V. 2006, p.27-8).

Bruno é professor, mas também possui atividades paralelas num programa de

rádio, afirma que o seu “tempo livre” é nesta ocupação, associando essa atividade mais

como um lazer do que com um trabalho. Além disso, afirma utilizar o “tempo livre”

para estudar e fazer outras atividades que o trabalho de professor exige.

Meu tempo livre atualmente é na rádio. Eu tenho um programinha de música, informações e serviços. Outra parte do tempo fico em casa estudando porque esses projetos, tanto o Autonomia, quanto o Nova EJA requerem que você se desdobre nos estudos. Você tem que preparar aula, você tem que participar de reunião. Então meu tempo livre, não é muito livre não. Durante a semana eu

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tiro pelo menos duas horas, até três horas no computador, entendeu? É... Participando das atividades propostas, estudando as questões que eles colocam... Então livre mesmo só sábado e domingo. Mas mesmo final de semana eu tenho que prestar conta aos meus tutores e a plataforma que me cobra atividades (Professor Bruno, 53 anos, 15 anos de magistério).

Mais uma vez, observamos o “tempo livre” associado quase que

obrigatoriamente ao final de semana, porém, mais uma vez o vemos ocupados por

diversas atividades realizadas pelos professores. Bruno ressalta que os projetos nos

quais ele trabalha lhe exigem muito. Ele precisa preparar aulas, participar de reuniões e

pela primeira vez, dentre os depoimentos, vimos a associação da utilização da internet

não para lazer mas para trabalho, embora continue com a mesma percepção de que a

utilização da internet faz parte do “tempo livre” ou seja, se dá fora do trabalho,

dissociando as atividades de planejamento e estudos das atividades laborais.

Sobre o necessário tempo de descanso, trouxemos mais uma vez para essa

discussão trechos do depoimento de Janete, pois sua trajetória, ao longo dos 27 anos de

magistério, nos oferece elementos que evidenciam um percurso com um tempo bastante

regrado em seu cotidiano de trabalho. Com uma rotina de trabalho difícil, e já ter tirado

licença por depressão, já passou por diversas escolas, já foi readaptada, e hoje

novamente em sala de aula, próxima de sua aposentadoria afirma que trabalha muito,

prepara aulas e corrige provas em seu único tempo disponível que é aos fins de semana,

mas ultimamente vem proclamando o seu “direito à preguiça”.

O único dia que eu tiro pra descansar é quarta feira. O dia todo. Eu não faço nada. É meu dia de nada. Eu trabalho a noite, mas durante o dia é o dia que eu tiro pra dormir e descansar. Domingo depois das quatro (horas) da tarde também, mas domingo de manhã eu ainda trabalho. Domingo agora eu trabalhei por causa do conselho de classe, fechando nota... Direto! Ontem, hoje também... Hoje ainda tirei uma folga porque amanhã tem conselho, então eu tirei minha folga à tarde hoje, mas eu trabalho bastante. A semana toda eu conto bastante horas (de trabalho), sem contar as horas na escola. As tardes, algumas tardes, eu tirei para descansar. Então eu trabalho de manhã, a noite, só terça que eu trabalho a tarde. Então, segunda, quarta, quinta, sexta, sábado, passo praticamente o dia todo, dando ou preparando aula... Algumas noites de sábado também viro a madrugada até tarde, aí domingo engreno e a noite paro pra ver minha televisão que eu gosto (Janete, 49 anos de idade, 27 de magistério).

É bom lembrar que entre as possibilidades de ocupação deste tempo disponível,

os professores, na maioria das vezes e em proporções diferentes, acabam optando ou por

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lazeres programados e direcionados ao consumo de bens e serviços ou pela passividade

de entregar-se ao mundo divertido e mágico da televisão ou da internet.

CAPÍTULO 2: A DOCÊNCIA NO TEMPO E NO CONTEXTO DAS LEIS

No presente capítulo buscaremos analisar o contexto material/econômico e as

condições objetivas de trabalho dos professores. Para isso tomaremos como base as

reformas educacionais da década de 1990, as políticas que têm como marco o IDEB

(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), o Compromisso Todos Pela

Educação e o que chamamos de “Compromisso Fluminense” com as novas políticas

educativas e suas interferências no trabalho docente. Nosso objetivo aqui foi lançar um

olhar sobre as condições às quais os professores estão submetidos, analisando a relação

entre as políticas educacionais vivenciadas por eles e a dinâmica de seus processos de

trabalho, que podem ter gerado a adesão de diversos sujeitos a Programas educacionais

como o Autonomia.

O contexto que teve como marco as reformas educacionais da década de 1990

foi fortemente marcado pela meritocracia44 e por mudanças muito amplas no âmbito do

trabalho docente. Localizaremos os professores dentro desse contexto político/social

mais amplo, buscando mostrar a intensidade com que o Estado provocou mudanças na

organização e funcionamento da rede escolar, para novamente explicitar como isso

interfere no tempo do professor e na “con(formação)” de um grupo profissional.

Partindo do entendimento de uma concepção ampla da legislação, por meio da

qual, pretendemos explorar documentos oficiais, dados estatísticos e programas

educativos. O presente capítulo pretende analisar a legislação educacional - Decretos,

Leis, Regulamentos, Programas de ensino e o contexto material/econômico, ou seja, as

condições objetivas de trabalho dos professores, a fim de expor as políticas

educacionais vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa. Mostraremos a intensidade com 44 A palavra meritocracia é definida no nível ideológico, “como um conjunto de valores que postula que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser consequência do mérito de cada um. Ou seja, do reconhecimento público da qualidade das realizações individuais”. (BARBOSA 2003, p.22). Segundo a autora, a palavra meritocracia aparece diluída nos debates sobre desempenho e avaliação, justiça social, reforma administrativa do Estado e o neoliberalismo. Na realidade, o termo se refere a uma das mais importantes ideologias e critérios de hierarquização social das sociedades modernas, atinge as diferentes dimensões de nossa vida social e no âmbito do espaço público. No entanto, seu uso científico no campo educacional vem sendo cada vez mais frequente (KREIMER, 2000). Para mais detalhes, ver: VIEIRA, C. M. et al. Reflexões sobre a meritocracia na educação brasileira. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.21, n. esp., p.316-334, jan./jun.2013. Neste artigo, os autores analisam o sentido etimológico do termo mérito, buscando compreender o significado atribuído aos termos meritocracia e meritocracia escolar no contexto da Reforma do Aparelho do Estado.

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que o Estado provoca mudanças na organização e funcionamento da rede escolar e

como isso interfere no trabalho docente e no tempo do professor.

A escolha do período, que engloba as últimas décadas, foi muito influenciada

pela recorrente referência a este na literatura sobre a precarização do trabalho docente e

por considerarmos que os anos 1990 no Brasil são caracterizados como um marco da

implementação de políticas marcadamente neoliberais, acarretando perdas consideráveis

para a educação e também para o trabalho docente. No Rio de Janeiro, nas escolas

públicas estaduais, observamos que o trabalho docente foi submetido a mudanças

significativas, principalmente em decorrência das políticas baseadas na meritocracia e

na remuneração por resultados. Os efeitos dessas políticas são inúmeros, e atinge desde

aspectos relacionados à pressão emocional e ao estresse, até aspectos que ocasionam

alterações nas relações sociais, tais como uma maior competição entre os professores, a

redução da sociabilidade na vida escolar, o aumento do trabalho burocrático e ações

profissionais cada vez mais individualizadas.

É bem verdade que o conhecimento prévio de algumas dessas políticas orientou

nossa seleção de depoimentos, mas o conjunto de políticas a serem consideradas no

estudo foi composto, também, a partir dos depoimentos dos professores, já que este será

o fio condutor de nossa análise. Recorreremos mais uma vez as análises de Thompson,

pois, entendemos que o historiador inglês nos instiga a contextualizar o papel da

legislação sobre os rumos da educação e do trabalho docente a partir da análise das

políticas governamentais e das reformas educacionais que incidem sobre os sujeitos que

as vivenciam no seu tempo de atuação profissional.

PARTE 1

2.1.1. A legislação como um campo de batalhas

A legislação educacional está intimamente ligada a determinadas formas de

concepção de educação, concepções estas que emanam das instâncias governamentais, e

que são apropriadas, de maneiras as mais diversas, seja pelos diferentes sujeitos ligados

à produção das leis, seja por aqueles que serão os executores da mesma. Diversas são

também, as maneiras de se enquadrar, desviar ou contestar as leis por quem se encontra

sob a órbita de determinadas normas legais em seu cotidiano. Talvez esta seja uma boa

chave de leitura para uma aproximação das inúmeras Leis e Reformas de ensino como

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estratégias governamentais de intervenção e de como os diferentes grupos delas se

apropriam no campo educativo.

Em relação às leis, tem sido comum encontrar análises que se baseiam em duas

perspectivas: uma que pretende uma análise por demais particularizada e diacrônica,

que acaba centrando o foco no presente, se esquecendo que as leis são construções

humanas, eivadas de disputas entre forças e interesses divergentes, portanto, o seu

caráter oficial, representa apenas uma parte do processo histórico que a engendrou;

outra que propõe um sobrevôo e se enquadra num mesmo esquema interpretativo

experiências diversas da relação dos indivíduos com as leis. A fecundidade da obra de

Thompson reclama o zelo permanente com o diálogo entre as duas perspectivas e mais

uma vez é na perspectiva thompsoniana que iremos nos debruçar. A seguinte passagem

de Thompson nos abre o caminho:

Ao investigar a história não estamos passando em revista uma série de instantâneos, cada qual mostrando um momento do tempo social transfixado numa única e eterna pose: pois cada um desses instantâneos não é apenas um momento do ser, mas também um momento do vir-a-ser: e mesmo dentro de cada seção aparentemente estática, encontrar-se-ão contradições e ligações, elementos subordinados e dominantes, energias decrescentes ou ascendentes. Qualquer momento histórico é ao mesmo tempo resultado de processos anteriores e um índice da direção de seu fluxo futuro (THOMPSON, 1981, p.59).

Ao situar o debate sobre a legislação educacional no tempo presente, resgatamos

a fundamental concepção teórica de Thompson a respeito da forma com que se deve

encarar o debate sobre a lei. Podemos afirmar que desde A formação da classe operária

inglesa, a lei aparece nos trabalhos do Thompson, simultaneamente como problema

político e teórico. Desde então, a lei não aparece como puro arbítrio, ou simples

mecanismo de domínio direto de uma classe sobre outra; ela surge como um campo de

batalhas.

É verdade que, na história, pode-se ver a lei a mediar e legitimaras relações de classe existentes. Suas formas e seus procedimentos podem cristalizar essas relações e mascarar injustiças inconfessas. Mas essa mediação, através das formas da lei, é totalmente diferente do exercício da força sem mediações. As formas e a retórica da lei adquirem uma identidade distinta que, às vezes, inibem o poder e oferecem alguma proteção aos destituídos de poder. Somente quando assim são vistas é que a lei pode ser útil em seu outro aspecto, a ideologia. Além disso, a lei em ambos os aspectos, isto é, enquanto regras e procedimentos formais e como ideologia, não pode ser proveitosamente analisada nos termos metafóricos de uma superestrutura

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distinta de uma infraestrutura. Embora isso abarque uma grande parcela evidente de verdade, as regras e categorias jurídicas penetram em todos os níveis da sociedade, efetuam definições verticais e horizontais dos direitos e status dos homens e contribuem para a autodefinição ou senso de identidade dos homens. Como tal, a lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens: tem sido um meio onde outros conflitos sociais têm se travado (THOMPSON, 1987, p.358).

É possível afirmar que Thompson esteja operando com dois modos diferentes, e

muitas vezes antagônicos, de apreensão do universo da lei. Ora a lei aparece como

mediação dos conflitos de classe, ora aparece como expressão da dominação de uma

classe sobre a outra. Essa variação depende do contexto. De todo modo, o tão pequeno

quanto denso item intitulado “O domínio da lei” incluído nas conclusões de seu livro

Senhores e caçadores se consagrou como uma profunda mudança de abordagem sobre

esta questão em relação às tendências até então predominantes no interior da tradição

marxista estruturalista, pois nele Thompson analisa os atores sociais envolvidos e nos

revela a dimensão da dinâmica social do domínio da lei. Por isso, a lei não pode ser

vista simplesmente como ideologia ou como aparato do Estado, ou mesmo como

instrumento da classe dominante. Enfim, ela deve ser vista, também, como mediação

dessas mesmas relações, de paternalismo e deferência, de domínio e subordinação.

Assim, a lei tem suas características próprias, sua história própria e sua própria lógica de

desenvolvimento. A linha geral da argumentação de “O domínio da lei” é polemizar

com o marxismo estruturalista, para o qual a lei “como tal é nitidamente um instrumento

da classe dominante de facto.” (Thompson, 1987, p. 349).

Ao adensar a polêmica com os estruturalistas, Thompson reafirma que seu

interesse pelos direitos e transgressões à lei por uns poucos homens no início do século

XVIII é antes de tudo um interesse por trivialidades. Critica a tradição marxista mais

antiga que acredita que:

O domínio da lei é apenas uma outra máscara do domínio de uma classe. O revolucionário não precisa ter nenhum interesse pela lei, a não ser como um fenômeno do poder e da hipocrisia da classe dominante: seu objetivo deveria ser o de simplesmente subvertê-la (THOMPSON, 1987, p.350).

Ao criticar essa visão do reducionismo estrutural que joga fora toda a luta pela

lei, e dentro das formas da lei, Thompson afirma que essa visão lançaria homens e

mulheres “num perigo imediato” (p.358) e trazendo o debate para o século XX, diz que

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“negar ou minimizar esse bem, neste século perigoso em que continuam a se ampliar os

recursos e as pretensões do poder, é um erro temerário de abstração intelectual.”

(p.357). Thompson insiste no ponto negligenciado por alguns marxistas estruturalistas e

não chega “a uma conclusão simples (lei = poder de classe), mas a uma conclusão

complexa e contraditória” (p.356), na qual a Lei, por um lado, torna-se um instrumento

que realmente mediava relações de classe existentes, para proveito dos dominantes; por

outro, mediava essas relações de classe através de formas legais, que impunham

restrições às ações dos dominantes. Sendo assim:

A lei (concordamos) pode ser vista instrumentalmente como mediação e reforço das relações de classe existentes e, ideologicamente, como sua legitimadora. Mas devemos avançar um pouco mais em nossas definições. Pois de dizemos que as relações de classe existentes eram mediadas pela lei, não é o mesmo que dizer que a lei não passava da tradução dessas mesmas relações em termos que mascaravam ou mistificavam a realidade. Muitíssimas vezes isso pode ser verdade, mas não é toda a verdade (IBIDEM, p.353).

Thompson aceita parte da crítica marxista-estrutural, confirmando as funções

classistas e mistificadoras da lei, porém, rejeita seu reducionismo inconfesso. Ao

analisar o século XVIII e a Lei Negra45 questiona a validade de se separar a lei como

um todo e colocá-la em alguma superestrutura tipológica:

A lei, considerada como instituição (os tribunais, com seu teatro e procedimentos classistas) ou pessoas (os juízes, os advogados, os Juízes de Paz), pode ser muito facilmente assimilada à Lei da classe dominante. Mas nem tudo o que está vinculado “a lei” subsume-se a essas instituições. A lei também pode ser vista como ideologia ou regras e sanções específicas que mantém uma relação ativa e definida (muitas vezes um campo de conflito) com as normas sociais; e, por fim, pode ser vista simplesmente em termos de sua lógica, regras e procedimentos próprios – isto é, simplesmente enquanto lei. E não é possível conceber nenhuma sociedade complexa sem lei (IBIDEM, p.351)

Além de ver a lei como um campo de disputas, de conflitos e de interesse de

diferentes setores da sociedade, Thompson também lembra que fazer a lei ser/parecer

45 Lei 9 George I c. 22, que veio a ser conhecida como “A Lei Negra”, decretada em maio de 1723. Uma lei para a punição mais eficaz de pessoas perversas e mal-intencionadas usando armas e disfarces, e praticando agressões e violências às pessoas e propriedades dos súditos de Sua Majestade, e para o encaminhamento mais rápido dos infratores à justiça. (Caput da Lei 9 George I. C.22)

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justa é de certa forma e em determinadas conjunturas, de interesse dos setores

dominantes, pois:

A maioria dos homens tem um forte senso de justiça, pelo menos em relação aos seus próprios interesses. Se a lei é manifestamente parcial e injusta, não vai mascarar nada, legitimar nada, contribuir em nada para a hegemonia de classe alguma. A condição prévia essencial para a eficácia da lei, em sua função ideológica, é a de que mostre uma independência frente a manipulações flagrantes e pareça ser justa (IBIDEM, p.354).

O que parece fundamental nas sugestões de Thompson, é perceber a relação

entre costume e lei. E essa relação é sempre instável e mutável. Exemplo disso é dado

pelo fato de que registrar os costumes, às vezes oralmente herdados, era uma maneira de

garantir, na lei, os direitos costumeiros. E, para assegurar a manutenção dos direitos, o

costume podia se tornar muito complexo e sociologicamente sofisticado. Ou seja, não

havia nada estático nem no costume nem, tampouco, na lei. Exatamente por isso, a lei

não aparece como um instrumento de domínio de uma classe sobre outra, mas como um

campo de lutas, aberto e indefinido, em que a complexidade dos costumes desempenha

um papel decisivo.

Para analisar as influências da lei de ambos os lados, dos dominados e

dominantes, Thompson partiu da experiência de humildes moradores das florestas e

seguiu através de evidências contemporâneas, as linhas que ligavam-nos ao poder. “Em

certo sentido as próprias fontes me obrigaram a encarar a sociedade inglesa em 1723 tal

como elas mesmas a encaravam, a partir de ‘baixo’.” (THOMPSON, 1987, p.17). A

validade dessas reflexões certamente lançaram um novo olhar sobre a Inglaterra de

1723, mas o que um debate sobre a Inglaterra do século XVIII nos ajuda a pensar os

professores do século XXI?

Thompson nos mostrou neste estudo, que ao forjarem leis duras e opressivas, a

classe dominante buscava servir aos seus próprios interesses, mas ao mesmo tempo, a

lei também impunha restrições ao poder, forçando “os dominantes a agir apenas por vias

permitidas pelas suas formas jurídicas.” (p.359). Ao lançar essa luz sobre o debate,

faremos o movimento de compreender a legislação educacional na forma como são

colocadas pelos órgãos oficiais, mostrando a intensidade com que o Estado provoca

mudanças na organização e funcionamento da rede escolar e como isso interfere no

trabalho docente e no tempo do professor, como o poder público busca implementar a

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lei visando servir aos seus próprios interesses, e ao mesmo tempo, colocamos como a lei

também impõe restrições ao poder. A partir da perspectiva dos de “baixo” veremos as

apropriações desse universo da “lei” na educação do estado do Rio de Janeiro.

PARTE 2 2.2.1. Condições de trabalho docente e as dimensões quantitativas do ensino

As variáveis que nos permitem caracterizar certas dimensões quantitativas do

ensino, como: o tempo de trabalho diário, semanal, o número de horas em classe, o

número de alunos por turma, o salário, o número de escolas que um professor precisa

atuar, etc., geralmente servem para definir o quadro legal no qual o ensino é

desenvolvido; elas são utilizadas pelos estados e municípios para contabilizar o trabalho

docente, avaliá-lo e remunerá-lo. Organismos como a OCDE (Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Economico) ou UNESCO (Organização das Nações

Unidas para Educação, Ciência e Cultura) utilizam destas mesmas variáveis para fazer

comparações entre professores de diferentes países.

O Proyecto Regional de Educación para América Latina y El Caribe (Prelac),

definiu, em 2005, o docente como protagonista na mudança educacional. Isso baseado

nas inúmeras mudanças que a sociedade vem sofrendo e que passa a exigir da educação

diferentes papéis antes assumidos por outras organizações, como a família, a igreja e a

própria vizinhança. O que o documento indica é que se espera, a partir de todas essas

mudanças, que a escola desempenhe outra função e, para tanto, faz-se necessário que os

profissionais que nela atuam sejam preparados diferentemente, tendo em vista que

deverão atuar em uma realidade multicultural, na qual a heterogeneidade e a diferença

passam a ser a grande tônica.

Nesse contexto, exige-se do trabalho docente muito mais do que as tarefas

restritas aos aspectos didáticos e pedagógicos. Espera-se, segundo a lógica do Prelac,

que, em face dessas transformações sociais e políticas, o papel dos docentes vá além do

espaço antes ocupado por ele. Além da função de ensinar em classes multiculturais, de

assumir as tarefas de enfermeiro, psicólogo e assistente social, é esperado desse

profissional que se envolva nas tarefas de gestão e de planejamento em uma tarefa

coletiva que inclua seus pares, os alunos e a própria comunidade. Além da defesa do

protagonismo docente, advoga-se ainda a tese de que as reformas educacionais

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implantadas na América Latina, nos anos de 1990, não vingaram no seu todo em função

do não-envolvimento dos docentes nas mesmas.

Ao longo das últimas décadas, a maior parte dos países – tanto da América

Latina como de outras regiões do mundo – empreendeu46 profundos processos de

transformações educacionais. O relatório da UNESCO de 2004, busca fazer um Perfil

dos Professores do Brasil levantando características dessa categoria profissional em

todo o país. Ao reconhecer os importantes avanços da expansão quantitativa da oferta

escolar, em todos os níveis, as mudanças nos estilos de administração e gestão,

“destinados a conceder maiores níveis de autonomia aos estabelecimentos escolares e

maiores níveis de responsabilidade pelos resultados (accountability)” (UNESCO, 2004,

p.11), os novos conteúdos curriculares e as novas tecnologias de informação nas

escolas, temos a seguinte ponderação logo no prefácio do documento:

Contudo, os resultados não são tão satisfatórios quando se observa o desempenho de aprendizagem dos alunos. As medições nacionais e internacionais confirmam que os progressos são muito lentos e que existem desigualdades muito significativas nos resultados de aprendizagem dos alunos de diferentes origens sociais. Embora seja verdade que o êxito da aprendizagem é consequência de fatores muito diversos e complexos, é aceitável sustentar que uma das explicações do baixo impacto das reformas nos processos de ensino-aprendizagem tenha sua raiz no “fator docente”, entendido como o conjunto de variáveis que definem o desempenho dos mestres, professores e diretores das escolas: condições e modelos de organização do trabalho, formação, carreira, atitudes, representações e valores (IBIDEM, p.11).

Embora reconheçam que o êxito da aprendizagem dos alunos dependem de

fatores diversos e complexos, que não chegam a ser explicitados, observamos uma

atribuição ao “fator docente” como raiz de explicação para o baixo impacto das

reformas educacionais na educação básica. Conforme observou Dalila Oliveira:

Após o ciclo das orientações e diretrizes educacionais, dos anos de 1980 e de 1990, voltadas para a gestão, o currículo, a avaliação e o financiamento, dentre outras, advindas dos organismos multilaterais47, observa-se, em muitos estudos e pesquisas realizados por esses agentes internacionais, uma tese recorrente de que os ‘professores fazem a diferença’ e que devem assumir certo ‘protagonismo’ nas reformas educacionais. A partir de então, os

46Utilizamos propositalmente a palavra “empreendeu”, para fazer uma alusão ao termo “empreendedorismo”, pois as reformas implementadas tiveram um forte caráter da lógica empresarial. 47 OCDE, Banco Mundial, OMC, UNESCO, PREAL.

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professores se tornaram alvo das políticas de inspiração neoliberal, mediante surgimento de diretrizes, programas e ações orientadas para a regulação e o controle profissional por meio da aferição e remuneração por desempenho, bem como a definição de competências e de certificações profissionais (OLIVEIRA, J. F. 2010, p.67).

É nesse cenário de mudanças na sociedade e na educação, com reflexos diretos

na escola, que as políticas educacionais passam a ser pensadas e implementadas no

Brasil. Políticas que colocam no professor, cada vez mais, a responsabilidade sobre o

sucesso ou o fracasso escolar dos estudantes nos exames, nos índices e nas metas de

qualidade estabelecidas em âmbito nacional e internacional. A avaliação do rendimento

escolar é uma das atribuições da União no processo de coordenação da política nacional,

o que não impede que estados e municípios também possam ter iniciativas de avaliação

do desempenho escolar em seus respectivos sistemas de ensino, o que já vem ocorrendo

na última década, mesmo que a União tenha criado e implantado exames e indicadores

de abrangência nacional. Nessa direção, destacam-se os seguintes exames implantados

pelo governo federal para a Educação Básica – SAEB (1994), Exame Nacional do

Ensino Médio – Enem (1998), Exame Nacional de Certificação de Competências de

Jovens e Adultos – Encceja (2002), Prova Brasil (2005), Provinha Brasil (2007). [...]

Todos esses exames sofreram alterações ao longo do processo de execução, nos

diferentes governos, mas estão todos sendo realizados em conformidade com sua

periodicidade.

Os resultados desses exames, sobretudo externos, ensejaram os governos a

voltarem sua atenção para a qualidade do ensino, colocando o docente como elemento

chave desse processo e definindo ações que pudessem contribuir para uma melhor

atuação desses profissionais, “o que vem incluindo mudanças na formação (inicial e

continuada), no ingresso da profissão e na carreira, dentre outros”. (OLIVEIRA, D. A. e

VIEIRA, L. F., p.69, 2012)

Observamos que com a inclusão dos testes padronizados, aprofundam-se os

processos de controle e regulação do trabalho docente agora vinculado ao desempenho

dos estudantes nos exames nacionais e concessão de bônus e avaliação de caráter

meritocrático. Como assinalou Freitas (2012):

Pautadas unicamente em resultados de avaliação de rendimento dos estudantes, tais políticas tendem a reforçar o caráter de mera instrução do ensino e a concepção meritocrática, hierárquica, subordinada e tutorial do

Page 69: Valores e usos do tempo dos professores

69

trabalho docente ainda presente na grande maioria das propostas de formação continuada oferecidas aos educadores. As ações indicadas no âmbito do apoio ao trabalho docente são extremamente tímidas, para não dizer equivocadas, para fazer face aos imensos desafios postos para a escola e a educação pública na atualidade (FREITAS, H. C. L., 2012, p.97-98).

Para o estabelecimento de uma política de profissionalização e valorização dos

educadores, que defina os caminhos e que fortaleçam a construção da identidade

profissional dos docentes da educação básica, Tardif e Lessard (2011) destacam, entre

outros pontos, a recuperação da dignidade do trabalho docente pela implementação da

Lei do Piso Nacional Salarial Profissional, na sua integralidade, prevendo-se a

concentração do professor com dedicação integral e exclusiva a uma escola e o

estabelecimento de 1/3 das horas para as atividades de preparação e avaliação do

trabalho docente.

Os autores afirmam a importância de que essas condições não sejam vistas

unicamente como exigências que determinam unilateralmente a atividade docente; elas

são do mesmo modo recursos utilizados pelos atores para chegar a seus fins. Nesse

sentido, a análise do trabalho docente não pode limitar-se a descrever condições oficiais,

mas deve também empenhar-se em demonstrar como os professores lidam com elas, se

as assumem e as transformam em recursos em função de suas necessidades profissionais

e de seu contexto cotidiano de trabalho com os alunos. (TARDIF, M., LESSARD, C.,

2011, p.112).

A análise sobre as condições de trabalho deve se situar no tempo e no espaço, ou

seja, no contexto histórico-social e econômico que as engendram. Considera-se, dessa

maneira, de acordo com o referencial marxiano de análise, que as condições de trabalho

são derivadas da forma determinada de organização do trabalho no capitalismo.

Diversos trabalhos acadêmicos48 procuram demonstrar as condições de trabalho docente

seja na perspectiva da proletarização (ENGUITA, 1991; APPLE e TEITELBAUN,

1991; KREUTZ, 1986; WENZEL, 1994); da ambivalência, apresentando características

de proletarização e profissionalismo (HYPÓLITO, 1991); em relação à carga de

trabalho (LESSARD et al, 2010); ou mesmo considerando as condições de saúde dos

docentes que traduzem em síndrome de bournout e exaustão profissional (ESTEVE et

al, 2004). Estes estudos listam certo número de fatores associados ao “mal estar” no

ensino demonstrando que as ambiguidades são permanentes e que os enfoques são

48 Fizemos uma breve recuperação dos conceitos sem qualquer pretensão à originalidade.

Page 70: Valores e usos do tempo dos professores

70

diversos a fim de encontrar diferentes perspectivas. O aumento da carga de trabalho, a

insatisfação no trabalho devido a sua precarização, a perda de autonomia, entre outros

fatores, incidem sobre a vontade de deixar a profissão ou em sua manutenção sem

satisfação profissional.

No dicionário Trabalho, profissão e Condição Docente (2010) dois verbetes

tratam do tema. Assunção e Oliveira (2010) ao tratarem da condição de trabalho

docente partem do conceito de condições de trabalho em geral, presente na obra de

Marx que trata sobre o processo de trabalho e observam que o conceito de condições de

trabalho está intimamente vinculado às condições de vida dos trabalhadores. No

segundo verbete, de Migliavacca (2010), a expressão condições de trabalho do

professor se refere a aspectos sociais, políticos, culturais e educacionais que, em um

período histórico dado, delimitam o marco estrutural em que se desenvolve o processo

de trabalho do professor, portanto, segundo a autora, está muito distante da

“identificação de uma suposta essência universal imanente ao trabalho docente”, já que

depende de uma contextualização histórica particular.

As condições de trabalho docente se referem à forma como está organizado o

processo de trabalho nas unidades educacionais. Tais condições compreendem aspectos

relativos à forma como o trabalho está organizado, ou seja, a divisão das tarefas e

responsabilidades, a jornada de trabalho, os recursos materiais disponíveis para o

desempenho das atividades, os tempos e espaços para a realização do trabalho, até as

formas de avaliação de desempenho, horários de trabalho, procedimentos didático-

pedagógicos, admissão e administração das carreiras docentes, condições de

remuneração, entre outras. A divisão social do trabalho, as formas de regulação,

controle e autonomia no trabalho, estruturação das atividades escolares e a relação do

número de alunos por professor, também podem ser compreendidas como componentes

das condições de trabalho docente. Ball (2005; 2008) analisa tal processo desde uma

perspectiva do caráter performático e regulador das políticas educativas que, ao alcançar

os docentes, por meio de um endereçamento interpelativo das reformas gerencialistas,

visam a um controle da subjetividade para forjar identidades docentes. Oliveira (2007)

também desenvolve o tema da autointensificação do trabalho docente, demonstrando

como os processos de intensificação, pela crescente precarização do trabalho e pelo

aumento das funções e atividades docentes, advindos das novas formas de organização

do trabalho impostas pelas reformas, vão se transformando em processos de

autointensificação. (DUARTE, 2010).

Page 71: Valores e usos do tempo dos professores

71

A temática é retomada nos artigos de Garcia e Anadon (2009). As autoras tratam

de demonstrar relações entre as reformas educativas e a autointensificação do trabalho

docente, indicando que a precarização do trabalho na educação básica, as novas

demandas nos modos de gestão do trabalho escolar, envolvendo o currículo e o ensino,

juntamente com as políticas oficiais de formação e profissionalização, estimulam uma

nova moral, que impõe, por sua vez, uma nova identidade docente, baseada na

responsabilização e na culpa. É um processo de subjetivação que, associado à

intensificação, atinge as emoções docentes, resultando num processo de intensificação.

Este processo liga-se a outra questão fundamental para análise do trabalho docente, que

é a jornada de trabalho. Ao abordar o tema, Sady Dal Rosso nos oferece algumas pistas

importantes. Segundo o sociólogo,

Nos dias de hoje, a questão da duração da jornada transformou-se num problema social e de pesquisa de primeira ordem, por causa do impacto sobre a saúde dos trabalhadores. Há profissionais da educação que realizam jornadas entre 60 e 70 horas semanais. Com isso, avolumam-se os problemas de saúde física e emocional na categoria. Muitos docentes também se submetem a horas de trabalho não pago na preparação de aulas, correção de provas, no atendimento a familiares dos alunos e em atividades coletivas nas escolas. A jornada é uma questão relevante por uma razão adicional, a saber, a luta pelo tempo livre. Dispor de tempo livre significa alargar o espaço de escolhas e de decisão para realizar atividades edificantes. Retomar a elaboração da teoria do valor trabalho, de modo que a classe trabalhadora tenha em mãos um princípio para a ação crítica é uma iniciativa desejável e necessária aos dias de hoje (DAL ROSSO, S. 2010. CDROM).

A jornada de trabalho se expressa primeiramente pelo componente de duração,

que compreende a quantidade de tempo que o trabalho consome das vidas das pessoas,

mas também se caracteriza pela intensificação do trabalho que tem a ver com o

investimento das energias das pessoas com o trabalho. Refere-se ao desgaste com o

trabalho. Neste caso, Assunção e Oliveira (2009), afirmam que a ampliação da jornada

de trabalho pode ser analisada como um elemento que resulta na intensificação do

trabalho, seja por meio da extensão da jornada diária, seja pela redução das

porosidades49 na jornada de trabalho. Trata-se de um aumento das horas e da carga de

trabalho sem qualquer remuneração.

