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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 6 Número 16 Julho 2015 414 VARIAÇÃO LEXICAL PARA “CIGARRO DE PALHA” E “TOCO DE CIGARRO” NO AMAPÁ Romário Duarte Sanches (UFPA) 1 [email protected] Abdelhak Razky (UFPA) 2 [email protected] RESUMO: Este trabalho objetiva mostrar as variantes linguísticas, para os itens lexicais cigarro de palha e toco de cigarro, encontradas no corpus do projeto Atlas Geossociolinguístico do Amapá ALAP, e compará-los com os dados publicados no Atlas Linguístico do Brasil - ALiB. Como pressupostos teórico- metodológicos, adotamos a dialetologia pluridimensional de Thun (2000), considerando também as pesquisas no campo da geolinguística realizadas por Ferreira e Cardoso, Cardoso (2010) e Razky e Costa (2011; 2014). A pesquisa segue a abordagem metodológica da geolinguística, numa perspectiva pluridimensional, já que durante a análise dos dados não prevaleceu apenas o mapeamento das variantes em seu espaço geográfico, mas também, levamos em consideração o aspecto social, neste caso, considerando duas variáveis sociais: a idade e o sexo dos informantes. Para coleta de dados consideramos 10 localidades do estado do Amapá, como pontos de inquéritos, em cada localidade foram entrevistados 4 informantes. Para obtenção dos dados foi aplicado o questionário semântico-lexical do projeto ALiB, com 202 perguntas, no entanto, delimitamos apenas os itens cigarro de palha e toco do cigarro do campo semântico convívio e comportamento social. Os resultados apontam que no estado do Amapá, o item cigarro de palha apresentou 10 variantes, sendo que as mais recorrentes foram porronca, tabaco e charuto. Já o item toco de cigarro apresentou 8 variantes, tendo como predominância a variante bagana. A comparação entre os dados dos dois atlas linguísticos nos levam a sugerir que no norte do Brasil a predominância lexical para a denominação de cigarro de palha e toco de cigarro se fazem pelos usos recorrentes das variantes lexicais porronca e bagana que podem ocorrer tanto nas capitais como nas demais localidades da região norte. PALAVRAS-CHAVE: Dialetologia. Geolinguística. Variação lexical. ABSTRACT: This work aims to show the linguistic variants, for lexical items cigarro de palha and toco de cigarro, found in the corpus of the project Geossociolinguistic Atlas of Amapa - ALAP, and compare them with data published in the Linguistic Atlas of Brazil - ALiB. As theoretical and methodological assumptions, we adopted the multidimensional dialectology of Thun (2000), also considering research in the field of geolinguistic performed by Ferreira and Cardoso, Cardoso (2010) and Razky and Costa (2011; 2014). The research follows the methodological approach of geolinguistic, from a multidimensional perspective, as during the analysis of data not only prevailed the mapping of variants in their geographical area, but also take into account the social aspect in this case considering two social variables: the age and sex of informants. For data collection consider 10 locations state of Amapa such as points of surveys, in each location were interviewed four informants. To obtain the data we used the semantic-lexical questionnaire project ALiB, with 202 questions, however, we delimit only the items cigarro de palha 1 Graduado em Letras pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá IESAP. Especialista em Estudos Linguísticos pela Universidade do Estado do Pará UEPA. Mestrando em Letras com ênfase em Linguística pela Universidade Federal do Pará UFPA. 2 Mestrado e Doutorado em Linguística pela Université de Toulouse Le Mirail. Pós-doutorado Université de Toulouse Le Mirail. Docente e pesquisador na Universidade Federal do Pará - UFPA.

