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VIII. Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política
"Ampliando Fronteiras da Ciência Política"
Sindicalismo, processo decisório e reforma da previ dência no Governo Lula (2003-2010) 1
Sidney Jard da Silva Universidade Federal do ABC (UFABC)
Gramado Agosto de 2012
1 Sou grato ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2
Introdução
Nos primeiros anos de redemocratização do país, os componentes
extrapartidários do sistema político brasileiro eram apontados como os
principais responsáveis pelas dificuldades encontradas pelos novos governos
democráticos para sustentarem uma agenda consistente de reformas
econômicas, políticas e sociais. Heterogeneidade social, federalismo e poder
dos governadores seriam as principais variáveis explicativas para a
instabilidade crônica do nosso “presidencialismo de coalizão” (Abranches,
1988).
Não obstante, a julgar pela produção acadêmica recente, mesmo que o
termo presidencialismo de coalizão ainda seja amplamente empregado,
inclusive fora do círculo acadêmico, a sua relação com a formulação original é
vaga, especialmente no que se refere à necessidade de formação de coalizões
extrapartidárias na organização do governo.
Limongi (2006) observa que ainda que do ponto de vista descritivo o
sistema político possa ser definido como um presidencialismo de coalizão, a
tese de que os partidos não são capazes de estruturar as coalizões
necessárias para a sustentação das políticas governamentais é frágil. O “nó
górdio” do presidencialismo de coalizão teria sido cortado pela Constituição de
1988.
Ao contrário do que ocorreu na Carta Magna de 1946, a Constituição de
1988 dotou o Executivo de instrumentos necessários para governar por
intermédio da maioria partidária. Não são as negociações ad hoc que
sustentam a agenda política, mas sim a coalizão dos partidos da base
governista:
A forma como o processo decisório é organizado, mais especificamente, o poder de agenda conferido ao Executivo, garante que o governo brasileiro opere em bases similares às de grande parte das democracias existentes. Nesse aspecto particular, a Constituição de 1988 alterou radicalmente as bases institucionais sobre as quais se estruturam as relações entre o Poder Executivo e o Legislativo. (Limongi, 2006, p. 20)
3
Na mesma linha de argumentação, Santos (2002) ressalta que, na
definição dos poderes legislativos do Executivo, os constituintes de 1988
preservaram o essencial da experiência institucional do período militar: o poder
de decreto e o controle sobre a elaboração e a execução do orçamento. O
poder de propor e os meios para processar as propostas foram concentrados
no Presidente da República.
A centralização do processo legislativo indica que individualmente os
membros do Congresso têm menor capacidade de influenciar o que será
votado, como será votado e quando será votado. No interior da Casa, esta
decisão está concentrada nas mãos do Presidente da Mesa e dos líderes
partidários, mais precisamente, da base governista. Neste contexto
institucional, resta às minorias poucas possibilidades de influenciar a
formulação das políticas públicas: “fazer parte da coalizão governista ou eleger
o próximo Presidente da República” (Limongi, 2006, p. 41)
No pós-constituinte, a concentração de prerrogativas legislativas no
Executivo fez com que a atuação partidária na coalizão governista fosse a
melhor estratégia individual para os deputados influenciarem o processo
legislativo. Ao contrário do que ocorreu no período 46-64, onde os deputados
contavam individualmente com recursos institucionais para favorecer suas
clientelas, no pós-constituinte “a colaboração com partidos parlamentares é a
melhor estratégia para os parlamentares fortalecerem seu poder de barganha
diante do chefe do Executivo” (Santos, 2002, p. 246).
Este cenário político institucional nos coloca diante de uma interessante
questão no que se refere à participação sindical no processo decisório da
reforma da previdência: em situações em que os deputados sindicalistas
apoiam o partido no poder, a bancada sindical tende a defender os interesses
particulares de sua base de representação ou a seguir a orientação da coalizão
partidária da qual faz parte?
O presente trabalho aborda este problema de pesquisa a partir da
análise da participação dos deputados originários da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) no processo decisório da reforma da previdência liderado
pelo Partido dos Trabalhadores (PT), durante o primeiro mandato do Governo
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).
4
A pesquisa lança luz sobre as implicadas relações entre sindicato-
partido-governo no processo de mudança das políticas públicas no qual um
governo considerado aliado impõe perdas concentradas e imediatas para
setores específicos da base sindical, notadamente os servidores ativos e
inativos da União, dos estados e dos municípios.
O locus das minorias
Do ponto de vista institucional, as comissões legislativas contribuem
para solucionar os problemas de coordenação no processo decisório e para
dotar de maior estabilidade e previsibilidade o processo de formulação de
políticas públicas. A descentralização do processo legislativo tem como um dos
seus principais objetivos dotar de maior funcionalidade e dinamismo o processo
decisório. Além disso, busca oferecer respostas à multiplicação dos temas e
problemas tratados no âmbito do sistema político (Rocha e Barbosa, 2008;
Santos e Almeida, 2011).
Em contextos institucionais em que há predominância do Executivo, há
relativo consenso na literatura no sentido de afirmar que o aprimoramento dos
trabalhos das comissões é um caminho para o que o Legislativo se fortaleça
diante do Executivo. (Gomes, 2006; Santos, 2002).
Do ponto de vista político, a descentralização do processo decisório
permite às minorias aumentarem a sua influencia no Legislativo. A participação
em comissões constitui uma das estratégias mais eficientes para os grupos
minoritários influenciarem o jogo político, seu principal trunfo seria o poder de
postergar ou bloquear o tramite legislativo das matérias a serem apreciadas no
plenário da Câmara.·.
Em trabalhos anteriores demonstramos que a principal oportunidade de
participação sindical no processo decisório da reforma da previdência se dá no
interior das comissões legislativas (Jard da Silva e Cortez, 2007; Jard da Silva
e Diniz, 2009). Isto porque o sistema de comissões concentra as principais
chances para as minorias influenciarem a mudança das políticas públicas.
