48
VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO?

VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO?

Page 2: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

Copyright © Paulo Cesar Pontes Fraga (org.), 2016

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida por meio impresso ou

eletrônico, sem a autorização prévia por escrito da Editora/Autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa/ Editoração Luiz Guimarães

Revisão Gabriel Noro

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

V792

Violência na escola: é possível ações de prevenção / organização Paulo Cesar Pontes Fraga. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2016. 54 p. : il. ; 14x21 cm.

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-7785-441-7

1. Negros - Condições sociais. 2. Discriminação racial. 3. Racismo. 4. Relações raciais. I. Fraga, Paulo Cesar Pontes.

16-38392 CDD: 305.896 CDU: 316.347

Letra Capital EditoraTelefones (21) 22153781 / 35532236

[email protected]. letracapital.com.br

Page 3: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

Paulo Cesar Pontes Fraga (Org.)Rogéria Martins

Ana Carolina Damasceno

VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO?

Page 4: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,
Page 5: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

S U M Á R I O

7 Qualoobjetivodesselivro?

9 Pensandoaviolêncianaescola

15 Agressões,crimeseincivilidades

21 AEscolaeadiversidadesexual

27 Escola,Bullying eRacismo

34 EscolaeReligião

39 Escolaedrogas

45 ConsideraçõesFinais

46 Referências

48 OsAutores

Page 6: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,
Page 7: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 7

Qual o objetivo desse livro?

Este pequeno livro se destina aos profissionais do ensino.Professores(as),coordenadoras(es),gestores(as),orientadores

(as),enfim,todos(as)quedesenvolvemsuasatividadesprofissionaisvoltadasàescola.

Não se trata de um manual, daqueles que costumamos verpublicados em que especialistas buscam orientar, direcionar ações,dar dicas ao público a que se destina a publicação.Nós não temosesse objetivo, porque consideramos que todos os profissionais deensino têmuma reflexividade sobre o tema e uma rica experiênciano seu cotidiano, noqual enfrentamoproblemaem suasmúltiplasexpressõesedimensões.

Pretendemosqueolivrosejainstrumentoapermitir,apartirdeinformaçõesnelecontidaseproblematizaçõesinsertadas,enriquecerareflexividadedosprofissionaisdeensinoecolaborarcomabuscadesoluçõescoletivasnatemáticadaviolêncianaescola.

Reconhecemos, com isso, que a violência na escola é um temacomplexo,multifacetado,dedifícilconceituação.Pormaisquehajanosúltimosanos,debateserelevodeque,pelomenos,hámudançasemsuasmanifestaçõesno interior dos estabelecimentosdeensino, cadarealidaderequersoluçõesouenfrentamentodoproblema,coletivoseespecíficos,envolvendoosdiversossujeitosinternaeexternamenteaoambienteescolar,comprometidosdiretaeindiretamentecomaescola.

Assim, pretendemos estimular nos agentes educacionais suascapacidades de formular ações e produzir soluções para enfrentar

Page 8: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

8 PAULOCESARPONTESFRAGA

aviolênciaque,porventura,atinjaodiaadiadaescola,mas,alémdisso, busque intervir sobre questões polêmicas, que possam gerarconflitos,evitandoqueasdiferençaspossamdesembocarematosdedesumanizaçãodealunosealunas.

Comisso,nãopretendemosdizerqueépossívelumaescolasemdivergência,mas,aocontrário,afirmá-las.Entretanto,reconhecemosasnecessidadesdosatoresestarematentosàs formasda conduçãodas manifestações das diferenças no âmbito escolar evitandotransformarem-nasemconflitoseintolerância.

A intolerância, o não reconhecimento do outro, a resolução deconflitos pormeios ilegais e criminosos, a submissão de pessoas ecoletivospor grupos sãoasbasesda violênciaedeatos criminososquepermeiamasociedadeeaescola,particularmente.

Reconhecemos,portanto,aescolacomoespaçodediferençasepluralidade,porisso,orespeitoaessasdiversidadeséfundamentalnoambienteestudantil.Buscandodiferenciaroquesãoaspluralidades,orespeitoaelasnoâmbitodemocrático,evitandoqueaintolerânciaseimponha.Busca-se,ainda,distinguirdessemelhançadeviolência;decrimesedeconflitos.

Por fim, cabe-nos informar que esse livro nasceu de conversare debates com alunos e profissionais do ensino no âmbito de duaspesquisasdesenvolvidaspeloGrupodepesquisaViolência,PolíticasdeDrogaseDireitosHumanosefinanciadaspelaFAPEMIG.Agradecemosaessaagênciadefomentoosrecursosmobilizados.

Page 9: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 9

Pensando a violência na escola

A violência na escola é um problema que vem mobilizandoespecialistas, educadores, pais, alunos e estudantes nos

últimosanos.Nãoéumproblemaexclusivodenossacidade,denossoestadooudenossopaís.Outrospaíses,assimcomotodososestadosda federação e muitos municípios brasileiros apresentam casos deviolêncianaescola.Essescasosenvolvemdiversossujeitospresentesnouniversoescolaredosambientespróximosounãoàescola.

Mas,afinal,queproblemas sãoesses?Eles são iguaisemtodosos estabelecimentos de ensino? Acontecem em escolas públicas eprivadas?Comoclassificá-los?

Essas perguntas e outras serão alvos denosso debate. Elas noscolocamdefrenteaumaquestãofundamental:Aviolêncianaescolapossuiespecificidadeouelareflete,noespaçoescolar,aviolênciadasociedadeemgeral?

Nos últimos anos, em escolas brasileiras, registrarem-semuitasocorrênciasdeagressões,assassinatos,entradadearmasdefogoemsaladeaulaounoespaçoescolaremmuitascidadesbrasileiras.Comopodemosclassificaresseseventosnoâmbitoescolar?

Elessãonovosousempreexistiram?Seeramcomuns,aconteciamcomasmesmascaracterísticasoumudaram?

Essasquestõessão importantesparapensarmossobreoquevemocorrendoeporqueadenominadaviolêncianaescolanosmobilizatanto.

O sociólogo francês Bernard Charlot (2002) reconhece que aviolêncianaescolanãoéum fenômenonovo. Jáqueno séculoXIX

Page 10: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

10 PAULOCESARPONTESFRAGA

explosões violentas aconteciam dentro das instituições escolarese eram sancionadas com prisões. Bem como, nas décadas de 1950e1960,a relaçãoentreprofessoresealunosnemsemprese faziamcordial,épossívelencontrarrelatosdeagressõesverbaiseincivilidadesentreosmesmos.

Oautorsupracitadopropõeainda,naconceituaçãodaviolênciaescolar, três planos de classificação: violência – golpes, ferimentos,violência sexual, roubos, crimes, vandalismo; incivilidades –humilhações,palavrasgrosseiras,faltaderespeito;violênciasimbólicaouinstitucional–faltadesentidoempermanecernaescolaportantosanos; o ensino comoumdesprazer, queobrigao jovema aprendermatériaseconteúdosalheiosaosseusinteresses.(Charlot,2002).

Charlotpropõe,portanto,quehácausaeconsequênciasdiversasque advém da violência escolar. Elas acabam se traduzindo emfenômenosheterogêneos,dedifícildelimitação.

Para outro importante autor francês, estudioso da temática,ÉricDebarbieux(2002),háumavisão inflacionista da violência,vistoque são agrupados no conceito tudo aquilo que é conhecido comoincivilidades, ou seja, xingamentos, ofensas, linguagens chulas,empurrões,humilhações,dentreoutros.“Essaabrangênciaexcessivaparece tornaro conceito impensável, criando confusão semânticaeléxica” (Debarbieux,2001,p.18).

Page 11: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 11

Segundoumaautorabrasileiraquetemsededicadoapesquisassobreotema,MiriamAbramovay,oconceitodeviolêncianaescola,mas,também,ostermosusadosparaindicá-la,classificá-lavariamemdiferentespaíses.NosEstadosUnidos,porexemplo,diversaspesquisassobre violência na escola recorrem ao termo delinquência juvenil.ParaalgunsautoresdaliteraturaespecializadanaInglaterra,otermoviolêncianaescolasódeveriaserempregadonocasodeconflitoentreestudanteseprofessores(Abramovay,2009,p.72).

Não obstante, os contextos de diversidade na escola fazemparte das vivências e experiências domundo infanto-juvenil. Nesseconjuntodenovasexperiências,aindaemprocessodeconstrução,asdiferençasseexacerbamenovasformasdeviolênciasemanifestamnadifícilmissãodecompreenderooutronoseudireitodeserdiferente.Na contramãodesseprocesso, a escola tem sidopalco, tambémdepráticasviolentasmaisgraves,contribuindoparaumcontextoinseguroe apreensivo da instituição escolar. Os atores em jogo no universoescolardimensionamaspossibilidadesconflitantesemjogo:alunoxaluno;alunoxprofessores;jovemxescola;escolaxcomunidade).

