viagem à roda da parvónia

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VIAGEM RODADAPARVNIA RELATRIO EM 4 ACTOS E 6 QUADROSPELO COMMENDADOR GIL VAZ ILUSTRADO POR MANUEL DE MACEDO ANOTADO E COMENTADO PELO AUTOR E PELOS SRS. Alberto Braga, Alberto de Queiroz, Alexandre da Conceio, Alfredo Ribeiro, Antero de Quental,Bernardo Pinheiro, Carlos Faria, Carlos Lobo de vila, Carlos de Moura Cabral, Cristvo Aires, Coelho de Carvalho, Fernando Leal, Gervsio Lobato, Guerra Junqueiro,Guilherme de Azevedo, Guilherme Gorjo, Jaime Batalha Reis, Jaime Victor,Joo de Deus, J. de Sousa Arajo, Joaquim de Arajo, Jos de Alpoim, Jlio Csar Machado,Leite Bastos, Magalhes Lima, Oliveira Martins, Pinheiro Chagas,Ramalho Ortigo, Rui Barbo, Rui da Cmara, Srgio de Castro, Toms Bastos, Urbano de Castro, Vicente de Pindela, etc., etc. REPRESENTADO NO Teatro DO GINSIO DRAMTICO NA NOITE DE 17 DE JANEIRO DE 1879 AO ACTOR FRANCISCO ALVES DA SILVA TABORDAE AOS SEUS COLEGAS DO TEATRO DO GINSIO Meu caro Taborda A noite de 17 de Janeiro de 1879 foi a mais tempestuosade que h memria, tantona plateia do Ginsiocomo nos dramas daRua dos Condes. O assobio silvava no ar comviolncia, os raios cruzavam-se na atmosfera com castes de marfim, enquanto da segunda ordem, sobre os chapus altos dos precitos, caa uma chuva torrencial de cadeiras de palhinha. Era um inferno! A conscincia de Gil Vaz sentia-se nessa hora um pouco satisfeita, pois que ele, comendador excepcional, tendo a certeza de haver feito uma obra infeliz, no podia limitar as suas ambies a ver o seu nome citado como o dum talentoso confrade nas locais do Sr. Quirino Chaves, ou elogiado como o dum dramaturgo consciencioso nas correspondncias do Sr. Carrilho. Quando temos a certeza de haverfeito uma obra literriam, j uma doce consolao que o noticirio nacional a considere de todo o ponto detestvel.

O meu amigo, que nunca tinha visto assimdesencadeadas em volta de si as frias do temporal,foi verdadeiramente herico nessa noite,procurando salvar dos horrores da tormentaum relatrio irremediavelmente perdido de antemo.Certamente merecia por tal feito a medalha de oiro que o Dirio do Governo, de quandoem quando, confere generosidade e filantropia se o Governopor motivos polticosde considerao no se recusasse obstinadamentea praticar esse acto de justia. Ofereo pois este livro a si e aos seus colegasque tanta coragem desenvolveram na hora do perigo, no exigindo que de futuro o tragamao peito como ornato, nas ocasiessolenes,mas que simplesmente o guardem nas suas gavetascomo lembrana dum relatrio que, depoisde viver o espao duma pateada, intentaressuscitar para viver o duma primavera. Gil Vaz

No um prlogo que eu escrevo para o relatrio deGil Vaz, simplesmente uma nota constituda por algumaslinhas de prosa em que vou dizer, com toda a sinceridade,o que pensam da Viagem roda da Parvniae da pateada com que o pblico a festejou na primeiranoite da sua apario. Ao que me parece, o segredo da quedado relatrio de Gil Vaz faclimo de investigar desde que o leitor tinhaa pacincia de o ler. Em primeiro lugar este relatriono uma obra de teatro: falta-lhe a estruturacnicae as condiesindispensveis numa produo de talnatureza. Ora toda a gente sabe que uma obra destas,por mais sensata que seja, desde que deixou de ser lidano parlamento, por exemplo, para passar a ser lida noGinsio, saiu do meio natural em que lhe era dadofazer dormir, para entrar noutro em que so podia serpateada. Em face desta verdade to simplesmente enunciada,baqueiam todas as teorias formuladas a respeito daqueda de to conspcuo como moderado relatrio. O espritopblico que muitos pensaram indignar-se pelacrueldade da frasee recomendao da polcia -, apenasse indignou, instintivamente, pela m diviso das cenas.Os espectadores ainda podiam perdoar que o pensamentoaparecesse um pouco nu, mas o que no perdoariamnunca era que s actrizes no sucedesse o mesmo. Um regmen offenbachiano de quinze anos produz destasambies salutares, tanto na poltica como no teatro. A Viagem roda da Parvnia, em todo o caso, umaobra de sinceridade posta em quatro actos e seis quadros.O Governo Civil,proibindo-a no dia seguinte ao daprimeira representao, como atentatria da moral pblica,prestou-lhe a maior homenagem oficial que estava nasua mo, distinguindo-a no meio da degringolade geralem que nada mais lhe era dado proibir, tanto nos costumes como na literatura. primeira vista parecer um desacato que Gil Vaz noseu relatrio represente, sob o aspecto de D. Quixote, ochefe do poder executivo presidindo a um conselho deministros pantagrulico, excedendo os limites imaginveise possveis do burlesco. Esta noo cmica do poder executivo foi transmitida a Gil Vaz pela histria doseu tempo expressa no jornalismo, nas discusses parlamentares, nas polmicas partidrias, nos panfletos enas valsas quotidianas. A diferena e aspecto dos doispersonagens consiste s em um andar vestido segundo Keil e outro segundo Gustavo Dor. Isto : a Viagem roda da Parvnia, no umainspirao de Gil Vaz; simplesmente inspirao de umestado social e poltico reconhecido por todos. Hoje tiradodo meio ruidoso da cena e colocado na pacfica serenidadedo livro, este modesto relatrio vaidecerto encherde arrependimento muita gente que uma noite o pateou,iludida pelas transfiguraes teatrais.

A Viagem roda da Parvnia como afirmao polticapode ser exemplo a parlamentares: era face das discussesjornalsticas, pode ter o valor dum lugar selecto, tal a moderao de linguagem em que estescrita, abrandura das aluses, a modstia dosepigramas, a ingenuidadeda sua crtica posta emparalelo com os artigosde fundo, que, durante o perodo constitucional, tem feito a educao de duas geraes. Gil Vaz no tem pois que arrepender-se da intenoque lhe ditou a sua obra, por que antes de tudo ela orelatrio sincero da desmoralizaopoltica e social contempornea.Se deve penitenciar-se de algum pecado deter faltado ao que devia sensibilidade pblica, importando-se mais com os conceitos de que com a recitao ao piano! De resto, o que se ataca neste relatrio? A famlia?no. A inocncia das donzelas? muito menos. A infalibilidadedo papa? de nenhuma forma. A prpria monarquiaconstitucional e representativa? ainda menos. Nema moral, nem a religio, nem as instituies. Neste relatrio do-se apenas algumas gebadas inofensivasnos vcios, fazendo em vista deles alguns croquis a carvo com o piedoso fim de divertir as plateias. Muitas das cenas nem tm o mrito da composio;so simples fotografias do natural. Noutras, Gil Vazchega a mostrar-se digno da grinalda de rosas devida virtude, to ingnuas so as tintas de que se serve, comopor exemplo no segundo acto, em que assistimos a umaluta eleitoral tremenda sem que nos seja dado escutar amais simples descarga de fuzilaria! Os candidatos disputamo triunfo, a dinheiro e a vinho, tendo a simplicidadede no dar tiros um no outro! Que magnfico efeito teatral perdido! Decididamente, Gil Vaz faz do exerccio do sufrgio um conceito muito inocente! O desastre teatral da Viagem roda da Parvniaexplica-se pois pela deficincia de condiescnicas,e pela falta de aparato teatral a que o pblico de ordinrioestcostumado. Dado este lado fraco, a stira ficoua descoberto das bengalas descontentes, que se aproveitaram de todas estas circunstncias para tomar vindicta.O pblico,indiferenteou imparcial, achandoquetinha pago de mais para ver pernas de menos, deixou-setambm levar por influncias suspeitas, equebrou igualmenteos bancos que encontrou mo. A Viagem roda da Parvnia aqui est hoje pois numpalco aonde o pblico a no pode patearsem esgotar aedio. esta a melhor desforra de Gil Vaz, que de oraavante pode responder pela sua obra, convencido de quedeve um favor aos espectadores que a apuparam e outropolcia que a proibiu. Foram eles que se encarregaram de demonstrar que aViagem roda da Parvnia no tinha realmente as proporesescandalosas que de princpio lhe atribura,como sacrilgio poltico e passatempo teatral. GUILHERME DEAZEVEDO

VIAGEM RODADA PARVNIA ACTO I QUADRO I A cena representa uma arcada do Terreiro do Pao.Vriosgrupos conversam. De quando em quando rapazes atravessamapregoando cautelas. Vendilhes de gua frescagabam a excelncia do lquido. CENA I Um Sujeito (declamando a passear, olhando paraa porta da secretaria da Marinha) 0h, noites deLisboa, oh, noites de poesia! Auras cheias de som, noites cheias de aromas! Garoto (passando a correr)Amanh anda aroda, quem quer a taluda! do Fonseca!. . . (Dois sujeitos conversando.) 1.Sujeito Homem, ento aqui os ministriosjcaem por causa de um dente? 2. SujeitoSe lhe parece! Na poltica todosos dentes so necessrios menos o do siso. Os caninos,esses entosoindispensveis. Olhe, daquia pouco os lugares de ministros ho-de ser postosa concurso, dando-se a resolver os seguintesproblemas, pouco mais ou menos. 1. Levantarcom os dentes, altura de 4 palmos, a burra dotesouro. . . 1.Sujeito (interrompendo) Agora no haviade custar muito a levantar. 2. Sujeito (continuando) Roer em 7 anos,70 mil contos de ris, incluindo o caroo. . . 1. SujeitoBem sei, o caroo a penitenciria. 2. SujeitoSuspender o registo civil em cima dum trapzio. 1. SujeitoA Leona Dar fazia issonos Recreios,mas no era com o registo civil; era com um palhao quase to estropiado como ele. 2.SujeitoTem razo. No fim de contasno h prova possvel para a dentadura humana.Tanto pode mastigar um oramento como uma pedreira.(retiram-se) (Dois banqueiros conversando.)

1. Banqueiro Ento as inscries sobem oudescem? 2. Banqueiro Vo subindo proporo quea moralidade vai descendo.(dirigemse para ofundo) (Dois jornalistas em fraternal colquio, furandoa parede das secretrias com as respectivas bengalas.) 1. JornalistaLeste o belo artigo do Tibrcioatacando a nomeao doscnegos? 2. Jornalista Li. 1. Jornalista E o que te parece? 2. Jornalista Parece-me que o Tibrcio pretendeuma conezia no Tribunal de Contas. (Dois bacharis dndis, ambiciosos de conservatriase delegacias.) 1. Bacharel Ol! ento pela capital? O que feito dessa bizarria?h sculosque te no vejo?Venha de l esse abrao! ento tambm vens aosconcursos? 2.BacharelQue remdio! preciso agenciara vida. 1. Bacharel E tens bons empenhos, hein? 2. Bacharel (Diz-lhe ao ouvido um segredo.) 1. Bacharel Seu magano! sim senhor! deu-lhe no vinte. Podes ter a certeza que s despachado. 2. Bacharel (intencionalmente com o dedo indicador) Pai Paulino tem olho. (Separam-se tossindo.) (Dois gatunos.) 1. Gatuno Ento j tomaste medida fechadura? 2. GatunoNo foi preciso: a polcia deu-me a chave. (Fogem olhando para todos os lados.) 1. JornalistaOl! quem seraquele quechega? 2. Jornalista Eu j vi aquela cara no seiaonde. (Olham todos para o lado donde deve viro personagem, fazendo comentrios.)