49 A porosidade na jornada de trabalho é um conceito típico do fordismo, sendo considerada como buracos contidos na jornada de trabalho que se referem aos momentos em que o trabalhador vai ao sanitário, os tempos nos quais conversa com um colega pelos corredores, o tempo de descanso, etc.

Page 72: Valores e usos do tempo dos professores

72

Deve-se considerar que, no caso dos docentes, o número de horas semanais

efetivamente trabalhadas costuma ultrapassar o número de horas-aula informadas.

Segundo Souza (2008), trata-se do diferencial entre tempo de ensino e tempo de

trabalho, este último maior, englobando também o tempo empregado em preparação das

aulas, correção de provas, estudos, realizados fora do horário escolar, que deveriam ser

acrescidos ao tempo de ensino para melhor dimensionar a jornada de trabalho dos

docentes.

A intensificação do trabalho que ocorre no interior da jornada remunerada é

bastante preocupante por se tratar, em geral, de estratégias mais sutis e menos visíveis

de exploração. Um fator indicativo de jornada ampliada de trabalho e intensificação do

trabalho se refere ao número de unidades educacionais em que o sujeito docente

trabalha. Nesses casos, o professor não se identifica com uma escola em particular,

assume um número de aulas que não lhe permite conhecer e gravar o nome da maioria

de seus alunos e acaba sem tempo para preparar aulas, estudar e se atualizar, dedicando

boa parte de seus finais de semana a cuidar de questões do trabalho sobre as quais se

encontra impedido durante a semana.

Observamos este aspecto muito presente entre os professores do Ensino Médio,

que costumam ter menos tempo concentrado em uma única escola. Segundo Oliveira e

Vieira (2012), em base aos dados do Survey50 que envolveu investigação simultânea em

sete estados da federação envolvendo 664.985.280 sujeitos docentes, quando questionou

a quantidade de unidades educacionais que os sujeitos trabalham, observou-se:

Na educação infantil e, sobretudo, na creche, encontramos a frequência mais alta entre os que trabalham em apenas uma unidade educacional: 81% estão na creche, 66% na pré-escola, 51% no ensino fundamental e 37% no ensino médio. Por outro lado, é no ensino médio que observamos a frequência mais alta, 20,9%, dos que trabalham em três ou mais unidades educacionais (OLIVEIRA, D. A.; VIEIRA, L. F. 2012, p.175).

50O Survey refere-se aos dados da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil, em cooperação técnica com o Ministério da Educação – Secretaria de Educação Básica, realizados por equipes locais de professores que lideram grupos de pesquisas. A pesquisa foi orientada por quatro grandes hipóteses: a ocorrência de ampliação da jornada de trabalho real dos docentes, sem o reconhecimento formal; ampliação de funções e responsabilidades docentes; intensificação e autointensificação do trabalho e a emergência de nova divisão técnica do trabalho nas unidades educacionais. O livro “Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros” organizado por Oliveira e Vieira, analisam os resultados obtidos nas três metas pretendidas pelo projeto de pesquisa, sendo elas: a organização de um panorama dos docentes da educação básica no Brasil, a partir de dados disponíveis em fontes oficiais (INEP, IBGE, e MTE); a revisão de literatura sobre o tema e o survey.

Page 73: Valores e usos do tempo dos professores

73

Além disso, no que diz respeito aos professores do ensino médio, “verificou-se

correlativamente que são esses os sujeitos que informam com maior frequência

trabalhar em duas ou mais unidades, como também são esses que apresentaram mais

alta frequência de licenças médicas.” (IBIDEM, p.177)

Segundo informações da pesquisa coordenada por Codo (1999) com

trabalhadores em educação básica, a carga mental elevada no trabalho, preponderante

em profissionais com mais de um vínculo empregatício e que trabalham em mais de um

nível de ensino, o que provavelmente “implica em mais deslocamento, maior esforço de

adaptação entre ambientes diferentes, preparação de atividades distintas” (IBIDEM,

p.285) aparece associada a sintomas como exaustão emocional e despersonalização, ou

seja, sentimentos de desânimo e desligamento afetivo, que se retroalimentam.

Ações de diversas naturezas em relação à profissionalização docente

necessitariam evidenciar melhorias nas perspectivas de carreira e alterar o imaginário

coletivo relativo a esta profissão, tanto na sociedade em geral, como entre os próprios

professores, o que passa, segundo Vaillant (2007), “por devolver a esses profissionais a

confiança em si mesmos, o que pode ser conseguido com políticas adequadas que

perdurem no tempo” (p.8-9). É preciso considerar aqui o que Fanfani (2005) destaca:

“docentes não são autômatos sociais cujas ações obedecem unicamente a estímulos

externos, tais como as leis, decretos, circulares e regulamentos” (p.270-80). As políticas

públicas não podem ignorar este fato, pois mudanças de perspectivas e valores se

constroem em vasos comunicantes e não meramente por um regulamento.

2.2.2. Marcos das políticas públicas para a educação no estado do Rio de Janeiro

A análise histórica da educação não deve sobrevalorizar as possibilidades de

ação governamental ou de determinados momentos históricos. As questões são bem

mais complexas e necessitam ser esclarecidas através de uma multiplicidade de

perguntas e de olhares. Ao abordar o processo de construção social da profissão docente

em múltiplos contextos, Xavier (2013) afirma que:

Ao refletirmos sobre o processo de construção social da profissão docente, somos impelidos a buscar captar os atributos que configuram aquilo que se

Page 74: Valores e usos do tempo dos professores

74

poderia considerar central na definição do “ser professor”. As entradas para tal são múltiplas, tendo em vista a variedade de espaços institucionais, de níveis de ensino e de conhecimentos disciplinares que delineiam os espaços de atuação, assim como as habilidades e os conhecimentos que configuram o exercício da profissão. (XAVIER, 2013, p.13)

A autora afirma que muitos estudiosos da “condição docente” procuram

“delimitar os cortes institucionais e disciplinares ou os segmentos de ensino específicos

nos quais os docentes atuam, de modo a estabelecer os limites, nem sempre

generalizáveis, de suas análises”. (IBIDEM, p. 13) Contudo, há algumas questões gerais

que afetam os “profissionais do ensino” de modo mais amplo. “Nós nos referimos aos

condicionantes históricos que interferem nas relações laborais, em particular aqueles

que se encontram associados às relações estabelecidas entre os docentes e a política.”

(IBIDEM, p.13-4). A autora refere-se, também, à política em sentido amplo, entendida

em termos de relações de poder.

Estivemos atentas à observação da política cotidiana, mas neste capítulo,

enfatizaremos, também, as políticas governamentais e seus rebatimentos no trabalho

cotidiano dos professores. Tendo feitas essas ressalvas, há de se destacar que o critério

político não pode ser ignorado. Deste modo, quando se estudam as políticas educativas

no estado do Rio de Janeiro51, nas últimas três décadas, é possível identificar três

momentos principais, que contém especificidades próprias, nos quais se detectam

importantes linhas demarcatórias que nos ajudam a delimitar as políticas específicas de

cada período.

Poderíamos classificar numa análise um tanto superficial, três marcos nas

políticas públicas da educação fluminense nas últimas décadas: 1) A implantação dos

CIEP’s (Centros Integrados de Educação Pública), no final da década de 1980 e início

dos anos 1990; 2) O Programa Nova Escola e a primeira tentativa de inserção da

meritocracia nos início dos anos 2000; e 3) O Plano de Metas, política educacional dos

anos 2010, que se insere na lógica do Plano de Metas Compromisso Todos Pela

Educação, período que denominaremos aqui de Compromisso Fluminense. Na verdade,

o segundo e o terceiro marco, não devem ser vistos como o término e início de um novo

ciclo na política educacional fluminense, mas antes como um processo em andamento

51 Este tema já foi previamente analisado em SILVA, A.M (2012) na monografia de especialização intitulada “A precarização do trabalho docente numa microrrealidade de Educação Pública Fluminense”. Por hora, nos limitaremos a sugerir algumas reflexões gerais, evitando as referências excessivamente técnicas ou teóricas sobre o tema.

Page 75: Valores e usos do tempo dos professores

75

que tem sua gênese nos anos 2000 e que, no Brasil, encontrou sua mola propulsora no

Compromisso Todos Pela Educação.

O momento fundador do período recortado pertence à implementação dos

CIEPS idealizados por Darcy Ribeiro e implementados pelo governador Leonel Brizola.

Há aqui uma maior tendência de abertura e de democratização da escola, com

importantes medidas no sentido do prolongamento da escolaridade obrigatória e do

ensino em tempo integral que são marcas da reforma escolar após a abertura

democrática. A arquitetura da escola fluminense no final da década de 1980 e início dos

anos 1990 foi em grande medida, traçada por estes “engenheiros”, além disso, o

programa deixou marcas profundas na educação fluminense, inclusive na memória dos

profissionais que viveram àquela época, conforme constatamos em estudo anterior

numa pesquisa empírica com professores da rede estadual do Rio de Janeiro:

O programa dos CIEPs imprimiu uma forte marca na memória dos professores. [...] Ao serem questionados a respeito de um programa de governo do qual se recordavam nos últimos anos, pareceu não haver muita clareza em relação aos planos (governamentais), onde não houve nenhuma citação direta a alguma política educacional, exceto o programa dos CIEPS, que foi bastante lembrado por alguns professores, sem mencioná-lo de uma forma positiva ou negativa e sim como uma política educacional da qual se recordavam. (SILVA, A.M. 2012, p. 59)

Na década de 2000, poderíamos destacar como um momento marcante a

implementação do Programa Nova escola52. Vale notar que este é o primeiro sistema de

avaliação no Brasil que aponta um responsável para o sucesso ou fracasso da escola,

isto porque ao criar um incentivo (gratificação) para o professor, este se torna o

principal responsável, na ótica do poder público, pelo desempenho dos estudantes em

testes cognitivos de avaliação educacional. O Programa Nova Escola, além de atribuir

as gratificações aos professores e funcionários das instituições, é muito mais que um

projeto de avaliação, é uma política pública de educação que abrange as questões de

aprendizado, fluxo escolar e gestão escolar com que o Estado do Rio de Janeiro

52 Decreto Estadual nº. 25.959 de 2000, sob a coordenação da Secretaria de Estado de Educação, foi instituído com o objetivo de “melhorar de forma contínua a qualidade da educação com a racionalização de recursos financeiros, materiais e humanos envolvidos no desenvolvimento do processo educacional”. Para fins do Decreto, o Programa Nova Escola deveria compreender o Sistema Permanente de Avaliação das Escolas da Rede Pública Estadual de Educação, devendo abranger a gestão escolar e o processo educativo. A partir dos resultados, o programa concederia aos professores e demais profissionais gratificações proporcionais às suas realizações educacionais.

Page 76: Valores e usos do tempo dos professores

76

abandona o discurso de escola integral. São os incentivos destinados aos professores e

demais profissionais das escolas, ou seja, gratificações proporcionais às suas realizações

educacionais53 que dão a tônica à educação fluminense.

Ressalte-se que, a avaliação externa realizada, tem como objetivos a utilização

de indicadores de eficiência e de associar a remuneração do professorado e demais

integrantes da equipe escolar ao rendimento dos alunos em testes de aprendizagem.

Nestes moldes, a avaliação (de desempenho com gratificação por produtividade) baseia-

se num sistema punitivo com máscara de estimulante e incentivador. Infelizmente, este

modelo não pretende acabar com os problemas, pretende apenas responsabilizar a

equipe escolar pelo insucesso. Pautadas unicamente em resultados de avaliação de

rendimento dos estudantes, tais políticas tendem a reforçar o caráter de mera instrução

do ensino e a concepção meritocrática e hierárquica.

Uma vez que, podemos considerar, que a política educacional deste estado, nos

últimos 30 anos, tem três momentos marcantes: um na década de 80, onde foram

formulados e implementados os CIEPS, o outro no ano 2000, quando o Nova Escola foi

implantado no estado tendo por objetivo realizar a avaliação externa das Escolas

Estaduais; objetivamos por hora, trazer a discussão do momento mais recente,

localizando o contexto situado iniciado nos anos 2010, quando implementa-se o Plano

de Metas; deste modo, buscaremos as influências de tais aspectos sobre o trabalhador

docente.

2.2.3. Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro: contexto de ação dos

professores estudados

Neste tópico, fizemos uma apresentação das recentes políticas para a educação

no estado do Rio de Janeiro e uma caracterização do contexto de ação ao qual os

professores estão submetidos. Os dados e fontes de pesquisa utilizados para traçar este

panorama foram relatórios, documentos oficiais e dados disponibilizados pela Secretaria

de Educação do Rio de Janeiro54, Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

53 Podemos destacar como estudo importante sobre o Programa Nova Escola o trabalho de Souza (2007) com a dissertação intitulada “Avaliação X relações de poder: um estudo do Projeto Nova Escola/ Rio de Janeiro”, defendida em Juiz de Fora/2007. 54 Em 2009, foi sancionada a Lei de Responsabilidade Educacional (Lei 5.451/09), a partir da qual, o Poder Executivo, através da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), deve apresentar anualmente à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro relatório com todos os indicadores educacionais da rede pública estadual até 120 dias após o término de cada ano letivo. Portanto, os dados

Page 77: Valores e usos do tempo dos professores

77

(ALERJ), entre outros órgãos governamentais, estaduais e nacionais, como os dados

obtidos no site do INEP.

Com isso traçamos um perfil da rede estadual de ensino e buscamos, a partir daí,

entender em quais condições os professores atuam. A partir dessa exposição, nós

analisamos as políticas dirigidas a estes grupos de professores para, no próximo

capítulo, identificar as respostas que eles estão dando aos desafios impostos no seu

contexto de trabalho. Procuramos captar as características do contexto oficial (objetivo)

dos professores, estabelecidas pela Secretaria de Educação (SEEDUC), de acordo com a

sua situação funcional. Para isso fizemos uma descrição e análise da Rede Estadual de

Ensino do Rio de Janeiro dialogando com as recentes reformas educacionais, com o

objetivo de observar o contexto de ação estipulado pelos órgãos governamentais, no

qual se inserem os sujeitos que pretendemos estudar.

A partir desta caracterização55, verificamos, com base nas entrevistas, por meio

das quais eles nos informam sobre as suas percepções em relação aos constrangimentos

e oportunidades que circulam em seu ambiente de trabalho, as suas perspectivas futuras

e os recursos/instrumentos que trazem de suas trajetórias pregressas - formação,

histórias de vida e trajetórias profissionais, ou seja, da sua experiência individual e

coletiva. Contamos assim, com a observação do modelo que a SEEDUC e o MEC

desejam impor aos professores; para observar as possibilidades de negociação

encontradas nos contextos onde eles executam o seu trabalho, interagindo com seus

alunos, com seus pares e com a equipe de direção dessas escolas.

2.2.4. O contexto institucional da SEEDUC: dados recentes

Antes de apresentar os dados, é preciso destacar que todos eles são baseados em

documentos oficiais que foram produzidos com determinada intenção ou sob

determinadas condições legais. Nós optamos por reproduzir esses dados estatísticos

sobre o sistema educacional do Rio de Janeiro, sem buscar a comparação com outras

fontes estatísticas, como por exemplo, as do sindicato, tendo em vista que a ordem de

grandeza que interessa para a análise aqui empreendida é justamente aquela noticiada

pelos órgãos oficiais. obtidos, em sua maioria, foram até o ano de 2011, quando saiu o último relatório. De acordo com a lei, estes dados poderão ser obtidos anualmente. Lei disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/374647/DLFE33105.pdf/LeiN5451de22demaiode2009.pdf 55 Esta caracterização foi a primeira parte realizada desta pesquisa, nosso ponto de partida.

Page 78: Valores e usos do tempo dos professores

78

Os dados foram verificados e novamente ressignificados, pois em alguns

momentos ficou claro o objetivo da SEEDUC em evidenciar alguns dados e ocultar

outros. Antes de tudo, é necessário fazer uma crítica a essas fontes, analisar as suas

especificidades, considerar os seus limites e analisar a sua origem. Contudo, estas não

deixaram de ser importantes fontes que lançaram luz à nossa investigação e ao nosso

tema de pesquisa, pois os dados foram selecionados e destacados com o objetivo de

permitir uma descrição mais abrangente do nosso objeto de estudo.

2.2.5. A Rede estadual e suas escolas

De acordo com o relatório divulgado pela secretaria de educação, ao final de

2011 existiam 1.447 escolas, e um total de 17.108 salas de aula56 em efetiva utilização

na rede estadual e cada diretoria regional57 abrangia de 5% a 10% das escolas. As

maiores regionais58, considerando o número de unidades escolares sob sua

responsabilidade, são aquelas localizadas na capital, dentro disso a Metropolitana IV,

que abrange 9% do total das escolas (127 escolas59). Esta diretoria perde em número de

escolas apenas para a Metropolitana III com 143 escolas.

O ensino na rede é ofertado em cinco turnos diferentes: manhã, tarde, noite,

ampliado e integral. As modalidades de ensino60 na rede estadual são agrupadas em

nove categorias: (1) Ensino Fundamental Regular, (2) Ensino Médio Regular (3) Projeto

Autonomia, (4) Ensino Médio Integrado, (5) Ensino Técnico, (6) Curso Normal, (7),

EJA Ensino Fundamental, (8) EJA Ensino Médio e (9) Outros. Essa última categoria

inclui as subdivisões Ensino Infantil, Cursos e Qualificações.61

Considerando que uma mesma escola pode oferecer diversas modalidades de

ensino, em uma análise dessa natureza, é possível que uma unidade escolar seja contada

56 Fonte: Censo escolar de 2011 – MEC/INEP/SEEDUC. 57 As diretorias regionais são unidades subordinadas à SEEDUC, responsáveis por atender às necessidades pedagógicas e administrativas da educação em áreas geográficas específicas do estado. São 14 Regionais, cada qual com uma Diretoria Pedagógica e outra administrativa. Há ainda uma décima quinta unidade, denominada Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (Diesp). Das 14 regionais, sete são atuantes em municípios da Região Metropolitana e sete em municípios do interior fluminense. 58 Na tabela nº 2 (ver apêndice B, tabela nº 2, p. 166) podemos observar o número de escolas por regional. 59Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes. 60 Na tabela nº 3 (ver apêndice B, tabela nº 3, p. 167) podemos observar o número de escolas por modalidade, com destaque para a metropolitana IV (grifado) onde ocorreu nossa pesquisa. 61 Essas categorias estão presentes no sistema Conexão Educação, uma ferramenta de gestão da secretaria de educação, através do qual acompanha o desenvolvimento das atividades docentes e de gestão no cumprimento de suas metas.

Page 79: Valores e usos do tempo dos professores

79

mais de uma vez, caso ela ofereça, simultaneamente, diferentes modalidades. O

somatório das modalidades de toda a rede é igual a 3797, o que significa que, em média,

cada unidade escolar oferece entre duas e três modalidades.

Observamos através dos dados que o estado ainda concentra muito de sua

atenção no Ensino Fundamental, sendo que a participação do Ensino Fundamental

Regular no total de modalidades (26%) é muito próxima à fatia que cabe ao Ensino

Médio Regular (28%). A EJA (Educação de Jovens e Adultos) representa metade do

percentual do Regular. Essas três modalidades juntas respondem por 80% do total.

Nos 20% restantes, a modalidade que mais se destaca é o Projeto Autonomia62,

com 9% de participação. Além de representar uma parceria público-privada e contratar

apenas um professor para cada turma, esse tipo de Projeto tem o potencial de

melhorar dos indicadores que compõem o IDEB ao acelerar a formação dos alunos, que

levarão apenas um ano para completar o ensino fundamental e 18 meses para terminar o

ensino médio. O Projeto Autonomia diminui a distorção idade-série e a repetência

escolar, elevando consequentemente o índice.

Baseado na dinâmica dos acontecimentos, estes seriam fatores que tornam bem

possível o crescimento da oferta desta modalidade de ensino nos próximos anos, pois

ano a ano observa-se o alto investimento do poder público em ampliar projetos dessa

natureza. Em 2012, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral,

disponibilizou mais de 12 milhões de reais63 para a Fundação Roberto Marinho, que

desenvolve o Projeto Autonomia nas escolas estaduais. Ao receber esse tipo de recurso

adicional de seus patrocinadores, esse tipo de parceria permite inclusive que se

ofereçam turmas menores e percebe-se que esse modelo de “pedagogia” tem ganhado

força e investimento, especialmente no Estado do Rio de Janeiro. No que diz respeito ao

trabalho docente, as observações de Hypólito, abaixo reproduzidas são de grande valor

para nosso estudo. O autor observa que,

Os efeitos sobre o trabalho docente em termos de trabalho pedagógico e de ensino têm sido devastador e muito preocupante. [...] Com a contratação de consultorias privadas, aquisição de pacotes pedagógicos, sistemas de ensino, cursos para treinamento de professores, programas contratados de gestão – terceirização de modelos de gestão, o trabalho docente passa a ser mais diretamente controlado, do ponto de vista técnico e ideológico, por

62 No relatório analisado o “Autonomia” ainda era denominado de Projeto e não de Programa como a partir de 2013. 63 Diário Oficial de 07/03/12, p.22.

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instituições que, além de exercerem o controle sobre o que ensinar e sobre como ensinar, obtêm lucro com a venda de seus produtos e com a execução de seus métodos e conteúdos. Esse lucro, embora não seja obtido diretamente com a contratação de docentes, é extraído a partir do trabalho de docentes de escolas públicas – contratados, concursados ou efetivos – que recebem do Estado um salário fixo por um trabalho que tem sido intensificado com esses métodos e cujo excedente acaba ficando com as empresas privadas. Há necessidade de se retomar a discussão da mais-valia, já que estamos vivendo outra realidade no serviço público escolar, em que o Estado atua diretamente para a acumulação de capital agenciando o trabalho que será imediatamente explorado. Trata-se de acumulação imediata do capital (HYPÓLITO, A. M., 2012, p. 218-19).

O autor expõe dois modelos de mercantilização da educação pública escolar,

baseados em relações econômicas por muito caracterizadas como quase-mercado, em

que aparecem dois tipos de privatização: endógena e exógena. A endógena se

caracteriza pelo modelo no qual o setor público mimetiza o modo de gestão do setor

privado, assume tal modelo de governança e adere à filosofia da lógica administrativo-

empresarial do mercado. Esse modelo de privatização está cada vez mais presente na

administração pública e penetra com muita profundidade e abrangência na

administração escolar e educacional. Perpassa as escolas e todo o sistema educacional,

com os sistemas de controle e avaliação, desempenho por competências,

descentralização adminstrativo-financeira, pagamento por desempenho, modelos de

gestão baseados na eficiência, contrato de metas e outras formas de gestão que muito se

distanciam dos avanços da gestão democrática alcançados por algumas escolas públicas.

A privatização exógena é aquela que transfere serviços públicos para

instituições privadas, seja por intermédio das parcerias público-privadas, pelos modelos

de terceirização de serviços, pela contratação de trabalhadores temporários, ou seja, pela

contratação e/ou aquisição de sistemas de ensino.

Em ambos os casos o modo de gestão que se consolida visa a naturalização de conceitos caros à história da democratização da escola e da educação, tais como qualidade, avaliação, desempenho escolar. Atribui a esses conceitos um sentido único e universal que, de fato, é um sentido muito particular que se universaliza por meio de um processo de hegemonia e de articulação de sentidos (IBIDEM, p.217-218).

Page 81: Valores e usos do tempo dos professores

81

2.2.6. O fechamento de escolas

Nos últimos anos, a Rede Estadual tem passado por um amplo processo de

fechamento de turmas e escolas, devido à “racionalização” dos custos. Nos relatórios

oficiais não foi possível encontrar o número exato de escolas fechadas por outros

motivos que não devido ao processo de municipalização.

Seguindo a municipalização prevista no Plano Estadual de Educação, a

SEEDUC apresenta em relatório oficial um balanço atual do desfecho das escolas

estaduais que funcionam em prédios da prefeitura do Rio de Janeiro e compartilham

espaço com outras unidades. No início de 2011, haviam 268 escolas da rede estadual

nessa situação. Ao longo do ano, 17 unidades foram descompartilhadas, com seus

alunos e servidores transferidos para unidades estaduais. Durante o ano de 2012, mais

21 escolas foram descompartilhadas e 48 repassadas à administração municipal.

A municipalização diz respeito apenas aos alunos do Ensino Fundamental. Os alunos do Ensino Médio que estudam em prédios compartilhados e os servidores lotados nessas escolas estão sendo transferidos para unidades estaduais próximas e de fácil acesso, à distância de 70 a 1.500 metros das unidades de origem, ou para novas unidades inauguradas (SEEDUC em números, p.20).

Esta declaração da SEEDUC, apesar de contida no papel, na prática não procede,

pois o fechamento de escolas está gerando um amplo processo de alunos estudando em

escolas distantes de suas residências, funcionários que precisam mudar de escola e

professores perdendo sua lotação. Com esse processo, os docentes precisam procurar

novas escolas a fim de encaixar-se na grade horária estipulada, precisando se desdobrar

em três ou mais escolas, que dificilmente são tão próximas conforme a distância

estipulada pela secretaria de educação.

Segundo o relatório, o ano de 2011 iniciou-se com 268 escolas da rede estadual

funcionando em prédios da prefeitura do Rio de Janeiro e compartilhando espaço com

outras unidades. Ao longo do ano, 17 unidades foram descompartilhadas, com seus

alunos e servidores transferidos para unidades estaduais. Até o início de 2012, segundo

a SEEDUC, mais 21 escolas terão seu processo de descompartilhamento concluído nos

mesmos moldes e 48 serão repassadas à administração municipal.

Page 82: Valores e usos do tempo dos professores

82

Em relação à área de competência de Estados e Municípios, cabe citar as

disposições da LDB (Lei nº 9.394/96), art.10, no qual define que os estados incumbir-

se-ão de: “definir, com os municípios, formas de colaboração na oferta do ensino

fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das

responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros

disponíveis em cada uma dessas esferas do poder público.” Além de “assegurar o ensino

fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem.”

A SEEDUC tem a meta de municipalizar os anos iniciais do Ensino

Fundamental até 2015. A partir dos dados apresentados acima, observamos que apesar

de o estado ainda ofertar grande parte do ensino fundamental, há um processo acelerado

de municipalização, baseado no critério da desresponsabilização que não tem se dado de

forma coerente e tem gerado um processo arbitrário de remanejamento de professores e

funcionários.

2.2.7. Alunos e professores

Em novembro de 2011, existiam 1.043.555 alunos matriculados na rede estadual

de ensino. As regionais com maior número de escolas não são, necessariamente, as que

possuem mais alunos. Considerando as cinco regionais com maior número de alunos e

as cinco com maior quantidade de escolas, nota-se que apenas duas aparecem em ambos

os grupos: Metropolitana IV e VII64.

Dados que evidenciam a precarização do trabalho docente, não ganham destaque

nos documentos oficiais. Não foi possível encontrar dados como carga horária de

professores, número de escolas que um professor atua com uma única matrícula, turmas

fechadas para implantação do Programa Autonomia, escolas extintas, processo de

enturmação65 e aumento da carga burocrática ao trabalho do professor. Neste sentido,

levantamos, a seguir, alguns pontos que possam contribuir para a nossa análise.

Em outubro de 2011, a rede contava com 75.170 funções docentes ativas.66 A

maioria (71%) faz parte da carreira DOC I com carga horária de 16 horas semanais.

Outros 21% são da carreira DOC II e têm carga horária de 22 horas semanais. Além

desses, 8% dos professores ativos possuem carga horária de 40 horas semanais. 64 Estes dados podem ser encontrados na tabela nº 4 (ver apêndice B, tabela nº 4, p. 167). 65 Constituição de novas turmas a partir do enxugamento e extinção de outras. 66O total de docentes nesse caso refere-se ao total de matrículas e não de pessoas.Vale lembrar que um docente pode ter mais de uma matrícula.

Page 83: Valores e usos do tempo dos professores

83

Há um grande número de docentes na rede estadual, conforme evidenciado na

tabela nº 7 (ver apêndice B, tabela nº 7, p.169), porém, muitos destes docentes

encontram-se afastados por diversos motivos, correspondendo a 9,6% do total de

docentes ativos67. Os motivos das licenças são diversos, dentre os docentes afastados

em 2011, num total de 7204, 78% encontram-se afastados para tratamento ou

prorrogação de tratamento de saúde.68

Ao analisar as tabelas nº 2 e nº 5 (ver apêndice B, tabelas nº 2, p. 166 e nº 5, p.

168), observamos que apesar de a metropolitana IV não ser a regional que concentra o

maior número de escolas com o Projeto Autonomia, é a que possui o maior número de

alunos matriculados nesta modalidade de ensino. O que reflete em salas de aulas mais

cheias para os professores que atuam com esta modalidade, na região.

Em relação à formação, conforme podemos observar na tabela nº 8 (ver apêndice

B, tabela nº8, p.169), a maioria dos professores da rede (78,9%) tem graduação, outros

15,7% possuem pós-graduação.69 Contudo, o percentual com mestrado ou doutorado é

muito baixo (cerca de 2,7%). Isso nos leva à hipótese que os docentes que atingem uma

formação em nível de pós-graduação acabam deixando o magistério estadual. Poucos,

inclusive, permanecem na educação básica, em grande parte devido a pouca atratividade

dos salários.

Na tabela nº 9 (ver apêndice B, tabela nº 9, p. 169), podemos observar a

remuneração dos docentes, com os salários aplicados em 2011 e 2012. Embora tenha

sido propagandeado pelo governo como aumento salarial, o aumento em 2012 foi

referente à incorporação do Programa Nova Escola70, um direito adquirido desde 2009.

Porém, ao invés dessa incorporação terminar em 2015, como previsto inicialmente pelo

governo do estado, na forma de parcelas anuais; houve várias reivindicações e

manifestação dos professores para que a incorporação acontecesse de uma única vez, o

que acabou acontecendo como resultado da greve dos profissionais da educação de

2011.

67 Cálculo efetuado com os dados apresentados pela SEEDUC, em base ao número de matrículas docentes. Considerando a quantidade de docentes que possuem duas matrículas, a porcentagem de professores de licença em relação ao número total, seria ainda maior. 68 Maiores detalhes na tabela nº 7 (ver apêndice B, tabela nº 7, p. 169). 69 A escolaridade dos docentes é auto-declarada no Sistema Conexão Educação. 70 Programa que analisamos anteriormente, concebido e implantado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro em 2000.

Page 84: Valores e usos do tempo dos professores

84

Outro aspecto historicamente presente na rede é a carência de profissionais.

Conforme as estatísticas da SEEDUC, a carência real71 medida em número de docentes,

em 30 de novembro de 2011, era de 106872. Uma estratégia para reduzir a carência é a

ampliação da carga horária dos professores que já atuam na rede para cobrir as turmas

com carência de professores. O pagamento de Gratificação por Lotação Prioritária

(GLP) é pago aos profissionais que optam por aumentar a sua carga horária e se

responsabilizar por novas turmas. Os professores recebem essa gratificação pelas horas

extras, mas esse valor não tem validade para efeitos de aposentadoria e demais

benefícios aos quais o professor tem direito na matrícula.

PARTE 3

2.3.1. Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e o Compromisso

Fluminense

A lógica em que se insere o Compromisso Todos Pela Educação é parte de uma

recente reforma educacional no Brasil que foi se consolidando, por meio da

implementação da legislação educacional, em conformidade com as proposições da

reforma administrativa, pois, ambas tiveram como foco a avaliação periódica, externa e

interna, da qualidade dos serviços prestados pela administração pública, como dimensão

das formas de participação dos usuários nesses serviços. De acordo com Barroso

(2003), essas medidas adotadas no âmbito das reformas estavam articuladas ao modelo

gerencial introduzido a partir da reforma administrativa do Estado e que vai influir na

redefinição do modo de organização, financiamento e gestão dos sistemas públicos de

ensino e das unidades escolares. Nesse sentido, essas reformas se efetivaram por meio

do processo de descentralização, na direção de transferir poderes e funções da esfera

nacional e regional para a local, reforçando a representação da escola como uma

unidade de gestão e de mudanças e o discurso de participação da comunidade nesse

processo. Nessa lógica, a direção, os docentes e os funcionários, devem ser os

responsáveis por suas decisões no interior da escola, pelo seu sucesso ou fracasso. 71 A carência real em novembro de 2011, segundo a SEEDUC, pode ser vista na tabela nº 10 (ver apêndice B, tabela nº 10, p. 170). 72 Segundo o SEPE (Sindicato Estadual de Profissionais da Educação), a SEEDUC tenta mascarar a carência de profissionais com dados distorcidos sobre os profissionais cedidos a pedido de outros órgãos. Segundo o sindicato, esta estimativa se aproxima dos 10 mil. Fonte: www.sepe.org.br

Page 85: Valores e usos do tempo dos professores

85

As reformas na administração pública, segundo Abrúcio (1997), introduziram a

descentralização na oferta de serviços como forma de aumentar a sua eficiência e

eficácia, princípios importados das empresas privadas, impondo uma administração

mais racional e centrada em resultados. Na perspectiva gerencial, Carvalho (2009)

considera que a busca por resultados leva os governos a orientar suas decisões, alcançar

as metas estabelecidas, levantar indicadores para o repasse de verbas públicas, recorrer

mais a incentivos e menos à imposição de regulamentos. O autor acredita que esse

padrão de gestão permite dar voz aos clientes no controle dos serviços públicos,

revitalizando a participação da comunidade.

