I CONUNIPA: Anarquismo é luta!/A alma e o corpo: O bakuninismo e a organização anarquista

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    Imagem

    Capa: Gravura do militante revolucionrio russo Mikhail Bakunin.

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    Anarquismo LutaResolues do I Congresso da Unio Popular Anarquista

    Realizado nos dias 22 e 23 de Maro de 2003

    A Alma e o Corpo: O Bakuninismo

    e Organizao Anarquista

    Srie Documentos, Poltica & TeoriaVolume 1

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    NDICE

    Anarquismo Luta - Resolues do I CONUNIPA

    Introduo 7

    1 - A Necessidade e a Viabilidade da Organizao Anarquista 10

    2 - O Carter de Nossa Organizao 11

    3 - As Trs Tarefas, as Duas formas de Luta e as Trs Frentes 15

    4 - Polticas para Frente de Massas 18

    5 - Encerramento 19

    A Alma e o Corpo: O Bakuninismo e OrganizaoAnarquista

    Introduo 21

    I - O Pensamento-Guia (A Alma) 22

    1 - A formao histrica da ideologia Anarquista e seus princ-pios constitutivos

    24

    2 - Os elementos constitutivos da teoria Bakuninista 27

    II - A dialtica da Organizao Poltica com a Organizao de Mas-sas (O Corpo)

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    1 - O que a Organizao Poltica Revolucionria Anarquista 38

    2 - A Plataforma Organizacional 40

    3 - O lugar da Organizao Poltica 48

    4 - A Organizao de Massas 50

    5 - O que a Organizao de Massas... 51

    6 - O Mtodo Materialista de Mobilizao do Proletariado 52

    7 - A Estrutura da Internacional: Sees Centrais e Sees de Of-cio

    55

    8 - O Lugar da Organizao de Massas 58

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    Anarquismo Luta

    Resolues do I Congresso da Unio Popular Anarquista

    Realizado nos dias 22 e 23 de Maro de 2003

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    Introduo

    O primeiro congresso de nossa organizao se reuniu para afirmar o anar-quismo enquanto alternativa revolucionria para o proletariado. Afirmar que osocialismo e o anarquismo vivem, e devem impulsionar os sonhos e as lutas con-cretas das massas.

    Realizar esta afirmao exige a construo de ferramentas necessrias a lu-ta revolucionria. Foi fundamentalmente para discutir isso que o Congresso se

    reuniu.Este Congresso, foi fruto de um longo processo de trabalho poltico e teri-

    co, que comeou com as primeiras tentativas de formao de grupos anarquis-tas, que tinham a pretenso de intervir junto as a lutas populares e aos movi-mentos sociais, no incio dos anos 90.

    Em 1995 o projeto da Construo Anarquista Brasileira, formulado e enca-minhado pela FAU (Federao Anarquista Uruguaia), veio dar um novo flego amilitncia. A experincia pioneira no RJ foi a do Grupo Anarquista Mutiro, de-pois ncleo RJ da Organizao Socialista Libertaria OSL (organizao que reu-niu grupos anarquistas de seis estados do Brasil e que viria a ser extinta por pro-blemas internos no ano de 2000). Estas iniciativas iniciais sofreriam alguns reve-zes sem, no entanto, ocorrer a disperso da militncia do Rio de Janeiro.

    Depois destes avanos e recuos, em 1999 foi fundado o Laboratrio de Es-tudos Libertrios, coletivo de produo poltico-terica que iniciou a produo daRevista Ruptura, e agregou uma boa parte da militncia da antiga OSL. Este cole-

    tivo visava acumular foras e experincias no sentido de formular uma concep-o de organizao anarquista adequada realidade local e nacional, para futu-ramente implementar o projeto de construo de uma organizao anarquistapara intervir politicamente na sociedade.

    Durante todo este perodo, foi desenvolvido um trabalho de massas relati-vamente importante; organizao junto aos trabalhadores sem-teto (atravs darealizao de duas ocupaes urbanas), junto s lutas estudantis universitrias esecundaristas, e depois da formao da Resistncia Popular (tendncia de mas-

    sas que pretendia reunir militantes de base), se deu o desenvolvimento do traba-lho comunitrio em bairros proletrios em diversas cidades do Rio de Janeiro.

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    Analisando os processos de luta desenvolvidos desde 1995, quando a pro-posta da Construo Anarquista Brasileira foi iniciada, os membros do coletivopolitico-terico Laboratrio de Estudos Libertrios chegaram concluso que erao momento de construir uma organizao anarquista capaz de dar uma contribu-io mais efetiva luta popular e revolucionria.

    Neste sentido, tais militantes organizaram o Congresso para discutir: 1) ANecessidade e Viabilidade da Organizao Anarquista; 2) o Seu Carter, ou suasbases polticas e tericas; 3) a reestruturao dos trabalhos de massas at entodesenvolvidos e sua relao com a organizao anarquista que se constituiria.

    O Congresso se insere assim num processo histrico de luta e debatepoltico, no sendo um evento estanque. A construo da organizao anarquista

    no se daria sobre bases frgeis ou artificiais. Ela j nasceria dentro e sobre umterreno de lutas e organizao popular j desenvolvido. E apareceria para forta-lec-los.

    O desafio do Congresso ento seria firmar as bases mnimas (tericas eprticas) para o incio do trabalho da organizao. Foi realizado um processo de 5meses de discusso ininterrupta para que se acumulasse os conhecimentos ne-cessrios. Em maro de 2003, nos dias 22 e 23 foi realizado o Congresso comomomento de culminncia desta discusso.

    Alguns textos de militantes comentando, analisando e propondo definiesforam apresentados ao Congresso, e alguns foram incorporados, no todo ou emparte, a estas resolues. Assim, as Resolues do I Congresso fixam os marcosmnimos necessrios ao incio do trabalho poltico da organizao anarquista.

    No entanto, o Congresso entendeu que existem tarefas fundamentais auma devida edificao da organizao anarquista que so inadiveis. Estas tare-fas dizem respeito basicamente a formulao de uma Teoria, um Programa e

    uma Estratgia para a Revoluo no Brasil. Sem a formulao precisa destas, aorganizao anarquista ser sempre a caricatura de um partido revolucionrio.

    Mas o I Congresso julgou no estar ainda em condies de realizar tais ta-refas. Por isso convocou um II Congresso para o ano de 2004, que teria por fina-lidade tratar, aprofundar e responder a tais tarefas. Visto de um ngulo realista,o I Congresso deu o ponta-p inicial no trabalho da organizao anarquista.

    Mas se de um lado estas tarefas ficaram pendentes, um modelo de estru-

    tura interna da organizao anarquista e a orientao mais especfica para a lutade massas, e um plano de trabalho estratgico, foram formulados. A base foi

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    discusso acerca da Teoria da Organizao Especfica ajustada ao contexto bra-sileiro.

    Aprofundou-se tambm a discusso sobre as bases e pressupostos da ideo-

    logia anarquista, de forma a conseguirmos nos afirmar em meio ao caos da lutapoltica, sem nos desviar da linha correta. Esta discusso foi fundamental paraestabelecer parmetros claros de ao e tambm de recrutamento de militantes.

    O Congresso conseguiu cumprir plenamente seus objetivos e estabeleceuainda uma pauta de trabalho poltico e terico a ser cumprida ao longo do anode 2003. Sobre este trabalho terico e de massas se erguer o edifcio da organi-zao anarquista. Este edifcio ir sendo levantado aos poucos, mas a primeirapedra j foi colocada.

    Sabemos que ainda somos uma pequena organizao, e nossa ideologiatem pouca expresso poltica na sociedade brasileira. Mas esta situao somente superada pelo intensivo trabalho poltico, e o trabalho poltico precisa ter umaclara orientao ideolgica, caso queira ser eficaz e fiel a uma poltica revolucio-nria.

    O Congresso se realizou assim, reafirmando que o Socialismo Revolucion-rio Vive, queAnarquismo Luta, e se s viver nas lutas de libertao do nosso

    povo. para reafirmar a nossa ideologia popular-proletria, a sua validade paraas massas que nos lanamos na nossa caminhada: a longa marcha da luta pelarevoluo social.

    Nem um passo atrs!!!

    Anarquismo Luta!!!

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    1 -A Necessidade e a Viabilidade da Organizao Anarquista

    O Congresso discutiu aprofundadamente a questo do papel da organiza-o revolucionria, em face das experincias histricas. Neste sentido, a experi-ncia concreta que se constituiu na matria prima dessa reflexo.

    O principal objetivo da constituio de organizaes anarquistas a contri-buio para a realizao de uma revoluo socialista, tal como concebida pelaideologia anarquista, que supe a destruio do Estado e do Capitalismo, com a

    socializao dos meios de produo e do poder decisrio entre as massas popu-lares.

    Para realizar tal fim, estas organizaes devem integrar os principais mo-vimentos e lutas populares, influenciando a partir de dentro suas estratgias eaes. A formao de uma organizao poltica importante porque sem esta,qualquer ideologia fica sem condio de intervir no rumo dos acontecimentospolticos e sociais.

    As experincias revolucionrias do sculo XX mostraram que a ausncia deuma organizao poltica foi fatal para os anarquistas. A histria, gostemos ouno, anda sozinha revolues e lutas de libertao nacional foram feitas semque o anarquismo tivesse nenhuma presena importante.

    Depois das revolues russa 1917-1921 e da guerra civil espanhola 1936-1939 e da crise do sindicalismo revolucionrio a partir do ps-II guerra, o anar-quismo praticamente desapareceu como fora significativa, do cenrio polticointernacional. Assim, a formao de organizaes polticas revolucionrias anar-

    quistas pressuposto para que a ideologia anarquista tenha vida real.Por outro lado, um exame mais detalhado dos desdobramentos das revolu-

    es vitoriosas no mundo do sculo XX Rssia, China, Vietnam, Cuba, Arglia eNicargua mostra que a anlise anarquista estava correta em criticar os germesde burocratizao e autoritarismo nas concepes nacionalistas e estatistas dosocialismo, que possibilitaram depois o ressurgir do capitalismo de dentro doprprio bloco socialista.

    Assim, o estudo de tais revolues revela que a ausncia da ideologia anar-quista de tais processos, no longo prazo, possibilitou que o prprio socialismo o

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    projeto de uma sociedade sem classes e sem estado - fosse aniquilado antesmesmo de se consolidar.

