Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    http://groups.google.com/group/digitalsourcehttp://groups.google.com/group/digitalsource

    CONTRA-CAPASILAS um menino inteligente, estudioso e meigo. Filho de fazendeiros,tem quatro irmos. trabalhador, dedicado e admirado pelo pai. Sua humildade cativante: esquecede si mesmo e vibra com as alegrias dos irmos. Sua alma radiosa, mas seu corpo est longe de tanta

    beleza. Silas corcunda e sua aparncia incomoda algumas pessoas: lbios grossos, dentes salientes,olhos pequenos, nariz achatado... Vtima do sarcasmo daqueles que o rodeiam, Silas perdoa a todos,incapaz de guardar mgoas ou rancor. Por que Deus permite a uma criatura to bondosa sofrer tanto?O que cometeu esse menino para reencarnar na condio de um deficiente fsico? Abra as pginas deO castelo dos sonhos e desvende um grande mistrio que se revela por inteiro nos dois planos davida...

    Casada e me de trs filhos, nasceu em So Sebastio do Paraso, Estado de Minas Gerais. Conheceu oEspiritismo no ano de 1975 e dedicou-se a partir dessa poca ao estudo das Obras Bsicas de AllanKardec. Seu primeiro contato com Antnio Carlos, seu mentor, aconteceu num centro esprita. Em1990, concluiu o romance medinicoReconciliao,publicado pela Petit Editora. A esse livro, um deseus maiores sucessos, seguiram-se outros, entre eles Violetas na janela, best-sellercom mais de 1,5milho de exemplares vendidos. Iniciou seu trabalho de psicografia depois de nove anos detreinamento medinico. Alm de psicografar, responde aos leitores do jornalDirio de S.Paulo e darevista espritaAlm da Vida sobre as mais diversas questes.

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    O Castelo dos SonhosCopyright by Petit Editora e Distribuidora Ltda.,

    2007 2-2-08-5.000-45.000

    Direo editorial: Flvio MachadoAssistente editorial: Dirce Yukie YamamotoChefe de arte: Mareio da Silva Barreto

    Capa: Flvio MachadoDiagramao: Ricardo Brito

    Reviso: Maria Aiko Nishijimae Luiz Chamadoira

    Auxiliar de reviso: Adriana Maria CludioFotolito da capa e impresso: SERMOGRAF - Artes Grficas

    e Editora Ltda.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro,

    SP, Brasil)

    Carlos, Antnio (Esprito).

    O castelo dos sonhos / romance do Esprito Antnio Carlos ; psicografado pela

    mdium Vera Lcia Marinzeck de Carvalho. -1. ed. - So Paulo : Petit, 2007.

    ISBN 978-85-7253-157-3

    1. Espiritismo 2. Psicografia 3. Romance esprita I. Carvalho, Vera Lcia

    Marinzeck de II. Ttulo.07-7104 CDD: 133.93

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Romances espritas psicografados: Espiritismo 133.93

    Direitos autorais reservados.

    proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma

    ou por qualquer meio, salvo com autorizao da Editora.

    (Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.)

    Tradues somente com autorizao por escrito da Editora.

    Impresso no Brasil, no vero de 2008.

    Prezado leitor(a),Caso encontre neste livro alguma parte que acredita que vai interessar ou mesmo

    ajudar outras pessoas e decida distribu-la por meio da internet ou outro meio, nunca deixe demencionar a fonte, pois assim estar preservando os direitos do autor e conseqentementecontribuindo para uma tima divulgao do livro.

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    O CasteloDOS Sonhos

    Romance do Esprito

    Antnio Carlos

    Psicografado por

    Vera Lcia Marinzeck de Carvalho

    Rua Atuai, 383/389 - Vila Esperana/Penha

    CEP 03646-000 - So Paulo - SP

    Fone: (Oxxll) 6684-6000

    Endereo para correspondncia:

    Caixa Postal 67545 - Ag. Almeida Lima

    03102-970 - So Paulo - SP

    www.petit.com.br [email protected]

    http://www.petit.com.br/mailto:[email protected]://www.petit.com.br/mailto:[email protected]
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    Livros da mdium VERA LCIA MARINZECK DE CARVALHO

    Da prpria mdium:

    Conforto Espiritual

    Conforto Espiritual 2

    Psicografados:

    Com o Esprito Antnio Carlos

    Reconciliao

    Cativos e Libertos

    Copos Que Andam

    Filho Adotivo

    Reparando Erros de Vidas Passadas

    A Manso da Pedra Torta

    Palco das Encarnaes

    Histrias Maravilhosas da

    Espiritualidade

    Muitos So os Chamados

    Reflexos do Passado

    Aqueles Que Amam

    ODirio de Luizinho (infantil)

    Novamente Juntos

    A Casa do Penhasco

    O Mistrio do Sobrado

    O Ultimo jantar

    OJardim das Rosas

    O Sonmbulo Sejamos Felizes

    O Cu Pode Esperar

    PorQue Comigo?

    A Gruta das Orqudeas

    O Castelo dos Sonhos

    Com o Esprito Patrcia

    Violetas na Janela

    Vivendo no Mundo dos Espritos

    A Casa do Escritor

    O Vo da Gaivota

    Com o Esprito Rosngela

    Ns, os Jovens

    AAventura de Rafael(infantil)

    Aborrecente, No. Sou Adolescente!

    O Sonho de Patrcia (infantil)

    Ser ou No Ser Adulto

    O Velho do Livro (infantil)

    ODifcil Caminho das Drogas

    Flores de Maria

    Com o Esprito Jussara

    Cabocla

    Com espritos diversos

    Valeu a Pena!

    O Que Encontrei do Outro Lado da

    Vida

    Deficiente Mental: Por Que Fui Um?

    Morri! EAgora?

    Ah, SeEu Pudesse Voltar no Tempo!

    Livros em outros idiomas

    Violeis on the Window Violetas en Ia Ventana

    Violoj sur Fenestro

    Reconciliacin

    Deficiente Mental: Por Que Fui Uno?

    Viviendo en el Mundo de los Espritus

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    Sumrio

    captulo um O castelo dos sonhoscaptulo dois Um retorno diferentecaptulo trs Explicaescaptulo quatro A reao de Terezacaptulo cinco A visitacaptulo seis Lar para rfoscaptulo sete Anos tranqiloscaptulo oito O atentadocaptulo nove O roubocaptulo dez A secacaptulo onze E o tempo foi passandocaptulo doze O retornocaptulo treze Provas

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    CAPITULO um

    O CASTELO DOS SONHOS

    SILAS! SILAS! - GRITOU MARIA, ANDANDO Apressada pela trilha que levava ao

    aude.

    - Estou aqui, Maria - respondeu um garoto de treze anos saindo de trs de uma moita

    de capim alto.

    - O que est fazendo a, menino? - Maria perguntou olhando-o. - Est brincando de

    prncipe?

    - No sou prncipe, nem quero ser - respondeu Silas determinado.

    - Mas brinca com o castelo.

    - Este o grande lago - apontou o menino para as guas represadas - onde existem

    peixes coloridos e se passeia de barcos. O castelo enorme, tem muitos cmodos e duas

    torres altas.

    Maria olhou para a casa e sorriu, era muito grande mesmo, possua vrios quartos,

    vrias salas e uma cozinha espaosa.

    Tinha duas chamins, uma da lareira e outra do fogo da cozinha. E no existia lago

    ou barcos, mas sim um pequeno reservatrio d'gua.

    - As duas torres - exclamou Maria - so lindas!

    - So mesmo! De cima se pode ver toda a regio - exclamou o garoto suspirando com

    o olhar sonhador.

    Com uma vara, Silas imaginava que pescava. Maria o observou:

    " difcil acreditar que Silas seja filho do senhor Joo e da dona Violeta. Mas foi

    minha me que fez o parto e eu fiquei no quarto ao seu lado ajudando-a. E ele filho delesmesmo, sem nenhuma dvida. Mas que ele diferente, isso ! Silas alegre e sonhador!"

    Silas tambm observou Maria e pensou: "Maria to boa! Queria que ela fosse minha

    me!" Maria era uma das empregadas da casa, uma bab, pois cuidava mais das crianas.

    Embora jovem, tinha trinta e dois anos, era considerada uma senhora solteirona. Era graciosa,

    educada e bonita. Quando sorria, formavam-se duas covinhas no rosto; seus olhos eram

    castanhos, assim como os cabelos, que eram longos e ela usava presos numa trana.

    - No seu castelo existem drages? - perguntou Maria.

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    - Claro que no! - respondeu o menino. - No meu castelo somente moram pessoas boas

    que querem a paz e que respeitam os animais. Ser que drago do mal?

    - No sei. Mas nas histrias eles sempre destroem, queimam com o fogo que soltam

    pela boca.

    -No meu castelo, ento, no tem drago. L ningum destri nada. Pena que aqui no

    existem flores! Com canteiros floridos, ia ficar mais parecido com meu castelo.

    - Temos o jardim na frente da casa - falou Maria. - Aqui, as ovelhas vm tomar gua e

    comeriam todas as flores que plantssemos.

    - Gostaria muito que tivssemos aqui na fazenda canteiros com flores coloridas: azuis,

    verdes, rosa, amarelas e vermelhas.

    - Ora, flores assim no existem, acho que voc viu nos livros que l.

    - As gravuras no so coloridas. Tambm no as vi, mas elas devem existir.

    - Silas - disse Maria -, seu pai o est chamando, quer que voc v fiscalizar os pees

    que foram levar as ovelhas para 0 pasto.

    - Ento vamos! - respondeu Silas.

    O menino largou a vara e voltou para casa com Maria. Silas era diferente, nascera

    deficiente. Era corcunda, de estatura pequena para sua idade; tinha uma perna, a esquerda,

    mais fina e alguns centmetros mais curta. Seus cabelos eram ruivos e ralos. Seus traos eram

    desarmoniosos: lbios grandes com os dentes salientes, sobrancelhas grossas, olhos pequenos

    e nariz achatado. Sobressaam-lhe as mos grandes. Era, porm, uma criana meiga, amiga de

    todos, obediente, inteligente e estudiosa.

    A famlia, pessoas importantes na regio, morava na fazenda. O pai dele, Joo,

    diversificava na produo: criava ovelhas e fazia diversos cultivos. A fazenda ficava longe da

    cidade e os vizinhos tambm no eram prximos. Os empregados moravam ali, numa

    seqncia de casinhas distantes um quilmetro da casa-sede. Violeta, a me de Silas, quis que

    os filhos fossem instrudos. Para isso, contratou um professor que ia fazenda dois dias porsemana. Ali, pernoitava uma noite e ensinava as crianas. Silas ficava ao lado do professor o

    tempo todo em que ele permanecia na fazenda. Era o mais aplicado, sabia mais que seu irmo

    mais velho, Felipe, e ajudava o mestre nas lies com os mais novos. Lia muito e por isso

    adquiria muito conhecimento. Era um sonhador, como Maria bem o definia.

    Os dois chegaram a casa e o senhor Joo, ao ver o filho, pediu:

    - Silas, v verificar se os pees esto separando certo as ovelhas, depois volte aqui que

    quero lhe ensinar como pag-los.

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    O menino foi contente fazer o que o pai ordenou. Nunca se aborrecia ou reclamava.

    Embora jovem, sabia administrar a fazenda. Depois de ter feito tudo, pago os empregados, os

    pees que no moravam na fazenda e vinham da cidade quando solicitados para fazerem

    trabalhos extras, Silas entrou na casa. Viu Felipe se arrumando em frente a um espelho.

