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FILOSOFIA PARA CRIANÇA UM ELO ENTRE O CONHECIMENTO E A REFLEXÃO: uma proposta Verônica Pacheco de Oliveira Azeredo * [email protected] Nossa sociedade passa por um momento cultural em que as pessoas têm recebido muita informação, oportunizando o “conhecer muito” e permitindo o “pensar pouco”. O objetivo da Filosofia é fazer um elo entre conhecimento e reflexão, para que as nossas escolhas e ações cotidianas priorizem o homem e suas relações. E a proposta do diálogo filosófico na escola propicia uma nova alternativa sobre a imagem da vida humana, uma imagem sobre a liberdade humana de auto transformar-se, de auto-recriar-se por meio da reflexão, do diálogo e da ação: “É necessário reconhecer como prioritário o interesse do indivíduo em obter um melhor controle da sua própria vida, pois não há melhor incentivo que ver nossa vida se aperfeiçoar com o nosso pensar sobre ela.” (LIPMAN, 1994, p. 12). Conhecer a nós mesmos, a nossa vida é essencial para que saibamos qual é o nosso objetivo, qual é o sentido da nossa existência. O programa de Filosofia Para Crianças tem como objetivo o de desenvolver as habilidades cognitivas: o pensar bem. Segundo Lipman (1994), por meio das habilidades cognitivas e sociais as crianças aprimoram sua forma de pensar e agir no mundo. E o aperfeiçoamento do pensamento propicia um pensamento de ordem superior, que é alicerçado pelas suas próprias suposições e implicações, consciente das razões e provas que sustentam esta ou * Especialista em Filosofia e Existência; Mestranda em Filosofia pela Universidade federal de Ouro Preto – UFOP; Professora de Filosofia do Centro Universitário do Leste de Minas - UNILESTE-UBEC; Assessora de Filosofia da Escola Educação Criativa / End.: Rua Alfa 871 – Bairro Castelo- Ipatinga-MG CEP 35160-068 Telefone: 031-3825-30-95

Veronica Azeredo UFOP

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FILOSOFIA PARA CRIANÇA UM ELO ENTRE O CONHECIMENTO

E A REFLEXÃO: uma proposta

Verônica Pacheco de Oliveira Azeredo*

[email protected]

Nossa sociedade passa por um momento cultural em que as pessoas

têm recebido muita informação, oportunizando o “conhecer muito” e

permitindo o “pensar pouco”. O objetivo da Filosofia é fazer um elo

entre conhecimento e reflexão, para que as nossas escolhas e ações

cotidianas priorizem o homem e suas relações. E a proposta do

diálogo filosófico na escola propicia uma nova alternativa sobre a

imagem da vida humana, uma imagem sobre a liberdade humana de

auto transformar-se, de auto-recriar-se por meio da reflexão, do

diálogo e da ação: “É necessário reconhecer como prioritário o

interesse do indivíduo em obter um melhor controle da sua própria

vida, pois não há melhor incentivo que ver nossa vida se aperfeiçoar

com o nosso pensar sobre ela.” (LIPMAN, 1994, p. 12). Conhecer a

nós mesmos, a nossa vida é essencial para que saibamos qual é o

nosso objetivo, qual é o sentido da nossa existência.

O programa de Filosofia Para Crianças tem como objetivo o de

desenvolver as habilidades cognitivas: o pensar bem. Segundo

Lipman (1994), por meio das habilidades cognitivas e sociais as

crianças aprimoram sua forma de pensar e agir no mundo. E o

aperfeiçoamento do pensamento propicia um pensamento de ordem

superior, que é alicerçado pelas suas próprias suposições e

implicações, consciente das razões e provas que sustentam esta ou

* Especialista em Filosofia e Existência; Mestranda em Filosofia pela Universidade federal de Ouro Preto – UFOP; Professora de Filosofia do Centro Universitário do Leste de Minas - UNILESTE-UBEC; Assessora de Filosofia da Escola Educação Criativa / End.: Rua Alfa 871 – Bairro Castelo- Ipatinga-MG CEP 35160-068Telefone: 031-3825-30-95

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aquela conclusão. Dessa forma, os alunos despertam e envolvem

com a investigação, a criticidade, a autonomia e a razoabilidade.