    A participao anarquista enquanto fora poltica nas lutas populares e re-

    volues , neste sentido, uma necessidade do prprio povo. O que aumentaainda mais a responsabilidade das organizaes anarquistas.

    Sabendo assim da necessidade da organizao e da vontade poltica mili-tncia; sabendo tambm da sua viabilidade prtica, j que existia um acmulo deexperincia poltica (tanto na organizao especfica, quanto na luta de massas eno trabalho terico), o Congresso entendeu que este era o momento de formar aorganizao anarquista.

    Uma organizao que se apoiasse, sobretudo, sobre bases mais slidas eduradouras, e tambm mais claras, que aquelas do passado. Uma organizaoque no incorresse nos mesmos erros e debilidades. Por isso, tomada decisopoltica de construir a organizao, a partir desta experincia de luta, o Congres-so tratou de estabelecer suas bases organizativas e ideolgicas.

    2 - O Carter de Nossa Organizao

    O Congresso tomou por base uma srie de textos para discutir a questo

    da Organizao Anarquista e seu papel na Revoluo Social. Esta discusso foiapoiada sobre resenhas analticas de diversos escritos revolucionrios.

    Entre estes textos bases se incluem textos que serviram como refernciapara as discusses e para a elaborao deste documento: E. Malatesta , A Orga-nizao, Grupo Dielo Trouda, A Plataforma Organizacional, Mikhail. BakuninNecessidade da Organizao e Copei, 1973 da Fau. Outros textos tambmforam utilizados, mas cumprindo um papel complementar.

    O Congresso entendeu que seria adequado usar a distino sugerida pelodocumento Huerta Grandea Importncia da Teoria entre Teoria e Ideologia.Neste sentido, foi entendido que existia dois nveis distintos: o da ideologia, em

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    que os elementos so inflexveis (as idias/ valores e aspiraes bsicos os quaisno abrimos mo em nenhuma sircunstncia); outro da Teoria, em que os ele-mentos so relativamente flexveis, passveis de avaliao.

    Esta distino tem um significado prtico de diferenciar o que caracters-tico do anarquismo, e aplicvel em qualquer contexto, da formulao da Teoriada Organizao Especfica, calcada na anlise da situao brasileira, e formuladapara atender suas exigncias.

    Da leitura dos escritos anarquistas, alguns elementos se destacaram. Vimosque dentro das reflexes de Bakunin, Makhno, por exemplo,se destacam algunspontos em especial: 1) Sobre Organizao; 2) Sobre o Carter da Revoluo; 3)Sobre o Carter da Violncia; 4) Sobre os Sujeitos Sociais.

    Partindo do pressuposto de que o Socialismo e a Liberdade so aspiraesmximas do anarquismo, e que s pode se chegar a estes atravs da revoluo,vimos que os escritos anarquistas ensinam que:

    - esta revoluo necessariamente social (no sentido de que tem de mudaro sistema poltico e econmico, e no somente a forma de governo) e universal(no sentido que tem de articular o campo e cidade); e violenta (frisando que arevoluo a guerra, ou seja, luta armada);

    - que a violncia revolucionria no deve ter como objetivo a fundao deuma nova dominao e como meio a imposio de projetos polticos ao proleta-riado;

    - que somente as massas trabalhadoras, os operrios e camponeses (a clas-se proletria como um todo) constituem os sujeitos que faro a revoluo;

    As formulaes anarquistas sobre estes tpicos fornecem as bases terico-ideolgicas para a organizao anarquista. O Congresso discutiu estas questes

    visando tomar deliberaes que tero carter normativo. O conjunto de orienta-es normativas da organizao o que chamaremos de Linha Poltica. EstaLinha, apoiada sobre a ideologia anarquista e plenamente coerente com ela, uma adaptao desta ao contexto brasileiro.

    J que como nos ensina a FAU: Para propor um programa preciso co-nhecer a realidade econmica, poltica, ideolgica de nosso pas. O mesmo valepara se formular uma linha poltica suficientemente clara e concreta. Se se co-nhece pouco e mal no haver programa e s poder haver uma linha muitogeral, muito difcil de concretizar em cada lugar em que o partido trabalhe. Seno h uma linha clara e concreta no h poltica eficaz. A vontade poltica do

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    partido corre ento o risco de diluir-se. o "voluntarismo" se converte em fazercom boa vontade o que vai aparecendo. Mas no se incide de modo determina-do sobre os acontecimentos, na base de sua previso aproximada. Se determi-nado por eles e perante eles se atua espontaneamente. (A Importncia da Teori-a).

    O Congresso entendeu que seria importante, para fins de melhor compre-enso distinguir a Linha Polticada Linha de Massas. Deve-se compreender en-to esta distino dentro de uma funo didtica, e no toma-la rigidamente.

    Linha Poltica

    O Congresso entendeu que, tendo por base a ideologia anarquista, pode-mos afirmar que ela toma a luta e organizao como pressupostos, o que signifi-ca que: 1) existe a necessidade de organizao, tanto dos anarquistas em organi-zao revolucionria como da massa em movimentos reivindicativos. Alm disso,para fins operacionais, podemos classificar as idias/valores e aspiraes da i-deologia no que chamaremos aqui de Estratgia e Programa Geral Permanen-

    tes, porque compem a ideologia anarquista, logo, no so passveis de reviso.A Estratgia Permanente 1) Revolucionria, o que significa que ela supe

    o uso da fora para a mudana da sociedade; 2) Anti-colaboracionista, pois elaboicota o sistema poltico burgus e leva a separao de seus grupos e partidos.Esta estratgia exige: 1) que os anarquistas sustentem as organizaes popularese faam propaganda dentro delas; 2) que o partido recrute/forme lderes popula-res, para que estes apliquem sua poltica revolucionria dentro dos seus respec-tivos movimentos e lhes dem uma direo revolucionria. Esta Estratgia est

    subordinada e o meio principal de alcanar o Objetivo Final da Ideologia, ouseu Programa Permanente, que o estabelecimento de um sistema socialista,que supe a destruio do Estado burgus e do Capitalismo.

    Nossa Linha Poltica se pauta em sete pontos fundamentais, que estrutu-ram nossa organizao:

    1) a organizao se apia sobre quatro princpios organizativos: unidadeterica, unidade ttica, responsabilidade coletiva e federalismo.

    2) a funo da organizao preparar e dirigir a luta revolucionria pelosocialismo, atravs da insero na luta poltica de massas, amparadanum planejamento estratgico harmnico global;

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    3) a estratgia geral permanente da organizao supe: a realizao deuma revoluo social, ou a mudana do sistema social pela fora cole-tiva do povo; o anti-colaboracionismo;

    4) o programa geral permanente, seu objetivo finalista, o socialismo;5) a organizao mobilizar diferentes sujeitos sociais existentes no pas,

    dos campos e das cidades, no desenvolvimento da luta revolucionria.Estes sujeitos so as massas exploradas/oprimidas poltica e economi-camente, urbanas e rurais, ou seja, o proletariado de nosso pas;

    6) o carter da violncia revolucionaria, reativo (uma vez que uma re-ao legtima violncia da burguesia) e libertador (garantir a emanci-

    pao das massas e seu protagonismo no processo revolucionrio);7) o carter violento da revoluo exige a formao de organizaes re-

    volucionrias armadas

    Linha de Massas

    O exame da experincia histrica tambm revelou que a organizao anar-quista no aparece sozinha. Ela aparece necessariamente em conjunto com aorganizao de massas. No entanto, entendendo como equivocada a concepoanarco-sindicalista, foi preciso considerar com cuidado as orientaes para otrabalho de massas.

    Por outro lado, a organizao de massas no deve ser considerada comoexclusivamente reivindicativa. Na verdade cabe distinguir diferentes tipos deorganizao de massa, e saber como nos orientar em nosso trabalho de massas,de forma a no nos perdermos e cairmos em contradio e/ou ineficcia.

    O Congresso ento entendeu que a nossa Linha de Massas determina:

    1) construir organizaes de massa com carter de tendncia, ou seja,

    que combinem em seu interior a luta reivindicativa e a orientao revo-lucionria, mesmo que em estado embrionrio;

    2) a partir da construir/sustentar organismos representativos (sindicatos,

    associaes de moradores e etc)

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    3) o conjunto das organizaes de tendncia construdas/dirigidas pela or-ganizao especfica, e que seguem sua linha, sero chamadas de Braode Massas.

    4) o objetivo do Brao de massas fazer a luta reivindicativa com uma o-rientao classista e combativa, mas seu programa no se confunde como programa da organizao. O Brao de Massas o elo da organizaoespecfica com a vida cotidiana do povo e seus problemas materiais; suafuno lutar para resolve-los e aprofundar o grau de desenvolvimentoideolgico das massas em direo ao socialismo, sempre comeando darealidade material e concreta.

    Foram definidas a Linha Poltica e a Linha de Massas, como partes constitu-

    intes da nossa Teoria da Organizao Especfica. Estas Duas Linhas que norma-tizaro o trabalho poltico da organizao daqui para frente.

    A Linha Poltica e de Massas, pautada na noo anarquista de federalismo, guiada por normas democrticas de gesto e funcionamento: 1) igualdade depoder decisrio, mandatos imperativos, revogabilidade dos mandatos a qualquermomento; 2) total liberdade de discusso e divergncia de opinies e posies;3) total unidade na ao, depois do processo decisrio, registrando-se as posi-es minoritrias; 4) circulao das funes dirigentes e direo coletiva.

    Neste sentido, a organizao tem como princpio estimular sempre a parti-cipao dos militantes de base, dos quadros e das massas, incentivando as as-semblias gerais mais representativas, como forma de mobilizao. como dizBakunin:A maior inteligncia no bastaria para abraar tudo. Da resulta, tanto

    para a cincia quanto para a indstria, a necessidade da diviso e da associaodo trabalho. Recebo e dou, tal a vida humana. Cada um dirigente e cada um dirigido por sua vez. A centralizao de poderes, a cristalizao de funes, a

    burocracia, de um lado, e sua contrapartida, a desorganizao, o espontanesmoirresponsvel e individualista sero sempre combatidos por nossa organizao,interna e externamente.

