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Via Combativa 01 - O Bakuninismo e a Teoria da Revolução Social

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Via Combativa 01 - O Bakuninismo e a Teoria da Revolução Social. Uma revista de teoria anarquista. UNIPA

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Page 1: Via Combativa 01 - O Bakuninismo e a Teoria da Revolução Social

- Uma revista de teoria Anarquista 1

Page 2: Via Combativa 01 - O Bakuninismo e a Teoria da Revolução Social

2 Nº1- Maio de 2009

Editorial

Fotos :Na capa: Tre inam e nto de re be lde s e m Angola - 19 61 (abaixo - à e s q ue rda)Contra-capa: Quadro de um típico s ans -culotte por Louis -Léopold Boilly(à dire ita)

Nova Revista teórico-política da União Popular

Anarquista - UNIPANº 1 - Maio de 2009

E-mail de contato:[email protected]ágina na WEB:www.unipa.cjb.net

O Bakuninismo naPrimeira Internaci-onal dos Trabalha-dores- página 3

A FilosofiaBakuninista:dialética da ação eo materialismosociológico- página 7

Uma Teoria do Anti-Estado

A Comuna de Paris ea Organização Polí-tica Socialista- página 12

O Bakuninismo e aTeoria da Organi-zação Política- página18

O Estatismo na Histó-ria: experiência eteoria- página 25

Forças Coletivas eClasses Sociais: o funcionamentoda economia esociedade.- página 31

Caros leitores,     É com satisfação que lançamos primeiro número da nova revista de teoria política da

União Popular Anarquista, a Via Combativa. A nova revista substitui a antiga revistaRuptura, e acompanha a definição da linha política e de massas da nossa organização.

O objetivo dessa nova fase é a instrumentalização do bakuninismo enquanto ferramentade interpretação e transformação da sociedade brasileira. Essa nova fase é marcada pelaconsolidação da nossa proposta teórica, expressa nas resoluções de nosso terceiro congres-so.

A construção de uma teoria que seja capaz de explicar a realidade social é de importânciafundamental.  Durante esses seis anos de existência da nossa organização procuramos avançarnos debates internos em temas imprescindíveis para consolidação teórica do anarquismo. Aomesmo tempo buscamos sistematizar importantes discussões teóricas iniciadas por Bakunin.Isso é essencial, uma vez que sua obra encontra-se fragmentada. A revista vai dar prosse-guimento a esse processo, só que visando difundi-lo entre militantes e a classe trabalhadoraem geral.  

Buscamos sair de um marco estritamente conjuntural e historicista e avançar na constru-ção de uma verdadeira crítica anarquista. Com o desenvolvimento de conceitos centrais àanálises sociológicas de fatos e processos sociais.

Os artigos presentes neste número representam justamente esse novo passo na cons-trução teórica, tanto na continuação dos pressupostos teóricos como na sua sistematização. Eles foram, no princípio, teses apresentadas no III Congresso da UNIPA, realizado em 2007.As teses sobre a análise do desenvolvimento e economia brasileira serão publicadas progres-sivamente nos próximos números.

Os artigos dessa revista fazem uma sistematização das bases da teoria bakuninista, emtermos de conceitos e métodos. A revista contém seis artigos que justamente marcam anossa preocupação:  O Bakuninismo na Primeira Internacional dos Trabalhadores;A Filosofia Bakuninista: dialética e ação do materialismo sociológico; Uma Teo-ria do Anti-Estado: A Comuna de Paris e a Organização Política Socialista; OBakuninismo e a Teoria da Organização Política; O Estatismo na História: expe-riência e teoria; Forças Coletivas e Classes Sociais: o funcionamento da econo-mia e sociedade .

         O primeiro artigo tem como objetivo demonstrar a experiência histórica doBakunisnismo na 1º Internacional; o segundo, explicar a dialética e o materialismo bakuninista,demonstrando os elementos principais que compõem o método bakuninista; o terceiro, funda-mentar um crítica do Estado e uma teoria do Anti-Estado à luz da experiência da Comuna deParis; o quarto, procura desenvolver a Teoria da Organização Política à partir da experiênciada Aliança Socialista; o quinto, um artigo sobre o Estatismo, conceito fundamental na teoriasocial bakuninista; e, por fim, o último artigo visa esclarecer e aprofundar a reflexão arespeito do funcionamento da sociedade e da economia, à partir de uma teoria das classessociais e da ação destas.

Portanto, a revista Via Combativa ganha um conteúdo bem diferente da sua antecessora,Ruptura, ao procurar sistematizar o desenvolvimento teórico da organização, com a apre-sentação de reflexões históricas, políticas e sociológicas.

Anarquismo é Luta! Bakunin Vive e Vencerá!

Sumário

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O Bakuninismo na PrimeiraInternacional dosTrabalhadores

A Internacional e seus pre-cursores

O século XIX foi marcado pelaconsolidação do capitalismo emtodo o ocidente e por sua ex-pansão pelo mundo. Assu-mindo novas formas, o siste-ma social capitalista deu ori-gem ao imperialismo. A ques-tão econômica sempre foicentral, uma vez que tal sis-tema baseia-se na expropria-ção das massas trabalhado-ras submetidas, principalmen-te nesse contexto, a umanova disciplina de trabalhoimposta pelo mercado. Con-tudo, e na mesma medida,emergiu na Europa como fru-to desse mesmo processo his-tórico o movimento operárioe popular, influenciado pelasidéias socialistas. Este movi-mento nasce, então, ligadoao tema da emancipaçãoeconômica dos trabalhadoresexplorados pelo capital.

A Associação Internacionaldos Trabalhadores (AIT, Pri-meira Internacional) nasceuem um momento particularda história, em circunstânciada afirmação dos trabalhado-res frente ao fortalecimento do ca-pitalismo. Entre os anos de 1863 e1864, alguns operários tiveram aidéia de formar uma organizaçãoque congregasse todos os trabalha-dores do mundo. Esse processo decriação se deu lentamente, a princí-pio por parte de alguns intelectuaise, depois, ganhando força atravésdas ações dos próprios trabalhado-res que perceberam na formaçãodesse organismo a forma de lutarcontra a opressão do capital. Os

princípios socialistas daquela épocaformaram a base, o corpo ideológi-co, em certa medida, da Internaci-onal. Não havia ainda nessa época

as denominações socialistas e co-munistas tal qual as conhecemoshoje. “Socialista” em muitos paísessignificava anarquista. É precisocompreender que o concei to“anarquismo”, na época da Primei-ra Internacional, se associava a umadeterminada teoria política e a umadeterminada estratégia prática,como veremos mais adiante.

Entretanto, a idéia desse tipo deassociação não era nova em 1864.Já havia sido levantada por Flora

Tristan em 1843. Em 1847, Marx eEngels já haviam lançado o chama-mento “Proletários do mundo, uni-vos”, no Manifesto do Partido Co-

munista. Joseph Dejacque,junto com ErnestCoeuderoy, lançava em 1855o programa de uma associa-ção internacional.

A Internacional históricatem início a partir da visita deuma delegação operária fran-cesa à Exposição Universalde Londres em 1862, quan-do se deu um primeirocontato com membros dasuniões de comércio britânicas(Trade Unions). Em 22 de ju-lho de 1863, as conversa-ções continuaram entre sin-dicalistas ingleses e seis ope-rários parisienses, Tolain ePerrachon que trabalhavamcom bronze, os mecânicosAubert e Murat, o pedreiroCohadon e o camisei roBobal. A partir daí surge aidéia de uma convocação deum congresso internacional.Além dos grupos sindicalistasbritânicos e das associaçõesmútuas francesas, outrosgrupos, representando inte-

resses diferentes, contribuíram paraa fundação da AIT.

Todos os grupos apresenta-vam uma tendência de adquiriruma dimensão internacional.Isso nos leva a concluir que apropagada paternidade da AITatribuída à Marx não possui da-dos objetivos que a comprovemhistoricamente. Este só aderiuà Internacional faltando poucosdias para o encontro de Saint-Martin’s Hall, em 28 de setem-

Gravura retratando a presença de Bakuninna Internacional

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las seções britânicas: para os fran-ceses a emancipação econômicados trabalhadores deveria subordi-nar todo o movimento político. Paraos ingleses era o inverso. A princí-pio tais diferenças não pareciam fa-zer tanta diferença, mas passariama ser o ponto central da polêmicaentre Marx e Bakunin.

Marx e Bakunin, cujas disputasresumem em parte a história da In-ternacional, não estavam presentesem sua fundação. É vital, porém, aoanalisarmos o surgimento da Primei-ra Internacional e os conflitos de-correntes, termos em mente quetais polêmicas não eram meramen-te internas, mas diziam respeito aconcepções políticas fundamentais.Para tanto, torna-se necessárioapreendermos as ações dos doismais importantes protagonistas daPrimeira Internacional, MikhailBakunin e Karl Marx.

As divergências entreBakunin e Marx

Foi possível perceber a partir de1868 a grande influência de Bakuninno seio da AIT em praticamente to-das as sessões da Bélgica, Itália,Espanha, Suíça francesa e em par-te da Inglaterra, França, Holanda,Áustria e Estados Unidos. Compu-nham o grupo de apoio a Marx amaioria dos membros do ConselhoGeral, os social-democratas alemãesdo Partido de Eisenach e os austrí-acos. As bases de sustentação dasposições de Marx estavam nas ses-sões da Suíça Germânica e nos Es-tados Unidos. Havia ainda algumassessões isoladas na Inglaterra,Espanha e Portugal que o apoia-vam, mas que eram insignificantesnumericamente, segundo Droz,“eram quase fictícias” (DROZ,1972).

Para Bakunin a exploração bur-guesa é sempre solidária, e assimtambém deve ser a luta dos traba-lhadores contra tal exploração. Des-sa forma, o objetivo da Internacio-nal era organizar os trabalhadorescontra o jugo da burguesia. Nos es-tatutos gerais da AIT lemos que aemancipação econômica dos traba-lhadores é o grande objetivo ao qualse deve subordinar qualquer movi-mento político. A seção da Interna-

cional em Genebra, da qual Bakuninera o principal representante, tinhaem seus documentos a determina-ção de repelir qualquer ação políti-ca que não tivesse por objetivo ime-diato a vitória dos trabalhadores so-bre o capital. A luta contra a explo-ração econômica não pode estardissociada do fim imediato da opres-são política. Uma das principais crí-ticas que Bakunin fazia a Marx era ade que para este a conquista dopoder de Estado era a condição pré-via para a emancipação econômicado proletariado, ou seja, era possí-vel haver socialismo sem liberdade,sob a existência da ditadura do Par-tido Comunista.

Ao subordinar a emancipaçãoeconômica à ação política, Marx jáenunciava aquilo que mais tarde fi-cou explícito, mas que, no seio daInternacional, principalmente emseu Quarto Congresso (Basilea, em1869), ainda não era posto de for-ma tão clara devido à grande influ-ência do Bakuninismo no movimen-to operário. Daí decorrem oautoritarismo marxista e sua defe-sa intransigente da ditadura do pro-letariado e do Estado. Partindo des-te princípio, para se chegar a suaemancipação econômica a classetrabalhadora poderia se subordinaraos domínios de uma aristocraciaoperária, de uma burocracia esta-tal, por exemplo. A máxima de queos fins justificam os meios tambémse aplica à ação marxista e é utiliza-da como justificativa para qualquerprática autoritária no interior dosmovimentos populares pelos mili-tantes marxistas, para os quais oEstado é necessário para garantir aemancipação dos trabalhadores,que se dá gradualmente ao longoda fase transição.

Mais tarde, a partir das manobraspolíticas de Marx, a Internacionaltransformou-se, segundo as deci-sões do Quinto Congresso de Haia,em 1872, em uma ferramenta paraa conquista do poder. Neste mes-mo Congresso se deu a expulsão deBakunin. Porém, antes do Congres-so, Marx convocou às pressas umaconferência do Conselho Geral emLondres, da qual poucos delegadospuderam participar devido ao localde difícil acesso e à convocatória re-

bro de 1864. Só mais tarde éque Marx encabeçará asubcomissão para elaboraçãodos estatutos da AIT. Os sindi-calistas britânicos, sob influên-cia do trabalhismo inglês, e osoperários franceses, de tendên-cia socialista, serão os precur-sores da nova Associação queposteriormente também conta-rá com trabalhadores influenci-ados pelo comunismo alemão, abase de apoio das propostas deMarx. A AIT sempre abrigou emseu interior matizes ideológicosdiversos, como marxistas, libe-rais, antigos cartistas, trade-unionistas (defensores das uni-ões de comércio),proudhonianos e socialistas emgeral.

Havia, porém, uma disparidadede critérios que obstaculizavam acriação de um organismo internaci-onal. As Trade Unions por um ladonão se caracterizavam precisamen-te por aspirações muito avançadase os dois delegados italianos erammarcadamente mazzinianos, ouseja, políticos patriotas. Os france-ses eram os que estavam à frentede verdadeiros sindicatos de traba-lhadores, que lutavam por seu re-conhecimento, pela melhoria de sa-lários e das condições de trabalho;eram aqueles que tinham perspec-tiva revolucionária. Pela lógica doprojeto que foi formulado, a sededo Conselho Geral da AIT deveriaficar na França, mas isso não foipossível devido às leis bonapartistasque proibiam as associações de maisde vinte membros. Por isso a sedeescolhida foi Londres.

Neste primeiro momento da In-ternacional, as idéias mais aceitaseram também as mais radicais e vi-nham dos trabahadores francesesproudhonianos, com seu federalis-mo e classismo. Marx, represen-tante do comunismo alemão, nun-ca confiou muito no potencial damassa trabalhadora e afirmava nãohaver condições históricas para umcongresso dos trabalhadores. De-pois acaba se convencendo do con-trário e passa a integrar a Internaci-onal. Desde cedo, houve polêmicaentre as delegações francesas e opensamento marxista adotado pe-

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alizada sem obediência aos critériosnecessários. O objetivo de Marx erafortalecer a autoridade do Conse-lho Geral, fazendo deste a cabeçada Internacional.

Uma das ações de Marx à frentedo Conselho Geral foi lançar umanota aos operários franceses paraque se posicionassem contra qual-quer tentativa de revolução, que elechamava de prematura, referindo-se aos momentos que antecederama Comuna de Paris, marco da lutados trabalhadores em todo o mun-do1 . Bakunin, antevendo as mani-festações de descontentamento dooperariado francês, toma a CâmaraMunicipal de Lião, onde proclama aabolição do Estado. A insurreiçãoprematura que Marx temia, no en-tanto, aconteceu em 18 de Marçode 1871. Posteriormente, Marx ci-nicamente saldou a Comuna comoum momento extremamente valio-so para a classe operária2 .

A proposta de Marx de passagemdo Conselho Geral para Nova Yorkganhou por 30 votos contra 14 e12 abstenções. Várias delegaçõescomo a italiana não puderam com-parecer. Somente as delegações queteriam que atravessar apenas o Ca-nal da Mancha e os alemães, que,geograficamente, estavam próxi-mos da cidade holandesa e que, ide-ologicamente, estavam próximos deMarx, compareceram. Havia aindaa impossibilidade de Bakunin chegara Haia, em virtude do decreto deisolamento que pesava sobre ele naBélgica, e a ausência da delegaçãofrancesa por causa das dificuldadespelas quais passavam as seções daInternacional na França após aComuna.

Para Bakunin, era necessário quecada país tivesse o direito de seguiras tendências políticas que mais lheagradassem. Diante dos impassespolíticos, era fundamental que sepreservasse a unidade na Interna-cional no campo da solidariedadeeconômica. Nenhuma teoria filosó-fica deveria ser a base ou condiçãooficial do Programa da Internacio-nal, mas no seu seio tais questõespoderiam ser discutidas e disputa-das. Segundo Bakunin, era assimque então se criaria a grande políti-ca da Internacional, não emanando

duma cabeça isolada, incapaz deabraçar as necessidades do prole-tariado, mas da ação livre, dos tra-balhadores de todos os países.

Sua preocupação era com a pos-sibilidade (que mais tarde se concre-tizou através de Marx) da formaçãode um grupo de indivíduos que ti-vesse por pretensão tornar-se avontade dirigente e unificadora domovimento revolucionário e da or-ganização econômica do proletari-ado. Bakunin sempre defendeu a li-berdade, a ação livre dos trabalha-dores, condenando coerentemen-te o pensamento único que Marxpretendia que reinasse na Interna-cional, que, ao contrário, não sur-giria de nenhum grupo político es-pecífico, mas da solidariedade sin-cera dos operários noenfrentamento direto contra aopressão do capital.

Como já fora demonstrado,Bakunin defendia que as mais diver-sas posições políticas estivessem re-presentadas na Internacional, des-de que respeitassem seu Programa.De modo algum, como querem al-guns pseudo-anarquistas, ele repe-lia o debate e a existência de parti-dos e organizações no interior da AIT,pois ele mesmo estava convicto danecessidade de uma organizaçãoespecificamente anarquista que bus-casse influenciar e orientar politica-mente os organismos de massa.Marx, ao utilizar como argumentopara sua expulsão a existência daAliança, organização liderada porBakunin, utilizou de artimanhas, ale-gando que o anarquista russo seriaautoritário e agia infiltrado na AIT. Énotório e já demostrado acima queBakunin sempre condenou osautoritarismos, inclusive o marxis-ta.

O que aqui denominamosbakuninismo não é uma invençãoarbitrária e a-histórica, mas um res-gate daquilo que já havia sido ditoe praticado por Bakunin. Dessemodo, o que defendemos encon-tra-se plenamente de acordo comas orientações de Bakunin, segun-do o qual é crucial a existência deuma coletividade que deve prepa-rar a revolução e dirigi-la, a partirde sua influência no movimento re-volucionário de massas mais amplo,

neste caso, a própria Internacional.As manobras políticas e o desres-

peito às instâncias de base da AITpassaram a caracterizar as ações deMarx e de seu grupo que logo per-ceberam no bakuninismo um obs-táculo às suas pretensões políticas.

Foi no congresso de Basilea, pon-to culminante da AIT, quando estacontava com 1 milhão de adesões,onde se acirraram as disputas entreo marxismo e o bakuninismo. Umcaso exemplar foi o debate sobre apropriedade da terra. Havia concor-dância entre os bakuninistas e mar-xistas na deliberação de que a soci-edade tinha o direito de abolir a pro-priedade individual da terra e fazercom que esta seja propriedadecoletiva. A discordância surge notema da herança. Garcia apresentaas posições de Bakunin e Eccariusno trecho que se segue:

Eccarius, membro do ConselhoGeral e portavoz de Marx na maio-ria dos congressos declarou que odesaparecimento da herança nãopodia ser ponto de partida para umatransformação social, mas sim umaconsequência natural da apropria-ção coletiva dos meios de produ-ção. (...) Bakunin fez um tremendoataque ao direito de herança: “odireito de herança depois de haver

Toulain - Líder dos“Proudhonistas de direita”

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sido a consequência natural daapropriação violenta das riquezasnaturais e sociais passou a ser de-pois a base do Estado político, dafamília jurídica, que garantem e san-ciona a propriedade individual. Eacrescenta: a transformação daproprieade individual em proprieda-de coletiva encontrará grandes obs-táculos entre o campesinato. Sedepois de haver proclamado a liqui-dação social, a expropriação dessesmilhares de pequenos agricultoresaconteceria necessariamente atra-vés da reação, e para submetê-losa revolução será necessário empre-gar contra eles a força, ou seja, areação. Será necessário, pois,deixá-los possuidores de fato des-sas parcelas de que são hoje pro-prietários. Mas, se não abolir o di-reito de herança, o que acontece-rá? Transmitirão essas parcelas aseus filhos com a sanção do Esta-do, a título de propriedade. Pelocontrário, se proclamais a a liquida-ção política e jurídica do Estado, sese abolir o direito de herança o queacontecerá aos camponeses? Sópossuirão de fato esta possessão,privada de toda sanção legal semamparar-se na potência do Estadoe se deixará transformar facilmentesob a pressão dos acontecimentosrevolucionários”. (GARCIA, 1974)

A maioria dos votos foi para aproposta de Bakunin sobre a aboli-ção da propriedade da terra, que foivi tor iosa e acabou sendoconsensual, porém, não foi suficien-te para que a proposta da aboliçãodo direito de herança fosse aprova-da. Mas ficou claro que Marx haviasofrido uma das piores derrotas detodos os tempos. E as idéias deBakunin, mesmo após sua saída daAIT, continuaram influenciando omovimento operário.

As d isputas ent re Marx eBakunin não devem ser encaradascomo fruto de polêmicas pessoais,sem fundamento, ou como confli-tos de ego. Os conflitos na PrimeiraInternacional devem ser compreen-didos como fundamentais paraaqueles que buscam atuar em qual-quer campo político. Tornar explíci-tas tais questões é crucial para situ-ar concretamente os que lutam pelarevolução com liberdade e os que a

desejam com a permanência de pri-vilégios e de vanguardas iluminadas,ou seja, os que querem a revolu-ção pela metade.

A avaliação de Bakunin sobre asdivergências entre sua concepçãoe a de Marx era bastante lúcidacomo se percebe neste fragmento:“Desde 1868, época da minha en-trada na Internacional, organizei emGenebra uma cruzada contra o pró-prio princípio da autoridade e pre-guei a abolição dos estados, inclu-indo na mesma maldição esta cha-mada ditadura revolucionária que osjacobinos da Internacional, os dis-cípulos de Marx, nos recomendamcomo um meio provisório absolu-tamente necessário, segundo elespretendem. À consolidação e à or-ganização da vitória do povo. (...)No congresso de Basiléia obtivemosuma vitória a que podemos chamarcompleta, não só sobre osproudhonianos doutrinários e pací-ficos, os individualistas ou os socia-listas-burgueses de Paris, mas ain-da sobre os comunistas autoritári-os da escola de Marx. Aí está o queMarx nunca nos pode perdoar a ra-zão de imediatamente depois destecongresso, ele e os seus terem co-meçado contra nós uma guerra quenão tende a mais nada senão à nos-sa completa demolição”. (DROZ,1972. p. 147).

Mesmo na conferência de Lon-dres em que Marx dá um golpe naAIT, em setembro de 1871, estecontava com 13 representantes fi-éis dos 23 presentes, desses, 4 eramopositores e os outros 6 foram con-vencidos por Marx diante da ausên-cia de debate. A conferência com apresença de apenas 23 delegadossuspendeu múltiplas decisões quevisavam reforçar os laços entre Lon-dres e as federações de diversospaíses, isso sob o argumento de re-forçar a coesão da AIT. O númeroinexpressivo de delegados contras-ta com o do congresso anterior, ode Basiléia, em 1869, autenticamen-te Internacional, que contou com apresença de 72 delegados: 27 fran-ceses, 24 suíços, 10 alemães, 6 in-gleses, 5 belgas, 2 austríacos, 2 ita-lianos, 2 espanhóis, 1 americano. Éneste congresso que as resoluçõesmais avançadas da AIT são toma-

das. (DROZ, 1972).A cisão da AIT se consuma no

congresso de Haia, em 1872, coma expulsão de Bakunin e a transfe-rência do Conselho Geral para NovaIorque. Em 15 de setembro de1872, as federações italiana, espa-nhola, americana e francesa e aJurassiana realizam um congressoextraordinário para dar prossegui-mento à Internacional com sede emLondres. Mais tarde estes foram cha-mados de “anti-autoritários” ou dedissidentes pela historiografia ofici-al. Bakunin permaneceu nela até1874, quando a deixou no final domesmo ano em razão de sua saúdeestar bastante debilitada e por con-cluir que já não valia mais a penacontinuar atuando num agrupa-mento que mostrava claro esgota-mento. O mesmo aconteceu com aInternacional cuja sede era NovaIorque, que, na verdade, nuncachegou a existir efetivamente, sen-do seu conselho geral dissolvido em1876, na Conferência da Filadélfia.

BIBLIOGRAFIA:BAKUNIN, Mikhail. Estatismo

e Anarquia. Editora Imaginário, SãoPaulo, 2003.

DROZ, Jacques. História Geraldo Socialismo. Vol. 3 Livros Horizon-te, Lisboa, 1972

GARCIA, Victor. La internacio-nal obrera. Breve recuento historicodel desarrollo de la Primera Interna-cional.1974.

____NOTAS:

1 “A classe operária francesa estáem circunstâncias extremamente di-fíceis. Toda a tentativa de derrubaro novo governo, no momento em queo inimigo quase bate às portas deParis, seria uma loucura desespe-rada (...) Que calmamente, resolu-tamente os operários aproveitem aliberdade republicana para proce-der metodicamente à sua organiza-ção de classe” - panfleto de 9 desetembro. (DROZ, 1972 p. 839).2 “A Comuna era essencialmente

um governo da classe operária (...),a forma política finalmente encon-trada para permitir a realização daemancipação econômica do traba-lho”. (DROZ, 1972 p. 840).

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“Nós, revolucionários-anarquistas, defensores dainstrução geral do povo, de sua emancipação e do mais

amplo desenvolvimento da vida social e, por isso mesmo,inimigos do Estado e de toda gestão estatista, afirmamos,ao contrário dos metafísicos, positivistas, eruditos ou não,prostrados aos pés da deusa ciência, que a vida natural esocial sempre precede o pensamento, que é apenas uma

função, mas nunca o resultado”

Mikhail Bakunin

A Filosofia Bakuninista:dialética da ação e omaterialismo sociológico

O revolucionário anarquistaMikhail Alexandrovitsch Bakunin nas-ceu em 1814 na cidade dePremukhimo, província russa de Twer,e faleceu em 1876 nacidade de Berna, Suí-ça. Oriundo de umafamília da nobreza ru-ral , Bakunin viveunuma Rússia absolu-tista, onde o povo eraexplorado pela aristo-cracia rural e pela bu-rocracia czarista.