    "Felipe bonito!", pensou Silas, sentindo admirao do irmo.

    Silas tinha quatro irmos, dois mais velhos que ele e dois mais jovens. Felipe era o

    primognito, com quase dezoito anos; alto, forte, bonito, estudava, porque era obrigado, e no

    gostava de morar na fazenda. Queria residir numa cidade.

    - Ol, Silas! - cumprimentou Felipe. - O que voc acha desta roupa? Fica bem em

    mim?

    Dona Violeta, sempre que precisava, contratava o servio de duas costureiras que iam

    fazenda e ali permaneciam para costurar roupas para a famlia. Elas estavam ali fazia dias

    costurando; Felipe experimentava suas roupas novas.

    - Fica sim - respondeu. - So muito bonitas e voc est muito bem.

    - Espero que uma das filhas do senhor Manoel tambm ache. Quero causar uma boa

    impresso. Se umas delas se apaixonar por mim, caso e me mudo para l.

    - Papai quer voc na fazenda - argumentou Silas.

    - Ora, no nasci para ser fazendeiro, quero a agitao da cidade. Se uma das filhas do

    senhor Manoel se interessar por mim, serei o homem mais feliz do mundo.

    Felipe, nos ltimos dias, s falava na viagem que iam fazer e na possibilidade de ficar

    morando na cidade.

    O senhor Joo era amigo do senhor Manoel desde a infncia. Quando o pai de Silas se

    casou com Violeta, foram morar na fazenda, que ela herdara de uma tia. Gostaram do lugar,

    construram a casa, ampliaram-na e no cogitavam mudar. Embora distantes, pois a cidade em

    que o senhor Manoel morava era longe dali, continuavam amigos, se correspondiam e se

    visitavam.- Faz trs anos que o senhor Manoel veio aqui em casa, e as filhas dele no eram

    bonitas - comentou Silas.

    - Eram meninotas e nessa fase so desengonadas. Agora, moas, devem estar bonitas.

    Mas isso no tem importncia.

    - Voc casaria com algum somente para no morar na fazenda? No o entendo, aqui

    to agradvel!

    - Gostos so diferentes. No me critique! No o fao por voc gostar daqui -respondeu Felipe.

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    - Desculpe-me! Se voc ficar na cidade, vou sentir sua falta.

    - No vou ficar desta vez - respondeu Felipe. - Se tudo der certo, ficarei noivo e

    voltarei para o casamento, que dever ser marcado. O senhor Manoel tem somente filhas e ir

    gostar de ter um genro filho do seu melhor amigo para trabalhar com ele no seu comrcio de

    exportao.

    - Voc j falou ao nosso pai sobre isso? - perguntou Silas. - O objetivo da viagem

    levar Marta para conhecer o noivo, filho de um primo do papai.

    - J falei, ele me disse que sou jovem para casar, mas no colocou objees. Falou que

    ficar contente se eu namorar uma das filhas de seu amigo. Pena que voc no vai. No

    conhece a cidade nem o mar.

    - Vou cuidar da fazenda - respondeu Silas. - Assim papai viajar sossegado.

    - Silas, voc no parece ter somente treze anos. Pensa e age como um adulto! Que bom

    que queira ficar.

    Silas sorriu contente por receber um elogio de Felipe. Ele no se sentia discriminado.

    Embora os irmos, principalmente os dois garotos mais novos, que eram muito levados,

    chamassem-no de feio ou aleijado, ele compreendia e no ligava. Quando o pai escutava os

    meninos sendo indelicados com ele, eram repreendidos, iam para o quarto de castigo e ali

    ficavam por horas. Silas nunca reclamava deles para o pai. Realmente, um se importava nem

    com as crticas dos irmos, nem com a curiosidade das pessoas quando o viam e nem com os

    risos da meninada, filhos dos empregados.

    Mas a famlia tentava escond-lo. Todas as vezes que viajavam, iam todos, o pai, a

    me e os quatros filhos e sempre arrumavam uma desculpa para ele no ir: que estava doente,

    que a viagem era longa e ele sentiria dores nas costas. Mas Silas no sentia dores, cavalgava

    pela fazenda e trabalhava. Na sua inocncia, achava que os pais, principalmente a me,

    preocupavam-se com ele. O fato que todos sentiam vergonha por ele ser como era e

    preferiam evitar o constrangimento que a presena dele causava s pessoas.Era a me que mais se envergonhava. Tentava ser a mesma com todos os filhos, isso

    em casa, na fazenda. No queria que as pessoas, principalmente as que a conheciam, a vissem

    com aquele filho deformado. Violeta era muito bonita e gostava de apresentar aos outros os

    quatro filhos, todos lindos. Ela no conseguia entender por que Silas, seu terceiro filho,

    nascera daquele modo: feio e deficiente fsico. O pai o aceitava e o admirava por ser

    inteligente e trabalhador.

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    Iam viajar, passar trs meses na casa do senhor Manoel para acertar o casamento de

    Marta. E, se desse certo, Felipe, embora muito jovem, tambm voltaria noivo de uma das

    filhas do casal amigo. Joo reconhecia que a fazenda no oferecia atrativos para os jovens.

    Felipe colocou outro casaco e perguntou ao irmo:

    - E este bonito?

    - sim, voc conquistar uma delas! - afirmou Silas.

    - Tomara! Quero morar na cidade!

    Silas estava muito sujo, foi se banhar e depois jantar. No jantar, somente falavam da

    viagem. O menino participou da conversa, gostava de ver todos felizes. Estava contente por

    seu pai lhe confiar a fazenda.

    - Silas - disse Joo, o pai -, se precisar de alguma informao, s verificar meus

    apontamentos na caderneta. Creio que j deixei tudo acertado. Vou ensin-lo a abrir o cofre.

    Se precisar de mais dinheiro, pegue, mas marque tudo.

    - Isaas ir conosco, mas Maria ficar e tomar conta de voc. No se esquea de se

    alimentar direito. Preocupo-me com voc - disse a me.

    - No precisa se preocupar, mame. Vou me alimentar direitinho e cuidarei de tudo.

    - Como voc um bom menino! - exclamou Violeta, que se levantou e depois beijou

    o rosto de Silas.

    O garoto sorriu feliz. Queria viajar com a famlia, conhecer a cidade grande e o mar.

    Mas teria de ficar para cuidar da fazenda. Amava-os muito e no queria constrang-los.

    Quando os pais recebiam visitas, estas o observavam, ora com sorrisos estranhos, ora com

    piedade. Silas entendia que a me se aborrecia com a curiosidade das pessoas em relao a

    ele. E aquela viagem era importante. Iam acertar o casamento de Marta, que, com quinze

    anos, deveria casar e se mudar para a casa do marido. Ele participava da euforia dos

    preparativos da viagem e o pai estava sempre lhe recomendando algo.

    Maria, que morava na casa-sede, tambm ouviu muitas recomendaes. As outras duasempregadas eram mulheres de empregados da fazenda e moravam nas casas destinadas aos

    empregados. Vendo Marta, a irm, nervosa, Silas foi tentar acalm-la.

    - Irmzinha, no se aflija, papai disse que, se voc no gostar dele, no a obrigar a

    casar.

    - E voc, acredita nisso? um ingnuo! Acredita em tudo! uma criana! -

    respondeu a irm, irritada.

    - No sou criana! Tanto que papai me deixou para cuidar da fazenda.

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    - um ingnuo mesmo! - exclamou Marta. - A fazenda poderia ficar sob a

    responsabilidade dos empregados, principalmente de Isaas, que um bom administrador.

    Papai levar Isaas para que ele o ajude a comprar mais ovelhas. Voc no ir conosco para

    no causar m impresso famlia do meu noivo, para eles no acharem que eu posso ter um

    filho como voc!

    Marta comeou a chorar, Silas a abraou.

    - No chore, Marta. Seu noivo bonito e disseram que gentil.

    - Desculpe-me, Silas. Mas acho um absurdo papai acertar o meu noivado. Ele tem

    vinte e cinco anos, um velho!

    - Rapazes casam normalmente nessa idade. Voc vai gostar dele.

    -No quero ir! Queria ficar com voc! - falou Marta em tom queixoso.

    Silas fez uma prece pedindo a Deus para que o noivo da irm fosse de fato uma boa

    pessoa. Se tudo desse certo, Marta no voltaria com eles, casaria e ficaria com o marido, que

    tambm era fazendeiro. Iriam residir na fazenda dele, que no era distante da cidade em que o

    senhor Manoel morava.

    Naquela noite, Silas ficou pensando no que a irm disse:

    "Acho que Marta tem razo. Meus pais no querem que as pessoas me vejam. Por que

    ser que nasci to diferente assim? As pessoas me acham feio. Sou um aleijado."

    Mas no quis ficar triste. Se todos estavam alegres, ele tambm deveria estar. Marta

    estava nervosa, mas ele sabia que sua irm estava contente. Recebera uma foto do noivo,

    achou-o bonito e tiveram informao de que ele era uma boa pessoa, educada, gentil e que,

    por foto, achara Marta linda. E sua irm era realmente muito bonita: loura, olhos azuis e faces

    rosadas.

    Orou. Sentia muita tranqilidade orando e quando acabava a prece costumava mandar

    um beijo para Jesus. Um ato inocente, cheio de amor e carinho para com o Mestre Nazareno.

    As vezes, pensava:"Com um beijo Jesus foi trado, nunca quero tra-lo, beijo-o para dizer que o amo."

    E esse ato, com certeza, era uma sublime orao. Uma manifestao de amor.

    Dormiu e sonhou. Seu esprito, afastado do corpo fsico, saiu e foi se encontrar com

    um amigo querido, seu instrutor, de quem recebia orientaes. Foi a uma colnia, cidade

    espiritual, onde fora morador antes de reencarnar. Ali as pessoas o saudaram e ele respondeu

    aos cumprimentos alegre e sorrindo.

    Sentou-se num banco e olhou a paisagem sua frente: um lindo lago de guas claras ebrilhantes.

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    - gua! - exclamou ele com contentamento. - Fonte de vida! Como bom usufruir

    dela! Seja sempre benfica!

    Virou-se e viu o seu castelo. Sabia que era uma construo enorme, onde existiam

    vrios departamentos e l estavam as duas "torres" - locais de observao -, dois prdios mais

    altos.

    - Como lindo! E o meu castelo dos sonhos! -Silas!

    Olhou para o senhor que o chamou. Era Gabriel. Conhecia-o sem entender como nem

    de onde. Abraaram-se. Silas sentiu-se adulto, parecia ter outro aspecto, mas isso no

    importava. Ele era, ali no seu castelo, um ser, um esprito, uma alma querendo aprender.

    - Isso um castelo? Por que estou aqui? Por que sonho? -perguntou Silas.

    -Este lugar um osis de bnos, onde por algum tempo nossa alma estagia para

    angariar foras para a caminhada. No o chamamos de castelo, uma construo que serve

    de abrigo a ns que fizemos um propsito de ser til. E um refrigrio para aqueles que

    imprudentemente quiseram ser servidos e que agiram erroneamente. Voc, Silas, est aqui

    porque orou com sinceridade antes de dormir, vibrou com carinho se afinando com a

    harmonia deste local.

    Agindo assim, voc pde ser transladado para c, rever amigos, receber incentivos e

    recordar um pouquinho do que planejou fazer.

    - Gosto de rever este lugar, mas no preciso de foras, tudo est bem comigo.

    - Silas, meu amigo, logo voc ter de superar perdas e ser forte. Lembre-se de que o

    amor a luz que ilumina nosso caminho. Confie e ore sempre!