Podemos,então,concluir,queestamostratandodeumatemática,cuja própria definição não é consensual. De acordo com o país, dequem esteja debatendo, informando ou problematizando (mídia,pesquisadores, comunidades escolares e entorno...), o tema temsido tratadode formaespecífica.NoBrasil, não é diferente.Muitasvezes,quandonosreferimosàviolêncianaescola,nãosabemosmuitobem do que estamos tratando. Depredação do patrimônio; brigasentre alunos; agressão contra professores; venda e uso de drogasnointeriordaescola,presençadearmasnoespaçoescolar,bullying; roubosefurtosdeequipamentos,entreoutrosproblemas,têmsidotratadocomoviolêncianaescola.Mas podemos dizer que tudo isso é violência na escola?

Aresposta seria simenão.Comcerteza,amaioriadoseventosdescritosacimapodesemoldarnaquilodenominadocomoviolêncianaescola.Atéporqueaviolênciatambémprecisasercontextualizada.Emalguns lugares,algopodeserconsideradoviolênciaeemoutrosnão.Háumcomponenteculturalquedeveserlevadoemconsideraçãonadefiniçãodotermo.Entretanto,também,nãopodemosesquecer

Page 12: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

12 PAULOCESARPONTESFRAGA

que à medida em que os direitos individuais e sociais avançamdeterminadaspráticas,vistasatéentão,comonãoviolência,podemserconsideradascomotal.Principalmentequandodeterminadosgruposalvosdediscriminaçãopassamaservistoscomosujeitosdedireitosedeterminadaspráticasdediscriminaçãoeintolerânciapassamasercondenadaspelasociedade.

Ou seja, o que antes era tolerável, admitido, hoje não é mais.Anteriormenteumxingamento,umcastigo,umaatitudemaisseverapoderia, inclusive, ser vista como recurso pedagógico, práticas que,atualmente,sãorejeitadasporespecialistasepelasociedade.

No entanto, a percepção de que há violência na escola entroucomoimportantequestãonaagendadoensinofundamentalbrasileiro.Osresultadosdeumapesquisarealizadacomprofessoresediretoresde escolas de todo o Brasil, a PROVA BRASIL, mostrou para o anode2013, que a violência interpessoal (agressõesfísicas e verbais) éo tipo que ocorre commais frequência nas escolas, segundo relatodosprofissionaisdeensino.Asprincipaisvítimaseagressoressãoosprópriosalunos.

Page 13: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 13

Assim,podemosobservarqueemalgunspaísesapercepçãodequeaescolaélocalondeaviolênciasemostradeformaespecíficanoslevandoapensarseaviolênciaemseuinterioraumentououse,hoje,passamosaconsiderarviolênciapráticasqueantesnãopercebíamoscomotal.

Questiona-se, também, se a existe uma violência própria doambienteescolarousenointeriordaescolareflete-seumaviolênciaqueédaprópriasociedade?

QUADRO 1 Violência na Escola, Brasil

Em 2014, um em cada quatro brasileiros apontou a falta desegurançaeaviolêncianasescolascomooprincipalproblemadaeducaçãopúblicanoBrasil,segundodadosdepesquisarealizadapeloInstitutoDataPopular.Dentreosentrevistados,73%identificaramainda a existência de um grau elevado de violência nas escolas,revelando que para a população brasileira este é um problemaconcretoequeafligetodoopaís.Oavançodepesquisasnacionaissobre o tema, realizadas com diretores, professores, alunos eavaliadoresexternos,permiteidentificarqueaviolêncianasescolasconsistedefatoemumarealidadedosistemaeducacionalbrasileiro.No entanto, os dados revelam igualmente a complexidade destefenômeno,queseapresentasobdiversas facetasecomníveisdeocorrênciavariados,levandoànecessidadedeumaprofundamentoda reflexão sobre as estratégias de intervenção necessárias aoseu enfrentamento. (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, FBSP, 2014)

QUESTÕESNa sua escola, verificam-se casos de violência? O que vocês

consideramviolêncianaescola?Épossívelclassificá-la?

Page 14: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

14 PAULOCESARPONTESFRAGA

QUADRO 2 Massacre de Realengo

NoDia7deabrilde2011,noturnodamanhã,às8h30min,daEscolaMunicipalTassodeOliveira, localizadanobairrodeRealengo,no Rio De janeiro, o ex-aluno Wellington Menezes de Oliveira, de23 anos, invadiu aunidadeescolar, portandoduas armasde fogoeadentrandoaleatoriamenteàssalasdeaula,atirouaesmo,matandodoze adolescentes de idades entre 13 e 16 anos e ferindo outrostreze.Atragédianãofoimaior,porqueoatiradorfoiinterceptadoporpoliciais,vindo,logoemseguida,acometersuicídio.

Passados alguns anos após essa triste ocorrência que ficouconhecidacomoMassacredeRealengo,poucosesabedomotivoquelevouojovemacometertalato,quedeixouperplexoecomovidotodoopaís.Foiaprimeiravezqueumaescolaemterritóriobrasileirosofreuestetipodeatentado,maiscomumenteocorridoemnaçõescomoosEUA.

FamiliareseconhecidosdeWellingtonrelataramqueeleeraumapessoareservada,depoucosamigos,quesofrerabullyingnaescolaese interessavaporhistóriasdeatos terroristas.Entretanto,nuncasepodeverificarseoatentadotevealgumaligaçãocomessesfatos.

QUESTÕESComo entender um massacre na escola?Vingançadehumilhações

passadas?Umarespostaàvitimizaçãodobullying?Motivaçãoreligiosaouideológica?Aspossibilidadessãomúltiplas,masnenhumaalcançauma questão mais ampla que está em jogo...a vulnerabilidade doambienteescolar.Épossívelevitarumatentadocomoesseemoutrasescolas?

Page 15: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 15

Agressões, crimes e incivilidades

O sociólogo francês Bernard Charlot (2002) propôs umaclassificaçãoparaasdiversasformasdeviolênciaqueatingem

oespaçoescolar.Elebuscoudefini-lasegundotrêstipos:aviolênciaàescola,aviolênciadaescolaeaviolêncianaescola.

A primeira estaria relacionada à natureza e às atividades dainstituiçãoescolar,mirandodiretamenteà instituiçãoe àquelesquea representam. Seriam os atos que visam atingir os professores, osalunoseopatrimôniopeloqueelesrepresentamemrelaçãoaopapeldaescolanasociedade.

O segundo tipo seria aquela praticada pela instituição escolar,uma violência institucional simbólica. Ou seja, as manifestações deviolênciadainstituiçãocontraalunos,notadamente.

Aviolêncianaescolaseriaumtipoqueserefereaoespaçoescolar,ouseja,umaviolênciaqueacontecenoespaçofísicodaescola,masquenãoserefereàsatividadesdainstituiçãoescolar.Istoé,umaviolênciaque se reproduznaescola,masnão se vincula, especificamente, àsatividadesescolares,emborapossainfluenciaroandamentododia-a-diadoestabelecimentoescolar.

Essatipologiaéinteressante,poisserveparadefiniralgumasaçõeseatosqueacontecemnaescolanoseucotidianoebuscadiferenciaressesatos,permitindomelhorenfrentá-los.

Uma questão que aflige o cotidiano da escola refere-se aosinsultos,xingamentos,desobediênciaàsregraspraticadasporalunoscontraprofessorese,também,dessesúltimoscontraosalunos.

Page 16: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

16 PAULOCESARPONTESFRAGA

Esses eventos têm chamado a atenção nos últimos anos nasescolasbrasileiras. Em2009,oSindicatodosprofessoresdeMinasGerais em parceria com o Ministério do trabalho realizou umapesquisacomosdocentesdoensinofundamentalsobreascondiçõesde saúde e de trabalho do profissional do ensino e, entremuitasquestões, destacou-se o dado de que aproximadamente 41% dosprofessoresinformaramquejáhaviamsidoagredidosouameaçadosporalunospelomenosumavez.

Umapesquisamaisrecente,doanode2014,encomendadapeloSindicato dos Professores do EnsinoOficial do Estado de São Paulo(Apeoesp) ao Instituto DATAPOPULAR, apontou que é comum nodesempenho de suas atividades laborais, os professores de escolasdo ensino fundamental de vários municípios paulistas conviveremdiariamentecomcasosdeviolência.Relataramqueasmaiscomunssãobrigasentrealunos(72%);teralgumbempróprioavariadooudanificadoporalgumaluno(35%);presenciaralunosseameaçando(57%);sofreralgumtipodeameaçaporalgumaluno(35%).Informaram,ainda,sercomumpresenciaremalunosemsaladeaulaounasdependênciasdoestabelecimento de ensino em que trabalham sob efeito de drogas(42%); traficando algum tipo de substância psicoativa ilegal (29%);alunos sob o efeito de bebidas alcoólicas (29%); ter conhecimentode gangues (21%); alunos portando armas brancas (15%) e alunosportandoarmasdefogo(3%).(APOESP/DATAPOPULAR,2014).

Page 17: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 17

Este quadro parece refletir uma situação recente, ou pelomenos,tornou-seumproblemadealgunsanosparacá,mesmoquereconheçamos que indisciplina e violência sempre fizeram parte docotidianoescolar.Brigasentrealunos,desobediências,insubordinaçãosempreocorreram.Mas,essesdadosmostramqueosconflitos,hoje,sãomaisproblematizados,ganhandocontornoseconsequênciasmaisdramáticas. Casos, como o a entrada de armas de fogo, ameaçascontra a vida do professor e a sensação de medo que acometealguns profissionais no âmbito do desempenho de suas atividadesprofissionais,parecemsersituaçõesmaisrecentes,comrarosregistrosanteriormente.

