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Navegar no centro da Europa mundos sonhados VIAGEM PELA HISTÓRIA Subir o Danúbio é uma oportu- nidade para conhecer algumas das nações mais poderosas da história europeia, como a Hungria e o seu imponente Parlamento. Marinheiros de água doce, fizemo-nos ao Danúbio. Da Hungria à Alemanha, sentimos a magia de Budapeste, a surpresa de Bratislava, o encanto de Viena e a beleza da vinha austríaca. Sempre a bordo de uma nuvem. TEXTO DE PEDRO VILELA MARQUES | FOTOGRAFIAS DE CONSTANTINO LEITE D a n ú b i o

VIAGEM PELA HISTÓRIA Subir o Danúbio é uma oportu- nidade ... · cidas, como a do Danúbio Azul, que dá título à conhecida valsa de Johann Strauss, não passa de um cliché

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Navegar no centro da Europa

mundos sonhadosVIAGEM PELA HISTÓRIASubir o Danúbio é uma oportu-nidade para conhecer algumasdas nações mais poderosas da história europeia, como a Hungria e o seu imponenteParlamento.

Marinheiros de água doce, fizemo-nos ao Danúbio. Da Hungria à Alemanha, sentimos a magia de Budapeste, a surpresa de Bratislava, o encanto de Viena

e a beleza da vinha austríaca. Sempre a bordo de uma nuvem.

T E X T O D E P E D R O V I L E L A M A R Q U E S | F O T O G R A F I A S D E C O N S T A N T I N O L E I T E

D a n ú b i o

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PEREGRINAÇÃO DO GELOA partir de El Calafate, atravésde estradas secundárias querasgam a planície (à direita), a multidão vai-se juntando em frente ao Perito Moreno,numa romaria constante.

erá que estamos no avião certo?» Sen-tado nos nossos lugares do voo entreMunique e Budapeste, um casal fazia--nos suspeitar se estaríamos realmente

a caminho da capital húngara. Prontamente, a mulher le-vantou-se para nos dar passagem, de sorriso franco no ros-to. Um riso contagiante que nos havia de acompanhar nasemana seguinte. Sem o sabermos, estávamos na compa-nhia de celebridades. Lidija Zambelli, uma croata de 42anos, emigrada para a Alemanha há 36, e Roland Holtz, umalemão de cabelos loiros pelos ombros, dirigem um famosoteatro de marionetas em Darmstadt, perto de Munique.Cornélia, eurodeputada alemã. Tatiana, pintora de Frank-furt. Jost, o mais importante operador de câmara alemão, jánomeado para um Óscar. Todos eles passageiros também fa-mosos de entre os 46 que iniciaram o cruzeiro no rio Danú-bio que nos levou de Budapeste até Vilshofen, na Alema-nha. Número a que se devem somar 33 membros da tripula-ção, para um total de 44 cabinas. «Quando vimos dois jo-vens vir na nossa direcção, nunca pensámos que podiampertencer à viagem.» De facto, quando chegados ao RiverCloud II – Nuvem do Rio, em português –, o barco que ha-veria de ser o centro da viagem, percebemos que a médiaetária era não só muito superior à nossa, mas também à deLidija, a autora do comentário.

O conceito deste cruzeiro no maior rio europeu passaprecisamente por dar conforto e requinte a quem quer co-nhecer algumas das mais importantes cidades europeiassem a agitação dos aeroportos e das constantes mudanças.É como estar num hotel de cinco estrelas que se desloca pa-ra os locais que queremos visitar. Sem o fazer e desfazer demalas constante e com a agradável particularidade de se es-tabelecerem relações de proximidade com os restantes hós-pedes com quem temos de partilhar os mesmos espaços eexperiências. Ter a oportunidade de jantar sob as luzes doParlamento húngaro ou com uma vista privilegiada para asmargens do rio, sempre em constante mutação, pode cus-tar cerca de três mil euros. Preços ao alcance de gostos deuma endinheirada classe média alemã ou belga, a maioriados passageiros que participou na viagem. «Mas a ofertanão é rígida, de todo», adverte Barbara Schicofsky, direc-tora do cruzeiro. «Podemos fazer viagens temáticas, sobreMozart ou chocolate, por exemplo, durante as quais para-mos em locais ligados a esses temas. Há sempre também ahipótese de fazer viagens com grupos de uma mesma na-cionalidade. Estamos abertos aos pedidos das operadoras.»