CENA II Os mesmos, Judeu Errante, depois o Cicerone Judeu (aparece montado num burro, traja varinogrosseiro, galochas de borracha,na cabea umcarapuo de l, com borla; vem coberto de p dos sculos ou, no podendo ser de p dos sculos, dequalquer outro. A tiracolo um frasco de genebra eum binculo. Apeia-se ficando com o burro presopela rdea) Tenho corrido Seca e Meca, faltava-me correr os Olivais de Santarm! Condenadopelo destino a caminhar constantemente, andarilhoeterno, um verdadeiro almocreve dos tempos, depoisde ter visto as pirmides do Egipto, o ploNorte, Roma, Cartago, Babilnia; depois de ter assistido queda dos imprios, ao dilvio, revoluode 1820, (suspende-se) perdo! (olhando para a plateia) Aquele senhor de culos azuis queali est no fundo da plateia, muito espantado aolhar para mim, quer talvez saber quem eu sou, donde venho e para onde vou? Eu lhe digo. Quemsou? Sou o Judeu Errante Jnior. Tenho de idade7000 anos e 3 dias, (mostra um papel) aqui esta certido.Nascido na freguesia do den, filho doJudeu Errante Snior, solteiro, isento do recrutamento,bacharel em quatro faculdades e vacinado.Ando h sete mil anos busca da Parvniae s hoje a pude encontrar. Tenho-me farto de perguntara toda a gente aonde fica este pas, e diz-meum: olhe, ali abaixo direita, com um ramo deloiro porta:caminho, caminho, caminho e voudar ilha de Chipre! Torno a perguntar, e respondem-me: olhe, v o senhor andando por a abaixo, e em sentindo no nariz um cheiro pouco parlamentar,pode ter a certeza de que nesse instantepousou a planta fatigada na cidade de Ulisses, outrora Ulissipo e em nossos dias Parvnia. Finalmente,cheguei, nohdvida. (levando o leno aonariz) Fique entretanto entendido, oh Lusos, quese cheguei devo-o unicamente a este raro quadrpede originrio de Sintra, que um prncipe excntrico daqui levou h dois anos, e que h poucosdias mandou vender em leilo. Foi ele que, movidopela nostalgia daptria, me conduziu terra quelhe foi bero e aonde recebeu a sua primeira educao. (prende o burro) Descansa dedicado companheiro,descansa que bem o precisas! 1.Sujeito (perguntando ao outro) Quem sereste sujeito, quem ser? 2.SujeitoEspera, vamos ver; o Dirio de Notciash-de dizer alguma coisa (puxa dum rgoda opinio, que traz muito bem dobrado na algibeirafurtada, e l) Espera-se hoje nesta cidade,depois duma digresso pela Europa, o Judeu ErranteJnior, cavalheiro de estimveis qualidades,muito conhecido dos nossos leitores, abastado proprietrioe capitalista, condecorado com vriasordensnacionais e estrangeiras, entre as quais ado camelo branco de Portugal e a de S. Tiago daArbia. S. S. viaja incgnito e tenciona demorar-se pouco tempo entre ns. Fazemos votos paraque o nclito viajante encontre no pas do canoropico Luiz de Cames toda a acolhida lisonjeiraa que tem jus.

1. SujeitoCest o homem que me convm.(aproxima-se) Meu caro senhor. (curva-se numaprofunda vnia) Tenho a honra de o cumprimentar.H muito tempo que o conhecia de nome. Judeu Oh! meu caro amigo, penhora-me. 1. SujeitoPor enquanto no, sossegue. Euquando tenho notcia da chegada dum forasteiroilustre, acudo sempre a prestar-lhe a minha homenageme a proporcionar-lhe ensejo de mais uma vezpatentear o seu corao filantrpico cm prol dumainstituio de beneficncia, que a primeira dentre todas as que florescem no sagrado rochedodas ptrias liberdades, donde h 44 anos vieram os 7500, que, depois de tantas batalhas e de tantasprivaes, esto hoje reduzidos a pouco mais de 15000! Judeu Bem sei de que me falais. Falais-me dessa instituio simptica cognominada modernamenteo albergue da Ilha das Galinhas? 1. Sujeito Acertaste,viageiro. Judeu (descalando as galochas de borracha e entregando-lhas) Aqui tendes as galochas de Aasvero:galochas ilustres que deram a volta ao globo,e que tu, benfeitor da humanidade, poders venderao governo para o museu do Carmo, colocando nessas palhetas legendarias a seguinteinscrio: Pisaram do Sinai as saras inflamadas. Calcaram do deserto o areal imenso, Com umas solas s, galochas to danadas Quem as pode fazer? Deus ou o Manuel Loureno. (Assinado) Possidnio. 1. Sujeito (calando as galochas) Graas, viajante,c vo para o museu.(retirase humildemente) Um Poeta (saindo apressado do porto duma secretaria) Li o seu nome nos jornais e creio queo meu no lhe ser tambm desconhecido. Chamo-me Artur. Sou um poeta clebre, scio da sociedadefilarmnicaOs Sobrinhos de Minerva epreparo-me para fazer o meu exame de instruo primria. (tira um rolo de papel do bolso). um volumede versos. Passei metade da minha vida a escrev-lo e outra metade a procurar um editor. Judeu Infeliz! (tira dinheiro do bolso, recebendoo manuscrito) No tenho mais trocado,queira desculpar dar-lhe s um pataco. Poeta (recebendo) Obrigado! J vejo que sabeisdar proteco ao gnio. (aparte) Vamos beberum copinho de holanda.

Judeu J sei que nestepas o costume maisarreigado o de pedir. O que vale que se contentamcom pouco. Poltico (aproximando-se) A folhadeu-meconta da sua chegada. Permita-me que o venhafelicitar em nome do grupo poltico de que faoparte. JudeuOh! meu caro, penhora-meimenso, evisto ser penhorado todo o que vem a este pas,pedia-lhe o extremo obsquio de dizer o que pretendede mim. 1.PolticoTomo a liberdade de lhe pedir oseu voto. Judeu Mas, no estou aqui recenseado! 1. PolticoNo tem dvida: vota em Belm. Judeu Mas sou um estrangeiro?. . . 1.Poltico.Que tem isso? Vota como morto. Judeu Mas o meu voto nestas condies oque pode valer? 1. Poltico (ao ouvido) Vale uma libra (d-lheuma libra e retira-se). Judeu (guardando o dinheiro, cheio de nobreiseno eleitoral) Extraordinriopas! Chegueih meia hora e eis-me j sem conscincia e sem galochas! Palavra de honra! de que tenho mais pena das galochas! Accionista duma companhia (aproximando-sedo Judeu) Felicito-me com o meu pas pela chegada dum cavalheiro de tantos crditos. Ora aquiest quem me vai ficar com estas 50 aces dacompanhia do gs. Judeu Pois no, meu caro senhor. Com todo o gosto. Quanto quer? Accionista Bem sabe que com a vinda dasnoites grandes as aces tornaram a subir imenso. Judeu Bem sei. Olhe, para evitar questestome l por elas esta caixa de fsforos, masmande-me pr em casa o gasmetro; desta maneiraficamos ambos habilitados, o amigo para acender um charuto, eu para o apagar. Accionista Contrato feito. Vou ajustar doisgalegos e pode contar que ainda hoje lhe fica colocado na cozinha (saiapressadamente). . 2. PolticoEu no tenho o gosto de o conhecer,mas o mesmo. No o incomodarei muito.O gabinete est em crise, as inscries descem:o pas, desde Mas de D. Maria at Cabeceirasde Basto, levanta-se como um s homem e batendoum murro patritico no altar da ptria exclama: salta Messias para um!

Htrs meses que pomoseste anncio no Dirio de Noticias: (l) Precisa-se dum Marqus de Pombal por um semestre.D-sefiador e paga-se aos meses. Exigemse as seguinteshabilitaes. Bigode e pra. A pra pelomenos indispensvel. Calva a que forpossvel:antes de mais que de menos. Peso, as arrobas necessriaspara um conselheiro, desde 12 a 24, noincluindo a cabea. Estmago de avestruz; dentaduraem bom estado; ler, escrever, contar, as 4 operaes, principalmente a subtraco; estadoqualquer, incluindo o de demncia. Idade certa,moralidade incerta; profisso vadio. Sabendo recitarao piano preferese. Carta Rua dos Vinagres,n.69, sobreloja. (declamando) Ora como aindano apareceu concorrente que satisfaa, lembrei-me de o consultar a tal respeito, visto ser um cavalheiro de tal guisa e de tamanho estofo. JudeuPeo desculpa, mas declaro-me incompetente.Neste pas esto tantas pessoas mesa do oramento, que acho muito melhor ir paraos Irmos Unidos. PolticoEnto queira perdoar, (retirando-se)Para a outra vez ser. Judeu No tem de qu, meu caro senhor, no tem de qu. 1. Banqueiro Ora aqui est o cavalheiro queeu procuro h tanto tempo. Meu caro senhor: souum dos primeiros banqueiros da Parvnia. Notenho nada de meu e devo 400 contos de ris: o que se chama entre ns uma fortuna slida. Judeu Quantas vezes quebrou? 2. Banqueiro Apenas 4! muito pouco, bemsei, mas demos tempo ao tempo. A minha questo esta: pretendo fundar um banco que se deveintitular:Sociedade da Agricultura do PinhaldaAzambuja,destinado a fomentar a pobreza dopas, a runa dos accionistas e a prosperidade dosdirectores. O nosso programa simples: levantaro mais que puder e pagar o menos que forpossvel; ao cabo de ano e meio fugimos e osaccionistas so metidos na cadeia. Judeu (com entusiasmo) Com mil demnios!Voc um homem de gnio. Doulhe um abrao,e sabe a razo por que no aceito o seu convite? porque ainda no tive tempo de comprar umapito. 1. Banqueiro Ento muito obrigado. Vireioutro dia em que tenha fundosdisponveis (retira-se e assalta outro sujeito que passa, agarrando-o peloboto do casaco). Judeu (reparando num indivduo que se dirigea ele com ar sinistro) Outro! o que querer este!Deus do cu, um pas nico esta Parvnia! Gegrafo (solene) Preclaro viandante. Sabemosque a sua excurso tem sido das maisaventurosas e das mais profcuas para a cincia. Sabemos que V. Ex. descobriu as nascentes doAlviela; que fez a viagem roda do Terreirodo Pao em 3 anose de gatas; que subiu intrepidamentea calada da Estrela numa corrida

hora, e a p; sabemos que se no descobriu o Brasilfoi porque jestava descoberto; sabemosque est isento do recrutamento; sabemos que maior; sabemos que vacinado e portanto, querqueira quer no, est nomeado scio emrito dasmil e duas sociedades de geografia que existemna Parvnia, com a condio expressa de fazeruma preleco em que demonstre: 1. que o Alviela um rio; 2. que o Tejo de cristal; 3. queos caminhos-deferroportugueses antes de exploraremos accionistas, j tinham sido explorados pelo governo. JudeuOh, meu caro senhor. Na verdade souinbil para to grande cometimento! No meutestamento tenho determinado que se me grave na campa fria o seguinte epitfio:Foi bom pai,bom esposo, bom irmo, bom amigo; e no obstante,parece impossvel! No foi scio da Sociedade deGeografia.J v que me impossvel aceitar. Gegrafo(solene) Pacincia: no fiquemos mal porisso; at outro dia. Viva Meu caro benfeitor: uma esmolinha pelo amor de Deus; sou uma pobreviva com37 anos e 44 filhos todos tsicos; um deles corcunda e tem 4 braos. Tenho um cirro no estmago e deito sangue pelo nariz; de mais a mais,ardeu-me ontem a casa!! . . . (chora) JudeuInfeliz! s lhe falta ter cado dum andaime! Tome l um pataco para mandar levantar a casa e a espinhela dos seus meninos (d-lhe dinheiro: a vivasai agradecendo). Cicerone (chegando apressado: grande toilettede belfurinheiro em exerccio) Ora onde eu o venhoencontrar? Magano,h tanto tempo que ono via! Judeu (absorto)Nem eu, meu caro senhor.Nunca o vi mais gordo? o que deseja?. . . Cicerone (falando apressadamente e tirandovrios objectos das algibeiras e da mala que traz a tiracolo) Ento o amigo j tora hospedaria?Precisa escovas para o cabelo? Quer a pasta daJustia? Quer que lhe leve as malas ou quer a carta do conselho? Olhe, ali naRua do Arsenalh cigarrilhas espanholasmagnficas, mas sequer o hbito de S. Tiago tambm se lhe arranja: isto aqui pedir por boca. No tem seno escolher: ou vai para a Rua dos Vinagres, ou ento,se lhe faz mais arranjo, pode meter-se no Tribunalde Contas. No Conselho de Estado noh agoravaga. Prefere ser guarda-nocturno? visconde no mau, mas guarda a cavalo melhor. Escolha;deseja empenhar a conscincia, deseja empenhar o relgio? Pretende ser deputado? Pelo governo custa-lhe 300 libras, pela oposio 200. Quer casar,quer ser da irmandade dos Terceiros?quer elogiosnosjornais? Ou antes pelo contrrio no quer nadadisto e deseja apenas ser um brasileiro rico e bemconceituado na sua freguesia? Por que

no mefica com este dcimo da lotariade Espanha e comesta comendade Isabel a Catlica? So ambasdo Fonseca! Vamos, decida-se: o senhor precisa por fora de alguma coisa. Aqui tem uma pomada parafazer cair ocabelo e os ministrios; aqui tem cartasde conselho, ttulos de divida infundada, baralhosde cartas, fluidos transmutativos, microscpiospara ver pulgas e grandes homens; ttulos para deitar ndoas e sabonetes para as tirar;enfim, aqui tem nesta drogaria diablica tudo quanto preciso para levar um homem desde a imortalidadeat polcia correccional! Judeu (entusiasmado) Eureka! achei o meuhomem! O Cicerone que eu procurava h tantotempo! (dando-lhe o brao) Vamos dar um passeiopela Parvnia. CiceroneA primeira coisa que h a fazer,para obter tudo o que quiser, eu lha digo jentretantoser sempre bom disfarar o nome e acara. Agora, para abrir caminho e conseguir tudo, absolutamente tudo, deve propor-se deputado. As eleies esto porta. Judeu Deputado! Mas se eu no souber lernem escrever? Cicerone Melhor! pode j contar com a eleio;no h tempo a perder, vamos igreja. Judeu (detendo-se) Mas o demnio o burro!aonde que havemos de guardar este jumento? Cicerone No tem dvida (chamando um garoto). Ol! vai-memeter este burro no Tribunal deContas (saem de brao dado).