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VARIAÇÃO LEXICAL PARA “CIGARRO DE PALHA” E “TOCO

DE CIGARRO” NO AMAPÁ

Romário Duarte Sanches (UFPA)1

[email protected]

Abdelhak Razky (UFPA)2

[email protected]

RESUMO: Este trabalho objetiva mostrar as variantes linguísticas, para os itens lexicais cigarro de palha

e toco de cigarro, encontradas no corpus do projeto Atlas Geossociolinguístico do Amapá – ALAP, e

compará-los com os dados publicados no Atlas Linguístico do Brasil - ALiB. Como pressupostos teórico-

metodológicos, adotamos a dialetologia pluridimensional de Thun (2000), considerando também as

pesquisas no campo da geolinguística realizadas por Ferreira e Cardoso, Cardoso (2010) e Razky e Costa

(2011; 2014). A pesquisa segue a abordagem metodológica da geolinguística, numa perspectiva

pluridimensional, já que durante a análise dos dados não prevaleceu apenas o mapeamento das variantes

em seu espaço geográfico, mas também, levamos em consideração o aspecto social, neste caso,

considerando duas variáveis sociais: a idade e o sexo dos informantes. Para coleta de dados consideramos

10 localidades do estado do Amapá, como pontos de inquéritos, em cada localidade foram entrevistados 4

informantes. Para obtenção dos dados foi aplicado o questionário semântico-lexical do projeto ALiB, com

202 perguntas, no entanto, delimitamos apenas os itens cigarro de palha e toco do cigarro do campo

semântico convívio e comportamento social. Os resultados apontam que no estado do Amapá, o item

cigarro de palha apresentou 10 variantes, sendo que as mais recorrentes foram porronca, tabaco e

charuto. Já o item toco de cigarro apresentou 8 variantes, tendo como predominância a variante bagana.

A comparação entre os dados dos dois atlas linguísticos nos levam a sugerir que no norte do Brasil a

predominância lexical para a denominação de cigarro de palha e toco de cigarro se fazem pelos usos

recorrentes das variantes lexicais porronca e bagana que podem ocorrer tanto nas capitais como nas

demais localidades da região norte.

PALAVRAS-CHAVE: Dialetologia. Geolinguística. Variação lexical.

ABSTRACT: This work aims to show the linguistic variants, for lexical items cigarro de palha and toco

de cigarro, found in the corpus of the project Geossociolinguistic Atlas of Amapa - ALAP, and compare

them with data published in the Linguistic Atlas of Brazil - ALiB. As theoretical and methodological

assumptions, we adopted the multidimensional dialectology of Thun (2000), also considering research in

the field of geolinguistic performed by Ferreira and Cardoso, Cardoso (2010) and Razky and Costa (2011;

2014). The research follows the methodological approach of geolinguistic, from a multidimensional

perspective, as during the analysis of data not only prevailed the mapping of variants in their geographical

area, but also take into account the social aspect in this case considering two social variables: the age and

sex of informants. For data collection consider 10 locations state of Amapa such as points of surveys, in

each location were interviewed four informants. To obtain the data we used the semantic-lexical

questionnaire project ALiB, with 202 questions, however, we delimit only the items cigarro de palha

1Graduado em Letras pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá – IESAP. Especialista em Estudos

Linguísticos pela Universidade do Estado do Pará – UEPA. Mestrando em Letras com ênfase em

Linguística pela Universidade Federal do Pará – UFPA. 2Mestrado e Doutorado em Linguística pela Université de Toulouse Le Mirail. Pós-doutorado Université

de Toulouse Le Mirail. Docente e pesquisador na Universidade Federal do Pará - UFPA.

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and toco de cigarro of the semantic field convívio e comportamento social. The results show that in the

state of Amapa, the item cigarro de palha presented 10 variants, with the most applicants were porronca,

tabaco and charuto. The item toco de cigarro had 8 variants, with the predominance to bagana variant.

Comparing data from the two linguistic atlas lead us to suggest that in northern Brazil lexical prevalence

for denomination of cigarro de palha and toco de cigarro are made by the appellants uses of lexical

variants porronca and bagana that can occur in both capitals as in other localities of the northern region.