Descrever o objecto desta viagem em particular atra-

S“

vés da informação técnica é um recurso óbvio: o Danúbiotem cerca de 2.900 quilómetros de comprimento, é o se-gundo maior da Europa, nasce na Floresta Negra, na Ale-manha, e desagua na Roménia. Utilizar metáforas conhe-cidas, como a do Danúbio Azul, que dá título à conhecidavalsa de Johann Strauss, não passa de um cliché vazio. A imagem que realmente fica é a de um rio poderoso, decorrentes fortes e pardacentas, nas margens do qual foramconstruídas algumas das civilizações mais prósperas e po-derosas da humanidade.

«As noites de Budapeste/são noites de rock ‘n’ roll».Mas os dias são de uma soturnidade surpreendente. To-mando em consideração a canção dos Mão Morta, que de-vem falar com conhecimento de causa, chegamos à con-clusão que a cidade ganha verdadeira agitação depois dopôr do Sol. «Quando acompanhado pela pessoa certa, mui-tas portas podem abir-se, com acesso a ambientes muitoloucos.» Gabor Szabo fala em surdina de uma loucura

CALDO DE CULTURAS Capital de um país quase sempre dominado por potênciasestrangeiras, Budapeste resul-ta da influência de diferentesimpérios, do romano ao soviéti-co, e da convivência religiosa.

NOITES AZUISAs opções de cenário para jan-tar são várias, seja com vistapara a ponte Széchenyi, a maisconhecida de Budapeste, para o Palácio de Buda ou simples-mente para as margens do rio.

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assente em álcool e mulheres. Tudo em doses perfeitamen-te franquiadas. À superfície, longe destes subterrâneos degozo, Budapeste apresenta uma nobreza triste. A cidade di-vide-se em dois lados perfeitamente identificáveis: do ladoesquerdo do Danúbio, Peste. Geométrica, artística, comer-cial, majestosa, construída à imagem de Paris ou, muito emparticular, de Viena, apesar de não ser a capital do impérioaustro-húngaro, Budapeste, tal como os cidadãos turcos, ti-nha um estatuto equiparado e está divida em 23 distritos,tal como a sua congénere austríaca. Na margem oposta dorio, Buda, a cidade antiga, solene, herdeira de uma épocaem que era capital do reino. Construída na encosta de ummonte, ao contrário de Peste, cuja planura convida a umconfortável passeio de bicicleta.

Mais do que uma vez nos questionámos onde estariamos dois milhões de habitantes da cidade, que pareciam terentregue o seu território a estrangeiros de máquina fotográ-fica em riste. «Os finais de tarde têm de ser animados», con-vencemo-nos, enquanto pensamos na música dos MãoMorta. Oito da noite. No distrito do Castelo, a parte maiselevada de Buda, as ruas estão completamente desertas. Jun-to do Bastião do Pescador – uma construção fantasista doprincípio do século XX que é uma homenagem aos pesca-

dores que ocupavam aquela zona –, no adro da Igreja de S. Matias, local de coroação dos reis húngaros, ou na largapraça do Museu Militar, o cenário é melancólico: apenas osnossos passos ressoam no chão empedrado das ruas comple-tamente desertas. Isto durante mais de meia hora. E nem achuva persistente, mas fraca, ajuda a perceber a atitude dosbudapestinos, pessoas que à primeira vista dificilmente sedeixam amedrontar por chuviscos de Verão.

No miradouro situado atrás do Museu Militar, temosuma vista privilegiada para outro lado da cidade. Como queescondido atrás da montanha, o vale desvenda o reverso deBudapeste: mais cinzenta, onde o trânsito se acumula, semart noveau, barroco ou elementos renascentistas a cada es-quina. Sem palácios magnânimos, igrejas ou óperas. Umaoutra face já vista nos arredores de Peste, no caminho en-tre o aeroporto e o barco. Aglomerados de betão, estradasesburacadas, oleodutos e canos à superfície, graffiti nas pa-redes e ao longo do sempre presente caminho-de-ferro. O ambiente industrial contrasta em absoluto com a heran-ça histórica e cultural que encontramos no centro da capi-tal magiar. Aquele, faz-nos recordar que a Cortina de Ferrosó foi retirada há menos de 20 anos. Em muitos casos, é co-mo se ainda não tivesse sido derrubada.