QUADRO I I A cena representa o adro duma igreja que se v ao fundo. Em volta casas, e de cada lado uma taberna, tendo umadelas este letreiro: Cartaxo e Governo.E a outraeste: Oposio e Bucelas.Trava-se campanha eleitoral.No adro acham-se estabelecidas muitas vendas delicores com que os votantes refrigeram as conscincias.H discusses acaloradas em vrios grupos.Trocam-selistas, votos, bebidas e outros artigos de comrcio. CENA I Candidato do Governo Eleitores Povo Cabos de polcia Galopins Vendilhes de capilsede conscincias, etc., etc.Famlias pelas janelaspresenciam a luta. 1. Eleitor (conversando com outro) Sabesperfeitamente que sou um homem de convicesfirmes; o que digo uma vez est dito, e declaro-tedebaixo da minha palavra de honra que ningumse poder gabar de me apanhar o voto por menos de 3 libras. 2. Eleitor (noutro grupo) Que burro que eufui! . . . 3. Eleitor (altamente indignado) E ento euno fui vender o meu voto h oito dias, quando estavama quartinho, imaginando que s havia deputadodo governo e agora, ltima hora, apareceum da oposio que os est pagando a 4 libras, com vinho a rodo e hbitos de Cristo para quemquiser! 2. Eleitor (desdenhoso)Essa no m! Tus um asno ! Faz o que eu fiz: vendi o meu primeiropor um quartinho e depois por dezoito milris. 3. EleitorE afinal de contas com quem votas? 2. Eleitor No me apanha o voto senoquem me pagar a renda da casa. Candidato (acompanhado de regedor e cabos de polcia, detm-se no meio dos grupos, majestoso,limpando o suor com mm. leno de seda de ramagens) Meus senhores: chegado o momentoem que o cidado tem de exercer um dos direitosmais sublimes que a sociedade lhe confere. urna cidados; urna pois; urna pela moralidade; urna pela justia; urna por este ministrioprovidencial cuja iniciativa fecunda e benficatem produzido j, desde ontems 7 horas da tarde at hoje s 11 horas e 3 quartos, as medidasmais rasgadas, os frutos mais benficos, oscometimentos mais salutares. Dizei-me, senhores:o que era o deficit ontems 5 da manh? Nada,senhores! uma coisaridcula, uma dvida de merceariaque nos envergonhava em face da Europaculta e de todas as naes do globo que caminhamna vanguarda da bancarrota e do descrdito. Odeficit, senhores, vergonha confess-lo, aindaontem era apenas de 720 ris, e em to

poucotempo, graas energia da situao que nos governa,ei-lo transformado de 720 ris em 720contos! VozesMuito bem, muito bem ! . . . Candidato (continuando inspirado sempre e transpirandocada vez mais) Desafio os mais acrrimosinimigos do gabinete a que venham contestaresta verdade. Eleitores, se quereis ser guardas acavalo; se quereis ser arcebispos, escrives de fazenda,e cnegos da S; se quereis que as vossasesposas no morram de parto; se quereis uma boacolheita de azeitona; se quereis que vos saia asorte grande; se quereis que os vossos filhos, osfilhos das vossas entranhas, no vo verter o sanguenos campos da batalha de Waterloo ou no cerco do Porto, se no quereis isso, cidados independentes;se no quereis que vos arda a casa, quevos d o mal nas vinhas, ou que vos caia o cabelo;ento eleitores, votai com o Governo, votai comJoo Fernandes Jnior, que, nascido na plebe, conseguiucom o suor do seu rosto (limpa a calva)elevar-se, de simples sacristo em Mataces, atum dos primeiros cargos polticos da nao. Vozes.Muito bem, bravo, muitssimo bem. (Alguns cabos de polcia levam galhardamente asmos aos punhos dos bengales ferrados que lhesservem de espadas). 1. Eleitor (falando com outro).L falar falaele bem. Agora o que eu quero ver como quecanta. Uma voz dentro da igreja (soltando um rugidorouco) Vaifazer-se a chamada. CENA II JudeuErrante, seguido do Cicerone. Vrioseleitores, depois o burro.A multido mostra-secheia de curiosidade.Candidato do governo, numgrupo, faz comentrios. Judeu (ao Cicerone) Para que demnio estaquelaigreja aberta? Cicerone verdade, tinha-me esquecido dete dizer que na Parvnia as eleies fazem-se nasigrejas. JudeuE as missas dizem-se nas tabernas? CiceroneNo. Nas tabernas convertem-se osfiis ao Governo para votarem na oposio, e osfiis oposio para votarem no Governo. Comecemoso nosso trabalho, que noh tempo a perder.A eleio parece-me segura depois da conversaque tivemos com o influente do crculo; entretantosempre bom dizer algumas palavras aos eleitoresrenitentes. Se te sentes inspirado, fala. JudeuVamos a isso. (Coloca-seem atitude defalar.)

CiceroneComea: no tenhas medo. Judeu(comgravidade) Srs. eleitores do crculo13500. . . por cabea!Apresentando-me ante vsa reclamar o vosso sufrgio, tenho em mira apenas uma coisa: fazer-me despachar patriarca eguarda a p de segunda classe duma alfndegada raia. J vedes que sou um homem perfeitamentedesinteressado. Quem tem estmago, temfome; eu tenho um grande estmago, logo tenhouma grande fome. De resto,Srs.Eleitores, eu seiperfeitamente conciliar o meu apetite com a minhagratido. Se eu forpatriarcaho-de vocstodos ser cnegos. (A multido acerca-se) 1. Eleitor (aparte) Isto que falar ! Vouj mandar abrir coroa. JudeuSim, Srs. eleitores; porque uma calniadizer que a oposiono quer cnegos.Quando o Alentejo inteiro estlutando com umaseca calamitosa; quando essa provnciaoutroraprspera no produz hoje nem sequer as bolotas necessrias para adornar as fardas dos conselheirosdo Tribunal de Contas; quando populaes inteirasde bcoros famintos abandonam os montadose vm ao Ministrio do Reino pedir providncias;quando vemos as porcas, sacrilgio! contra todosos princpios da maternidade, devorarem impelidas pela fome os prprios leitezinhos recm-nascidos; quando se vem milhares e milhares decevados, pas de famlia, ainda ontem gordos efelizes e hoje reduzidos misria, na triste situaode chegarem a pedir um lugar de amanuense;dizei-me senhores: qual nestas circunstnciasa atitude que deve tomar um partido que seinteressa pela prosperidade das provncias dapblica administrao que se acham todas toincultas como aquela a que me acabo de referir?Francamente, senhores; a um porco respeitvel,nopodemos dar-lhe um lugar na alfndega de consumo. Os directores gerais so 8 ou 9 e oscevados so 800 ou 900; qual pois o meio decortaras dificuldades, harmonizando os legtimosinteresses dos bcoros com as convenincias doscabidos; Eia, senhores; povoemos asdioceses! Quea S de Lamego venha em auxlio dos montadosdo Alentejo e que queles a quem falta a bolota(chora) no falte ao menos uma conezia. (Assoase em sinal de enternecimento). VozesMuito bem, muito bem. (Alguns eleitoresabraam-no com efuso.) 1. Eleitor (aparte) A minha pena noser do Alentejoe no ser mais porco do que sou. Voz na igreja (rugindo num acesso de friaconstitucional)Vaifazer-se a chamada. Cicerone (ao Judeu) Sim senhor, andaste muitobem. O teu discurso foi um modelo de eloquncia.Tem s um inconveniente; que daqui a pouco toda a gente quer ser porco nestepas.

JudeuDeixa-te disso. Se ns formos ao poderas dioceses so todas para ns; metade paracada um. Candidato ( porta da tasca, conversando comum galopim.) Ento o que te palpita, venceremosou no? Galopim Com mais 300 libras arranja-se onegcio. Candidato - Demnio! J me parece muito dinheiro! o que vale que no meu (passa-lhe dinheiro). Galopim (aparte, metendo parte do dinheiro nobolso segundo as prticasseguidas em casos destes) 200 so para me comprar a mim e 100 para compraros eleitores. (ao candidato) Vamos a saberuma coisa, Sr.Joo Fernandes, vossemec homemde palavra ou no homem de palavra? Candidato Essa no m; pois voc duvidade mim? Galopim Meu caro Sr. Joo Fernandes, negcios so negcios. Cartas na mesa. Voc vencendoa eleio despacha-meguarda-mor da penitenciria? DeputadoIsso no prometo; mas em todo ocaso, no podendo ser, pode contar desde j comum gabinete reservado nesse estabelecimento debeneficncia. 4. Eleitor (saindo da igreja a cambalear, canta): Estou bbado como um cacho, Ai, agora que so elas! . . . Depois de beber Cartaxo Vou-me atirar ao Bucelas. ( porta da taberna) Bota l meia canada. . . Judeu (comentando-o)De soberania eleitoral. 4. Eleitor (brio, entrando na taberna) Istoos deputados deviam fazer inleies todos os diaspara ajudar a viver os probres. Judeu (a Cicerone) O que te parece? a coisaest segura? Cicerone Segurssima. O nosso adversriodispe de 3.640$000 ris, ns dispomos de ris3.644$500; concluso: ganhamos por uma libra. Judeu Alto l! isso uma minoria insignificante. Toma l os ltimos 5 tostes (d-lhos); havemosde ganhar por cinco mil ris.

Cicerone Vejo ali um eleitor que est comcara de se vender segunda vez.Vamos ver se nosentendemos com ele. (chamando-o) V. S d-me uma palavrinha em particular? 1. Eleitor (aproximando-se) Pois no, estous suas ordens. Cicerone Peo perdo; mas quero propor-lheum contrato, para bem de todos ns e do pas.V. S na qualidade dum dos eleitores mais independentesdesta freguesia diz-me quanto recebeupara ir votar com o candidato governamental? 1. Eleitor Sinceramente; visto conhecer a minha f inabalvel, dir-lhe-ei que vendi trs vezes o voto ao mesmo candidato; nisto que esta minha coernciapoltica. Judeu E por quanto, pode-se saber? 1. Eleitor A 1 vez por um lugar de sacristo,a 2 por um lugar decantoneiro, e a 3por um lugar de bacharel em direito. JudeuPois olhe, da 3 vez parece-meque fezum mau negcio. Cicerone Muito bem. (conta de dinheiro)V. S recebe mais estes 240 ris, o preo duma conscinciaj em 4 mo, e almdissoprometemosnome-loadidon. 1485 para ir exposio deParis representar a Parvnia na classe de velas de estearina ou rolhas de cortia. 1. Eleitor Negciofeito. Mas, meu caroamigo; mais uma condio; quero tambm umacomenda. Judeu (em tom repreensivo) Meu amigo, supunha-o com maisjuzo! Para que quer vossemeca comenda? 1. Eleitor Essa no m! para a vender. Judeu Queira desculpar.Efectivamentevossemec um dos eleitores mais francos e maisconscienciosos que tenho conhecido. Candidato (aproximando-se e pegando na modo eleitor que puxa para o extremo oposto da cena) Cidado independente: vossemec v ali escritoCartaxo, pois cidado (ao ouvido) para osamigos tambm h Porto e tambm umas mozinhase carneiro; isto c para ns. Cicerone (invectivando) indigno atentarcontra a conscincia duma eleitor! CandidatoFalta verdade: ofereci-lhe vinhoda minha lavra; no estou a atentarlhecontra a conscincia, estou a atentar-lhe contrao estmago.