No caso brasileiro, a composição das comissões parlamentares é
formalmente definida pela Mesa Diretora da Câmara. Mas, na prática, são os
5
líderes partidários que centralizam a escolha dos parlamentares e indicam os
nomes para a Mesa.2
Santos (2002) observa que dois critérios básicos são considerados na
composição das comissões: I) lealdade partidária e II) expertise. A lealdade
partidária está relacionada à expectativa que no interior da comissão o
deputado se comporte de acordo com a orientação do partido em relação ao
tema tratado. Já a expertise está relaciona à qualidade das informações
contidas nos projetos analisados pelas comissões, as quais podem ser melhor
avaliados por deputados que atuam direta ou indiretamente na área em
questão. Assim, as preocupações políticas com a lealdade são balanceadas
pelos conhecimentos especializados nas políticas tratadas. 3
No Brasil pós 1988, no entanto, a maioria conta com diversos
instrumentos para superar possíveis obstáculos político-institucionais
representados pelas comissões, entre eles, “a tramitação em regime de
urgência.” No arranjo institucional brasileiro, a minoria não tem como impedir
que matérias contrárias aos seus interesses sejam apreciadas e votadas pelo
Plenário da Câmara. Em outras palavras, o sistema de comissões não foi
desenhado para vetar (Diniz, 1999; Figueiredo e Limongi, 2001; Pereira e
Mueller, 2000).
Não obstante, a minoria pode utilizar os canais institucionais à sua
disposição, entre eles a localização estratégica nas comissões, para explorar
eventuais dissensões da maioria e assim bloquear ou postergar a decisões a
serem tomadas. De forma mais contundente, a agenda do Executivo não pode
ser imposta ao Congresso sem o apoio da maioria.
É justamente esse último aspecto do processo legislativo brasileiro que
pretendemos explorar nas seções seguintes deste trabalho, com ênfase na
participação da bancada sindical no processo decisório da reforma
previdenciária do primeiro mandato do Governo Lula.
2 Conforme demonstra Gomes (2006) a centralidade da figura dos líderes partidários no processo legislativo iniciou-se no próprio processo constituinte. 3 Santos (2002, p. 252) relativiza a importância da lealdade partidária: “No período pós-88, entretanto, a liberdade de escolha dos líderes não é limitada pelas facções partidárias, pelo simples fato de estas não serem mais politicamente relevantes no que tange ao comportamento em plenário, o que explica sua atenção estar voltada basicamente para a aptidão de um parlamentar para produzir políticas públicas bem fundamentadas”.
6
Como bem notaram Melo e Anastasia (2005), as reformas
previdenciárias são proposições políticas que impõem custos imediatos
concentrados e geram benefícios difusos de longo prazo. Neste sentido, são
caracterizadas pela literatura acadêmica como “politicamente inviáveis”.4 Esta
característica peculiar da reforma previdenciária favorece a atuação de grupos
contrários, estejam eles dentro ou fora do processo decisório.
No caso específico desta pesquisa, o que nos interessa é verificar o
quanto as entidades sindicais representativas do sindicalismo do setor público
exploraram as características peculiares do processo decisório brasileiro no
debate legislativo da reforma previdenciária. Mais especificamente, como os
parlamentares vinculados ao movimento sindical atuaram no processo
decisório da reforma.
A convergência das regras
A convergência das regras entre o Regime Geral da Previdência Social
(RGPS) e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) foi o principal
argumento da reforma previdenciária do Governo Lula. Não se tratava da
criação de um regime único de previdência para os trabalhadores do setor
público e privado, mas sim da aproximação dos princípios normativos e
atuariais dos dois regimes.
A discussão sobre a unificação do sistema previdenciário não é nova e
remonta as discussões relativas à revisão constitucional de 1993. No entanto,
muito embora encontre defensores em amplos setores da sociedade, a efetiva
unificação do RGPS e do RPPS não entrou para agenda da reforma
previdenciária brasileira. (Jard da Silva, 2007)
Assim como a do seu antecessor, Presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), a reforma proposta pelo Governo Luiz Inácio Lula da
Silva limitou-se a aproximar os critérios de elegibilidade e de concessão dos
benefícios dos dois regimes, sem propor a unificação formal do sistema:
Trata-se de avançar no sentido da convergência de regras entre os regimes de previdência atualmente existentes, aplicando-se aos
4 Ver Pierson (1997).
7
servidores públicos, no que for possível, requisitos e critérios mais próximos dos exigidos para os trabalhadores do setor privado. Com este vetor, busca-se tornar a Previdência Social mais equânime, socialmente mais justa e viável financeira e atuarialmente para o longo prazo. (Brasil, 2003)
A primeira distorção apontada pelo governo era à inexistência de uma
relação direta entre contribuição e benefícios no regime previdenciário dos
servidores públicos, cuja aposentadoria tinha como referência a última
remuneração do cargo efetivo; enquanto o cálculo dos benefícios dos
trabalhadores da iniciativa privada correspondia à média aritmética das
contribuições.5
Até a reforma previdenciária de 1998, a concepção predominante em
relação ao regime previdenciário dos servidores públicos era de que se tratava
de uma relação de trabalho pró-labore facto. Neste caso, a remuneração da
atividade era convertida, automaticamente, em proventos da inatividade.6
(Guerzoni, 1999; Pacheco Filho e Roberto Winkler, 2005).
A segundo distorção referia-se à inexistência de teto remuneratório no
funcionalismo público. Enquanto os trabalhadores do setor privado estavam
limitados ao teto do RGPS, no setor público não havia teto remuneratório para
os benefícios. Segundo o governo, tal situação promovia grande inequidade na
concessão dos benefícios previdenciários, não apenas entre trabalhadores do
setor público e privado, mas entre os próprios servidores públicos dos
diferentes poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo).
A proposta de reforma da previdência do Governo Lula também
identificou “distorções” no que se refere ao benefício de pensão por morte. No
funcionalismo público o benefício correspondia a 100% da remuneração ou do
provento recebido pelo servidor inativo, enquanto no regime geral esta era
calculada com base na média dos 80% maiores salários-de-contribuição do
período contributivo do segurado.