Nesse sentido, ganham reforço as políticas de accountability, ou seja, medidas

de prestação de contas “que permitam aos usuários e gestores responsabilizar os

‘prestadores’ de determinado serviço por aquilo que é oferecido à sociedade” (ADRIÃO

e GARCIA, 2008, p.781). Os resultados dessas políticas têm levado “à adoção de

mecanismos de premiação ou ‘punição’ às instituições-fim, gestores públicos ou

funcionários que não tenham atingido o padrão estabelecido” (IBIDEM, p. 781).

Nesta lógica, cresceu e se consolidou no Brasil uma concepção de avaliação do

trabalho escolar que tem o seu foco na verificação do desempenho dos alunos, medidos

por meio de testes padronizados, o seu foco. Segundo Souza (2010), pode-se demarcar

dois momentos em relação à avaliação de larga escala no Brasil, antes e depois da

criação da Prova Brasil em 2005 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –

IDEB em 2007. Na análise desta autora, com a criação desse instrumento e desse índice

de avaliação se tem o controle de resultados por escolas e redes, o que possivelmente

tem gerado mobilização das diferentes instâncias do sistema educacional que, por sua

vez, podem impactar a gestão das redes de ensino e a gestão do trabalho escolar.

Anterior a eles, os resultados eram pouco utilizados contrariando os propósitos

anunciados pelos entes federativos para as avaliações e as intervenções propagadas a

partir dos problemas que fossem apontados.

Segundo Adrião e Garcia (2008) as escolas consideradas como instituições-fim

passam a ser vistas como lócus privilegiado para as intervenções corretivas dos sistemas

e os dirigentes escolares e os professores, responsabilizados pelos resultados das

avaliações. Nas palavras das autoras,

As novas formas de regulação encontradas no Estado avaliador estão apegadas em uma autoridade assentada no conhecimento adquirido a partir

Page 86: Valores e usos do tempo dos professores

86

das evidências reveladas pelos resultados das avaliações. Nesse sentido, o Estado regula os atores sociais e legitima a tomada de decisões políticas. Há, dessa forma, o domínio da racionalidade técnica a partir da ênfase dada à eficácia, ao rendimento e ao desempenho (IBIDEM, p.239-40).

Observamos que os resultados das avaliações, inicialmente pouco utilizados

pelos gestores escolares, passam a ter impacto na administração das escolas com a

criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, em 2007. Esse

índice se transformou em uma ferramenta estratégica de gestão, pois tem sido com base

nele que se traçam as metas que a escola deve atingir. Nessa perspectiva, a direção da

escola assume o papel central de mobilizar os professores para o cumprimento das

metas e dos objetivos, tornando-os co-responsáveis pelos resultados.

Em abril de 2007, o governo federal baixou o Decreto nº 6.09473, cujo objetivo é

de implementar o Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação, “visando a

mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica”. No artigo 2º desse

Decreto, nos incisos de XII a XVII estão postas as diretrizes que o governo federal, em

regime de colaboração com os estados, municípios e o distrito federal, traçou no tocante

aos docentes. No artigo 2º, inciso XIII, deixa claro que é preciso “implantar plano de

carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a

formação e a avaliação do desempenho”.

Essas diretrizes envolvem a realização de programas de formação inicial e

continuada; a implantação do plano de carreira, cargos e salários, nos quais o mérito, a

formação e a avaliação de desempenho devem ser privilegiados; a valorização do

profissional da educação através do mérito que inclui o desempenho, a dedicação, a

assiduidade e a pontualidade, responsabilidade, cursos de atualização e

desenvolvimento profissional; o envolvimento do professor na discussão e elaboração

do projeto político pedagógico da escola; etc.

Nesse mesmo decreto, em seu artigo 3º, indica-se a criação do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que passou a ser, junto com o Programa

Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o grande indicador do desempenho

escolar e o parâmetro indireto da avaliação dos docentes, na medida em que os

resultados desse indicador passaram, na ótica dos governantes, a representar também a

eficácia ou não do desempenho docente.

73 Decreto nº 6094, de 24 de abril de 2007, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6094.htm

Page 87: Valores e usos do tempo dos professores

87

Sintonizando ao tempo das reformas implementadas nos países da América Latina desde final da década de 1980, nosso país implementou, nos anos de 1990, um conjunto de mudanças no sentido de adequar o sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva decorrente das mudanças no mundo do trabalho em curso e à nova configuração do papel do Estado. O processo de ajuste estrutural, com o enxugamento dos recursos públicos para a educação e para as políticas sociais, bem como a privatização, no contexto das reformas do Estado da década de 1990, criaram, em nosso país, novas formas de direcionamento dos recursos públicos: sua distribuição, centralização e focalização para as experiências que promovessem os princípios das reformas sociais então em pleno desenvolvimento (FREITAS, 2012, p.91).

2.3.2. As metas da SEEDUC

Desde meados dos anos 2000, a educação pública em todo o território nacional é

avaliada com base no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que

combina dois resultados: proficiência dos alunos e taxa de aprovação. A proficiência em

português e matemática é aferida por exames padronizados criados pelo Governo

Federal, aplicados a cada dois anos, que são a Prova Brasil e o SAEB. Essas avaliações

devem ser feitas, no final do ano, pelos alunos que frequentam a última série/ano do

segmento (5º ano ou 9º ano do Ensino Fundamental Regular e 3ª série do Ensino

Médio). Com isso, tem-se um retrato do nível de aprendizado na saída dos segmentos. O

segundo resultado que forma o IDEB é a média das taxas de aprovação em cada

série/ano que compõe o segmento, o que nos oferece uma idéia do tempo médio gasto

para completar o segmento. O IDEB é calculado para cada escola e com isso podemos

ter uma visão dos municípios e dos estados.

A rede pública estadual de Ensino fluminense, responsável por um contingente

significativo de estudantes de Ensino médio, atinge o auge do fracasso em 2009, quando

o estado do Rio de Janeiro teve o segundo pior IDEB do país: 2,8. Ficando atrás apenas

do Piauí e sendo a média nacional 3,674. Após a constatação do IDEB abaixo dos

parâmetros estipulados pelo Governo Federal, houve novas orientações para a política

educacional fluminense, propostas pelo novo secretário de educação Wilson Risolia,

que, ao assumir o cargo, anuncia o Plano de Metas para a Educação, cabendo frisar que

o Plano se insere na política do estado brasileiro voltada para o campo da educação – o

74 Dados disponíveis no site do INEP: http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/

Page 88: Valores e usos do tempo dos professores

88

Compromisso Todos pela Educação – que, conforme já destacamos, propõe diretrizes e

estabelece metas para o IDEB das escolas e das redes municipais e estaduais de ensino.

Ao assumir o cargo, Risolia anunciou um “plano de metas” visando colocar o

Rio de Janeiro “numa posição relevante na Educação”. Tratando a educação como um

“negócio”, definiu medidas de premiação em dinheiro para professores e diretores que

atingissem as metas, isto é, bonificação para os méritos alcançados e adequando o

ensino das escolas estaduais às demandas do estado.

Em 2009, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o Rio de Janeiro ocupava a 17ª posição no ranking do IDEB e sua principal dificuldade estava no indicador de fluxo. A posição do estado em taxa média de aprovação era 21ª, enquanto que, em proficiência, era 14ª. Já o IDEB em 2009 para os Anos Finais do Ensino Fundamental, rendeu ao estado a 20ª posição. Em ambas as dimensões, de fluxo e proficiência, a rede estadual do Rio de Janeiro apresentou desempenho fraco (22ª e 20ª posição, respectivamente). Para o Ensino Médio, a situação fluminense é ainda mais preocupante: 26ª colocação e, nesse caso, o principal problema está no fluxo, uma vez que a taxa média de aprovação coloca o estado na última posição (SEEDUC em números, 2011, p.55).

Segundo dados da SEEDUC e a ampla divulgação feita na mídia, o Rio de

Janeiro passou do penúltimo lugar para o 15º no ranking do IDEB 2011.

Juntamente com o estado de Goiás, foi o estado que apresentou a maior evolução. Além disso, o Estado do Rio teve a 2ª maior variação de IDEB de 2011; a 2ª maior variação de Fluxo Escolar do Ensino Médio; a 1ª maior variação da Taxa de Proficiência no Ensino Médio; e a 3ª maior variação da Taxa de Rendimento Escolar no Ensino Médio. (IBIDEM)

O que observamos neste ponto é que as estatísticas oficiais anunciam e

propagandeiam o salto que a educação estadual obteve no último cálculo do IDEB,

porém não destacam os mecanismos através dos quais se chegou a tal resultado. Torna-

se bastante questionável um salto qualitativo na educação de um ano para o outro, além

do mais, para saltar tantas posições no ranking da educação é preciso mais

investimentos no setor, o que não há nenhuma evidência que tenha ocorrido na rede

estadual no referido período. O objetivo da SEEDUC é levar o Rio de Janeiro à 5ª

posição em 2014. Para acompanhar essa evolução, a Secretaria definiu metas, com as

Page 89: Valores e usos do tempo dos professores

89

quais se pretende chegar a cada biênio, metas que são mais ousadas do que as definidas

pelo próprio Inep75.

2.3.3. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro (IDERJ)

As metas do IDEB permitem acompanhar o efeito das novas ações

implementadas; porém, são verificadas apenas de dois em dois anos, uma vez que essa é

a periodicidade das provas organizadas pelo Governo Federal. Para acompanhar o nível

geral de proficiência da rede a cada ano, a secretaria conta também com exames

estaduais que seguem a mesma metodologia da Prova Brasil e do SAEB.

O Rio de Janeiro, desde 2008, aplica anualmente em toda a rede os exames do

SAERJ (Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro). Todas as escolas da rede

estadual participam da avaliação, por meio de aplicação de testes respondidos por todos

os alunos que estejam cursando o ensino regular, matriculados no 5º ou 9º ano do

Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio. Também participam os alunos

matriculados nas fases equivalentes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e pelos

alunos concluintes do Programa Autonomia.

Juntando a proficiência medida pelo SAERJ e as taxas de aprovação obtidas

após o encerramento do ano letivo, constrói-se um índice estadual, semelhante ao IDEB,

denominado IDERJ (Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro). Com

base nesse índice, são definidas também metas anuais para a educação do estado.

O Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ)

existe desde 2008 e foi criado com o objetivo de promover uma análise do desempenho

dos alunos da rede pública do Rio de Janeiro nas áreas de Língua Portuguesa e

Matemática. Nos apoiando na análise de Assunção e Oliveira (2009), observamos que o

controle exercido sobre os docentes tem se dado em formas cada vez mais sutis por

parte da gestão dos sistemas educativos; os “pacotes educacionais”, as tecnologias

pedagógicas, os livros didáticos; os calendários, horários e as diversas modalidades de

supervisão de seu tempo e trabalho, inclusive com o emprego de novas tecnologias. O

docente deve responder a instâncias hierárquicas de gestão e também a pressões internas

por parte da direção e coordenação de sua unidade, bem como ao controle externo que é

exercido pelos pais de alunos e pela comunidade em geral. Os mecanismos de controle

75 O INEP estipula as metas para cada unidade da federação com projeções até 2021. Disponível em : http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/planilhas-para-download. Acessado em 08/12/2012.

Page 90: Valores e usos do tempo dos professores

90

se constituem em critérios para avaliação de desempenho institucional e individual. Os

resultados das avaliações, em alguns casos, têm determinado os salários ou outras

formas de remuneração (bônus e premiações), as progressões na carreira e até mesmo a

dispensa de pessoal contratado.

2.3.4. Remuneração variável

O sistema nacional de avaliação é bastante recente. Foi em meados da década de

1980 que o governo começou a discutir programas de implantação do sistema de

avaliação. Numa época em que se debatia o processo de democratização do país, as

questões que naquele momento eram focalizadas diziam respeito ao acesso à escola e a

qualidade do ensino oferecida pelos diferentes sistemas, tanto na esfera pública quanto

na privada. A partir desses debates, o MEC, por meio do INEP, foi incentivado a

desenvolver processos de avaliação sistêmica no âmbito federal, na perspectiva de

oferecer diretrizes para as políticas de educação no país. Da mesma forma alguns

Estados Brasileiros seguiram implementando programas de avaliação educacional.

Esses programas apontaram então a necessidade urgente de construção de uma nova

cultura de avaliação nos meios educacionais, de modo que os processos deixassem de

ser encarados como meios de classificação de alunos e de escolas e passassem a atuar

como diagnóstico das situações de aprendizagem e otimização das possibilidades de

melhoria da qualidade de ensino.

Dentro da atual dinâmica das metas foi criado o Programa de Bonificação por

Resultados. Segundo relatório da SEEDUC, o programa permitiu “beneficiar” com até

três vencimentos base os servidores que alcançaram ou superaram as metas definidas

para 2011. Em 2011 (ano de referência), o programa “beneficiou 342 escolas e mais de

14.500 matrículas76.”

A rede conta com 75.170 funções docentes e o Programa de bonificação

“beneficiou” 14.500 matrículas (levando em consideração que diversos servidores

possuem duas matrículas), sendo que neste número também estão incluídos os

funcionários77 em geral. Sem a possibilidade de analisar dados concretos, quando

76 Neste número estão incluídos funcionários em geral e não apenas professores. 77 No relatório divulgado não foi divulgado o número de funcionários de apoio, levando em conta que esse setor conta com um grande número de funcionários terceirizados, talvez não seja de interesse da SEEDUC divulgar esses dados em um relatório.

Page 91: Valores e usos do tempo dos professores

91

inexistentes, supomos com base nos números, que se exclui da folha de pagamento mais

de 50 mil profissionais, portanto, o número de pessoas beneficiadas se torna ínfimo

perto do total de servidores. Tendo em vista a quantidade de escolas e a quantidade de

servidores, o acréscimo salarial “beneficiou” poucos e já começa a acontecer o previsto

numa política baseada na meritocracia: competição e desigualdade.

Além disso, consolidam-se maneiras de pensar e de agir que irão delimitar as

fronteiras de ação política, pois temos por um lado, a continuidade de uma visão

meritocrática e por outro a atomização dos profissionais da educação em busca de suas

gratificações individuais. Esse é o resultado da gratificação por produtividade acoplada

a avaliação por desempenho.

Somado a isso, a premiação pelo desempenho da escola através do IDEB leva os

professores ao estresse. São cobranças e ameaças de todos os lados – dos colegas para

alcançar as metas impostas de cima para baixo, pensando no salário extra78 no ano

seguinte; da direção da escola que tem o cumprimento das metas como principal

objetivo; dos gerentes das regionais de ensino que, através das ameaças de corte do

salário, de notificações e de abertura de inquérito administrativo, tentam impor a forma

gerencial na condução das políticas educacionais e no processo de ensino e

aprendizagem; das Secretarias de Educação que, de forma autoritária, e muitas vezes

camuflada, ditam as regras que são aplicadas, ferindo os direitos dos trabalhadores da

educação conquistados nas legislações.

A bonificação ou remuneração variável foi a forma encontrada pelo capitalismo

para reconhecer o mérito na realização do trabalho, aumentar a exploração e o controle

sobre o trabalhador. Para o capital, aqueles com maior capacidade de trabalho e de gerar

resultados, merecem as glórias e mais dinheiro. Para os que “fracassam”, o

esquecimento e baixos salários.

De acordo com Araújo (2012), a política de pagamento de bônus, através do 14º

salário, tem como base o seguinte princípio capitalista:

Quanto mais resultados, melhor, independente dos riscos para o futuro das crianças, jovens e adultos. O vírus do imediatismo atacou a construção consistente e progressiva da qualidade social da educação. Aplicar os critérios do setor financeiro, que sempre atuou priorizando o salário fixo baixo, com alto potencial de ganho variável, é um grande equívoco (IBIDEM, p.337).

78 Chamado de 14º salário, geralmente pago em meados do ano.

Page 92: Valores e usos do tempo dos professores

92

Concordamos com o autor, e acreditamos que os governos precisam fazer uma

autoavaliação, refletir sobre suas práticas, para evitar que o “sucesso” de algumas

unidades escolares não comprometa todo o sistema público de ensino e o direito social

do conjunto da população a uma escola pública com qualidade social em todas as etapas

e em qualquer canto do país. Ao mesmo tempo em que padroniza critérios de avaliação,

o governo abraça a retórica da diversidade e da inclusão de todos na escola.

Essa “autoavaliação” foi feita por Diane Ravich que analisa detalhadamente as

mudanças em seu pensamento educacional ao longo de sua vida acadêmica e de sua

atuação como formuladora de políticas públicas no interior do aparelho de Estado

americano. Como doutora e pesquisadora da Universidade de Nova York, e tendo

assumido em 1991, o cargo de secretária adjunta da Secretaria Nacional de Educação do

governo George H. W. Bush, a pesquisadora reforça o caráter ideológico dessas

concepções e seus vínculos com as ideias privatizantes trazidas pela ascensão

neoliberal.

Os novos reformadores corporativos demonstram sua precária compreensão da educação construindo falsas analogias entre a educação e o mundo empresarial. Eles pensam que podem consertar a educação aplicando princípios de negócios, organização, administração, lei e marketing e pelo desenvolvimento de um bom sistema de coleta de dados que proporcione as informações necessárias para incentivar a força de trabalho – diretores, professores e estudantes – com recompensas e sanções apropriadas (RAVICH, 2011, p.13).

A autora demonstra ao longo do texto as evidências que a levaram a mudar de

posição e afirmar a falência de um projeto decantado por gestores, fundações

empresariais e editoriais da mídia e evidencia com rigor acadêmico como essas políticas

estão corrompendo os valores educativos. Em Vida e morte do grande sistema escolar

americano a autora expõe o fracasso da educação americana baseada nos parâmetros do

mercado e a tentativa de economização da educação.

A responsabilização, agora um senso comum que todos aplaudiam, havia se tornado mecanicista e até mesmo contrária à boa educação. A testagem, eu percebi com desgosto, havia se tornado uma preocupação central nas escolas e não era apenas uma mensuração, mas um fim em si mesma. Eu comecei a acreditar que a responsabilização, conforme estava escrito na lei federal, não

Page 93: Valores e usos do tempo dos professores

93

estava elevando os padrões, mas imbecilizando as escolas conforme os estados e distritos lutavam para atingir metas irrealistas (IBIDEM, p.27-28).

E prossegue seu relato:

Eu via minhas esperanças por uma melhor educação se convertendo em uma estratégia de mensuração que não tinha visão educacional subjacente alguma. No fim, eu percebi que as novas reformas tinham tudo a ver com mudanças estruturais e com a responsabilização, e nada que ver com a substância do aprendizado. A responsabilização não faz sentido quando ela sabota os objetivos maiores da educação (IBIDEM, p.31-32).

Dentro do aparato de estado, testando e acreditando inicialmente nas políticas de

responsabilização implementadas, a autora percebeu que “os professores sentiam que

estavam sendo avaliados com base não em quão bem eles ensinavam, mas em quão bem

eles estavam seguindo as regras do jogo.” (IBIDEM, p.71) Desta forma, percebeu que

os incentivos e sanções não eram as alavancas adequadas para melhorar a educação;

“incentivos e sanções podem ser bons para empresas, para quem o lucro é a prioridade

absoluta, mas não são bons para escolas” (IBIDEM, p.122) e começou a ver a cultura da

testagem que estava se espalhando em cada escola de cada comunidade, cidade ou

estado, de uma forma totalmente negativa.

As nossas escolas não irão melhorar se nós esperarmos que elas ajam como empresas privadas buscando o lucro. Escolas não são negócios; elas são um bem público. O objetivo da educação não é produzir maiores escores, mas sim educar as crianças para que elas se tornem pessoas responsáveis com mentes bem desenvolvidas em um bom caráter. As escolas não deveriam ter que apresentar lucros na forma de escores com valor agregado. O incessante foco nos dados que se tornou lugar-comum nos últimos anos está distorcendo a natureza e a qualidade da educação. Existem muitos exemplos de competição saudável nas escolas, com as feiras de ciências, concursos de redação, debates, torneios de xadrez e eventos esportivos. Mas a competição entre escolas para obter maiores escores é de uma natureza diferente; no atual clima, é certo que isso fará com que os professores gastem mais tempo preparando os estudantes para os testes estaduais, e não para um escrita rica, uma leitura crítica, experimentos científicos ou estudos históricos (IBIDEM, p.254).

Page 94: Valores e usos do tempo dos professores

94

CAPÍTULO 3: O FAZER-SE DOS PROFESSORES DO PROGRAMA

AUTONOMIA FRUTO DE UMA EXPERIÊNCIA NA PROFISSÃO DOCENTE

No capítulo anterior, analisamos a forma com que se tem configurado as

condições de trabalho docente, as políticas nacionais dirigidas aos professores nos

últimos anos, assim como suas influências em âmbito estadual e como estas são

dirigidas ao conjunto de professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Após

expor o contexto de ação dos docentes, buscamos olhar o professor dentro das políticas

a fim de compreender o fazer-se do grupo de professores que atua junto ao Programa

Autonomia no contexto educacional do Rio de Janeiro.

Ao observar a dinâmica de trabalho e as formas que as justificam, verificamos

que tais aspectos, principalmente o que concerne à fragmentação do tempo de trabalho,

têm levado muitos professores do ensino médio regular a se tornarem professores do

referido Programa. Demonstramos nos capítulos anteriores o contexto pelo qual passam

esses professores e o processo que acaba transformando-os em professores que aplicam

a metodologia da Fundação Roberto Marinho/Fiesp. Nosso objetivo no presente

capítulo foi identificar as respostas que os profissionais estão dando aos desafios

impostos no seu contexto de trabalho a partir de sua própria experiência e assim

buscamos trazer à tona elementos que serviram para a formação de um contingente de

professores que hoje atuam junto ao Programa Autonomia.

Ao pautar nossas análises no historiador inglês que guiou nossos caminhos ao

longo de toda a dissertação, por hora nos deteremos mais especificamente em suas

análises sobre o fazer-se da classe, utilizando as categorias de consciência de classe e

experiência. Com o risco de abusar dos conceitos usados pelo autor para um fenômeno

específico, talvez possamos dizer que tratamos do fazer-se dos professores do Programa

Autonomia fruto da expressão de uma experiência na profissão docente. Procuramos ver

a questão do fazer-se dos sujeitos históricos, como eles se constituíram e como as

mudanças e padrões, índices do IDEB, metas, meritocracia e toda essa recente dinâmica

educacional têm mudado a experiência, os costumes, o comportamento e o

relacionamento dos professores com as políticas, suas formas de lidar com o trabalho e

como essas mudanças influenciam nas suas opções profissionais. Para tanto, neste

capítulo buscamos compreender a experiência dos professores nos novos Programas e

modalidades de ensino dando ênfase ao modo com que esses profissionais enxergam e

lidam com o Programa Autonomia.

Page 95: Valores e usos do tempo dos professores

95

Iniciaremos o capítulo com as discussões teóricas a fim de situar o leitor e a

leitora de acordo com as visões propostas. Dentro dos procedimentos metodológicos

adotados, nos baseamos principalmente na observação junto aos professores e

professoras, nos questionários aplicados e nas entrevistas semi-estruturadas.

Buscamos, a partir dos dados da pesquisa, observar as estratégias que os sujeitos

têm utilizado para contornar a fragmentação do tempo de trabalho, fator que tem sido

enfatizado pelas políticas atuais. Analisamos também como tem se dado os

usos/contornos do tempo pelos docentes e como isso interfere no seu modo de vida. A

partir do olhar do professor, destacamos as estratégias que eles utilizam para contornar

as políticas e como se dá a resistência às políticas governamentais. Percebemos que

essas atitudes, muitas vezes, passam a ser individualizadas e o processo de resistência a

um desgastante cotidiano de trabalho acaba estimulando adesões a determinados

projetos ou programas, que servem de estratégia de sobrevivência entre os professores,

ao mesmo tempo em que canaliza as metas governamentais em relação à educação

fluminense.

Entre a determinação e a apropriação, entre a estrutura e o processo, entre a

singularidade e a generalização, sobressai a experiência. Portanto, buscamos articular os

relatos e ênfases dos professores ao contexto das políticas educacionais citadas. Estas

serão analisadas como dispositivos de controle e de cumprimento de metas

governamentais, por um lado, mas também serão consideradas em suas relações e,

sobretudo, com os modos pelos quais os professores se relacionam com essas políticas

no exercício de sua profissão. Para isso continuaremos a utilizar, especialmente, os

depoimentos de seis profissionais que acompanhamos durante o percurso desta

pesquisa, pois abrindo espaço para narrativas pessoais, pretendemos ver, com mais

tranquilidade, as estratégias pessoais que os professores utilizam.

3.1. Tempo de pensar a formação e a experiência

Os estudos de E. P. Thompson que resultaram no clássico “A formação da classe

operária inglesa79”, dão ênfase na dimensão cultural da classe e à reconstituição de

79 O título original do livro é The Making of the English Working Class e o título brasileiro tornou-se A formação da classe operária inglesa. No entanto, conforme alertado em nota na 6ª edição: “A palavra ‘formação’ perde em muito o conteúdo subjetivo e processual de “making”: ao substantivar o gerúndio de ‘to make’, o autor pretende, efetiva e conscientemente, ressaltar esse movimento de “autofazer-se” das classes sociais ao longo da história.

Page 96: Valores e usos do tempo dos professores

96

importantes aspectos da vida comunitária dos trabalhadores “pré-industriais”. A

discussão sobre a noção de classe social que foi resumida no prefácio de “A formação”

traz o conceito de classe como processo e relação e não como uma categoria estática;

que se define a si mesma tanto quanto é definida; cuja consciência se constrói na

identificação de interesses comuns e opostos aos de outra classe. Ao criticar a definição

de classe social utilizada por escolas teóricas que o antecederam, Thompson traz

importantes contribuições para o entendimento de classe social, baseado em novos

aspectos que ficam explícitos na “Formação da classe operária inglesa”. Em estudos

anteriores, foi possível perceber que Thompson critica as formas de definição de classe

mais comumente utilizadas por várias escolas teóricas até então e diz que “a classe é

uma relação, e não uma coisa”, sendo definida pelos próprios homens enquanto vivem a

história. Portanto, “a intenção do livro é oferecer uma contribuição para compreender a

classe como uma formação social e cultural.” (FORTES, A.; SILVA, A.M. 2007, p.2).

Ao criticar a história feita de cima, onde apenas os vitoriosos (no sentido

daqueles cujas aspirações anteciparam a evolução posterior) são lembrados, Thompson

ao analisar a classe operária inglesa do início do século XIX, tenta resgatar:

O pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão do ‘obsoleto’ tear manual, o artesão ‘utópico’ e mesmo o iludido seguidor de Joanna Southcott, dos imensos ares superiores de condescendência da posteridade. Seus ofícios e tradições podiam estar desaparecendo. Sua hostilidade diante do novo industrialismo podia ser retrógrada. Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós não. Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser, condenados em vida, vítimas acidentais (THOMPSON, 2011a, p.14).

Ao resgatar os sujeitos históricos comuns, Thompson busca dar importância às

ações dos sujeitos sem secundarizar as estruturas sociais às quais estão submetidos,

desta forma, o autor nunca se afastou da tradição marxista do materialismo histórico

dialético. Recorremos à MATTOS (2012) que percorreu em seu livro um caminho de

discussão da obra de E. P. Thompson centrado na relação do historiador inglês com o

marxismo, ou melhor, com a tradição de “crítica aberta e razão ativa” do materialismo

histórico. O autor afirma que o fundamental na obra de Thompson é a busca por definir

classe social como processo e relação. “Para Thompson a classe tanto faz quanto é feita,

Page 97: Valores e usos do tempo dos professores

97

pois em nenhum momento o historiador inglês nega o papel determinante das relações

de produção sobre a experiência de classe”. (MATTOS, 2012, p.224)

Tratava-se de um lado, da rejeição às teses da história econômica de matriz liberal, pautada pelo quantitativismo a-histórico, pela definição da capacidade de consumo como centro da dimensão econômica da classe, pela ênfase nas escolhas individuais e pela recusa a admitir a exploração de classes. (...) De outro lado, apresentava-se a recusa ao marxismo vulgar, que derivava diretamente, sem qualquer mediação, a consciência e a ação coletiva da classe de seu lugar nas relações de produção – algo que Thompson procurará superar pela ênfase no conceito de experiência (MATTOS, 2012, p.24-25).

Por isso, as definições de Thompson ajudavam a pensar a situação objetiva das

classes, ainda que rejeitando determinismos, tal como se vê na seguinte passagem de

Sader (1988), que ao tomar o conceito de experiência de Thompson como central para

sua reflexão sobre a emergência dos movimentos sociais em fins dos anos 1970, afirma:

Embora as pessoas se encontrem, de saída, numa sociedade estruturada já de determinada maneira, a constituição histórica das classes depende da experiência das condições dadas, o que implica tratar tais condições no quadro das significações culturais que as impregnam. E é na elaboração dessas experiências que se identificam interesses, constituindo-se então coletividades políticas, sujeitos coletivos, movimentos sociais. (SADER, 1988, p.45)

Em suas obras A miséria da teoria ou um planetário de erros (1981) e A

formação da classe operária inglesa (2011a), Thompson critica as posturas

historiográficas positivista e o marxismo ortodoxo. O historiador inglês centraliza seus

estudos na realidade empírica, recuperando as experiências dos sujeitos (em seu caso, as

classes operárias inglesas) para entender as suas ações em determinados contextos. Em

suas análises, Thompson procura promover o retorno dos homens e mulheres concretos

como sujeitos da história, pois:

homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo – não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentaram suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas maneiras [...] e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das

Page 98: Valores e usos do tempo dos professores

98

estruturas de classe resultantes), agem, por sua vez, sobre sua situação determinada (THOMPSON, 1987, p. 182).

Thompson critica a redução do conceito de classe social a uma categoria

estática, não-histórica e afirma que:

Nenhuma categoria foi mais incompreendida, atormentada, transfixada e des-historizada do que a categoria de classe social; uma formação histórica autodefinidora, que homens e mulheres elaboram a partir de sua própria experiência de luta, foi reduzida a uma categoria estática, ou a um efeito de uma estrutura ulterior, das quais os homens não são os autores mas os vetores (IBIDEM, p. 57).

Em A miséria da teoria ou um planetário de erros, o autor tece sua crítica ao

pensamento de Althusser e aos modelos teóricos que abstraem sem descer a nenhuma

experiência concreta. Para Thompson, é preciso levar em consideração o agenciar80

humano e trazer, à narrativa, os sujeitos da história. Esses sujeitos são homens e

mulheres, indivíduos que, nas experiências do cotidiano, constroem identidades sociais,

a exemplo da classe. Não são sujeitos abstratos e homogêneos, sem rosto e com

vontades determinadas por estruturas como queiram os estruturalistas com seu

“economicismo vulgar” (IBIDEM, p.186).

Para realizar tal mediação entre determinação das relações de produção e a

consciência característica da agência de classe, Thompson valorizou o conceito de

experiência. Por meio de tal conceito, a análise de Thompson buscava um nexo entre o

modo de produção e a consciência. “Experiência” seria o termo ausente nas teses em

que a teoria autoproclamada marxista assumia tons mais próximos do idealismo e do

determinismo. Com o conceito de experiência, Thompson acreditava ser capaz de

realizar a mediação entre a determinação das relações de produção e a consciência

característica da agência da classe.

Em todos os seus estudos sobre a classe, Thompson procurou apresentar uma relação complexificada entre a determinação das relações sociais de produção e a dimensão cultural da consciência de classe, em que os homens aparecem

80 O termo “agenciar” provém de “agência”, tradução comumente adotada no Brasil para o termo agency, associado à noção de que os homens são sujeitos de sua própria história, embora em condições que não escolhem, seria uma das mais fortes influências historiográficas que a obra de Thompson legou. (MATTOS, 2012, p. 27)

Page 99: Valores e usos do tempo dos professores

99

como ‘sujeitos de sua própria história’, mas nunca como sujeitos individuais, livres ou autônomos (MATTOS, 2012, p. 195).

As análises de Thompson em relação à constituição da classe operária inglesa no

século XIX – que deve ser entendida no seu fazer-se, no acontecer histórico – nos

fornecem elementos que podem ajudar a entender a “formação” de um grupo de

professores e professoras. Sendo assim, seguimos novos caminhos da análise

thompsoniana para entender o fazer-se de um grupo profissional, compreendendo a

dinâmica que gerou a formação de uma parcela de professores que atuam junto a

Programas como o Autonomia.

Nosso caminho de pesquisa foi trilhado a partir de tais análises, pois, como nos

coloca Thompson (1981), deve-se compreender o contexto no qual os sujeitos

produzem sua consciência de classe, para compreender as ações empreendidas por estes.