    - Farei isso!

    Silas-menino saiu a saltitar pelo gramado, encantado com aquele lugar que lhe parecia

    brilhar, as cores eram mais definidas, o aroma agradvel, e havia canteiros com flores

    coloridas por todos os lados.

    - Queria morar aqui! Com certeza voltarei! - exclamou. Gabriel olhou-o com ternura,sorriu vendo seu discpulo

    contente indo de canteiro a canteiro acariciando as flores. Eduardo, um desencarnado

    jovem que o acompanhava e tinha escutado o dilogo do mestre Gabriel com Silas, indagou

    curioso:

    - A orao tem tanta fora assim? O que Silas orou? Foram preces decoradas? Seu

    corpo fsico to jovem! Ele sabe fazer preces espontneas?

    Gabriel, com um sinal, convidou Eduardo a sentar-se e o elucidou:

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    - Muito se tem recomendado orar antes de adormecer. E Jesus nos recomendou que

    orssemos sempre.

    - Mas como orar sempre se temos de trabalhar e estudar? - perguntou Eduardo

    querendo aprender.

    - A orao um ato ou uma atitude? - indagou Gabriel.

    O jovem aluno pensou por um momento e, como no soube responder, seu professor

    esclareceu:

    - Orar uma atitude que se pode manifestar por atos, como ao proferirmos uma

    prece. Orar sempre teratitudes salutares, de amor, em todos os instantes de nossa vida. E

    necessrio que criemos vibrao benfica, nos envolvamos nela e que vivamos no bem,

    tenhamos hbitos bons e evitemos os maus. E isso no nos impede de trabalhar e de estudar.

    Cumprindo nossas obrigaes dirias com carinho, nimo e disciplina, nos fortalecemos

    espiritualmente. A orao permanente que nos recomendou Jesus que nos iluminemos

    interiormente. E se por atos fizermos preces, sejam elas repetitivas ou uma conversa

    espontnea com Deus, elas so fortalecidas por nossas atitudes. Quando as preces vm de

    um ser purificado pelas boas aes, abrem um canal para a espiritualidade maior. Silas

    aprendeu aqui conosco a orar espontaneamente e, encarnado, aprendeu a fazer preces

    decoradas, e ele as faz das duas maneiras. E pelos seus atos externos, a maneira como vive,

    sua verdadeira orao. Silas est provando que aprendeu a lio. E pela sua maneira de agir

    que seu esprito pode vir nos visitar enquanto repousa o sono benfico. A orao alimenta

    nosso esprito. Entendeu?

    - Sim - respondeu Eduardo -, quero seguir o exemplo que Silas nos est dando. Quero

    aprender!

    - Faa sempre o bem e manter em si uma orao constante! Gabriel deu por

    encerrada a conversa, aproximou-se de

    Silas e com muito carinho o levou de volta ao seu provisrio lar terreno.O garoto acordou com um raio de sol que passou por uma fresta da janela. Sorriu

    contente.

    - O sonho de novo! Agradeo ao Senhor, meu Deus, por esse sonho maravilhoso!

    E fez a sua orao, em que novamente misturou a sua espontnea com a decorada que

    lhe ensinaram no catecismo.

    Dormia num quarto sozinho. Somente os dois irmos mais novos, por serem pequenos,

    dormiam no mesmo aposento. Mas assim que Marta casasse, eles ficariam cada um numquarto.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    Levantou-se disposto e foi tomar seu desjejum. Seria naquele dia a ltima aula do

    professor. Depois ele somente voltaria quando a famlia regressasse da viagem. O senhor que

    os ensinava levou para ele alguns livros que seu pai mandara comprar. Teria muito para ler.

    Esse presente lhe agradou demais, gostava muito de viajar com as leituras e sonhava que vivia

    como os personagens.

    Quatro dias passaram agitados. Silas escutou novamente as muitas recomendaes.

    Todos estavam eufricos com os preparativos.

    Silas, disposto e contente, ajudou todos os familiares.

    CAPITULO DOIS

    Um Retorno Diferente

    NO DIA MARCADO PARA A VIAGEM, TODOS Acordaram de madrugada.

    Viajariam em duas carruagens com quatro cavalos cada e quatro empregados os

    acompanhariam. Joo escolhera Isaas e seus dois filhos, que eram jovens, fortes e espertos e

    um outro funcionrio, Onofre. Isaas era um empregado de muito tempo, pessoa de confiana

    do pai de Silas. Ele ficara vivo fazia dois anos e tinha quatro filhos: duas mulheres, que

    estavam casadas, e os dois moos que viajariam com ele. Sua filha mais velha mudara-se com

    o marido para muito longe, para outro continente e havia anos que eles no recebiam notcias

    dela. A segunda casara com um empregado do senhor Manoel, e os trs - pai e os dois filhos -

    estavam muito contentes porque iam rev-la e conhecer seus dois filhos. Foi na ltima visita

    que a famlia de Manoel fez fazenda que os dois se conheceram e, depois de um breve

    namoro, casaram e estavam bem.Todos os moradores da fazenda foram se despedir. A mulher de Onofre, Tereza,

    chorou muito; eles tinham quatro filhos pequenos. Depois de muita falao, recomendaes,

    os irmos despediram-se de Silas com abraos. O pai o abraou com carinho.

    - Fique bem, meu filho, e cuide de tudo. Logo voltaremos!

    A me, Violeta, o abraou. Sempre que o fazia era com cuidado, tinha a impresso de

    que machucaria suas costas inteiramente tortas e beijou suas faces.

    Partiram. Silas com os outros ficaram acenando. Quando as carruagens se afastaram, ogrupo se dispersou. Silas subiu com dificuldade numa rvore e pde assim ver os viajantes at

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    que desapareceram numa curva. Somente desceu quando no viu mais a poeira. Ajoelhou-se

    no cho para orar, porm sua perna doeu.

    "Para orar", pensou, "devo me sentir confortvel".

    Sentou-se num banquinho e orou pedindo a Deus que protegesse seus familiares.

    Entrou em casa, tinha pouco que fazer, o pai deixara tudo organizado. Sentiu-se sozinho e

    esforou-se para no ficar triste. Foi ler.

    Os dias passavam tranqilos. Ele ia ver as ovelhas, verificava as plantaes, tomava as

    refeies sozinho naquela mesa enorme. Sentia falta da gritaria dos irmos menores, dos

    choramingos de Marta, de conversar com Felipe e sentia muita falta dos pais.

    Maria lhe fazia companhia. Ele aproveitou para ler bastante; ia tambm ao aude,

    porm ali j no lhe parecia mais o seu castelo, era sua casa onde estava sozinho. Imaginava

    todos felizes. Marta apaixonada e contente com o casamento, Felipe conquistando uma das

    filhas do senhor Manoel. Com certeza, os dois no voltariam, ficariam por l, casados. Mas,

    sem entender o porqu, sentia algo apertando o peito, um pressentimento ruim.

    "Ser saudade? Estarei assim, ansioso, porque estou sozinho? isso! Estou saudoso!"

    Lembrava do abrao do pai, dos beijos da me e tentava se tranqilizar. Mas estava

    sendo difcil, estava triste e esse sentimento lhe doa no peito. Orou muito e os dias passaram.

    Dois meses e dezessete dias depois da partida, Silas acordou k noite com o barulho de

    uma carruagem aproximando-se da casa. Levantou-se, trocou-se o mais rpido que conseguiu

    e correu para a porta da entrada. Acendeu o lampio, abriu a porta e, da varanda, viu uma das

    carruagens da fazenda se aproximar. Sorriu, mas logo aquela inquietao que sentia fazia dias

    veio forte.

    "Uma carruagem somente, e a essa hora! O que ter acontecido?" - pensou aflito.

    Desceu as escadas e ficou aguardando onde com certeza a carruagem pararia. Um

    cocheiro desconhecido parou o veculo, desceu e aproximou-se de Silas, que o olhava sem

    conseguir definir o que sentia, se era medo ou preocupao.- Senhor Silas, sou Jos, trabalho para o senhor Manoel e trago seu pai, o senhor Joo.

    Aconteceu uma desgraa e todos morreram.

    Silas abriu a boca, mas no conseguiu falar. O cocheiro estava de cabea baixa,

    levantou os olhos e, quando o viu, assustou-se e perguntou gaguejando:

    - O senhor o filho do senhor Joo? O Silas, que ficou na fazenda?

    - Sou eu, sim. No se assuste comigo, por favor, sou deficiente fsico.

    - O que voc est falando? Repita! - ordenou Maria apavorada.

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    Ela tambm acordou assustada com o barulho e fora ver o que tinha acontecido.

    Aproximou-se de Silas e olhou para o cocheiro.

    O condutor da carruagem lembrou ento que j escutara que o filho do senhor Joo,

    que ficara na fazenda, era feio e doente. Falou tentando disfarar seu susto.

    - Menino Silas, trago seu pai convalescente e abatido. Uma desgraa se abateu na

    nobre casa do senhor Manoel, muitos ficaram doentes, uma terrvel doena os matou.

    Infelizmente, morreram vrias pessoas de sua famlia.

    - Quem? - perguntou Silas esforando-se para falar.

    - Sua me, irm e irmos - respondeu o cocheiro falando devagar e baixo.

    - Virgem Maria! - exclamou Maria desesperada.

    Silas no sabia o que fazer, a porta da carruagem se abriu e viram um homem coberto

    com uma capa. Devagar, ele descobriu o rosto e fez um sinal com a mo sobre os lbios

    pedindo silncio.

    - Mas...! - exclamou Maria olhando-o.

    Silas segurou com fora o brao da empregada e gritou:

    - Papai!

    - Meu filho - disse o homem de dentro do veculo -, me ajude a ir para a cama, estou

    muito cansado.

    - Claro! - falaram Maria e Silas juntos. Ajudaram-no a descer, entraram na casa e o

    levaram para

    o quarto de casal. Deitaram-no no leito.

    - Maria - pediu Silas -, cuide dele e vamos ficar quietos, depois ele nos explicar. Para

    todos, meu pai voltou. Vou agora cuidar do cocheiro. No deixe ningum entrar aqui.

    Quando Silas voltou varanda, muitos empregados j ali estavam e o cocheiro tentava

    explicar. Como muitos falavam junto, o menino gritou:

    - Quietos! Vamos escut-lo! Por favor, senhor, conte-nos o que aconteceu.- Uma desgraa! - falou o cocheiro. - Uma doena terrvel nos abalou. Veio com os

    homens num navio. O doente tem febre alta, muitas dores, falta de ar, no consegue levantar

    mais do leito e quase todos os que ficam enfermos morrem. Na casa do senhor Manoel,

    muitos ficaram doentes, senhores e criados. A menina Marta foi uma das primeiras a adoecer,

    ento 0 noivo foi embora. Depois, foi a vez da senhora Violeta; as duas faleceram no mesmo

    dia e logo em seguida os dois garotos. 1'clipe foi o ltimo a morrer.

    - E os empregados do meu pai? Isaas e os filhos? - perguntou Silas.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    - Os quatro morreram. O senhor Manoel, a esposa e trs filhas tambm faleceram;

    ficaram duas filhas, pelo menos no adoeceram ainda. O senhor Joo, aps enterrar todos,

    quis voltar, me pagou e eu o trouxe. Acho que ele no pegou a febre, mas com as perdas est

    muito abatido. Fizemos a viagem quase sem parar, os cavalos esto cansados. Trouxe a

    bagagem que ele separou, o resto ficou l. Preciso descansar, pretendo regressar amanh,

    deixei minha me enferma. Voc arrumaria para mim um cavalo? Quero voltar rpido.