JudeuPois, estmago e conscincia na Parvnia a mesma coisa. Cicerone (puxando o eleitor por sua vez)Aquele desgraado oferece vinho do Porto; oferecemozinhas de carneiro! pois bem; se quereismeio bife, votai com a oposio; se quereis saladade lagosta. . . Candidato (bradando com voz convicta) Votai com o Governo. Judeu (intervindo)No se deixe seduzir! (comaltivez) V a minha lista? (mostra um papel e l):Sopa de cevadinha (declamando); sem o diminutivotambm se d, se quiser (continuando aler); Costeletas de carneiro ou de tesoureiro pagador; Cabea de comarca com ervas; Rimgrelhado com conservadores; Chispes de cnego; Sobremesa; Mas de D. Maria. Candidato (puxando o eleitor)No vacilehomem; aquilo o caldo negro de Esparta, emcomparao do quereza esta lista do governo;oua: (l) Sopa Zambeziana; cabea deporco e de distrito; Paio com comendas; Borrachos portuguesa; Desenjoativos: mexilhezinhos pretos de Castelo Branco; Maionesede deputados, verificadores da Alfndega egenerais de brigada; Lombo de Z Povinho; Vinhos: Porto 1815; Borges de Castro,n. 23 A, Rua do Alecrim. (ao pblico) Queiramdesculpar, mas isto um reclame. (declamando)Sobremesa: Sonhos; Neves de todasas qualidades. 1. Eleitor (aparte, reflectindo) Francamente,acho a lista do governo muito superior daoposio, motivo por que vou primeiro comer umae depois a outra. Cicerone Mas ento vota connosco? CandidatoPosso contar consigo? 1. Eleitor Os senhores deviam fazer o quequis fazer el-rei Salomo num caso semelhante.Dividirem-me ao meio e ficar cada um com metadedo meu voto. Cicerone (chamando-o a um lado da cena)Bem, aqui est a nossa lista. Deputado (chamando-o a outro lado)Bem, aminha lista aqui est. 1. Eleitor (tomando uma resoluo) As duasso to boas que no posso deixar de as comer ambasao mesmo tempo: sou eclctico. (entra na igreja) Uma voz ( porta da igreja) Est a concluir achamada. Um eleitor (correndo apressado com um copo devinho na mo)Deixa-me l ir depressa que aindano votei seno 5 vezes! Candidato (ao galopim)A nossa gente j veiotoda?

GalopimParece-me que ainda falta. Um cego (aparecendo a pediresmola) Uma esmolinhapelo amor de Deus! quem me d 5 rizinhos. Judeu (chamando-o)Oh! ceguinho, venha c!Olhe que num dia como este no se pedem 5 ris,pedem-se 5 libras. Ento vossemec no votante? CegoOh, senhor, no estou recenseado nestafreguesia! Cicerone No tem dvida: a mesa no repara. Candidato (intervindo)Oh, irmozinho, venhac; no se deixe seduzir.Vossemecquer irvotar pelo Governo? CegoMas eu no vejo nada! CandidatoTambm eu no, mas isso nofaz ao caso; ora diga, deseja algum empregozinho? Cego Mas bem v que sou cego! &&& CandidatoAh, ento por que no tinha ditoisso h mais tempo! Pe-se-lhe uns culos azuise vai para olheiro da penitenciria. (entrega-lhe a lista e encaminha-o carinhosamente porta daigreja) Ora vamos l. . . Cego. Seja pelo divino amor de Deus: aquiest um homem que v ao longe! Voz na igreja (chamando)Policarpo da SilvaBanana. (Entra um sujeito que recebe de cada candidato,ao passar por eles, a competente lista). Sujeito Ora c vou cumprir, com o meu dever(entra na igreja). Voz igreja Jos dos Caracis.(Passa a outro eleitor: a mesma cena,um doscandidatos d-lhe dinheiro.) Eleitor Sim senhor. Aqui est o que franqueza.(aparte) Realmente ns em vez de fazermosLotas devamos antes fazer deputados. Voz na igreja Antnio Moita. (Aparece um homem em moletas).

C\x;>r['ATo. Ai! coitadinho, deixe-meampar-lo ! (ampara-o dum lado). ilDEL (actidindo). Oni que incoimnodo, meucaro amigo! ei-^e-me an^^^arA-o. (Ampara-o do outrolado acompanham-no ambos jwrfa da igreja.) Voz na igreja Jos Gato da Costa. (Aparece um homem de gatas). Candidato (ao galopim)Levemo-lo boca daurna. (Os dois fazem cadeirinha com os braos e levam-no). Judeu Ora isto que uma eleio disputada! Se continua assim levo cheque ! Entretantonunca pensei que tivesse tantas disposiespara candidato! CiceroneNo te assustes. Ainda falta muitagente nossa. O maneta que se estdemorando!mandei-lhe j dois recados. Judeu Quem o maneta? Cicerone Ei-lo que chega. (Aparece um homemsem braos) Maneta Cestou, venha a lista. Judeu (fazendo meno de lhe entregar a lista;como quem procura os braos) Mas a este homemfaltam todas as condiesnecessrias para pegarna lista? Maneta (pegando na lista com os dentes)Agoraa outra! Judeu A outra, que? Maneta A outra lista. CiceroneAh, j sei o que ele quer! (Tira umalibra do bolso, mete-lha nos dentes.) Maneta (mostrando a lista e d libra nos dentes)Uma para o estmago, outra para auma (sae). Voz na igreja Lzaro do Esprito Santo. (Aparece uma maca conduzindo um doente). 3. Eleitor. Protesto, mio pode votar! Estehomem no est morto! O DA MAGA (deitando a cabea de fora) Noposso votar, essa no m! aqui est a minhacertido de bito. Faleci h 4 dias na freguesia deSanta Justa, tenho por isso todas as condiesque a lei exige para votar nas Mercs.

3. Eleitor Perdo, no sabia; queira desculpar. Candidato (aproximando-se da maca e levantandoa cortina) Meu caro defunto, se vota como governo arranjo-lhe um lugar vitalcio de arcanjoGabriel de l.'"^ classe no outro mundo. Judeu (do outro lado da maca, levantando a outracortina) Qual prefere vossemec, ser anjo noParaso ou banqueiro em Lisboa? O DA maga (reflectindo) Eu sei? Paree-era prefervel ir para o cu, a ir para o Limoeiro! JudeuSer anjo muito bom, mas olhe queser da polcia civil no pior! Doente Bem, agora no hesito; vou para ocorpo de polcia. Venha a lista (judeu entrega-lhea lista). Candidato L me roubou aquele voto comque eu contava ! . . . Galopim Parece-me que temos a eleio empatada! . . . CandidatoEst o demnio! se no arranjamosmais algum voto ! . . . GalopimMas aonde!. . . CandidatoNa freguesia do Alto de S. Joo. Galopim Era muito bom, mas esses j votaramtodos! Candidato (passeandoagitado) Estamos perdidos! (para a multido) Cidados independentes!Qual de vocs quer vender o voto pela coroa daPolnia ou por uma pipa de vinho?. . . (Entra nosgrupos agitando o chapu e o leno deramagens). Cicerone (ao judeu) Y^^q que o momento da crise (sai). Judeu (mostrando-se aflito, cantando). Que vculia o zarollio, iBfalos 1. Deputado (tirando o casaco)Que calor! . . .puf ! . . . 2. Deputado Esta manh, assim que chegueifui ao Manuel Loureno, comprar unias botas novasque me esto apertando os calos como um milho de demnios! 1. Deputado (aparte)E natural, no est habituadoa us-las. . . 2. Deputado (fazendo meno de tirar as botas) Meus caros colegas, do licena? Vozes vontade, vontade. . 2. Deputado (tirando as botas e calando unssapatos de tapete) Calado isto I Foi presente deminha mulher no dia dos meus anos. PresidenteOrdem, meus senhores I Calcemas suas botas que vai abrir-se a sesso. 1. Deputado (abrindo uma gaveta e procurandoum colarinho) Demnio! deixeme pr o colarinho.No sei por que, uma coisa que me esquece sempre! ata tim leno de chita de ramagem em voltado pescoo assoando-se primeiro a ele estrondoso'-mentej. Eiftao gravata^ raro o dia em que atrago ! . . ; (Vrios deputados durante esta cena esto conversando,palitando os dentes, e praticando outrosactos mais ou menos prprios do moderno parlamentarismo). Presidente Meus senhores, recolham os seuspalitos que vai comear asesso. (Os deputados cravam os enormes palitos atrs daorelha). 1. Divertido (num grupo) Ento, segundo dizem,Demstenes, o nosso grande orador, vai finalmente ter o seu rival?

2. Deputado Diz que sim! que um talCi... Ci... Ci... 3. Deputado. Um tal Ci. . . Ce. . . 1. Deputado.Tenho-o mesmo debaixo da lngua! . . . Ah cestele ! Um tal Ccero de Freitas. 4. Deputado (intervindo) Conheo perfeitamente.Foi do meu tempo em Coimbra. 3. Deputado E que tal, rapaz hbil? 4. DeputadoUm prodgio ! E um rapaz de grande valor! . . . S em instruoprimria teveele 17! Logo que se formou defendeu nos auditriosde Cabeceiras de Basto um ru e, apesarde ele estar inocente, conseguiu faz-lo condenars a dez anos de priso! Depois para a msica, isso um barra ! Tem uma mazurca intitulada o Charutoque um verdadeiro primor! Ento no verso! Ah, meu amigo.H um epitfio delefeito aos anos de minha sogra!! . . . Ora deixe verse melembro. . . (pensa) As armas e os bares assinalados. . . Ah, no, isto do Luiz de Arajo . . . (reflectindo). As flores d'alma que se alteiam belas . . . (Emendando). Ainda novai. . . ah, cest, cest. . Aqui jaz na campa fria, neste funeral moimento A minha sogra Maria do Sacramento Que foi o meu amor e o meu tormento! 2. Deputado Admirvel! Admirvel, umprodgio! Presidente (ao deputado que recita). Tenho aobservar ao Sr.DeputadoSimplcio das Neves queno permitido recitar o Noivado do Sepulcro no seio da representao nacional. Simplcio (cheio de indignao).YXi\o, uns versosque vieram publicados na Trombeta de Faroe no Clamor da Beira Baixa! . . . Presidente (interrompendo) Meus senhores,ordem. Lembrem-se que esto no seio da representaonacional. Queiram mandar-se tomar assento. Simplcio (familiarmente a outro deputado) Isto, a capital uma Babilnia I *" A D. Gertrudes,mulher do recebedor, encomenda-me umlivro de missa e umas galochas de borracha da ltima moda, de maneira que h trs dias que andoa correr a cidade por causa desta encomenda!Assim que recebi a carta fui logo Torre do Tombo para comprar o livro de missa; l disseram-meque fosse

biblioteca nacional; vou biblioteca, comeam todos a rir-se; parto dalicomo um raio; corro todos os ministrios, e noencontrando o tal livro, resolvi com os meus botes,em vez do livro de missa, mandar-lhe o Crimedo Padre Amaro. Sim, por que isto, um livroescritopor um padre, por fora que deve ser umlivro religioso, Enquantos galochas. . . Presidente (interrompendo e tocando um grandechocalho que tira debaixo da mesa) Vai abrir-sea sesso. Sr. Simplcio tenha termos!. . . Simplcio (pondo o chapu e arremetendo) Sr.presidente ! . . . VozesPu. . . pu. . . pu ! . . . Presidente (aos contnuos) Tirem o chapuda cabea do Sr. Simplcio e obriguem-no a tomar assento. . . (contnuas executam). Simplcio (indignado).Protesto, Sr. presidente!protesto ! e se me sento no para obedecer intimaoda banca! Sr. presidente, eu sou umburro de fora e as violncias no me atemorizam. Se me sento, (convicto) para no ficar de p. (Senta-se) Presidente Est aberta a Praa da Figueira... perdo! est a sesso aberta, que euqueria dizer. . . - (Ajxcrece gente de todos os feitios nrs gcderias). CENA II Os nio^tno^, lucSeu lrraiite, metamorpbosfadoein Ccero d^ Freitaii^: ar importante; bigode epra, pardessu.^ no brao, por baixo do qual trazescondida uma casaca, dum lado azul e do outrovermelha. Cumprimenta para um e outro lado. Fitam-no todos com curiosidade.Depois um prelo trajariilo cala de riscas e casaco de ganga amartdla. SiMPiJGiO.Ei-lo que chega. Cest o nosso homem (vai cumprbnentcd-o). 2. Deputado.Bonita figura, sim senhor! SiMPJGiu co)iJi(h)icialme)itej.E um homem de cunho I Entra um preto trajando gravemente . . . como os -pretos e vai tomar assento 7ias lanadas do fundo). Simplcio fa um lcpufadoJ.Conesaomos que vamos ainda na retaguarda do progresso! A liberal Inglaterra e a jovemAmrica de ha nuiito que acabaram com os pretos e entre ns, como se v, ainda esto com vigor! O que pretendera este negro? . , Vir pedir que lhe quebremos os ferros da escravido '?