Sua biografia émarcada por intensaatividade política revo-lucionária, participan-do das mais importan-tes revoltas e organi-zações do proletaria-do do século XIX. Éimportante destacarque sua participaçãonão foi secundária,mas sim central, influ-enciando, construindoe teorizando. Bakuninnos deixou um legadofundamental: sua teo-ria e sua ideologia re-volucionárias.

Apesar de sua im-portância, a obra deBakunin encontra-se fragmentada,esparsa, carecendo de uma sistema-tização (deixou vários de seus escri-tos incompletos). Sendo assim, o pre-sente artigo tem por objetivo contri-buir para a sistematização e a atuali-

zação da teoria revolucionáriabakuninista. Para tanto começaremoscom uma discussão histórica sobre asbases fi losóficas e polí ticas do

bakuninismo. Por fim, apresentare-mos uma sistematização inicial de suateoria, que compreende uma filosofiapolítica e um método sociológico.

1. As revoluções: Bakunin nocontexto do século XIX

Podemos afirmar que Bakunin temseus primeiros contatos com as filo-sofias e com as teorias contestatóriasdo seu tempo em 1834, quando em

Moscou participoude importantes cír-culos de discussõesfilosóficas. Nestescírculos, teve aces-so a debates sobreautores do roman-tismo e da filoso-fia alemã, do soci-al ismo francêsnascente e daquestão dos povoseslavos. Os deba-tes eram sobre osescritos dos maisinfluentes intelec-tuais de sua época.Identificamos, nes-te per íodo,afiliações teóricasde Bakunin com afilosofia alemã,que tinha em Hegelseu maior expoen-te, e com o socia-lismo francês, apartir dos escritosde Saint-Simon.Continuando seusestudos de filoso-

fia na Universidade de Berlim, já em1840, aprofunda seu conhecimentosobre a dialética hegeliana, mas ago-ra à luz da interpretação doshegelianos de esquerda.1

O contato com os hegelianos de

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esquerda foi fundamental, poisBakunin rompe com a mera especu-lação filosófica e parte para a práticapolítica a partir da reflexão. Sua práxispolítica revolucionária começa namilitância pan-eslavista, participandode movimentos revolucionários con-tra as bases das Monarquias Absolu-tistas e pela independência do “povoeslavo”. Durante essa intensamilitância conheceu P.-J. Proudhon,que era um dos principais expoentesdo socialismo francês, e Karl Marx,que também iniciava sua militânciapolítica.

É importante ressaltar que a Eu-ropa da primeira metade do século XIXestava sofrendo os efeitos transfor-madores das Revoluções Industrial eFrancesa. A expansão das atividadesindustriais pela Europa provocou o en-riquecimento da burguesia, forçou oêxodo rural e criou novas relaçõessociais de exploração das massasempobrecidas, agora transformadasnum proletariado industrial. Entretan-to, a economia agrícola entrou emcrise (as antigas estruturas feudais emdecadência eram insuficientes paraacompanhar os novos tempos), geran-do desabastecimento e aumentandoo custo de vida nas cidades e a misé-ria no campo. Portanto, nas cidades,os trabalhadores eram os mais atin-gidos pela crise agrícola, enquanto oscamponeses eram impelidos pela mi-séria e pela opressão à migrar paraas cidades.

As influências da Revolução Fran-cesa são tanto do período revolucio-nário (1789-1799), quanto da EraNapoleônica (1799-1815) e da reaçãodo Congresso de Viena (1815). A ins-tabilidade política se estendeu pelasdécadas de 1820 e 1830. Observamosnesse período a deflagração de con-flitos entre “forças político-liberais”,compostas por setores médios da po-pulação, ora por setores do exércitoe pela burguesia, defensores do libe-ralismo, e “forças político-conserva-doras”, compostas pela aristocracia,pela hierarquia eclesiástica, pela altaburguesia e por oficiais do exército,defensores da restauração do AntigoRegime. Nesse contexto, o proletari-ado, progressivamente, se afasta dainfluência liberal e se aproxima dosocialismo.

Inserindo-se nesse turbilhão de re-voltas e revoluções, Bakunin se dedi-ca à luta pela liberdade dos povoseslavos. É importante destacar que os

povos eslavos foram durante séculossubmetidos ao domínio de grandesimpérios da Europa Oriental, como oSacro Império Romano-Germânico eo Império Czarista Russo. Posterior-mente, foram mantidos sobre o julgoaustríaco e prussiano2. Portanto, serpan-eslavista significava lutar contraa submissão e exploração, contra oantigo regime imperial e pela defesada auto-determinação dos povos.

Em 1848, ano conhecido como aPrimavera dos Povos por causa dasinúmeras e quase simultâneas revol-tas contra o despotismo monárquicoem toda a Europa (Berlim, Viena, Pa-ris, Veneza, Roma, Praga, Munique,Budapeste e Milão), Bakunin partici-pou do Congresso Eslavo, em Praga,e da insurreição que o sucedera (aInsurreição de Pentecostes). No mes-mo ano, participou da Revolução Pro-letária em Paris. No ano seguinte,participou de outra insurreição, destavez em Dresden (Alemanha). Por suaintensa atuação revolucionária arma-da, foi caçado sob o rótulo de “terro-rista”, sendo preso e condenado àmorte em 1850. A sentença de mortefoi convertida para trabalhos forçados,prisão perpétua e, finalmente, extra-dição para a Rússia. Em 1857, foi le-vado para a Sibéria, de onde fugiu em1861, passando pelo Japão, pelos Es-tados Unidos e retornando à Europa.Em 1864, Bakunin reencontrariaProudhon, que veio a falecer sema-nas depois.

Retomando sua militância revolu-cionária, Mikhail Bakunin passa a de-fender a Revolução Universal, isto é,desenvolve a concepção de que:

“Hoje nenhuma revolução podeser bem-sucedida em qualquer paísse não for ao mesmo tempo uma re-volução política e social. Todas as re-voluções exclusivamente políticas –seja em defesa da independência na-cional ou por mudanças internas, ouaté pelo estabelecimento de uma re-pública – que não objetive a imediatae rea l emancipação pol í t ica eeconômica do povo será uma falsarevolução. Seus objetivos não serãoalcançados e sua conseqüência seráreacionária. A Revolução deve ser fei-ta não para, mas pelo povo e nãopode nunca ser bem-sucedida se nãoenvolver entusiasticamente todas asmassas do povo, ou seja, no campo enas cidades”. (Bakunin, Catecismo Na-cional).

A própria questão eslava passa a

se submeter à revolução proletária:“A revolução, porém, não pode ser

obra de um único povo; por natureza,esta revolução é internacional, o quesignifica dizer que os eslavos, que as-piram à sua liberdade, devem, emnome desta, unir suas aspirações e aorganização de suas forças nacionaisàs aspirações e à organização das for-ças nacionais de outros países; o pro-letariado eslavo deve entrar em mas-sa na Associação Internacional dosTrabalhadores”. (Bakunin, Estatismo eAnarquia, p. 74).

Os biógrafos de Bakunin afirmamque, nesse período, ele abandonariao republicanismo radical e se conver-teria num militante socialista revolu-cionário. Todavia, sabe-se que, pos-teriormente, Bakunin associou suafiliação socialista ao anarquismo deProudhon:

“Cabet , Louis B lanc,fourieristas, saint-simonianos, todostinham a paixão de doutrinar e orga-nizar o futuro, todos foram mais oumenos autoritários. Mas eis queProudhon apareceu: filho de um cam-ponês, de fato e de instinto cem ve-zes mais revolucionário de que todosestes socialistas doutrinários e bur-gueses, ele se armou com uma críti-ca tão profunda e penetrante quantoimpiedosa, para destruir todos estessistemas. Opondo a liberdade à auto-ridade contra estes socialistas de Es-tado, proclamou-se ousadamenteanarquista”. (Bakunin, Federalismo,socialismo e anti-teologismo, pp. 25e 26).

Bakunin, neste sentido, dá conti-nuidade e aprofundamento à obra deProudhon a partir de dois pilares fun-damentais: o socialismo e o federa-l ismo. A concepção social istaproudhoniana é pautada pela identifi-cação da propriedade privada capita-lista como a origem das desigualda-des econômicas, e por isso a revolu-ção proletária deve abolir a proprie-dade privada.Ao mesmo tempo a cen-tralização estatal e governamental éidentificada com a propriedade priva-da e com a desigualdade social, e porisso o federalismo é considerado comobase da igualdade política, pois seopõe à centralização do poder e ga-rante a efetiva participação políticadas massas organizadas nos organis-mos de gestão da sociedade.

Essa é a principal fase da bio-grafia de Bakunin, a década de 1860.Sua biografia insere-se, portanto, nas

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- Uma revista de teoria Anarquista 9

lutas do proletariado europeu daque-le período, cujas principais experiên-cias foram a organização da Associa-ção Internacional dos Trabalhadores(AIT) e o processo revolucionário daComuna de Paris (1871)4. Podemosafirmar que, através da militância naAliança, ele viria a desenvolver a sis-tematização da ideologia e da teoriarevolucionárias anarquistas. Duranteessa militância escreveu suas princi-pais obras: “Federalismo, Socialismoe Anti-teologismo” (1867), “Conside-rações filosóficas sobre o fantasmadivino, sobre e mundo real e sobre ohomem” (1870), “O Império Knuto-Germânico e a Revolução Social”(1871), “Estatismo e Anarquia”(1873), e as cartas ao Jornal L’ Egalité(1872). A análise das duas primeirasobras citadas, percebidas no contex-to político-social em que foram escri-tas, permite-nos apreender o signifi-cado do bakuninismo enquanto umafilosofia política.

2. A construção da filosofia po-lítica bakuninista

Considerando a percepçãobakuninista de que as esferas da so-ciedade (econômica, política, ideoló-gica e cultural) estão interligadas numsistema dialético de influência mútua,não poderíamos deixar de destacar astransformações ideológicas e científi-cas que marcaram o século XIX. O li-beralismo e o individualismo burgue-ses, a filosofia hegeliana, o socialis-mo, o positivismo e o evolucionismocontribuíram decisivamente para aruptura com as bases ideológicas doAntigo Regime. Portanto, num movi-mento dialético, alimentaram e foramalimentados pelas rupturas políticas eeconômicas do século XIX.

A inserção de Bakunin nessecontexto de efervescência intelectual,de construções filosóficas, avanços daciência e, acima de tudo, de rupturasideológicas, pode ser identificada noseu texto Federalismo, Socialismo eAntiteologismo. Nela encontramos trêspilares fundamentais da filosofia deBakunin: a igualdade política (federa-lismo), a igualdade econômica (soci-alismo) e a teoria material ista(antiteologismo). Identificando estesaspectos – como os argumentos quese seguem pretendem provar –, po-demos afi rmar que a teoriabakuninista possui três filiações inte-lectuais e científicas: a filosofia ale-mã (Hegel, especialmente), o socia-lismo francês proudhonista e o

positivismo científico.No momento em que Bakunin

escreve quase toda a Europa vivia ain-da sob regimes monárquicos absolu-tistas, regimes estes que se funda-mentavam e se legitimavam na “teo-ria do Direito Divino dos Reis”. Quan-do Bakunin escreve no livro acerca do“antiteologismo”, ele está, na verda-de, rompendo com a teoria ideológi-ca que legitimava o Estado. Portanto,o antiteologismo é um fundamento do“anti-estatismo”, e, conseqüentemen-te, do socialismo.

Ao desmontar a “teoria do Di-reito Divino dos Reis”, toda a concep-ção idealista teológica do mundo e dasociedade é destruída. Bakunin vai,então, recorrer ao positivismo deAugusto Comte e ao evolucionismo deCharles Darwin para negar a teoriacriacionista5. Estendendo sua críticaàs demais ideologias idealistas, afir-ma que as filosofias metafísicas quelegitimam o Estado-burguês são atu-alizações do teologismo; segundo ospressupostos bakuninistas, o individu-alismo de Hobbes, Locke, Rousseau,que produziu ficções como o “estadode Natureza”, “o Contrato Social” e o“Leviatã”, baseadas em característicassupostamente essenciais e/ou inatasdo homem (“bondade” ou “maldade”),são tão falsas quanto o “Direito Divi-no”.

A teoria hegeliana da evoluçãodo “Espírito Humano” é igualmentemetafísica para Bakunin, pois trans-fere a dinâmica do mundo social dohomem para forças supra-materiais.Na verdade, segundo a tese materia-lista, o Estado é o resultado de rela-ções político-sociais concretas, histo-ricamente construídas. Utilizando-seda ciência política de Maquiavel,Bakunin afirma que o Estado é o cri-me, é a conquista pela guerra e não a“Divina Providência”, ou o “livre acor-do entre os indivíduos”, menos aindaa “evolução do Espírito Humano”.

Se é verdade que Bakunin res-palda sua teoria em Comte e emDarwin, também é verdade que seumaterialismo apresenta novos ele-mentos, pois considera que a matériaé constituída da unidade dialética en-tre o mundo natural e social.

“Tudo o que existe, os seres queconstituem o conjunto indefinido doUniverso, todas as coisas existentesno mundo, qualquer que seja sua na-tureza, sob o aspecto da qualidadecomo da quantidade, (...), exercem,

sem o querer e sem mesmo poderpensar nisso, umas sobre as outras ecada uma sobre todas, seja imedia-tamente, seja por transição, umaação e uma reação perpétuasque, combinando-se num únicomovimento, constituem o que cha-mamos de solidariedade, vida e cau-salidade universais”. (Id, p. 57).

De acordo com a perspectivabakuninista, a variação, dada pelapossibilidade permanente de combi-nações novas e diferentes entre osseres já existentes, possibi l i taexatamente a formação de novos “se-res reais”. Sendo assim, a determi-nação é seguida pela indeterminaçãorelativa, pela possibilidade de combi-nação de fatos, de ações e reações,engendrando novos produtos. A de-terminação é a base da realidadematerial, mas ela se aplica a elemen-tos bem específicos. O que é deter-minado são as condições desurgimento e reprodução do mundosocial (que são sempre as mesmas –os seres vivos sempre terão a neces-sidade de se nutrir de alguma fontede energia e, uma vez que estão emvida, estão destinados a seguir seuciclo de criação-destruição); os desen-volvimentos não são determinados. Odesenvolvimento histórico real, po-rém, tanto no mundo natural quantosocial, é indeterminado, aberto àsnovas combinações, resultando demulti-causalidades. Assim, não exis-tem pré-determinações, causas uni-laterais, características inatas quedeterminem a sociedade ou o homem,pois o determinante do ser é a ação;o que constrói os sistemas são as re-lações concretas; em suma, a vidasocial é o resultado de múltiplasinterações. Nas palavras de Bakunin:

“as diferenças das raças, dos po-vos, e mesmo das classes e das famí-lias, são determinadas por causas ge-ográficas, etnográficas, fisiológicas,econômicas (...), assim como por cau-sas históricas, religiosas, filosóficas,jurídicas, políticas e sociais; e todasestas causas, combinando-se de umamaneira diferente para cada raça, na-ção e, freqüentemente, para cadaprovíncia e comuna, para cada classee família, dão, a cada uma, umafisionomia à parte, isto é, um tipo fi-siológico diferente, uma soma de pre-disposições e de capacidades particu-lares – independente da vontade dosindivíduos que as compõem e que sãocompletamente seus produtos”. (Id,

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pp. 117-118).Fica explícito que ao contrário

do materialismo marxista, que tem porbase a determinação em última ins-tância da infra-estrutura econômicasobre a superestrutura jurídico-polí-t ico-ideológica, o material ismobakuninista pressupõe múltiplas deter-minações, multi-causalidades que secombinam numa interação dialética deações e reações ininterruptas. Portan-to, enquanto para o marxismo “omodo de produção da vida materialdetermina o processo geral de vidasocial , política e espiri tual”6, obakuninismo considera que “a ação ea reação incessantemente do todo so-bre cada ponto e de cada ponto sobreo todo constituem a vida” (Id, p. 62).Trata-se de uma percepção de totali-dade. Outro exemplo permite elucidaras diferenças entre o materialismo so-ciológico bakuninista do materialismohistórico marxista: a noção de classesocial. O marxismo identifica as se-guintes classes do “modo de produ-ção” capitalista: “os proprietários desimples força de trabalho, os de capi-tal e os de terra, cujas respectivasfontes de receita são o salário, o lu-cro e a renda fundiária (...)” (Marx, Ocapital, capítulo LII, tomo III). Portan-to, a identificação e a definição dasclasses é econômica. Em Bakunin, aidentificação e definição das classessociais não se limita à economia, poisa classe burguesa constitui um “cor-po político e social, economicamenteseparado da classe operária” (Bakunin,O socialismo libertário, p. 16). Ficanítido na perspectiva bakuninista apresença da visão de totalidade nadiferenciação das classes e a multi-determinação das mesmas, no casoespec í f ico, de três aspectosdeterminantes: político, social eeconômico.

Confrontando sua teoria socialcom seu projeto político, entende-semelhor a defesa incondicional daigualdade política e econômica nostextos políticos de Mikhail Bakunin:“Impossibilidade da liberdade políticasem igualdade política. Impossibilida-de desta, sem igualdade econômica esocial” (Bakunin, O Programa daFraternidade). É fácil a conclusão deque a teoria científica bakuninista, avisão da totalidade e a percepção damulti-determinação, encontra-seindissociável do projeto político da re-volução social capaz de destruir o Es-tado e o Capital, e de construir uma

sociedade socialista, isto é, um soci-edade que garanta a igualdade políti-ca e econômica.

Resumidamente, o materialis-mo sociológico possui as seguintes ca-racterísticas: 1) opõe-se a todas asformas de idealismo/teologismo; 2)tem por base o naturalismo como re-futação do criacionismo; 3) entendea ação, a prática concreta, comodeterminante do ser; 4) pressupõe amulti-causalidade dos fenômenos; 5)compreende a diversidade da vidacomo resultado de um processodialético e ininterrupto de ação ereação. Feitas tais considerações, res-ta caracteriza o materialismo socioló-gico de Bakunin enquanto um métodode análise científica.

3. O método científico: o mate-rialismo sociológico

Diante da incompetência da re-ligião e da metafísica em compreen-der a complexidade desse movimen-to de multi-causalidade que determi-na a vida social, Bakunin propõe aconstrução de uma ciência racionalpara investigar e descobrir as leis queregem o desenvolvimento da socieda-de, uma sociologia. Na verdade, comopretendemos demonstrar, bakunin de-senvolveu um método de investigaçãocientífica que estamos denominandomaterialismo sociológico.

Cabe ressaltar que seu projetocientífico está diretamente relaciona-do com sua prática política, pois aodefinir a ciência racional afirma: “A fi-losofia racional ou ciência universalnão procede aristocraticamente, nemautoritariamente como a falecidametafísica. (...) A filosofia racional éuma ciência democrática. Organiza-se de baixo para cima livremente, etem por fundamento único a experi-ência”. (Bakunin, Federalismo, socia-lismo e anti-teologismo, p. 44). Por-tanto, Bakunin defende a ciência, mascondena o cientificismo positivista,pois este transforma a ciência numinstrumento autori tário. Obakuninismo não considera a ciênciacomo portadora de “dogmas absolu-tos”, pois isso seria re-editar oteologismo. Bakunin enxerga commuita propriedade os limites da ciên-cia:

“A idé ia é sempre umaabstração e por isso mesmo, de algu-ma forma, uma negação da vida real.A ciência só pode compreender e do-minar os fatos reais em seu sentidogeral, em suas relações, em suas leis;

numa palavra, o que é permanente emsuas informações contínuas, mas ja-mais seu lado material, individual, porassim dizer, palpitante de realidade ede vida, e por isso mesmo, fugitivo einapreensível. A ciência compreendeo pensamento da realidade, não a re-alidade em si mesma; o pensamentoda vida e não a vida”. (Bakunin, Ma-nuscrito “Deus e o Estado”).

E não se trata apenas de umacrítica puramente acadêmica, poisBakunin condena a perspectiva políti-ca do positivismo que transforma a ci-ência em ideologia, ou seja, ospositivistas que entendem que a ciên-cia tem um fim em si mesmo como sefosse uma divindade. Portanto, MikhailBakunin estabelece uma separação rí-gida entre a teoria anarquista e opositivismo:

“Nós, revolucionários-anarquistas,defensores da instrução geral do povo,de sua emancipação e do mais amplodesenvolvimento da vida social e, porisso mesmo, inimigos do Estado e detoda gestão estatista, afirmamos, aocontrário dos metafísicos, positivistas,eruditos ou não, prostrados aos pésda deusa ciência, que a vida natural esocial sempre precede o pensamen-to, que é apenas uma função, masnunca o resultado (...)”. (Bakunin,Estatismo e Anarquia, p. 167).

É munido dessa crítica aocientificismo que Bakunin, nas pági-nas de sua obra Considerações filo-sóficas sobre o fantasma divino, so-bre e mundo real e sobre o homem,explicita o método de sua sociologia.

O método bakuninista tem porbase o materialismo sociológico e adialética, tal qual expostos anterior-mente, isto é, a concepção de que aação determina o ser, da mesma for-ma que a vida é um processo de ação-reação permanente do todo sobrecada parte e de cada parte sobre otodo, possuindo multi-causalidades.Portanto, é sobre esse processo di-nâmico e complexo que a investiga-ção científica deve se debruçar,objetivando “descubrir, coordinar ycomprender las propiedades, o losmodos de acción o las leyes de todaslas cosas existentes en el mundo real”(Bakunin, Considerações filosóficas).

Os elementos principais quecompõem o método bakuninista po-dem ser resumidos em cinco caracte-rísticas: 1) experimental - procedepela observação e verificação direta;2) multifocal - procura a pluralidade

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- Uma revista de teoria Anarquista 11

de perspectivas acerca de um deter-minado tema; 3) comparativo – con-trapõe, pela análise e síntese, os di-ferentes focos de análise; 4) crítico –nega as teses ou hipóteses pelo con-traste destas com novas experiênci-as; 5) compreensivo – estabelece asrelações, direta e indiretas, entre efei-tos e causas que compõem os modosde ação/transformação/reprodução,as regras pelas quais um fenômenoacontece e se repete.

Bakunin entende que o proces-so de investigação científica é basea-do na noção de experiência coletiva,

“Pero el hombre no tiene otromedio para asegurarse de la realidadcierta de una cosa, de un fenómeno ode un hecho, que el de haberlos real-mente encontrado, constatado,reconocido en su integridad propia, sinninguna mezcla de fantasías, desupuestos y de adjudicaciones delespíritu humano. La experiencia seconvierte, pues, en la base de laciencia. No se trata aquí de laexperiencia de un solo hombre.Ningún hombre, por inteligente, porcurioso que sea, por felizmente dota-do que esté, desde todos los puntosde vista, puede haberlo visto todo,encontrado todo, experimentado todopor sí propio. Si la ciencia de cada unodebiera l imitarse a sus propiasexperiencias personales, habría tan-tas ciencias como hombres y todaciencia moriría con cada hombre. Nohabría ciencia. La ciencia tiene, pues,por base la experiencia colectiva, nosólo de todos los hombrescontemporáneos, sino también de to-das las generaciones pasadas. Perono admite ningún testimonio sin críti-ca. Antes de aceptar el testimonio, seade un contemporáneo, sea de unhombre que no existe ya, por poco queme atenga a no equivocarme, deboinquirir, primeramente, sobre el ca-rácter y la naturaleza, tanto como so-bre el estado de espíritu de esehombre, de su método”. (Id).

Diante da pluralidade de com-binações, do movimento contínuo dasações e reações e da multi-causali-dade dos fenômenos sociais, somen-te o acúmulo histórico e coletivo dainvestigação científica é capaz de tra-çar as respostas de nossas inquieta-ções. Sendo assim o métodobakuninista é pautado no pressupos-to de que a realidade é uma totalida-de material (compreendida aqui comoo conjunto das ações e reações de

todos os fatores reais, físico-químicos,biológicos e sociais), o que faz comque a sociedade seja o centro do pro-cesso de ação e reação incessantesobre a natureza, sobre os indivíduosque a compõem e sobre si mesma,dito de outra maneira, a sociedade éo motor da transformação do mundomaterial. O pressuposto detoda análise é a experiência concre-ta, sendo que a ação, a consciência,as idéias são, simultaneamente, pro-duto e produtoras de novas experiên-cias.

Este método é composto tambémpor seus princípios ou elementos in-ternos, que assumidos ou reconheci-

dos como base, podem e devem serempregados para a análise da reali-dade social e histórica, para a con-frontação com a “massa de experiên-cias e acontecimentos” passados epresentes que constituem a própriasociedade. Desse modo, a sociedadee os homens são o resultado dainteração da totalidade dos fatoressociais e históricos, em diferentescombinações numa perpétua série deações e reações, por isso, pode-seafirmar que

“o homem não criou a sociedade,nasceu nela. Não nasceu livre, masacorrentado, produto de um meio so-cial particular criado por uma longasérie de influências passadas, por de-senvolvimentos e fatos históricos. Está

marcado pela região, o clima, o tipoétnico, a classe a que pertence, àscondições econômicas e políticas davida social, e finalmente, pelo local,cidade ou aldeia, pela casa, pela fa-mília e vizinhança em que nasceu.”(Bakunin, 1976, p. 13).

A discussão aqui realizada nospermite concluir que o bakuninismoconstitui uma teoria revolucionária,que compreende uma prática políti-ca, uma filosofia política e um méto-do de investigação científica.. Portan-to, sendo a teoria dialeticamente li-gada à ideologia/práxis revolucioná-ria, uma das tarefas fundamentais dosrevolucionários ao assumirem obakuninismo como teoria, é a suainstrumentalização na interpretação etransformação revolucionária da so-ciedade.