    Silas chamou um empregado e ordenou:

    - Leve-o para o quarto dos fundos, d-lhe alimentos e depois pegue no pasto um bom

    cavalo e deixe-o preparado para que ele parta amanh. - Virou-se para o cocheiro e pediu: -

    V descansar e agradeo-lhe por trazer meu pai.

    O empregado levou o cocheiro. Os outros se dispersaram tristes e foram contar o

    ocorrido aos que permaneceram em suas casas. Silas entrou, sentou-se numa cadeira, colocou

    as mos na cabea. Sentiu uma profunda dor, como se se partisse ao meio, parecia que estava

    arrebentando, sem entretanto lhe doer o corpo. Era dor interna, do sentimento, com certeza a

    mais dolorida que h. No conseguiu chorar. Balbuciou baixinho:

    - Neste momento de dor, entrego meu corao amargurado ao Senhor, meu Deus. Se

    divido com o Senhor minhas alegrias, fao-o com meu sofrimento. Peo-lhe: me oriente a

    fazer o que for certo!

    Levantou-se e, segurando o lampio, dirigiu-se ao aposento de seus pais. Maria estava

    chorando baixinho ao lado da cama.

    - Como est ele? - perguntou Silas em tom baixo.

    - Fiz com que tomasse um copo de leite e comesse um pedao de bolo. Est

    dormindo!

    - O que ser que aconteceu? - indagou Silas.

    - Ele somente falou que estava fazendo o que o senhor Joo lhe pedira - respondeu

    Maria.- Meu pai tambm morreu? -Sim!

    - Estou sozinho! - entristeceu-se o garoto.

    - No, Silas - disse Maria -, voc est comigo. Eu e ele cuidaremos de voc. Amanh

    ele nos contar tudo. E, para iodos, seu pai voltou e est muito abalado. V dormir!

    - Acho que vou ficar aqui. No conseguirei dormir. Que vou fazer, Maria? No

    consigo acreditar. Estou tendo um pesadelo?

    Maria o abraou e os dois choraram. Silas, chorando baixinho para no acord-lo,exclamava suplicando:

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    - No me desampare, meu Deus! Sustenta-me com a sua fora! Ampare-me, por

    favor!

    - Amm! - era o que Maria comovida conseguia dizer.

    A empregada no sabia o que fazer para consolar o menino, que agora estava rfo,

    mas no sozinho, porque ela estaria sempre com ele.

    - Prometo, juro por Deus que vou cuidar de voc! Maria prometeu a si mesma cuidar

    daquele menino que amava como se fosse um parente e, acariciando seus cabelos, pensou:

    "Nunca vi uma criana to madura assim. Silas parece um adulto! Que menino de

    ouro! Feio por fora, mas lindo por dentro. Amanh ele nos contar tudo" - Olhou para o

    homem deitado no leito e que dormia.

    Silas sentou-se numa poltrona, chorou muito e, cansado, acabou dormindo.

    Gabriel foi visitar e consolar seu antigo discpulo. Eduardo o acompanhou e estava

    comovido com o sofrimento que se abatera naquele lar.

    - Como ele est sofrendo! Estou com d dele! - exclamou vendo-o adormecido na

    poltrona.

    - Eduardo, por favor, no crie em voc sentimentos inteis! Eduardo olhou confuso

    para seu professor. Com certeza

    no queria prejudicar, mas aprender a ajudar. Gabriel colocou a mo no seu ombro e

    elucidou-o:

    - Devemos ter sempre compaixo e misericrdia para com todos porque ainda

    necessitamos que outros tenham esses sentimentos por ns. Entretanto, tudo o que sentimos

    deve ser acompanhado, fortalecido por atos. Repare em voc: ao se apiedar dele, criou uma

    energia de tristeza. Se Silas for receptivo, aumentar sua dor e ser perigoso se envolver-se

    na autopiedade, que somente o prejudicar. Quando temos contato com uma pessoa que

    sofre e queremos ajudar, devemos pensar em como faz-lo. Primeiro, criar em ns uma

    energia benfica de amor, carinho; isso podemos conseguir com a orao e oferecermentalmente pessoa. E se tivermos oportunidade de conversar com ela, que seja para

    motiv-la e alegr-la. De fato, Silas est passando por momentos difceis e, quando isso

    acontece conosco, queremos afetos por perto, sentir-nos amados por algum. Devemos

    sempre que for possvel transformar o amor em atos bondosos.

    Eduardo se concentrou e orou:

    - Meu Deus, quero criar uma energia confortadora e envolver Silas. Por favor, nos

    ajude. Oriente esse meu amigo!

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    Eduardo modificou de imediato sua vibrao e dele saiu uma energia clara, luminosa,

    que envolveu Silas.

    - Silas! - chamou Gabriel baixinho.

    O menino despertou, em esprito, e viu aquela criatura que sentia ser seu amigo.

    Gabriel repetiu: -Silas!

    - voc, meu amigo? Naquela noite voc me alertou que eu teria perdas. Como estou

    sofrendo!

    - Lembra-se de tudo que lhe falei? -perguntou Gabriel.

    - Sim e tenho orado. Se Deus permitiu que viesse aqui, me diga o que devo fazer. No

    errado aceitar essa troca?

    - Silas, ns pedimos ao Joo para fazer isso e ele aceitou nossa sugesto. Aceite!

    - No ser uma mentira? - indagou o menino.

    -Prejudicar algum?

    - Acho que no.

    - No prejudicar - afirmou Gabriel. - Somente o ajudar a fazer o que planejou.

    Faa o que seu pai pediu. Agora descanse, estarei sempre que possvel auxiliando-o.

    Silas fechou seus olhos e obedeceu. Eduardo, que olhava tudo curioso, perguntou:

    - No entendo o que aconteceu! O perisprito dorme junto do corpo fsico!

    - Eduardo, voc no adormece no seu quarto do educandrio na colnia onde

    moramos?

    - Meu corpo fsico morreu - disse Eduardo. - Sei que sou um esprito e que ainda uso,

    na continuao da vida, o perisprito. Recm-desencarnado, sentia as necessidades quase

    como se estivesse encarnado; dormia, alimentava-me etc. Com o estudo e a compreenso

    adquirida, fui me libertando desses reflexos, mas ainda durmo.

    - Somos espritos! - esclareceu Gabriel. -Estagiamos no plano fsico e no espiritual. E

    o que voc disse est certo. Ns, que ainda estamos sujeitos reencarnao no planetaTerra, temos, para viver, este corpo, o perisprito. Quando encarnado, o perisprito pode

    afastar-se do corpo fsico, principalmente quando este adormece, e ir a muitos lugares

    encontrar-se com seres afins. Mas esse fenmeno difere muito de pessoa a pessoa; umas

    saem mais, outras menos. E mesmo para as que esto acostumadas a faz-lo, essas sadas

    dependem muito da situao em que vivem no momento. Conheci uma mulher que sempre se

    afastava do corpo adormecido e continuava com sua tarefa de auxlio. Mas, quando foi me,

    com os filhos pequenos, no queria se afastar, preferia ficar no lar atenta s necessidadesdeles. No samos todas as vezes que adormecemos. H pessoas que tm dias marcados para

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    esses afastamentos. Normalmente quando se est doente, o perisprito fica atento ao corpo

    fsico, mas tambm pode se afastar e ser levado a locais onde receber a ajuda de que

    necessita. E quando o perisprito no se afasta, a maioria das vezes, adormece junto com o

    corpo fsico, porque esse ainda, muitas vezes, carente de descanso.

    - Mas o esprito no adormece! - exclamou Eduardo.

    - No, o esprito no dorme, mas nosso esprito revestido de corpos, perisprito,

    fsico... - disse Gabriel.

    - Compreendi... Silas sofre interiormente, sua dor no fsica, do corpo carnal,

    ntima. E seu esprito que sofre. Por isso, sua dor maior. Foi por ele ter orado que o senhor

    pde vir aqui?

    - Viria - respondeu Gabriel -, independentemente de como me reagisse a essa

    tragdia, e tentaria ajud-lo. Mas, para receber melhor a ajuda, principalmente a espiritual,

    necessita-se de se fazerreceptivo, e Silas, pela orao, no ficando revoltado, est receptivo

    epude assim auxili-lo como quero.

    - Osenhor o ama muito, no ? - perguntou Eduardo.

    - Amo sim. Ainda no consigo amar igualmente a todos. Aprendi a querer bem a

    todos os seres, mas ainda sinto maior afeto por alguns, principalmente pelos meus pupilos.

    Tenho me esforado para no amar de maneira diferente.

    - Que vamos fazer agora! - quis saber Eduardo.

    - Viemos para ficar aqui por dezoito horas e ainda nos restam oito horas. Faremos

    companhia a Silas.

    - Osenhor sempre o visita, mas agora vir mais vezes, no ?

    - Virei sim - afirmou Gabriel -, tentarei confort-lo e orient-lo.

    - Foi o que ele pediu a Deus orando: para o Pai-Maior orient-lo! - exclamou

    Eduardo. - maravilhoso o que Deus faz por ns: um filho Dele auxiliando outro.

    Gabriel concordou e os dois velaram o sono de Silas. Silas acordou com algumchamando-o:

    - Silas! Menino Silas!

    Demorou uns segundos para Silas se inteirar de onde estava e a lembrou-se de tudo;

    olhou para o homem que o chamara.

    - Silas! - repetiu o homem. - Acordou, meu menino?

    - Sim. Queria no ter acordado. Sinto-me muito infeliz!

    - No diga isso. Voc nunca ser infeliz, est somente sofrendo como eu.- Que aconteceu? - perguntou Silas.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    - Morreram todos - respondeu o homem. - Meus dois filhos, minha filha, meu genro e

    os dois netos. Todos! Seu pai me pediu e...

    Escutaram gritos; Maria entrou no quarto, fechou a porta e explicou:

    - Tereza, a mulher do empregado Onofre que est gritando, ela est desesperada.

    Fiquei aqui com vocs o resto da noite, ento deixei-os dormindo e fui verificar se tudo estava

    certo para a partida do cocheiro. Ele j foi embora, estava com pressa. Acho que todos na

    redondeza j sabem o que aconteceu e Tereza quer saber do marido.

    - Ele morreu, foi um dos primeiros - disse o homem. - Foi enterrado l. Trouxe comigo

    somente alguns pertences dele.

    - Fique aqui, no saiam - pediu Silas. - Para todos, meu pai voltou. Maria, cuide dele,

    providencie um banho, roupas limpas e alimentos.

    - Devo ir para um outro quarto - falou o homem.

    - No, este era dos meus pais, e agora seu - determinou Silas. - Quando tudo se

    acalmar, voc nos explicar. Maria, posso confiar em voc?

    - Sim, pode. Com certeza o senhor Joo sabia o que estava fazendo.

    Silas saiu do quarto fechando a porta atrs de si e foi para a sala, de onde vinham os

    gritos. As outras duas empregadas, Bernadete e Sara, consolavam a mulher de Onofre, que

    chorava desesperada.

    - Senhora, por favor, no chore assim! - pediu Silas.

    - Meu marido morreu? - perguntou Tereza dando uma pausa no choro.

    - Sim, meu pai confirmou. Onofre foi um dos primeiros a falecer, foi enterrado l.

    Meu pai trouxe alguns pertences dele, depois os entregarei.

    - Estou viva! Eu o amava! Quero morrer! - gritou Tereza voltando a chorar em

    desespero.