KEYWORDS: Dialectology. Geolinguistic. Lexical variation.

1 Introdução

Atualmente, percebemos que as pesquisas sobre variação linguística no Brasil se

multiplicaram, ora pelo viés da sociolinguística, ora pelo viés da dialetologia e

geolinguística. Tais pesquisas, aos poucos, vão ganhando mais notoriedade e

reconhecimento nos espaços sociais, seja o midiático, seja o acadêmico-científico.

Este artigo objetiva descrever e mapear as variantes linguísticas para os itens

lexicais cigarro de palha e toco de cigarro encontradas no corpus do projeto Atlas

Geossociolinguístico do Amapá – ALAP, o que torna possível compará-los com os

dados já publicados no Atlas Linguístico do Brasil - ALiB.

Inicialmente, serão abordados aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa,

bem como a delimitação conceitual do que vem a ser dialetologia e geolinguística. Em

seguida, mostram-se os resultados obtidos e publicados no Atlas Linguístico do Brasil,

sobre as variantes lexicais para cigarro de palha e toco de cigarro. E por fim, serão

descritas e mapeadas as variantes lexicais para cigarro de palha e toco de cigarro no

Amapá, com base no corpus do projeto Atlas Geossociolinguístico do Amapá – ALAP.

2 Dialetologia e geolinguística

São diversas as definições que hoje encontramos para dialetologia e

geolinguística. Há aqueles que consideram a dialetologia como uma ciência e a

geolinguística como um método da dialetologia. Para Ferreira e Cardoso (1994), a

dialetologia é concebida como uma ciência que surgiu nos fins do século XIX, e que

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demonstra até os dias de hoje, um maior interesse pelos dialetos regionais, rurais e sua

distribuição e intercomparação.

Dubois (2006) define a dialetologia como uma disciplina:

O termo dialetologia, usado às vezes como simples sinônimo de

geografia linguística, designa a disciplina que assumiu a tarefa de

descrever comparativamente os diferentes sistemas ou dialetos em que

uma língua se diversifica no espaço, e de estabelecer-lhe os limites.

Emprega-se também para a descrição de falas tomadas isoladamente,

sem referência às falas vizinhas ou da mesma família. (DUBOIS,

2006, p. 185).

Outras definições estão sendo bastante apreciadas em pesquisas que visam a

elaboração de atlas linguísticos, o principal percussor dessa nova linha de pensamento é

Harald Thun (2000). Este autor rompe a chamada dialetologia tradicional e traz novas

contribuições à área. Acreditamos que ele “inaugura” essa nova fase dos estudos

dialetais, denominada de dialetologia pluridimensional. Cardoso (2010) compartilha

dessas novas ideias e atualiza a definição de dialetologia. A autora afirma que “a

dialetologia é um ramo dos estudos linguísticos que assume a tarefa de identificar,

descrever e situar os diferentes usos em que uma língua se diversifica, conforme a sua

distribuição espacial, sociocultural e cronológica” (CARDOSO, 2010, p. 15).

Acerca destas prévias discussões do que vem a ser dialetologia e geolinguística,

nos delimitaremos as definições de Dubois (2006), pois este, também trata a

dialetologia como:

O estudo conjunto da geografia linguística e dos fenômenos de

diferenciação dialetal ou dialetação, pelos quais uma língua,

relativamente homogênea numa dada época, sofre no curso da história

certas variações – diacrônicas em certos pontos e de outra natureza

noutros – até terminar em dialetos, e mesmo em línguas diferentes.