5 Na época levava-se em consideração “oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicado pelo fator previdenciário.” (Brasil, 2003). 6 Conforme observa o próprio governo: “Na verdade, esse ponto crítico remonta em grande parte à data da promulgação da Constituição Federal, pois antes da instituição do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União – RJU, bem como dos Estados e Municípios, os servidores, que já estavam na condição de estatutários, contribuíam somente para as pensões a serem pagas aos seus cônjuges e dependentes (e não para as suas aposentadorias). (Brasil, 2003, p. 9)
8
Em termos de equidade social, as distorções nos critérios de concessão
de benefícios oferecidos pelo RPPS e pelo RGPS foram apresentadas pelo
governo como uma redistribuição de renda dos trabalhadores do setor privado
para os trabalhadores do setor público:
Diante das regras vigentes, percebe-se uma situação de regressividade, segundo a qual os servidores públicos, que notoriamente possuem uma renda média superior à dos trabalhadores da iniciativa privada, acabam sendo contemplados com a concessão de benefícios sem a necessária contrapartida contributiva, uma autêntica distribuição de renda às avessas, em que os mais pobres colaboram para sustentar os benefícios dos mais ricos. (Brasil, 2003, p. 12)
Em linhas gerais, a reforma da previdência do Governo Lula pode ser
classificada em dois grandes blocos: I) medidas de homogeneização das
regras do RPPS e do RGPS e II) medidas de correção dos desequilíbrios do
RPPS. Não é possível traçar uma linha rígida entre estes dois grupos de
medidas, mas a classificação proposta permite visualizarmos com maior
clareza o sentido de cada grupo de mudanças propostas:
Quadro I
Reforma da Previdência
Medidas de homogeneização das
regras do RGPS e do RPPS
Medidas de ajustes específicos nas
regras do RPPS
Alteração na base de cálculo das
aposentadorias.
Estabelecimento de limite para o
benefício de pensão por morte (70%).
Estabelecimento de teto para os
benefícios previdenciários.
Estabelecimento de um redutor para
as aposentadorias antecipadas (5%).
Mudança no cálculo de reajuste dos
benefícios.
Fim da aposentadoria proporcional.
Elevação do teto do Regime Geral da
Previdência Social (RGPS).
Contribuição dos inativos.
9
Entre as medidas de homogeneização das regras dos regimes próprios
dos servidores públicos e do regime previdenciário dos trabalhadores da
iniciativa privada destacam-se: I) alteração na base de cálculo das
aposentadorias; II) mudança no cálculo de reajustes dos benefícios; III)
estabelecimento de teto para os benefícios previdenciários; IV) elevação do
teto do RGPS.
A alteração na base de cálculo refere-se à forma de calcular a
aposentadoria dos servidores públicos. Como vimos anteriormente, até então,
os proventos de aposentadoria eram calculados com base na remuneração do
servidor no cargo efetivo em que ocorresse a aposentadoria, correspondendo à
totalidade da remuneração.7
Na proposta do governo o novo cálculo teria como base o cômputo das
contribuições do servidor ao longo da sua vida laboral, inclusive para o RGPS.
Desta forma, o cálculo da aposentadoria do funcionalismo guardaria maior
“proximidade conceitual” com a forma de cálculo das aposentadorias dos
trabalhadores do setor privado.
O projeto ainda submetia as aposentadorias e pensões dos servidores
públicos ao mesmo critério de reajuste do RGPS. Até a reforma, os benefícios
dos servidores inativos eram revistos na mesma proporção e na mesma data
da revisão da remuneração dos servidores ativos. Além disso, eram estendidos
aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens concedidos aos ativos,
inclusive no que se refere à transformação ou reclassificação do cargo ou
função em que se deu a aposentadoria.
Após a reforma, a referência de reajustamento periódico das
aposentadorias e pensões deixava de ser a remuneração dos trabalhadores do
setor público e passava a ser os reajustes periódicos concedidos aos
trabalhadores do setor privado, basicamente a reposição da inflação. A medida
não apenas reforçava a ruptura de vínculo entre a remuneração dos servidores
ativos e os proventos dos inativos, como aproximava expectativas de
recuperação do valor real dos benefícios dos inativos do setor público aos
aposentados do setor privado.
7 Uma medida indiretamente vinculada à reforma do sistema previdenciário, mas de grande interesse por parte do alto escalão do funcionalismo foi o estabelecimento de um limite máximo para a percepção de remuneração, proventos e pensões no serviço público. Neste caso, o projeto previa a maior remuneração do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
10
A segunda mudança importante no sentido da homogeneização das
regras referia-se ao estabelecimento de um limite para o valor máximo dos
benefícios pagos aos servidores públicos igual ao praticado no Regime Geral
de Previdência Social. A adoção deste teto estava condicionada a implantação
de regimes de previdência complementar na União, estados e municípios.
A reforma também compreendia o aumento do limite máximo do valor
dos benefícios do RGPS de R$ 1.561,56 para R$ 2.400,00 (equivalente a dez
salários mínimos). 8 Considerando que o novo teto previdenciário também
serviria como referência para o RPPS, tratava-se de uma medida
complementar ao fim da aposentadoria integral no setor público que permitiria a
cobertura de um maior número de servidores pelo teto proposto.
Ademais, a curto e médio prazos, a elevação do limite máximo do valor
dos benefícios permitiria um aumento de arrecadação entre os trabalhadores
do setor privado e, consequentemente, mais recursos para financiar os custos
de transição da reforma, na qual o governo abriria mão de parte da contribuição
previdenciária dos servidores públicos que ultrapassasse o novo teto
previdenciário para a organização do fundo de pensão do funcionalismo.9
Entre as medidas de ajustes específicos nas regras do RPPS destacam-
se: I) redutor para aposentadoria integral antecipada (5% ano); II)
estabelecimento de limite para o benefício de pensão; III) fim da aposentadoria
proporcional e IV) contribuição dos inativos.
