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TÍTULO : O caso da lata vazia AUTOR : GARDNER, Erle Stanley GÉNERO : Romance CLASSIFICAÇÃO: Literatura norte-americana - Século XX - Ficção EDITORA: Livros do Brasil Lisboa, 19** COLECÇÃO: Vampiro Gigante - Obras Escolhidas de Erle Stanley Gardner nº 6* DIGITALIZADO E CORRIGIDO POR: Aventino de Jesus Teixeira Gonçalves Fevereiro de 2004 *** * As obras desta colecção são normalmente constituídas por dois títulos, sendo este o primeiro. O segundo é: Jogo, mulheres e morte, assinado por A. A. Fair, pseudónimo do autor desta obra. Nota do digitalizador *** BADANA DA CAPA O CASO DA LATA VAZIA JOGO, MULHERES E MORTE por E. S. GARDNER "Obras Escolhidas de Erle Stanley Gardner" constituem uma compilação metódica e cuidada dos romances de ficção policiaria do notável jurisconsulto e criminologista norte-americano. Cada volume inclui sempre duas obras de investigação criminal. Em "O Caso da Lata Vazia", o famoso advogado criminologista enfrenta um complicado problema cuja solução depende da posição de uma lata de conserva, no interior de uma dispensa. Em "Jogo, Mulheres e Morte", Donald Lam desce às cavernas do vício de Las Vegas a cidade do jogo e encontra-se entre dois focos emocionais: a beldade que se lhe oferece e os crimes que surgem no seu rasto. A presente série "Obras Escolhidas de Erle Stanley Gardner", incluída na Colecção

Vampiro-Gigante, reunirá · conta do arranjo do quarto de Delman Steele porque gostava de espiolhar as suas coisas, mas não podia evitar essa indiscrição de sua cunhada, tanto

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TÍTULO : O caso da lata vaziaAUTOR : GARDNER, Erle StanleyGÉNERO : RomanceCLASSIFICAÇÃO: Literatura norte-americana - Século XX - FicçãoEDITORA: Livros do Brasil

Lisboa, 19**COLECÇÃO: Vampiro Gigante - Obras Escolhidas de Erle Stanley

Gardner nº 6*DIGITALIZADO E CORRIGIDO POR:

Aventino de Jesus Teixeira GonçalvesFevereiro de 2004

**** As obras desta colecção são normalmente constituídas por dois títulos, sendo este o primeiro. O segundo é:Jogo, mulheres e morte, assinado por A. A. Fair, pseudónimo do autor desta obra.Nota do digitalizador***BADANA DA CAPAO CASO DA LATA VAZIAJOGO, MULHERESE MORTEporE. S. GARDNER"Obras Escolhidas de ErleStanley Gardner" constituemuma compilação metódica ecuidada dos romances deficção policiaria do notáveljurisconsulto e criminologistanorte-americano. Cada volumeinclui sempre duas obras deinvestigação criminal.Em "O Caso da Lata Vazia", o famoso advogado criminologista enfrenta um complicado problema cuja soluçãodepende da posição de umalata de conserva, no interiorde uma dispensa.Em "Jogo, Mulheres eMorte", Donald Lam desceàs cavernas do vício de LasVegas a cidade do jogoe encontra-se entre dois focosemocionais: a beldade que selhe oferece e os crimes quesurgem no seu rasto.A presente série "ObrasEscolhidas de Erle StanleyGardner", incluída na Colecção

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Vampiro-Gigante, reuniráos mais famosos títulos criados pelo Autor, e tem porobjectivo oferecer ao públicoportuguês todo o empolganteencanto da literatura clássicade mistério e acção.

1 - VAMP. G. 6

O CASO DALATA VAZIAediçãoLIVROS DO BRASILLisboa

Tradução deMASCARENHAS BARRETO*Capa de António Pedro*Título da edição originalTHE CASE OF THE EMPTY TINCopyright (c)1941 by Erle Stanley Gardner*Reservados todos os direitos pela legislação em vigor

PERSONAGENS(Por ordem de intervenção)FLORENCE GENTRIE Mulher de Arthur Gentrie, mãede três filhos e possuidora de um dom especialpara observar pormenores;MESTER A criada, que podia ser ou não ser estúpida;REBECCA GENTRIE Cunhada de Florence, solteironae apaixonada por palavras cruzadas;ARTHUR GENTRIE O chefe de família, dono de umarmazém de ferragens, a quem coisa algumainterrompia o sono;JÚNIOR Filho de Arthur e de Florence Gentrie, de19 anos, que se recusava a contar o que sabia;PERRY MASON Advogado especializado em casos dejuízo criminal e não muito avesso a usar de meiosum pouco à margem da lei para resolver umcrime em prol da justiça;DELLA STREET Atraente secretária de Perry Mason,

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que se vê envolvida numa perigosa situação;RODNEY WENSTON Piloto aviador, alto, formoso, depersonalidade encantadora e que leva uma vidade playboy;GOW LOONG Chinês de espírito impenetrável, de fali-

nhas mansas e rápida acção, que desempenhaas funções de criado "Número Um" de ElstonA. Karr;ELSTON A. KARR Personagem de carácter duro eindividualista, com um ângulo de aproximaçãooblíquo e um raciocínio tão orientais como osseus segredos;JOHNS BLAINE Espécie de enfermeiro particular, quese esforça por manter-se dissimuladamente nasombra;TENENTE TRAGG Oficial tranquilo e eficiente doDepartamento de Homicídios, que conhece PerryMason de "ginjeira";DELMAN STEELE O hóspede da casa "Gentrie", quese tornou quase um membro da família;PAUL DRAKE Detective privado, com tantas explicações a prestar à polícia que nem conseguedormir;OPAL SUNLEY Uma linda e jovem esteno-dactilógrafa, que procura a todo o transe ficar à margem do processo;MRS. SARAH PERLIN Governanta da casa "Gentrie",cujo desaparecimento desencadeia tudo quantoa diante se verá;DORIS WICKFORD Ex-actriz exótica, que leu um anúncio de jornal e tem uma importante reclamaçãoa apresentar;L. O. SAWDEY Um médico deveras atarefado, quepodia contribuir decisivamente para a soluçãodos assassínios.Época em que decorre a acção: 1940-1941.6

IMrs. Florence Gentrie dirigia os assuntos de sua casacom esmerada atenção, cuidando dos mais íntimos pormenores com a maior ordenação. Possuía um espíritoenciclopédico para tudo quanto se relacionava com osafazeres domésticos, chegando ao ponto de avaliar pelosburacos das meias de seu filho mais velho, o Júnior, seestes tinham surgido prematuramente e, desta maneira,a qualidade da lã de que eram confeccionadas. Quandoseu marido, Arthur Gentrie, se ausentava em viagem de

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negócios, Florence sabia exactamente quantas camisasdeveria levar, quantas teria que mandar lavar no hotelonde as instalasse e quantas conviria trazer na mala, noseu regresso, para serem mais economicamente lavadasem casa... e muito mais escrupulosamente engomadas.Indo já na casa dos quarenta, Mrs. Gentrie gabava-seorgulhosamente de "não ter nervos, no corpo". Evitavacomer demasiadamente, para não engordar, mas não erapessoa capaz de passar fome, para emagrecer. Isso tornaas mulheres neuróticas. As suas ancas já não eram oque tinham sido vinte anos atrás, mas aceitou com calmafilosofia que, gradualmente, se avolumassem. Na realidade, uma mulher não pode tratar de um marido, detrês filhos, de uma grande casa, onde vivia também acunhada e um hóspede, ocupar-se de todos os trabalhos decontabilidade e gerência, tudo verificando a par e passo,7

e manter, ao mesmo tempo, o seu perfil delgado de menina e noiva. Tal como costumava exprimir-se, era "fortecomo um tiro".A irmã de seu marido não ajudava muito. Não poderiadescrever-se Rebecca como sendo, realmente, uma "solteirona"; mais correcto seria classificá-la como uma"já-não-muito-jovem solteira". Frágil, bebedora de chá,amante de gatos, palradora, observadora, crítica e, vá lá,um pouco bisbilhoteira.Mrs. Gentrie não podia contar grandemente com o auxílio de Rebecca nos arranjos da casa, por ser demasiadodébil para desempenhá-los e demasiado aérea e distraídapara vigiá-los responsavelmente. De resto, tinha o cuidado de queixar-se frequentemente de "indisposições"para dissuadir a cunhada de confiar-lhe qualquer trabalhoque não fosse de seu agrado e naturalmente leve; masnenhum médico lhe encontrara qualquer verdadeira enfermidade ou manifestação de real fraqueza.Apesar disso, Rebecca ofereceu-se para tratar do quartoque Mrs. Florence alugara a um hóspede. Era este, segundo se julgava, dizia e aparentava, um arquitectochamado Delman Steele.Tinha Rebecca duas ocupações preferidas a que dedicava quanto entusiasmo se via forçada a reprimir noutro sentido: as palavras cruzadas e a fotografia. Equiparaum quarto do piso térreo com todo o material de laboratório fotográfico, a maior parte do qual fora fornecido por seu irmão, Mr. Arthur Gentrie, que igualmentelhe construíra a câmara escura, os tanques de revelação,as canalizações e electrificação complementares e essenciais, para uma eficiente instalação de amadora, quaseprofissional. Mr. Arthur Gentrie não só gostava de agradar

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a sua irmã mas também, pessoalmente, adorava fazerbiscates caseiros de trabalhos manuais.De certo modo, Mrs. Gentrie ressentia-se contra Re-8

becca, mas sempre se esforçara por ocultar esse ressentimento, devido à maneira como a cunhada demonstravanão gostar de seus filhos. Como tia, em vez de compreender as infantilidades e indiscrições dos sobrinhos,procurando evitar-lhes castigos, parecia ter prazer emevidenciar as faltas que cometiam, ampliando a gravidade dos erros e saboreando as reprimendas de que eramconsequentemente alvo. Além disso tinha uma invulgarhabilidade para imitar vozes, arremedando-os na fala erepetindo integralmente frases e conversas que surpreendera das ligações, telefónicas que faziam de casa.Essa sua constante perseguição aos sobrinhos estabeleciacerta fricção, nas relações domésticas, que Mrs. Gentrie considerava altamente incómoda.Apesar de excelente fotógrafa, Rebecca nunca tirarauma única fotografia aos sobrinhos. Só no dia em queJúnior fizera dezanove anos, consentiu em tirar umafotografia, por insistentes pedidos da cunhada. Mas tirou-autilizando uma lente de distorção especial, de maneiraque todos eles, e particularmente o rapaz, ficaram comrostos de monstro, como os dos espelhos côncavos econvexos das Arcadas Penny.Nada havia de lento no processo mental de Rebecca,quando se tratava de pôr em prática algo por que seinteressasse. Nada havia em casa que ela não tivessejá bisbilhotado. A sua curiosidade era insaciável e amaneira como descobria os segredos de cada um, a partir de mínimos indícios, demonstrava possuir qualidadesde excelente detective.Mrs. Gentrie sabia que Rebecca consentira em tomarconta do arranjo do quarto de Delman Steele porquegostava de espiolhar as suas coisas, mas não podia evitaressa indiscrição de sua cunhada, tanto mais que a arrumação de todos os quartos da casa a impediram de vigiara do de Steele, e Rebecca tinha quanta liberdade desejava9

para fazê-lo, já que o hóspede estava sempre ausente aessa hora, no escritório, nunca podendo surpreenderaquela nas suas sub-reptícias actividades.Mester, a criada, que só vinha trabalhar durante o dia,era uma mulher forte, rija, taciturna, sem filhos, quevivia na vizinhança. Seu marido sofria de ataques intermitentes de asma, mas podia deslocar-se e tinha umemprego de guarda-nocturno num dos laboratórios onde

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se sujeitavam novos modelos de aviões a testes, em túnelde vento, de aerodinamismo e resistência de materiais.Mrs. Gentrie parou, por momentos, fazendo um resumomental do trabalho caseiro dessa manhã. Os utensíliosdo pequeno-almoço já tinham sido arrumados. Arthure Júnior tinham ido para o armazém. Os dois miúdos,para a escola. Hester estava a engomar uns pequenosnapperons de mesa, com um ferro eléctrico, e Rebeccaachava-se embrenhada num dos seus perenes problemasde palavras cruzadas que um jornal lhe oferecia diariamente. Empunhava um lápis e franzia o sobrolho, comos pequenos olhos negros presos da maior concentração.Mefisto, o gato preto que ela tanto estimava, colocara-se-lhe nas costas da cadeira, aproveitando um fachode sol que entrava pela janela da sala, oferecendo-lheum confortável calor.O fogo da lareira, ateado essa manhã, ardia aindaagradavelmente e a grande chaleira assobiava, assegurando a sua acção. Num cesto, via-se um molho de roupapara ser consertada. Mrs. Gentrie pensou que era alturade dar uma vista de olhos pelas latas de compota e frutaem calda que tinha na despensa, já que Hester costumava retirá-las das respectivas prateleiras ao acaso, semse dar ao cuidado de verificar quais as mais antigas,que deveriam ser, consumidas antes das mais recentes.Notara, na véspera, que havia latas de 1939 que ainda10

se encontrava a um canto, quando já tinham sido abertas outras de 1940.Pôs-se a pensar onde teria visto a lanterna de pilhasportátil pela última vez. Os miúdos passavam a vida abrincar com ela. Havia uma lâmpada no tecto, mas nãoalumiava bem o fundo das prateleiras. Lembrou-se entãode que, no quarto de Júnior, havia uma outra lanterna,dessas que têm um gancho para se suspenderem aocinto. Foi buscá-la.Com ela na mão, desceu as escadas de acesso à despensa. Depois de dar uma vista de olhos pelos utensílios, frascos e objectos que ali estavam ordenadamentearrumados e de verificar que Hester não tinha limpoconvenientemente alguns deles, notou também que estanegligenciara pesquisar as latas de 1939, num dos cantosda prateleira das compotas: algumas de morango e demaçãzada feita em casa. Começou a pôr as mais antigasà frente das mais modernas e subitamente ficou perplexa. Em todas as latas colocara rótulos e uma destasfora arrumada sem rótulo. Além disso estava vazia, mashermeticamente fechada, como se tivesse sido cheia. Osbordos da tampa tinham sido fechados recentemente, com

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a máquina que tinha em casa para esse efeito.Olhou para a estranha lata, de sobrolho franzido, comoalguém a quem se deparara algo verdadeiramente anormalna sua casa, sempre tão ordenada. Pegando na lata, observou-a por todos os lados. Estava perfeitamente fechada.Então voltou às escadas e chamou: Hester! Ô Hester!Momentos depois ouviu os pesados passos de Hestersoarem no chão da cozinha e a sua gritante resposta; Sim, mi'sora! Quem foi que pôs esta lata aqui?Hester deu dois passos dentro da despensa, olhou paraa lata nas mãos de Mrs. Gentrie e a sua expressão foi11

suficiente resposta. Estava tão espantada como a patroa.Mrs. Gentrie observou: Esta lata estava ali naquele canto... E noto tambémque você tem estado a abrir latas de pêra de 1940, quandohá outras de 1939 que ficaram lá para trás. E esta lataque parece vazia estava entre as de 1939, lá ao fundo,e parece ter sido fechada há muito pouco tempo.Hester abanou a cabeça e disse: Não percebo nada disso, mi'sora! Não fui eu quea pus lá.Como a dona da casa tivesse então a noção de queestava a perder tempo e que Hester estava antes a engomar roupa, no que era mais necessário do que ficar aliparada com ar aturdido, mandou-a embora. Quando a viusubir de novo as escadas, começou a examinar atentamente o local. Em cima da caldeira de aquecimento geralviu uma caixa de madeira onde Arthur Gentrie costumava meter arames, bocados de ferro e objectos inutilizados, pedaços de lã e para onde ela própria costumava àsvezes atirar com as latas vazias. Juntou a que acabarade encontrar às que lá estavam e saiu da despensa.Enquanto subia as escadas, comentou, em voz alta, ,paraque Hester a ouvisse: Não percebo como foi possível que alguém se desseao trabalho de fechar esta lata à máquina e de guardá-la,ali, como se estivesse cheia! Hester assomou à porta da cozinha, no patamar seguinte, e retrocedeu, sem responder. Quando Mrs. Gentriechegou à porta da sala onde se achava Rebecca, estalevantou o nariz das palavras cruzadas e perguntou: Que se passa?. . Não, não me digas nada. Estouaqui com um problema que me custa a resolver. Qual éo peixe com cinco letras que começa por P e acabaem CA?Mrs. Gentrie abanou a cabeça e respondeu:

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Isso é muito complicado para mim.Disse-o com um ar de quem não estava interessado empeixes, sob aquele ângulo, e dirigiu-se para o cesto daroupa para consertar.O facho de sol deslocara-se agora para o lado e Mefisto desceu das costas da cadeira de Rebecca para viraproveitar a sua incidência na carpete. A sua protectoramergulhou no jornal, toda entregue ao seu problema, eMrs. Gentrie, começando a passajar umas peúgas, gritoupara Hester: Quem diabo acha você que tenha feito aquilo? Não sei, mi'sora! respondeu-lhe a outra, da cozinha. Se ao menos descobrisse "onde se abriga o soldadosobre a muralha", com sete letras, desta vertical, descobria também o nome do peixe, da horizontal disseRebecca, chupando o lápis. Talvez esse dicionário não seja suficientemente completo para esse género de problemas admitiu Mrs.Gentrie. É de certeza. É já a quinta edição do Webster'sColegiate Dictionary. Traz tudo quanto se precisa paradecifrar os problemas de palavras cruzadas deste jornal.São feitas com base nele. Só que o dicionário dá-nos aexplicação a partir das palavras, e não estas a partirda explicação. Temos mesmo de esforçar-nos por descobri-las... Que se passa com essa lata? Nada de especial, a não ser que encontrei uma latavazia recentemente fechada no meio das de 1939, queestavam a um canto da prateleira em vez de estaremcá à frente. Mas porque teriam fechado uma lata vazia?admirou-se Rebecca. Não sei. É isso mesmo que me espanta. Que rótulo tinha?13

Nenhum! Onde pôs a lata? Deitei-a na caixa dos desperdícios do Arthur.Rebecca franziu as sobrancelhas e retorquiu: Preferia que não me tivesse dito nada acerca disso...Perdi o fio à meada... Onde é que eu ia?... As duasúltimas letras são CA. Peixe acabado em CA tentou Mrs. Gentrie ajudar. Não, não me digas nada! Quero decifrar isto sozinha, senão perde o interesse. Tu é que me perguntaste o que se passava com a latae qual era o peixe com cinco letras...

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Foi a falar alto. Quero resolver a dificuldade semauxílio de ninguém.Mrs. Gentrie meteu um ovo de madeira noutra peúgae esticou o tecido até que as malhas ficassem bem visíveis. Depois começou a remendá-la. Se em vez de começar por um P começasse porum C, e, em vez de terminar em CA, terminasse em PA,seria CARPA, Assim... meditou alto Rebecca.Depois deixou cair o lápis sobre a mesa e protestou: Como pode uma pessoa concentrar-se nesta coisa,se lhe começam a falar em latas vazias, encontradasfechadas, no fundo das prateleiras?Mrs. Gentrie sorriu indulgentemente: Também não posso ajudar-te nesse problema. Masse queres ouvir uma sugestão para "onde se abriga osoldado", dir-te-ei que me parece GUARITA. Se for GUARITA entusiasmou-se Rebecca tornando a pegar no lápis , nesse caso a horizontal ficacom mais um R, antes de CA... Mas nesse caso, como aoutra vertical se sete letras é FRAGATA, o nome depeixe é PARCA... Ora, no dicionário vem que PARCA éo nome de uma das três entidades mitológicas que servema Morte. Não há peixe algum com esse nome.14

E tens a certeza de que essa vertical é mesmo FRAGATA? inquiriu Florence Gentrie, cortando a linha dacostura com os dentes. Tem de ser: barco de vela, com três grandes mastros, usado na guerra durante o século XIX. Não poderá ser CORVETA sugeriu Florence. CORVETA?... Deixa-me cá ver... Cá está: GUARITAe CORVETA, nas verticais, da PERCA, na horizontal...Não quero que me digas nada... Ora PERCA será umpeixe?Folheando activamente o dicionário, acabou por exclamar: Cá está: PERCA... é mesmo um peixe... Eu acabariapor descobri-lo sozinha. Não fui estupenda? PERCA, éisso mesmo!Mrs. Florence Gentrie levantou os ~ olhos da costura,sorriu e perguntou: Não achas, Rebecca, que já são horas de ires tratardo quarto de Mr. Steele? O quê? Já é assim tão tarde? São dez e meia. Meu Deus! Como o tempo voa! Sim, creio que jásão horas. Ele chega sempre a casa por volta do meio-dia. Sabes uma coisa, Florence? Não tenho a certezade que ele seja efectivamente arquitecto. Deixou algunsdesenhos em cima da mesa e pareceram-me de principiante,

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muito mal traçados... Não me parece que os seus desenhos sejam da nossaconta, Rebecca censurou veladamente Mrs. Gentrie. Meu Deus! Não se trata de ser ou não da minhaconta. Estavam em cima da mesa, para quem quisessevê-los. Não posso arrumar-lhe o quarto com os olhosfechados. Mas ele não costuma deixá-los na secretária detampo curvo articulado?15 Bem, costuma, mas é o mesmo que estar em cima damesa. O tampo não estava completamente fechado e...,bem, só o abri um bocadinho e espreitei... Um arquitecto não tem forçosamente de ser um bomartista, como desenhador. Naquele tipo de desenho tem mesmo de ser bom,pois era o esboço do plano de uma casa. Um esboço nunca é desenho definitivo. Podiaestar apenas a conceber um plano qualquer que tinhasimplesmente na ideia... Qual ideia! Era a planta desta casa! Uma planta desta casa! estranhou Florence Gentrie. Bem..., pode ser que se interesse por arquitectura antiga. Isto já foi construído há coisa de cem anos.Rebecca fungou duvidosa e observou: Não me cheira! Pode ser um desses inspectores dasconstruções que se meteu cá em casa, para ver se osalicerces e as paredes ainda estão rijos, ou lhe permitemum pretexto para correr connosco e deitar a casa a baixo. Não creio que pretendam demolir isto. Pior seria quenos obrigassem a fazer obras de reparação. As demolições implicam indemnização e as reparações só a nóssaem das algibeiras. Bem, o melhor é ires tratar dearrumar-lhe o quarto.Dois anos antes, Arthur Gentrie abrira uma portaexterior para um dos quartos e equipara-o com uma casade banho adjacente, de maneira que podia aproveitaruma parte enorme da casa para alugar a um hóspede.Delman Steele viera ocupá-lo recentemente. Mudara-separa lá havia apenas dez dias mas depressa se tornarauma espécie de membro da família. Costumava sentar-seao lado de Rebecca, à noite, para ajudá-la a fazer assuas palavras cruzadas e muitas vezes metia-se com elana câmara escura, auxiliando-a na revelação das fotogra- 16

fias, na fixação e esmaltagem, de que tinha tambémalguma prática.Aquela velha casa tinha o inconveniente de ser grandede mais, quanto ao trabalho que dava a limpá-la, mas

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tivera a vantagem de poder fornecer um rendimento como aluguer do quarto. Além disso tinha, no piso térreo,uma larga arrecadação e duas garagens. Uma destas foraalugada a um vizinho, R. E. Hocksley, que vivia na casaao lado.Mrs. Gentrie nunca vira este Hocksley, pessoalmente,mas a sua secretária particular, Opal Sunley, nuncadeixava de vir pagar pontualmente a renda da garagem...e adiantadamente. Essa Opal começara a dar que pensara Mrs. Gentrie, por causa de seu filho Júnior, que, ultimamente, se mostrava muito interessado nela. Tinha dezanove anos, e se por um lado já era idade suficiente paracuidar de si próprio, por outro lado Opal era quatroou 'cinco anos mais velha do que ele, e Mrs. Gentrie pressentia que a mulher já fora casada e se achava somenteseparada do marido. Seria muito melhor que Júnior dedicasse o seu tempo a garotas mais da sua idade. Parecendo que não, mesmo que Opal só tivesse vinte e trêsou vinte e quatro anos, nessas idades, quatro ou cincoanos de diferença... bem, são uma grande diferença. Narealidade, a Mrs. Florence Gentrie, essa precoce inclinação de Júnior por Opal Sunley não lhe agradava mesmonada.2Mrs. Gentrie, a meio da noite, teve uma vaga sensaçãode que alguém abrira e fechara uma porta e que caminhava cautelosamente passos de alguém subindo aescada, tentando fazê-lo o mais silenciosamente possível,furtivamente. 2 -VAMP. G. 6 17

Àquela hora os músculos e os nervos ficam entorpecidos pela defesa do sono, de maneira que os sons nãopenetram inteiramente na consciência, perdendo grandeparte de seu significado.Mrs. Gentrie não ficou apreensiva. Apenas levementeirritada. Mal os sons se extinguiram, tornou a mergulhar no sono, até que foi, de súbito, novamente despertapor um ruído que a fez sentar-se inesperadamente nacama.A seu lado, Arthur Gentrie perguntou ensonado: Caconteceu? Arthur... Pareceu-me uma porta a bater violentamente..., ou antes, um tiro. Deixa isso! Tòcàdormir! replicou ele virando-se parao outro lado. Em breve a sua respiração se ritmou, normalmente, num leve ressonar.Florence Gentrie tornou a ouvir passos na escada, dealguém que tinha pressa, mas que se esforçava por não

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ser ouvido. Um degrau estalou. Então, Mrs. Gentrie acendeu a luz da mesinha-de-cabeceira, olhou as formas do corpo de seu marido adormecidosob as cobertas e compreendeu que levaria tempo demasiado a acordá-lo para que estivesse em estado de actuarnaquela emergência. Escorregou para fora da cama, calçou as chinelas, abriu a porta e saiu para o patamar dasescadas. Parou para escutar, mas não ouviu mais nada. O frioda noite que invadira o ambiente arrepiou-a e aconchegoumelhor o roupão que envergara à pressa sobre a camisade dormir. Tinha a certeza de que fora um ruído bruscoque a acordara. Talvez unicamente o bater de uma porta,mas... àquela hora!... Talvez apenas o ruído de umescape de automóvel.Agora, que estava bem, acordada, recusava-se a admitira hipótese de um tiro.Através da escuridão da casa, chegava-lhe aos ouvi- 18

dos novo ruído: o de alguém que embatera num móvel.Não havia dúvida de que o som provinha do andar debaixo. Aquilo exigia, desta vez, a intervenção de seumarido.Voltou a correr para o quarto e tremia de frio, tendoplena consciência de que as cortinas abanavam movidaspelo vento, transmitido por qualquer porta que se abrira.Lembrou-se de que fora a primeira a deitar-se, enquanto seu marido ficara ainda a pé, entretido com umapintura qualquer na arrecadação contígua à despensa.Dirigiu-se para a cama mas, antes disso, afastou ascortinas para assegurar-se de que só o vento poderiatê-las movido e nada mais..., nem ninguém. Então, decidiu-se e chamou: Arthur!Mr. Gentrie não se dignou responder. Florence sacudiu-o e relatou-lhe a sucessão de ruídos que ouvira. É Júnior, de volta retorquiu-lhe ele.Mrs. Gentrie olhou para o relógio. Passavam trinta ecinco minutos da meia-noite. Já há muito que cá devia estar observou. Viste no seu quarto? Não. Já te disse que ouvi alguém a correr e baterde encontro a um móvel. Foi Júnior a entrar. O vento atirou com a porta láde baixo. Mas ouvi também outros ruídos, no andar inferior insistiu ela. Vento bocejou ele.O silêncio de Mrs. Gentrie evidenciava o seu cepticismo. Bem, vou dar uma vista de olhos decidiu ele.

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Florence sabia que a inspecção de seu marido seriainfrutífera, por antecipadamente descrente de que algoanormal se passara. Ouviu-o caminhar no andar de baixo,acender e apagar as luzes. Sentiu-se receosa por causa19

de Júnior. Tornou a dirigir-se ao patamar. O quarto deJúnior ficava logo à direita do corredor, mal se subia asescadas. Abriu a porta docemente e chamou: Júnior.Não obteve resposta.De qualquer modo, a escuridão do quarto denunciavaque estava vazio. Florence acendeu a luz e verificou queJúnior não estava lá. Não se deitara e a cama achava-sepor desfazer. Sentiu um súbito alarme oprimir-lhe o coração. E então, por qualquer motivo inexplicável, sentiunecessidade de defender, de proteger o filho de qualquercoisa que ignorava, e decidiu não dizer nada ao marido. Estava alguém lá em baixo? inquiriu afastando-seda porta do quarto de Júnior. Está visto que não resmungou Arthur. Ouvistea porta da despensa bater, foi o que foi. Talvez fosseMefisto nas suas corridas... A porta da despensa"! Sim. Mas como, se fica sempre fechada à chave? Devo tê-la deixado aberta esta noite admitiu ele. Estive a pintar uma coisa, lá em baixo... Devo terdeixado a porta aberta, para arejar. Sim, deve ter sidoisso.Mrs. Gentrie acabou por convencer-se de que tudo sedevia aos seus nervos, que sempre afirmara não possuir.Os ruídos, de noite, ficam por vezes distorcidos à audição de quem está ensonado...Arthur Gentrie subiu as escadas e passou por ela como ar de quem se considera vítima de ter vivido vinte eum anos com uma mulher que começava agora a terideias fantásticas e a obrigá-lo a andar pela casa, feitoparvo, a meio da noite, interrompendo-lhe um sono bemmerecido. Nada havia a fazer senão voltar para o quenteda cama e tornar a adormecer.20

Mrs. Gentrie, mostrando-se contrita, foi atrás domarido. Deitou-se a seu lado, encostou-se-lhe para reaquecer o corpo resfriado, e em breve lhe ouviu a respiração tranquila, ritmada, que para ela constituía umaespécie de droga. Não tardou a adormecer.Ao chegar a manhã, o despertador acordou-a. Levantou-se e abriu a janela. Enquanto vestia o roupão e aquecia

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o quarto com o fogão de gás, os receios que de noitepassara apareciam-lhe ridículos. Contudo, não resistiu a irespreitar o quarto de Júnior.As suas roupas estavam espalhadas sobre uma cadeirajunto à janela. Ele estava todo coberto com a roupa dacama, completamente ferrado no sono. Só depois de tê-lovisto se recordou da sua ausência, quando já passavamtrinta e cinco minutos da meia-noite.Florence fechou a porta de mansinho. Júnior não precisava de ser acordado, antes de uma hora.Então, a vasta casa entrou na actividade de rotina,absolutamente igual à de qualquer outro dia normal...,até que o som de sereias de carros-patrulhas da políciacortou os ares, rasgando a calma matinal de toda avizinhança.3Perry Mason estava ao balcão da tabacaria do átriodo prédio onde tinha o seu escritório e acabava de comprar um maço de cigarros, quando Della Street entrou aporta envidraçada, brotando da torrente de multidão quese interpenetrava na rua, em ambos os sentidos. Muitosolhos masculinos se pousaram nela, enquanto passou emfrente dos outros balcões do átrio. E olhavam-na aprovadoramente, se não cobiçosamente mesmo. Desde a palmilha das meias até ao topo da cabeça, toda ela era ummodelo feminino extremamente agradável de contemplar,21

Perry Mason, virando-se para o elevador, foi ao seuencontro. Della sorriu-lhe e inquiriu: Que pressa é essa?, Mason segurou-lhe um cotovelo e segredou: " Surpresa. > '."?< ' Isso digo eu replicou ela. É realmente umasurpresa vê-lo por aqui tão cedo. Anda um crime qualquer no ar de que lhe tenha dado o faro? Não esperavaencontrá-lo antes das onze, especialmente depois de saberque esteve a trabalhar ontem à noite, até muito tarde,depois de eu ter ido para casa. O escritório deve ter ficadonuma lixeira. A sua suposição é perfeitamente correcta respondeu Mason e Deus a livre de tentar arrumar seja oque for de cima da minha secretária. Tenho aí várioslivros abertos e virados para baixo, exactamente naspáginas que desejo consultar hoje, para ditar-lhe umrelatório. E deixe-os estar, uns em cima dos outros, talcomo estão, pela ordem que ontem lhes dei.Caminharam lado a lado para dentro de um dos elevadores, apinhados de gente àquela hora da manhã, pegando-lhe Mason no braço, numa atitude de íntima simpatia.

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Vai ganhar o caso? inquiriu Della.Ele acenou afirmativamente com a cabeça, mas nãodisse palavra, até que o elevador parou. Saíram e percorreram o corredor em direcção à porta do escritório. De perna alçada respondeu então o advogado.Eu sempre pensara ser melhor deixar o debate para aúltima instância, mas não estava certo da maneira comoconvencer as autoridades... Contudo, encontrei ontemargumentos de casos precedentes com que reforçar a minha doutrina. Já passava das onze quando encontrei asdecisões jurídicas de que carecia, para obter a conveniente sentença no presente caso. Catita! aplaudiu Della.22

< Abriu a porta do escritório e disse para o advogado. Vou à sala do lado, ver o que meteram na nossacaixa do correio. Suponho que quer ver a correspondência.Mason fez uma careta e respondeu: Toda não. Dê prioridade aos cheques, deite as contaspara o cesto dos papeis e ponha o resto da correspondência na pasta dos assuntos pendentes. Onde permanecerão durante uma semana ou duas, edepois irão juntar-se aos assuntos enterrados, não éassim criticou Della. Bem, se houver algo muito importante, você jásabe que fazer.Mason, que detestava cartas, com a aversão que todoo homem activo dedica aos assuntos de rotina, pendurouo chapéu num cabide do armário da entrada, aproximou-se da janela e olhou, por momentos, para o tráfego compacto que corria lá ao fundo, na rua, como denso formigueiro. Pegou então num dos livros empilhados, começoua lê-lo e aproximou-se da secretária, em cuja cadeira rotativa se sentou, sem interromper a leitura.Alguns minutos se passaram, antes que Della Streettornasse a entrar no escritório e parasse na sua frente,aguardando que levantasse os olhos para ela. Que é? interessou-se Mason, olhando finalmentepara a sua eficiente e bela secretária particular. Um aviador que quer vê-lo, em nome do seu padrasto anunciou Della. Está na sala de espera. Não estou interessado declarou Mason. Tenhoeste caso em mãos e não quero ser perturbado com outrosassuntos. É um diabo alto e muito bem parecido. Uma "tara",como dizem agora. E sabe que o é descreveu Della.Diz que o padrasto é coxo e que não pôde vir pessoalmente, mas que tem um assunto da mais alta importânciaa tratar consigo, porque houve, ontem à noite, um caso

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de um tiro no andar de baixo e receia que a situação venhaa complicar-se.Mason depôs o livro de leis sobre o tampo da secretáriacom um ar resmungão. É o que faz a palavra tiro na minha mente. Nuncaposso concentrar-me num caso cível, quando me falamde tiros ao ouvido. Como se chama o seu "diabo"? Rodney Wenston informou Della. É um dessesplayboys entusiastas da aviação; aposto que vive à custada herança que lhe deixou a mãe. Não dá ares de quemse esfalfe a trabalhar. Duvido que o padrasto aprove oseu comportamento, assim como me parece que ele nãoaprova o do padrasto. Refere-se a ele como sendo "ogovernador". Que idade? inquiriu Mason. Anda à roda dos trinta e cinco. Alto, esbelto, com asegurança, de gestos lentos de pessoa acostumada a gozaro melhor desta vida. Cicia um pouco, quando se enerva ecreio que se incomoda por lhe notarmos esse pequenodefeito. Portanto não voa para ganhar a vida, mas apenaspor desporto, não? Por entretenimento, diz ele esclareceu Della. Parece que lhe sacou uma data de informaçõesobservou o advogado, sorrindo. Saquei-lhe tudo quanto trazia para contar retorquiu Della friamente. Mas desta vez não tive oportunidade de falar. O homem não me deu tempo. Talvez fossepor ter-me poupado trabalho que me pôs mais ou menosa seu favor. De resto, não olha para uma secretária deadvogado, como se fosse uma simples barreira que énecessário transpor, ou contornar. Quando lhe disse quemera, começou logo a desfilar ao que vinha, com todos ospormenores necessários. Com isso a seu favor e ainda por cima um tiro por24

isca considerou Mason , não me resta senão conceder-lhe uma audiência. Como é esse defeito da fala? Bem, não é muito chocante, mas os seus SS anómalos são bastante audíveis. Contudo, os seus olhos azuis,formas de atleta, cabelos loiros, belo perfil e um saberestar e falar com natural encanto, compensam-no da conversação ciciosa. Está bem. Vamos falar com ele decidiu PerryMason. Della Street pegou no telefone interno e disse: Gertie, queira mandar entrar Mr. Wenston.

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Virando-se para o advogado, poisou o auscultador eadvertiu, sorrindo: Não se ponha, outra vez, a ler esse livro. Prometo satisfez Mason, muito sério. Virou olivro para baixo, no momento em que a porta se abria eRodney Wenston surgiu com evidente naturalidade, porém, diferente. Bom dia Mr. Mason preambulou. Esperoque me perdoe esta intrusão, mas o facto é que o"governador" acordou desvairado. Aparentemente, dispararam um tiro, durante a noite, no andar de baixo eele receia que a polícia comece a interferir na suavida particular. Pretende falar consigo, pessoalmente.Afirma ser muito importante. Falou em obter umrabeias corpus, ou lá o que é. O meu padrasto prometeu pagar-lhe s'seja o que for, se Mr. Mason quiserlá ir imediatamente. Pode explicar-me a natureza do problema que afectatão profundamente o seu padrasto, Mr. Wenston? Francamente, não pos'so, Mr. Mas'son. O meu padras'sto é um raio de um individualis'sta que não confiaem ninguém. Vim aqui apenas's como intermediário e...Neste momento o telefone tocou. Della Street atendeue anunciou a Mason:25

Está ao telefone Mr. Elston A. Karr.Mason estendeu o braço e pegou no auscultador, Ouviuuma voz aguda e crispada: Daqui, Elston A. Karr. Acabo de transmitir à suasecretária a minha direcção. Presumo que foi cometidoum crime ontem à noite, no apartamento por baixo domeu. O local está cheio de polícias. Por certas razõesque não posso explicar ao telefone, preciso de falar comum advogado. Trata-se de um assunto em que tenho andado a pensar, já há alguns dias. Gostava de expor-lheeste caso, antes que a polícia me entre por aqui dentro.Pode vir imediatamente? Estou "amarrado" a uma cadeira de rodas, o que me impede de ir pessoalmente aoseu escritório. Quem foi morto? inquiriu Mason. Não faço a menor ideia. O facto, em si, não me interessa absolutamente nada. Só não quero que a políciavenha agora interferir com um caso em que estou, decerto modo, envolvido.Mason decidiu fazer um pequeno teste psicológico esondou. Receia poder vir a ser considerado suspeito de cumplicidade nesse crime?A voz do homem soou ainda mais aguda e indignada:

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De maneira nenhuma! Nesse caso, porquê a pressa de ver-me imediatamente? Só poderei explicar-lhe quando estiver aqui, comigo,Mr. Mason. Pagar-lhe-ei o que entender, mas desejo falar-lhe pessoalmente. Caso não possa atender-me, terei defalar a outro advogado, mas é muito urgente. Suplico-lheque se decida depressa.Mason virou-se para Della e recomendou: Diga a Gertie que não toque nestes livros, nemlhes altere a ordem.26

Depois, falando de novo para o telefone, decidiu: Muito bem, Mr. Karr. Vou já para aí.Poisou o telefone e disse para Della. Vamos a isto.Enquanto se levantava da cadeira giratória, Masonperguntou a Della Street: Tem a morada de Mr. Karr, não é verdade? Acabo de registá-la confirmou ela.Então Rodney Wenston sorriu e declarou: Ainda bem que vai falar com ele, Mr. Mas'son. Eunão quero..., não me convém ir convos'sco. O "governador" e eu não somos's o que s'se chama almas's gémeasfaço-lhe uns's recados's, levo-o a dar umas's voltas's deavião e é tudo... E, s'se me permite um cons'selho, Mr.Mas'son, não s'se deixe dominar por ele. S'se cons'sentirque o "governador" o domine, ele perde-lhe todo o respeito. Gosta de fazer das's pes'soas's "gato-s'sapato" es'só considera quem colabora, s'sem s'se dobrar, não s'seis'se me faço entender? E já agora outro aviso. Quandofala, o meu padras'sto anda à roda dos as'suntos e nuncaos's aborda directamente. Viveu tantos's anos's no Orienteque adquiriu uma mentalidade chinesa. Tem um ângulooriental de visão dos's problemas's. Anda à roda, é o quelhe digo. Outra coisa: alugou o apartamento em que vive,em meu nome. Portanto, Mr. Mas'son, verá o meu nomena porta Rodney Wenston. Bem, vou a caminho disse Mason, rodeando a secretária em direcção ao armário onde pusera o chapéu. Muito obrigado, Mr. Wenston pela cortesia das suasexplicações e advertências. Bom dia.Apertaram as mãos e Wenston saiu. Segundos depois,saía igualmente Perry Mason, com Della Street, e desceramde elevador até à garagem do subsolo, onde o advogadotinha o carro arrumado. Momentos mais tarde, circulavamlentamente por entre o tráfego intenso. Pararam o carro27

a meio quarteirão da morada que Elston Karr indicara

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a Della Street. Viam-se ainda quatro carros da políciaestacionados em frente de uma espécie de moradia de trêsandares, de paredes estucadas, de cor creme e telhadode telhas vermelhas, com uma outra construção acoplada, que, outrora, poderia ter servido de cocheira e cavalariça e hoje deveria ser uma arrecadação ou garagens.A casa ocupava um canto da rua e contrastava com asque se alinhavam ao longo das ruas vizinhas, apenasde dois pisos.Mason parou, observando o local, e comentou: Já foi tempo em que este tipo de casa se considerava luxuoso. Deve ter sido construída antes de 1900, enquanto as outras datam certamente dos anos 20, em queainda havia espaço para pequeninos jardins em frentedas portas e esta zona era considerada "fora da cidade".Em vinte anos, tudo isto foi engolido pela expansão urbana e pouco tardará que se ergam no seu local monstros de cimento armado. É essa a casa, não é verdade?Talvez até tenha sido construída antes de 1890, pelo estilodas janelas. Tem duas portas de entrada, já reparou?Acercaram-se da casa e Della Street observou, portantoem frente de uma das portas: Tem duas campainhas. A da direita diz: RobindaleE. Hocksley; a da esquerda, Rodney Wenston. Acertámos confirmou Mason. Espero que nosabram depressa, pois -não me conviria muito dar de carascom o tenente Tragg...Antes de tocarem à campainha, a porta abriu-se abruptamente e um chinês alto e forte, vestido com uma batinaescura, saudou: Como 'stá, Mista Mason? Favo' entlá' muito deplessa.Mal Della Street e Mason penetraram no átrio quetinha uma porta à direita e uma escada em frente; o chinês fechou a porta, silenciosamente. Depois começou a28

subir a escada, com a muda agilidade de um gato econvidou: Pu' qui, pu' favo'.Perto do topo das escadas, Mason ouviu o zumbido derodas de borracha, deslizando num corredor de sobradoduro; em seguida, a mesma voz aguda que já escutaraao telefone, comandando: Está bem, Jonhs, não te incomodes. Eu trato disso.Então um reposteiro que se achava no patamar superiorafastou-se e surgiu uma cadeira de rodas. Uma mão magra e rugosa estendeu-se para Mason, enquanto um parde olhos cinzentos, perscrutantes, o observavam atentamente, sob sobrancelhas fartas e cerradas, cavados numrosto que parecia ter apenas pele e ossos.