Então, a dialetologia, para explicar a propagação ou não-propagação

desta ou daquela inovação, faz intervir razões geográficas (obstáculos

ou ausência de obstáculos), políticas (fronteiras mais menos

permeáveis), socioeconômicas, socioculturais (rivalidades locais,

noção de prestígio) ou linguísticas (influência de substrato, de

superestrato, de adstrato. (DUBOIS, 2006, p. 185-186)

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Sobre a definição de geolinguística, Dubois (2006) afirma ser parte da

dialetologia que se ocupa em localizar as variações das línguas umas com relação às

outras. Mais adiante o autor diz ser: “o estudo das variações na utilização da língua por

indivíduos ou grupos sociais de origens geográficas diferentes” (DUBOIS, 2006, p.

307).

A partir disso, assumimos a definição sistematizada por Cardoso (2010),

tratando a geolinguística como um método de que se utiliza da dialetologia para

localizar espacialmente as variações das línguas umas em relação às outras, podendo

situar socioculturalmente cada um dos falantes considerados.

De acordo com Iordan (1962), a geolinguística passou a ser considerada com

uma área de interesse dos estudos linguísticos somente no final do século XIX e início

do século XX, na Europa Ocidental. A partir de então, expandiu-se para outros

continentes, bem como a América Latina.

No Brasil, quando se fala em dialetologia e geolinguística, é importante salientar

alguns autores renomados que deram início a esses estudos. Ferreira e Cardoso (1994)

destacam, em especial, os trabalhos de Amadeu Amaral, Antenor Nascentes, Serafim da

Silva Neto e Nelson Rossi. Estes foram os primeiros dialetólogos que impulsionaram

novos estudos na área e principalmente na elaboração de inúmeros atlas linguísticos de

maior e menor domínio.

A partir dos estudos dialetais e geolinguísticos já publicados, e aqueles que ainda

estão em andamento, torna-se imprescindível a não referência a um dos maiores

projetos firmados no Brasil, e que segundo Callou (2010), foi um projeto cogitado há

mais de 50 anos, no entanto, colocado em prática a partir de 1996. Trata-se, sobretudo,

do projeto Atlas Linguístico do Brasil - ALiB.

O momento mais importante e que deu impulso para a construção do ALiB,

segundo Aguilera e Altino (2012), foi o Seminário Caminhos e Perspectivas para a

Geolinguística no Brasil realizado na Universidade Federal da Bahia em 1996.

Conforme Aguilera e Altino (2012), esse espaço foi favorável à construção do projeto,

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pois reuniu pesquisadores no campo da dialetologia e da sociolinguística, contando com

a presença dos autores de atlas linguísticos já publicados, até àquela época.

Após 18 anos, o Atlas Linguístico do Brasil já se encontra publicado,

parcialmente, pois até o momento foram publicados dois volumes (vol. 1. Introdução e

vol. II. Cartas Linguísticas 1). O lançamento do ALiB aconteceu no III Congresso

Internacional de Dialetologia e Sociolinguística, realizado na Universidade Estadual de

Londrina – UEL, em outubro de 2014.

A elaboração de um atlas nacional, como se caracteriza o projeto ALiB, sem

dúvida foi fundamental para instigar e incentivar a construção de novos atlas

linguísticos de dimensões menores, como é o caso do projeto Atlas

Geossociolinguístico do Amapá – ALAP, coordenado pelo prof. Dr. Abdelhak Razky e

profª. Me. Celeste Ribeiro.

Apresentaremos nas seções seguintes alguns estudos já realizados com os itens

lexicais cigarro de palha e toco de cigarro, a partir dos dados do ALiB. Em seguida

mostraremos as variantes lexicais encontradas nos dados do ALAP. Para que assim

possamos visualizar como estão distribuídas, no espaço geográfico e social, as variantes

linguísticas no Brasil e especificamente no Amapá.