2. Deputado.Este preto nosso colega: c deputado. Simplcio.Por ondeV Por Guin ou pela Zambzia 2. Deputado.Pela Beiral Xo e recorda V 57 Simplcio.Aljl verdade. PiiESiDKNTE.Tem a palavra, o Sr. deputado Simplcio ! . . . Simplcio (para um deputado).So os dois momentos mais solenes da minha vida. Este e quando nasci ! 2. IJeputaDO.Coragem, Simplcio, coragem! Simplcio (depois de ter tossido muitssimo. Sr. presidente . . . Sr. presidente I . . . tenha a bondade de ine mandar dar um copo de gua que estou muito aflito ! . . . Pkesidkntk fao continua).Leve aquele senhor ao chaiiriz: *^ perdo, enganei-me; traga umchafariz quele senhor. (Contnuo traz um copo de gua de tamanho incomensurvel, Simplciodebrua-se sobre ele e hce com sofreguido. U.MA voz. O homem tem sede? Simplcio (acabando de beber).De justia, Sr. presidente, de justia!. . . Ha 20 anos que tenho assento nesta casa, e lia 20 anos que, com a minha voz eloquente, eu venho aqui reclamar todos os dias uma porca!. . . Uma voz.E melhor ir busc-la ao Alentejo. Outra voz.Ao Alentejono: famlia!... SiMi'Lrcio.Sr. presidente, tenha a bondade de chamar ordem estes malcriados!. . .( Presidente chama ordem tocando o chocalho com violncia). -^ Como eu ia dizendo, ha vinte anos que o8 reclamo uma porca . . . para o sino da igreja matriz da Alfandega da F, e at hoje, Sr. presidente, no tm os poderes pblicos prestado orelha investigadora aos justos clamores da opinio indignada ! uma questo momentnea, Sr. presidente! vai n'esta porca a honra da nao ! -* Ccero i^k Freitas f parte).A custa d'essa porca tem o ilustredeputado comido como ura porco. Simplcio poces^o).Intime o ilustre deputado

a que retire o porco; uma insinuao pessoal. Vozes.Ordem! ordem!. . . (Na gcderia sentem-se vozes cantando de (galo, miando, grunhindo, etc.^^ Presidente (para as galerias).As galerias no podem imitar vozes de animais irracionais. Esse direito pertence exclusivamente ; cmara. -* ao drjiiitado) Peo ao ilustre deputado que, para o bom andamento deste debate de instruo e recreio, engulaimediatamente o porco. O que est na tela da discusso a porca da Alfandega da F. CiGKUO HE PuKiTAS.Pois uniito bem, Sr. presidente: se quer que retire o porco, mande retirar primeiro o Sr. Simplcio. S'MPLiGio (fulo de raiva, engasgando-se).Eu mato aquele demnio ! Vou ter uma apoplexia fulminante ! (Bebe na taa e engasga-se mais. Ao vizinho Bata-me aqui nas costas: bata! PiESiDENTE.Sr. Simplcio, retiro-lhe a palavra e a gua ! Simplcio (abraando-se faa pronto a morrer por . nco* trajando de Sancho Pana. (Vide desenhos de Gustavo Dor). M. DA REINAO.Eis-mes vossas ordens senhor. D. QurciiOTE.Meu Sanclio-Paio ! Meu querido Sancho, meu nico amigo ! Nunca pensei que fossem to lancinantes e de tal guisa as agruras do poder ! Eu trago os meus ps ensanguentados pelos abrolhos da governana publica I . . . M. DA RKiNAo.Ora deixa-te de asneiras. E a eterna cantiga! Diz toda a gente que as cadeiras do poder tm espinhos ! Pois eu c por mim^ francamente, que nunca lhos encontrei. D. QuicnOTE.Ai Sancho, Sancho, quem me dera o teu bom humor ! A ptriaest em perigo I Cai tudo, Sancho ! caem os bancos, caem as torres, caem os teatros, caem os estadistas ! . . . M. DA REINAO.E ns ainda nocamos, mas olha que estamos quase ! . . .' D. QurciiOTE (imlignarlo) . Eu cair, Sancho I E mais fcil, cair o eco e morrerem todas as cotovias. . . Nunca Sancho! a coisaestm, no ha dvida, mas ha ainda um meio de nos salvarmos. iM. DA REINAO.Qual? meu rico amigo: rc119 vela-me esse segredo?... Eu s com a icla de largar amanha a cadeira do poder emagreci 1-i arrobas a noite passada! S j peso 161. . . D. QuiciiOTE.Sabes o que nAS EMBARCAES.lllustrc Boytou, tu s o Asavherus das guas, o Jnatas dos tempos modernos: naa s tu que nadas como os peixes; so os j)eixes que nadam como tu, e a Parvnia. . . U. Qn CIIOTE (a Sancho parie).A coisa arranjase ? 123 M. DA REINAO.Est tudo a postos. M. DAS EMBARCAES.No me interrompam. fA Boyton). E a Parvnia, como eu ia dizendo, ilustre Bovton, tem a lionra de te oferecer o lugar d'almirante-mor da sua esquadra ! D. QuiCiiOTE.Aceite; olhe que no mau: OO mil ris, fora os emolumentos, e pidso livre !... Boyton.Agrade.co a VV. S.^* tamanha delicadeza, mas no posso aceitar. D. QuiCiiOTE.Vou apresentar ao ilustre capito alguns modelos de vasos de guerra feitos no nosso arsenal. (8ae e volta JorfOj trazendo xim navio jyequenino com rodas, pn.raflo j^or ton harhante). Aqui tem voc o bem conhecido Pimpo, isto serve para tudo. M. DA REINAO (aparte).Menos para navegar. D. QuicrioTE com enthnsiasmoj .Isto serve para tudo. Pe-se-lhe uma parelha de nuilas, e fica uma diligncia. Tira-se-lhe a parelha, coloca-se em cima duma mesa, cobre-se com uma redoma, c um lindo ornamento de sala. Quer-se mandar para a outra banda em comisso de servio? Prendem-se-lhe umas bias, embrulha-se num papel muito bem embrulhadinho, e entrega-se a um homem que o vail levar. Nem precisa carvo; so trs vintns no vapor do Burna^'. Repito: isto que acpii v serve para tudo. J foi arcebispo de 12i Mitilene ; j;l dobrou o cabo das Tormentas que fica ali ao p do Banco Ultramarino, j serviu -de nau do Estado, n'um discurso que eu fiz na abertura das curtes, e andamos agora com a ideia de o rifar em vinte mil ris, 50 bilhetes a cruzado cada um. Jesto passados doze; quer voc ficar com o resto; fazemo-lo visconde?

lioYTON.Eu da Parvnia, meus senhores, quero simplesmente o que ela tem de bom; o Tejo, mais nada. Mas uma vez que VV. S.'''* desejam reformar a esquadra parvoneza vou apresentar-lhe o modelo que mais convm para a marinha destepas. (Tira do bolso tim navio feito do Dirio de Noticias). Ei-lo! Xo ha dvida que isto um navio ,em condiesnuticas muito superiores s do Pimpo. M. i>AS EMB.VHCAES (pegando no navio e examinandooj.E extraordinrio! Que resistncia de couraa ! DoYTOX.E tudo chapa de ferro! 1). QuicnoTE (convicto).0'ferro dos nossos navios quase to leve como este! mas ainda assim, mister confess-lo, no chegmos ainda a tamanha perfeio!. . . (tomando-lhe o pela sua aparncia, tem 131 ainda robustez demasiada para exercer um cargo de natureza to sedentria. ^-^

1. Pretendente.Aquela fortaleza que me convinha. . . pacifica, no tem artilharia. . . depois at l podia semear os meus feijezinhos, a minlia batatinha. . . M. DA Reinao,Efifectivauiente, aquela fortaleza bem adubada pode dar um resultado magnifico ! O terreno ptimo. D. OuiGiioTE.Olhe, se lhe convm, na serra de Monsanto, o lugar que lhe posso dar o d'almo"xarife das bocas-de-fogo. 1. PiiETENDENTE. E so uiuitas as bocas de fogo ? D. OciCioTE.Eu lhe digo: confa pelos dedos j O governador, general de brigada 3; o capelo, 4, fazem 7; 3 cirurgies; a duas bocas cada um, temos ns j 13 bocas. . . 1.*^ PiiETENDENTE ((itfrrddo).O seuhores I mas como lci 'de dar de comer a tanta boca ! . . . M. DA REINAO.Est bom, est; bom: v;i-se embora que se lhe arranja o emprego que lhe convm. Como quer coisa de pouco trabalho, fica desde j nomeado para dar o seu parecer sobre as peas que se representaram no teatro de D. ]Maria n. ^'^ . 1 . Pretendente innlfo confoife)-Sim, senhor, serve-me, eu saberei agradecer a Y. S.'' Continuo (anunciando) . Est ali fora um senhor que diz que vem buscar Moambique. D. OuiCiiOTE.Ah, bem sei, mande-o entrar. (Entra um moo de fretes). Criado.Meus senhores, isso ser coisa de muito peso"? kSc , vou chamar mais algum. D. Quixote.No . (Voltando-se para os colegas). Qual de vocs me sabe dizer onde est o mapa da Parvnia? (Procuram nas pastas, nas gavetas, em cima das mesas, etc. M. DA REINAO (encontrando-0 no cesto dos papis velhos).Cestele ! Ser bom mand-la encaixilhar, seno, olhem que qualquer dia, podemos aparecer no barril do lixo. D. QuiCiiOTE (desenrolando o mapa).C) Sancho, pega d'ahi. (Sancho segura uma das extremidades

do mapa e D. Quixote com uma tesoura corta um pequeno pedao, que deixa sobre a mesa, entregando o resto dentro dumaenvelope ao 'moo de fretes). Aqui tem. Entregue l ao seu amo; c no o perca, que leva coisa de valor. Criado.Baia! Fique descansado (sae). M. DA reinao (para D. Quixote em voz baixa). O homem, tu deste-lhe tudo? D. OnCHOTE.Deixa estar; sossega; ainda nos fica aqui a Beira-Baixa e um bocado de Trs-os-Montes. .. M. DA REINAO.O D. Quixote, n'aqucllc ro133 mancc da carta constitucional, logo no principio, aonde se diz: i?ei de tal e coisas, etc., d'aqum e d'alm) sempre bom riscar o d'alm, que esse levou-o agora aquelesujeito ... M. DAS INJUSTIAS (vai para acender um charuto^ e d toda a fora a um bico de gs que espalha um grande claro). D. OlJGItote.O colega das injustias, d s iueia fora ao registo que tanta luz faz mal aos olhos. M. DAS INJUSTIAS (agastado).Preciso do registo todo para acender o meu charuto, voc no v? D. QuiGHOTE.Ah, voc levanta a grimpa?. . . (Colrico). Meia fora no registo que mando eu ! . . . M. DAS INJUSTIAS.Pois mande voc em quem quiser, mas l em mim que no manda. ,D. QuiGiiOTE.Pois n'esse caso, Rua!. . . M. DAS INJUSTIAS (pegcindo no chapu).Era a minha vontade ha muito tempo; e vocs tambm no ho-de tardar muito atrs de mim, ( Sae). D. QuiGHOTE.O conselheiro Frota, modere-me ali aqueleregisto. (Ministro das einharcaparlamentares. Disse. Jay.me Victor. 185 Nota lPag. 52 Quem que um dia n'uma tarde chuvosa e triste, uma tarde de Janeiro quando anda no ar uma melancolia vaga, no foi espairecer o mau humor e desopilar o Qgado, para uma galeria de S. Bento, ver a representao nacional, essa eterna fonte de galhofa e de alegria? Ali encostado ao parapeito de oleado esgarado, atravs do qual passa a crina do recheioo que uma mina de

