Upload
robrangel
View
4.158
Download
1
Embed Size (px)
DESCRIPTION
As grandes navegações com enfoque turístico.
Citation preview
Após a crise do século XIV, com secas, peste, fome, guerras, a economia européia retomou
o crescimento iniciado com as Cruzadas. É uma fase marcada pelo capitalismo comercial,
onde o comércio se destaca como atividade mais importante e fonte de riquezas da
crescente burguesia e do Estado. Uma política econômica mercantilista adotada no período
de formação de monarquias nacionais; baseada em monopólios, protecionismo, controle
estatal da economia e metalismo. Dessa forma, monarquias e burguesias mutuamente
apoiadas assumiam o controle da economia nacional, visando o poder e acúmulo de
riquezas.
Porém, em meados do século XV, surgem obstáculos ao progresso que geram uma crise de
crescimento, contendo a expansão econômica. Os entraves para a economia, no entanto,
seriam eliminados desde que se encontrassem novos mercados, novos caminhos, novas
terras; enfim, que se rompesse as barreiras do mundo desconhecido e se iniciasse a
expansão marítima.
Assim, a expansão comercial e marítima dos tempos modernos foi, de acordo com José
Jobson Arruda e Nelson Piletti, “acima de tudo, resultado direto da crise de crescimento da
economia européia, baseada no antagonismo entre feudalismo em transformação e
capitalismo em formação”. As expansões no século XV são, portanto, produto de fatores
sociais, políticos e culturais que levariam Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra a
investir na ampliação do comércio nacional em direção à Ásia e África.
Dentre as razões evidentes que impulsionaram a expansão comercial e marítima européia,
destacam-se relevantes no contexto a necessidade de novos mercados, não só consumidores
de produtos europeus mas também agrícolas e fornecedores de metais preciosos -
fundamentais para relações comerciais porém já esgotados nas velhas minas .
A Europa sofria com a transição do sistema feudal para o capitalismo: sua produção
agrícola não era suficiente para abastecer os centros urbanos e população em crescimento;
tão logo, a produção artesanal desenvolvida não encontrava consumidores na zona rural e a
capacidade de produção se revelava acima da capacidade de consumo interno.
Inerente a vasta disponibilidade de produtos artesanais, era somente no Oriente que os
países europeus obtinham porcelanas, sedas, óleos aromáticos, especiarias e outros
produtos de luxo. Um comércio iniciado timidamente no século XI, com mercadorias
trazidas pelos navios de cidades italianas, que foi incorporando importância fundamental
nas transações comerciais especialmente no abastecimento de especiarias e outros
temperos. A questão é que em países de alimentação basicamente composta por carne
salgada e escassas verduras, substâncias aromáticas aprimoravam o paladar, enriqueciam o
cardápio e contribuíam definitivamente para a conservação de alimentos.
As especiarias eram adquiridas na Índia pelos comerciantes árabes que as traziam em seu
navios pelo mar Vermelho, atravessando por terra a península do Sinai para vendê-las aos
mercadores italianos no Mediterrâneo, de onde posteriormente eram distribuídas por toda
Europa. Os produtos, portanto, percorriam longo trajeto, controlado por árabes, cidades
italianas e guildas mercantis que operavam nas rotas européias, justificando os altos valores
exigidos em troca das mercadorias. O monopólio sobre os produtos na Europa eram
exercidos por Gênova e Veneza que, por questão de privilegiada posição geográfica,
abasteciam-se diretamente em Constantinopla, Alexandria e outras regiões do Mediterrâneo
oriental, assegurando pioneirismo sem concorrentes e o direito de estabelecer o preço,
sempre alto, das mercadorias.
O comércio com as Índias – designação que compreende China, Japão, Índia e Arábia –
havia há muito sido incorporado à economia dos países europeus. Inicialmente pelo
abastecimento de produtos inéditos- e já fundamentais- no continente; porém, agora,
despontava como a grande chave para solucionar as questões econômicas mais urgentes da
crise que parecia lentamente afundar a Europa.
Era necessário, enfim, um novo caminho marítimo que garantisse acesso direto às Índias,
assegurando melhores preços e evitando confrontos armados. Era preciso que se quebrasse
o monopólio de Veneza e Gênova, descobrindo novos meios de contato com o Oriente,
preferencialmente mais rápidos, seguros e econômicos.
O contexto parecia ideal para dar início às expansões; quer dizer, formava-se um momento
de crises e estagnação econômica que somente se dissolveriam com a incorporação de
novos mercados ao eixo comercial europeu. Não obstante, a Europa se revelava propícia à
possibilidades jamais imaginadas; gozando de plenas condições absolutamente favoráveis
que estimulavam a expansão. Enfim, era o momento onde a necessidade era impulsionada
pela capacidade de realização.
O mundo acabava de conceber a teoria de que a Terra era esférica, possibilitando a
navegação sem riscos de despencar no abismo do universo. Os investimentos nos avanços
de tecnologias náuticas, especialmente por parte dos portugueses, então deram início ao
progresso de cartografia, o uso da bússola e do astrolábio, e sobretudo a invenção da
caravela, dando o mínimo de segurança e precisão às navegações futuras.
Através do quadrante, adquirido dos árabes, o piloto fazia a medição da estrela polar e, por
meio de uma tabela de declinação, conseguia situar o navio em uma carta de navegação;
entretanto, passada a linha do equador, os lusos notaram que a estrela polar não podia mais
ser observada. A solução foi desenvolver novos instrumentos; assim, surgiram a balestilha e
o astrolábio. Com a balestilha, o piloto podia fazer a medição do navio na carta de
navegação, através de outros astros noturnos que não a estrela polar. Como único astro
observável a olho nu, durante o dia, o Sol inspirou a criação do astrolábio; um instrumento
bem simples, a grosso modo, composto por três orifícios que devem ser ajustados até
refletir o astro, fornecendo uma coordenada que possibilita chegar, através de uma tabela de
declinações, à latitude em que o navio se localiza; quanto à longitude, este foi um problema
que os portugueses nunca conseguiram resolver. Ele seria solucionado somente no século
18 pelos ingleses.
A caravela, uma destreza da engenharia náutica portuguesa, foi um avanço nos oceanos que
lhes permitiu desbravar o vasto e tenebroso Atlântico. Conforme a descrição de Leonel
Itassu Mello e Luiz Cesar Amad Costa, “(...)uma espécie de barco ágil, com
aproximadamente trinta metros de cumprimento, proa afiada, leme seguro e velas latinas,
possibilitando a navegação com qualquer vento(...)”. Com as caravelas os mares seriam
navegados, novas terras seriam descobertas, o desconhecido seria exposto e o mundo
finalmente seria interligado.
De posse de instrumentos adequados, o piloto tinha, ainda, que valer-se de técnicas de
utilização das correntes marítimas e da direção dos ventos. Essas técnicas, juntamente com
o aperfeiçoamento do traçado das embarcações, elevaram a velocidade dos navios de cerca
de 5 quilômetros por hora em 1400, para 10 quilômetros por hora no século seguinte.
Somente munido de muita técnica, na época encarada como arte, o piloto podia conduzir
seu navio pelo Atlântico, em viagens que duravam meses ou anos. A viagem poderia, com
freqüência, estender-se em casos em que fossem enfrentadas calmarias, dependendo da
época do ano.
Os altos custos das navegações e do progresso de tecnologias náuticas não representariam
empecilho algum, já que estamos nos referindo a um contexto econômico caracterizado
pela aliança entre burguesia e monarquia; ou seja, capital e poder. Não só conscientes das
conseqüências negativas que a crise econômica representava, mas acima de tudo sedentos
por mais riquezas e força política, Estado e burguesia investiam livremente na expansão
marítima favorecendo as navegações; e ainda se apoiavam na ideologia de catequização e
divulgação da religião católica por todo o mundo.
E foram os portugueses, em 1412, que deram início ao ciclo das grandes explorações
européias. Grande maioria dos países europeus se viam envolvidos em conflitos internos,
inclusive a Espanha, e apenas assistiam ao progresso dos lusos e enviando espiões para
acompanha os navegantes portugueses em suas viagens, o que daria origem em Portugal à
chamada política do sigilo, responsável pela quase inexistência de documentos registrando
as explorações realizadas entre 1488 e 1497, talvez o período mais rico dos
“descobrimentos”. Não obstante, a exploração da costa africana não se deu sem obstáculos.
Além de enfrentar correntes marítimas e ventos ainda não mapeados, muitas tripulações
foram dizimadas não só pela fome ou doenças, mas também através do confronto com os
nativos. Em 1445, por exemplo, ao alcançar o Rio do Ouro, em terras abaixo do Senegal,
Gonçalo de Cintra teve sua embarcação encalhada e quase toda a tripulação foi dizimada
por um ataque nativo.
Mesmo com dificuldades em 1481, a costa ocidental da África já era quase toda controlada
pelos portugueses, a ponto de D. Afonso V, o príncipe perfeito, ao assumir o trono de
Portugal, auto-intitular-se "senhor da Guiné". As expedições em busca de um caminho
marítimo para a Índia prosseguiram. A Espanha, recém-unificada com o casamento de
Isabel de Castela com Fernando de Aragão, em 1459, entrou na corrida expansionista.
Porém os portugueses iam já bem mais adiantados. Diogo Cao chegou ao Congo, em 1482,
e Bartolomeu Dias atingiu o Cabo das Tormentas, assim batizado por ter enfrentado o
navegador por aquelas paragens um terrível mau tempo, em 1488. O rei de Portugal,
contudo, resolveu rebatizar o novo achamento de Cabo da Boa Esperança, pela esperança
de que os portugueses poderiam a partir dali chegar à Índia em poucos anos.
De fato, o rei de Portugal não poderia estar mais certo. Depois de uma série de expedições
realizadas por navegantes anônimos, hoje perdidas devido à política do sigilo que imperava
à época, partiu Vasco da Gama à frente de quatro naus, tipo de embarcação pela primeira
vez usada, em 1497. O navegador chegou à Índia com um navio a menos no ano seguinte,
retornando a Portugal, em 1499. Estava aberta a Carreira da Índia, a rota que seria o grande
objetivo da Coroa portuguesa durante todo o século 16, antes de ser substituída pela rota do
Brasil no século 17.
Enquanto os portugueses procuravam chegar à Índia contornando a África, depois de ter
seu projeto recusado pelo rei lusitano, em 1483, Cristóvão Colombo convenceu os reis de
Espanha de que poderia chegar à Índia rumando para Oeste, algo que os portugueses já
sabiam ser impossível, pois tinham consciência de que atingiriam um continente ainda
inexplorado. Colombo esbarrou na América, em 1492, julgando ter atingido a Índia, e
morreu pensando assim, ao retornar à Espanha, em 1493. Antes aportou em Portugal, para
vangloriar-se diante da corte lusitana, tudo em vão pois não recebeu nem glórias nem
atenção.
Em 1494, portugueses e espanhóis firmariam o tratado de Tordesilhas, dividindo o mundo
entre si; todavia o rei de França não concordaria com a divisão, afirmando que, de acordo
com o autor Francisco de Assis Silva, “(...)não conhecia a cláusula do testamento de Adão,
onde era cedido o direito de exploração exclusivamente a Portugal e Espanha (...)”,
iniciando uma grande campanha de explorações no norte da América e nas Antilhas. Os
franceses seriam seguidos pelos holandeses e ingleses; e em pouco tempo o mundo se
tornaria pequeno.