No que se refere à regra de transição para a aposentadoria integral, a
proposta previa um redutor de 5% para cada ano antecipado em relação ao
limite de 55 e 60 anos para homens e mulheres, respectivamente.10 Em
contrapartida, foi proposto aos servidores que tenham completado as
exigências para aposentadoria voluntária, mas optaram por continuar em
atividade, um bônus equivalente ao valor da contribuição previdenciária (11%).
8 O governo também propôs a elevação do teto do Regime Geral da Previdência Social para R$2.400,00, assim além de contemplar os assalariados médios do setor privado também alcançaria um número maior número de servidores público, cuja remuneração tende a ser maior do que a praticada no setor privado. Na prática o valor de R$2.400,00 restabelecia, sem vinculação, o teto previdenciário de 10 salários mínimos. 9 “Conforme estudos elaborados pela Secretaria de Previdência Social, o incremento da arrecadação corresponderia a 147 milhões de reais ao mês” (Brasil, 2003); enquanto os custos iniciais para a implantação do fundo de previdência completar dos servidores públicos implicariam um aporte inicial por parte da União de 50 milhões de reais (Brasil, PL 1992/2007). 10 Medida aplica-se aos servidores que “haviam ingressado no serviço público quando da publicação da Emenda Constitucional n.o 20, de 1998” (Brasil, 2003, p. 19).
11
O estabelecimento do limite de 70% (setenta por cento) do valor a que o
servidor teria direito em relação à sua aposentadoria para a concessão de
pensão foi uma das principais medidas de ajustes específicos adotadas em
relação aos dependentes dos servidores públicos. Como vimos, até então, o
valor integral ou parcial da pensão eram definidas de acordo com as
circunstâncias da morte do servidor.
A terceira mudança refere-se ao fim da aposentadoria proporcional para
os servidores que haviam ingressado no serviço público antes da promulgação
da Emenda Constitucional n.o 20, a qual poderia ser solicitada aos 48 anos, no
caso das mulheres, e aos 53 anos no caso dos homens; tal como ocorria entre
os trabalhadores do setor privado. O referido benefício foi mantido no RGPS.
Umas das propostas de maior repercussão política foi o estabelecimento
da contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas, da qual
estariam isentos os servidores ativos e inativos que até a data da promulgação
da emenda da reforma da previdência percebiam proventos até o limite de
isenção do imposto de renda.
Neste ponto, é interessante destacar que se por um lado o principal
objetivo da reforma foi homogeneizar as regras de concessão de benefícios no
RGPS e no RPPS; por outro, às regras estabelecidas para o RPPS ficaram
mais rígidas do que aquelas praticadas no RGPS, como é o caso do limite de
idade para aposentadoria (60 anos homem, 55 anos mulher), redução do valor
das pensões (70% dos proventos), fim da aposentadoria proporcional e
contribuição dos inativos.
Nenhuma destas medidas foi estendida aos trabalhadores do setor
privado, muito embora a homogeneização das regras de concessão dos
benefícios previdenciários do RPPS e do RGPS tenha sido principal argumento
para a reforma.
A ênfase na desigualdade entre os regimes previdenciários do setor
público e do setor privado marcou a primeira grande ruptura do Governo Lula
com parte importante da base social do Partido dos Trabalhadores (PT) e da
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Durante os dois mandatos do governo
FHC, com o apoio do PT e da CUT, os servidores públicos foram os principais
protagonistas do movimento social contrário à reforma da previdência.
12
Além do próprio Lula, Presidente da República, importantes autoridades
do Poder Executivo, originárias do meio sindical, haviam se destacado na
oposição à reforma previdenciária do Governo FHC, como era o caso do
Ministro da Previdência, Ricardo Berzoini; do ministro da Comunicação, Luiz
Gushiken e do Presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha.
Melo e Anastasia (2005, p. 305) identificam esta “alteração de caráter
contextual” como um dos principais fatores explicativos para o relativo sucesso
da reforma previdenciária do Governo Lula vis-a-vis a reforma da previdência
do seu antecessor:
Lula, por sua vez, concentrou suas atenções na questão da previdência do setor público, isolando dessa forma os servidores, que já haviam perdido um velho aliado – o próprio PT –, e atraindo a Central Única dos Trabalhadores – CUT e a Força Sindical para seu lado, no combate aos "privilégios" e na defesa da eqüidade. Assim, enquanto Fernando Henrique uniu os diversos públicos atentos contra sua proposta, Lula procurou dividi-los. (Melo e Anastasia, 2005, p. 132)
Para estes autores, “a troca de lugares entre situação e oposição”
interferiu na distribuição das preferências e dos recursos entre os atores
envolvidos no debate da reforma previdenciária. Neste caso, destaca-se
particularmente a conversão do PT e do PC do B aos preceitos da reforma
previdenciária a qual se opuseram durante o Governo FHC. No que se refere
aos servidores públicos, a mudança de posição das principais lideranças de
esquerda reduziu ainda mais a influência do funcionalismo nos rumos da
reforma.
Muito embora a produção acadêmica já tenha apontado que um dos
maiores trunfos da reforma previdenciária do governo Lula foi não propor
mudanças simultâneas no RPPS e no RGPS, pode se dizer que o governo foi
muito além desta estratégia localizada. Lula utilizou a homogeneização das
regras dos regimes previdenciários como um dos principais argumentos à favor
da reforma, contrapondo os “privilégios” do RPPS aos “direitos” do RGPS. Em
outras palavras, explorou as diferenças entre os interesses dos trabalhadores
do setor público e do privado que outrora, sob a direção da CUT e do PT,
resistiram conjuntamente à reforma da previdência do Governo FHC.
13
A convergência dos interesses
A convergência das regras dos regimes previdenciários dos servidores
públicos e dos trabalhadores do setor privado respondia aos anseios de um
importante setor do sindicalismo brasileiro, que desde o Governo Fernando
Henrique Cardoso havia se especializado na gestão dos fundos de pensão,
representado, notadamente, pelos ex-dirigentes e dirigentes do Sindicato dos
Bancários de São Paulo Osasco e Região, cujos principais expoentes políticos
ocupavam importantes cargos no Governo Lula.