3 Variação lexical de cigarro de palha e toco de cigarro no Brasil

Com os primeiros volumes do Atlas Linguístico do Brasil (CARDOSO et. al.,

2014), já conseguimos evidenciar resultados da variação fonética e lexical do português

falado no Brasil. Em relação ao item cigarro de palha e toco de cigarro, os estudos de

Razky e Costa (2014; 2011), mostram que o item lexical cigarro de palha apresenta 21

variantes lexicais distribuídas nas 25 capitais brasileiras. Sendo mais recorrentes as

variantes cigarro de palha, porronca, cigarro de fumo, palheiro e tabaco. Numa análise

do espaço geográfico, os autores destacam a variante cigarro de palha, onde o uso

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acontece em todas as regiões brasileiras, no entanto, concentra-se na região Centro-Sul

do Brasil3.

Na análise das variantes por regiões, Razky e Costa (2014) mostram que na

região norte, porronca e cigarro de palha são as mais frequentes. Enquanto no nordeste

tem-se a predominância de cigarro de fumo. E na região Centro-Sul predominam a

variante cigarro de palha e palheiro. Vejamos a seguir a Carta L16 do Atlas

Linguístico do Brasil (2014) que mostra as denominações registradas para cigarro de

palha nas capitais brasileiras.

Figura 01 – Variantes lexicais para cigarro de palha no Brasil

Fonte: Carta linguística extraída do Atlas Linguístico do Brasil (CARDOSO, et. al. 2014).

Como podemos notar na carta linguística acima, há certa delimitação geográfica

ao uso de algumas variantes, como foi bem analisado e descrito por Razky e Costa

3 A região geoeconômica Centro-Sul abrange os estados das regiões Sul e Sudeste (com exceção do norte

de Minas Gerais), além dos estados de Mato Grosso do Sul, sul do Tocantins e o do Mato grosso, e

Distrito Federal.

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(2014). Em uma análise da variação diageracional, os autores demonstram que a

variante tabaco ocorreu somente na fala dos informantes mais jovens. Já na análise da

variação diassexual, Razky e Costa (2014) afirmam que as cinco variantes mais

frequentes podem ocorrer independentemente do informante ser homem ou mulher. Na

análise diastrática, considerando a variável escolaridade, os autores mostram que as

variantes cigarro de palha e porronca podem caracterizar, numa mesma proporção, os

usos linguísticos de falantes com escolaridade fundamental ou superior.

Em relação ao item toco de cigarro, os autores afirmam que este apresenta 23

variantes distribuídas nas capitais brasileiras. Sendo que as mais frequentes são:

bagana, bituca e guimba. Segue abaixo a carta linguística do referido item.

Figura 02 – Variantes lexicais para toco de cigarro no Brasil

Fonte: Carta linguística elaborada por Razky et. al. (2011)

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A partir da elaboração da carta linguística, apresentada acima, Razky e Costa

(2011), numa análise do aspecto geográfico, inferem que há usos mais frequentes de

algumas variantes em determinadas regiões do Brasil. Por exemplo, na região norte

destaca-se a variante Bagana; no nordeste têm-se as variantes ponta, pióla, píuba, tóia e

resto; no centro-oeste aparece toco de cigarro; no sudeste tem-se guimba e no sul a

variante mais frequentes é xepa.

Em relação à análise de aspecto social, os autores destacam apenas 4 variantes:

bagana, guimba, toco de cigarro e bituca. Sobre a variação diageracional, os autores

mostram que as variantes bagana e guimba aparecem nas falas de pessoas mais idosas,

enquanto toco de cigarro e bituca nas falas de jovens. Quanto à variação diassexual,

considerando o número de ocorrências, não revela uma influência significativa sobre a

escolha de uma ou outra variante. Já à respeito da variação diastrática, Razky e Costa

(2011) mostram que bagana é mais recorrente em pessoas de nível fundamental e bituca

na fala de pessoas de nível superior.