A expansão ultramarina européia deu início ao processo de Revolução Comercial que
caracterizou os séculos XV, XVI e XVI. Através das grandes navegações, pela primeira vez
na história torna possível se referir ao mundo sob um aspecto contextual totalmente
interligado. De acordo com Francisco de Assis Silva, a expansão representa “(...)avanço
nas relações econômicas, desenvolvimento da política mercantilista e alargamento
sobretudo da visão científica do homem sobre o universo; o que caracteriza em definitivo
uma nova história mundial (...)”.
2 – O MUNDO NOS SÉCULOS XV E XVI
Assi fomos abrindo aqueles mares, Que geração algua não abriu, As novas ilhas vendo e os novos ares Que o generoso Henrique descobriu; De Mauritânia os montes e lugares, Terra que Anteu num tempo possui, Deixando à mão esquerda, que à direita Não há certeza de outra, mas suspeita.
(Os Lusíadas, Canto V, 3 e 4)
Após a crise do século XIV, com secas, peste, fome, guerras, a economia européia
retomou o crescimento iniciado com as Cruzadas. É uma fase marcada pelo capitalismo
comercial, onde o comércio se destaca como atividade mais importante e fonte de riquezas
da crescente burguesia e do Estado. Uma política econômica mercantilista adotada no
período de formação de monarquias nacionais; baseada em monopólios, protecionismo,
controle estatal da economia e metalismo. Dessa forma, monarquias e burguesias
mutuamente apoiadas assumiam o controle da economia nacional, visando o poder e
acúmulo de riquezas.
Porém, em meados do século XV, surgem obstáculos ao progresso que geram uma
crise de crescimento, contendo a expansão econômica. Os entraves para a economia, no
entanto, seriam eliminados desde que se encontrassem novos mercados, novos caminhos,
novas terras; enfim, que se rompesse as barreiras do mundo desconhecido e se iniciasse a
expansão marítima.
Assim, a expansão comercial e marítima dos tempos modernos foi, de acordo com
José Jobson Arruda (1994:139), “acima de tudo, resultado direto da crise de crescimento da
economia européia, baseada no antagonismo entre feudalismo em transformação e
capitalismo em formação”. As expansões no século XV são, portanto, produto de fatores
sociais, políticos e culturais que levariam Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra a
investir na ampliação do comércio nacional em direção à Ásia e África.
Dentre as razões evidentes que impulsionaram a expansão comercial e marítima
européia, destacam-se relevantes no contexto a necessidade de novos mercados, não só
consumidores de produtos europeus mas também agrícolas e fornecedores de metais
preciosos - fundamentais para relações comerciais porém já esgotados nas velhas minas .
A Europa sofria com a transição do sistema feudal para o capitalismo: sua produção
agrícola não era suficiente para abastecer os centros urbanos e população em crescimento;
tão logo, a produção artesanal desenvolvida não encontrava consumidores na zona rural e a
capacidade de produção se revelava acima da capacidade de consumo interno.
Inerente a vasta disponibilidade de produtos artesanais, era somente no Oriente que
os países europeus obtinham porcelanas, sedas, óleos aromáticos, especiarias e outros
produtos de luxo. Um comércio iniciado timidamente no século XI, com mercadorias
trazidas pelos navios de cidades italianas, que foi incorporando importância fundamental
nas transações comerciais especialmente no abastecimento de especiarias e outros
temperos. A questão é que em países de alimentação basicamente composta por carne
salgada e escassas verduras, substâncias aromáticas aprimoravam o paladar, enriqueciam o
cardápio e contribuíam definitivamente para a conservação de alimentos.
As especiarias eram adquiridas na Índia pelos comerciantes árabes que as traziam
em seu navios pelo mar Vermelho, atravessando por terra a península do Sinai para vendê-
las aos mercadores italianos no Mediterrâneo, de onde posteriormente eram distribuídas por
toda Europa. Os produtos, portanto, percorriam longo trajeto, controlado por árabes,
cidades italianas e guildas mercantis que operavam nas rotas européias, justificando os altos
valores exigidos em troca das mercadorias. O monopólio sobre os produtos na Europa eram
exercidos por Gênova e Veneza que, por questão de privilegiada posição geográfica,
abasteciam-se diretamente em Constantinopla, Alexandria e outras regiões do Mediterrâneo
oriental, assegurando pioneirismo sem concorrentes e o direito de estabelecer o preço,
sempre alto, das mercadorias.
O comércio com as Índias – designação que compreende China, Japão, Índia e
Arábia – havia há muito sido incorporado à economia dos países europeus. Inicialmente
pelo abastecimento de produtos inéditos- e já fundamentais- no continente; porém, agora,
despontava como a grande chave para solucionar as questões econômicas mais urgentes da
crise que parecia lentamente afundar a Europa.
Era necessário, enfim, um novo caminho marítimo que garantisse acesso direto às
Índias, assegurando melhores preços e evitando confrontos armados. Era preciso que se
quebrasse o monopólio de Veneza e Gênova, descobrindo novos meios de contato com o
Oriente, preferencialmente mais rápidos, seguros e econômicos.
O contexto parecia ideal para dar início às expansões; quer dizer, formava-se um
momento de crises e estagnação econômica que somente se dissolveriam com a
incorporação de novos mercados ao eixo comercial europeu. Não obstante, a Europa se
revelava propícia à possibilidades jamais imaginadas; gozando de plenas condições
absolutamente favoráveis que estimulavam a expansão. Enfim, era o momento onde a
necessidade era impulsionada pela capacidade de realização.
O mundo acabava de conceber a teoria de que a Terra era esférica, possibilitando a
navegação sem riscos de despencar no abismo do universo. Os investimentos nos avanços
de tecnologias náuticas, especialmente por parte dos portugueses, então deram início ao
progresso de cartografia, o uso da bússola e do astrolábio, e sobretudo a invenção da
caravela, dando o mínimo de segurança e precisão às navegações futuras.
Através do quadrante, adquirido dos árabes, o piloto fazia a medição da estrela polar
e, por meio de uma tabela de declinação, conseguia situar o navio em uma carta de
navegação; entretanto, passada a linha do equador, os lusos notaram que a estrela polar não
podia mais ser observada. A solução foi desenvolver novos instrumentos; assim, surgiram a
balestilha e o astrolábio. Com a balestilha, o piloto podia fazer a medição do navio na carta
de navegação, através de outros astros noturnos que não a estrela polar. Como único astro
observável a olho nu, durante o dia, o Sol inspirou a criação do astrolábio; um instrumento
bem simples, a grosso modo, composto por três orifícios que devem ser ajustados até
refletir o astro, fornecendo uma coordenada que possibilita chegar, através de uma tabela de
declinações, à latitude em que o navio se localiza; quanto à longitude, este foi um problema
que os portugueses nunca conseguiram resolver. Ele seria solucionado somente no século
18 pelos ingleses.
A caravela, uma destreza da engenharia náutica portuguesa, foi um avanço nos
oceanos que lhes permitiu desbravar o vasto e tenebroso Atlântico. Conforme a descrição
de Leonel Itassu Mello e Luiz Cesar Amad Costa (1988:145), “(...)uma espécie de barco
ágil, com aproximadamente trinta metros de cumprimento, proa afiada, leme seguro e velas
latinas, possibilitando a navegação com qualquer vento(...)”. Com as caravelas os mares
seriam navegados, novas terras seriam descobertas, o desconhecido seria exposto e o
mundo finalmente seria interligado.
De posse de instrumentos adequados, o piloto tinha, ainda, que valer-se de técnicas
de utilização das correntes marítimas e da direção dos ventos. Essas técnicas, juntamente
com o aperfeiçoamento do traçado das embarcações, elevaram a velocidade dos navios de
cerca de 5 quilômetros por hora em 1400, para 10 quilômetros por hora no século seguinte.
Somente munido de muita técnica, na época encarada como arte, o piloto podia conduzir
seu navio pelo Atlântico, em viagens que duravam meses ou anos. A viagem poderia, com
freqüência, estender-se em casos em que fossem enfrentadas calmarias, dependendo da
época do ano.
Os altos custos das navegações e do progresso de tecnologias náuticas não
representariam empecilho algum, já que estamos nos referindo a um contexto econômico
caracterizado pela aliança entre burguesia e monarquia; ou seja, capital e poder. Não só
conscientes das conseqüências negativas que a crise econômica representava, mas acima de
tudo sedentos por mais riquezas e força política, Estado e burguesia investiam livremente
na expansão marítima favorecendo as navegações; e ainda se apoiavam na ideologia de
catequização e divulgação da religião católica por todo o mundo.
E foram os portugueses, em 1412, que deram início ao ciclo das grandes
explorações européias. Grande maioria dos países europeus se viam envolvidos em
conflitos internos, inclusive a Espanha, e apenas assistiam ao progresso dos lusos e
enviando espiões para acompanhar os navegantes portugueses em suas viagens, o que daria
origem em Portugal à chamada política do sigilo, responsável pela quase inexistência de
documentos registrando as explorações realizadas entre 1488 e 1497, talvez o período mais
rico dos “descobrimentos”. Não obstante, a exploração da costa africana não se deu sem
obstáculos.
Além de enfrentar correntes marítimas e ventos ainda não mapeados, muitas
tripulações foram dizimadas não só pela fome ou doenças, mas também através do
confronto com os nativos. Em 1445, por exemplo, ao alcançar o Rio do Ouro, em terras
abaixo do Senegal, Gonçalo de Cintra teve sua embarcação encalhada e quase toda a
tripulação foi dizimada por um ataque nativo.
Mesmo com dificuldades em 1481, a costa ocidental da África já era quase toda
controlada pelos portugueses, a ponto de D. Afonso V, ao assumir o trono de Portugal,
auto-intitular-se "senhor da Guiné". As expedições em busca de um caminho marítimo para
a Índia prosseguiram. A Espanha, recém-unificada com o casamento de Isabel de Castela
com Fernando de Aragão, em 1459, entrou na corrida expansionista. Porém os portugueses
iam já bem mais adiantados. Diogo Cao chegou ao Congo, em 1482, e Bartolomeu Dias
atingiu o Cabo das Tormentas, assim batizado por ter enfrentado o navegador por aquelas
paragens um terrível mau tempo, em 1488. O rei de Portugal, contudo, resolveu rebatizar o
novo achamento de Cabo da Boa Esperança, pela esperança de que os portugueses
poderiam a partir dali chegar à Índia em poucos anos.
De fato, o rei de Portugal não poderia estar mais certo. Depois de uma série de
expedições realizadas por navegantes anônimos, todas sem registros devido à política do
sigilo que imperava à época, partiu Vasco da Gama à frente de quatro naus, tipo de
embarcação pela primeira vez usada, em 1497. O navegador chegou à Índia com um navio
a menos no ano seguinte, retornando a Portugal, em 1499. Estava aberta a Carreira da Índia,
a rota que seria o grande objetivo da Coroa portuguesa durante todo o século 16, antes de
ser substituída pela rota do Brasil no século 17.
Enquanto os portugueses procuravam chegar à Índia contornando a África, depois
de ter seu projeto recusado pelo rei lusitano, em 1483, Cristóvão Colombo convenceu os
reis de Espanha de que poderia chegar à Índia rumando para Oeste, algo que os portugueses
já sabiam ser impossível, pois tinham consciência de que atingiriam um continente ainda
inexplorado. Colombo esbarrou na América, em 1492, julgando ter atingido a Índia, e
morreu pensando assim, ao retornar à Espanha, em 1493. Antes aportou em Portugal, para
vangloriar-se diante da corte lusitana, tudo em vão pois não recebeu nem glórias nem
atenção.