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O homem que se achava sentado na cadeira de rodasdenotava possuir uma enorme energia nervosa. Tão intensa era a concentração dos seus olhos cinzentos queparecia quebrar a amenidade da situação ao receber umavisita altamente desejada, dir-se-ia que ignorava completamente a presença de Della Street, apenas fitandoMason.Foi outro homem que apareceu, por detrás do reposteiro, que atenuou a tensão. Mr. Mason? inquiriu.O advogado confirmou com um aceno de cabeça.O novo personagem sorriu e avançou, estendendo amão. Com dedos vigorosos, cingiu a de Mason. Tinhaombros poderosos e braços extraordinariamente musculados. Sou Blaine apresentou-se , Johns Blaine.Só então Karr abrandou o exame do seu convidado,fechou momentaneamente os olhos e deu a impressão deque mais não era do que um cadáver. Depois abriu-oslentamente; e a atitude de perscrutação desaparecera-lhedo olhar.29

Desculpe, Mr. Mason disse. Preciso de um bomadvogado. Tenho ouvido falar muito de si. Quis ver se asua imagem correspondia à tenacidade e domínio de espírito que dizem possuir.Estendeu então a mão frágil a Della Street. É a minha secretária, Miss Street apresentouMason.Os dois homens cumprimentaram os visitantes, novamente, com uma ligeira inclinação de cabeça dirigida aDella. Karr apresentou, por sua vez: Este é Gow Loong, o meu criado "N.º Um".Mason olhou para o chinês, com interesse não dissimulado. De certa maneira, parecia ser mais um companheiro do enfermo do que um criado, pela sua atitudetranquila e quase protectora em relação ao amo. A suatesta alta, a atitude plácida, a forma esmerada, comoestava vestido, davam-lhe uma aparência deveras distinta. Não se dê ao trabalho de querer estudá-lo, Mr. Mason avisou Karr. É tal qual o Oriente. Queremos adivinhar o que pensa, mas não o conseguimos. É um perpétuo mistério, insondável, desperta-nos a curiosidade,mas depara-se-nos uma porta fechada na sua mente.Nada deixa transparecer do que sente. Não lhe vale poisa pena perder tempo e esforço a perscrutá-lo. Temos muitoque falar de outro assunto. Ainda bem que trouxe a suasecretária. Poderá tomar notas e isso evita-me a maçadade repetir o assunto duas vezes. Porque estão aí de pé?Queiram entrar e sentar-se confortavelmente. Canso-me

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de repetir as mesmas frases. Façam o favor de sentar-se.Enquanto falava, rodava os aros das rodas e conduziaa cadeira para uma sala que tinha igualmente reposteirosnas janelas e estava confortavelmente mobilada. A mobília era negra e dela se realçava, como motivo principal30

de decoração, um dragão, que identicamente adornava osreposteiros, num bordado multicor.Karr conduziu a sua cadeira para um dos reposteirose deu meia volta, colocando-se de frente para as poltronasem que Perry Mason e Della Street se haviam sentado. Osoutros dois personagens mantiveram-se de pé, um de cadalado do anfitrião. Chegue-se mais para mim, Mr. Mason pediu.Miss Street pode aproximar-se mais da mesa, para escrever... Não. Espere um segundo. Temos umas mesinhasportáteis, ali ao fundo, que podem servir-lhe de escrivaninha. Gow Loong vai buscar-lhe uma delas. Johns,ajuda Mr. Mason a chegar a sua poltrona mais para aminha beira. E agora afastem-se, vocês dois, aí. Enchem-me de nervos, sempre à minha volta, como se eu fossepartir-me em dois, a cada instante. Que foi que aconteceu? interrogou Mason. Escute-me atentamente, Mr. Mason disse Karr. Miss Street tem aí o seu bloco de apontamentos? Muitobem. Encontro-me no meio de uma situação delicada.Não vou, por enquanto, entrar em pormenores, mas tiveum sócio na China. Um raio de sociedade, dura como osdiabos! Transportávamos armas ao longo do rio Yang-Tsé.Éramos feitos às tiras se nos caçassem. "Morte dos milgolpes", chamam-lhes eles. Bem, o meu parceiro e eumantínhamo-los fornecidos de armas e munições e recebíamos, em troca, excitação e dinheiro. Mas não querofalar nisso agora. Quero apenas referir que pretendofazer uma certa coisa, relacionada com essa minha antiga sociedade, e tenho de manter essa coisa secreta, atéser ultimada. Não posso sujeitar-me a qualquer espéciede notoriedade..., não quero que ninguém saiba onde estou.Segundo toda a gente pensa, Elston A. Karr morreu numadas incursões, rio acima.31

Fez uma pausa antes de tornar a cortar o silêncio dacasa com a sua voz irritante: Aluguei este apartamento em nome do meu enteado,Rodney Wenston. É ele quem assina os recibos das rendase dos fornecedores, de maneira que nunca apareço emcena. Contudo, há certos rapazes, por aí, que não se deixam enganar facilmente. Nunca subestime os orientais,

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Mr. Mason. São lentos, mas certos do que querem fazer...E, às vezes, não são tão lentos como isso. Bem, comoeu dizia, não quero ser alvo de qualquer publicidade. Nãoquero que ninguém me veja, nem que saiba que aqui moroe que ainda estou vivo. E não posso ser interrogado porninguém. Bem, vou agora falar-lhe do assunto que melevou a pedir-lhe a sua comparência nesta humilde casa.É a tal coisa que eu quero, fazer, mas não desejo pôr a máquina em movimento, antes de estar completamente tranquilo de que não me descobrem neste refúgio. E ia começar com a coisa, quando ocorreu esse assassínio no andarde baixo. Coloca-me numa situação desesperada, pois receio que os jornalistas mencionem a casa e os seusocupantes. Não podia ter acontecido em pior momento!Como se calasse, para tomar fôlego, Mason aproveitoua aberta para inquirir: Porque não espera por outra alternativa, para tratar desse assunto? Porque chegou o momento de começar a coisa. Parafalar verdade, os dados já estão lançados e já não possoparar. E para mais, a investigação da polícia, quantoao que aconteceu cá em baixo, vai precipitar a urgência de tratar desse assunto. Quanto mais me demorar,maior é o risco de ser enredado pela publicidade.". Menos tempo terei para terminar..., para resolver o quetenciono... A polícia já cá veio? perguntou Mason. Não. É por isso que estou... que estava tão ansioso32

Porque você viesse. Queria-o cá antes deles, para me daruma ajuda..., para você tratar com eles, em vez de sereu a aturá-los... a ter de responder-lhes... o que nãoquero.Mason franziu o sobrolho, intrigado, e sondou: Como se explica que a polícia ainda não tenha vindocá acima?Karr ignorou a pergunta e prosseguiu: Quero que me livre deles, quero que responda pormim, quando me interrogarem, quando cá vierem metero nariz.Só então pareceu aperceber-se de que o advogado lheperguntara qualquer coisa. Que disse?... Ah, pois... Consegui mantê-los afastados. Mandei Johns e Gow Loong, lá abaixo, saber doque se tratara e a polícia interrogou-os. Estava lá umtenente qualquer dos homicídios. Como se chamava ele,Johns? Tragg. Isso mesmo, Tragg. Tenente Tragg. Conhece-o, Mason?

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Sim. Os rapazes disseram-lhe que eu estava doente e quese tivesse de vir interrogar-me, desde já podiam assegurar-lhe que eu não sabia de nada. E é verdade. Ouvio tiro e foi tudo! Nada mais sei acerca do assunto. Se me dissesse por que razão achou necessário chamar-me sugeriu Mason , talvez fosse um bom pontode partida.Karr mostrou um novo fulgor no olhar e fitou DellaStreet. Depois, perguntou ao advogado, sem desviar avista do seu exame: Esta sua secretária é fixe? Fixíssima. Responsabiliza-se por ela?3 - VAMP. G. 6 33

Sim. É que este assunto é grave, como o diabo! Miss Street é ... "à prova de fogo", de toda a gravidade, mesmo do diabo afirmou Mason, no mesmotom e jogo.Só então Karr se decidiu a falar: Não sei o que aconteceu lá em baixo e estou-menas tintas para o que tenha sido. Estou limitado, reduzido à minha cadeira de rodas. Não posso sair daqui.Têm de pôr-me e tirar dela, a braços. Não tenho oportunidade, nem quero, de me dar com os vizinhos. Sópretendo que me deixem em paz e sossego, Quero estarsozinho. Agora acontece este assassínio, cai-me a políciaem casa e logo a seguir os jornalistas não se farão esperar. Ora não quero publicidade sobre a minha existência.Não posso tê-la. Concretamente, porque me chamou? insistiuMason. Já vou chegar a isso. Não me interrompa. Quandocomeço a falar de uma coisa, deixe-me ir para diante.E não me obrigue a repetir o que já disse. Fico nervoso...As repetições enervam-me sobremaneira. Onde é queeu ia? Ah, não posso ter publicidade de qualquer espécie,porque estou aqui escondido. Há quem tente assassinar-me. Não me surpreenderia se o crime cá de baixo fosseresultado de um erro de porta e de vítima. Tomei os maiores cuidados ao arranjar este apartamento. É uma localização ideal para o que pretendo, mas cometi uma únicafalta: devia ter alugado, igualmente o andar de baixoe ter instalado aí Gow Loong, mas, quando vim para cá,o andar inferior estava desocupado havia mais de umano pelos Gentries e estes não pareciam tencionar alugá-lo. Fiquei com este apartamento que era o único que

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ofereciam para aluguer e instalei-me, durante uma noite,com as maiores precauções...34

Porque preferiu o andar de cima? inquiriu Mason. As escadas devem constituir um grande incómodopara o caso de ter de sair à rua. Como só tinham anunciado o de cima, pensei quequisessem reservar o de baixo para os filhos..., talvezpara o mais velho. Os Gentries ocupam a outra metadeda vivenda, hoje dividida em três partes... De resto, nãome interessa sair. Não posso ir a nenhum lado que nãoseja de cadeira de rodas. E não gosto de sair a não serpara apanhar um pouco de sol. Ora, para isso, basta-meir à larga varanda das traseiras deste apartamento. Porisso o escolhi. Tenho aí o sol, durante toda a manhã e oprincípio da tarde. Preciso de calor. Tenho o sangue fraco.Tempo de mais nos trópicos. Tive disenteria. Tive malária. Tive uma vida dos demónios, mas não interessa. Nãovamos entrar agora nesse assunto. Porque diabo estavaa falar de escadas? Ah, você perguntou-me, não foi?Apontou o indicador na direcção de Mason e acusou: Já lhe disse para não me interromper. Deixe-mefalar.Mason sorriu e replicou: Há certas coisas que tenho de saber. Muito bem, já lá iremos. Quando eu acabar, pergunte-me o que quiser. De que estava eu a falar? Publicidade interveio Johns Blaine, no meio segundo de silêncio que sucedera após a pergunta de Karr. Assassínio corrigiu Gow Loong.Mason fitou com agudo interesse o rosto do chinês.Aquela única palavra que proferira, sem ênfase, semqualquer intonação, sem hesitação, era exactamente aque Karr necessitava. Isso mesmo confirmou Karr , assassínio. Souum homem perseguido, Mr. Mason, "marcado". Há quempretenda saber onde me encontro, e se dão comigo eliminam-me..., a menos que eu me mova depressa..., e não35

posso fazê-lo, em virtude desta minha enfermidade. Tiveimensa dificuldade em vir para esta casa, sem ser visto.Johns Blaine alugou-a e mudou-se para cá. Depois, GowLoong trouxe-me envolvido num cobertor, durante a noite,em completa escuridão... E a varanda onde apanho sol,não pode ser vista de nenhum lado. Não há mais casaalguma nas traseiras. Essa foi uma das razões que melevou também a não me interessar pelo andar de baixo.Preferia este, pela possibilidade de apanhar sol sem

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ser visto. Sei que poderia arranjar outros lugares, emHollywood, mas não tinha muito tempo para andar àprocura de esconderijos. Sendo mais modesto, este dá menos nas vistas, desperta menos a curiosidade dos jornalistas mundanos que querem saber quem são os ricaçosque alugam moradias nesta zona luxuosa... E eu nãotinha tempo a perder. Andam à minha caça, Mr. Mason.Johns desembaraçou-se muito bem. Mas não posso sersujeito a um interrogatório da polícia. Não quero quefalem comigo. E muito menos repórteres dos jornais. Que sabe acerca do que aconteceu no andar de baixo? interrogou Mason. Cerca de um mês depois de eu ter alugado esteapartamento, um tipo qualquer alugou o de baixoexplicou Karr. Instalou-se aí nunca me viu, comotambém não lhe pus a vista em cima. Chama-se Hocksley... Aposto como viu esse nome lá em baixo, na porta,sob a campainha e por cima da caixa do correio. Não viu?Mason confirmou. Não sei o que faz prosseguiu Karr. Creio queestá ligado a quaisquer estúdios cinematográficos, é umaespécie de escritor de argumentos, ou lá o que é. Temum raio de vida irregular, como o diabo. Oiço-o ditar durante a noite..., sempre à noite. Mas não sei que diabofaz durante o dia. Aposto que dorme. Dita para uma estenógrafa? inquiriu Mason.36

Não. Dita para um gravador. Pelo menos é o queparece, pelo que se ouve cá em cima, e creio que tenhorazão. Essa forma de ditar é muito diferente. Além disso,há realmente uma moça que vem cá ao andar de baixo,mas só de dia, e faz um ruído dos demónios a escreverà máquina... e o que escreve é ditado por um gravador,disso não tenho a menor dúvida, pois ouve-se distintamente a repetição constante das frases, com as bobinas para trás e para diante, embora não se distinga deque se trata. Só o ruído... Parece que o tipo a mantémsempre deveras ocupada. Foi ela quem descobriu o homicídio. Essa dactilógrafa vem cá todos os dias? interessou-se Mason. Sim. Portanto, esse Hocksley vive sozinho? Não. Tem uma governanta. Como se chama ela, GowLoong? Saara Perlin esclareceu o chinês. Isso mesmo lembrou-se Karr. Sarah Perlin.Nunca me lembro dos nomes. De qualquer maneira, éum raio de nome. Diga-lhe, Johns, como é que ela separece, pois você já a viu.

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Como se recitasse, ou lesse um relatório da polícia,Johns Blaine descreveu: Trinta e cinco anos, alta, angular, olhos pretos,cabelo grisalho muito fino; mantém o pescoço direito eo queixo levantado, quando anda; usa um penteado liso;puxado e fixado, com um gancho de mola, na nuca; temos pés chatos e não procura ser atraente. Vive lá embaixo e tem um quarto nas traseiras, segundo creio. Medecerca de 1,70 m de altura e deve pesar 65 quilos. É umamulher calada (não trabalha com o gravador), cozinha elimpa a casa mas não lava a roupa. Pelo cheiro que chega37

cá acima, deve ser boa cozinheira e não gosta lá muitode frituras.Karr ergueu a mão para interrompê-lo. Já chega cortou. Com isso, Mason já fica comuma ideia. Não precisa de saber muito a seu respeito.Basta uma breve descrição. Não carece de saber qual amarca de dentífrico que usa... Bem, desapareceu.Bruscamente, o som da campainha da porta emudeceu-o.Mason advertiu: Pela maneira de tocar, deve ser a polícia. Deixe-me fora disto, Mason. Tem de livrar-me deles disse Karr.Impacientemente, o advogado retorquiu: Você esteve para aí a desbobinar uma data de conversa, mas não chegou a lado algum... Só porque nãome deixou interrompê-lo com as perguntas necessárias.Mande Gow Loong abrir a porta e entreter Tragg, durante um minuto, ou dois. Você vai agora contar-me oque sucedeu.Franzindo as sobrancelhas, irritadamente, Karr resmungou: Não me interrompa. Eu... Cale-se intimou Mason. Responda à minhapergunta: que aconteceu?Johns Blaine, consternado, olhou para Mason, e declarou: Mr. Karr fica nervoso quando o interrompem... Cale-se você também ordenou o advogado. SeMr. Karr quer que o ajude, tem de explicar-se.Excitadamente, o velho começou: Ontem à noite, por volta da meia-noite e meia hora,ouvi um tiro. Depois disso, ruído de passos no andar debaixo, conversa, pessoas a moverem-se... Não fiz coisaalguma. Não podia fazer fosse o que fosse, e, de resto,38

não era nada comigo, nem me convinha meter-me noassunto. E o seu pessoal? Onde estavam Gow e Johns?

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Eu estava cá em casa sozinho. Geralmente, nuncafico só, mas...Mason virou-se para Gow Loong e aconselhou: Se for o tenente Tragg, retenha-o a conversar omais tempo que puder, mas não tente, de forma alguma,impedi-lo de entrar. Pelo contrário, convide-o, mas faça-ofalar e responda-lhe aquilo que souber e puder. Demore-o.Vá lá abrir-lhe a porta. Agora, nós, Karr. Vamos ouviro resto da sua versão. Ouvi passos e uma porta bater com força, mas distante, depois, de alguns minutos de silêncio, dez ou mesmo quinze, alguém se deslocou como que furtivamente,procurando não fazer ruído. Ouvi a voz de um homem.Pareceu-me que falava ao telefone. Era isso. Estava atelefonar. E depois? Nada mais, durante uma hora. Depois soaram maispassos e o ruído de uma coisa a ser arrastada ao longodo sobrado, na direcção da porta do lado. Lembrei-meque poderia ser um cadáver... Pareceu-me realmente quearrastavam um corpo..., os sapatos de rojo, compreende?Deviam ser duas pessoas a carregar com aquilo, masnão era em peso, compreende? Passos de duas pessoas, maso corpo arrastava no chão. Eu estava na cama e nãopodia chegar à janela, nem ao telefone. Nunca tenhotelefone à cabeceira da cama. Fico nervosíssimo, se tocade noite. Perco logo o sono. A porta do lado! precisou Mason. Isso mesmo. A porta do lado do apartamento inferiora este abre para o pátio, em frente da porta da garagem.Hocksley também alugou a garagem aos Gentries e arruma aí o seu carro. A sua estenógrafa, ou dactilógrafa, e39

a governanta, ou lá o que queira, também o usam, àsvezes. Ouviu mais alguma coisa? insistiu Mason. Vozes, e pareceu-me que uma delas era de mulher,depois, um carro arrancar a partir. Uma hora mais tarde,ouviu-o regressar à garagem. Gow Loong veio para casa,mais ou menos, nessa altura. E Mr. Blaine? perguntou Mason, ouvindo passosa subir a escada.Blaine elucidou: Voltei para casa, por volta das duas da manhã.Agora os passos da escada soavam mais fortes. Ouviu-se a voz de Gow Loong: Queila subi, pu favo. Lamento não vi mais deplessa.Não sabia sê oficial da polícia. Po' aqui pu favo.O tenente Tragg parou, por segundos, à entrada da

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sala, examinando os circunstantes, e o seu olhar demorou-se um pouco mais em Perry Mason. Veio-lhe umsúbito afluxo de sangue às maçãs do rosto, mas nãodenunciou qualquer outro sinal de surpresa. Olá, olá! exclamou. É muito interessante vê-loaqui. Poderei saber qual a razão da sua visita a estacasa, neste momento? O meu cliente explicou Mason , é muito nervoso. Calcule como se sente uma pessoa de hábitos tranquilos, ao tomar conhecimento de um crime perpetradono mesmo prédio em que vive e das consequências incómodas que tal ocorrência implicará. Naturalmente ficouapreensivo. Mr. Karr, há já algum tempo, desejava fazero seu testamento e o infeliz acontecimento, no andarde baixo, veio realçar-lhe no espírito a incerteza destavida. Solicitou a minha comparência com vista a essafinalidade, pois pretende elaborar um documento estritamente legal.40

Está portanto aqui para redigir um testamento?perguntou Tragg cepticamente. Bem, não creio que tenhamos de discutir os assuntosparticulares de Mr. Karr, tenente observou Mason. Depende da particularidade desses mesmos assuntos replicou Tragg, significativamente.Mason desviou a conversa fazendo as apresentações: Mr. Karr, Mr. Johns Blaine e Gow Loong, o criado"N.º Um." Já falei com estes últimos. Só não tive oportunidade para trocar impressões com Mr. Karr disse Tragg. Receio que Mr. Karr não possa ser-lhe muito útil disse Mason. Tenho estado a fazer-lhe algumas perguntas genéricas sobre o assassínio, por pura curiosidade apenas... Ah, sim? Só por mera curiosidade? Certamente, Tragg. Espero que não vai pensar queestou interessado no que ocorreu, no andar de baixo.Abordei essa matéria simplesmente, em conversa rotineira, como método introdutório.Tragg comentou, fazendo uma ligeira careta: A experiência tem-me ensinado que os seus métodos introdutórios são sempre oblíquos e muitas vezesmortais.Mason riu e convidou bonacheironamente: Deixe-se disso, Tragg. Sente-se lá e não tenha ideiaspreconcebidas. Receio que o Mr. Karr nada lhe possa dizer,a não ser que ouviu dois tiros, às primeiras horas da manhã, mas nessa altura, pensou que se tratasse de duasexplosões de tubo de escape de camião, e...

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Dois tiros! interrompeu o tenente dos Homicídios.Mason fitou-o com os olhos muito abertos, numa expressão de admirada inocência. Sim, porquê? Não foram dois tiros?41

A que horas os ouviu? inquiriu Tragg, em vezde confirmar ou negar. Oh, talvez uma, ou duas horas da manhã. Mr. Karrnão olhou para o relógio, mas pensa que os ouviu, maisou menos, nesse período da noite. Como calcula o tempo, se não olhou para o relógio? Porque acordou por volta da meia-noite e meia horae estava exactamente a tornar a adormecer, de novo,quando... Isso não concorda com as declarações das outras testemunha tornou a interrogar Tragg. Não concorda? estranhou Mason. PorquêOuviram os disparos a outra hora da noite? Talvez Mr.Karr tenha ouvido precisamente o ruído de duas explosões de escape e não tiros. Um tiro corrigiu Tragg. Só foi disparado umtiro.Gravemente, Mason soltou um ligeiro assobio.Olhando para Karr, o tenente interrogou: Está certo de que ouviu dois tiros? Receio não poder acrescentar seja o que for ao queMr. Mason já explicou defendeu-se Karr. Tenho estado a conversar com ele sobre esse assunto interveio Mason, como que desinteressado , e cheguei à conclusão de que Mr. Karr não está bem certo decoisa alguma, nessa matéria, visto achar-se então ensonado e não ter verificado as horas, por não ter ligadogrande importância ao ruído das explosões.Virando-se novamente para Karr, Tragg inquiriu: Que sabe acerca desse seu vizinho, Hocksley, quevivia por baixo deste andar? Nada retorquiu Karr. Nunca lhe pus a vistaem cima. Tenho a minha vida praticamente limitada àcadeira de rodas e à cama. Não me interesso pela vidados outros e recuso-me a relações de vizinhança, da mês- 42

ma maneira que eles não devem estar particularmenteinteressados na minha vida, nem mesmo em travar relaçõescomigo. Mesmo que Hocksley levasse uma vida normal,não o teria visto; mas como não a levava, ainda menos. Sob que aspecto não levava uma vida normal? Penso que o homem devia dormir durante todo odia, visto que passava a noite a falar, isto é, a ditar

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qualquer trabalho para um gravador. Porque diz tratar-se de um gravador e não de umaesteno-dactilógrafa? Bem..., pode ter sido, mas soava-me mais aos ouvidos como sendo um ditado para gravação, mais monótonoe contínuo, com longas repetições seguidas, antes de novoditado curto... e com intervalos, precedendo a repetição,e pausas durante o ditado, como para alinhar ideias.Pelo menos, foi isso o que pensei, ao ouvi-lo trabalhardurante toda a noite, desde que veio para cá.Tragg franziu as sobrancelhas e contemplou, pensativamente, as biqueiras dos sapatos. Depois exclamou: Hum, hum!Antes que formulasse mais perguntas, Mason interveio: Bem, Tragg, numa investigação, surgem semprepequenas discrepâncias. Afinal de contas, que foi queaconteceu? Hocksley ocupava esse apartamento por baixo deste.Tinha uma governante, Mrs. Sarah Perlin, e uma dactilógrafa, Opal Sunley, que vinha diariamente dactilografar-lhe os textos. Mr. Karr tinha razão ao referir o gravador. Pelo menos, foi o que Opal Sunley afirmou eapraz-me obter uma corroboração nesse ponto. Que espécie de textos escrevia ele? interrogouMason. Qual era a sua profissão? Não sei. Como não sabe, Tragg? Não o perguntou à dactilógrafa, quando a interrogou?43

Lá interrogar, interroguei, mas ela respondeu-mecom uma história absolutamente imaginária. Que quer dizer com isso? espantou-se Mason. Aparentemente, Hocksley estava envolvido numaespécie de negócios de exportação. Escreveu inúmerascartas, muito extensas, muito pormenorizadas, sobrecustos de exportação, preços CIF e FOB, embarques edescarregamentos de mercadorias várias, portos de partida e destino, rumos em todas as direcções... Bem, averiguámos junto das companhias a quem as cartas eramendereçadas, comunicámos com as companhias de navegação e todo esse género de coisas rotineiras e descobrimos que era tudo falso! Nenhuma daquelas cartas, escritas durante meses, todas as noites, tinham por base maisdo que vácuo. Nada daquilo existia. Como pode ser isso? admirou-se Mason. Compreendi que aquilo era um código, visto que osnegócios a que se referiam eram completamente disparatados e irrealizáveis. E Miss..., a rapariga, sabia isso? interessou-se

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Mason. Não. É daquele tipo que cumpre ordens disciplinadamente, mete o nariz no trabalho e executa-o mecanicamente, sem dar-se à maçada ou indiscrição de analisar de que trata... E, quando o larga, põe-se a andar,esquecendo-se mesmo do que esteve a fazer. E as cópias? Estavam no arquivo? Ora aí está. É mais um mistério. Hocksley mandara-a fazer cópias a papel químico, mas guardava-as elepróprio, no quarto, e não se encontrou pasta alguma dearquivo. Desapareceu tudo. Hocksley foi morto? perguntou finalmente Mason. Bem..., ou ele, ou a governanta, ou ambos. Desapareceram os dois e temos provas de um tiro. Um só44

Isso levou-nos a concluir que Hocksley matou a governanta, ou esta matou Hocksley. Contudo, se realmentehouve dois tiros em vez de um só, toda essa teoriaterá de mudar completamente. Se eu puder ajudá-lo, Tragg, no que quer que seja, nãohesite em chamar-me ofereceu-se Mason. Porém,Mr. Karr é uma pessoa profundamente nervosa e osmédicos aconselham-no ao máximo repouso, proibindo-lhe qualquer excitação e recomendando-lhe falar o menos possível. Peço-lhe, por isso, que limite o seu interrogatório ao menor tempo possível.Tragg empurrou a cadeira para trás, enfiou as mãosnas algibeiras e olhou para baixo, para Karr: Acha que estou a causar-lhe grande transtorno, selhe perguntar porque razão está numa cadeira de rodas? inquiriu o tenente dos Homicídios.Com visível irritação, Karr retorquiu: Artritismo..., nos joelhos e nas ancas. Não possomanter-me de pé. Tenho de ser transportado da camapara aqui e daqui para a cama. Quando arranjo umaposição confortável, aguento-me nela muito tempo. Nãoposso, contudo, fazer movimentos de qualquer natureza,da cintura para baixo. As minhas pernas fazem-me doerterrivelmente. Os médicos recomendaram-me diatermia.Tentei, durante imenso tempo, e cheguei à conclusãode que obtinha os mesmos resultados mantendo-me imóvel e bem aquecido, enrolado em mantas. Tenho bebidomuita água e sumo de frutos e creio que me vou sentindomelhor. Neste momento, não tem nenhum médico assistente? sondou Tragg. Não, tenente. Fiquei cansado de pagar-lhes uma datade dinheiro, em troca de nenhumas melhoras. Quandoum homem arranja uma destas maleitas crónicas, os

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médicos sabem que não poderão curá-lo, mas única- 45

mente explorá-lo, de maneira que vão acarinhando opaciente e dando-lhe esperanças, mas esvaziando-lhe asalgibeiras. Não vou nisso. Ao diabo com essa burla legal.Sei que não tenho cura e que isto irá piorando com aidade. Com os tratamentos, nunca melhorou, a não sercom o regime que a mim próprio impus de dietas, sumode frutos e manter-me sempre aquecido. E a verdade éque, nestes dois últimos meses, tenho-me sentido muitomelhor.Tragg fitou-o com evidente interesse, como se observasse um bicho dentro de um frasco de vidro. Depois virou-se para Mason e bruscamente declarou: Bem, lamento tê-lo incomodado, Mr. Karr. Vim apenas verificar os elementos recolhidos em declarações anteriores de outras testemunhas. Mera rotina. Não deve sernecessário voltar a incomodá-lo. Lamento os seus padecimentos e espero que consiga, realmente, obter algumasmelhoras. Não vim agravá-los muito, não é verdade? Não teve importância redarguiu Karr. Gostode falar com uma pessoa inteligente. Receei, realmente,que me aparecesse por aqui um desses "fala-barato" quemoem um indivíduo, até ao âmago, com perguntas idiotas. Mas o tenente foi muito agradável. Venha quandoquiser. Obrigado agradeceu Tragg. Farei o possívelpara que não seja importunado por mais ninguém. Decerto que apreciarei isso, do fundo da alma. Já agora, uma pergunta que me escapara anunciou Tragg. Que há com o seu enteado Rodney Wenston? Acha que... É apenas uma máscara interrompeu Karr.Vive algures, junto de uma praia qualquer. Efectivamente, tenho o meu número de telefone em seu nome,assim como o inscrevi na porta de casa;... arrendei esteapartamento igualmente em seu nome, mas ele não vive46

aqui;... concordou... neste estratagema para que eu possamanter-me tranquilo, sem ser incomodado seja porquem for.Tragg pareceu satisfeito com esta explicação. Compreendo perfeitamente. Tem alguma razão particular, Mr. Karr, para desejar manter-se na sombra? Certamente, tenente. Sou um homem nervoso, irritável, altamente irritável. As pessoas estranhas fazemnumerosas perguntas, são incomodativamente curiosas,procurando mostrar-se piedosas e isso aborrece-me. Depois,

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demoram-se sempre muito tempo, o que me fatigaimenso. Não gosto que me macem. Quero estar só, semme dar com ninguém.Tragg emitiu uma surda gargalhadazinha e concluiu: Quer dizer com isso que quanto menos me demorar aqui a interrogá-lo menor risco corro de tornar-meimpopular, não é assim? Cos diabos! Não me referia a si. O tenente estáaqui em serviço, a cumprir a sua obrigação, mas a verdade é que falar muito faz-me sentir exausto. De qualquer maneira, chegou o momento de ir-meembora. Espero, pois, não, ter de voltar a incomodá-lo,Mr. Karr.Perry Mason franziu o sobrolho e acendeu um cigarro,enquanto acompanhou Tragg com o olhar, vendo-o encaminhar-se para a porta. Deu algumas fumaças, até queouviu a porta fechar-se ao fundo das escadas. Só então atensão se desvaneceu.Foi Karr quem interrompeu o silêncio: Que ideia foi essa Mason, falar em dois tiros,em vez de um só? E por que diabo alterou o tempo dessasdetonações imaginárias, para mais tarde? Espero que a coisa tenha resultado retorquiuMason. Que coisa?47

Quando um oficial da polícia está a trabalhar numcaso, fala com várias testemunhas. Quando as declarações destas concordam, começa a delinear-se-lhe no espírito uma pista. Começará a basear-se nela e procurará que os jornalistas o apoiem nesse sentido. Se surge uma testemunha,isolada, a fornecer elementos completamente desviadosdas declarações testemunhais anteriores, criando a confusão no cenário geral, procurará, por todos os meios,que os jornalistas não entrevistem essa pessoa, para queo público não comece a especular e a pôr em dúvida ainvestigação policial. Desta maneira, Tragg, fará o possível para que o seu nome, Mr. Karr, não apareça nosjornais.No rosto de Karr desenhou-se um sorriso. Esperto! exclamou. Muito engenhoso, Mr.Mason. Por isso mesmo é que o escolhi, a si, para representar-me. Pensa realmente depressa! Bem..., a verdade é que tenho um certo receio deque a coisa não funcione. Porque não? Porque Tragg é demasiado inteligente. Acha que ele percebeu a sua habilidade? Estou quase certo de que pensou que eu tivesse usado

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desse expediente. Depois, o facto de não ter indicado onome de um médico que andasse a tratá-lo, Mr. Karr,causou-lhe certa desconfiança. Deve ter admitido a hipótese de que a sua enfermidade seja simulada. Nesse casoo seu álibi não tem o menor valor. Posso assegurar-lhe, Mr. Mason, que as minhaspernas não me consentem que ande. Nem sequer possoir ao telefone, sem que me ajudem. Nesse caso observou Mason , ter-me-ia sidomais vantajoso ter sugerido a Tragg que mandasse cáum médico para examiná-lo. Dessa maneira deixaria de48

ser um suspeito e teria sossego absoluto nesta investigação. Acha que ele me considera suspeito? Neste momento, decerto que sim. Note que ele sabeque o senhor é uma pessoa inteligente, que estava sozinho nesta casa, na altura do tiro; verificou que Mr.Karr se rodeia de um certo mistério e o seu criado chinês mostrou-se mudo como uma ostra, não ajudando apolícia, em coisa alguma. Depois, Blaine tem todo o aspecto de guarda-costas e a maneira como descreveua governanta indicou que já foi polícia. A versão diferente que ofereci, quanto à hora e número de disparos,vai calar Tragg, temporariamente, em relação aos jornais, evitando uma publicidade contrária à teoria que secomeça a delinear no seu cérebro, mas não o elimina desuspeita. Além disso, Tragg recordar-se-á que fui euquem lhe descreveu aquelas circunstâncias contraditóriase não o senhor, Mr. Karr. Ora, Tragg não é parvo. Jáagora lembro-lhe que a chegada inoportuna de Tragg oimpediu de dizer-me por que razão desejava consultar-me. Tratava-se de um caso de sociedade, mas não meparece que queira falar-me disso, neste momento. Diga-me uma coisa, Mr. Mason: qual é a posição legal de umsócio sobrevivente em relação a uma sociedade de doissócios tendo outro falecido? A morte de um sócio esclareceu Mason dissolvea sociedade. Cumpre ao sócio sobrevivente liquidar todosos bens da sociedade, fazer todas as contas referentesaos negócios passados e em curso e comunicá-las ao executor da herança do sócio falecido. Que quer dizer com isso de liquidar todos os bens? Reduzir todas as mercadorias e valores existentesa dinheiro, ou calcular o seu respectivo valor. E se não houver herdeiros do sócio extinto?4 - VAMP. G. 6 49

Esses valores reverterão para o sócio sobrevivente.

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Karr coçou a cabeça e declarou: Não estou completamente convencido de que nãohaja herdeiros. Nesse caso terá que depor a questão nas mãos deum administrador financeiro.Karr tornou a coçar a nuca, demonstrando certa preocupação, e disse: E o assunto terá de ser arrumado no tribunal, nãoserá assim? Certamente. Não me convém. Porquê? estranhou Mason. Porque é demasiado perigoso para mim. Porquê? Porque um julgamento traz sempre publicidade ea publicidade pode trazer-me uma bala. Não haverá maneira de se evitar a questão debatida em tribunal? Há. Se encontrar os herdeiros do seu sócio e chegar aum acordo particular com eles, entregando-lhes a partea que têm direito por herança, esse acordo evitará umaacção judicial. E se quem me aparecer a reclamar a herança nãofor realmente herdeiro do meu sócio? É um risco a correr admitiu Mason, com umacareta. Prefiro esse risco a ir para um tribunal concluiu Karr.Recostou-se na cadeira e fechou os olhos. Após algunsmomentos de meditação, decidiu: A primeira coisa que quero que investigue, Mr. Mason..., isto é..., aquilo que pretendia que investigasse, erase existiriam ou não herdeiros do meu falecido sócio.Mas agora, com este caso inesperado... Refere-se ao assassínio?50

Exactamente.,. Quer que eu intervenha nesse caso? Sim. Quero esclarecer esse assunto, antes que secomplique e venha a envolver-me em publicidade. Quandoas investigações se prolongam durante muito tempo, acabam sempre por incomodar as pessoas que primeiramentedeixaram em segundo plano. Tragg é um oficial inteligente e com imensa experiência. Não levará muito tempo a descobrir o culpado. Também você, Mason, é um homem muito inteligentee altamente experiente. Quero que esclareça rapidamentea situação. Pretende que descubra quem cometeu o assassínio,no andar de baixo?

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Exactamente.Virando-se para Della Street, Mason declarou: Tome nota desta declaração, Della. Porque razão está a mandá-la tomar nota disso? estranhou Karr.Mason sorriu e justificou: Porque se o senhor, Mr. Karr, estiver culpado dehomicídio, e eu tiver de ocultar as provas que o levem apôr essa cabeça no cepo, terei de municiar-me de umdocumento que me permita escudar-me com o sigilo profissional de defesa de um cliente.Karr riu e apreciou: Realmente você é um advogado extraordinário. Nãodá ponto sem nó. Muito bem, vá para diante. Descubratudo quanto puder sobre esse crime. Ajude Tragg a caçaro criminoso.Virou-se para Gow Loong e indicou: Vais ao meu quarto. Na secretária, em cima, dolado direito, está um maço de dinheiro. Traz-mo cá. Osenhor advogado quer dinheiro. Já, Patlão assegurou Loong, saindo da sala.51

Johns Blaine interveio, dirigindo-se a Mason: Não deixe que Tragg envolva nisto Mr. Karr. Possoafiançar-lhe que está completamente "limpo", nesse casode homicídio. Apenas quero ver todas as cartas na mesa retorquiu Mason e não posso evitar que Tragg, vendo Mr.Karr cobrir as pernas com cobertores para justificara necessidade de aquecê-las, não desconfie que esses mesmos cobertores se destinem a ocultar o facto de ele podermexê-las à sua vontade, simulando uma paralisia artríticade que realmente não sofre. Seja franco, Mr. Mason. O senhor admite essa mesma hipótese? Como hipótese replicou Mason , não posso deixar de admiti-la.Neste momento, Gow Loong reentrou na sala, com umapequena caixa e que colocou sobre o colo de Karr. Esteabriu-a e retirou um maço de notas. Quanto costuma cobrar-se por casos desta natureza? inquiriu Karr, voltando-se para Mason. Isso depende da verdadeira natureza do caso respondeu Mason.Desta vez o sorriso de Karr foi mais rasgado ecomentou: Você é realmente um tipo extraordinário, Mr. Mason.Tenho a impressão que está a andar à roda, a exploraro caminho.

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Não estou a andar à roda. Estou apenas a progredircautelosamente. Ainda não sei se quer apenas descobriro crime, ou se também procura tratar do caso da sociedade. Quero resolver ambos os problemas. Esse crime surgiu na minha vida como um pesadelo. Se conseguir resolvê-lo rapidamente, poderemos debruçar-nos sobre a quês- 52

tão da sociedade. Raios partam esse tipo, sei lá como sechama, que resolveu deixar-se matar nesta altura. Umimportuno, é o que lhe chamo.4De certo modo, Mrs. Gentrie pareceu ter ficado perturbada com a importância do visitante. A tia Rebecca eDelman Steele, sentados, um junto do outro, à mesa dasala de jantar, levantaram as cabeças quando Mason declarou o nome. Levantaram-se, quando Mrs. Gentrie escoltou Mason na sua direcção. É Mr. Mason apresentou , que vocês já conhecem das reportagens dos jornais. Esta é a irmã de meumarido, Mr. Mason: Miss Gentrie.Sublinhava a palavra "Miss" porque as pessoas, geralmente, tratavam-na por Mrs., em virtude da sua idade,causando, depois, confusões entre Rebecca e Florence. E este é Mr. Steele, nosso hóspede. Alugou-nos umquarto... e é igualmente, ao que parece apaixonado porpalavras cruzadas acrescentou, pouco a propósito.Rebecca pareceu estar muito à vontade. Fitou Masone apreciou: Hum! Julgava-o diferente. Imaginava-o uma pessoade aspecto mais austero, de expressão dura e gestos desagradáveis; isto, pela leitura dos seus debates..., autênticasbatalhas navais.Mason riu e examinou Delman Steele, um jovem decerca de vinte e tal anos que parecia manter-se na defensiva. Era bem parecido, mas havia algo no aperto dosseus lábios que denunciava ter alguma coisa a esconder. Geralmente continuou Mrs. Gentrie , Mr. Steeleestá a trabalhar a estas horas, mas o crime alterou-nosa vida a todos nós. A polícia insistiu em manter-nos em53

casa e só Os meus dois filhos mais novos foram à escola.O mais velho, a que chamamos Júnior, anda por aí, emqualquer lado. Aí vem ele, da cave. Júnior, vem cá, paraconheceres Mr. Perry Mason, o célebre advogado. Veiocá a casa, para... É verdade, porque, nos deu a honrada sua visita? Estou a investigar este caso respondeu Mason. Tem um cliente que se interessa na sua solução?

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Bem, não directamente. Não está, de forma alguma,envolvido no assunto, como suspeito. A polícia já suspeita de alguém? Não disse Mason rindo. Quis apenas frisarque não estou a defender nenhuma pessoa suspeita deachar-se envolvida no crime.Virou-se para estudar o jovem Júnior, que parecia nãoter mais de dezanove anos, de rosto sensível, expressivo,de olhar nervoso e lábios extremamente finos. O narizera comprido e estreito e não diria que fosse umaestampa de beleza masculina, não sendo todavia feio;provavelmente até interessante para o sexo oposto.Júnior olhou para o dicionário, colocado em frente datia Rebecca, e criticou: Não admira que nunca o encontre na estante domeu quarto. Sempre que preciso dele, levo mais de umahora à sua procura. Francamente, Júnior defendeu-se Rebecca. Nãosejas tão egoísta com as tuas coisas. Não te gasto o dicionário, só por procurar nele algumas palavras. E a minha lanterna de pilhas? insistiu ele.Alguém andou com ela e gastou-mas. Já não dá luzalguma. De que estás a falar? interrompeu Mrs. Gentrie. Só peguei na lanterna, ontem, durante poucos minutos (talvez três minutos, quando muito), quando estive54

na despensa a inspeccionar as latas de compota. Não iagastar-te as pilhas nesse pedacinho de tempo. Então alguém se serviu dela, depois disso, ou deixou-a acesa. O que é certo é que as pilhas estavam completamente gastas, esta manhã. Talvez tu próprio te tivesses servido dela, ontem ànoite, e te esqueceste... Disso é que me queixo. Ontem à noite não conseguiencontrar a lanterna. Como não conseguiste? Tornei a pô-la no teu quarto,no sítio onde a achara. Onde é que a encontraste? Exactamente no meu quarto, mas só esta manhã.Ontem, à noite, não estava lá. Disso tenho a certeza.Incrédula, Mrs. Gentrie abanou a cabeça, e disse: Bem. Mr. Mason não veio cá para ouvir discussõesde família, em que não está certamente interessado, nãoé verdade? Suponho interveio Rebecca , que Mr. Masondeseja fazer-nos uma data de perguntas, mas antes queo faça, aproveito a sua presença para pedir-lhe uma ajudaneste problema que me apoquenta..., palavras cruzadas,sabe?