Assim, não se pode desvincular as práticas de um (a) professor (a) que leciona em um

Programa como o Autonomia do movimento/contexto que o condiciona. Assim, em

comum acordo com tais análises, partiremos da perspectiva de que o que as pessoas

comuns fazem é digno de interesse e atenção.

A metodologia utilizada por Thompson na análise histórica refere-se às situações

reais, contextos históricos reais e pessoas reais, ou seja, é uma discussão que busca

analisar e sistematizar uma dada realidade, levando em conta seus atores, aqueles que

vivenciam a realidade enquanto se fazem dentro de uma classe. Somente assim é

possível analisar os processos. Isso quer dizer que, para que compreendamos o fazer-se

professor (a) do Autonomia, devemos levar em conta o que estes sujeitos entendem de

sua prática, como sentem, agem, e nesta perspectiva, procuramos dar voz aos

professores.

3.2. Teorias sobre a Profissão Docente

É fecunda a proposição thompsoniana de que é tarefa do pesquisador explicar

um evento em como e por que ele se moveu em uma determinada direção e também os

princípios e tendências fundamentais deste processo. Tendo como acordo esta proposta,

serão somadas aos nossos argumentos as principais tendências teóricas que tentam

explicar a condição docente e traremos alguns depoimentos para ilustrá-los. Entender a

formação de um grupo profissional exige antes, expor em que condições gerais se

Page 100: Valores e usos do tempo dos professores

100

inserem esses trabalhadores no contexto profissional, considerando que o trabalho

docente ainda é um grande enigma, pois não há uma unanimidade social em torno de

expectativas viáveis sobre o seu ofício. Acreditamos que um estudo sobre professores

que aderem a determinado Programa educacional, poderia desvendar algo desse enigma.

Assistimos, na última década, a um esforço crescente dos pesquisadores em

mapear a problemática da profissão docente. Em comum, existe a percepção de que o

trabalho do professor se caracteriza hoje pela intensificação e complexidade do próprio

trabalho. Com relação ao primeiro aspecto, não se trata apenas de aumento de tempo do

trabalho, mas também da ampliação das tarefas as quais os professores são chamados a

desempenhar, seja pelas mudanças na composição social do público escolar, seja pela

implementação de reformas educacionais com visíveis impactos no cotidiano do

trabalho em sala de aula.

O depoimento de Fábio ilustra bem este aspecto, quando fala das suas amplas

funções, que estão para além da tarefa de instruir e ensinar. Este professor, apesar da

pouca idade, já tem uma longa carreira no magistério e afirma que:

A questão hoje se trata de ver a escola não como aprendizado, mas de educação do aluno, onde o aluno deve ser educado, como se nós professores fossemos os pais, mães, tios e tias deles. E isso não é nossa posição. A função do professor não é essa! Apesar de contribuir, isso não é a nossa essência. Isso é função do pai e da mãe. Mas em função da carga horária muito grande desses pais, eles nem encontram os seus filhos. Então acaba caindo na nossa conta, o que atrapalha o nosso trabalho e a própria formação desse jovem, desse cidadão, dessa criança (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério).

Este aspecto citado pelo professor expõe as respostas amplas, às quais são

induzidos o trabalhador docente, que, para além de ensinar, precisa ser um pouco

psicólogo, assistente social, pai, mãe, ou seja, uma sobrecarga de funções que somada às

muitas exigências e ao aumento do tempo de trabalho têm tornado o trabalho do

professor ainda mais intensificado, atribuindo responsabilidades que não são

necessariamente suas. De acordo com Tardif e Lessard (2011), se tomarmos

especificamente, por exemplo, o tempo de trabalho, a literatura internacional vem

chamando a atenção para a ampliação do número de horas comparativamente a outras

categorias profissionais em função da diversificação das atividades dos professores.

Entendemos que com o emprego das reformas educacionais pelo governo

brasileiro, nos anos 1990, o vínculo da educação à lógica produtiva e ao mercado

retornou mais visível ainda, implicando na transferência de conceitos da área

Page 101: Valores e usos do tempo dos professores

101

empresarial para a educação escolar. O modelo por competências, gerado no campo

jurídico, estendeu-se ao mundo empresarial e mais uma vez provoca mutações na

prática pedagógica escolar.

Essa lógica das competências instiga a concorrência, a meritocracia e o

individualismo, e dentro disso, o gerencialismo tem sido, segundo Ball (2005), o

principal mecanismo utilizado nas reformas educacionais em todo o mundo, responsável

pela criação de uma estrutura empresarial competitiva que acaba expondo a vida

emocional e o comportamento dos professores, além de fazê-los se sentirem

responsáveis pelo sucesso ou fracasso do aluno. Assim, afirma Ball (2005) que o

professor, assim como o pesquisador e o acadêmico estão sujeitos a uma miríade de

julgamentos, mensurações, comparações e metas; informações que são coletadas

continuamente, registradas e publicadas com frequência na forma de rankings.

Além dessa concorrência e incentivo a uma melhor performance do professor,

assistimos, ainda, a um amplo processo de intensificação do trabalho, de uma

quantidade maior de horas trabalhadas, intensificada pelo achatamento dos salários

desses profissionais. Mais uma vez, traremos o depoimento do jovem e experiente

professor, que retrata essa relação da falta de tempo com o nível salarial:

O que mais falta hoje é uma boa estrutura dentro das escolas, material para trabalhar... Toda a estrutura a nível físico da escola e um bom incentivo para o professor. O salário do professor hoje é muito defasado. É muito complicado você parar para planejar uma aula, por que te falta tempo. Você trabalha muito pra conseguir um rendimento legal pra sua vida. A falta de dinheiro, para você seguir na área do magistério, é a maior dificuldade. O salário defasou muito de dez anos pra cá. Minha família é toda de professores. O meu pai ingressou na rede estadual e tinha uma história que se ganhava cinco ou seis salários mínimos como professor. Meu pai sustentava a gente muito bem com duas matrículas no estado. E isso não acontece hoje. O salário do professor é muito defasado, muito aquém de uma pessoa formada no ensino superior. É muito menos do que ganha um arquiteto, um médico, um engenheiro... A valoração do professor é muito baixa. E isso piorou muito (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério).

Segundo Apple (1995), a intensificação representa uma das formas mais

tangíveis pelas quais as conquistas dos trabalhadores docentes são degradadas. Ela tem

vários “sintomas”, do trivial ao mais complexo – desde não ter tempo sequer para ir ao

banheiro, tomar uma xícara de café, até ter uma falta total de tempo para conservar-se

em dia com sua área. Além disso, é possível perceber, também, professores e

professoras completamente envolvidos com suas atividades fora de seu horário de

Page 102: Valores e usos do tempo dos professores

102

trabalho e, com muita frequência, durante sua hora de lanche. Em muitos momentos,

chegam à escola antes do horário de início e saem depois do horário de término, além

de, muitas vezes, gastarem horas de trabalho em casa, durante a noite. Alguns autores,

dentre eles o próprio Apple (1995), afirmam que um dos efeitos mais significativos da

intensificação do trabalho docente pode estar relacionado à questão da redução da

qualidade do trabalho, consequentemente, da educação.

Diante das inúmeras tarefas impostas às escolas pelos atuais processos

descentralizadores, os professores se vêem face a uma situação onde não há tempo para

se problematizar o que se está sendo produzido e nem a forma como está sendo

produzido. Existe tanta coisa a fazer que simplesmente cumprir o que é especificado

exige quase todos os esforços do professor, executando uma intensa quantidade de

tarefas que na maior parte das vezes não foi elaborado ou decidido por ele, não

existindo tempo para se parar para pensar e discutir sobre essas tarefas.

Outro fator que tem sido apontado nos estudos é o sentimento de perda de

prestígio do qual reclama o professor, que o faz se sentir desvalorizado diante da

constante responsabilização pelo baixo rendimento escolar dos alunos. Com a

massificação do ensino e a falta de perspectivas para a grande maioria dos alunos, o

professor acaba se sentindo perdido, pois se sente tolhido em sua função de formar as

novas gerações para o futuro. Antônio ao refletir sobre esta questão, afirma:

Os alunos de hoje têm um entendimento de escola como um espaço ampliado da casa dele, da rua deles. Eles não reconhecem o professor como alguém que pode ajudá-los, que pode acrescentar algo à sua vida. Eu me pergunto o tempo inteiro como eles percebem a escola para formação deles, o que vai acontecer com eles depois de terminar o ensino médio... Eles não têm perspectivas de melhorias após a formação. E o professor estaria meio perdido nesse espaço (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).

Aferidos por avaliações internas e externas, e pela decantada má qualidade da

escola pública, os professores se sentem controlados e, muitas vezes ignorados pelas

políticas educacionais. Tudo isso, segundo Ball (2005), consequência da aplicação de

duas importantes tecnologias da política de reforma educacional: a performatividade e o

gerencialismo. Para o autor, tais tecnologias utilizam técnicas e artefatos para controlar

o professor, aumentar sua produtividade e estabelecer parâmetros de comparação entre

eles.

Page 103: Valores e usos do tempo dos professores

103

A performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança. Os desempenhos de sujeitos individuais ou de organizações servem de parâmetros de produtividade ou de resultado, ou servem ainda como demonstrações de “qualidade” ou “momentos” de promoção ou inspeção. Eles significam ou representam merecimento, qualidade ou valor de um indivíduo ou organização dentro de uma área de julgamento, tornando os “silêncios audíveis”. A questão de quem controla a área a ser julgada é crucial e um dos aspectos importantes do movimento da reforma educacional global são as disputas localizadas para se obter o controle e introduzir mudanças na área a ser julgada e em seus valores.[...] A performatividade é alcançada mediante a construção e publicação de informações e de indicadores, além de outras realizações e materiais institucionais de caráter promocional, como mecanismos para estimular, julgar e comparar profissionais em termos de resultados: a tendência para nomear, diferenciar e classificar. (BALL, 2005, p. 543)

Entre as críticas de inspiração marxista, os autores vêm advertindo para o perigo

das reformas estarem contribuindo para a desqualificação dos professores e para sua

proletarização, pois a natureza do trabalho passa a ser estreitamente controlada e os

programas definidos em termos de objetivos, estratégias de ensino, etc. Nessa revisão de

literatura, nota-se uma censura à pressão crescente que se vem fazendo sobre a

performatividade da atividade docente e seus corolários, o estabelecimento de escolas

eficazes e aos bônus pagos aos professores das classes com alto desempenho.

Todos esses processos acabam por desvalorizar competências pedagógicas

construídas ao longo de trajetórias duráveis e consistentes, mas que são frequentemente

desqualificadas pela “mudança da hora”. Com as políticas de avaliação e

responsabilização, os professores cada vez mais têm um sentimento de fragmentação

identitária ligado às tensões entre propostas oficiais e suas concepções pessoais. Essa

tensão alimenta o que Oliveira (2010) denomina desprofissionalização.

Na perspectiva de pensar a construção da profissão docente no Brasil, a autora

insiste na ideia de que quanto mais variadas são as funções a que o professor é chamado

a responder, mais cresce o sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade,

na constatação de que ensinar às vezes não é o mais importante. Segundo a autora,

situações como essa contribuem para que uma parcela da sociedade passe a suspeitar do

professor, como alguém sem a competência esperada e necessária para ensinar. “A

própria busca permanente de mensuração do desempenho dos alunos acaba levando a

um sentimento de que é preciso fiscalizar a escola e o trabalho dos professores.”

(OLIVEIRA, 2010, p.24).

Page 104: Valores e usos do tempo dos professores

104

Assistimos com muita ênfase nos últimos anos, as políticas de um Estado

avaliador, que valoriza os instrumentos de medição quantitativa como indicadores de

rendimento do sistema educativo, expressos em testes para medir a aprendizagem dos

alunos e a formação de professores. Todo esse quadro ajuda a entender por que tanto

tem se discutido a proletarização do magistério, caracterizada pela perda de controle do

trabalhador (professor) do seu processo de trabalho, contrapondo-se “à

profissionalização como condição de preservação e garantia de um estatuto profissional

que leve em conta a autorregulação, a competência específica, rendimentos, licença para

atuação, vantagens e benefícios próprios, independência.” (OLIVEIRA, 2004, p. 1138).

Em relação à discussão de proletarização, observamos adesões ao termo por

alguns pesquisadores (APPLE, 1991; ENGUITA, 1991; JAÉN, 1991; LAWN, 2001) e

também críticas (HYPÓLITO, 1991; SAVIANI, 1984). A proletarização no ensino seria

o processo pelo qual o trabalhador não tem controle sobre o trabalho que executa:

muitas vezes não participa da sua concepção e avaliação e desenvolve o que outros

estabeleceram para ele apenas cumprir. Além disso, o trabalho se realiza sem as

condições necessárias e o trabalhador não recebe a remuneração devida. Na

proletarização, o professor não domina o processo de trabalho, isto é, apenas cumpre

ordens, como é o caso da simples aplicação de pacotes de ensino, controlando mais e

cada vez instruindo menos.

Apple e Teitelbaun (1991) destacam a separação entre concepção e execução,

onde a pessoa que está realizando o trabalho perde a visão do processo global e perde o

controle sobre seu próprio trabalho, uma vez que alguém fora da situação imediata tem

agora maior controle tanto sobre o planejamento quanto sobre o que deve ser realmente

realizado. Afirmam ainda que esta perda de autonomia direta ou indiretamente, acaba

refletindo em alienação do trabalho, e diz que não há nenhuma fórmula melhor para a

alienação e o desânimo que a perda de controle do próprio trabalho.

Observamos que diversos autores buscam analisar a discussão sobre a adequação

(ou não) do emprego das mesmas categorias utilizadas na análise do processo de

trabalho na fábrica para uma interpretação das relações de trabalho na escola. Estas

diferentes formas existentes de análise do trabalho escolar são baseadas muito em

conceitos desenvolvidos por Marx na questão do trabalho produtivo/improdutivo, para

afirmar se há uma proletarização da categoria docente. Em relação a isso, recorremos ao

próprio Marx, que afirma que não é nem o conteúdo do trabalho desempenhado nem o

setor da economia em que desempenha esse trabalho que definirá o caráter produtivo do

Page 105: Valores e usos do tempo dos professores

105

trabalho ou do trabalhador. Para isso, Marx faz questão de exemplificar o trabalho

produtivo com figuras como a do artista ou a do professor:

Uma cantora que entoa como um pássaro é um trabalhador improdutivo. Na medida em que vende seu canto, é assalariada ou comerciante. Mas a mesma cantora, contratada por um empresário, que a faz cantar para ganhar dinheiro, é um trabalhador produtivo, já que produz diretamente capital. Um mestre-escola que é contratado com outros, para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica com o conhecimento, é trabalhador produtivo (MARX, 1978, p.76).

Se o caráter produtivo do trabalho e do trabalhador não se define pelo emprego

na fábrica, tampouco a classe trabalhadora aparece como restringida aos que exercem

trabalho produtivo. Pelo contrário, é a condição proletária e o assalariamento que a

definem. Marx lembra, neste mesmo livro, que nem todo trabalhador assalariado é

produtivo, mas que mesmo os que exercem profissões antes associadas a uma auréola

de autonomia (como os médicos, advogados, professores, etc.) cada vez mais se viam

reduzidos ao assalariamento e caíam – “desde a prostituta até o rei” (MARX, 1978,

p.73) – sob as leis que regem o preço do trabalho assalariado.

3.3. Professores do Programa Autonomia da Metropolitana IV81 A tabela nº 11 (ver apêndice B, tabela nº 11, p. 170) expõe os dados dos

questionários passados aos professores no curso de formação do Programa Autonomia

da Metropolitana IV. O instrumento de pesquisa foi entregue para 63 professores;

destes, 62% são mulheres, 20,6% homens e 17,4% não se identificaram. Dentre eles,

havia apenas um professor com mais de 60 anos; 17,4% dos professores estão na faixa

etária entre 50 e 60 anos, 30,1% estão na faixa etária dos 40 a 49 anos, 35% estão na

faixa dos 30 a 39 anos e 12,6% dos professores estão na faixa etária de 20 a 29 anos.

Entre os questionados, situamos 6,3% de professores com mais de 30 anos de

magistério; 20,6% dos professores possuem entre 20 e 29 anos no exercício da

profissão; 28,5% possuem entre 10 e 19 anos no magistério e 44,4% dos professores

possuem menos de 10 anos de exercício da docência.

81 A regional Metropolitana IV abrange as seguintes localidades: Jabour, Realengo, Inhoaíba, Santa Cruz, Bangu, Jardim Bangu, Anchieta, Ricardo de Albuquerque, Magalhães Bastos, Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba, Paciência, Padre Miguel, Vila Kennedy, Jardim Palmares, Senador Camará, Vila Aliança, Sepetiba, Santíssimo, Deodoro, Santa Margarida, Vila Militar, Cosmos, Costa Barros, Barros Filho, Benjamim Dumont, Campo dos Afonsos, Campo Grande, Grumari, Guadalupe, Guilherme da Silveira, Honório Guegel, Jardim Maravilha, Jardim Sulacap, Mallet, Padre Anchiete, Parque Columbia, Pavuna, São Fernando, Senador Augusto Vasconcelos. (Fonte: Site da SEEDUC).

Page 106: Valores e usos do tempo dos professores

106

Visto que o Programa Autonomia admite professores de qualquer disciplina, foi

solicitado que os professores informassem a sua área disciplinar. Sendo assim,

constatamos que a maioria dos professores presentes pertence à área de Letras: Língua

Portuguesa/ Português- Literatura e Língua estrangeira (Português-inglês ou português-

espanhol); representando 46% dos professores do Projeto Autonomia dessa região. A

segunda área disciplinar de maior incidência entre os professores foi a Educação Física,

contemplando 15,9% de professores desta área de atuação, seguida de 14,2% de

professores de matemática, 12,6% de ciências biológicas, 8% de geografia, 4,7% de

história e apenas uma professora de química.

Em relação à instituição de formação dos professores do Programa Autonomia

desta região, a grande maioria teve sua formação em instituições privadas, sendo 63,5%

dos professores formados por essas instituições de ensino superior. Outros 30% tiveram

sua formação em instituições de ensino superior públicas e 6,3% afirmaram terem

concluído sua formação em ambas, parte em uma instituição pública e parte em

instituição privada.

A docência sempre carregou um diferencial em relação às horas de trabalho,

onde em geral, professores deveriam ter uma carga horária reduzida, em comparação a

outros trabalhadores, devido à peculiaridade do ensino, a necessidade de planejamento,

aperfeiçoamento, formação, etc. No entanto, a situação mais denunciadora da

precarização da situação do trabalho do docente em anos recentes se dá no número de

horas semanais trabalhadas.

O trabalho dos docentes que atuam junto ao Programa Autonomia é de 24 horas

semanais, sendo quatro horas diárias em sala de aula, cinco dias por semana com mais

quatro horas de planejamento. Para atender às exigências do Programa, o docente de 16

horas deve complementar a carga horária com GLP (Gratificação por Lotação

Prioritária), que são as horas-extras.82 No entanto, dentre os sujeitos da pesquisa, que

atuam junto ao Programa Autonomia, 42,9% reportaram trabalhar 40 horas semanais ou

mais, outros 22,2% disseram trabalhar entre 25 e 39 horas e apenas 15,8% disseram que

trabalham 24 horas semanais (tempo equivalente a carga horária semanal necessária ao

Programa e que, portanto, só desenvolvem esta atividade). Um fato curioso é que 17,5%

dos professores afirmaram trabalhar menos de 24 horas semanais, ou seja, disseram que

82 Fonte: Site da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, no link Conexão Professor. Visitado em 21/03/2013.

Page 107: Valores e usos do tempo dos professores

107

trabalham 20 horas, desconsiderando a sua carga horária de trabalho destinada ao

planejamento e fora de sala de aula.

Um dos objetivos do questionário foi buscar identificar a localidade em que o

professor mora e a proximidade com a escola em que atua, buscando verificar a hipótese

de pesquisa na qual os professores que atuam junto ao Programa Autonomia, em geral

residem próximo das escolas; partindo do pressuposto de que muitas vezes à adesão

desses professores ao Programa é a possibilidade de transferência de uma escola mais

distante para uma escola mais próxima de sua residência. A hipótese se confirmou neste

caso, pois dentre os professores entrevistados, apenas sete 11,1% atuam na

metropolitana IV e moram em outras regiões do estado, 41,2% dos professores

trabalham em escolas nos próprios bairros em que residem e todos os demais

professores trabalham e moram em bairros vizinhos que fazem parte da mesma

metropolitana.

Neste caso, devemos ter cuidado, em termos razoáveis, em como encarar a

generalização. O fato de dizer, por exemplo, que 89% dos professores da referida

amostra trabalha em escolas próximo às suas residências devido a uma possibilidade de

atuar junto ao Programa Autonomia, pode ser válido, mas camufla o fato de que essas

adesões são objetivamente de natureza diferente, têm antecedentes diferentes e são

percepcionadas de forma muito diversa pelos professores. No mesmo sentido, a adesão

ao Programa comporta uma constelação de facetas que varia de uma pessoa para outra,

mesmo que várias pessoas dêem uma resposta parecida quando questionadas ao que diz

respeito a sua adesão ao Programa.

Pois bem, a partir desses dados iniciais levantados, buscamos os sujeitos da

pesquisa, entrando em contato com professores e professoras que se dispuseram a

conceder as entrevistas83. Buscaremos através das narrativas destes professores e

professoras situar o contexto de atuação, assim como as condições de trabalho e a

referência espaço-tempo aos quais eles estão submetidos na rede estadual de ensino do

Rio de Janeiro. Esse procedimento ajudará, também, a conhecer como os professores

justificam a sua adesão ao Programa, como avaliam esse novo lugar profissional e como

eles concebem a estruturação do tempo em sua profissão.

3.4. Os usos do tempo pelo professor ao longo de sua trajetória profissional 83 Na tabela nº 12 (ver apêndice B, tabela nº 12, p. 172), encontramos um resumo da identificação dos sujeitos entrevistados, com seus respectivos nomes fictícios.

Page 108: Valores e usos do tempo dos professores

108

A fase inicial, marcada pela entrada na profissão, para muitos autores

(HUBERMAN, 1995; CAVACO, 1995; ESTEVE, 1999), é um momento bastante

difícil para o professor. Cabe a tais professores, na maioria das vezes, trabalharem com

as turmas consideradas mais difíceis, cumprir os horários menos atrativos e se deslocar

aos lugares mais distantes. “Os primeiros anos parecem efetivamente deixar marcas

profundas na maneira como se pratica a profissão” (CAVACO, 1995, p.114).

Conceitualmente, há diversas maneiras de estruturar o ciclo de vida profissional

dos professores. Huberman (1992) opta por uma perspectiva clássica, a da “carreira”.

Considera, como exemplo, as sequências ditas “de exploração” e “de estabilização”, que

supostamente se verificam no início de uma carreira. O desenvolvimento da carreira é,

assim, um processo e não uma série de acontecimentos. Para alguns, este processo pode

parecer linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos

de arranque, descontinuidades.

Iniciamos nossas observações com depoimentos de seis professores a respeito de

sua fase inicial de carreira e sua relação com o tempo, mas antes há uma dificuldade na

metodologia a ser destacada, por exemplo: agarrar-se a um docente de 30 anos, através

de um grupo que tem realmente 30 anos; e a um outro grupo com docentes de 50 anos

de idade ou mais, que recria a época dos seus 30 anos e cuja capacidade de

rememoração pode ser nitidamente menos precisa do que aqueles que estão atuando

nesta etapa da docência. Considerando esta ponderação, trouxemos alguns depoimentos

que traduzem essa fase inicial de carreira.

Quando questionados a respeito de sua atuação profissional desde sua entrada no

magistério até os primeiros cinco anos de carreira, os professores apresentam as

seguintes percepções:

Comecei em 90... Só que eu trabalhava sem vínculo nenhum. Eu já dava aula, mas sem vínculo. Quando eu entrei para o magistério oficialmente, eu fui para escola particular. Trabalhei em Santa Cruz, Barra (da Tijuca), Campo Grande84... Ah e detalhe! Complementando a faculdade pra fazer o curso de bacharel. Às vezes eu vinha da Barra direto pra faculdade em Padre Miguel... Foi muito complicado, foi muito difícil. Diria que até 95 foi assim. De 90 a 95 foi essa confusão toda. Às vezes eu chegava da Barra (da Tijuca) pra trabalhar em Santa Cruz no pré-vestibular, entrava comendo um sanduíche dentro da sala, já dando aula e comendo (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).

84 A professora refere-se a bairros da zona oeste do Rio de Janeiro distantes uns dos outros.

Page 109: Valores e usos do tempo dos professores

109

A professora Nilda, ao falar de sua trajetória inicial no magistério, destaca que

essa fase foi a mais difícil de sua carreira, diz que não possuía vínculo ao afirmar que só

trabalhava em escolas particulares. Essa professora associou a falta de vínculo

empregatício a ausência de carteira assinada, estando assim, fora das leis trabalhistas.

Percebemos aqui uma fase inicial de carreira bastante conturbada, onde trabalhar em

muitas instituições de ensino é, também, ter vínculos superficiais com os ambientes de

trabalho.

A entrada de Nilda no ensino público se deu depois deste período retratado por

ela como uma confusão, na qual precisava fazer amplos percursos de ônibus de uma

escola para outra, todas distantes de sua casa e ainda precisava conciliar com os estudos.

Já a trajetória inicial de Janete pareceu um pouco menos conturbada, neste caso,

os seus primeiros cinco anos de atuação como professora se desenvolveram na rede

pública estadual do Rio de Janeiro e também em escolas particulares. Assim como

Nilda, Janete classificou o seu trabalho no ensino privado como um período mais difícil

de sua atuação profissional, dizendo que deixou de atuar nas escolas particulares quando

passou no concurso para a rede estadual.

Quando eu passei para o Estado em 1988 eu saí dos colégios particulares, então, nos primeiros cinco anos foi uma coisa assim bem tranquila. O colégio particular é bem mais difícil, acho bem mais exigente. O (Colégio) Belisário era um colégio particular de referência aqui né, era um grande colégio aqui em Campo Grande e existia uma cobrança muito grande do professor. Quando eu passei para o Estado foi uma coisa mais tranquila, foi um concurso muito disputado na época e eu gostei de onde eu fui, eu fui trabalhar em Seropédica. Eu morava no centro de Campo Grande e trabalhava em Seropédica. A princípio eu ia de ônibus e a condução era difícil, mas o colégio era muito grande, muito bom. Como era um colégio que tinha ensino fundamental e ensino médio, na época segundo grau, os alunos eram bem adaptados à escola, então eu gostava desse tipo de coisa, a convivência na escola era grande, então os alunos não tinham muito problema de comportamento porque eles já tinham resolvido isso no ensino fundamental, então já tinha uma adaptação ao espaço e era bem mais fácil trabalhar (Janete, 50 anos, 26 anos de profissão).

Ao tratar do mal-estar docente, Esteve (1999) propôs três grupos distintos de

professores que, segundo ele, são típicos do início da carreira: os denominados

insatisfeitos com conduta flutuante, que vão trabalhando e se desviando dos problemas

na tentativa de protegerem-se; os que se realizam na profissão docente e aqueles que

procuram se envolver minimamente com as tarefas inerentes à profissão. Dentro desses

Page 110: Valores e usos do tempo dos professores

110

aspectos iniciais da carreira docente, o depoimento de Antônio, um professor em início

de carreira, nos traz a seguinte percepção:

O que mudou desde a minha entrada no magistério, foram as decepções, os problemas. À medida que você vai passando a ser um profissional, você vai percebendo algumas coisas que no início você achava que deveria modificar, que deveria fazer intervenção, mas depois você vê que o problema é muito mais complexo (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).

Huberman (1992), estudando o ciclo de vida dos professores, observou que o

início da carreira representa o momento de entusiasmo, da descoberta e do

encantamento, embora marcado por dificuldade e insegurança. Observamos isso no

depoimento de Antônio que, ao ingressar no magistério, disse que se identificava muito

com a profissão, que almejava uma intervenção social através do seu trabalho, fator que

junto à estabilidade era o seu principal objetivo. Ao dizer que o problema é muito mais

complexo, Antônio expressa a sensação de que os professores hoje se encontram

perdidos em meio a um espaço que não lhe dá condições de promover uma prática

transformadora.

3.5. Tecendo diferenças de gênero no uso do tempo

Neste tópico daremos destaque a uma trajetória marcada e influenciada

diretamente pela tríade mulher-mãe-trabalhadora, portanto não destacaremos

depoimentos de homens, pois não será o objetivo fazer comparações. Sabemos que a

utilização do tempo das mulheres é diferenciada, pois, na maioria das vezes precisam

dar conta de uma dupla ou tripla jornada. Thompson afirma que o tempo das mulheres

mães é diferenciado, muito orientado pelas tarefas – especialmente ao que se refere aos

cuidados com os filhos - pois “parte do trabalho com as crianças e em casa se revelava

naquele momento como necessário e inevitável, e não uma imposição externa”.

(THOMPSON, 2011b, p.288) Nesse caso, o autor se referia a mães do século XVII,

mulheres do trabalhador rural, que além dos afazeres domésticos, tinham que cuidar dos

filhos, da volta dos homens ao lar, das crianças que choravam na madrugada, numa

intensa labuta cotidiana; ao contrário do marido, que podia descansar durante a noite,

elas não podiam, não tinham o mesmo tempo para descansar.

Page 111: Valores e usos do tempo dos professores

111

Podemos corroborar com a ideia do autor quando ele mesmo afirma que aquela

realidade continua sendo verdade até os dias de hoje, e que a forma de lidar com o

tempo pelas mulheres mães é muito mais orientado pelas tarefas:

Apesar do tempo da escola e do tempo da televisão, o ritmo do trabalho feminino em casa não se afina totalmente com a medição do relógio. A mãe de crianças pequenas tem uma percepção imperfeita do tempo e segue outros ritmos humanos. Ela ainda não abandonou de todo as convenções da sociedade “pré-industrial” (IBIDEM, p.288).

É verdade que o que Thompson falava em relação ao século XVII não fica muito

distante do cotidiano de muitas mulheres do século XXI, pois com a entrada massiva

das mulheres no mundo do trabalho, as cobranças em relação aos cuidados com a

família e filhos não mudaram, ainda são tidos como um trabalho fundamentalmente

feminino e que, portanto, exigem das mães trabalhadoras uma rotina muito mais

desgastante e um uso do tempo muito mais fracionado e destinado aos cuidados dos

filhos e da casa. O depoimento desta professora, ao relatar o início de sua trajetória no

magistério, nos traz elementos importantes para compreender não só o fenômeno da

dupla jornada na categoria docente, mas também da variedade de escolas em que atuava

e portanto da intensificação do trabalho que promove uma aceleração de tempo da

professora, que é levada a abrir mão do descanso semanal para poder sustentar o seu

filho.

Olha, quando eu comecei, foi quando meu filho nasceu... Nessa época eu trabalhava em nove escolas particulares. Dando mamar no peito... (sorriso e pausa) Peguei uma anemia braba, perdi 28 kgs, foi muito cansativo... Dava aula de geografia, inclusive eu trabalhei em pré-vestibular e ritmo de pré-vestibular, sabe como é... Então às vezes eu não trabalhava só dia de semana. Teve uma das escolas, em Itaguaí, que eu trabalhava sábado o dia inteiro, domingo o dia inteiro no Projeto (de vestibular da) UERJ, pra ganhar mais um dinheiro né? Porque eu criava o meu filho sozinha. Então era o (único) dinheiro que entrava dentro de casa pra dar qualidade de vida (Professora Nilda, 51 anos, 24 anos de magistério).

E prossegue relatando:

Depois de passar esse momento difícil, aí eu passei no município (do Rio de Janeiro) em 1995. Fiquei dois anos trabalhando, aí eu perdi a minha mãe e

Page 112: Valores e usos do tempo dos professores

112

meu filho manifestou uma hiperatividade, pirou mesmo com a hiperatividade de eu chegar ao ponto de dizer: “ele tá me pedindo socorro, eu vou parar.” Aí parei. Todo mundo me condenou, por eu largar a matrícula, mas... era eu ou meu filho e eu tinha que tá junto com ele. E valeu a pena ter largado. Aí nesse período que eu fiquei em casa eu dava aula em casa, só em casa... A diretora dessa escola mandava muito aluno pra mim. Aí vinha aluno do (Colégio) Rosário, aluno do (Colégio) Santa Isabel, do (Colégio) Santa Mônica85, eu tinha várias turmas separadas, por escolas, que eram metodologias diferentes. Ainda tinha isso... Modalidades totalmente diferentes! Fiquei praticamente uns oito anos desempregada, dando aula em casa... (pausa com emoção). Aí em 2004 eu entrei na primeira matrícula do estado, e em 2007 entrei na outra. Hoje as minhas duas matrículas estão no Autonomia (IDEM).