Assim participar de um diálogo é explorar as mais variadas possibilidades, descobrir as alternativas, reconhecer outras perspectivas e estabelecer uma comunidade de investigação.(...)Se o indivíduo tem que ser estimulado a pensar por si, ele parece afirmar que não há melhor maneira de pôr tal atividade em prática do que conversando entre si num espírito de razoabilidade. (LIPMAN, 1994, p. 13).

É preciso compreender que ser razoável não significa o uso da

racionalidade pura, mas ser capaz de também fazer julgamentos. A

escola deve proporcionar uma educação que invista na razoabilidade,

isto é , que seja acrescentada a ela o julgamento. Deve priorizar o

contexto no qual os alunos aprendam a usar a razão para que

possam crescer capazes de raciocinar, "(...)se fundamentar na razão

significa um número maior de futuros pais razoáveis, cidadãos mais

razoáveis e fatores mais razoáveis em geral." (Lipman, 1994, p. 22).

A razoabilidade está intimamente relacionada com os julgamentos

que são orientados por padrões, critérios e razões.

Tendo como fio condutor o programa de Filosofia Para Crianças de

Matthew Lipman, a Escola Educação Criativa implantou, desde 1996,

em seu quadro curricular, a Filosofia, para todos os anos do Ensino

Fundamental e do 1º e 2º ano do Ensino Médio. Ao organizar os

diálogos filosóficos, os alunos foram aprendendo sobre o

compromisso com o diálogo, com o grupo, com as aulas, que a

Filosofia exige perguntas reflexivas e o diálogo filosófico se preocupa

com o uso correto da razão e procura compreender os conflitos.

Dessa forma o espaço escolar foi apurando o diálogo, favorecendo o

discurso, que aliás, é nossa principal forma de relação com os

outros.

Pensar melhor em sala de aula implica em pensar através da

linguagem e ensinar o raciocínio que é um aspecto do pensamento

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que pode ser submetido a critérios de avaliação, pode haver critérios

válidos e não válidos, bem fundamentados, apresentando razões

convincentes, definições defensáveis, organização de explicações,

descrições e argumentos coerentes:

Os fundamentos da lógica, assim como os fundamentos da sintaxe, formam uma parte intrínseca da linguagem cotidiana e adquirir habilidade na linguagem significa ter, ao mesmo tempo, adquirido a lógica e a sintaxe que estão dissolvidas nesta linguagem. (Lipman, 1994, p. 47)

Lipman afirma que, a melhoria na qualidade do pensamento está em

ensinar a criança a palavra e o que elas exprimem, e não ensinar

fragmentos de uma palavra. O conhecimento ocorre pelo

desvelamento dos significados das palavras, e a linguagem é como

um enfeitiçamento do mundo, quando é tomada de forma alheia a

suas próprias regras. Dizer o desconhecido é lançar sobre o outro um

feitiço, hipnotizá-lo e prendê-lo através do laço de sua ignorância,

impossibilitando dessa forma, a comunicação, a comunhão entre as

pessoas. E o diálogo filosófico permite um maior aprofundamento nas

discussões, o desvelar dos conceitos, dos sentidos e as habilidades de

raciocínio e da investigação desempenham o papel de aquisição de

significado no processo da linguagem.