Em 1494, portugueses e espanhóis firmariam o tratado de Tordesilhas, dividindo o
mundo entre si; todavia o rei de França não concordaria com a divisão, afirmando que, de
acordo com o autor Francisco de Assis Silva (1994:196), “(...)não conhecia a cláusula do
testamento de Adão, onde era cedido o direito de exploração exclusivamente a Portugal e
Espanha (...)”, iniciando uma grande campanha de explorações no norte da América e nas
Antilhas. Os franceses seriam seguidos pelos holandeses e ingleses; e em pouco tempo o
mundo se tornaria pequeno.
A expansão ultramarina européia deu início ao processo de Revolução Comercial
que caracterizou os séculos XV, XVI e XVI. Através das grandes navegações, pela primeira
vez na história torna possível se referir ao mundo sob um aspecto contextual totalmente
interligado. De acordo com Francisco de Assis Silva (1994:182), a expansão representa
“(...)avanço nas relações econômicas, desenvolvimento da política mercantilista e
alargamento sobretudo da visão científica do homem sobre o universo; o que caracteriza em
definitivo uma nova história mundial (...)”.
2.1 – A VIAGEM DE VASCO DA GAMA EM 1498
Em nome de Deus, amém. No ano de 1497, el-rei D. Manuel, o primeiro com este nome em Portugal, enviou quatro navios em viagem de descoberta, em busca de especiarias. O capitão-mor da esquadra era Vasco da Gama. Paulo da Gama, seu irmão, comandava um dos navios, e Nicolau Coelho, o outro.
No Sábado, 28 de julho, partimos do porto do Restelo, para seguir nosso caminho – rogando que Deus Nosso Senhor nos deixasse acabar a missão em Seu Serviço.
Adaptação do diário de Álvaro Velho(1998:41)
Em 27 de maio de 1498, três pequenos navios chegam a Calicute, costa do Malabar
no sul da Índia. Tratava-se de naus impressionantes, jamais vistas naqueles mares, trazendo
brancos europeus, cristãos, cheios de intenções duvidosas. A comando de Vasco da Gama,
realizava-se o sonho lusitano alimentado por todo século, iniciando a “era da dominação
européia na História” onde se destaca o eurocentrismo: super valorização da cultura
européia. É um tempo de descobertas de novas terras; descobertas que não passavam de um
novo caminho marítimo de acesso às terras que geralmente já eram povoadas e repletas de
cultura, crenças e hábitos – como era o caso da Índia. De acordo com Eduardo Bueno
(1998:10) é possível questionar se “eram os lusos que estavam descobrindo a Índia ou se
era a Índia que iria tomar contato com uma civilização cujo objetivo primordial era sua
pilhagem e sua conquista pela força das armas de fogo”. De qualquer forma ao desembarcar
nessa “nova terra” Vasco da Gama iniciava um processo histórico que viria, mais tarde, a
subordinar toda Ásia ao comando europeu.
A viagem de Vasco da Gama constituiu, portanto, um marco na história do Mundo.
Embora a Índia já fosse conhecida dos europeus, as trocas culturais e comerciais entre a
Europa e o Ásia eram esporádicas, mediadas por outros povos e envoltas em incertezas e
mistério. Para lá do Índico, as incertezas eram infinitas e enormes. E foram essas incertezas
que Vasco da Gama e os seus companheiros trouxeram ao conhecimento e dos europeus,
abrindo uma rota que havia de servir como via quase exclusiva de acesso até a abertura do
canal de Suez, no séc. XIX. Não era, no entanto, uma rota fácil. A viagem da Índia foi,
durante séculos, a mais longa e mais perigosa das viagens marítimas. Comparada com ela, a
travessia do Atlântico em direção ao Novo Mundo era uma navegação menor. No Atlântico
equatorial e meridional, implicava uma longa volta pelo alto mar, unicamente guiada pela
navegação astronômica, para vencer os ventos adversos. Depois, já no Índico, obrigava a
um calendário apertado, para evitar a monção de verão. No total, quase um ano de luta com
o mar, o clima, as doenças, o desânimo.
A viagem de Gama é repleta de ironias e coincidências, levando a reflexões que nos
obrigam a questionar não só o feito em si, mas toda sua grandeza e complexidade a ponto
de repercutir e influenciar em diversos fatos históricos. Refirimo-nos não somente a Índia,
mas a todas as outras conquistas de expansão que certamente decorreram da viagem de
Vasco da Gama; e , indo além, a todo processo de colonização e dominação: não menos em
função do feito tido como o mais grandioso e significativo para a História. O mundo agora
segue um novo destino, com uma nova ordem mundial cujas conseqüências ainda não se
esgotaram.
Quarenta e cinco dias após sair de Lisboa, Gama se deparou com aves em pleno
oceano, fazendo-o acreditar na existência de terras a oeste do Atlântico. Grande parte das
descobertas lusas, aliás, foram conseqüência da observação do vôo de aves. O navegador
preferiu, porém, não alterar a rota de atingir as Índias pela costa africana, navegando em
direção ao sul até encontrar passagem para o Oriente. O contrário fez Colombo que,
insistindo na rota duvidosa do oeste, acabou chegando em terras novas; e morreu jurando
ter descoberto as Índias enquanto na verdade havia encontrado a América.
Vasco da Gama navegou mais de seis mil quilômetros, durante noventa e três dias
em alto mar sem avistar terra. Depois de passar pelas ilhas do Cabo Verde, foi forçado a
abrir seu rumo para oeste, onde avistou as aves marinhas já próximo ao desconhecido
litoral brasileiro. Com isso Gama inventou a audaciosa manobra náutica conhecida como “a
volta do mar” que se revelaria a melhor e praticamente única forma de contornar a África
em tempos de navegação à vela. Depois de dobrar o Cabo da Boa Esperança, navegou toda
costa africana e atravessou o canal de Moçambique - considerado tabu pelos marinheiros
em vista das fortes correntes contrárias – singrou o oceano Índico e cruzou o mar da África.
Ironia da história, quando Vasco partiu em busca do sonho lusitano, seu idealizador o
Infante D.Henrique ( 1394 – 1460) já não estava vivo e foi seu sobrinho neto o rei D.João II
o verdadeiro responsável pelo plano. D.Henrique entra na História como “O Navegador”
pois deu início à expansão ultramarina de Portugal em 1415, com a conquista do Ceuta, no
Marrocos. Porém com seu falecimento em 1460, seu projeto expansionista estagnou pela
falta de interesse do então rei Afonso V, seu sobrinho, que estava envolvido na conquista
da África do Norte.
Em 1470 D. João II se torna encarregado de coordenar os projetos de expansão,
antes de responsabilidade de seu tio avô o Infante D.Henrique, e retoma-se os planos de
navegações ao longo da costa equatorial da África. D. João II viria a ser conhecido como
“Príncipe Perfeito”, e coroado rei em 1481. A fim de garantir-se no poder, assassinou
aqueles que apresentavam pretensões ao trono, poupando apenas D. Manuel por pressão de
sua esposa D.Leonor. Ironicamente, D. Manuel não apenas foi poupado, como mais tarde se
tornaria herdeiro do trono.
Em 1480 se tem a idéia de contornar a África para atingir as Índias, e D.João II
elege Bartolomeu Dias e Pero Alenquer para o comando da expedição. Foi daí, aliás, que
estabeleceram as rotas que mais tarde ajudariam Vasco da Gama a realizar a “volta do
mar”.
Com o fracasso de Diogo Cão em 1486, que julgou erroneamente haver atingido as
Índias, D. João II aceitou receber Cristóvão Colombo em audiência na Corte. Colombo
tentou convencer o monarca de que era possível chegar a Índia navegando em direção
oeste, e pediu que financiasse sua expedição; o rei, porém, dispensou seus serviços. Com o
plano descartado em Portugal, Colombo se muda para Espanha onde obteve o
financiamento para seu projeto graças a rainha Isabel em 17 de abril de 1492.
Em 4 de março do ano seguinte o navegador aporta em Lisboa e, como que para se
vingar, afirma para D. João II perante a corte que, após sua viagem para o Ocidente, havia
descoberto as Índias. Convicto de que as terras referidas não eram as Índias, valendo-se dos
profundos conhecimentos geográficos portugueses, o monarca assina o Tratado de
Tordesilhas, e o mundo é dividido entre Espanha e Portugal.
Em 25 Outubro de 1495 morre D. João II, e assume D. Manuel I com a convicção
de dar continuidade ao sonho de atingir as Índias. Em fins de 1495, o novo rei ignorou a
posição de seus conselheiros - que alegavam que os custos eram altos demais e que mesmo
que se alcançasse as Índias Portugal seria incapaz de conquistá-las - e até mandou matar
aqueles que se voltassem a favor de cancelar as missões exploratórias. D. Manuel I, então,
prosseguiu com o projeto, porém preferiu o apoio da Igreja e da nobreza a manter aliança
com a burguesia; em função do ocorrido com Bartolomeu Dias é dispensado do comando
da expedição em vista de não possuir sangue nobre, mesmo tendo descoberto a rota do
Cabo da Boa Esperança e ter sido responsável pela construção de naus magníficas.
Para o comando, Vasco da Gama, capitão de temperamento explosivo, é o elegido.
De acordo com sua descrição, feita pelo historiador indiano Sanjay Subrahmanyan autor da
mais completa biografia de Vasco da Gama, “era um homem de pernas muito curtas, barba
preta, nariz longo e lábios apertados; a expressão de seu rosto era a de um ser maléfico e
determinado”. Vasco da Gama foi escolhido: não pelo sangue nobre ou atributos físicos,
mas pela suposta capacidade de desempenhar funções diplomáticas e chefiar missões
militares, já que o objetivo da expedição era de conquista da Índia. O comando marítimo,
por sua vez, foi entregue a pilotos experientes, considerando que Gama jamais havia
navegado. As razões pela qual Vasco da Gama foi nomeada ainda são muito controversas,
alguns historiadores defendem o simples fato de que D. Manuel I desconhecia os planos de
D. João II. Outros acreditam que o próprio D. João II o nomearia, após ter se irritado com o
fato de Bartolomeu Dias ceder às imposições de seus marinheiros. Em uma terceira versão
alega-se que Vasco da Gama foi indicado por seus inúmeros inimigos que, certos do
fracasso da expedição, poderiam finalmente vê-lo cair em desgraça.
No verão de 1497 tudo estava pronto para a expedição que se tornaria a
concretização de um sonho secular. Na manhã da partida foi celebrada uma missa solene na
pequena capela erguida quase um século antes pelo Infante D.Henrique, o patrono de toda
aquela aventura exploratória. Instantes antes do embarque D. Manuel I deu a Vasco da
Gama uma bandeira com o desenho da cruz vermelha da Ordem de Cristo, e mandou
hasteá-la e defendê-la com a própria vida. A mesma cerimônia, com as mesmas palavras
seria realizada anos depois na despedida de Pedro Álvares Cabral.
Como todas as expedições, a frota levava a bordo escrivães com a missão de relatar
os acontecimentos da jornada e esses eram: Diogo Dias, João de Sá, Álvaro Braga e Álvaro
Velho - que mais tarde seria considerado o cronista mais importante da viagem de
exploração feita pelos portugueses, tendo seu diário inclusive sido publicado em 1838.
Encantado com a visão grandiosa das velas, o maior poeta da língua portuguesa, Luís de
Camões, compôs Os Lusíadas como uma ode a Vasco da Gama, o autor do mito português
de que "navegar é preciso", uma epopéia que imortalizou em poesia a viagem às Índias e
seu autor.