QUALQUER DESCULPA SERVEDe um momento para o outro,as ruas podem ficar vazias… e os pubs cheios, «à espera que a chuva passe». O tempo é imprevisível mas são poucos os que desanimam.

Bratislava.Por todo o centro da cidade, desde a Porta do Arcanjo Miguel até à Catedral de S. Martinho, e acabando na verdadeira fortificação bélica que é

a embaixada americana, as esplanadas enchem a cidade de um ruído excitado.ERA UMA VEZ A HISTÓRIA No anfiteatro de Amã (à esquerda) ou no teatroromano de Jerash, não hácomo fugir ao passado, graçasàs ruínas e ao espectáculo com legionários, gladiadores e corridas de quadrigas.

RUAS VIVASO ritmo da capital eslovaca é marcado durante todo o anopor cerca de 70 mil estudantes universitários e pela diversidade de turistas que a visitam no Verão.

Cruzeiro. Verdadeiro hotel de cinco estrelas que se desloca para os locais que queremos visitar, sem o fazer e desfazer de malas constante e com a agradável

particularidade de se estabelecerem relações de proximidade com os restantes hóspedes.

Essa é uma das explicações para este povo sentir que ainda tem depassar algum tempo para sorrir com confiança. O desdém em relaçãoao passado comunista é sentido. E sempre lembrado. «É preciso cortarcom essa herança, mas há vícios que se mantêm, não só em quem estáno poder, mas também nas cabeças das pessoas.» Não seria esta a últi-ma vez que ouviríamos críticas ao opressor soviético. O palco para Jo-sef nos falar das recordações e consequências do socialismo real não po-dia ser mais apropriado: a praça do Parlamento, junto à qual milharesde pessoas foram fuziladas durante o levantamento contra a União So-viética iniciado por estudantes em 1956. Uma bandeira húngara comum enorme buraco ao meio evoca o acontecimento. Precisamente abandeira de onde foi retirada a estrela vermelha soviética pelos estu-dantes da Universidade Técnica, situada no lado de Buda, bem enci-mada pelo Palácio Real húngaro, destruído pelos nazis no final da Se-gunda Guerra Mundial e hoje sede de museus de História e Arte.

«Não percebo porque fizeram eles isso», reconhece Maria, guia tu-rística, que para mostrar proximidade em relação aos interlocutores por-tugueses adianta já ter participado numa visita do primeiro-ministro por-tuguês José Sócrates. «Parece que esta é a nossa sina. Só uma vez na His-tória conseguimos ganhar uma batalha, depois disso, perdemos todas on-de entrámos e fomos quase sempre alvo de ocupações.» Triste sina, atre-vo-me a pensar, sem o dizer a Maria. «Estás a ver tristeza em demasiadossítios. Talvez estejas a precisar de um pouco de vinho para alegrar.» Bo-nacheirão, Peter Hugo – ou François, como gosta que o tratem –, um sul--africano de 44 anos que participa no cruzeiro para verificar as condições

Ó MAR SALGADO Só de sal são 33%. As águas do mar Morto – 420 metrosabaixo do nível do oceano – não deixam que nada sobreviva.Não há peixes, algas, nada. Apenas água e muito sal.

NUVEM DO RIOO River Cloud II tem capacidadepara 88 passageiros em 44cabinas. Não só pelo serviçoprestado, mas também pelasexperiências que proporciona,é um topo de gama.

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Viena.A primeira impressão do recém-chegado à cidade, especialmente ao primeiro dos seus 23 distritos, é de pequenez. Insignificância. Quase diríamos que é

impossível não sentir espanto com o complexo de palácios dos Habsburgos.

para organizar viagens através da sua agência de Joanesbur-go, sorri enquanto brinda ao jantar de gala de apresentaçãoda tripulação aos passageiros. Anja Ringel, vice-presidenteda Sea Cloud Cruises, apresenta uma ideia ainda melhor.«Não há ninguém para perceber melhor o que é a tristeza doque os portugueses. Porque é que não nos cantas um fado?»Nessa noite, já a caminho de Bratislava, houve serenata de-safinada na ponte do navio.