    A Sntese Terica, o Programa e a Estratgia pauta para o IICongresso

    O I Congresso entendeu que a formulao das duas Linhas integradas naTOE, era apenas parte das exigncias impostas a uma organizao revolucionria.

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    Neste sentido, o Congresso determinou que as discusses tericas devero avan-ar no sentido de contribuir na elaborao de uma teoria anarquista da revolu-o brasileira.

    Para isso, estipulamos dois passos deste trabalho. O primeiro passo consis-te na sistematizacao de uma teoria anarquista, que reuna as suas principais tesese conceitos.

    O Segundo passo consiste no levantamento dos dados e a aplicao dessesconceitos na anlise da sociedade brasileira (anlise de conjuntura estratgica),visando reunir dados e interpreta-los de acordo com os interesses e necessida-des da luta revolucionria.

    Seguiremos este trabalho durante as reunies da organizao, usando aRevista Ruptura e discutindo com as demais organizaes anarquistas do Brasil.

    Esta Teoria da Revoluo que fundamentar a formulao da estratgia edo programa anarquistas para o Brasil. o que denominamos de Teoria Anar-quista da Revoluo Brasileira, que levantar as hipteses sobre os sujeitos soci-ais da revoluo, as principais questes a serem resolvidas e etc. O resultadodeste trabalho dever ser apresentado no II Congresso da organizao.

    3 - As Trs Tarefas, as Duas formas de Luta e as Trs Frentes

    O Congresso definiu tambm uma metodologia de trabalho poltico, paraunificar a linguagem conceitual e permitir o planejamento da ao e uma inter-pretao da realidade coerentes com a concepo anarquista.

    Primeiramente, foi definido que 3 Tarefas so caractersticas de uma orga-nizao poltica e de seus militantes: 1) Agitao; 2) Propaganda; 3) Organiza-o. Estas trs tarefas devem ser cumpridas, a ausncia de qualquer uma delasdenuncia uma falha orgnica.

    Estas trs Tarefas que auxiliam na definio das duas formas de luta daorganizao: a Luta Ideolgica e a Luta Poltica. A luta ideolgica (composta

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    pelas atividades de agitao e propaganda) no supe a luta poltica (compostapela organizao + propaganda ou agitao ou ambas), mas a luta poltica com-preende a luta ideolgica.

    Estas duas formas de luta caracterizam permanentemente a ao da orga-nizao e ao mesmo tempo permite distinguir diferentes situaes em que ela seencontra. Em termos concretos, significa que ao fazermos propaganda e agitaonuma fbrica estamos fazendo luta ideolgica. Quando organizamos trabalhado-res em torno da nossa proposta alcanamos o grau da luta poltica.

    Por isso a luta ideolgica pode, e vai necessariamente na maior parte doscasos, preceder e preparar a luta poltica. Ou seja, a agitao e a propagandapreparam a organizao. Assim, as trs tarefas constituem uma unidade em re-

    vezamento, assim como as duas formas de luta.

    As Frentes foram uma terminologia adotada para distinguir espaos con-cretos onde desenvolveremos as trs tarefas e as duas formas de luta da organi-zao. O Congresso adotou a denominao de Frente de Massas para designar oconjunto das trs frentes da organizao: 1) a frente de organizaes por local detrabalho (LT); 2) a frente de organizaes por local de moradia (LM); 3) a frentede organizaes por local de estudo (LE).

    A luta ideolgica e poltica ser organizada a partir destas frentes, que da-ro um carter local e concreto a nossa interveno na realidade. Mas existemdiversas formas de luta na sociedade, especialmente entre o povo, que existemindependentemente da nossa presena ou vontade. Estas lutas servem comoterreno concreto, e por isso importante qualific-las.

    As Lutas existentes na sociedade

    Podemos dizer que existem na realidade objetiva trs tipos de Luta emmeio ao Povo;

    1) a Luta Fracionista, que se d por motivos diversos (religiosos, econmi-cos, tnicos, ou vrios deles combinados). So as lutas em que os mem-bros das fraes trabalhadoras e camadas populares tm como inimigosos membros das fraes trabalhadoras e camadas populares. So as lu-

    tas que dividem o povo entre si.

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    2) A Luta Reivindicativa, quando membros das fraes trabalhadoras ecamadas populares reivindicam melhorias de condies de vida peranteo Estado (Governo) ou o Capital (Patres);

    3) Lutas Reativas: aquelas em que membros das fraes trabalhadoras ecamadas populares reagem contra uma agresso ou injustia do Estado(Governo) ou do Capital (Patres), mesmo que no reivindiquem nada.

    Chamaremos de Luta Popularas Lutas Reivindicativas e Reativas. A luta i-deolgica e poltica da organizao se fazem dentro das lutas populares. De ma-neira geral, podemos dizer que so objetivos permanentes da nossa luta polticae ideolgica: 1) combater ofracionismo; 2) promover as Lutas Populares; 3) darelas uma direo classista e combativa que permita o seu desenvolvimento na

    direo da via revolucionria.

    Definida a metodologia de trabalho, o Congresso passou a discusso depontos especficos relativos formulao de um plano de trabalho e de polticas,tanto para determinadas reas de interveno (como propaganda, relaes eformao), como para frente de massas.

    4 - Polticas para Frente de Massas

    O Congresso, para efeito simblico, definiu que cada uma das frentes rece-beria um nome de batismo, em homenagem a algum combatente do povo quetombou na luta. A frente comunitria recebeu o nome de Manoel Congo, qui-lombola morto no sculo XIX; a frente sindical recebeu o nome de DomingosPassos, militante anarquista operrio que foi assassinado pela Polcia; a frenteestudantil recebeu o nome de Bacuri, guerrilheiro morto pela ditadura nos anos70.

    O Congresso entendeu que preciso organizar e intensificar o trabalho de

    base na frente de massas. Trs orientaes bsicas foram tiradas. O trabalho nafrente comunitria receber nfase neste perodo 2003-2004. Seus objetivos so:

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    1) garantir o enraizamento da organizao nos bairros proletrios; 2) montaruma retaguarda de apoio para a organizao.

    O Congresso entendeu que seria fundamental iniciar trabalhos para a cria-

    o de uma tendncia estudantil. A criao de tal tendncia visa dar meios maiseficazes para ao da organizao junto aos estudantes pobres nas escolas euniversidades.

    O Congresso entendeu que devemos iniciar a luta ideolgica na frente sin-dical, que prepara o terreno para nossa insero neste campo que ainda nos novo. A partir da consolidao da luta ideolgica, se avaliar como proceder criao de organizaes sindicais e a luta poltica propriamente dita.

    A Luta Ideolgica e Poltica da Organizao neste perodo de 2003-2004 se-r orientada para a adaptao dos trabalhos de massa a linha da organizao.Assim, este perodo constitui um momento de transio que prepara o terrenopara uma ao de maior envergadura. Alm disso, os trabalhos do II Congressoiro apontar a estratgia de longo prazo em que tais trabalhos estaro inseridos.

    5 Encerramento

    Depois de tratar de tais temas, cumprindo plenamente seus objetivos inici-

    ais, o Congresso entrou na sua fase de encerramento. Nos lanamos ao esforode trabalho e construo que sabemos ser duro e difcil, dadas as adversidadesque se colocam, e as barreiras que se levantaro. Mas reafirmamos, e cada vezmais convictos, a via revolucionria para o socialismo, e que Anarquismo Lu-ta!!!

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    A Alma e o Corpo: O Bakuninismo

    e Organizao Anarquista

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    Introduo

    Este texto visa fazer uma discusso aprofundada sobre o bakuninismo, aideologia anarquista, a organizao poltica revolucionria e seu papel na luta demassas. Neste sentido, ele servir como documento base de toda a poltica daUnio Popular Anarquista (UNIPA). Ele poder tambm auxiliar a todos os mili-tantes, revolucionrios socialistas, ou ainda militantes de base, a encontrar umaformulao clara que os possa conduzir rumo luta pela revoluo social noBrasil.

    O texto dividido em duas partes. A primeira parte (A Alma) trata de de-terminar com clareza as bases tericas e ideolgicas para uma organizao polti-ca revolucionria. A segunda parte (O Corpo) analisa a relao entre a organi-zao poltica e organizao de massas, de forma a determinar com clareza oselementos de nossa linha poltica e nossa linha de massas.

    Este texto foi produzido coletivamente, no perodo que precedeu e suce-deu o II Congresso da Unio Anarquista (fevereiro-maro de 2004), momento de

    intensa reflexo terica, feita paralelamente a momentos graves nas nossas fren-tes de massa. Por isso, este documento surge com uma feio especial, concebi-do por um longo processo de discusso e amadurecimento terico fecundadopor uma prtica poltica tambm prolongada e exaustiva.

    As orientaes aqui contidas representam o movimento real e duplo da lu-ta poltica; da ao para as idias, por um lado, e por outro, das idias novamen-te para a ao, revigorada pela reflexo coletiva. Por isso confiamos que as orien-taes contidas em nossos documentos iro ter a devida durabilidade e garanti-

    ro o avano de nossa organizao na sua luta pelo socialismo.

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    I - O Pensamento-Guia (A Alma)

    A sociedade, no grande sentido da palavra, opovo, a vil multido, a massa dos trabalhadores, nos d a fora e a vida, mas tambm d os elementosde todos os pensamentos modernos, e um pensa-mento que no sai do seu seio e que no a expres-so fiel dos seus instintos populares, segundo a mi-nha opinio, um pensamento morto nascena.

    (Mikhail Bakunin)

    O Bakuninismo o Pensamento Guia de nossa organizao. Defini-lo aomesmo tempo avanar e aprofundar o conhecimento sobre o anarquismo en-quanto ideologia revolucionria na histria da luta do proletariado por sua e-mancipao.

    Para realizar esta discusso de importncia fundamental que, em primei-ro lugar, fique clara a exigncia de um rigor e uma preciso conceitual mxima. preciso fazer a distino clara entre as noes de ideologia, teoria e pensamento-guia.