    - Tereza, por favor, voc tem quatro filhos para criar -disse Sara tentando acalm-la.

    - Como eles ficaro sem o pai? Morreremos de fome!- Isso no acontecer! - afirmou Silas. - Vocs ficaro morando na mesma casa aqui

    na fazenda e recebero todo ms o salrio de seu marido. No morrero de fome!

    - E justo! Onofre morreu servindo seu pai. Quero ver o senhor Joo - gritou Tereza.

    - Meu pai no est doente, mas se encontra muito abalado e no quer ver ningum.

    - Esses ricos no se importam mesmo com ns, os pobres!

    - exclamou Tereza chorando alto.

    - No assim - falou Silas. - A dor a mesma! Meu pai perdeu a esposa e quatrofilhos e eu a minha famlia.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    Ao escutar isso, Tereza se acalmou, suspirou, enxugou o rosto e exclamou:

    - Sinto muito! Voc tem razo! A dor a mesma e imensa. Mas se meu marido no

    tivesse ido viajar com seu pai no teria morrido!

    - Mas ele foi contente por ganhar um pagamento extra

    - respondeu Bernadete. - No foi obrigado, foi porque quis. E se o Onofre tinha de

    morrer, iria falecer de outro modo e aqui. No atormente o menino Silas, no v como ele est

    sofrendo? V agora para sua casa, cuide dos seus filhos e acredite no senhor Joo. Se ele falou

    que ir cuidar de vocs, o far, pois sempre nosso patro cumpre o que promete.

    - No consigo viver sem meu marido! - queixou-se Tereza lagrimosa.

    - Conseguir, sim - falou Bernadete. - Por favor, volte para sua casa e no se desespere

    mais, no assuste seus filhos!

    Tereza saiu cabisbaixa, chorando agora baixinho. Silas sentiu muita pena dela e

    prometeu a si mesmo cuidar da famlia de Onofre. Maria entrou na sala e deu ordens para

    esquentar gua e preparar o desjejum.

    Sara pediu a Silas para se alimentar. Ele no conseguia comer, tomou somente uma

    xcara de leite. Os empregados estavam no ptio e o menino foi conversar com eles.

    - Voltem aos seus afazeres! Meu pai no est doente, est se sentindo fraco, abatido e

    muito triste. Deve ficar no leito por uns dias. Cuidarei de tudo at que papai se restabelea.

    Um dos empregados falou em nome de todos:

    - Silas, ns sentimos muito o falecimento de sua me e de seus irmos. Diga a seu pai

    que estamos tristes e de luto.

    lambem sentimos pela morte dos nossos companheiros de trabalho: do Onofre, Isaas e

    filhos.

    - Falarei a ele, agradeo a vocs - respondeu Silas. Eles foram embora, voltaram ao

    trabalho na fazenda;

    havia servios que no podiam ser adiados, como alimentar ;is ovelhas. Silas entrou eficou na sala de jantar, sentou-se na cadeira em que a me costumava se sentar e orou:

    - Deus, encaminhe nossos mortos queridos! Suas almas necessitam de orientao para

    estarem bem no seu reino. Que lenham paz! Pai-Nosso...

    Orou por minutos, at que Maria o chamou:

    - Silas, ele quer conversar conosco. Acompanhou-a at o quarto de seus pais.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    CAPITULO TRS

    EXPLICAES

    OS DOIS, SILAS E MARIA, ENTRARAM NO QUARTO E j fecharam a porta.

    Isaas, pois fora ele que retornara, sentou-se no leito. Maria o ajudou arrumando os

    travesseiros para acomod-lo. Com expresso sofrida, ele os olhou e falou:

    - Vocs devem estar curiosos para saber de tudo. Pois vou contar. A viagem era de

    expectativa, demoramos cinco dias, fomos parando para que as senhoras descansassem.

    Fomos recebidos na casa do senhor Manoel com festas, eles ficaram muito contentes em rever

    os amigos. Ficamos todos muito bem alojados. J no dia seguinte, fui com meus filhos casa

    de minha filha. Como foi bom abra-la e conhecer meus dois netos, duas crianas lindas!

    Dormamos na casa dela e amos cedo trabalhar. O senhor Joo diminuiu nosso horrio de

    servio e assim pudemos passear. Meu filho mais velho arrumou uma namorada e estava

    pensando em ficar morando com a irm. A cidade muito bonita, o mar encantador e ao

    mesmo tempo assustador, muita gua, no se v fim e salgado. E foi por ele que tudo

    comeou. Um navio vindo de longe, de outro pas, atracou no porto com marinheiros doentes,

    com febre alta, vmitos, diarria e muitas dores. Os mdicos os examinaram mas no

    adiantou, eles foram morrendo. O navio foi isolado, mas j era tarde, as pessoas na cidade

    comearam a ficar enfermas.

    Isaas fez uma pausa e enxugou lgrimas que lhe molhavam as faces. Maria e Silas

    permaneceram quietos, olhando-o atentos e ele continuou a falar:

    - Minha filha e meus netos ficaram doentes e em cinco dias os trs morreram, depois

    meu genro tambm adoeceu e faleceu. Em seguida foram meus dois filhos. Cuidei de todos,fiquei no lar de minha filha. Foi muito triste, no comeo enterravam todos separados, depois

    com muitas mortes, em valas coletivas. Quis morrer tambm, mas a peste no me quis. A me

    do meu genro foi ajud-los, ela no contraiu a doena e ficou morando na casa deles. Como

    triste ver todos morrerem sofrendo e voc Unir somente prestando algum auxlio. Como

    sofro!

    Isaas chorou. Silas e Maria tambm sofriam, imaginavam a cena dolorosa. Maria

    conhecia os filhos de Isaas desde Que eram pequenos e gostava deles. Silas tambm osconhecia, cresceram na fazenda. Ambos, o antigo empregado da fazenda e Silas, estavam

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    sozinhos agora. Os dois ficaram olhando-o chorar, por alguns minutos. Silas, apreensivo, quis

    que ele filasse dos seus e acabou interrompendo seu choro:

    - E minha famlia? Que aconteceu com eles?

    - Tudo estava dando certo - respondeu Isaas. - A menina Marta conheceu o noivo e os

    dois estavam enamorados. O jovem Felipe logo conquistou uma das filhas do senhor Manoel,

    deixando os dois amigos, o senhor Joo e o senhor Manoel, muito felizes com esse namoro.

    Marcaram o casamento de Marta, seria no final do ms e na casa do noivo. Felipe ficaria

    noivo e casaria no ano vindouro. Todos estavam contentes. Os navios traziam muitos objetos

    bonitos. Sua irm, dona Violeta e a esposa do senhor Manoel, com mais duas servas, foram ao

    cais comprar tecidos para o enxoval de Marta. E foram as primeiras a adoecer. Ainda no se

    sabia qual era a doena, acharam nos primeiros dias que estavam gripadas. Quando ficaram

    sabendo que a doena estava fazendo vtimas fatais, j era tarde, a maioria na casa estava

    enferma. Foram meus filhos que contaminaram o lar de minha filha. O senhor Manoel, a

    esposa e trs filhas, inclusive a noiva de Felipe, faleceram. O noivo de Marta, quando a viu

    doente, foi embora para a sua fazenda.

    Isaas fez novamente outra pausa, ficando por instantes pensativo. Era tudo muito

    doloroso, aquelas recordaes lhe provocavam muito padecimento. Vendo que Maria e Silas o

    olhavam querendo saber de tudo, voltou a contar:

    - Voltei ento aps o sepultamento de meus dois filhos para a casa do senhor Manoel,

    l estava um caos, muitos doentes..., o senhor Manoel e Felipe morrendo e o senhor Joo

    acudindo a todos. Seu pai foi uma fortaleza, cuidava dos doentes dia e noite e foi vendo-os

    falecer. Passei a ajud-lo, mas ele adoeceu. "O senhor ficar bem", falei. "No", respondeu,

    "estou fraco, h dias que durmo pouco e me alimento mal. So raras as pessoas que saram e

    eu, com certeza, no me curarei. Preocupo-me com Silas, que ficar sozinho." Mesmo doente,

    ele ainda cuidou de Felipe, at que ele morreu. No outro dia, o senhor Manoel nos confundiu,

    achou que eu era o senhor Joo. Eu ia desmentir quando o seu pai me impediu. "Isaas, vocj notou que somos parecidos? Voc mais velho do que eu dez anos, mus temos a mesma

    altura e, agora, magros, ficamos muito parecidos". "Principalmente com o senhor vestido

    como est", falei. O senhor Joo estava com roupas simples, mas confortveis, e naquele

    momento estava at um pouco sujo. "Voc eu! entendeu?" Neguei com a cabea e ele me

    levou ao quarto que lhe fora destinado. "Isaas", disse o senhor Joo, "tive uma idia quando

    Manoel nos confundiu. Eu estou doente, voc nu i. Para todos aqui, voc eu e eu sou Isaas.

    J estou me sentindo mal e quero me deitar, mas assim que o fizer no me levantarei mais,com certeza. Penso em Silas, meu filho que ficou na fazenda. Ele ter somente a voc e a

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    Maria. Se meu irmo souber que morremos, que eu faleci, ir tomar posse do que meu e que

    agora de Silas. Com certeza, o colocar num asilo pela sua deficincia e ficar com tudo -

    isso se meu cunhado, o irmo de Violeta, deixar. Os dois certamente iro disputar a fazenda,

    meus bens, sem se importar com Silas, que menor de idade. No cuidaro dele, podero at

    mat-lo. Por isso, Isaas, laa de conta que sou eu! Vou escrever a Silas explicando tudo.

    Separarei as jias, algumas roupas que voc levar, pagarei um cocheiro para lev-lo

    fazenda e l evite falar at que Silas o oriente. Meu filho saber o que fazer, ele inteligente e

    capaz. Voc dever ficar aqui no meu quarto e eu irei para o seu." "Se eu ficar doente senhor,

    que farei?", perguntei. "Se no ficou at agora, no ficar mais, por isso se poupe e se

    alimente bem. Deve partir logo. Amanh terminarei de preparar tudo e voc partir." E o

    senhor Joo foi escrever para voc. A noite, ele falou para uma das filhas do senhor Manoel

    que partiria para a fazenda levando uma carruagem. Aconselhou-a a casar logo para que o seu

    noivo passasse a administrar os pertences do pai dela. O senhor Joo se esforou muito para

    no parecer doente. Contratou o cocheiro, que um empregado de confiana da casa do

    senhor Manoel, e pagou-lhe adiantado. Deu-me sua arma, me fez vestir suas roupas, foi para o

    meu quarto e me deixou no seu. No outro dia, fui ao enterro do senhor Manoel como Joo e

    voltei logo para a casa. Ningum desconfiou. Acho que com todos cansados, com tantas

    preocupaes e sofrendo, no prestaram ateno. Estava tudo certo para partir; fui ento ao

    quarto onde estava o seu pai despedir-me dele. Ele estava muito mal, me olhou e novamente

    me pediu: "Isaas, confio em voc! Conte a Maria e pea a ela para cuidar, junto com voc, do

    meu Silas. Reconheo agora que o amo muito e quero-o na fazenda vivendo livre e cuidando

    do que dele por direito. Prometa, Isaas, que voc far isso por mim? Ser Joo de agora em

    diante?" "Prometo", afirmei. "Mas se o senhor melhorar?" "Sinto que estou morrendo. Mas se

    no morrer, irei Para a fazenda". Toda a minha famlia estava morta. Tenho mais uma filha

    que nem sei se est viva. Mas restou voc e aceitei a proposta. noite fui ver o senhor Joo;

    ele estava morrendo. Levantei de madrugada para partir e uma criada me informou que"Isaas" havia falecido. E, ento, como senhor Joo, parti. Paramos o mnimo possvel. E foi

    isso que aconteceu.