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Oh, Rebecca! interrompeu Mrs. Gentrie. Nãoincomodes Mr. Mason com uma patetice dessas... Se puder ser útil ofereceu-se Mason , tereimuito gosto em contribuir para a solução. Dispare lá. É uma palavra de cinco letras, usada em matériajurídica; termo latino, segundo suponho, com o significado de: "não completamente"; "aproximadamente";"próximo".Depois de pensar uns segundos, Mason respondeu: Deve ser: Quasi. É capaz de servir declarou Rebecca, virando-separa Delman Steele, entusiasmada. Creio que Mr. Mason55

pretende agora saber tudo quanto se passou, tal comojá relatámos à polícia. Por favor Mr. Mason, queira sentar-se convidouMrs. Gentrie.O advogado sentou-se e Rebecca disse: Para lhe ser franca, Mr. Mason, não me agrada nadaque comece com perguntas, agora que iniciei este problema de palavras cruzadas, precisamente para acalmaros nervos de toda esta balbúrdia. Mr. Steele tem sidoamabilíssimo, tentando ajudar-me a encontrar algumaspalavras. Gosta de palavras cruzadas, Mr. Mason? Confesso não ter muito tempo para dedicar-me aelas. Sempre aumentam o nosso conhecimento, quanto avocabulário, não é verdade? Assim parece. Então, então, Rebecca interveio Mrs. Gentrie.O tempo de Mr. Mason não pode ser gasto com essaspatetices. Decerto não veio cá para falar de palavrascruzadas. O caso é que não quero tornar a falar no assassínio.Deixou-me num feixe de nervos. De resto, já ontemtinha começado a ficar nervosa com aquela história dalata vazia que encontraste na despensa. Esta casa transformou-se num antro de mistérios! Estou sempre interessado em mistérios declarouMason, piscando os olhos. Gosto de decifrá-los, talcomo há quem goste de palavras cruzadas. Nesse caso, veja lá se resolve este. Essa lata vaziaficou-me atravessada... Não é nada de importância atalhou Mrs. Gentrie. Ontem desci à despensa para verificar como estavamas latas de compota e de fruta em calda, pois me parecia que estávamos a gastar já as de 1940, quando ainda56

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devia havê-las de 1939. Pois imagine que encontrei umalata vazia! Uma lata vazia? perguntou Mason, sem compreender a gravidade do caso. Sim. Completamente vazia confirmou Mrs. Gentrie. Oh, Florence! interveio Rebecca. Tens de explicar a Mr. Mason que se tratava de uma lata vazia, mas,hermeticamente fechada, como se estivesse cheia, massem rótulo, e colocada junto das outras, na prateleira.Fora fechada, como as outras, com a nossa máquina defechar as latas, mas ninguém ia fazer uma coisa daquelas! Têm portanto uma máquina para fechar latas? interessou-se Mason. Sim. Usamo-la para enlatar frutas em doce, vegetais, etc. Mas aquela não tinha nada lá dentro. Por issodisse a Florence que a coisa me parecia deveras estranha. Que fez com essa lata inquiriu Mason. Deitei-a para uma caixa onde meu marido depositacoisas velhas, desperdícios, ferramentas em desuso... E não a abriram para ver se conteria qualquer coisa? Não, para quê? Via-se, pelo peso e sacudindo-a, queestava completamente vazia. Por isso deitei-a para ali declarou Mrs. Gentrie.Rebecca informou, excitada: Mas Arthur acabou por abri-la... Arthur é o meuirmão, casado com Florence. Encontrou-a na caixa eserviu-se dela. Andava a fazer uma experiência com tintas e precisou dela para mexer duas tintas, ou lá o queera, de qualidades diferentes. E encontrou-a vazia? precisou Mason. Sim. Completamente. Pelo menos foi o que ele disse esclareceu Rebecca.Neste momento, Delman Steele entrou na conversa: Por acaso, vi essa lata. Fui lá abaixo fazer uma57

pergunta a Mr. Gentrie e vi-o a pintar a madeira doscaixilhos da janela e a porta que dá para a garagem.Aproveitei para lhe perguntar se também vira essa lata... Fui eu quem pediu a Mr. Steele que fosse averiguarisso, junto de Arthur. A história não me saía da cabeça.Steele riu e confirmou com um aceno de cabeça, acrescentando: Quase ia arranjando um sarilho com esse tenente dosHomicídios que anda a investigar o crime da casa dolado. Como foi isso? interessou-se Mason. Bem, ele estava a investigar..., queria saber quem éque fora lá abaixo, na véspera do crime e na próprianoite. Ora eu vou às vezes à garagem, ou à arrecadação,falar um pouco com Mr. Gentrie, enquanto ele se entretém

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com os seus biscates de trabalhos manuais..., ouvou ter com Miss Gentrie, à câmara escura, quando estaestá às voltas com as suas fotografias. Contudo, ontemnão teria lá ido se Miss Gentrie não me tivesse pedidopara fazê-lo. Que tem essa cave a ver com o crime? Não faço a menor ideia respondeu Steele. Essetenente Tragg andou lá a meter o nariz em váriossítios e fez-nos uma data de perguntas. Tenho de mandar pôr uma fechadura na minhacâmara escura anunciou Rebecca. Deixaram a portaaberta, correram a cortina negra e estragaram-me umaquantidade de filmes que estavam para revelar. Pessoalmente, acho que a polícia devia ter mais consideração... Estou realmente interessado nessa lata confessouMason. Disse-me que Mr. Gentrie se serviu dela paramisturar tintas? Exactamente. Creio que ainda deve lá estar. Como foi que ele a abriu?58

Oh, facilmente. Tem um abre-latas apropriado, nadespensa. Penso que M r. Mason concorda comigo disse MissGentrie. latas vazias não nascem de geração espontânea, nas prateleiras das despensas, sem que ninguémas tenha lá colocado. Também estou convencido disso apoiou Mason.Voltando-se para Steele, sondou: Disse que Mr. Arthur Gentrie estava a pintar a portade acesso à garagem..., a garagem em que o assassinado,Mr. Hocksley (se é que foi assassinado), guarda o seucarro? Exactamente confirmou Mrs. Gentrie. Temosuma garagem dividida em duas, com duas portas. Umadessas garagens tem outra porta de comunicação com anossa arrecadação. Esta casa foi construída no tempoem que não havia automóveis. Havia uma cocheira ecavalariça, comunicando com a casa dos arreios, hojearrecadação. É muito útil, quando chove, pois não precisamos de molhar-nos para ir até à garagem. Gostaria de ir até essa arrecadação disse Mason. Basta que venha por aqui, Mr. Mason convidouMrs. Gentrie.Rebecca afastou de si, num gesto decidido, as palavras cruzadas e declarou: Se pensam que vou ficar aqui agarrada a isto, enquanto vão lá abaixo investigar o caso, estão muito enganados. Fui ""eu quem levantou essa questão da lata vaziae estou certa de que pode ser uma pista...

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Uma pista de quê? interrogou Mrs. Gentrie, piscando os olhos, admirada. Não sei disse Rebecca , mas, mal a descobriste,achei a coisa muito estranha. Não pensa o mesmo, Mr.Steele? Não me envolva em problemas de família protes- 59

tou este com uma gargalhadinha. Eu limito-me a vivercá em casa, num quarto alugado. Não me compete tomardecisões no conselho de família. Ora, ora discordou Mrs. Gentrie. Temo-nosportado para consigo como se pertencesse à família etem autorização para andar por toda a casa. A únicacoisa que lhe dissemos estar-lhe interditada foi o usodo telefone.Virando-se para Mason explicou: Devíamos ter três linhas telefónicas, em vez de uma.Acontece que os miúdos, quando se põem a falar aotelefone, levam horas e mais ninguém pode utilizá-lo.Depois, é Rebecca a falar com as suas amigas. Arthurchega a ter dificuldade em comunicar comigo, duranteo dia... Estávamos a falar da lata interrompeu Rebecca. A tia deve estar tonta insinuou Júnior. Comodiabo quer que uma lata vazia tenha qualquer coisa a vercom o crime? Júnior! calou-o a mãe, repreensivamente. Ninguém lhe perguntou a sua opinião. Venha daí, Mr. Mason.Entraram na grande despensa e Mrs. Gentrie apontoupara o local onde encontraram a lata vazia. Depois, Júniormostrou a porta de acesso à garagem, que o pai estiveraa pintar, na véspera. Mason tocou-lhe com o dedo e inquiriu: Dizem que foi pintada ontem à noite? Mas já estáseca! Mr. Gentrie tem um armazém de produtos paraconstrução explicou Steele , e forneceram-lhe umnovo secante, extremamente rápido, que ele quis experimentar, ontem à tarde. É um produto que se misturacom a tinta e faz que ela seque rapidamente. Esteve apintar ainda depois do jantar. É uma coisa que seca emseis horas aproximadamente.60

Mason observou cuidadosamente a porta e declarou: Parece que houve alguém que não sabia que estaporta fora pintada de fresco. E parece também que veioaqui às escuras, pois andou às apalpadelas à porta, deixando uma data de impressões dos dedos. Deixe-me ver disse Júnior, afastando Mason, movido

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por intensa curiosidade. É estranho! comentou Steele. Estive aqui coma polícia e não notei isso. Não há dúvida de que a pintura está agora completamente seca. Disse que seca em seis horas? Sim, entre quatro a seis horas. Quer dizer, foi issoo que Mr. Gentrie me disse. Não teria outra maneira desabê-lo esclareceu Steele. Vamos lá procurar a malfadada lata propôs Rebecca, Começando a busca na caixa dos desperdícios.Aqui está uma lata com pincéis sujos. Será esta, Delman? É essa mesma confirmou ele. É fácil identificar-se uma lata quando foi aberta por Mr. Gentrie.Deixa sempre um pedaço de dois centímetros por cortar,para que se possa tornar a fechar, conservando assimmelhor a tinta, durante mais algum tempo. Já agora vamos examinar essa tampa programouMason. Porque a verdade é que já não está fixa à lata. É verdade, notou Delman Steele. Realmente, nota-seque foi arrancada posteriormente, com um corte diferente. Uma das razões porque Mr. Gentrie mantém essepedaço por cortar é para que a tampa não caia dentroda lata com tinta. Porém, quando está vazia e a destinaa outra coisa, como, por exemplo, meter-lhe pincéis ládentro, acaba quase sempre por arrancar-lha. Nesse caso observou Mason , não foi essa tampaque ele arrancou. Como não? estranhou Delman.61

É simples. Repare no corte da lata e da tampa.Uma tem as arestas para a esquerda e a outra, para adireita. Não se ajustam. Tem razão concedeu Steele, começando à procurade outra tampa. Não há dúvida que sou um zero para detectiveconfessou Mrs. Gentrie. Não consegui perceber o queprocuram..., que interesse tem acharem a verdadeiratampa da lata. Será esta? sondou Delman Steele, pegando numatampa completamente limpa. Deixe-me vê-la pediu Júnior, atirando-se paradiante. Júnior! gritou Mrs. Gentrie. Não interfira como que Mr. Mason está a fazer.O advogado ajustou os rebordos do corte da tampa eda lata, verificando que acertavam perfeitamente.Depois, virou a tampa com a face inferior para cimae expô-la à luz.Surgiram umas letras, gravadas com um instrumento

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duro; um prego, por exemplo. É um código gritou Rebecca, entusiasmada.Está aí qualquer coisa gravada. Eu sabia. Disse-o logode princípio. Eu sabia que a lata era uma pista, masninguém quis ouvir-me...Mason tirou da algibeira um lápis e o seu livrinho deapontamentos, de que extraiu uma folha. Depois, aplicouesta sobre o reverso da tampa e riscou o papel levemente,em toda a superfície. Então destacaram-se, em negativo, os seguintes conjuntos de letras:"BEFZD HGGYCJ DBDYBD IBIYBF IAIYD HFEZBCAFFZF ACGBYAG AJEZH CCYAJ"62

Mason guardou a tampa da lata num bolso, enquantoRebecca examinava as letras que tinham aparecido, abranco, no fundo de lápis que riscara o papel. Não vejo como isso possa estar relacionado com ocrime comentou Mrs. Gentrie, admirada. Talvez seja apenas coincidência admitiu Mason, mas não deixa de ser estranho. Quem foi que ouviu otiro? Eu ouvi-o declarou Mrs. Gentrie.Steele aclarou a voz para afirmar: Estava a dormir profundamente, quando fui acordado por súbito estampido. Penso que tenha sido o tiro, oumelhor, para falar francamente, até me pareceram doistiros seguidos. Falou nisso ao tenente Tragg? inquiriu Mason. Não me atrevi. Ele parecia tão inclinado a pensarque fora só um tiro... De resto não estou absolutamentecerto de que fossem dois. Bem, não sei... Acho que devia procurá-lo e falar-lhe disso aconselhou Mason. Pode dizer-lhe que, depois de pensarmelhor, considerou ser útil esclarecê-lo, quanto a essa suaimpressão. Na realidade, podem ter sido disparados doistiros. Nada disso afirmou Rebecca, firmemente. Foisó um que me fez acordar subitamente. Depois não houvemais nenhum ruído semelhante.Mason virou-se para Júnior, interrogativamente. Esteabanou a cabeça e declarou: Não posso ajudá-lo. Dormi durante toda essa agitação. Tinha-me deitado cerca de quinze ou vinte minutosantes. Dormia profundamente e não dei por nada. A que horas soou o tiro? Por volta da meia-noite e trinta indicou Mrs.Gentrie.63

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E a que horas foi para a cama? inquiriu Mason,dirigindo-se a Júnior. Dez ou quinze minutos depois da meia-noite. Maldespi a roupa, enfiei-me no "quente". Tinha saído comuma moça e acompanhei-a a casa. Como tinha de trabalhar hoje, muito cedo, receei não poder dormir muito e... Júnior interveio Mrs. Gentrie, maternalmente, não achas que devias contar a Mr. Mason onde passaste a noite? Não! retorquiu este, corando. Reparei que não disseste o nome dessa rapariga aotenente..., como é que ela se chama? Tragg elucidou Mason. Não quero implicar uma senhora neste caso disseJúnior. Mas era... Não mencione nomes, mãe cortou Júnior, impaciente. Evitei falar disso à polícia e não quero que ninguém meta o nariz na minha vida privada. Já me bastater constantemente a tia Rebecca a cheirar o que faço enão faço. Já sou suficientemente crescido para tomar contade mim mesmo. Eu não ando a meter-me na vossa vida... Júnior! exclamou a mãe, em tom de censura. Muito bem. Tenho muita pena se os ofendo, masnão quero mencionar nomes de ninguém. Toda esta porcaria acabará por vir nos jornais e com quem eu estavaou deixava de estar nada tem que ver com o caso.Rebecca interveio, inquirindo: Que vai fazer com essa mensagem na tampa dalata? Estão para aí a falar e deixam o criminoso escapar-se-nos por entre os dedos. Acho que devemos informar o tenente Tragg acercado mistério desta lata e deixá-lo tirar as suas própriasconclusões aconselhou Mason. Afinal de contas, éessa a sua missão.64

Sentado na cadeira giratória do seu gabinete, Masonapoiou os cotovelos sobre a secretária, entrelaçou os dedos por detrás da nuca e fitou Della Street, com um sorrisopreguiçoso. Bem disse , este é um desses casos raros, emque tenho mão livre. Karr disse-me para fazer o queentendesse, para solucionar o crime e descobrir a verdade,doa a quem doer. Mesmo que seja o próprio Karr? inquiriu Della,estudando a expressão de Perry. Assim o consentiu respondeu Mason. Você bemo ouviu. Mas foi um certo Mr. Perry Mason que eu conheço

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que o levou a esse extremo criticou Della. Que pretendeu com isso? Assustá-lo? Apenas pretendi evitar qualquer mal-entendido eassentar em que paravam as modas. Uma só coisa evitaráque Tragg o considere suspeito: a confirmação de queo estado das suas pernas o impossibilita realmente deandar. Caso contrário... Acha que irá pedir-lhe autorização para que ummédico o examine? Não creio que chegue a esse ponto tão drástico, masfará um inquérito muito apurado a esse respeito e mandá-lo-á vigiar, no futuro, tão cuidadosamente como lheinvestigará todas as deslocações de um muito próximopassado. Não nos iludamos a esse respeito. Pensa, portanto, que Tragg desconfia daquelas pernas? Também eu desconfiaria, no seu lugar. E na verdade desconfia mesmo! concluiu Della,com uma gargalhada.5 - VAMP. G. 6 65

Mason tirou as mãos da nuca, estendeu o braço esquerdo e consultou o relógio de pulso. Paul Drake está atrasado comentou. Disse queestaria aqui dentro de dez minutos e... aí está ele.Della Street levantou-se da cadeira, mal ouviu aspancadas características dos dedos de Drake, na portado gabinete particular de Mason. Momentos depois, a cabeça do detective, alto, magro, com uma expressão deperpétua perplexidade, surgiu na abertura da porta. Olá, quadrilha saudou, penetrando no aposento. Senta-te convidou Mason.Paul Drake deslizou para a grande poltrona de coiro,colocou uma perna por cima de um dos braços daquela,na sua posição favorita, e sacou de um livro de apontamentos, enquanto Della colocava o seu bloco-notas sobrea secretária, o primeiro para transmitir notícias e o segundo, para registá-las. Este é um desses casos peculiares iniciou Drake. Que peculiaridade? interessou-se Mason. Tragg mostrou-se peculiarmente não comunicativo. Não se abre com ninguém e anda às voltas, como sesoubesse tanto ou tão pouco como quem o interroga.Saquei dele quanto pude... Vamos a isso impacientou-se Mason. Que descobriste, pelo teu lado? Esse tipo, Hocksley, é um verdadeiro mistério. Creioque essa dactilógrafa, Opal Sunley, que transcrevia ostextos que ele ditava para o gravador, sabe muito maisdo que nos quer fazer crer. E penso também que a

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governanta, Mrs. Perlin, sabia ainda mais..., muito maisdo que deveria saber. De concreto, que fazia Hocksley? Ninguém sabe. Aparentemente dormia durante todoo dia e ditava de noite. A empregada encontrava na manhã seguinte, entre duas a quinze bobinas gravadas que66

passava a texto escrito. Tinha dias de muito trabalho eoutros de olhar para as moscas. Diz que se tratava decorrespondência comercial e que nunca lhe prestara qualquer atenção especial. Limitava-se a dactilografá-las edeixava-lhas para que ele as corrigisse e assinasse. Ocaso é que não se encontraram quaisquer pastas de arquivo. Apenas o gravador, várias bobinas em branco, material elementar de escritório, um par de réguas e nadamais de especial a não ser o cofre. E o cofre que tem de especial? Parece ser a chave de toda a situação declarouDrake. Tragg mostrou-se muito evasivo quando lhefalei no cofre. Trata-se de um, desses cofres caros. Estáa um canto do quarto de cama de Hocksley, ao lado doleito. Não é um desses arrecada-massas que se comprem,para aí, em segunda mão. É um móvel de aço, cheio deindividualismo e personalidade. Que continha? Isso é outra questão. Quando a polícia o conseguiuabrir, encontrou cinquenta dólares em notas e cerca decem dólares em selos do correio. E nada mais! Estava fechado à chave? Está visto, mas Opal Sunley indicou a Tragg quala combinação de segredo. Depois, o trabalho foi fácil. Queres dizer que, sem esse segredo, ninguém poderia abri-lo? Bem, um ladrão vulgar não levaria nada lá de dentro. Só um especialista e levaria muito tempo. Mas, nestecaso, deixou lá o dinheiro e os selos. Portanto repetiu Mason, pensativo , cinquentadólares em dinheiro e cem dólares em estampilhas? Quemais? Que há acerca do tiro? O tiro foi disparado no quarto onde se encontra ocofre. É possível que Hocksley tenha surpreendido alguém67

a tentar abrir-lhe o cofre acrescentou Drake. Talveza governanta. Como deduziram que o cofre está metido nisso? Porque encontraram uma poça de sangue exactamente em frente dele. Isso poderia indicar que seria umassaltante quem fora ferido. Mas Hocksley desapareceu

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e a governanta também. Há um rasto de sangue atravésdos quartos e, particularmente, dentro do carro de Hocksley. Daqui, podem concluir que o assaltante teria mortoHocksley e a governanta e arrastado ambos os corpos;ou que Hocksley matou o ladrão e levou-o para o automóvel. Mas encontraram uma explicação mais plausível. Qual? Que fora a governanta quem estivera a tentar abriro cofre. Hocksley disparou a arma, feriu-a e levou-apara o carro. O tipo era suficientemente grande e fortepara consegui-lo. Pelo contrário, ela era fraca e já andavanos cinquenta e picos. Não poderia ter carregado comele. No corredor, foram encontrados alguns fósforos queimados... cerca de doze. Que descobriste acerca de Hocksley? perguntouMason. Pouca coisa, Perry. Era um tipo excêntrico, interessado em manter-se escondido. Aparentemente era umsolitário. Já são dois comentou Mason. O quê? Dois inquilinos do mesmo prédio esclareceu Mason. Tanto ele como Karr fazem tudo para manter-seisolados do resto da vizinhança. As situações parecem-me muito diferentes observou Drake. Karr é um velho caranguejo, neurótico edoente, quase paralítico. Mas Hocksley era um tipo vigoroso que dormia de dia para trabalhar à noite. Os tiposque lhe venderam o cofre e o automóvel apenas se recor- 68

dam dele muito vagamente. Contudo, reunindo essasdescrições, podemos concluir que se trata de um homemde quarenta e oito, ou cinquenta anos, de ombros largose um chocante cabelo ruivo. Era coxo, desse tipo de coxosque têm uma perna mais curta do que outra. Há alguma relação entre Hocksley, ou a sua governanta, e alguém que vivia na casa dos Gentries? Não. A única relação existente é entre a dactilógrafa, Opal Sunley, e Arthur Gentrie Júnior. E aqui háuma coisa... O quê? Arthur Gentrie, o pai do rapaz, esteve nessa noitea pintar uma janela e uma porta. Aparentemente, alguémignorava essa manifestação de arte e andou a espalharimpressões digitais pela porta pintada de fresco. Segundocreio, foste tu quem notou isso, pela primeira vez, e comunicaste-o, a Tragg. Depois disso, a polícia andou a ver sedescobria vestígios dessa tinta nos puxadores das portase no automóvel, mas não tiveram sorte nenhuma. Só no

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quarto de Hocksley descobriram as mesmas impressõesdigitais. Onde? Em que objecto? interessou-se Mason. No telefone e na mesa do telefone, que se encontramno quarto onde se aninha o cofre de Hocksley. Essas impressões eram suficientemente nítidas paraque a polícia possa seguir uma pista? Nitidíssimas. Tragg está apenas à espera do momento propício para dar o seu salto de felino. Tambémencontrou as mesmas impressões numa porta de comunicação, entre a garagem e a casa dos Gentries. Queres dizer que...Mason interrompeu-se, porque a porta do gabinetese entreabriu e a empregada da recepção, encarregadados telefones, espreitou timidamente, pedindo licençapara entrar.69

A um gesto do advogado, avançou e disse: Eu não queria incomodá-lo, Mr. Mason. Afirmei aessa mulher que o senhor estava em conferência e nãopodia ser interrompido, mas ela insistiu em vê-lo imediatamente, por causa de um assunto importante, relacionado com a conferência que o senhor estava a terneste mesmo momento. Quem é essa adivinha? inquiriu Mason. Diz-se chamar-se Mrs. Gentrie, e traz com ela um rapazque ela afirma ser seu filho.Mason olhou de relance para Drake. Este, consultandonovamente o livrinho de apontamentos, declarou: O rapaz disse estar a dormir, na altura dos tiros,e que viera para casa cerca de quinze a vinte minutosantes. Estivera com Opal Sunley, a dactilógrafa que trabalhava para Hocksley. Certificaste-te disso? Hum, num! fez Drake abanando a cabeça afirmativamente. Pensei que o rapaz se recusasse a mencionar o nomeda sua companheira de noitada... Decerto interrompeu Drake. É um rapazinhocheio de galantaria adolescente, mas ela não fez nenhumsegredo desse facto. Contou tudo à polícia, com pormenores. O jovem Gentrie não usa o carro da família, para saircom ela. Andam de autocarro. Ele levou-a a um cinema,comprou-lhe chocolates, namorou-a um pedaço no jardime acabou por levá-la a casa, por volta das onze e meia.Esteve a despedir-se, durante uma boa meia hora, nasescadas da casa dela, até que a moça conseguiu pô-lo aandar. Gentrie deixou-a, mais ou menos, à meia-noite.Evidentemente, foi logo para casa e meteu-se na cama. Deve ter andado muito depressa, já que entrou em

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casa à meia-noite e um quarto observou Mason. A70

Cerca de doze blocos. Tu... poderias fazer esse percurso em quinze minutos, se fosses jovem, Perry, e setivesses perdido meia hora a despedir-te duma garota. Não teria perdido tempo, Paul afirmou Mason.Depois, virando-se para a empregada da recepção, disse: Mande-os entrar.E virando-se para Drake acrescentou: Pressinto que essa mulher tem qualquer coisa aroer-lhe na consciência.6Mrs. Gentrie entrou no gabinete particular de PerryMason arrastando atrás de si o jovem Júnior, como poruma trela. A atitude da visitante denunciava grandeindignação materna. Mason olhou para o rapaz, notoriamente embaraçado, e declarou, dirigindo-se à mãe: Nada me conte de confidencial, Mrs. Gentrie, porque não estou livre para poder representá-la, sendo mesmo natural que não possa sequer ajudá-la. Tenho de falar com alguém e não conheço ninguémmelhor a quem possa fazê-lo replicou ela. Esteassunto tem andado a moer-me o juízo, desde que Júniorprestou informações à polícia. Primeiro, pensei ser meudever apoiar o meu filho, na sua cavalheiresca atitudede proteger o nome de uma menina..., bem..., mas quandocomecei a compreender o risco que isso poderia representar, se o crime se relacionasse, de algum modo, comela..., bem, não pude conter-me por mais tempo. Mas que foi que lhe deu, mamã? protestou Júnior. Que é que a apoquenta?Ela fitava o advogado, ansiosamente, e inquiriu: Não acha que estou a proceder como devo, Mr.Mason?71

Prossiga, Mrs. Gentrie animou este. Eu já tiveocasião de avisá-la. Vocês podem falar do que quiserem interveio Júnior , mas ninguém conseguirá forçar-me a mudar aminha posição, neste caso, nem a alterar a minha históriainicial. Quero que metam isso na cabeça, definitivamente. E eu desejo suplicou Mrs. Gentrie , que o senhor, Mr. Mason, consiga convencer o meu filho da importância de dizer a verdade. Você desviou-se da verdade, quando foi interrogado,ou usou de qualquer pequena distorção? sondou Mason,perscrutando o olhar do rapaz, simultaneamente teimosoe aturdido.

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Não! quase gritou. Arthur! censurou a mãe. Bem sabes que faltaste à verdade. Disseste que estavas deitado a dormir,pelo que não ouviste o tiro. Ora, eu fui ao teu quarto,depois de ter sido acordada pelo tiro e tu não estavas láe a cama nem sequer fora desmanchada. Nesse caso a mãe foi lá antes da meia-noite. Eudeitei-me passavam já dez a quinze minutos... da meia-noite. Viste mal as horas. À meia-noite e trinta e cinco,ainda não estavas no quarto. A mãe é que as viu mal. Em vez de onze horas etrinta e cinco, leu meia-noite e trinta e cinco, foi o quefoi. Devia estar cheia de sono e decerto não pôs os seusóculos. Não tinha os óculos postos, mas não preciso delespara ver as horas. De resto, toda a gente ouviu o tiroa essa hora. Que quer dizer com toda a gente? Todas as pessoas lá de casa retorquiu Mrs.Gentrie. Bem, se me perguntam, dir-vos-ei que Steele é um72

falso personagem de puro teatro. Aquilo de andar sempre de volta da tia Rebecca a ajudá-la nas palavrascruzadas soa tão falso como tudo quanto faz. Julga-seque seja arquitecto, mas ninguém tem provas disso, nemsabe realmente em que se ocupa. E a tia está cada vezmais tonta, sempre com a língua no céu da boca, àprocura da palavra de cinco letras que lhe falta! Ninguém pode manter um segredo, com ela a meter constantemente o nariz na nossa vida. Passa a vida a espalharaos quatro ventos tudo aquilo que consegue descobrir davida dos outros. É muito feio falares dessa maneira da tia Rebecca,Júnior! Ora, mãe! Passa a vida a tirar-me o dicionário e,no outro dia, quando vim procurá-lo à sala, dei com elaa falar de mim a esse Steele falsificado. Mr. Mason não está, de certeza, interessado nas nossas questões de família interveio Mrs. Gentrie, dirigindo-se agora ao advogado. Estou apoquentada, porque Júnior não estava no quarto, depois dos tiros, e dissotenho absoluta certeza. Sei também que a polícia encontrou impressões digitais na porta que meu marido pintara, e outras idênticas, no quarto de Mr. Hocksley...,bem, estou realmente -preocupada e quero que Júnior faleverdade. Já lhe disse, mãe, que estava no meu quarto e quese enganou ao ver as horas quando saiu do seu.

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Não, Júnior. Estás a mentir acerca do tempo, julgando que, dessa maneira, podes forjar um álibi para essamulher acusou Mrs. Gentrie.Neste momento, Arthur pôs-se de pé num salto e gritou: Deixem-me em paz! Estão a dar cabo de mim. Torcem tudo quanto digo, para meterem Miss Opal no caso.Quero mantê-la fora de toda esta porcaria!73

Num tom de voz severo, cheio de autoridade, Masoncomandou: Sente-se, Arthur. Quero falar consigo.Os olhos do rapaz fitaram o advogado, hesitou e acabou por sentar-se no braço de uma cadeira.Mason declarou-lhe: Este é o primeiro caso de assassínio em que vocêestá envolvido. Eu já lidei com dezenas deles. Nada seia respeito de Miss Opal Sunley, mas tenho a certeza deque você está a tentar protegê-la. Ora, nada há que maisdesperte a atenção da polícia e dos jornais, do queestar alguém a procurar escondê-la.Júnior começou a manifestar certo interesse, apesar decontrariado: Não vejo onde quer chegar... Se distorcer a verdade para tentar pô-la à margemde um caso em que está obviamente envolvida, quantomais não seja pela circunstância de ter estado profissionalmente ligada a Hocksley, acabará por transformá-la numa das mais evidentes suspeitas, visto que a mentira só serve para mascarar um culpado. Não se meta amentir num caso de assassínio, para agradar a uma mulher, rapaz! Aparentemente, o público poderá pensar quevocê tenta defendê-la, por ser um jovem cavalheiro andante, mas em breve mudará de opinião e concluirá, querlhe agrade quer não, que ela, sendo mais velha do quevocê, se serviu de si apenas para assegurar um sólidoálibi. Dirão que o traz pelo beicinho, só por cálculo, e comoas suas declarações acabarão por cair pela base, de cavaleiro andante transformá-lo-ão num palerma andante.Percebeu? O senhor não tem o direito... O senhor não pode dizer-me isso protestou Júnior, erguendo-se novamente desalto.74

Dói, não é verdade? Isso magoa-o, porque você mesmo sente, lá no fundo, que será isso que se passará. Isso nunca acontecerá... Eu... Vá para casa, Júnior cortou Mason. Vá-se embora

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e tente digerir mentalmente o que lhe disse. Tenhomais que fazer do que estar para aqui a discutir consigo.Apenas lhe repito que vai enterrar-se num caso de homicídio, até ao pescoço, e enterrá-la a ela, mesmo que estejacompletamente inocente. E agora, adeus.Dirigindo-se a Mrs. Gentrie, Mason acrescentou: Estarei ao seu dispor quando desejar comunicarcomigo. Muito boa tarde.Com os olhos turvados de gratidão, Mrs. Gentrie titubeou: Muito..., muito obrigado, Mr. Mason. Anda daí,Arthur.O rapaz endireitou os ombros, esticou o queixo paradiante e tentou sair majestosamente. Teria batido coma porta, se não fosse a mola de fecho que a fechava sempre gradualmente.Della Street esboçou um ligeiro sorriso e comentou: Um frango a espigar para galo. Cheguei a recearque ousasse dar-lhe um soco, quando se referiu à possibilidade da Opal estar a servir-se dele. Bem, ele deve ter sentido esse impulso admitiuMason , mas não com força suficiente para fazer-lheesquecer as consequências imediatas. Tal como você disse,Della, "a espigar para galo". Que há acerca dessa mensagem em código? sugeriu a eficiente secretária. Tem razão Della, temos de debruçar-nos sobre isso.Não me parece que seja uma cifra, em que as palavrasse formem com letras correspondentes às que estão láinscritas.75

Tirando da algibeira a tampa de lata, Mason começou a copiar os riscos lavrados na face inferior. Porque não? Repare, Della. Há dez palavras, e todas elas têm entre 5 a 7 letras. Para ser mais preciso, direi que só umadas palavras tem 7 letras, há quatro com 6 letras e cincocom 5 letras. Ora é muito difícil escrever-se uma mensagem utilizando apenas palavras de quase igual númerode letras; costumava haver sempre umas palavras maislongas e, de certeza, palavras muito mais curtas. Issoinclina-me para uma cifra de tipo numérico. Em que cada letra corresponda a um algarismo?Sendo assim, como traduzir a mensagem? Escrevemos aspalavras com letras e não com algarismos. Ninguém falaaritmética. Pois não, Temos que adivinhar-lhe a correspondência. Note uma coisa, Della: só há dez letras seguidas, de"A" a "J" que aparecem distribuídas a eito mas, depois,surgem outras duas letras, do fim do alfabeto, já colocadas

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de modo preciso, como que separando as outras.Ora repare, colocando-as, desta maneira, em coluna:BEF Z DHGG Y CJDBD Y BDIBI Y BFIAI Y DHFE Z BCAFF Z FACGB Y AGAJE Z HCC Y AJ Como vê prosseguiu Mason , os "YY" e os"ZZ" surgem-nos desta maneira como separadores.76

Se são separadores, aparecem-nos já, antes e depoisdeles, grupos de letras mais pequenas, podendo formarpalavras curtas... Pois aparecem, mas caímos no mesmo problema. Édificílimo escrever um texto só com palavras de uma aquatro letras, sendo a sua grande maioria de duas outrês. É isso exactamente que me faz tender para a cifranumérica. Repare que só temos letras de "A" a "J",como há pouco referi. Faltam-nos todas as outras, de"K" a "X", inclusive. Ora é praticamente impossível escrever uma mensagem tão longa, omitindo todas essasletras e redigindo-a só com 10, em grupos de uma a quatro letras. Portanto, creio que estes grupos representamnúmeros de um a quatro algarismos. Concorda? Parece-me absolutamente lógico. Já agora, como traduz esses números? Devagar, querida Della. Vamos deixar isso para maistarde. Roma e Pavia não se fizeram num dia, já lá diz oditado. Essa lata é realmente muito significativa. Esperoque Tragg não tenha descurado a pista que ela poderepresentar. Que pista? interessou-se Della Street. Significa que há duas pessoas implicadas no crime,visto que alguém redigiu a mensagem na lata, destinadaa outra pessoa. Isso significa que, nessa casa, havia duaspessoas com acesso à despensa onde estava a lata, masque não podiam comunicar livremente entre si. Se pudessem falar uma com a outra, quando lhes aprouvesse, nãoteriam necessidade desse expediente. Se essas duas pessoas tinham acesso à despensa, sempossibilidade de falarem entre si, directamente raciocinou Della , poder-se-á admitir que uma delas viria adespensa, da garagem, e a outra, do interior da casa, não?

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Essa é, realmente, uma das possibilidades.77

Acha que seria uma mensagem de Opal para Júnior,ou vice-versa, chefe? Não me parece. Esses podiam comunicar um com ooutro, quando lhes apetecesse, todas as noites. Pode atédar-se o caso de a mensagem nada ter a ver com o crime.Só depois de decifrada... Contudo, há um comportamentoestranho, nisto tudo. De quem? De Arthur Gentrie. De Júnior? Não, do pai. Como, do pai? Ele tinha acesso à despensa. Foi ele quem retirou alata da caixa dos desperdícios e foi ele quem a abriu,para misturar a tinta com o secante... Mas trocou astampas, tapando a lata com uma que não se lhe ajustava. Oh, chefe! Isso é evidente... Pode não ser, Della. Steele também lá esteve e nãosabemos se teria sido ele o autor da troca. Mas se foi um, ou outro, porque não se desembaraçou dessa prova, deitando-a fora, para local onde nãopudesse ser encontrada, depois de decifrada a mensagem? Quem nos diz que já fora decifrada? interrogouMason, mais para si próprio do que para Della Street.Subitamente a sua expressão desanuviou-se e exclamousorridente: O código! Parece-me agora absurdamente simples,Della. Basta que o analisemos sob certo ângulo. Que ângulo, Chefe? Dos "YY" e dos "ZZ". Espero que Tragg tambémtenha dado por isso. Não vejo onde quer chegar confessou a linda secretária, manifestando vivo interesse. São as únicas letras separadas das restantes, no78

extremo do alfabeto. E como são diferentes, podem indicar dois diferentes grupos. O grupo "A" e o grupo "Z".Dê-me alguns minutos para esclarecer isso. Vou daruma volta... Olhe, chefe cortou Della. Sou geralmente umamulher pacífica e nunca sofri de mania homicida, mas, seo vejo sair daquela porta sem me dizer o que a mensagemsignifica, dou-lhe uma punhalada antes que atinja oelevador. Bem, ainda não sei o que ela diz sossegou-a Mason.

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Apenas creio ter descoberto a chave do código.Limite-me a dizê-lo "absurdamente simples". Estareide volta, dentro de vinte minutos. E depois decifra essa mensagem? Pouco tempo depois, sim. Deve ter pacto com o Diabo comentou Della. Se o tivesse, não iria denunciar as suas própriasmensagens.Dizendo isto, Mason foi buscar o chapéu ao cabide doarmário-bengaleiro, dirigiu uma careta gentil a Della esaiu do escritório, em direcção ao ascensor.Della Street estava sentada à sua secretária junto à deMason, quando este entrou no gabinete, com um pequenovolume debaixo do braço. Verifico que está muito atarefada motejou ele,vendo-a a escrevinhar uma série de números e letras. Julguei poder chegar a qualquer coisa, substituindoas letras por números, mas pouco mais adiantei.Mason inclinou-se para uma vista de olhos e aplaudiu: Bravo Della. Vejo que vai no bom caminho!79

No bom caminho para onde? Fiquei exactamentena mesma. Não ficou tal. Olhe, examine bem o que escreveu:"A = 1; B = 2; C = 3; D = 4; E = 5; F = 6, G = 7;H = 8; i = 9; j = 0" Foi uma primeira tentativa de transformação deletras em números explicou Della. Foi a mais simples que me ocorreu. E fez bem. Uma mensagem em código, gravada numatampa de lata, deixada numa prateleira de despensa, teráde ser forçosamente uma mensagem simples. Não se tratade um segredo de tesouro, guardado para longo período,mas um mero recado urgente, segundo creio. Que resultados obteve? Deixe lá ver.Della torceu a folha de papel para tornar a escrita maisvisível aos olhos de Mason. Este leu:"BEF Z D HGG Y CJ DBD Y BD 1BI Y BF IAI Y D25624 8 7 7 Y 3 O 4 2 4 Y 2 4 929 Y 26 919 Y 4HFE Z BC AFF Z F ACGB Y AG AJE Z H CC Y AJ"865Z23 16626 1372Y17 10528 33Y10 Perfeito, Della! Menina habilidosa! Aí tem a soluçãoem frente dos seus olhos. Pois estão a vê-la tão claramente como se estivessemfechados! Onde está ela? No "Y" e no "Z". Os dois separadores diferentes.É um típico código com referência a um livro, mas umlivro dividido em colunas. Poderia ser uma Bíblia, ou umdicionário. Na história das informações secretas, há já

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muita gente que utilizou esse sistema de código. Contudo,se a decifração através da Bíblia não apresenta dificul- 80

dade de maior, a sua redacção já é extremamente morosa,na escolha das palavras. Com um dicionário, tudo se tornafácil. Parti pois do princípio que se trataria de um dicionário que estivesse à mão do redactor da mensagem.Certo? Aparentemente certo, mas que dicionário? Há-osde diferentes autores e de diferentes edições... Pois há, mas conhecemos uma pessoa que é maluquinha por palavras cruzadas e passa a vida a utilizarum dicionário do sobrinho: Miss Rebecca. Como sabe de que dicionário se trata? Vi-o em casa dos Gentries: é o Webster's Collegiate( Dictionary, quinta edição. (1) E agora, qual é o passo imediato a dar-se? inquiriu Della, excitada com a aventura mental. Vamos considerar o "Y" como sendo a primeiracoluna da página do dicionário e o "Z", a segunda. Destamaneira, o primeiro grupo de letras/algarismos será onúmero da página e o segundo grupo, o número de ordemda palavra que se pretende, na respectiva coluna. Sendo assim, a primeira palavra do código será...Vamos lá a ver: BEFZD = 256 Z 4, ou seja, página 256,segunda coluna, quarta palavra dessa coluna, ou melhor,quarto termo etimológico.Mason desembrulhara o pacote e retirara o dicionárioque se apressou a folhear. Experimentemos. Está aqui: CAMPO.Nervosamente, Della registou essa palavra. A seguinte é: página 877, primeira coluna, 30.ª palavra anunciou Della.Correndo as páginas, Mason ditou: LIVRE.(1) Na presente transliteração da cifra, utilizou-se o dicionário deportuguês de J Almeida Costa e A. Sampaio e Melo, da Porto Editora, 5.ª ed6 - VAMP. G. 6 81

Em breve obtinham uma sequência de palavras queconstituía indubitavelmente a mensagem procurada. DellaStreet, emocionada, leu: CAMPO LIVRE DEPOIS MEIA-NOITE MASLEVANTAR AUSCULTADOR TELEFONE ANTESACTUAR... E a polícia encontrou impressões digitais noauscultador do telefone... Exactamente. Que conclui daí, chefe?