Segundo Cunha(2002), por meio do filosofar as crianças passam a

atribuir significados às palavras e a compreenderem o núcleo comum

que exprimem sentido a essas palavras, mesmo que estejam sendo

empregadas em contextos diferentes. Além disso:

O filosofar com as crianças permite que elas construam significados enquanto formam a consciência de si, mobilizando simultaneamente elementos dos domínio afetivo e cognitivo. Habilidades de diálogo e pensamento vão consolidando, de um lado, competências crítico-reflexivas sensíveis a critérios de verdade ou justiça (...).(CUNHA, p.23, 2002)

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Percebe-se que por meio do diálogo filosófico, as crianças ampliam a

sensibilidade para o pensamento abstrato. E na medida em que elas

são estimuladas para o diálogo, a reflexão, a investigação, a

argumentação e o questionamento são aprimorados seus

julgamentos e suas escolhas. “O aprimoramento de suas

competências para julgar e escolher corresponde a julgar e escolher

de maneira mais atenta, mais criteriosa e mais significativa.”

(CUNHA, p. 24, 2002)

Nas aulas de Filosofia da Escola Educação Criativa, nos anos iniciais

do Ensino Fundamental, foram inseridas a história da Filosofia,

temas filosóficos e exercícios de habilidades cognitivas e sociais. O

programa, posteriormente gerou uma apostila, cujo nome é “Parando

Para Pensar”, de minha autoria, que é utilizada na Escola pelos

alunos do 2º ao 5º ano. O material empregado para o

desenvolvimento das habilidades cognitivas e sociais foi

principalmente, livros de literatura, textos sobre a história da Filosofia

e de temas filosóficos, que foram elaborados por mim, e serviram

como apoio para o conhecimento da história da Filosofia, para a

reflexão, a investigação e discussão filosófica.

As apostilas “Parando Para Pensar”, utilizadas pela Educação Criativa,

abordam temas filosóficos, a história da Filosofia, exercícios de

habilidades cognitivas e sociais. Existem adesivos que acompanham a

apostila, que estão relacionados com os exercícios das habilidades

cognitivas e sociais. Os adesivos contribuem para estimular a

execução do exercício, relacionar a imagem com a habilidade, além

de proporcionar um prazer estético. No início de cada bimestre, os

alunos, estudam um pouco sobre a história da Filosofia e o tema

filosófico abordado naquela etapa. A distribuição ocorre da seguinte

forma: no 2º ano, o filósofo Matthew Lipman; no 3º ano, o filósofo

Sócrates; no 4º ano, o filósofo Platão e finalmente, no 5º ano, o

filósofo Aristóteles. Os textos sobre a história da Filosofia procuram

enfatizar a teoria do filósofo que está relacionada com o tema. Assim,

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os alunos passam a conhecer um pouco sobre a história da Filosofia e

criam vínculos com os filósofos, refinando seus conhecimentos e

ampliando a aprendizagem sobre a cultura. E compreendem melhor a

origem da disciplina que estudam. O material de apoio para as

discussões são principalmente, livros de literatura, de autores como

Ruth Rocha, Sílvia Orthof entre outros. Portanto, as novelas

filosóficas desenvolvidas por Lipman não são usadas nesta escola.

Na Educação Criativa, as aulas de Filosofia contribuíram para o

desenvolvimento intelectual dos alunos. A linguagem tornou-se mais

elaborada e com maior encadeamento lógico. Os alunos passaram a

ouvir os colegas, observando como eles e o professor levantam

hipóteses, identificam pressuposições, exigem razões umas das

outras e se envolvem em interações intelectuais críticas. Entenderam

que no diálogo filosófico o raciocínio superficial não acontece sem ser

questionado. As professoras também verificaram que as crianças

adquiriram maior segurança para falar e se expressarem durante as

aulas, percebendo que ao encadearem logicamente seu pensamento

se tornaram mais exigentes, não se deixando levar pela opinião do

outro sem antes terem clareza para concordarem ou discordarem.

A Filosofia ocupa-se das questões fundamentais que intrigam os seres

humanos que buscam apreender o sentido da totalidade. É com este

entendimento que esse trabalho é desenvolvido. Os alunos são

inseridos nessa atividade reflexiva fundamental, para que possam

perceber o significado de estar-no-mundo, compreender os outros e a

si mesmos.