4 Variação lexical para cigarro de palha e toco de cigarro no Amapá

Por meio dos dados já coletados do projeto ALAP, pretendemos neste artigo

mostrar a variedade linguística aplicada a dois itens lexicais, cigarro de palha e toco de

cigarro. Antes de explicitar os dados, vale ressaltar brevemente os procedimentos

metodológicos adotados. A pesquisa conta com 40 informantes distribuídos em 10

pontos de inquéritos (Macapá, Santana, Mazagão, Laranjal do Jarí, Porto Grande, Pedra

Branca do Amaparí, Tartarugalzinho, Calçoene, Amapá e Oiapoque). Os perfis desses

informantes são: 1 homem e 1 mulher entre 18 a 30 anos de ensino fundamental

incompleto e 1 homem e 1 mulher entre 50 a 75 anos de ensino fundamental

incompleto. Para coleta de dados utilizamos o questionário semântico-lexical elaborado

pelo comitê científico do projeto ALiB (2001). Tal questionário contém 202 perguntas

divididas em 14 campos semânticos. Assim, nos delimitamos a analisar dois itens

lexicais do campo semântico convívio e comportamento social: cigarro de palha e toco

de cigarro.

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A análise dos dados se constituirá da seguinte forma: 1) inicialmente, serão

apresentados os dados em forma de cartas linguísticas, em que serão expostos os itens

lexicais investigados, sendo que nessas cartas será possível visualizar as variantes

encontradas no estado do Amapá; 2) após a demonstração dos dados serão feitas as

descrições das variantes e em seguida a análise em seu aspecto geográfico e social.

Ressaltamos que tal análise não abrangerá todas as variantes encontradas, e sim as de

maior frequência/ocorrência.

Para leitura das cartas é preciso lembrar que cada variante se encontrará

identificada por cores, na intenção de distingui-las. No que tange ao perfil do

informante, este será identificado pela cruz de estratificação (+) que indicará a posição

de cada um. Deste modo, diante deste símbolo, do lado esquerdo superior se encontrará:

informante homem, 18-30 anos, com ensino fundamental incompleto; do lado esquerdo

inferior: informante homem, 50-75 anos, com ensino fundamental incompleto; do lado

direito superior: informante mulher, 18-30 anos, com ensino fundamental incompleto;

do lado direito inferior: informante mulher, 50-75 anos, com ensino fundamental

incompleto. Apresenta-se a seguir a carta linguística 145.

Figura 03 – Variantes lexicais para cigarro de palha no Amapá

Fonte: Carta Linguística elaborada pelos autores.

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Diante da carta 145 referente à questão 145, objetivamos saber que nomes as

pessoas dão ao cigarro que se faziam antigamente, enrolado à mão? Por meio desta

pergunta, registramos 10 variantes lexicais: porronca, tabaco, charuto, tabacão,

cigarrinho de palha, cigarrinho, cigarro de palha, cigarro, trevo e ponta de borracha.

Em uma análise do espaço geográfico do item, observamos que as variantes mais

frequentes são: porronca 39%, tabaco 25% e charuto 16%. Sendo que porronca

aparece distribuída em quase todos os pontos de pesquisados. A variante tabaco aparece

com frequência em 7 localidade, somente em Mazagão, Porto Grande e Tartarugalzinho

não há registros do uso tabaco. Já a variante charuto também aparece em 7 localidades,

só não em Oiapoque, Amapá e Macapá. Vale ressaltar que apenas no município de

Oiapoque há a predominância, em todos os informantes entrevistados, da variante

tabaco.

Analisando o item cigarro de palha em seu aspecto social, constatamos que as

variantes porronca, tabaco e charuto, na figura 03, também mostram um perfil

linguístico. A primeira é identificada como mais frequência na fala de pessoas de

segunda faixa etária, independente da variável sexo. A segunda se mostra mais

recorrente na fala de homens e mulheres de primeira faixa etária. Já a terceira é marcada

predominantemente na fala dos homens de segunda faixa etária. Lembrando que todas

essas três variantes são de conhecimento de todos os informantes entrevistados.

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Figura 04 – Carta Linguística elaborada pelos autores.

Fonte: Carta Linguística elaborada pelos autores.