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Diabos me levem se sei confessou Mason, intrigado. Vai transmitir a nossa descoberta a Tragg? Creio que não... Não, por enquanto. Acha que isso implica Rebecca no crime? Não sei. Não, necessariamente. Arthur Gentrie foia primeira pessoa a recolher a mensagem. Aparentemente,até foi a única, já que abriu a lata... Mas estava na cama, no momento do tiroobjectou Della. Exactamente. E quem a teria enviado?...Neste momento, o telefone directo do gabinete de Mason começou a tocar. Interrompendo as deduções, o advogado atendeu, ouvindo logo a voz de Paul Drake: Informações quentes, Perry anunciou. Que há? Lembras-te de ter falado nas impressões digitais,patentes no auscultador do telefone? Sim, Paul. Dispara. Tragg não quis prestar informações a ninguém, massoube, por outra via do laboratório da polícia, a quempertencem. De quem são? De Arthur Gentrie.82

Do velho! gritou Mason, triunfante. Estavaagora mesmo a dizer a Della... Não interrompeu Drake. São desse rapazote aquem chamam Júnior. Diabos te levem, Paul. Fizeste isso de propósito, parame deixares malvisto aos olhos da minha secretária. Porque raio não me deste essa informação, há meia hora? Paciência, Perry. São os azares de um advogado quepassa o tempo a embrulhar-se em teorias que não conduzem a lado nenhum motejou Drake. Pensando bem, bate certo, por um lado observouMason. Que lado? Se Arthur Gentrie pai esteve a pintar a porta, sabiaque ela estava ainda fresca e que, provavelmente, lhesujaria os dedos. Não iria tocar no telefone com as mãossujas. Mais ainda: sabendo a pintura fresca, não lhe iriapôr os dedos em cima, para estragar a obra. Nunca podiaser ele a deixar as impressões digitais nesse auscultador.Mas, sendo as do filho... Não faz lá muito sentido,pois não? São as dele. Disso já não há a menor dúvida. Pareceque Tragg vai agora dar-lhe "corda", para ver até ondesobe o papagaio. Tem o miúdo debaixo de olho, mas acha

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cedo para apertar com ele. E fechou-se como uma ostra. Okay, Paul. Mantém-me a par das operações.Mal desligou, Della Street inquiriu: Marcas de Júnior?Mason confirmou. Nesse caso, a mensagem era-lhe dirigida concluiu ela.Enfiando as mãos nas algibeiras e fechando os olhos,Mason resmungou: E é isso que me deixa às aranhas.83

8O estridente ruído do telefone arrancou Perry Masonde um sono profundo. Ainda com os sentidos drogados,num gesto de autómato o advogado estendeu a mão paraa mesinha-de-cabeceira e pegou no auscultador do instrumento gigante.Só Della Street e Paul Drake possuíam o número daquele aparelho de sua casa, instalado junto da cama.Quando soava, era sinal de emergência. Era o detectiveque se achava no extremo oposto da linha. Olá, Perry. Desculpa arrancar-te ao sono, mas éimportante. Dize lá. Aguento bem, seja o que for. Lembras-te de ter vindo no jornal que estavas a trabalhar neste caso e que a Agência de Detectives Drakeestava a colaborar contigo? Sim. Que mais? perguntou Mason, impaciente. Pois uma tal Mrs. Sarah Perlin, governanta deHocksley, telefonou para o meu escritório, declarandodesejar falar pessoalmente com Mr. Mason, pois pretendia fazer uma confissão completa. Que queres que lhefaça? Uma confissão completa? estranhou Mason. Sim. Onde está ela? À espera numa outra linha do meu PBX. Verifica de onde provém essa chamada. De uma cabina pública. Achei preferível contactarcontigo, antes de fazer mais qualquer coisa. Por um lado,seria melhor comunicar isto à polícia, imediatamente,para ficarmos com a cabeça fora de água, mas, por outrolado... Dize-lhe para falar para este número. Contactarádirectamente comigo.84

E quanto à polícia?

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Esquece-te disso. Okay, Perry. Aguenta a linha, enquanto transmito orecado. Mason ficou ouvindo o zumbido dos fios, até que umestalido lhe anunciou que fora feita a necessária comutação. Novamente, a voz de Drake soou no auscultador: Ela diz que prefere telefonar para aí, dentro de vinteminutos. Insiste em mudar de cabina, para não ser localizada. Avisou que, se eu a denunciasse à polícia, nãoganharia nada com isso, pois só quer falar contigo enegaria ter-nos feito este telefonema. Vinte minutos? Exactamente confirmou Drake. Que diabo estás a fazer na Agência, a uma hora destas, Paul? Montes de trabalho. Têm chegado relatórios sobrerelatórios. Não tenho tido tempo sequer para coçar-me. Que horas são, precisamente? É uma hora da manhã... A mulher pareceu-te excitada? Não. Estava calma e a voz era agradável, insistindotratar-se de um assunto estritamente confidencial. E disse que queria fazer uma confissão?sim. Desapareceram duas pessoas. Agora, uma delas parece estar viva e desejar confessar-se... de quê?Neste caso, Hocksley não matou a governanta e não fezdesaparecer o cadáver... e tudo indica ter-se passado ocontrário: que foi Mrs. Perlin quem o eliminou. É melhor que te mantenhas por aí, Paul sugeriuMason. Posso vir a precisar de ti. Durante quanto tempo? Até dizer-te que já não és preciso. Está bem. Vou deitar-me aqui, num sofá, junto dotelefone.85

Desculpa roubar-te um bom sono. Não faz mal, Perry. Já me habituaste a isso. Espera, até eu telefonar.Dito isto, Mason desligou, levantou-se da cama, fechouas janelas e vestiu-se. Depois acendeu um cigarro e esperou. Ia na quarta fumaça, quando o telefone tornoua tocar. Sou Perry Mason disse.Ouviu alguém falando em voz baixa, mas resolutamente, sem excitação: Daqui, Mrs. Perlin. Está tudo acabado. Decidi confessar. Sim, Mrs. Perlin. Não tente localizar esta cabina telefónica. Não faço a menor tenção.

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Não ganharia nada com isso. Já lhe disse que não estou interessado em fazê-lo. Quero falar consigo. Preciso de falar consigo. Diga lá. Já está a falar comigo incitou Mason. Não desta maneira. Quero estar num local onde anossa conversa seja estritamente confidencial. Quer vir aqui? propôs Mason? Não. O senhor é que terá de vir onde eu estiver. Onde se encontra? Promete nada dizer à polícia? Sim. Virá sozinho? Sim. Daqui a quanto tempo? Logo que possa chegar aonde está, mas vai jogar jogofranco comigo e fazer um depoimento correcto, semsubterfúgios? Sim. Venha até ao 604 da East Hillgrade Avenue.Não estacione o carro mesmo em frente da casa. Deixe-omeio bloco mais adiante, no cimo da artéria. E não entre86

pela porta da frente. Estará fechada e não atenderei àcampainha. Dê a volta à garagem, pelas traseiras da casa.Espere até ver luz lá dentro. Quando eu a acender, entrepelas traseiras. A porta estará apenas encostada. Masterá de vir sozinho e nada de avisar a polícia. Vou levar quinze a vinte minutos a chegar aíadvertiu Mason. Está bem, mas lembre-se das condições que lhe indiquei. Muito bem, Mrs. Perlin, mas concordará que não voumeter-me à rua e andar às voltas, a uma hora destas danoite só porque uma mulher que não conheço me dissepelo telefone que tinha algo de confidencial a comunicar-me. Sabe quem está a telefonar-lhe, não é verdade? A governanta de Mr. Hocksley? Sim. Vou contar-lhe a verdade. Preciso de alguémem quem possa confiar. Tudo isso é um vago, Mrs. Perlin sublinhouMason.Após uma hesitação, a voz declarou: Matei-o. Dei-lhe um tiro e destruí o cadáver, de maneira que nunca mais poderá vir a ser encontrado. Estoucerta de que era a única coisa que me restava fazer. Issofaz-me parecer terrivelmente criminosa, mas, depois delhe contar toda a história, Mr. Mason, compreenderá quese justifica o que fiz. Se não quiser vir falar comigo, tereide procurar outro advogado. Irei falar consigo, Mrs. Perlin. Sairei daqui, maldesligue o telefone.

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Do outro lado do fio cortaram a ligação, sem mais delongas. Mason consultou o relógio para verificar as horase anotou a direcção num pedaço de papel. Meteu-o numsobrescrito e endereçou-o ao tenente Tragg. Depois selou-o e colocou-o sobre a mesinha-de-cabeceira. Em se- 87

guida ligou para Paul Drake. Quando este atendeu, informou: Escuta, Paul. Vou dar umas voltas. A história cheira-me a chamusco. Creio que vou encontrar-me com umaparanóica homicida. No caso de não teres notícias minhas, dentro de uma hora, dirige-te ao 604 da East Hillgrade Avenue... e assegura-te de que estás mesmo lá.Leva uma boa arma nas unhas e um par de tipos desenrascados, contigo, que não se arreceiem do fogo. Porque não vamos, já, contigo, Perry? Porque não quero espantar a caça. Ela deu-me instruções específicas e deve ter tomado as necessárias precauções. Não vou entrar pela porta da frente, mas peladas traseiras. Iria apostar que ela está do lado da frente,a ver-me chegar, para assegurar-se de que cumpro ocombinado. Okay, Perry. Lá estarei dentro de uma hora, se nãopuderes telefonar-me antes disso prometeu Drake.Mason poisou o auscultador, enfiou um sobretudo leve,puxou a aba do chapéu para os olhos e saiu. Retirou ocarro da garagem, tão silenciosamente quanto possível,e mergulhou na escuridão da rua deserta.Seguindo à letra as instruções recebidas, parou o carroa meio da subida e desceu a pé a distância que o separavada morada indicada. O 604 da avenida era o primeiro prédio de esquina de um bloco de habitações, do lado direito,após se atravessar o cruzamento. A casa era um típicobangalô da Califórnia do Sul, sem nada que o diferenciasse de milhares de outros bangalôs idênticos dacidade e de quantos o rodeavam, conglomerados em blocoshabitacionais. A casa parecia deserta e estava completamente às escuras. Se Mrs. Perlin ficara escondida do ladode fora à espera que ele chegasse, teria certamente deesperar por ela, até que entrasse e acendesse a luz.O advogado contornou a casa, passou pela garagem das

traseiras e parou. A Lua, em quarto minguante, forneciauma luz amarelada que mal iluminava as trevas que orodeavam, projectadas pela ramaria de uma pimenteira.Acabou por embater num caixote de madeira e aproveitou-o como cadeira improvisada. Deixou-se estar sentado, à espera. Já começava a pensar que caíra num logrode mau gosto, quando a luz surgiu dentro de casa.Pensou então que havia uma enorme diferença entre

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marcar um encontro com uma voz tranquila e estar ali,prestes a entrar numa casa desconhecida. Se começassea tentar entrar pela porta das traseiras, estando a portafechada, qualquer pessoa poderia desfechar-lhe, legalmente um tiro na cabeça, alegando depois tê-lo tomadopor um assaltante nocturno. Decidiu, pois, ir apenas verificar se a porta estava efectivamente aberta. Caso contrário, telefonaria a Drake a dar a incursão por terminada e voltaria calmamente para casa, sem mais falarno assunto.Abriu uma primeira porta de rede-mosquiteiro e alcançou a da casa. Notou então que a luz tornara a apagar-se, dentro de casa. Conseguindo finalmente adaptar osolhos à escuridão, entrou para um estreito corredor,tacteou a parede e encontrou o interruptor da luz. Masnão acendeu. Queria determinar de onde viera a quevira. A casa cheirava-lhe a resíduos de comida. Ouviu,em seguida, uma respiração ofegante e uns passos ligeiros, furtivos, à sua direita. Notou aí uma porta articulada com mola e deduziu tratar-se da cozinha. A portaoscilante guinchara.Quem quer que fosse que caminhava dentro de casa,não devia estar muito familiarizado < com ela. Ouviu-o embater numa mesa. Então tornou a erguer a mão para oponto em que localizara o interruptor. De certo que sedeslocara um pouco para a esquerda, no corredor, pois osseus dedos já não o acharam. Deu um pequeno passo89

para a direita, tacteando a parede à sua procura, e umdos pés tocou uma cadeira. Então uma voz cortou atreva: Quem está aí? Fale ou disparo.Era uma voz de mulher, quase sem fôlego, falandoapressadamente, como que aterrorizada. Vim ao encontro combinado declarou Mason.Compreendeu que a sua interlocutora não se encaminhava para ele mas, pelo contrário, recuava a coberto daescuridão. Então, tendo os seus dedos encontrado o comutador da luz, iluminou o corredor. Ao fundo deste, juntoda porta da cozinha estava uma mulher. Era evidentemente nova e bonita. Não podia notar-se-lhe a expressãodo rosto, mas uma coisa era nítida. Tinha ambas asmãos estendidas para diante e empunhava um objecto demetal brilhante. Mason viu-o bem apontado ao seu peito. Não seja tola disse, Abaixe essa arma.As mãos da moça crispadas sobre a coronha, para lhedarem mais firmeza, estremeceram. Quem é você e o que quer daqui interrogou ajovem.

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Vim encontrar-me com uma pessoa respondeuMason. Com quem? Com a pessoa que me marcou o encontro. Foi você? Não fui eu, de certeza. Afaste-se para o lado e deixe-mesair daqui. Não vive aqui?Após um momento de hesitação, respondeu: Não.Mason afastou-se para o lado e consentiu: Passe.A jovem avançou cautelosamente para ele e o seu rostoficou melhor iluminado pela lâmpada do corredor. Tinhaolhos castanhos, um narizinho pequeno, ligeiramente arre- 90

bitado e um cabelo doirado, formando um rolo, sob ochapéuzinho colocado um pouco à banda, na cabeça. Eradeveras alta e de saia curta exibia um par de lindas pernas, até ao joelho, insinuando uma sequência magnífica,pelas coxas acima. Mantenha-se bem fora do meu caminho intimouela, apontando-lhe a arma, ameaçadoramente. Porquê toda essa artilharia? inquiriu Mason, procurando entabular conversa.Ela não se dignou responder, continuando a avançar,lenta e cautelosamente. Não se ponha nervosa e nada de apertar esse gatilho aconselhou Mason com justificada apreensão.Sei o que estou a fazer replicou ela. Nesse caso, tome cuidado com essa cadeira em suafrente avisou o advogado. Pode embater nela eessa arma disparar-se, sem querer...Ela virou a cabeça na direcção indicada e o longobraço de Mason estendeu-se, como que movido por umamola; a sua mão segurou, como uma tenaz, o pulso darapariga. Ela lutou em vão. Finalmente, quando os dedosda moça perderam resistência, Perry Mason conseguiudesarmá-la.Tomando consciência do que lhe acontecera, vendo-sedesarmada, os seus olhos encheram-se de pânico. Nãoconseguindo libertar a mão que Mason mantinha firmemente presa na sua, a jovem ergueu uma das longas pernas e, com o salto do sapato, ferrou um terrível golpena canela do advogado. Este só teve uma solução. Paraevitar novo ataque doloroso, encurtou a distância entreambos, abraçando-a estreitamente. Assim, colada a ele,a jovem viu as suas possibilidades de combate desmoralizadoramente reduzidas. Nada de pontapés, hem? propôs Mason.

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Quem é você? repetiu ela, recuando a cabeçapara evitar que os lábios de ambos se tocassem. Chamo-me Perry Mason e sou advogado respondeu ele, dando-lhe uma pequena folga. Não foi vocêquem me telefonou? Você... Você é Perry Mason? " "' Sim. Ela segurou-lhe um braço, desta vez para amparar-se.Mason sentiu um tremor de desespero nos dedos que oagarravam. Porque não mo disse antes? queixou-se a jovem. Foi você quem me telefonou? insistiu Mason. Não. Que veio cá fazer? Vim encontrar-me com uma pessoa... Com quem? Não interessa. Julgo que não passou de uma armadilha. Quero ir-me embora. Quero sair, já, daqui parafora. Também vim aqui para encontrar-me com alguém.Quer dizer-me quem é... você? Sou Opal Sunley..., aquela que avisou a polícia,ontem de manhã. Com quem é que vinha encontrar-se? Com Mrs. Perlin. Também eu esclareceu Mason. Proponho queesperemos juntos. Talvez queira encontrar-se com ambosao mesmo tempo. Disse-me ao telefone que pretendiafazer-me uma confissão. Já não a faz declarou Opal. Porquê?A jovem não respondeu. Nos seus olhos, agora, haviaainda um maior pânico e Mason sentiu-lhe tremer todoo corpo. Continue o que estava a dizer incitou Mason, re- 92

cuando um passo, para melhor a observar. Porquenão quererá Mrs. Perlin confessar... Porque está no quarto de cama. Morta. Vamos ver isso decidiu Mason, puxando-a pelopulso. Não, não! resistiu ela. Vá sozinho. Não a deixo, nem um só momento. Terá de vircomigo. Não quero. Não posso olhar para aquilo. Não possovoltar lá dentro.Passando-lhe o braço em volta da cintura, Mason

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comandou: Toca a andar. Invente coragem. Isto é uma coisaque terá de fazer e, quanto mais cedo o fizer, mais depressa ficará despachada.Caminharam assim até à cozinha, atravessaram-na edeparou-se-lhes um pequeno átrio. Depois deste, entraram num quarto. O fósforo que Mason acabara de acender apagou-se e teve de tactear a parede em busca denovo interruptor. Quando o manipulou, uma luz intensaferiu-lhe, por momentos, os olhos. Depois exibiu ummobiliário de mau gosto, formando uma sala de estar.Era evidente que se achavam numa casa alugada, já mobilada, com móveis baratos e gastos. Qual é o quarto? informou-se Mason. Em frente apontou ela, retesando-se, como se ospés se lhe colassem ao chão.Chegados à porta, Opal tornou a resistir, verdadeiramente aterrorizada. O advogado pressionou-a para afrente, mas ela lutou. Não, não! gritou, até a voz se lhe embargar nagarganta. Nesse caso, terei de notificar imediatamente a polícia,Então Opal olhou para ele, e, desesperada, suplicou: Não. Não me faça isso! Eles não compreenderiam...93

Não compreenderiam o quê? Como foi que vim aqui parar Como foi? Ela telefonou-me, pedindo-me que viesse. Disse-meque tinha uma coisa para confessar-me... A que horas foi isso? Há coisa de uma hora. Talvez nem tanto. Que mais lhe disse? Que entrasse pela porta da frente e acendesse asluzes, no caso de estarem apagadas, por ainda não terchegado. Disse-lhe de onde falava, ou que estava a fazer,nesse momento? Disse estar a vigiar uma pessoa, mas não me faloupessoalmente. Não era ela que estava ao telefone? Não. Vamos embora daqui. Não aguento mais isto... Um momento, Opal. Conhece Mrs. Perlin? Certamente que a conheço... que a conhecia. Deixe-me ir embora, por favor, Mr. Mason. E não falou com ela? Não lhe reconheceu a voz? Não. Não era a voz dela. Era a de outra mulher. Sabe se Mrs. Perlin vivia aqui? Não. Vivia em casa de Mr. Hocksley. Não sei como

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veio aparecer nesta casa, nesse quarto de cama... Não a viu hoje, em todo o dia? Não lhe vou responder a isso. Isso é o que você pensa, Opal. Vai ser interrogada,até sentir os tímpanos desfeitos. Quem foi que lhe telefonou? Já lhe disse que não sei. Foi uma mulher com umabonita voz, branda e maviosa, que me informou que Sarah lhe pedira para transmitir-me uma mensagem.Eu teria de vir a esta casa, mas deveria deixar o meucarro a meio bloco daqui. Que entrasse e acendesse as94

luzes, como se estivesse em minha casa, que Sarah nãodemoraria senão alguns minutos. Que estava a vigiar umapessoa que pretendia traí-la, mas que precisava falarcomigo pessoalmente..., urgentemente.< Pensou que se tratasse de uma armadilha? Não, nessa altura. Só mais tarde. Mais tarde, quando? Quando já estava em frente de casa e comecei apensar coisas estranhas. A mulher dissera-me que aporta estaria aberta. Decidi vir verificar se assim era.Se a encontrasse fechada, ir-me-ia embora, sem esperarum momento. Não sei porquê, senti medo. Encontrou, portanto, a porta aberta e entrou, nãofoi assim? Sim, entrei e tive a impressão de que não estavaninguém em casa. Depois, pensei que Sarah estivesse noquarto de banho, porque as luzes já estavam acesas. Que pretendia Mrs. Perlin confessar-lhe? Não sei. A mulher que falou comigo limitou-se adeclarar que Sarah queria confessar-me uma coisa e pedir-me perdão. Pedir-lhe, a si, perdão? Sim. E essa mulher que falou consigo não lhe deu qualquer indicação que lhe permita supor de quem se trata? Não. Fiquei com a impressão de que seria umacriada de um restaurante qualquer, em que Sarah estaria a espiar uma pessoa que pretendia traí-la. Quando sentiu medo, à entrada da porta, porque nãotelefonou à polícia? Porque a mulher me pedira a máxima confidência,declarando que Sarah não queria a polícia metida nisto. Tem carro próprio? Sim.., isto é, não é meu. Emprestam-me o automóvel,sempre que preciso dele.95

E arrumou-o a meio bloco daqui, na subida?

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Sim. Foi o que a mulher me indicou.Enquanto falavam, Mason foi penetrando no quarto decama, impelindo docemente Opal a seu lado. Ela, emfrente do corpo de Sarah, virou a cabeça para o lado,nitidamente mal disposta.Mrs. Perlin estava deitada por terra, em frente de umtoucador. Envergava um fato saia-casaco, e tinhachapéu, como se acabasse de chegar da rua, ou estivessepronta a sair. Jazia de lado, com o braço esquerdo estendido para diante e a mão agarrada à carpete. Tinha dedoscurtos e unhas cortadas rentes. O braço direito ficara-lhe debaixo do corpo, mas via-se-lhe a mão cujos dedosseguravam ainda a coronha de um pequeno revólver.Sem largar o pulso de Opal, Mason inclinou-se e apalpou o pescoço de Sarah. A jugular não acusava a menorpalpitação. O tiro provocou-lhe morte instantânea observouMason. Pela localização do ferimento no seio esquerdo,não tenho a menor dúvida. Acha que pode ter-se tratadode suicídio? Como quer que saiba? Nesse caso, porque não quer contar a sua versãoà polícia? Porque..., porque estou metida num horrível sarilho,Mr. Mason, Sarah era a única que podia valer-me, nocaso de a polícia descobrir certas coisas a meu respeito. E você conta comigo para ocultar essas coisas àautoridade, incluindo o cadáver, só com um truque demãos, não é assim? Julga que sou algum prestidigitador?... E só porque não lhe apetece ser interrogada pelapolícia?Opal tinha os olhos marejados de lágrimas, ao responder: Não é a minha presença aqui que vai contribuir96

para resolverem o crime. Antes pelo contrário. Só meimplicaria injustamente, favorecendo o verdadeiro assassino.Mason fitou-a, perscrutadoramente, e acabou porinquirir: Essa Mrs. Perlin era uma mulher que exercia aprofissão de governanta, há muito tempo, ou seria, antes,alguém que já vivera confortavelmente, com dinheiro,mas que sofrera um azar qualquer que a forçara a trabalhar como criada? Era governanta há muitos anos. Lembro-me de terverificado isso no seu cartão da agência de empregos,quando Mr. Hocksley a contratou.Mason libertou o pulso de Opal e enfiou ambas asmãos nas algibeiras. Começou a caminhar em direcção à sala de jantar e a jovem seguia-o apreensiva e silenciosa.

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Abruptamente, Mason virou-se para ela e perguntou: Sabe o que está a pedir-me? Ela não respondeu, com os olhos suplicantes e os lábios trémulos. Está a pedir-me que oculte um assassínio, que ponha a minha cabeça num cepo..., e quer que o faça com aindiferença de quem come um gelado ou assina o nomenum álbum de autógrafos.Ela continuou a olhar para ele, sem uma palavra, comas lágrimas a bailarem-lhe nos olhos. Levemente, tocou-lhecom os dedos num braço.Mason declarou: Mal eu saia desta casa, sem ter chamado a polícia,é como se me enfiasse num braseiro. Diga-me uma coisa.Como é que aparece metida neste caso?Opal sacudiu a cabeça, numa negativa.Vamos lá. Fale exigiu Mason.Não estou metida no caso respondeu ela.: 7 - VAMP. G. 6 97

Isso é o que você pensa. Não foi você quem chamoua polícia esta manhã? Temos de falar aqui? Temos de dizer ainda algumas coisas, antes de nosirmos embora, sim. < '< É perigoso ficarmos aqui dentro. Ainda é mais perigoso sairmos sentenciou Mason. Que se passou em casa de Hocksley? Ontem, fui trabalhar, como de costume. Não estavaninguém em casa. Habitualmente, Mrs. Perlin ainda lá está,a essa hora, assim como deveria haver algumas bobinasde gravações para eu dactilografar. Mas não vi nemuma, nem as outras. Isso causou-me estranheza, poisnunca acontecera. Então olhei em volta e notei que oquarto de Mr. Hocksley tinha a porta aberta. Foi quandoreparei numa grande poça de sangue. Entrei no quarto evi outra semelhante, junto ao cofre. Saí da casa, e, nagaragem, dei com o carro igualmente cheio de sangue,não só do lado de fora mas também, e principalmente, nobanco de trás. É tudo quanto sei. Então, chamei a polícia. Porque não quer chamá-la agora? Não posso explicar a minha presença nesta casa.Não poderei explicar-lhes uma quantidade de coisas. Por exemplo? Complicações que sobreviriam se lhes contasse o quese passou aqui. Eles poderiam pensar Mrs. Perlin eeu estivemos de conluio, para eliminarmos Mr. Hocksley. Porque chegariam a essa conclusão? Não sei. Mas perguntar-me-iam porque motivo Mrs.

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Perlin desejava falar comigo e porque não os avisei deque ela se encontrava aqui. Nem me acreditariam. Muito bem disse Mason. Ajuda-me? Sim, mas livre-se de atraiçoar-me. Que quer dizer com isso?98

Que me deixa aqui com um cadáver é que, mal sair,vai informar a polícia. E o senhor, Mr. Mason? Vai telefonar-lhes? Não. Conheço uma estalagem de estrada que estáaberta ainda a esta hora. Vamos lá beber um copo, comeruma sanduíche, podendo certificar-nos de que nenhumde nós se aproxima do telefone. Nem sonha o que isso significa para mim, Mr. Mason disse Opal, agarrando-lhe um braço. Significa...tudo! Okay disse Mason , toca a andar. Apagamos as luzes? inquiriu a jovem. Não. Deixemos as coisas tal como estão. Porquê? Suponha que acontece qualquer coisa inesperada.Suponha que somos caçados por um carro-patrulha, ouque alguém nos vê sair desta casa. Contamos depois anossa história e a polícia engaveta-nos. Compreendo. Olhe..., temos dois carros e nãopodemos... Levo-a no meu carro, até ao seu propôs Mason. Depois você dá a volta, invertendo a marcha, e vematrás de mim, durante mais quatro ou cinco blocos. Arruma o seu carro e entra no meu. Depois de comermosqualquer coisa e conversarmos como deve ser, torná-la-eia levar aonde deixou o seu carro arrumado. Sabe, Mr. Mason sussurrou Opal, aconchegando---se-lhe ao corpo. O senhor é um homem maravilhoso.Nem consigo imaginar porque está fazendo isto por mim! Nem eu sei!Paul Drake, com o rosto cinzento de fadiga e preocupação, olhou por cima da secretária de Perry Mason e disse:99

Qualquer dia, quando tornares a fazer-me passarpor tanso, deixo-te ficar em maus lençóis.O advogado ergueu as sobrancelhas e inquiriu: Que diabo de ideia é essa, Paul?, Sabes muito bem a que me refiro. Sim. Compreendo que te custe dar conta da enormequantidade de trabalho de que te encarrego. Sei queficaste acordado um bom bocado, depois da uma da manhã,

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mas, que queres? Também eu fui arrancado à cama,para uma caçada a um ganso imaginário... E acabei pordeitar-me tardíssimo. Naturalmente, não ouviste falar mais nesse talganso? perguntou Drake sarcástico. Que diabo tens na ideia, Paul? admirou-se Mason. Deita isso cá para fora. Porque não me telefonaste, ontem à noite, Perry? Quando? Quando foste aonde disseste que ias. Disseste-me quepodias correr perigo num certo encontro da HillgradeAvenue e que, se nada houvesse de anormal, me telefonarias a anular a minha incursão de socorro. Ah! Tens razão Paul. Mas tive de interrogar umatestemunha que me deu cabo dos fígados. Onde estávamos, não podia ir ao telefone, tanto mais que ela receavaque eu quisesse comunicar com a polícia. Afinal de contas, o único inconveniente para ti seria um inútil passeio à noite. Sempre era melhor deixar-te ir, na fé deum ganso imaginário, do que perder a raposa matreiraque já tinha na rede. Um ganso imaginário! repetiu Drake, mastigandoas palavras. Estou a ver. Foi o que me pareceu explicou Mason. fartei-me de esperar, ao relento, espreitando, cá de fora, umaou duas luzes acesas. Mas a porta estava fechada e ninguém respondia aos meus repetidos toques de campainha.100

Só então compreendi que tinha sido gozado. Pus-me a andar e fui ao outro encontro que não podia preterir... Estou a ver! Acredito mesmo que nem tentaste verse a porta estava fechada apenas no trinco; que bastavadar a volta ao puxador e empurrar! De maneira, nenhuma, Paul. Já não me meto nessasalhadas. Uma desconhecida qualquer atrai-me, a horasmortas, a uma moradia que igualmente desconheço. Querias, talvez, que me metesse por ali dentro, quando ninguém atendeu à campainha, não? Para me aparecer umtipo pela frente, com um canhão apontado à barriga, arecitar: "Com que então, a assaltar residências particulares, nem?" Não, Paul já não vou nisso. Se não meabrem a porta, é porque estiveram a "reinar" comigo, ouporque sou indesejado lá dentro. Não, muito obrigado! Queres dizer com isso que não chegaste a entrar,Perry? Não caí nessa. Ou respondem à campainha e meabrem as portas, ou ponho-me a andar. A assaltar casasé que ninguém me apanha, por mais matreiro que seja,Paul. Não pude, realmente telefonar-te, mas o mais que

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poderia acontecer-te era chegares lá, como detective queés, e voltares para casa ao cabo de mais de meia hora devigília. Pois! Somente meia hora fora da cama e a almatranquila, em plena paz!Denunciando certa impaciência na voz, Masoninquiriu: Mas que diabo se passa contigo, Paul? Já tem acontecido, tanto a ti como a mim, batermos com o narizna porta. Pois! repetiu Drake. Nem sequer me passa pelacabeça que te atrevesses a entrar. Não puseste os péslá dentro, nem descobriste o cadáver. Por isso não tivestede arcar com a responsabilidade de telefonar à polícia101

e explicares como te achavas metido naquele vespeiro.Nem sequer me passa pela cabeça que, já farto de encontrares cadáveres por todos os cantos, achaste que já eraaltura de passares as batatas quentes ao teu amigo Drakeque é detective e que nada tem a perder, a não ser alicença que é o seu ganha-pão honesto! Cos diabos, Perry!Já devias calcular que eu não deixaria de entrar por alidentro, julgando-te em perigo, mais os meus "desenrascados", como tu lhes chamaste. Estavas farto de saberque eu iria dar com as ventas num cadáver e não merestaria outra saída, senão comunicar a descoberta macabraà polícia. Que cadáver? inquiriu Mason, mostrando-se crescentemente interessado. Não me venhas com a história de que não sabias queestava lá um cadáver à minha espera! Que cadáver? insistiu Mason, no mesmo tomde voz. Aparentemente, trata-se da defunta Mrs. Sarah Perlin, a governanta de Mr. Hocksley. Pode ser que se tenhasuicidado, mas pode ser também que a tenham "suicidado".Excitadamente, Mason inquiriu: Queres dizer que foste dar com ela assassinadadentro de casa? Exactamente, no quarto de cama, em frente do toucador. Estava prostrada no chão, sobre o lado esquerdo,empunhando ainda a arma com que simularam ter-se suicidado. Foi a própria arma que ainda empunhava quelhe causou a morte. Tinha o braço direito sob o corpo...O rosto de Mason denunciava agora verdadeira estupefacção. Não me digas!... Nesse caso, é natural que fossesuicídio, depois do telefonema que recebi... Mas não foi suicídio, Perry.102

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Então abateram-na, logo a seguir ao telefonema.Cos diabos, Paul! Ela disse-me que queria confessar e queestava pronta a encontrar-se comigo; caso contrário,procuraria outro advogado. É de admitir que se tenhatratado de suicídio. Em que se baseiam para concluirter sido homicídio? Pela trajectória da bala e posição do corpo elucidou Drake. Conta-me tudo quanto se passou, Paul PediuMason, excitado. Esperei que telefonasses. Ao princípio, não ligueimuita importância ao caso e considerei não ir além deuma visita de rotina. Contudo, como ao cabo de quarentae cinco minutos não tivesses telefonado, comecei a preocupar-me. Pensei que poderia ter-se tratado de umaarmadilha qualquer. Um tipo que se julgasse descobertopor ti, era muito capaz de tentar liquidar-te, antes queo atirasses para uma câmara de gás, em San Quentin.Arrancar um advogado da cama à uma hora da manhã não élá muito usual. Tinhas dito que não aparecesse antes deuma hora e, embora os segundos me parecessem preciosos, resolvi fazer-te a vontade, mas mal o ponteirodo relógio aflorou os sessenta minutos, meti-me a caminho. E podes crer que aqueci bem os pneus, nas curvas. Amigo fixe. Já sabia que podia contar sempre contigo. Depois, que aconteceu? Cheguei ao 604, arrumei o carro em frente da porta,saltei dela para fora, galguei os degraus da entrada e coleio dedo à campainha. Ninguém atendeu. Então, empurreia porta e verifiquei que não estava fechada por dentro, deforma que entrei. Bem, já sabes o que encontrei. Foste sozinho? perguntou Mason. Não. Levava os dois rapazes comigo, tal como merecomendaras, mas deixei-os à porta, para o que desse eviesse. Entrei por ali dentro, de pistola aperrada. Quando103

comecei a procurar-te pela casa, vi o topo da cabeça deuma mulher, com cabelos grisalhos a espreitarem de um chapéu. Nem perdi tempo com ela e continuei à tuaprocura. Só quando me certifiquei de que não te achavaslá, é que dei uma vista de olhos pela morta, após o quetelefonei à polícia. Pedi-lhes que mandassem um carro-patrulha àquela direcção e disse-lhes para informarema Divisão de Homicídios. Mencionaste o meu nome? Não. Achei que não adiantava coisa alguma e sópodia criar-te sarilhos. Nessa altura pensei que se tratasse efectivamente de suicídio.

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E agora? Sou levado a aceitar a teoria de assassínio. A polícia que disse? Até sinto calafrios só de pensar o que me perguntaram. Quiseram saber como me dera na gana de passearpor aquela casa dentro, àquela hora da manhã, e me entretinha a descobrir cadáveres. Que foi que lhes explicaste? Não pude pensar muito na coisa, pois só mediaramquatro a cinco minutos, entre o meu telefonema e a chegada do carro-patrulha respondeu Drake, apologeticamente. Safei-me o melhor que soube. Não tinha acerteza de que fosse Mrs. Perlin. À primeira vista, pensei dizer aos "chuis" de que uma mulher me telefonara,declarando pretender falar-me, àquela hora, afim decomunicar-me algo importantíssimo, acerca do casoHocksley, em que segundo os jornais, eu deveria estarinteressado. O teu improviso foi melhor do que se tivesses pensado noutra solução, durante a noite inteira regozijou-se Mason. Pois é..., seria se não te alheasses de outra coisa.104

De quê Paul? " " Não sabia como justificar ter demorado tanto tempo,entre o telefonema da mulher e ter ido ao seu encontro.Não sabia quando é que ela puxara o gatilho, de formaque disse aos "chúis" que saíra logo após o telefonema,mas que deixara o carro na garagem e que me demoraraum grande bocado a tirá-lo do meio dos outros, arrumados depois do meu. E depois? Perguntaram quanto me demorara nessas andançase disse-lhes que uma hora, mas vi logo na cara deles quenão me acreditavam. Atiraram-me que se me dessem umaisca daquela natureza até vinha a pé, para chegar maisdepressa. E depois? repetiu Mason. Depois, deu-se a bronca! Lembrei-me de dizer-lhesque não ligara muita importância ao telefonema, por desconfiar de uma brincadeira de mau gosto de um leitorqualquer do jornal que me anunciara a trabalhar tambémna investigação. Como as suas caras permanecessem incrédulas, arrisquei que estivera ocupado com muito trabalho urgente e que, depois de ultimá-lo, me resolvera a ver o que aquilo era. Finalmente, tive de concederque talvez não se tivesse passado uma hora, ou apenastrês quartos de hora, ou somente meia hora. Então é

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que dei com os burrinhos na água. O tempo não encaixava. Queres dizer que ela fora morta, antes disso inquiriu Mason. Dizem que foi morta à meia-noite, pelo menos, eaté talvez antes disso. Como chegaram a essa conclusão? Pela relação entre a temperatura do quarto e a docorpo, calculando, com base nessas premissas, quanto105

tempo levaria a perder o calor, para o rigor mortis, e todaessa coisa. Não pode ser, Paul objectou Mason, de sobrolhofranzido. Ela telefonou-me à meia-noite. Foi o que pensei, mas não estava em posição dediscutir com eles. Então é isso declarou Mason. Isso o quê? Bate certo. Foi assassinada à meia-noite, ou mesmoantes. Como, se acabas de dizer que te falou a essa hora? Não, Paul. A mulher que me telefonou estava calmae a sua voz era convincente e melodiosa. Não pareciadesejosa de confessar fosse o que fosse. Além disso, parecia que tinha um berlinde dentro da boca, o que explicatudo. Explica o quê, Perry? Quando falo do berlinde na boca, refiro-me a certomodismo que só se obtém em boas escolas; uma certaentonação rolada das sílabas que dão classe à língua inglesa. Ora a mulher que falou comigo disse-me ser Mrs.Perlin. Não tinha motivo especial para duvidar dela, vistonão lhe conhecer a voz. Contudo, quando uma outra pessoa foi chamada para o mesmo efeito, foi outra mulherem vez da própria Mrs. Perlin, quem lhe transmitiu orecado. Isto, porque essa pessoa conhecia perfeitamentea voz de Mrs. Perlin. Que outra pessoa é essa? inquiriu Drake. Fica para depois. Deixa-me terminar o raciocínioatalhou Mason. Quando olhei para o cadáver, não mepareceu que tivesse sido a mulher possuidora da vozque eu ouvira ao telefone. Por essa razão, perguntei àoutra pessoa, se Mrs. Perlin já vivera bem, na vida, ese teria dado em governanta por um azar qualquer. Issojustificaria aquela maneira distinta de falar.106

Qual foi essa resposta? Negativa.Drake acendeu um cigarro e concluiu:

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Isso significa que a pessoa que estava contigo, quandoestiveste dentro de casa a examinar o corpo da morta,conhecia Mrs. Perlin muito de perto, estava a par do seupassado e, provavelmente, achava-se ligada igualmentea Hocksley, visto que a mensagem também a levara atélá. Presumo que se trata de uma jovem. Confirma lá,Perry. Não te metas nisso, Paul avisou Mason.Drake retirou o cigarro da boca e expeliu o fumo atéao fim. Depois, disse: Bem, parto do princípio que nada disso aconteceucontigo, mas sempre me ocorre que, se te envolveste comuma cúmplice feminina, por sua vez implicada no assassínio de Hocksley, ou só neste recente, arranjaste bilhetepara um lindo enterro. Se a mulher morreu antes da meia-noite, como dizem justificou Mason , eu estava na minha cama, no primeiro sono. Isso é o que tu dizes. Devo sabê-lo, não? Se continuas a misturar-te em casos de assassínio, omelhor é casares-te. Sempre terás quem confirme os teusálibis de cama. De que diabo estás a falar? Para que preciso eu deum álibi? Não sei. Só sei que o tenente Tragg vai fazer-te avida negra, quando te interrogar acerca do que fizestena noite passada. Tragg nem sequer sonha que eu tenha estado a umamilha da Hillgrade Avenue. Bem, já anda à procura.107

Mason arrastou a cadeira giratória para trás e comentou: Meu caro Paul! Estiveste a pé toda a noite e a falarde descanso torna-te pessimista.Semicerrando os olhos, Drake acrescentou: Se Tragg descobre que andaste por aquelas bandase se chega a farejar por que razão não me telefonaste,dentro de uma hora..., vais ver-te num sarilho dos diabos. Qual foi a razão porque não te telefonei, dentrode uma hora depois de quê? Não faço a menor ideia, Perry disse Drake, encolhendo os ombros. Bem, ponhamos isso de parte propôs Mason.Atiremos essa hipótese para trás das costas. É fácil dizê-lo, Perry, mas por aquilo que dissemosaqui, não tenho a menor dúvida de que essa pessoa comquem te encontraste onde não estiveste, e junto de ,quemexaminaste o cadáver que não viste e que, ainda por cima,

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conhecia de perto Mrs. Perlin, é exactamente aquela quepretendes ocultar-me, embora esteja metida no caso atéà ponta dos cabelos. Bem sei que pretendes manter-meà margem dessa terrível responsabilidade, deixando-mena ignorância do que já sei: é Miss Opal Sunley.Mason levantou-se e disse: Preferia que não tivesses chegado a essa conclusão, Paul. Tentei evitar que saltasses para dentro dafornalha.Com uma careta, Drake respondeu: De qualquer maneira, já tinha as calças a arder!10Della Street, trauteava uma melodiazinha, quando abriua porta do gabinete particular de Perry Mason. Tinha aca- 108

bado de entrar no escritório, com a correspondência debaixo do braço e exclamou surpreendida: Olá! Vejo que se está a tornar num hábito!Mason dirigiu-lhe uma careta de boas-vindas e convidou-a: Feche essa porta e sente-se aqui. Que ideia foi essa? Ficou a trabalhar toda a noite? Não. Dormi algumas horas e aposto que Drake aindadormiu menos. Que aconteceu? interessou-se Della. Uma mulher telefonou-me, por volta da uma damanhã, dizendo ser Sarah Perlin e querer confessar oassassínio de R. E. Hocksley; pediu-me que fosse aoseu encontro, no 604 da Easte Hillgrade Avenue; que nãoestaria ainda lá, quando eu chegasse, pelo que teria deesperar que ela acendesse uma luz dentro de casa. Sóentão eu entraria pela porta das traseiras, que ficariaaberta propositadamente. Não quis perder uma oportunidade daquela natureza, mas decidi tomar algumas precauções, de maneira que disse a Paul que, se não lhe telefonasse, dentro de uma hora, fosse lá buscar-me, acompanhado de dois dos seus elementos que sempre são testemunhas desembaraçadas. Como é que essa mulher entrou em contacto consigo, àquela hora? Telefonou para Paul Drake e este contactou comigo,que já estava no meu primeiro sono. Disse-lhe que indicasse à "despertadora" o número do telefone do meuapartamento e, vinte minutos depois (já eu estava vestido), ela ligou para mim. Era Mrs. Sarah Perlin, governanta de Mr. Hocksley? A voz disse ser ela, mas não acreditei que fosse, oumelhor, não acredito agora, depois do que aconteceu. Porquê? Creio que Mrs. Perlin já estava morta a essa hora.