Considerações finais

A Filosofia desde o seu nascimento, educa o homem. Platão aprendeu

com Sócrates, Aristóteles com Platão e assim sucessivamente,

educamos e somos educados. Entre tantos ensinamentos que Platão

recebeu de seu mestre, creio que o essencial foi a primazia do

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diálogo e que o filósofo é um eterno aprendiz. E a educação que se

apóia na liberdade e na autonomia em busca da dignidade humana

deve recorrer à experiência grega e aplicar seu ensinamento, pois

nossa sociedade vive momentos de grande acesso ao conhecimento,

mas com pouco acesso à sabedoria. Lipman afirma:

O objetivo de um programa de habilidades de pensamento não é transformar as crianças em filósofos, em tomadores de decisões, mas ajudá-las a pensar mais, ajudá-las a serem indivíduos mais reflexivos, ajudá-las a terem mais consideração e serem mais razoáveis. As crianças que foram ajudadas a serem mais criteriosas não só têm um senso melhor de quando devem agir, mas também de quando não devem fazê-lo. (LIPMAN, 35, 1994.)

Segundo Lipman, o desenvolvimento das habilidades cognitivas

proporciona um ambiente escolar onde as crianças aprendem a

escutarem melhor, a estudarem melhor e a se expressarem melhor.

Para o filósofo, o aprimoramento das habilidades de pensar e do

diálogo, amplia nas crianças, a capacidade da descoberta de

significados. E para ele, as crianças que não conseguem perceber o

significado de suas próprias experiências, que acham o mundo

fragmentado e perturbador são mais propensas a buscarem atalhos

para alcançarem experiências plenas.

A educação não é imune ao seu tempo e estamos vivenciando

momentos de grande tensão e questionamentos sobre a nossa

postura diante dos conflitos, da violência, das escolhas, das ações

humanas e da fragmentação das relações. E a proximidade entre o

diálogo e a perspectiva de uma racionalidade contextual, cuidadosa,

solidária à argumentação das boas razões e aberta à

intersubjetividade pode resgatar-nos para modos de relacionamento

com o conhecimento, com a tecnologia e conosco mesmos, de modo

criterioso e menos conflituoso.

O homem possui a capacidade fundamental de dialogar com a

realidade e habitar nesse diálogo. A linguagem oportuniza o encontro

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com a realidade, mas é preciso buscá-la por meio da fala, do

discurso, proferindo palavras. Por meio da linguagem o ser humano

cria a si mesmo, a sociedade, a cultura. Ao dizer ao outro quem é ele

e quem é o outro são produzidos significados e estabelecidas as

relações entre as pessoas e o mundo. Portanto, a Filosofia , por meio

do diálogo filosófico é uma proposta oportuna para a educação. Pois

ensinar Filosofia para crianças, é prepará-las por meio de um

conjunto de conhecimentos sobre as bases para pensar a vida, de

uma forma mais válida e compatível com a liberdade e felicidade

humana.

Referência bibliográfica

BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar. 13ª ed. Petrópolis: Vozes: 1996. _________Filosofia para principiantes. 15ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.CUNHA, José Auri. Filosofia na Educação Infantil: fundamentos e métodos. Campinas, Alínea, 2002.CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 1995.DANIEL, Marie-France. A Filosofia e as Crianças. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Nova Alexandria, 1997.LIPMAN, Matthew et all. Filosofia na sala de aula. 2ª ed. Trad. Ana Luísa Falcone. São Paulo: Nova Alexandria, 1994._________Filosofia vai à escola. São Paulo: Summus, 1990._________O pensar na educação. 2ª ed. São Paulo: Nova Alexandria, 1997. KOHAN, Walter Omar e WAKSMAN, Vera. Filosofia para crianças. Petrópolis: Vozes, 1999, Vol II.