___________Notas:

1 Os hegelianos de esquerda ou jovenshegelianos eram intérpretes de Hegelque defendiam uma nova socieda-de que superasse aquela em que vi-viam. Entre eles estavam Marx,Bauer, Ruge, Feuerbach e Stirner.2 Os povos eslavos são origináriosda Rússia ocidental e a partir doséculo VII ocuparam regiões daGermânia e se estenderam pelosBalcãs. Dividem-se em três grandesgrupos tribais: os orientais (russos,brancos e ucranianos), os ociden-tais (poloneses, pomerânios,sorabos, tchecos e eslovacos) e osmeridionais (eslovênios, croatas,sérvios e búlgaros). Seuposicionamento político significavainserção num movimento republica-no anti-colonialista.4 Sobre sua militância na AIT e so-bre sua interpretação da Comuna deParis veja os artigos “Uma Teoriado Anti-Estado: A Comuna de Parise a Organização Política Socialis-ta” e “Bakuninismo na Primeira In-ternacional dos Trabalhadores”,ambos nesta mesma edição.5 É importante lembrar que Bakuninnão defende o “darwinismo social”,mesmo porque essa teoria burguesasó foi criada no final do século XIX.6 Marx, Karl. Prefácio - Para a críti-ca da economia política. in: Marx, Ospensadores, São Paulo, Nova Cultu-ral, 1996, p. 52.

Pierre-Jospeh Proudhon:Bakunin buscou nele a idéia daanarquia e as teses acerca da

relação entre federalismo esocialismo.

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Uma Teoria do Anti-EstadoA Comuna de Paris e a OrganizaçãoPolítica Socialista

Blanqui - líder dorepublicanismo revolucionário

francês

Este texto irá discutir uma proble-mática fundamental: o programa re-volucionário anarquista e a teoria quelhe serve de sustentação. A divisãodo movimento socialista revolucioná-rio entre as vertentes comunista eanarquista legou um debate acercada definição dos objetivos, imediatose históricos, e também acerca da es-tratégia de construção da sociedadesem-classes e sem-estado.

Esta diferença de legados marcouprofundamente a história do séculoXX. A teoria comunista1 , desenvol-vida pelo marxismo até suas últimasconseqüências, defendia que a cons-trução do socialismo exigia o Esta-do; a teoria anarquista, obakuninismo, se pautava na negaçãodo Estado e na defesa de uma novaforma de organização política, que ire-mos denominar pelo conceito deanti-Estado. As experiências domovimento operário e das revoluçõesdo século XX também acrescentaramimportantes teorias sobre o desenvol-vimento da revolução e sobre seuprograma, como a teoria das revolu-ções em etapas (revolução democrá-tico-burguesa), a teoria da “revolu-ção permanente” (Trotski) e a teoriada revolução de “Nova Democracia”(Mao Tsé-Tung).

Para compreender a diferença deteorias e estratégias práticas é preci-so analisar os debates existentes. Umdos pilares de construção dos mode-los políticos, anarquista e comunista,foi fornecido por um dos principaisacontecimentos da experiência revo-lucionária: a Comuna de Paris. É pelacompreensão das diferentes análisesdeste evento – e de toda sua reper-cussão histórica – que poderemoschegar a uma definição mais clara doprograma revolucionário bakuninistae de sua fundamentação teórica.

Foi pela apropriação do modelo

político da “Comuna de Paris” quese iniciou a construção do socialismona Rússia em 1917 e foi pelo aban-dono dos seus postulados fundamen-tais que se pode explicar, em parte, aburocratização seguida pela contra-revolução stalinista (1924-1953)e pela restauração burguesa(1985-1991). A incompreensão doslimites da experiência da Comuna deParis também levou a impasses nomomento de eclosão das situações

revolucionárias. Este texto visa tra-zer elementos para tal reflexão.

1 – A Comuna de Paris no Pen-samento Revolucionário.

O que foi a “Comuna de Paris”? AComuna de Paris foi uma experiênciade auto-governo, surgida de uma in-

surreição popular, ocorrida em mar-ço de 1871, durante a Guerra Fran-co-Prussiana. É necessária uma rápi-da contextualização histórica: 1) aFrança era então governada por LuisBonaparte, sobrinho de NapoleãoBonaparte, e seu regime político erauma monarquia imperial; 2) a Alema-nha estava em processo de unifica-ção política e passava a disputar ahegemonia na Europa com Inglater-ra e França; 3) os alemães estavamvencendo a Guerra contra a França,sitiando a cidade de Paris, e o povofrancês estava agora ameaçado pelaopressão externa, que substituiria aopressão interna da monarquia 4) omovimento operário na França esta-va consolidando sua organizaçãopolítica e sua consciência de classe,através da Associação Internacionaldos Trabalhadores (AIT). Estava mo-bilizado para a luta reivindicativa ecomeçava a tomar parte nas ques-tões da guerra.

Na Guerra entre França e Alema-nha, Bismarck, chanceler alemão,prendeu Luis Bonaparte. A oposiçãose agita; os opositores burgueses pro-clamam a república em 4 de setem-bro de 1870, assumindo um Gover-no Provisório. Entretanto, além daoposição burguesa, existia uma forteoposição operária e popular. O cho-que entre estas duas oposições nointerior da França é que precipitou aeclosão da Comuna de Paris.

A insurreição começa em 1871,quando o Governo Provisório dá umaordem de desarmar o povo da cida-de de Paris. A Guarda Nacional, insti-tuição legada pela Revolução de 1789e que materializava a idéia do “povoem armas”, se rebelou. Os Guardasprendem os generais Lecomte eThomas e os fuzilam. Começa a In-surreição da Comuna de Paris: umato de rebelião, em favor da resistên-

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- Uma revista de teoria Anarquista 13

Gravura: “A Comuna de Paris” - Batalhões Operários em frente aoQuartel General da Comuna

cia popular frente a uma eminenteocupação estrangeira. O que acon-tece, na seqüência, é que a Cidadede Paris, capital da República, cai namão da Guarda Nacional e das ten-dências radicais do movimento ope-rário e popular. O Governo Provisóriose vê obrigado a transferir sua sedepara Versalhes. Cria-se uma dualidadede poder: um poder republicano eburguês, de um lado; de outro, umpoder “comunardo”, operário-po-pular2 .

Karl Marx e Mikhail Bakunin atri-buíram uma importância decisiva àComuna de Paris. Produziram livrose análises sobre ela. Marx, no livro “AGuerra civil em França”, lança suaavaliação da experiência daComuna. Bakunin lançou sua inter-pretação, especialmente, no artigo “AComuna de Paris e a noção de Esta-do”. Mas a Comuna tornaria-se cen-tral para a história do século XX peloresgate político teórico que Lênin re-aliza nos anos 1910-1917. Alguns ar-tigos de Lênin são fundamentais, taiscomo “Em Memória da Comuna(1911)” e, principalmente, “Teses deAbril” e “O Estado e a Revolução”(1917). Desta maneira, a Comuna deParis ocupa um lugar central no pen-samento e imaginário revolucionário,sendo o modelo político estruturanteda Revolução Russa de Outubro de1917. Iremos agora analisar as dife-rentes análises.

2 - Marx, Engels, Lênin e a tra-dição comunista/social-demo-crata.

Primeiramente, devemos perceberque a derrota da Comuna em1871 não significou seu esqueci-mento. Na Rússia, a Comuna deParis teria uma presença cons-tante no imaginário do partidosocial-democrata. E aqui é impor-tante indicar um fato importan-te; dentro da tradição social-de-mocrata, existem três linhas deleitura/interpretação da Comunade Paris: 1) a de Marx; 2) a deEngels; 3) a de Lênin. Existem“três” definições, nãoexcludentes, mas distintas, doque foi a Comuna de Paris, e aquiestá um ponto fundamental dainterpretação correta daComuna.

Marx ao analisar a “Comunade Paris”, classifica-a como um

“Auto-Governo dos Produtores”. Di-versos autores consideram o Marx de“A Guerra Civil em França”, não semrazão, como um Marx “anti-estatista”:

Mas a classe operária não se podecontentar com tomar o aparelho deEstado tal como ele é e de o pôr afuncionar por sua própria conta. (...)O poder centralizado do Estado, comos seus órgãos presentes por toda aparte: exército permanente, polícia,burocracia, clero e magistratura, ór-gãos moldados segundo um plano dedivisão sistemática e hierárquica dotrabalho, data da época da monar-quia absoluta, em que servia à socie-dade burguesa nascente de armapoderosa nas suas lutas contra o feu-dalismo. (...) Quanto à força repressi-va do governo outrora centralizado,o exército, a polícia política, a buro-cracia, criada por Napoleão em 1798,retomada depois com prontidão porcada novo governo e utilizada por elecontra os seus adversários, era jus-tamente esta força que devia serdestruída por toda a parte, como ofora já em Paris. (Karl Marx, A GuerraCivil em França).

Na sua análise da Comuna, Marxdá uma guinada nas suas formula-ções, colocando uma ênfase muitogrande na afirmação da necessidadede “destruição do Estado”; mas elenão chega a estabelecer uma carac-terização definitiva do que é o Esta-do. E esta controversa guinada “anti-estatista” de Marx pode ser interpre-tada por diversos ângulos3 .

Será Engels que, após a morte deMarx, ao fazer uma introdução a uma

reedição do livro “A Guerra Civil emFrança”, irá dar uma re-interpretaçãoque se sobreporá à leitura realizadapor Marx, e que será tomada porLenin. Engels afirma:

“En realidad, el Estado no es másque una máquina para la opresión deuna clase por otra, lo mismo en laRepública democrática que bajo lamonarquía; y en el mejor de los ca-sos, un mal que el proletariado heredaluego que triunfa en su lucha por ladominación de clase. El proletariadovictorioso, tal como hizo la Comuna,no podrá por menos de amputarinmediatamente los peores lados deeste mal, hasta que una generaciónfutura, educada en condicionessociales nuevas y libres, puedadeshacerse de todo ese trasto viejodel Estado.   Ultimamente las palabras“dictadura del proletariado” hanvuelto a sumir en santo terror al filisteosocialdemócrata. Pues bien,caballeros, queréis saber qué fazpresenta esta dictadura? Mirad a laComuna de París: he ahí la dictaduradel proletariado!” (F. Engels 18 demarzo de 1891).

Neste sentido, temos um desloca-mento teórico importantíssimo. Aodenominar a Comuna de “Ditadurado Proletariado”, Engels está inse-rindo pela primeira vez a “Comuna”numa caracterização teórico-políticacom a qual a Comuna nunca foi com-patível4 . Ao definir a Comuna como“Ditadura do Proletariado”, Engelsestá associando a Comuna ao esque-ma teórico comunista, significando,ao mesmo tempo, que a Comuna éum tipo de Estado e uma forma

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“transitória” de poder, forma esta quedeve desaparecer junto com as clas-ses sociais. Aqui se abre todo um cam-po complexo de luta entre classifica-ções contraditórias, pois a interpre-tação de Marx jamais definiu aComuna de tal maneira. Daí surgiremduas linhas de interpretação dentrodo marxismo, uma que se tornarámajoritária, desenvolvida por Lênin,a partir da re-interpretação dos es-critos de Marx feita por Engels, e ou-tra minoritária, reivindicada pelos co-munistas de conselhos5 .

Lênin irá adotar a interpretaçãoe a definição de Estado de Engels etambém associará a Comuna de Pa-ris à “Ditadura do Proletariado”. Lêninreivindica a Comuna em dois escritosfundamentais: “As Teses de Abril”(1917) e em o “Estado e a Revolu-ção (1917)”. O primeiro escrito apre-senta e defende uma “inovaçãoprogramática” dentro do partido so-cial-democrata da Rússia, já que vaicolocar de maneira clara a necessida-de de uma revolução “socialista”,como uma etapa imediatamente pos-terior à revolução “democrático-bur-guesa” 6 . O segundo escrito é umadefesa da “Fase de Transição” do So-cialismo para o Comunismo e umadefesa “do Estado” e da idéia de Es-tado. Lênin combate em duas fren-tes: o oportunismo marxista deKautsky, e o “anarquismo”, ou me-lhor, o anarco-comunismo russo7 .Neste sentido, ele desenvolve umateoria com duas afirmações distintas:defendendo a destruição do Estadoe defendendo o Estado:

“A substituição do Estado burgu-ês pelo Estado proletário não é possí-vel sem revolução violenta. A aboli-ção do Estado proletário, isto é, aabolição de todo e qualquer Estado,só é possível pelo ‘definhamento’ “.(Lênin, O Estado e a Revolução, cap.I.-4).

“A distinção entre os marxistas eos anarquistas consiste nisto: 1.º) osmarxistas, embora propondo-se adestruição completa do Estado, nãoa julgam realizável senão depois dadestruição das classes pela revoluçãosocialista, como resultado do adven-to do socialismo, terminando naextinção do Estado; os anarquistasquerem a supressão completa doEstado, de um dia para o outro, semcompreender as condições que a tor-nam possível (...)” (Lênin, O Estado e

a Revolução, cap. VI.-3).É interessante notar que as acu-

sações que Lênin faz ao “anarquismo”são do mesmo gênero das que o“oportunismo” social-democrata fazà Lênin (Lênin é acusado de querer a“destruição do Estado” de um diapara o outro e de querer passar da“revolução democrático-burguesa àsocialista imediatamente”). Se é pos-sível a destruição do Estado burgu-ês, que nada mais é que uma mani-festação histórica, particular, do Es-tado em geral, porque dizer que nãoé possível a destruição do Estado emgeral, se o Estado em geral não é se-não a combinação dos traços estru-turais das suas manifestações parti-culares? Aqui se coloca a questão dacaracterização do Estado.

O que é o Estado? É possível um“Estado Proletário”? Da primeira res-posta deriva a segunda. O marxismonão responde de maneira satisfatóriaà primeira pergunta, e daí as contra-dições e oscilações nas respostas paraa segunda. São estas contradiçõesque serão aproveitadas pela “buro-cracia” para matar a revolução soci-alista na Rússia e abortar o processoda revolução proletária em escalamundial.

3 – Bakunin e a Comuna deParis: a experiência da Negaçãodo Estado.

A interpretação que Bakunin faz daComuna de Paris, desde o princípio,considera a Comuna de Paris como a“Negação do Estado”. Desta manei-ra, a análise de Bakunin se aproximaem diversos pontos da análise deMarx. Este um é um fato historica-mente negligenciado. Nunca os doisestiveram tão próximos em termosde posicionamentos teóricos. Mas, poroutro lado, é neste período que a rup-tura política entre os dois militantesse daria8 . Mas enquanto Marx teveque fazer uma “emenda substitutiva”ao Manifesto Comunista em razãoda Comuna de Paris, a Comuna e oFederalismo Revolucionário que elarealizou já se encontravam plenamen-te expressos no CatecismoR e vo l u c i on ár i o , d o c u m e n t oprogramático da organização secre-ta fundada por Bakunin em 18649 .

No “Prefácio à Segunda Edição doImpério Knuto-Germânico” (1870-1871), Bakunin apresenta os pontosde distinção entre comunismo e

anarquismo da seguinte maneira:“Os comunistas acreditam dever

organizar as forças operárias paraapoderar-se da força política dos Es-tados. Os socialistas revolucionáriosse organizam tendo em conta a des-truição, ou se quiser uma palavra maiscortês, tendo em conta a liquidaçãodos Estados. (...) O socialismo revo-lucionário acaba de tentar uma pri-meira manifestação brilhante e práti-ca na Comuna de Paris. Sou um par-tidário da Comuna de Paris, que porter sido massacrada, sufocada emsangue pelos carrascos da reaçãomonárquica e clerical, nem por issodeixou de fazer-se mais vivaz, maispoderosa na imaginação e no cora-ção do proletariado da Europa; souum partidário dela sobretudo porquefoi uma negação audaz, bem pronun-ciada, do Estado.” (Bakunin, 1978, p.188).

Desta maneira, para Bakunin, aComuna se apresenta incontestavel-mente como a “negação do Estado”.Bakunin sabia que a Comuna tinhasido composta majoritariamente porjacobinos e que a ala socialista (oschamados “internacionalistas”) eraminoritária. Mas mesmo assim ele viunas suas instituições, na sua mecâni-ca popular e revolucionária, a confir-mação das suas teses e de seu pro-grama. Mas esta identificação não sedá por meios artificiais. Vejamos odocumento “Catecismo Nacional”,elaborado como programa para aorganização secreta de Bakunin, em1865-1866:

“Que é absolutamente necessáriopara qualquer país desejar reunir asfederações livres dos povos parasubstituir suas organizações centrali-zadas, burocráticas e militares poruma organização federalista baseadaapenas na absoluta liberdade e auto-nomia das regiões, províncias,comunas, associações e indivíduos.Esta federação operará com funcio-nários eleitos responsáveisdiretamente junto ao povo; Ela nãoserá uma nação organizada de cimapara baixo, ou do centro para a cir-cunferência. Rejeitando os princípiosda unidade imposta e arregimentada,ela será dirigida de baixo para cima,da circunferência para o centro, deacordo com os princípios da livre fe-deração. Seus indivíduos livres forma-rão associações voluntárias, suas as-sociações formarão comunas

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autônomas, suas comunas formarãoprovíncias autônomas, suas provín-cias formarão as regiões, e as regiõesirão federar-se livremente em paísesque, por sua vez, criarão mais cedoou mais tarde a universal federaçãomundial.” (Bakunin, Catecismo Naci-onal).

É interessante notar a presençado conceito de “Comuna”, enquan-to unidade política base neste progra-ma, e também a ênfase no processofederativo, concebendo a organiza-ção política de baixo para cima. Curi-osamente, a descrição que Marx rea-lizará anos depois da Comuna de Pa-ris parece ser uma paráfrase deBakunin, não porque ele tivesse “co-piado” Bakunin, mas pelo fato de quea realidade que ele veio a descreverfoi, efetivamente, a própria manifes-tação deste fato10 .

Infelizmente, Bakunin não nos le-gou, pelo menos não nos seus escri-tos por nós conhecidos, uma análise“interna” da Comuna de Paris. Eleapenas marcou seu posicionamentopolítico e fez um enquadramento te-órico geral: a Comuna era a primeiraexperiência do socialismo revolucio-nário, a primeira negação histórica doEstado. Bakunin estaria correto emclassificar a Comuna de Paris comouma “negação do Estado”?

4 – A Luta de Classificações:Estado ou Anti-Estado?

Quem tem razão na classificaçãoda Comuna de Paris? Bakunin, Marx,Engels, Lênin? Devemos, em primei-ro lugar, lembrar que a análise deMarx, consagrada no texto “A Guer-ra Civil em França”, corrobora a afir-mação e a tese de Bakunin, indepen-dentemente de suas motivações eposteriores considerações acerca doEstado. Especificamente, na análisede Marx, todas as afirmações cami-nham na sinalização de que aComuna tinha representado a des-truição do Estado. Desta maneira seabre uma “brecha” dentro do pen-samento marxista acerca da questãodo Estado e da história da Comunade Paris11 .

Depois, Engels introduziria umaabordagem nova e até certo pontocontrária à análise de Marx, ao classi-ficar a Comuna como “a Ditadura doProletariado”. Lênin, por sua vez,retomaria esta leitura. Assim, pode-mos dizer que existem três chaves de

interpretação da Comuna de Paris:1º) a que parte de Bakunin e consi-dera a Comuna como um exemplohistórico de Destruição do Estado;2º) a que parte de Marx e chega auma conclusão similar (especialmen-te a partir do texto “A Guerra Civil emFrança”), ou seja, de que a Comunaseria um exemplo histórico de Des-truição do Estado e que a “Ditadurado Proletariado” seria sinônimo dis-so12 ; 3º) a que parte da interpreta-ção de Engels, e, depois, da que Lêninfez de Marx e Engels, que consideraa Comuna de Paris como um “Tipode Estado”. Esta úl tima chaveinterpretativa é a que tem predomi-nado e a ela estão associadas algu-mas das causas da burocratizaçãodas revoluções e de sua degenera-ção.

Por isso é tão importante discutir-mos se a Comuna de Paris era umEstado ou não. Porque é da corretacaracterização teórica desta experi-ência histórica que deriva o corretoprograma e estratégia da RevoluçãoSocial. Para isso, portanto, precisa-mos ver as definições de Estado em-pregadas por marxistas ebakuninistas. Lênin, em “O Estado ea Revolução”, por exemplo, afirma:

“Eis, expressa com toda a clare-za, a idéia fundamental do marxismono que concerne ao papel histórico eà significação do Estado. O Estado éo produto e a manifestação do anta-gonismo inconciliável das classes. OEstado aparece onde e na medida emque os antagonismos de classes nãopodem objetivamente ser conciliados.E, reciprocamente, a existência doEstado prova que as contradições declasses são inconciliável. O Estadoaparece onde e na medida em queos antagonismos de classes não po-dem objetivamente ser conciliados. E,reciprocamente, a existência do Es-tado prova que as contradições declasse são inconciliáveis.” (Lênin, OEstado e a Revolução, cap I.-1).

Na caracterização marxista do Es-tado, utilizada por Lênin, vemos oseguinte: 1º) o Estado é um produ-to da contradição entre as classessociais; 2º ) o Estado é um instru-mento de dominação de uma classesobre outra; 3º) o Estado é a re-pressão e violência (ver Lênin, “O Es-tado e a Revolução”, cap I-3). Naverdade, esta caracterização não estáem contradição com a definição do

Estado criada por Bakunin, comoveremos abaixo. Mas ela contém doismovimentos “reducionistas”, que, doponto de vista teórico, irãosecundarizar o papel do Estado, aomesmo tempo em que irão levar auma supervalorização do Estado naprática política dos social-democratase comunistas.

O primeiro é o reducionismo doEstado a um “efeito” da economia:quer dizer, o “Estado é um produtoda contradição de classes” e desapa-rece somente “por efeito” do desa-parecimento destas. Segundo, é aredução do Estado à violência políti-ca, e da “violência política” ao Esta-do. O argumento é relativamentetautológico: sendo o Estado a violên-cia, existindo contradição de classes(interesses irreconciliáveis), o Estadose faz necessário. O leninismo, que éuma das transcrições históricas maisimportantes da teoria de Marx, apre-senta essas principais características.

Entretanto, devemos indicar quena teoria marxista existem diversasdefinições acerca do Estado. Mas estadefinição, historicamente central (jáque foi sobre ela que se edificou aexperiência da Revolução Russa),contrasta com as definições, esparsas,porém mais detalhadas e específicas,que Bakunin dá acerca do Estado. Écom base na definição bakuninistaque iremos contrapor a definição aci-ma indicada.

“No fundo, a conquista nãosomente é a origem, é também o fimsupremo de todos os Estados Gran-des ou Pequenos, poderosos ou dé-beis, despóticos ou liberais,monárquicos ou aristocráticos, de-mocráticos e socialistas também, su-pondo que o ideal dos socialistas ale-mães, o de um grande Estado comu-nista, se realize alguma vez. Que elafoi o ponto de partida de todos osEstados, antigos e modernos, nãopoderá ser posto em dúvida por nin-guém, posto que cada página dahistoria universal o prova suficiente-mente. Ninguém negará tão poucoque os grandes Estados actuais têmpor objeto, mais ou menos confes-so, a conquista.(...) é uma tendênciafatalmente inerente a todo Estado,qualquer que seja sua extensão, suadebilidade ou sua força, porque é umanecesidade de sua natureza. O que éo Estado senão a organização dopoder? Mas está na natureza de todo

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Gravura: Última batalha da Comuna no Cemitério Pere Achaiese

poder a impossibilidade de suportarum superior ou um igual, pois o po-der não tem outro objeto que a do-minação, e a dominação não é realmás que quando lhe está submetidotudo o que a obstaculiza; nenhumpoder tolera outro mais que quandoestá obrigado a isso, quer dizer, quan-do se sente impotente para destruí-lo ou derrubá-lo. Somente o fato deum poder igual é uma negação de seuprincípio e uma amenaça perpétuacontra sua existência; porque é umamanifestação e uma prova de suaimpotência. Por consiguinte, entretodos os Estados que existem umproximos aos outros, a guerra é per-manente e sua paz não é más queuma trégua.” (Bakunin, Fragmento,O princípio do Estado).

Desta maneira, Bakunin especificauma característica fundamental do Es-tado que não está presente na defi-nição marxista: 1º) o Estado é, his-toricamente, o produto da conquis-ta, e seu objetivo é manter, reprodu-zir e ampliar esta mesma conquista.A conquista é o princípio (no sentidológico e histórico) e o fim (o objetivo)do Estado. Este elemento é funda-mental, porque a característica ine-rente ao Estado não é “a violênciaabstrata”, mas a violência associadaa um tipo de relação social concreta:a conquista e a dominação.Bakunin adiciona:

“En efecto, ¿qué vemos en laHistoria? Que el Estado ha sidosiempre el patrimonio de una clase

privilegiada, como la clase sacerdotal,la clase nobiliaria, la clase burguesa;clase burocrática, al fin, porquecuando todas las clases se han ani-quilado, el Estado cae o se eleva comouna máquina; pero para el bien delEstado es preciso que haya una claseprivilegiada cualquiera que se interesepor su existencia... (Bakunin, Artigos,“O Patriotismo”, 1869)

Estado quer dizer dominação, etoda dominação supõe a subjugaçãodas massas e conseqüentemente suaexploração em proveito de uma mi-noria governamental qualquer.”(Bakunin, Carta ao Jornal Le Liberté,1872).