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Quando entrei na casa que me fora indicada, encontrei-adeitada no chão, com uma arma na mão direita e umabala no coração, dando a impressão de tratar-se desuicídio. Informou a polícia, chefe? Não, nessa altura disse Mason. Tinha outropeixe na rede. Estava lá também Miss Opal Sunley, comuma versão para justificar a sua presença, tão inconsistente como a minha. Só quando a ouvi contar comofora atraída àquele local, é que percebi que ninguémacreditaria na minha história e muito menos o tenenteTragg. Que fez, chefe?Com uma careta, Mason confessou: Não tinha outro remédio senão deixar Paul tiraras castanhas do lume. A hora combinada quase tinhapassado e Opal Sunley prometeu fazer jogo franco comigoe contar-me quanto sabia, se eu a ajudasse a sair daquelasituação. Mas isso foi agir, determinadamente, contra a lei! alarmou-se Della. Sem dúvida alguma..., se ela foi a autora do homicídio. E quanto a não ter informado a polícia? Bem, como eu sabia que Drake estava a chegar, apolícia seria informada imediatamente. Era uma questãode minutos. O que me preocupa é essa Opal Sunley. Que fez com ela? Levei-a para um desses restaurantes de estrada queestão abertos toda a noite e tentei sacar-lhe nabos dapúcara. Resultou? Começou por tomar medidas defensivas, antes daprimeira bebida.110

Também já tenho tido ocasião de tomar medidasdefensivas consigo... Não me refiro a essas. Encomendou pão com manteiga e bolachas de queijo. Toneladas. Quando ingeriu oprimeiro copo, compreendi que já estava suficientementerefeita do choque e que não conseguiria espremer grandecoisa do seu cerebrozinho reservado. Evidentemente, é uma moça que sabe safar-se deencrencas criticou Della, sarcasticamente.Mason concordou com um aceno de cabeça e acrescentou: Deu-me o seu número de telefone: Acton, 11110. Que lhe disse ela acerca do jovem Gentrie? Não adiantou muito. Arthur Gentrie Júnior está

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loucamente apaixonado, Opal é mais velha do que elee considera o facto como uma mera paixoneta de garoto;compreende ser realmente muito sério, para a mentalidade de um rapaz, sentir-se enamorado pela primeira vezna vida, colocando uma mulher mais velha, num pedestal. É o primeiro namoro de Júnior? Ele disse-me que assim era. Não acredito nisso. Bem, o rapaz confessou que tivera namoricos anteriores, sem consequências, mas nunca sentira nada tãoforte como a paixão que lhe dedica. E ela não tem pejo de encorajá-lo? criticou Della. Opal diz que não o encoraja de maneira nenhuma,mas não quer desiludi-lo e espera que ele encontre outrarapariga, mais da sua idade, por quem venha a apaixonar-se, libertando-a a ela, tanto mais que tem um namorado por quem nutre uma forte inclinação e com quemdesejaria casar... E não conta isso a Júnior? Para não lhe destruir as ilusões.111

Que idade tem ela? Cerca de vinte e dois, ou vinte e três, na aparência,mas, pelo que me disse noutra altura, deu-me a ideia de,que terá vinte e cinco. Qual a versão dela, acerca do que se passou no apartamento de Hocksley? Chegou lá, à hora habitual do seu trabalho, e viumanchas de sangue no chão, por toda a casa, e depoisdentro do automóvel e até fora dele. Como não visse opatrão, nem a governanta, avisou a polícia. Só lhe contou isso? Mais ou menos. Pressinto que quis manter-se forado assunto deste caso da Perlin, para não envolver neleo namorado, mas não descobri ainda que relação possater... Anda num carro emprestado, de que tive o cuidado de anotar a matrícula. O carro é desse namorado? Embora pareça estranho, não é dele, mas de umaamiga íntima, Ethel Prentice, que lho cede, sempre queela precisa. Mais alguma coisa? Falou do seu trabalho e disse que esse Hocksley eraum homem muito misterioso, tal como Karr, que vive noandar de cima. Alugaram os dois apartamentos, com umasemana de diferença... Acha que estão, de qualquer forma, relacionados umcom o outro? interrompeu Della, excitada.Mason encolheu os ombros e considerou:

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Deve ser coincidência. Opal Sunley estranhou que onome da porta fosse Wenston e não Karr. Só há dois diasé que sabe o seu verdadeiro nome, por um anúncio dojornal. Está aqui. Oiça isto, Della: "Pretende-se informação referente à filha de um homem que foi sócio de umaexpedição de fornecimento de armas no rio Yang-Tsé, em1921. Exigem-se informações pormenorizadas, mas a parte112

interessada deverá saber quem eu sou, quem era seu pai eestar apta a apresentar provas da sua associação comigo,nessa expedição, nos fins de 1921. Não quero ser incomodado por pretendentes que não reúnam estas provas eprocessarei judicialmente qualquer autor de tentativa defraude. Por outro lado, a genuína filha do meu sócioreceberá uma soma muito considerável da parte que lhecabe da sociedade. Só agora a procuro, porque apenasmuito recentemente tive conhecimento da possibilidadede o meu falecido sócio ter deixado herdeira. Para obtenção de uma entrevista, dirigir-se por escrito a RodneyWenston, 787, East Dorchester Boulevard, ou telefonarpara Graybar, 8-9351."Tendo acabado de ler o anúncio, Mason poisou-o sobrea secretária, enquanto Della Street, se inclinava para afrente e inquiria: Foi Opal Sunley quem lhe falou nesse anúncio?Mason confirmou com a cabeça. Contou mais qualquer coisa acerca de Hocksley?" Disse que a única pessoa que entrava a saía do quartodele era a governanta, Sarah Perlin. Esta esperava queele a chamasse, para levar-lhe o pequeno-almoço e recolher as bobinas gravadas, que entregava a Opal, para queas dactilografasse. Por vezes, ficava algum tempo comele. no quarto, a conversar, mas Opal só lhes ouviaum murmúrio ininteligível. Havia problemas entre Hocksley e a governanta?Discussões? Opal nunca deu por isso. Isso é o que ela diz. Não acredito que nunca tenhatentado falar com ele directamente, acerca do seu trabalho, nem que tenha aceitado essa situação secretiva,tendo a governanta por intermediária. Acha que ela mente, Della? Com todos os dentes, chefe!8 - VAMP. G. 6 113

É possível admitiu Mason , mas pareceu-mesincera. Aposto que tem bonitas pernas satirizou Della.

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Mason sorriu e ela inquiriu: Para que serviriam essas bobinas gravadas e, depois,passadas a cartas comerciais? Talvez para comunicar com o assassino. Contudo,inclino-me mais para a lata vazia, como meio de comunicação entre dois cúmplices do crime. Que tenciona fazer agora? Vou pedir-lhe, Della, que me faça um favor. Queroque saia a comprar-me uma dessas maquinetas de fecharlatas, assim como uma lata nova, vazia. Vamos gravar-lhe uma mensagem, no lado interior da tampa, limpá-la completamente de impressões digitais e plantá-la naprateleira das compotas da despensa dos Gentries. Acha que o assassino irá lá buscá-la? Bem, espero que o faça. Que espécie de mensagem? Qualquer coisa que o obrigue a agir. Por exemplo:Advogado Mason tem fotografia impressões digitais dentro carteira será fatal se não for recuperada.Enquanto registava a mensagem no bloco-notas, DellaStreet observou: No dicionário não podemos encontrar expressõesverbais, tais como: for recuperada; nem termos, no plural. Tem razão, menina eficiente. Então escreva: Imprescindível recuperar fotografia impressão digital dentro carteira advogado Mason (1). Não me agrada a ideia comentou Della Street. Porquê? Por demasiado arriscada.(1) Em inglês, Mason significa pedreiro, o que permite consulta nodicionário114

Mas pôr-me-á em contacto com o assassino, segundoespero. Por isso mesmo. Será ele a escolher o momento eo local do encontro. Pode disparar primeiro e só depoisinspeccionar a sua carteira... É um risco a correr Admitiu Mason , mas é provável que pretenda assegurar-se de que tenho a fotografia comigo, nessa altura, podendo recuperá-la. E descanse, Della que tomarei as minhas precauções. Estou mesmo a ver de que lhe servem essas precauções. Mesmo que o assassino o não abata, antes dever-lhe a carteira, fá-lo-á, quando a vir vazia, pois compreenderá que foi logrado, e, identificado, não se deixarádenunciar.Em resposta, Mason atravessou o gabinete, tirou decima de um armário um pequeno vaso chinês de superfície

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negra e polida, imprimiu nele cuidadosamente trêsdedos, depois de limpá-lo, e entregou-o a Della, advertindo: Pegue-lhe pela boca, sem inutilizar as minhas impressões digitais, e vá ter com Drake, à Agência, paraque lhes tire uma boa fotografia. Não lhe diga para quea quero. Levá-la-ei comigo, na carteira, para o caso deo assassino se mostrar suspeitoso. Se lhe der tempo, chefe! Oh!, não faça isso. Que necessidade tem de correr esse risco pessoalmente? Porque não transmite, antes, ter a fotografia no seu cofre? Não quero que me assaltem o escritório, na minhaausência, e não posso ficar amarrado a estas quatroparedes. Tenho de tratar disso pessoalmente. Porquê? Para que não pareça uma armadilha descarada.Qualquer criminoso inteligente receará que eu tenhao escritório vigiado.115

Contrariada, Della foi buscar o dicionário que Masoncomprara e cedeu: Vou pôr essa mensagem em código, mas preferia nãoter de fazê-lo. Não seja piegas, Della censurou Mason, carinhosamente. Vou ajudá-la nesse trabalho de cifra. Vejamos, pois, a primeira palavra da mensagem: Imprescindível.Della Street folheou o dicionário e indicou: Página 786, 1.ª coluna. Imprescindível é a 5.ª palavra.Pegando na folha de papel em que tinha sido registada a correspondência das letras com os números, Masonreviu:"A = 1; B = 2; C = 3; D = 4; E = 5; F = 6; G = 7;H = 8; I = 9; J = 0.1.ª coluna = Y; 2.ª coluna = Z."Depois escreveu:"786 - 1." - 5.ª = GHF Y E" Foi uma sorte ter o seu nome no dicionário observou Della. Se assim não fosse, não poderia completar amensagem.Após um breve instante de reflexão, sugeriu: Porque não pôr o nome de Drake (1), em vez doseu. Seria mais natural um "detective Drake" a negociaruma fotografia de impressões digitais. Seria concordou Mason , mas não creio que Paulesteja, neste momento, de muito boas relações comigo.Já lhe arranjei o sarilho de descobrir o cadáver de Mrs.Perlin e não vai gostar grandemente que o transforme(1) Em inglês, Drake significa "pato", "marreco".116

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em vítima de um assalto. Este caso é comigo, igual asegunda palavra? Recuperar enunciou Della, visivelmente contrariada. Página 1211, 1.ª coluna, 10.ª palavra.Mason, rapidamente, registou:"1211 - 1.ª 10.ª = ABAA Y AJ"Ao cabo de 10 minutos, tinham obtido a cifra: "GHFYE ABAAYAJ FGJZE GHFYH DGFYBJ "DBCYBB BGHYG DJYA AJGDZBH" wQuando Della acabou de lê-la, franziu o sobrolho. Que se passa? inquiriu Mason. Já pensou o que acontecerá, se Tragg descobrir alata, antes do criminoso? Pode dar-se esse acidente admitiu Mason, pensativo. Se decifrou a cifra da primeira tampa, descobriráque o chefe redigiu a segunda e pensará que é o autorde ambas. Se relacionar tê-lo visto em casa de Karr, comoseu advogado, poderá concluir que estão os dois implicados directamente no crime. É outro risco a correr, Della. Parecem-me riscos de mais para um advogado sócriticou Della. E suponha agora que o criminoso recolhe a lata antes de Tragg, mas desconfia de que se tratarealmente de uma armadilha? Bem. Se até agora utilizou esse sistema, é porquenão tinha outro à sua mão, mais viável. E se, antes, sevira obrigado a servir-se desse expediente, para comunicarcom um cúmplice, quando o assassino ainda não foracometido, terá, nesta altura, de rodear-se de maiores precauções. Decerto, não irá pegar no telefone para escla- 117

recer: "Olá, cúmplice, que raio de ideia é essa Masonter as minhas impressões digitais e como diabo descobriste que ele as caçou?" Continuo a não perceber porque tiveram de usar essemeio das inscrições, na tampa da lata, em vez do telefone. Pode haver várias explicações para isso. Suponha,por exemplo, Della, que um dos interlocutores é surdo.É-lhe impossível telefonar. Suponha agora que é coxo,que não tem um telefone à cabeceira da cama e que lheé impraticável dirigir-se, sozinho, aonde se encontra oaparelho. Lembre-se, por exemplo, de que Karr fica tãonervoso por ouvir a campainha do telefone, que nem oquer perto de si. Está a pôr o dedo na ferida, chefe? Sim, e não me convinha que assim fosse. De resto,para que precisaria Karr de comunicar em código, comqualquer pessoa do prédio dos Gentries? De qualquer maneira, vou andar com olho nele. Pode ser que tenha planeado

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o assalto ao cofre de Hocksley, mas isso não implicaforçosamente que o tenha assassinado. Mas, se o homicídio resultou desse plano de roubo observou Della Street , Karr ficará na situação deco-réu responsável, passível da mesma condenação, nãoé verdade? Ficará, apenas numa condição objectou Mason. Qual? Na condição de alguém conseguir provar a suaco-responsabilidade no assalto ao cofre. E se Tragg chega à mesma conclusão? Será o diabo! Karr ver-se-á em apertos e nem euconseguirei evitar que o espremam até à medula dos nervos. Bem, minha querida amiga, trate de ir arranjar alata vazia e a maquineta; de caminho, leve o vaso àAgência de Drake, para que Paul lhe fotografe as impressões digitais. Vou ao barbeiro, aparar o cabelo, esca- 118

nhoar esta barba e fazer uma boa massagem à cara; setiver tempo, mando a manicura cuidar-me um pouco dasunhas, pois sinto-me um nojo. Estou a ver!... Se quer um bom conselho, não consinta que essa Opal Sunley o enrede numa tramóia desexo, como se fosse um garoto de dezanove anos. Vejo que, no seu conceito, sou um neófito concupiscente.Num gesto de protesto teatral, Della redarguiu: Bolas! Não devia ter comprado esse dicionário!11O tenente Tragg tocou à campainha da porta, e tirouo chapéu, mal Mrs. Gentrie abriu. Lamento importuná-la, mas ainda alguns pormenores que necessito esclarecer.Após um instante de apreensiva hesitação, Mrs. Gentrie respondeu: Faça o favor de entrar, tenente. Venho incomodá-la? Bem, o senhor não é como esses outros agentes queandaram cá por casa a revirar tudo de pernas para oar, deixando as coisas do avesso, sem sequer tirarem ochapéu da cabeça. Ao menos o senhor é um perfeitocavalheiro. Muito obrigado, Mrs. Gentrie, mas deixe-me deitarum pouco de água na fervura acerca dos meus subordinados. Estão sempre sobrecarregados de serviço, têmde cumprir a sua desagradável missão e não podemdeixar de começar por olhar toda a gente, como se se tratasse de presumíveis delinquentes, testemunhas suspeitas, prováveis cúmplices e até possíveis vítimas. Sabeaonde quero chegar?

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Sim, tenente satisfez Mrs. Gentrie, introduzindo-o na sala de estar.Rebecca ergueu os olhos de um jornal e sorriu, aparentemente encantada. Boa tarde, tenente! saudou. Tragg dirigiu-se para ela e interessou-se: Como se sente hoje, Miss Gentrie? Já estou óptima, muito obrigada. Recompôs-se de todas aquelas emoções, não é verdade? Fino, fino. Está com muito bom aspecto. Não está? interveio Mrs. Gentrie. Até pareceque os casos de assassínio lhe agradam. Fica mais animada e activa. Oh, Florence. Dir-se-ia que sou uma inválida! Não sejas tola. Bem sabes que me refiro a sentires-te melhor, quando surge algo que te desperte interesse.Virou-se para Tragg e acrescentou: Sabe, tenente? Rebecca gasta imenso tempo enterrada naquela câmara escura, a estragar os olhos comas fotografias, ou então, fica para aí estagnada, a matutar nas suas palavras cruzadas. Bem gostaria que saíssemais vezes, apanhasse um pouco de ar e fizesse algumexercício. Ora, sair, para quê? objectou Rebecca. Queprazer posso ter em passear entre blocos de cimentoarmado, no meio de um trânsito infecto, em que os carrosempestam a atmosfera com gases horrivelmente tóxicos?Não devia ser consentido o tráfego de automóveis pelosbairros residenciais, não acha, tenente? Penso que é umultraje e uma ameaça à saúde pública. Deve ser como diz contemporizou Tragg. Houvemais ocorrências?Mrs. Gentrie abanou a cabeça, mas Rebecca, tendo jádesatado a língua, prosseguiu:120

Mr. Mason esteve aqui" há coisa de uma hora. Veiofazer aquilo a que chamou "uma verificação final".Duas ligeiras rugas verticais sulcaram a testa deTragg que observou: Pois, pois, é natural. Mr. Mason... Ele tem vindocá várias vezes, não é verdade? Bem disse Rebecca , já cá esteve mais de uma,pelo menos. Esta foi a sua segunda visita precisou Mrs.Gentrie.Tragg olhou para ela e inquiriu: Não compreendo que interesse especial manifesta

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ele por este caso de homicídio. Que quer dizer com isso, tenente? É um advogado explicou Tragg , e a missãode um jurisconsulto não é propriamente andar por aí, àsvoltas, a tentar desvendar mistérios que competem à polícia. Não devia mostrar-se tão empenhado no crime, anão ser que tenha um presumível culpado como cliente.Percebe aonde quero chegar? Ainda não consegui entender claramente quem é que ele defende, nesta casa, Mrs.Gentrie. Bem... titubeou ela , também não lho possodizer, isto é, não sei quem pretende ele proteger cá emcasa, se é que é essa a sua intenção. Não quero ser desagradável, Mrs. Gentrie, mas, nãosei porquê, estou a pensar no seu filho mais velho. Júnior é um bom rapaz defendeu a mãe. Certamente concedeu Tragg , mas considera-oabsolutamente sincero, neste caso? Não terá nenhummotivo para suspeitar de que nos esconda a verdade?Rebecca, que estivera a contorcer-se na cadeira, desejosa de imiscuir-se na conversa, interveio: Decerto, Florence, tens de admitir que, desde queo rapaz começou a...121

Florence Gentrie voltou-se para ela e censurou: Francamente, Rebecca! Não devias...Tragg interrompeu-a apologeticamente e declarou: Isto é deveras embaraçoso para mim. Mrs. Gentrie,mas parece-me que sua cunhada acaba de abordar umassunto que eu desejaria aclarar.Virou-se para Rebecca e interrogou: Ia referir-se ao facto de Arthur Júnior andar demasiado interessado nessa dactilógrafa que trabalhava aquiao lado, não é verdade? E o facto não lhe parece muitonatural, não é assim? Natural não será o termo fungou ela, reprovadoramente. Um garoto da sua idade, constantemente devolta das saias de uma mulher, muito mais velha do queele... Bem, naquela idade, nunca fiz coisa que se parecesse com isso. Acho que deves manter Júnior fora desta questão advertiu Florence. Não estou a dizer nada contra Júnior, nem contraessa delambida. Mas quando me aparece por aí, toda melaço, a ronronar; "Muuuito boom dia, Mrs. Geentriiie!",acho que devias corrê-la com: "Quando é que você, , suasonsa, tira as garras de cima do meu rapaz?"Mrs. Gentrie interveio, impondo: Rebecca! cala-te com isso! Parece impossível!

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Mudando de assunto, Tragg perguntou: É Mrs. Gentrie quem olha pela casa, não é verdade? Dá gosto ver uma senhora manter tudo tão ordenado e limpo. Estou certo de que está sempre atentaaos mais pequenos pormenores e... diga-me uma coisa:está certa de que seu filho estava na cama, quandoouviu o tiro de que a acordou, na noite do crime?Lentamente, Florence respondeu: Bem..., não estou... absolutamente certa.122

Não terá mesmo a certeza de que seu filho nãoestava deitado? Porque me pergunta isso? sondou ela, receosa. Nem eu sei bem disfarçou Tragg. Como tendode si a opinião de que é uma mãe cautelosa e sei que oquarto de seu filho é logo a seguir ao seu, pensei que oseu primeiro gesto, ao ir ver o que se passava em suacasa, fosse verificar a segurança de seu filho, no quartoao lado do seu.Sem olhar para Tragg, Florence indagou: Há algum motivo particular que o leve a implicarJúnior no caso? Não estou de maneira nenhuma a tentar implicaro seu filho no caso, Mrs. Gentrie, mas acontece que...Para ser-lhe franco, devo informá-la de que as duas impressões digitais que recolhemos no auscultador do telefone de Mr. Hocksley, onde foi assassinado, são de Arthur Gentrie Júnior.Florence ia a dizer qualquer coisa, mas arrependeu-se e permaneceu calada. Ora prosseguiu Tragg , aconteceu também queessas impressões digitais estão extraordinariamente nítidas, pois resultaram do facto de seu filho ter tocado naporta recém-pintada por seu marido, antes de pegar notelefone do morto. Como Mr. Arthur Gentrie acabou depintar a porta, por volta das nove e meia da noite, issoleva-nos a concluir que seu filho tenha entrado em casa,depois dessa hora... Bastante mais tarde, portanto, parajá não ter luz do dia suficiente para ver a porta pintadade fresco, digamos, depois das dez. Não sabemos por querazão não acendeu a luz eléctrica e preferiu caminhar àsescuras e às apalpadelas, pela casa dentro. Não sei seestá a acompanhar o meu raciocínio, Mrs, Gentrie? Creio que tem razão interveio Rebecca. Pessoalmente, pensei que andava alguém às voltas no corre- 123

dor, por volta da hora a que foi cometido..., a que seouviu o tiro.

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Ouviu alguém, às voltas, Miss Gentrie? E Mrs.Gentrie? Teve a impressão de que andava alguém noscorredores, a essa hora? Não retorquiu Florence, alarmada. Só ouviMefisto, o meu gato. Mas levantou-se da cama e obrigou seu marido asegui-la, não foi assim? Bem, mas não por essa razão. Pensei ter ouvido umtiro e fiquei assustada. Um tiro, dentro de sua casa? Bem, não tinha a certeza de que fosse um tiro, nemque fosse dentro de casa. E convenceu seu marido a ir ver o que se passavadentro desta casa, não foi isso? Sim.Após uns segundos de meditação, Tragg continuoucalmamente: O seu filho, Mrs. Gentrie, entrou pelas traseiras, deua volta à garagem, abriu a porta de comunicação interior que seu marido pintara de fresco e, por qualquermotivo que ainda ignoramos, em vez de entrar em suacasa, penetrou no apartamento de Mr. Hocksley. Temosa certeza de que caminhava às escuras, sem acender aluz, porque, nesse apartamento, acendeu vários fósforos.Também estes ficaram manchados de tinta. Sabemos quefoi seu filho e não seu marido, porque os acendeu coma mão direita, tendo-os já extraído da algibeira direitaonde costuma trazê-los e, identicamente, deitou-os parao chão, à sua direita. Ora Mrs. Gentrie, não seria decertoseu marido, pois que, embora pudesse ter igualmente osdedos sujos de tinta, é canhoto e utiliza sempre a mãoesquerda. Portanto...124

Isso deu-me agora uma ideia... interrompeuRebecca. Não creio que o tenente Tragg esteja interessadonas tuas teorias cortou Mrs. Gentrie.Sorrindo amavelmente, Tragg solicitou: Diga lá, Miss Gentrie, que ideia lhe sobreveio? Suponho que não tenha um interesse relevante, masde qualquer modo... A minha câmara escura tem umaporta para o patamar inferior e, junto a essa porta,instalei uma cortina para evitar a entrada de luz, parao caso de alguém abrir a porta, quando estou lá dentroa trabalhar numa revelação. Tem realmente uma linda câmara escura, Miss Gentrie. Um magnífico laboratório particular, não hajadúvida!Os olhos de Rebecca brilharam de satisfação.

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É, não é? exultou. Raro é encontrar-se um tão completo entre amadores de fotografia elogiou Tragg. E que se passouna sua câmara escura, Miss Gentrie? Nada de especial, mas tinha uns rolos de filme arevelar, numa imersão lenta experimental, e tinha outrosestendidos, ainda por revelar e... Rebecca pensa que os seus agentes não foram cuidadosos e afastaram o reposteiro, com a porta aberta,estragando-lhe os filmes cortou Mrs. Gentrie. Oh, não foi nada disso protestou Rebecca. Possomuito bem exprimir as minhas ideias sem precisar quevenhas ensinar-me o que quero dizer, Florence. Que ia pois dizer, Miss Gentrie? estimulou Tragg,suavemente. Que alguém esteve na minha câmara escura, nessanoite, pois encontrei dois fósforos queimados no chão eos meus negativos estavam inutilizados, não por uma luzviolenta, como a que vem do exterior, pela porta, sem125

reposteiro, mas exactamente, com a ténue queimaduraque a luz dos fósforos pode produzir na película. É muito interessante o que me conta, Miss Gentrie aplaudiu Tragg. Tem material muito dispendioso noseu laboratório fotográfico? Muito dispendioso, não poderei dizê-lo. Está tudomuito caro. Meu irmão foi-mo comprando, pouco a pouco.Se tivesse dinheiro, podia realmente executar trabalhosmaravilhosos, mas... É uma brincadeira que nos sai caríssima atalhouMrs. Gentrie. Não tens que te queixar, Florence. Tenho trabalhadopara fora, para ir pagando... Trabalha para fora? interessou-se Tragg. Ocasionalmente respondeu Rebecca. Para alguns vizinhos completou Florence. Temfeito alguns bons retratos de crianças e de grupos familiares. Coisa de pouco relevo auto-criticou-se Rebecca.Gosto de paisagens, de flores, de montanhas. Aqui, estouentalada nestes estreitos horizontes de cidade medonha.Se ao menos pudesse viajar... Muito interessante, muito interessante! cortouTragg, tentando abreviar a romântica dissertação deMiss Gentrie. Esse facto de que alguém acendeu doisfósforos na sua câmara escura, e lhe estragou os filmestem certa relevância, mas o que eu estava a tentar explicar a Mrs. Gentrie era quanto o seu filho estava implicado no caso, pelo facto de ter impresso os dedos sujosde tinta no telefone do quarto onde Mr. Hocksley foi

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encontrado assassinado. Júnior está, neste momento, numaperigosa situação, mas queremos acreditar que isso sedeve a procurar ocultar algumas provas, ou tentar proteger certa pessoa e que essa pessoa seja a culpada queprocuramos descobrir. Compreende, Mrs. Gentrie?126

Não sei porque insinua tal coisa, tenente indignou-se Florence. Júnior é um esplêndido rapaz. Ele... A razão porque o digo interrompeu Tragg firmemente , é exactamente por estar convencido de que seufilho é um "bom rapaz". Se assim não fosse, não lhovinha aqui dizer e prendia-o. Ora creio que protege alguéme isso é altamente comprometedor para ele, pois coloca-o na posição de cúmplice, se esse alguém está directamente implicado no crime. Penso que o seu filho, Mrs.Gentrie, é realmente um bom rapaz, mas penso tambémque Miss Opal Sunley é muito mais velha do que ele, temmais experiência da vida e sabe como safar-se de sarilhos. Todos sabemos que foi perpetrado um assassínio,neste prédio, e estou convencido de que essa companhiade seu filho não só o convenceu a fornecer-lhe um álibi,mas também o arrasta para uma posição deveras comprometedora à face da lei. Fiz-me entender Mrs. Gentrie. Oh, meu Deus! exclamou Florence. Júnior nãoseria capaz...Tragg travou-lhe a incipiente jeremiada, lembrando: Se seu filho não se decide a contar-nos toda a verdade, bem sabe o que lhe acontecerá. Não podemos deixar de... Estás a ver, Florence? interrompeu Rebecca.Não quiseste dar-me ouvidos. Espero que oiças agora otenente Tragg. Quando um garoto daquela idade começaa fazer coisas às escondidas da mãe... Que faz Júnior às escondidas? protestou Florence. Uma data de coisas acusou a tia. Marca encontros secretos com essa lambisgóia e bem sabes quenão cai na asneira de fazê-los por telefone. E anda comela, sabe-se lá por onde, a gastar a curta mesada... Acho que era melhor não falares desse assunto. Rebecca! advertiu Florence, com ar de censura. Passas a127

vida a escutar os telefonemas dos miúdos e atreves-te atelefonar em seu nome, imitando-lhes as vozes, como sótu sabes, para lhes criares uma data de problemas, combinando encontros imaginários e provocando desencontros com os seus amigos. São partidas que não se fazem,pois, para as crianças, têm imensa importância. De resto,Rebecca, Júnior já tem dezanove anos. Já não é aquilo

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a que se possa chamar um menino, um garoto, como tulhe chamas. Além... Bem interrompeu Rebecca, num ar de justificação, não há dúvida que essa criatura está metida numcrime e eu só estou a tentar ajudar o tenente Tragg.nada mais. O facto de haver impressões digitais de Júniorno telefone de Mr. Hocksley é como se as tivesse estampado no nariz, por não me ouvires, quando te aconselho.Naturalmente, nem percebes que esse telefone está numquarto de cama... Cala-te zangou-se Florence. Não sabes o queestás a dizer. Opal Sunley nunca está aqui ao lado, ànoite. Como é que sabes? Como tens a certeza de que nãose encontram...? Sei que só vem trabalhar durante o dia, e que moraperto daqui. Mas mantém-se muitas vezes aí ao lado até tarde.Que prova tens tu do contrário? Só fica quando tem mais trabalho do que decostume.Rebecca fungou, incrédula.Tragg, que se mantivera como espectador silenciosode toda esta cena, acabou por declarar: Lamento ter dado azo a essa ligeira discussão, maso que me trouxe aqui foi averiguar o que seu filho,Mrs. Gentrie, teria ido, realmente, fazer ao quarto de128

Mr. Hocksley. Supõe-se, obviamente, que telefonou a alguém, ou pretendia telefonar. Mas porquê e a quem? Está certo de que as impressões digitais são dele? Não há a menor dúvida asseverou Tragg.Neste momento, Mester apareceu, vinda da cozinha eestacou à porta. Que é, Hester? indagou Mrs. Gentrie. Sempre quer que eu dê uma arrumação às latas decompota e calda? Sim, Hester...Florence Gentrie consultou Tragg com o olhar e disse: Peço que me perdoe, tenente, mas nem calcula oque é a vida de uma mulher, dona de casa! Não faço, realmente, a menor ideia. Dispensa-me? Não queira ter a missão de governanta! Dispenso, dispenso apressou-se Tragg a confirmar.Ouviu ainda, pela escada, Florence ordenar a Hester: Tira para fora todas as latas de 1939 e de 1940.No outro dia comecei a pôr as mais antigas à frente dasmais recentes, mas não cheguei a acabar...Quando a voz esmoreceu, Rebecca sugeriu:

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Penso que essa lata vazia que continha a mensagem que eu..., bem, ajudei a descobrir, só lá podia tersido posta por alguém cá de casa, ou por alguém comacesso à despensa, furtivamente, pela porta de comunicação com a garagem. Tudo me leva a crer que essalambisgóia que anda a meter o meu sobrinho nas suassaias...Nessa altura ouviu-se a voz de Hester, num tom maisestridente, gritar: Oh! Mrs. Gentrie! Cá está mais uma!Rebecca correu para o patamar e perguntou: Mais uma quê, Hester? Mais uma lata vazia gritou a criada.9 - VAMP. G. 6 129

Tragg seguiu atrás de Rebecca que se precipitara escadas abaixo. Onde está ela? interrogou Tragg, mal chegou àporta da despensa. Aqui. Eu... apontou Hester. Não lhe toque berrou Tragg.Hester, que já a tinha na mão, atirou com ela ao chão. Não lhe disse para deitá-la fora criticou Tragg. Então, não disse que não lhe tocasse? justificouHester.Como Mrs. Gentrie se baixasse, Tragg tornou a gritar: Pelo amor de Deus, não lhe mexam!Cautelosamente, Tragg tirou uma caixinha da algibeira, abriu-a, extraiu dela um pincel especial mergulhou-o num pó cinzento-claro e polvilhou com ele a superfície da lata. Depois examinou as impressões digitais queo pó trouxera à evidência. Mostre-me as suas mãos pediu a Hester.A criada obedeceu, embaraçada.Fazendo uma careta desiludida, pelo que parecia verificar nesse primeiro exame, Tragg tirou nova caixinha quecontinha uma almofada de tinta e imprimiu nela osdedos de Hester, colocando-os, em seguida, sobre umafolha de papel. Para que é isso? indagou a criada receosa. Tenho de eliminar as suas impressões digitaiselucidou Tragg.Como Hester se mostrasse atónita, quiçá, mais receosa,Miss Gentrie esclareceu: O tenente Tragg está a recolher as tuas impressõesdigitais, para compará-las com as que estão na lata.Quer ver se há outras impressões, além das que acabastede lá deixar.Com um suspiro de alívio, Hester exclamou:

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Oh! Está bem.130

Onde estava essa lata? perguntou Rebecca, enquanto Tragg comparava as marcas obtidas. No mesmo local onde se achava a outra respondeu Florence. Havia qualquer coisa no verso da tampa lembrouRebecca. Foi Mr. Mason quem o descobriu.Rindo, um pouco contrafeito, Tragg confessou: Fui talvez descuidado, em não ter dado grande importância a essa lata vazia. Realmente, Mr. Mason é umadvogado muito esperto e descobre tantas coisas que àsvezes até desconfiamos que sabe quem as lá pôs, quandonão foi ele próprio a plantá-las. Infelizmente, quem colocou esta aqui não deixou a menor marca de identificação. Vamos lá ver se conterá qualquer outra mensagem. Não me diga! gritou Rebecca excitada.Momentos depois de ter extraído a tampa, Tragg virou-a e pediu a Florence: Importa-se de ler-me essas letras, enquanto as registo no meu livrinho de apontamentos, Mrs. Gentrie? Não tenho aqui os meus óculos desculpou-se Florence. Eu leio, eu leio ofereceu-se Rebecca, exultante.Lentamente, foi ditando os grupos de letras da cifra.Espreitando por cima do ombro dela, Tragg ia verificandose não cometia qualquer erro. Se me perguntar disse Rebecca, mal Tragg acaboude transcrever a mensagem-código , dir-lhe-ei que istoé uma caixa-postal de namorados. Essa dactilógrafa estáincitando Júnior a tirar umas castanhas do lume,em vez dela. Onde está seu filho, neste momento, Mr. Gentrie?interrogou Tragg. No armazém, com o pai informou ela. Era melhor que seu filho se decidisse a falar, paraseu bem.131

Florence, mais alarmada do que indignada, subiu asescadas e foi refugiar-se na cozinha, levando Hester atrásde si. Escute, tenente sugeriu Rebecca. Há uma maneira de descobrirmos se foi Júnior. Vamos limpar novamente a lata, fechamo-la e colocamo-la onde estava. Não objectou Tragg. Preciso de levar esta lata,como prova. Nesse caso insistiu Rebecca , podemos copiar amensagem para uma outra lata e deixá-la no lugar desta.Semicerrando os olhos, Tragg reconheceu:

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Parece-me uma excelente ideia, Miss Gentrie!Consciente da impressão que causara ao tenente, abriumodestamente os olhos e saiu da despensa, oscilando asancas magra e angulosas, num gesto que se diria decoqueteria.Momentos depois, Tragg reuniu-se às três mulheres edeclarou: Fixem isto com atenção: vou colocar outra latavazia, no local onde encontraram esta. Não quero queninguém (disse ninguém, perceberam?) fale deste assuntoseja a quem for. Entendido? Percebeu Hester?Todas aquiesceram obedientemente. Mrs. Gentrie? assegurou-se Tragg. Não percebo o que tem a ver uma lata da minhadespensa... Se são segredos de Júnior... Não Mrs. Gentrie. Nesta altura, seu filho terá dedeixar de ter segredos para a polícia. Fica isto bemassente?Florence fitou a cunhada iradamente e insinuou. Suponho que tenho de agradecer-te... Não se zangue, Mrs. Gentrie. É para bem de seufilho. Tenho a sua promessa?Espero que não seja uma armadilha para o implicar...Apenas procura provar a sua inocência. É ainda me- 132

nor e pode ter sido manipulado. Quero agora descobrironde posso arranjar uma lata declarou Tragg,abrindo a lâmina de um canivete.Dez minutos mais tarde, a tampa já devidamente gravada era incrustada na nova lata vazia, por meio damaquineta adequada. Então, Tragg virou-se para as trêsmulheres e declarou: Preciso de fazer um telefonema e pretendo estar só.Podem permanecer, uns breves minutos, na cozinha?Rebecca prendou Tragg com o sorriso de uma quarentona que tenta encantar um macho atraente e sussurrou: Posso ficar ao pé de si, para ajudá-lo? Não, muito obrigado recusou ele. São apenasalguns minutos.Embora protestando, Rebecca foi irradiada para acozinha, sob as recriminações da cunhada.Tragg fechou atrás de si a porta da sala de estar,garatujou algumas letras e números num papel e ergueuo auscultador do telefone. Chamou o detective Texmane, quando o apanhou na linha, disse em voz baixa: Daqui Tragg. Escuta, Tex: pega nesse dicionário emque estivemos a decifrar aquela mensagem e procura asseguintes palavras... Sim, escreve lá: "5.ª palavra da 1.ªcoluna da página 786; 10.ª palavra, 1.ª coluna, página

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1211: 5.ª palavra, 2.ª coluna, página 670; 8.ª, 1.ª coluna,786; 20.ª, 1.ª, 476: 22.ª, 1.ª, 423: 7.ª, 1.ª, 278: 1.ª, 1.ª, 40:28.ª, 2.ª, 1074." Okay? Quando obtiveres a lista dessaspalavras, telefona-me para a residência de Arthur Gentrie. Tens aí o número. Estarei ainda por aqui, mas nãoquero demorar-me. Despacha-te. Lês-me depois as palavras por essa mesma ordem. É uma nova mensagem, sim...Não quero que fales nisto a ninguém..., nem aos jornais,nem a ninguém daí. Não pode haver fuga de informa- 133

ção... Uma armadilha, sim... Bico calado. Apanhaste acoisa? Okay, obrigado.Tragg desligou e dirigiu-se à cozinha onde foi encontrar Hester a descascar batatas e Florence enchendo umalata com pickles, manifestando, agora, evidente bom humor, enquanto observava Rebecca, com olhos maliciosos.Esta parecia furiosa e batia com o tacão do sapato nochão. Era preciso fechar a porta? perguntou a Tragg,quando este entrou.Olhando-a com cândida surpresa dos seus olhos azuis,Tragg exclamou: Meu Deus! Fiz uma coisa dessas? Oh, Miss Gentrie, perdoe-me. É a força do hábito de um homem quepassa a vida a lidar com assassinos. Espero que nãome guarde ressentimento!Estendeu a mão a Rebecca que poisou na dele, os seusestreitos ossos. O sorriso de Tragg desvaneceu-lhe aindignação. Ninguém pode deixar de perdoar a um tão atraentepenitente murmurou ela dengosamente.Mrs. Gentrie interveio, terra a terra: Deixa-te disso Rebecca. O tenente é um homemocupado e não tem tempo para pensar nessas bagatelas.Além disso, não é um pretendente à tua mão.Rebecca retirou a sua mão da manápula de Tragg, efitou Florence com evidente raiva. Ia dizer qualquer coisa,mas calou-se de pronto. A fúria que o seu rosto exprimira, por momentos, desvanecera-se, quando convidouTragg: Porque não se senta? Depois de si, Miss Gentrie disse este, chegandoa cadeira atrás dela, galantemente.Rebecca abriu-se-lhe num cativante sorriso de satisfa- 134

ção, como uma estrela de cinema, representando uma duquesa, ao receber um madrigal de um pegureiro. Costuma fazer palavras cruzadas, nas suas folgas,

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tenente? perguntou, convidativamente.,." 12Mason saiu do elevador e caminhou ao longo do corredor, direito ao seu escritório. Trazia o chapéu inclinadopara a nuca, num ângulo pândego, e as mãos profundamente enfiadas nos bolsos das calças. Assobiava umaárea em voga e parecia deveras contente consigo próprioe com o mundo em geral.A porta da Agência de Paul Drake entreabriu-se e acabeça de Della Street espreitou para o corredor. Vendoo advogado, a bela secretária correu ao seu encontro. Olá, Della saudou Mason, ao vê-la, com olhosapreciativos. porquê tanta pressa? Estava à sua espera. Fiz todo o possível por encontrá-lo quanto antes. Qual a razão de tanta! excitação, minha linda amiga?Ela deu-lhe o braço e puxou-o, dissimuladamente, enquanto inspeccionava, com os olhos, o fundo do corredor. Venha para o escritório de Paul, chefe indicou.Quando Mason entrou no gabinete particular de Drake,este disse para Della: Vejo que conseguiu caçá-lo. Que se passa? perguntou o advogado.Drake esclareceu: A polícia descobriu qualquer coisa acerca daqueletelefone. Qual telefone? O de Hocksley. Impressões digitais?135

Não, outra coisa. Quê? inquiriu Perry Mason, sem dar sinais deimpaciência. A coisa funcionava como sinal de alarme contraladrões. O aparelho tinha um pequeno orifício na base,pelo qual passava um fio, ligado a um dispositivo eléctrico especial, de maneira que se alguém tocasse no fechodo cofre, sem levantar primeiro o auscultador do telefone,desencadeava uma chinfrineira dos diabos, de alarme.Depois de se abrir e fechar o cofre, repunha-se o auscultador no descanso e a segurança ficava novamenteestabelecida. Oh, oh! exclamou Mason. Está a ver em que posição o jovem Júnior ficaagora colocado?Mason acendeu um cigarro e deduziu: Implica-o igualmente na mensagem gravada na latavazia. Alguém industriou o fedelho a levantar o auscultador antes de actuar; subentende-se; o cofre.

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Só falta descobrir esse alguém que carecia dessemeio de comunicação para avisá-lo. Parece "eliminar" acumplicidade de Opal Sunley que o via todos os dias. Háindícios de que Tragg já tenha decifrado a mensagem,Paul? Se a decifrou, deixou-se ficar mudo e quedo comoum rato retorquiu Drake. Ninguém sabe nada a esserespeito. Há mais alguma coisa? interessou-se Mason.Foi Della Street quem respondeu: Sim. Rodney Wenston está à sua espera no escritório. Diz ter aparecido uma mulher que afirma ser a filhado sócio de Karr e Wenston julga que ela é uma impostora,pelo que solicita a sua intervenção, para desmascará-la. Ela já falou com Karr? Não. Karr arranjou as coisas de maneira a ser Wens- 136

ton quem contactasse com a jovem. Disse que esta só seriarecebida, quando apresentasse qualquer prova convincente. Wenston aconselhou o padrasto a contratar detectives para investigarem a identidade e passado da rapa-riga, mas Karr mostrou-se demasiado impaciente, decla-'rando que não podia esperar mais tempo. Onde pára essa herdeira suspeita? No seu escritório, chefe. Veio com Wenston, maseste quer falar consigo, antes que fale com ela. Ainda há outra coisa interveio Drake. Wenston leva a vida de um playboy felizardo; possui umamoradia sossegada, entre Culver City e Santa Mónica, eum avião particular, num hangar situado nas traseiras dacasa, frente a uma pista para aterragem. Por vezes transporta passageiros especiais e sempre os mesmos, de idae volta a São Francisco: Johns Blaine, o chinês GowLoong e Mr. Karr, que sai do aparelho pelo seu pé... O quê? Karr anda? Devagar e mal, mas anda confirmou Drake. Onde obtiveste essa informação, Paul? Tagarelando com um velhote que tem uma barracaimunda no extremo da pista de voo de Wenston e quecostuma andar em volta dela apanhando erva para osseus coelhos. Esse tipo conhece o nome dos passageiros? Não. Mas fez uma descrição física que prova terexcelentes olhos e poder de observação. Bem decidiu Mason , tenho de ir falar a essecasal de pássaros que estão a secar no meu escritório.Enquanto se encaminhavam para lá, Della Streetinquiriu: Chegou a "plantar" a lata com a nova mensagem,

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em casa dos Gentries? Sim. Pedi-lhes para, me deixarem tornar a ver oslocais "misteriosos" da casa e a criada, Hester, acom- 137

nhou-me até à despensa. Quando lá cheguei, pedi-lheque me fosse arrumar o chapéu e a gabardina, mas fiqueide luvas calçadas o que ela não estranhou porque, graçasa Deus, é suficientemente estúpida. Tirei a lata da algibeira, coloquei-a no sítio em que estivera a outra e sódepois descalcei as luvas que enfiei na mesma algibeiraem que estivera a lata, para justificar o volume quepoderia ter sido, acidentalmente, notado. Mas não deupor coisa alguma. Temos, portanto, um lindo anzol devidamente iscado. Não gosto da isca comentou Della, quando abriaa porta directa ao gabinete particular de Mason. Disse-me que Wenston desejava falar-me primeiro,não foi, Della? certificou-se Mason. Mande-o entrar.Wenston vinha ligeiramente apressado, ao entrar nogabinete. Envergava um fato de tecido liso que lhe davaum certo ar militar. Saudou Della com um breve acenode cabeça e apertou fortemente a mão de Mason. É uma complicação, Mr. Mas'son! Es'sa raparigaé uma impos'stora. É o que é. Recusei-me a ouvi-la s'sems'ser na presença de um advogado. Quero que examine ahis'stória dela e faç'sa o s'seu juízo, antes de eu a levarao "governador". Es'spero que cons'siga des'smas'cará-la,Mr. Mas'son. Porque diz que ela é uma impostora? sondouMason. Bem, é uma es'spécie de intuição telepática. Não quer que consulte primeiro Mr. Karr? Não. Preferia que falas'se com ela, antes's de alarmar o meu padras'sto. Vamos lá a ver, então, o que ela diz decidiuMason.Doris Wickford seguiu Della Street até à porta do gabinete do advogado. Devia andar entre os vinte e sete e ostrinta anos, de cabelos muito escuros, morena, sobrance- 138

lhas finas e longas pestanas naturais, olhos castanhos-esverdeados e uma expressão cuja imobilidade se tornava peculiar. Boa tarde saudou, ao apertar a mão do advogado. É Perry Mason, não é verdade?Enquanto Mason confirmava com um piscar de olhos,os dela estudaram-no longamente, parecendo, contudo,inexpressivos. Depois continuou:

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Presumo que Mr. Wenston lhe tenha dito que eusou uma impostora, não?Mason riu e Rodney declarou com forçada dignidade: Acabo de pedir a Mr. Mas'son que a contra-interrogue. Já esperava isso. A razão por que não dei todos ospormenores a Mr. Wenston reside simplesmente no factode não estar disposta a repetir a mesma longa históriaconstantemente. De resto, sei que foi Mr. Wenston quempôs o anúncio no jornal e verifico que é demasiado jovempara poder ter sido sócio de meu pai. Perguntei-lho erecusou-me a dizer-me quem estava por detrás dele.Como o sócio de meu pai era um tal Mr. Karr, creio queserá ele a pessoa interessada a falar comigo, pelo quenão necessito de intermediários, nem de repetir a apresentação de provas, uma vez mais e outra, continuamente. Não vou apresentar à ninguém ao "governador"s'sem ter a certeza de que valha a pena justificou-seRodney Wenston.Virando-se para ele, Miss Wickford indagou: Que espécie de provas preliminares pretende que lheforneça? Uma data delas's e es'spero que s'séjam convincentes's condicionou Rodney. Muito bem concedeu Miss Wickford. Estou àvossa disposição.Sem mover o menor músculo do rosto, como se a sua139

expressão fosse uma máscara plástica, sentou-se no mapleque Mason lhe indicara e aguardou que a interrogassem. Qual o nome de s'seu pai? começou Wenston.Desta vez o olhar de Doris Wickford exprimiu tenuemente certo rancor ao rapaz, mas ela elucidou: Wickford. Teve problemas com credores e foi parao Oriente. Enquanto viveu em Xangai usou o nome deTucker. Mas tinha uma alcunha... disse Wenston. Podedizer-nos's qual era? Posso dizer-vos qual era, sim. Alcunhara-se,a si próprio por DOW. Posso até explicar o que provavelmenteignora: Porque escolheu essa auto-alcunha; DOW sãoexactamente as iniciais do meu nome, Doris Octavia Wickford. Octavia era também o nome de minha mãe. Quemais? Quer alguma prova?Tirou um velho sobrescrito da mala de mão e estendeu-o a Rodney Wenston. Via-se sobre o papel do envelope um selo chinês e um carimbo dos correios de Xangai.Ao fazê-lo, anunciou: Esta carta foi enviada de Xangai, a 8 de Janeirode 1921.