O depoimento desta professora nos revela uma trajetória profissional dificultada

e com interferências diretas pelo fato ser mãe e ter criado seu filho sozinha, pois isso a

levou a se desdobrar em várias escolas para conseguir o sustento da casa e abandonar

uma matrícula pública para se dedicar aos cuidados de seu filho. Nilda só se estabilizou

dezessete anos depois de sua entrada no magistério, quando conquistou suas duas

matrículas na rede estadual. Por fim, a professora se refere ao trabalho no Programa

Autonomia como uma grande realização pessoal, pois permitiu concentrar seu tempo e

sua dedicação a apenas uma modalidade de ensino e em apenas uma escola, fator que

não havia conseguido em toda a sua trajetória profissional.

3.6. Fazer-se professor(a) do Programa Autonomia: diversos caminhos para um mesmo fenômeno

Quando os professores e professoras foram questionados a respeito dos motivos

que os levaram a aderir ao Programa Autonomia, encontramos diversos caminhos, dos

mais simples aos mais complexos. Muitos desses confirmaram a hipótese de que a

adesão ao Programa tem se dado para fugir da fragmentação do tempo de trabalho,

trabalhar mais próximo de casa e/ou para concentrar a matrícula em apenas uma escola.

Neste caso, a adesão ao Programa evidencia: 1) fuga ao fracionamento do tempo e dos

espaços em que atuavam; 2) a perspectiva de ter aumento salarial; 3) a crença de que o

Programa contribui para melhorar a qualidade do ensino; 4) outros faotres.

Dentre todos os professores entrevistados, observamos a confirmação destes

pontos, embora os caminhos para essa adesão tenha se dado das mais diferentes formas

possíveis. Dentre os professores em início de carreira, em meados ou no fim de carreira,

85 Escolas particulares localizadas na região.

Page 113: Valores e usos do tempo dos professores

113

um fator se faz comum: eles desejam encontrar mecanismos de fuga à precarização que

se reflete na busca de um maior tempo concentrado (preferencialmente em uma única

escola) e um aumento da remuneração. Isso também é visto por todos os professores

entrevistados como um elemento primordial para um ensino de qualidade. Sendo assim,

elencamos a partir dos depoimentos dos seis entrevistados um pouco de sua trajetória

anterior e os motivos que os levaram a aderir ao Programa:

O meu ingresso no Projeto86 foi devido a ser novo na rede estadual de ensino e estar trabalhando só com o ensino regular o que me dava uma remuneração muito baixa. Com o Projeto houve um aumento de carga horária e esse aumento de carga horária daria uma certa estabilidade87. Depois mudou, mas no início foi essa a minha intenção de ingressar no projeto (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).

Eu entrei com as duas matrículas (no Programa Autonomia). A primeira matrícula eu entrei por que ganhava muito pouco. Eu queria aumentar a questão salarial e aqui a gente ganha uma gratificação. Na segunda matricula já foi pra trabalhar num local mais próximo de casa, onde eu trabalhava antes eu gastava muito com passagem. Então, acabou sendo uma questão salarial, foi pra diminuir meu gasto com deslocamento e passagem (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério). Eu entrei dando aula pro 6º, 9º e 8º ano, no primeiro ano. No segundo ano eu peguei duas turmas de 3º ano e uma de 7º ano. [...] No início eram oito tempos aqui e quatro numa escola em Bangu, aí surgiram os 12 tempos aqui e eu optei por ficar aqui. Por mais que Bangu fosse mais perto, a escola era mais violenta, era à noite e eu fui assaltada dentro da escola. Aí eu desisti. Eu optei por ficar aqui em Paciência que era mais longe, mas tinha os 12 tempos. [...] Depois com o fechamento de turma e falta de vagas a gente ia perder vaga na escola aí implantaram no colégio o Autonomia, a diretora para não me perder me encaixou no Autonomia aqui nessa escola (Professora Christiane, 32 anos, cinco de magistério). Trabalhei em três escolas. Porque quando você entra, você pega o horário que tá pronto, você não consegue fazer teu horário, então na primeira matrícula quando eu entrei, entrei em três escolas, em 2004, já no final do ano. Peguei três escolas, uma inclusive era conveniada com a Igreja lá em Itaguaí e aí essa minha matrícula na verdade é da (Diretoria) Metropolitana de lá, só que aí eu já mudei minha origem porque eu vim pra cá pelo projeto. (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).

86 Alguns professores ainda se referem ao Programa Autonomia como Projeto Autonomia, geralmente por atuarem no Programa desde o início, quando ainda era um Projeto. 87 O professor cita o aumento salarial como algo positivo, embora reconheça que o aumento (gratificação) proveniente da adesão ao Programa não seja compatível com o aumento da carga horária exigida.

Page 114: Valores e usos do tempo dos professores

114

Observamos nesse conjunto de depoimentos que fatores comuns são colocados

em função da adesão ao Programa Autonomia, nenhum dos entrevistados afirmou ter

aderido ao Programa por acordo com a metodologia ou por acreditar que trabalhar com

o Programa seria importante profissionalmente. Ao contrário, todas as adesões se deram

pelos motivos já elencados, além disso, todos os professores entrevistados gostariam de

trabalhar em menos escolas, talvez em uma somente, o que demonstra que a condição

anterior não era desejável.

Antônio e Fábio, jovens professores, disseram que um dos pontos para a adesão

foi a questão salarial, visto que a remuneração anterior com a carga horária de 16 horas

era muito baixa88. Embora ambos reconheçam que a gratificação proporcionada não é

compatível com a carga horária dedicada, destacam o “aumento” salarial como algo

necessário e oportuno para suas vidas. Fábio ainda destacou a questão dos gastos com

deslocamento, pois trabalhava longe de casa e assim gastava muito tempo e dinheiro

com locomoção, e até então a SEEDUC não pagava sequer um auxílio para transporte.

Fábio e Nilda têm em comum o fato de terem conseguido mudar o local de trabalho

através do Programa Autonomia, trazendo sua matrícula ou sua origem de um local

mais distante para uma escola mais próxima de suas casas.

Outro fator presente e muito comum é a adesão ao Programa devido ao

fechamento de turmas nas escolas em que atuam os professores. O depoimento de

Christiane nos serve como ilustração deste aspecto. Esta professora afirmou que perdeu

tempos na escola em que trabalha e isso acarretaria na fragmentação do tempo de

trabalho, pois passaria a ter que atuar em duas ou mais escolas; no entanto, a diretora da

escola lhe ofereceu a oportunidade de trabalhar com o Programa Autonomia, o que foi

aceito pela professora que, somente desta forma, conseguiu permanecer na mesma

escola até os dias de hoje.

O único professor que apresentou elementos que divergem do conjunto de

entrevistados foi Bruno. Este professor apresenta outro tipo de relação com o

magistério, pois sempre teve outras atividades complementares e a profissão docente

durante grande parte de sua vida não foi sua ocupação principal. A relação dele com a

profissão é bem diferente das expostas pelos outros professores e professoras,

manifestando condutas e percepções particulares. Durante a sua atuação, Bruno foi mais

seletivo nas escolhas, fez concursos apenas para regiões próximas de sua residência,

88 Conforme a tabela nº 9 (ver apêndice B, tabela nº 9, p. 169), o vencimento base para um professor de 16h em início de carreira, no ano de 2011, era de R$ 877, 91.

Page 115: Valores e usos do tempo dos professores

115

sempre se locomoveu de transporte particular até as escolas e nunca apresentou

problemas em relação ao trabalho, pois nunca teve uma carga horária extenuante em

sala de aula. Conforme podemos observar em seu depoimento:

Sempre trabalhei próximo de casa, nunca fiz concurso para longe de casa, justamente pensando nessa questão da locomoção. Sempre fiz concurso para metro IV, que é a área que eu moro. Nunca tive problema de locomoção para ir pra escola trabalhar, dar aula. Essa questão da locomoção nunca atrapalhou as minhas atividades como professor (Professor Bruno, 53 anos, 15 de magistério).

Em relação ao paralelo feito entre sua atuação no ensino regular e no Programa Autonomia, o professor afirma:

Olha, no regular ensino médio eu trabalhava muito menos, ia duas vezes na escola. Seis horas (tempos) num dia, seis horas (tempos) num outro dia qualquer, de manhã ou à tarde. A carga horária de língua portuguesa e matemática sempre foram maiores, então, a gente pegava poucas turmas. Eu pegava duas turmazinhas só, então eu trabalhava muito menos. Eu passei a trabalhar mais, a estudar mais, quando eu entrei no Projeto... (corrige) Programa Autonomia. Aí a minha carreira, o meu magistério, exigiu mais de mim, porque eu, atrelado a esses programas, às novas pedagogias, eu tive que estudar mais, eu tive que me formar mais, eu tive que participar mais de atividades fora de sala de aula, eu tive que levar muito trabalho pra casa, né? E o Programa Autonomia são todos os dias, quatro horas por dia... [...] Então quer dizer, minha carga horária aumentou expressivamente em relação ao início da minha carreira como professor no regular, que eu ia duas vezes por semana na escola e nem levava serviço pra casa, eu não tinha outras atividades além de dar minha aula de língua portuguesa e literatura, corrigir minhas provas, lançar minhas notas, ir no conselho e acabou. Agora não, agora eu me empenho muito mais, eu trabalho muito mais, eu estudo muito mais, e eu prefiro! Porque eu sempre gostei de estudar, eu sempre gostei de me embrenhar nessas novas tecnologias, nessas novas pedagogias, pra mim é muito interessante esse tipo de atividade. [...] No ensino no regular eu ia na escola, dava minhas aulinhas e depois ia pra casa... Eu tinha comércio, então nessa época eu me dedicava mais ao meu comércio... Que é o contrário de hoje. Hoje eu me dedico mais a minha profissão de professor (IDEM).

Bruno, em seu início de carreira, expressou outro tipo de relação com o

magistério. Devido ao fato de a profissão docente não ser sua ocupação principal ele

deixou de passar por muitas situações, quase obrigatórias para os professores em fase

inicial, como fragmentação do tempo de trabalho, trabalhar longe de casa, enfrentar

dificuldades com locomoção, etc. Por ter outra ocupação, se permitia esperar um melhor

momento e uma melhor condição para ingressar na carreira. Ao afirmar que hoje em dia

se empenha muito mais e dedica mais o seu tempo a profissão de professor devido a não

Page 116: Valores e usos do tempo dos professores

116

possuir mais sua atividade de comerciante, acaba atribuindo essa maior dedicação ao

fato de atuar junto ao Programa Autonomia, afirmando inclusive que prefere trabalhar

com essa modalidade de ensino.

3.7. A classe (professoral) na classe: a relação com os alunos

No ensino médio regular, os turnos são tantos e as turmas são tão cheias que os

professores dificilmente chegam a conhecer seus próprios alunos. Além de executar

diversas tarefas que nem sempre têm relação entre si, observa-se, ainda, um crescimento

da burocracia dentro das próprias tarefas do dia a dia e nesse contexto a relação

professor-aluno é prejudicada. O que sobressai no trabalho dos professores do Programa

Autonomia, contrariando as expectativas, é a sua relação com os alunos. Tal relação é

tão decisiva que sobrepõe os próprios conteúdos no processo de ensino. Por outro lado,

as estruturas de organização do trabalho docente, nos diferentes contextos escolares em

que os professores do Programa Autonomia atuam, revelam condições sob as quais se

percebem aspectos positivos e negativos.

Eu vejo como o maior ponto positivo do projeto, o fato de conhecer os alunos. Como atuo nos dois setores, eu consigo mensurar as diferenças entre o projeto e o regular, no dia a dia, no cotidiano. As dificuldades às vezes mudam de aspecto, porém o fato de conhecer o seu aluno, isso muda bastante. No regular, os alunos passam o ano numa escola e terminam chamando a professora de “aquela mulher”. Coisa que no Projeto não acontece, você vê o aluno todos os dias na sala de aula. Os alunos conhecem bem o professor, é um vínculo que se estabelece e às vezes se torna até perigoso porque às vezes se confundem e o professor acaba ampliando esses laços de amizade para fora do colégio. É perigoso, mas mantenho o discernimento. Isso é muito positivo, é muito importante para a educação. [...] No projeto você percebe para onde o seu aluno vai caminhar após o ensino médio, você percebe as dificuldades da turma e do aluno; melhor do que no ensino tradicional (regular) onde muitas vezes o conteúdo é jogado. Alguns dizem que no Projeto o conteúdo é jogado, é ensinado por alguém que não tem o conhecimento da disciplina, isso é um pouco de verdade, mas no regular, acaba que no fim das contas, o aluno tem um contato de uma hora e meia, duas horas com o professor que joga o conteúdo para a turma, não conhece muito bem a turma, a turma não conhece o professor, não tem aquele vínculo que torna possível o aprendizado e aí (neste caso) acaba tendo mais valor o projeto (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).

Um dos pontos que os professores destacam em relação a atuação no Programa

Autonomia é a relação professor-aluno, que, devido ao contato cotidiano com a mesma

turma, conhecem-se pelo nome, numa relação recíproca. Além da questão da vivência e

de um maior contato pessoal, os professores também destacaram outros pontos que

Page 117: Valores e usos do tempo dos professores

117

consideram positivos ou negativos numa comparação entre o contato com os alunos no

ensino regular e no Programa Autonomia.

Eu levo muito vídeo, muito filme, propaganda, algumas coisas da internet que eu pego... O Facebook eu utilizo como um meio de comunicação com os alunos... Então eu fui me adaptando às modernidades e eu achei que foi positivo, o resultado tem sido bom. Os alunos do Autonomia eles têm deficiência, mas com o auxílio, com um pouco de atenção que a gente acaba dando, que são cinco dias por semana, a gente consegue suprir bastante coisa. [...] Aqui você fica muito tempo com o aluno. Você tem uma doação muito grande. O (ensino) regular você tem aqueles dois tempos por semana, aqueles dois dias por semana né? E a aula acaba mais rápido. Aqui como você fica cinco dias com o aluno, você acaba doando mais, mas também exige muito mais de você. Você tem que tá todo dia criando coisas, montando coisas diferentes (Professora Janete, 50 anos, 26 de magistério)

Nunca tive problema com aluno não. Mas no Projeto Autonomia, por você ficar mais tempo com o aluno, dar aula de todas as disciplinas, tá todo dia com eles, a relação é mais afetiva mesmo. A relação é bem íntima porque a gente tá muito tempo junto, né? A gente passa uma maior parte do tempo junto. A relação é afetiva mesmo. Não que o regular não seja, mas o Autonomia faz com que fique mais junto. Em questões de aluno, o Autonomia é melhor, em questões de horário o regular é melhor por não trabalhar todo dia (Professora Christiane, 32 anos, cinco de magistério). O aluno tem uma dinâmica de aula muito melhor do a que a dinâmica do regular. Todas as aulas são temáticas, então o aluno começa com um problema naquela aula e até o final daquela aula ou de outras aulas ele tem que resolver aquele problema. Então o ensino passa a ter um significado pra ele. O significado, a curiosidade aflora e esses alunos começam a buscar mais aquilo que a gente quer propor que eles aprendam. Outra questão também é o uso de materiais didáticos que temos aqui que são melhores e em maior quantidade do que temos no ensino regular. Isso ajuda muito também... [...] isso se dá por conta do Projeto. As turmas (do Autonomia) têm um amparo para isso. Elas vão ter um acesso mais facilitado à sala de informática. Todas as aulas elas vão poder usar aquilo não como um momento especifico pra recreação, mas para o próprio estudo. [...] Pontos negativos do Projeto é que você fica engessado. Um professor dinamiza todas as áreas do conhecimento. Eu como professor de Educação Física tenho que dinamizar aula de matemática, biologia, física... Em alguns momentos isso inviabiliza um conhecimento maior por parte do aluno. Acho que esse é o principal ponto negativo (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério). Nós pegamos alunos que, desde o regular, passaram muitas vezes três anos com professores especialistas nas disciplinas e que não conseguiram passar pra ele aquele conteúdo. Eu já tive aulas, por exemplo, de biologia, matemática, onde os alunos que vieram do regular eram maus alunos e com o Projeto não eram mais maus alunos, passaram a respeitar um pouco mais a escola e o professor. Todos os dias ali com ele sem ele saber aquele conteúdo e eu pude contribuir para ele. Agora em relação ao mercado de trabalho, o ENEM, vestibular, aí é outra história... (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).

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Eu acho que eu trabalho melhor no Autonomia do que no Regular. O trabalho é melhor, é mais compensador. O tempo que eu tenho dentro da sala de aula é maior, eu posso buscar qualidade pra eles. No regular eu não via essa possibilidade, apesar de tentar, muitas vezes. Mas é mais complicado, até porque as turmas são maiores, é mais difícil (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério). Além de tudo que você desenvolve, sempre tem um projeto complementar, né? E você pode desenvolver trabalhos manuais pra que eles possam ganhar um trocadinho, entendeu? Porque eu fui muito levada, minha mãe sempre me botou em aula disso, aula daquilo, e eu aprendi um pouquinho de cada coisa, e tudo isso eu consigo passar pra eles no Projeto... E aquilo que eles vêem, vão crescendo, têm condições de ganhar dinheiro. Enquanto não chega lá no ápice, que é a proposta, porque eu crio essa visão de que eles podem chegar a uma universidade... Não é difícil, ainda mais hoje que o governo oferece tanta proposta de facilidade... Entendeu? Eu acho que dá pra eles serem alguém na vida... Enquanto isso não acontece, vende um imãzinho de geladeira aqui, vende um bordadinho ali, vende uma telinha pintada, alguma coisa assim, sei lá... [...] Tudo tem uma finalidade porque você trabalha em comunidade, com poder aquisitivo baixo... A vida não tá fácil pra ninguém. De alguma forma ele vai se virar, ele vai dar os pulos dele pra conseguir tirar um dinheirinho... (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério).

Conforme os depoimentos, observamos que os professores afirmam que o Programa

Autonomia é uma modalidade melhor para trabalhar, não só devido ao maior contato

com os alunos e mais tempo com a mesma turma, mas também devido ao maior acesso

a materiais didáticos e recursos. Conforme afirmou Fábio, as turmas do Autonomia têm

mais acesso ao laboratório de informática, onde podem “usar não como um momento

específico para recreação, mas para o próprio estudo”. Essa declaração nos traz algumas

indagações. Se o Programa é uma Parceria Público Privada, por que os alunos acabam

usufruindo mais dos recursos e do espaço escolar do que os alunos do ensino regular?

Por que existem maiores facilidades aos recursos e turmas menos cheias no Programa

Autonomia? Todas as respostas para essas perguntas encontramos no dia a dia das

escolas, baseadas nas prioridades governamentais das políticas privatistas.

As expectativas dos professores em relação aos alunos são bem diferenciadas,

porém, o que observamos é uma extração calculada do que pode ser minimamente

conseguido dentro das condições de trabalho e ensino que eles se encontram. Ao afirmar

que foi se adaptando às modernidades, a professora Janete coloca uma visão de que o

Programa Autonomia é uma inovação, uma prática diferenciada que exige muito mais

dela enquanto professora, pois precisou se adaptar as novas tecnologias dentro e fora de

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sala de aula. Fábio fala das dificuldades em ministrar todas as disciplinas; Antônio diz

que os alunos aprendem apenas o elementar e que têm muitas dificuldades em entrar no

“mercado de trabalho”, fazer o ENEM ou vestibular; ou seja, as aulas do telecurso na

visão deste professor não dão preparo suficiente para o aluno conseguir um bom

emprego ou ingressar no ensino superior.

Já na visão de Nilda, os alunos podem sim ter uma perspectiva de futuro, esta

professora defende claramente a visão liberal de que é “possível chegar lá” caso se

esforcem o suficiente. Porém, ela mesma impõe limitações quando afirma que eles

podem conseguir ingressar no ensino superior nas “propostas de facilidade” oferecidas

pelo governo, fazendo referência a programas assistenciais como o PROUNI (Programa

Universidade Para Todos) que oferece bolsas de estudo nas universidades privadas ou

FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), que se destina a financiar a graduação dos

estudantes mediante pagamento após conclusão dos estudos. Além disso, Nilda destaca

uma visão assistencial, muito característica do Programa Autonomia, onde afirma que

incentiva os alunos a fazerem trabalhos artesanais para “conseguir tirar um dinheirinho”

já que vivem em comunidades carentes, têm pouca perspectiva profissional e pouca ou

nenhuma qualificação.

Nilda reafirma sua posição e seu olhar sobre o Programa e a respeito de seus

alunos quando, em seu depoimento, afirma uma visão missionária de sua profissão e

uma visão assistencial do Programa:

Minha primeira turma de projeto foi dentro de uma comunidade que era cercada por três facções diferentes... E eu fui buscar aluno dentro da boca de fumo, dei varada nas pernas... dei varada! E disse pras pessoas: _Pode me denunciar! Pode, eu não quero nem saber! E hoje esse aluno faz direito... Essa turma não gostava de estudar. Antigamente o Projeto Autonomia focava só nesses alunos que as diretoras ficavam meio assim de formar as turmas, aí pegavam aquele refugo da escola, aluno de porta, aluno de fundo de sala e formava a turma... E eu dizia: _Pode mandar! Pode mandar que eu to esperando. E assim eu formei 17 alunos. De 35 eu formei 17. Peguei três na boca de fumo, uma na prostituição, e fui conseguindo. Eu gosto de ensinar no projeto porque você tem essa chance... (Professora Nilda, 51 anos, 24 anos de magistério).

Visão que diverge bastante da exposta por Christiane, que adota medidas mais

pragmáticas para suas escolhas profissionais. Esta professora optou por trabalhar longe

de casa, pois o mais importante para ela é que o colégio seja longe de qualquer zona de

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conflito e área de risco, apesar das implicações que isso gera, tais como um maior gasto

com transporte e um maior dispêndio de tempo.

Minha rotina é estressante sim. O trânsito estressa, dirigir estressa. Agora tem duas vertentes, às vezes eu penso em trabalhar mais perto de casa, porque a metro IV é grande, poderia trabalhar até em Bangu porque é perto da minha casa, mas esse colégio aqui não é ruim. A direção não é ruim, a clientela não é ruim, o local também não é ruim. Meu medo é esse, ir pra outra escola, por mais que seja perto... Trabalhar numa escola dentro de uma comunidade violenta também não dá. Tanto é que eu fui assaltada dentro do colégio, botaram uma arma na minha cabeça, dentro do colégio. Então eu penso muito nisso... Entendeu? Largar aqui e cair num colégio super perigoso às vezes não compensa. Às vezes o dinheiro também não compensa. O estado não paga o valor que deveria pagar de transporte. No projeto autonomia essa é uma questão que os professores levantam. Eles não pagam pra gente os cinco dias trabalhados. O auxílio transporte é o mesmo valor, recebemos como se trabalhássemos dois dias na semana. Entendeu? 50 e poucos reais. Eles fazem uma base de cálculo como se o professor viesse dois dias. Só que eu trabalho cinco (Professora Christiane, 32 anos, cinco de magistério).

Os depoimentos de Nilda e Christiane nos trazem um aspecto muito presente na

realidade das escolas públicas fluminenses: a violência. A universalização do ensino e a

localização das escolas públicas em áreas violentas acabem trazendo diversos riscos

para alunos e professores, e estes últimos encaram o problema de diversas maneiras,

conforme observamos. O fator a ser considerado é a ausência de políticas públicas

eficazes de combate a violência estrutural no estado do Rio de Janeiro.

3.8. De uma realidade peculiarmente agressiva surgem diferentes estratégias

O relato de um cotidiano desgastante foi feito pela professora Janete de

Literatura e Língua Portuguesa que atua no Programa Autonomia, no Nova EJA e no

ensino regular, portanto em três modalidades de ensino diferentes e que exigem

diferentes esforços. Ao lidar com diferentes contextos e com diferentes disciplinas e, no

caso da atuação junto ao Programa Autonomia, ela expõe algumas estratégias de

aproveitamento do tempo ao lidar com os conteúdos lecionados. Isto põe em pauta uma

necessidade sentida e expressa por diversos professores, mas que, ao nosso ver, acaba

transgredindo os princípios que fundamentam cada um desses programas pedagógicos.

No ano passado, como eu só tinha o (Programa) Autonomia e eu tava vindo de uma readaptação eu gostei bastante, foi bem tranquilo. Apesar de alguns probleminhas, no início, para a adaptação, com uma metodologia diferente da que eu tava acostumada. Como eu sou muito jurássica, no meu tempo de

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magistério o aluno ainda fazia concurso para entrar no ensino médio... Mas eu gostei da metodologia, foi diferente. Como eu já tava parada durante algum tempo e retornei pra sala de aula, foi bom, eu gostei. Foi inovador! Esse ano como tenho o Nova EJA e tenho o regular eu peguei um pouco do Autonomia, pego um pouco do Nova EJA e levo isso para o regular, então hoje as coisas ficaram bem mais dinâmicas (Professora Janete, 50 anos, 26 de magistério).

Essa “autonomia” ao lidar com os diferentes conteúdos pode ser boa para a

professora, ou até mesmo para os alunos, porém não é indicada pela secretaria de

educação que desenvolve materiais, dinâmicas e currículos mínimos específicos para

cada nível e modalidade de ensino. A estratégia da professora de tornar as coisas mais

dinâmicas significa uma atitude de aproveitamento de materiais, aulas e

consequentemente de economia do tempo a fim de enfrentar o cotidiano de trabalho de

uma forma menos desgastante, reduzindo o tempo de planejamento para as diferentes

turmas e modalidades de ensino com as quais lida. Essa mistura de princípios,

atividades e conteúdos demonstram, a nosso ver, como os professores recriam, de

acordo com suas idiossincrasias, as propostas pedagógicas com as quais se envolve,

recriando, incessantemente, as metodologias e conteúdos de ensino.

Santos (2009) buscou identificar em sua pesquisa, estratégias que professores

constroem frente ao exercício da docência. Busca refletir de que modo os docentes

enfrentam adversidades como a não aprendizagem, o comportamento indisciplinado dos

alunos, a falta de material didático-pedagógico e o cansaço ou a indisposição para

ministrar as aulas. Essas estratégias – denominadas de enfrentamento e de fuga –são

atividades que reduzem o desgaste dos professores, o que leva à banalização do

processo educacional.

As estratégias são criativas, pois os professores têm de construir alternativas procurando superar as dificuldades. Instituir estratégias de fuga não significa algo menos criativo. Significa uma necessidade de “afastamento” da dinâmica escolar visando ao menor esforço. Ambos os movimentos se dão a partir de uma luta estabelecida pelo sujeito buscando encontrar o bem-estar e o equilíbrio frente à atividade realizada. No movimento de convivência com as adversidades do cotidiano escolar, o que está em jogo é o que provoca maior ou menor desgaste, maior ou menor bem-estar ao professor, ainda que isso comprometa o desempenho do processo educativo. Sai de cena a ideia de que o mais importante é o processo de educação e entra em cena o que oferece melhores possibilidades de equilíbrio biopsicoafetivo ao professor. Todo indivíduo opta pelo seu bem estar. Se a escola não oferece as condições mínimas adequadas de educação, a luta será pela sobrevivência e pelo bem-estar. Cabe ao professor cumprir o prescrito ou, então, criar um modelo paralelo de gestão (SANTOS, 2009, p.301).

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Muitas vezes os professores e professoras citam meios de atuação cotidianos que

segundo eles mesmos caracterizariam, possuem uma maior flexibilidade. Neste caso,

caracterizando a docência como trabalho flexível, Tardif e Lessard (2011) afirmam que:

Ensinar, de certa maneira, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regulamentos, pelo programa, pelo planejamento, pela lição, etc. Enfim, é agir dentro de um ambiente complexo e, por isso, impossível de controlar inteiramente, pois, simultaneamente, são várias as coisas que se produzem em diferentes níveis de realidade: físico, biológico, psicológico, simbólico, individual, social, etc. Nunca se pode controlar perfeitamente uma classe na medida em que a interação em andamento com os alunos é portadora de acontecimentos e intenções que surgem da atividade ela mesma (TARDFIF, M., LESSARD, C. 2011, p.43).

Chamam atenção desse modo, para um componente do “fazer-se” professor que

é dada pelo estilo pessoal de cada um e, também, pela relação, sempre dinâmica e

subjetiva entre os professores e seus alunos/turma. Cabe destacar, ainda, a operação de

apropriação e recriação dos programas pedagógicos que, ainda que standartizados,

muitas vezes são resignificados pelos professores, no contexto da aplicação prática.

3.9. A “(con)formação” dos professores: características de um grupo profissional

Ao tratar da situação dos professores como “executantes”, Tardif e Lessard

(2011) relacionam diretamente com a organização social do trabalho nas sociedades

modernas, típicas das economias capitalistas, na qual a posição dos trabalhadores se

define globalmente pela ausência de controle sobre o processo de trabalho, seus

conteúdos e seu desenvolvimento. Contudo, os autores destacam que mesmo no

trabalho industrial especializado ao extremo, essa ausência de controle nunca chega a

ser completa, pois os trabalhadores assumem concretamente a realização do processo de

trabalho e podem, portanto, atuar de diversas maneiras sobre ele: torná-lo mais lento,

resistir a ele, etc. Portanto, a margem de manobra dos professores seria ainda maior,

pois eles gozam de uma certa autonomia para realizar o seu trabalho. Neste sentido, sua

posição de executantes não se confunde com a dos trabalhadores industriais,

“atomizados” sobre a esteira de produção. Apesar disso, essa dupla posição – ao mesmo

tempo de executantes e autônomos – se traduz também em tensões e dilemas, podendo,

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conforme os professores invistam em um ou outro pólo (execução ou autonomia),

desbocar em diferentes maneiras de assumir e viver sua identidade profissional.

Mesmo quando os docentes utilizam instrumentos já elaborados por outros – manuais, programas, material didático, etc. – eles o retrabalham, os interpretam, os modificam a fim de adaptá-los aos contextos concretos e variáveis da ação cotidiana às suas preferências. Isto permite compreender, entre outras coisas, por que os professores são tão ávidos por novos materiais pedagógicos, novas habilidades, novos procedimentos, pois seus instrumentos se gastam na medida em que são usados, perdem sua força de impacto e precisam, portanto, ser remodelados, substituídos, adaptados. Enquanto o martelo continua intacto depois do golpe, o livro, o filme, o exercício, o desenho, uma vez passados aos alunos, normalmente têm seu valor de uso reduzido a nada e tornam-se obsoletos. Esse fenômeno de amortização das ferramentas ainda é mais exacerbado pelas inúmeras mudanças que, de acordo com os professores, têm afetado os alunos ao longo dos últimos anos (TARDIF, LESSARD, 2011, p.175).

Segundo os mesmos autores, os programas, na verdade, não são utilizados e

aplicados mecanicamente, pois dependem da margem de manobra e da experiência dos

professores que os utilizam. Na realidade, um programa, por mais preciso que seja, é

sempre apenas um programa, ou seja, um projeto; sempre haverá uma distância entre o

programa e a sua realização concreta em classe, as diferenças entre os alunos, os

recursos disponíveis, o tempo que passa... “Os professores, queiram ou não, são

obrigados a interpretar os programas e adaptá-los continuamente às situações

cotidianas.” (IBIDEM, 2011, p.208)

Dentro desta perspectiva, poderíamos considerar os professores do Programa

Autonomia, executores dotados de autonomia? As linhas que estruturaram o presente

tópico seguem com os depoimentos concedidos pelos professores entrevistados em

relação às estratégias pessoais que encontraram para lidar com o Programa, assim como

as suas percepções sobre a metodologia utilizada:

(O Programa Autonomia) melhorou o meu nível de conhecimento... Eu hoje me considero capacitada em (sic) desenvolver muita coisa porque de uma certa forma como mediador eu não tenho necessidade de ser o professor porque você não tem habilidade pra isso. Mas aí, você vê o teu aluno com aquela necessidade, você trouxe ele pro lado de cá, ele agora quer estudar... O que vou oferecer pra ele se eu for só mediador? Não! Eu vou buscar ajudar e vou pro quadro ajudar ele a resolver as coisas. Entendeu? Porque se aquela oportunidade que ele teve no regular ele não conseguiu se adaptar, mas ele se adaptou a essa modalidade, então cabe a mim fazer o melhor que eu puder. E o que eu passar, para eles já é muita coisa... O mínimo para eles é máximo. [...] Eu me empenho, eu busco livros, eu estudo e venho desenvolver e se

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tenho dificuldades eu chamo o professor da disciplina e falo “me ajuda aqui!” (Professora Nilda, 51 anos, 24 de magistério). Eu fiz um curso de informática educativa pela plataforma (CECIERJ), atrelada a UERJ, que também me trouxe bastante conhecimento em relação a essa questão. Eu já cheguei aqui no programa autonomia já na frente de muita gente... Do próprio NEJA também. Na época eu fiz muitos cursos de extensão, então, de uma certa forma, eu trabalho e estudo muito mais hoje, com esses novos projetos. [...] E agora nesse programa novo que é o NEJA, eu pretendo me dedicar mais ainda à carreira de professor. Porque esse projeto ele te obriga a estudar. Você tem que estudar para você alcançar a pontuação para que você possa receber mais tarde o certificado de pós graduado, então ele é 99% online, através da plataforma CECIERJ e uma vez por mês nós nos encontramos. [...], pra gente colocar algumas questões práticas, porque tem algumas coisas que não dá pra fazer online, né? (Professor Bruno, 53 anos, 15 de magistério). Dentro do Projeto Autonomia, nessa relação de poder ou não poder fazer em sala de aula, eu sou muito livre para fazer qualquer coisa, que num colégio tradicional não era tanto, em colégio privado eu era proibido de fazer, em colégio regular do estado eu já tive direção pedindo para não fazer por que iria criar uma polêmica muito grande na escola. Então, dentro de sala de aula, no Projeto Autonomia, é possível fazer qualquer tipo de invenção pedagógica, desde que seja com a ideia que o aluno tenha que aprender alguma coisa, um significado pedagógico (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério). Bom, eu tenho autonomia na forma de abordar como eu quiser os conteúdos. Agora, ao mesmo tempo que tenho autonomia na forma de abordar os conteúdos como quero, eu tenho os conteúdos já previamente selecionados para trabalhar com os alunos. Os conteúdos das disciplinas, eu escolho como e o quê oferecer para os alunos. Por exemplo, ao abordar um conteúdo de história, você tem várias formas de abordar aquele conteúdo, você pode dar um viés político, um viés meramente informativo, você pode passar aquele conteúdo e não fazer intervenção, não gerar uma reflexão sobre aquele assunto. [...] Tem que haver adaptação. (O Programa) Não é bem adequado à idade-série, à turma especificamente. O professor tem que adequar (Professor Antônio, 30 anos, cinco de magistério).