Poroutrolado,nãodevemos,comobemnosalertaosociólogoÉric Debarbieux,inflacionarouvalorizardemaisosconflitosnoambienteescolar.Épossíveladministrarpartedosconflitosetratá-loscomoalgopertencenteàconvivênciaentreaspessoas.

Entretanto, é importante distinguir entre incivilidades e crimes/violênciaparadarotratamentocorretoàquestão.Assimcomo,torna-se imprescindível não inflacionar a violência, não é possível tratarfatoseatosqueameaçamavidaeadignidadehumanacomoalgosemimportância.Paraisso,aescolaprecisarecorrer,emcasosespecíficos,

Page 18: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

18 PAULOCESARPONTESFRAGA

aoutras instituiçõesestataisounãovisandoaresoluçãodoconflito,sem,contudo,criminalizardeterminadascontendasadministráveisnoâmbitoinstitucional.

QUADRO 3 Aluno quebra os braços e seis dentes de

professora no RS

UmaprofessoradeumaescolatécnicaemPortoAlegre(RS)teveosdoisbraçose seisdentesquebradosapós serespancadaporumalunodocursodeenfermagemqueficourevoltadoportertiradoumanotabaixa.Ocasoocorreunaúltimaterça-feira.

Após tomar conhecimento de sua nota, o rapaz utilizou umacadeiradeferroparaagrediraprofessora,de57anos.Osbraçosdelaforam atingidos no momento em que tentou se defender. Mesmodepois de ela ter desmaiado, o estudante, que é instrutor de artesmarciais,desferiusocosechutes,quebrandoosdentesdaprofessora.Aoperceberachegadadeduasprofessoras,oalunodecidiufugir.

O delegado Fernando Soares, que investiga o caso, disseque um segurança e o porteiro do prédio ainda tentaram detero agressor mas não conseguiram. O estudante, de 25 anos,ainda não foi localizado pela polícia. (PRISCILA TRINDADE, AgênciaEstado,12Novembro2010)

QUESTÕESO que faz um aluno agredir uma professora ao receber uma

sanção no desempenho escolar? Onde se perdeu a expectativa da

Page 19: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 19

relação ensino-aprendizagem colocada na interação entre aluno eprofessor,queconduzooutroaessetipodeintimidação?Oqueestáemjogoaquiéaautoridadedocente.(projetosdeavaliaçãoautomáticaimpactandoaautoridadedodocente,porexemplo.)

QUADRO 4 Adolescente sofre abuso sexual dentro de

escola do DF, diz polícia

Meninateriasidoempurradaparasaladeaulaeobrigadaafazersexooral.

Ummaiorde idadeestápreso;3menores foramapreendidoseliberados.

Umaadolescentede13anosfoiabusadasexualmentenaúltimasexta-feira(1º)porsetejovensnumaescolapúblicadeCeilândiaNorte,acercade26quilômetrosdeBrasília,deacordocominformaçõesdapolícia. A vítima teria relatado que os abusos ocorreram durante ointervalo,dentrodeumasaladeaulavazia.

OdelegadodaDelegaciadaCriançaedoAdolescente,FernandoFernandes,informouquetrêsmenoreschegaramaserapreendidos,masjáforamliberados.Umrapaz,maiordeidade,estápresoeoutrostrêsadolescentesestãosendoidentificados.

Fernandesdisse aindaque amenina teria sido empurradaparadentrodeumasalanahoradointervaloeobrigadaafazersexooralemdoisrapazes.Osoutrosteriamficadonaporta,vigiando.Osalunosquecometeramoabusoerammaisvelhos.Apolíciainformouqueumdelesteriafilmadoacenacomocelular.

ASecretariadeEducaçãonãoquisgravarentrevista.Pormeiodenota,oórgãoinformouquesóvaidecidirquemedidasserãotomadasdepoisdaconclusãodoinquéritodapolícia.

SAIBAMAISOpaidameninadissequeaelaéalunaespecialetemdificuldade

deaprendizagem.EmentrevistaaoBomDiaDF,eleafirmouqueafilhajáteriasidoabusadaportrêsvezesnaescola.“Eladissequetravou,ficoupreocupadadefalarnaescolaefalarcomospais”,declarou.

Page 20: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

20 PAULOCESARPONTESFRAGA

ApolíciaaguardaoresultadodoexamefeitonoInstitutoMédicoLegal para saber se também houve outras formas de abuso. Odelegado Fernando Fernandes disse que a investigação prosseguiráparaidentificaraparticipaçãodemaisjovensnoabuso.

“Um segundo relato da vítima indica que há a participaçãode outros jovens que ainda não foram totalmente qualificados,identificados.Nósprosseguiremoscomasinvestigações,nointuitodeinvestigaressesjovenseapresentá-los,semenores,àVaradaInfância,e,semaiores,àvaracriminalcompetente”,disseodelegado.

SegundoFernandes,comoocrimeteriaocorridodurantetrêsdiasseguidosemhoráriodeaula,aescolapodeserresponsabilizada.“Odiretorouservidorresponsávelpelasegurançadosalunosnaescolapoderá responder, sim, pela omissão, se ficar caracterizado que elepodia e devia agir para evitar que o resultado ocorresse”, afirmouFernandes.

O pai da menina também contou que a adolescente estáconstrangidaenãoquertocarnoassunto.Afamíliapretendemudardeendereçoetrocarameninadeescola.

Ossuspeitospodemresponderporestuprodevulnerável.Omaiordeidadepodepegaraté15anosdereclusão.Osmenorespodemterdecumprirmedidasócioeducativadeaté3anosdeinternação.

(http://g1.globo.com/distrito-federal/ noticia/2012/06/adolescente-sofre-abuso-sexual-

dentro-de-escola-do-df-diz-policia.html).

QUESTÕES1)Hácasosdeviolênciasexualemsuaescola?2)Oqueadireçãoeprofessorestêmfeitoparadiscutirotemaou

tomarprovidências?3)Aquestãosexualéumtabuemsuaescola?

Page 21: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 21

A Escola e a diversidade sexual

Umadasquestõesmaispolêmicasequetemsuscitadomuitosdebatesnasescolasenasociedadeéadiversidadesexual.Hoje,

muitaspessoastêmassumidodeformamaisabertasuasexualidade,emtemposdemaioraceitaçãoedeafirmaçãodadiversidadesexual.Entretanto,gruposconservadoresepessoasintolerantestêmreagido,pornãoaceitaremessacondição.

Antesdeabordarmosmaisdetidamenteestaquestãonaescola,vamoscomeçarfalandodoqueestamostratando.Sexo,sexualidade,orientaçãosexual,diversidadesexualegênerosãoasmesmascoisas?Sobreoqueestamosfalandoaonosreferirmosàsexualidade?Queégênero?

Diversidade sexual refere-se às variadas formas de vivenciar eexperimentarasexualidade.Assim,nãoexisteumpadrão,mas,sim,diferentesmaneirasdeexpressar a sexualidade.Noentanto,muitaspessoas têm dificuldades e são discriminadas, sendo reprimidas ouimpedidasdeviverlivrementesuasexualidade.

VamostrazerdadosdeumapesquisadesenvolvidapelaFundaçãoPerseu Abramo, em 2009, considerada a primeira investigaçãovoltada para o tema da diversidade sexual no Brasil. Amaioria daspessoas entrevistadas, nessa enquete, respondeu que acredita queo preconceito contra as pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,transexuaisetravestis)égrandenoBrasil,empercentuaisquevariamde93%paraostravestise26%contragays.

Nessamesmapesquisa,foifeitaumaescalaquebuscavaclassificar

Page 22: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

22 PAULOCESARPONTESFRAGA

oníveldopreconceitodaspessoasemrelaçãoàpopulaçãoLGBT.Osresultados apontaramque6%dos entrevistados foram classificadoscomo pessoas que têm forte preconceito; 39% com preconceitomediano; 54% apresentaram um grau leve de preconceitos.Mas, oquemais sedestacou, foio fatodeque, apenas,umpor centodosentrevistadosnãoexpressouqualquerníveldepreconceito.

Comosdadosdessapesquisa,podemosafirmarqueadiscriminaçãocontra a população LGBT émuito alta. Nem toda discriminação ouintolerânciacomdeterminadosgruposoucomportamentosacarretaemviolênciasmaisgravescomoagressãofísica,tentativadehomicídioou homicídio, ainda que a discriminação, por si mesma, possa serconsideradaumaformadeviolência.

Todavia,emmuitoscasosopreconceitoeaintolerânciaterminamemhumilhações,agressõesverbaisoufísicasqueafetamaspessoascomorientaçãosexualnogrupoLGBT.Nessescasos,estamostratandodeumagraveviolaçãodosdireitoshumanosdessaspessoas.

Noambienteescolarasituaçãonãoédiferente.Muitosalunoseatéprofessoresdiscriminamehumilhampessoasporsuaorientaçãosexualquenãoseencaixamnoscomportamentosheteronormativos,ouseja,localizadosforadospadrõesdaheterossexualidade.