Vasco da Gama revelou, no Oriente, mão dura demais, para os objetivos da viagem
e falta de tato. No diário de bordo de Álvaro Velho fica claro que nos planos do navegador
não constava estabelecer relações amigáveis com os povos visitados. Ao contrário, nunca
hesitou em canhonear os portos de que se aproximava ao menor motivo. "A abordagem
comercial dos portugueses era realmente agressiva", afirma a historiadora Janice Teodoro
da Silva, da Universidade de São Paulo. "Não se pode esquecer que muitos tripulantes
tinham lutado nas Cruzadas e se julgavam no direito de impor sua vontade a tiro sobre os
hereges” diz a historiadora. À menor suspeita de ameaça, disparava os canhões, que
ninguém por lá conhecia. Certa vez, Vasco da Gama bombardeou o porto de Moçambique
até obrigar o sultão a fornecer-lhe água potável e dois pilotos para guiá-los pela costa. Não
satisfeito, saqueou dois navios cheios de mercadorias; atitude comum para o navegador que
inclusive rendeu a fama de que enriquecera saqueando embarcações.
Irritadiço e violento por temperamento, entrou em confronto com os soberanos das
terras em que aportou. Em Calicute irritou-se ao ver seus presentes recusados - casacos e
chapéus, pedras de coral, bacias de latão, um barril de açúcar, um de mel e dois de
manteiga (certamente rançosa, após demorada viagem) - por serem considerados insultos
pelo soberano de Calicute. O navegador ficou "melancólico", nota Álvaro Velho em sua
crônica, mas por pouco tempo - bem cedo percebeu que poderia saquear as embarcações
que cruzavam o Índico e se abastecer das mercadorias necessárias para comerciar na região.
Vasco da Gama desembarca finalmente em Lisboa em 1499, triunfante, recebido
com honras, glórias e louvores. Trazia consigo presentes, especiarias e produtos exóticos; o
rei estava realizado. Todos foram recebidos com festividades que se prolongaram por uma
semana. O rei concedeu a Vasco da Gama título, direitos e a maior pensão já paga até então
a um navegador. A expedição de Vasco da Gama havia reunido o melhor que Portugal
podia oferecer em tecnologia náutica, dispunha das mais avançadas cartas de navegação e
levava pilotos experientes porém faltavam-lhe, é claro, conhecimentos mínimos de higiene
e medicina, de que os povos daquele período ainda não tinham notícia. O convés das
caravelas, não muito amplo, logo estaria coalhado de doentes e mortos. As tripulações
eram dizimadas pelo escorbuto, provocado por deficiência de vitamina C. Dos 170 homens
que partiram com Gama apenas 55 haviam retornado, inclusive seu irmão Paulo da Gama
que faleceu durante a jornada.
Semanas depois D. Manuel I dava início a uma nova expedição às Índias, dessa vez
ainda mais poderosa constituída por 9 naus, 3 caravelas e uma naveta de mantimentos. Seu
objetivo era a fundação de uma feitoria em Calicute, e seu escolhido era Pedro Álvares
Cabral.
Gama e Cabral se encontravam em sigilosas reuniões, onde Gama relatou sobre as
aves avistadas no oceano e sugeriu que Cabral abrisse rumo para o oeste, para averiguar a
existência de novas terras. E assim o fez.
Em março de 1500 Pedro Álvares Cabral parte seguindo as instruções fornecidas,
chegando ao Brasil em 22 de Abril. Permaneceu em terra por dez dias, a fim de conhecer a
região, se é que os navegadores lusos já não houvessem aportado naquelas terras.
Em 13 de Setembro do mesmo ano, Cabral chega em Calicute e instala uma feitoria
lusa - seu verdadeiro objetivo. Porém na noite de 16 de Dezembro seu grupo é atacado por
árabes e hindus insatisfeitos, eliminando mais de 50 portugueses inclusive o escrivão Pero
Vaz de Caminha. O ataque culminou a ira de Cabral que bombardeou a cidade por dois dias
ininterruptos.
Em Julho de 1501 finalmente chega a Lisboa, abarrotado de mercadorias do
Oriente, alterando bruscamente a cotação do mercado, deixando negociantes de Veneza
desesperados. Ao saber pelo navegador do ataque sofrido em Calicute, D. Manuel I
organiza uma nova esquadra em 1502, conhecida como “Esquadra da Vingança”; com o
objetivo de punir aqueles que se mostraram contra Portugal.
A esquadra teria Vasco da Gama como chefe supremo da missão e Pedro Álvares
Cabral como subcomandante da frota. Indignado com o cargo de subchefe, Cabral recusa a
missão sem saber que o ato lhe custaria a desgraça do esquecimento. As razões que levaram
o rei a nomear Vasco da Gama como chefe ainda são polêmicas, porém o mais provável é
que este tenha exigido o cargo ao rei em função de sua recente nomeação como Almirante
das Índias.
A frota de Vasco zarpou em 10 de Fevereiro de 1502, aportando nas Índias meses
depois. Dá-se início então à vingança prometida: capturando embarcações, torturando
mercadores, saqueando ou assassinando mulheres e crianças. Todos os navios são
revistados, os que vierem de Calicute estão condenados, e assim foi com a nau Meri. Após
se apropriar de toda a mercadoria, Gama arranca vinte crianças que estavam a bordo para
serem educadas na lei de Cristo. Os demais tripulantes, homens e mulheres, todos a bordo,
são bombardeados e afundam com a nau . Retaliação pelo que fizera a 50 marinheiros de
Cabral, olho por olho, dente por dente.
Bloqueado o porto de Calicute, Vasco exigiu que cerca de cinco mil famílias
muçulmanas que ali viviam fossem expulsas em vinte e quatro horas. Não obtém resposta
que lhe agrade e prazo tendo esgotado, o navegador revela então seu lado mais cruel
mandando cortar pés, mãos, narizes e orelhas de cerca de trinta prisioneiros que foram em
seguida enforcados na proa da embarcação.
Vasco então ordenou que se abrisse fogo contra Calicute, num ato quase insano de
destruição de uma cidade tão rica e próspera a qual por tantos anos almejara. Finalmente,
após lutas, violências, o soberano de Cochim – local onde Cabral havia fundado a feitoria –
resolve se aliar a Vasco da Gama e estabelecer negociações com os portugueses. Aliança
com os reis de Cochim e Cananor, impondo, no entanto, drásticas condições comerciais.
Ali instala duas feitorias, manda construir fortalezas dando início ao império lusitano do
Oriente. Regressa ao Reino.
E 1o de Setembro de 1503, ao retornar a Lisboa carregado de especiarias, pérolas,
sedas e pedras preciosas, Gama arrasa com o comércio em Veneza. Os venezianos ainda
tentaram estratégias que permitisses que os árabes expulsassem os portugueses; porém
foram lentos demais e no início do século XVI portugueses já eram senhores absolutos da
navegação pelo Índico.
Vasco da Gama morreu em Cochin, na Índia, em 1524, perto dos 60 anos. Para comemorar
os 500 anos decorridos de sua primeira viagem às Índias, Portugal se empenhou em grandes
homenagens para seu navegante mais importante. Os festejos culminaram com a Exposição
Universal em Lisboa em 1998. Mas, na costa de Malabar, onde os portugueses mantiveram
até 1961 o enclave de Goa, houve protestos contra o projeto das festas. Em Goa, foi
formado um comitê para forçar o governo a trocar o nome do porto, hoje chamado de
Vasco da Gama, e em Calicute um grupo de professores organizou um ano inteiro de
protestos, alegam ser uma vergonha homenagear a chegada do homem que começou a era
colonial em seu país. É compreensível que Calicute tenha más lembranças, afinal as frotas
portugueses inúmeras vezes e por motivos banais, bombardearam a cidade matando
centenas de seus habitantes.
Para os lusitanos, apesar de tropeços históricos, restam glórias e orgulho de um
passado grandioso. Afinal coube aos portugueses encontrar uma nova rota de comércio pois
tinham a tecnologia e a vocação natural para isso. Estavam situados numa posição
estratégica, a meio caminho entre o norte da Europa e o Mediterrâneo, e tinham criado uma
importante academia de navegação, a Escola de Sagres. Além disso, sem população nem
recursos que lhe permitissem colonizar terras distantes, como fez a Espanha, restava a
Portugal o descobrimento de rotas e o estabelecimento de entrepostos comerciais na África
e na Ásia. E assim o fez, erguendo um império marítimo, soberanos no oceano. De acordo
com o professor Antônio Hespanha, presidente da Comissão Nacional para a Comemoração
dos Descobrimentos Portugueses, em Lisboa: "Quando Vasco da Gama chega às Índias, é
como se Portugal tivesse encontrado sua vocação."
2.2 – A VIAGEM DE CABRAL EM 1500
Senhor:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer. Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Trecho da carta de Pero Vaz de Caminha
O difícil, ao abordar o descobrimento do Brasil, são as inúmeras controvérsias e
polêmicas geradas por patriotismo, ou até indignação, de corações brasileiros conscientes
da história. Porém procuro neste trabalho não me ater a problemáticas desse teor, e sim
tratar de um contexto exclusivamente histórico com abordagem imparcial, dentro do
aceitável. Há, portanto, a exposição de fatos, não distorcidos pelo sentimentalismo,
permitindo uma viagem mais profunda e reflexões mais completas.
A história oficial do descobrimento do Brasil recai sobre a questão se Portugal sabia
ou não da existência das novas terras antes que nelas desembarcasse em abril de 1500. É a
velha questão da casualidade ou intencionalidade da viagem que acabou em Porto Seguro;
desdobrando-se depois na discussão de um achamento e não de um descobrimento; já que
só pode ser descoberto algo que de que se desconhece completamente a existência, ou ao
menos que não fosse habitado e não foi este o caso do Brasil.
Desde a Antigüidade, os europeus tinham noção da existência de um continente
inexplorado, localizado a oeste. Prova disto é que Platão, em "Timeu e Critias", narrou a
existência de um continente localizado quase exatamente onde está a América, o que daria
origem ao mito da Atlântida. Assim, os europeus não fizeram mais do que achar um
continente pelo qual procuravam efetivamente havia pelo menos um século; reforçando a
questão de que o descobrimento do Brasil não foi mais que um achamento.
Não se pode porém tirar o mérito dos bravos navegadores que se arriscavam nas
expedições. O cotidiano a bordo das caravelas não era nada fácil, na verdade hoje seria
considerado insuportável. A primeira grande dificuldade colocada diante dos navegantes
era o espaço disponível por pessoa a bordo. A prioridade normalmente era o transporte de
mercadorias, sendo colocados em segundo plano até mesmo os alimentos e a água
destinada à jornada de volta a Portugal, causa de inúmeras mortes por inanição a bordo.
O historiador José Jobson de Andrade Arruda, da Universidade de São Paulo alega
que “em média, cada tripulante ou passageiro tinha disponível a bordo 50 centímetros
quadrados, embora oficiais e alguns elementos da alta nobreza tivessem sempre direito a
um espaço extra”. O capitão do navio, por exemplo, ficava numa câmara (modo como se
denominavam os camarotes) de 2,2 metros quadrados. Enquanto os marujos e passageiros
comuns se amontoavam na mesma câmara. Os grumetes também faziam parte da
tripulação. Geralmente eram crianças entre 7 e 16 anos que serviam como aprendizes de
marinheiros, alistadas compulsoriamente por seus próprios pais, que viam na vida no mar
uma forma de lucrarem com seus rebentos - já que os pais ficavam com o soldo dos filhos -
e ao mesmo tempo uma forma de livrarem-se de uma boca a mais para alimentar. Os
grumetes dormiam amontoados no convés, a céu aberto, e muitos vinham a falecer de
insolação ou pneumonia.