Jardim (2009) identificou no sindicalismo bancário (paulista) a
emergência de uma nova “elite sindical” vinculada ao mercado financeiro dos
fundos de pensão. A autora argumenta que Ricardo Berzoini, Ministro da
Previdência, e Luiz Gushiken, Ministro da Comunicação, foram “os principais
responsáveis pela base moral na construção do mercado de fundos de pensão
do governo Lula” (p. 363).11
Em seu primeiro mandato como Deputado Federal (1998-2002), ainda
sob o governo FHC, Berzoini destacou-se como um dos principais articuladores
das Leis Complementares n.o 108 e n.o 109 de 2001, as quais abriram o
mercado de criação e gestão de fundos de pensão para os sindicatos. Já como
ministro do Governo Lula, regularizou a chamada previdência associativa
(previdência sindical), no bojo do debate da reforma previdenciária dos
servidores públicos.
Gushiken, por sua vez, foi um dos pioneiros a transitar do meio sindical
para o mercado de fundos de pensão, como sócio fundador da consultoria
Global Prev. Segundo Jardim (2009, p. 372), Gushiken foi um dos principais
responsáveis pelo projeto de reforma da previdência do Governo Lula. No
mesmo trabalho a autora ressalta que “enquanto ministro das Comunicações”,
Luis Gushiken indicou os presidentes dos três maiores fundos de pensão do
país: Previ, Funcef e Petros.
Ao longo do governo Lula a elite sindical dos fundos de pensão
trabalhou intensamente para construir uma ampla aliança pró-reforma,
11 A autora também aponta Adacir Reis, Secretário de Previdência Complementar do Governo Lula, como um dos “empreendedores morais” do capitalismo de fundo de pensão (Chaves, 2009, p. 364).
14
envolvendo agentes do mercado financeiro, empresários do setor de
previdência, burocratas do governo e sindicalistas.
Neste ponto, também não se pode subestimar a utilização da própria
máquina no governo na consolidação do espaço social dos fundos de pensão.
Conforme salienta Jardim (2009), o governo empenhou-se na realização de
seminários internacionais e nacionais, cursos de qualificação e distribuição de
publicações de difusão da nova “cultura previdenciária”; com o apoio de
universidades, centros de pesquisa, organizações não governamentais e
instituições do mercado financeiro.
As centrais sindicais, por sua vez, exerceram um papel de fundamental
importância na preparação dos dirigentes dos sindicatos afiliados para o novo
contexto pós-reforma da previdência. Com apoio do Dieese, do Ministério do
Trabalho e da Consultoria Gushiken Associados, a CUT qualificou centenas de
dirigentes sindicais na criação e gestão de fundos de pensão.
No debate da reforma previdenciária, a maior ruptura se deu entre a
nova elite sindical bancária – defensora da criação de um fundo de pensão
para o funcionalismo – e os dirigentes sindicais do setor público – defensores
das regras vigentes no RRPS. Mais uma vez, assim como ocorrera no Governo
FHC, as entidades representativas dos servidores públicos assumiriam a
vanguarda da oposição à reforma.
Sindicalismo e processo decisório
A reforma da previdência foi a primeira das reformas anunciadas no
discurso de posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 01 de janeiro de
2003. Em 30 de abril do mesmo ano, acompanhado dos 27 governadores da
federação e dos 82 integrantes do recém criado Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES), Lula entregou ao Congresso Nacional sua
proposta de reforma do sistema previdenciário brasileiro.
O projeto resgatava diversos pontos derrotados na proposta de reforma
da previdência do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), muitos
dos quais, é importante destacar, haviam sido duramente criticados pelo
Partido Trabalhadores (PT) e pela sua principal aliada no movimento sindical: a
Central Única dos Trabalhadores (CUT).
15
Na comparação entre os dois processos reformistas, conformem
salientam Melo e Anastasia (2005), Lula enfrentou menos obstáculos políticos
institucionais e obteve maior grau de sucesso do que FHC. O Governo Lula
não sofreu nenhuma derrota importante no processo decisório da Proposta de
Emenda Constitucional n.o 40 (PEC 40/2003), ao contrário do Governo FHC
que sofreu várias derrotas na aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional n.o 21 (PEC 21/95).12
O primeiro passo da reforma previdenciária no interior da Câmara dos
Deputados foi a avaliação da constitucionalidade da matéria. Esta também foi
a primeira vez que deputados do PT, inclusive o próprio relator do projeto,
Deputado Maurício Rands (PT/PE), figuraram entre aqueles contrários aos
direitos previdenciários dos servidores públicos nas publicações do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).
No interior da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
(CCJC) da Câmara dos Deputados (CD) a base governista contava com 36
parlamentares (63,16%), entre os 57 que integravam a comissão. Destes
apenas um era integrante da bancada sindicalista, Professor Luizinho (PT-SP).
Na votação da constitucionalidade da matéria, o projeto foi aprovado por 44
deputados (77%) e reprovado por 13 (23%). Um primeiro sinal de que o
governo poderia contar com setores da oposição para compensar possíveis
dissidências em sua base de sustentação.
12 A PEC foi desmembrada em quatro propostas distintas: 30/1995, 31/1995, 32/1995 e 33/1995. Esta última, com várias alterações, concentrou-se na reforma da previdência.