Sexo é distinto de sexualidade e de gênero. O sexo é umadeterminaçãobiológica.Aspessoasnascemcom sexomasculinooucomsexofeminino.Entretanto,hoje,jásesabequeexistempessoasquenascemcomumacombinatóriadessesfatorese,porisso,podemapresentar características de ambos os sexos. Essas pessoas sãodenominadasintersexos.

Aorientaçãosexual,porsuavez,significaasformasdiferenciadasdeviveredirecionarodesejosexual/afetivodecadapessoa.Podemosdizerqueastrêsprincipaisorientaçõessexuaissão:

1) Heterossexual -Pessoasquetêmatraçãosexualporpessoasdosexooposto.

2) Homossexual - Sãoaqueleseaquelasquetêmdesejosexualporpessoasdomesmosexo.

3) Bissexual -Homensemulheresquetêmatraçãoporpessoasdomesmosexooupelosexooposto.

Page 23: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 23

Logicamente,essasorientaçõesestão sempreem transformações.No entanto, o termo orientaçãoé o mais adequado para definiras formas de expressar o desejosexual. Não é correto se referirao direcionamento do desejosexual/afetivocomoopçãosexual,pois não se trata de escolha pordeterminadadireção.

Outra questão importante afrisar é que homossexualidadeou bissexualidade não é doença. Desde a década de 1990,a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece que ahomossexualidadenãoestáatreladaanenhumapatologia.

Ogênero,porsuavez,correspondeaumaidentidadequepodecorresponder ou não aos elementos culturais e sociais do sexo dapessoa. Ou seja, há uma relação entre o sexo e comportamentosespecíficos.Quandohárelaçãodiretaentreosexoeocomportamentosexualdocomportamentoculturale socialesperadoparao sexodapessoa,estapessoaéconsideradacisgênero.

Poroutrolado,hápessoasdosexomasculinoedosexofemininoque se identificam com hábitos e comportamentos, que sãoculturalmente associados ao sexo oposto ao seu. Isto é, apesar deserembiologicamentedosexomasculinooufeminino,seidentificamcomosexooposto.Assim,osestudiososdoassuntochamamaatençãodequeosexoébiológicoeogêneroéconstruídoculturalmente.

Hoje,épossívelidentificaralgunsgêneros:

1) Travesti - Pessoasquesevestemepodemfazertransformaçãono corpo, buscando ficar parecida com o sexo oposto.Entretanto,nãosãopessoasquefazemcirurgiasparamudardesexo.

2) Transexual masculino ou feminino - Pessoas que realizam,geralmente, mudanças mais profundas do corpo por meio

Page 24: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

24 PAULOCESARPONTESFRAGA

de terapias hormonais a ponto de seu corpo aparentar ascaracterísticas do sexo oposto. Muitas pessoas transexuais,nãochegamafazeraoperaçãoparatrocadesexo,selimitandoàscaracterísticasexternascomoseio,vozmaisafinada,curvaspróprias do corpo feminino para homens que se tornammulherestransgênerasebarbae músculosparaaspessoasdosexofemininoquebuscamsetornarhomenstransexuais.

3) Cisgênero - Pessoasqueagemese identificamcomhábitosculturalmenteassociadoaoseusexo.

Todas essas questões, logicamente, aparecem na escola, nemsemprecomtodaessa intensidade.Masnãorestadúvidadequeaspessoas homossexuais ou com identidade de gênero diferente doseu sexo sofrem muitos preconceitos de indivíduos e grupos quenãoaceitamousãointolerantescomoquesedenominadiversidadesexual.

Aescolacomolocaldeexercícioeaprendizadodevalorescidadãosedosdireitoshumanosdeveestaratentaaosepisódiosdeintolerânciasexualebuscarcoibirsuaspráticas.Paraisso,aescolaprecisater,alémdeboainformaçãosobreotema,estratégiasparaseuenfrentamento.Umbomcaminhoépromoverpalestras edebates sobreo assunto,envolver todoo corpodeatores ligadosdiretaou indiretamenteaouniverso escolar (responsáveis, funcionários, alunos e professores)para compreender suas visões sobre o assunto. O tema pode serincluídotransversalmenteemváriasdisciplinas.

NãoháestudosmaisaprofundadosnoBrasilsobreotema,masésignificativoonúmerode jovenseadolescenteshomossexuaisqueabandonamosestudosdevidoàperseguição, ahumilhaçãoeoutrasformasdeviolência.AUNESCOtemchamadoaatençãodesseproblemaqueestápresenteemmilharesdeescolaaoredordomundo.

No Brasil, em 2009, o Sindicato dos Profissionais de Ensinodo Estado do Rio de Janeiro (SEPE), estimou que cerca de 20%dos alunos homossexuais abandonavam o ensino fundamentaldevido ao preconceito e às discriminações que sofrem. Apesarde nos últimos anos ter havido avanço na garantia dos direitos

Page 25: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 25

daspessoashomoafetivasedadiversidadesexual,aindaéforteadiscriminação.

Outraquestãoquetemmerecidoatençãonaescolaéopreconceitocontrafamíliashomoafetivas,notadamente,defilhosquetêmsofridoperseguições.

QUADRO 5 Garoto filho de casal homossexual morre

após agressão em escola

Um dos pais disse não saber que o filho sofria preconceito. Oadolescentede14anossofriadeaneurismaenãoresistiuàsagressões

Umadolescentede14anosmorreunestasegunda-feira,9,apósseragredidodentrodaescolapúblicaondeestudavanaGrandeSãoPaulo.PetersonRicardodeOliveiraéfilhodeumcasalhomossexualeesseteriasidoomotivoquegerouabriga.

Um dos pais, Márcio Nogueira, disse que nunca soube queo filho sofria preconceito. Ao ser informado pelo delegadoEduardo Boiguez Queiroz decidiu divulgar a agressão da últimaquinta, 5, para evitar que novos casos como esse aconteçam. Abriga que Peterson se envolveu poderia não ter causado grandesdanosasaúde,segundoodelegado.Oadolescentechegouaassistir

Page 26: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

26 PAULOCESARPONTESFRAGA

aula depois da confusão,mas como sofria de aneurisma foi levadoparaohospitalondeentrouemcomaenãoresistiu.

Doisdosagressores foramàcasados familiaresdavítimaparasedesculparem.OspaispretendemprocessaroEstado.ASecretariaEstadualdeEducaçãodeSãoPaulodivulgounotaoficialnegandoquetenha acontecido alguma agressão no interior da unidade onde oadolescenteestuda.

(O Povo on line, 10/03/2015)

QUESTÕES

1. Como uma instituição escolar pode negar a variabilidade do desejo sexual existente na sociedade? A dignidade humana é umprincípioverdadeiroouéumadisposiçãoseletivanouniversoescolar?A discussão no plano da cidadania envolve perspectivas universais,quedevemserreclamadasnaescola,nafamíliaenoEstado.(discursodetolerância)

Page 27: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 27

Escola, Bullying e Racismo

A palavra bullying, que é originária da língua inglesa, e quesignifica intimidar, provocar, passou a ser utilizada por

especialistas para caracterizar a perseguição sistemática de umapessoaoupessoasporalguémouumgrupodepessoasquebuscamhumilhá-la(s),ofendê-la(s)ouconstrangê-las.

A caracterização do bullying como um problema que atinge,notadamente, crianças e jovens, podendo acarretar em sériosproblemasderelacionamento,psicológicose,emcasosextremo,aosuicídiodaspessoasatingidas.

Não é qualquer ofensa, xingamento ou desaforo que deveser considerado bullying, mas, sim, uma perseguição sistemática,direcionada e que se repete em período prolongado de tempo,podendochegaraanos.

Geralmente,asofensassedãoporalgumacaracterísticadapessoaperseguidaouqueaquelesqueaperseguemqueremdestacarequeestãoatreladasaalgumpreconceitoounão.Geralmentesãoalvosdebullying pessoas vistas como acima oumuito abaixo do peso pelospadrõesestéticosdominantes;pessoaspertencentesadeterminadasreligiões;pessoasafrodescentesouindígenas,nocasobrasileirooudealgumaraça/etnia,dependendodopaís;homossexuais,entreoutras.Entretanto, as características pessoais podem ser alvo de bullying comoatimidezouaformadesevestir.

Uma questão, entretanto, deve ser compreendida maisespecificamente. Racismoe injúria racial não sãomeras práticas de

Page 28: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

28 PAULOCESARPONTESFRAGA

bullying, sãocrimesespecíficos.Pormaisquehajaumaperseguiçãopor alguém devido à sua condição racial, o tratamento deve serespecíficopeladireçãodaescolaepelosprofessores.

Oumesmo pode ser dito em relação à liberdade religiosa, queiremos abordar mais à frente e à diversidade sexual, que já nosreferimos,anteriormente.

Ocombateàspráticas racistasdeveserprioridadeemqualquerescolaeaçõesespecíficasdevemserimplementadaspelainstituiçãodeensinovisandocoibirqualquerpráticadestanaturezaeobjetivandoàpromoçãodacidadaniaedosdireitoshumanos.

Oracismoéumaideologiaquepregaasuperioridadedeumgrupoétnicoouracialsobreoutroououtrosouainferioridadedeumgruposobreosdemaisoualgumespecífico.

Oracismonãotembasecientíficaalguma,emboramuitasfalsasteorias foram criadas para justificá-lo. Crimes contra a humanidadeeamanutençãodegruposespecíficosemcondiçõesdesumanas,deextremapobreza,misériaforamesãopraticadosporcausadoracismo.