    Ficaram em silncio por instantes, cada qual pensando.

    "Estou sofrendo muito", pensou Isaas. "Mas no morri e existe Silas, que inocente,

    deficiente fsico e feio. Se os tios dele souberem, daro um jeito de desaparecer com ele ou

    inalando ou colocando-o num asilo para doentes mentais. Agi certo prometendo. Vou cuidar

    dele como prometi ao senhor Joo, moribundo."Maria estava comovida:

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    "Que tristeza! No verei mais dona Violeta nem as crianas! Tambm prometi minha

    patroa que cuidaria de Silas enquanto ela estivesse fora. Como no voltar mais, a promessa

    continua. E eu amo essa criana. Ele parece um adulto, tem a sabedoria de um homem velho e

    muito bondoso."

    - Eu juro por Deus que no conto nada! - concordou Maria. - O segredo deve ser bem

    guardado. Por enquanto o senhor "Joo" dever ficar se recuperando no quarto. Acharemos

    um jeito de enganar a todos. Ningum vir nos incomodar e maltratar Silas.

    - Vamos fazer a vontade de seu pai, menino Silas? - perguntou Isaas.

    Silas pensou antes de responder:

    "Meu pai se preocupou comigo, ele me ama, eles me amaram. Se ele determinou que

    assim fosse, que seja. Depois, parece que sonhei com algum me falando para atender ao

    pedido de meu pai. No consigo me recordar do sonho direito, mas sinto que devo fazer a

    vontade de papai."

    - Faremos sim e devemos jurar pelaBblia - respondeu o menino.

    Pegou aBblia que estava em cima de uma cmoda e aproximou-se do leito. Maria o

    seguiu e os trs colocaram a mo direita sobre o livro.

    - Juro por Deus que guardarei segredo! - exclamou Silas.

    - Juro! - os dois falaram juntos. Silas colocou aBblia no lugar e disse:

    - Vou ler a carta que meu pai me enviou. Tomarei todas as providncias. Voc, Isaas,

    no deve sair do quarto, e somente Maria entrar aqui. Voc me chamar de filho, e eu o

    chamarei de pai; Maria o tratar de senhor. Agora descanse, est muito abatido e magro.

    E Isaas tornou-se ento naquele momento Joo. E atendendo sugesto de Silas, tirou

    os travesseiros e acomodou-se no leito. Estava sonolento, olhou para o menino com carinho e

    disse:

    - Silas, na bagagem est o que seu pai separou para que eu trouxesse e nessa caixa, que

    trouxe junto a mim, esto as missivas.O garoto pegou a caixa, Maria fechou a janela e os dois saram. Trancaram a porta. No

    corredor, Silas pediu:

    - Maria, conte aos empregados sobre a viagem, o noivado, que Isaas viu a filha e os

    netos, sobre a doena e que somente meu pai sobreviveu e retornou. E melhor que todos

    saibam para evitar que a curiosidade os faa especular. Vou ler a carta de meu pai.

    Maria foi para a cozinha e contou a mesma histria por Trs vezes e logo todos da

    fazenda tomaram conhecimento do acontecido. Silas foi para o seu quarto, trancou a porta eabriu a

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    caixa. Nela estava a caneta de seu pai, o tinteiro com tinta e duas cartas, uma

    endereada ao tio, irmo de seu pai, e a outra a ele.

    LEU emocionado as vontades de seu genitor, registradas na carta:

    "Que Deus o abenoe, filho meu. Silas,

    Isaas retorna como Joo e assim deve ser at voc se tornar adulto. Voc, porm,

    que cuidar de tudo. Tenho certeza de que conseguir. Deve, assim que ler esta carta, tomar as

    providncias que enumero: l Manter segredo, pea para Maria jurar. 2 Leia a carta que

    escrevi a meu irmo e coloque a data. Escreva imitando minha letra a seu outro tio, o irmo de

    sua me. Copie a que escrevi ao seu tio. 3 Escreva como se fosse eu ao padre, a meus amigos

    da cidade e vizinhos informando-os do falecimento de Violeta, minha esposa, e dos quatro

    filhos. Que estou convalescendo e que por enquanto no poderei receb-los. Isaas deve,

    assim que chegar, ficar no meu quarto e usar minhas roupas. Pea a Maria para cortar o

    cabelo dele. O padre ir com certeza visit-los, ento oferea o almoo de costume, d a ele a

    importncia de... [uma soma elevada], e pea que celebre missas aos nossos mortos. E,

    quando o padre chegar, Isaas deve ficar na varanda com o meu roupo e cumpriment-lo. 4

    Nas cartas, escreva que estou abatido, muito triste, que a doena deixou algumas seqelas, a

    voz est mais rouca, meus cabelos branquearam e estou muito magro, porm melhor de sade.

    Mande os empregados levar as cartas para a cidade e l enviaro um mensageiro para entregar

    a do meu irmo. D dinheiro ao empregado para isso. 5a Logo que possvel, ensine Isaas a

    comer na mesa, a usar talheres, a falar e a dar ordens. Mas fique atento, no o deixe exagerar.

    voc quem deve mandar. Isaas no sabe ler, e se algum insistir para ele ler, diga que no

    est enxergando bem. 6 Com certeza, voc ter de resolver muitos problemas. Pense e tente

    imaginar como eu resolveria. No se apavore, use o bom senso. Se seus tios o incomodarem,

    seja astuto e coloque um contra o outro. Se precisar, voc achar um envelope escrito "Casos

    de Famlia"; nele esto escritos fatos importantes que poder usar contra eles. No aceite

    convites deles nem os convide a visit-lo. 7a Sinto, filho, por voc ter ficado sozinho.Amamos voc. Eu o amo, quero que fique dono de tudo e que seja feliz. 8 a Aps ler e

    entender tudo, queime esta carta e verifique se est destruda. Abeno-o, de seu pai Joo".

    Silas chorou; depois de a ler muitas vezes, pegou a carta endereada ao tio e leu-a. Seu

    pai escreveu friamente ao irmo, contando sem muitos detalhes da viuvez e do falecimento

    dos filhos e disse que um deles estava vivo com ele na fazenda. No escreveu o nome. Pediu

    para no visit-lo sem convite porque no queria no momento ver ningum.

    Silas entendeu que o pai escrevera somente a esse irmo porque ele conhecia sua letrae que deveria colocar a data na carta com a mesma caneta imitando a letra do pai.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    Pegou a carta que seu pai lhe escrevera, trancou a porta do quarto e dirigiu-se

    cozinha. Rasgou-a e colocou-a no fogo e ficou vigiando at que no restasse mais nada.

    Comeu um lanche e recomendou a Maria:

    - Fique atenta, se papai precisar de alguma coisa, voc dever estar por perto. Vou

    fazer o que ele me pediu.

    Maria concordou com um movimento de cabea. Silas foi para seu quarto, trancou a

    porta e ps-se a escrever. Anoiteceu, ele acendeu o lampio e continuou escrevendo com

    muita ateno imitando a letra do seu genitor. Colocou a data na carta do tio, escreveu muitas

    missivas a parentes, amigos e vizinhos. Terminou de madrugada; como no estava com sono,

    deitou-se para descansar e ficou orando. Quando amanheceu, levantou-se, mandou chamar

    trs empregados e ordenou:

    - Jos, v cidade e entregue estas cartas aos destinatrios, e esta aqui para o senhor

    Martinho, que a enviar pelo mensageiro. Aqui est o dinheiro que o senhor Martinho cobra.

    E voc, Mateus, deve se preparar. Escolha um bom cavalo e v fazenda do meu tio, irmo

    de minha me, levar a ele esta carta. Voc j foi l outras vezes e conhece o caminho. Aqui

    est o dinheiro para a viagem. Deve ficar hospedado na cidade prxima fazenda do meu tio,

    no aceite se lhe oferecerem hospedagem. Entregue a carta e pergunte se tem resposta; se no

    tiver, deve voltar de imediato; se houver, espere na cidade. E voc, Lus, entregue estas aos

    nossos vizinhos. Entenderam?

    Os trs empregados concordaram com a cabea e saram para cumprir as ordens. Silas

    chamou Maria e foram ao quarto onde estava a bagagem trazida por Isaas.

    - Vamos abri-la e guardar tudo. Pea a Sara para levar Tereza este embrulho com os

    pertences do Onofre. Maria, quero lhe pedir para mudar para o quarto de Marta.

    - Mas sou empregada e no fica bem - discordou Maria.

    - Para todos, voc est atendendo a um pedido de meu pai e ser temporrio. O quarto,

    porm, dever ser seu, voc deve ficar por perto me dando segurana e tambm para vigiarmeu pai. Entendeu?

    - Vou levar minhas roupas hoje mesmo. Silas, quero lhe dizer que estarei sempre a seu

    lado e farei tudo o que me for possvel para ajud-lo.

    - Obrigado.

    Abriram os bas e os sacos de viagem. O pai de Silas no lhe mandou muita coisa,

    apenas algumas roupas - as dele e algumas de sua me e irmos. E entre as peas de tecido,

    estavam as jias e uma quantia de dinheiro.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    - Maria - falou Silas -, vou guardar o dinheiro e as jias. As roupas de papai leve para

    o quarto dele; as outras, coloque 110 armrio do quarto de Felipe e leve tambm para l as

    minhas. Vou mudar de quarto. O aposento de Felipe mais espaoso e perto do quarto de

    papai.

    - E o que vamos fazer com os objetos que esto nos outros quartos? - perguntou Maria.

    - Por enquanto, vamos deix-los onde esto. Objetos materiais so para serem usados,

    como dizia mame. Com certeza eles tero serventia.

    Maria foi chamar as duas empregadas para ajud-la. Silas olhou para aqueles objetos e

    sentiu uma dor profunda.

    "Seria melhor, meu Deus, que o Senhor me levasse. Ficaria junto deles, seria feliz

    novamente. Nunca reclamei por ter me criado feio e deficiente, mas agora no O entendo. Por

    que me deixou sozinho?"

    Sentiu a resposta no seu ntimo:

    "Para consolar outros que esto sozinhos tambm!"

    Pegou a caixa com as jias e o dinheiro e foi para o escritrio de seu pai, localizado ao

    lado da sala de refeies. Entrou e fechou a porta, tirou um quadro da parede e ali estava um

    cofre; abriu-o e colocou o dinheiro.

    - Tenho bastante, mas a fazenda dever continuar dando lucro! - exclamou baixinho.

    Fechou o cofre, continuou com a caixa na mo, saiu do escritrio e foi para outro

    cmodo, a sala ntima de sua me, onde ela bordava e fazia sua leitura. Trancou a porta e

    verificou se a janela estava fechada, tirou com cuidado uma poltrona do lugar, soltou duas

    tbuas do piso e abriu um alapo. Ali havia outro cofre. Silas abriu-o e, antes de colocar as

    jias, olhou para as cinco barras de ouro e viu o envelope citado por seu pai, no qual estava

    escrito "Casos de famlia". Colocou a caixa, ps tudo no lugar, sentou-se na poltrona e

    pensou:

    "Mame gostava muito de sentar aqui! Era esta sua poltrona favorita! Nem ela sabiadesse esconderijo. No estranhei quando papai me mostrou e me ensinou a abrir os dois

    cofres. Agora estou entendendo, acho que ele sem entender bem o porqu, sentiu necessidade,

    vontade de me mostrar e ensinar-me a abri-los. Usarei essa fortuna para algo bom, papai, no

    esbanjarei o que o senhor com muito trabalho guardou pensando nos filhos."