    Com relao a ideologia existem dois elementos essenciais: seu carter sis-tmico e sua existncia necessariamente articulada nos planos do pensamento eda vida material. O que est dito aqui o seguinte:

    1) As idias/valores e aspiraes, somente constituem uma ideologia por-que esto coerente e necessariamente articuladas entre si na forma de um sis-

    tema, onde a supresso ou alterao de uma destas idias/valores ou aspiraes,subverte o sistema como um todo e descaracteriza o conjunto enquanto umaideologia determinada;

    2) As idias/valores e aspiraes coerentemente articuladas entre si emforma de sistema constituem a ideologia, no so apenas noes abstratas: ouesto manifestas nas prticas materiais de indivduos e grupos, ou no so nada.Melhor dizendo, um valor (ou uma aspirao) que apenas enunciado e nomanifestado na prtica no verdadeiramente um valor (ou uma aspirao), apenas uma figura de discurso e de retrica. importante destacar que este

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    conjunto de afirmaes vlido no para uma ou outra ideologia, mas para oconceito de ideologia enquanto tal.

    A teoria , assim como a ideologia, um sistema, ou seja, um conjunto com-

    posto por elementos interdependentes coerentemente e necessariamente arti-culados entre si. Enquanto a ideologia um sistema formado por idias/valores easpiraes, a teoria um sistema de conceitos, que so as ferramentas necess-rias para a interpretao e o conhecimento do mundo social (mas tambm emgeral para o mundo natural).

    Teorias diferentes - sistemas de conceitos diferentes levam a compreen-ses diferentes sobre o homem e a sociedade, e autorizam concluses tambmdiferentes, que conduziro a aes distintas e at opostas sobre e no mundo

    social. de fundamental importncia destacar que a teoria (qualquer teoria)nunca uma apreenso imediata, neutra e descompromissada da realidade dohomem e da sociedade, ao contrrio, sempre construda a partir ou de umposicionamento poltico, mesmo que pouco sistematizado, sobre o ordenamentoda sociedade, mais ou menos crtico ou conservador.

    Portanto, para valores e aspiraes diferentes quanto ao mundo social,correspondem teorias diferentes para compreender, criticar ou justificar estemundo social, e qualificar a ao sobre ele. Esta afirmao no significa que noexistam teorias fraudulentas e mistificadoras, de um lado, e teorias que apontamuma compreenso correta do mundo social (ou natural), verdades cientficas,

    do outro. Simplesmente aqui afirma-se o seguinte: 1) Em cincia, todas as ver-dades cientificas esto permanentemente submetidas prova e verificao, eassim, sujeitas a serem ultrapassadas e superadas por novas verdades cientfi-cas; 2) Mesmo as verdades cientficas so produzidas a partir de um determi-nado ponto de vista interessado e comprometido, apesar ou por causa distomesmo.

    Como j vimos afirmando, a ideologia de um determinado grupo ou organi-zao poltica o fator determinante para sua ao e para seu trabalho terico. a ideologia que move e impulsiona a ao, servindo a teoria para precisar a dire-o e qualificar a conduo desta ao. Podemos agora aprofundar um poucomais o debate. A ideologia um sistema de idias, aspiraes e valores, ou seja,um conjunto de elementos interdependentes e coerentemente articulados.

    importante perceber que esta articulao coerente de vrias idi-

    as/valores e aspiraes uma construo humana na sociedade e na histria,logo, a ideologia (toda ideologia) possui uma histria especfica, constituda emum dado momento histrico, por indivduos e/ou grupos determinados a partir

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    de um trabalho intelectual de sistematizao de uma determinada prtica social.A ideologia no existe em um limbo e no surge a partir do nada, possui histriae fundadores determinados que a constituem atravs de uma reflexo intelectu-al sobre uma determinada prtica, para onde retorna necessariamente.

    Resumindo, podemos dizer que: o Pensamento-Guia o conjunto maisamplo, que compreende a Ideologia e Teoria; a Ideologia uma sintetizaopoltica dos elementos fundamentais deste conjunto maior.

    1 A formao histrica da ideologia Anarquista e seus princ-pios constitutivos

    O anarquismo uma ideologia, assim, um sistema de idias, valores easpiraes, ou seja, um conjunto onde estes elementos so interdependentes eesto necessria e coerentemente articulados entre si. verdade que certasidias/valores e aspiraes que formam o anarquismo enquanto ideologia pos-suem uma existncia na luta das massas trabalhadoras que anterior sua sis-tematizao, mas no existe anarquismo antes desta sistematizao, ele esta

    sistematizao. Assim compreendido, fica claro que o anarquismo possui umahistria bem determinada que pode ser investigada e conhecida.

    preciso recusar certa mitologia que afirma vagamente tolices, anacro-nismos e/ou falsificaes grosseiras, decorrentes de matrizes tericas idealistas,tais como: O melhor expoente da filosofia anarquista na Grcia Antiga foi Zeno(342-267ou 270 AC), cretense, fundador da escola estica, que ops uma claraconscincia de uma comunidade livre, sem governo utopia estatista de Plato(Kropotkin, O Anarquismo 1905). Por mais impressionante que possa parecer tal

    afirmao, ela falsa e vazia de qualquer contedo histrico real.

    O anarquismo enquanto ideologia vai comear a ser sistematizado a partirdas experincias de luta do movimento proletrio europeu do sculo XIX, dointerior de seus setores mais intransigentemente classistas. O dinamismo destemovimento, cada vez mais radicalizado e anti-burgus, principalmente depois dadcada de 1840, vai propiciar o desenvolvimento de um efervescente trabalhointelectual de indivduos, grupos e organizaes inseridas neste conflito social.

    neste momento que comeam a tomar forma as primeiras sistematiza-es do socialismo enquanto ideologia revolucionria do proletariado, frutodeste primeiro momento a clssica obra O que a propriedade? de Pierre-

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    Joseph Proudhon, onde frontalmente desmascarado o sistema poltico, eco-nmico e ideolgico da burguesia, assim como tambm neste perodo publica-do o pilar do marxismo, o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e daLiga dos Comunistas. Com o avanar das dcadas o socialismo vai constituir-se econsolidar-se em duas vertentes adversrias: o Socialismo Revolucionrio ouAnarquismo, e o Comunismo marxista ou Social-Democracia.

    Ser o revolucionrio, proletrio e intelectual Proudhon, o primeiro a rei-vindicar positivamente o conceito de anarquista para definir a si mesmo e suaformulao programtica. Proudhon um intelectual de grande envergaduraterica e durante duas ou trs dcadas a principal referncia de massas do mo-vimento operrio europeu ocidental (especialmente francs). A partir de suas

    reflexes tericas sobre a economia capitalista e o poder burgus e de sua for-mulao programtica de um socialismo anti-estatal e profundamente anti-burgus, Proudhon vai lanar as bases daquilo que o revolucionrio russo MikhailBakunin vai dar a forma acabada: o anarquismo.

    A incansvel atividade organizativa no interior do movimento operrio particularmente no interior da Associao Internacional dos Trabalhadores atra-vs de sua organizao poltica a Aliana bem como sua imensa capacidade detrabalho intelectual fez de Bakunin uma figura singular na luta proletria e socia-

    lista na Europa do sculo XIX. Bakunin, incorporando o fundamental do instru-mental terico e da sntese programtica de Proudhon vai os levar s suas lti-mas conseqncias polticas e tericas.

    Bakunin o responsvel por sistematizar a ideologia anarquista bem comopor aprofundar sua teoria, definir com preciso seu programa e sua estratgia. Oanarquismo, enquanto sistema unitrio e dialtico das idias, valores e aspira-es do socialismo, liberdade, organizao e luta classista vai ter como incio desua trajetria histrica, exatamente a ao intelectual e prtica revolucionria deMikhail Bakunin no sculo XIX. Em suma, a sistematizao do anarquismo en-quanto ideologia vai se processar atravs e no interior do pensamento elaboradoe desenvolvido historicamente por Bakunin.

    Concordamos com o clebre pensamento exposto na Plataforma Organ i-zacional (manifesto do Grupo Dielo Trouda de 1927) quando afirma que Oanarquismo no uma utopia, nem uma idia filosfica abstrata, um movimen-to social das massas trabalhadoras.. Esta afirmao, contida na Plataforma,

    marca a oposio da perspectiva anarquista perspectiva leninista, segundo aqual o socialismo produzido no seio de um determinado setor da intelectuali-dade burguesa e da introduzido na luta dos trabalhadores.

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    Ns, ao contrrio, entendemos que o conjunto de idias/valores e aspira-es constitutivo do anarquismo enquanto ideologia, j estava manifesto na lutados operrios e camponeses do sculo XIX contra a dominao burguesa. E seBakunin foi capaz de ordenar estas aspiraes, idias e valores difusos num sis-tema ideolgico, atravs de seu pensamento e no interior de seu pensamento,foi exatamente porque Bakunin estava inserido absolutamente na mesma luta econdio material dos operrios e camponeses1.

    Quatro elementos constituem os princpios ideolgicos, que caracterizam oanarquismo: Socialismo e Liberdade, Luta Classista e Organizao. As idias desocialismo e liberdade como aspiraes e as de luta classista e organizao comovalores mximos.

    Estes quatro princpios ideolgicos no foram definidos arbitrariamente.Eles surgiram da experincia histrica em que se forjou o nosso pensamentoguia. o pensamento guia que afirma a importncia da organizao. Bakunin dizh no povo uma fora elementar, mas esta precisa ser amparada por uma orga-nizao que permita mais do que a sublevao por si s, mas tambm a vitriarevolucionria por uma preparao longa e prolongada. Para Bakunin, tam-bm a organizao (a associao) o nico caminho das massas para a libertao,a emancipao pela prtica.

    Mas a organizao no se explica por si s. A organizao s faz sentidoem face de outra idia, a luta classista. Bakunin afirma: Que desta organizao,cada vez maior, da solidariedade militante do proletariado contra a exploraoburguesa deva sair e surja efetivamente a luta poltica do proletariado contra aburguesia, quem duvida disso?.

    A luta se apresenta como fator positivo de movimento da sociedade e dahistria: Esta harmonia, a ausncia de luta, a ausncia de vida, a morte. Em

    poltica o despotismo. Olhem para toda a histria e convenam-se que emtodas as pocas em todos os paises em que h desenvolvimento e exuberncia davida, do pensamento, da ao criadora e livre, houve divergncia, luta intelectuale social, luta de partidos polticos ...

    1 Entendemos que esta afirmao vlida tanto para o anarquismo e Bakunincomo para a prpria histria de Marx e da ideologia comunista por ele desenvol-vida. No pode ser obscurecido o fato de Marx produziu todo o seu pensamento

    do interior do contexto da luta operria do sculo XIX e todo o seu pensamentocorrespondia a demandas colocadas no interior da luta de classes e no interiordas lutas de Marx e seus correligionrios contra seus adversrios no interior domovimento operrio (como o anarquismo, por exemplo).