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Mason inclinou-se para ver melhor o carimbo postale Rodney estendeu a mão para a carta, mas Doris interpôs: Nem pense nisso! Podem ver, mas não mexer. Foi s'seu pai quem a es'screveu? indagou Rodney. Exactamente. Pode ler no endereço o meu nome:Doris O. Wickford. No verso, poderá ler, como remetente:George A. Wickford, Xangai. Tem mais algum documento? interveio Mason. Aqui está uma fotocópia do atestado do seu casamento com minha mãe apresentou Doris, colocando odocumento sobre a secretária do advogado , em Setem- 140

bro de 1912, e um certificado do meu nascimento, em Novembro de 1913. Podem verificar que o nome de minhamãe era Octavia e que fui baptizada Doris OctaviaWickford.Mason tornou a debruçar-se para analisar, os documentos e semicerrou os olhos para estudar a expressão perplexa de Wenston. Se quiserem posso ler-vos agora alguns extractosdessa carta, Tinha então 8 anos e meu pai escrevia-mecomo um homem se dirige a uma criança dessa idade.Doris extraiu várias folhas do sobrescrito. Estavamescritas a lápis e o papel era fino, de pasta de arroz,manufactura característica chinesa. Em seguida, leu:"Minha querida filha: já lá vai muito tempo, desde aúltima vez que te vi. Tenho sentido muito a tua falta eespero que tenhas sido uma boa menina. Não sei quandoo teu papá poderá voltar para o pé de ti, mas espero quejá não demore muito. Tenho feito aqui alguns bons negócios e conto poder, em breve, regularizar as dívidas queaí deixei. Não te esqueças de não dizer a ninguém ondeestou, porque há gente má que procura impedir-me dearranjar dinheiro para pagar o que devo, de maneira aficar com as coisas que penhorei. Logo que tenha arranjado dinheiro suficiente, regressarei para o pé de ti,e, então, poderemos viver juntos, por muito tempo. Teráslindos vestidos e o cavalinho, se ainda o desejares."Levantou os olhos da carta, para explicar: Eu tinha-lhe escrito a dizer que gostava de ter umcavalinho, pelo Natal. E a sua mãe? perguntou Mason. Morreu, quando eu tinha seis anos, pouco antes deo meu pai ir para a China. Queira continuar.141

". Agora tenho um belo negócio, mas não posso dizer-teo que é. Tenho um sócio chamado Karr. Não achas giro

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este nome? Mas é um homem muito desembaraçado ecorajoso, mesmo muito valente. Há três semanas, subíamos o rio Yang-Tsé e o barco virou-se. Os barqueiros chineses agarraram-se ao costado do barco que ficou coma quilha para cima, mas um deles foi levado pela correnteque era ali muito forte. Esse chinês não sabia nadar.Aqui na China, a vida de um trabalhador chinês não temmuito valor e nenhum outro se daria ao trabalho de salvá-lo, porque eles são mesmo assim; mas o meu sócioKarr atirou-se à água e foi agarrá-lo, sendo ambos arrastados pela corrente, até que passou outro barco que ossocorreu. O nosso barco acabou por encalhar mais adiante,num baixio e pudemos recuperá-lo, mas perdemos muitascoisas."A água deste rio é amarela, cheia de lama e, mesmoquando desagua no mar, tinge-o dessa cor barrenta, pormuitas milhas da costa. Xangai fica num afluente desterio, chamado Wangpu."Xangai é uma cidade muito grande. Não podes imaginar a quantidade de pessoas que andam nas ruas, comoformigas, nem o barulho que fazem. Nunca pensei que opovo pudesse fazer tanto barulho, a falar e a andar nasruas."O papá quer que a Doris seja uma menina muito boazinha e que estude com atenção, na escola. Tenho muitapena de não poder mandar-te o cavalinho, ainda estenatal, porque não há maneira de enviar um cavalo, daChina para os Estados Unidos, mas qualquer dia destes,o papá vai voltar para o pé de ti e dar-te-á o teu cavalinho. Montanhas de ternura do papá para a sua filhinha.Com muito amor, PAPÁ."P. S. Quando me escreveres para aqui, não te esque- 142

ças de que deves pôr no sobrescrito: ao cuidado de DowTucker, da American Express Company. Desta maneira,a carta é-me entregue. Está bem?"Doris dobrou a carta e manteve-a entre os dedos,prestes a entregá-la a Mason, para que a inspeccionasse,mas pareceu tomar súbita e diferente resolução, pois enfiou-a, de novo, no envelope e limitou-se a dizer: Fiquei com esta carta, porque foi a última que recebi.Havia mais, mas perdi-as. Guardei esta, felizmente. Nuncasoube o que lhe aconteceu.Mesmo agora, referindo-se ao pai, a sua expressãonão se alterara grandemente, ao contrário da de Wenston, que se esforçou por mostrar-se nada impressionado,embora o estivesse. Tem mais alguma prova? interrogou, contudo,num tom de voz mais brando.

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Ela fitou-o, quase alheada da sua presença, como seexamina um insecto espetado num alfinete, e retorquiu: Tenho montes de provas. Aqui está uma fotografiada família; é um grupo, tirado no ano em que a mãemorreu. Nessa altura eu tinha seis anos, e ia fazer setedentro de pouco tempo.Apresentou uma fotografia já amarelada, pelo tempo,em que se via um homem e uma mulher sentados noque parecia ser uma pedra de jardim. O homem tinhauma menina nos joelhos. A despeito das sardas e de agarota ser muito nova, a sua semelhança com Doris eraevidente. Lembra-se de seu pai? inquiriu Mason. Naturalmente. Decerto que o recordo, com a memória de uma miúda de seis anos, ou talvez sete, quandoda última vez que o vi. Suponho que a ideia que delefaço esteja distorcida pelo tempo, mas lembro-me delecomo sendo uma pessoa tolerante, cheia de consideração143

pelos direitos dos outros, e não me recordo de tê-lo vistozangar-se uma única vez, ou ser cruel a falar com alguém,embora tivesse passado grandes contrariedades e preocupações. Onde viviam, nessa altura? O endereço da carta diz: Denver, Colorado. Ainda vivia aí, quando o seu pai desapareceu?indagou Mason. Ele não desapareceu. Foi-se embora dali para fora,simplesmente, pois não havia emprego em Denver... Está bem, partiu para o estrangeiro, se assim o prefere. Você ainda ficou por lá muito tempo? Reparei queo seu certificado de nascimento foi passado na Califórnia. Exactamente. Vivemos na Califórnia, depois em Nevada e, finalmente, em Denver. Meu pai trabalhava emminas. As condições de trabalho eram tão más que osmineiros organizaram-se, formaram uma União e a companhia despediu muitos deles, entre os quais meu pai.Então, abriu uma pequena loja de abastecimentos e osmineiros começaram a ir lá comprar as suas coisas, masa companhia arranjou um armazém competitivo e arruinou-o. Chamavam-lhe socialista e conseguiram expulsá-lo,de maneira que deixou várias dívidas atrás de si. Ele...Wenston interrompeu-a para declarar: Creio, Mr. Mas'son que devemos's realmente levá-laao "governador". Podíamos verificar essa história do naufrágio noYang-Tsé antes de incomodarmos Mr. Karr sugeriuMason. Não vale a pena objectou Wenston. Ouvi-o relatar esse incidente várias vezes.

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Perry Mason manteve-se alguns minutos silencioso,tamborilando com os dedos no tampo da secretária. Abruptamente, inquiriu:144

Miss Doris Wickford viu o anúncio, esta manhã? Não. Foi ontem, de manhã, que eu o li. Por que motivo não respondeu, imediatamente? Estava no meu emprego e... desta vez esboçouum ténue sorriso , arranjei as coisas de maneira a terhoje uma folga. Fui ao cabeleireiro e telefonei para onúmero anunciado. Perguntei por Mr. Karr, mas foi Mr.Wenston quem me atendeu. Disse-me que fora encarregado das diligências preliminares e que eu não teria amínima oportunidade de marcar entrevista com Mr. Karr,antes de vir aqui falar consigo, Mr. Mason. Ora, euquero ver Mr. Karr. É um assunto de dinheiro, e se provém de meu pai quero obtê-lo, pois terei direito a ele...e preciso dele. Está empregada? perguntou Mason. Sim. Sou actriz e tenho desempenhado vários papéisem Nova Iorque. Andava a ensaiar... Não interessa. Umhomem prometeu-me um papel, num filme de Hollywood,e mentiu-me. De forma que, presentemente, estou a trabalhar num café e não gosto daquilo. Gostava de receberalgum dinheiro, para dar com uma toalha encharcadana cara do patrão e vir-me embora. Com quem vivia quando andava na escola? sondouainda Mason. Com uma tia. Morreu há três anos. Francamente,Mr. Mason, tudo isto pode ser verificado e provado. Serealmente o que o anúncio diz é verdade, estamos aquia perder uma data de tempo. Pens'so que o "governador" vai querer falar comela concluiu Rodney Wenston e acrescentou: Agoramesmo.Mason levantou-se, pegou no chapéu e concordou: Okay, vamos lá.10 - VAMP. G. 6 145

13As pessoas agruparam-se na sala, em torno da cadeirade rodas de Elston A. Karr. Os rostos mostravam-se tensos e, quando a mão do velho tocou a de Mason, esteachou-a seca e quente.Depois de ter observado a carta e a fotografia, Karrconsultou com o olhar Johns Blaine e Gow Loong. Nenhum deles se manifestou e foi Wenston quem falou:

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Quando levei Mis's Doris's Wickford à presença deMr. Mas'son es'stava convenc'sido de que se tratava deuma impos'stora, ma's as's provas's parec'em-me efectivamente convinc'sentes's. Estou farta de ouvir chamarem-me impostoraindignou-se Doris. Não fui eu quem pôs o anúnciono jornal, para encontrar-vos. Foram vocês que quiseramconhecer-me. Se meu pai me deixou efectivamente algumdinheiro, não estou aqui a mendigar-vos caridade. Ostribunais saberão como actuar.Então, Karr fez um sinal a Blaine, que apresentou umafotografia. Era um cenário típico da China, em que serecortavam várias pessoas, retratadas em grupo. Ao centro via-se Karr; logo atrás dele, Gow Loong; uma terceira personagem era a mesma que figurava no grupofamiliar, apresentado por Doris. Só que a sua expressãonão correspondia à descrição moral e temperamental quea jovem fizera de seu pai. Tinha um olhar duro, um rostosinistro. Mas havia um quarto figurante, com um aspectoainda menos agradável do que o de Wickford/Tucker. Quem é este homem? inquiriu Mason. Um judas, um imundo traidor, que nos vendeu porum punhado de prata e a quem se deve a morte de Tucker. Só escapei por milagre da sua infame denúnciarespondeu Karr.146

O tom em que o disse era cortante, como a lâmina deuma faca. Então, abruptamente, declarou: Vou verificar tudo quanto contou, Miss Doris: ondeviveu, o que fez, quem conheceu. Certamente. Não pretendo outra coisa, a não sersaber agora se o que meu pai me deixou foi ou não considerável. Quer dizer-mo? Fizemos alguns lucros, no nosso negócio aventureiro e arriscado declarou Karr. Não sabia queTucker deixara herdeiros. Só uma vez, vendo uma chinesinha, numa sala de chá, ouviu-o mencionar: "Minha filhadeve ser agora daquele tamanho." Mas nunca voltou afalar do caso. Disse que viveu com uma tia? Talvez elatenha mais cartas de seu pai. Procure e traga-mas. Nãoprecisa de contactar comigo. Quero que se dirija a Mr.Mason que é meu advogado... E não se deixe influenciarpela hostilidade que meu enteado, Rodney Wenston, lhedemonstrou. Você é a filha do meu sócio e quero tratá-laamigavelmente.Neste momento foram interrompidos pela campainhada porta. Vai ver quem é disse Karr para Gow Loong.Não quero ver seja quem for.

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Ouviram-no descer as escadas, o som de uma voz autoritária sobrepondo-se às palavras do chinês, e os passosde dois homens, galgando os degraus. Muito boa tarde a todos saudou o tenente Tragg,entrando na sala. Olá! Está cá Mason, novamente. Euma jovem. Espero não vir incomodá-los. O seu criadoinformou-me de que não queriam ser interrompidos, masestou a cumprir o meu dever, pelo que espero que mecompreendam. Essa jovem é...? Miss Doris Wickford apresentou Mason. Depoisapresentou: Tenente Tragg do Departamento de Homicídios.147

Homicídios! exclamou Doris, surpreendida. Deve ter lido nos jornais o caso de assassínio de umhomem e da sua governanta, não? Sim, mas... está a investigar esse caso? Sim, O homem foi assassinado neste prédio, mesmopor baixo deste andar elucidou Tragg. Não sabiaisso? Não retorquiu ela secamente. Lamento, pois ser importuno, mas tenho de fazeralgumas perguntas. Voltando à noite do crime, diga-me,Gow Loong, onde estava? Bailo Chinês, a visitai meus plimos. Quantos primos tem no Bairro Chinês? Vinte e um.Karr interveio para explicar: Os primos chineses são diferentes dos nossos. NaChina não há mais do que uma centena de nomes e outrostantos apelidos. Todos os que têm os mesmos apelidossão considerados primos. Não se pode comparar essa relação de parentesco com a nossa. Praticamente, são quasetodos primos. Muito interessante comentou Mason, pouco crédulo. E o seu nome é Gow Loong, não é assim? Também não é esclareceu Karr. Loong é umaespécie de cognome que Gow se atribuiu a si mesmo. Apalavra é formada por símbolos que incluem o sentidode lealdade, coragem, perspicácia, honestidade e habilidade. Mas quanto ao que lhe interessa, tenente, GowLoong não estava aqui, quando das detonações. Se querouvi-lo e verificá-lo junto de outras testemunhas, podeestar certo de que serão mais do que as necessárias, aconfirmarem o seu álibi. Deseja mais alguma coisa?Tragg virou-se para Blaine. Este declarou, antes mesmo de ser perguntado: Já tive ocasião de explicar que, no momento em148

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que o crime foi praticado, achava-me em pleno voo entreSão Francisco e esta cidade, a bordo do aparelho de Mr.Wenston. Partimos de lá às onze horas e tenho váriosamigos que nos viram partir. Ainda bem que os's encontrou no aeroporto interveio Rodney Wenston. Caso contrário s'só poderiaapresentar o próprio testemunho de Blaine. E o senhor? inquiriu Tragg, apontando um dedopara Karr. Estava aqui, sozinho respondeu este. É raro acontecer isso, não é verdade? Sim. Estava na sua cadeira de rodas? Não. Na cama. Creio que já lho tinha dito. Não tinha. Foi Mason quem o disse.Olhando perscrutadoramente para Tragg, Karr perguntou: Tem alguma dúvida, quanto às respostas que Mr.Mason lhe deu? É possível que tenha.Com fria dignidade, Karr replicou: Nesse caso, lamento declarar-lhe que se torna necessário que seja Mr. Mason a continuar a responder pormim. Não me sinto bem e a entrevista que tivemos, antesda sua chegada, já me tinha deixado exausto. Estou apenas a tentar evitar-lhe incómodos futuros,Mr. Karr. Diga-me uma coisa: está realmente impossibilitado de andar? Estou. De qualquer maneira, tenho de partir do princípioque apenas três pessoas se achavam deste lado do prédio: o senhor, Mr. Karr, a governanta e o assassinado,Mr. Hocksley. Hocksley? exclamou Miss Doris. Conhecia-o, Miss Wickford? inquiriu Tragg.149

Não. Pareceu-me que esse nome não lhe era totalmenteestranho insistiu ele. Meu pai mencionou esse nome, Hocksley, numa dassuas cartas. Há quanto tempo? Oh, talvez há vinte anos.Karr riu-se e interpôs: Dificilmente poderá tratar-se do mesmo Hocksley.Tragg não descolava os olhos da impenetrável expressão de Doris. E, nesse tempo, era ainda criança? perguntou-lhe. Sim. Que idade?

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Sete anos. Onde estava seu pai? China. Que dizia ele acerca desse Hocksley?Ela consultou Karr com os olhos, como que esperandoum sinal. Tragg interveio avisando. Este assunto é só entre mim e Miss Doris Wickford.Que foi que seu pai lhe contou, na carta? Bem..., meu pai tinha uma sociedade na China ecreio que Hocksley era um dos sócios. Onde foi que conheceu Mr. Mason? perguntouinesperadamente Tragg. Há cerca de hora e meia, no seu escritório. E quando conheceu Mr. Karr? Ainda não passaram quarenta e cinco minutos. Já conhecia mais algum dos presentes? Encontrei Mr. Wenston, antes de ir falar a Mr.Mason. Quanto tempo antes? Alguns minutos. Que veio fazer a esta casa?150

Wenston interpôs-se vivamente: Veio tratar de um assunto estritamente confidenciale que não quero que seja aqui mencionado.Tragg apertou os lábios e soltou, entre eles: Hum, hum! inquirindo em seguida. Está issorelacionado, com o anúncio que me mostraram, no jornaldesta manhã, lá no Departamento? Não s'sei que anúncio lhe mos'straram resmungou Wenston. O seu pai chamava-se Wickford e viveu na China?insistiu Tragg, interrogando Doris e ignorando Rodney,como se fosse um insecto. Sim. Usava aí o nome de Tucker..., Dow Tucker. E escreveu-lhe acerca da sociedade que formara comuns parceiros? Sim. Em que data? A sua última carta data de 1921, mas creio que mefalou deles, em 1920. Que aconteceu depois disso? Posso dizer-lho interrompeu Karr. Cale-se Karr! ordenou Tragg, sem tirar os olhosdo rosto da rapariga. Nunca mais tive notícias de meu pai, desde essaúltima carta. Só me constou, mais tarde, que morrera. De que maneira morreu? Creio que foi assassinado.

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Nunca mandaram o seu corpo para os EstadosUnidos? Não. Recebeu alguma herança? Não... Ainda não. Tem mais parentes? Não. Quando morreu sua mãe?151

Cerca de dezoito meses, antes de meu pai partirpara a China. Com quem a deixou ele? Com uma tia. Irmã de sua mãe ou de seu pai?Da mãe. Onde está? Morreu. Há quanto tempo? Três anos. E seu pai escreveu-lhe uma carta em que referiater um sócio chamado Hocksley? Sim. Não mencionou o primeiro nome? Não ficou comessa carta? Não. Falou do nome do outro sócio?Ela hesitou um momento e acabou por dizer: Bem..., sim. Um sócio chamado Karr? Sim. Lembra-se do primeiro nome desse sócio Karr?Responda já intimou Tragg.Doris virou-se para Karr e perguntou: O seu primeiro nome é Elston, não é verdade?depois, voltando-se para Tragg prosseguiu: Não sei,francamente. Creio que era Elston. Mas posso estar afazer confusão. Já foi há tanto tempo!Tragg dirigiu-se a Karr e sondou: Então? Nos fins de 1920 e princípios 1921 respondeu ovelho , tive um sócio chamado Dow Tucker e outrochamado Hocksley. A sério? exclamou Tragg, sem simular a ironia.E que aconteceu a esse Hocksley?152

Escolhendo as palavras cuidadosamente, Karr esclareceu: Desapareceu, em circunstâncias estranhas. Levavacom ele uma avultada soma de dinheiro da sociedade e

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nunca mais voltou. Felizmente que, nessa época, os fundos da nossa organização eram deveras sólidos. Portanto, como é natural, os seus sentimentos emrelação a esse Hocksley tornaram-se bastante azedos,não será assim? Porque o dinheiro que ele levara eratambém seu, não é verdade? Sim respondeu Karr, sumidamente. E, como era de esperar, desejou que esse dinheiroviesse parar, de novo, às suas mãos? Sim. E fez as diligências para descobrir-lhe o rasto? Sim. Para encurtarmos conversa, poderei dizer que conseguiu localizá-lo nesta casa e alugou o andar por cima doque ele já alugara? Nada disso contrariou Karr. Aluguei este andar, porque desejava estar tranquilo e isolado. Só cercade quinze dias depois de ter-me aqui instalado, tive conhecimento de que um homem chamado Hocksley viera também morar para esta casa. Asseguro-lhe que nunca o vi etenho estado sempre limitado a esta cadeira de rodas. Mas o seu criado chinês, sai, não é verdade? Sim, para fazer as compras. Qual era o primeiro nome desse seu sócio, Hocksley,na China?Karr hesitou. Vamos lá insistiu Tragg. Nada de andar à roda,já que chegamos a esse ponto. Chamávamos-lhe Red, porque era ruivo. Nunca lheconheci outro nome ou, se o tinha, esqueci-me dele. Creio que posso ajudá-lo interveio Doris. Lem- 153

bro-me agora de que meu pai mencionara chamar-se esseruivo Robindale E. Hocksley. Se não tivessem agora referido essa alcunha de Red, não me teria lembrado. Eu eramuito pequena e... Não tem estado a querer ajudar-me, mesmo nada,Miss Doris censurou Tragg. Acontece que eu jásabia tudo acerca dessa sociedade e vim aqui fazer exactamente perguntas de que tanto se têm esforçado porocultar-me... as respostas. E considero muito estranhoque Mr. Karr se tenha coibido de dizer-me que o seu sóciotinha o mesmo nome do homem que foi assassinado. Não vi que relação poderia ter um com o outrodefendeu-se Karr , e nunca soube, na vida, que Redse chamava Robindale. E você? inquiriu Tragg, virando-se para GowLoong. Não disse o chinês, rapidamente. Led Hocksley

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ela muito mau homem. Ninguém pode confia nele. Viu esse Hocksley, do andar de baixo? Não. Mas leu o seu nome na porta? Não li. E você, Elaine? perguntou Tragg. Só estou com Mr. Karr, há um ano. Qual é exactamente a sua profissão, aqui? Sou uma espécie de enfermeiro. Foi sempre isso que fez? Bem... Tem licença para trazer essa arma que se lhe adivinha no coldre? Decerto. Eu...Calou-se ao vislumbrar o triunfo nos olhos de Tragg.Este riu e inquiriu: Que fazia, antes de tornar-se guarda-costas de Karr? Tive uma agência de detectives, em Denver, no Colo- 154

rado declarou Blaine, corando. Aquilo rendia poucoe, quando me surgiu esta oportunidade de ser mais bempago, não pude desprezá-la. Bem. Isso já soa melhor animou Tragg. Sequer continuar a manter a sua licença de porte de arma,terá de cooperar com a polícia um poucochinho mais.Diga-me pois, que sabe acerca de Hocksley? Absolutamente nada. Viu esse homem alguma vez? Oiça, tenente declarou Blaine. Vou ser francoconsigo. Mr. Karr empregou-me, porque receava que asua vida corresse perigo, em virtude do seu passado, naChina. Ele andou a transportar armas para os Chinesescombaterem os Japoneses. Sei que foi ameaçado e perseguido; que não queria a menor publicidade em volta doseu nome e que procurava passar despercebido. Tenho-oapenas ajudado a manter-se escondido.Karr disse secamente: Não o autorizei a referir-se ao que fiz e deixei defazer. São apenas conjecturas suas, Blaine. Onde obteveessas informações? De si mesmo, Mr. Karr. Deduzi o que acabo de dizerdas entrelinhas do que foi dito até hoje. Não se esqueçade que dirigi uma agência de investigação particular enão sou cego, nem surdo. Não ia permanecer ao serviçode uma pessoa, sem saber se estaria a agir ou não contraa lei. Precisei de convencer-me de que o senhor nada tinhapraticado de ilegal, nem contra o seu país, que é tambémo meu, antes de continuar a defendê-lo, a protegê-lo.Tragg levantou-se e foi espreitar à janela. Depois virou-se

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para Perry Mason e declarou: Pessoalmente, Mason, não tenho nada de que acusá-lo, ou censurá-lo. Tenho de partir do princípio de que tudoisto não é mais do que uma coincidência, mas concordaráem que é um raio de diabo de coincidência!155

Se estou aqui, deve-se ao caso de Mr. Karrter pedido a minha intervenção para tratar de uma herança e para verificar certos documentos que poderiamprovar a filiação de Miss Doris Wickford.Como Tragg olhasse para esta, Doris respondeu: E eu estou aqui, porque li um anúncio num jornal... Exactamente cortou Mason. Nunca me foramencionada a existência de um sócio chamado Hocksley.Gostaria de saber, agora, se Miss Doris tem algum sócio,nesta sua pretensão a herdeira. Essa sua pergunta vem ao encontro da minha curiosidade. Mas antes disso, quero saber que se passa com otelefone. Que telefone? inquiriu Mason. Um telefone que parece ter sido mais do que simples telefone neste jogo e em que Mr. Karr deve ter certointeresse. Não estou interessado em telefones resmungouKarr. Sou um homem doente e as experiências porque tenho passado, esta tarde, não me têm feito bemalgum, antes pelo contrário.Gow Loong sentenciou: Mista devia té ido pala a cama há muito tempo. Tens razão, Gow Loong concordou Karr. Um momento ordenou Tragg. Quero fazer maisalgumas perguntas. Mista doente. Não pode fala mais defendeu ochinês. Acerca desse telefone insistiu Tragg, pondo a mãona cadeira de rodas. Que há com esse telefone? perguntou Karr, numtom cansado e impaciente. Temos razões para supor que a pessoa que cometeuo crime tinha fortes motivos para levantar o auscultadordo descanso.156

Mason abriu os olhos interrogativamente e, como Karrnão respondesse, mostrando-se enfadado, Tragg prosseguiu: Detectámos duas impressões digitais, no auscultadordo telefone de Hocksley. Se tem qualquer motivo para acusar-me desafiouKarr , escusa de andar às voltas. Diga-me o que encontrou

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de suspeito que possa envolver-me. Não estou a acusá-lo de coisa alguma disse Tragg. Apenas informo que o telefone estava preparado, pormeio de um fio eléctrico, para dar alarme, se não fosselevantado, caso alguém mexesse no cofre. Não tenho nada com isso e não percebo porque mepresta essa informação que não me desperta o menorinteresse. Porque quem mexesse no cofre, sem desligar o telefone, teria de atravessar um feixe de luz projectada entredois olhos electrónicos, provocando a acção desse alarme.Se isso tivesse acontecido, alguma vez, Mr. Karr, teriadecerto ouvido o besouro do alarme, visto que está exactamente debaixo da janela do seu quarto. E que culpa tenho eu de que o alarme estivesse debaixo da minha janela? Não fui eu certamente que lá oinstalei. Mas isso, realmente, sempre explica uma coisa... Que coisa? estimulou Tragg. Que o que me deve ter acordado, antes de ouvir otiro, deve ter sido, não uma detonação, mas sim essealarme. Nesse caso, não seria dois tiros que ouvi,mas o alarme, e, depois, o tiro. Quanto tempo depois do alarme, ouviu a detonação? Não posso precisar, mas começo a convencer-mede que foi essa espécie de besouro que me acordou e nãoum tiro. Este soou mais tarde. Pense cuidadosamente pediu Tragg. Tem a cer- 157

teza de que não ouviu o alarme, mais tarde, noutraocasião. Não, positivamente. Não ouvi mais nada. Teria simplificado muito as coisas, se me tivesse falado nisso, antes. E agora, se mo permite tenente, chegou o momentode retirar-me. Pode estar certo de que não tenho o menorinteresse em proteger um assassino, seja ele quem for.Sem mais delongas, Karr fez rodar a cadeira de paralítico, no que foi prontamente auxiliado pelo silenciosoGow Loong, que o levou para fora da sala.Então, Doris dirigiu-se a Mason anunciou: Parece que terei de acampar à porta do seu escritório, até que tudo isto esteja resolvido..., refiro-me aodinheiro que terei a haver da parte de meu pai, na sociedade.Rodney Wenston abanou a cabeça e sossegou-a: Conheç'so o "governador" muito bem, pelo que aacons'selho a não começ'sar a pressioná-lo. Isso s'só oirritaria.Virando-se para Mason, Tragg observou: É realmente muito estranha a imensidade de coincidências neste caso e mais estranho ainda o facto de

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encontrá-lo aqui sempre que cá venho.Mason riu-se e retorquiu: Eu diria precisamente o contrário. Sempre que aquivenho, dou de caras consigo, pouco tempo depois. Dir-se-iaque anda atrás de mim, em vez de perseguir o criminoso. Quem sabe se me engano muito respondeu-lheTragg. Pode dar-se o caso de não andarem muito longeum do outro.O tenente encaminhou-se para a porta e disse ainda: Estou a ver que nada mais me resta senão prendero jovem Arthur Gentrie Júnior e acusá-lo de assassínio. De assassínio de quem? interrogou Mason. Julga que me confunde com isso, não? Fique sa- 158

bendo que quando descobrimos o cadáver de Mrs. Perlin,encontrámos também alguns indícios deveras interessantes. No forno da cozinha havia muita cinza e entre elabocados de tecido queimado, alguns botões deformadospelo calor e um par de peúgas, por destruir completamente. Uma mais cuidada análise indicou-nos haver também vestígios de sangue humano, num pedaço de camisaque não chegou a arder. Pense nisso, Mason. E, agora, seme dão licença, tenho de ir à minha vida, fora daqui.Quero falar com esse rapazelho, mal ele saia do armazémdo pai.14Passavam poucos minutos das cinco, quando Masontelefonou para a sua atraente secretária. Ia fechar a loja? perguntou. Estava à sua espera. Como correm as coisas? Assim, assim. Quer vir daí fazer uma viagenzinha? Aonde? Até São Francisco. Como? De avião. Já reservei dois bilhetes. Encontramo-nosno aeroporto. É só o tempo de empoar o nariz e vou a caminho. Okay disse Mason., Mas não o empoe de mais.Gosto dele ao natural. Deixarei o bilhete no guichet, emseu nome. Se se demorar, ficará em terra. É o chefe mais ruim deste mundo protestou ela. Até já.Quando, momentos depois, Mason se encaminhava parao avião, viu Della correr na sua direcção. Receei deixá-lo voar sozinho. Apanhei uma data detráfego, no caminho.159

Estava assim tão desejosa de vir até São Francisco,

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ou ansiosa de curiosidade por saber ao que vamos? Apenas me afligia sabê-lo sem a minha ajuda eprotecção retorquiu Della. Alguma novidade no escritório? Não. Drake pôs uma matilha de detectives em pistae deve ter bebido uma boa dose de uísque para se manter acordadotoda a noite, a compilar informações, visto que o deixei a tomarbicarbonato de sódio. Disse-lhe aonde íamos? Não.Sentaram-se confortavelmente, um ao lado do outro e,instantes depois, o aparelho descolava. Mason espreitoupela janela o terreno a distanciar-se. O Sol acabava depôr-se e, lá em baixo, viam-se, as luzes dos automóveis,brancas e vermelhas, percorrerem as estradas, enquantoque anúncios de néon começavam a iluminar os altosprédios. Em breve as sombras dos vales dos canyons montanhosos contrastavam, com os últimos raios de claridadeque se escoavam dos cumes. Então Mason recostou-see comentou: Sempre gostei desta viagem. Com que intuito esta viagem, em especial? Depois de tê-la deixado, estive a conversar um pedaço com Tragg, após o que fui comprar uns jornais. A moça deixou boa impressão? Aparentemente todos a aceitaram, excepto o olhardo chinês. É difícil interpretar o que pensa, mas não mepareceu aprovar o relato dessa Miss Doris Wickford. Descobriu mais alguma coisa acerca de Karr? Parece que efectivamente teve um sócio chamadoDow Tucker, entre 1920 e 1921. A rapariga diz que eraseu pai, Wickford. Parece também que Karr escapou deum atentado e que Tucker teria falecido nessa altura,160

assassinado. Atira as culpas para cima de um outro sócioque teria fugido com dinheiro da sociedade. Quem era esse terceiro sócio? Alguém importante? Robindale E. Hocksley.Della Street sobressaltou-se com a surpresa. Decerto que Karr não admitiu esse facto, pois não? Sim. Deus do Céu! Mas, nesse caso, isso torna-o suspeitoem primeira mão. Não minimize as impressões digitais encontradas notelefone, Della. São indubitavelmente do jovem GentrieJúnior e Tragg vai cair em cima dele. E a nossa viagem relaciona-se com isto? Não exactamente redarguiu Mason. > - , , .<"

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Então para que vamos a São Francisco? Não me esteja a empurrar, Della. Se tenho razão noque penso, quero fazer algo deveras espectacular. Seestiver enganado, não quero perder a minha reputaçãode coca-bichinhos esperto. O tenente Tragg vem também? Deve andar-me no rasto, mas, como tinha de darainda umas voltas, levo-lhe algumas horas de avanço.Mason fechou os olhos e abriu-os, novamente, paradizer-lhe: Menina linda!Depois pareceu repousar.Quando o avião aterrou em São Francisco e ambosatravessaram a pista em direcção ao aeroporto, um homem trajado de motorista aproximou-se deles e saudou-os,levando a mão à pala do boné. Mr. Mason? perguntou.O advogado confirmou com um aceno de cabeça. O carro está pronto anunciou ele. Nesse caso, avance com ele para aqui comandou11 - VAMP. G. 6 161

Mason. Esteja pronto a partir, de um momento parao outro. Não partimos imediatamente perguntou Della. Creio que teremos de esperar ainda algum tempo disse Mason. Quanto? Não sei. Talvez uma hora, talvez menos. Suponho que essa espera tem algo que ver comRodney Wenston, não? A sua expressão, durante o relato de Doris, deu-mepor vezes a impressão de que estava satisfeito com ofacto de as provas que a moça apresentou serem aceitespor Karr. Notei, portanto, certo contraste com a suaatitude anterior. Sendo ele o natural herdeiro, de Karr, seeste viesse a falecer antes dele, essa primeira atitude justificava-se, não para proteger o seu padrasto "governador" de um embuste, mas para não ter, em Doris, umaconcorrente. Ora, a sua posterior satisfação, mal simulada, surpreendeu-me.Depois virou-se para o motorista e indicou: Seria melhor levar o carro para o fim da pista,longe das luzes, de maneira a podermos descansar confortavelmente, enquanto esperamos. Okay disse o homem" o "patrão" manda. Vamos lá. Tem rádio? Sim. senhor. Prefere alguma estação em especial? Um pouco de música de órgão, se conseguir descobri-la.

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Quero descontrair-me e pensar disse Mason.Momentos depois, ouvia-se um concerto de viola, acompanhado a órgão. Nem de encomenda! exclamou Della, sorrindo.Mason encostou-se, fechou os olhos e pareceu dormitar. Meia hora depois, o programa de música clássicamudou para música havaiana. Mason inclinou-se para162

diante e apurou o ouvido. Era um ruído de motor que oatraía agora. < ,,(Acabou por examinar a aterragem de um avião queprovinha do sul. Ponha o motor em marcha ordenou o advogado.E cale-me esse rádio. O motorista obedeceu. Pronto para acção anunciou.Mason pareceu não o ouvir. O avião aterrava no extremo oposto da pista e viu-se abrir uma porta. Um automóvel cinzento aproximou-se rapidamente dela. Tinha umaluz vermelha no tecto. Uma ambulância! exclamou Della Street. Prepare-se para andar depressa advertiu Mason. Não se importe com os limites de velocidade. Eu tomoa responsabilidade. Quer que siga a ambulância? inquiriu o motorista, duvidosamente. Sim. Mas se põem a sereia a tocar, conseguem passaros sinais vermelhos. Não se importe com isso. Vá sempre atrás deles. E se nos caçam?Não caçam, se for suficientemente colado a eles.pensarão que pertencemos à família do doente.E que pensará o condutor da ambulância?- Estou-me nas tintas para o que ele possa pensar retorquiu Mason. Só quero saber aonde vão.Instantes depois, a ambulância arrancava e o carrode Mason foi-lhe na peugada. A velocidade tornou-se diabólica e o motorista gemeu: Meu Deus! Nunca pensei que fosse assim!Quando a ambulância entrou no tráfego da cidadeabrandou, e em breve virava para a entrada de umhospital.163

É a última vez que me meto num assado destesresmungou o homem, quando Della e Perry Mason saíramdo carro.Chegados ao balcão do hospital, o advogado disse à

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enfermeira da recepção.Tenho uma informação muito importante a comunicar ao médico que irá atender o paciente que acaba dechegar nesta ambulância. Sim? Hum, hum! Que quer dizer-lhe? Uma coisa que ele precisa de saber. Acerca do paciente? É o que lhe estou a dizer. Não creio que possa falar-lhe, agora. Pode tratar-sede um caso de operação cirúrgica. Telefonaram ao doutor de Los Angeles, e novamente, do aeroporto. Ele esteveà espera desse telefonema. Como se chama o médico? inquiriu Mason.Esqueci-me do nome. Dr. Sawdey. E as suas primeiras iniciais? L. O. Bem, ficarei à espera, no átrio... Não. Talvez sejamelhor ir falar com a enfermeira decidiu Mason.Penso que as informações que tenho a prestar-lhe ser-lhe-ãomais úteis, antes da operação. Onde poderei encontrar opaciente? Um momento disse a enfermeira da recepção, pegando no telefone. Onde ficou instalado Karr Luceman que acabou de entrar? É um caso de emergência.Sim, o que veio de ambulância, de Los Angeles... Sim,para ser operado pelo Dr. Sawdey. Oh, sim, certamente.Poisou o auscultador e esclareceu: O Dr. Sawdey esta a preparar-se para operá-lo. O164

paciente irá para o quarto 304, no terceiro andar. Subamaté lá e digam que pretendem falar com a enfermeira doDr. Sawdey.Mason e Della dirigiram-se para o ascensor. Terceiro indicou Mason ao ascensorista.Quando lá chegaram, percorreram um corredor que iadar a um solário. Vários quartos distribuíam-se em voltadeste átrio que estava fornecido de cadeiras de madeiraescura, desconfortáveis, como é normal ver-se nos conventos. Sentemo-nos e esperemos programou Mason.Viram uma enfermeira deslizar em direcção à porta304. Momentos depois, um homem de fato escuro entroue tornou a sair, tal como a enfermeira já fizera.Foi a vez de Mason dizer para Della: Vamos agora nós.Sob o número 304 via-se escrito um nome: "Dr. Sawdey", e logo por baixo: "Proibidas as visitas."