Combinado com este elemento daconquista estão ainda outros dois: 2º)o Estado é não somente patrimônioe instrumento de uma classe, mas,quando estas classes se encontramdebilitadas, o Estado tende a acondi-cionar uma classe que zele por suaexistência; 3º) o Estado é sempre uminstrumento de uma classeminoritária, e sua dominação se exer-ce sempre sobre as “maiorias”.

A caracterização do Estado utiliza-da por Lênin negligencia estes fato-res que são fundamentais. Vejamosentão a Comuna de Paris, analisemossuas características internas e em quedefinição ela melhor se enquadra. 1º)o Estado tem sua origem na con-quista, a Comuna de Paris teve suaorigem numa Conquista? Não. AComuna tem sua origem numa Re-volta de uma classe dominada, con-

tra a conquista movida por Estadoestrangeiro, e contra o próprio Esta-do francês. 2º) O Estado,monárquico ou republicano, gera adesigualdade de poder, sua concen-tração ou centralização. As primeirase mais importantes medidas daComuna visaram a desconcentraçãodo poder entre os bairros e distritos(entre os organismos locais e cen-trais), sua democratização em meioa classe trabalhadora (as decisõeseram tomadas de baixo para cima,ou seja, as “maiorias” proletárias con-trolavam as decisões das “minorias”dirigentes, criou-se uma igualdadetemporária, mas radical, entre a situ-ação econômica do proletariado e asituação política13 . 3º) A Comuna es-boçou também a igualdadeeconômica, ao estabelecer que asfunções políticas seriam remuneradascom base no salário de um operáriomédio. Assim, a Comuna expressa emseus elementos internos a negaçãocompleta do princípio do Estado.

A Comuna de Paris não represen-ta assim um “Estado ou Ditadura Pro-letária”, mas sim um anti-Estado,visto que sua organização, objetivose relações, não somente não são es-tatais, mas sim a negação conscientee deliberada do Estado14 . Suas insti-tuições são equivalentes, proporcio-nais, porém contrárias às instituiçõesestatais. Historicamente é fácil com-provar que a Comuna de Paris, emsua organização interna, não pode sercaracterizada como um Estado. O

fato de ela expressar a vi-olência organizada de umaclasse contra outra não ésuficiente para caracteri-zar a formação de um “Es-tado”, já que o Estado sefunda em outros princípi-os.

A experiência da cons-trução do Socialismo e doComunismo na URSS re-vela a importância dacorreta caracterização doEstado. Os principais indi-cadores do início daburocratização se dão jáno período de 1919-1921, quando se instituias decisões econômicas epolíticas nos centros diri-gentes, controlados peloPartido Comunista, e seinstitui o retorno da “desi-

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gualdade de rendas”, já que os diri-gentes passaram a ser mais bem re-munerados que os operários (são me-didas exatamente contrárias àquelastomadas pela Comuna e defendidaspor Lênin em suas “Teses de Abril”).A burocracia, ou mais precisamente,a “nomenklatura” se tornou nãoapenas uma camada dirigente doponto de vista político, uma “aristo-cracia operária” com o poder de Es-tado, mas também uma camada pri-vilegiada do ponto de vista social eeconômico. Isto foi um efeito diretoda não destruição do Estado, doabandono e/ou da interpretação de-turpada das lições da Comuna de Pa-ris. Aquilo que Trotski denominou de“contra-revolução burocrática”, quelevaria (como efetivamente levou) àrestauração burguesa, tem suas ori-gens na teoria do papel do “Estadona Revolução”, desenvolvido porLênin15 .

Ao assumir a correta caracteriza-ção da Comuna Paris, vemos que elafoi a primeira experiência, o primeiroesboço, do anti-Estado. Esta carac-terização pode ser estabelecida tan-to a partir de Bakunin quanto a partirde Marx. E, daí, vários pressupostosassumidos pelos partidos social-de-mocratas e comunistas ficam com-prometidos: a necessidade inevitávelde um estágio “democrático-burgu-ês”, que antecede um estágio socia-lista, que, por sua vez, antecede ne-cessariamente o estágio “comunista”(já que o “comunismo” deveria serproduto da mudança histórica gra-dual, do desaparecimento do Estado),

torna-se, ao contrário, o ponto departida. Este é o problema que aComuna coloca de maneira impetu-osa. O “etapismo” e a própria estra-tégia política social-democrata “daconquista do poder político” (do Es-tado) pela classe operária e da “agi-tação legal” ficam comprometidos. Édesferido um profundo golpe nooportunismo reformista de todos osmatizes. Mas estas são discussões quefaremos em outra ocasião, já queeste texto apenas indica alguns apon-tamentos.

_____Notas:

1 É certo que, atualmente, o ter-mo comunismo se confunde com ode marxismo, mas não devemosnegligenciar que isto é fruto de umprocesso histórico. O comunismosurge como uma doutrina na Fran-ça no século XIX, e Louis Blanc,político francês, seria seu princi-pal teórico e expoente. Até 1850,permanecia assim. A difusão dasidéias comunistas para outrospaises, levou àinternacionalização da ideologiacomunista desenvolvida na Fran-ça. Somente depois da derrota daComuna de Paris que o marxismo,com o declínio do movimento ope-rário francês, se apropriaria porcompleto da designação comunis-mo.2 É importante observar que a

Comuna de Paris de 1871, faz par-te de um processo muito específi-

co da história francesa. A Comunade 1871 se apresentava, no dis-curso e percepção dos revolucio-nários, como uma espécie dereedição da Comuna de Paris de1792. Além disso, a própria revo-lução era a continuidade da Re-volução de 1789, que tinha fica-do incompleta, por não ter reali-zado seus objetivos: l iberdade,igualdade e fraternidade. As for-ças políticas e principais institui-ções, como a Guarda Nacional,tinham se originado no processode radicais t ransformaçõesdesencadeadas pela revolução de1789.3 A interpretação de Bakunin:

oportunismo. A interpretação dosconselhistas, como, por exemplo,de A. Pannekoek, da oposição deesquerda da social-democraciaalemã, enfatizavam a leitura deMarx pela destruição do Estado deruptura com o Manifesto Comunis-ta. É interessante notar que Marxe Engels jamais aceitaram reco-nhecer o papel jogado pelosblanquistas e internacionalistasna construção da Comuna de Pa-ris, no sentido polí t ico eeconômico. Sempre se viram obri-gados a rechaçar a importânciadestes, de maneira que sua leiturada Comuna sempre careceu de fi-delidade histórica.4 As análises de Marx e de

Engels, em outros momentos,apontam a Comuna como uma ex-periência de destruição do Esta-do, como constata Lênin: “Engelsconvida Bebel a deixar de tagare-lar a respeito do Estado e a banircompletamente do programa a pa-lavra “Estado”, para substituí-lapela de “Comuna”; Engels chegaa dizer que a Comuna já não é umEstado no sentido próprio da pa-lavra. Ao contrário, Marx fala do“Estado na sociedade comunistafutura” parecendo admitir assim anecessidade do Estado, mesmo noregime comunista.” (Lênin, O Es-tado e a Revolução Cap. V- 1).5 A tendência majoritária inter-

pretaria a Comuna como um “tipode Estado”. A tendência

Gravura: 1871, Barricadas em Paris

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minoritária enfatizaria a destrui-ção do Estado. Todas as duas lei-turas encontram fundamentos nosescritos de Marx e Engels.6 Neste momento a maior parte do

partido socia l-democrata,mencheviques e bolcheviques, in-clusive as futuras “principais” li-deranças da URSS (Stalin,Bukharin, Zinoniev, Kamenev) de-fendiam o aprofundamento da re-volução democrático-burguesa, enão uma revolução socialista. As“teses de abril” representam assimuma ruptura no programa social-democrata, ou pelo menos no tem-po em que se supunha a realiza-ção do programa, o que gerou umasérie de debates dentro do parti-do bolchevique. O livro “O Esta-do e a Revolução” se apresentacomo a sistematização da concep-ção de Lênin, onde é introduzidoum outro elemento na sua interpre-tação da Comuna de Paris e dateoria de transição.7 Lênin segue os exemplos de

Marx e Engels ao falar das idéiasanarquistas, tomando idéias quenunca foram enunciadas histori-camente por Proudhon e Bakunin.E mais: quando obrigado a reco-nhecer a presença deproudhonistas e bakuninistas naComuna, indica que estes estavamlá “contrariando” suas própriasidéias, quando, na verdade – e opróprio Lênin reconhece em outrosmomentos –, foi Marx quem fez al-terações no Manifesto Comunistaem conseqüência da Comuna deParis (?!). Inversamente, quandoanalisamos o “Catecismo Revolu-cionário” de Bakunin, programada sua organização secreta(1866), verificamos a existênciada menção às Comunas e a sua ”li-vre-federação”. Quer dizer, a his-tória do movimento operário e desuas tendências é completamentedesfigurada na narrativa deLênin, onde fatos e acontecimen-tos reais deixam de ter importân-cia.8 É no período entre 1869-1872

que se dará a “cisão” na AIT, queculminará com a “expulsão” de

Bakunin, que, na verdade, signi-fica o fim da denominada “Primei-ra Internacional”.9 Ver o artigo “O Bakuninismo e

a Teoria da Organização Política”(UNIPA).10 Vejamos as palavras de Engels

sobre as ações da Comuna, que re-produzem em parte as idéias deMarx: “En todas las proclamasdirigidas a los franceses de lasprovincias, la Comuna los invitó aformar una federación libre de to-das las comunas de Francia conParís, una organización nacionalque, por vez primera, iba a sercreada realmente por la naciónmisma. Precisamente el poderopresor del antiguo gobierno cen-tralizado — el ejército, la policíapolítica y la burocracia —, creadopor Napoleón en 1798 y que des-de entonces había sido heredadopor todos los nuevos gobiernoscomo un instrumento grato y utili-zado por ellos contra susenemigos, era precisamente estepoder el que debía serderrumbado en toda Francia,como había sido derrumbado yaen París.” (Engels, Introdução, “AGuerra Civil em França).11 Esta brecha a respeito da Di-

tadura do Proletariado e do pa-pel do Estado seria transformadaem um verdadeiro abismo em de-terminados momentos de disputainterna, por exemplo, entre Lênine Pannekoek.12 Ver A. Pannekoek, “As Tare-

fas dos Conselhos Operários”.13 “A escolha por eleição ou com-

petição dos magistrados e funcio-nários comunais de todas as or-dens, como também o direito per-manente de controle e revogação.A absoluta garantia da liberdadeindividual e da liberdade de cons-ciência. A permanente intervençãodos cidadãos nos assuntos daComuna pela livre manifestaçãode suas idéias, a livre defesa dosseus interesses, com garantias da-das para daquelas manifestaçõespela Comuna que somente éefetivado com a supervisão eproteção do livre e eqüitativo exer-

cício do direito de reunião e pro-paganda. Paris não quer nadaalém, como garantia local, umacondição, naturalmente, de encon-trar na grande administração cen-tral – a delegação das comunasfederadas – a realização e a prá-tica dos mesmos princípios.” (Ma-nifesto da Comuna de Paris, 19/04/1871).14 Isto porque o “não-estado”,

termo empregado por setores anti-estatistas do marxismo, é vago. Po-demos dizer que todas as formasorganizativas (uma empresa, umafamília), são “não-estados”. AComuna de Paris era uma formaorganizativa que se colocava comoconcorrente, alternativa e contrá-ria ao Estado. Por isso, podemosdenominá-la, com melhor defini-ção, de Anti-Estado.15 Quando Lênin fala de um “Es-

tado Proletário”, existe uma con-tradição que Lênin nunca consi-derou seriamente, e que se mani-festou historicamente na formaçãodas burocracias nos paises socia-listas: este Estado necessariamen-te exercerá a dominação sobre amaioria e será controlado semprepor uma minoria, já que esta é umacaracterística essencial do Esta-do. Sendo o proletariado na soci-edade capitalista a classe majori-tária, a dominação necessariamen-te se exercerá sobre esta classe;daqui decorre outra contradiçãona teoria comunista. Se os meiosde produção serão centralizadosno Estado, e este nunca é um atorneutro, capaz de representar, ouconciliar, os interesses das classes,decorre necessariamente que acentralização dos meios de produ-ção nas mãos do Estado implicasua centralização nas mãos deuma “minoria”; mesmo não sendouma minoria burguesa, a existên-cia do Estado engendrará, comoindicou Bakunin, uma nova cama-da social interessada na manuten-ção deste Estado. O que significa,como disse o próprio Lênin, que oproletariado não terá nem liber-dade, nem igualdade.

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“Trair a Aliança é trair a Revolução.”Mikhail Bakunin

A historiografia sobre o bakuninismoé extremamente deficiente e precária.A maior parte das narrativas foi produ-zida a partir das perspectivas comunis-ta (baseada na denúncia de PaulLafargue e Frederick Engels nos anos1870), liberal ou anarco-comunista,que, por razões diferentes, pecam pelafalta de objetividade e reproduziramapenas impressões fragmentárias e“estigmas” acerca do pensamento eprática bakuninista.

Daniel Guérin, que foi ligado aos “co-munistas libertários” franceses, porexemplo, reproduz a seguinte afirma-ção acerca de Bakunin: “Entretanto,parece que a organização projetadapermaneceu por um longo período nopapel. Como observou Arthur Lehning,estes programas e estatutos traduzemmelhor a evolução das idéias de Bakuninque o funcionamento de uma organiza-ção1 ”. Ou então, como E. H. Carr, queindica o “surgimento da Aliança em 1867e seu desaparecimento em 1869” (Carr,1972, p.373). Estes são exemplos dosequívocos historiográficos cometidos.Além disso, existem algumas confusõesacerca do “caráter” da organizaçãobakuninista2 .

É interessante que os estudos deMax Netlau, muito conhecidos porGuerin, versam exatamente sobre a“Aliança” na Itália, na Espanha e emoutros países da Europa, nos quais, to-mando por base uma vasta documen-tação, demonstra onde e como esta or-ganização anarquista atuou3 . A cisão naAssociação Internacional dos Trabalha-dores (AIT) e a documentação levanta-da por Paul Lafargue também compro-vam a existência da organização anar-quista denominada Aliança. O que ficaobscuro, mas pretendemos esclareceré que tipo de organização era a “Alian-ça”, que programa e que estratégia

defendia.A falta de fontes históricas e de pes-

quisas que não sejam comprometidasem seus métodos e resultados pormotivações ideológicas, dificulta estaanálise histórica. Faremos aqui o pos-sível para contornar esta situação deacordo com as fontes disponíveis. Masacrescente-se que a confusão e o des-conhecimento são maiores em razãoda falta de rigor histórico e sociológicono tratamento das fontes disponíveis doque pela simples escassez destas. As-sim, tentaremos remontar a história daorganização anarquista criada por ini-ciativa de Bakunin e determinar suasbases teóricas.

Para entendermos o tipo de organi-zação política e a concepção de revo-lução defendida por Mikhail Bakunin,temos de levar em consideração suateoria geral da realidade, sua filosofiapolítica e sua visão da economia, as-sim como o contexto histórico dos anos18604 .

O contexto histórico do surgimentodo anarquismo e da sua teoria da or-ganização política é o da consolidaçãodos Estados-Nacionais burgueses (uni-ficação da Itália e Alemanha), do inícioda transição do capitalismoconcorrencial para o capitalismomonopolista e das revoluções “republi-cano-democráticas” (1848-1870), nasquais se insere como desdobramentosocialista, a Comuna de Paris (1871).

A “Gênese” da AliançaA história da organização anar-

quista está associada à confluência detrês fatores: 1) a existência de umatendência teórica anarquista, inspira-da nas idéias de Proudhon, no movi-mento operário francês, principal cen-tro do movimento na Europa até 1860;2) as dissidências “socialistas” nas ten-

dências republicanas, especialmente naItália, durante as guerras de unificação;3) as guerras nacionais e regionais deunificação, contra as monarquias, quedesestabilizavam a Europa5 , o que per-mite dizer que existia em diversos paí-ses da Europa uma situação pré-re-volucionária; 4) a ação política deMikhail Bakunin depois de sua fuga daSibéria em 1861, que, operando sobreestas condições objetivas, tentou traçaruma teoria, uma estratégia e um pro-grama que deveriam ser realizados poruma organização revolucionária.

Bakunin se instalou na Itália em1864, na cidade de Florença, e, a partirdali, contatou Garibaldi e alguns revolu-cionários nacionalistas italianos (ver Carr,1972, p. 329). Neste seu período na Itá-lia, ele desenvolveu um profundo deba-te com Mazzini, um dos líderes do mo-vimento nacionalista republicano (Uni-dade de Ação Radical), sendo que al-guns dos militantes que se uniriam naorganização secreta anarquista seriamdissidentes do republicanismo italiano,como Giusepe Fanelli, que ficou conhe-cido como fundador da Internacional naEspanha. Bakunin visitaria a Inglaterra,França, Suécia, Polônia, Itália (onde seestabeleceria) – e deste trabalho de vi-sitas e através das cartas e correspon-dências constituiria uma rede de mili-tantes, operários socialistas e republi-canos radicais dissidentes que seriam abase da formação da sua organização6 .

Esta organização seria fundada em1864 com o nome de “FraternidadeInternacional” ou “Sociedade Inter-nacional Revolucionária”, e atuariaem dois campos: o do republicanismoradical europeu, através da participa-ção nos Congressos da “Liga da Paz eda Liberdade” (1867 e 1868), e no mo-vimento proletário, que, por questõesteóricas e ideológicas, se constituía no

O Bakuninismo e aTeoria da OrganizaçãoPolítica

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Bakunin e alguns dos “aliados”

seu principal espaço de atuação (daí aadesão à AIT em 1867-68). As basesda Fraternidade são os textos “Progra-ma da Fraternidade Internacional”,“Catecismo Nacional” e “CatecismoRevolucionário” (1866)7 , que formu-lam os princípios ideológicos,programáticos e estratégicos da orga-nização anarquista.

Por ocasião do II Congresso da Ligada Paz e da Liberdade, Mikhail Bakuninapresentou o texto “Federalismo, So-cialismo e Anti-teologismo”, que seapresenta como tese deaprofundamento teórico dos princípiosorganizativos, programáticos, etc, jáelaborados de forma sumária, nos “Ca-tecismos Revolucionários”. É o momentoem que se funda então a “Aliança daDemocracia Socialista”, organizaçãopública, que pretendia aderir à Inter-nacional, como sua seção8 . Esta orga-nização se dissolveria em 1869, depoisque o Conselho Geral recusou a formade sua adesão, e suas seções se trans-formariam em seções da AIT.

Max Netlau, ao analisar algunsmanuscritos de Bakunin, afirma o se-guinte: “... a Aliança é chamada de´Aliança dos Socialistas Revolucionári-os´ que existe desde 1864, é verdade,mas que começou a estabelecer-se naInternacional somente depois de 1868,uma passagem que nos dá a data au-têntica da origem da sociedade secretade Bakunin, o ano de 1864, quando seestabeleceu em Florença...” (Netlau,1977, p. 114).

Ao que parece, podemos traçar aevolução da organização anarquista daseguinte maneira: em 1864, é fundadaa Fraternidade Internacional na Itália,com socialistas e republicanos dissiden-tes, ex-seguidores de Mazzini; esta or-ganização intervém em 1867 no II Con-gresso da Paz e da Liberdade e o grupoque rompe com o Congresso adere àAIT, fundando a “Aliança da Democra-cia Socialista” (organização pública, comcaráter de fundação de estudos), quedepois se ramifica na França e Espanhaaté 1869 (quando é dissolvida). AFraternidade Internacional se mantéme em 1869 passa por um processo dedepuração, surgindo logo depois a “Ali-ança dos Socialistas Revolucioná-rios” (organização secreta), que, peloque M. Netlau indica, foi o nome assu-mido pela Fraternidade Internacionaldepois de 1869.

Assim sendo, podemos dizer que fi-cam superados os equívocos acerca daorganização anarquista em dois aspec-

tos: 1º) não se pode questionar a exis-tência de tal organização, pois a docu-mentação e os fatos históricos permi-tem ver uma coordenação sistemáticade uma rede de militantes na Europa;2º) esta organização é mencionada nosdocumentos por diferentes nomes numperíodo de 8-9 anos, o que explica emparte, a confusão quanto à sua origeme trajetória. Mas, na realidade, ela seforma em 1864 e em 1867 é formada aAliança (pública), que não deve ser con-fundida com a organização política anar-quista9 .

As bases da organização: teoriae programa.

Os três documentos menciona-dos acima (o Programa da FraternidadeInternacional, o Catecismo Nacional eo Catecismo Revolucionário) determi-

nam com clareza as bases da organi-zação anarquista e de como se desen-volveu sua experiência prática. Consti-tuem uma totalidade em que se afirmauma teoria da organização política,abrangendo tanto os princípiosorganizativos, quanto os princípiosteórico-ideológicos, assim como osprincípios estratégicos e os princí-pios programáticos. Este conjunto,conformando uma totalidade, delineiauma concepção clara e determinada deRevolução e de seu processo.

Estes princípios seriam desenvolvi-dos numa base teórica no livro “Fede-ralismo, Socialismo e Anti-teologismo”(1867), que se apresenta como siste-matização teórica do programa da “Ali-ança” (dos Catecismos Nacionais, e quereceberia seu complemento no desen-volvimento da filosofia-epistemologia edo método científico no texto “Consi-derações Filosóficas sobre o Fan-tasma Divino, sobre o Mundo Reale sobre o Homem”. Não podemos,

então, esquecer estes desdobramentosteóricos e práticos: não apenas a Ali-ança realizaria um trabalho prático nomovimento operário, como também umtrabalho teórico.

Podemos indicar que tais documen-tos, em diversos tópicos, reúnem dife-rentes tipos de princípios: ideológicos;teóricos; organizativos,programáticos e estratégicos. En-tendemos os princípios ideológicoscomo aqueles que expressam os inte-resses e aspirações do grupo e sua re-lação orgânica com a classe social comque se vinculam; os princípios teóri-cos como sendo as bases intelectuaise cognitivas que orientam as teses fun-damentais acerca da sociedade e da re-alidade em geral (e que dão razão paraa existência da organização e que subs-crevem, do ponto de vista cientifico, osseus interesses gerais); os princípiosprogramáticos como os objetivos ge-rais permanentes, os interesses que aorganização pretende representar eatender, através da sua ação; os prin-cípios estratégicos como os meiosconcretos postulados para realizar osobjetivos; e os princípiosorganizativos como as regras queregulam a ação e a estrutura de funci-onamento da organização política. To-dos os princípios têm caráter perma-nente, ou seja, são bases fixas, que nãodevem ser alteradas para que a orga-nização exista enquanto tal10 .

Princípios Ideológicos e TeóricosO documento “Fraternidade Interna-

cional” expressa os valores ou ideaisbásicos, em termos da afirmação dosprincípios da liberdade e da igualda-de (“a liberdade na igualdadeeconômica, social e política, é a justi-ça”). Os valores éticos da liberdade eda igualdade seriam traduzidos numaconcepção teórica. A defesa da liber-dade e igualdade marcaria, em termosético-ideológicos, as bases da represen-tação de interesses, quando o conceitode liberdade fosse aplicado à realidadee à práxis social.

No sentido político-teórico, tal tra-dução se expressa: 1) na defesa dofederalismo e do anti-estatismo,como forma de organização políticae de governo e como concepção desociedade; 2) na defesa do direito deauto-determinação dos povos e di-rei to à alteridade; 3) nointernacionalismo; 4) na defesa dosocialismo e; 5) na adoção da teoriado valor trabalho e da categoria “tra-

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Varlin - membro da Aliança e um dos principais líderes daComuna de Paris

balho” como base dos direitos sociaise organização política.

Um dos itens, abordando as exigên-cias para uma possível adesão àFraternidade, afirma:

“É preciso que seja revolucionário.Ele deve compreender que uma trans-formação tão completa e radical da so-ciedade, devendo necessariamente de-terminar a ruína de todos os privilégi-os, de todos os monopó-lios, de todos os poderesconstituídos, não poderánaturalmente efetuar-sepor meios pacíficos; que,pela mesma razão, terácontra ela todos os pode-rosos, todos os ricos, epor ela, em todos os paí-ses, apenas o povo, as-sim como esta parte in-teligente e nobre da ju-ventude que, emborapertencendo por nasci-mento às classes privile-giadas, por suas convic-ções generosas e porsuas ardentes inspira-ções, abrace a causa dopovo”. (Bakunin, 1866,Programa daFraternidade).

A análise da realida-de social leva à afirma-ção do caráter revolucio-nário, da revolução, daluta de classes (pobres Xricos) e da organização,pois somente estas ga-rantem a realização dajustiça (ou da liberdade eda igualdade), que, nasociedade, consolidar-se-iam na formação de umaeconomia socialista e dafederação e/ou doauto-governo. No tex-to Catecismo Nacional se afirmam os“pressupostos obrigatórios” que deve-riam ser observados para todos os pa-íses: 1) a impossibilidade da vitória deuma revolução nacional isolada; 2)a necessidade de um programa co-mum, que satisfaça as necessidades detodas as nações. Assim, a organizaçãopolítica deveria se estabelecer, neces-sariamente, sobre um programa co-mum.

Devemos considerar que as frontei-ras entre os princípios ideológicos eteóricos não são rígidas; a realizaçãodos ideais da liberdade e igualdade,dependem da sua formulação teórica

fundada no materialismo, na teoria dovalor trabalho e na teoria do auto-go-verno ou federalismo. Desta maneira,o conceito de liberdade não é um con-ceito genérico, está definido pela teo-ria geral da sociedade na qual se des-dobra.