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    As noes de luta e organizao se apresentam assim como idias semprepresentes tanto na teoria quanto na prtica poltica de Bakunin. So elas quecaracterizam e sintetizam o fundamental do anarquismo.

    A crtica bakuninista da sociedade capitalista conjugada com outras duasidias que sintetizam as aspiraes fundamentais do anarquismo: Que a liber-dade sem o socialismo o privilegio, a injustia; e que o socialismo sem a liber-dade a escravido e a brutalidade...

    Socialismo e Liberdade, dois termos unidos dialeticamente pela concepoanarquista, quando separados se apresentam apenas como deformao. A revo-luo social se apresenta como meio necessrio para a realizao de tais aspira-es. A luta e organizao anarquista se vinculam a aspirao socialista e libert-

    ria e estas se vinculam a prtica da luta classista e da organizao.

    Socialismo, Liberdade, Organizao e Luta Classista; estes dois pares de i-dias/valores e aspiraes dialeticamente unidos constituem os elementos bsi-cos da ideologia anarquista.

    Amparada de um lado na crtica terica da sociedade capitalista, e de outronuma experincia revolucionria, com as quais constitui uma unidade em per-manente movimento, a ideologia anarquista tem uma dimenso prpria, sendo o

    motor da prtica poltica anarquista.

    2 Os elementos constitutivos da teoria Bakuninista

    Ao nos referirmos ao pensamento de Bakunin, estamos enfocando preci-samente o pensamento expresso e manifesto na sua obra, e esta obra definida

    pelo conjunto dos livros, panfletos, artigos, manuscritos e etc, por ele redigidos.Assim ao mencionarmos o pensamento de Bakunin estamos mencionando algomaterialmente determinado e determinvel e no idias implcitas ou senti-mentos interiores, mesmo porque, como afirma Bakunin: O homem tem uni-camente no seu interior o que manifesta de qualquer modo no seu exterior. 2

    o pensamento de Bakunin que gera o anarquismo historicamente en-quanto ideologia revolucionria. Este pensamento tem, pois, uma relao depaternidade com a ideologia anarquista no sentido de que com base em seus

    conceitos e reflexes que a sistematiza ao mesmo tempo em que impulsio-2Bakunin, M. O Conceito de Liberdade. P. 19

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    nado por ela, que o pensamento de Bakunin se desenvolve. Est aqui claramenteexplicitada e marcada a profunda unidade que existe entre o anarquismo e opensamento de Bakunin.

    O pensamento de Bakunin tomado como fundamento da compreenso domundo social, ou seja, como base a partir da qual desenvolver o trabalho dinmi-co de produo terica analtica e interpretativa da realidade social, ns o defi-nimos como Bakuninismo.

    Entendemos que o bakuninismo fornece no somente uma correta com-preenso a respeito do complexo de relaes que se estabelece entre o homeme a sociedade, bem como fornece uma crtica definitiva ao sistema poltico eeconmico burgus e sua ideologia. Alm disto, o bakuninismo tambm apre-

    senta uma compreenso precisa a respeito da relao entre as classes na socie-dade capitalista e o seu papel na transformao ou preservao deste sistemasocial. Por ltimo, mas no menos fundamental, entendemos que o bakuninismodesenvolve e apresenta uma perspectiva justa a respeito da relao entre a aoda fora coletiva na sociedade e a construo das idias, representaes e doconhecimento, incluindo-se a a cincia. No deve ser perdido de vista o fato deque o bakuninismo uma produo intelectual desenvolvida a partir dos marcosde um enfrentamento de morte contra a dominao burguesa, com base na

    organizao e na luta classista e apontando para a construo do socialismo e daliberdade, um pensamento que expressa uma viso proletria e revolucionriado mundo social.

    importante apresentar neste momento os fundamentos principais do ba-kuninismo, ou seja: o materialismo e a dialtica. O materialismo constitui-se naafirmao de que a materialidade, os fatos, a vida, produz as idias, as represen-taes, o conhecimento. Oposio intransigente ao idealismo, para o qual asidias geram a vida material, o materialismo historicamente desenvolveu-semesclado ao socialismo. Podemos entender o centro da definio materialista deBakunin a partir desta citao:

    A fora do sentimento coletivo ou do esprito pblico j hoje pode-rosa. (...) Mas se esta fora social existe, por que que ela no foi suficien-te, at aos nossos dias, para moralizar e humanizar os homens? (...) por-que at aos nossos dias, ela prpria nunca foi humanizada porque a vida

    social da qual ela sempre a expresso mais fiel baseia-se, como se sabe,no culto divino e no no respeito humano; na autoridade e no na liberda-de; no privilgio e no na igualdade; na explorao e no na fraternidade

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    dos homens, na corrupo e na mentira e no na justia e na verdade. (...)Querem torn-la benfica e humana? Faam a Revoluo Social.. 3

    Bakunin recusa o economicismo de Marx e o esquematismo mecanicistadeste mesmo pensador que o leva a entender a realidade poltica, jurdica e cul-tural de uma sociedade como uma mera reflexo da infra-estrutura econmi-ca. Bakunin admite que certas idias retornam ao mundo material quandoencarnadas em fatos materiais, em instituies e etc. A realidade determina asidias, mas idias tambm esto presentes nesta realidade. O materialismo,segundo Bakunin, fundamentalmente um materialismo da ao, do fato, davida, do conjunto da realidade que determina a produo das representaes e

    das idias, no um materialismo que reduz a explicao do mundo base eco-nmica da sociedade, como em Marx.

    Como um pensador capacitado e imerso na luta de classes, Bakunin tinhaclareza de todas as consequncias e de todos os vnculos polticos do conheci-mento produzido e do prprio processo de produo do conhecimento. Assim,Bakunin combatia o idealismo dos metafsicos e doutrinrios por ser a raciona-lidade prpria legitimao de todos os modelos sociais de opresso da histria.

    Por outro lado, a afirmao materialista de Bakunin est intimamente vin-culada s necessidades polticas do proletariado em luta:

    Porque o que toma por seu ponto de partida o pensamento abstratono poder nunca chegar a vida, porque no existe caminho que possaconduzir da metafsica a vida. Esto separadas por um abismo. Superar es-te abismo, realizar um salto mortal ou mesmo o que Hegel denominou um

    salto qualitativo desde o mundo da lgica ao mundo da natureza, da vidareal, no o conseguiu ainda ningum e nunca conseguir. O que se apiana abstrao morrer nela.

    A rota vivente concretamente justificada a cincia, o caminho do fato real ao pensamento que o abarca, que o expressa e que, por conse-guinte, o explica: e no mundo prtico, o movimento da vida social atuma organizao impregnada o mximo possvel desta vida, conforme asindicaes, condies, as necessidades e as exigncias mais ou menos a-

    paixonadas desta mesma vida (p. 212)

    3 Bakunin, M. O Conceito de Liberdade. P. 20

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    Tal a vasta rota popular da emancipao real e total, acessvel atodos e, por conseguinte, realmente popular, rota da revoluo social a-narquista, que surge por si mesma do seio do povo, destruindo tudo o quese ope ao desabrochar generoso da vida do povo a fim de criar logo, das

    profundezas mesmas da alma popular, as novas formas da vida social li-vre.(p. Estatismo e Anarquia, p. 213).

    Torna-se o materialismo perspectiva de anlise social e mtodo de inter-veno poltica revolucionria.

    No que diz respeito idia de dialtica, Bakunin, compreende que o confli-

    to e a luta so elementos constantes e permanentes na sociedade. Em rupturaporm com a dialtica hegeliana (e marxista) que aponta para a idia de que acontradio entre tese e anttese superada por uma sntese, Bakunin compre-ende que a tese, ou lado positivo, manifesta-se como quietude absoluta; e aanttese, ou lado negativo, elemento dinmico da dialtica, por natureza tende acaracterizar sua existncia pela negao absoluta da tese no permitindo snteseharmnica .

    As sries dialticas de Proudhon onde os elementos esto em verdadeira

    interao conflitiva sem soluo harmonizante, so incorporadas por Bakunin emseu pensamento, caracterizando o bakuninismo por quatro eixos principais: adialtica entre o indivduo e sociedade, a dialtica entre a poltica e a economia,a dialtica entre a burguesia e o proletariado, e a dialtica entre a ao e o pen-samento.

    A dialtica do individuo e a sociedade diz respeito contnua inter-relaoque se d na vida social entre os indivduos e a coletividade social. Em primeirolugar, Bakunin investe contra o pensamento liberal afirmando que: Tudo que

    humano no homem, e a liberdade mais do que qualquer outra coisa, o produtode um trabalho social, coletivo 4. Se Bakunin faz questo de, por um lado, demoliro indivduo abstrato do idealismo liberal e burgus, tambm aponta suas bateri-as contra o determinismo simplista da coletividade social sobre o indivduo, fun-dando este primeiro aspecto de sua concepo dialtica: Todos os indivduos,mesmo os mais inteligentes, os mais fortes, e sobretudo os inteligentes e fortes,

    4 Idem. P. 24

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    so, em qualquer momento de sua vida, os produtores e os produtos da vontadee da ao das massas. 5

    A dialtica entre a poltica e a economia surge no pensamento de Bakunincomo um vigoroso avano no conhecimento social de sua poca nos marcos doproletariado em luta. Refutando o economicismo de Marx e a sua noo de que ainfra-estrutura econmica da sociedade determina mecanicamente a super-estrutura poltica, jurdica e ideolgica, Bakunin vai propor uma perspectivadialtica para a compreenso das relaes entre o poltico e o econmico:

    O estado poltico de cada pas ... sempre o produto e a expresso fiel da sua situao econmica; para mudar o primeiro s necessriotransformar esta ltima. Todo o segredo das evolues histricas, segundoo Sr. Marx, est l. Ele no toma em considerao os outros elementos dahistria, tais como a reao contudo evidente, das instituies polticas, ju-rdicas e religiosas sobre a situao econmica. Ele diz: A misria produz aescravatura poltica, o Estado; mas no se atreve a revirar esta frase e di-zer: A escravatura poltica, o Estado, reproduz por sua vez e mantm a

    misria, como uma condio de sua existncia; de modo que para destruira misria, preciso destruir o Estado. 6