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Na cama, sob um lençol branco, via-se um homem, derosto cansado e de cabeça enterrada no travesseiro. Estava imóvel, com os olhos fechados. Era Elston A. Karr.Mason pegou no braço de Della, saiu novamente parao corredor, depois de fechar a porta cuidadosamente. Que quer isto dizer? perguntou ela, quando oadvogado premiu o botão do elevador. Não compreendeu? Della abanou a cabeça.Com um sorriso, Mason disse: Não quero ainda perder a minha reputação de profeta. Mas vou fazer uma coisa... Vamos a casa do Dr.Sawdey, trocar umas impressõezitas.165

15O táxi parou em frente dos escritórios de um jornal.Mason pagou só motorista e disse para Della: Venha daí. Preciso da sua ajuda. Junto ao balcão da Secção de Consultas,, a empregadaperguntou-lhe: Em que posso ser-vos útil? Queria dois exemplares de um jornal da semanapassada.Começou a procurar na colecção arquivada e indicou: Tem dois destes? Queria que a minha secretária meajudasse a consultá-los. Não pode levá-los daqui. Estes são só para consulta. Eu sei tranquilizou-a Mason. Que quer que eu faça! perguntou Della. Quero que me procure um parágrafo, numa dessaspáginas, que relate ter um tal Mr. Karr Luceman Disparado inadvertidamente um revólver, ao limpá-lo, cuja balase lhe alojou numa perna. Esse acidente, é capaz devir descrito de modo um tanto ou quanto humorístico.O Dr. L. O. Sawdey deve ter sido convocado para operá-lo de urgência, ou apenas para um tratamento preliminar... É o que veremos. Quer dizer que...? começou Della. Continuo a não querer perder a minha reputaçãode profeta. Procuremos, primeiro, os factos e façamos,depois, as deduções que se nos oferecerem. Aqui está anunciou Della, instantes depois.Por cima do ombro da jovem secretária, Mason leu:"UM ASSALTANTE EM BUSCA DE LEITEFERRA UM TIRO NA PERNA DO DONO DA CASA Foi um dia de azar para Carr Luceman que reside non.º 1309 da Delington Avenue. Cerca das duas da manhã,166

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Luceman ouviu um ruído insólito, junto da porta dastraseiras. A despeito dos seus sessenta e cinco anos, é umhomem de acção que desdenha chamar a polícia. Decidiudar, pessoalmente, uma lição ao intruso. Segundo declaração, 'não desejava feri-lo, mas assustá-lo de maneiraa lembrar-se da aventura, por toda a vida.Com esta decisão em mente, Luceman muniu-se de umrevólver de calibre 38, calçou as chinelas que tinha debaixo da cama e abriu cautelosamente a porta da casade jantar. Abriu a porta silenciosamente e discerniuum vulto, recortando-se da sombra, sobre a mesa da cozinha. Era o seu gato, tentando roubar-lhe o leite de umacafeteira."O nosso herói poisou a arma e tentou apanhar o'assaltante Este escapou-se no instante em que Luceman se inclinava sobre a mesa para agarrá-lo. Ainda nãosabe como, o pijama prendeu-se-lhe no revólver, e, aoendireitar-se, a arma caiu ao chão, disparando-se."Enquanto o bichano se aterrorizava com o estrondo,uma bala decidiu enfiar-se numa das coxas do dono. Ador deixou-o inconsciente e prostrado no lajedo da cozinha. Quando acordou chamou o Dr. L. O. Sawdey quevive na vizinhança.Teve sorte o corajoso sexagenário, pois a bala não lheatingiu qualquer artéria e apenas lhe raspou pelo fémur.Vai ficar inactivo, durante alguns dias. O gato é quenunca mais foi visto e supõe-se que fará uma dieta deleite, pelos tempos mais próximos."Mason olhou de relance para Della e perguntou àempregada: Pode vender-me dois exemplares deste jornal dodia 14?167

Depositou a importância do custo sobre o balcão e saiu,,com Della, em busca de outro táxi. Quando entraramnele, programou: Vamos agora tagarelar um pouco com este Dr. Sawtdey. Já deve ter saído do hospital, a estas horas.Quando o Dr. sawdey atendeu ao toque da campainhada porta, olhou para os visitantes, viu o carro à esperae disse: Já é muito tarde..., a não ser que se trate de umcaso de extrema urgência... É só um minuto, Dr. Sawdey tranquilizou-o Mason. Sou um amigo de Carr Luceman. Soube que eleregressou do Leste e pensei poder encontrá-lo. Tenho asua direcção daqui e vim logo que pude... Ah, é isso disse o Dr. Sawdey. Ele sofreu umacidente e está no Parker Memorial Hospital. Infelizmente,

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não pode receber visitas.O rosto de Mason mostrou-se desolado. Soube que sofrera um acidente e desejava imensopoder vê-lo. Não posso demorar-me por cá mais de vintee quatro horas. Ser-me-ia possível visitá-lo, neste prazode tempo? De maneira nenhuma. Ficou muito combalido e proibi-o de ver fosse quem fosse. Está extremamente fraco,pelo que carece de repouso, durante alguns dias... Repouso absoluto. Bem... Farei o possível por esperar até depois deamanhã propôs Mason. Nada feito declarou o médico, firmemente.Não posso consentir uma coisa dessas, antes de umasemana, está muito, muito afectado. Que maçada! lamentou-se o advogado. Posso,ao menos, mandar-lhe um cartão de visita? Tenho imensa168

pena de não poder vê-lo. Já o conhece há muitotempo, doutor? Tenho-o visto várias vezes respondeu o médico,precavidamente. Bem disse Mason, após uma pausa. Espero queeste acidente não lhe tenha prejudicado ainda mais osseus sofrimentos. Como está ele das pernas, doutor?Gravemente, o outro respondeu: Num homem da sua idade, a cura será progressiva,mas muito lenta. Creio que pode escrever-lhe, dentro dequarenta e oito horas, para o hospital, e agora, se medão licença... tenho de fazer uma operação amanhã, muitocedo... Desculpe-me, doutor murmurou Mason , mas soumuito íntimo dele... Se quiser deixar o seu nome propôs o médico ,talvez eu possa...O advogado apressou-se a continuar: Lamento imenso, tê-lo incomodado a esta hora, Dr.Sawdey. Não quero demorá-lo mais tempo. Mandarei umbilhetinho a Luceman. Muito obrigado... A que horas disseque ia operar, amanhã? Bem... Às oito e meia respondeu sawdey, fechandoa porta. Tem fome? inquiriu Mason, passando o braço emtorno de Della, antes de entrarem para o táxi. Sou mulher para comer qualquer coisinha admitiu Della. Não me sinto particularmente esfomeado disseMason , e quero manter este Dr. Sawdey debaixo deolho. Quero certificar-me de que sai, ou não dentro dos

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próximos dez a quinze minutos. Sugiro, pois, que a minha linda menina vá de táxi até ao Locarno's Grill. Espero ir ter consigo, dentro de vinte minutos, ou meia hora.169

Della Street manteve-se pensativa, durante alguns instantes e, perguntou: Se ele sair, será porque recebeu uma chamada médica?Mason confirmou com um movimento de queixo. E é, portanto, natural que vá de carro. Nesse casocomo é que o chefe vai segui-lo? A correr, rua fora? Não, Della. Quero apenas saber se vai, não, aonde vai.Della Street pôs -lhe a mão no braço, fitou-o nos olhose murmurou: Escute, Perry, conheço-o como a palma das minhasmãos. Sei muito bem o que tem em mente. Se está a pensar em assaltar a casa quero ir consigo e enfiar-me nomesmo pântano em que vai atolar-se. Não Della. O que vou fazer tenho de ir fazê-lo eu só.Sei que é ilegal e perigoso e quero executá-lo sozinho.Se fôssemos caçados os dois, não saberia como poderiadefendê-la. Vou ficar consigo, meu rapaz. Ou tomamos amboso táxi ou ter-me-á à perna, até sair outra vez dessa casa.Mason decidiu. Dirigiu-se ao motorista e indicou: O doutor vai passar uma receita. Aqui tem o dinheiro da corrida e uma gorjeta. Vá às suas voltas, masesteja aqui dentro de dez minutos. Esperemos por si.Se ainda cá não estivermos, dê outras voltas. Se são dez minutos, posso esperar objectou ohomem. Não vale a pena, amigo. Vamos ainda bater à portade uns amigos, aqui perto iremos a pé.O motorista levou a mão ao boné e arrancou. Quandojá ia afastado, Della observou: Cá vamos nós, de vento em popa, lançados na carreira do crime. Se vou tornar-me numa cúmplice e aprender como se rouba uma residência, vou passar a falarpelo canto da boca. 'tá bem, chefe?170

Começou a andar, exagerando o balancear das ancas egracejou: Sou a tua tipa, compincha, que vai ficar de vigia,com olho alerta enquanto fazes o trabalhinho.Deu alguns passos e estacou, subitamente ao verum cavalheiro idoso que vinha do lado da esquina, na suadirecção. O homem olhou-a visivelmente desconfiado. Desculpe, Miss disse ele, ao passar por Della.Segundos depois, ainda surpresa, esta perguntou a

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Mason. Meu Deus! Acha que o homem me tomou por umamanhosa qualquer? De onde diabo saiu ele? Do prédio antes da esquina. Pelo menos já ganhoua noite. Ouviu uma ladra," a preparar-se para a acção.Qual é o número da porta de Luceman? Delington, 1309. É já no bloco imediato. Agora, atenção. Enquantoentro, fique na esquina, e se vir alguém encaminhar-separa aqui, seja quem for, passe pela frente da porta etoque uma vez à campainha. Não se apresse. Faça-o omais naturalmente possível. Uma só vez? Exactamente, tal como o faria uma visita. Mas se apessoa prosseguir no seu caminho, toque três vezes. Sea pessoa demorar perto de si, diga contrariada: Pareceque não está ninguém em casa e vá bater na porta aolado. Aqui, se abrirem, pergunte se são leitores da Chronicle e diga-lhes que representa essa revista e anda afazer uma subscrição de assinaturas. Se a rua estivernovamente livre, volte para trás e toque três campainhadas. Isso dar-me-á tempo para sair. Mas certifique-se de que não vem ninguém na rua. Terei de utilizara lanterna eléctrica e, se alguém vir o facho de luz dentro de casa, é capaz de desconfiar e chamar a polícia. Como vai entrar na casa?171

Tentarei pela porta das traseiras. Cuidado, chefe murmurou Della, apreensiva. Descanse que o terei. Se por qualquer razão as coisas correrem torto e vocêtiver de ir-se embora, já sabe onde nos encontraremos... No Locarno's Grill, em frente de um bife de lombode dois dedos de espessura, com muitas cebolinhas, à suaespera. Okay, Della. Olho atento.Mason passou entre as duas casas, pelo estreito corredor de acesso às traseiras da moradia, e examinou a portade madeira, depois de ter atravessado a cancela que estava apenas no trinco. Deparava-se-lhe agora uma fechadura monumental. Foi sondar as janelas e verificou quese encontravam equipadas com um dispositivo de segurança que não era comum em casa alguma que até entãoconhecera. A de Luceman estava fechada com a rigidezde um cofre forte. Tornou a examinar a porta, com alanterna e reparou, então, que já alguém lá estivera antesdele. O painel fora retirado e tornado a encaixar porum perito que certamente não tinha a chave de casa.Deslocou-se cuidadosamente, meteu a mão pela abertura

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e correu os fechos, a visita que o precedera fizera umtrabalho limpo, a canivete.Então Mason, tornou a repor o painel de madeira naalmofada da porta e entrou, fechando-a em seguida. Aofazê-lo ouviu o som de uma sereia cortar a noite nevoenta.Conseguiu reprimir a tensão nervosa e esperou. Embreve o carro-patrulha que se aproximara tornava aafastar-se, rumo ao seu destino, que não era aquele 1309.Deu alguns passos no interior da casa e, pela janela quedava para a rua da frente, viu passar o mesmo homemque se cruzara com Della, deduziu que ele teria ido pôruma carta no marco de correio da área. Foi então inspeccionar o frigorífico e notou que fora recentemente172

instalado. Lembrou-se da história, do gato, enquanto inventariava um fornecimento alimentar próprio de solteirão. Podia estar ali dentro desde a véspera ou há umasemana. A profusão de provisões indicara-lhe o que pretendera averiguar.Seguidamente, passou à casa de jantar e daí à sala deestar. Havia duas estantes, de cada lado do fogão, e duasjanelas, em frente da porta. Estas tinham cortinas, maspouco espessas, pelo que Mason receou que, do lado defora, pudesse ver-se, o facho luminoso da sua lanterna.Pelo mobiliário, compreendeu que a moradia fora alugadamobilada e apenas completada com aquilo que o seu inquilino mais precisava. Receando despertar a atenção dequalquer vizinho noctívago, Mason tirou o chapéu, acendeu a luz da sala e abriu um livro sobre a secretária. Sealguém espreitasse pela janela desse rés-do-chão, admitiria que o locatário estivera a ler.Neste momento, ouviram-se gemidos de pneus; depois,bater da porta de um carro. Imediatamente, a campainhatocou três vezes. Mason imobilizou-se. Porém, subitamente, decidiu-se. Foi à porta da frente e abriu-a. Boa noite saudou ele uma linda secretária, pálidae atónita. Que deseja?Pelo canto do olho. via um polícia à paisana aproximar-se, vindo do carro estacionado à esquina. Boa noite repetiu Mason quando o polícia sepostara por detrás de Della. Vêm juntos? Não disse Della. Estou a angariar assinaturaspara a Chronicle. Temos uma proposta muito atraente... Um minuto, irmãzinha..., um minuuuutoo! disse opolícia.Della virou-se, mirando-o com olhos hostis, enquantoprotestava: Mas que é isso. Estou aqui a lutar pela vida e você,173

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lá porque vê uma senhora sem companhia, já se atreve ameter-se... Quer entrar? convidou Mason a Della e, fitandoo polícia nos olhos, como se não passasse de um qualquercivil metediço, inquiriu: E você o que quer daqui? O "paisana" empurrou Della e entrou também. Que é isso? indignou-se ela. Como se atrevea tocar-me. Francamente! espantou-se Mason. Não foi a siquem convidei a entrar.O polícia abriu a gabardina e mostrou o distintivo daautoridade. Que se passa aqui? interrogou.Mason deu ao rosto uma expressão de extrema surpresa e redarguiu: Porquê? Isso é que eu gostava de saber!O agente explicou: Estava num rádio-patrulha e recebemos o telefonemade um vizinho que disse ter visto um parzinho de ladrõesa combinarem um assalto a esta casa. Um par? estranhou Mason. Viu algum par,Miss... Miss...? Miss Garland? completou Della. Queira sentar-se, Miss Garland. Viu alguém...? Não replicou ela , não vi um par, mas sim umamulher de aspecto..., bem, muito duvidosa, não sei se mefaço entender? Pensei até que se dirigisse para esta casa,mas apenas parou à espera de um homenzinho que selhe dirigia. Tive a impressão de que ele lhe disse qualquer coisa e ela foi-se embora, virando a esquina. Mas parou a esta porta? precisou o agente. Sim, mas não creio que tivesse tocado à campainha.Deu-me mais a impressão de que andava..., andava...,não sei se me compreende?174

Em que direcção seguiu ela? Na mesma, de onde veio o seu carro, Deve ter atépassado por essa mulher... Não a viu? Bem, vínhamos depressa e não reparámos... Como éque ela era? Vistosa..., pintada de mais. Andava de uma maneiraque se notava logo ao que ia... A dar às ancas..., nãosei se... Tenho de falar com o meu parceiro cortou o polícia. Como se chega às traseiras da casa? Por aqui indicou Mason, passando à frente dopolícia; subitamente, parou a dizer a Della. Queira

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sentar-se, Miss Garland. Terei muito gosto em escutá-la. Eu cá dou com o caminho disse o agente, ultrapassando-o. Vou acender as luzes ofereceu-se Mason, indoatrás dele. Desculpe esta desordem, mas só cá estouna cidade a fazer um trabalho e sabe as mulheres-a-dias, quanto a limpeza... Está tudo cheio depoeira. A minha dieta quase se restringe a leite e ovos,mas pode encontrar aí no frigorífico ainda alguma coisa,se o desejar... Não sei o que é costume fazer-se, nestassituações, mas reconheço que veio proteger a minha propriedade e estou-lhe muito grato... O meu parceiro veio pelas traseiras e deve estar láfora limitou-se a responder o polícia. Abriu a portainquiriu: Há novidade Jack? Não respondeu o outro. Estava uma moça, lá fora, a arranjar subscriçõespara uma revista qualquer relatou o primeiro , e dizter visto uma tipa aqui parada, mas que se pôs a andar,mal falou com um gajo qualquer. Descreveu-a? Mal. Já lá vou dentro falar outra vez com ela. Entra175

la! Este é o meu companheiro de ronda apresentou ele. Este é... Como é seu nome. Mr...? Tragg satisfez Mason sem pestanejar. GeorgeC. Tragg.Após um momento de tímida hesitação, acrescentousubserviente: Tenho um irmão que pertence à corporação da Polícia de Los Angeles. Ah, sim? interessou-se o polícia, cuja atitudese modificou visivelmente. É o tenente Tragg, do Departamento de Homicídios...Não sei se já ouviu falar dele...? 'tá visto que já ouvi. Com que então é irmão dele,hem? Bem, bem! Já estive com ele, quando foi da Convenção, aqui há uns meses atrás. Fez aqui uma palestra,acerca da maneira de interrogar testemunhas na cenado crime. Um tipo brilhante, lá isso é. Sim..., também acho confirmou Mason. Eleesteve realmente cá, há uns meses, mas vi-o pouco, porque tenho o meu trabalho e ele andou sempre atarefadíssimo. Essas reuniões da polícia..., a Convenção, etc...é realmente muito útil..., importante. Lá isso é apoiou o polícia. Como disse chamar-se? perguntou a Della, quando chegaram à sala. Miss Garland respondeu esta, com toda a dignidade. E anda a angariar assinaturas para a... Chronicle.

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Pois, pois. Como era essa mulher que viu aqui paradaem frente? Bem..., não reparei como ia vestida, mas noteique andava a dar às ancas, indecentemente. Tinha assaias muito curtas..., enfim, só lhe vi bem as pernas...Não creio que a não descubra, se a vir. Salta logo aosolhos, não sei se entende... E não viu um homem com ela?176

Não. Quando a vi estava sozinha. 'tá a fazer-se tarde observou o polícia, consultando o relógio de pulso. Não é arriscado andar na rua,a estas horas? Pois é respondeu Della , mas tenho de fazer asminhas visitas a estas horas, para apanhar as pessoasem casa, por volta do jantar, depois de virem do trabalho e antes de se meterem na cama. Okay, Miss Garland disse o polícia. Anda daíJack. Vamos lá dar outra volta, a ver se caçamos essapega. Não é que tenhamos qualquer acusação contra ela,mas... tem a certeza de que não a viu mexer na portade entrada? Não. Vi-a apenas parar e ficar à espera..., talvezdo homem de certa idade que se aproximava nesta direc-ção. Sabe como é, não sabe, senhor oficial? Bem, bem... vamos andando decidiu o "paisana". Com que então, o senhor é irmão do tenente Tragg,hem? Bem, bem. Boa noite, Tragg. Boa noite, MissGarland.Perry Mason fechou a porta e, voltando-se para DellaStreet, declarou: Bem, bem. Parece-me que sempre vou assinar essarevista. E parece que nos safamos desta! Acha que já não corremos perigo? Estou certo de que, agora, podemos estar à vontade.Os polícias vão andar às voltas, à procura da "tipa" e,como não conseguirão apanhá-la, acabarão por comunicaro falso alarme à Central e, entretanto, já nós acabámoso nosso "trabalhinho". Que procura, precisamente? interessou-se Della. Pretendo descobrir algo acerca de personalidade deKarr, em São Francisco. Pensa que ele tem mantido este esconderijo, comoCarr Luceman?12 - VAMP. G. 6 177

Não tenho já a menor dúvida. Repare nos nomesKarr e Carr. Na sua entrada no hospital, registando-se

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com o seu segundo nome. Depreende-se que é, efectivamente um homem acossado, pretendendo manter-seignorado, a todo o custo. Aqui, em São Francisco, nãoquereria ir para um hotel, pelo que alugou esta moradiazinha isolada, onde ocultar-se de olhares indiscretos. E essa história da doença das pernas..., a cadeirade rodas? Pense no que aconteceu Della. Levou um balázionuma perna. Naturalmente, não poderia ir consultar ummédico de Los Angeles, que lhe faria perguntas impossíveis de responder, nessa cidade; porém, aqui tem essemédico amigo e a história do "gato que foi ao leite" pegou.Teve de aguentar-se com a bala, até poder voar para cá.Portanto, só lhe restava o recurso da cadeira de rodas,para mascarar o acidente, em Los Angeles.Após uma pausa, Mason decidiu: Toca a procurar qualquer coisa que interesse. Falaremos noutro local mais apropriado e com mais tempo.Começou a dar uma vista de olhos em torno da sala.Quadros nas paredes, móveis a condizer com o estilode coisa nenhuma, nada característico, quanto à suapersonalidade, a não ser alguns livros nas estantes. Masonleu: A Luta pelo Pacífico, Ásia em Transição, A Situação Económica no Japão, O Efeito Estratégico de Singapura. Viam-se cerca de vinte livros deste tipo, em sanduíche com outros de pura ficção, como se houvesse ocuidado de não agrupar temas sobre o Oriente.Com o instinto de dona de casa, Della observou: Deve ter estado alguém, cá em casa, na semanapassada a fazer limpeza. Porque diz isso, Della? Está aqui um risco de cinza que o pano desenhou,ao limpá-la desmazeladamente. E há também um cin- 178

zeiro, com tampa de mola, que foi limpo por fora, masnão despejado, por dentro, a menos que tenha sido recheado de pontas de cigarro, posteriormente. Repare:carrega-se neste botão e o cinzeiro abre-se. Contém bandas de charuto, pontas de cigarro e... está a ver? Sim, Della. Marcas de baton em duas pontas decigarro. Vou dar uma vista de olhos lá acima. É naturalque se encontrem mais vestígios num quarto de camae nos seus armários do que numa sala de estar. Mas, na realidade, o que procura? Procuro só. Não sei bem. Quero descobrir a actividade de Karr. Não há dúvida que está ligado a problemas relacionados com a China. Tem muito dinheiro e nãoparece ser um filantropo. Hocksley era seu sócio e deviaconhecer bem os seus métodos. Há vinte anos, traiu-o a

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ele e a outro dos sócios. Agora, já não trai mais ninguém,porque o eliminaram. Supõe que Karr tenha vingado a morte do outrosócio e essa traição? É isso que quero, na verdade, descobrir. A porta doquarto fica à esquerda anunciou, quando chegaram aotopo da escada.Acendeu a luz e estacou, numa atitude completamenterígida. Que é? indagou Della. <';Mason recusou e disse-lhe: Não entre.Mas a jovem espreitou por cima do ombro dele e ficoucom a respiração cortada.Via-se o corpo de um homem, atravessado na cama,de lado a lado, com o rosto esverdeado pela morte. De umorifício de bala, a meio do peito, escorreria um fio desangue que deslizara sobre a colcha da cama e viera formar uma poça, no chão.Era o cadáver do hóspede dos Gentries, Delman Steele.179

16Presa de intenso nervosismo, Della Street cravou asunhas no braço de Mason.Mason libertou-se suavemente dos seu dedos frios eaconselhou: Fique aí, Della. Não entre no quarto e não toqueem nada. Não se meta nisto, chefe. Não vá lá dentro gemeu ela. Tenho de investigar, Della já que aqui estamos,vamos para diante. Acalme-se, menina.Entrou cautelosamente no quarto. Evitou pisar a poçade sangue e apalpou o pulso de Steele. Então, deu meiavolta e saiu do quarto. À porta, limpou, com o lenço,o interruptor da luz que manipulara para acendê-la. Não se arrisque demasiado, agora advertiu Della. Chame a polícia, Perry. Tem de fazê-lo.O riso de Mason soou sardónico. Estamos numa linda posição para chamar a polícia!Disse aos agentes do carro-patrulha que vivia nesta casae que o tenente Tragg era meu irmão. Você declarouque era Miss Garland e andava a angariar assinaturaspara a São Francisco Chronicle. Estaríamos num lindo"assado". Só nos restava dizer à polícia que não chegámos a revistar a casa, que não encontrámos o corpo eque somos uns meninos muito bem comportados. Teríamos de repeti-lo em frente do grande júri e talvez gritá-lobem alto na câmara de gás, mas sem o menor proveito.

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Ninguém nos acreditaria. Mas não podemos fazer outra coisa. Acabarão pordescobrir-nos! Nunca nos safaríamos dessa maneira contrariouMason. Mas logo que a polícia descubra o cadáver, pergun- 180

tarão a Tragg se tem algum irmão e farão uma descrição pormenorizada das nossas pessoas. Por isso mesmo. Já que a defensiva não nos leva aparte nenhuma, a não ser à cela da morte, só teremos umacoisa a fazer: atacar. Talvez Rodney Wenston nos salve. Se vier aqui,estará em melhor posição do que nós, para avisar apolícia. Porquê? Porque sabe para o que esta casa foi utilizada e sabetambém que Karr iludiu a polícia. Além disso, Wenstontem um álibi indestrutível. Não se esqueça que voava deLos Angeles para São Francisco, transportando Karr,a fim de este ser operado à perna.Após um gesto de concordância, Della inquiriu: Como é que Steele entrou cá dentro e... como foimorto? Vamos embora daqui para fora. Falaremos no Locarno's Grill. agora, o grande passo a dar é fugirmospara bem longe deste local.Apagaram as luzes do corredor, limparam as impressões digitais que aí poderiam ter deixado e dirigiram-separa a porta. Não vale a pena limparmos os objectos em que tocámos na sala disse Mason. A polícia poderá identificar-nos facilmente pela descrição dos dois agentes. Masuma coisa é a sala e outra o tenebroso quarto! Não prefere sair pelas traseiras? De maneira nenhuma. Vamos por esta, descaradamente e de braço dado. Marido e mulher, a caminho docinema. Já é tarde para isso tentou motejar Della. Omeu estômago diz-me que marido e mulher deveriam ir antescomer qualquer coisa.181

Mason olhou para ela e viu-lhe lágrimas a bailarem-lhe nos olhos. Que é isso, corajosa menina? Cos diabos, Perry! Não poderia... deixar Paul Drake...encontrar os cadáveres... em vez de nós?Mason passou-lhe o braço em volta da cintura e apertou-a

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estreitamente contra ele. Queixo para diante, cabeça levantada, sorriso noslábios, Della, e toca a andar comandou.Abriu a porta e o nevoeiro trouxe-lhes o frio aos rostos e dedos. A rua parecia deserta. O nosso táxi não está cá observou Della. Vamosa pé, até um autocarro? Não. Acho que devemos esperar pelo táxi, tranquilamente, parados aqui à porta. É testemunha da hora a queentrámos nesta casa.Neste momento um táxi aproximava-se lentamente.O motorista parou e perguntou: Querem vir agora, ou preferem perder mais dinheiro,comigo às voltas? Embarcamos já respondeu Mason, com uma brevegargalhada. Esperou muito? Os seus dez minutos foram quase meia hora.Minutos depois, paravam em frente do restaurante.Della saiu do carro, enquanto Perry Mason pagava aomotorista. Já na rua, perguntou à secretária: Que anda a fazer nesta cidade? É um prazer encontrá-la. Quer vir comer um bife comigo? Dois cocktails, antes, para aperitivo propôs Della. Combinado concordou Mason.Entraram, rindo, na sala de refeições do restaurante.Inclinando-se para o advogado, como se fosse sua namorada,Della segredou-lhe: Tenho os joelhos a tremer. Essa bebida que venhadepressinha!182

Acaba por acostumar-se a cadáveres, vai veranimou Mason, profeticamente. Por este andar, acabarei por habituar-me à prisão protestou Della. Agora, vai sentar-se. Tenho uns telefonemas a fazer.Encomende uns cocktails, enquanto dou um salto aotelefone.Um criado aproximou-se, sorridente. Arranje-nos uma mesa, a um canto encomendouMason. Compreendo respondeu o criado, com um piscarde olho. por aqui, por favor.Depois de ter instalado Della à mesa, Mason dirigiu-seà cabina telefónica. Ligou, primeiro, para o aeroportoe marcou duas passagens para o avião da meia-noite.Depois, fez uma chamada de longa distância, para o escritório de Paul Drake. Este não estava, mas o advogadodeixou instruções precisas: Logo que seja possível, quero saber por onde andou

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Rodney Wenston, minuto a minuto, durante todo o dia.Quero também obter todo quanto se possa descobriracerca de Delman Steele, inquilino da família Gentrie,em East Dorchester. Registaram isso? Sim. Paul deve estar de volta, dentro de uma hora,ou pouco mais. Digam-lhe que espere por mim. Estarei aí, no escritório, cerca das duas e quarenta e cinco.Voltou para a mesa e ergueu as sobrancelhas, admirativamente, ao ver dois cocktails, por encetar, sobre atoalha. Que é isso, Della? Está a fazer cerimónia comigo,à minha espera? Não estou nada. Já vou no segundo. O criado levouo vazio. À saúde do crime! À saúde do crime repetiu Mason. Tiniram as taças.183

17Paul Drake, sentado em frente de uma chávena de cafée tendo a seu lado uma máquina eléctrica que aquecianova dose, em balão de vidro, viu entrar Della Street ePerry Mason e perguntou: Como diabo conseguem isso? Eu estou para aqui,com os olhos abertos, mas só à custa de palitos espetadosnas pálpebras. Dormir excessivamente é um mau hábito, Paul criticou Mason. Se não tomas cuidado, qualquer dia precisas, pelo menos, de duas ou três horas de sono por dia,para não te sentires mole, na manhã seguinte. Bem, ainda cheguei a esse ponto. A minha horade sono, por dia, chega-me perfeitamente. Só que me sintocomo se tivesse bebido uma garrafa de vodka e levadocom um tractor na cabeça. Suponho que vocês dois estiveram a correr os clubes nocturnos até agora, e vieram-seembora porque a orquestra foi para a cama, não? Exactamente, Paul disse Della, descrevendo umavolta, em passo de valsa. Foi uma noite perfeitamentedivina! Vão para o diabo resmungou Drake, sorrindo.A mim não me enganam. Devem ter estado, mas foi acometer um crime, em qualquer lado. Que cadáver descobriram, desta vez?Della parou de dançar e respondeu mal-encarada: Isso é o seu maior defeito, Paul. Não tem o menorsentido de romance. Como passa a vida a tratar de crimes, sente-se enterrado em cadáveres, até ao pescoço.Mas aqui o meu chefe, é diferente. Leva a sua encantadora secretária (que sou eu) a jantar e, depois, baile eoutras coisas belas. Nem calcula o bom que foi!

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Também tive uma noite divertidíssima, a aturarMrs. Gentrie, em vossa vez. Instalou-se aqui, completa- 184

mente desesperada, porque Tragg lhe meteu o filho na !cadeia, esta tarde. Apareceu-me, por volta da meia-noite,e disse-lhe que vocês não deveriam regressar antes dauma e meia, ou duas da manhã. Ela decidiu esperar e subiu. Está agora em casa, à vossa espera, desde a umada manhã. Nesse caso tenho de ir falar com ela. Que disse? Nada. Não deve ter nada a dizer. Não é mais doque uma mãe angustiada, tentando salvar o filho damorte. Tens aí uma chávena de café? perguntou Mason.Drake abriu uma gaveta e tirou dela dois copos deplástico. Posso dar-vos estes e, se quiserem açúcar, ou creme,não levam nada porque isto aqui é um escritório.Mostrou os dentes, como se risse, sem rir. Que há acerca de Rodney Wenston, Paul inquiriuMason. Foi para São Francisco, logo a seguir à visita deTragg. Já devem desconfiar que o meu homem não osperde de vista, pois Karr não pôs os pés no chão. Levaram-no ao colo, do carro para .o avião, como se fosseum bebé. Que fez Wenston, antes disso, durante o dia? Andou por aí às voltas. Como sabes, não estava aindaa ser seguido Portanto, não pudemos fazer mais do queinvestigar por onde andou. Começámos, a partir do meio-dia. O tal tipo que vive perto da casa dele disse quesaiu a essa hora e o moço da bomba de gasolina, no cruzamento da estrada, onde geralmente se abastece, disseque o viu passar por volta da uma, mas que não paroupara atestar o motor? Guiava o seu carro? Hum, hum! Foi ao teu escritório, por volta das três,não foi?185

Mais ou menos disse Mason. Às duas e cinquenta e cinco precisou Della. Você fixa as horas de toda a gente que entra novosso antro? E as de quem sai. Como é que julga que consigosaber quanto ganha Perry, por hora? Sou eu quem lhemarca as faltas. É uma boa ideia. Creio que devo arranjar uma empregada como Della. Aposto que eu, à hora, ganhava mais

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do que tu, Perry. Mas eu, quando estou no escritório, trabalho troçou Mason. Não passo as horas a fazer café... Quehá cerca de Delman Steele? Não percebo esse pássaro. Julga-se que tem umemprego, num escritório qualquer de arquitectos, masquando tentámos descobrir a tarefa, não se encontrou. Como não se encontrou? admirou-se Mason. Bem, anda por lá, alugou um gabinete com estiradore tudo, onde passa algumas horas do dia, mas não sesabe em que trabalha, nem para quem. Esteve nesse estúdio..., ontem? Chegou às nove e pôs-se logo a andar, às dez. Voltouàs duas, para tornar a sair às três, e mais ninguém o viuno poleiro. É um pássaro estranho, Mason. Alugou aquelequarto em casa dos Gentries e tem uma porta privativapor onde pode entrar e sair, quando quer, mas preferiutransformar-se num familiar deles e passa lá um bombocado do dia. Mrs. Gentrie pensa que é um tipo solitário e... Sei tudo isso. A que horas saiu, ontem à noite? Não sei. Recebi o teu telefonema tarde de mais parapoder inventar um pretexto para contactar com ele. Comoquerias que não levantássemos suspeitas, a nossa investigação foi discreta. Não há dúvida que tem o nome inscrito na porta do estúdio, como sendo arquitecto, e leva186

desenhos para casa dos Gentries, mas... acho que Mrs.Gentrie pode saber qualquer coisa de mais preciso, se tederes ao trabalho de falar com ela. Creio que nada mais nos resta, esta noite, a nãoser dormir sobre o assunto concluiu Mason. Esta noite? exclamou Drake, olhando para orelógio. Já é quase dia. Enquanto não é dia, é ainda noite sentenciouMason, como um oriental. Acabe lá o seu café, Della.Vamos lá. Ao trabalho, calões gritou Drake, quando elessaíam a porta.Subitamente, Mason voltou para trás e disse: Escuta, Paul, tens uma coisa a fazer. ,-" Não faço nada, enquanto não dormir algumas horas protestou Drake. Mason limitou-se a fitá-lo. Que é? sondou Drake , finalmente. , . Tens que ir sacar uma confissão a Karr. < ,< Uma confissão!?? Não estou a perceber, Perry., Dou-te um lamiré, Paul. Hocksley não foi assassinado. Foi apenas ferido. Quero descobrir quem disparou

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contra ele e porquê. ,, Como sabes que só foi ferido? Porque o vi.< Porque o viste! inquiriu Drake estupefacto.Onde diabo foi isso? No Parker Memorial Hospital de São Francisco. Que disse ele? Nada. Tinham-lhe dado certamente uma injecçãopara dormir. Não morre, decerto, mas o médico quermantê-lo fora da circulação o mais tempo possível.-<>. Como é que ele foi para São Francisco?Foi Wenston quem lá o levou. Wenston? Nesse caso, traiu Karr e pode ser que...187

Não interrompeu Mason. Não está. Karr eHocksley são uma e a mesma pessoa.Drake empurrou a cadeira para trás e pôs-se de pé,num salto. Devo, ter tomado café a mais, Perry resmungou, ou então foste tu que abusaste dos copos. Um de nósestá drogado. Hocksley é um tipo ruivo, que coxeia, comuma perna mais curta do que outra... Equacionarei o problema desta maneira enunciou Mason: Quem alugou o apartamento foi JohnsBlaine, com uma cabeleira ruiva flamejante e uma botade coxo. Porém, ao fazê-lo, agia como elemento de confiança de Karr. Não te passe pela cabeça que um tipocomo Karr ia consentir que alugassem um apartamentopor debaixo do seu sem poder controlá-lo. Era demasiadoarriscado, para quem se esconde. Parece razoável admitiu Drake , mas quem teafirma que ele anda a esconder-se e de quem? Karr andou a transportar armamento clandestinopara a China e teme toda e qualquer publicidade. Nesse caso, o cofre do andar de baixo pertence aopróprio Karr. Sim. Então porque não guardou o cofre no andar decima? Provavelmente porque Blaine toma conta do cofree dorme a seu lado. Desta maneira, a governanta, Sarah Perlin, deviasaber da história. Está visto. E Opal Sunley? Não necessariamente objectou Mason. Pode tersabido ou não, mas isso não faz grande diferença. A governanta vivia lá dentro e Opal só lá entrava duranteo dia.

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Mas, Perry, disseste que Hocksley foi ferido a tiro.Nesse caso, Karr tem um ferimento de bala... Na perna. Por isso é que trazia as pernas cobertaspor uma manta. Desse modo não lhe podiam ver asligaduras. Não sofre de artritismo? Sim, provavelmente, mas não tanto como quisfazer-nos crer. Espera um momento, Perry cortou Drake. Ummédico não iria tratá-lo de um ferimento de bala semcomunicar à polícia. , ,,-, Pois não. ( ,( , Não estou a ver... Karr é um homem de muitas actividades e, evidentemente, esconde-se sob vários tectos e várias identidades.Aqui, é Robindale E. Hocksley, quando se trata de negócios; em São Francisco, é Carr Luceman, morador naDelington Avenue, 1309. Não me interessa os nomes que possa usar, Perry.Uma coisa é certa: se levou um tiro, não poderá tratar-sese não...... der uma explicação plausível ao médico e à polícia completou Mason. Naturalmente, como ElstonKarr, vivendo por cima de um apartamento onde teriasido cometido um crime, não tinha hipótese de prestarinformações à polícia de Los Angeles; mas, como CarrLucernan, vivendo em São Francisco e vizinho de ummédico, num local onde não houve qualquer assassíniode que pudessem considerá-lo suspeito, já teria possibilidade de inventar uma boa história... Que queres, pois, que faça? Que o convenças a admitir toda a história. Eu nãoestou nesta altura, em posição de lhe deitar as garras.Mas tu estás. Onde está ele agora?189

No hospital. O médico não o mandou para o hospital logo que oviu ferido? Aparentemente, não. O ferimento não era complicado e o médico deve tê-lo aconselhado a manter-se quieto,até ser possível operá-lo, quando estivesse livre. Que queres que lhe diga? Com base nas informações que te prestei, pretendoque o leves a narrar-te a sua versão do que aconteceu nanoite do tiro. Não estarei a arranjar um sarilho, ao ocultar essa

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informação à polícia? Mas tu não tens nenhuma informação, ou terás? Contaste-me uma data de coisas... Tu é que vais agora obtê-la, do próprio Karr. Deresto, nenhuma lei te obriga a ir meter tudo no ouvido dapolícia, mal um advogado qualquer te apresenta umateoria idiota, acerca de um tiro. Era o que faltava!Drake hesitou por um momento e decidiu: Bem, bem... realmente, não. Escusas até de mencionar ser minha a teoria. Aquitens um recorte de jornal, que relata como Carr Luceman ferrou um tiro na própria perna, em São Francisco.Tudo quanto te peço é que investigues esse caso que mepareceu estranho. Quando parto? inquiriu Drake. Já. Aluga um avião. Podes dormir quarenta sonosdurante o voo. Oh, não. Isso é de mais! protestou Drake sarcasticamente. Vinte minutos são suficientes. Dormir, demais faz mal!... Wenston sabe desta história? Deve saber... Acerca do ferimento de bala? Provavelmente. Levou Karr, de avião, até lá, estatarde. Da última vez Karr, achei-o febril. Tinha a190

pele seca, quente, e o rosto corado, o que nele não énatural. Quem diabo saberá o que aconteceu, na noite do tiro? comentou Drake. Mais alguém saberá, além deKarr? Certamente. Quem? Quem puxou o gatilho retorquiu Mason, rindo.Com a voz arrastada de fadiga, Drake disse, ao telefone: Ligue-me ao aeroporto. Quero alugar um avião parauma viagem até São Francisco. Com uma boa cabina, hem?Mason virou-se para Della Street e decidiu: Vamos lá aturar, por nossa vez, a outra ponta dameada deste caso.A caminho dos Gentries, acrescentou: Já devia ter mandado vigiar Steele, há muito tempo. Não vejo porquê disse Della. É simples. Lembre-se de que, quando estive a raciocinar sobre o caso, observei que a pessoa que estava areceber as mensagens teria, forçosamente, acesso aodicionário. Alguém que, por qualquer razão, não pudesseutilizar o telefone. Ora esse era um privilégio de que ohóspede de Mrs. Gentrie estava privado. Toda a gente,

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naquela casa, o usava, excepto o hóspede. Quando o aparelho tocava, era uma balbúrdia, com os três rapazese a tia Rebecca a correrem para ele. Mas por que motivo mataram Steele, se ele era apessoa a quem as mensagens eram dirigidas? De momento não me ocorre outra explicação quenão seja estar ela a intervir, com um cúmplice, numsegredo antigo. Nesse caso, pensa que foi Karr quem o matou?perguntou Della. O tempo de Karr já foi devidamente estabelecido191

e está completamente preenchido. E Wenston está forado caso. Steele deve ter sido morto, cerca de duas horasantes da nossa chegada àquela casa. Não há dúvida de queKarr foi e ainda é um homem doente. O ferimento dabala, a perda de sangue, o choque emocional e o desenrolargeral dos acontecimentos, devem-no ter deitado abaixo.Não é fisicamente robusto. Além disso sofre de artritismo,nas pernas. Pode, evidentemente, andar, mas devagar ecom sofrimento. Podemos pô-lo de parte, no que respeitaa Steele. Pensa que Karr desceu ao andar de baixo, na noitedo tiro? É a única dedução lógica. O sinal de alarme estavacolocado num local onde ele podia ouvi-lo do seu quarto.Deve ter acordado e descido as escadas, lentamente. Surpreendeu alguém, junto do cofre, e apanhou o tiro. Supõe que Steele chegou a receber a mensagem queo chefe pôs na lata? Não sei. De certa maneira a sua morte vai complicarainda mais as coisas. Não percebo. Que quer dizer com isso? Há duas pessoas envolvidas no caso. Uma delas éaquela que enviava as mensagens e a outra, aquela queas recebia. Se considerarmos ser Steele quem as recebia,temos que descobrir quem as enviava. Admitimos, paramanter de pé a teoria, que era Sarah Perlin. Sendoassim, Steele encontrou uma lata na prateleira da despensa depois da morte de Sarah Perlin. Portanto, sabiatratar-se de uma armadilha. Por essa razão não tocou nalata. Por outro lado, se Sarah Perlin não era a pessoa queenviava as mensagens, Steele (considerando ser ele quemas recebia) deveria ter caçado a lata, na primeira oportunidade que se lhe deparasse. Começo a estar confusa com tudo isto confessouDella. Pensava que as mensagens eram enviadas e192

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recebidas pelos assassinos. Afinal surgem-me agora transformados em vítimas. Que vamos fazer, a seguir? A casa de Mrs Gentrie, que está à nossa espera.Enquanto lá estivermos, temos de arranjar um pretextopara irmos até à despensa. Se a lata ainda lá estiver, ofacto é significativo. Ainda lá deve estar disse Della, convictamente. Tinha de ser Mrs. Perlin quem enviava as mensagens,e Steele quem as recebia. Estão ambos mortos. Estou aver o que aconteceu. Mrs. Perlin era uma espia e transmitia as informações obtidas a Steele. Era por isso queas tentativas de Karr para caçar o verdadeiro Hocksleyfalhavam. Karr apanhou o tiro na perna e foi tudo quantoprecisou para compreender o que se passava. Com a suaexperiência oriental, arranjou maneira de atrair os doisespiões às armadilhas e matou-os. Isso é um outro ângulo do problema que me confunde declarou Mason. Que aconteceu ao verdadeiroHocksley? .' Ao que estava na China? Sim. Não supõe que tivesse morrido? Nada há que o indique. Karr deve ter tido qualquermotivo muito especial para alugar o andar inferior aoseu sob nome de Hocksley. Podia ter escolhido milharesde outros nomes, mas foi logo escolher esse e mandouBlaine fazer-se passar por ele. É muito significativo. Cos diabos, chefe! Aposto como esse Hocksley verdadeiro entra na peça. Deve andar por aí e viu o seunome nos jornais... Está a ver o que aconteceu? Karrtratou de esconder a sua identidade alugando a casa emnome de Wenston, mas viu o nome nos jornais e dirigiu-se ao apartamento que diziam ser seu... Mas..., que13 - VAMP. G. 6 193

diabo se está a passar comigo, chefe, desculpe. Deve tersido do café. Continue, Della, peço-lhe disse Mason. Está air muito bem, no seu raciocínio.A jovem abanou a cabeça e redarguiu: Recuso-me absolutamente a resolver casos por si.É uma violação do meu contrato de trabalho. Não mepaga bastante, para isso. Não está a resolver caso algum, Della objectouMason. Está apenas a dar-me algumas ideias. Não precisa que lhe dêem ideias, chefe!... Ouprecisa?... De "certas" ideias?Riram-se ambos, durante alguns momentos. Estou com os nervos em franja acabou Della por

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confessar. As mulheres habituam-se a ser femininas e adeixar o esforço mental para os homens. É muito maiscómodo. Deixe-se disso, Della. As mulheres não precisam deesforçar-se para ter ideias. Têm-nas naturalmente e...,às vezes, até de mais! motejou Mason. Vá para diante, chefe, e resolva os seus mistériossozinho. E já agora, passe o seu braço em volta dosmeus ombros, pois estou a sentir frio.A casa dos Gentries estava envolta em sombras esurgia negra e inóspita, recortada na noite. Só se vialuz acesa nas janelas da casa de jantar e da cozinha.Mason parou o carro e ajudando Della pela cinturasubiu os degraus de acesso à porta principal. Não se esqueça lembrou que não convém mostrar grande interesse pelas latas da despensa. A coisatem de ser abordada ocasionalmente.Bateram levemente à porta e Mrs. Gentrie veio abrir.Pôs um dedo nos lábios a solicitar silêncio. Por favor pediu , não façam barulho. Não quero194

a minha cunhada metida nisto. Ela nunca foi muito tole-rante com os meus filhos façam o favor de entrar.Escoltou-os, através da sala de estar, para a casa dejantar. Lamento ter de recebê-los aqui desculpou-se ,mas a sala fica justamente debaixo do quarto de Rebecca.Ela quer saber sempre o que se passa, e, na realidade,detesta Júnior. O pior é que o tenente Tragg começou aelogiá-la e ela deve ter-lhe dado volta ao miolo, . acercado rapaz. Faz-lhe rapapés e pensa que ele é um homemmaravilhoso. Que disse ela, quando soube que Júnior foi preso? perguntou Mason em voz baixa. Ainda não sabe. Não tive coragem para contar-lho.Não sabia quando Mr. Mason poderia vir cá a casa e nãoquis passar a noite a ouvir a minha cunhada com recriminações. Que foi que aconteceu? Conte-mo com todos ospormenores. Bem, eu já esperava começou Mrs. Gentrie.O tenente Tragg veio cá, depois do jantar, e Júnior nãoestava em casa. Meu marido dissera que o rapaz se sentira mal no armazém, pelo que o mandara vir para aqui.Quando soube que ele ainda não tinha entrado, ficoufurioso. Que disse o tenente a isso? Penso que estava muito zangado com Júnior. Disseque a culpa era só sua pois já devia ter tomado precauções a esse respeito. De resto, já tinha colocado vários

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homens a vigiar a casa e mandou a companhia dos telefones pôr o nosso inoperante. Estávamos aqui, virtualmente, como prisioneiros..., e os outros pequenos acabariam por dar-se conta disso. Steele estava cá em casa? Não. Costuma ficar fora, várias noites, durante o195

mês; isto é, uma ou duas por semana. Parece um homemmuito solitário. Embora seja bastante atraente, não creioque tenha namoradas. Parece que aprecia sentar-se juntode nós, como se estivesse em família, E Rebecca? Felizmente, só cá chegou depois do tenente Traggter saído. A única coisa de que ela gosta, além de palavras cruzadas e de fotografias, é de ópera. A que horas acabou Júnior por chegar? Por volta das onze. Tragg fez-lhe algumas perguntas? Não. Levou-o sob custódia. Então, retirou os políciasà paisana que vigiavam a casa e, da companhia dos telefones, recebemos a informação de que o nosso estiveratemporariamente inoperacional, mas que já fora postoem funcionamento. Telefonei para o seu escritório, Mr.Mason, mas ninguém respondeu, como era natural, àquelahora. Então lembrei-me de comunicar com a AgênciaDrake e devia já ser meia-noite, quando consegui contactar com Mr. Drake. Pedi-lhe que lhe transmitisse aminha mensagem.Mason passou a mão pelo queixo e observou: Se a polícia esteve a vigiar a casa, Steele teria sidointerpelado pelos guardas, ao vir para casa. Sim, se viesse antes de Júnior chegar. Gostava de saber desde quando Tragg postara osseus homens de vigia e se estes conheciam Steele de vista.Tenho grande empenho, Mrs. Gentrie, em acordar Mr.Steele, para fazer-lhe algumas perguntas. Ora, Mr. Mason hesitou Florence Gentrie , nãovale a pena. Ele é unicamente nosso inquilino e nada tema ver... Essa porta que dá para o patamar é a do quartodele? interrompeu Mason. Sim confirmou Florence. Tem saída privativa e196

quarto de banho, só para ele. Podia fazer a sua vida independente do nosso convívio, mas preferia fazer-nos companhia. Só não podia utilizar o telefone, como se combinara, quando do contrato de aluguer, e... Posso ir bater-lhe à porta? cortou Mason.