distraces para os lbios das praas de pret, que assistem sesso,quem que no tem visto o espectculo desordenado, ca[)richoso, que Offerecem os deputados ao pas que os contempla? Ningum ocupa o seu lugar e ningum escuta o orador. Ha umwuido constante de portas que se aiirein que se fecham, de carteiras que batem ao cerraiem-se, de cadeiras que se arrastam, de grupos que palestram, de friorentos que aquecem os ps ao calor do fogo, de broiichilicos que tossem, de turbulentos que berram e dos secretrios que entoam ifuma malopa somiiolenla umas leitoras, que ficam sendo [lara lodos como uns misteriosos hierglifos falados. Alguns deputados pacatos e ordeiros fazem tranquillaraente a sua correspondncia, e outros esto muito recostados nas suas cadeiras, com as pernas erguidas, os joelhos altura da boca, n'uma posio to familiar, como as que se tomam n'uma sala duma cenlc depois das duas da madrugada, quando com meia dzia d'amigos se fuma o ultimo charuto do dia e se contaiu as anedotas galantes e as observaes picarescas. esta a fisionomia do nosso parlamento. A esta 186 desenvoltura, a este vontade, corresponde uma eloquncia tambm de joelhos boca, e os discursos tm, como os deputados, o colete meio desabotoado, a gravata banda, o peitilho amarrotailo. A nossa retrica parlamentar uma retrica deshabill, uma retrica de chinelos, uma retrica de fato feito comprado em algibebe, uma retrica, finalmente, que nunca calou luvas. O deputado ao pedir a palavra, levanta-se e acena para o continuo, levando a mo toda aberta boca, metendo o polegar entre os lbios, com um sinal expressivo, que se usa no Collete encarnado. Depois, de paletot de panno piloto, forrado de castorina ura paletot da Ribeira Velha um pouco aberto, as mos metidas no cs das calas, ou no meio dos arrebatamentos dos seus raptos oratrios, coando nervosamente a cabea comea a expectorar frases tremebundas, acusaes virulentas. A influencia da toilette sobre a eloquncia no uma fantasia, uma realidade. Um facto perfeitamente autntico, ha pouco sucedido com ura dos representantes do povo, confirma-o exuberantemente, li o nosso deputado ura dos mais grrulos borradores da Gamara, ealem

dos seus discursos atroadores, so celebres os seus apartes em oitava alta e os seus murros atbelelicos, que arrombando as carteiras, adirmam o vigor, lanto das suas opinies como do seu bceps. Pois bem ! uma d'eslas manhs o nosso homem por um d'estes singulares caprichos da imaginao, ao passear pelo Chiado, fazendo horas para ir para a cmara, entrou n'um luveiro e envergou as suas fones mos vermelhas e cabeludas, 187 n'umas luvas de pelica que o lojista a muito custo l ajustou e abotoou. E ahi vae o nosso homem pelos Paulistas abaixo, olhando sempre para as mos, sem saber onde as havia de metter, ao mesmo tempo, com os receios de quem tem um crime a esconder e a altivez de quem quer patentear uma gloria imortal. Em S, Bento sentou-se na sua cadeira, no escarrou, j no tinha nos grossos lbios carnudos o palito do ai-, moo, as pernas conservavam-se modestamente, uma ao lado da outra, e os ps pacatamente apoiados no cho, 6 nem estrondeou os ares com as suas apstrofes clamorosas, nem interrompeu os oradores com as suas frases plebeias, nem esborrachou a carteira com os seus gestos, esmagadores. Causou pasmo esta altitude: todos lhe perguntavam o que tinha se lhe fizera mal algum guisado dos Irmos Unidos, se lhe subira cabea a msica da Aida, se linha saudades da terra, se se lhe secara a garganta ou enfim se algum imprudente lhe viera falar n'esse monstro horrendo a civilidade? E o homem a tudo dizia no acenando melancolicamente com a cabea, n'uraa altitude de extasis, como quem no v nem ouve o que em roda de si se passa. Afinal soube-se a causa daquela transformao-^ eram as luvas eram as traioeiras, elas, as prfidas, as de cor d'amndoa torrada! Portanto, querido pas, se queres morigerar o teu parlamento, no procures nenhum poltico, nenhum revolucionrio, nenhum poder do estado, procura simplesmente os Srs. Baron e Ferrier. Se eles enirarem um dia pela cmara dentro, com um pacote de luvas debaixo do brao, produziro mais efeito do que Pavia i88 entrando de qupi na cabea e a espada em punho em pleno congresso espanhol. Carlos Lobo d'vila. Xota 16Pag. 3 O equivoco deste deputado desculpvel. O Sr. Luiz d'Arajo, apreciado escritor e poeta, d-nos nas suas graciosas

trovas os Lusadas do sculo xix. Km vez duma epigrama de mau gosto ba pois uma pequenina stira, inofensiva e justa, no facto de se atribuir ao aulbor das Intrigas no Bairro um verso de Cames. ^'era um nem outro tem por tanto razo de se achar offetidido. G. V. Nota 17Pag. 54 A dilignciadaquelas enormes diligncias do Minho, que comportam 18 passageiros dentro, 3 na almofada (ia boleia e G na imperial do tejadilhoestava quase a partir. O cocheiro, j no seu lo^ar ajeitavaas rdeas duplas, que haviam de guiar seis cavalos possantes, muito arreados, com uma coleira de guizos. Ahi chega o Sr. deputado!exclamou o caixeiro da companhia, que estava porta da estao, com a pena atrs da orelha, para dar ordem de partida. E ao desembocar da Rua das Gaivotas apareceu ento o deputado Simplcio, flanqueado de dois. abadesrechonchudos e triumpbanles de patriotismo, e acaudilhado por uma horda de eleitores entusiastas. O doutor Simplcioencaminhava-setrmulo de coro189 moo, bera trajado, cora saca a tiracolo e paletot cor de pombo lanado s costas com as mangas perdidas. Antes de poisar o p no estribo anediou circunspectamente a barba cerrada, uma barba nacional, que lhe passava debaixo do queixo, como uma presilha, que lhe repuxasse a cabeleira, e despediu-se dos amigos, aos abraos. As manas do doutor, duas honestas solteironas de papeira penugenta e olhos bugalhudos, tinham vindo ao bota-fora. O doutor abraou-as, e disse-lhes a tremer: Adeus, mana Doroteia; adeus, mana Felcia. As duas senhoras, naquele doloroso transe, no tiveram mo era si. Deram em chorar um grande choro amargo, com soluos alictivos, abraadas no doutor Simplcio, com tal fora, que foi mister a interveno do Padre Ignacio para os separar. A Igreja venceu mais uma vez. E Jesus, meu Pae do cu Iexclamava o abade aflitososseguem, minhas senhoras! O mano h-de voltar. Enio !. . . E ora alentava D. Doroteia, ora D. Felcia, naquela separao angustiosa. Quando a diligncia partiu, a mais velha das manas, que era atreita a achaque de nervos, desatou n'uma tal

berreira e estrebuchamento, que fazia d. O abade interveio ainda. Isso flatoexplicava ello s pessoas, que acudiam em torno d'(lla. Deixem-na chorar! E flato, ! Ento que querem ? mana ! . . . 190 D. Felcia arrancou trs arrotos do intimo esfago e desandou para casa com o corao alanceado. A representao nacionaldigam as stiras o que disseremcusta muita lgrima de senhoras honestas. O sufrgio faz-se custa de vinte costaneiras e ao som timpnico de outros tantos arrotos histricos. O que seria da ptria sem esta artilharia de odres ! Enquanto as manas se encaminhavam para casa, seguia por entre aqueles cerrados pinheirais do Minho a diligncia em que viajava Simplcio, o deputado parrana, que tinha de ir salvar a ptria exaltando-a ao pinculo da celebridade com o seu verbo inspirador. O deputado atlante havia de alapremar a autonomia, como condor audaz, que arrebata nas suas presas um cgado de charneca. Pelo menos, no crneo escandecido tumultuavam-lhe os discursos de* Ccero e de Demstenes, onde ia forrageando a oratria selecta e rederaplora. Na capital onde nunca Simplcio fora deparava-selhe o Frum. A multido das galerias ouvi-lo-iaatnita. Os deputados da oposio teriam de pasmar da sua eloquncia. E, se acaso o governo no atendesse s suas queixas e reclamaes, havia ele de voltar sua aldeia, ao amanho da sua casa, rabia do aradossou todo o 14 210 reino umarpida marcha gloriosa .e triuraphal, o antigo convencionado de vora Monte, retirado j do mais activo servio dos campos, ia acompanhar residncia da aldeia os netos radiosos e alegres do abastado lavrador que o acolhera no seu lar amigo e consolador. Duma vez entrou dentro da modesta saleta onde o cura ia iniciando os pequenitos naquela obra suavssima: terminava a lio das vogais e passava-se aos ditongos. E o antigo campeo da legitimidade exclamou em voz alta e como que possudoduma grande tristeza intima: Ditongo? Isso nunca o meu amo, o Sr.Cristvo chegou a ser. L vogal, foi ele por muitos annos. . . Ora ha que tempo isso l vae ! E todos me perguntavam: o Sr. voga! est em casa? Tudo era o Sr. vogal. Mas ditongo, ditongo? E apesar de nos seus tempos de rapaz ter aprendido a ler, por mais que lhe explicassem, no compreendia, no prestava ateno e repelia consigo, baixinho, quase mentalmente: Ditongo ! Este facto sintetiza a escola parvoneza, de que o aspeada fora digno filho. De quantos lem sabido d'ella, mais de trs pelo menos, lem irracionalmente. Toda a boa vontade se quebra de encontro aos sistemas de leitura, qual mais incompreensvel, qual mais absurdo; o projirio Castilho que tanto a peito tomou a causa da Instruo Popular ensinava as vogais com simplicidades ingnuas, como esta: 211 ' A, e, i, o, u, vozeiam, Quando em cima o pau lhes vem, E vo sempre caladinhos Quando carapua tem. A carapua era o circunflexo: w e com acentocircunflexo, nem mesmo nas obras do Sr. Castilho se encontra; apenas nos textos snscritos conhecemos essa especialidade. Ao cabo de seis annos saia-se da escola, lendo os nomes

Anto, Bento, Casimiro, Daniel e uma parte da Carlilho de Mestre Ignacio. O melhodo Joo de Deus, aparecendo de improviso, maravilhoso e milagroso at para muitos que no acreditam em milagres, acabou com essa absurda e tirnica entidade do mestre tradicional e fez do professor um ente humano, abrindo definitivamente no grande muro Ignorncia trezentas portas de azul, como ha pouco dizia nos seus versos picos e sempre gloriosos um dos maiores poetas do nosso tempo e um dos amigos mais ntimos de Gil Vaz. . . J. D'AnAUJo. Nota 42Pag. 86 O estado manteve sempre inaltervel o preceito de no exigir exame d'instruo primaria para o cargo de conselheiro. Esta salutar medida tem produzido os resultados mais benficos. Oxal que para bem das reparties de Estado ella fosse adoptada igualmente com respeito aos amanuenses e chefes de repartio G. V. 212 Nota 43Pag. 87 O comendador Gil Vaz descobriu a verdade, atravs o monculo do seu crach da rosaque regula os ventos da importncia comercial e burocrtica nas praas do velho e do novo mundo. A instruo nacional pode representar-se n'um quadro completo com dois traos espirituosos do lpis de Bordalo Pinheiro: Matusalm na apre7idizagem do alfabeto E aos lados, com ares solenes, com falias patriticas, trs homens a protestar: D. Antnio da Costa, Joo de Deus e o chefe do partido que estiver na oposio. Ora, estando Bordalo Pinheiro no Brasil, a explorar exactamente o que l no ha talvez com abundncia, o esprito,Gil Vaz fez a critica. A prosa substituiu a caricatura. Em vez da Lanterna Marjica, a Viagem da Parvnia. E a Parvnia, paleando, quebrando bancos, soltando gritos, atirando com assobios e com obscenidades, cerrando os punhos e enxugando as camarinhas, veio dar razo ao Comendador: Matusalm ainda no l por cima. * Porque necessrio conhecer a verdade, v-la, viver em boa paz com ella, tralal-a com mais respeito e com

menos retrica, com mais considerao e menos familiaridade. Um bom dito, fino, perspicaz, mesmo petulante, vale mais que um artigo de fundo. Uma cintilao de verve tem maior poder que uma brochura. 213 Aquela um relmpago que se rasga n'uma fita artstica, ondulada, em zig-zags caprichosos, fantasiosos, bonitos. Quando o relmpago aparece ou o bom esprito se mostra do meio da grande escurido, da tempestade ou da vulgaridade, tudo se ilumina por instantes e todos se, conhecem n'um momento. A brochura portuguesa quase sempre uma banalidade, que passa desprezada, sem que lhe acenem com importncia. Destina-se gloria, e produz decepes: para o autor e para o editor, que ficam de mal para sempre, inimigos. Gil Vaz uma inteligncia moderna, cheia de boas concepes, embora comendador. Por isso dispensou a estatstica comparativa, desprezou Larousse, Maurcio Block e os grossos tomos de erudio fcil, e dirigindo um requerimento ao Sr. ministro do reino, um homem de esprito com setenta annos de idade, em vez de o publicar na Voz do Ecfio, hebdomadrio de Freixo de Espada ou de Santarm, apresentou-o na Dgura clssica e respeitvel de um velho patriarca. E 03 frequentadores do Ginsio, assobiando injuriaram a Bblia e a Carta; aquela n'um dos seus mais notveissimbolismos, e a esta na liberdade de petio. Por que Gil Vaz s pedia ao governo alguns professores pelo mtodo de Joo de Deus. Mas, a Parvnia seria ofendida nas suas crenas, por falar na cauda do gnero humano? No cremos. Os problemas do cruzamento das raas e 214 da seleco natural, assim como os nomes de Darwin e de Heckel, andam to desviados do nosso mundo, que os sbios atiram com as suas doutrinas como quem comente um delito. Por que a final' o pseudnimo uma capa espanhola, um chapu desabado. E a cinciaportuguesa segue o processo dos namorados do romantismo:cozese com as paredes para ir falar com Lamarck. Neste ponto faremos justia geral ignorncia. Ningum protestou. Matusalm continuava na soletrao Srgio de C.\stro.