Cidade marcada pela universidade, a capital da Eslo-váquia aproveita como poucas a excelente posição geográ-fica, não só pela proximidade do Danúbio, como por estarencravada a meio caminho entre duas vizinhas imperiais,Budapeste e Viena, das quais dista apenas 60 quilómetros,que tornam estas as capitais europeias mais próximas entresi. Durante os meses de Verão, Bratislava troca a boémiados seus 70 mil estudantes pela dos turistas, que aprovei-tam as paragens dos muitos cruzeiros que obrigatoriamen-te ali aportam para conhecer a cidade. «É uma forma de osestrangeiros conhecerem uma cidade muito bonita, queprovavelmente não visitariam de propósito, e que os podefazer voltar», argumenta Anja.

Por todo o centro da cidade, desde a Porta do Arcan-jo Miguel até à Ópera, passando pela Catedral de S. Mar-

tinho, onde os reis magiares eram coroados durante a ocu-pação otomana da Hungria, e acabando em frente à ver-dadeira fortificação bélica em que se transformou a embai-xada americana, as esplanadas enchem a cidade de um ruí-do excitado. Demasiado, por vezes. Um grupo de inglesesacabado de sair de um bar entoa a plenos pulmões cançõesde futebol, interrompidas apenas para lançar piropos de umcharme austero a duas belas eslovacas que passam na direc-ção contrária. Os donos dos restaurantes na rua que desem-boca na única porta da cidade ainda existente receiam umataque de hooliganismo. Medo injusto. Os viajantes têmapenas sede de cerveja, não de violência, e acabam por re-fugiar-se logo ao virar da esquina, no bar irlandês.

«Vai chover, de certeza que vai. Depois não digamque não os avisei.» O alerta de Imre Gal, o chefe de hoteldo navio, não é mais do que troça bem-humorada em re-lação aos três extravagantes jornalistas que se preparam pa-ra uma viagem de bicicleta entre o porto de Viena e o cen-tro histórico – mais do que histórico, imperial – da cidade.Stefano de Francheschi, divertido italiano a realizar um do-cumentário sobre o cruzeiro para a televisão eslovena, ri-seda advertência e é o primeiro a partir de tripé ao ombro.

CIDADE IMPERIALA escala de Viena, especial-mente na área onde se destacao complexo de palácios reais, é esmagadora, símbolo de umimpério que chegou a dominargrande parte da Europa.

CAPITAL DA CULTURAA ligação de Viena a grandescompositores como Mozart ouStrauss é uma das imagens demarca da cidade, explorada atéà exaustão pelo comércio local.

Aparentemente, a aventura de meia hora parece destinada apenas pa-ra temerários que não receiam as ruas caóticas de uma das mais impor-tantes e cosmopolitas cidades europeias. Mas por muito que quisésse-mos gabar o heroísmo dos ciclistas urbanos, essa ideia é desfeita às pri-meiras pedaladas pela capital austríaca. Percebemos desde logo que asvias para bicicletas estão de tal forma organizadas que é possível ir atéà Stephanplatz, bem no coração da cidade, sempre em ritmo de pas-seio. Sem correr o risco de atropelamento.

A primeira impressão do recém-chegado à cidade imperial, espe-cialmente ao primeiro dos seus 23 distritos, é de pequenez. Insignifi-cância. Aqui a escala é tudo. Enorme, avassaladora. Maior do que avida. Quase diríamos que é impossível não sentir espanto com o com-plexo de palácios dos Habsburgos, a família real que deteve o poderdurante séculos, até ao final da Primeira Grande Guerra, e que cons-truiu um império que no seu auge chegou a ter 58 milhões de habitan-tes e a albergar 12 países. A moderna Áustria tem apenas pouco maisde oito milhões e está bem longe da época de ouro dos Habsburgos ousequer do império austro-húngaro. Mas nem por isso os vienenses sesentem menos importantes no contexto económico e cultural euro-peu. E não apenas por continuar a ser um centro artístico por excelên-cia, com centenas de irritantes sósias de Mozart a pular à volta dos tu-ristas para vender bilhetes para os muitos concertos de música clássi-ca que se realizam diariamente. Ou pelas dezenas de exposições de ar-te que podem ser vistas por toda a cidade, com especial destaque paraa colecção de Gustav Klimt, patente no sobranceiro Palácio Belveder.