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Oh! Eu não o faria receou Florence. Aindanão são horas! Isto é muito importante insistiu Mason. Eu não queria que as conversas acordassem Rebecca.Começaria logo com perguntas. Embora seja minhacunhada, não posso abster-me de dizer que é uma bisbilhoteira e se tivesse sabido que Júnior não estava emcasa, na noite do tiro, não teria deixado de contar issoao tenente Tragg. Detesta o rapaz e, coitado dele, Mr.Mason, estou certa de que não é culpado. Sabe o que éque se passa com um adolescente, quando começa a sentir-se já homem e a querer tomar atitudes de pessoaadulta. Ainda é pior, se se julga apaixonado. Quando otenente lhe deu voz de prisão, levantou-se, muito direito,e não disse palavra. Quero ao menos ver se Steele tem a porta do quartofechada à chave.Atravessou a sala, cruzou o patamar e rodou o puxadorda porta, cuidadosamente. A porta abriu-se sem ruído eo advogado espreitou. Não está ninguém anunciou, surdamente.Florence pôs-se de pé, espantada, e exclamou: Como não? Já passava das três horas da manhã!Nunca aconteceu... Esta porta costuma ter os gonzos assim oleados? inquiriu Mason, vendo um fio de lubrificante escorrerpelas dobradiças. Não até guinchava um pouco... Deve ter sido Rebecca..., pois era ela quem cuidava das coisas de Mr.Steele, mas não me disse nada.197

Steele estava em magnífica posição para sair doquarto, descer a escada, atravessar a despensa e a arrecadação, para a garagem, e passar, daí, para a casa dolado, onde vivia Hocksley observou Mason. Ele próprio pode ter oleado os gonzos, para poder sair e entrarsem ser ouvido. Vou dar uma vista de olhos pelo quarto. Oh, Mr. Mason! Ele pode não gostar... É muito importante saber onde ele se encontra, neste momento, e o que fez durante o dia. Creio que o ouvi entrar, por volta das duas e meia,ou três horas da tarde disse Florence. Parecia estarcheio de pressa. Geralmente vem falar connosco, mas,desta vez, não nos disse nada.Mason abriu o armário dos fatos e perguntou: Sabe como ele ia vestido? De manhã, levava esse fato cinzento-claro queestá aí.

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Nesse caso, veio cá a casa para mudar de fatoadmitiu Mason, começando a revistar as algibeiras docinzento. Oh, Mr. Mason! Acha que deve fazer isso...? criticou Florence.Mason retirou um telegrama, da algibeira exterior, eexclamou: Olá, olá! Que é isto? Francamente, Mr. Mason! protestou Florence. É um telegrama enviado a Steele, para o estúdiode arquitectos, e diz: Homem chamado Carr Lucemanferiu-se acidentalmente, quando gato saltou sobre a mesa,disparando-se arma. Morada Delington Avenue, 1309, SãoFrancisco. Tome avião investigue. Está assinado: 'K.Anamata.Perturbada, Florence disse: Acho que não devia ter feito isso, Mr. Mason! Não compreende, Mrs. Gentrie? Steele alugou este198

quarto para poder vigiar o que se passava em casa deHocksley; provavelmente, para conseguir revistar o apartamento, para o que lhe bastava passar pela garagem. Oh! Porquê? Não posso acreditar numa coisa dessas! Não tenho a menor dúvida de que Steele desempenhava aqui uma missão de espionagem. A assinatura dotelegrama indica que estava relacionado com japonesese tive já ocasião de ouvir o tenente Tragg mencionarque, o andar por cima do de Hocksley, o proprietário,Mr. Karr, estivera, em tempos, envolvido em fornecimento de armas para a China. Sei que Hocksley tambémestava envolvido nesse tráfego. Meu Deus! exclamou Florence, juntando as mãossobre o peito. A senhora, Mrs. Gentrie, vai ficar na sala, muitoquietinha, e deixar-nos investigar à vontade. Asseguramos-lhe não fazer o menor ruído. Não. Prefiro acompanhá-los. Então, Vamos lá.Florence acendeu a luz da escada e desceram em direcção à despensa. Na noite do tiro, o seu marido foi deitar-se, depoisde ter acabado de pintar a porta da garagem, não foiassim, Mrs. Gentrie? Exactamente. Onde está ele, neste momento? A dormir. Pode acontecer seja o que for, que nadalhe tira o sono, mesmo que tenha de ser executado no diaseguinte. Até costuma dizer: "Se o que tem de acontecer,tem mesmo de acontecer e nada podemos fazer para

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alterá-lo, para quê privarmo-nos de dormir?"Como que casualmente, Mason virou-se e olhou para aprateleira onde depositara a lata com a sua mensagem.Aparentemente, ninguém lhe mexera. Della Street notouo mesmo.199

Esta porta para a arrecadação e para a garagemcostuma estar fechada? interessou-se Mason. Esta porta não, mas a da garagem de Mr. Hocksley,sim. Creio que fizeram mais duas chaves iguais, parauso de Mrs. Perlin e Miss Opal Sunley. Vamos inspeccionar essa garagem. Ao entrarem Florence Gentrie acendeu a luz. A portaestava fechada apenas no trinco e não se via um únicoautomóvel lá dentro, embora houvesse espaço para dois, A garagem de seu marido é igual a esta, Mrs.Gentrie? Sim respondeu Florence. A nossa tem portade ligação para a arrecadação e esta, que alugámos aMr. Hocksley, tem aquela porta que dá directamenteacesso a casa dele. Os polícias levaram-lhe o carro, porque estava cheio de manchas de sangue e nunca mais otrouxeram. Mason aproximou-se da porta que Florence apontarae abriu-a. Meu Deus! exclamou Florence. Essa porta estásempre fechada à chave! Não há dúvida de que alguém, que tem uma chavedesta porta, esteve aqui e abriu-a. Ora vejamos: Hocksleynão pode ter sido, nem Mrs. Perlin, que foi assassinada;só poderia ter sido Miss Opal Sunley. Ou mais alguémteria uma chave daqui? Ninguém mais afirmou Florence. Tem visto Miss Sunley? Vi-a ir para o apartamento de Mr. Hocksley, estamanhã, e admirei-me, pois não pode ter trabalho parafazer, agora que ele desapareceu. Se ela deixou esta porta aberta, acha que maisalguém cá de casa teria aqui vindo? Os seus pequenos,por exemplo? Júnior não teve oportunidade, pois não voltou a200

casa, desde que saiu do armazém. Meu marido não desceu sequer à arrecadação e os mais pequenos, quandovieram da escola, foram brincar para o seu quarto, antesde jantar; depois, deitaram-se. E Miss Rebecca Gentrie? sondou Mason.

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Também não, que eu saiba. Esteve entretida com assuas palavras cruzadas e, depois do jantar, foi à ópera. A que horas voltou? Perto da meia-noite. Queria falar-me da ópera, masnão estive com disposição para aturá-la e foi para acama. Tem a certeza de que foi directamente para o quarto,sem ter descido à despensa.Para que havia ela de vir à despensa? Admirou- -se Florence. Estava vestida com o seu melhor vestido de noite e não quereria sujar-se.Bem disse Mason , já vão sendo horas de nosirmos embora.Mas eu queria falar-lhe de Júnior. Que posso fazerpor ele? Queria pedir-lhe, Mr. Mason, que me ajudasse.E que vou fazer..., acerca do desaparecimento de Mr. Steele?Por enquanto, não faça nada, Mrs. Gentrie. Deixe-mever o que Tragg tenciona fazer. Provavelmente vaitentar convencer o seu filho a falar e deteve-o unicamentepara impressioná-lo e levá-lo a contar o que sabe.Não conseguirá. Júnior não abrirá a boca, para nãocomprometer essa mulher.Creio que nada mais posso fazer esta noite decla- rou Mason. Conseguirá ter novidades de Júnior, amanhã, demanhã? Será a primeira coisa que diligenciarei prometeuMason.201

Ao despedir-se de Florence, já há porta de casa, PerryMason aconselhou-a: Trate agora de descansar um pouco. Entrarei emacção, logo que os serviços abram. Boa noite, Mrs. Gentrie.Quando Della Street seguia a seu lado, em direcção aocarro, Mason riu: Notou que a lata estava ainda no mesmo local? Hum, num! Isso significa que era Steele quem recebia as mensagens. Não forçosamente. Há ainda uma ou duas possibilidades. Quais? indagou Della. Tragg levou Júnior, antes que este tivesse oportunidade de ir à despensa... Então, quem?Entretanto no carro, depois de abrir a porta a Della,Mason disse: Estamos ambos muito cansados, para entrarmos emespeculações. A minha formosa secretária vai agora para

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a caminha, dormir um pouco.Della olhou para ele, como se tivesse ficado alarmada. Que é isso? Está a querer livrar-se de mim?protestou. Porque pensa uma coisa dessas? Porque, quando a polícia descobrir o cadáver deSteele, ficamos com o pescoço sobre o cepo da degolação,e o chefe está fingindo não ter pressa alguma de entrarem acção. E não tenho confirmou Mason. Pressinto que está a ludibriar-me. Às vezes apetece-me esbofeteá-lo! Aqui tem a minha face ofereceu Mason. Seum beijo for bofetada, ofereço-lhe a outra face, para omesmo castigo.202

Della riu-se e beijou-o. Quando o carro parou emfrente do seu apartamento, lembrou-o: Não se esqueça de limpar essa marca de baton.'noite. 'noite retribuiu Mason. Esperou que Della entrasse e fechasse a porta, antes de arrancar, rua fora.18Mason estava a mergulhar nessa espécie de letargiaque antecede o sono, quando o telefone tocou, à cabeceirada cama.Numa voz que parecia drogada, atendeu: Quem fala? Daqui, Florence Gentrie respondeu a voz numtom lacrimoso e histérico Compreendi que o senhorjá descobrira tudo, desde o início. Sei que tem em seupoder as minhas impressões digitais. O meu filho nadatem a ver com o caso. Está completamente inocente.Faça que ele não me condene com demasiada intolerância. Tente levá-lo a compreender-me. Li a mensagem queo senhor, Mr. Mason, me enviou na lata vazia. Essamensagem dizia que o senhor, Mr. Mason, já sabia quefora eu... O tenente Tragg abriu a lata, copiou essamensagem e tornou a fechar a tampa, mas tive oportunidade para copiar as letras e decifrá-las, salve o meufilho. O senhor é muito esperto, demasiado esperto!...Boa noite... Adeus. Eu, agora, só tenho uma coisa afazer...Fingindo-se embriagado, Mason interrompeu-a, numavoz pastosa: 'tá bem, irmãzinha. Vá para diante. Sabe o queestive a fazer? 'tive a celebrar o casamento de RodneyWenston com Doris Wickford. Foi giro à farta. Rios de203

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champanhe. Nunca bebi tanto, na minha vida! Amanhã,ponho o pequeno Júnior cá fora. Levo-lho ao colo. Boanoite.Mal desligou o telefone, ligou para a polícia. Chamada de emergência declarou. Façam registo. Quero falar com o tenente Tragg. Não está responderam do Quartel-General. Como posso contactar com ele? Um momento. Quem fala? Perry Mason, advogado.Momentos depois, ouvia a voz de Tragg inquirir asperamente: Sim, Mason. Daqui Tragg. Que quer? Não comece a discutir comigo Tragg. Mande imediatamente dois carros-patrulha e uma ambulância a casados Gentries. depressa, mas sem alarme de sereias. Vãoaté lá acordem toda a gente, porém, só depois de láestarem. Não deixem sair ninguém. Faça exactamente oque lhe digo, se quer evitar um suicídio, ou mais umcrime. Esperem por mim, quando chegarem. Que ideia é essa? espantou-se Tragg. Pedi-lhe que não discutisse, nem perdesse tempo.Vou já lá ter.Desligou o telefone, antes de Tragg ter oportunidadepara fazer-lhe mais perguntas. Enfiou a roupa a correr,e, antes de sair, telefonou a Della Street: Acorde, beldade. É uma bomba. O quê?... Quem é você? Vou a caminho da casa dos Gentries. Apanhe umtáxi e vá lá ter o mais depressa que possa. Leve o seubloco de notas. Temos de registar uma confissão. Rápida,menina. Até já.Poisou o auscultador, pegou no chapéu e saiu portafora. Momentos depois, parava à porta da residênciados Gentries. Eram cinco horas e cinco da manhã.204

Já lá estavam estacionados dois carros da rádio-patrulha. O de Tragg, acabava de parar ao lado deles. Masonavançou para a porta e Tragg correu ao seu encontro. Espero que isto não seja um falso alarme, Mason. Também eu, Tragg. Vamos a isto.A porta de entrada não estava fechada. Lá dentro, quatro polícias guardavam os elementos da família Gentrie,reunidos na sala. Os dois miúdos mostravam-se assustados. Rebecca envergava um roupão de lã, pesado, tinhabigodís nos cabelos e o seu rosto, por maquilhar, exprimia indignação. Mrs. Florence procurava encarar os factosfilosoficamente. O marido, de pijama a espreitar parafora de um robe de chambre, soltava um bocejo magistral.

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Pode dizer-me que significa tudo isto? inquiriuRebecca, impaciente, dirigindo-se a Tragg.Tragg descreveu, com o braço, um arco elegante evirou-se para Mason: Talvez o nosso ilustre casuístico queira dar-se aoincómodo de esclarecer-nos.Sob o olhar ansioso de todos os presentes e curioso dosguardas, Mason sorriu e declarou: Há poucos minutos, Mrs. Gentrie telefonou-me aconfessar ter cometido os crimes e ir suicidar-se. Isso é falso repetiu prontamente Florence.Se diz que lhe telefonei, sou obrigada a dizer-lhe quenão o fiz. Evidentemente concordou Mason. A sua vozpareceu-me demasiado gritante, denunciando um histerismo que lhe não é peculiar. Em contrapartida, noteicerto maneirismo de expressão, que lhe é próprio e sómuito dificilmente pode ser imitado. Está louco! protestou Florence, secamente. Além disso, transmitiu-me uma muito valiosa informação: que o tenente Tragg encontrara uma lata que eu205

"plantara" na despensa, removera a tampa e pusera outraabsolutamente idêntica, no mesmo lugar da prateleira. Isso é verdade disse Mrs. Gentrie , mas eu nãofalei disso a ninguém e muito menos lhe telefonei, depois de ter saído daqui. Eu tive o cuidado de fingir-me embriagado, de formaa que a senhora duvidasse ter eu percebido bem o queme dizia, para evitar que agisse, sem estar certa de quea sua confissão fora compreendida, ou tomada a sério. Você "plantou" aquela lata? interrompeu Tragg. Sim confirmou Mason , para ajudar a esclarecer a situação. Já teria sido possível esclarecê-la, se nãotivesse ocorrido a sua intervenção. Mas eu tornei a colocar a outra, no mesmo localdisse Tragg. Limitei-me a copiar a mensagem parauma lata vazia, exactamente igual à que lá estava, parapoder ficar com a original, como prova. Pois foi, mas não compreendeu que a pessoa a quema mensagem era destinada se achava presente, durantetoda essa operação? Foi isso que destruiu a minha armadilha, tenente. Pergunto-lhe agora, Mrs. Gentrie... começou Traggexasperado. Não precisa cortou Florence. Já deparei comuma data de estupidez da polícia, neste caso. Compreendoque as pessoas não podem ser perfeitas, mas nunca vitanta ignorância profissional...

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Mason interrompeu-a, dirigindo-se a Tragg: Decerto que Mrs. Gentrie poderá negar, agora, ter-me feito esse telefonema, mas devia procurar atrair-meaqui, para calar-me de vez..., aqui, ou noutro lugar. Talvez até à saída do meu apartamento, se eu não me tivessemostrado semi-inconsciente e ela tivesse a certeza deque eu estivera a telefonar (obviamente para a polícia),206

depois de ter falado comigo. Não há dúvida que ela leua mensagem que lhe era dirigida e decifrou o código.Eu decifrei-o declarou Tragg.Portanto, entende perfeitamente o que estou a dizere o que tencionei provocar, quando escrevi essa mensagem.Bem disse Tragg , nessa altura não compreendique se tratava de uma armadilha...| Quando recebi o telefonema de há pouco pross-guiu Mason , deixei a pessoa pensar que eu estava completamente embriagado, incapaz de depreender a importância daquela confissão. Mas uma coisa saltou-me logoà mente: só duas pessoas conhecem o número do meutelefone privativo, o número não vem na lista. Sãoelas Miss Della Street e Paul Drake. Contudo, por umaquestão de emergência, esse número foi indicado a uma! terceira pessoa que pretendia fazer-se passar por Mrs. Sarah Perlin. Como, desta vez, não se tratava de Della, nem de Paul, e como Mrs. Perlin fora assassinada, percebi imediatamente que estava a falar com a assassina. Simu- lei uma total embriaguez, a ponto de não raciocinar, e] declarei que estivera a festejar o casamento de RodneyWenston. Rodney Wenston casou-se? inquiriu Traggestupefacto. Não sabia? Casou com Doris Wickford. Era a únicamaneira de assegurar-se de que Doris não poderia deporcontra ele e, ao mesmo tempo, o único meio de aliar aherança que ela iria receber à que ele viria, um dia,a receber do padrasto, se porventura este lhe legassealguma coisa. Quer dizer que Wenston está por detrás de tudoisto? Certamente. Karr tinha em seu poder uma grandesoma de dinheiro que pertenceria aos herdeiros de seusócio Dow Tucker, se os houvesse. Por acaso descobriu207

que havia uma herdeira e deu ordem para que a descobrissem. Wenston não quis perder essa oportunidade,bastou-lhe falsificar uma carta, em que relatava váriosfactos que ouvira o padrasto mencionar, repetidas vezes,

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e arranjou uma fotografia, também falsificada, por fotocomposição, de maneira a dar mais realce à sua pseudo-prova. Procurou uma jovem cujo pai tivesse estado naChina e encontrou uma bailarina exótica que guardaraainda alguns sobrescritos selados. Bem, tenente depositoagora todo o caso em suas mãos e espero que leve Mrs.Gentrie, sob custódia. E, se me dão licença, vou dormir.Mason virou-se e encaminhou-se para a porta. Espere aí gritou-lhe Tragg. Não pode pôr-sea andar, dessa maneira. Não tenho "caso" algum entreas mãos. A sua acusação a Mrs. Gentrie não se mantém, juridicamente, visto que se baseia simplesmente nasua palavra, contra a dela, nessa questão do telefonema. Pelo menos redarguiu Mason , já lhe dei matéria bastante para investigar. Tem os factos essenciais nasua mão. Pode deixá-los a todos em liberdade, menosMrs. Gentrie.Um dos miúdos começou a chorar e Florence ergueu-se,lentamente. Não vão fazer isso, na frente dos meus filhosreclamou. Não podem... Não têm o direito...Um dos guardas da rádio-patrulha colocou-lhe umamão sobre o ombro e fê-la sentar.Arthur Gentrie puxou a cadeira para trás e ergueu-setambém. Oiçam lá gritou , que raio vem a ser isto?Dois outros polícias seguraram-no. Agora é consigo, tenente disse Mason. Boa noite.Abriu a porta e saiu, descendo rapidamente as escadas. Eh lá! gritou Tragg. Você não se vai assim,dessa maneira, Mason.208

Desatou a correr atrás do advogado que estacara, àsua espera, já do lado de fora da porta. Você deu-me uma interessante teoria, mas há coisasque não encaixam. Foi uma armadilha que preparou? Sim. É um ponto de partida, mas não acaba aqui. Onde acaba? Por aqui disse Mason, indicando a esquina ecomeçando a encaminhar-se para a passagem de acessoàs traseiras da casa. Em breve estavam ambos no pátio,entre as duas parte do edifício dos Gentries. Esconderam-se. E agora? perguntou Tragg, em voz baixa. Espere.Alguns instantes depois, a porta da garagem abriu-selentamente, e uma figura imprecisa deslizou silenciosamente, através do pátio, em direcção ao apartamento deHocksley. Uma chave rodou a fechadura e o vulto esgueirou-se no interior da casa.

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Mason e Tragg avançaram, sem ruído. A porta ficaraencostada. Penetraram na escuridão do aposento de entrada. Escutando atentamente, ouviram alguém discar onumerador do telefone, passados segundos, uma voz demulher, cortante de emoção, disse: Que espécie de jogo é o teu? Que história é essa queacabam de contar-me..., que casaste com esse diabo...Não mintas. Casaste com ela, esta noite... Não mintasmais... Depois de tudo quanto fiz por ti! Não penses quevou deixar-te escapar dessa maneira. Mal tentes "raspar-te", tens-me à perna, estás definitivamente liquidado... Ele é que o afirmou... Sim, Mason... Oh, não!Não creio que seja uma armadilha... Não... Não abriA boca. Não disse uma palavra... Mas, não me mintas...Não te perdoaria uma traição. Sim, queriidoo! Não, meuamooor!... Realmente o meu coração não podia acreditar,mas precisava de ter a certeza..., de falar contigo, de14 - VAMP. G. 6209

ouvir da tua própria boca, meu amor!... Tenho de voltarlá para cima... Sim os polícias já se foram embora. Prenderam Florence, mas Mason está muito perto da verdade...Tens de fazer qualquer coisa para o calar e depressa.Não te esqueças... Fui eu quem tratou dos outros..., parati, meu querido! Tens, agora, de fazer isto por mim. Terásde eliminá-lo, de qualquer maneira. Está bem, meu amor!Ouviu-se o clique do telefone, quando o auscultadorpoisou no descanso. Passos cautelosos aproximaram-se deMason e Tragg. Uma figura surgiu-lhes em frente. Okay sussurrou Mason.Tragg acendeu uma fina lanterna de bolso, cujo fachoiluminou o pálido e aterrorizado rosto de RebeccaGentrie.19O sol da manhã aflorava as cristas dos altos prédios,quando Mason ajudou Della Street a entrar para o carro,estacionado em frente da casa dos Gentries. Devíamos ter direito a uns diazinhos de folga, querida Della considerou Mason. Obrigá-la a perdero resto da noite, acordada, para dactilografar uma confissão, foi realmente uma crueldade. Felizmente, a armadilha resultou e a polícia está impando de orgulho e felicidade por ter resolvido mais um mistério ensarilhado. Que diz a tomarmos um avião para Catalina sugeriu Della , enfiarmos os fatos de banho e ficarmos porlá, a espreguiçar ao sol, dormindo e comendo "cachorros" quentes? Tentador concordou Mason. Se for direitinho ao aeroporto, ainda apanhamos o

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primeiro avião incitou Della.Mason virou o carro em direcção a Wellington. Vejo que não está mesmo nada interessada em rumarao horrível escritório...210

Exactamente, chefe. Siga em frente. Sinto-me ligeiramente confuso, esta manhã. Provavelmente, perdi-me no caminho. Terá de telefonar a Gertie a explicar-lhe a nossa ausência, Della. Gertie é humana e tem bastante espírito desportivopara compreender o que sentimos..., depois de tão intensoperíodo de trabalho. Não precisamos de explicar-lhe coisaalguma. Desembaraçar-se-á sozinha dos clientes. Parece que estamos realmente "perdidos" comentou Mason sorridente.Della Street tornou-se subitamente séria e admoestou-o: Afinal, chefe, esteve a fazer "caixinha" comigo! Palavra que não, Della. Refiro-me a Rebecca. Quer acredite, quer não, enquanto não tive todosos elementos em frente do nariz, não consegui reuni-los,para chegar a uma conclusão. Que quer dizer com isso de "todos os elementos"? Não se lembra? disse Mason. Falámos noassunto e concluímos que ambas as pessoas envolvidas nocrime não podiam ser vistas juntas e não tinham possibilidade de contactar por telefone, embora tivessemacesso ao prédio. Pensámos também que uma pessoaque fosse coxa, ou surda não poderia ir ao telefone,ou comunicar através dele, mas a verdadeira razão nãome ocorreu. Qual era? Simplicíssima! Rebecca podia atender o telefone,quando era chamada, mas só depois de os miúdos lá teremchegado, a correr. Por outro lado, não podia telefonar,sem despertar suspeitas, pois vivia solitariamente, semter ninguém conhecido a quem costumasse falar poressa via. Mas por que motivo Wenston não dizia aos miúdosque lhe queria falar, invocando outro nome..., de um211

cliente de fotografias, por exemplo... Ah! já percebi...Por causa do seu defeito de pronúncia ciciosa! Seriaimediatamente reconhecido, se os garotos dessem coma língua nos dentes!Após uns segundos de meditação, Della prosseguiu: Não compreendo porque me disse que a voz da mulher

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que ouviu falar ao telefone, como sendo Mrs. Perlin,era de pessoa culta e... Não se esqueça que Rebecca tinha uma notável faculdade para imitar as vozes das outras pessoas. Lembra-secomo conseguiu imitar a de Miss Opal Sunley? Tambémtentou imitar a maneira de falar de Mrs. Gentrie e foisuficientemente esperta para dar a ideia de que se achavaextremamente angustiada, muito embora escolhesse cuidadosamente as palavras. Mrs. Gentrie teve uma boaeducação literária, mas desgostara-se de ler. Pelo contrário, Rebecca pouco estudara, na infância, mas tudofazia por cultivar-se, e praticava as palavras cruzadasnão só por gosto mas também para ampliar o seu conhecimento da língua inglesa. Quis sempre fazer-se passar por ela, quando lhe falouao telefone? Assim parece, mas não conseguiu ludibriar-me denenhuma das vezes. A imitação era quase perfeita, masdiscerni não se tratar da voz de Florence Gentrie. Jáagora, Della, faça o favor de ler-me a cópia que aí temda confissão de Rebecca. Quero confirmar certos pormenores.Della Street retirou da mala várias folhas de papele começou a ler, enquanto Mason abrandava o andamento, para reduzir a trepidação da marcha:"Eu, Rebecca Gentrie, faço voluntariamente esta confissão, pela qual o tenente Tragg verificará como foiestúpido. Pensou que poderia caçar-me, elogiando-me,212

como a raposa ao corvo da fábula. Só conseguiu que me risse dele. Tomo a responsabilidade dos crimes cometidos. Não quero que Rodney Wenston venha a ser delesacusado."Rodney e eu conhecemo-nos acidentalmente, quandoKarr alugou o apartamento do lado. Foi um caso de'amor-à-primeira-vista'. Sempre gostei de trabalhar emfotografia, divertindo-me a fazer fotocomposições. Fiz umretrato de mim própria, como o rosto de Hedy LaMarr, etinha-o, por acaso, na mão, quando encontrei Rodneyno pátio, entre as duas casas do prédio de meu irmão.Ele mostrou-se interessado na fotografia e levei-o paraa câmara escura, onde lhe mostrei como podia alteraras fotografias, dando-lhes rostos diferentes. Começámosa falar e percebi que começara a interessar-se tambémpor mim, Rodney acabou por confessar-me três diasmais tarde, estar desesperadamente apaixonado por mim."Eu sempre odiara a minha cunhada e nunca quisviver com ela, mas não tinha outro recurso. Odeio osmeus sobrinhos. Queria ter um automóvel, mas nunca

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poderia aprender a conduzir, enquanto vivesse nesta casa,nem jamais conseguiria comprar um carro. Então, Rodneyexpôs-me um plano, pelo qual conseguiria arranjar dinheiro suficiente para casar comigo, levar-me a viajarpor onde eu desejasse, facultando-me tirar fotografiasmaravilhosas, como sempre sonhei. Tudo quanto precisava era que eu reproduzisse uma fotografia antiga dafamília de uma bailarina exótica, Doris Wickford, e substituísse a cara do pai dela por uma cara de homem, deoutra fotografia. Simplesmente, esta segunda fotografiaachava-se no cofre de Hocksley. Rodney explicou-me que,na realidade, Hocksley não existia. Era uma personageminventada por seu padrasto, Elston Karr, que alugara nãosó o andar de cima mas também o de baixo, onde o seuguarda-costas, Blaine, ia representar, às vezes, o papel213

de Hocksley, com uma cabeleira ruiva postiça e umabota com um salto alto de coxo. Era ele que estava deguarda ao cofre. Tinha também uma governanta, SarahPerlin, que vigiava o cofre, quando Karr precisava de-Elaine e do seu outro acólito, o chinês Gow Loong."Certa vez em que Rodney levara o padrasto a SãoFrancisco, de avião, este adormecera profundamente eRodney conseguira tirar-lhe da algibeira, depois de entrarem voo automático, um livro de apontamentos que tinhainscrito o segredo do cofre. Disse-me para tentar abri-loe deu-me um revólver, para o caso de se me depararo velho Karr, que é quase paralítico, já que tomariaas precauções necessárias para que nessa altura tantoJohns Elaine como Gow Loong estivessem ausentes. Combinou a hora: meia-noite. Disse-me que indicaria estar ocaminho livre, por meio de uma mensagem gravada nointerior da tampa de uma lata vazia, que deixaria numadas prateleiras da despensa."Usámos desse expediente para que não lhe identificassem a voz pelo telefone, no caso de não ser eu a atender à chamada, o que só muito raramente acontecia.Sempre que nos encontrávamos no pátio comum às duascasas, limitávamo-nos a trocar um sorriso, para que ninguém desconfiasse do nosso amor. Isto porque a governanta não gostava dele e não convinha que ninguém nosvisse juntos, nas cercanias da casa."Infelizmente, na noite do tiro, tudo correu mal. Primeiro, a minha cunhada descobriu a lata vazia. Depois, omeu irmão lembrou-se de pintar as janelas e uma portada arrecadação, de acesso ao pátio divisório. SurpreendiSteele a inspeccionar a lata vazia, que Arthur utilizarapara misturar a tinta com o secante. Ainda não sabia que Steele era um detective. Só vim a descobrir isso

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mais tarde."Por minha pouca sorte, não percebi o significado da214

recomendação de levantar o auscultador antes de mexerno cofre. Pouco depois da meia-noite, abri-o e comecei atirar vários papeis de lá de dentro, quando ouvi passos. Nãosabia que o zumbido que soava lá fora, sob a janela deKarr, era um alarme. O velho entrou no quarto e avançoupara mim. Disparei o revólver, quando me disse parasair dali. Primeiro, fiquei completamente paralisada demedo. Depois, ia a sair do apartamento, para regressarao nosso, quando vi Júnior, acendendo fósforos, paraentrar em casa. Não podia ver-me, porque eu achava-me na sombra e a luz dos fósforos encandeava-lhe osolhos, alumiando-lhe apenas o que tinha em frente donariz. Qual não foi o meu espanto, quando vi que entravano quarto onde eu estivera, para telefonar a Opal Sunleye perguntar-lhe se chegara bem a casa. Compreendi queevitara fazê-lo de nossa casa, para que não ouvissem otilintar da campainha do telefone, e que não deveria sera primeira vez que utilizava este, quando encontrava aporta das traseiras, de acesso à garagem do pátio, sófechada no trinco, o que raras vezes sucedia, segundo meinformara Rodney."Esperei que Júnior entrasse em casa, encontrei afotografia, tornei a pôr toda a papelada no cofre e fechei-o.Ia a sair, já perto da porta, quando ouvi tornarem amexer no puxador. Era a governanta. Pensei que se assustasse, ao ver-me de arma em punho, mas atirou-se amim. Bati-lhe com a arma e caiu. Ficou com um pedaçode fazenda do meu vestido na mão, mas consegui escaparpara fora do apartamento. Fui para a cama. Só no diaseguinte verifiquei que tinha o vestido rasgado, faltando-lhe esse pedaço e compreendi que Sarah poder-me-iaidentificar facilmente, a partir desse indício."Ouvi então passos, no andar de Hocksley, onde deviamestar a levar Karr para o carro. Rodney dissera-me quea governanta morava em Easi Hillgrade Avenue. Fui lá,215

no dia seguinte, tentando chegar a um acordo com ela,mas a estúpida declarou ir entregar o pedaço do meuvestido à polícia. Tinha um revólver na mão e apontou-mo.Lutámos e a arma disparou-se. Não queria matá-la.Aconteceu durante a luta, ao torcer-lhe o pulso para trás."Levei alguns minutos a acalmar. Depois telefonei aMr. Mason e a Opal Sunley, imitando a voz de Florence,mas dizendo, ao primeiro, ser Sarah Perlin e, a Opal, seruma amiga daquela. Dei a entender que Sarah pretendia

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fazer uma confissão e arranjei as coisas de maneira aparecer que ela se suicidara. Isto deixá-los-ia confusos.Quase resultou. Decidi também eliminar Steele, pois verificara que ele andava a espiar por todos os lados e nãome largava, fingindo interessar-se também pelas palavrascruzadas. Sabia de mais, esse malandro. Encontrei-lhe,na algibeira, um telegrama mandando-o ir a são Francisco. Compreendi que tinha de matá-lo, para salvar Rodney. Não tinha medo por mim, mas pelo que podia acontecer a Rodney. Amo-o como nenhuma mulher jamaisamou um homem."Mais tarde, quando apareceu a segunda mensagem dizendo que Mr. Mason tinha as impressões digitais doassassino, pensei num plano maravilhoso para arrumartodo o assunto. Sempre odiei a minha cunhada. Inúmerasvezes pensara já em matá-la. Uma vez mais, telefonei aMason imitando a voz dela, mas, desta vez, dizendo-lheser mesmo ela quem lhe falava e decorando desejarconfessar os crimes e insinuando desejar suicidar-se. Tencionava dizer a Florence que Mason desejava falar-lheao telefone e que estava ainda em ligação, na linha.Arthur dorme sempre tão profundamente, que podia tê-lofeito, sem acordá-lo. Quando ela viesse ao telefone, bastar-me-ia matá-la e meter-lhe o revólver na mão."Nunca teriam descoberto a verdade, se Mason não metivesse mentido acerca do casamento de Rodney com216

aquela criatura. Não podia matar Florence, porque Mason pareceu-me tão bêbado, que podia não ter percebidoo que eu lhe dissera, acerca da confissão dos crimes eda intenção de suicídio. Não sinto remorsos. Tudo quantofiz foi por amor do homem que adoro..." Já basta disse Mason. Isso dará a Tragg todosos elementos de que carece para uma perfeita acusação eesclarecimento do caso. Quem foi a pessoa que entrou na câmara escura comum fósforo? inquiriu Della. Ninguém. Ela mesma o pôs lá, para confundir aspistas. As fotografias não estavam veladas por luz alguma. Rebecca fingia querer ajudar-nos, mas, na realidade,procurava lançar-nos em pistas falsas. E voou até São Francisco? Sim. Tinha, nessa noite, uma reunião de aficionadosde palavras cruzadas e havia a ópera, o que lhe forneciadois magníficos pretextos para justificar a sua ausênciade casa. Nunca suspeitei dela confessou a jovem secretária.O advogado mostrou-se embrenhado em pensamentose, só instantes depois, redarguiu:

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E eu devia ter suspeitado, muito antes. Qualquerpessoa que tenha estudado criminologia reconhece nessetipo de mulher o mais perigoso criminoso potencial. Erauma criatura reprimida, sexualmente frustrada, desiludidada vida. Pretendendo ter-se apaixonado por ela, Wenstonnão teve a menor dificuldade em transformá-la emcúmplice. Ela faria fosse o que fosse por ele. Em dúziasde trabalhos psicológicos sobre criminalidade, encontram-secasos idênticos de assassínios praticados por mulheresdeste tipo de anseios recalcados.217

Desconfiou que a fotografia do grupo era uma falsificação? perguntou Della. Sim. Foi Gow Loong quem me alertou para isso.É chinês e as pessoas desta raça têm uma particularaptidão para discernirem pormenores que às outras passam despercebidos. Além disso, têm uma memória naturalmente treinada, pela meditação. Ele notou que a carade Tucker, na fotografia do grupo que lhe mostravamnaquele momento, era exactamente a mesma que vira nado grupo da China, e que as sombras e a intensidade da luz não correspondiam, na cara do homem, àsdas pessoas que o rodeavam. Apesar de possuir um rostode expressão impenetrável, dessa vez manifestou iniludível suspeita. E eu notei-a. E quanto a Opal Sunley? sondou Della, com umligeiro sorriso crítico. É apenas uma boa rapariga que sabia andar mistériono ar em tudo aquilo. Era paga para manter a boquinhacalada e manteve-a. Davam-lhe gravações para transcrição e fazia-o sem procurar descobrir o que andava pordetrás desse esquema secreto. Não há dúvida de( queJúnior se apaixonou por ela. Quando ouviu o que pensouter sido um tiro na casa Hocksley, quis verificar seOpal teria lá voltado, nessa noite. Por isso, entrou noapartamento e, vendo o telefone no quarto, ligou paraela, a perguntar-lhe se chegara bem a casa. Por isso,a mãe não o viu no quarto, onde ele não chegara a entrar.Conseguiu penetrar no apartamento de Hocksley, não porser habitual estar a porta aberta e ser seu costume usaresse telefone, como pensou Rebecca, mas porque, acidentalmente, nessa noite, Karr a deixara assim, atrás de si,por precaução, quando foi ver quem pusera o alarme afuncionar. Júnior é jovem e romântico. Preferiu ir paraa cadeia, a ter de contar a verdade... Della, estamos achegar.218

Bem sei. Não me desorientei, a não ser nesse caso.

Page 157: Vampiro-Gigante, reunirá · conta do arranjo do quarto de Delman Steele porque gostava de espiolhar as suas coisas, mas não podia evitar essa indiscrição de sua cunhada, tanto

De quem eram as roupas que Tragg encontrou no fogãode sala da casa onde encontraram o corpo de Mrs. Perlin? Isso é simples. Quando Karr foi ferido, não só ascalças ficaram esburacadas, como se encheram de sangue, assim como a roupa de baixo e um sapato. Quandovoltou do médico, deu essas roupas a Mrs. Perlin, paraque as queimasse algures; nunca em sua casa, nem na deHocksley, onde a polícia viria a descobri-las. Porque desapareceu ela? Porque não queria que a relacionassem com a organização de Karr Hocksley. Provavelmente até por ordemdeste... Chegámos, Della. Perry... chefe! É um amor de patrão. Se não fossemestes interlúdios deliciosos, não sei como poderia aguentar toda esta avalanche de crimes em que passa a vidaenvolvido. Deixe-me torcer um pouco o seu espelhoretrovisor, para pôr um pouco de pó-de-arroz no nariz...E, no caso de estar interessado, digo-lhe que vem atrásde nós um motociclista fardado que parece também muitointeressado nas nossas ilustres pessoas.Mason abrandou o andamento e acabou por encostaro carro ao passeio. Levou a mão ao porta-luvas e tiroudeste os documentos de condução.O polícia de estrada parou a seu lado e perguntou: Que se passa? Que ideia foi essa de fazer-nos parar? inquiriuDella indignada, inclinando-se por cima do volante deMason. Se acha que íamos depressa..., e não íamos...,digo-lhe que vamos ouvir umas testemunhas importantesdo caso Hocksley. Vocês andam a trabalhar nisso? sondou o polícia. Já agora, digo-lhe que este cavalheiro que me acompanha é irmão do tenente Tragg.O guarda riu-se e disse:219

Essa é boa! Ainda há pouco ouvi um radiocomuicado informando que Tragg desmentira essa confusão.Também o ouviram, não? Bem, comigo não pega. Nãoos mandei parar. Vou também para o aeroporto, emserviço.Enquanto, omentos depois, Mason arrumava o carrono parque, Della sorriu para ele, trocista, e comentou: Afinal de contas, para que nos serve termos parentes na polícia, se não tiramos o menor proveito disso?FIM