ONazismo,oApartheid naÁfricadoSul,osistemadeleiseregrasnoSuldosEUAqueseparavamosnegrosdosbrancossãoexemplosdepráticasracistassistemáticaseorganizadaslevadasacaboporgovernoequeseconstituírampolíticasdeEstado,emalgunscasos.

No entanto, o racismo está difundido de maneira menossistemáticaecontinuaatingindopessoasegrupos.OBrasil,quefoiumpaísqueteveescravidão,continuacomumadívidahistóricacomosdescendentesdessapopulaçãoquefoiretiradaaforçadesuasterraspelosistemadetráficodeescravos.

OpreconceitoracialcontraafrodescendenteseospovosindígenaseseusdescendentesaindaéfortenoBrasileserefletenosindicadoressocioeconômicos e em práticas cotidianas como a injúria racial e asegregação.

Apráticadebullying emescolasbrasileirasnãoéalgonovo,masvem ganhandomaior relevo, pois atinge alunos e alunas de formamaiscontundentedoqueantes,porrelatosdedesencadeamentodedoençascomoadepressão.

APesquisaNacionaldeSaúdedoEscolar(PENSE),realizadapeloIBGEemparceriacomoMinistériodaSaúde,de2012,revelouque.

Page 29: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

7,2%dosalunosentrevistadosinformaramquenoperíododeumanoanterioràpesquisa,sempreouquasesempresesentiramhumilhadospor provocações no interior do estabelecimento de ensino ondeestudavamnos30diasanterioresàinvestigação.

APENSErevelouumdadoqueexpressabemasituaçãodebullying nas escolas brasileiras. Um percentual de 20,8% dos adolescentesadmitiuquepraticoualgumtipobullyingemcolegasdeescolas.

Naediçãode2009dapesquisa,5,4%dosentrevistadosadmitiramter sofrido bullying em algummomento na escola, percentual queaumentou6,9%napesquisade2012.

Outroproblemaquevemchamandoaatençãodosespecialistaséodenominadocyberbullying,ouseja,autilizaçãodainternetedemeioseletrônicos para divulgar imagens, difundir notícias que exponhamumapessoadeformaahumilhá-la,constrangê-laoudifamá-la.

As redessociais,hoje, sãomeiosutilizadosparaadisseminaçãodocyberbullyingeavelocidadeeaabrangênciaemquepodematingirexpõeumapessoaparaomundointeiro.Assim,casosdeadolescentesqueemsituaçõesdeintimidadefoifilmadasemseuconsentimentoeteveasituaçãoexpostanãotêmsidoincomuns.

Naescola,osdiretoressãoobrigadosaenfrentarsituações,muitasvezesgeradasdentrodaprópriainstituiçãodeensinooudifundidaporalunosealunas.Sãosituaçõesmuitocomplexas.

QUESTÕESComosuaescolatemenfrentadoaquestãodobullying?Comotemsido feitasorientaçõesparaosalunosquantoaouso

dasredessociais?Ospaistêmseenvolvidocomodebatedaquestãoemsuaescola?Qual o alcance da escola diante das virtualidades nas relações

escolares? Que tipo desociabilidade os alunosestabelecem nas redessociais que impactam acomunidade escolar? O queos alunos experimentamnão é possível controlar,

Page 30: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

30 PAULOCESARPONTESFRAGA

mas reconhecer essas virtualidades como um artefato cultural,que pressupõem estabelecimento de relacionamento, interação,comunicaçãoetambémviolênciareclamaumaposturapreventivadaescolar, sobretudona socializaçãodas responsabilidades e riscosnainternet

QUADRO 6 O desabafo de um menino de 11 anos que

é vítima de racismo na escola

“Eu não aguento mais”. Menino de apenas 11 anos que nãosuportamaissofrerpreconceito“todosantodia”naescolapublicaumvídeo-desabafopedindobasta

KauanAlvarengaestudanaescolaJoãoVieiradeAlmeida,naVilaMaria,cidadedeSãoPaulo.Omenino,deapenas11anos,publicounoYoutubeumvídeo-desabafoemquepedeumbastanasperseguiçõesracistasquesofrediariamentenaescola.

Apesar de comovente, o conteúdo soma pouco mais de milvisualizaçõesatéofechamentodestetexto.

“Meu nome é Kauan Alvarenga, tenho 11 anos. Olha aqui, voufalar uma coisa para vocês […] todo dia, todo santo dia, todo diamesmo,elesmexemcommeucabelo,mexemcomigo,equandoeuvoufalarpraprofessora,[ela]nãodáatenção,nãofalanada,fingequenãoouviu”,explicaKauan.

Page 31: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 31

“Eunãotôaguentandomais.Tododia,naescola,narua,dentrodaminhasaladeaula,debochamdomeucabelo,nãoseiporquê[…]oproblemaémeu,ocabeloémeu.Asvezesmebatem,meagridem,queria que parassem com isso, entendeu?Não tô aguentando, nãodá, nãodá… tododia,muitas vezes são ‘ummonte’me zoando’, ‘5marmanjão’dotamanhodaminhamãe”,desabafaomenino.(...)

(Pragmatismopolítico,14deagostode2015)

QUADRO 7 Conselho responsabiliza diretora por

bullying e racismo

Estudantes de escola estadual de Campo Grande sofreram agressões e discriminação racial

A diretora da Escola Estadual Delmira Ramos dos Santos, deCampo Grande (MS), foi responsabilizada por “bullying associado àdiscriminação racial” cometido contra dois alunos de 13 e 15 anos,emparecerdoConselhoNacionaldeEducação(CNE).Adecisão,queaguardahomologaçãodoministrodaEducação,FernandoHaddad,foipublicadanoDiárioOficialdaUniãodestaquinta-feira.

De acordo com o parecer da conselheira e relatora Nilma LinoGomes, Antonesia Maria dos Santos da Costa, mãe das vítimas,registrou um Boletim de Ocorrência no qual afirmava seus filhossofreram injúria e agressões feitas pelos alunos da escola. SegundoAntonesia,osjovenseramalvosdeagressõesdecunhoracista,como“oseucabeloéfeitoprafazerBombril”,“suapeleéparafazercarvãoeacarneparafazercomidadeporco”,“pretosfedidos”e“urubu”.

Aindadeacordocomaversãodamãe,adireçãodaescola“fezpouco caso da situação”. Após a divulgação do caso na imprensalocal,Antonesiaeadiretora“tiveramumareunião tensanaqualasduasseexaltaram”.OcasofoiencaminhadoaoCNEpelaPresidênciada República/Ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção daIgualdadeRacial(Seppir).

O CNE avalia que existiu “bullying associado à prática dediscriminaçãoracial”nocasoeexigequeadireçãodaescolapresteesclarecimentosaoColegiadoEscolar,aoConselhoTutelar,aoConselho

Page 32: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

32 PAULOCESARPONTESFRAGA

EstadualdeEducação,aoConselhoEstadualdosDireitosdoNegroeàSecretariaEstadualdeEducaçãodeMatoGrossoSul.AsexplicaçõesdevemserdadastambémàAntonesia,autoradadenúncia,feitaemjulhodesteano.

OparecerindicaaindaqueaSecretariaEstadualdeEducaçãodeMatoGrossodoSuleoConselhoTutelarverifiquemasituaçãoescolarda adolescente de 15 anos, filha de Antonesia, que abandonou osestudosapósasagressões.OdocumentotambémorientaaSecretariae todas as escolas do Estado a realizarem práticas pedagógicas,envolvendoos profissionais da educação, estudantes e comunidadeescolarna implementaçãodasDiretrizesCurricularesNacionaisparaaEducaçãodasRelaçõesÉtnico-RaciaiseparaoEnsinodeHistóriaeCulturaAfro-BrasileiraeAfricana.

OConselhodeterminaaindaqueaSecretariadeEducaçãoapoieaEscolaEstadualDelmiraRamosdosSantosnodesenvolvimentode“umprocessodeformaçãoemserviçoecontinuadadosprofessores,quefocalizeadiscussãosobrediversidadeerespeitoàsdiferenças,ocombateaoracismoeofenômenodobullyingnasescolas”.

Procuradapelareportagem,aSecretariaEstadualdeEducaçãodeMatoGrosso do Sul ainda não semanifestou sobre o caso. (ÚltimoSegundo,IGSãoPaulo,28/10/2010)

QUADRO 8 Jovens são vítimas de crimes contra a honra

nas redes sociais

No interior do Rio, meninas de até 11 anos já sofrem com aexposição na internet. Em Volta Redonda e Casimiro de Abreu,campanhas vão esclarecer a população para ajudar a combater a‘epidemia’

Rio-Aos11anos,aestudantedoEnsinoFundamentalW.viuseumundovirardepernasparaoardepoisqueenviouumafotoíntimaaumrapaz,de16,pormeiodoFacebook.Logoa imagemfoi compartilhada nas redes sociais. Moradora de Casimiro deAbreu, a criança virou o principal assunto da cidade de poucomaisde30milhabitantes,a140quilômetrosdoRio.W.teveque

Page 33: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 33

mudardecolégioefoiproibidapelospaisdeusarcomputadores.Oinseparávelcelularquecarreganobolsoagoraserveapenasparaescutarmúsicasenãotemchipdenenhumaoperadora.Odramaenfrentadopela famíliadeW.écadavezmaiscomumno interiordoRio.