Nota 44Pag. 88 Alto est alto mora, todos o vem, ningum o adora, pode effecli vmente ser a cpula de feltro d'eslesr. conselheiro, com uma nica diferena;como -vulto dominante o Sr. conselheiro tem a consagrao unnime do mundo portugus, o consenso unnime do mundo burocrtico, sendo duas vezes um grande homem. Desde que s. ex. ura verdadeiro fenmeno aposentado com o ordenado por inteiro, ha o direito de discutir a sua individualidade, pelo menos aquela que do domniodoschapeleiros. No vaen'istoaminimaoTensa, G. V. Nota 4Pag. 89 A plateia confirmou plenamente a opinio do Matusalm. Aplaudir uma pea com delrio um caso vulgar: basta para isso que a pea representada seja mais ou menos detestvel. Agora patear um relatrio com frenesi 215 caso nunca visto n'uni pas aonde os fabricantes de relatrios o menos que costumam a apanhar a comenda da Conceio. Esta circunstncia extremamente lisonjeira para o autor da pea, que devia ficar bastante penalizado se o. publico recebesse a sua obra como costuma receber as do Sr. Jos Romano ou as do Sr. Quirino Chaves. G. V, Nota 46Pag. 91 Esta sensata observao do previdente professor parvonez bastaria, s por si, para desanimar os aposloios do meihodo Joo de Deus, o qual longe de ser um beneficio para o pas, como eles proclamam, uma verdadeira calamidade nacional. e o b-a ba, e a palmatria conseguirem habilitar para a gloria meninos de 10 annos, ensinando-lhes a ler rasoavelraente, e dando-lhes na certido do exame de primeiras letras um diploma de membro da sociedade dos"imortais, inlaginc-se o que nos aguarda no futuro ! I[nagine-se o que ainda vir a ser deste abenoado pas onde as sumidades, ao mesmo tempo que raarran nos astros, se dignam enxamear de gnios os liotequins, as arcadas do Terreiro do Pao, e as redaces dos mil e um peridicos de cada bairro ! Imagine-se o formigueiro de numes que daro d'ora avante ingresso na gloria. . . e na alfandega do consumo ! E em que bonita idade !

Est provado que 5 annos e 60 lies do novo meihodo de leitura, podem hoje em dia habilitar para a imortalidade um menino portugus. 216 Que galanteria ! Estou vendo de c o pequenino imortal. Tem um cvado de altura, chapou alto, bengala de ranna da ndia, relgio e corrente dupla, calas de boca-de-sino, e uma reputao. . . uma reputao, que se espanta a gente de ver como tanta gloria cabe em to franzino corpo! Ora, mesmo assim, o receio do tmido professor da Parvnia parece-nos de somenos importncia na particularidade que cila. O pas nem sempre costuma ser muito exigente com os ministros. As vezes nem se lhes pede outra certido que no seja a do baptismo. Essa que ningum lhe dispensa. CURISTOVAM AVRES. Xota 47Fag. 03 l"]ta descrena pela vulgarizao da arte (raprender a ier perft-itamente admissvel n'um Apollo em exerccio no Parnaso da Parvnia. Ainda assim reviria uma certa caridade d'intenes no querendo complicar no Cear o flagelo (la fome com o da letra redonda. G. V. Nota 4SParj. 04 Thalia naturalmente quis dizer Banquo. A musa da tragdia que |)reside aos destinos do teatro parvonez, na sua qualidade de gnio nacional, vota um soberano desprezo sintaxe e prosdia o tem pela gramtica aquele horror instintivo que caracterstico dos que usam aurola olVicial. - G. V. 2J7 Nota 40Pa(j. 95 Esta suplica comovedora que o Judeu Errante dirige a Thalia s pode ser compreendida pelos que no tm logrado adormecer no comeo duma primeiro acto e acordado altas horas no silencio da noite, aos roncos dumaplateia beatifica espreguiando-se no meio do acto quinto. Esses so os felizes. Os precitos so os que padecem d'insniasuficiente, e de coragem bastante para velarem toda a noite em desforra do bilhete que compraram e em homenagem aos logios da gazeta que leram. G. V. Nota 50Pag. 97

O autor a fim de dar a comoo precisa a este verso, f-lo o mais comprido que Ibe foi possvel. Provou assim o seu respeito pelos amanuenses mortos m flor, demonstrando que sabia honrar o melro com que os bardos do Ihesouro publico medem as suas trovas e os sentimentalistas do Pote das Almas os seus panos crus. G. V. . Nota 51Pag. 100 O espiritualismo neocatlico, essa deplorvel reaco do sentimentalismo beato contra o esprito critico e eminentemente cientfico do sculo xviii, to brilhantemente afirmado nos grandes trabalhos dos enciclopedistas franceses, deu Europa essa coisa absurda, monstruosa, incongruente e doentia, que se chama romantismo, uma das mais notveis e perniciosas doenas 2!8 mentais de que tem padecido a humanidade, doena que a atrasou quase um sculo no seu natural desenvolvimento, pervertendo-lhe o sistema nervoso, empobrecendolhe o sangue, arruinando-lhe o estmago encurvandolhe a espinha. notvel que um dos maiores gnios literrios de que se gloria a nossa espcie, Victor Hugo, apesar de respirar desde o bero a atmosferaasfixiante do romantismo, tenha encontrado na robustez do seu organismo foras para nunca se deixar invadir pelos miasmas d'essa falsa sentimentalidade. esta uma prova de alto valor para a avaliao da superioridade excepcional daqueleextraordinrio talento. Devemos a essa doena, eminentemente depressora do sistema nervoso, diversas calamidades publicas, e entre elas a praga interminvel dos poetas sentimentais e incompreendidos, faltos decor e de senso comum, cheios de caspa e de vcios, malandros e csquipaticos, declamadores e ignorantes, que so o filoxera das nossas secretarias e o oidiun tukeri da nossa poltica. So eles que, por uma infraco ainda inexplicvelimortal teoria da seleco natural, invadiram todos os nossos altos empregos e do por conseguinte a toda a nossa vida publica este carcter sentimental, balofo, declamador, profundamente imoral, radicalmente intil e genialmente estril que a distingue como uma ndoa na vida actual dos povos da Europa. E preciso limpar a cabea do pas d'esta caspa repugnante, que ameaa de lhe perfurar o crneo, absorvendo-lhe os poucos miolos que lhe restam. Ao comendador Gil Vaz se deve o grande beneficio de ter aplicado bons antdotos contra este grande envenenamento nacional. Agora comea a dar encontres

219 ,nestes safardanas. preciso no parar ahi; preciso ir at ao murro e ao pontap, alis no faz nada. Mais bifes pois e menos brisas. Alexandre da Conceio. iVbto 52Pag. 101 Efectivamente, n'uma exposio em que muitos parvonezes subsidiados foram meter o nariz a pretexto de representarem coisas insignificantes, o no haver quem representasse esta classe, foi muito notado no s por nacionais, como por estrangeiros que sabem ser este povo essencialmente senhor do seu nariz. A Parvnia patentearia ali uma coleco completa a nica no seu gnero, dividida em duas seces, uma antiga outra moderna. A antiga seria representada pelos narizes fosseis da poca pr-histrica encontrados pelos Srs. Carlos Ribeiro 6 Delgado nas suas investigaes s bacias do Tejo e Sado, e tambm pelo da celebre estanqueira do Loreto, conservado cuidadosamente no museu do Carmo, a cargo do Sr.Possidnio. A moderna conteria todos os narizes de cera, base dos discursos feitos no seio da representao nacional, nos comcios, na geografia, nas associaes, incluindo a agrcola: por todos aqueles que tocam fagote quando ressonam at aos que tocam flauta quando acordados, e finalmente por um notvel nariz poltico que pelo seu descumunal tamanho pode ocultar em caso de perigo, bem vontade n'uma s venta o seu partido, quando julgue ir benzer-se e quebre o nariz. 220 Nenhuma nao do mundo bos poria ali o nariz adiante, e o prprio jri da exposio decerto no torceria o nariz ao conferir-lhe o grande premio de honra; e de futuro este produto parvonez seria mais considerado pois que em legar de ser guarnecido com borbulhas ou verrugas sel-o-hia com medalhas. G. GoRJo. Nota 53Pag. 103 Quem ler esta rubrica imaginar que Gil Vaz, por azedume, por misantropia, quer negar aos portugueses, s classes ilustradas que formam o squito da princesa Ratazana, a habilidade incontestada que elas possuem de falar bem as lnguas estrangeiras. verdade que os portugueses e os russos formam na Europa uma verdadeira excepo, quando se trata de lnguas. Ha portugueses que tem o puro acento do boulevard dos Italianos, e

outros que possuem por tal forma os segredos, e os tics do ingls que ningum acredita que no seja essa a sua prpria lngua. No obstante eu sou testemunha auricoiar de que ha em Lisboa pessoas que pertencem s classes dirigentes, que faliam um francez tal que se torna impossvel serem compreendidas, quando por acaso as necessidades da vida social as obrigam a empregar esse idioma. No no terem pronuncia, no no terem uma ideia precisa e ntida das regras da gramtica, fazerem um tal amlgama de vocbulosfranceses alinhados numa construo pliantasista, entremeados por verbos desconhecidos, com conjunes e artigos especiais, tudo isto com uma pronuncia portal forma ingnua, que 221 mister ser duma rara perspiccia para perceber vagamente o que eles querem dizer. De resto o processo que empregam duma extrema facilidade e no mister muito trabalho para o surpreender. Fal-o-hei sentir melhor por meio de um exemplo frisante, do que por uma anlise mais ou menos terica . Eu estava um dia em Cintra no hotel Victor, no dia de S. Pedro que como todos sabem no ms de Junho. Estava um dia extraordinrio. No havia quase calor; os alvores tinham cintilaes de esmeralda adorveis, a serra no cimo estava coberta por uma nvoa ligeira que envolvia a Pena como n'um vu de gaze e lhe dava o aspecto fantstico de um castelo de legenda. De Lisboa tinha ido imensa gente; os omnibos sucediam-se perfeitamente apoplcticos de homens e mulheres, as tipias rodavam por aquelas estradas com estrondo, enfileirados, a vila tinha uma animao ruidosa, uma vida anormal. A cada momento repiques de sinos e estalar de foguetes; uma msica de regimento locava na praa era frente do palcio real o repertrio italiano de uma sentimentalidade doentia. Nos Pizos, na estrada nova as senhoras em grupos riam e conversavam; radiosas nas suas toilettes de veio, combinavam soires, passeios, pic-nics, aqui e acolfalava-se n'um baile no palcio, porque a famlia real estava em vigilialura por aquelesstios. No terrao do Victor estavam trs pessoas, um diplomata estrangeiro, recentemente chegado a Lisboa, um alto dignitrio da corte, e eu. O diplomata admirava-se da animao da vila, do seu aspecto festivo, e sobretudo da multido que andava pelas Ruas. Foi ento que o