16
Tabela 1 Votação na CCJC
Enquanto o governo contou com o voto disciplinado de 33 (91,2%) dos
seus 36 titulares na CCJC, contabilizando apenas 2 votos contrários no PMDB
e 1 no PDT. A oposição, por sua vez, se dividiu: 5 deputados (50%) do PFL e
5 (75%) do PSDB acompanharam o voto do relator. Os deputados
independentes do PPB também se dividiram com 1 voto a favor da
constitucionalidade da matéria e 1 contrário.13
O DIAP registrou 10 votos petistas entre os 44 considerados contrários
aos servidores na apreciação da constitucionalidade da PEC n.o 40/2003 na
CCJC. Inversamente, entre os 13 votos favoráveis aos servidores públicos, não
constava nenhum deputado do PT. O único deputado sindicalista na comissão,
Prof. Luizinho (PT/SP), foi fiel a orientação partidária e votou pela
constitucionalidade da matéria. Era o primeiro indicativo de como a bancada
sindical iria se comportar ao longo do trâmite legislativo da reforma.
Durante o Governo FHC, com o apoio do funcionalismo público, os
deputados petistas cumpriram um papel importante ao explorar as fragilidades
13 O deputado carioca Eduardo Paes (sem partido) também votou contra a constitucionalidade da matéria.
PARTIDO TITULARES SIM NÃO
PT 10 10 0
PMDB 8 6 2
PL 5 5 0
PTB 4 4 0
PSB 3 3 0
PDT 2 1 1
PPS 2 2 0
PC do B 1 1 0
PV 1 1 0
Base 36 33 3
PFL 10 5 5
PSDB 7 5 2
PRONA 1 0 1
Oposição 18 10 8
PPB 2 1 1
S/PART. 1 0 1
Independente 3 1 2
TOTAL 57 44 13 Fonte: Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).
17
da base governista e postergar ao máximo o trâmite legislativo da reforma da
previdência. No Governo Lula, além de se posicionarem a favor da reforma, o
PT contou com apoio de antigos adversários, defensores de mudanças mais
profundas no regime previdenciário dos servidores públicos, como era o caso
dos deputados do PSDB e do PFL.
Esta situação reduzia em muito o poder de pressão do sindicalismo no
debate legislativo da reforma previdenciária. Como vimos, na primeira fase de
tramitação, no interior da CCJC, os deputados vinculados aos partidos de
esquerda, que outrora defendiam os interesses do funcionalismo no
Congresso, votaram a favor do projeto encaminhado pelo Executivo.
Esta situação indicava que o governo não apenas contava com o apoio
disciplinado da sua base de sustentação, mas também poderia contar com voto
de setores da oposição. Notadamente dos deputados do PSDB e do PFL
originários de estados em que estes partidos estavam no poder e que,
portanto, tinham interesse direto na extensão das medidas adotadas no regime
próprio dos servidores federais para os regimes previdenciários estaduais.
Neste ponto, cumpre observar que todos os governadores da federação
apoiaram a reforma previdenciária do Governo Lula, a qual promoveria uma
melhora dos cofres públicos estaduais no que se refere aos gastos com os
inativos. Assim, os deputados vinculados aos seus respectivos governos de
estado tenderam a votar junto com o governo federal, ainda que estivessem na
bancada de oposição (Melo e Anastasia, 2005).
Como veremos, desde a votação da constitucionalidade da matéria até a
votação em segundo turno no senado, por diversas vezes o Executivo pode
contar com a indisciplina da oposição para compensar a indisciplina da base
governista. Em outras palavras, enquanto setores do governo votavam com a
oposição, setores da oposição votavam com o governo.
Em trabalhos anteriores demonstramos que os atores sindicais não
possuem poder de veto institucional no processo decisório da reforma da
previdência, mas podem por intermédio da bancada de deputados sindicalistas
influenciar o jogo decisório da reforma. Esta estratégia foi utilizada pelas
entidades sindicais brasileiras para explorar a falta de coesão da bancada
situacionista no primeiro mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso
(Jard da Silva, 2007).
18
No entanto, durante o Governo Lula, esta participação indireta no
processo decisório da reforma ficou prejudicada devido à mudança de posição
do PT em relação à reforma do regime previdenciário dos servidores públicos.
A localização da bancada petista no interior da base governista, mudava
completamente o jogo da reforma. O fato é que os servidores haviam perdido
um importante aliado na arena parlamentar.
Na Comissão Especial da Previdência (CESP), o Executivo conseguiu
garantir uma maior disciplina da sua base de sustentação, enquanto os
partidos da oposição, PSDB e PFL, continuaram divididos em relação à PEC
n.o 40/2003. Os parlamentares do PPB, muito embora declarassem
independência em relação à base governista, também votaram à favor da
reforma.
No que se refere ao jogo político institucional, a maioria governista foi
extremamente criteriosa na indicação da presidência e da relatoria da CESP, a
primeira coube ao deputado Robert Brant (PFL/MG), ex-ministro da previdência
do Governo Fernando Henrique Cardoso, e a relatoria ao deputado José
Pimentel (PT/MG), parlamentar fiel à orientação do governo. Duas lideranças
políticas, uma da oposição e outra da situação, fortemente comprometidas com
o sucesso da reforma. 14
14 Vale lembrar que no Governo FHC a presidência e a relatoria da primeira CESP foram entregues a dois críticos da proposta do Executivo, os deputados Euler Ribeiro (PMDB/AM) e Jair Soares (PFL/RS), o que facilitou o trabalho de obstrução da matéria por parte da oposição e obrigou o Presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL/BA), a dissolver a Comissão (Figueiredo e Limongi, 1998; Melo, 2002).
19
Tabela 2
Votação na CESP (2003)
PARTIDO TITULARES SIM NÃO
PT 6 6 0
PMDB 6 6 0
PL 3 3 0
PTB 3 3 0
PSB 2 2 0
PDT 1 0 1
PPS 1 1 0
PC do B 1 1 0
Base 23 22 1
PFL 6 1 5
PSDB 4 2 2
PRONA 1 0 1
Oposição 11 3 8
PPB 3 3 0
Independente 3 3 0
TOTAL 37 28 9
Fonte: Câmara dos Deputados (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=113716).