Entre os professores abordados na pesquisa, a maioria deles segue o programa.

Por outro lado, alguns professores admitem não seguir todo o programa: eles

consideram os objetivos principais, mas definem eles mesmos seu próprio caminho,

muitas vezes baseando-se em seu conhecimento anterior, cuidando de adaptá-lo a nova

metodologia.

Os conhecimentos curriculares, ou seja, os conhecimentos relativos às matérias,

não parecem ser problemáticos para a grande maioria dos professores interrogados na

pesquisa, pois afirmam que são “mediadores”, portanto não precisariam

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necessariamente dominar os conteúdos que são apresentados pelo Programa. Mas

destacam alguns casos problemáticos que se relacionam ao ensino de uma matéria nova

ou para a qual o professor teve pouca formação. Em geral, afirmam que todo

conhecimento, por mais elementar que seja, já é muito para aquele aluno. Conforme

disse a professora Nilda: “o mínimo pra eles é máximo”. Podemos propor várias

hipóteses para explicar esse fenômeno. 1) os professores têm, realmente, a certeza de

saber mais do que seus alunos, em todas as áreas do conhecimento; 2) eles não duvidam

de sua competência disciplinar; 3) as relações com os alunos e a gestão das classes

ocupam de tal modo a visão pedagógica que os saberes a transmitir são deixados de lado

em relação aos problemas realmente urgentes, como os de relações humanas e de

realização de objetivos pedagógicos num contexto, na maioria das vezes, muito difícil.

4) os professores preferem dedicar-se mais ao programa que à sua competência

disciplinar.

A maneira de transmitir a matéria é própria de cada um deles. Enquanto alguns

seguem o programa à letra, outros experimentam diversas formas de transmissão, nem

sempre respeitando todo o programa, mas sem perder de vista o essencial das noções a

transmitir e das habilidades a desenvolver. Manter o interesse e, assim a atenção dos

alunos é uma das tarefas centrais dos professores. Ora, esse interesse é afetivo, e traduz

a capacidade, o desejo dos alunos para envolver-se e continuar numa tarefa.

Saber ajustar a matéria para que os alunos compreendam é também ser capaz de

abordar temas em função de seus interesses. Como já dissemos antes, os professores

nunca aplicam total e perfeitamente os programas, mas os adaptam e os transformam de

acordo com as situações concretas do trabalho cotidiano. Para realizar os objetivos do

Programa é preciso lidar com o imprevisto, fazer outra coisa, algo fora do que está

previsto. O Programa Autonomia tem o peso de uma roupagem burocrática mas, ao

mesmo tempo, exige que os professores tenham habilidades de verdadeiros

profissionais, capazes de desviar-se de rotinas para improvisar conforme a

complexidade das situações.

No âmbito dos objetivos do Programa Autonomia, o seu desenvolvimento revela

duas coisas: os professores fazem tudo que está ao seu alcance para realizar os objetivos

oficiais, mas ao mesmo tempo, improvisam constantemente os meios e os processos que

levem a isso. Para os professores interrogados e observados, o programa é exigente,

pois determina objetivos a atingir, objetos de aprendizagem e de avaliação sendo,

portanto, necessário respeitá-los e atingi-los. Nesse sentido, os professores seguem o

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programa concebido como um quadro geral de ações formais que definem objetivos.

Mas, ao mesmo tempo, eles improvisam constantemente, não necessariamente por

prazer, mas porque o processo de realização dos objetivos é impreciso e deixado à sua

responsabilidade.

Fundamentalmente, temos visto que essa atividade está fortemente envolvida por

um conjunto de objetivos definidos, enquadrada e planejada em programas que exigem

de seus executores, ao mesmo tempo, uma grande autonomia, ou seja, uma capacidade

de trabalho suscetível de modificar o programa e adaptá-lo às diversas exigências das

situações cotidianas. Os professores são levados a encarar dilemas fundamentais:

respeitar e realizar um programa, sem afastar-se de suas atividades cotidianas; seguir

um programa padronizado, considerando as diferenças entre os alunos.

3.10. Costumes em comum: alienação, adaptação e pertencimento

Neste tópico, partimos de algumas perguntas iniciais: aqueles que entram no

programa têm mais chances de oferecer resistência ou têm mais chances de abraçar o

programa? Estariam os professores do Autonomia fazendo um trabalho alienado por

executarem um programa pré-defindo? Qual a relação desses professores com o

Programa? Eles seriam professores adaptados e estariam cumprindo o papel de meros

executores? Ou, ao contrário, se sentem estimulados pelos desafios e/ou condições de

trabalho que o Autonomia proporciona?

Devido a separação entre concepção e execução, onde o Programa vem

concebido e aos professores (mediadores) cabe implementá-los, partiremos da

concepção do que seria um trabalho alienado ou estranhado89 de acordo com a visão

marxista. Ao discutir o complexo conceito marxiano de “alienação”, MATTOS (2012)

destaca que:

É na própria materialidade das relações de trabalho (e de exploração) que os homens perdem o controle sobre o que produzem, sobre como produzem e sobre porque produzem. E, enquanto não recuperarem esse controle, não poderão atribuir sentido pleno ao trabalho – que medeia suas relações com a natureza e os outros homens – e, portanto, a vida (MATTOS, 2012, p.132).

89 Trataremos alienação e estranhamento como sinônimos, sabendo que, embora exista uma distinção entre esses termos nos Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844, escritos por Marx, o entendimento de alienação terá como base o conceito de estranhamento: prevalece a ideia da perda da identidade em relação a si mesmo.

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Recorrendo ao próprio Marx, damos destaque a seguinte constatação:

A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele é estranho, e que com ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil (Marx, 1970, p.91).

Marx considera a alienação do trabalhador sob dois aspectos: o da relação com

os produtos do seu trabalho e no processo de produção, sendo assim: A alienação aparece não só como resultado, mas também como processo de produção, dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador ficar numa relação alienada com o produto de sua atividade se não se alienasse a si mesmo no próprio ato da produção? O produto é, de fato, apenas a síntese da atividade, da produção. Consequentemente, se o produto do trabalho é alienação, a própria produção deve ser alienação ativa – alienação da atividade e a atividade da alienação. A alienação do objeto do trabalho simplesmente resume a alienação da própria atividade do trabalho (IBIDEM, 1970, p. 104).

Não por acaso Marx utilizou por mais de uma vez o exemplo do trabalho

artístico para explicar a distinção entre trabalho produtivo – submetido ao domínio do

capital, e, portanto, gerador de trabalho não pago – e o trabalho improdutivo. Produtivo

e improdutivo sob o ângulo do capital, não do operário, deve-se ressaltar. Isso se

esclarece em suas Teorias da mais-valia, quando explica, utilizando exemplos muito

semelhantes aos já citados no primeiro capítulo, na discussão do conceito de tempo,

que:

O mesmo tipo de trabalho pode ser produtivo ou improdutivo, Quando Milton, por exemplo, escrevia O paraíso perdido, recebendo por ele cinco libras, era um trabalhador improdutivo. Em troca, é um trabalhador produtivo o escritor que trabalha para o seu editor ao modo de trabalho fabril. Milton produziu O paraíso perdido como o bicho-da-seda produz a seda: por um impulso da natureza. Depois vendeu a sua obra por cinco libras. Mas o literato-proletário que, por encomenda de seu editor, produz livros (por exemplo, manuais de economia política), é um trabalhador produtivo, pois a sua produção se encontra, desde o começo, subsumida ao capital e é realizada exclusivamente para aumentar seu valor (MARX E ENGELS apud MATTOS, 2012, p.137).

Podemos caracterizar a alienação com relação ao processo de trabalho e em

relação aos meios de produção. A alienação com relação ao próprio processo de

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trabalho, característica do modo de produção capitalista industrial, radica na carência de

poder, por parte do trabalhador, para determinar o procedimento pelo qual obterá os

objetivos fixados para seu trabalho. Representa a perda do controle sobre a própria

atividade durante o tempo de trabalho. Marx situou a alienação do trabalho assalariado

também na ausência de posse por parte do trabalhador dos meios de produção. Da

mesma forma, podemos afirmar que os professores não possuem seus meios de

trabalho, quando seu trabalho fica subordinado a uma teleaula em uma telesala.

Um caminho para compreender tal processo foi aberto pelas análises de Antonio

Gramsci. De início, podemos atentar para aquela distinção observada por Gramsci entre

a operação e a função intelectual nas sociedades capitalistas. Criticando a tentativa de

encontrar o que seria intrínseco à atividade intelectual, Gramsci defendeu que o correto

seria analisá-la no interior do conjunto das relações sociais. Por isso, afirmou que “todos

os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de

intelectuais.” (GRAMSCI, 2001, p.18).

Com isto posto, podemos perceber que a lógica implementada através da

metodologia da Fundação Roberto Marinho/Fiesp favorece e induz a que os professores

sejam adaptados e alienados. Observamos isso desde a separação entre concepção e

execução, intrínseca a metodologia das teleaulas; até a forma com que os professores

abraçam o programa e criam nele uma relação de pertencimento a algo que lhe é

estranhado. Os depoimentos que seguem nos trazem algumas percepções a respeito

dessa discussão:

Eu não tenho dificuldades, porque tem uma capacitação. Como você assistiu. Tem a capacitação... No início foi um pouco difícil né? Você pular de paradigma é complicado. Mas depois quando você se adapta, quando você vai se adaptando àquilo ali, a coisa vai fluindo numa boa. Os alunos também estão adaptados dentro da metodologia né e a coisa vai fluindo, vai acontecendo e eu acabo levando isso, como eu já disse, para os meus outros alunos (Janete, 50 anos, 26 anos de profissão). Os alunos do regular eu tô vendo hoje com outros olhos. O Autonomia me deu essa possibilidade, então o resultado tem sido bem mais positivo do que antes. Quando eu não tinha o Autonomia, quando eu não tinha as capacitações, não tinha todo esse trabalho... Então, eu sentiria muita falta disso. Acho que se eu sair do Autonomia e perder as capacitações, não tiver mais nenhum tipo de curso, eu vou sentir bastante falta (IDEM).

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É muito prazeroso você mostrar uma visão de qualquer coisa para alguém que não a tinha anteriormente. Você ver uma pessoa aprendendo o que quer que seja é muito legal. E eu descobri isso não foi nem na época que eu me formei, foi agora a pouco no (Projeto) Autonomia, onde você pega alunos com uma defasagem idade-série muito grande, alunos que não conheciam matérias básicas de matemática, de raciocínio lógico, de português. E mesmo eu sendo da Educação Física eu consigo dinamizar e eles começam a entender que eles podem aprender qualquer tipo de assunto que eles queiram... Aí isso, assim... Me apaixonou muito. Saber que eu posso fazer alguém aprender alguma coisa (Professor Fábio, 29 anos, 12 de magistério).

Um fator curioso que se soma à discussão sobre a alienação do trabalho docente

tem relação com a carga horária de trabalho declarada. Conforme exemplificado na

tabela nº 12 (ver apêndice B, tabela nº 12, p. 172), os professores declararam suas

cargas horárias excluindo o tempo de planejamento semanal de diversas formas. O

professor Antônio declarou trabalhar 32 horas semanais, sendo que possui uma

matrícula no estado (Programa Autonomia) com 24 horas e outra no município do Rio

de 16 horas, o que totaliza 40 horas e não 32 conforme declarou. Caso parecido

aconteceu com a professora Janete que ao possuir duas matrículas no estado, sendo uma

delas no programa autonomia e uma no ensino regular, afirmou trabalhar 36 horas,

contabilizando 16 horas no ensino regular mais 20 horas no Programa Autonomia,

excluindo as quatro horas destinadas ao planejamento. O Professor Fábio e a professora

Nilda também omitiram oito horas de planejamento de suas duas matrículas enquanto

professores do Autonomia, declarando trabalhar 40 horas e não 48 conforme deveria

ser. Apenas um professor, que atua no Programa Autonomia, declarou trabalhar 24

horas quando questionado a respeito de sua carga horária de trabalho semanal no

Programa. Este fator da perda de percepção do que é o trabalho docente e todo o tempo

destinado a ele pode nos trazer elementos reveladores no que diz respeito a perda do

controle do trabalho e do tempo por parte dos professores.

Dentro de todas as percepções expostas, podemos observar que, ao mesmo

tempo em que ser professor do Programa Autonomia impõe uma série de adaptações,

insere os professores numa lógica de execução e alienação, também coloca novos

parâmetros para que se possam refletir sobre suas práticas, produzir novos significados,

bem como novas exigências sobre o seu trabalho e o seu desenvolvimento profissional.

Podemos perceber através dos depoimentos dos seis professores e professoras alguns

mecanismos encontrados para utilizar os modelos que lhes são impostos e os materiais

didáticos que lhes são distribuídos. A análise dos relatos e a vivência, neste contexto,

Page 130: Valores e usos do tempo dos professores

130

permitem-nos concluir que a participação destes docentes no Programa Autonomia

transforma sua atividade docente, assim como sua consciência enquanto professor (a).

Seu grau de pertença, tão bem elucidado na fala da professora Nilda, e o seu orgulho de

ser professora do Autonomia são fundamentais neste processo de constituição desse

novo grupo profissional.

Percebemos que, no seu fazer-se, esses docentes estão criando um forte

sentimento de pertencimento e de naturalização das práticas propostas. Como se pode

ver no depoimento que segue, num cenário em que as oportunidades de crescimento

profissional são reduzidas – sobretudo em função da urgência na qual os professores

tem trabalhado – a participação em um Programa coerente em termos de suas metas,

ainda que os professores não tenham participado de sua formulação, produzem um

sentimento que a professora Janete expressa como sendo de crescimento, ainda que de

modo lateral e alienado de sua concepção.

Eu senti necessidade de me reciclar. Tudo mudou, né Amanda? Ontem a gente conversou justamente sobre isso... O tempo que eu era criança a televisão era com válvula, hoje em dia é de LED, então não tem como eu pegar a metodologia que eu aprendi em 1983/4 e usar em 2013, são 30 anos depois, né... Tá muito estagnado. Então a metodologia do Autonomia ajudou, ajudou a ter uma reciclagem. [...] Eu espero mais alguma coisa para eu poder saltar. Se eu vou continuar mais algum tempo eu tenho que acompanhar (Professora Janete, 50 anos, 26 de profissão).

Conforme nos coloca Thompson (2011), esta consciência não é externa a este

profissional, concordamos e afirmamos que em relação ao nosso objeto de estudo, esta

consciência se produz neste processo de fazer-se professor (a) do Programa Autonomia

fruto de uma experiência na profissão docente. Os caminhos percorridos pelos

professores, as escolhas, as imposições, as adesões, as fugas, as estratégias de

acomodação, conformidade e enfrentamento deixam marcas que não podem ser

ignoradas para a compreensão de suas escolhas profissionais.

Page 131: Valores e usos do tempo dos professores

131

CAPÍTULO 4: TEMPOS E CAMINHOS PERCORRIDOS: UMA DISCUSSÃO

METODOLÓGICA

Elegendo como objeto de estudo a problemática da profissão docente hoje no

estado do Rio de Janeiro, nosso primeiro movimento, para efeito desta dissertação, foi

fazer uma discussão a respeito da metodologia e fontes empregadas com a intenção de

demonstrar que é possível entrelaçar as fontes sem tomá-las como verdade absoluta.

Documentos, leis, entrevistas, estudos sobre a temática foram utilizados,

complementando-se, entendendo que todas as fontes estão permeadas de subjetividade e

que todas têm o mesmo patamar de importância.

Evitamos o discurso da autoridade com as citações de autores, utilizamos

estudos que nos ajudaram a analisar o corte temporal e o problema de pesquisa, sem

perder de vista as características daquele presente em que as obras foram escritas. Da

mesma forma, os depoimentos, e os documentos, não foram utilizados como

autoexplicativos. Utilizamos os autores, as entrevistas, os questionários e os

documentos, de modo exploratório, sem esgotar nenhum ponto da análise. Analisamos

programas e ações de governo, expressas na legislação estadual e federal, procurando

não apagar as ações dos sujeitos sociais e as estruturas às quais eles estão submetidos.

Assim, tivemos a legislação, os estudos teóricos e empíricos, e a voz dos sujeitos, em

permanente diálogo.

4. 1. Pontos de ancoragem da análise

Pode-se analisar as condições de trabalho dos professores de um ponto de vista

administrativo, ou seja, definida em função das normas oficiais (decretos, leis, propostas

pedagógicas) emanadas geralmente da secretaria de educação ou de órgãos federais.

Pode-se também partir de uma análise do cotidiano, ou seja, como se realiza no

processo concreto do trabalho. As análises aqui contidas procuraram considerar estas

duas perspectivas complementares, sobretudo registrando o ponto de vista dos

professores sobre seu próprio trabalho e como eles lidam com o tempo90.

Analisamos as condições de trabalho dos docentes e sua relação com o tempo,

considerando que uma grande parte dos professores tem mais de um emprego e precisa

90 A discussão teórica em torno da categoria tempo foi feita no primeiro capítulo.

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132

cumprir dois ou três contratos de trabalho para receber um salário razoável. Nos

interessou a dificuldade e a diversidade da carga de trabalho e as tensões que ela gera

nos professores.

Ao evitar o discurso de autoridade de um autor e transpor este mesmo cuidado

para o uso das entrevistas, a dissertação foi construída mesclando a discussão teórica

com as entrevistas. Procuramos também fazer um uso menos ingênuo da abordagem da

história oral, pois como todo e qualquer documento, os depoimentos precisam ser

problematizados.

A natureza de nossas fontes implicam, pois, não apenas a necessidade de referi-

los constantemente, ao “lugar” a partir do qual foram produzidas, mas também, e

fundamentalmente, buscar entendê-las em suas dinâmicas e materialidades próprias.

Não tivemos por objetivo elaborar um tratado de história oral, porém é preciso expor os

fatores que influenciaram o contexto da entrevista. O ritmo da fala, da pausa, as

condições da entrevista, podem expressar um clima, uma lembrança ou até mesmo um

desconforto que interfere e modifica o discurso do entrevistado e uma descrição mais

cuidadosa deste aspecto é fundamental, pois os depoimentos orais envolvem a

subjetividade do entrevistado e do entrevistador. Além disso, as fontes orais são

produzidas para atender os objetivos da pesquisa e, desse modo, tendem a enfatizar os

objetivos da mesma.

Outro aspecto que nós levamos em consideração foi a relação prévia com alguns

professores e a problematização do cenário para que a análise se desse de uma forma

menos ingênua, levando a que os depoimentos não aparecessem ao longo do texto,

como se fossem neutros, isentos de constrangimentos e de intencionalidades. A

intenção, também, não foi homogeneizar as falas, pois não tivemos como objetivo

perder o múltiplo, ao contrário, cada experiência foi citada de forma a corroborar ou

refutar nossas hipóteses, sempre com o objetivo ampliar os possíveis ângulos de análise

da questão.

4. 2. O mosaico de estratégias mobilizadas

As análises e discussões aqui propostas tiveram como objetivo compreender as

redes de relações, destacando as estratégias que os professores e professoras constroem

para lidar com a fragmentação do tempo de trabalho e o modo como contornam as

dificuldades. O material de análise foi construído a partir de entrevistas, diário de

campo, e análise de documentos. Assim, buscamos nas falas dos sujeitos e nas

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133

observações no seu cotidiano de trabalho, novos elementos para a pesquisa. Ao mesmo

tempo, aprofundamos nas entrevistas, questões relacionadas à investigação, no contexto

da observação e da análise documental, fazendo dos nossos estudos uma permanente

reflexão dialética91. A análise do material foi feita, portanto, em base a: entrevistas-

teste, questionários, documentos, observação, diário de campo, novos questionários,

novas entrevistas, não necessariamente nessa exata ordem.

Foram idas e vindas em busca de fontes. Começamos por entrevistas-teste,

depois utilizamos questionários objetivos, buscando a identificação de um grupo maior

de professores e professoras, seguimos com novas entrevistas e novos questionários

mais específicos e mais ligados à temática do tempo de trabalho dentro da trajetória

profissional. O fato de algumas entrevistas terem sido realizadas primeiramente,

possibilitou o confronto entre as informações nelas contidas e as informações nos

documentos, o que permitiu que novamente fossem confrontados com as entrevistas

posteriores. Todas essas fases tiveram suas diferenças e podemos afirmar que nesse

percurso, houve um processo de amadurecimento da pesquisadora, o que não nos dá

margem para excluirmos a importância de nenhuma delas.

As informações extraídas a partir da análise dos documentos que organizam o

trabalho pedagógico foram: relatório anual da SEEDUC, LDB, site do INEP, dados do

estado do Rio de Janeiro disponibilizados na imprensa oficial, constituição federal, entre

outros documentos e leis92. Utilizamos diversos documentos de origem legal, com base

na lei ou sob seu raio de influência, neste caso, nos inspiramos na concepção ampla de

legislação que Faria Filho (1998) defende. “Não posso deixar de compreendê-los como

a realização e a expressão dos imperativos legais, ou seja, como lei.” (p.94). No nosso

caso, aplicamos esta concepção quando utilizamos os documentos e relatórios da

Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, pois “são produzidos em obediência à

legislação em vigor, ou, em outros casos, representam a própria legislação” (p.95).

Ao utilizar essa concepção ampla de legislação, vimos os documentos como

fontes construídas por sujeitos, que carregam marcas de intencionalidades, que não são

neutras e que não têm mais valor por serem de natureza oficial, isto é, governamental,

ou por ser uma fonte escrita, contrapondo a concepção de que os documentos se 91 Na perspectiva da dialética marxista, sugerimos que, em vez de nos inquirirmos sobre qual a fonte de maior valor em absoluto, deveríamos perguntar-nos como diferentes fontes poderão articular-se no estudo de um determinado objeto. 92 A análise documental de como a legislação e as políticas educacionais implementadas pós-IDEB alteraram as condições de trabalho dos professores, assim como o poder público lida com o tempo do professor, foram fatores aprofundados no segundo capítulo.

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impõem por si próprios, como acreditam os embebidos no mais pueril espírito

positivista. Neste ponto, resgatamos Le Goff quando diz que “o documento não é

qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou

segundo as relações de forças que aí detinham o poder.” (LE GOFF, 1996, p. 07).

Nas primeiras décadas do século XX, os pioneiros de uma nova história,

ampliam a concepção de documento:

Esta revolução é, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa. O interesse da memória coletiva e da história já não se cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos, a história que avança depressa, a história política, diplomática, militar. Interessa-se por todos os homens, suscita uma nova hierarquia mais ou menos implícita dos documentos (IBIDEM, p.4).

Portanto, o que ficou de resgate para nossa discussão, foi não hierarquizar os

documentos, não ver as fontes documentais como mais ou menos importantes e

perceber que dados produzidos pelo governo, por si só, já impõem muitos limites.

Precisamos enxergar além do que está colocado nos documentos, pois para a análise

histórica, suas lacunas e omissões são tão importantes quanto o seu conteúdo explicito.

Ao buscar uma análise que não excluísse a influência de dominação da

legislação nem o papel dos sujeitos sociais, resgatamos Thompson (1987), que ao

analisar o contexto inglês do século XVIII, nos alerta para a importância de relacionar a

prática legislativa e os produtos da mesma, ou seja, ver as leis com as relações sociais

mais amplas nas quais elas se inserem e as quais elas contribuem para produzir. O

historiador inglês nos lembrou a importância do costume, portanto, era o conjunto de

práticas estabelecidas e experiências coletivas compartilhadas que moldava o

equilíbrio das relações sociais, pois o costume antecedia à lei e acabava por determinar

tanto a sua forma quanto o seu conteúdo final. O que parece fundamental, nas sugestões

de Thompson, é perceber a relação entre o costume e a lei. Thompson de maneira

alguma nega que haja uma função classista na lei, porém, ela não pode ser reduzida a

apenas isso ou a uma mera tipologia de estruturas e superestruturas.

Voltando ao nosso objeto, uma questão para a qual nós atribuímos importância

foi a relação tensa, instável e mutável entre os imperativos legais e os aspectos próprios

da prática pedagógica. Neste caso, as políticas em vigor na educação nos permitiram ao

mesmo tempo perceber a disposição de uma lógica de controle sobre o professor e de

produção de dados estatísticos, porém também nos permitiram perceber as questões de

Page 135: Valores e usos do tempo dos professores

135

interesse do professor que criam estratégias de sobrevivência em meio ao desgastante

cotidiano de trabalho93. Ou seja, quando um professor adere ao Programa Autonomia,

ele certamente está fazendo parte de uma engrenagem, aderindo a uma metodologia que

lhe retira a autonomia pedagógica. Mas até que ponto essa adesão não tem se dado para

escapar de certos limites impostos em seu trabalho cotidiano, parte de uma lógica

educacional que lhe desgasta e lhe condiciona?

Seguindo a mesma concepção de Faria Filho (1998) demos ênfase “aos vários

aspectos ligados às formas quotidianas de uso da legislação pelos sujeitos, enquanto

indivíduos ou grupos”. (p.116). Tendo em vista que a análise da legislação isoladamente

não foi suficiente, ou seja, foi preciso um intenso trabalho de cruzamento de fontes.

Neste aspecto, inserimos em conjunto a discussão da história oral, pois

“entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de

eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida

diária das classes não hegemônicas.” (PORTELLI, 1997, p.31). Ao abordar a

importância das fontes orais para o conhecimento científico, o autor problematiza

também a supervalorização das fontes orais:

Na realidade, as fontes escritas e orais não são mutuamente excludentes. Elas têm em comum características autônomas e funções específicas que somente uma ou outra pode preencher (ou que um conjunto de fontes preenche melhor que a outra). Desta forma, requerem instrumentos interpretativos diferentes e específicos. Mas a depreciação e a supervalorização das fontes orais terminam por cancelar as qualidades específicas, tornando estas fontes ou meros suportes para fontes tradicionais escritas, ou cura ilusória para todas as doenças (IBIDEM, p.26).

Os depoimentos não são neutros, nem auto-explicativos. As fontes orais são

produzidas em circunstâncias que influenciam o depoente. Portelli (1997) nos ajuda a

pensar como os sujeitos são influenciados pelas pretensões do pesquisador, assim como

o pesquisador controla o discurso histórico, pois há uma seleção de pessoas que serão

entrevistadas, um forma e contexto ao testemunho, uma seleção e publicação que não

são isentas de intencionalidades. Os discursos são apropriados e o pesquisador que

determina o que entra ou não no texto de forma a corroborar ou não as suas hipóteses,

portanto, infere, seleciona e conclui, buscando sentido nas falas dos depoentes.

93 Esse “fazer-se” da categoria docente, os mecanismos que eles mobilizam para lidar com o tempo e com as políticas governamentais foram aprofundados no terceiro capítulo desta dissertação.

Page 136: Valores e usos do tempo dos professores

136

Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que faz. Fontes orais podem não adicionar muito ao que sabemos, por exemplo, o custo material de uma greve para os trabalhadores envolvidos; mas contam-nos bastante sobre seus custos psicológicos. Emprestando uma categoria literária dos formalistas russos, podemos dizer que fontes orais, especialmente de grupos não-hegemônicos, são uma integração muito útil de outras fontes tão distantes quanto a fábula – a sequência lógica, casual da história – alcança, mas elas se tornam únicas e necessárias por causa do seu enredo – o caminho no qual os materiais da história são organizados pelos narradores de forma a contá-la. A construção da narrativa revela um grande emprenho do relator com a sua história (IBIDEM, p.31).

Quando nos propusemos a utilizar as entrevistas como fonte de pesquisa, nos

remetemos à história oral com consciência de que esta opção requer extremo cuidado

por parte do pesquisador. Foi preciso ter em mente que a entrevista é um documento e

como tal deve ser alvo de análises criteriosas. Suas informações não aspiram ao estatuto

de verdades absolutas. De fato as distorções e falhas de memória nos relatos do

depoente devem ser investigadas tomando em consideração um conjunto de reflexões

mais amplas, levando o pesquisador a se perguntar o motivo pelo qual esse concebe o

passado ou o presente de uma determinada maneira, e o quanto esta “versão” se

aproxima ou não da de outros entrevistados.

Para esta pesquisa foram elaborados diversos roteiros de entrevista94. Os

primeiros foram muito extensos, e a fraqueza das perguntas acabaram não gerando uma

boa dinâmica para o entrevistado. Após idas e vindas, transcrições e redefinições dos

objetivos do trabalho, a ida a campo foi feita com outra mentalidade. As perguntas

foram feitas das formas mais amplas possíveis, pois a intenção era que os professores

refletissem a respeito de sua trajetória profissional e com isso nos oferecessem

depoimentos plausíveis para sustentações a respeito das dinâmicas de suas trajetórias

que nos dessem suporte para analisar a relação desses sujeitos com o tempo.

Ao construir e reconstruir o roteiro de entrevistas foi de grande valia as

orientações de Paul Thompson em seu “manual’ de história oral. Pois, esta leitura aliada

às práticas da entrevista, ajudou a perceber que quanto menos o testemunho fosse

moldado pelas perguntas do entrevistador, melhor. Contudo, a entrevista completamente

livre também não pode existir.

94 Os roteiros de entrevista estão no Apêndice A.

Page 137: Valores e usos do tempo dos professores

137

Apenas para começar, já é preciso estabelecer um contexto social, o objetivo deve ser explicado, e pelo menos uma pergunta inicial precisa ser feita; e tudo isso, juntamente com os pressupostos não expressos, cria expectativas que moldam o que vem a seguir (THOMPSON, 2002, p.258).

Portanto, o caminho da fala passaria a ser dado pelo próprio entrevistado. Neste

caso, ficou visível o amadurecimento da pesquisadora, das primeiras entrevistas até as

últimas, que passava a ir disposta somente a ouvir e não forçava um rumo. Ao avançar

nesse aspecto:

Podemos dizer que a postura envolvida com a história oral é genuinamente hermenêutica: o que fascina numa entrevista é a possibilidade de tornar a vivenciar as experiências do outro, a que se tem acesso sabendo compreender as expressões de sua vivência. Saber compreender significa realizar um verdadeiro trabalho de hermeneuta, de interpretação. (...) No caso de entrevistas de história oral, ele também requer uma preparação criteriosa, que nos transforme em interlocutores à altura de nossos entrevistados, capazes de entender suas expressões de vida e de acompanhar seus relatos (ALBERTI, p.19).

Mais uma vez resgatamos E. P. Thompson, que em seus estudos, revelou como a

classe operária inglesa formou-se, revelando, desta forma, que explicações

generalizantes nem sempre correspondem às situações específicas. Essa concepção, ao

ser tomada para o presente estudo, nos levou a utilizar as entrevistas de história oral

para ver as formas pelas quais as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram

experiências, incluindo situações estratégicas e decisões individuais. Neste ponto,

poderíamos incluir como ocorre a adesão a certos Programas Educacionais como o

“Autonomia”. “Em linhas gerais, essas noções significaram o seguinte: entender como

pessoas e grupos experimentaram o passado torna possível questionar interpretações

generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas.” (ALBERTI, p.26)

Assim sendo, o objetivo era que a entrevista se desse de forma livre, tomando-se sempre

o cuidado de não induzir o entrevistado a uma resposta esperada. As entrevistas foram

gravadas com durações que variaram de 30 a 40 minutos e foram cuidadosamente

transcritas, levando em conta as expressões espontâneas que foram citadas.

Considerando que não seria possível falar de todo o conteúdo das entrevistas,

foram extraídas partes dos depoimentos a fim de dialogar com as referências

bibliográficas, destacando os temas e as questões mais diretamente ligados aos

interesses de pesquisa. Problematizações foram feitas a partir de trechos de falas dos

Page 138: Valores e usos do tempo dos professores

138

entrevistados, buscando um diálogo com fontes documentais, numa permanente e

interminável reflexão dialética entre as fontes.