    A dialtica entre a burguesia e o proletariado tal como afirmada por Baku-nin fundamenta que o estado presente de uma determinada conjuntura histricada sociedade capitalista o resultado de uma correlao de foras na luta entrea classe proletria e a burguesia:

    Compreendeste que entre o proletariado e a burguesia existe um

    antagonismo que irreconcilivel, pois que conseqncia necessria desuas posies respectivas? Que a prosperidade da classe burguesa in-compatvel com o bem-estar e a liberdade dos trabalhadores, porque esta

    prosperidade exclusiva no nem pode ser fundada seno na explorao ena escravido do seu trabalho, e que, pela mesma razo, a prosperidade e

    5 Idem. P. 176 Idem. P 92

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    a dignidade humana das massas operarias exigem absolutamente a aboli-o da burguesia como classe autnoma? Que por conseguinte a guerraentre o proletariado e a burguesia fatal, e s pode acabar atravs da des-truio desta ultima?(Poltica da Internacional, p. 53)

    Quanto a estas causas [causas da criao de fatos novos na socie-dade], preciso procur-las no desenvolvimento ascendente das necessi-dades econmicas e das foras organizadas e ativas, no ideais mas reais,da sociedade.7

    Tambm ser exclusivamente a partir da luta de classes que Bakunin en-

    tende o avano da sociedade. A concepo dialtica da relao entre as classessociais leva Bakunin a buscar a transformao radical da sociedade capitalistanos termos da dialtica tal como ele a defende (com a anttese suprimindo e noacomodando-se com a tese em um novo arranjo):A revoluo a guerra, e quemdiz guerra diz destruio dos homens e das coisas. Sem dvida que uma penaque a humanidade ainda no tenha inventado um meio mais pacfico de progres-so, mas at hoje qualquer passo novo na histria s foi realizado na realidadedepois de ter recebido o batismo de sangue. 8

    A dialtica entre a ao e o pensamento expressa a concepo de Bakuninque fundamenta sua radical perspectiva materialista. Para Bakunin, o pensamen-to e a vida (o plano da ao) no podem nunca ser redutveis uma ao outro ouvice-versa: Como seres vivos, discernimos e sentimos esta realidade, ela envolve-nos e ns sofremo-la e exercemo-la ns prprios, muitas vezes sem o sabermos, atodo momento. Como seres pensantes, abstramo-nos forosamente dela, pois onosso prprio pensamento s comea com esta abstrao e por ela

    9. O pensa-mento a abstrao da vida, incluindo aqui a cincia, a vida a realidade mate-

    rial , ela sim, a totalidade, e no passvel de ser apreendida diretamente,sem a mediao da abstrao, pela racionalizao e pela cincia. Tudo o que

    puderem dizer sobre uma coisa para a caracterizar, todas as propriedades quelhe atribuam ou que lhe encontrem sero determinaes gerais, aplicveis emgraus diferentes e numa quantidade inumervel de diferentes combinaes, amuitas outras coisas. (...) A individualidade de uma coisa no se exprime10.

    7

    Idem. P. 908 Idem. P. 2029 Idem. P. 4310 Idem. P. 41

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    Apesar de estabelecer este limite razo, Bakunin est longe de se posi-cionar ao lado do irracionalismo e de atacar a cincia:

    Ns respeitamos inteiramente a cincia e consideramo-la como umdos mais preciosos tesouros, como uma das glrias mais puras da humani-dade. Por sua causa o homem distingue-se do animal, hoje seu irmo maisnovo, outrora seu antepassado, e torna-se capaz de liberdade. Portantotambm necessrio reconhecer os limites da cincia e de lhe lembrar queno o todo, s uma parte, e que o todo a vida ...11

    Bakunin , no entanto, um inimigo ferrenho do cientificismo e de sua obrasocial tanto no aspecto mais amplo quanto no interior da luta proletria. O cien-tificismo nasce com a dominao burguesa: Ela [a burguesia] sabe muito bemque a principal base, e at se poderia dizer a nica, da sua fora poltica atual, a sua riqueza; mas, no querendo nem podendo confess-lo, ela procura explicaresta fora pela superioridade da sua inteligncia, no natural mas cientfica;

    para governar os homens, acha ela, preciso saber muito e hoje s ela quesabe12.

    Pondo os devidos freios s pretenses do governo dos homens de cincia,Bakunin igualmente ataca as pretenses de hegemonia cientfica de Marx, seuspartidrios e seu programa no interior do movimento operrio e na construodo socialismo, ao apontar para a sociedade socialista sob poder dos trabalhado-res, diz Bakunin:

    O trabalho em geral no seno uma idia abstrata que no en-contra a sua realidade seno numa imensa diversidade de indstrias es-

    peciais, em que cada uma tem a sua natureza prpria, as suas prpriascondies, que no se podem adivinhar e muito menos determinar pelo

    pensamento abstrato, mas que, s se manifestando pelo fato de seu de-senvolvimento real, podem determinar sozinho o seu equilbrio particular,as suas relaes e o seu lugar na organizao geral do trabalho, - organi-zao que, como toda as coisas gerais, tem de ser a representante sempre

    11 Bakunin, Mikhail. O Conceito de Liberdade. P. 4512 Idem. P. 51

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    reproduzida de novo pela combinao viva e real de todas as indstriasparticulares e no o seu princpio abstrato, imposto violenta e doutrinari-amente, como o queriam os comunistas alemes, partidrios do EstadoPopular.13

    O movimento dialtico, segundo Bakunin, entre o pensamento e a vida, seapresenta ao fim das contas como a determinao da ao concreta sobre opensamento, mas este pensamento estando igualmente inserido no complexoconjunto de elementos materiais que constituem a ao e a vida. . Todo o mo-vimento do conhecimento racional, cientfico e de sua relao dialtica com avida e a ao encontra-se expressa numa breve frase do revolucionrio russo: A

    abstrao cientfica, j tenho dito, uma abstrao racional, verdadeira na suaessncia, necessria vida da qual ela a representao terica, a conscincia.Ela pode, deve ser absorvida e dirigida pela vida.14

    Tendo assim caracterizado o bakuninismo importante destacar que o a-narquismo o produto e, simultaneamente, o produtor do bakuninismo, pois oeixo ideolgico condutor do trabalho intelectual de Bakunin. Por outro lado, obakuninismo o solo frtil de onde brota o anarquismo alm de ser sua explica-o ltima.

    O anarquismo a ideologia bakuninista e o bakuninismo o pensamentoanarquista. Anarquismo e bakuninismo encontram-se indissociavelmente fundi-dos em uma poderosa unidade, e a melhor prova para tal o fato de que ambosdesenvolvem-se historicamente juntos, construindo-se mtua e dialeticamenteao longo da trajetria poltica e revolucionria de Bakunin.

    A tentativa de divorciar o anarquismo do bakuninismo provou historica-mente, atravs da reviso promovida por Malatesta e seu anarquismo comunis-

    ta, que enquanto fraude, s pode degenerar em revisionismo e reao, ou namelhor das hipteses, em confuso e hesitao. A teoria, o programa, e a estra-tgia gerais do anarquismo encontram sentido no interior do conjunto da for-mulao bakuninista e fora da tendem a desembocar no idealismo pequeno-burgus e no humanitarismo reacionrio e conservador.

    13 Idem. P. 144.14 Idem. P. 47

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    Ao afirmarmos que o bakuninismo pensamento-guia da organizao, afir-mamos que encontramos no conjunto da obra de Bakunin a base fundamentalpara o desenvolvimento de nossa produo terica, programtica e estratgica.

    Entendemos que ao pensamento-guia podemos acrescentar contribuiescomplementares e que desempenhem um papel de aprofundamento com rela-o s suas concepes, porm rechaamos toda e qualquer reviso nos postu-lados bsicos do bakuninismo e denunciamos toda tentativa de desvencilhar oanarquismo de sua base filosfica bakuninista como revisionismo e traio causa anarquista. A unidade indissocivel entre bakuninismo e anarquismo achave para o rearmamento ideolgico, terico e poltico do socialismo revolucio-nrio anarquista e conseqentemente do proletariado em sua luta de emancipa-

    o.

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    II - A dialtica da organizao poltica com a organizao demassas (O Corpo)

    Esta parte do texto visa realizar a o aprofundamento terico acerca da nos-sa linha poltica. Neste sentido, pretendemos analisar os elementos que deter-minam o funcionamento interno e a ao da organizao poltica revolucionriaanarquista.

    A nossa linha poltica define:

    Tendo por base a ideologia anarquista, podemos afirmar que ela

    toma a luta e organizao como pressupostos, o que significa que: 1) existea necessidade de organizao, tanto dos anarquistas em organizao revo-lucionria como da massa em movimentos reivindicativos. Alm disso, pa-ra fins operacionais, podemos classificar as idias e aspiraes da ideologiano que chamaremos aqui de Estratgia e Programa Geral Permanentes,

    porque compem a ideologia anarquista, logo, no so passveis de revi-so.

    A Estratgia Permanente 1) Revolucionria, o que significa que elasupe o uso da fora para a mudana da sociedade; 2) Anti-colaboracionista, pois ela boicota o sistema poltico burgus e leva a sepa-rao de seus grupos e partidos. Esta estratgia exige: 1) que os anarquis-tas sustentem as organizaes populares e faam propaganda dentro de-

    las; 2) que o partido recrute/forme lderes populares, para que estes apli-quem sua poltica revolucionria dentro dos seus respectivos movimentos elhes dem uma direo revolucionria. Esta Estratgia est subordinada e o meio principal de alcanar o Objetivo Final da Ideologia, ou seu Pro-grama Permanente, que o estabelecimento de um sistema socialista, quesupe a destruio do Estado burgus e do Capitalismo.

    Os pilares da Organizao Anarquista no so somente idias, mas prticase relaes que evolvem formas concretas de distribuio do poder e de organiza-o da tomada de decises. Qualquer coisa no seno que ela faz, dizia Ba-

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    kunin. Entendendo a centralidade da ideologia, e os quatro princpios ideolgicos(socialismo e liberdade, luta e organizao), devemos ter conscincia entretantoque uma organizao no se apia somente sobre valores e aspiraes.