Nesse contexto, a tripulação não dispunha de muita privacidade, o que para Arruda
formava “um universo muito peculiar da vida no mar”. Os hábitos de higiene eram
precários, banhos eram impossíveis, já que toda a água disponível era reservada para beber
e cozer os alimentos; eram comuns insetos parasitas, tais como pulgas, percevejos e
piolhos. Para piorar a situação, confinados a um espaço pequeno, os passageiros
precisavam, como afirma o historiador José Jobson Arruda, “conter sua repugnância diante
daqueles que satisfaziam suas necessidades corporais, enquanto outros, sem qualquer
decoro, arrotavam, vomitavam, soltavam ventos, escarrando próximo aos que tomavam sua
refeição”.
O mau cheiro se acumulava, tornando-se em pouco tempo insuportável, ao que
muitos vinham adoecer do estômago com enjôo, sendo tratados por leigos através de
sangrias – o que fazia com que uma simples indisposição se agravasse tornando-se anemia
e levasse, na maior parte dos casos, à morte.
A inanição era comum. A dieta diária de bordo era composta apenas por uma ou
duas porções de biscoito - sempre bolorento e todo ruído pelas baratas - três canecas de
vinho quase transformado em vinagre, e uma ou duas canecas de água, geralmente
contaminada. Nestas condições, não é de se estranhar, como narrou Pero Vaz de Caminha -
o autor da "certidão de nascimento" do Brasil - que durante o primeiro contato oficial entre
portugueses e ameríndios, os nativos tenham repudiado todos os alimentos oferecidos pelos
lusos, especialmente a água, para o espanto dos portugueses.
Alguns no desespero da fome, recorriam à caça de ratos e baratas. Em algumas
embarcações chegou-se ao extremo de os mais desesperados praticarem o canibalismo com
os companheiros mortos.
Doenças como o escorbuto, chamado na época de mau das gengivas - justamente
por fazer apodrecer as gengivas e cair os dentes eram constantes. Não é de se estranhar que
em um ambiente de permanente luta pela sobrevivência, a tensão a bordo se tornasse
constante. Não havia sinal de mulheres, indesejáveis por superstição e fama de mau agouro.
Os marujos gostavam do carteado, mas sempre que eram flagrados pelos padres as cartas
eram atiradas ao mar. Romances eram tidos como uma armadilha do demônio, que causava
grandes danos à alma, e por isso, vetados. Havia teatro a bordo, mas sempre sobre temas
religiosos. Como se pode ver, diante do cotidiano das caravelas quinhentistas, se arriscar no
oceano era muito mais penoso do que se imagina e os feitos muito mais grandiosos.
O "descobridor" oficial do Brasil, Pedro Álvares Cabral, compõe uma pálida figura,
que nada entendia de navegação, mas pertencia à média nobreza – teve a sorte de se casar
com uma das herdeiras de uma das famílias mais ricas do reino. Foi assim que conseguiu
ser escalado para comandar a maior armada que Portugal já montara. Oficialmente, a
missão de Cabral era estabelecer uma feitoria comercial na cidade de Calicute. Esse era o
motivo da presença na expedição de Pero Vaz de Caminha , que seria um dos escrivães de
despesa (uma espécie de contador) do entreposto comercial a ser criado na Índia. O
historiador José Arruda defende que “pela quantidade de homens e naus - com cerca de 1,5
mil homens e 13 embarcações - a expedição de Cabral demonstra a intenção lusitana de
tomar posse do Brasil e usá-lo como base de apoio da rota para as Índias”. Para
comparação, o historiador toma como referência , a viagem de Vasco às Índias em 1498,
que viajou com apenas três embarcações. Os portugueses acreditavam que o Brasil se
encontrava mais próximo do Sul da África do que realmente está. Após a viagem de Cabral,
perceberam o erro e só partiram para a ocupação do Brasil 30 anos depois.
Entre os historiadores, é quase unânime que Cabral partiu de Portugal com
instruções secretas do rei D. Manuel para chegar às terras já descobertas. Cabral ficou
apenas uma semana, rumando em seguida para as Índias onde estabeleceria a feitoria em
Calicute. O que teria sido o grande feito da sua vida, o descobrimento do Brasil, só foi
divulgado um ano depois que a carta de Caminha chegou a Portugal. Isso demonstra a
pouca importância que os portugueses deram à expedição de Cabral – mais um indício de
que se tratava apenas da confirmação da existência de terras a oeste. Curioso é que ao
comunicar o fato aos reis espanhóis, D. Manoel I o atribui a um ato milagroso; como que
no intuito de preservar seus planos secretos de expansão.
Era 22 de abril de 1500, depois de 44 dias de viagem, a frota de Pedro
Álvares Cabral vislumbrava terra – com sentimento mais de alívio do que de surpresa.
Eram embarcações transportando cerca de 1500 homens, entre eles marinheiros, agentes
comerciais e escrivães, o cosmógrafo, um vigário, oito sacerdotes, alguns degredados, além
de oito intérpretes que haviam sido levados para Lisboa por Vasco da Gama. O primeiro
contato, deu-se já no dia seguinte, quinta-feira, 23 de abril. O capitão Nicolau Coelho
deparou com 18 homens, conforme descrição do diário de Pero Vaz de Caminha, "pardos,
nus, com arcos e setas nas mãos". Deu-lhes então um gorro vermelho, uma carapuça de
linho e um sombreiro preto. Em troca, recebeu um cocar de plumas e um colar de contas
brancas.
A carta do escrivão Pero Vaz de Caminha tenta exatamente sensibilizar o soberano
para a beleza da nova terra- que ele diz acreditar ser um continente e não só uma ilha
devido ao tamanho que se entrevê. Para divertir o rei, Caminha- que viria a falecer um ano
depois, durante confronto com os mouros em Calicute, na Índia, oferece um relato pleno de
detalhes que beiram o antropológico. Ele estava interessado no lado humano da descoberta
e oferece o testemunho mais autêntico do confronto de duas culturas. O escrivão observa os
nativos e seus hábitos com o interesse e as lentes de um europeu de alguma cultura.
Demonstra simpatia para com os índios e, textualmente, pede ao rei D. Manuel, "o melhor
fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a
principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar".
Ao que indica pelas anotações de Caminha, os contatos com os nativos da nova terra
foram amistosos e pacíficos; os índios pareciam colaborar com as ambições portuguesas.
Para lusitanos, a atitude foi de submissão e obediência de um povo ingênuo admirado pelo
primeiro contato com a civilização. No discurso de Pero Vaz, além de exaltar a beleza
daquele povo “tão gracioso”, considera-os primatas, fazendo inclusive analogias que os
aproximam da primeira civilização cristã, “a inocência desta gente é tal, que Adão não
seria maior, quanto a vergonha”. O escrivão aconselha ao rei, que a descoberta seria de
grande utilidade, tanto explorando a terra quanto servindo de pousada para navegações do
Oriente; mas acima de tudo destaca a salvação das almas indígenas como de grande
importância. O julgamento de Cabral era de que se tratava de um povo dócil, quase
ignorante, desprendido de qualquer crença. Dessa forma escreveu para o rei “gente de tal
inocência que, se homens os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles,
segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença (...) se hão de fazer cristãos e
crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certo, esta gente é
boa e de boa simplicidade”.
Dez dias depois, ao zarpar de Porto Seguro, Cabral parece ter deixado ali
degredados e dois grumetes desertores. Para José Jobson de Arruda essa atitude teve o
objetivo “de que aprendessem a língua dos nativos, possibilitando a comunicação em
próximo encontro”. Curioso é um relato contido na obra de Jorge Couto, (2000:32)
descrevendo a reação daqueles que foram abandonados no Brasil : “ começaram a chorar, e
foram animados pelos naturais do país que mostravam ter piedade deles”.
O descobrimento oficial do país está registrado com minúcia. Aliás, privilégio de
poucas nações que possuem uma "certidão de nascimento" tão precisa quanto a carta que
Pero Vaz de Caminha enviada ao rei de Portugal, Dom Manuel, relatando o descobrimento.
O comportamento do monarca diante da notícia foi de indiferença, não havendo nem de
longe reações eufóricas como as que apresentara em relação ao feito de Vasco da Gama.
Para piorar, as novas terras batizadas como Ilha de Vera Cruz não teriam serventia para
Portugal durante várias décadas. "Os portugueses tinham mais interesse na Ásia do que na
América", afirma o historiador José Jobson de Andrade Arruda.
Cabral e Gama tiveram formação muito parecida, foram inclusive criados juntos na
cosmopolita corte lisboeta. Ambos estavam animados pelo forte espírito português que se
sucedeu a cinco séculos de domínio muçulmano do país. "Era natural que os dois
disputassem o comando das grandes armadas", conta José Jobson Arruda. Dono de um
caráter irascível, famoso por suas crises de mau humor intermitentes, Cabral desentendeu-
se com todo mundo que importava em seu tempo, a começar pelo próprio rei, e incluindo
Vasco da Gama. Ambos viviam em constante competição, disputando o comando e glórias
nas expedições.
Talvez a decepção pelo não reconhecimento de seu feito, assim como a inimizade de
Vasco da Gama, levaram Cabral a recusar o subcomando daquela que seria a terceira
expedição às Índias. Nesse momento o navegador caía em desgraça.
A explicação para assa atitude pode estar no relato de um dos maiores cronistas
quinhentistas portugueses, João de Barros, para quem o descobridor do Brasil era homem
de muitos primores de honra. Cabral tinha motivos para não aceitar dividir o comando da
expedição. Não foram pequenos os serviços prestados por ele a Portugal. Sua expedição de
1500 foi a primeira de caráter comercial a chegar à Índia. Vasco da Gama chegou antes, e
recebeu as glórias, mas conseguiu apenas se indispor com o governante de Calicute; mas
só quando Cabral estabeleceu a feitoria em Cochin, no sul da Índia, é que a rota se tornou
lucrativa.
Tais façanhas, no entanto, não comoveram o rei. Cabral mudou-se para Santarém,
num exílio voluntário, no final de 1502 e não recebeu mais notícias da corte. Anos mais
tarde, Cabral escreveu ao rei pedindo para abandonar o exílio voluntário e servir a Portugal
novamente, mas de nada adiantou.
Em 1514, Afonso de Albuquerque, governador da Índia e tio de Isabel de Castro,
mulher de Cabral, escreveu ao rei pedindo que ele pusesse fim ao afastamento do
navegador. Apesar das recomendações de um dos homens mais importantes do império
português, Cabral morreria dali a alguns anos sem voltar ao mar.
Não se sabe exatamente o que fez Dom Manuel I abandonar um de seus
navegadores. "Talvez o rei fosse tão brioso quanto o próprio Cabral e nunca tenha aceitado
a recusa do navegador em participar da nova expedição à Índia", acredita José Jobson
Arruda. A hipótese de que Cabral era apenas um nobre sem habilidades não deve ser
considerada já que o descobridor foi apontado para comandar a maior armada já saída de
Portugal. A frota que Vasco da Gama comandou até a Índia, entre 1497 e 1499, não tinha
mais que quatro navios. Dificilmente se colocaria uma expedição tão grandiosa sob as
ordens de alguém que não fosse extremamente respeitado, inclusive como navegador. "Não
se colocaria a vida de 1.500 homens nas mãos de alguém sem experiência", acredita José
Jobson Arruda.