Por fim, cabe registrar que, apesar de considerarmos que as trajetórias dos

professores, sua relação com o tempo e como se deu a adesão a determinado Programa

educacional sejam parte importante da história da educação no Rio de Janeiro, nós

optamos por usar nomes fictícios para os depoentes, de modo a não expor os indivíduos

e acentuar, na medida do possível, as trajetórias de pessoas que protagonizaram as

experiências aqui relatadas.

4. 3. Itinerário de pesquisa: a escolha do grupo de depoentes

A primeira etapa da pesquisa se deu através de entrevistas, nelas busquei fazer

um primeiro contato com professores que atuam no Programa Autonomia na região

escolhida. Realizei duas entrevistas-teste em 2012, ainda antes do exame de

qualificação e, portanto, com ideias ainda não muito bem elaboradas. Minha intenção

era apenas ouvir os professores a respeito de seu cotidiano de trabalho, me aproximar e

obter informações a respeito das datas do curso de formação do Programa e outras

atividades em que pudesse encontrar todos os professores reunidos e fazer um

mapeamento geral daqueles sujeitos.

Da mesma forma que fui a campo95 com algumas impressões dos entrevistados,

após um contato mais próximo, os professores entrevistados certamente também

criaram impressões sobre mim, seja como professora, como pesquisadora, com outras

atuações profissionais ou como militante. Todos esses fatores não podem ser ignorados

como fatores de influência na hora de um relato ou mesmo ao responder a um

questionário de pesquisa.

A primeira entrevista foi realizada com um professor que já conhecia

previamente, desde a graduação. Ele passou a atuar no Programa Autonomia para fugir

da fragmentação do tempo de trabalho, concentrar uma matrícula em apenas uma escola

e para trabalhar mais próximo de casa, portanto, um sujeito que confirmava a minha

hipótese inicial: a de que a adesão ao Programa Autonomia não tem se dado por uma

questão meramente econômica devido à incorporação da gratificação, ou por uma

crença na metodologia do projeto, e sim que essa adesão estaria se dando 95 Neste subtópico o pronome utilizado também será a primeira pessoa do singular, visto que foi uma experiência partilhada da pesquisadora com os entrevistados.

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fundamentalmente para fugir da fragmentação do tempo de trabalho e distância

geográfica entre trabalho e residência a qual os professores têm sido submetidos na

Rede Estadual do Rio de Janeiro.

Estabeleci contato com esse professor, marquei uma entrevista, fui até a sua

escola e lá busquei as informações a partir de um primeiro roteiro, amplo, mas que não

deixou de ser importante naquele momento. A partir desse primeiro contato, marquei

uma nova entrevista com outro professor, realizando-a posteriormente. Após esses dois

contatos iniciais, fui convidada a participar de um curso de formação do “Programa

Autonomia” da metropolitana IV e tendo em vista que lá estariam todos os professores

reunidos, fiz um questionário96 curto que buscasse a identificação daqueles professores.

Finalmente, na semana de quatro a oito de fevereiro de 201397, aconteceu o

curso de formação98 do Programa Autonomia com professores e professoras da

Metropolitana IV. O curso aconteceu num espaço privado que oferece cursos

preparatórios para concursos no bairro de Campo Grande, no município do Rio de

Janeiro. Ocorreu de segunda a quinta-feira nos turnos manhã e tarde e foi organizado

em três turmas, com cerca de 30 professores (ou orientadores de aprendizagem) cada

uma. Dentre os presentes, havia professores novos e antigos no Programa Autonomia,

porém, conforme se faz necessário, todos atuantes na rede estadual.

Os professores da rede pública e participantes do Programa foram capacitados

segundo a metodologia proposta pela FRM. Cada sala contou com a presença de dois

facilitadores da Fundação, que faziam as dinâmicas e davam as orientações a respeito do

módulo a ser trabalhado. Além da exposição dos módulos, o curso teve uma dinâmica

bem informal e um clima bem descontraído, com vídeos, brincadeiras e até bailes de

carnaval, visto que aconteceu em vésperas deste feriado.

Compareci ao curso na quinta feira, o último dia. Assim que cheguei expus os

motivos da pesquisa e me apresentei à responsável local, que imediatamente ligou para

a responsável geral para pedir a autorização para que eu pudesse fazer a pesquisa. Neste

momento, pensei que fosse haver algum tipo de impedimento por parte dos

organizadores, porém a responsável voltou com a notícia positiva, dizendo que eu

poderia passar os questionários, com a condição de entrar na sala, me apresentar e

explicar aos professores os motivos da pesquisa. 96 Os questionários utilizados na pesquisa estão no apêndice A. 97 Informações registradas em diário de campo (04 a 08 de fevereiro de 2013). 98 A cada módulo os professores do Programa Autonomia passam por um curso de formação, geralmente semestral.

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Depois da autorização, ela pediu que eu aguardasse o turno da tarde, pois assim

permitiria que eu entrasse nas salas para falar com os professores. Aguardei o horário

estipulado e entrei nas três salas, me apresentando e explicando rapidamente os motivos

da pesquisa. A recepção foi ótima, os facilitadores do curso foram muito solícitos, me

concederam o espaço, entrei em cada sala, me apresentei e expus os objetivos da

pesquisa sobre o tempo dos professores e as condições de trabalho docente dos

professores da rede estadual, tudo de forma muito objetiva. Os professores e professoras

em geral, se mostraram interessados e satisfeitos em poder participar e contribuir com a

pesquisa. Muitos professores já me conheciam previamente, seja como professora da

Rede Estadual99, seja como militante100, seja como Promotora Cultural101. Desta forma,

passei os questionários de pesquisa nas três salas e solicitei que aqueles que pudessem

gentilmente me conceder a entrevista deixassem seu contato no final do questionário.

Os professores responderam o questionário naquele momento, o que levou menos de

dez minutos em cada sala.

Por fazer parte de um primeiro contato com aqueles sujeitos, o questionário era

composto de apenas uma página que continha perguntas como: Nome (opcional), tempo

de serviço na profissão, curso de licenciatura/área disciplinar, instituição de formação,

se possuíam pós-graduação, a carga horária de trabalho semanal, o bairro/município

onde reside e a escola/bairro que atua com o Programa Autonomia. Lembrei a todos que

poderiam colocar nomes fictícios para as escolas, caso não quisessem expô-las. Isso não

aconteceu, todos os professores e professoras colocaram os nomes reais das escolas,

alguns apenas deixaram o próprio nome, que era opcional, em branco. Ao final desse

curto questionário, eu pedia que os professores deixassem seu contato (email e

telefone), caso se dispusessem a me conceder uma entrevista futura.

Minha ideia foi conhecer os sujeitos102 para posteriormente partir para as

entrevistas com alguns dos professores que se dispuseram a colaborar com a pesquisa.

Trabalhamos com os números dos questionários, mas não de uma forma homogênea e

99 Embora esteja lotada na Metropolitana II, já atuei na metropolitana IV fazendo GLP. 100 Alguns me conheciam da atuação no movimento estudantil ou do movimento sindical. 101 Atuei como promotora cultural do Programa “Cinema Para Todos” de 2009 a 2012, uma parceira da Secretaria de Cultura com a Secretaria de Educação. Através do Programa visitei inúmeras escolas da Região Metropolitana IV, o que me fez ter contato com diversos professores de inúmeras escolas. Considero este fator importante, por ter facilitado a pesquisa em alguns momentos, inclusive a entrada nas escolas. Porém, para a entrevista, busquei professores que não tive contato enquanto promotora cultural, por julgar que isso pudesse ser um fator de influência nos discursos, devido à ligação do Programa “Cinema Para Todos” com a Secretaria de Educação e Cultura. 102 Tabela com a identificação dos sujeitos (ver apêndice 4, tabela nº10, p.170).

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explicativa, e sim a partir deles, selecionamos e buscamos alguns sujeitos para um

contato mais próximo.

Após um espaço de tempo, de cerca de dois meses, enviei email para todos os

professores que haviam deixado o contato, avisando que enviaria um novo questionário

para que me respondessem também por email. Dos 41 email enviados, 15 foram

respondidos, afirmando que responderiam ao questionário assim que eu enviasse.

Neste novo questionário103 um pouco mais extenso, procurei ver de forma mais

detalhada a trajetória profissional desses docentes durante seu tempo de atuação no

magistério, buscando ver a sua relação como tempo de trabalho e se minha hipótese

inicial poderia ou não se confirmar: que os professores estão aderindo a Programas

como o “Autonomia” para fugir da fragmentação do tempo de trabalho.

Muitos professores disseram que responderiam o questionário assim que eu o

enviasse, porém, ao enviar, apenas dois questionários retornaram preenchidos. Esse não

retorno pode ter se dado devido ao momento que enviei, ao esquecimento dos

professores, ao desânimo com tamanho e quantidade de páginas que continha, à

insegurança em revelar os dados (embora eu tivesse deixado claro que não precisariam

se identificar ou colocar os nomes). Enfim, vários fatores podem ter levado os

professores e professoras a não efetuarem o preenchimento.

As expectativas não eram muito grandes, eu não esperava realmente que por

email os professores respondessem questões a respeito de sua trajetória profissional para

alguém desconhecido, foi apenas uma tentativa de economizar tempo. Porém, uma

pesquisa qualitativa, a meu ver, não se faz com contatos frios por telefone ou email e

sim com contatos pessoais, onde se podem deixar os sujeitos mais à vontade e mais

confiantes em dar um depoimento ou expor sua trajetória profissional.

Não quis insistir no correio eletrônico, pois considerei uma forma ineficiente

para meus objetivos e visto que os professores e professoras se mostraram o tempo todo

disponíveis para a entrevista, resolvi procurá-los pessoalmente. Restabeleci contato com

alguns professores, liguei para alguns deles agendando uma visita e fui até as escolas

em que atuam para conversar com os mesmos e entregar-lhes pessoalmente o segundo

questionário e marcar a entrevista. Expliquei como poderiam responder e dei a eles o

tempo que julgassem necessário para me entregar, não pedi que respondessem na hora

justamente porque buscava uma reflexão dos professores a respeito de sua trajetória.

103 Apêndice A (Modelo de questionário enviado por email a todos os professores).

Page 142: Valores e usos do tempo dos professores

142

Apesar de ser um questionário com questões fechadas, havia partes onde eu pedia que o

professor fizesse um resumo de determinado período de sua atuação profissional, nos

primeiros cinco anos, entre dez e quinze anos e nos últimos anos. Levaram para casa e

propus o prazo de uma semana para retornar nas escolas para buscar o questionário. Ao

voltar às escolas, nenhum professor havia respondido, demonstrando mais uma vez não

a falta de interesse ou de compromisso, mas a falta de tempo para refletir. Todos

fizeram o preenchimento104 na hora em que cheguei, o que pode ter comprometido a

reflexão que eu buscava que eles tivessem ao respondê-los.

Para esta etapa os professores não foram escolhidos aleatoriamente, busquei dois

professores com menos de cinco anos de magistério, um professor e uma professora

entre dez e quinze anos de atuação e duas professoras com mais de vinte anos de

magistério e nenhum deles me conhecia previamente, a não ser como pesquisadora.

Com esses professores foram marcadas entrevistas, com o objetivo de aprofundar o que

já haviam exposto no questionário.

A coerência argumentativa teve por base esse recorte e consideramos que

justificá-lo é sempre tão importante quanto chegar a algumas conclusões. A

heterogeneidade em relação ao tempo de serviço na escolha dos depoentes não

objetivou alcançar a um resultado previamente traçado dos depoimentos, visou apenas

um olhar sobre diferentes concepções. Ao estabelecermos parâmetros de seleção

relacionados com o tempo de serviço e o envolvimento desses professores em políticas

específicas (tais como o Programa Autonomia), o corte temporal abrangeu professores

que ingressaram no magistério público estadual no final dos anos 1980, durante os anos

1990 e aqueles que ingressaram mais recentemente, a partir dos anos 2010. Realizou-se,

na verdade, um estudo que correspondeu ao gênero dos "falsos estudos longitudinais",

na terminologia de Huberman (1995: 57), ou seja, "um estudo transversal (utilizando

grupos diferentes) de um fenômeno longitudinal (uma carreira profissional)".

Entrevistei professores após a entrega dos questionários porque na fala eles

tendiam a expor muitas questões relevantes que no papel não colocavam, ao mesmo

tempo, o questionário deu uma impressão do que eu esperava da entrevista e de certa

forma os preparava e também me preparava para tal. Muitas circunstâncias da trajetória

profissional foram lembradas na entrevista e não foram expostas no questionário,

104Apesar da aparente clareza do instrumento de pesquisa, alguns professores, ao responder o questionário, me fizeram perguntas sobre o que seriam nível e modalidade de ensino, além de outras dúvidas.

Page 143: Valores e usos do tempo dos professores

143

inclusive algumas escolas trabalhadas foram omitidas no questionário e na fala foram

colocadas com ênfase.

Essas memórias, esquecimentos, omissões também nos remetem a Portelli

(1997) quando afirma que “essas modificações revelam o esforço dos narradores em

buscar sentido no passado e dar forma às suas vidas, e colocar a entrevista e a narração

em seu contexto histórico.” (p.33)

Outro autor que contribui muito para esse debate a respeito da memória é

Pollack (1992) quando reconhece que falar sobre a própria vida nada tem de natural.

“Uma pessoa a quem nunca ninguém perguntou quem ela é, de repente ser solicitada a

relatar como foi a sua vida, tem muita dificuldade para entender esse súbito interesse. Já

é difícil fazê-la falar, quanto mais falar de si.” (p.213)

Ao perceber que nos depoimentos os professores expuseram e enfatizaram

questões que não foram ditas num primeiro momento. Para efeitos de compreensão,

recorreremos mais uma vez a Portelli quando analisa as narrativas:

Um informante pode relatar em poucas palavras experiências que duraram longo tempo ou discorrer minuciosamente sobre breves episódios. Estas oscilações são significativas, embora não possamos estabelecer uma norma geral de interpretação: apoiar-se em um episódio pode ser um caminho para salientar sua importância, mas também pode ser uma estratégia para desviar a atenção de outros pontos mais delicados (PORTELLI, 1997, p.29).

Paul Thompson se refere a esses temas relacionados à subjetividade de forma

exaustiva em seu livro. Ao exemplificar como uma entrevista deve ser na prática, traz

vários aspectos relacionados aos cuidados com as fontes orais e afirma que:

Muitas vezes os depoimentos orais são tidos como fontes subjetivas por nutrirem-se da memória individual, que às vezes pode ser falível e fantasiosa. No entanto, a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas, sejam elas orais, escritas ou visuais. O que interessa em história oral é saber porque o entrevistado foi seletivo, ou omisso, pois essa seletividade com certeza tem o seu significado (THOMPSON, 2002, p.18).

Após as entrevistas, veio a etapa das transcrições, que foram realizadas sem

perder de vista que:

Page 144: Valores e usos do tempo dos professores

144

A transcrição transforma objetos auditivos em visuais, o que inevitavelmente implica mudanças e interpretação. (...) A expectativa da transcrição substituir o teipe para propósitos científicos é equivalente a fazer crítica de arte em reproduções, ou crítica literária em traduções. A mais literal tradução é dificilmente a melhor, e uma tradução verdadeiramente fiel sempre implica certa quantidade de invenção. O mesmo pode ser verdade para a transcrição de fontes orais (PORTELLI, 1997, p.27).

Os sinais de alerta que o autor nos dá, evidentemente que, se seguidos à risca, o

uso de depoimentos se tornaria quase insustentável, porém, é importante destacar os

aspectos que influenciam o fazer-se das fontes e é isso que tentamos expor aqui.

4.4. Sujeitos e sujeições: a variação do zoom105

Em todas as ocasiões procuramos ficar atentos, para que pudéssemos, a exemplo

do que preconiza Alberti (2002), buscar o estabelecimento de relações entre o geral e o

particular. Para isso, fizemos com que nossas análises procurassem comparar

testemunhos diferentes, tomando a forma como nossos entrevistados apreendem e

interpretam o passado e o presente como um dado objetivo para compreendermos

melhor o objeto cuja análise propomos.

Com o movimento de ir do “oficial” ao “não-oficial”, das estruturas que cercam

o trabalho docente ao relato dos próprios docentes que vivenciam em seu cotidiano as

políticas implementadas pelos governos de turno, buscamos observar objetivamente

como o governo do Estado do Rio de Janeiro vem construindo as identidades dos

professores, compartilhando da concepção de Lawn (2001), que defende que as

alterações na identidade são manobradas pelo Estado, através do discurso, traduzindo-se

num método sofisticado de controle e numa forma eficaz de gerir a mudança e o

desenvolvimento do ensino público e estatal.

Paralelamente, vimos como os professores vêm resistindo e implementando

estratégias próprias (individuais e coletivas) em busca de sua própria identidade.

Observamos quais estratégias os professores têm mobilizado para contornar as políticas

e como tem se dado a resistência, olhando assim o professor imerso na implementação

da política educacional e não a política pura e simplesmente.

Fizemos na presente dissertação uma variação do foco de análise, aproximamos

e afastamos, fizemos uma variação da escala analítica com a sensibilidade necessária

105 Tipo de lente fotográfica e cinematográfica de distância focal variável.

Page 145: Valores e usos do tempo dos professores

145

para balizar a argumentação. Analisamos o macro (as políticas) e como isso interfere no

dia a dia do professor no estado do Rio de Janeiro, sempre “variando as escalas”

(REVEL, 1998). Não buscamos trazer respostas definitivas e sim questionamentos,

aspectos novos, que vão além do que já é dito. Mostramos a lei, a reforma, os projetos,

sem excluir as diferentes apropriações realizadas pelos professores.

A escolha do individual não é vista aqui como contraditória a do social: ela deve tornar possível uma abordagem diferente deste, ao acompanhar o fio de um destino particular – de um homem, de um grupo de homens – e, com ele, a multiplicidade dos espaços e dos tempos, a meada das relações nas quais ele se inscreve (IBIDEM, 1998, p.21).

Observamos todos os limites de um “individualismo metodológico” e do

encolhimento do campo de observação, já que este é parte de uma estrutura social – ou

de uma “experiência” coletiva que é sempre preciso procurar definir as regras de

definição e funcionamento. Com isso, não fizemos desse debate uma oposição e sim

buscamos a sua complementaridade. Seguindo o trajeto aberto por E. P. Thompson,

buscamos na noção de experiência o caminho a ser trilhado, construindo-o com

contextos e indivíduos. Reconhecendo que, “em meio a conjunturas, em meio a

estruturas, há pessoas que se movimentam, que opinam, que reagem, que vivem.”

(ALBERTI, p.14). Esse olhar mais “micro” estabelece conexões entre trajetórias

profissionais específicas com questões extremamente amplas como as políticas

educacionais.

Buscamos resgatar duas dimensões: a da legislação e a dos sujeitos responsáveis

pela intervenção social. Procuramos ver as fontes como um produto social, sem excluir

a tensão social da produção de documentos oficiais, nem supervalorizar sejam os

documentos, sejam as fontes orais. Fomos a essas fontes para conversar com elas, pois

nosso objetivo não foi necessariamente “encontrar” e sim criar um diálogo que

confirmasse e, se fosse o caso, que inclusive refutasse nossas hipóteses.

Passamos pelas condições de trabalho estabelecidas, sem negá-las ou deixar de

questioná-las, mas demos margem para constatar além do que já sabemos, vendo como

a manifestação das políticas interfere na realidade do professor. Não fomos aos

professores do Programa Autonomia considerando que são todos “alienados”, que

aceitaram passivamente uma metodologia que retira sua autonomia pedagógica, nem

tampouco, considerando que esses professores sempre atuam como sujeitos plenamente

Page 146: Valores e usos do tempo dos professores

146

racionais no que tange aos seus interesses e necessidades individuais. Estivemos

dispostas a entender o sujeito, sem esperar extrair de seus depoimentos, apenas aquilo

que queríamos ouvir. Vimos como os sujeitos criam estratégias de sobrevivência em

meio às estruturas que são submetidos. Buscamos demonstrar como os professores

encontram mecanismos de sobrevivência em meio às suas condições de trabalho.

Alertamos para que os relatos não sejam tomados à letra, como se a soma dos

múltiplos descritores que utilizamos para descrever a educação estadual e as respectivas

percepções constituíssem um retrato fiel dessas realidades. Esses depoimentos são, com

efeito, outra coisa: um instrumento de reflexão sobre as políticas educativas e um

exercício de construção de vínculos possivelmente idênticos ou parecidos em todo o

estado do Rio de Janeiro, ou mesmo em todo o território nacional. Partimos de uma

reflexão dialética, fomos da realidade encontrada para o diálogo com as fontes

documentais e com as teorias da mesma forma que procuramos respostas novamente

nos relatos, comparando a partir de diferentes perspectivas, interfaces e condicionantes

das dimensões temporais, dos ritmos cotidianos, próprios as temporalidades da

docência.

Nesta pesquisa houve uma angústia em colocar o ponto final, isso se deu na

relação com a empiria todo o tempo. Acompanhamos professores desde o início do

mestrado, e isso se deu até momentos bem próximos a escrita da dissertação. O trabalho

nunca foi considerado concluído, se houvesse mais tempo, seriam feitas não só mais

entrevistas, como uma maior quantidade de encontros com os mesmos professores a fim

de aprofundar questões a respeito de suas respectivas trajetórias. Porém, cientes da

impossibilidade de falar de tudo buscamos sensibilizar o contexto a fim de que certezas

anteriores não impedissem uma análise que também pudesse jogar por terra, hipóteses

pré-estabelecidas. E assim caminhamos para a conclusão destes passos.

Page 147: Valores e usos do tempo dos professores

147

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instante da conclusão é um tanto ou quanto inquietante. Afinal, quando nos

sentimos mais confiantes para renovar hipóteses e especular acerca de investigações

futuras, somos forçados a abandonar o palco a fim de inventariar nossos muitos dilemas

ou sumariar nossos parcos achados. Ao finalizar este trabalho, reafirmamos algumas

convicções e colocamos outras em suspeita. O que ficou disso tudo é dialético, pois

surgiram a todo o tempo outras possibilidades: novas fontes, novos documentos, novos

sujeitos que se somavam aos nossos objetivos centrais.

A estrutura dos escritos aqui contidos refletiu diretamente a dinâmica como

foram produzidos. Um texto fragmentado, com capítulos divididos em partes pareceu

revelar na forma da dissertação o próprio conteúdo de pesquisa: a fragmentação do

tempo do professor. Assim, trouxemos nestas considerações as problemáticas pontuadas

no processo de pesquisa e algumas modestas conclusões.

Ao percebermos que hoje há um processo de fragmentação do tempo do

professor levando a uma descaracterização do trabalho docente, nos indagamos como

tem se dado a utilização do tempo pelo poder público e como os professores têm

enfrentado um cotidiano de trabalho que se torna ainda mais desgastante devido ao fato

de ter que trabalhar em diversas escolas. A hipótese central, que deu início a pesquisa,

era que muitos professores do ensino médio têm aderido ao Programa Autonomia para

fugir da precarização e fragmentação do tempo, pois, com este Programa, o professor

pode trabalhar com apenas uma turma, numa única escola e, além disso, pode conseguir

mais facilmente uma transferência para uma escola mais próxima de sua residência,

deixando assim de ser um professor itinerante. Essa hipótese central se confirmou,

porém, veio permeada de diversas nuances, muitas contrárias às nossas expectativas.

Tomamos, primeiramente, o tempo como categoria de análise para assim

percebê-lo como um instrumento para pensar o trabalho dos professores. Vimos, neste

ponto, que historicamente o tempo é utilizado como uma forma de controle e dominação

pelas classes dominantes. Quem detém o poder político-econômico controla o tempo e

isso se evidencia na expropriação do tempo dos trabalhadores. Nesse sentido, vimos a

forma com a qual o poder público lida com o tempo do professor, tendo em vista os

professores no tempo presente e no contexto das leis, considerando estas como um

verdadeiro campo de batalhas entre o governo e os trabalhadores. Não negamos as

imposições do poder público, mas também mostramos como os professores resistem e

Page 148: Valores e usos do tempo dos professores

148

se apropriam da legislação para encontrar uma melhor forma de resistência e

sobrevivência em seu cotidiano. Assim, demonstramos como se dá a tensão entre a

implementação da legislação pelo poder público e a execução das mesmas pelos

professores. Vimos como a legislação tem o papel de condicionar os indivíduos, mas ao

mesmo tempo observamos como os professores podem se apropriar do universo das

legislações, programas educacionais ou propostas pedagógicas e contorná-las de acordo

com os seus objetivos.

Não negamos o aspecto estrutural, por isso realizamos um levantamento de

dados “oficiais”, que implicam nas condições de trabalho dos professores. Ao mostrar

em que condições de trabalho os docentes vem sendo submetidos nas últimas décadas,

levantamos alguns marcos das políticas públicas para a educação no estado do Rio de

Janeiro e algumas dimensões quantitativas do ensino na rede estadual que nos

ofereceram um panorama do contexto de ação em que se inserem os docentes

pesquisados. Desta forma, observamos como se dá a relação entre o Plano de Metas

Compromisso Todos Pela Educação e o que chamamos de Compromisso Fluminense,

ou seja, as metas estipuladas pela Secretaria de Educação, os mecanismos para atingi-

los e como isso reflete no cotidiano dos professores por meio da busca por resultados.

Observamos que as últimas décadas foram marcadas pela degradação

profissional para o magistério. Foram muitos os estudos que mostraram a perda de

autonomia dos docentes pelos processos de massificação do ensino trazida pela

expansão da escolaridade, o arrocho salarial combinado à deterioração das condições de

trabalho, em muitos casos afetando a saúde dos trabalhadores. Os estudos explicitam a

precarização das condições de trabalho, a angústia dos docentes em ver a distância dos

conhecimentos escolares em relação às experiências vividas pelas crianças e

adolescentes na sociedade atual, o desgaste de ter que trabalhar em várias instituições

para manter o poder aquisitivo, a intensificação do trabalho, a falta de tempo para

descanso, a ausência do privilégio do “tempo livre” e a clareza de que poderiam fazer

muito mais do que fazem. A diferença entre uns e outros está nas estratégias de reação

que cada grupo adota.

Nesta pesquisa, encontramos uma série de contradições entre as demandas

das políticas educacionais oficiais e as práticas/concepções desenvolvidas pelos

professores no seu cotidiano de trabalho. Os professores não se viam totalmente

apartados das funções conceptuais do seu trabalho, como defendem alguns teóricos da

“proletarização” (ENGUITA, 1991; APPLE e TEITELBAUN, 1991; KREUTZ, 1986;

Page 149: Valores e usos do tempo dos professores

149

WENZEL, 1994), ao contrário, garantem um relativo controle sobre o ensino que

desenvolvem, limitando as tentativas do Estado e do capital em conformar o trabalho

escolar às suas demandas. O “simples” fato de que o poder público deseja encontrar

formas “mais eficientes” de organizar o ensino não garante que isto será efetivado sobre

um professorado que tem uma história de práticas de trabalho e de autoorganização. Os

efeitos reais dessas tentativas para reter o controle do trabalho pedagógico podem levar

a resultados ideológicos bastante contraditórios.

Ao revelarmos como se deu o fazer-se de um grupo profissional fruto de uma

experiência no exercício da profissão docente, demonstramos os usos/contornos do

tempo pelos professores ao longo de sua trajetória profissional, elegendo para isso

alguns docentes com diferentes tempos de atuação profissional. Assim percebemos

diferentes estratégias para lidar com a fragmentação do tempo, as quais podem culminar

na adesão ao Programa Autonomia como uma forma de fuga à precarização.

Antônio, Christiane, Fábio, Bruno, Nilda e Janete foram protagonistas. Esses

professores, por meio de seus depoimentos, nos ofereceram, qualitativamente,

elementos para analisar as condições de trabalho de um grupo profissional.

Evidentemente que, uma análise com um número reduzido de professores não nos

permite generalizações, porém este não era mesmo o nosso objetivo. Buscamos

demonstrar a formação de um grupo profissional parte de uma categoria complexa,

dinâmica e diversificada que é a dos professores. Para tanto, demonstrar suas trajetórias

anteriores, suas apropriações e ressignificações do Programa com o qual lidam em

determinada etapa de sua vida profissional foi de fundamental importância, inclusive

para refutar a hipótese de que ser professor do Autonomia é ser um professor totalmente

adaptado e que não tem nenhum controle sobre o seu trabalho.

O Programa Autonomia contribui sim para a alienação do trabalho docente,

pois há uma clara separação entre concepção e execução. Para a Fundação responsável

pelo Programa, o professor é visto como um entregador de pacotes de ensino, ou em

outros termos, um mediador da aprendizagem, ou seja, dentro dessa lógica educacional,

o professor deixa de ser um formulador de conhecimentos e de metodologias de ensino,

elemento central no processo ensino-aprendizagem. Eles recebem materiais prontos,

vindos da Fundação Roberto Marinho e ministram de forma generalista todas as

disciplinas escolares, mesmo aquelas para as quais não tem formação específica. O

planejamento das aulas, função inerente à docência, é relegado a segundo plano, pois a

proposta pedagógica já vem pronta por meio dos módulos do Programa que tem como

Page 150: Valores e usos do tempo dos professores

150

material prioritário as tele-aulas, levando, ao nosso ver, a uma descaracterização do que

seria o trabalho docente.

No entanto, apesar de todos esses aspectos que condicionam os professores, ao

mesmo tempo, eles têm uma relativa autonomia dentro de sala de aula no processo de

construção do conhecimento, o que ficou evidenciado em alguns depoimentos. Isso só

foi possível perceber porque não buscamos informações ou evidências que valessem por

si mesmas, mas sim fazer um registro subjetivo de como um professor ou professora,

olha para trás e enxerga a própria vida profissional, seja ela longa ou curta, e assim

compreender as estratégias de um grupo profissional que adere a determinado programa

educacional.

Desta forma, os dados obtidos foram de encontro a algumas ideias pré-

concebidas, pois a impressão anterior, antes de entrevistar os professores do Programa

Autonomia, era de professores “executores”, apenas; com nenhuma margem de

autonomia pedagógica. Porém, vimos que dentro de todas as limitações impostas, os

sujeitos ainda conseguem e ou/necessitam adaptar os programas à realidade que estão

inseridos. Vimos que o trabalho é controlado, porém requer, ao mesmo tempo, uma boa

dose de autonomia e de responsabilidade pessoal. A própria imprecisão dos programas e

objetivos exige que os professores os interpretem, e lhes dêem, eles mesmos, um

sentido. O Programa Autonomia, primeiramente, determina sua identidade profissional,

fazendo deles executantes de programas concebidos e definidos por outros. Porém,

mesmo como executores, eles gozam de certa dose de autonomia pedagógica, embora

esta seja bastante limitada e dificultada.

Além disso, observamos que a adesão a determinado Programa Educacional, é

uma forma por meio da qual os sujeitos têm se mobilizado no sentido de preservar sua

integridade física e psíquica, buscando fugir dos problemas insurgidos no trabalho, tais

como a fragmentação do tempo, o desgaste ao ter que lidar com diversas turmas, a

dificuldade em trabalhar longe de suas residências e/ou em diversas instituições de

ensino. Muitas vezes essa mobilização não reflete em buscar soluções mais amplas que

reflitam na luta sindical ou política, sendo assim, acaba se tornando uma resistência

individual, onde os sujeitos se defendem de um ambiente que os agridem. Vimos a

(con)formação de um grupo profissional, justamente neste contexto, de dúvidas, de

incertezas, de precarização, onde muitos docentes buscam uma alternativa individual de

mudança de suas condições de trabalho, baseado numa relação de conformidade, pois

Page 151: Valores e usos do tempo dos professores

151

não se busca modificar os aspectos estruturais que estão gerando a situação que

vivenciam.

O conjunto de depoimentos sobre as trajetórias individuais de professores que

partilham a experiência de atuar junto ao Programa Autonomia revelou algumas

estratégias comuns que nos permitem perceber a dimensão coletiva das escolhas.

Mostrou não só os limites e constrangimentos a que foram expostos anteriormente

durante sua trajetória profissional, mas também o campo de possibilidades que se lhes

apresentou e no qual eles traçaram as suas estratégias pessoais.

Os professores entrevistados não foram vistos apenas como depoentes, mas sim

como interlocutores na busca por compreender as questões postas. Seus depoimentos

foram tratados como relatos de colegas de profissão que a partir de uma observação

sistemática da realidade empírica, fizeram a pesquisadora rever certezas anteriores. O

interesse central foi observar os impactos da experiência da fragmentação do tempo e os

mecanismos de fuga encontrados pelos professores; como os professores se relacionam,

organizam e percebem o seu próprio tempo; e como os usos do tempo se apresentam na

cultura docente, definindo posições, valorando contribuições, facilitando ou dificultando

o trabalho, acrescentando ou subtraindo a autonomia profissional.