Princípios OrganizativosA estrutura e as regras

organizativas assumidas pelo Programada Fraternidade indicam o seguinte: 1)a organização política deve ser compos-ta por uma dupla estrutura, a organi-zação internacional e a organiza-ção nacional, sendo que “a direçãocabe à família internacional”; 2) defineos elementos subjetivos necessári-os ou perfil do militante; 3) que a orga-nização deve combinar dialeticamentea centralização11 (construção da unida-de da luta revolucionária, de baixo paracima) e a localização (descentralização,ou distribuição das forças revolucioná-rias por diferentes pontos da socieda-de e território)12 :

“Assim, centralizada pela idéia e pelaidentidade de um programa comum atodos os países; centralizada por umaorganização secreta que unirá não ape-nas todas as partes de um país, masmuitos, senão todos os países, em umúnico plano de ação; centralizada ain-da pela simultaneidade dos movimen-tos revolucionários no meio rural e ur-bano, a revolução deverá adquirir o

caráter local no sentidode que não deverá co-meçar por uma grandeconcentração de todasas forças revolucionári-as de um país em umúnico ponto; nem adqui-rir jamais o caráter ro-manesco e burguês deuma expedição quaserevolucionária, mas, sur-gindo ao mesmo tempoem todos os pontos deum país, terá o caráterde uma verdadeira revo-lução popular na qual to-marão igualmente partemulheres, velhos, crian-ças e que, por isso mes-mo, será invencível”.(Bakunin, 1866, Catecis-mo Nacional).

Além disso, em razãodas características daatividade da organiza-ção: 1) os revolucionári-os devem se organizarde forma combinada, enão excludente, em “as-sociações públicas e se-cretas” com o objetivo deampliar o campo revolu-cionário e de prepararum movimento simultâ-neo; 2) em razão docaráter de suasatividades, devem adotar

uma “forte disciplina revolucionária”.Assim, a organização política

deve ser estruturada sobre estas ba-ses organizativas, tendo como papel apreparação (iniciação-direção) darevolução, e deve estar coordenadasobre uma organização internacionalque dirige as organizações nacionais,estabelecida sobre uma disciplina re-volucionária e um programa comum. Ésobre estas bases que se colocam osobjetivos programáticos e a estratégiapara sua realização.

Princípios Programáticos e Estra-tégicos.

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O programa e a estratégiabakuninista estão desenvolvidos, funda-mentalmente, nos “Catecismos”, e sãoextremamente elaborados, no compre-endidos: o programa delineado é umprograma revolucionário, um “progra-ma máximo”, que supõe a realizaçãode uma revolução e que se apresenta,portanto, como uma série de medidaspara a situação pós-revolucionária.

Sendo assim, podemos diferenciaras bases programáticas em três tipos:econômicas, políticas e sociais, profun-damente inter-relacionadas. As medi-das políticas são: 1) destruição do Es-tado (centralista, burocrático) e de suasinstituições (universidades, bancos,igrejas); 2) abolição da Monarquia, es-tabelecimento da República e laicizaçãodas instituições políticas; 3) instituiçãoda organização federalista, com funci-onários eleitos pelo povo, na base dosufrágio universal. Depois do processode descentralização, na primeira faseda situação revolucionária, a revoluçãodeverá assumir um caráter federalista,tendo as comunas revolucionáriascomo unidades-base, “estabelecendouma administração e tribunais revolu-cionários”, também baseados no sufrá-gio universal e na responsabilidade(imperatividade/revogabilidade dosmandatos); 4) federalização dascomunas (ou sua centralização, de bai-xo para cima), pois isoladas as comunasserão derrotadas, formando um pactofederal, um governo e uma assem-bléia ou parlamento revolucionário.Segundo os termos do texto, “a ordeme a unidade renascerão como produtosda liberdade revolucionária”; 5) direitode secessão (estes pontos estão indi-cados no Catecismo Nacional; no Cate-cismo Revolucionário, estes pontos ga-nham uma elaboração mais detalhada,a organização política); 6) organiza-ção política com base na comuna, re-presentada pela “maioria dos votos dosseus habitantes”. Ela tem o direito decriar sua carta ou constituição, mas estadeve estar ajustada à carta e organiza-ção política da federação e seu gover-no (assim como os departamentos ouprovíncias); 7) estabelecimento, peloparlamento e pelo governo provincial enacional (unicameral ou bicameral), dospontos obrigatórios a serem segui-dos por toda a organização políti-ca (comuna, província e nação); 8)deliberação, pelo parlamento e gover-no nacional, sobre a formação ou nãode um exército, sempre por tempodeterminado; 8) preparação de todo

cidadão para que venha a ser um ci-dadão-soldado, formado para a guer-ra13 .

Um pressuposto dos Catecismosé o de que a organização política dasociedade exige uma organizaçãoeconômica que lhe sirva de base. Nes-te sentido, colocam-se como as primei-ras das medidas econômicas: 1)coletivização das terras, mas com aposse ou o produto destas pertencen-do exclusivamente aos que nela traba-lham; 2) instituição da base dos direi-tos políticos através do trabalho e san-ção destes direitos aos possíveis seg-mentos sociais não-trabalhadores; 3)coletivização dos meios de produção,que pertencerão diretamente aos tra-balhadores14 ; 4) sendo o trabalho abase dos direitos políticos, supressãoda hierarquia entre “trabalho intelectu-al e trabalho manual”, através da exi-gência do revezamento entre asatividades produtivas e de direção-ges-tão (da economia), assim como daigualdade de rendimentos.

As principais medidas sociais dos“Catecismos” visam garantir: 1) liber-dade religiosa; 2) abolição das classes;3) direito à educação pública integral eà proteção social, financiada e garanti-da pela sociedade; 4) liberdade de ir evir, liberdade de pensamento, liberda-de de propaganda e de organização;5) igualdade de direitos entre homense mulheres ; 6) abolição das penas de-gradantes e cruéis, das punições cor-porais e da pena de morte.

Os “Catecismos” estabelecem tam-bém a estratégia revolucionária, querdizer, os meios práticos que definem oconceito de revolução que deve ser

adotado. Em primeiro lugar, a afirma-ção da Revolução Social entendida en-quanto um processo de guerra revolu-cionária. Neste sentido, o objetivo darevolução é: 1) resolver a questão so-cial (contradição capital/trabalho); 2)ter o caráter de uma “Revolução Soci-al” (que visa a imediata libertaçãoeconômica e social da classe trabalha-dora, e não somente a mudança de re-gime político); 3) articular os trabalha-dores do campo e da cidade; 4) “ainternacionalização, numa guerramundial de libertação”, como desdo-bramento necessário da guerra revolu-cionária na qual o “mundo se separaráem dois campos opostos” e da qualdeverá resultar uma “guerra de exter-mínio sem piedade e sem trégua, con-trária à política hipócrita de não inter-venção”15 .

ConclusãoUma apreciação crítica da história

do anarquismo ou bakuninismo, en-quanto experiência coletiva orientadapor uma ideologia/teoria, deve indicarque, na realidade, constituiu-se num fe-nômeno associado a uma conjunturahistórica particular: a do surgimento domovimento proletário, das guerras deunificação nacionais, das lutas republi-canas, do desenvolvimento do capita-lismo monopolista, do surgimento daPrimeira Internacional, e, finalmente, dacontra-revolução internacional (depoisda derrota da Comuna de Paris). Osdocumentos aqui analisados, assimcomo o pensamento de Bakunin e oconceito de anarquia, devem ser com-preendidos em seu significado, dentrodo seu devido contexto social e históri-

Marx e Engels: combateram a Aliança por diferençasde estratégia e teoria política

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co.Podemos dizer que, comparado com

o “Manifesto Comunista” de Marx eEngels, os “Catecismos” apresentamduas características: 1º) apresentamuma formulação teórica menosdirecionada para a análise crítica docapitalismo, e mais preocupada com adefinição das bases programáticas dasociedade socialista. Por outro lado, ateoria de Marx e Engels estava muitomais elaborada que a de Bakunin, ten-do um caráter mais complexo e maisaplicado, do que a deste último. Toda-via, isto não impediu que Bakunin de-terminasse um plano nítido com orien-tações que a história comprovariam queseriam corretas. Neste sentido, a den-sidade teórica do Manifesto Comunis-ta, é contrabalanceada pela maior pre-cisão programática dos Catecismos,principalmente no que tange à organi-zação política; o Manifesto Comunistaé de 1848, ou seja, cerca de vinte anosantes, o que mostra que a estruturaçãodos grupos comunistas se deram muitoantes da organização anarquista, o queexplica, em parte, o êxito relativo dareprodução desta corrente. Mas a mes-ma instabilidade encontrada na organi-zação anarquista se encontrou na Ligados Comunistas, que teve também umaexistência precária e veio a se dissol-ver.

Um outro aspecto fundamental é acompreensão da situação pré-revo-lucionária que caracterizava a Europano início da década de 1860: as guer-ras civis e nacionais traziam as massaspara a arena da ação política, gover-nos eram derrubados, regimes políti-cos monárquicos ameaçados e o movi-mento de massas estava em ascensão.Sem levarmos em consideração estasituação, não entendemos as orienta-ções práticas de organização anarquis-ta, os “catecismos” e suas preocupa-ções; nem o porquê da afirmação danecessidade da organização política quecombinasse a ação secreta e pública,nem o papel da “Aliança” e da “Interna-cional”.

Neste sentido, demonstramos que aAliança se desenvolveu e que ela teveuma influência importante na Interna-cional (especialmente na Espanha e naItália). Mas como ela se dissolveu? Asinformações acerca desse processo sãoprecárias. O que sabemos (ver Netlau,1977) é que depois da morte de Bakuninas seções nacionais da Aliança foramatravessadas por conflitos internos,como foi o caso da Espanha, em que se

dividiu a organização em pró-bakuninistas e anti-bakuninistas (estesliderados por Anselmo Lourenço). De-pois daí, até a dissolução e a mudançade orientação desta organização, asfontes de que dispomos não nos per-mitem dizer muito.

Na realidade, as situações pré-re-volucionárias, revolucionárias, e demaneira geral as guerras civis, colocamem evidência contextos em que as or-ganizações políticas revolucionárias têmuma duração curta. Podemos compa-rar o contexto em que a “Aliança” atuouna Europa do século XIX, com o daguerra civil revolucionária no Brasil(1967-1973). Muitas organizações po-líticas surgiram e, devido ao seu caráter– guerrilheiro, numa guerra aberta con-tra a Ditadura –, enfrentaram uma lutade vida ou morte. Organizações comoa ALN (Ação Libertadora Nacional) e aVPR (Vanguarda Popular Revolucioná-ria) tiveram uma curta existência (seisanos em média), o que não significa quenão tenham influenciado o rumo da his-tória brasileira. Mas o legado político eteórico destas organizações foi pratica-mente apagado, não tiveram continui-dade, já que muitos dos seus ex-mem-bros romperam com a linha política re-volucionária e se tornaram ardorososcontra-revolucionários16 . Um processoparecido se verificou com a organiza-ção anarquista e o bakuninismo. A situ-ação histórica selou sua derrota políti-co-militar; suas contradições internasdecretaram o surgimento dorevisionismo, liderado por ex-membrosda organização.

A tarefa de hoje é resgatar a teoriada organização política de Bakunin, de-senvolver seus princípios teóricos, ide-ológicos, programáticos e estratégicose aplicá-los à transformação da reali-dade brasileira e à luta de classes in-ternacional. Esta é a tarefa de todosaqueles que almejam uma RevoluçãoSocial.______Notas:1 Extraído do original francês “Ni

Dieu ni Maítre (Anthologie del’Anarchisme)”, de Daniel Guérin.2 Ver “Socialismo e Liberdade”,

Introdução, por Coletivo Editori-al Luta Libertária, em que se afir-ma que Bakunin “defendia umaorganização exclusivamente secre-ta” por princípio, o que dá a basede uma crítica equivocada de seu

pensamento pelos autores do pre-fácio.3 Ver “La Alianza e la Internaci-

onal en España”, 1977.4 Para analisar este contexto bas-

ta ver o texto “Anarquismo e Co-munismo na Primeira Internacio-nal”. Para compreender o pensa-mento teórico de Bakunin, ver “AFilosofia Bakuninista”.5 Na Rússia em 1861-62, colo-

cou-se o problema da “emancipa-ção dos servos”, surgiram agita-ções estudantis e foi formada a or-ganização Terra e Liberdade; naItália, ocorreu uma importante in-surreição camponesa em 1860 ediversos levantes insurrecionaislocais (ver Carr 1972 e Efimov,1986).6 Além do italiano G. Fanelli, é

importante mencionar o francêsEugene Varlin, que se tornaria umaimportante liderança da Comunade Paris e seu mártir. A correspon-dência de Bakunin revela queVarlin seria o principalbakuninista na França, e que se-ria ele o responsável por articu-lar a adesão dos “proudhonistas deesquerda” com a Aliança, atravésda AIT.7 Ver Max Netlau, “La Anarquía

Através de Los Tiempos”: “Él,Bakunin, consideraba abortadoshacia fines de 1863 los movimientosnacionalistas, es decir, llegadosentonces bajo el control de loshombres de Estado, de Francia, dePrusia, Rusia, el Piemonte, y puso suesperanza en lo sucesivo en losmovimientos sociales que renacían.Viendo la desor ientación de lasfuerzas democráticas y socialistas,creía obrar del mejor modo obrandosobre ellas por medio de militantesocultos, que sabr ían dir igir ycoordinar tales fuerzas y que ellosmismos harían nacer e inspiraríangrupos y movimientos más conscien-tes. Los años 1864 (cuando hace susegundo viaje a Suecia y pasa la úl-tima vez por Londres y París) y 1865(cuando va desde Florencia a vivir aNápoles y sus alrededores, hastaagosto de 1867), pasan en esosesfuerzos inevitablemente poco es-

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clarecidos. Sabemos un poco de suesfuerzo en Florencia y conocemossu tentativa de proponer sus ideas ala masoner ía en Italia , a la quepertenecía. Hay también fragmentosde manuscritos, de 1865, las primerasredacciones conservadas de susideas, que podría publicar, si hubieseuna posibilidad material seria para talpublicación. Estamos, en fin, puestosun poco al corrientes de sus planespor su carta a Herzen, del 19 de juliode 1866, por su resumen histórico enun libro ruso de 1873 y por el pro-grama y los estatutos mismos, in ex-tenso, de la sociedad internacionalrevolucionaria, redactados en 1866,en marzo, aproximadamente, que hehecho conocer desde 1898 y entraducción alemana casi completa en1924. En las Werke (Berlín, 1924, vol.III, págs. 8-61) , y en mi biografía de1898, págs. 209-233, se encuentranesos textos - una exposición completade su pensamiento socialista yrevolucionario de entonces, mientrasque los fragmentos masónicos (esdecir, destinados a ser propuestos alos francmasones) , contienen sobretodo su pensamiento filosófico, la crí-tica religiosa. Tenemos también laaplicación más restringida de susideas y proyectos en las impresionesclandestinadas para la organizaciónitaliana de esa sociedad internacio-nal, el Programa della Rivoluzionedemocratico-sociale italiana y los es-tatutos de la Societá dei Legionaridella Rivoluzione sociale italiana (de1866) y las hojas clandestinas deactualidad, La Situazione italiana, deoctubre de 1866, y una segunda hoja,La Situazione, del otoño de 1868. Enfin, cartas y esbozos de cartas de1866 y 1867 y otros materialesrecogidos muestran un poco de lavida íntima de esa sociedad interna-cional que se llama másfrecuentemente la Fraternidad inter-nacional”.8 “A minoria socialista da Liga

da Paz e Liberdade tendo separa-do-se daquela Liga como resulta-do voto majoritário do Congressode Berna, a maioria formalmenteconstituída oposta ao princípiofundamental de todas as associa-

ções de trabalhadores – o daigualitarização econômica e soci-al de todas as classes e indivídu-os – tem por essa razão aderidoaos princípios proclamados peloscongressos dos trabalhadores re-alizados em Genebra, Lausana eBruxelas. Vários membros destaminoria, pertencendo a várias na-ções, nos sugeriram formar umanova Aliança Internacional daDemocracia Socialista,estabelecida completamente den-tro da grande Associação Interna-cional dos Trabalhadores, mas ten-do uma missão especial de estudarquestões políticas e filosóficas nabase do grande princípio deigualdade universal e genuína detodos os seres humanos sobre a ter-ra “. Ou seja, esta organizaçãopretendia integrar os dissidentesdo republicanismo, arrastadospela polí t ica de entr ismo daFraternidade na Liga da Paz e Li-berdade, para a Internacional. Efoi o que aconteceu.9 O texto de Frederich Engels,

“Os Bakuninis tas em Ação”(1873), indica dois fatores: a “Ali-ança” secreta saiu vitoriosa naEspanha e levou a maioria dosoperários da seção da Internaci-onal; esta “Aliança”, em 1873,organizou uma greve geral comopreparação de um levante revolu-cionário. No texto de Engels esteprocesso ganha contornos de ca-ricatura, mas é suficiente para in-dicar, exatamente por ser um textode combate, a estrutura clandesti-na da “Aliança”.10 A idéia de “catecismo” é, pos-

sivelmente, uma analogia empre-gada a partir da religião e da idéiade um catecismo positivista. Sig-nif ica (katechismós) instrução,sob forma de “perguntas e respos-tas”; doutrina elementar que ser-ve de base para uma religião ouciência. Ou seja, o “catecismo re-volucionário” são os princípiosbásicos e imutáveis da organiza-ção e do movimento revolucioná-rio, segundo Bakunin.11 Entendendo-se por isso a exis-

tência de uma organização revo-

lucionária e um programa que cen-tralize o processo e dispersão dasforças revolucionárias pelo terri-tório, para abranger efetivamenteas massas.12 Estes elementos estão presen-

tes especialmente no “catecismonacional”.13 Um documento, que não po-

demos determinar se é um manus-crito ou uma publicação, datadode 1868, é uma reformulação doPrograma da Fraternidade, em queaparecem então alguns elementos:1) é citada a expressão anarquiapela primeira vez, como conteúdoideológico do programa; 2) a ex-propriação e eliminação da pro-priedade privada capitalista sãoincorporadas de maneira explíci-tas no programa; 3) no que tangeà organização política, é indica-do que o processo federativo exi-ge um processo de delegação re-volucionária baseada em manda-tos imperativos e revogáveis; 4) éafirmado o caráter de “minoria”(ou organização de quadros) daorganização política, indicandoque esta deve ser o “estado-mai-or” da revolução enquanto que o“exército é povo”.14 “... o capital e os instrumen-

tos de trabalho se tornarão pro-priedade dos que os uti lizarempara a produção de riquezas peloseu próprio trabalho” (CatecismoNacional).15 Neste sentido, esta posição es-

tratégica antecipa e responde a umdebate central do movimento revo-lucionário do século XX acerca da“teoria da convivência pacífica”(com o capitalismo) e do “socia-lismo num só país” (tese de Staline política oficial da URSS). A po-lítica internacional da revoluçãosocial não comporta a convivên-cia pacífica.16 Aluisio Nunes Ferreira, José

Dirceu, dentre outros, ilustram ajuventude burguesa que passoupelas fileiras do movimento revo-lucionário, mas que explicitaramdepois sua face de oportunistasdemocrata-burgueses e contra-re-volucionários.

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O Estatismo na História:experiência e teoria

Capa do livro O Leviatã deThomas Hobbes - 1650

Uma das principais formulaçõesdo pensamento anarquista deBakunin é a idéia de que o Estado éuma das forças agentes que deter-minam as formas de organização dasociedade. Logo, o Estado aparecenão somente como um fenômenoder ivado da estruturaeconômica, mas como umfator determinante da estrutu-ra sociedade, inclusive da eco-nomia. Ao mesmo tempo oEstado apresenta-se como for-ma histórica que marca o pró-prio desenvolvimento das so-ciedades humanas, desde a an-tiguidade até a modernidade.A emergência de Estados cadavez mais vastos e com maio-res poderes, e a tendência desua expansão, é apontada porBakunin como um dos princi-pais fatores a influenciar histó-ria da humanidade, inclusive dodesenvolvimento econômico.

Nesse sentido, o conceitode estatismo recobre esta re-levância e importância atribuí-da ao Estado enquanto unida-de política, e mesmo não es-tando plenamente sistematiza-do em Bakunin, sintetiza algu-mas teses e análises históricasdo autor que cabe aqui darforma teórica mais acabada.

A teorização e a crítica doestatismo podem ser defendi-das como os principais elemen-tos do pensamento sociológi-co de Bakunin. O “estatismo”em Bakunin compreende três signifi-cados distintos: 1º) a tendência doEstado-Nacional moderno estenderde forma “geométrica” suas funçõese atribuições, tanto social comoterritorialmente, e da sociedade orga-

nizar-se em função do Estado; 2º) atendência à disseminação de uma“doutrina” ou “ideologia” que afirmaa necessidade do Estado e da exten-são de suas atribuições, legitimando-a e glorificando-a; 3º) uma etapa his-tórica em que ao mesmo tempo tais

tendências sociais e doutrina afirmam-se e tornam-se dominantes dentro dasociedade. É a definição de tal con-ceito a partir da obra de Bakunin queiremos realizar adiante.

1. A Origem do Estado Moder-

no: reforma protestante e revo-lução francesa.

Bakunin em uma conferênciadada aos operários do Vale Saint-Immier, traça dois acontecimentospara demarcar as origens do Estado-Moderno, Nacional e Burguês:

“Dos hechos históricos,dos revoluciones memorableshabían constituido lo quellamamos el mundo moderno,el mundo de la civilización bur-guesa. Uno, conocido bajo elnombre de Reforma, alcomienzo del siglo XVI, habíaroto la clave de la bóveda deledifico feudal, la omnipotenciade la iglesia; al destruir ese po-der preparo la ruina del poderíoindependiente y casi absolutode los señores feudales que,bendecidos y protegidos por laiglesia, como los reyes y amenudo también contra losreyes, hacían proceder direc-tamente de la gracia divina; ypor eso mismo dio un impulsonuevo a la emancipación de laclase burguesa, lentamentepreparada, a su vez, durantelos dos siglos que habían pre-cedido a esa revolución religio-sa, por el desenvolvimientosucesivo de las libertadescomunales y por el del comer-cio y de la industria, que habíansido al mismo tiempo lacondición y la consecuencianecesaria.” (Bakunin, Confe-rência, p. 1)Nesse sentido, a reforma pro-

testante criou as condições necessá-rias para a derrocada do feudalismoe declínio do poder da Igreja. O de-senvolvimento comercial nos séculosXIV e XV teriam exatamente possibili-

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tado as condições econômicas e so-ciais da reforma, que foram seucorolário político e ideológico e aomesmo tempo expressão final dessastransformações.

E Bakunin complementa:“De esa revolución surgió un

nuevo poder, que todavía no era elde la burguesía, sino el del Estadomonárquico constitucional y aristo-crático en Inglaterra, monárquico,absoluto, nobiliario, militar, burocráti-co sobre todo en el continente deEuropa, a no ser dos pequeñasrepublicas, Suiza y los Países Bajos.(…) Examinemos las relaciones de lasclases, la situación política y social,después de la Reforma. “ (Ibid)

Dessa forma vemos que a re-forma protestante e religiosa, é o mar-co do surgimento de um novo po-der e de um novo sistema político; opoder do Estado – constitucional eabsoluto – e de um sistema de Esta-dos em toda a Europa. Esse novopoder que surgiu é exatamente o doestatismo.

Na realidade, a reforma religiosa doséculo XVI tem um duplo efeito: rea-liza um deslocamento do podereconômico, do poder político e da pró-pria forma de legitimação do poder,de maneira que surgem outras teori-as de legitimação da autoridade. AIgreja e os sacerdotes eram os “ver-dadeiros senhores da terra e os direi-tos dos reis e imperadores derivavamdo consentimento da Igreja”. A lutados Estado contra a Igreja caracteri-zou o final da idade média:

“La Reforma puso un termino aesa lucha al proclamar laindependencia de los Estados. Elderecho del soberano fue reconocidocomo procedente inmediatamente deDios, sin la intervención del Papa yde cualquier otro sacerdote, y natu-ralmente, gracias a ese origen celes-te, fue declarado absoluto. Es asícomo sobre las ruinas del despotis-mo de la Iglesia fue levantado el edificiodespotismo monárquico. La iglesia,después de haber sido ama, seconvirtió en sirviente del Estado, ensu instrumento de gobierno en ma-nos del monarca.” (Ibid)

Dessa maneira, a emergência donovo poder se caracteriza por umainversão e mudança das relações

institucionais da idade média: o Esta-do deixa de ser um instrumento daIgreja e esta passa a ser um instru-mento do Estado. A teoria do direitodivino dos reis quebra a antiga medi-ação do papado e do clero e fundaassim a autonomia do Estado e dálegitimidade ao absolutismo. Aredefinição do papel da Igreja e dosEstados, o deslocamento do poderdo clero para a nobreza real, indicamudança nas relações de classe.

O Estado, o estatismo, surge as-sim das ruínas da feudalidade, reali-zando ao mesmo tempo a centraliza-ção política na figura do rei einstitucionalizando a doutrina do ab-solutismo que se torna o fundamen-to do Estado Monárquico, primeiraforma de manifestação do estatismo.Ao mesmo tempo surge uma razãode Estado e um culto do Estado, quelegitima tal processo. Mas essa trans-formação e deslocamento de pode-res não se encerram com a reformareligiosa, mas outros processos eacontecimentos seriam fundamen-tais, especialmente a mudança nasrelações de classe que afetariam opróprio desenvolvimento do“estatismo” enquanto força históri-ca.