    Levantou-se e foi almoar.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    CAPITULO QUATRO

    A REAO DE TEREZA

    SILAS RESOLVEU FAZER LOGO O QUE O PAI LHE SUGERIU. Depois do

    almoo foi com Maria ao quarto dos pais e ela cortou o cabelo de Isaas.

    - Voc tem os dentes muito estragados - comentou Silas -, por isso deve sorrir pouco.

    - No tenho vontade nem motivos para rir - respondeu Isaas.

    - Se for rir, faa de maneira discreta, assim - mostrou o menino -, sem abrir a boca.

    Ande com a cabea levantada, olhando para a frente. Vou colocar em voc a aliana de papai

    e este anel. No deve tir-los. As roupas dele ficaro um pouco largas. Se voc no engordar,

    mandaremos apert-las.

    - Vou ter de usar botas? Vestir essas roupas? - perguntou Isaas.

    - Vai, sim - respondeu Maria. - Isaas, a gente acostuma logo com as coisas boas. As

    botas podero incomod-lo no comeo, mas depois voc no vai querer ficar sem elas.

    - Isaas - pediu Silas -, vou ensin-lo a falar corretamente. Para que aprenda, vou

    corrigi-lo, est bem?

    - Sim, e para comear, meu filho, chame-me s de pai.

    - Sim, papai - falou sorrindo o menino.

    E principiaram, Maria e Silas, a ensin-lo a usar os talheres e a vestir as roupas que

    pertenciam a Joo. Com o corte de cabelo, reconheceram que ele ficou muito parecido com o

    antigo proprietrio da fazenda. Como j haviam dito que os cabelos dele branquearam e que a

    voz estava mais rouca, acharam que ningum iria desconfiar da troca.

    Silas tentou ocupar-se, andava pela fazenda verificando tudo e ficava muito com Isaasensinando-o, o que fazia com carinho e aos poucos com medo de ele se aborrecer com tanta

    informaes.

    Os trs, Maria, Isaas e Silas, estavam sofrendo muito Maria porque desde mocinha

    tinha em seus patres sua famlia e os amava, especialmente dona Violeta. Isaas padecia

    porque se viu de repente sem famlia, e a morte de seus filhos foi para ele uma enorme perda,

    achava que nunca mais seria feliz ou teria alegria. Silas sentia como se tivesse levado um soco

    que o deixara sem sentidos. As vezes, achava que ia acordar daquele pesadelo e que nadadaquilo havia acontecido; em outras, reconhecia que tudo era verdade e sentia muita dor e,

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    ento, recorria orao. Se no fosse a carta de seu genitor, acharia que no tempo previsto

    eles voltariam para alegrar aquela casa. Compreendeu que no poderia fraquejar, tinha de

    atender ao pedido de seu pai e ps-se a fazer o que lhe competia. A noite, orava e chorava at

    adormecer.

    Dois dias se passaram e Juvncio, um homem bom que havia tempo trabalhava e

    morava na propriedade, comentou com Silas:

    - So quatro empregados a menos agora na fazenda. Logo necessitaremos de mais

    pessoas aqui. O que seu pai ir fazer com a casa de Isaas?

    - Papai - respondeu Silas - j comentou comigo sobre esse assunto. Vamos pedir para

    vocs espalharem que estamos precisando de empregados. Quanto casa de Isaas, irei tarde

    l e tirarei alguns objetos pessoais, que guardaremos se por acaso a outra filha dele der

    notcias ou vier aqui. Vou conversar com meu pai e deixaremos a casa em que Isaas morou

    em condies de ser habitada por outro morador.

    Silas se preocupou. Juvncio tinha razo. Necessitariam logo preencher as vagas

    existentes.

    - E Tereza, do Onofre, que iro fazer com ela e os filhos? - perguntou Juvncio. - Se

    arrumarem mais trabalhadores, vo precisar da casa.

    - Tereza ficar morando l e papai os sustentar. Pode dizer por a que ningum os

    tirar de l, a no ser que ela queira sair - afirmou o menino.

    - O senhor Joo bom e ficou mais bondoso ainda. Isso nos d tranqilidade. Se algo

    acontecer conosco, nossas famlias ficaro protegidas. Vou pedir para falarem por a que o

    senhor Joo precisa de empregados.

    Silas foi conversar com Isaas.

    - Papai, estamos com dois problemas.

    Isaas prestou ateno e o menino continuou a falar:

    - Vamos precisar de mais pessoas para trabalhar na fazenda e da casa de Isaas. O quefao?

    - Voc tem razo, a fazenda ficou com quatro homens a menos. Desfazer-se da casa

    em que eu morava? Nada mais ser como antes. Eles no voltaro! - fez uma pausa, suspirou

    e indagou: - Voc tem certeza, filho, de que isso que quer que seja feito? Devemos fazer

    mesmo essa troca?

    - Sim, certeza absoluta, papai.

    - Ento v l, na minha casa, pegar alguns objetos para mim. Depois divida os mveise as roupas com os outros empregados.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    - o certo - concordou Silas. - Voc no precisar mais de nada de l. E como arrumar

    os empregados?

    - Como seu pai faria - respondeu Isaas. - O mais importante j fez: pediu ao pessoal

    para comentar. Chegaro pretendentes, voc os entrevistar. Nada de decidir de imediato.

    Diga que eu os escolherei. Pergunta onde trabalhou, por que saiu ou quer sair, se tem famlia,

    quantos so e anote tudo. Depois conversaremos e decidiremos.

    Isaas falava muito errado, e Silas aproveitava essas conversas para corrigi-lo.

    Silas pediu a Maria para visitar Tereza e tranqiliz-la. Ela foi e, ao voltar, comentou:

    - Menino Silas, Tereza est estranha, muito quieta, no quer fazer nada em casa.

    Mandei Sara levar comida para eles e Bernadete para lavar as roupas e limpar a casa dela.

    Tereza sempre foi bastante desequilibrada. Onofre teve um casamento infeliz. Acho que era

    por isso que ele sempre pedia a seu pai para fazer um servio em que precisaria viajar. Ela diz

    que escuta vozes, talvez seja por isso que conversa sozinha e muito nervosa. Normalmente,

    fala muito; estranhei por encontr-la muito quieta. Somente me fez uma pergunta quando lhe

    dei o recado: "O senhor Joo disse mesmo que cuidar de ns? Das crianas?" Afirmei que

    sim e que ela podia ficar tranqila. Tereza no falou mais nada. Espero que melhore. Coitadas

    das crianas!

    Silas pensou que Tereza certamente melhoraria, os filhos a fariam reagir.

    Mas, ao amanhecer do quarto dia depois da chegada de Isaas, Silas acordou com

    gritos. Levantou-se correndo e foi para o ptio. Era Sara, que chegava para trabalhar e gritava

    muito assustada.

    - Silas - disse Sara, aflita -, passei pelo aude e l estava o corpo de Tereza boiando.

    Vamos l!

    Silas correu junto dela e, quando chegou ao aude, dois empregados tiravam o corpo

    das guas. Todos os empregados da fazenda e suas famlias estavam ali, assustados e

    comovidos com a tragdia.- Tereza mesmo, ela se matou! - exclamou Sara.

    - Verifique se ela est morta mesmo - pediu Silas.

    - Est sim - respondeu o empregado que a tirara da gua. - Est rgida, deve ter vindo

    para c assim que escureceu, ontem noite.

    - Como pde se afogar num lugar raso assim? - perguntou Sara.

    - Tambm no entendo - respondeu o empregado. -Aqui, o lugar mais fundo chega

    minha cintura. Ela foi determinada, colocou a cabea n'gua e no a levantou.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    "O que fao numa situao dessa?", pensou Silas tentando achar uma maneira correta

    de agir. "O padre no benze corpos de suicidas e ela no tem famlia aqui. Tenho de avisar a

    autoridade na cidade. Vou perguntar o que fazer Maria e ao Isaas. Mas onde deixo o corpo?

    Meu Deus, me ajude!"

    Suspirou e falou:

    - Vou contar a meu pai e ele me dir o que fazer. Vamos coloc-la no galpo. Sara, por

    favor, troque a roupa do cadver e voc, Bernadete, v a casa dela e cuide das crianas.

    Ao entrar em casa, Silas chamou por Maria. Foram ao quarto de seus pais e acordaram

    Isaas. Silas contou falando depressa o que acontecera e perguntou aflito:

    - O que fao?

    - No sei - respondeu Isaas. - Mas seu pai certamente saberia. Por qu, Silas, no

    pensa nele, no tenta imaginar como o senhor Joo agiria?

    - Mas sem ficar aflito - recomendou Maria.

    - Ser que somos culpados pela morte dela? - perguntou o menino suspirando triste.

    - Foram muitas mortes de uma s vez! Ningum foi ou culpado. Quem podia

    imaginar que ela iria cometer esse desatino? -falou Isaas.

    - Calma! - pediu Maria. - Eu tambm acho que no devemos nos culpar. E vamos

    achar a melhor maneira de conduzir esse fato. Quando a gente no sabe como agir, devemos

    recorrer a Deus. Por favor, Senhor, o que devemos fazer? Quem avisar?

    - isso, Maria! - exclamou Silas. - Avisar! Pensei nisso sem entender bem o porqu.

    Vou pedir que um empregado v lapido avisar o padre Mateus e o senhor Souza, que a

    autoridade na cidade no momento. Pedirei ao Juvncio para organizar o enterro. Vamos

    enterr-la assim que tivermos autorizao. Acho melhor velar o corpo no galpo. Aqui na

    fazenda, Tereza no tinha parentes. Vocs sabem se ela tem algum da famlia morando aqui

    por perto?

    - Ela tem um irmo que trabalha na fazenda vizinha e tios e primos que moram nacidade - respondeu Isaas.

    - Vou mandar avis-los.

    - Ser que devo ir v-la? - perguntou Isaas.

    - No - respondeu Silas -, acho melhor o pessoal da fazenda no v-lo por enquanto.

    Direi que o senhor est traumatizado com tantas mortes.

    Voltou ao galpo onde todos o esperavam com as ordens. Silas pediu a Juvncio para

    organizar tudo e a dois empregados, um para avisar o irmo dela e outro para ir cidade.

  • 8/4/2019 Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - O Castelo dos Sonhos

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    - Menino Silas, a famlia do defunto quem oferece no velrio bebida e comida.

    Como vamos fazer? - perguntou Juvncio.

    - Vou dar ordens para Maria fazer o que de costume l em casa e trazer para c.

    - No podemos tirar mais os trabalhadores dos seus servios, por isso vou ao cemitrio

    ao p do morro e cavar eu mesmo uma cova, acho que devemos enterr-la ao entardecer -

    opinou Juvncio.

    - Vamos enterr-la naquele local? - perguntou Silas.

    - Suicidas so enterrados l - respondeu Juvncio, triste.

    - Est bem - concordou o menino. - Quanto ao horrio, vamos esperar que o irmo

    dela chegue.

    Juvncio suspirou triste e falou to baixinho que foi escutado somente por Silas:

    - que ela deve ter morrido ontem noite, est com muita gua na barriga, nos

    pulmes, no devemos esperar muito para enterr-la. Vou agora fazer o buraco.

    Ele saiu e Silas olhou para o cadver. As mulheres haviam trocado sua roupa e

    colocado flores ao seu redor.

    - Orem por ela - pediu Silas.