Muitos professores, ao aderirem ao Programa Autonomia encontram nele

uma forma de reinventar o seu trabalho, criando uma relação de pertencimento àquela

nova metodologia, pois ao comparar com as condições de trabalho anteriores, em

diversas turmas e em diversas escolas, as novas condições, apesar das limitações

colocadas, seriam consideradas muito melhores do que aquelas que outrora

vivenciaram. Sendo assim, podemos finalizar com algumas considerações e indagações

baseadas em um trecho do depoimento de Fábio que afirmou que suas condições de

trabalho no Autonomia são melhores do que no ensino regular porque as turmas do

referido Programa têm mais acesso aos espaços da escola, aos materiais didáticos, as

turmas são menos cheias, e por ser assim, o trabalho se torna menos desgastante.

Ora, se as condições de trabalho no Programa Autonomia são consideradas

melhores pelos professores, se muitos professores optam por atuar no Programa devido

a facilidade de concentrarem sua matrícula em uma única escola, se trabalham com

turmas menores, ou seja, em condições ainda não ideais, porém, menos desgastantes do

que as vivenciadas em sua trajetória profissional anterior; por quê estas mesmas

condições não são dadas ao ensino regular? Por quê os professores não podem ter

melhores condições de trabalho na escola pública, inclusive criando os programas que

Page 152: Valores e usos do tempo dos professores

152

consideram pertinentes ao seu contexto de trabalho sem a intervenção das parcerias

público-privadas? As respostas a estas perguntas são reveladas cotidianamente nas

prioridades governamentais baseadas em políticas privatistas e na desvalorização do

ensino público.

Por fim, destacamos que o objetivo central deste trabalho não foi mostrar o grau

de alienação ou autonomia dos professores e sim uma forma com a qual estes

profissionais têm lidado com a fragmentação do tempo a fim de minimizar o processo

de proletarização que, a nosso ver, se encontra em curso. Por isso, não discutimos a

fundo o Programa Autonomia em suas implicações didáticas ou político-ideológicas, e

sim mostramos como esse Programa tem sido apropriado pelos professores de forma a

fugir de condições de trabalho que o agridem física e emocionalmente.

Por mais que o Programa Autonomia separe as funções de concepção e

execução, devido ao fato dos materiais serem idealizados por uma Fundação e os

professores-mediadores não participem da elaboração de tais materiais, alguns

profissionais não seguem à risca e conseguem encontrar formas próprias de trabalhar

com seus alunos. Portanto, a relação mecânica entre Programa Autonomia e alienação

do trabalho docente não dá conta de explicar a complexa realidade da sala de aula e o

contato entre alunos e professores. Com isso, não negamos os aspectos estruturais, ao

contrário, ressaltamos os aspectos que condicionam o professor dentro da lógica

colocada pelo poder público em parceria com o privado, porém, não paramos neste

ponto as nossas análises.

Tendo em vista nossas limitações (no tempo) para a conclusão deste trabalho,

podemos dizer que abrimos portas para análises futuras sobre a profissão docente e os

valores e usos do tempo dos professores: a expropriação do tempo, a sua relação com o

tempo de trabalho, com o “tempo livre”, com o tempo de deslocamento, entre outros

tempos sociais, além das trajetórias profissionais e das características de determinado

grupo profissional dentro da categoria docente. Análises estas que, independentemente

de sua proporção, nunca se darão por completas.

Em tempo, o número de entrevistas poderia ter sido maior, as buscas em

documentos mais amplas, o tema mais ambicioso, porém, confundir os desejos com o

seu fim é esquecer que o seu trabalho examina apenas uma fração da complexa

realidade que é o trabalho docente.

Page 153: Valores e usos do tempo dos professores

153

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Page 159: Valores e usos do tempo dos professores

159

APÊNDICES

APÊNDICE A: QUESTIONÁRIOS E ROTEIROS DE ENTREVISTAS 1. Modelo de questionário entregue no primeiro contato com os professores: Prezado(a) professor (a), Sou professora do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira (metro II) e, no momento, estou cursando mestrado em Políticas e Instituições Educacionais na UFRJ. O questionário abaixo é referente à minha pesquisa sobre as condições de trabalho docente no estado do Rio de Janeiro. Gostaria de contar com a colaboração dos colegas presentes na obtenção dos dados. Agradeço desde já a colaboração de todos e informo que o resultado da pesquisa será divulgado em 2014 para os interessados.

Professora Amanda Moreira

NOME (OPCIONAL): IDADE: TEMPO DE SERVIÇO NA PROFISSÃO: CURSO DE LICENCIATURA/ÁREA DISCIPLINAR: INSTITUIÇÃO DE FORMAÇÃO: PÓS-GRADUAÇÃO ( ) Sim ( ) Não CARGA HORÁRIA DE TRABALHO SEMANAL: BAIRRO/MUNICÍPIO ONDE RESIDE: ESCOLA/BAIRRO ONDE ATUA COM O PROJETO AUTONOMIA: Minha pesquisa será qualitativa, logo os dados serão obtidos através de depoimentos concedidos gentilmente por professores e professoras da rede. A entrevista não será longa, levará de 20 a 30 minutos. Se puder concedê-la, irei à sua escola em seu horário de trabalho. Se tiver interesse em participar, deixe aqui seu contato. TELEFONE: E-MAIL:

Obrigada!

Page 160: Valores e usos do tempo dos professores

160

2. Modelo de questionário enviado por email a todos os professores:

Prezado (a) Professor (a), esta é a segunda parte da pesquisa que venho desenvolvendo, da qual você já contribuiu com os dados fornecidos em um questionário distribuído no curso de formação do Projeto Autonomia em fevereiro deste ano. Neste momento busco compreender os usos do tempo pelos professores e conto com a sua participação. Para isso apresento as questões que seguem.

Desde já agradeço, mais uma vez, a sua colaboração.

Amanda Moreira Professora da Rede Estadual e Municipal do Rio de Janeiro

Mestranda UFRJ

Identificação Nome (opcional): Idade: Sexo: [ ] F [ ] M

Nível / Modalidade de Ensino em que atua: Disciplina que ensina: Formação Profissional: [ ] Normal [ ] Pedagogia [ ] Superior [ ] Pós-graduação Instituição de formação: Tempo de serviço na profissão: Possui outro vínculo empregatício? [ ]Sim [ ]Não Qual? Bairro que reside: Carga horária de trabalho semanal:

Escolas em que atua Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra_____________ Nível: Modalidade de Ensino: Localização:

Esta parte do questionário tem por objetivo analisar a rotina de trabalho de um professor nos

dias de hoje, para isso peço que elenque as escolas em que você atua:

Page 161: Valores e usos do tempo dos professores

161

Escolas que atuou nos primeiros cinco anos de trabalho (início de carreira) Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ] Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola?

É possível fazer um resumo da sua rotina de trabalho nesse período? Cite a distância aproximada entre a sua residência e as escolas que você atuava neste período e o tipo de locomoção (a pé, carro, ônibus, trem, metrô, outros).

Nesta última parte do questionário tenho por objetivo entender os espaços e tempos na docência, analisando os deslocamentos geográficos e o tempo dos professores ao longo de sua trajetória profissional. Assim, buscarei a possibilidade de fazer um roteiro - geográfico e cronológico - das escolas em que você já trabalhou.

Page 162: Valores e usos do tempo dos professores

162

Resumo da sua rotina de trabalho nos primeiro cinco anos:

Em meados de sua carreira (entre cinco e quinze anos de magistério) você atuava em quantas

escolas? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola?

Page 163: Valores e usos do tempo dos professores

163

Resumo da sua rotina de trabalho entre 10 e 15 anos: No final de carreira (do vigésimo ano de trabalho em diante) você tem atuado em quantas escolas?

Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino: Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola? Nome: Tipo: [ ]Estadual [ ]Municipal [ ]Particular [ ]Confessional [ ] Outra Nível: Modalidade de Ensino:

É possível fazer um resumo da sua rotina de trabalho

nesse período? Cite a distância aproximada entre a

sua residência e as escolas que você atuava neste

período e o tipo de locomoção (a pé, carro, ônibus,

trem, metrô, outros).

Page 164: Valores e usos do tempo dos professores

164

Localização: Período em que lá atuou: Permanece nesta escola? Sim [ ] Não [ ] Por que saiu da escola?

Resumo da sua rotina de trabalho nos últimos anos: A partir desta etapa de pesquisa, iremos partir para a contribuição com relatos orais de professores e professoras do Projeto Autonomia da metropolitana IV. Se você tiver disponibilidade, irei até a escola onde trabalha para entrevistá-lo (a). Você quer contribuir com a terceira e última etapa da pesquisa? [ ]SIM [ ]NÃO

É possível fazer um resumo da sua rotina de

trabalho nesse período? Cite a distância

aproximada entre a sua residência e as escolas que você atua e o tipo de locomoção (a pé,

carro, ônibus, trem, metrô, outros).

Page 165: Valores e usos do tempo dos professores

165

3. Primeiro roteiro de entrevista semi-estruturada Para você quais as principais características de uma boa escola e de um bom professor?

Quais as razões te levaram a ingressar no magistério? Como você se tornou professor?

Essas razões ainda continuam as mesmas?

Quais as dificuldades que você enfrenta no exercício da sua profissão?

Durante sua atuação na rede estadual você destacaria alguma mudança positiva ou

negativa?

Como você aderiu ao Programa Autonomia? O que te levou a participar?

Quais os pontos positivos e negativos no Programa?

O Programa tem dificultado ou facilitado o seu trabalho?

Como que é a preparação para atuar no Programa?

O Programa tem contribuído para a aprendizagem dos alunos?

O Programa é adequado ao aluno?

Quais as diferenças que você destaca na sua prática docente como professor da sua

disciplina e hoje no Programa Autonomia?

Você considera ter autonomia pedagógica?

Você esta satisfeito com o seu trabalho?

Se você pudesse citar algumas medidas básicas que melhorassem as suas condições de

trabalho, quais seriam?

4. Segundo roteiro de entrevista semi-estruturada Professor (a), fale um pouco de sua trajetória no magistério, dos primeiros anos até a

atualidade. Tente recordar as escolas em que atuou, como fazia o trajeto entre elas e

como era sua atuação profissional.

Se você pudesse fazer um resumo da sua rotina no ensino regular e no Projeto

Autonomia, o que destacaria?

Como você utiliza o seu tempo de trabalho e de lazer?

Page 166: Valores e usos do tempo dos professores

166

APÊNDICE B: LISTA DE TABELAS TABELA Nº 1: Cálculo da duração da jornada de trabalho dos professores da rede estadual do Rio de Janeiro de acordo com cada função, segundo a lei 11.738/2008 Função / duração total da jornada Interação com estudantes Atividades extraclasse

Docente 40 horas 26,66 (*) 13,33 Docente 30 horas 20,00 10,00 Docente 24 horas 16,00 8,00 Docente 16 horas 10,66 5,33

(*) Observe-se que são 26,66 unidades, de acordo com a duração definida pelo sistema ou rede de ensino (60 minutos, 50 minutos, 45 minutos ou qualquer outra que o sistema ou rede tenha decidido). Esta tabela foi elaborada, efetuando-se o cálculo matemático das jornadas de trabalho das funções docentes existentes na SEEDUC, dentro da lei 11.738/2008. A lei ainda não é cumprida pelo governo estadual.

TABELA Nº 2 - Número de escolas por regional:

Regionais Número de escolas por regional % de escolas por regional Baixadas Litorâneas 103 7% Centro Sul 102 7% DIESP 19 1% Médio Paraíba 97 7% Metropolitana I 105 7% Metropolitana II 93 6% Metropolitana III 143 10% Metropolitana IV 127 9% Metropolitana V 85 6% Metropolitana VI 121 8% Metropolitana VII 111 8% Noroeste Fluminense 67 5% Norte Fluminense 107 7% Serrana I 75 5% Serrana II 92 6% Total geral 1447 100% Fonte: Superintendência de Planejamento e gestão/SEEDUC. Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

Page 167: Valores e usos do tempo dos professores

167

TABELA Nº 3 - Número de escolas por modalidade de ensino. Regional Ensino

Fundamental Regular

Ensino Médio

Regular

Projeto autonomia

Ensino Médio

Integrado

Ensino Médio

Técnico

Curso Normal

EJA (Ensino Fundamental)

EJA (Ensino Médio)

Outros

Baixadas Litorâneas

92 81 28 0 10 9 50 47 23

Centro Sul

93 82 25 0 12 11 46 45 26

DIESP 2 1 0 0 0 0 23 18 0 Médio Paraíba

82 76 29 0 11 8 31 23 25

Metropolitana I

104 84 24 0 4 6 30 21 18

Metropolitana II

88 53 19 2 2 5 36 28 13

Metropolitana III

14 100 29 0 5 3 45 16 3

Metropolitana IV

21 96 25 2 6 1 38 29 6

Metropolitana V

82 68 5 0 2 5 19 14 7

Metropolitana VI

23 81 21 3 8 2 43 19 6

Metropolitana VII

105 89 37 0 11 4 24 27 15

Noroeste Fluminense

59 59 22 0 20 11 26 32 25

Norte Fluminense

96 80 22 0 6 12 51 53 20

Serrana I 65 62 16 2 6 8 31 27 6 Serrana II 80 65 23 1 9 12 33 27 19 Total geral 1006 1077 331 10 112 97 526 426 212 Participação geral da modalidade

26% 28% 9% 0,3% 3% 3% 14% 11% 6%

Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes/SEEDUC. Grifo nosso. . Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf. TABELA Nº 4 – Número de alunos e escolas por regional: Regional Alunos Escolas

Número por regional

% por regional Número por regional

% por regional

Baixadas Litorâneas 79.983 8% 103 7% Centro Sul 63.500 6% 102 7% DIESP 5.454 1% 19 1% Médio Paraíba 66.795 6% 97 7% Metropolitana I 100.999 10% 105 7% Metropolitana II 76.622 7% 93 6% Metropolitana III 76.174 7% 143 10% Metropolitana IV 97.144 9% 127 9% Metropolitana V 78.941 8% 85 6% Metropolitana VI 74.502 7% 121 8% Metropolitana VII 110.896 11% 111 8% Noroeste Fluminense 31.685 3% 67 5% Norte Fluminense 72.369 7% 107 7% Serrana I 70.074 7% 75 5% Serrana II 38.367 4% 92 6% Total 1.043.555 100% 1447 100% Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes/SEEDUC. Grifo nosso. . Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

Page 168: Valores e usos do tempo dos professores

168

TABELA Nº 5 - Número de alunos matriculados nas diversas modalidades de ensino:

Regional Ensino Funda-mental

Regular

Ensino Médio

Regular

Projeto Autonomia

Ensino Médio

Integra-do

Ensino Médio

Técnico

Curso Normal

EJA Ensino Funda-mental

EJA Ensino Médio

Outros Total

Baixadas Litorâneas

30.033 (8%)

25.986 (6%)

1063 (7%)

0 (0,0%)

1.026 (10%)

2455 (8%)

9346 (9%)

9950 (9%)

124 (6%)

79.983

Centro Sul 25.454 (7%)

19.211 (5%)

936 (6%)

0 (0,0%)

928 (9%)

2187 (7%)

7786 (7%)

6899 (7%)

149 (7%)

63.550

DIESP 353 (0,1%)

4 (0,0%)

0 (0,0%)

0 (0,0%)

0 (0,0%)

0 (0,0%)

4619 (4,4%)

478 (0,5%)

0 (0,0%)

5.454

Médio Paraíba 24.462 (7%)

24.249 (6%)

1163 (8%)

0 (0,0%)

1140 (11%)

1937 (6%)

6749 (6%)

6998 (7%)

97 (5%)

66.795

Metropolitana I 52.660 (14%)

31.418 (8%)

1200 (8%)

0 (0,0%)

545 (5%)

3294 (11%)

5064 (5%)

6614 (6%)

204 (10%)

100.999

Metropolitana II 40.749 (11%)

17.758 (4%)

1026 (7%)

326 (19%)

247 (2%)

1856 (6%)

6772 (6%)

7688 (7%)

200 (10%)

76.622

Metropolitana III 2.016 (1%)

48.439 (12%)

1542 (10%)

0 (0,0%)

348 (3%)

3069 (10%)

13152 (12%)

7608 (7%)

0 (0,0%)

76.174

Metropolitana IV 10.153 (3%)

62.889 (15%)

1870 (12%)

710 (41%)

1381 (13%)

2323 (7%)

5594 (5%)

12224 (12%)

0 (0,0%)

97.144

Metropolitana V 38.468 (11%)

27.950 (7%)

307 (2%)

0 (0,0%)

133 (1%)

1898 (6%)

5135 (5%)

4972 (5%)

78 (4%)

78.941

Metropolitana VI 5.030 (1%)

45.811 (11%)

1473 (10%)

489 (28%)

944 (9%)

1314 (4%)

10539 (10%)

8842 (8%)

60 (3%)

74.502

Metropolitana VII 53.467 (15%)

37.321 (9%)

1600 (11%)

0 (0,0%)

1829 (17%)

2932 (9%)

5601 (5%)

8125 (8%)

21 (1%)

110.896

Noroeste Fluminense

13.845 (4%)

8.552 (2%)

540 (4%)

0 (0,0%)

696 (7%)

1308 (4%)

3424 (3%)

2944 (3%)

376 (18%)

31.685

Norte Fluminense 28.574 (8%)

21.440 (5%)

426 (3%)

0 (0,0%)

435 (4%)

2254 (7%)

9113 (9%)

9458 (9%)

669 (32%)

72.369

Serrana I 20.257 (6%)

27.117 (7%)

1210 (8%)

158 (9%)

607 (6%)

2866 (9%)

8661 (8%)

9190 (9%)

8 (0,0%)

70.074

Serrana II 18.732 (5%)

9.744 (2%)

863 (6%)

38 (2%)

349 (3%)

1314 (4%)

3982 (4%)

3262 (3%)

83 (4%)

38.367

Total geral 364.253 (100%)

407.889 (100%)

15.219 (100%)

1.721 (100%)

10.068 (100%)

31.007 (100%)

105.537 (100%)

105.252 (100%)

2069 (100%)

1.043.555

Participação geral da modalidade

35% 39% 1% 0,2% 1% 3% 10% 10% 0,2% 100%

Fonte: Superintendência de Planejamento e Integração de Redes/SEEDUC. Grifo nosso. Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

TABELA Nº 6 – Número de docentes da Rede estadual: Cargos Outubro de 2011

Ativos % de ativos DOC I 54.680 65% 16 horas 53.258 64% 40 horas 1.422 90% DOC II 20.490 50% 22 horas 15.677 50% 40 horas 4.813 50% Total geral 75.170 60%

Fonte: Superintendência de Gestão de Pessoas/SEEDUC. Extraída da tabela nº15 de SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. . Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

Page 169: Valores e usos do tempo dos professores

169

TABELA Nº 7 – Motivos de afastamento dos docentes da Rede Estadual: Afastamentos 2011 Total % Número de Docentes afastados 7204 100% Tratamento de saúde 2521 35,0% Tratamento de saúde – prorrogação 3133 43,5% Maternidade 1139 15,8% Outros 411 5,7% Fonte: Superintendência de gestão de pessoas, extraída da tabela 18 do relatório SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

TABELA Nº 8 – Escolaridade dos docentes da Rede Estadual:

Escolaridade Total % Ensino Médio 1035 2,0%

Superior 40.922 78,9% Especialização 6733 13%

Mestrado 1244 2,4% Doutorado 155 0,3%

Não declarado 1710 3,3% Fonte: Superintendência da tecnologia da informação, extraído do gráfico 13 do relatório SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

TABELA Nº 9 - Remuneração dos docentes da Rede Estadual com os salários aplicados em 2011 e 2012:

Cargo Referência Set/2011 Maio/2012 Vencimento base em reais

Professor DOC I 16 horas

3 877,91 1001,82 4 983,26 1122,03 5 1001,25 1256,67 6 1233,40 1407,16 7 1381,41 1576,38 8 1547,18 1765,54 9 1732,84 1977,40

Professor DOC II 22 horas

3 877,91 1001,82 4 938,26 1122,03 5 1.101,25 1256,67 6 1.233,40 1407,16 7 1381,41 1576,32 8 1547,18 1765,54 9 1732,84 1977,40

Professor EX-FAEP DOC II 40h

3 1755,82 2003,63 4 1966,51 2244,06 5 2202,50 2513,35 6 2466,80 2814,96 7 2762,81 3152,75 8 3094,35 3531,08 9 3465,67 3954,80

Professor EX-FAEP DOC I 40h

3 2194,77 2504,53 4 2458,14 2805,09 5 2753,12 3141,69 6 3083,50 3518,70 7 3453,52 3940,93 8 3867,94 4413,85 9 4332,09 4943,52

Fonte: Lei nº 6026/2011 e Lei 1.423/2012. Tabela composta a partir dos dados extraídos de SEEDUC: lei de Responsabilidade Educacional, disponível online em http://download.rj.gov.br/documentos/10112/714869/DLFE-

54518.pdf/LEIDERESPONSABILIDADEEDUCACIONAL.pdf

Page 170: Valores e usos do tempo dos professores

170

TABELA Nº 10 - Carência de professores em novembro de 2011:

Disciplinas Carência em número de professores

Número de professores que recebem GLP

Número de professores

habilitados para a disciplina

Número de professores regentes habilitados para a

disciplina (???) Artes 186 201 7793 2560

Biologia 28 114 4720 3130 Ciências Físicas e

biológicas 82 255 6560 3928

Educação Física 65 111 5213 4100 Filosofia 226 395 3225 2065

Física 100 533 4855 3006 Geografia 123 581 6104 4527 História 73 264 6747 4829

Língua estrangeira 186 222 18329 5255 Língua Portuguesa/

Literatura 54 321 16058 9485

Matemática 98 659 12070 9714 Química 84 347 3675 2636

Sociologia 176 371 3362 2283 Atividades integradas

(anos iniciais) 31 66 25837 2050

Formação profissional e curso

normal

95 236 76348 2269

Total 1608 4675 200896 61810 Fonte: Superintendência de Tecnologia da Informação/SEEDUC. Reproduzida na íntegra. Disponível em SEEDUC em números: transparência em educação, 2011. Disponível online: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/912504/DLFE-47638.pdf/LIVRODEGOVERNANCA2.pdf

TABELA Nº 11: Identificação dos professores do Programa Autonomia (Regional IV)

Nome Idade Tempo

de serviço

na docência

Área disciplinar

Instituição de

Formação

Pós-graduação

Carga horária

de trabalho semanal

Bairro onde mora

Escola/ bairro que trabalha com o Projeto Autonomia

- 63 40 Matemática FEUC Sim 20h Santa Cruz

CIEP 392 Mário de Andrade /Santa Cruz

- 58 38 Português – literatura

UFF Sim 20h Campo Grande

CE Barão do Rio Branco/ Santa Cruz

Núbia Andrade

- 30 Língua Portuguesa

UFRJ Sim 32h Bangu - / Bangu

Aline M. Rodrigues

57 30 Português- literatura

Estácio de Sá

Não 24h Cosmos CE Jornalista Artur da Távola / Cosmos

André F. de Oliveira

52 27 Geografia e História

FEUC Sim 40h Campo Grande

CE Rainha Vitória / Campo Grande

Líllian Greice

47 26 Língua Portuguesa

Faculdade de Filosofia de Campo Grande

Não 10h Bangu CE Marechal Alcides Etchgoyen/ Bangu

Anna Cláudia de Castro

46 26 Ciências Biológicas

UFRRJ/ UNIG

Sim 56h Campo Grande

CE Liberdade/ Santa Cruz

- 46 25 Educação Física

Universidade Castelo Branco

Sim 40h Marechal Hermes

CE Guadalupe/ Guadalupe

Marilene 52 25 Geografia UEPB Sim 40h Campo Grande/Bangu

CE Leopoldina da Silveira/ Bangu

Sandra Gomes

46 25 Língua Portuguesa

Faculdades Integradas Simonsem

Sim 40h Realengo CIEP 382 Brizolão Aspirante Francisco Mega/ Vila Militar

Gisela Cruz 49 25 Lingua Portuguesa/ Literatura

FEUC Sim 36h Inhoaíba CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

Alcenira Vitoriana

48 23 Português/ Literatura

FEUC Sim 20h Inhoaíba CE Rosária Trotta/ Campo Grande

Page 171: Valores e usos do tempo dos professores

171

Rodrigues Lourdes Lira C. D. Coelho

47 22 Português/ Inglês

Faculdades Integradas Simonsem

Sim 60h Realengo - / Realengo

Carla Andréa Bastos

40 22 Ciências com habilitação em matemática

Faculdade de Filosofia de Campo Grande

Sim 36h Campo Grande

CIEP 433 Togo Renan Soares Kanela/ Santa Margarida

Luciana C. V. Dutra

37 21 Português/ Inglês

FEUC Não 38h Jacarepaguá

CE Jorge Zarur/ Vila Kennedy

Isabel Cristina

52 20 Português/Literatura

Universidade Castelo Branco

Sim 20h Campo Grande

CE Irineu José Ferreira/ Campo Grande

Maria Clara 50 20 Letras UERJ/ Castelo Branco

Não 60h Senador Camará

CE Stuart Edgard Angel Jones/ Senador Camará

Sandra 37 18 Matemática UFRRJ Sim 32h - CIEP 225 Mário Quintana / Campo Grande

Raquel F. de Queiroz

35 18 Ciências Biológicas

Universidade Castelo Branco

Sim 36h Guaratiba CIEP 362- Roberto Burle Marx/ Guaratiba

Juciara de Abreu

45 18 Língua Portuguesa

Faculdade de Filosofia de Campo Grande

Sim 50h Campo Grande

CAIC Nações Unidas/ Inhoaíba

Célia Zarot 49 16 Lingua Portuguesa/ Literatura

UFRJ Não 56h Tijuca CE Prof. Manuel Maurício de Albuquerque/ Anchieta

- - 16 Letras UERJ Não 24h Realengo - Tadeu de Freitas

53 15 Lingua portuguesa

Universidade Gama Filho

Não 24h Santa Cruz

CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

Edna Pêzego

42 15 Ciências Biológicas

UFRRJ Sim 40h Santa Cruz

CE Barão do Rio Branco/ Santa Cruz

Katia Papera 50 15 Educação Física

Universidade Castelo Branco

Sim 24h Santíssimo

CIEP 223- Olympio Marques dos Santos/ Campo Grande

Luciana Consoli

40 14 Lingua Portuguesa/ Inglês

FEUC Sim 20h Campo Grande

CE Profº Vilma Atanázio/ Campo Grande

Juliana S. Lemgrube

35 12 Educação Física

UFRRJ Não 40h Vila Valqueire

CE Agostinho Neto / Realengo

- 39 11 História UERJ Sim 40h Campo Grande

CE Jeannatte C. Mannarino

- 37 10 Português/ Língua estrangeira

UFRJ Não 48h Praça da Bandeira

CIEP 312 Raul Ryff / Paciência

Willian 36 10 Português/ Literatura

Gama Filho Não 75h Bangu CE Madre Tereza de Calcutá/ Realengo

Leila 48 10 Matemática FEUC Sim 40h Campo Grande

CIEP 165 Brigadeiro Sérgio Carvalho/ Campo Grande

Luciane Paixão

32 10 Português- Inglês

Universidade Castelo Branco

Sim 60h Vila Valqueire

CIEP 312 Raul Ryff/ Paciência

Valéria Ribeiro

38 10 Química UFRRJ/ Souza Marques

Sim 48h Campo Grande

CE Profº Ozéas Gomes Laranjeira/ Santa Cruz

Maria Luíza F. Kassab

43 10 Português- Literatura

UERJ/ FEUC

Sim 50h Campo Grande

CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

Elton Cunha 29 10 Educação Física

UFRRJ Sim 48h Campo Grande

CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

- 30 9 Português- Inglês

Moacir Bastos

Sim 35h Campo Grande

CE Profº Alba Cañizares/ Inhoaíba

- 34 9 Matemática FEUC Sim 20h - CE Profº Diuma Madeira / Parque Anchieta

Eliane 49 9 Ciências/ Matemática

FEUC - 24h Campo Grande

CIEP 362 Roberto Burle Marx/ Guaratiba

João Paulo 32 8 Educação Física

Unisuam Sim 24h Madureira CE Escultor Heitor Leão Velloso/ Pavuna

Simone 38 8 Letras UNESA Não 20h Campo Grande

CE João Proença/ Campo Grande

Renata P. Almeida

34 8 Biologia Universidade Castelo Branco

Sim 30h Santíssimo

CE Barão do Rio Branco/ Santa Cruz

Keli 32 8 Matemática Moacyr Bastos

Não 24h Bangu CE Marieta Cunha da Silva/ Bangu

- 35 7 Português UFF Não 32h - CE Collecchio/ Bangu Christian 33 7 Matemática Moacyr Sim 50h - CE Cora Coralina/ Campo

Page 172: Valores e usos do tempo dos professores

172

Simon Bastos Grande Rafael Moraes

32 7 Educação Física

UFRRJ Sim 72h Campo Grande

CE Amazonas/ Campo Grande

Marcio Fernandes

40 7 Geografia Moacyr Bastos

Sim. 40h Guaratiba CIEP 362 Roberto Burle Marx/ Guaratiba

Luciano Marcio de Paula

43 6 Geografia Simonsen Sim 40h Bangu CE Milton Campos/ Bangu

Ricardo 40 6 Goegrafia Moacyr Bastos

Não 36h Paciência CE Daltro Santos/ Bangu

Isabela T. Arruda

29 6 Educação Física

UFRRJ Sim 40h Campo Grande

CE Coelho Neto/ Ricardo de Albuquerque

Tonia F. Godoi

26 6 Matemática Moacyr Bastos

Sim 36 Campo Grande

CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

Maria de Fátima

59 5 Matemática FEUC Não 36h Campo Grande

CE Venezuela/ Campo Grande

Paulo F. Marinho

26 5 História UERJ Sim 60h Santa Cruz

CE Vânia do Amaral/ Santa Cruz

Marcelo Mendes

26 5 Educação Física

UFRRJ Sim 32h Campo Grande

CE Vinicius de Moraes/ Pavuna

Leonardo Tinoco

27 5 Educação Física

UFRRJ Não 40h Campo Grande

CE Profº Daltro Santos/ Bangu

Alessandra Germano

40 5 Educação Física

Universidade Castelo Branco

Sim 24h Jabour CE Stuart Edgard Angel Jones/ Senador Camará

Gelvanete V. da Rocha

33 5 Português- Espanhol

Unisuam Sim 24h Bangu CE Monsenhor Miguel de Santa Maria Mochón/ Bangu

Lucilea 50 5 Lingua Portuguesa

Moacyr Bastos

Sim 20h Campo Grande

CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

Mára Regina M. de Souza

54 5 Português- Inglês

FEUC Sim - Campo Grande

CE Raja Gabaglia/ Campo Grande

- 39 4 Ciências biológicas

Estácio de Sá

Não 40h Pedra de Guaratiba

CIEP 305 Heitor dos Prazeres/ Pedra de Guaratiba

Thaís de Mello

25 4 Português- Inglês

Universidade Castelo Branco

Sim 32h - CE Nações Unidas/ Bangu

Angela Leite Lopes

30 4 Português- literatura

Estácio de Sá

Sim 24h Campo Grande

CE Engenheiro João Tomé/ Padre Miguel

Jéssica Costa de Andrade

23 2 Ciências biológicas

Gama Filho Sim 20h Campo Grande

CE Profº Felipe dos Santos Reis/ Campo Grande

- 38 2 Português-espanhol

FEUC - 20h Cosmos CE Jornalista Artur da Távola/ Cosmos

* Os dados desta tabela foram compostos pelos dados dos professores do Programa Autonomia da metropolitana IV presentes no curso de formação, excetuando os faltosos. Os dados contidos foram reproduzidos na íntegra, exatamente como foram escritos pelos professores e os espaços em branco significam que os professores e professoras não responderam determinado trecho do questionário.

TABELA Nº 12: Painel dos professores entrevistados com os respectivos nomes fictícios: Professores entrevistados

Idade Tempo de magistério Graduação Instituição Carga horária de trabalho semanal declarada*

Antônio 30 anos 5 anos Educação Física- UFRRJ

32 horas ((uma matrícula no estado - Autonomia e uma no município)

Christiane 32 anos 5 anos Letras – Universidade Castelo Branco

60 horas (uma matrícula no estado – Autonomia e aulas particulares)

Fábio 29 anos 12 anos Educação Física – UFRRJ

40 horas (duas matrículas no estado, ambas no Autonomia)

Bruno 53 anos 15 anos Letras – Universidade Gama Filho (UGF)

24 horas (uma matrícula no estado - Autonomia)

Nilda 51 anos 24 anos Geografia - SIMONSEN 40 horas (duas matrículas no estado, ambas no Autonomia)

Janete 50 anos 26 anos Letras – Fundação Educacional Unificada Campograndense (FEUC)

36 horas (duas matrículas no estado, sendo uma no Autonomia e uma no ensino regular)

*Em relação à carga horária de trabalho semanal a tendência dos professores é desconsiderar o tempo de planejamento, só contabilizando como carga horária de trabalho aquele tempo gasto em sala de aula em interação com os alunos.