A vida de Cabral em Santarém limitou-se aos cuidados com as propriedades, o
tempo dividido entre a casa na cidade e as quintas. Cabral morreu possivelmente em 1520,
aos 52 anos, sem que tenha realizado coisa alguma digna de registro nas últimas duas
décadas de vida. Enquanto isso, seu rival Vasco da Gama recebia o título de "dom" e era
consagrado "almirante".
Na lápide do túmulo, Cabral consta como marido da camareira-mor da infanta dona
Maria; não constavam seus feitos nem sua grande descoberta. O epitáfio menciona apenas
os predicados de Isabel:
"Aqui jaz Pedro Álvares Cabral e Dona Isabel de Castro, sua mulher, cuja é esta
capela e de todos os seus herdeiros, a qual, depois da morte de seu marido foi camareira-
mor da Infanta Dona Maria, filha del-rei Dom João (...)"
O navegador morreu na obscuridade, por volta de 1520, sem saber que revelara ao
mundo um território que era quase um continente. Até recentemente, a casa que pertencera
à família de Cabral, em Santarém, funcionava como um prostíbulo, e foi restaurada por
causa das comemorações do ano 2000.
3 – AS COMEMORAÇÕES 500 ANOS DEPOIS
Quatro mil anos antes de Cristo Portugal já era habitado, mas somente no século
XII, viria a constituir uma nação independente. Sua história é marcada pela história de
diverso povos que ali se estabeleceram, especialmente iberos e celtas, que se espalhavam
pelo território sobretudo na região do Tejo. Um passado marcado por séculos de disputa de
seu território, até se consolidar como reino e Portugal estruturar-se como nação.
Os séculos XII e XIV, se caracterizam por uma monarquia agrária onde os recursos
só podem ser obtidos da terra e os reis se empenhavam em povoá-la. Os homens livres
formavam o colonato, servindo aos fidalgos – vassalos do rei, em terras do rei – ou à ordens
religiosas. Para o historiador José Arruda, página 140, é muito significativo o fato de que ,
por causa de sua peculiar formação histórica, “Portugal não incorporou o regime de
servidão, típico no feudalismo europeu”. Nas regiões costeiras se praticava a pesca; o
comércio, concentrado nos poucos núcleos urbanos, servia de ponte entre os campos e o
mar.
Como reino independente e com apoio da burguesia, o país apostou na única forma
possível de expansão territorial, que em função de sua posição geográfica, se apresentava
nos oceanos. E assim o fez, lançando seus homens ao mar e conquistando novos territórios.
Os descobrimentos sucederam-se: Ceuta, Madeira, Açores, cabo bojador, cabo Branco,
cabo Verde, golfo da Guiné, até a passagem da linha do Equador, em 1471. Em 1487, o
cabo das Tormentas por Bartolomeu Dias, com Vasco da Gama o caminho marítimo para
as Índias e finalmente chegada oficial ao Brasil por Pedro Álvares Cabral em 1500.
Sob um ponto de vista europeu, os feitos portugueses eram a garantia de
perpetuação do domínio da Europa sobre o mundo, e a colonização uma prática
civilizadora. A historiadora portuguesa Maria Isabel João diz (2000:135), “a Humanidade
caminhava num sentido de evolução e progresso que conduziria, inevitavelmente, à
aproximação dos povos colonizados dos padrões culturais e de desenvolvimento dos
colonizadores”, colocando o Brasil como um bom exemplo do processo que teria permitido
criar sociedades espelhadas no modelo europeu.
Os portugueses, portanto, se orgulham da colonização, que para eles é a responsável
pela língua comum em todo o território brasileiro assim como a formação do conceito do
que hoje entendemos por nação. Maria Isabel João afirma (2000:135) que “O Brasil não
existia antes do descobrimento, nem ficou existindo pela realização deste. O Brasil,
imediatamente à empresa de Álvares Cabral, ficou sendo apenas uma designação, um
nome, de uma paragem transoceânica, dali em diante marcada nas cartas. O Brasil que
descobrimos não é, pois, a realidade das coisas, o brasil pelo que nos glorificamos. Este é
outro Brasil, muito diverso: é o Brasil que nós criamos, que nós fizemos”.
A idéia de Brasil como uma continuação de Portugal foi um dos tópicos mais
significativos dos discursos nas comemorações dos 500 anos de descobrimento. Onde o
Brasil passa a ser festejado como uma parte de Portugal, e o feito de Cabral passa a assumir
o valor de acontecimento fundador da história e da futura nação brasileira. Enfim, colonizar
foi de acordo com o almirante português Almeida d’Eça, (2000:136), “desbravar a floresta,
cultivar a campina, guiar as águas da torrente, exterminar as feras, fundar povoados,
amansar o indígena bravio, ligar-se com ele, dar origem a novas raças que das raças
cruzadas conservem as qualidades, fazer uma nação nova onde a nação antiga se continue”,
concluindo que os portugueses colonizaram o Brasil, mas quando a nação atingiu
maturidade tornou-se independente, como um “filho querido” e “povos irmãos”.
Vale recordar nossa história. Durante os trinta anos que se seguram ao
descobrimento do Brasil, Portugal só se interessou em explorar os recursos naturais da
colônia, dedicando-se principalmente à extração de pau-brasil.
A partir de 1532, tem início a colonização efetiva. A necessidade de defender as
costas brasileiras contra as incursões de corsários europeus modifica as relações entre a
metrópole e a colônia. Em 1534 inaugura-se no Brasil o sistema das capitanias hereditárias
para a ocupação das novas terras; 15 anos mais tarde, um governador geral, investido de
autoridade monárquica para todo território, instala a capital colonial na Bahia.
Com os donatários e governadores começa a chegar os primeiros povoadores
europeus: aventureiros, religiosos, mercenários, fugitivos da santa inquisição, além de
criminosos aos quais tinha sido imposta a pena de degredo no Brasil. Com eles começa
também a chegar a cultura européia. À medida que esses imigrantes vão se adaptando às
novas condições de vida surgem as primeiras raízes de uma cultura propriamente
brasileira.
Os indígenas da colônia também possuíam uma cultura. Sabiam, formas
elementares de artesanato, conheciam técnicas de cerâmica, e moldavam vasos ,tinham
seus mitos, danças e conhecimentos profundos sobre a natureza e seus recursos. Por
centenas de anos, porém, a cultura e a arte indígenas não foram compreendidas pelos
brancos, nem mereceram maior atenção. Os colonizadores mantinham concepções
estritamente européias, e para eles os povos “primitivos” não possuíam nem arte nem
cultura – provavelmente nem mesmo alma.
Cabia, desde logo, “europeizar”, os indígenas – a começar pela cristianização. Para
isso, era necessário falar a língua dos nativos. E foi com tal objetivo que o padre José de
Anchieta elaborou uma gramática tupi. Os silvícolas catequizados foram inicialmente
separados dos que ainda continuavam pagãos. Os jesuítas usavam melodia do órgão e dos
hinos “civilizados”, e abominavam os rituais próprios dos índios.
Se por um lado, a preocupação das autoridades era catequizar os índios, integrando-
os na cultura européia, por outro lado era importante que os colonizadores não
esquecessem sua própria cultura. Para manter a cultura européia, impunha-se a força da
Igreja, que se tornou o juiz das manifestações permitidas da arte e da cultura em sentido
mais extenso.
Lentamente a ameaça representada pelos índios à cultura lusitana foi diminuindo;
porém, com a substituição da mão de obra indígena pelo trabalho escravo dos negros, uma
nova ameaça ainda mais forte despontava. Apesar de toda pressão dos colonizadores, a
cultura negra infiltrava-se na coletividade pelos caminhos mais variados, desde os
espetáculos religiosos até os temperos de cozinha. E mesmo com repressões da unidade
luso-católica, a cultura africana não pôde ser abafada. Os deuses dos negros continuaram a
ser reverenciados mesmo que clandestinamente. De toda essa tradição, emergiram a
música do candomblé, da capoeira, o samba, as festividades do bumba-meu-boi, a
ourivesaria negra de Salvador – com suas pencas e balangandãs. A contribuição cultural do
negro subsiste até nossos dias, integrada que foi, de modo geral, à cultura brasileira.
O Brasil teve três séculos de regime escravocrata, ao longo dos quais importou 4
milhões de negros africanos, numa das mais volumosas transferências forçada de pessoas
registradas na história. Para a cultura brasileira o legado da escravidão vai muito além da
influência dos negros na formação da cultura brasileira, e atinge uma esfera social muito
mais profunda. O historiador Luiz Felipe Alencastro, (1996:54), diz “A escravidão não
dizia respeito apenas ao escravo e ao senhor. Ela gangrenava a sociedade toda, e criou um
padrão de relações sociais e de trato político que deixou conseqüências graves”. Um
exemplo é a concepção no Brasil de que trabalho é escravidão e suplício, ou ainda a idéia
de que o soberano pode sempre explorar o mais fraco. O historiador ainda ressalta o
preconceito racial entre os próprio negros, ex-escravos, que compravam escravos, tão
barata era a “mercadoria” com a intenção de negar de maneira global a situação anterior e
sobressair-se na sociedade; um preconceito que certamente se estende até os dias atuais.
Formado esse contexto, analisemos então as comemorações sobre tais aspectos.
Primeiro o do colonizador, vitorioso e orgulhoso por expandir sua cultura e impor as
condições dessa relação que se estabeleceu. Em seguida o da colônia, explorada e
esmagada que sofre em seu âmago intensamente as marcas do passado. Tudo isso em um
plano capitalista do mundo moderno onde tudo é consumível, superficial e projetado para
ser descartável. Onde a mídia exerce o controle da massa e controla o teor das
informações.
O Brasil formou uma nação construída pela miscigenação entre brancos europeus,
índios e negros, originando a raça, propriamente dita brasileira, de mestiços. Uma
formação caracterizada pela diversidade cultural e étnica, que embaçam a questão de uma
identidade estruturalmente brasileira. O Brasil portanto, ainda que já afirmado como nação,
ainda não se reconhece por um povo consciente de sua representação, capaz de apontar um
perfil que o projetasse como uma nação no seu sentido mais puro de união, reflexo de uma
identidade cultural. De acordo com o professor Kabengele Munanga (1994:180) “como
iam conviver tantas diferenças que, teoricamente, prejudicariam a formação da unidade
nacional, a constituição de um povo e de uma nação?”.
E o Brasil assim se fez, ou ao menos se acomodou, dentro deste contexto confuso e
nas comemorações dos 500 anos de descobrimento se preparou para festejar sua cultura e
recordar as glórias de seu passado histórico. Chega a ser um ato irônico que evidencia a
falta de entrosamento do povo com sua história, comprovando o caráter publicitário de
uma festa planejada sem o menor cunho cultural.
Passados 500 anos das grandes expedições marítimas os portugueses comemoram a
grandeza de seu passado histórico, a projeção de sua cultura e o orgulho de ter contribuído
efetivamente para a ampliação da visão do homem sobre o universo. Se gabam por seus
feitos como sendo os maiores de toda História, tomam para si todas as glórias como
responsáveis absolutos pelos rumos progressivos da mesma. É natural que os povos
escondam as vergonhas cometidas no passado, porém na cultura portuguesa atos bárbaros
se transformam em poesias suaves que em prosas e versos definem suas ações como
tentativas de desenvolver relações entre povos, um bem comum à humanidade.
Brasileiros, no entanto, não estão acostumados a se enaltecerem, muito menos a
questionar sua história afinal são domesticados pela mesma, se submetem aos supostamente
grandes por não saberem aonde se situam no contexto global .