Viena.O encanto da cidade não passa apenas pela Catedral de Santo Estêvão, as óperas, Schonbrunn ou as marcas do império a cada esquina. Passa pelo fervilhar

das ruas do distrito número um, o mais antigo da cidade, e pelas pessoas que o saboreiam.

POR UMA NESGA A caminhada pelo meio dafissura chega ao fim da melhorforma. Tiram-se as máquinasfotográficas e as câmaras devídeo. O momento é mesmoúnico. Para guardar para sempre.

OPÇÕES VARIADASViena conjuga cultura, belezae atracções gastronómicas,tudo polvilhado com uma vidasocial cosmopolita, particular-mente intensa no Triângulo das Bermudas e seus bares.

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POR ESTE RIO ACIMADepois de passar pelo vale deWachau, uma faixa de cerca de30 quilómetros conhecida pelassuas vinhas, a cidade dePassau destaca-se pela igrejacom o maior órgão do mundo.

O OUTRO LADO Israelitas e palestinianos estãono lado de lá, discutindo desde1948 as fronteiras das suasterras. Até agora, praticamentenão chegaram a nenhumaconclusão. Neste lado, à beirada piscina, tudo passa ao lado.

Alemanha. A etapa final do cruzeiro, entre Dornstein e Vilshofen, parece ser idealizadapara os passageiros relaxarem e desfrutarem com tempo de todos os

confortos do barco, depois das visitas a três capitais europeias em outros tantos dias.

PAISAGENS MUSICAIS Visitar Strawberry Fields pode ser verdadeiramentearrepiante para os grandesfãs de Paul, John, Ringo e George. Tal como passear por Penny Lane ou visitar o túmulo de Eleanor Rigby.

empresa petrolífera, Emile representa bem o espírito do queé viver em Viena. «A cidade é lindíssima, tem imensa cul-tura e é muito segura.» Além disso, por se situar no centroda Europa, «está a pouco tempo de voo de casa».

O encanto de Viena não passa só pela Catedral de San-to Estêvão, as óperas, Schonbrunn – o palácio de Verão dosHabsburgos, a imitar Versalhes –, marcas de império a cadaesquina. Passa pelo fervilhar das ruas no distrito número um,o mais antigo da cidade, pelas pessoas que o saboreiam. E nin-guém tira maior partido do coração histórico de Viena do queaqueles que se concentram à noite no Triângulo das Bermu-das, uma rua ladeada de bares em todo o seu comprimento.Despedidas de solteiro, grupos de turistas de caneca de cerve-ja na mão, mulheres vestidas a preceito para o jogo da sedu-ção. «Não querem tirar uma fotografia connosco?», desafiamcinco delas, com cerca de 30 anos e olhares lânguidos. Esteacabaria mesmo por ser o retrato final da cidade.

A última etapa do cruzeiro parece ser idealizada pa-ra os passageiros relaxarem e desfrutarem com tempo de to-dos os confortos do barco, depois das visitas a três capitaiseuropeias em outro tantos dias. Aqui, é obrigatório o usodas espreguiçadeiras enquanto passamos pela região de

Cultura também enquanto ponto de encontro de uma mis-celânea de pessoas e tradições das mais diferentes partes domundo. Precisamente o que encontrámos no festival de ci-nema no Burgstheater. Logo na entrada da zona de restau-ração, polvilhada por stands com especialidades de váriospaíses, somos ladeados por um grupo de jovens de origemturca. Em contraste com as cabeças cobertas por lenços tra-dicionais, as adolescentes não deixam de se apresentar co-mo uma qualquer rapariga ocidental: base na cara, maqui-lhagem marcada, quase excessiva, roupas berrantes. Semdesrespeitar as suas heranças culturais, representam ali umaponte entre o tradicional e o moderno.