    - Ser que adianta? - perguntou uma das mulheres. Suicida vai para o inferno.

    - Adianta sim - afirmou o menino. - s vezes ns duvidamos, mas a orao tem fora.

    Deus bom pai! Ele ama muito seus filhos. Tereza estava doente, perturbada, e Deus levar

    isso em conta quando for julg-la.

    - Vamos orar - determinou uma mulher.

    E comeou a rezar e as outras a acompanharam. Silas sentou-se e orou, rogou a Deus

    por aquela alma sofrida.

    "Deus, eu lhe peo, receba Tereza em seu reino, perdoe-a, ela com certeza no quis

    ofend-Lo. Acredito que estava desesperada e doente. Desculpe-me, enclausurei-me em

    minha dor e esqueci-me dela. Mesmo que ela no lhe pea perdo, perdoe-a, por favor."Depois de orarem por minutos, as mulheres foram para casa cuidar de seus afazeres.

    Silas foi com Maria ver o que fariam para servir s pessoas e aos parentes de Tereza que

    viriam ao velrio. Os dois empregados retornaram e o que tinha ido cidade disse:

    - Silas, falei com o padre Mateus e ele pediu ao senhor Joo para desculp-lo, mas que

    no pode encomendar o corpo de um suicida. O senhor Souza me disse que est muito

    atarefado para vir aqui e que, se ns definimos que foi suicdio, ele acredita e que podemos

    enterr-la. Os parentes foram avisados e alguns viro logo mais.- O irmo dela est vindo com a mulher, de charrete - informou o outro empregado.

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    Silas agradeceu-lhes e pediu que retornassem ao trabalho. Recepcionou as pessoas que

    foram para o velrio. Como de costume, foram servidas comida e bebidas; oraram tambm. O

    irmo dela quis que a enterrassem ao entardecer. Juvncio colocou o corpo na charrete e Silas

    foi junto. Somente umas seis pessoas acompanharam o cortejo. Nesse local, no longe da

    cidade e ao p do morro, havia algumas sepulturas. Cercado por um muro baixo de pedras

    escuras, a rea era triste e sem beleza. Como ficava no caminho para a cidade, os parentes de

    Tereza acompanharam o corpo mas no pararam no local para o enterro. Juvncio enrolou o

    corpo num lenol, colocou-o na cova e, sozinho, cobriu-o de terra. Silas ficou olhando

    tristonho e pensou:

    "Minha me e meus irmos foram enterrados em tmulos, mas papai deve ter sido

    enterrado assim, em alguma cova e talvez junto de outros cadveres. Mas para a alma esse

    fato no deve fazer diferena. O que importa o que ela leva de bom na sua bagagem nessa

    viagem. Acho que a morte uma viagem. Minha famlia, a do senhor Manoel e a do Isaas

    ficaram doentes e lutaram bravamente para no morrerem e Tereza, sadia, se mata."

    - Que Deus ampare todos os que partiram e principalmente Tereza! - exclamou Silas

    com a voz rouca e enxugando as lgrimas.

    Voltaram calados. Maria, assim que viu Silas, foi ao seu encontro falando:

    - Silas, o irmo de Tereza somente viu as crianas. Perguntei-lhe se ia ficar com elas e

    ele me respondeu: "No, j temos sete e vivemos com dificuldades". O que iremos fazer com

    aqueles rfos?

    - O senhor Joo quem deve decidir - opinou Juvncio.

    - Com certeza, o patro quem deve decidir - respondeu Maria. - Estou falando para

    Silas porque o senhor Joo est muito triste.

    - Com razo, perdeu a esposa e os filhos - disse Juvncio.

    - Vou conversar com papai - falou Silas. - Mas, por esta noite, pea a Bernadete ou a

    Sara para dormir com eles. So to pequenos!- rfos devem ser levados para um orfanato - comentou Juvncio.

    "Orfanato no!", pensou Silas. "Vou resolver isso, mas melhor Juvncio achar que

    meu pai quem toma as decises."

    - Amanh resolveremos. Por esta noite, que algum durma com as crianas.

    - Silas - informou Maria -, o mensageiro do senhor Martinho trouxe vrias cartas e o

    empregado que foi fazenda do seu tio retornou.

    - Pea a ele para vir falar comigo, mas, se estiver muito cansado, que venha amanhcedo. Vou levar as cartas para meu pai.

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    Silas estava cansado, mas pegou as cartas, convidou Maria a acompanh-lo e foram

    para o quarto do pai. Contou a ele tudo o que aconteceu.

    - Filho - comentou Isaas -, no entendo como algum pode se matar. Vi recentemente

    muitas pessoas doentes lutando para viver e essa mulher se suicida!

    - Acho que ela no teve coragem para enfrentar a vida. triste mesmo! - exclamou o

    menino comovido.

    - Confesso que pedi a Deus para adoecer e morrer, mas o Pai no me atendeu. No

    passou pela minha mente me matar nem o farei. Cruz credo! Suicidas vo para o inferno e

    sofrem para sempre.

    - Acho que no! - exclamou Silas.

    - Como no? - perguntou Maria. - A Igreja afirma isso.

    - No compreendo direito o porqu de pensar assim, mas acho que Deus no castiga

    nenhum dos seus filhos e que sofrimento nenhum dura por muito tempo. No quero me

    suicidar e que o Pai do Cu me ajude a nunca pensar nisso. Acho que quem se mata deve

    sofrer no Alm, mas por um certo perodo. Deus nos ama muito para nos punir para sempre.

    Mas vamos falar de outra coisa. Que iremos fazer com os filhos de Tereza e Onofre?

    - rfos devem ir para o orfanato quando os parentes no os querem - opinou Isaas.

    - Se fossem seus filhos, o que voc iria querer para eles? - perguntou Silas.

    - Se fossem meus, eu os ia querer juntos e bem. Sofreria com eles separados ou num

    orfanato - respondeu Isaas.

    - E se fossem meus, rogaria a Deus piedade, e que algum bondoso cuidasse deles.

    Como difcil ficar rfo pequeno! -exclamou Maria com os olhos lacrimosos.

    - Que fazer ento? - perguntou Isaas. - Penso muito nos meus filhos que Deus levou.

    Quero que eles estejam bem! Se fosse o contrrio, eu ter morrido e eles terem ficado, embora

    adultos, eu gostaria que estivessem amparados. Seu pai se preocupou com voc, preferiu ser

    enterrado numa cova coletiva como empregado, pensando em voc, para que no fosse paraum orfanato ou, pior, para um asilo de doentes. Se mandarmos os quatro rfos para o

    orfanato, talvez sejam adotados por famlias diferentes. E ser que eles sero bem tratados?

    Eles ficaro bem?

    - Poderamos deix-los um com cada famlia de empregados aqui na fazenda e voc

    daria a quem ficasse com eles uma ajuda de custo - sugeriu Maria.

    - Todos os empregados que moram aqui tm famlia numerosa - comentou Isaas. - Eu

    antigamente no iria querer um rfo na minha casa.- E agora? - perguntou Silas.

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    - Agora penso diferente. muito triste ficar sem famlia. Eu, que j estou velho, sinto

    muita falta deles. Com essa tragdia, ficamos sem famlia, mas Deus nos deixou unidos.

    - E se uma empregada morar com eles? - indagou Maria.

    - Morar vinte e quatro horas por dia? - perguntou Isaas.

    - Essa pessoa teria de deixar sua casa, seus familiares. Depois necessitamos da casa

    para outro empregado habitar.

    Ficaram em silncio por momentos. Silas pediu a Deus que os ajudasse a tomar a

    melhor soluo. Sentiu-se tranqilo e falou baixinho:

    - Corro o perigo de ir para um orfanato ou asilo. No quero ir e aquelas criancinhas

    tambm no. Deus me deu uma oportunidade, que devo oferecer a outros tambm. Jesus

    disse: faa a outro o que gostaria que algum lhe fizesse. Voc, Isaas, est fazendo por mim o

    que gostaria que algum fizesse aos seus filhos. Maria tambm. Eu tambm devo fazer! Vou

    trazer os quatro rfos para nossa casa!

    - Eles aqui? - perguntou Maria assustada.

    - Acho timo! - exclamou Isaas.

    - Mas o que as pessoas iro falar? Haver comentrios

    - preocupou-se Maria.

    - Diremos a todos a verdade parcial - respondeu o menino. - Que necessitamos da casa

    para outro empregado e que, enquanto no acharmos quem queira ficar com os quatro rfos,

    eles ficaro conosco. Mas a verdade : eles ficaro conosco em definitivo. Vamos cri-los,

    educ-los e ensin-los a trabalhar. Quando adultos, sero empregados nossos. Amanh, Maria,

    voc ir busc-los. Traga somente as melhores roupas deles e alguns objetos dos pais que

    podero querer guardar de recordao. Vamos aloj-los no meu antigo quarto. Os quatro

    juntos, para no estranharem. Vou dar a eles os brinquedos que temos aqui, guardados, e pedir

    que Luzia conserte as roupas dos meus irmozinhos para servirem neles e que faa outras para

    as duas meninas.- Gostei! - exclamou Isaas.

    - Tenho medo dos falatrios! O senhor Joo no faria isso - comentou Maria.

    - No antes da desgraa! - exclamou Silas. - Meu pai mudou e para melhor.

    - Ser que os outros empregados no ficaro enciumados? - perguntou Maria.

    - Tambm vou ajud-los - falou Silas determinado. - Faz tempo que eles querem

    aumentar suas casas. Vou mandar chamar os homens que nos fazem servios temporrios e

    moram na cidade para virem nos ajudar. E vou aumentar o salrio deles.- Isso maravilhoso! - exclamou Isaas.

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    - Que acha, Maria? - perguntou Silas, vendo-a indecisa.

    - Se for para todos viverem melhor... Mas tenho medo de alguns problemas que

    podero surgir. Os outros fazendeiros podem achar ruim, os empregados se sentir muito

    merecedores e no quererem cumprir suas funes. Infelizmente no se pode dar moleza para

    alguns.

    - Vamos correr o risco. O aumento ser igual ao que nosso vizinho, o senhor Afonso,

    concedeu. Ele j remunera melhor seus empregados h tempos e no tem problema com isso.

    O conserto das casas uma melhoria que papai quer dar fazenda. Vou dar as ordens. Estou

    pensando em deixar o Juvncio como nosso ajudante direto, como capataz. Nunca tivemos

    um, papai cuidava de tudo, mas agora acho que iremos precisar. Que voc acha, Isaas?

    - Juvncio honesto e capaz. Fez boa escolha. Diga que comigo adoentado, iremos

    precisar - opinou Isaas.

    Silas deixou as cartas em cima da cmoda.

    - Vou l-las mais tarde. Vou pedir aos empregados para se reunirem no ptio e

    conversar com eles.

    Os empregados tinham voltado para suas casas para o jantar e foram para o ptio

    curiosos para saber o que o senhor Joo queria com eles.

    - Onde est o nosso patro? - perguntou Juvncio ao ver Silas.

    - Venho aqui transmitir as ordens de papai. O mdico ordenou que ele ficasse

    acamado por uns trinta dias. Ele est fraco e muito triste. Mas est a par de tudo. Vamos

    arrumar novos empregados, temos duas casas para os moradores. E para isso tomou as

    seguintes providncias: as quatro crianas de Onofre iro para nossa casa e, por enquanto,

    cuidaremos delas at decidirmos o que fazer, se iro para um orfanato ou se sero adotadas.

    Os pertences da casa de Tereza devem ser repartidos entre vocs depois que Maria pegar