Analisando a carta 146 referente ao item 146, queríamos saber como as pessoas

chamam para aquele resto de cigarro que se joga fora? A partir disso, registramos no

total de 8 variantes: bagana, toco do cigarro, cortiça, biata, toquinho, pituca, resto do

cigarro e borra. A variante de maior frequência foi bagana com 77% de ocorrência. A

variante bagana está predominantemente distribuída em todos os pontos de inquéritos

(conforme a figura 04).

A carta linguística 146 também mostra que bagana é predominante na fala de

pessoas de segunda faixa etária, já que em FB aparece com 32% e MB com 29%,

enquanto FA com 26% e MA 13% de frequência. Desta forma, não constatamos que a

variante lexical bagana é uma variante exclusiva e determinada pela variável sexo, mas

a variável faixa etária supõe certa influência na fala dos informantes.

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5 Algumas considerações

Diante dos dados mostrados aqui, chegamos a concluir que para o item lexical

cigarro de palha, mapeado no Atlas Linguístico do Brasil (figura 01), constatamos três

variantes mais recorrentes na capital Macapá: porronca, cigarro de tabaco e cigarro de

palha. Enquanto nos dados do Atlas Geossociolinguístico do Amapá foram registrados:

porronca, tabaco e charuto. Notamos que nos dados dos dois atlas investigados, as

variantes lexicais porronca e tabaco aparecem em ambos. Ressaltamos também que nos

dados do ALAP há uma outra variante que não apareceu no dados do ALiB, charuto.

Essa comparação entre os dois atlas linguísticos nos leva a afirmar que no norte do

Brasil a predominância lexical para se referir a cigarro de palha corresponde ao uso da

variante lexical porronca que pode ocorrer tanto nas capitais como nas demais

localidades da região. Essa hipótese é sugerida, uma vez que registramos nas cidades

não capitais do estado do Amapá a predominância do uso da variante porronca.

Já em relação ao item toco de cigarro (figura 02), observamos que a

predominância de uso da variante bagana está concentrada no norte do Brasil e que

também é a variante mais recorrente no estado do Amapá (figura 04). Assim, inferimos

que bagana torna-se o uso lexical predominante para se referir a toco de cigarro na

região norte.

Referências

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pesquisadores. São Paulo: Alfa, v. 56, p. 871-889, 2012.

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Linguísticos e Literários. Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da

Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, v. 41, 2010. p. 29-45.

CARDOSO, S (et. al.). Atlas Linguístico do Brasil: cartas linguísticas 1. Londrina:

EDUEL, 2014.

CARDOSO, S. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola, 2010.

Comitê Nacional do Projeto ALiB: Atlas Linguístico do Brasil. Questionários.

Londrina: UEL, 2001.

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DUBOIS, J. (et. al.). Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2006.

FERREIRA, C.; CARDOSO, S. A dialetologia no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994.

IORDAN, I. Introdução à Linguística Românica. Trad. Julia Dias Ferreira. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1962.

RAZKY, A.; COSTA, E. Os itens lexicais cigarro de palha e toco de cigarro nos

atlas linguísticos brasileiros. In: Estudos Sociodialetais do Português Brasileiro. São

Paulo: Pontes, 2014. p. 165-181.

RAZKY, A.; COSTA, E.; OLIVEIRA, M. B. Variação lexical de cigarro de palha no

Atlas Linguístico do Brasil. In: Pelos Caminhos da Dialetologia e da Sociolinguística:

entrelaçando saberes e vidas. São Luís: EDUFMA, 2010. p. 149-165.

THUN, H. La géographie linguistique romane à la fin du XXe siècle. In: CONGRES

INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE ET DE PHILOLOGIE ROMANES, 22.,

1998, Bruxelles. ACTES. Tübingen: Niemeyer, 2000. p. 367-388.

Recebido Para Publicação em 30 de maio de 2015.

Aprovado Para Publicação em 30 de julho de 2015.