A proposta das comemorações são até proveitosas – valorização da cultura,
avaliação da história, reflexões sobre o futuro – porém não têm sentido quando aplicadas
numa sociedade que ainda busca sua identidade e briga constantemente com questões
sociais. Estamos falando de um povo que não sabe ao certo o que é, de onde vem e do que
se orgulhar; e que agora celebra uma data simbólica onde expõe-se esse povo, sua suposta
identidade para que se celebra então uma nação plena.
Antagonismos a parte, foram inúmeros os eventos programados para as celebrações
variando desde exposições intelectuais até shows populares. De um lado Portugal revivendo
sua história, do outro o Brasil procurando a mesma. Esperava-se uma união e
confraternização entre brasileiros e uma conscientização do quanto o país progrediu desde
a colonização. No entanto, a festividade em si excluiu os índios, primeiros habitantes do
Brasil, massacrados pelo conquistador branco humilhados 500 anos depois. Portanto a
festa, mostrou que ao contrário de ser uma confraternização e uma reflexão social, foi na
verdade o espelho do que é o Brasil: um país governado pela minoria branca ainda sem
consciência de sua formação cultural e social.
3.1 – PORTUGAL CELEBRA O MAR
Portugal tem sua história marcada pela fé e repleta de conquistas; uma paisagem
onde a todo instante celebra-se o orgulho de seus feitos. No momento em que se celebra os
500 anos de descoberta do caminho marítimo para as Índias, o país reuniu todo o seu
passado e celebrou o mar e os oceanos, dos quais por séculos foram senhores absolutos.
O país vestiu-se de festa para sediar na cidade de Lisboa, em 1998, a Exposição
Universal, ou Expo’98. Portugal restaurou seus pontos principais, e o mar – que
proporcionou o maior desenvolvimento que o país já teve com a época de ouro dos
descobrimentos – foi o escolhido como tema principal da exposição. Lisboa é toda uma
grande celebração às grandes explorações, recebe o visitante com monumentos que vão do
Castelo de São Jorge ao Mosteiro dos Jerônimos; da Torre de Belém ao moderno
Monumento dos Descobrimentos.
Comecemos pelo Mosteiro dos Jerônimos, construído em local onde havia
anteriormente uma pequena capela com acomodações para monges, erguida em 1459. A
idéia era que se tivesse sempre à mão um grupo de padres que benzessem as caravelas que
se lançavam ao mar. Naquele tempo, a ilha da Madeira, o arquipélago dos açores e um
pedaço da África já haviam sido descobertos mas o desejo de conquista estava longe de ser
saciado.
O Rei Dom Manuel I decidiu construir o mosteiro em 1495. Tomado por sonhos de
grandeza, ele queria um edifício tão formidável que deixasse as pessoas mudas de espanto.
O dinheiro para as obras vinha das riquezas das terras, recém descobertas na África e a
Índia. O rei abriu as burras do Estado e despendeu quantias fabulosas para a construção. As
obras se iniciaram em 1505 e se estenderam por 63 anos.
Tudo no mosteiro se refere aos descobrimentos: as colunas lembram palmeiras
tropicais, os remates de pedra têm o feitio das cordas usadas nos navios, os elementos
decorativos em pedra figuram plantas das terras longínquas . Até o túmulo do Rei D.
Sebastião repousa nas costas de dois elefantes, lembrança dos maravilhosos relatos dos
viajantes por mares nunca dantes navegados. Falando em túmulos, aqui repousam, ainda
que simbolicamente, os dois grandes heróis nacionais: o descobridor Vasco da Gama e o
poeta Luís de Camões.
No interior do templo, merece destaque a impressionante abóbada do transepto, a
parte da igreja que liga a nave central ao altar-mor. São 25 metros de altura, num vão de 29
metros por 19, sem pilar ou coluna que amparem a enorme massa. A construção era feita
por meio de andaimes e grandes traves. Pronta a abóbada, chega ao delicado momento de
retirada dos suportes. Apesar dos cálculo a pedra podia sempre cair. Receando o pior, D.
Manuel mandou buscar condenados à morte e encarregou-os dessa tarefa singela. Consta
que da primeira vez a abóbada caiu e os condenados pagaram seus crimes ali mesmo. Veio
então um segundo grupo de criminosos por ocasião da nova tentativa. Tiveram mais sorte: a
abóbada manteve-se onde está até hoje, e o rei concedeu-lhes a liberdade.
O claustro do Mosteiro merece também atenção especial. Arejado, luminoso, todo
ele uma renda de pedra com decorações feitas por cerca de 140 escultores; nele foi
colocada em 1985, uma escultura em homenagem ao grande poeta português do século XX,
Fernando Pessoa, que tão bem cantou os descobrimentos. Hoje o claustro é palco para
muitos eventos culturais. Numa das extremidades do claustro, repousa um leão de pedra.
Segundo a tradição quem fizer uma carícia na pata do leão tem direito a um pedido que se
realizará.
Ainda deve-se lembrar de dois monumentos, um novo outro secular, relembram a
história de Portugal. O primeiro é o Monumento dos Descobrimentos, feita para a
Exposição do Mundo Português em 1940, e reproduzida em pedra em 1960, consiste numa
espécie de proa de caravela cheia de navegantes, escritores, poetas, reis da época dos
grandes feitos náuticos. Já o monumento secular é a famosa Torre de Belém, em estilo
gótico, mandada construir por D. Manuel I para proteger a entrada de Lisboa dos ataques de
piratas.
Portugal não poderia deixar passar em branco os 500 anos de descobertas marítimas.
Para comemorar os feitos, organizou-se a Expo’98, a última grande exposição internacional
do século, e que une a reverência ao passado com a preocupação com o futuro. Com o
intuito de celebrar o encontro de culturas, mentalidade e civilizações, a Exposição Mundial
de Lisboa ocorreu na zona oriental da cidade, junto ao rio Tejo tendo por tema o oceano.
Uma nova passagem sobre o Tejo, a Ponte Vasco da Gama, foi construída em
função das festividades. À construção de pavilhões duradouros, capazes de albergar as
exposições que integraram os diversos subtemas, juntou-se a criação de estruturas de apoio
aos milhões de visitantes.
Participaram oficialmente na EXPO '98 160 participantes, 146 Países e 14 Organizações
Internacionais. Esta Participação Oficial faz da EXPO '98, de forma destacada, a mais
internacional das exposições realizadas até à data. Considerando a dimensão e o conteúdo
da Participação Internacional presente na EXPO '98, ficou patente a vitalidade que as
exposições internacionais têm nas relações entre os povos. Constitui este um grande legado
da EXPO '98 para o futuro das exposições internacionais.
A EXPO'98, que decorreu em Lisboa de 22 de Maio a 30 de Setembro de 1998, foi
um evento definido pelo BIE - Bureau International des Expositions. Foi uma exposição
especializada na medida em que enfocou um tema específico “Os oceanos, um patrimônio
para o futuro", e nela não foi cobrada qualquer renda pelos pavilhões que a Organização da
Exposição construiu para acolher as mostras expositivas dos Participantes Oficiais.
O evento integra-se numa riquíssima tradição de exposições internacionais, cujo início é
identificado com a Exposição de Londres de 1851. A idéia da realização em Lisboa de uma
exposição internacional surgiu no âmbito da Comissão para a Comemoração dos
Descobrimentos Portugueses, a qual teve por objetivo um conjunto variado de ações
assinalando a relevância histórica dos descobrimentos portugueses das últimas décadas do
século XV, culminando com a primeira viagem marítima à Índia, feita por Vasco da Gama,
em 1498, e a comemoração da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 1500. No
entanto, a dimensão temática da EXPO'98 não se restringiu apenas à referida comemoração
histórica, por mais importante que ela fosse. No tema da Exposição de Lisboa, foi
destacada a necessidade de promover uma acrescida responsabilidade, individual e coletiva,
para a preservação dos oceanos.
O projeto global da EXPO'98 constitui em um projeto urbano e estratégico para Portugal.
Refere-se a idéia de "projeto global" porque nele se incluem dois projetos, estreitamente
harmonizados entre si: a realização da Exposição Mundial de Lisboa e a regeneração
urbana de uma área de cerca de 340 hectares, localizada na parte oriental da cidade de
Lisboa, junto ao rio Tejo.
A realização da Exposição funcionou portanto como um motor de reabilitação urbanística e
ambiental da referida área; o projeto de regeneração urbana permitiu criar uma estrutura
organizada e economicamente capaz de acolher e englobar todas as questões implicadas na
realização da Exposição.
A urbanização do Parque das Nações, se refere a uma área de 340 hectares, com 5
km na frente ribeirinha do estuário do Rio Tejo, e integra numa área de 60 hectares, ao
redor da antiga Doca dos Olivais - construída nos anos 40 para aeroporto de hidroaviões - o
espaço expositivo da Exposição Mundial de 1998. Tendo por alicerce a 1ª fase da
urbanização - concepção do espaço público e edificado para a realização da EXPO'98,
incluindo os seus apoios urbanos (áreas residenciais, equipamentos, serviços, infra-
estruturas urbanas, estacionamentos, zonas verdes) - o conceito urbano adotado foi o de
revalorizar a relação da cidade com o Rio, recuperando o ambiente e a paisagem,
assegurando a integração de espaços porém respeitando suas identidades, de forma a
constituir uma nova área metropolitana em Lisboa.
Assim a EXPO'98, atingiu um conceito amplo, constituindo não só uma exposição
internacional, mas também a modernização e internacionalização da cidade de Lisboa.
A estratégia adotada foi a de criar um espaço urbano de elevada qualidade, integrando as
mais diversas funções urbanas por forma a obter uma vivência equilibrada.
Os eventos comemorativos em Portugal tiveram por função não apenas resgatar a
história do país como permitir que os portugueses investiguem o próprio passado,
redescubram a própria história, de forma a serem capazes de atuar efetivamente em seu
presente, fazer com que esse momento não seja de auto-regozijos, mas de reflexão, de
reflexão sobre a identidade dos portugueses. E dessa forma o fizeram e as comemorações
dos 500 anos marcaram o país não só pelo intenso fluxo de visitante mas também como
projeção cultural e de sua história, além de contribuir para a reestruturação física de seus
centros.
A oportunidade das comemorações dos seus 500 anos de descobrimento propiciou
ao Brasil iniciar um processo de valorização e resgate de seu patrimônio cultural. Porém
mais do que isso, seguindo a tendência mundial, resolveu-se explorar o consumo
especialmente o setor de turismo, se beneficiando em função da data. Se apoiando em
chavões da moda como a associação da atividade turística à utilização sustentável do
patrimônio histórico, cultural e ambiental, o Brasil foi exposto como país da natureza
exuberante, do exótico, do sol e do carnaval, e das comemorações dos 500 anos que foram
só um “pretexto” para interesse pessoais. A data se tornou mais um componente dos
atributos turístico, divulgada como um momento para se refletir sobre nossa cultura e
projetada como um grande carnaval, onde já não se sabe mais identificar até que ponto
aquela festa é realmente nossa ou mera representação.
A cidade de Porto Seguro por exemplo foi redescoberta. O município fica perto do
ponto onde ancorou a esquadra de Pedro Álvares Cabral e do local escolhido para a
primeira missa no novo território português. Perto das comemorações, o governo da Bahia,
com ajuda federal e municipal, investiu 150 milhões de reais na modernização do lugar. O
Centro Histórico, que agrega 75 imóveis e quatro igrejas, foi totalmente restaurado. Cerca
de cinqüenta ruas receberam pavimentação e o aeroporto foi reformado para ter condições
de receber um número maior de passageiros. O pretexto foram as festividades dos 500 anos,
mas o objetivo é aumentar o potencial turístico local.