Na CESP a base governista contava com 23 parlamentares (38,60%),
entre os 37 que integravam a Comissão. A oposição contava com 11 titulares
(21,05%) e o PPB 3 (5,26%). A Comissão contava com cinco parlamentares
sindicalistas, quatro do PT e uma do PC do B. A maioria absoluta, 22 (95,65%)
dos 23 deputados da base governista votaram a favor do projeto da reforma da
previdência. Apenas 1 deputado do PDT votou contra a proposta, mas o
governo ainda pode contar com o voto de 3 deputados pepebistas
“independentes”. Os partidos de oposição (PFL, PSDB e Prona) também
demonstram maior coesão, apenas 3 (27,27%) dos 11 deputados integrantes
da Comissão votaram à favor da proposta governista.
Os cinco deputados sindicalistas que integravam a CESP (quatro do PT
e um do PC do B) acompanharam a orientação do governo e votaram a favor
do projeto. Mais uma vez, na base governista, a orientação da coalizão
partidária esteve à frente dos interesses corporativos da base sindical. Até
20
mesmo a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), classificada como “defensora
histórica dos servidores públicos”, votou com o governo.15
Considerando as principais votações da PEC n.o 40/2003, o Governo
Lula não contou com grandes dificuldades para aprovar a sua proposta nas
diferentes instâncias do processo legislativo em ambas as casas. Em média, ao
longo do processo decisório, o governo contou com 75% dos votos para
aprovar o projeto de reforma da previdência, mais do que o mínimo necessário
(60%) para aprovação de emendas constitucionais.
Em todas estas votações o Executivo contou com o voto disciplinado da
bancada sindical a favor do projeto de reforma da previdência. Em média, 85%
dos deputados sindicalistas votaram a favor da proposta do governo. Cumpre
registrar que nos momentos cruciais das votações em segundo turno, a
fidelidade da bancada sindical superou a fidelidade da base aliada.
Tabela 3
Trâmite Legislativo
Câmara Senado 1. Turno 2. Turno 1. Turno 2. Turno Média
Congresso 72,6 69,7 85,2 63,0 72,6
Base Governista 83,5 83,8 86,3 74,5 82,0
Bancada Sindical 82,0 84,0 80,0 80,0 81,5
Fonte: Câmara dos Deputados (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=113716).
Durante todo o trâmite legislativo da reforma da previdência o Executivo
pode contar em média com 72,6% dos votos dos parlamentares. No primeiro e
no segundo turno do Senado, o governo logrou a sua vitória mais folgada
(85,2%) e mais apertada (63,0%), respectivamente. A base governista
manteve-se coesa nas votações, com média de 82,0% dos votos a favor. A
bancada sindical, por sua vez, foi igualmente fiel a orientação do governo com
votação favorável média de 81,5%.
A esperada resistência entre os deputados sindicalistas, pressionados
pelas entidades representativas do funcionalismo público e pelos movimentos
15 Também integraram a CESP os seguintes deputados da bancada sindical: Anselmo de Jesus (PT/RO), Arlindo Chinaglia (PT/SP), José Pimentel (PT/CE) e Luiz Antônio de Medeiros (PFL/SP).
21
sociais contrários à reforma, não se configurou. A orientação partidária pesou
mais do que a pressão corporativa na decisão dos parlamentares de origem
sindical. Em outras palavras, entre os interesses particulares de um setor
importante do sindicalismo brasileiro e a orientação da liderança partidária,
predominou esta última.
Na votação em primeiro turno da reforma da previdência, dos 50
deputados sindicalistas presentes, 4 votaram contra e 5 se abstiveram. Os
votos dissidentes (contrários e abstenções) vieram essencialmente de
deputados que tinha sua trajetória profissional vinculada aos trabalhadores do
setor público (servidores públicos e trabalhadores em estatais): 3 médicos, 3
professores, 1 servidor público, 1 telefônico e 1 eletricitário. No entanto mesmo
na categoria abrangentes dos “trabalhadores do setor público” o governo foi
vitorioso angariando o apoio de 17 dos 26 deputados sindicalistas (65%).
Resultado similar foi alcançado pelo governo na votação em segundo
turno. Os mesmos deputados que votaram contra ou se abstiveram na votação
em primeiro turno repetiram os seus votos na segundo votação. E o governo
mais uma vez pode contar com a maioria dos votos (65%) da bancada
sindicalista do setor público.
No Senado, a situação encontrada pelo Executivo foi ainda mais
tranquila. Apenas a Senadora Heloisa Helena (professora) se opôs a proposta
do governo de forma sistemática (uma ausência e um voto contrário), os
demais senadores sindicalistas votaram a favor da reforma previdenciária nos
dois turnos da votação: Ana Júlia Carepa (bancária), Fátima Cleide
(professora), Ideli Salvati (professora) e Paulo Paim (metalúrgico).
É importante observar que, mais uma vez, mesmo entre os professores,
uma das categorias profissionais mais importantes do setor público e mais
resistentes à reforma previdenciária, o voto favorável dos senadores
sindicalistas venceu: 2 contra 1. Já entre os senadores oriundos das categorias
profissionais vinculadas ao RGPS (bancários e metalúrgicos), a fidelidade ao
Executivo foi absoluta.
Os resultados das votações indicam que, mesmo entre os deputados e
senadores vinculados às categorias profissionais do setor público, prevaleceu a
orientação da bancada partidária em detrimento das demandas específicas dos
servidores públicos. Assim, os dados analisados corroboram a tese da
22
predominância do Executivo sobre o Legislativo mesmo em situação que
afetam os interesses imediatos e diretos de um importante setor da base de
representação parlamentar.
Com o apoio da bancada sindicalista e de setores parlamentares da
oposição, o Governo Lula aprovou seu projeto de reforma da previdência no
Congresso Nacional com poucas alterações significativas. Na polêmica da
contribuição dos inativos, o Executivo aceitou aumentar o teto de isenção de
R$1.200,00 para R$ 1.440,00. No caso das pensões, concordou em diminuir de
50% para 30% o redutor aplicado para os benefícios superiores R$ 2.400,00.
Por último, reduziu de dez para cinco anos a exigência de permanência mínima
no cargo para a aposentadoria integral.