Abordamos uma mulher na casa dos 40 anos, sentadaa comer uma especialidade grega. «Escusam de tentar seja oque for. Ela é casada.» Solícito e vindo do meio da multidão,o marido lança-nos um olhar de cordial repreensão. A ten-são que nunca chegou a existir desvanece-se logo e desco-brimos que Emile e Eliza são um casal búlgaro emigrado emViena há dez anos. «Com o fim do bloco comunista, as con-dições de vida na Bulgária eram muito más, porque o país eramuito ortodoxo e dependente da ajuda soviética e não tinhameios de subsistência», conta Emile, em jeito de justificaçãoamargurada por ter abandonado a sua terra. Director de uma

COMO IRA Top Atlântico (www.topatlantico.com) temprogramas para o cruzeiro no Danúbio, abordo do navio River Cloud, no seu livroMundos Sonhados, a partir de 2.300 eurospor pessoa em quarto duplo.

O BARCORiver Cloud IISão 44 cabinas com ar condicionado e dezcanais de televisão por satélite, para umacapacidade máxima de 88 passageiros,mais 35 elementos da tripulação. O RiverCloud II tem ainda lounge, sala de jantar,sala de estética e massagens, biblioteca,loja e uma zona de lazer no piso superior.

FUSO HORÁRIOTodos os quatro países visitados – Hungria, Eslováquia, Áustria e Alemanha– GMT – 1 hora

PORTA-MOEDASA Hungria usa o florim e a Eslováquia acoroa eslovaca, embora esta vá aderir aoeuro no próximo ano. Ainda assim, emmuitos locais das capitais dos dois paísespode pagar em euros. Áustria e Alemanhafazem parte dos países que aderiram àmoeda única europeia. Jantar no Belcantode Budapeste ou no Papparazzi de Bratislavanunca ficará por menos de 25 euros. A mé-dia de uma refeição nestes países situa-seentre os 15 e os 20 euros. Já se preferirapenas um café e um Strudel em Viena teráde desembolsar três euros, mais ou menoso que se paga por uma cerveja.

LOCAIS A VISITARBudapesteNa parte de Peste pode deslocar-se de bici-cleta sem grande esforço físico, já que estaé uma zona totalmente plana. No entanto,pode optar pela rede de metropolitano, asegunda mais antiga da Europa, logo após alondrina. Parlamento, Palácio Real, Igreja deS. Matias, Bastião dos Pescadores e Praçados Heróis são locais a não perder na cidade.

BratislavaPara conhecer o centro histórico deBratislava a alternativa é mesmo andar apé. A maioria das ruas são apenas pe-donais, mas o ambiente alegre torna atarefa agradável. Destaque para o casteloda cidade (séc. X), Porta do Arcanjo Miguel, Ópera e Igreja de S. Martinho.

VienaAlém da organizada rede de ciclovias dacidade, será aconselhável recorrer aometropolitano, que chega a todos os pontosimportantes da cidade imperial. A lista depontos imperdíveis é vasta: Catedral deSanto Estêvão, complexo de palácios impe-riais, Palácio de Belveder e exposição deGustav Klimt – sim, O Beijo também lá está –,Palácio Schonbrunn, Praça Schwarzen-berger e Hundertwasser Village.

Outros pontos de interesse durante o percursoAbadia de Melk, que guarda um acervo demais de cem mil livros copiados à mão pormonges; Ruínas de Dornstein, onde Ricar-do Coração de Leão esteve encarcerado;Igreja de Passau, onde se encontra o maiorórgão do mundo.

RESTAURANTES E BARESBUDAPESTEBelcanto O Belcanto aproveita o facto de estar situa-do junto à Ópera de Budapeste para inovar:os empregados de mesa são também can-tores clássicos e, com sorte, pode serbrindado com uma ária a meio do jantar. Dalszínház Street 8, 1061 BudapesteTel.: (+36 1) 269 2786E-mail: [email protected]

BRATISLAVAPapparazzi Situado bem no centro de Bratislava, este restaurante/bar ocupa parte de um

edifício neoclássico do século XIX, que partilha com um dos bancos mais antigosda cidade. Fotografias na parede ilustramfamosos apanhados em situações embaraçosas. Laurinska, 81101BratislavaTel.: (+421 2 ) 5464 7971E-mail: [email protected]