dignitrio supracitado, quis dar-lhe uma explicao d'esse facto e comeou de testa franzida a meditar na resposta. Eu seguia perfeitamente a lenta elaborao da frase que ele ia soltar, e aproximei-me disfaradamente para no perder nem uma slaba. E ahi deixo para exemplo de vindouros e ensinamento de contemporneos o que ele disse. Mon cher, quand les magests, sont ici, il tombe ici le pouvoir du monde. Olhei para ele: estava sereno, tranquilo e feliz, como um homem que no tem a pesar-lhe na conscincia, nem uma m aco, nem uma asneira. Alberto de Queiroz. Nota ^Pag. J108 ' Para compreender este brinde da princesa Ratazana preciso saber que na Parvnia para se ser celebre, basta ser Qlho de seu pae. Desde que se filho de seu pae as funes mais reles que se podem exercer, so as de legislador. De resto d'ahi para cima, tudo, G. V. Nota 5Pafj. 110 O alapo uma das mais res[)citaveis instituies da Parvnia. E por interveno dele que no momento oportuno se salvam tanto os estadistas como os devedores. Graas a esta abertura providencial consegue a Parvnia 23 ver de ano para ano medrar o seu deficit a ponto de ser j hoje um dos mais florescentes do mundo civilizado. G. V. Nota G^Pag. 111 A cena 7/ do 3. acto uo foi representada no teatro do Ginsio, no por que o autor a julgasse ofensiva do decoro publico, mas simplesmente por o actor Taborda se julgar incompatvel com a toiletteduma grande dama. O autor no quis entretanto privar a posteridade da sua obra, motivo porque a incluiu no presente relatrio, cnscio de que a insnia do leitor no deixar de lhe ficar agradecida. G. V. Nota 57Pag. 113 Os dois pajens extremamente graciosos foram includos na pea de propsito para satisfazer a ansiedade publica, sedenta de paixo no decurso da recita. Os pajens do Ginsio satisfaziam a todas as condies plsticas exigidas pela rubrica; outro tanto parece no ter sucedido no teatro do Prncipe Real do

Porto, atenta a compuno cora que o Comrcio da referida cidade, lamentava nas suas colunas a falta de mulheres. Infeliz Comrcio do Porto! Eai obsequio a ele Gil Vaz promete, na outra pea que tiver a loucura de fazer, incluir como primeiras damas Clepatra, Phryne, a Bella Helena, e outras por quem a Rua das Flores se contorce em ancis de lbrico desespero. G. V. 224 Nota 8Pag. 120 Uma das coisas que mais profundamente impressionaram a sala do GinsioDramtico na memorvel e sombria noute de 18 de Janeiro de 1879 foi, sem a menor dvida, a leitura do telegrama que temos a lionra de anotar, lido tetricamente pelo actor Taborda. Caso este de novo complicado por outro telegrama lido no dia 20 pelo ilustre poeta Thomaz Ribeiro na secretaria dos negcios da marinha. Hoje, depois dos documentos mandados publicar pela cmara dos dignos pares, de aturadas investigaes a que procedemos e da mais escrupulosa narrao dos factos que da Guin nos foi amavelmente enviada por um cavalheiro de Jafunco, alheia s lutas partidrias e comerciais da sua terra, podemos facilmente explicar o texto. Somos inteiramente de parecer que o telegrama do relatrio do ex." Sr.comendadorGil Vaz lhe foi realmente enviado do ultramar e que ele encerra, com leves incorrees devidas a morganizao do servio telegrfico, a histria dos acontecimentos de Bolor. O governador no foi tal comido com mandioca porque assim o prova exuberantemente o seu ollicio, de 1 de Janeiro ao governador-geral de Cabo-Verde, no qual relata a sua infausta expedio n'um clamor do fundo da sua alma '. Tambm no teve essa sorte o seu secretrio porque no citado oTicio s. ex. diz ter, embarcado na escuna Bissau com 55 soldados, 1 corneteiro, 2 oficiais, 50 grumetes e grande nmeros de papis das tribos de Mata e de Bianza, no mencionando no rol da equipagem o seu secretrio. Mas asseverando, o supracitado oTicio, o facto de ter o rodzio recuado com fria e arrombado a amurada lanando-se ao mar, somos de opinio que aquilo que o gentio achou duro foi o rodzio. E o que o mesmo gentio de Jafunco, Oor e Jim achou mais tenro foi, no o secretrio, que se no achava a bordo onde se conservava o governador pronto como ele o declaraa ir morrer com os seus soldados logo que para isso oportunamente

o chamassei, mas sim os referidospapis da tribo de Bianza entre os quais averiguamos achar-se o poema B. Jaime: logo daquilo que o gentio gostou foi dolirismo do Sr. Thomaz Ribeiro. Historiando esta celebrada jornada afirmamos que a palavrafatalidade! que se encontra no ainda. citado oficio, no ponto que se refere ao desastre do rodzio, vem no original em grego: ANAFRU Assim como somos levados a cnV que no momento cm que a escuna levantou ferro, o governador olhando ao longe a carnificina e o canibalismo das negras coortes recitava no tombadilho: E n'isto no intimo tremia-nie o peito d'ouvir sem respeito falar de meu pae. (D. Jtnjmr, envio li) O facto, porem, das incorreces telegrficas do texto causou, como dissemos, um enorme abalo no esprito publico e esta foi talvez uma das razes que levaram o Sr.Marqus de Valada a inlerpelliir, na sesso de 5 de Maro, com as veemncias ilas suas mais sentidas colo leras o Sr. ministro das obras publicas sobre a pssima organizao do servio dos telegrapbos. ' Vicente de Pindella. Nota 59Pag. 121 Preferia dar uma nota de dez mil ris, das de oiro, a escrever uma nota de dez iinbas ao alcance das vistas" coruscantesdaquele que, sob o dossel da Parreirinha pe as uvas em pisa e faz em bnijao os tristes dos seus governados que lhe caem sob a vara do lagar. De mais a mais uma nota a propsito da Deusa dos Mares e do Pimpo martimo, quando foi o Pimpo terrestre que levantou contra mim todos os cabelinhos rancorosos que se abrigam sob as azas nasais de s. ex. ! ! E quererem fazer-me viclima sem necessidade nenhuma, cortaiido-me at a retirada por mar. No dia era que o Santo Ollicio da Parreirinha me indigitasse para figurar n'um auto de f, em companhia dos autores da Viajem roda da Parvnia, do cambista Fonseca, do Sousa Bastos, ophenomcno do Arco do Bandeira, dos guardas-nocturnos, do i\Ianuel (lamaro e demais vendedores da loteria espanhola, todos ns, mais ou menos perseguidos nas respectivas especialidades pelo novo Torquemada, c vitimas da sua [)perseguio, eu tencionava seguir aquele caminho j trilhado por D. .Joo vi e por outros personagens

no menos medrosos, isto , tencionava safar-me por mar. Pois nem esse recurso me deixam ! Indispondo-me com o Pimpo e com a Deusa dos Mares, essas duas vigilantes sentinelas da capital pelo lado do Bogio, terei, no dia em que se decidir da minha sorte, de optar pela fogueira do auto de f crepitando no largo de S. Carlos ou pela morte inglria na salsas ondas, entre aqueles dois monstros martimos. Se ao menos, na minha desventura, eu pudesse salvar uns cales e umas bias! ? Mas no de crer que a clera do terrvel Inquisidor me consinta aquele atavio de meu recato, nem que a sua generosidade feche os olhos precauo de seis rodelas de cortia enfiadas n'uraa corda de linho. Eis-me, pois, entre o fogo e a agua, por causa de uma nota ! E eu juro que no teiho dio nem ao Pimpo nem . Deusa. Ele no seu gnero d'inutilidade oficial o mais completo que se pode encontrar; ella como exemplar premiado do asseio nacional a mais perfeita expresso. Enquantoele apanha ostras no costado como um co deitado ao sol apanha moscas, ella encarrega-se de substituir a sujidade individual com que cada pessoa entra no banho pela imundcie colectiva, que desliza quotidianamente para o Tejo. Cumprem ambos a sua misso e to bera que a ptria lhes deve um monumento, seno de pedra, ao menos de especiaria no mostrador do Sr. Rosa Arajo. Interpretando os sentimentos do meu pas, no ouso melindrar aqueles dois padres nacionais e por isso findo aqui a nota, antes de a tet comeado. Alfredo RiiiEmo. Nota 60Pag. 126 Apoiado! Mil vezes apoiado ! !. . . O ilustre, o excelente Ministro da lleinao tem carradas de razo. Os melindres da pintura do Pimpo clamara energicamente contra a ida dele para a Guin. Nenhum patriota 28 querer ver o Pimpo. . . manchado, e. . . as mos dos indgenas africanos no so das menos sujas nem das menos speras. Almdisso no se ha de pegar no Pimpo, depois de um tratamento regenerador e de bem polvilhado com (jrangea, e sujeit-lo a um mrbido regmen de . . . bolor. Seria um crime de lesa-confeitaria e uma ofensa a Brillat Savarin que todos os polticos e diplomatas devem respeitar por necessitarem de lhe pedir emprestada a capa da elegncia para encobrirem as suas feias tendncias vorazes. Enfim, concordo tanto com o Ministro da Reinao que

preferia que o Pimpo fosse... para Munique ornar o Pinacoteca, ou mesmo para a Academia de Pintura de Lisboa, a que fosse para Guin. Gostava de o ver. . . pintado. E acho pior que seja comido de. . . Bolor, do que seja tratado a chocolate por algum filantropo de S. Francisco, ainda com o risco de ter alguma dosezita de bolor. O Bolor de l pde desfaz-lo, e o bolor de c mesmo no fim de muitos annos, por meio duma simples fustigadeiia com um iUimo de Ortigas, desaparece e deixa livre a pintura, como acaba de ser praticado com feliz resultado n'uma paisagem de Matias Lopez. C.\RL0S Faria. Nota OlPaj. 127 E evidente que Cfta sabia resposta do ministro das embarcaes foi da ia depois de ouvida a junta consultiva do ultramar. Najuella resposta observam-se os sulcos do pesado critrio arrobiano, e os lampejos espiri229 tuaes do imaginoso pae da ptria (que mais exactamente poderia ser denominado a ama seca das colnias), o qual guindou categoria de lanifcio o algodo africano, collocando a vrzea de Colares ao sop das origens do Zambeze. E daqueleteor so quase todos os documentos, resultantes das funesprodutoras de muitas das estaes oEciaes, que jamais atraioaro o seu destino, transigindo com o senso comum, ou dando trguas sequer incorreco gramatical. Todavia, continuar a manter-se tu! estado de coisas, em quanto o esprito arrobiano pairar sobre as instituies nacionais, servindo de nume e orculo a alguns dos poderes do estado. E foi precisamente esse esprito (sntese de todas as calinadas) quem se apossou da conscincia administrativa do Sr. governador civil, obrigandoo a proibir as representaes da Via(/em roda da Parvnia, no momento solene em que llie meltia na mo o implacvel gladio exterminador dos cauteleiros. Oxal tal gladio se no transforme em cana verde quando ao Mavorte, regedor do distrito, lhe saia branco algum bilhete de Espanha. Joo de Sousa Arajo. Nota 62Pag. 130 D. Quixote, que at nos moinhos via terrveis gigantes no podia, na sua visita Parvnia, deixar de pedir noticias do deficit, e Gil Vaz, no nosso entender, foi verdadeiramente inspirado pondo aquela pergunta nu boca 230

do famoso cavaleiro andante e no na de outro qualquer. Porque bom que se saiba que D. Quixote quando descerra os lbiosnaquela interrogao: Ento como vae o deficit? no porque tenha curiosidade de inquerir do nosso estado financeiro. Se assim fosse perguntaria tambm a como esto as inscries. Quando ellediz: Ento como vae o deficit, como se dissesse: Ento como vae o gigante? E no havia D. Quixote perguntar por to formidvel monstro? Quanto resposta do ministro da fazenda alheia pareceme excelente. Na ultima parte porem ha uma coisa que se me figura naturalmente impossvel, a qual declarar o ministro que mandou pelo ministrio das obras publicas fazer uma cadeira de rodas para o deficit. Esta ordem engraadssima ! Ento no ministrio das obras publicas ha por ventura madeira que chegue para semelhanteconstruo? O Sr. ministro imaginar que uma cadeira para o deficit se faz abi com qualquer pinhal, com qualquer mata, cora qualquer floresta? Nem talvez com todas osilorestas da Zambzia, senhor ministro da fazenda! Urbano de Castro. Nota 63Pag, 131 A fortaleza de Monsanto 6 uma praa de guerrade recreio, instituda para descansoduma governador que, por si s, constitui a guarnio e armamento d