Por outro lado, promoveu profundas modificações no regime próprio dos
servidores públicos, entre elas: a) definição dos requisitos mínimos para a
obtenção de aposentadoria integral; b) fim da integralidade e estabelecimento
de um teto de R$ 2.400,00 para as aposentadorias dos novos servidores; c)
manutenção da paridade entre servidores ativos e inativos apenas para
aqueles que obtiverem a aposentadoria integral e diferenciação dos reajustes
para os futuros servidores; d) fim da aposentadoria proporcional e instituição de
um redutor 5% ao ano para aqueles que se aposentar antes da idade mínima;
e) instituição da cobrança de contribuição aos inativos; f) desconto de 30% no
valor das pensões; g) definição da maior remuneração do Supremo Tribunal
Federal – STF como teto salarial para o funcionalismo federal. (Melo e
Anastasia, 2005)
Em síntese, a reforma da previdência do Governo Lula impôs duras
perdas ao funcionalismo público. Muitas delas consistiram em resgates da
agenda da política previdenciária do Governo FHC, a qual sofreu, na época,
grande resistência por parte dos partidos de oposição – PT, PDT e PC do B – e
das principais centrais sindicais brasileiras – CUT, FS e CGT.
Não obstante, a bancada de deputados sindicalistas votou de forma
disciplinada à favor da proposta do Executivo, seguindo a orientação da
liderança partidária. Paradoxalmente, teve ao seu lado antigos adversários
políticos – do PSDB e do PFL – que outrora foram incapazes de lograr o apoio
sindical para o seu projeto de reforma previdenciária.
23
Isoladas no meio sindical e partidário, restou às entidades
representativas do funcionalismo público lamentar e denunciar a conversão dos
partidos de esquerda e das centrais sindicais aos preceitos previdenciários do
“neoliberalismo”.
Considerações finais
Em situações em que os deputados sindicalistas apoiam o partido no
poder, a bancada sindical tende a defender os interesses particulares de sua
base de representação ou a seguir a orientação da coalizão partidária da qual
faz parte? Esta foi a questão fundamental levantada no início deste trabalho.
Diante desta questão duas possíveis reações se apresentam: I) os
parlamentares eleitos com apoio dos sindicatos se opõe às iniciativas que
implicam perdas ao seu reduto eleitoral; II) os deputados sindicalistas seguem
a orientação partidária em detrimento das demandas de sua base de
representação.
Em seu cerne, o problema de pesquisa que orientou este trabalho
remete às implicadas relações entre sindicato-partido-governo em um processo
de mudança das políticas públicas no qual um governo aliado impõe perdas
concentradas e imediatas para setores específicos da base sindical,
notadamente os servidores ativos e inativos do setor público.
O problema de pesquisa foi abordado a partir da análise da participação
dos deputados originários da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no
processo decisório da reforma da previdência liderado pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), durante o primeiro mandato do Governo Luiz Inácio Lula
da Silva (2003-2006).
As características peculiares do sistema político brasileiro definiram as
oportunidades de participação dos grupos de interesse no processo decisório
da reforma da previdência. No caso da participação sindical, as principais
oportunidades se colocam no momento da análise da matéria nas comissões
legislativas.
O Executivo, por intermédio da maioria partidária, tem a sua disposição
diversos instrumentos políticos institucionais para suplantar a resistência das
minorias no interior das comissões legislativa, inclusive a própria dissolução
24
das comissões. Tal fato limita o leque de estratégia disponível para os
parlamentares se opuserem aos processos de mudança das políticas públicas.
Ao longo deste trabalho argumentamos que as regras do jogo do
processo decisório da reforma da previdência e a fidelidade dos deputados
sindicalistas à orientação da liderança partidária limitaram drasticamente o
poder de resistência do funcionalismo público no processo decisório da reforma
da previdência.
Ao contrário do que ocorreu no Governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), no Governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) a bancada
sindical era parte da base de sustentação do Executivo no Congresso
Nacional. E entre as pressões contrárias do funcionalismo público e a
orientação partidária pela aprovação da reforma da previdência, os deputados
sindicalistas seguiram esta última.
Esta “alteração contextual” foi o principal trunfo do Governo Lula na
reforma da previdência. Os partidos de esquerda que na oposição rejeitavam a
reforma da previdência, uma vez no governo, passaram a apoiá-la. A oposição,
por sua vez, seja por coerência política ou por interesses pragmáticos no que
se refere ao equilíbrio financeiro dos regimes previdenciários estaduais,
também endossou o projeto do governo. (Melo e Anastasia, 2005)
Conforme demostramos, mesmo entre os deputados historicamente
vinculados ao sindicalismo, prevaleceu o voto favorável à PEC n.o 40/2003.
Apenas um setor minoritário de deputados vinculados ao sindicalismo do setor
público resistiu à proposta governista diante das ameaças de retaliação por
parte da liderança partidária.
A ausência de uma proposta de reforma previdenciária alternativa,
forjada no próprio movimento sindical, fragilizou ainda mais a resistência das
entidades sindicais dos servidores públicos à proposta do governo. Ao contrário
do que ocorreu no Governo FHC, a CUT não apresentou uma proposta
alternativa de reforma a ser debatida com o “governo e com a sociedade”, nem
tampouco defendeu as bandeiras históricas do funcionalismo público no debate
da reforma da previdência.
A principal Central sindical brasileira, limitou-se a um apoio crítico a
proposta do governo e rejeitou a proposta das entidades sindicais dos
servidores públicos pela retirada imediata da PEC n.o 40/2003 do Congresso
25
Nacional, muito embora afirmasse ser solidária às reivindicações e
mobilizações do funcionalismo público.
Em síntese, os dados apresentado neste trabalho corroboram a tese da
disciplina partidária e da predominância do Executivo sobre o Legislativo.
Ademais, demonstra que, entre a pressão da base contrária a reforma e a
orientação governista pró-reforma, a maioria absoluta dos deputados
sindicalistas seguiu a orientação do partido e votou com o governo.
26
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