2. O “caráter de classe” parti-cular do Estado-Moderno

Como conseqüência direta da re-forma religiosa e da centralização doEstado, mudanças ocorreram nas re-lações de classe e fundamentalmen-te, uma absorção dos antigos senho-res e nobreza feudais como funcio-nários dentro da burocracia estatal.“Todas las funciones militares y civilesdel Estado, a excepción de las me-nos importantes, fueron ocupadaspor nobles. Las cortes de los grandesy las de los mas pequeños monarcasde Europa se llenaron con ellos. Losmás grandes señores feudales (…) setransformaron en los criados titularesde los soberanos”. (Id., p.2)

Logo, o deslocamento de pode-res não implicou no desaparecimen-to dos estratos dominantes do feu-dalismo, mas sim na sua inserção su-bordinada dentro do novo poder quese formava, digamos que houve umanova hierarquização da nobreza den-tro do Estado Moderno. Além disso,

a emergência da autonomia do Esta-do Moderno transformou também opapel da burguesia.

“Por la Reforma, la burguesía sehabía visto completamente libertadade la tiranía y del saqueo de losseñores feudales, en tanto que ban-didos o saqueadores independientesy privados; pero se vio entregada auna nueva tiranía y a un nuevosaqueo y en lo sucesivo regulariza-dos, bajo el nombre de impuestosordinarios y extraordinarios del Esta-do (…) Esa transición del despojo feu-dal al despojo mucho más regular ymucho mas sistemático del Estadopareció satisfacer primero a la clasemedia. Hay que conceder que fueprimero para ella un verdadero alivioen su situación económica y social.Pero el apetito acude comiendo, diceel proverbio. Los impuestos del Esta-do, al principio tan modestos,aumentaron cada año en unaproporción inquietante, pero no tanformidable, sin embargo, como en losEstados monárquicos de nuestrosdías. (Ibid).

Nesse sentido, a redefinição do pa-pel da burguesia – categoria socialexistente desde período do feudalis-mo, se dá pela sua emancipação re-lativa do jugo do senhor feudal e suasubordinação ao Estado centralizadoe ao Rei. Além disso, certas liberda-des políticas antes concedidas à bur-guesia foram eliminadas. Antes daReforma Religiosa, a Burguesia era aaliada “preferencial” dos Reis e doEstado na sua luta contra a Igreja eos senhores feudais (nobreza), masdepois da reforma a burguesia per-deu essa sua “função” e teve váriosbenefícios anteriormente concedidospelo monarca, eliminados. Assim, aBurguesia foi colocada numa condi-ção de inferioridade quando compa-rada com os estratos da nobreza edo clero, que ocuparam os postos daadministração do Estado. O poder deEstado estava então associado a umaclasse nobiliárquica e clerical.

Nessa nova configuração das re-lações de poder, a burguesia, ocampesinato e os trabalhadores ur-banos ocupavam uma posição desubalternidade na estrutura de clas-ses da sociedade. Surge paralelamen-te uma “moral de estado”, que colo-

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Intervenção do Estado na Greve da CSN de 1988

ca o Estado como “fim” das açõesdos súditos.

Essa estrutura de classes queacompanhou a emergência do Esta-do Moderno engendrou então umacontradição de interesses entre a bur-guesia, o proletariado e ocampesinato de um lado, e a nobre-za e o clero de outro lado. A revolu-ção francesa marcaria então umaoutra etapa no desenvolvimento doestatismo e que daria sua forma defi-nitiva.

“Los dos siglos que separan a lasluchas de la Reforma religiosa de lasde la gran Revolución fueron la edadheroica de la burguesía. Convertidaen poderosa por la riqueza y lainteligencia, atacó audazmente todaslas instituciones respetadas por laiglesia y del Estado. Minó todo,primero, por la literatura y por la criti-ca filosófica; mas tarde lo derribo todopor la rebelión franca. Es ella la quehizo la revolución de 1789-1793. Sinduda no pudo hacerlo más quesirviéndose de la fuerza popular.; perofue la que organizó esa fuerza y ladirigió contra la iglesia, contra la rea-leza y contra la nobleza. Fue ella la quepensó y tomó la iniciativa de todoslos movimientos que ejecutó elpueblo. La burguesía tenía fe en símisma, se sentía poderosa porquesabía que tras ella, con ella, tenía alpueblo.” (Id., p.5).

A burguesia cumpriria seu papelrevolucionário graças a sua aliançanecessária com o campesinato e aplebe operária. A burguesia atuou en-quanto força dirigente do movimen-

to popular. Entretanto, segundoBakunin, a contradição econômicaentre a burguesia e os trabalhadoresficando ocultada temporariamentepor uma série de fatores.

“Os dije la última vez cómo laburguesía, sin tener completamenteconciencia de sí misma, pero en par-te también y al menos en una cuartaparte, conscientemente, se ha servi-do del brazo poderoso del pueblodurante la gran revolución de 1789-1793 para asentar su propio podersobre las ruinas del mundo feudal.Desde entonces se ha convertido enla clase dominante. Erróneamente seimagina que fueron la nobleza emigra-da y los sacerdotes los que dieron elgolpe de Estado reaccionario determidor, que derribó y mato aRobespierre y a Saint Just y queguillotinó y deporto a una multitud desus partidarios.” (Id., p.11).

A revolução francesa marca senãoa completa ascensão da burguesia acondição de classe dominante, pelomenos a irreversibilidade do proces-so de Ascenso da burguesia a condi-ção de classe dominante. Mas seriasomente no século XIX que tal domí-nio burguês se consolidaria na maiorparte dos países da Europa.

“De 1830 data verdaderamente ladominación exclusiva de los interesesy de la política burguesa en Europa,sobre todo en Francia, en Inglaterra,en Bélgica, en Holanda y en Suiza. Enotros países, tales como Alemania, Di-namarca, Suecia, Italia y España, losintereses burgueses habían prevale-cido sobre todos los demás, pero no

el gobierno político burgués. (Id.,p.13).

Do ponto de vista das ideologiase mentalidades, o domínio burguês seexpressa sob uma nova forma depensamento: o individualismo literá-rio, político e econômico. A “teoria docontrato social” e da competição en-tre os indivíduos, e toda a teoria dosfilósofos liberais irá coroar esse domí-nio político. Num certo sentido, é porisso que Bakunin identifica a teoria in-dividualista dos contratualistas comoteoria essencialmente estatista (verFederalismo, Socialismo e Anti-teologismo).

Um elemento fundamental entãoé que o Estado Moderno, nacional,centralizado, estaria associado a umaestrutura de classes caracterizadapela exploração do trabalho e pelaprofunda desigualdade econômico-social, e pelo seu desenvolvimentoburguês. Seja na primeira fase histó-rica de desenvolvimento doestatismo, entre os séculos XV-XVII,seja na segunda, entre XVIII e XIX,seja sob a exploração do campesinatopela nobreza, ou do proletariado pelaburguesia, o que caracteriza oestatismo é sua tendência de garan-tir e se viabilizar pela exploração dotrabalho. Nesse sentido, é precisoapresentar a relação do estatismocom a economia.

3. A Relação com a “Econo-mia”: expansão marítima e re-pressão da força de trabalho.

A relação do desenvolvimento doEstado com a economia será analisa-da por Bakunin em seu livro“Estatismo e Anarquia” em que ficanítido que o estatismo estaria articu-lado com o capital, e dialeticamente,o capital ao estatismo. Essa articula-ção teria uma materialização históri-ca particular, de maneira que o Esta-do Burguês, amparado no capitalmonopolista, seria a forma mais aca-bada do estatismo.

“Esta reação nada mais é senão arealização acabada do conceito anti-popular do Estado moderno, o qualtem por único objetivo a organiza-ção, na mais vasta escala, da explo-ração do trabalho, em proveito do ca-pital, concentrada em pouquíssimasmãos (...) A indústria capitalista e a

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especulação bancária modernas ne-cessitam, para se desenvolverem emtoda a amplitude desejada, destasgrandes centralizações estatais, que,sozinhas, são capazes de submeter àsua exploração os milhões e milhõesde proletários da massa popular.”(Bakunin, 2003, p. 35).

Nesse sentido, existe uma dialéticageral entre economia e política, euma dialética mais particular entre atendência centralizadora dos poderesdo Estado moderno, o autoritarismo,com a tendência de centralizaçãomonopólica de capitais na grande in-dústria em grandes bancos e grandesempresas industriais. Há uma corres-pondência entre centralização depoderes e concentração de capi-tais.

“...a sociedade só pode constituir epermanecer um Estado se ela se trans-forma em Estado conquistador. A mes-ma concorrência que, no planoeconômico, esmaga e devora os pe-quenos e até mesmo os médios capi-tais, estabelecimentos industriais e pro-priedades fundiárias e casas de comér-cio, esmaga e devora os pequenos emédios Estados, em proveito dos Im-périos. Doravante, todo Estado quenão se contentar em existir no papel epela graça de seus vizinhos, pelo tem-po que estes quiserem tolerar, mas de-sejar ser um Estado real, soberano, in-dependente, deve ser necessariamen-te um Estado conquistador”. (Id., p.35).

Um outro elemento fundamentaldessa dialética entre economia capita-lista e estatismo é a concorrência quepreside também as relações internaci-onais entre os Estados. Dessa manei-ra a tendência é a formação de umahierarquização de “Estados” e a trans-formação dos pequenos e médios Es-tados em Satélites do Império (do Es-tado moderno hegemônico numa de-terminada configuração histórica, damesma forma que na economia a con-corrência leva ao monopólio).

O livro “Estatismo e Anarquia” é de-dicado à análise da formação de umanova hegemonia na Europa, com aqueda do poderio do Estado francêse a disputa entre Rússia e Alemanhapara a ocupação do lugar de “potên-cia maior” no continente. Bakunin pre-vê que a Alemanha estava se consti-

tuindo na realidade no único Estadosoberano da Europa, e num certosentido, num protótipo daquilo quese poderia chamar de estatismo. Acompetição entre os Estados, ali-mentadas pela lógica da economiacapitalista, levaria então a formaçãoda supremacia do Império, queseria um outro elemento componen-te da idéia do estatismo. A repres-são e controle da força de trabalhoé assim um dos principais papeiseconômico do Estado moderno.

Mas o principal desdobramentodessa articulação e lógica de concor-rência entre os Estados está na rela-ção de controle não somente dosterritórios e da força de trabalho (po-pulação), mas dos mares e portos enavegação comercial.

“É um axioma bem conhecidoque nenhum Estado pode elevar-seao nível de grande potencia, se nãopossuir vastas fronteiras marítimas,que lhe assegurem comunicaçõesdiretas com o mundo inteiro e lhepermitam tomar parte, sem interme-diário, na evolução do mundo, tan-to material quanto no plano social,político e moral. (...) A estas condi-ções vêm-se somar, por necessida-de, a navegação e o comércio marí-timo, porque as comunicações pelomar, em razão de seu baixo custorelativo, se sua rapidez, assim comode sua liberdade, uma vez que o marnão pertence a ninguém, são supe-riores a todos os meios de comuni-cação conhecidos, inclusive, é evi-dente, as ferrovias. Pode acontecerque um dia a navegação área se re-vele ainda mais cômoda sob todosos aspectos e adquira uma impor-tância particular (...) A Roma Antigasó foi um estado poderoso, mundi-al, a partir do momento em que setornou um Estado marítimo” (Id.,pp. 118-119).

Nesse sentido, o controle de ter-ritórios estratégicos, vitais para aexistência do Estado, se definemtambém pelas necessidades e impo-sições do comercio exterior, realiza-do – até hoje – fundamentalmenteatravés da marinha mercante, ape-sar da importância adquirida pela na-vegação aérea. Logo, o controle docomplexo território/mares/portos/rotas comerciais se torna um com-

ponente econômico essencial do Es-tado Moderno, que constitui partefundamental do seu poderio. A análi-se de Bakunin do Ascenso da Alema-nha no século XIX mostra sua buscaincessante por se tornar hegemônicano mar Báltico, neutralizando aRússia, e como o poderio da Ingla-terra estava associado exatamenteao desenvolvimento de uma marinhamercante e o controle de rotas co-merciais. Assim, a propensão ao do-mínio dos Impérios, levava que essesimpérios se tornassem também ma-rítimos, no sentido do controle dasrotas comerciais marítimas.

Assim, a relação orgânica edialética do estatismo com a eco-nomia capitalista, dada a partir darepressão da força de trabalho, mastambém e especialmente pelo contro-le das rotas marítimas e comerciais,fazendo do Estado não somente umaunidade territorial, mas também, ul-tramarina. Essa então é uma outracaracterística do estatismo, desen-volvido sob a égide do Estado Mo-derno e sob impulso da economia ca-pitalistas.

“Eis o resultado inevitável do sis-tema capitalista de monopólios, que,em todos os lugares, e sempre,acompanha os progressos e a expan-são da centralização estatista. O ca-pital privilegiado e concentrado empouquíssimas mãos tornou-se, pode-se dizer hoje, a alma de todo Estado(...), que , financiado por ele e por eleapenas, lhe assegura em retorno odireito ilimitado de explorar o traba-lho de todo o povo.” (Id, p. 228).

Mas além dessa relação com eco-nomia, Bakunin aponta ainda para fa-tores internos ao próprio Estado, tan-to da sua constituição interna quan-to da sua forma (forma de governoou regime político) que são funda-mentais para o desenvolvimento doestatismo. São estes fatores que ire-mos analisar.

4. A Centralização Burocráti-co-Militar e o caráter secundáriodas “Formas do Estado”

Para entender as tendênciasverificadas dentro no desenvolvimen-to do Estado, é preciso identificar qualé o seu princípio e quais as condiçõesde sua existência num sistema inter-

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nacional de Estados. O Estado-Naci-onal é necessariamente conquistador.O “Império” é o Estado-Nacionalhegemônico em relação os demais nosistema de Estados, aquele que de-tém a supremacia política e militar.

Um elemento fundamental doestatismo é sua tendência militaristae conquistadora. Dessa maneira, a vi-olência, a autoridade e a força, sãoos principais mecanismos de opera-ção e de constituição dos Estados.

“O Estado moderno, por sua es-sência e pelos objetivos que se fixa, épor força um Estado militar, e um Es-tado militar está condenado, não me-nos obrigatoriamente, a se tornar umEstado conquistador; se ele próprionão se lançar à conquista, será con-quistado, pela simples razão de portoda parte onde q força existe, é pre-ciso que ela se mostra ou aja.... o Es-tado moderno, militar por necessida-de, traz em si a irresistível aspiração atornar-se um Estado universal; masum Estado universal, sem duvida qui-mérico, só poderia em todo caso serúnico (...) A hegemonia nada mais ésenão a manifestação tímida e possí-vel desta aspiração quimérica ineren-te a todo o Estado; a impotência re-lativa ou pelo menos a sujeição de to-dos os Estados vizinhos, é a condi-ção primeira da hegemonia. Assim,enquanto durou a hegemonia daFrança, teve como condição a impo-tência nacional da Espanha, da Itáliae Alemanha...” (Id, pp. 36-37).

Daí decorre que “ser um Estadoconquistador, significa manter subju-gados pela violência muitos milhõesde indivíduos de uma nação estran-geira”, “significa o sacrifício da liber-dade e bem estar do povo trabalha-dor” (Id, pp. 66-67). Nesse sentido,a violência se torna o principal instru-mento de uma dominação simul-taneamente nacional e de classe.

Poderíamos dizer ainda que a idéiado Estado Universal, o “Império”, éuma outra forma da ideologia estatistade legitimação do Estado. E dizer queda mesma maneira que acontece nasrelações internas de uma sociedadeo Estado serve para apresentar os in-teresses da classe burguesa como osinteresses de toda a sociedade, pormeio do Império uma burguesia par-ticular apresenta os seus interesses

como os interesses de toda a huma-nidade. A doutrina imperialista norte-americana da “democracia como va-lor universal” no inicio do século XXIé um perfeito exemplo da manifesta-ção atual dessa tendência.

E aqui chegamos a uma outra ca-racterização decisiva do Estado Mo-derno: a tendência ao desenvolvimen-to da polícia e do exército permanen-tes, de um lado, e da burocracia, deoutros. E isso está relacionado aos ins-trumentos de Estado, identificadospor Bakunin:

“Para exercer eficazmente os po-deres de Estado, é preciso ter emmãos uma potencia, não fictícia, masreal; é preciso ter a plena disposiçãode todos os instrumentos de Estado.Quais são esses instrumentos? Primei-ramente, um exército numeroso,bem organizado, armado, disciplina-do e alimentado, e sobretudo bemdirigido. Logo, um pressuposto bemequilibrado, bem administrado e rico,um credito capaz de bastar a todosos gastos extraordinários que se fize-rem necessários pela situação parti-cular do país. Enfim, uma administra-ção honesta, abnegada, inteligente eativa.” (Bakunin, 1980, p. 268).

Ou seja, o desenvolvimento da“burocracia” ou da administração erauma exigência do processo de desen-volvimento do Estado, que para serforte, precisa fortalecer seus instru-mentos administrativos, policiais-mili-tares e também o seu orçamento. Odesenvolvimento da repressão e bu-rocracia são assim os pilares do de-senvolvimento do estatismo.

A Democracia torna-se a FormaPreferencial do “Estado” para dar le-gitimidade à exploração e domina-ção. A tendência da “Democracia” sera forma acabada do “estatismo” querecobre a centralização e a violência.

Nesse sentido, quando considera-mos o desenvolvimento do Estadopelos seus aspectos principais – oprincipio do Estado e seus instrumen-tos – vemos que na realidade a “for-ma” do Estado (regime ou forma degoverno) são importantes, mas se-cundárias em uma série de sentidos.Essa apreciação de Bakunin acerca daforma do Estado se encontra disper-sa em alguns dos seus principais livros(“Cartas a um Francês”, “O Império

Knuto-Germânico” e “A Situação Po-lítica da França”). O primeiro argu-mento para sustentar o caráter se-cundário da forma do Estado diz res-peito a sua relação com economiacapitalista, já que:

“O ideal dos burgueses é em to-das as partes invariavelmente o mes-mo: o sistema representativo liberal,constituído em monarquia constitu-cional ou ainda em republica federal,como nos EUA e Suíça; isto é, nome-ando as coisas por seu nome, a liber-dade política real para as classes po-derosas, fictícia para as massas po-pulares e fundada sob a subordina-ção econômica destas últimas” (Id.,p. 293).

Mas não podemos nos enganar,supondo que o argumento se reduza sua dimensão econômica. Na reali-dade, diz respeito também ao proble-ma da eficácia e das necessidades in-ternas da dominação estatal:

“... a indústria capitalista e a espe-culação bancária acomodam-se mui-to bem com a democracia dita repre-sentativa, pois esta estrutura moder-na do Estado, fundada na pseudo-soberania da psudovontade do povo,pretensamente expressa por falsosrepresentantes do povo em pseudo-assembléias populares, reúne as duascondições previas que lhes são ne-cessárias para atingir seus fins, isto é,a centralização estatal e a sujeiçãoefetiva do povo soberano à minoriaintelectual que o governa...”(Bakunin, 2003, p. 36).

Nesse sentido, a democracia re-presentativa mantém a concentra-ção de poder decisório, da autorida-de, verificadas nas grandes monar-quias e impérios. E mais, como qual-quer outro Estado, os Estados De-mocráticos precisam fortalecer atra-vés do exército e da administração,ampliando-os de acordo com suacapacidade e posição no sistema in-ternacional de Estados. Quanto mai-or a posição hierárquica, mais a de-mocracia pode se ajustar a regimesde acumulação capitalista e ao mes-mo tempo ao mil itar ismo eautoritarismo.

De outro lado, a própria luta declasses determina o valor – relativo –e não absoluto da democracia para aburguesia:

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“Logo que as aspirações e as idéi-as contrárias começam a penetrarnas massas (...) O liberalismo políticodos burgueses desaparece e não fal-tando em si mesmo os meios nem aforça para reprimir as massas, imo-lando-se em beneficio da conserva-ção dos interesses econômicos daburguesia, deixo o posto a ditaduramilitar” (Bakunin, 1980, p.293).

Isto porque, a análise do EstadoModerno ignora o estatismo comoum conjunto de tendências políticase organizacionais, como expostas an-teriormente:

“Ignoram que o despotismo nãoestá tanto na forma do Estado ou dopoder, como no principio do Estadoe do poder político, e que, por con-seguinte, o Estado republicano deveser tão despótico como o Estado go-vernado por um Imperador ou porum Rei” (Bakunin_2, 1980, p. 95).

Assim, há uma tendência ao au-mento progressivo e contínuo dacentralização estatal, autoritária,burorático-militarista, da extensão dostrabalhadores improdutivos que em-prega, das forças armadas, do milita-rismo e da repressão policial, indepen-dentemente da forma do Estado –monárquica ou republicana, demo-cracia ou ditadura. E para a burgue-sia, a opção entre democracia e dita-dura é condicionada pela possibilida-de maior ou menor de eclosão da re-volução social. Quer dizer, a analise daforma do Estado tem de ser realizadasempre em face do estágio em quese encontra a luta de classes.

Para concluir, devemos compre-ender que o conceito de estatismodesigna um processo: o de exten-são do Estado e formação de uma“razão do Estado” e de diversas dou-trinas de sua legitimação (teoria dodireito divino dos reis, contratualismo,nacionalismo). O conceito deestatismo supõe uma análise histó-rica em que o Estado Moderno ante-cede a formação do capitalismo, e atomada deste Estado pela Burguesiaconsolida a transformação econômicacapitalista da sociedade feudal. Poroutro lado e dialeticamente, este Es-tado Moderno surgido da reformaprotestante, Estado emancipado daIgreja e que a subordinou, foi condi-cionado pelas mudanças econômicas

e sociais, como as transformações dofeudalismo, expansão comercial, queantecederam e possibilitaram a refor-ma religiosa.

Enquanto etapa histórica, a idéiade estatismo recobre duas tendênci-as distintas; em primeiro lugar, e demaneira fundamental, a relação decorrespondência ou dialética entrecentralização estatal e monopolismoeconômico, de maneira que uma ali-menta e reforça a outra. É impossívelentão pensar o estatismo sem pen-sar o aumento das taxas de explora-ção e das formas de extração de maisvalia absoluta. Ao mesmo tempo, essadialética centralização/monopólio éexpressão e conseqüência do caráterque o Estado Moderno assumiu como desenvolvimento do estatismo, ouseja, um caráter burguês (apesar deque nas suas primeiras manifesta-ções, houve um “estatismo” relacio-nado a uma classe dominantenobiliárquica e clerical).

Decorre desse caráter burguês doEstado capitalista e da economia, queo próprio sistema de Estados se pau-te numa competição entre os Esta-dos pela hegemonia, e mesmo pelasupremacia, que caberá sempre aoEstado mais vasto, que conseguircontrolar territórios(comércio exteri-or), mares e povos. A centralizaçãode poderes no Estado levará tambémno sistema de Estados a uma centra-lização de maiores poderes nos mai-ores Estados, que assumirão então aforma de Impérios – que se torna oconceito para exprimir e descreverEstados que são potências militares egeopolíticas. O Império é um tipo par-ticular de Estado que consegue ahegemonia numa região e que dispu-ta a supremacia no sistema mundialde Estados. O desenvolvimento doestatismo sempre leva a formação, nosistema internacional de Estados, pelalógica de competição e conquista quelhe é inerente, de um Império que de-tém a supremacia sobre outros Im-périos e Estados rivais1.

Por fim, existe uma outra formu-lação associada à noção de estatismo,e que num certo sentido contraria al-gumas formulações clássicas sobre oEstado2. A forma do Estado que ten-deria a melhor se ajustar ao desen-volvimento do estatismo seria a De-

mocracia, que não elimina nem ocaráter centralizador, nem policial-mi-litar, nem conquistador do Estadomoderno em sua foua quistador doEstado moderno em f, nemtatismoseria a drma capitalista.

Ao mesmo tempo, existe uma di-nâmica entre Democracia e Ditaduraque é determinada pela luta de clas-ses e pela revolta e resistência políti-ca do proletariado. A Ditadura Militarse apresenta como fórmula mais ade-quada para resolver as contradiçõesde classe numa determinada situaçãohistórica, mas a Democracia se colo-ca como forma mais adequada aomonopólio e a centralização. Oestatismo tem uma tendência deapresentar-se em sua forma moder-na e burguesa, pela forma de Demo-cracia, o que não elimina nenhumdos traços característicos e essenci-ais do estatismo definidos acima. ADitadura é sempre um dispositivo es-tratégico sacado de acordo com aluta de classes. Enfim, a forma doEstado é secundária em relação aostraços essenciais do estatismo, queaumentam a centralização e omonopolismo graças e através daDemocracia, e não contra ela.

O conceito de estatismo pode serassim empregado para análise dastransformações políticas, mas espe-cialmente a dinâmica política das so-ciedades capitalistas, apreendendo astendências que surgem de proces-sos aparentemente contraditórios dedisputa entre os Estados e de forma-ção de hegemonias.

_______Notas:

1 A analítica histórica de Bakunin vêna formação de um “Império Knuto-Germanico” exatamente a expressãodessa lógica. A supremacia da Fran-ça na Europa sucedida pela da Ale-manha marca exatamente essa ten-dência ao estabelecimento do domí-nio de um Império, e subordinaçãodos demais Estados vizinhos.2 Especialmente a de que a Demo-cracia é uma salvaguarda a centra-lização de poderes e bens,correspondendo idealmente a socie-dade baseada numa classe média, ouseja, sem grandes podereseconômicos.

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- Uma revista de teoria Anarquista 31

Forças Coletivas eClasses Sociais:o funcionamento da economia e

sociedade.