Nos últimos três anos, o número de crimes de informáticaregistradosnaúnicadelegaciaespecializadadoestado,quefuncionanacapital,aumentou43%,chegandoa2.094em2013.“Crimevirtualjádeixoudeserumproblemaapenasdecidadegrande.Apopularizaçãoda internetedoscelularescom internet tornoumuitomais comumessetipodecrime.

Cercade30%doscasosquechegamaquisãodecrimescontraahonra”,revelaodelegadotitulardaDelegaciadeRepressãoaosCrimesdeInformática,AlessandroThiers.Asprincipaisocorrênciasdomundovirtual são crimes contra a honra, fraudes diversas, pedofilia e usodainternetparaapologiaaoutroscrimes.Aindanãohá,noentanto,comomensurarcadaumdessessegmentos.

Oesclarecimentodapopulação,quetemprocuradocadavezmaisapolícia,éapontadoporThierscomoumfatordeterminanteparaosaltodasocorrênciascibernéticas.“Éimportantequeasvítimassaibamque,alémdaDRCI(localizadanoCentrodoRio),podemprestarqueixadecrimesvirtuaisemdelegaciascomunsdaprópriacidade”,completa.

FoioquefezaestudantedeEducaçãoFísicaY.,de21anos.Háduassemanas,ajovemprocuroua93ªDP(VoltaRedonda)paradenunciaroex-namoradoC.,de25.Inconformadocomofimdorelacionamento,orapazpostoufotosdeY.nainterneteimagensdarelaçãosexualquemantinham.Alémdisso,C.divulgoutelefoneseendereçodavítimaemredessociais,classificando-acomosupostagarotadeprograma.

O chamado ‘estupro virtual’, quedepreciamoralmente a vítimacomextensãoincalculável,comooqueenvolveuY.,éumdosdelitosqueocorremcomfrequênciaemVoltaRedonda,ondecercade120crimes cibernéticos são registrados por mês. O número, segundoodelegadoda93ªDP,Antônio Furtado, épraticamenteodobrodoregistradoanopassado.

(Jornal O DIA, 10 de maio de 2014)

Page 34: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

34 PAULOCESARPONTESFRAGA

Escola e Religião

O Brasil é um país laico, onde há a liberdade de associaçãoreligiosa.ACartaMagnagaranteoexercíciodereligiõesede

cultosreligiososemtodooterritórionacional,assimcomoasseguraodireitoàquelesquesãoateus,denãosofreremnenhumaperseguiçãopor isso. No entanto, nos últimos anos registraram-se casos deperseguiçãoadeterminadasreligiões,notadamente,asreligiõesafro-brasileirascomoocandomblé,eaumbanda.

As religiões afro-brasileiras que foram alvos de perseguiçõessistemáticasnaprimeirametadedo Século XX, passarama ter seuscultoseseguidoresalvosdeprofanação,violência,novamente,aofimdoSéculoeiníciodoSéculoXXI.Oscasosdeintolerância,antesapenasepisódicos e sem grandes repercussões, ganharamproporçõesmaisintensasetiveramonúmerodeocorrênciasincrementado,ganhandomaior visibilidade pública. Segundo Silva (2015), esse aumentosignificativo fez comque tais fatos saíssemda esfera cotidiana e setransformaramemprocessoscriminais.

Uma pesquisa sobre relações raciais na escola (Carreira, 2010)mostrou que émuito alta a discriminação na escola contra alunos,eatéprofessores,quesãoseguidoresdereligiõesafro-brasileiras.Oestudo revela que a falta de preparo dos profissionais de educaçãoem lidar com o tema reforça o preconceito, muitas vezes. Existemcasos,queosprópriosprofessoressãofundamentaisnaspráticasdeintolerânciareligiosa.

Page 35: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 35

ALDBconcebeoensinoreligioso como completarà educação, mas buscagarantirarepresentatividadede todas as religiões. Ondeháensinoreligiosonoensinopúblico, no entanto, temhavido problemas, também,poisnãoháumequilíbrionaofertaparatodasasreligiões(DINIZ, LIONÇO e CARRIÃO,2010), tornando-se em suamaioria, ensino voltado,apenas, para o ensinocristão, majoritariamente,católico. Não significa queo ensino religioso reforce aintolerância, mas que há anecessidadede se trabalharmelhor a concepção deensino religioso, evitandoestigmas comdeterminadasreligiões não hegemônicasno conjunto da populaçãobrasileira.

Não somente em relação às religiões de matrizes africanas,mas, também, contra os mulçumanos, a intolerância religiosa temaumentado.Casosdejovensquetiveramseuvéuqueimado,xingadasdeterroristasedeoutrostiposdeofensasaumentaramnoBrasilnosúltimosanos.ORiodejaneiroéoEstadoquetemregistradonúmerocrescentedestetipodeintolerânciareligiosa.

Page 36: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

36 PAULOCESARPONTESFRAGA

Intolerância religiosa afasta professora de QUADRO 9 escola na Praça Seca, na Zona Oeste

Adereçodocandomblégerouconfusãoealunaacusadocentedeconstrangimento

Rio-AintolerânciareligiosaprovocoumaisumavítimaemescolanoRio de Janeiro, desta vez umamenina de 11 anos, aluna de umcolégioparticularnaPraçaSeca,emJacarepaguá,ZonaOeste.

Iniciada no fim do ano passado no candomblé, religião deseus pais e suas irmãsmais novas, C.T., aluna do 6º ano do EnsinoFundamental,acusouumaprofessoradeconstrangimentoedetê-laproibidodeassistiràaulacomumadereçofeitodepalhaeamarradoaosantebraços,conhecidonocandomblécomocontraegum.

“Eladissequeeunãopoderiaficarnaaulaporqueocontraegumnãofaziapartedouniformeeeu,semsaberoquefazer,saídesala”,disseaestudante,abatida.

AmãedeC.contouqueseassustouaoirbuscarafilhanaescola,na quinta-feira passada. Disse que a garota estava acanhada e, aoveramãe,começouachorarsemsaberoquefazer.Orientadapeloadvogadoda família, amãe foi à28ªDP (Campinho)prestarqueixacontraaescolaeaprofessora.

“Se ela não pode usar uma fita no antebraço, por baixo douniforme,outrascriançastambémnãopodemusarpulseiras,cordõesemedalhas.O que vale para um temque valer para todomundo”,disseamãedacriança.

Obabalorixádafamília,PaiMarcusdeOxóssi,bisnetodafamosaMãeMenininhadoGantois, lamentouqueaindatenhaqueconvivercom preconceito e intolerância, principalmente em escolas, onde oquedeveriaserensinadoéooposto.

“Infelizmente, em pleno século XXI, temos ainda casos e maiscasosdeintolerânciareligiosa”,disseobabalorixá.

A polêmica, desta vez, parece ter sido contornada sem anecessidadedeintervençãojudicial.Afamíliadajovemfoiprocuradapela escola, e informada que a professora foi afastada do cargo.Tambémfoioferecidaumabolsadeestudosàaluna.

“A escola entendeu o problema e procurou se redimir. Isso é

Page 37: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 37

importante para servir de exemplo para os alunos”, disse amãedaestudante.

(JornalODIA11/02/2015)

QUADRO 10 Estudante agredida por intolerância religiosa

dentro de escola não quer voltar ao colégio

Háummês,aadolescenteAgnes,de14anos,nãoquervoltaraoColégioEstadualAlfredoParodi,emCuritiba,porvergonha.Nodia31deagosto,a jovemfoiagredidaporumacolegade turma,dentro da escola, por intolerância religiosa. A motivação para aagressãofoiumafoto,postadanodiaanterioremumaredesocial,emqueameninaapareceaoladodamãeedeumaamiga,astrêsdoCandomblé.

— A gente ia levar uma amiga no aeroporto e tirou uma fotocomela lá.AAgnes foimarcadana fotoe viramnoFacebookdela.Nodiaseguinte,naprimeiraaula,umameninadissequenãoqueriaficarpertodaAgnesporqueelaeradamacumba.AAgnescomeçouaexplicaroqueera,masdepoisfalaramqueiamchutá-la,porqueelaédamacumba.AmeninafoiechutouaAgnes,quecaiucomacabeçanaparede—explicaamãedaadolescente,DegaMariaPascoal.

Aindasegundoamãe,desdeoepisódio,aadolescentenãoquervoltaràescola,assimcomooirmãodela,de11anos.DegaMariacontaaindaquesósoubedaagressãoquandofoibuscarafilhanocolégioeatéhojenãorecebeuqualquerassistência.

—Chegueinocolégioparabuscarmeusfilhosefiqueinoportãoesperando.ViqueelesnãosaíamdocolégioefuiperguntarsetinhamvistoaAgnes.Mefalaram:“Tia,aAgnesestámachucadaládentro”.Entreiparadentrodaescolaeviaminhafilhacomorostomachucado,sangrando, umgalo enormeda testa. E elame falou: “Essameninamechamoudemacumbeira.Dissequeasenhoranãopresta,queasenhoraéumadoença”—descreveamãe,queregistrouocasonadelegacia,depoisdelevarafilhaatéumhospital.