    Uma organizao se apia sobre princpios organizativos que no se redu-zem nem se confundem com os princpios ideolgicos. Os princpios organizati-vos visam exatamente dar forma concreta e mecanismos explcitos de regulaoda ao. Nossa Linha Poltica se pauta em sete pontos fundamentais, que estru-turam nossa organizao:

    1 a organizao se apia sobre quatro princpios: unidade terica,

    unidade ttica, responsabilidade coletiva e federalismo.2 a funo da organizao preparar e dirigir a luta revolucionria

    pelo socialismo, atravs da insero na luta poltica de massas, amparadonum planejamento estratgico harmnico global;

    3 a estratgia geral permanente da organizao supe: a realizaode uma revoluo social, ou a mudana do sistema social pela fora coleti-va do povo; o anti-colaboracionismo;

    4 o programa geral permanente, seu objetivo finalista, o socialis-mo;

    5 a organizao mobilizar diferentes sujeitos sociais existentes nopas, dos campos e das cidades, no desenvolvimento da luta revolucionria.Estes sujeitos so as massas exploradas/oprimidas poltica e economica-mente, urbanas e rurais, ou seja, o proletariado de nosso pas;

    6 o carter da violncia revolucionaria, reativo (uma vez que

    uma reao legtima violncia da burguesia) e libertador (garantir a e-mancipao das massas e seu protagonismo no processo revolucionrio);

    7 o carter violento da revoluo exige a formao de organizaesarmadas revolucionrias.

    Discutiremos inicialmente a diferena entre organizao dos anarquistas(organizao poltica revolucionria) e a organizao das massas (e sua relao

    dialtica). Esta temtica fundamental para lanarmos as bases do anarquismoenquanto ideologia revolucionria que funde uma organizao poltica num mo-vimento popular.

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    Depois trataremos dos quatro princpios organizativos: 1) unidade terica,2) unidade ttica, 3) responsabilidade coletiva e 4) federalismo. O objetivo destadiscusso criar melhores condies para entendimento do funcionamento daorganizao anarquista, de tudo que faz de uma organizao o anarquismo emcarne e osso.

    1 O que a Organizao Poltica Revolucionria Anarquista

    Devemos saber claramente o que uma organizao poltica revolucion-

    ria anarquista. O centro da organizao a ideologia anarquista. Esta ideologia,como vimos antes, um sistema determinado de idias, valores e aspiraes,manifestos numa prtica poltica. So estes valores e aspiraes que motivam egovernam sua ao poltica.

    A organizao poltica revolucionria anarquista tem sua misso: construiro socialismo atravs da revoluo social. Mas o que, em termos prticos, caracte-riza esta organizao? Primeiramente podemos dizer que organizao polticarevolucionria anarquista tem o carter de minoria ativa. O que isto quer dizer?

    A noo de minoria se relaciona diretamente a formulao acerca da relaoentre organizao revolucionria e massas populares.

    Qual ser a distino entre organizao especfica e organizaes de mas-sa? Como distinguir seus papis e objetivos, se que so distinguveis? Estas soquestes pertinentes e das respostas a elas depender a aplicao correta dalinha poltica e da linha de massas.

    O nosso parmetro histrico dado pela relao entre a Aliana dos Soci-

    alistas Revolucionrios e a AIT (Associao Internacional dos Trabalhadores).Mikhail Bakunin teoriza e define a correta relao entre partido e massas, aodebater a relao entre a Aliana e a AIT:

    A quem nos perguntar para que serve a existncia da Aliana

    quando existe a Internacional, ns respondemos: a Internacional , semdvida, uma magnfica instituio, incontestavelmente a mais bela, amais til, a mais benfica criao deste sculo. Ela criou a base da solidari-edade dos trabalhadores de todo o mundo. Ela deu-lhe um comeo de or-ganizao atravs da fronteira de todos os estados e fora do mundo dos

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    exploradores e privilegiados. Ela fez mais, j contem hoje os primeirosgermes da organizao da unidade que h de existir e ao mesmo tempodeu ao proletariado de todo o mundo o sentimento de sua prpria fora.Estamos certos tambm do grande servio que ela prestou a grande causada revoluo universal e social. Mas ela no uma instituio suficiente

    para organizar e dirigir esta revoluo.(Bakunin, op.cit, p.72).

    Por que Bakunin afirma esta insuficincia da organizao das massas? Ve-jamos:

    A Internacional aceita no seu seio, abstraindo-se completamente detodas as diferenas de crenas polticas e religiosas, todos os trabalhadoreshonestos, com todas as suas conseqncias a solidariedade da luta dostrabalhadores contra o capital burgus explorador do trabalho. Esta umacondio positiva, suficiente para separar o mundo dos trabalhadores domundo dos privilegiados, mas insuficiente para dar aos primeiro uma dire-o revolucionria. ... os fundadores da Associao Internacional agiramcom grande sabedoria eliminando primeiramente do programa desta As-

    sociao todas as questes polticas e religiosas. Sem dvida, de modo ne-nhum lhes faltou opinies polticas, nem opinies anti-religiosas bem mar-cadas; mas abstiveram-se de as emitir neste programa, porque o seu prin-cipal objetivo, em primeiro lugar, era unir as massas operrias de todo omundo civilizado numa ao comum. Necessariamente que tiveram de

    procurar uma base comum, uma srie de princpios simples sobre os quaisos operrios, sejam quais forem assuas aberraes polticas e religio-sas,por pouco que sejam srios, isto , homens duramente explorados e so-

    fredores, esto e tem de estar de acordo. (Bakunin, op.cit, p. 72-73).

    A organizao de massas, para poder incorporar uma grande e crescentequantidade de pessoas, tem de ser flexvel, no sentido de que s se coloca comopr-requisito o carter proletrio e a disposio para a luta e organizao coleti-va. Logo, para poder ser ampla, mobilizar milhes, a organizao de massas noconsegue cumprir todas as tarefas necessrias a luta revolucionria.

    por isso que se faz necessria uma organizao poltica que tem por fun-o dar o direcionamento revolucionrio a organizao de massas. A relao

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    entre organizao especfica e organizao de massas assim de complementa-ridade. Bakunin fala que:

    A aliana o complemento necessrio da Internacional... Mas a In-ternacional e a Aliana, tendendo para o mesmo objetivo final, perseguemobjetivos diferentes. Uma tem por misso reunir as massas operarias, osmilhes de trabalhadores, atravs das diferenas das naes e dos pases,atravs das fronteiras de todos os estados, em um s corpo imenso e com-

    pacto; a outra, a Aliana, tem por misso dar as massas uma direo ver-dadeiramente revolucionria. Os programas de uma e outra, sem seremopostos em nada, so diferentes pelo prprio grau de desenvolvimento

    respectivo. O da Internacional, se os tomarmos a srio, tambm em ger-me, mas s em germe, todo o programa da Aliana. O programa da Alian-a, a explicao ltima do da Internacional.(Bakunin, op.cit, p. 72-73).

    A organizao anarquista e a organizao de massas mantm uma relaodialtica. Mas existem diferenas fundamentais entre ambas: o Carter e o Pro-grama.

    A organizao anarquista tem o carter de minoria, a pretenso de agluti-nar apenas os militantes de vanguarda do proletariado, e porta o programa m-ximo, o socialismo e a estratgia revolucionria; a organizao de massas, porsua vez, tem o carter de maiorias, o objetivo de aglutinar em grande nmero asmassas, e para isso tem como programa melhorar as condies materiais de vidados trabalhadores. Este programa no contradiz o programa revolucionrio, ca-minha em direo a ele, mas no igual a ele.

    2 A Plataforma Organizacional

    Unidade Terica, Unidade Ttica, Responsabilidade Coletiva e Fede-

    ralismo

    Os quatro princpios organizacionais (Unidade Terica, Unidade Ttica,Responsabilidade Coletiva e Federalismo) sobre os quais a nossa organizao

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    poltica revolucionria se apia, foram formulados no documento intitulado APlataforma Organizacional, publicado em 1926, pelo Grupo Dielo Trouda15. preciso ento discuti-los, saber que idias expressam e que conseqncias prti-cas trazem.

    Os quatro princpios organizacionais so apresentados na Seo Organiza-cional, em que se fala da proposta da Unio Geral dos Anarquistas. Segundo aPlataforma:

    A teoria representa a fora que orienta a atividade de pessoas e or-ganizaes por uma trilha definida e direcionada a um objetivo determina-

    do. Naturalmente, ela deve ser comum a todas as pessoas e organizaesaderentes Unio Geral. Qualquer atividade realizada pela Unio Geral,tanto no global quanto em seus detalhes, deve estar em perfeita concrdiacom os princpios tericos professados pelo coletivo.

    2. Unidade Ttica ou o Mtodo Coletivo de Ao

    Da mesma forma, os mtodos tticos aplicados pelos membros e

    grupos isolados dentro da Unio devem ser unitrios, ou seja, estar emconcrdia rigorosa tanto entre si quanto com a teoria e a ttica da Unio.

    15 O debate em torno da organizao anarquista, sua estrutura e funcionamento,teve seus momentos mais importantes e crticos, assim nos parece, nas dcadasde 20 e 30, com a polmica, hoje famosa, entre Nestor Makhno, Piotr Arshinov eErrico Malatesta sobre a A Plataforma Organizacional. preciso contextualizaresta discusso, e v-la tambm a luz do desdobramento dos fatos histricos. Isto necessrio para que no nos deixemos equivocar nas discusses, confundindo acrtica da estrutura interna da organizao anarquista, com a crtica da propostade organizao em si. preciso analisar tambm as insuficincias e vacilaesque contriburam, num momento decisivo, para a no superao de problemastericos e prticos do anarquismo e da revoluo.O debate em torno da Plataforma Organizacional se inicia com a carta de Malates-ta a Makhno, em que comenta e faz uma srie de crticas a noo central da Plata-

    forma Organizacional, responsabilidade coletiva. Makhno e o grupo organizadoem torno da revista Dielo Trouda respondem a carta, no sem surpresa, diantedas crticas feitas por Malatesta e a sua recusa em aceitar a idia de responsabili-dade coletiva.

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    Uma linha ttica comum no movimento de importncia decisivapara a existncia da organizao e para todo o movimento: ela elimina oefeito desastroso de vrias tticas que se opem entre si, concentra as for-as do movimento, oferece elas uma direo em comum levando, portan-to, a um objetivo fixo.