Uma das designações adotadas porBakunin e pelos membros da Aliança dosSocialistas Revolucionários era a de“coletivistas” (citar Netlau). Essa desig-nação dever ser remetida tanto ao mé-todo sociológico que toma a noção deexperiência coletiva como base daanálise cientifica, quanto a um outroconceito, que está relacionado à teoriageral da sociedade e da economia: éo conceito de “força coletiva” que éempregado em alguns textos deBakunin e que foi formulado teori-camente por Proudhon. A idéia deforça coletiva está associada à de-finição de uma análise das classessociais e das suas relações.

O coletivismo não é então so-mente um posicionamentoprogramático favorável à proprieda-de coletiva, como muitos autoresreconhecem, mas remete a umateoria acerca do funcionamento daeconomia e sociedade, das suasbases coletivas em contraposição as análises individualistas e seus fun-damentos cognitivos. Sem partir dessateoria, é impossível compreender ouassumir integralmente o programacoletivista.

A idéia de força coletiva, nesse sen-tido, se liga a própria caracterização dasociedade capitalista, baseada na pro-priedade privada do capital, que engen-dra as relações de exploração do tra-balho, trabalho realizado especialmen-te sob a forma de forças coletivas.

Faremos agora uma recuperaçãodas principais análises de Bakunin so-bre a economia capitalista e a proprie-dade privada, para determinar as prin-cipais teses e conceitos que se articu-lam com sua teoria do estatismo, des-crita anteriormente.

1 – “Liberdade e Igualdade” sobo capitalismo: crítica da proprieda-de privada e da exploração do tra-balho.

O texto de Bakunin utilizado aqui é

um Manuscrito divulgado sob o titulo de“O Sistema Capitalista”. O texto se de-dica a analisar e fazer a crítica do pen-samento burguês e das noções de “li-berdade e igualdade” aplicadas às re-lações de classe (no caso dentro do sis-tema capitalista, a burguesia e o prole-tariado). A critica do descompasso en-tre a ordem legal burguesa e a ordemsocial burguesa é o ponto de partida da

análise econômica. O argumento entãoé direcionado a critica da visão liberal,de que considera a existência da “liber-dade e igualdade” de condições nas re-lações entre capitalistas e trabalhado-res na sociedade moderna.

Dentro da sua critica, o primeiro fatoa ser identificado como central porBakunin para questionar a existência daigualdade e liberdade, é existência dapropriedade privada capitalista:

“O que é a propriedade, o que é ocapital na sua presente forma? Para ocapitalista e o proprietário ela significao poder e o direito, garantido pelo Es-tado, de viver sem trabalhar. E desdeque nem a propriedade nem o capitalproduzem nada quando não fertilizadospelo trabalho – significa o direito e opoder de explorar o trabalho de todos,o direito de explorar o trabalho daque-les que nem possuem propriedade nemcapital e que desse modo são forçadosa vender sua força produtiva aos donos

de ambos. Notemos que eu deixei deconsiderar a seguinte questão: de quemaneira a propriedade e o capital caí-ram nas mãos dos presentes proprie-tários? Esta é uma questão que, quan-do considerada do ponto de vista dahistória, lógica e justiça, não pode serrespondida em qualquer outro modoalém do que serviria como uma acusa-ção contra os proprietários. Eu me res-

tringirei aqui à afirmação de que pro-prietários e capitalistas, visto quecomo eles vivem não pelo seu tra-balho produtivo mas de extrair ren-da da terra, alugueis, no interessede seu capital, ou pela especulaçãosobre a terra, edifícios e capital, oupela exploração comercial e indus-trial do trabalho manual do proleta-riado, todos vivem as expensas doproletariado (especulação e explora-ção sem duvida constituem um tipode trabalho, porém um trabalho im-produtivo).” (Bakunin, ManuscritoSistema Capitalista).

Aqui vemos que a existência dapropriedade privada confere o “podere o direito (legal)” de viver da explo-ração do trabalho daqueles que nãosão proprietários nem capitalistas e sãoforçados a vender sua força produtiva.Do ponto do vista metodológico, a criti-ca aborda a questão apenas da óticada lógica interna gerada pela existên-cia da propriedade privada, deixando delado o problema histórico da origem dapropriedade privada. É importante ob-servar que Bakunin associa a proprie-dade privada capitalista enquanto fatoeconômico ao fato jurídico-político, queconsagra e estabelece as relações an-teriores.

Nesse texto f ica nít ido umposicionamento teórico assumido porBakunin na polemica existente econo-mistas, e que se relaciona a origem dopróprio socialismo como corrente depensamento: ele assume a teoria dovalor trabalho, ou seja, de que a ori-gem do valor está no trabalho e não na

Greve dos mineiros Franceses de 1906

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32 Nº1- Maio de 2009

“utilidade” de um determinado produ-to. Isso tem uma série de implicações.A principal é que sendo o trabalho ofator gerador do valor, o capital torna-se apenas “valor acumulado” e sendofator determinado e não determinante.As atividades dos burgueses são defi-nidas como um tipo particular de tra-balho, o trabalho “improdutivo” que di-ferencia a atividade dos capitalistas dasatividades do proletariado.

Bakunin faz uma critica dos princípi-os básicos da sociedade burguesa mo-derna: a igualdade e liberdade. Ele con-fronta esses princípios liberais e repu-blicanos com a organização econômicabaseada na exploração do trabalho,para tentar determinar se essa liber-dade e igualdade são realmentefactíveis de um ponto de vista prole-tário.

Da ótica econômica e sociológicaassumida por Bakunin, ele afirma queessas idéias de “liberdade e igualda-de” não expressam relações concre-tas:

“Deixe-nos mesmo supor, comoestá sendo sustentado pelos econo-mistas burgueses e com eles por to-dos os legisladores, todos osadoradores e crentes no direito jurí-dico, todos os padres do código civile criminal – deixe-nos supor que esterelacionamento entre o explorador eo explorado é completamente legíti-mo, que é a inevitável conseqüência,o produto de uma eterna eindestrutível lei social, todavia serásempre verdade que a exploração im-possibilita a igualdade e afraternidade. Sem dizer que ela im-possibilita a igualdade econômica. Su-ponha que eu sou seu trabalhador evocê é meu empregador. Se eu ofe-reço o meu trabalho ao mais baixo pre-ço, se eu consinto que você viva do meutrabalho, não é certamente porfraternidade ou devoção a você. E ne-nhum economista burguês nos desafi-aria a dizer que era porém seu raciocí-nio torna-se ingênuo e idílico quandoeles começa a de falar de afeições re-cíprocas e relações mútuas que existi-riam entre empregados e empregado-res. Não, eu faço isso porque minha eeu morreríamos de fome se eu não tra-balhasse para um empregador. Dessemodo, eu sou forçado a vender a vocêmeu trabalho ao menos preço possível,e eu sou forçado a fazer isso pela ame-aça da fome”. (Bakunin, ManuscritoSistema Capitalista).

Acima vemos que na base da rela-ção de exploração está a “pressão ma-terial”, e nesse sentido a relação de ex-

ploração do “trabalho livre” é baseadana coação e no medo que a existênciadessa diferenciação básica e elemen-tar em proprietários do capital e tra-balhadores vendedores da força detrabalho engendram. A fome, enquantopressão material e natural opera emfavor dessa relação social de explora-ção, e para Bakunin a coação materialé o principal elemento dessa organiza-ção econômica1 .

A coação estabelecida então anula-ria a idéia do “trabalho livre”, pois exis-tia um diferencial de poder estruturalentre trabalhadores e capitalistas quenão desapareceria dentro do mercadoem razão da leia abstrata e formal daoferta e da demanda, como vemos:

“Porém – os economistas dizem-nos– os proprietários, os capitalistas, osempregadores são do mesmo modo for-çados a procurar e comprar o trabalhodo proletariado. Todavia, é verdade,eles são forçados a fazer isso, porémnão na mesma medida. Tinha havidoigualdade entre aqueles que oferecemseu trabalho e aqueles que compram,entre a necessidade de vender traba-lho à necessidade de comprá-lo, a es-cravidão e a miséria do proletariado nãoexistiriam. Porém então nem existiramcapitalistas, proprietários, nem prole-tariado, nem ricos, nem pobres: seri-am somente trabalhadores. É precisa-mente porque tal igualdade não existeque nós temos e somos limitados porexploradores.” (Bakunin, ManuscritoSistema Capitalista).

O trecho acima critica a noção de

igualdade “de mercado”, de que o capi-talista dependeria do “trabalhador” namesma medida em que o trabalhadordo capitalista. A dependência existenteentre trabalhadores e capitalistas nãoé recíproca, até porque os trabalhado-res são subordinados ao podereconômico do capitalista.

Essa igualdade “ideal” e “formal” en-tre capitalistas e trabalhadores indivi-duais é neutralizada pela lógica da eco-nomia capitalista, pela tendência ao mo-nopólio e a concentração de capital:

“Esta igualdade não existe porquena moderna sociedade onde a riquezaé produzida pela intervenção do capitalpagando salários ao trabalhador, o cres-cimento da população excede o cresci-

mento da produção, que resulta emque a oferta de trabalho supera ne-cessariamente a demanda e conduza relativa queda do nível de salários.A produção desse modo constituída,monopolizada, explorada pelo capi-tal burguês é empurrada de um ladopela competição mútua dos capita-listas para concentrar sempre maisnas mãos de um sempre diminutonúmero de poderosos capitalistas ounas mãos de empresas de estoque-comum que devido à fusão de seucapital, são mais poderosos que osmaiores capitalistas isolados. E oscapitalistas pequenos e médios, nãosendo capazes de produzir ao mes-mo preço como os grandes capitalis-tas, naturalmente sucumbem numaluta mortal). De outro lado, todas asempresas são forçadas pela mesmacompetição a vender seus produtosao preço mais baixo possível. Isto(monopólio capitalista) pode ater esteduplo resultado somente aoexmpulsar sempre crescente nume-

ro de pequenos e medios capitalistas,especuladores, mercadores ou indus-triais, dos mundo dos exploradores aomundo do proletariado explorado, e aomesmo tempo extrair sempre maioreseconomias dos salários do mesmo pro-letariado.

“De outro lado, a massa do proleta-riado, crescendo como um resultadogeral do aumento da população – que,como nos sabemos, nem mesmo a po-breza pode parar efetivamente – e atra-vés do aumento da proletarização dapequena-burguesia, ex-proprietarios,capitalistas, mercadores e industriais,crescendo como eu tenho dito, em umataxa muito mais rápida do que as capa-cidades produtivas de uma economiaque é explorada pelo capital burguês –esta massa crescente do proletariadoé localizada e uma condição onde os

Trabalhadoras em fábrica Chinesa

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- Uma revista de teoria Anarquista 33

trabalhadores são forçados a uma com-petição desastrosa uns com os outros.Desde que eles não possuem nenhumoutro meio de existência além de seupróprio trabalho manual, eles são leva-dos, pelo medo de verem-se substituí-dos por outros, a vendê-lo pelo menorpreço. Esta tendência dos trabalhado-res, ou ao contrário, a necessidade aque eles são condenados por sua pró-pria pobreza, combinada com a tendên-cia dos empregadores a vender os pro-dutos dos seus trabalhadores, e conse-qüentemente comprar seu trabalho, aomenor preço, constantemente reproduze consolida a pobreza do proletariado.Desde que ele encontra-se em um es-tado de pobreza, o trabalhador é com-pelido a vender seu trabalho por quasenada, e porque ele vende aquele pro-duto por quase nada, ele afunda-sesempre uma pobreza maior.” (Bakunin,Manuscrito Sistema Capitalista).

A “coação” engendrada por fatoresnaturais (como a fome) combina-se coma “coação” gerada por fatores sociais(como a competição entre proletáriosno mercado de trabalho). Isso é conse-qüência de uma tendência do cresci-mento populacional, associado à expan-são capital ista, que leva a umdesequilíbrio entre a taxa de ofertada força de trabalho e a taxa dedemanda de força de trabalho, queleva a diminuição progressiva da taxados salários.

De outro lado, a competição capita-lista leva a uma proletarização crescen-te de setores pequeno-burgueses e oaumento da competição gerado peloaumento da oferta, cria uma segundapressão depreciativa sobre os salários,que combinada com a primeira, leva aoaumento da pobreza. Podemos falarestabelece a tese de que na economiacapitalista, existe uma tendência a ta-xas crescentes de oferta de forçatrabalho e uma tendência decrescen-te da demanda da força de trabalho edos salários. Essa tendência dissolvecompletamente a idéia de “trabalho li-vre e igualdade” na economia capitalis-ta moderna2 .

Os demais argumentos demonstrama inexistência de relações de “liberda-de” entre as classes sociais, exatamentepor conseqüência da inexistência da“igualdade” na relação capital-trabalhono mercado. A ausência de liberdadedo trabalhador é produzida por meca-nismos especificamente econômicos:

“Se acontece algumas vezesque o trabalhador faz uma peque-na poupança, ela é rapidamenteconsumida pelos inevitáveis perío-

dos de desemprego que freqüentee cruelmente interrompem seu tra-balho, como também pelos aciden-tes imprevistos e doenças queatingem sua família. Os acidentese doenças que podem alcança-loconstituem um risco que faz todosos riscos do empregados nada com-parável; por que para o trabalha-dor as doenças podem destruir suahabilidade produtiva, sua força detrabalho. Sobretudo, a doença pro-longada é a mais terrível bancar-rota, uma bancarrota que significapara ele e seus filhos, fome e mor-te”. (Bakunin, Manuscrito SistemaCapitalista).

Vemos aqui que a coação se esta-belece também pelo processo de tra-balho, através dos ciclos de desempre-go, das doenças e acidentes de traba-lho, que constituem para o trabalhadoruma verdadeira camisa-de-força sócio-econômica. O desemprego é agravadopela impossibilidade de poupança, e es-ses fatores colocam o trabalhador numapermanente situação devulnerabilidade.

Essa imobilização ou aprisionamen-to econômico da força de trabalho écontraposta pela “liberdade do capital”.Liberdade de movimentação entre di-ferentes ramos da economia.

“Se, como uma conseqüência dascircunstancias particulares que constan-temente influenciam o mercado, o ramoda indústria em que ele primeiroplanejou aplicar seu capital não ofere-cem todas a vantagens que ele espera-va, então ele ira mudar seu capital paraqualquer lugar; desse modo o burguêscapitalista não é ligado por natureza aqualquer industria especifica, porém ten-de a investir (como é dito pelos econo-mistas – explorar é o que o nos dize-mos) indiferentemente em todas asindustrias possíveis. Deixe-nos supor, fi-nalmente, que aprendendo de algumaincapacidade ou infortúnio industrial, eledecide não investir em uma dada in-dústria; ele comprará estoques e anui-dades; e se o interesse e dividendosparecem insuficientes, então lê seengajará em alguma ocupação, ou nosdizemos, venderá seu trabalho por umtempo, mas em condições muito maislucrativas do que ele tinha oferecida aseus próprios trabalhadores.

O capitalista então vem ao mercadona capacidade, se não de um agenteabsolutamente livre, pelo menos de umagente infinitamente mais livre do queo trabalhador. O que acontece no mer-cado é uma reunião entre um (agente)dirigido pelo lucro e outro pela fome,

entre senhor e escravo. Juridicamenteeles são iguais: porém economicamenteeconomicamente o trabalhador é o ser-vo do capitalista, mesmo antes datransação de mercado ter sido concluí-da por meios de que o trabalhador ven-de sua pessoa e sua liberdade por umdado tempo. O trabalhador na posiçãode um servo por causa dessa terrívelameaça da fome que diariamente pen-de sobre sua cabeça e sobre sua famí-lia, forçara-lo a aceitar quaisquer con-dições impostas pelos lucrativos cálcu-los do capitalista, industrial, o empre-gador”.

(Bakunin, Manuscrito SistemaCapitalista).

Assim, existe uma condição de su-jeição do trabalhador enquantoindividuo e enquanto classe diante decapitalista que atua como um agente“livre”.

A analogia do capitalismo com oescravismo e o feudalismo não é gra-tuita. O problema da liberdade na soci-edade capitalista é então visto de umaperspectiva dialética: a propriedadeprivada do capital engendra a liberda-de de ação do capitalista e ao mesmotempo a sujeição (“escravização”, “ser-vidão”) do trabalhador.

Nesse sentido, a “liberdade” do tra-balhador é anulada pela existência dapropriedade privada capitalista e pelasrelações de classe a ela associada. Asujeição do trabalhador é então abso-luta dentro das relações econômicas, oque implica também um tipo de depen-dência política, uma vez que o capita-lista tem um poder de comandar o cor-po e as ações do trabalhador.

“É uma vez o contrato tendo sidonegociado, a servidão dos trabalhado-res é duplamente aumentada; ou colo-cando melhor, antes do contrato ser ne-gociado, guiado pela fome, ele e so-mente potencialmente um servo; depoisde negociado, ele torna-se um servo defato. Porque ele se vendeu como mer-cadoria a seu empregador? Isto é seutrabalho, seus serviços pessoais, as for-ças produtivas de seu corpo, mente eespírito estão nele e são inseparáveisde sua pessoa – isto é por essa razãoem si próprio. A partir de então, o em-pregador o observará, quer diretamenteou por meio de feitores; todo dia du-rante horas de trabalho e sob condi-ções controladas, o empregador irá sero proprietário de suas ações e movi-mentos. Quando ele diz: Faça isso, otrabalhador é obrigado e fazer; ou elediz: Vá lá, ele precisa ir. Não é isto queé chamado de servo?” (Bakunin, Ma-nuscrito Sistema Capitalista).

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O “contrato” (que é na visão bur-guesa a expressão de um ato livre) épara Bakunin o que materializa a sujei-ção integral do trabalhador. O contratotorna efetivo o potencial controle exer-cido pelo capitalista sobre o corpo,mente e ações do trabalhador em de-terminadas horas do dia todos dias detrabalho. Nesse sentido, a propriedadeprivada capitalista engendra ao mesmotempo a exploração e dominação, con-trole e coação dos trabalhadores peloscapitalistas. O “trabalho livre” e a “igual-dade perante a lei” não são senão umaoutra forma histórica de dominação.

Há uma relação de dependência esubordinação do trabalhador enquantoindividuo e classe em relação aos capi-talistas, que se apresentam como úni-cos agentes “livres” – sendo essa liber-dade relativa expressão do exercício dacoação e controle sobre os trabalhado-res. As relações de classe na economiacapitalista assim expressam a sujeiçãoeconômica e política do proletariado di-ante da burguesia. A liberdade e a igual-dade sob o capitalismo são apenas for-mas da exploração3 .

Dessa maneira, o problema socialcentral da sociedade moderna, identifi-cado por Bakunin, é a propriedade pri-vada, que enquanto fato econômico en-gendra relações de classe que expres-sam formas de exploração e domina-ção política.

2 – O trabalho e significado doconceito de força coletiva.

A critica nas noções de liberdade eigualdade burguesas, leva então a afir-mação de algumas teses acerca da eco-nomia e sociedade capitalista, comoapresentadas acima. Também levou aformulação de alguns conceitos quemarcam a especificidade do pensamen-to de Bakunin e sua sociologia, especi-almente sua definição de classes soci-ais e o emprego do conceito de forçacoletiva.

A temática assumida por Bakunin, acritica da concepção de igualdade e li-berdade burguesas, e caracterização doproblema da desigualdade social e declasse, e da exploração como as ques-tões sociais por excelência, mostramuma continuidade de temática (ou deobjetos teóricos-políticos) que caracte-riza a análise sociológica “coletivista”.

A idéia chave é a de força coletiva,como vemos pelo trecho abaixo:

“Del mismo modo, el Estado no esotra cosa que la garantía de todas lasexplotaciones en beneficio de unpequeño número de felices privilegia-dos y en detrimento de las masas po-

pulares. Se sirve de la fuerza colec-tiva de todo el mundo para asegurarla dicha, la prosperidad y los privilegiosde algunos, en detrimento del derechohumano de todo el mundo. Es unestablecimiento en que la minoríadesempeña el papel de martillo y lamayoría forma el yunque.” (Bakunin,Conf., p.4).

Mas para entender a idéia de forçacoletiva, é preciso entender o lugar e osignificado da categoria trabalho paraBakunin e para Proudhon. Em termoseconômicos o trabalho é o fator criadordo valor:“Os capitais, as ferramentas eas máquinas são igualmente improdu-tivos. O martelo e a bigorna,sem fer-reiro e sem ferro, não forjam: o moi-nho, sem moleiro e sem trigo, nãomói,etc. Colocai juntas as ferramentase as matérias primas; lançai um aradoe sementes num solo fértil; montai umaforja, acendei o fogo e fechai a oficina,nada produzireis.” (Proudhon, ibdem, p.145). No sentido econômico, o trabalhoé atividade produtiva e criativa. Somenteo trabalho transforma a natureza e omundo material. Dessa posição teóri-ca, chega-se a um posicionamento po-lítico filosófico: tomando o trabalhocomo atividade, a classe trabalhadora(ou a classe dos que realizam atividadesprodutivas, através de ocupações ma-nuais e intelectuais) passa a ser depo-sitária de um poder fundamental, quenão condiz com sua situação de misé-ria, subordinação política e desprestigio.Há assim uma posição “obreirista”, nosentido em que há a valorização daclasse trabalhadora (do trabalho ma-nual em particular, e do trabalho emgeral), e que essa classe por ser prota-gonista do processo econômico detransformação da matéria, de coisas emvalores, passa a ser teoricamente con-siderada como a protagonista do pro-cesso de transformação social, das ins-tituições políticas e econômicas. A teo-ria do valor trabalho como assumidapelo bakuninismo, representa tambémesse posicionamento obreirista, quevaloriza a condição do trabalhador edefende o protagonismo de classe.

Por fim, para entender completa-mente os parâmetros da analise socio-lógica “coletivista” é preciso entender osignificado da definição de forçacoletiva, formulada por Proudhon no seulivro “O Que é a Propriedade ou Pes-quisas sobre o princípio do direitoe do governo”. A questão ou o pro-blema do livro é formulado como “o queé o princípio da hereditariedade? Quaisos fundamentos da desigualdade? Oque é a propriedade privada?”

(Proudhon, 1988, p. 4). Logo, a formu-lação original do conceito de forçacoletiva se inscreve tambémdiretamente no debate acerca das de-sigualdades sociais e sobre a origemda propriedade (privada). Proudhon for-mula então uma critica da “proprieda-de” como fundamento (econômico, le-gal e ideológico) da desigualdade soci-al entre as classes.

A critica de Proudhon é dirigida paraos argumentos econômicos e filosófi-cos que fundamentam o direito de pro-priedade: especialmente a teoria de apropriedade seria um “direito natural”e tem origem na “ocupação imemorial”ou que a propriedade tem “origem notrabalho4 ”. Assim, ele analisa as teori-as de explicação e legitimação da pro-priedade, que a fazem derivar de umtrabalho “individualizados” e da diferen-ças de “capacidades individuais”.

É pela critica a teoria da proprieda-de como originada do “trabalho” queProudhon formula e define o conceitode força coletiva. A idéia de forçacoletiva visa apreender a contradiçãoentre o processo de trabalho e a pro-priedade privada:

“O capitalista, diz-se, pagou as di-árias dos trabalhadores; para ser exato,é preciso dizer que o capitalista pagouuma diária tantas vezes quantos traba-lhadores empregou por dia, o que nãoé a mesma coisa. Pois a força imensaque resulta da união e harmonia dostrabalhadores, da convergência e simul-taneidade de seus esforços,essa elenão pagou. Duzentos granadeiros levan-taram em algumas horas o obelisco doLuqsor sobre a base; um só homem,em duzentos dias, faria o mesmo? En-tretanto, na conta do capitalista, a somados salários era idêntica. Pois bem, umdeserto a cultivar, uma casa a construir,uma manufatura a explorar,é como er-guer o obelisco, é como deslocar umamontanha. A menor fortuna, o maismodesto estabelecimento, a instalaçãoda mais acanhada industria exige umconcurso de esforços e talentos tão di-versos que um só homem nunca con-seguiria.” (Proudhon, 1988, p. 103).

Divide et impera:divide e reinarás;divide e te enriquecerás; divide e en-ganarás os homens, e empánarás suarazão e zombarás da justiça. Separaios trabalhadores pode suceder que adiária paga a cada um ultrapasse o va-lor do produto individual: mas não édisso que se trata. Uma força de milhomens, atuando por vinte dias foi pagacomo a força de um único atuando porcinqüenta e cinco anos; contudo, a for-ça de mil homens fez em vinte dias o

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- Uma revista de teoria Anarquista 35

que a força de um só não faria em ummilhão de séculos: o negócio éeqüitativo? Mais uma vez, não: quandotiverdes pago todas as forças individu-ais, não tereis pago a força coletiva;em conseqüência resta sempre um di-reito de propriedade coletiva não ad-quirido por vós e do qual gozais injus-tamente.” (Proudhon, op.cit, p. 103).

A discussão desenvolvida pelo au-tor estabelece nitidamente a recusa naaceitação do individualismo teórico, tí-pico da economia política clássica doséculo XIX. A percepção do “agentecoletivo” como fenômeno distinto é as-sim estabelecida. Para o autor, a frag-mentação social, a redução individua-lista das operações econômicas, é umaforma de dominação e exploração dotrabalho. A noção de força coletiva se-ria assim a base sintética de uma for-mulação teórica e política, numa analí-tica da economia e sociedade capitalis-ta.

Na sua obra mais volumosa, “De laJustice dans Revolution e de la Iglesie”(1857), Proudhon retoma a noção deforças coletivas:

“Os indivíduos não são os únicos do-tados de força; as coletividades temtambém a sua.

Uma fábrica, formada por operári-os cujos trabalhos convergem para ummesmo fim, que é obter este ou aqueleproduto, possui enquanto fábrica oucoletividade, uma força que lhe é pró-pria; a prova está em que o produtodesses indivíduos, assim agrupados, émuito superior ao que constituiria asoma dos seus produtos particulares,se tivessem trabalhando separadamen-te.