— Passaram uns dias e eu fuim em uma reunião, mostrei foto,

Page 38: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

38 PAULOCESARPONTESFRAGA

coloquei no Facebook.Mandaram um assistente social para conversarcomaAgnesemefalaramparamarcarumapsicóloga.Sóisso.Játemmaisdeummêseatéagoraninguémfeznada.Elaestádeprimida.Todomundoviuoqueaconteceudentrodocolégio.Eopioréquefoidentro.Eutinhapreocupaçãodequeessetipodecoisaacontecesseforadaescola,porissoqueiabuscarmeusfilhostododia,masfoidentro—relataDegaMaria.

AmãecontaaindaqueessanãofoiaprimeiravezqueelaeAgnesforam vítimas de intolerância. Dega Maria lamenta que agressõesdessetiposejamfrequentes,porfaltaderespeitoàreligiãodosoutros.

—Écomumisso.Umavezfomosaumapadariacompraralgumacoisaefomosperseguidos,euemeustrêsfilhos,porumcarrocomrapazesdecamisade“exércitodeJesus”.Dessavezagoraeupreferiaquetivesseacontecidocomigo,seriadiferente.AAgnesestásofrendomuito,estámuitomagrinha,comorostomachucado,comvergonha,semvontadedevoltaraocolégio—lamenta.

Fonte: Jornal Extra em 30/09/2015

QUESTÃOComo as várias representações da formação religiosa pode

acender a chama do conflito e da violência, dentro da ostensiva que as disputas religiosas se colocam diante das instituições escolares? Alaicidadenãoéumaopção,éelaquepermitealiberdadedeopçãoqueosatorespodemacionar,nassuasdimensõesprivadas.

Page 39: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 39

Escola e drogas

A questão das drogas é uma das principais preocupações deprofessores,paisediretoresdeescolaspúblicaseprivadasno

Brasil.Háquaseumaassociaçãodiretaquando se fala emviolêncianaescolacomousoeotráficodedrogas.Eapreocupaçãonãoésemsentido, são inúmerososcasosdeproblemasnasescolasbrasileirasligadasàquestãodasdrogas.

Entretanto, autores como Da Agra (2008) e Brochu (2006), querealizaramestudosemseuspaíses,relativizamessaassociaçãodiretaentredrogaseviolência.Elesacreditamquefazerumarelaçãodiretaentreosfenômenosédesconhecertodaacomplexidadequeseestabeleceentreeles.Paraeles,énecessárioconsiderarumasériedefatoresedevariáveisque interagem na relação. Nesse sentido, não consideram prudenteestabelecerumarelaçãoincondicionalentreasdrogaseaviolência.

No entanto, consideram que em relação à problemática dofenômenodasdrogas,osadolescentes sãoogrupoetárioquemaiscausampreocupações(BROCHU,2006).

NoBrasil,amaiorvisibilidadedotráficodedrogaseosconflitosentre quadrilhas, que são responsáveis pelo incremento das taxasdehomicídiosedeoutrasviolênciasemdiversascidadesbrasileiras,associaramasdrogasaesseseventos. Logicamente,a criminalidadevulnerabiliza aqueles envolvidos em suas ações a determinadasviolências.Entretanto,apesarde ilegalna totalidadedospaíses,emmuitosdelesotráficonãoseapresentacomaletalidadeouviolênciacomoocorreempaísescomoMéxicoeBrasil(Fraga,2015).

Page 40: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

40 PAULOCESARPONTESFRAGA

AviolênciadotráficonoBrasilestávinculadaaoutrosfatorescomo:agrandepresençadearmasdefogonasbocasdefumo;aresoluçãodeconflitospelaviolência;adisputaconstantedeexpansãoterritorialde determinados grupos; as estratégias de repressão da polícia e acorrupçãopolicial;estigmadeusuáriosetraficanteseoutrosfatores(Fraga,2015).

Nessecontexto,instituiçõescomoaescolanãoestãoimunesà violência que se observa em diversas áreas de pequenas,médiasegrandescidadesbrasileiras.Poroutro lado,a faltadeumapolíticapública mais abrangente e sólida de enfrentamento do problemafazcomquehajaoagravamentodasituaçãocomoaumentodousoproblemáticodesubstânciaspsicoativaseoenvolvimentodemuitosjovensnotráficodedrogas(Zaluar,2000).

Ousodeálcool eoutrasdrogas, também, tem sidoumdesafiopara muitas escolas. Uma das questões que se coloca é a falta deconhecimentoepreparodeprofessoreseprofessorasparalidarcomtema tão delicado. As secretarias de educação, apesar de todos osproblemas vividos pelos estabelecimentos de ensino, não têm tidosensibilidadesparatrabalharmelhorotemacomosprofissionaisdeensino.OtemaaindaéTABU.

Assim, a falta de informação leva, muitas vezes, à abordagemmoralizadorasobreotema.Asdrogastêmefeitosdiferenciadossobreoorganismo.

Page 41: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 41

QUADRO 11 Tráfico de drogas está perto de 35% das

escolas públicas brasileiras

Pesquisa baseada em respostas de diretores de instituições mostra que problema é maior no Distrito Federal

Pouco mais de um terço (35%) das escolas públicas brasileirastem tráfico de drogas nas proximidades, segundo dados levantadospelo QEdu: Aprendizado em Foco, uma parceria entre aMeritt e aFundação Lemann., organização sem fins lucrativos voltada paraeducação.

EntreosEstados,oDistritoFederal(DF)éocommaiorinciência:53,2%, e amenor ocorrência é registrada no Piauí, com 15,3% dasescolas,masnenhumlugarestálivredarealidade.

PUBLICIDADEA pesquisa se baseou nas respostas dos questionários

socioeconômicosdaProvaBrasil2011,aplicadapeloInstitutoNacionaldeEstudosePesquisasEducacionaisAnísioTeixeira(Inep),divulgadaemagostodoanopassado.Aquestãosobreotráficonasproximidadesdasescolasfoirespondidapor54,5mildiretoresdasescolaspúblicas.Deles, 18,9mil apontaram a existência da atividade. A situação, deacordocomespecialistas,épreocupanteeestáassociadadiretamenteàviolênciaeàprecariedadequecercammuitoscentrosdeensinodopaís,alémdecontribuirparaqueosalunosdeixemdeestudar.

DROGASO responsável pelo estudo, o coordenador de Projetos da

FundaçãoLemann,ErnestoMartins,dizquenãodáparaisolarescolanocontextoemqueestáinserida.“Elafazpartedeumtodomaior,seháviolênciafora,poderáchegartambémaoscentrosdeensino.BastaobservarqueoDistritoFederal[53,2%]eSãoPaulo[47,1%],[regiões]comaltosíndicesdeviolência,são[asáreas]comomaiorpercentual.”

Outroproblemaqueadvémdasituaçãoéaevasãoescolar.ParaadiretoraexecutivadomovimentoTodospelaEducação,PriscilaCruz,aevasãodeveserumadasgrandespreocupaçõesdosgovernos.“Muitosjovensacabamdeixandoosestudospelaproximidadecomasdrogas.

Page 42: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

42 PAULOCESARPONTESFRAGA

Issogeraumproblemaaindamaiorquenãopodeserignorado”,diz.Aporcentagem(de35%)constatadapeloestudo,segundoela,seriaaltamesmoquefossem10%oumenos.Paraela,aescoladeveserumlocaldecuidadoeaprendizado.

Morador do Distrito Federal, o coordenador intermediário deDireitosHumanoseDiversidadenaRegionaldeEnsinodoRecantodasEmas (regiãoadministrativadoDF),oprofessorCelsoLeitãoFreitas,confirmaosdadosedizqueotráficopróximoàsescolasémaiscomumdoqueseimagina.

“Asocorrênciassãodiárias.Pensamosqueéumproblemasódoaluno,mas, quando se vai atrás, a família toda está envolvida comdrogaseeletrazessehábitodedentrodecasa”.Freitaséprovadequeotráficoestáassociadoàviolência,tantoentrepessoas,quantoaquechamoudeestrutural:afaltadeserviçosbásicos.“Aquipresenciamosa falta de moradia, de educação, a falta de benefícios econômicoscomoumtodo.”

Os programas para combater o uso de drogas são vários, tantogovernamentais quanto iniciativas privadas, e é consenso que paramudar a realidade nas proximidades da escola é preciso modificara realidadeda comunidade,pormeiodeassistência social e acessoa políticas públicas e a itens básicos como saúde, saneamento,alimentação,alémdeumaeducaçãodequalidade.

Para combatero tráficoeajudarosalunos, aindaenquantoeraprofessor, Freitas resolveu tomar uma iniciativa elemesmo: criou oprojeto Estudar emPaz, para resgatar o interessepelos estudos. “Acomunidadeperdeuoencantopelaescola,precisamosresgatarisso.Aomesmo tempo,as ruasestãocadavezmais ‘encantadoras’, cadavezmaisestamosperdendonossosalunosparaotrafico”,acrescenta.

O estudante Natanael Neves, de 18 anos, fez parte do grupoEstudar em Paz. Dos tempos de escola, ele conta que não tinhaa menor paciência, bastava “não ir com a cara” da pessoa parajá começar abater. E a violência estava lado a lado como tráfico.Apesardenãoterfeitoousodedrogas,eleviucolegasconsumiremtantonasruas,quandodentrodaescola,emSãoSebastião(regiãoadministrativadoDF).