E nesse ritmo de samba, o Brasil construi uma réplica da nau capitânia de Pedro
Álvares Cabral. Os trabalhos foram desenvolvidos na base naval de Aratu, na Baía, local
onde permanecem os "esqueletos" de três naus similares às usadas na frota de Pedro
Álvares Cabral. As naus foram construídas com aparência externa igual à das embarcações
verdadeiras e o mesmo tamanho - 28 metros. No entanto, internamente, dispunham de
técnicas mais modernas de projeto. Disse um dos organizadores Domingos Castelo Branco
às vésperas do evento: "A existência no Brasil de uma réplica da nau capitânia, a exemplo
do que ocorre em outros países, que também possuem réplicas de embarcações históricas,
contribuirá significativamente para a reflexão e o ensino de história e para o incremento e a
divulgação das tradições históricas e culturais."
O projeto era lançar a nau ao mar em Agosto de 1999, iniciando-se a fase de
acabamento, para que, em Abril do ano 2000, pudesse liderar as comemorações dos 500
anos do descobrimento do Brasil. A viagem inaugural da nau capitânia seria em Dezembro
de 1999. No dia 15 de Abril do ano 2000, a nau capitânia receberia réplicas de barcos
portugueses - duas caravelas, dois bacalhoeiros e o navio-escola português, a Sagres. Em
Salvador, no estado da Baía, haveria um festival náutico. No dia 22 de Abril do ano 2000,
os eventos máximos, com a entrada de um dos navios na baía de Cabrália.
Em terra, estariam os presidentes do Brasil e de Portugal, o rei de Espanha e,
possivelmente, o Papa e outros chefes de Estado - apreciando todo o espetáculo ou talvez
fazendo parte dele.
Da nau capitânia, desceriam, num bote, personagens com roupas da época,
representando Pedro Álvares Cabral, o capelão de bordo, frei Henrique de Coimbra, e o
escrivão Pêro Vaz de Caminha. Com a presença também de índios, haveria missa no
mesmo local em que foi celebrada a primeira missa no Brasil, por frei Henrique de
Coimbra.
A comissão dos festejos foi presidida pelo vice-presidente da República brasileira,
Marco Maciel, com o apoio do Ministério da Marinha, da Petrobrás e de diversas
instituições e empresas. Após as cerimônias na Baía, local do descobrimento, a comitiva
iria para o Rio de Janeiro, onde outros festejos, incluindo um desfile naval de tall ships -
veleiros de mastro alto - e uma regata com dois mil barcos iriam ser iniciados.
Segundo Domingos Castelo “o povo brasileiro vai-se emocionar e Portugal
igualmente , tal como uma boa parte do mundo: o descobrimento é o fato mais importante
da história do Brasil e ajuda a resgatar a importância das navegações portuguesas, iniciativa
que marcou a ousadia dos nossos antepassados”. Após os festejos, a nau capitânia ficaria
permanentemente exposta à visita pública no Museu Naval, no Rio de Janeiro.
Mas a nau “moderna” afundou quando zarpou para o local da festa, e interrompeu a
viagem para não comprometer a tripulação. Os prejuízos de 3,5 milhões de reais certamente
já foram depositados em cofres público, como é de praxe. E o carnaval planejado foi por
água abaixo junto com a nau.
Enquanto se idealizava as cerimônias para as comemorações dos 500 anos do Brasil,
um comitê de líderes indígenas organizava anticomemorações, como uma marcha de dois
mil representantes de todo o país até uma grande assembléia no Estado da Bahia, aonde
chegaram os primeiros brancos e onde se celebrou a primeira missa católica. De acordo
com Marcos Terena coordenador- geral de Direitos da Funai, os planos do governo
incluíram um projeto de obras para melhorar fisicamente as aldeias próximas ao local da
chegada dos portugueses e das festas, mas nada disse sobre “o mais importante para a vida
indígena”, que seriam a terra, os recursos para o desenvolvimento econômico e os
compromissos com políticas públicas futuras e a instituição indigenista oficial; e os grupos
indígenas realmente pareceram ofendidos com o descaso, e em hora propícia de fato.
Como parte das comemorações dos 500 anos, o Movimento dos Sem Terra, MST,
programou 500 invasões espalhadas pelo Brasil. Poucos dias antes do festejo, o MST estava
numa cidade vizinha a Porto Seguro e havia programado uma marcha de protesto contra
500 anos de latifúndio até o local do evento oficial. disse Valmir Assunção, da coordenação
nacional do movimento. Índios e sem-terra, então, decidiram unir suas forças, e seus
lamentos e fazer um grande manifesto contra o governo. Encontraram reforço junto a
integrantes do movimento negro, sindicatos e até um curioso grupo de punks, que aderiu.
Afinal foram gastos milhões de dólares para uma data simbólica onde ministros,
políticos e governantes estariam reunidos para celebrar. A igreja católica, inclusive, faria o
seu papel, pedindo perdão aos índios pelos horrores cometidos no passado. E a mídia
estaria em massa enfocando os acontecimentos; mas certamente não era a intenção de
ninguém distorcer a idéia principal do evento de rever nossa história. Marcos Terena
inclusive declarou que “nada temos a comemorar, mas queremos, em troca, celebrar a
memória e o sangue dos nossos antepassados, como o primeiro passo até o futuro. Buscar o
respeito mútuo entre as distintas culturas, em um processo de globalização sem exclusão.
Talvez haja esperança de que juntos, brancos e índios, construam um mundo melhor para as
futuras gerações, deixando para trás uma época em que éramos apartados pelo simples fato
de sermos diferentes”.
E a história ironicamente se repete. Quando os indígenas e os sem-terra decidiram
aproximar-se da ala das autoridades, entrou em ação a ala da Polícia Militar baiana
integrada por 5.000 rapazes, que agrediram fisicamente os manifestantes no intuito de
defender as festividades. Talvez tenha sido uma forma não ensaiada de relembrar o
massacre dos índio, episódio que nas comemorações definitivamente não mereceram muita
atenção mas que certamente gerou muita repercussão no exterior. A manchetes: no jornal
francês Le Monde "Brasil comemora 500 anos reprimindo índios; no britânico The
Observer: "Índios lideram protestos enquanto o Brasil festeja"; no espanhol El País:
"Amargo quinto centenário no Brasil". E viva os 500 anos de Brasil!
Mas nada foi capaz de abalar o encontro entre presidentes, onde entre sorrisos e
palavras afáveis, enaltecia-se a data e ignorava-se os fatos. A começar pelo discurso feito
pelo Presidente português Jorge Sampaio: “sem ressentimentos nem críticas ao passado
histórico”. Enquanto o Presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, mostrando-se a
par da situação, centrou parte do seu discurso na situação interna, nomeadamente nas
questões mais atuais das contestação dos índios e dos sem-terra à política oficial de
Brasília.
Prestaram então homenagens ao descobridor, aos portugueses e ao povo que
construiu e engrandeceu o Brasil. Que nesta data deve-se celebrar o orgulho da nação, sua
identidade cultural, avaliando o passado e presente. Até falou-se no incidente recente com
os índios e sem-terras, numa rápida referência, alegando ser “chagas da sociedade”; porém
logo desviou a abordagem para os “sonhos futuros”. Nas palavras do Presidente brasileiro
"celebrar a herança do país cujas raízes nossos antepassados fincaram nesta terra e regaram
com seu suor e sangue. Reafirmar o sonho da sociedade livre, justa e solidária, que hoje a
nossa geração tem a vontade e a oportunidade de erguer sobre os alicerces destes
quinhentos anos."
Afinal, ali não havia espaço para críticas ao passado, nem contestação ao presente; o
presidente Jorge Sampaio afirmou “somos todos responsáveis pelo tempo que nos foi dado
viver, mas o passado herdamo-lo e o nosso dever é entendê-lo para transformar o presente,
não rejeitá-lo com tardias responsabilidades."
Finalizaram o encontro reafirmando as boas relações entre os dois países irmãos,
referindo-se ao novo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta assinado pelos ministros
dos Negócios Estrangeiros de Portugal e do Brasil, respectivamente Jaime Gama e Luiz
Felipe Lampreia. "Comemoramos estes 500 anos com uma grande aposta no futuro", disse.
Por sorte não foram só algazarras e tropeços que marcaram os diversos eventos
programados para comemorar a data de 500 anos de descobrimento. O de maior destaque e
repercussão foi a exposição da Mostra do Descobrimento realizada em São Paulo e depois
transferida para o Rio de Janeiro.
Reunindo milhares de itens da produção visual brasileira desde a era pré-cabralina até os
dias de hoje, a mostra foi considerada a mais importante comemoração dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil no campo das artes visuais. Os eventos artísticos de preferência
procuraram contextualizar a história através dos sentidos, levando o espectador não só a
compreender os fatos, mas a ter capacidade de questioná-los e refletir sobre os mesmos.
Visando articular memória, reflexão e visão do futuro, abordando ao mesmo tempo o
nascimento do nosso país e da nossa cultura.
Eventos riquíssimos como a exposição Brasil 500 Anos - Descobrimento e
Colonização organizada no Masp, em São Paulo que reuniu peças raras, e obras valiosas
transportadas de Portugal especialmente para as comemorações. Com um enfoque mais
histórico do que artístico, a mostra reuniu uma série de obras-primas que encantaram o
espectador - seja por sua qualidade artística, seja por sua importância simbólica. Ao todo,
foram cerca de 230 obras e documentos pertencentes a coleções públicas e privadas do
Brasil e de Portugal. Segundo o diretor da instituição, José Luís Porfírio, esta foi a primeira
vez que as obras vieram às Américas e provavelmente não sairão nunca mais de Portugal,
pelo fato de sua fragilidade e raridade de um material que sobreviveu ao tempo e a uma
época onde não se dava importância a registros históricos. Outros grandes destaques da
mostra - cedidos pela Torre do Tombo – foram os originais do Tratado de Tordesilhas - que
em 1494 dividiu o mundo entre Portugal e Espanha - e da Carta do Mestre João, escrita
pelo físico e cirurgião da esquadra de Pedro Álvares Cabral e considerada uma das
certidões de nascimento do Brasil, com a Carta de Pero Vaz de Caminha que pôde ser vista
na Bienal dos 500 Anos. Segundo o historiador Luiz Marques, que responde pela curadoria
de parte da mostra, o principal objetivo desse evento multifacetado organizado pelo Masp
foi o de reafirmar a importância de Portugal e da cultura ocidental na formação do Brasil.
Em outras palavras, a intenção é mostrar "como nos viramos um projeto da Europa”.
O Brasil vive, enfim, há cinco séculos de sua História de brutalidade, exercida
invariavelmente contra os elementos mais frágeis de sua população. Se antes esses eram
índios e negros, agora já na lista se incluem, entre outros, termos modernos como sem-terra
e favelados. É preciso não esquecer, no entanto, que o Brasil nunca teve guerras religiosas
ou étnicas como em outros países, há uma língua geral e uma cultura comum num território
que poderia ter-se estilhaçado em dezenas de diferentes nações. Assim, apesar, de não
termos sancionado nossas questões internas, e ainda carregarmos marcas dolorosas da
colonização; deixemos de lado comemorações forjadas e celebremos simplesmente o fato
de hoje pertencermos a uma nação. Problemática e ainda doente, porém única e acolhedora.