Do mesmo modo a tripulação de umnavio, uma sociedade em comandita,uma academia, uma orquestra, umexército, etc., todas estas coletividadescontém força, força sintéticae,conseqüentemente, específica do gru-po, superior em qualidade e em ener-gia à soma das forças elementares suascomponentes ...

Consequentemente, sendo a forçacoletiva um fato tão positivo como a for-ça individual, a primeira perfeitamentedistinta da segunda, os seres coletivossão realidades do mesmo modo que osindivíduos.

Pelo seu poder, que é de todos osseus atributos o primeiro e o mais subs-tancial, o ser apresenta-se pois na qua-lidade de realidade e de vida;apresenta-se, entra na criação, da mesma manei-ra e sob as mesmas condições de exis-tência que os outros seres.” (Justice,L´Etat, apud in 1976 p. 273).

Aqui fica estabelecido o estatuto te-órico da noção de força coletiva: ela éo elemento que compõem os proces-sos sociais e produtivos. A força coletivaé uma unidade de ação diferente dosindivíduos e dos agregados de indivídu-os. No plano econômico-social, repre-senta uma contradição direta com aexistência da propriedade privada.

A contradição detectada porProudhon, está entre o “direito de gan-ho” engendrado pela propriedade pri-vada para os proprietários e os princí-pios do processo de produção dos va-lores, já que a relação deassalariamento ao invés de resolvê-laa institui. É o trabalho que produz o valor,e o salário direcionado aos trabalhado-res individuais não paga “jamais” a for-ça coletiva (que a ação resultante dadivisão do trabalho). Por isso ele con-clui, “Que, sendo toda a produção ne-cessariamente coletiva, o trabalhadortem direito, na proporção do seu tra-balho, à participação nos produtos elucros”. (Proudhon, 1988, p. 103). Querdizer, a produção coletiva, mas a pro-priedade privada gera um direito deganho individualizado.

Esse elemento presente na formu-lação de Proudhon é fundamental; aexistência da propriedade priva gera o“direito de ganho”. Esse direito de gan-ho se ampara no emprego da força eda legalidade estatal. A máxima “Todapropriedade é um roubo” é apenas asíntese de que não somente na sua ori-gem a propriedade está fundada naocupação pela força ou pela “astúcia”,mas indica que o proprietário expropriadiariamente as forças coletivas dos tra-balhadores. O “direito de ganho indivi-dual” (o lucro, o juro, a renda ou alu-guel são suas formas) é produto da pro-priedade privada. Mas o processo detrabalho e produção material somenteé viabilizado pela existência de forçascoletivas (Proudhon, 1988, p.106) É poressa construção teórica e filosófica que

Proudhon chega à necessidade de eli-minação da “propriedade” e defesa dapropriedade coletiva.

A critica da desigualdade de clas-ses, é vinculada diretamente a tesesacerca da origem da propriedade, dasrelações de classe e a caracterizaçãoda própria sociedade. A força coletivadesigna a contraposição a uma visãoindividualista da economia e da socie-dade, enfatizando que o produto do tra-balho é sempre indivisível, e por isso aeconomia leva necessariamente a idéiade propriedade coletiva, pela impossi-bilidade de estabelecimento da propri-edade individual. É uma critica e umenfrentamento direto da sociedade bur-guesa e seus fundamentos cognitivos.Ao demolir o argumento de que o direi-to de propriedade nasce do “trabalho”(individual) Proudhon associa o concei-to de trabalho ao coletivismo proletá-rio, e tira o conceito de sua dimensãoburguesa.

Nesse sentido, a analise sociológicasintetizada na noção de força coletivabaseia-se nas seguintes premissas:: 1)o trabalho, especialmente sob aforma de “força coletiva” é que pro-duz o valor. Há uma sob produção capi-talista uma contradição permanen-te entre o direito de ganho deri-vado da propriedade privada e aprodução baseada na forçacoletiva, motor da contradição de clas-ses sociais. Sob produção capitalista, aforça coletiva jamais será remuneradae o salário individual será mantido sem-pre no valor socialmente necessário areprodução física do trabalhador; 2) issoporque a propriedade privada (enquantofato econômico e jurídico) tem sua ori-gem não na ocupação (do território) ouno trabalho,.mas (assim como o Esta-do) na conquista ou em contratos ba-seados em desigualdade de poder, pos-sibilitando uma expropriação diária ecotidiana dos trabalhadores e sua for-ça coletiva, o direito de exploração e

Crianças operárias no século XIX

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acumulação; 3) em termos históricos,a propriedade foi constituída sob a basedo direito romano, como “direito de usoe abuso” ou direito de “domínio”. A “pro-priedade privada” foi transformada pelarevolução francesa, em principio do di-reito e do governo (da gestão da socie-dade) e a revolução francesa instituiuao mesmo tempo o Estado moderno ea Economia moderna (capitalistas), sen-do a propriedade privada e as relaçõesde exploração derivadas da dialéticaexistente entre “domínio” e direito de“ganho”. 4) a existência da proprieda-de privada e capitalista engendra umataxa crescente de desigualdade eda miséria (entre os trabalhadores).

Quer dizer, partindo da critica dasnoções burguesas de igualdade e liber-dade, constata-se que a sociedade bur-guesa não somente era desigual, comoa desigualdade tenderia a se agravar;e que liberdade, relativa à burguesia,era inexistente para o proletariado en-quanto classe, nos seus locais de tra-balho e atividade social, e sob o siste-ma da propriedade privada, a liberda-de seria exclusiva a burguesia.

3 – Análise de classesbakuninista e revolução social.

A analise sociológica exposta acimaestá necessariamente encadeada asconclusões políticas. Mas essas conclu-sões serão estabelecidas a partir de ummétodo: a análise comparada da expe-riência histórica. Nesse sentido, é pelaanálise de alguns processos históricose pelos posicionamentos sustentadospor Bakunin, que podemos percebercomo as teses sociológicas são usadascomo base de uma teoria política revo-lucionária.

No livro “Cartas a um Francês”(1870) Bakunin se dedica a análise dasituação pré-revolucionária inauguradapela Guerra entre Prússia e França, etenta definir uma política para a revo-lução social na França. Apresenta en-tão uma análise de classes e sua rela-ção com o processo revolucionário e ca-racteriza a existência de diferentes“partidos”: jacobinos, orleanistas, en-tre a burguesia, e socialistas, anarquis-tas entre o proletariado. Na França ena Europa, constata “a burguesia é umcorpo mais numeroso do que se pen-sa” e leva suas “raízes” ao proletariadonas suas “capas” superiores. Na Ale-manha os operários e camponeses, emesmos os socialistas, estavam profun-damente imbricados no mundo burgu-ês. Na França, apesar da separação doproletariado como classe autônoma teralcançado níveis maiores, ainda assim,

os setores de ofícios melhor remunera-dos sofriam a influencia “espiritual” dacivilização burguesa (Bakunin, 1980,p.133).

Essa caracterização visa compreen-der e explicar o processo político daFrança e possibilidade da revolução so-cial na Europa. Bakunin analisa comocada partido poderá oferecer um pro-grama de “salvação” da França dianteda eminência da ocupação prussiana ediante da opressão interna bonapartista.Como ele vai chegar as suas conside-rações para definir uma estratégia e umprograma para a França? É pela análi-se comparada da experiência histórica– do movimento revolucionário de 1793com a experiência de 1848 e os dife-rentes papéis históricos da burguesia edo jacobinismo (republicanismo “radi-cal”). A “revolução burguesa” de 1848já tinha consciência de seu antagonis-mo com a revolução proletária5 . Orepublicanismo radical (ao contrário dosjacobinos de 1793) passou a buscarmobilizar as classes privilegiadas, a con-vencer o proletariado a ter paciência edepositar suas esperanças no “governoprovisório”.

E aqui vemos a importância das te-ses acerca da economia e sociedadecapitalista. Bakunin indica a importân-cia da Revolução Francesa para a for-mação do Estado Moderno; Proudhonindica que a Revolução Francesa con-sagrou o principio da propriedade pri-vada na constituição de 1789, instituin-do assim os mecanismos principais dasociedade moderna: 1) a “soberania davontade do povo” ou o “despotismo”;2) desigualdade de fortuna e de classe;3) o principio da propriedade privada.Desse modo, as condições foram cria-das para consolidação da burguesiacomo classe autônoma, baseada no di-reito de ganho derivado da proprieda-de privada e na exploração do traba-lho. A burguesiapassou então aser desde entãouma força con-tra-revolucioná-ria, tanto nassuas relaçõesconcretas, quan-to nas suas idéi-as políticas.

Assim, paraexplicar o com-portamento es-trutural e históri-co dos partidos etendências políti-cas, é precisofazer sua carac-

terização em relação à estrutura declasses e as contradições existentesnela. Depois de 1793, a contradição en-tre burguesia e proletariado passou aocupar – inclusive na consciência bur-guesa – o lugar principal. Nesse senti-do, a solução política para a França paraa crise da França não era a formaçãode um novo governo, mesmo o republi-cano (Bakunin, op.cit., p.157) e queGambeta (personificação dojacobinismo) só tinha duas alternativas:destruir a máquina estatal (já que umareforma constitucional e administrativaera impossível) ou conciliar com os mo-narquistas, utilizando os orleanistas emesmo os bonapartistas que ocupavama burocracia e contra quem os republi-canos lutavam (Bakunin, op.cit, p. 164)Qual é a solução postulada por Bakunin:“...a França não pode ser salva mas quepela sublevação espontânea e livre,completamente livre da tutela da admi-nistração, do governo, do Estado, qual-quer que seja a forma desse Estado oudesse governo.” (Bakunin, 1980, p. 155)

A revolução, a insurreição armadapopular, é apresentada como Bakunincomo solução para crise interna (a lutacontra o “bonapartismo” ou a monar-quia) e externa (contra a conquistamovida pelo Império Prussiano). Nãoseria pela formação de um “governoprovisório”, nem de uma “assembléiaconstituinte”, nem mesmo uma “revo-lução burguesa” (que a essa altura, eraimpossível, por não poder se apoiar nasmassas para se realizar, e não contarcom forças próprias para tal) que seresolveria o problema interno e exter-no.

Ao mesmo tempo, Bakunin indicaque mesmo em termos da luta de li-bertação nacional, a burguesia era po-liticamente impotente.

“Somente os operários das cidadespodem salvar hoje a França. Não há

São Bernardo do Campo (SP): linha de montagemda Volkswagen do Brasil

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que contar com a burguesia. Desenvol-vi amplamente o porquê. Os burguesesnão vêem, não compreendem nada forado Estado. (...) É certo que a burguesianão é capaz. (...) Se ajustará melhorcom a dominação dos prussianos e dosbonapartistas que com a sublevação dabarbarie popular (...) Eu penso que nes-sa hora não há na França, e tambémem todos os demais paises, não exis-tem mais que duas classes capazes detal movimento: os operários e os cam-poneses.” (1980, p. 166)

Ou seja, as contradições econômicasda burguesia com os operários e oscamponeses, impediam uma aliançapara lutar contra a ocupação estrangei-ra. A associação com o Estado invasorseria preferível à revolução popular quepoderia destruir sua condição de clas-se dominante. Ao mesmo tempo, a bur-guesia radical por si só não tinha for-ças para barrar a ocupação estrangei-ra sem conciliar com os monarquistas,e assim a causa “democrática” da bur-guesia era sacrificada em prol dos seusinteresses econômicos comuns, poruma aliança com os setores monarquis-tas (que representavam à monarquia eno caso dos bonapartistas, a ditaduramilitar). Por isso, somente a aliançaoperário-camponesa seria capaz deresolver ao mesmo tempo o problemainterno (derrubada da ditadurabonapartista) e da liberação nacional (daocupação estrangeira). As contradições(derivadas de pré-conceitos e manipu-lações ideológicas do Estado) entre ope-rários e camponeses e que tinham pa-ralisado a revolução social, e para de-fender a revolução social seria precisoresolver tal questão (Bakunin, 1980. p.170).

O processo político francês seriadefinido então pela dinâmica estruturaldas classes e pelo comportamento con-creto das frações de classe e partidos.As frações monarquista (orleanista ebonapartista) e republicana da burgue-sia tinham suas contradições; osorleanistas visavam a restauração, ouseja, a derrubada dos bonapartistas, omesmo que os jacobinos – que se se-paravam dos orleanistas pela defesa deuma forma de Estado republicana. Osbonartistas manipulavam a aliança comos camponeses e incitavam sua oposi-ção aos operários das cidades, e tam-bém durante a guerra começavam apender para um acordo com o Estadoprussiano contra a rebelião interna quese gestava. Os republicanos impossibi-litados de uma aliança revolucionáriacom os operários e os camponeses, bus-cavam apoio nos orleanistas e mesmo

em bonapartistas de certas localidades.Bakunin indica que essa combinação dealianças e plataformas políticas levariaa ruína da França, a perda da Guerrapara a Prússia, que por sua vez signifi-caria a vitória da contra-revolução6 ”.Somente a aliança operário-campone-sa na base de um programa socialistarevolucionário seria capaz de resolvera crise política nacional, através da re-volução popular.

Nesse sentido, vemos queBakunin a partir das teses sobre o Es-tado e a economia capitalista, interpre-ta uma situação histórica particular, eaponta a dinâmica estrutural (relaçõesde classe) e como esta afeta as possi-bilidades históricas (as ações, progra-mas e estratégias) dos diferentes par-tidos. A sua política está assim ampa-rada numa teoria social e sociológica.

Mas para completar a sua visão doprocesso de mudança social, é precisoindicar o seu próprio conceito de revo-lução, de como esse conceito está ri-gorosamente ligado à caracterização dacontradição entre classes sociais e aexistência da propriedade privada ca-pitalista, de um lado, e do Estado en-quanto organismo vinculado a classe do-minante, de outro. E essa definição seestabelece pela crítica que Bakunin re-aliza do programa do partido operáriosocial democrata alemão.

“Segundo a opinião quase unânimedos socialistas alemães, a revoluçãopolítica deve preceder a revolução so-cial – o que segundo minha opinião éum, grande e fatal erro, porque todarevolução política que se faça antes, epor conseguinte, fora da revolução so-cial, será necessariamente uma revo-lução burguesa, e a revolução burgue-sa não pode servir para produzir maisque um socialismo burguês, ou seja,deve chegar infalivelmente a uma novaexploração mais hipócrita e mais sábiatalvez, mas não menos opressiva doproletariado pela burguesia. Essa des-graçada idéia da revolução política quedeve anteceder, dizem os alemães, arevolução social, abre de par em paras portas do partido operário da demo-cracia socialista a todos os democratasradicais da Alemanha, exclusivamentepolíticos e muito pouco socialistas”.(Bakunin, 1980, p. 220)

A formulação acima indica o caráterburguês (usando uma linguagematualizada, “democrático-burguês”) doprograma social democrata. A separa-ção da revolução “política” (mudançadas formas do Estado ou de Governos)da resolução da questão econômica –propriedade privada- implica no desen-

volvimento de uma revolução “burgue-sa”, ou seja, que muda os mecanismose parâmetros de exercício da explora-ção. A revolução política, ou seja, a re-volução burguesa (que tem finalidadesexclusivamente políticas) diante da re-volução social (que é uma revolução po-pular ou proletária) é uma contra-re-volução, exatamente por preservar apropriedade privada capitalista e a ex-ploração do trabalho.

Assim, Bakunin adverte criticamen-te que na realidade, o caráter ecléticodo programa levaria ao sacrifico doselementos socialistas:

“É impossível chegar a dois fins con-traditórios. Ao implicar o socialismo arevolução social, a destruição do Esta-do, é evidente que quem tende ao Es-tado deve renunciar ao socialismo, devesacrificar a emancipação econômica dasmassas a potencia política de um parti-do privilegiado qualquer. O partido dasocial democracia alemã deve sacrifi-car a emancipação econômica e porconseguinte também a emancipaçãopolítica do proletariado, ou melhor suaemancipação da política, a ambição eao triunfo da democracia burguesa. Issoresulta claramente dos II e III artigosdo seu programa”. (Bakunin, 1980, p.231)

As condições para a capitulação dasocial-democracia estavam dadas des-de sua fundação e nas suas bases es-tratégicas e programáticas. E na reali-dade ao separar o problema político –dando primazia a ele – do econômico,os social-democratas sacrificariam tan-to os interesses econômicos quanto po-líticos dos trabalhadores. E mais queisso. A tese “etapista” não somente im-plicaria na capitulação da revolução so-cialista, mas na abdicação mesmo deuma “revolução burguesa”, que se apre-sentaria, na grande maioria dos casos,apenas como fraseologia porque: “Eisaqui o que constitui o verdadeiro objeto,o fim real, atual, desse partido: umareforma exclusivamente política do Es-tado, das instituições e das leis de Es-tado. (Bakunin, op.cit, p.232). Recuan-do da revolução proletária para a revo-lução burguesa, o passo seguinte e ne-cessário seria o recuo da revoluçãoburguesa para o reformismo puro e sim-ples.

A revolução social para Bakunin, de-veria destruir simultaneamente o Esta-do-Nacional, burocrático e policial, etambém a propriedade privada, atra-vés da coletivização.

“A revolução social não exclui de ne-nhum modo a revolução política. Ao con-trário, a implica necessariamente, mas

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imprimindo-lhe um caráter novo, o daemancipação do povo do jugo do Esta-do Posto que todas as instituições e todaas autoridades políticas não foram cri-adas, em ultimo termo, mas que emvista de proteger e de garantir os privi-légios econômicos das classes possui-doras e exploradoras contra as rebeli-ões do proletariado, é claro que a re-volução social deverá destruir essas ins-tituições e autoridades, nem antes, nemdepois, mas ao mesmo tempo que po-nha sua mão audaz sobre os fundamen-tos econômicos da servidão do povo. Arevolução social e a revolução políticaserão pois, inseparáveis, como devemser em efeito, pois que a primeira semsegunda será uma impossibilidade, umcontra-senso; e a primeira sem a se-gunda uma simulação.

A revolução política, contemporâneae realmente inseparável da revoluçãosocial – daqui será por assim dizer, aexpressão ou manifestação negativa –não será uma transformação mas umaliquidação grandiosa do Estado, e a abo-lição radical de todas as instituições po-líticas e jurídicas que tem por objeto osubmetimento do trabalho popular aexploração das classes privilegiadas. Aomesmo tempo que destruirá a potenciaeconômica dos proprietários, dos capi-talistas, dos proprietários, dos patrões,destruirá a dominação política de to-dos os chamados representantes coro-ados ou não coroados do Estado, des-de os Imperadores e Reis, até o ultimogendarme ou guarda florestal, de to-dos os grandes e os pequenos corposde Estado, de todas as classes e indiví-duos que – em nome de um poder fun-dado sobre o direito divino e para ou-tros sobre a eleição popular e sobre osufrágio universal..7 . (Bakunin, 1980, p.308)

Nesse sentido, o conceitobakuninista de revolução sintetiza tan-to a concepção filosófica geral dadialética entre política e economia,quanto às teses acerca da propriedadeprivada e do estatismo, e a análise daexperiência histórica das classes soci-ais nas revoluções de 1793, 1848 e1871. Logo, não somente a revoluçãopolítica não é uma etapa necessária eanterior à revolução social, como ela éantagônica a revolução social, ou seja,proletária (em caráter) e socialista (emprograma). Além do mais, essa teoriada “revolução em etapas” (esboçada noprograma de 1869-70 dos social-demo-cratas) abre as portas do partido aosoportunistas democratas e burguesescomprometendo o seu caráter operá-rio8 .

A teoria anarquista da revolução –das condições necessárias à realizaçãode uma insurreição geral – foiestabelecida a partir da análise de umprocesso histórico particular, o desen-volvimento das revoluções francesas, eda critica da tese que afirmava que arevolução burguesa como etapa ante-rior e necessária da revolução socialis-ta. Ao realizar uma análise sociológicado conflito de classes e da crise políticafrancesa desencadeada pela guerrafranco-prussiana de 1870, Bakunin re-alizou um exercício de aplicação de seumétodo materialista e de demonstra-ção de suas teses acerca do estatismoe da propriedade privada, bem comodo papel das classes sociais e partidosdiante de cada situação política possí-vel. Assim, a análise da sociedade éconstruída a partir da análise da dinâ-mica entre “revolução X reforma” e“revolução X contra-revolução”, ouseja, entre revolução burguesa e revo-lução proletária. Aquilo que seria esta-belecido como estratégia e programapolítico anarquista (a greve geral demassas, a insurreição geral campo-ci-dade, o boicote a democracia burgue-sa, a aliança operário camponesa e adefesa da federação das comunas so-cialistas) seriam conclusões políticasextraídas dessa análise sociológica debase essencialmente coletivista, e domaterialismo filosófico que lhe susten-ta. E as teses principais acerca da eco-nomia e sociedade seriam firmadas apartir da análise de fatos sociais e daexperiência histórica.

OBS: desigualdade entre trabalhomanual e intelectual como outra dimen-são importante da negação da desigual-dade - a desigualdade dos salários porconta das “capacidades” é injustificável(p. 112) é preciso distinguir a 1) dife-rença de funções; 2) diferença de rela-ções na divisão do trabalho, de manei-ra que nenhum trabalho é superior aooutro na escala social de produção, sãofuncionalidades distintas.

_____Notas:

1 Nesse sentido, vemos como a anali-se materialista de Bakunin expressa asua concepção filosófica de articula-ção do mundo social com um mundonatural, por meio de uma continuida-de objetiva. Até porque, como veremos,o próprio Bakunin adiciona inúmerosoutros elementos de coação especifica-mente sociais. Poderíamos dizer que aidéia de fome é um elemento naturalque serve de base ao outros elementossociais. Por isso preferimos alargar a

noção no sentido da “pressão materi-al” para dar conta de umamultiplicidade de outros fatores mate-riais (naturais e sociais) que se com-binam e produzem a relação de coaçãoindicada acima. 2 “Thus, while being equal from thepoint of juridical fiction, the capitalistand the worker are anything but equalfrom the point of view of the economicsituation, which is the real situation.”(Bakunin, Manuscrito Sistema Capi-talista).3 Bakunin retoma então a ênfase cri-tica iniciada por Proudhon sobre a pro-priedade privada capitalista. Proudhonindicou que a propriedade engendra odespotismo e a tirania (citar proprie-dade é domínio).4 “Os jurisconsultos modernos, se-guindo os economistas, abandonaramquase todos a teoria da ocupação pri-mitiva, considerando-a ruinosa demais,e adotaram com exclusividade a quefaz a propriedade nascer do trabalho”.(Proudhon, 1988, p. 77)5 “Esse antagonismo da revoluçãoburguesa e da revolução popular nãoexistia todavia em 1793 nem na cons-ciência do povo nem da burguesia. Nãohavia desabrochado da experiência his-tórica esta verdade de todos os tem-pos: que a liberdade de toda classe pri-vilegiada, e por conseguinte também daburguesia, está fundada essencialmen-te na escravidão econômica do prole-tariado.” (Bakunin, 1980, p. 147)6 “Depois da guerra de 1815 houve aSanta Aliança política de todos so Es-tados contra o liberalismo burguês. De-pois da guerra presente, se terminacom a vitória da Prússia, a dizer, dareação internacional, haverá a Santa Ali-ança política e econômica a vez dosmesmos Estados, fortalecidos pela co-operação interessada da burguesia detodos os paises contra o socialismo re-volucionário do proletariado”.(Bakunin, 1980, p. 209)7 Trecho de um outro livro “A Situa-ção Política da França”, que conti-nua a análise do conflito de classes naFrança, só depois da derrubada daMonarquia em setembro de 1870.8 Bakunin chama a atenção para asnegociações então em curso entre so-cial-democratas e liberais na Alema-nha.

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- Uma revista de teoria Anarquista 39

Construção de Comitês de Propaganda daUNIPA

Como o objetivo de divulgar a teoria e a ideologia bakuninista eintervir na luta de classes, a União Popular Anarquista (UNIPA) estáfomentando a construção de Comitês de Propaganda por todo o país.

Os Comitês de Propaganda têm a função de distribuir os boletins eos documentos da UNIPA, organizar seminários e debates, bem comoauxiliar com apoio material em geral. Além de contribuir com informeslocais, podendo enviar textos e análises, que poderão ser publicados deacordo com nossa política editorial, e também propor pautas para osboletins.

O bakuninismo é um importante instrumento para a construção darevolução proletária, por isso, convidamos todos os companheiros ecompanheiras para difundir sua teoria e sua ideologia.

Construção de Pró-Núcleos da UNIPA

O atual contexto da luta de classes no Brasil exige um posicionamentoideológico e teórico correto dos militantes dos movimentos sindical,estudantil e popular. O bakuninismo fornece a teoria, a estratégia e oprograma revolucionário capaz de romper com o reformismo e avançarpara a construção da ruptura socialista e revolucionária.

A União Popular Anarquista (UNIPA) convoca todos os companhei-ros e companheiras dos movimentos sindical, estudantil e popular, quetenham acordo político com o bakuninismo e desejem ingressar nosquadros da nossa organização, para a construção de Pró-núcleos daUNIPA por todo o país.

Além da propaganda, os Pró-núcleos da UNIPA atuam na luta declasses à partir da unidade teórica, estratégica e programática com aorganização.

O bakuninismo é um importante instrumento para a construção darevolução proletária, por isso, convocamos todos os companheiros ecompanheiras para se organizarem em torno de sua teoria e sua ideolo-gia.

Entre em contato com a UNIPA: [email protected]

Ousar lutar, ousar vencer!Pela Construção da Revolução Proletária!

Viva a UNIPA!

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Na luta pela Libertação

Proletária!!