    3. Responsabilidade Coletiva

    A prtica de agir sob a responsabilidade de um indivduo deve ser de-cididamente condenada e rejeitada nos postos do movimento anarquista.

    As reas da vida revolucionria, sociais e polticas, so, acima de tudo, pro-fundamente coletivas por natureza. A atividade social revolucionria nestareas no pode ser baseada na responsabilidade de indivduos militantes.

    O rgo executivo do movimento anarquista geral, a Unio Anar-quista, ao tomar uma posio definitiva contra a ttica de individualismoirresponsvel, introduz em seus postos o princpio de responsabilidade co-letiva: a Unio toda ser responsvel pela atividade poltica e revolucion-ria de cada membro; da mesma forma, cada membro ser responsvel pe-la atividade poltica e revolucionria de Unio como um todo.

    4. Federalismo

    O anarquismo sempre negou o conceito de organizao centralizada,tanto na rea da vida social das massas quanto na sua ao poltica. O sis-tema centralizado depende na diminuio do esprito crtico, iniciativa eindependncia de cada indivduo e na submisso cega das massas ao 'cen-tro'. As conseqncias naturais e inevitveis deste sistema so a escravi-do e a mecanizao da vida social e da vida da organizao.

    Sendo contra a centralizao, o anarquismo sempre professou e de-

    fendeu o princpio de federalismo, que concilia a independncia e a iniciati-va dos indivduos e da organizao que servem causa comum.

    Ao conciliar a idia de independncia e alto grau dos direitos de cadaindivduo com o servio das carncias e necessidades sociais, o federalismoabre as portas para toda manifestao saudvel das faculdades de todoindivduo.

    Mas, freqentemente, o principio federalista tem sido deformadonos postos anarquistas: ele tem sido interpretado como o direito, acima detudo, de manifestar o 'ego' de algum, sem a obrigao de arcar com osdeveres para com a organizao,

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    Esta falsa interpretao j desorganizou nosso movimento no passa-do. Est na hora de pr um fim a isso de uma forma firme e irreversvel.

    A federao significa a concordncia livre entre indivduos e organi-

    zaes a trabalhar coletivamente em rumo a um objetivo comum.Contudo, tal acordo e federao, que baseada nele, s podero se

    tornar realidade, ao invs de fico ou iluso, sob as condies essenciaisde que todos os participantes do acordo e a Unio cumpram completa-mente os deveres assumidos, e conforme as decises compartilhadas. Emse tratando de um projeto social, independente de quo vasta seja a base

    federalista na qual construdo, no podem haver decises que no sejamexecutadas. ainda menos admissvel em uma organizao anarquista,

    que assume exclusivamente obrigaes relacionadas aos trabalhadores esua revoluo social.

    Consequentemente, o tipo federalista de organizao anarquista, aomesmo tempo que reconhece os direitos de independncia, opinio livre,liberdade individual e iniciativa de cada membro, requer deles que assu-mam deveres organizacionais fixos, e exige a execuo de decises com-

    partilhadas.

    Somente com esta condio o princpio federalista ter vida, e a or-ganizao anarquista funcionar corretamente, e se guiar em direo doobjetivo definido.

    A idia da Unio Geral dos Anarquistas expe o problema de coorde-nao e concordncia das atividades de todas as foras do movimento a-narquista.

    Cada organizao aderente Unio representa uma clula vital do

    organismo todo. Cada clula deve ter seu secretariado, executando e gui-ando teoricamente o trabalho poltico e tcnico da organizao.

    Visando a coordenao da atividade de todas as organizaes ade-rentes da Unio, um rgo especial ser criado: o comit executivo da Uni-o. O comit ser responsvel pelas seguintes funes: a execuo das de-cises tomadas pela Unio com as quais so confiados; a orientao teri-ca e organizacional da atividade de organizaes isoladas consistente comas posies tericas e a linha geral ttica da Unio; a monitorao do es-

    tado geral do movimento; a manuteno das relaes de trabalho e orga-nizacionais entre todas as organizaes da Unio; e com outras organiza-es.

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    Os direitos, responsabilidades e tarefas efetivas do comit executivoso fixados pelo congresso da Unio. A Unio Geral dos Anarquistas temuma meta concreta e determinada. Em nome do sucesso da revoluo so-cial ela deve, acima de tudo, atrair e absorver os elementos mais revolu-cionrios e altamente crticos dos operrios e camponeses.

    Exaltando a revoluo social, e mais ainda, sendo uma organizaoanti-autoritria que aspira abolio da sociedade de classes, a Unio Ge-ral dos Anarquistas depende igualmente da duas classes fundamentais dasociedade: os operrios e os camponeses. Ela pe peso igual sob o trabalhode emancipao destas duas classes.

    Quanto aos sindicatos dos trabalhadores e as organizaes revolu-

    cionrias das cidades, a Unio Geral dos Anarquistas ter de dedicar todosos seus esforos para ser seu pioneiro e guia terico.

    Ela assume a mesma tarefa em relao s massas exploradas decamponeses. Assim como pretende ter o mesmo papel que o sindicato re-volucionrio dos trabalhadores, a Unio se esfora por efetivar a criaode uma rede de organizaes econmicas revolucionrias dos camponeses,alm disso, uma unio especfica de camponeses, fundada a partir de prin-cpios anti-autoritrios.

    Nascida da massa de pessoas trabalhadoras, a Unio Geral deve to-mar parte de todas as manifestaes de suas vidas, levando a eles o espri-to de organizao, perseverana e ofensiva em todas as ocasies. Somentedesta forma ela poder concretizar sua tarefa, sua misso terica e histri-ca na revoluo social dos trabalhadores, e se tornar a vanguarda organi-zada do seu processo de emancipao. (Anarquia e Organizao, p. 27).

    Vemos que existe um encadeamento entre os quatro princpios, e que elesse traduzem numa determinada estrutura organizacional. Os pontos de maiorpolmica, nas crticas movidas a plataforma, foram em relao responsabilida-de coletiva e sua interpretao do federalismo. Por isso importante discutir asdefinies e questes de fundo.

    A responsabilidade coletiva um princpio organizativo plenamente coe-rente com a ideologia anarquista e o pensamento guia, o Bakuninismo. Este prin-

    cpio indica a relao dialtica entre indivduo-organizao, a necessidade de umcontrole recproco, de uma disciplina bem determinada. Seu objetivo garantir a

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    coerncia e harmonia das aes da organizao. Bakunin formula com preciso amesma questo:

    A fim de estabelecer uma certa coordenao na ao, coordenaonecessria, creio eu, entre as pessoas que tendem para o mesmo objetivo,impe-se determinadas condies: um certo nmero de regras ligando ca-da um a todos, determinados pactos e acordos renovados frequentementese falta tudo isto, se cada um trabalha como lhe apetece as pessoas maissrias se encontraro elas prprias numa situao em que os esforos deum sero neutralizados pelos de outros. Disso resultar a desarmonia eno a harmonia e a confiana serena para a qual ns tendemos.

    Eu quero que no nosso trabalho haja ordem e uma confiana serena,e que nem uma nem outra sejam os resultados de ordens de uma nicavontade, mas da vontade coletiva, da vontade bem organizada de nume-rosos companheiros disseminados em numerosos pases.

    Por muito inimigo que seja daquilo que na Frana se chama de dis-ciplina, no entanto reconheo que uma certa disciplina, no automtica,mas voluntria e refletida, estando perfeitamente de acordo com a vonta-

    de dos indivduos, continua a ser e sempre ser necessria, todas as vezesque vrios indivduos, livremente unidos, empreenderam um trabalho ouuma ao coletiva qualquer. Esta disciplina no seno a concordncia vo-luntria e refletida de todos os esforos individuais para um objetivo co-mum. No momento da ao, nomeio da luta, os papis dividem-se natu-ralmente, segundo as aptides de cada um, apreciados e julgados por todaa coletividade: uns dirigem e coordenam, outros executam as ordens. Masnenhuma funo se petrifica, se fixa e fica irrevogavelmente ligada a ne-

    nhuma entidade ou pessoa. A ordem e a promoo hierrquica no exis-tem, de modo que o comandante de ontem pode tornar-se o subalterno dehoje. Ningum se eleva acima dos outros, ou se se eleva, no seno paracair logo a seguir, como as ondas do mar, voltando sempre ao nvel salutarda igualdade.(Bakunin, 2002, p. 60).

    A temtica da responsabilidade coletiva se relaciona diretamente a ques-

    to do federalismo. O federalismo uma formulao poltica e terica central noanarquismo. importante saber o que o federalismo significa em termos prti-cos.

  • 8/3/2019 I CONUNIPA: Anarquismo luta!/A alma e o corpo: O bakuninismo e a organizao anarquista

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    P.J. Proudhon d uma definio do princpio federativo:

    Federao, do latimfoedus, genitivo foederis, quer dizer pacto, con-trato, tratado, conveno, aliana, uma conveno pela qual um ou maischefes de famlia, uma ou mais comunas, um ou mais grupos de comunasou estados, obrigam-se recproca e igualmente uns em relao aos outros

    para um ou mais objetos particulares, cuja carga incumbe especial e exclu-sivamente aos delegados da federao. (Proudhon, Do Princpio Federati-vo, p.90)

    Em resumo, o sistema federativo o oposto da hierarquia ou centra-

    lizao administrativa e governamental a qual distingue, ex aequo, as de-mocracias imperiais, as monarquias constitucionais e as repblicas unit-rias. A sua lei fundamental, caracterstica, esta: na federao, os atribu-tos da autoridade central especializam-se, restringem-se, diminuem denmero, de intermedirios, e se ouso assim dizer, de intensidade ...(Prou-dhon, Do Princpio Federativo, p.91)

    O princpio federativo, enquanto frmula de contrato poltico, tem duas ca-ractersticas, segundo Proudhon: ele sinalagmtico ou bilateral, implicandoobrigao recproca; comutativo, j que as partes se comprometem em darcoisas equivalentes as que recebem.

    Assim, o princpio federativo coloca o equilbrio de poder e obrigaes i-guais na base das relaes polticas. Isto no significa a inexistncia de organismocentrais, muito pelo contrrio, exige eles; a diferena que a relao de poderentre os organismos centrais ou federais e locais e intermediri