VIENADemel É um dos cafés mais conhecidos de Viena,cidade onde pode sentar-se a comer cal-mamente um Strudel acompanhado decafé, à boa maneira austríaca. O Demel foifundado em 1976 e o interior do edifício foidesenhado em estilo barroco. Kholmarkt 14A-1010 VienaTel.: (+43 1) 535 17 17 0E-mail: [email protected]

Triângulo das BermudasTalvez não seja o melhor sítio para comer.Mas é com certeza o local privilegiado para encontrar boa disposição e diversãonocturnas. E para beber, claro. A regranesta movimentada zona de bares bem no coração de Viena é beber as típicascanecas de cerveja, que custam cerca detrês euros. E só corre o risco de perder o controlo se exagerar, porque a cervejanestas paragens não é tão forte como aportuguesa.

NA INTERNETwww.askmaps.comenglish.budapest.hugoeasteurope.about.com

OS PREÇOS DOS VOOS JÁ INCLUEM AS TAXAS ADICIONAIS (SALVO INDICAÇÃO EM CONTRÁRIO). ALGUNS VALORES APRESENTADOS PODEM RESULTAR DE CONVERSÕES PARA EUROSE/OU ARREDONDAMENTOS. ESTES E OUTROS DADOS PODEM SOFRER ALTERAÇÕES APÓS O FECHO DA EDIÇÃO. PARA MAIS INFORMAÇÕES CONSULTE UMA AGÊNCIA DE VIAGENS.

Uma viagem deste género é muito mais do que turismo concentrado, sucessão de cidades e, muitas vezes, países a um ritmo diário. É muito mais do que história e cultura. Este cruzeiro é uma viagem recheada

de pessoas, de interesses renovados, de conversas que nos surpreendem todos os dias.

DANÚBIOmundos sonhados

Wachau, uma faixa de 30 quilómetros qualificada como Património Mun-dial pela UNESCO e onde se produzem alguns dos melhores vinhos aus-tríacos. «Uau!» O espanto do numeroso grupo de belgas flamengos pode-ria ser causado pelas verdes encostas onde são colhidas as uvas que dãoorigem aos conhecidos vinhos de Dornstein. Até mesmo pela abadia deMelk a surgir no horizonte, mosteiro que alberga cerca de cem mil livroscopiados à mão por monges. Mas não. A admiração é causada pelo siste-ma de elevação do barco, dez metros acima do nível normal da água, e quepermite passar mais de vinte represas colocadas ao longo do percurso.

Ficar pelas cabinas climatizadas e decoradas em tons dourados, assis-tir a dez canais de televisão por satélite, pairar pelo lounge a beber um co-po de champanhe ou recorrer ao serviço de massagens do barco são acti-vidades para os que prescindam de ar livre. «A qualidade dos serviços érealmente excepcional», considera Barbara Schikofsky, que também tra-

balha com uma companhia de cruzeiros americana. A simpática alemã depouco mais de 30 anos e cerca de 1,80m é, como a própria refere, «o ele-mento que controla a qualidade do serviço e garante que o produto é en-tregue ao cliente conforme foi projectado pela companhia».

Durante uma semana, essa missão foi cumprida à risca, com um pro-fissionalismo germânico envolto em naturalidade. Pontualidade de refei-ções e saídas do barco regidas ao minuto, horários de excursões sincroniza-dos com os cozinheiros, bebidas preparadas para o tempo frio e refrescospara combater o calor, pequenos chocolates deixados em cima da almofa-da, pormenores para que o passageiro sinta que é de facto capitão durantea estadia. Que parece não corresponder ao tempo real. Enquanto nos des-pedimos do River Cloud, com um Stefano emocionado abraçado a nós, nãoconseguimos deixar de pensar que um cruzeiro é afinal uma viagem de pes-soas com lugares lá dentro. n

E A HISTÓRIA ACABAVilshofen, na Alemanha, é oúltimo porto da viagem. Maisainda que as grandes capitaiseuropeias, história e cultura,deixa-se para trás uma viagemrecheada de pessoas.

AGRADECIMENTOSA Volta ao Mundo agradece à Top Atlânticoe à Study Cruises o apoio prestado na realização desta reportagem.

www.topatlantico.comTel.: 707 227 700

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