“Olocaltinhapoliciamento,masosguardasficamcommedo.O

Page 43: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 43

pessoalsabee[usardrogas]jáéalgoquasenormal”.Aagressividadefoialgoqueherdoudecasa.Eledizquequeriachamaraatençãodospais. A vida pessoal acabava chegando às salas de aula: “Na escolavocêsóaperfeiçoaoqueaprendeemcasa.”

Hoje,Natanaelsedizumanovapessoa,foiaprovadoparaocursodegestãopúblicapeloSistemadeSeleçãoUnificada(Sisu)epretendevoltaraoambienteescolardepoisdeformadoparamudararealidade.Eledizqueperdeuascontasdosamigosquedeixaramassalasdeaulaporproblemascomtráficoeviolência.

(IG São Paulo, 05/02/2013)

QUADRO 12 Alunos de escolas particulares usam

mais drogas que os de colégios públicos

Estudodizqueconsumodeentorpecentesentreestudantescaiupelametade

Levantamentosobreoconsumodedrogasentrealunosdoensinofundamentalemédiodaredepúblicanascapitaisbrasileirasapontaquedade49,5%nousodeentorpecentes,informaramnestaquinta-feira (16) a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) eo Cebrid/Unifesp (Centro Brasileiro de Informações sobre DrogasPsicotrópicasdaUniversidadeFederaldeSãoPaulo).

Os pesquisadores ouviram 50.890 estudantes, com predomínioda faixa etária de 13 a 15 anos, sendo 31.280 da rede pública deensinoe19.610daredeparticular.Comoestesúltimosentraramnolevantamentoapenasnesseano,nãopossívelcompararaevoluçãodoconsumoentreeles.

Ainda assim, os números mostram uma disparidade grande.Segundo o levantamento, 13,6% dos alunos de escolas privadasconsultadosafirmaramterusadoalgumtipodedroga(excetoálcooletabaco)nos12mesesanterioresàpesquisa.Naredepública,essepercentualéde9,9%.

Entreosalunosdaredepública,24,2%afirmaramjáterfeitousodedrogaspelomenosumaveznavida.Jáentreosdaredeprivada,30,2%admitiramjáterexperimentadoalgumentorpecente.

Page 44: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

44 PAULOCESARPONTESFRAGA

Dentre as substâncias ilícitas mais consumidas estão maconha,cocaína, crack, anfetaminas, solventes, ansiolíticos, esteroides, LSD,êxtase,anfetaminaebebidasenergéticasmisturadasaoálcool.

Apesquisa,noentanto,verificouqueoconsumodequasetodasessassubstânciascaiunosúltimosseisanos.Adrogaqueapresentoumaiorpercentualdereduçãofoiosolvente,usadamaiscomocoladesapateiro.De14,1%deusorecorrente,adrogacaiupara4,9%.Aindaestáàfrentedamaconha,quecaiude4,6%para3,7%,edocrack,queapresentoureduçãode0,7%para0,4%.

A cocaína, no entanto, apresentou crescimento no consumo.Em2004,1,7%dosestudantesdaredepúblicaafirmaramconsumiradrogapelomenosumavezaoano.Em2010,opercentualsubiupara1,9%.

O consumo de álcool caiu 35,1% entre os alunos de escolaspúblicas.Jáodetabaco,apresentoureduçãode37,6%.

(Gustavo Gantois, do R7, em Brasília, 16 de dezembro de 2010)

QUESTÕES1.O consumo e o tráfico de drogas na escola: duas dimensões

desafiantesparaouniversoescolar.Que tipo de relação entre a família, escola e alunos estão sendo estabelecidos na formação individual desses alunos?Quaismotivosàsdrogasestãosendoacionadas,emdeterminados períodos da fase desses alunos?O que está em jogosãoprojetosquesinalizereferênciaseexperiênciaspositivascomasexperiênciasdesseuniversopessoalecoletivodosalunos.

Page 45: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

VIOLÊNCIANAESCOLA:SÃOPOSSÍVEISAÇÕESDEPREVENÇÃO? 45

Considerações Finais

Esperamosqueestelivrocumpraseuobjetivodefomentardiscussões e debates entre educadores e profissionais

de ensino. Os desafios para a escola sãomuitos, mas temosqueconsideraraexperiênciadosprofessoreseprofessoresearealidadedecadainstituiçãodeensino.

Oseducadoresprecisamlidarcomumagamasignificativadetemaseproblemase,sozinhos,nãoconseguemenfrentá-los.Oapoioaosprofissionaisdeensinoéelementofundamentalparadiminuirasdiversasformasdeviolênciaqueseexpressamnoespaçoescolareesperamosterdadoumapequenaajuda,queseja.

.

Page 46: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

46 PAULOCESARPONTESFRAGA

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, M. Cotidiano das escolas: entre violências. UNESCO.Brasília. DF. 2006. Disponível: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001452/145265POR.pdf.Acessoem: 16maio2009.______.(Coord.) Schools of Peace. Brasília: UNESCO e Governo do EstadodoRiodeJaneiro/SecretariadeEstadodeEducação,UniversidadedoRiodeJaneiro,2001.

AMARAL NETO, Castúlio do. Diários escolares: Fragmento e memórias dehomossexuais no cotidiano escolar. Disponível em: <http://www.armariox.com.br/documentos/textoeducargls.doc>.Acessoem:24ago.2015.

APOESP/DATAPOPULAR.QualidadedaeducaçãonasescolasestaduaisdeSãoPaulo.SãoPaulo,Apoesp,2009.

BROCHU, S.Drogue et criminalité: une relation complexe. 2. ed. Publ. à l’originedanslacoll:Perspectivescriminologiques.1995.BibliothèquenationaleDuQuébec,2006

CHARLOT, Bernard. A violência nas escolas: como os sociólogos francesesabordamessaquestão.Sociologias,PortoAlegre,ano4,n.8,jul/dez2002.

CARREIRA, D. Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação, daPlataformaDHESCA.Riodejaneiro,RN,2010.

DAAGRA,C.Entre droga e crime:chegouotempodedizermos,semhipocrisisaarogaénormalnanossasociedade.Masseráqueadrogaé,defato,acausadirectadacriminalidade?.Portugal:CasadasLetras,2008.

DEBARBIEUX,Eric.Aviolêncianaescolafrancesa:30anosdeconstruçãosocialdo objeto. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.1, p. 163-193, jan./jun.2001.

DINIZ, D., LIONÇO, T. e CARRIÃO, V. Laicidade e ensino religioso no Brasil,Brasília:LetrasLivres/EditoraUnB/UnescoBrasil,2010.

FRAGA, PAULO C.P. Vida bandida: histórias de vida, ilegalismos e carreirascriminais. Um estudo com presos no sistema carcerário do Rio de Janeiro.Lisboa,NEA,2015.

JESUS, B. de e outros Diversidade sexual na escola: uma metodologia detrabalhocomadolescentese jovens. /Betode Jesus.Ed.Especial, revistaeampliada.–SãoPaulo:ECOS–ComunicaçãoemSexualidade,2008.92p.

SILVA, Wagner Ferreira da. Prefácio ou Notícias de uma guerra nadaparticular:Osataquesdosneopentecostaisàsreligiõesafro-brasileiraseaossímbolosdaherançaafricananoBrasilIn:Intolerânciareligiosa.Impactosdo

Page 47: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo, EDUSP,2015.

TOSTA,SandraPereira;RIGOTTI, José IrineuRangeletal.RedeparticulardeensinoemMG:vidadeprofessoreviolêncianaescola.Relatório de Pesquisa.BeloHorizonte:PUC-Minas/SinproMinas,2009.200p.

ZALUAR,Alba. Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil. In: Schwartz, Lílian.(Org.). História da vida privada no Brasil, vol.4: Contrastes da intimidade contemporânea. Rio de Janeiro: Companhia dasLetras,p.246-318,2000.

Page 48: VIOLÊNCIA NA ESCOLA: SÃO POSSÍVEIS AÇÕES DE PREVENÇÃO? · a violência que, por ventura, atinjao dia a dia da escola, mas, além disso, busque intervir sobre questões polêmicas,

Estaobrafoiimpressaemprocessodigital,naOficinadeLivrosparaaLetraCapitalEditora.

Utilizou-seopapelPólenSoft80g/m²eafonteCalibriRegularcorpo10comentrelinha13,5.

OsAutores

ANA CAROLINA DAMASCENOAssistenteSocial,mestreemSociologia(UFJF),pós-graduadaemArteeEducação (PUC-MG), coordenaoCentrodeReferênciadaCasadeMaria(Cataguases-MG).

PAULO CESAR PONTES FRAGASociólogo, doutor em sociologia (USP), foi pesquisador convidado(Universidade de Montreal), é professor e do Programa de Pós-GraduaçãoemCiênciasSociais(UFJF).

ROGÉRIA MARTINSSocióloga,doutoraempolíticaspúblicas(UERJ)emestreemeducação(UFBA), é professora do Departamento de Ciências Sociais daUniversidadeFederaldeViçosa.Concentraseusestudosnocampodasociologiajurídicaedosdireitoshumanos.