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VIRTUAL HERITAGE OU TECNOLOGIAS DIGITAIS PARA A VISUALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO Sthefania Campos Habeyche UFBA Faculdade de Arquitetura - PPG-AU, Mestranda [email protected] Taís de Souza Santos UFBA Faculdade de Arquitetura LCAD, Bolsista IC [email protected] Arivaldo Leão de Amorim UFBA Faculdade de Arquitetura - LCAD [email protected] Resumo Empregadas na preservação, divulgação e valorização do patrimônio arquitetônico, as tecnologias digitais têm se desenvolvido de modo a potencializar a documentação arquitetônica. Este artigo trata da Realidade Virtual e da Realidade Aumentada, aplicadas ao patrimônio arquitetônico. Palavras-chave: tecnologias digitais; documentação arquitetônica; realidade virtual; realidade aumentada; panoramas fotográficos. Abstract Employed in the preservation, promotion and appreciation of architectural heritage, digital technologies have been developed to leverage the architectural documentation. This article discusses the Virtual Reality and Augmented Reality, applied to the architectural heritage. Keywords: digital technologies, architectural documentation, virtual reality, augmented reality, photographic panoramas. 1 Patrimônio, Memória e Tecnologia A documentação do patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial, assume particular importância. As rápidas mudanças culturais promovidas pelos meios de comunicação de massa e pela internet têm o potencial explosivo de modificar valores e de contribuir para a consolidação de novas realidades. Em paralelo, as causas tradicionais de perda e destruição do patrimônio cultural continuam agindo, sejam os

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VIRTUAL HERITAGE OU TECNOLOGIAS DIGITAIS PARA

A VISUALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

Sthefania Campos Habeyche UFBA – Faculdade de Arquitetura - PPG-AU, Mestranda

[email protected]

Taís de Souza Santos UFBA – Faculdade de Arquitetura – LCAD, Bolsista IC

[email protected]

Arivaldo Leão de Amorim UFBA – Faculdade de Arquitetura - LCAD

[email protected]

Resumo

Empregadas na preservação, divulgação e valorização do patrimônio arquitetônico, as tecnologias digitais têm se desenvolvido de modo a potencializar a documentação arquitetônica. Este artigo trata da Realidade Virtual e da Realidade Aumentada, aplicadas ao patrimônio arquitetônico. Palavras-chave: tecnologias digitais; documentação arquitetônica; realidade virtual; realidade aumentada; panoramas fotográficos.

Abstract

Employed in the preservation, promotion and appreciation of architectural heritage, digital technologies have been developed to leverage the architectural documentation. This article discusses the Virtual Reality and Augmented Reality, applied to the architectural heritage. Keywords: digital technologies, architectural documentation, virtual reality, augmented reality, photographic panoramas.

1 Patrimônio, Memória e Tecnologia

A documentação do patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial, assume

particular importância. As rápidas mudanças culturais promovidas pelos meios de

comunicação de massa e pela internet têm o potencial explosivo de modificar valores

e de contribuir para a consolidação de novas realidades. Em paralelo, as causas

tradicionais de perda e destruição do patrimônio cultural continuam agindo, sejam os

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acidentes naturais como as inundações ocorridas em Goiás Velho (2001) e São Luiz

do Paraitinga (2010), ou a imperícia que destruiu a capela de São Pedro de Alcântara

na UFRJ (2011) no Rio de Janeiro, ou ainda, por negligência como a destruição do

Solar do Pilão (2003) em Ouro Preto, ou a Igreja do Carmo (1999) em Mariana, ambos

em Minas Gerais. Ação volutiva humana também é fator de perda do patrimônio

cultural, seja a intolerância religiosa, como a destruição das estátuas de Buda no

Afeganistão (2001), ou concepções políticas ou estéticas equivocadas, como a

demolição dos prédios da Imprensa Oficial e da Biblioteca Pública na Praça Municipal

em Salvador (1972), ou ainda criminosas, como os tradicionais incêndios em Salvador,

como o que destruiu antigo Mercado Modelo (1969), abrindo convenientemente

espaço para a passagem de uma nova avenida. Estes acontecimentos recentes,

somente para citar alguns exemplos, também aconteceram em passado remoto e

continuarão a acontecer no futuro, pelos mais diversos motivos.

Uma medida possível para minorar os riscos de perda total do patrimônio cultural

ameaçado é o cuidadoso registro dos seus elementos físicos e imateriais, que

possibilitam a perpetuação do conhecimento, a interpretação do presente e a

reconstituição do passado, mesmo que os monumentos ou as tradições não mais

existam. Ao lado disto, a divulgação e difusão do conhecimento sobre o patrimônio

cultural contribuem para a sua valorização por parte das populações locais que

passam a se interessar pela salvaguarda dos seus valores culturais. Até

recentemente, a documentação do patrimônio cultural era realizada através de

cadastro arquitetônico, fotografia, filme ou vídeo, ou ainda, através de depoimentos

escritos ou gravados em áudio. Alguns dos suportes empregados, como o papel,

demonstraram grande estabilidade e têm resistido ao tempo por muitos anos. Outros,

como as fotografias e os filmes, são mais suscetíveis à deterioração quando não

armazenados adequadamente. Além disto, os suportes que necessitam de aparatos

tecnológicos específicos para o acesso e a interpretação das informações, como

gravadores, projetores, leitores de microfilmes etc., se constituem em causas de

constantes preocupações quanto sua disponibilidade futura, tendo em vista a rápida

obsolescência tecnológica e a descontinuidade de fabricação destes dispositivos.

O “milagre tecnológico” advindo da eletrônica digital vem produzindo e

disponibilizando tecnologias, cada vez mais eficientes e baratas, e contribuindo para a

aplicação e a popularização das tecnologias digitais, inclusive na documentação do

patrimônio cultural. Recursos como a internet, a multimídia e a hipermídia, têm sido

empregados no exterior como formas de preservar, divulgar e valorizar o patrimônio

cultural. Este trabalho apresenta e discute questões relacionadas à visualização do

patrimônio arquitetônico, especialmente em ambiente web.

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2 Tecnologias para Visualização e Análise

A documentação da arquitetura, assim como as edificações representadas evoluíram

ao longo do tempo. Decisões são tomadas, avaliadas, modificadas ou mesmo

contestadas, ao longo da história do monumento, existindo a necessidade do registro

da evolução dos vários estados do bem, a fim de contribuir para a sua história e

conservação.

As tecnologias digitais apresentam uma série vantagens em relação aos processos tradicionais de documentação, dentre eles podemos citar: velocidade na coleta e no tratamento dos dados, custos ínfimos na publicação, distribuição e divulgação das informações. Recursos como a Internet e as aplicações hipermídia poderão desempenhar um grande papel na divulgação e valorização do patrimônio arquitetônico, abrindo vastas perspectivas de aplicações na educação patrimonial (AMORIM, 2010, p. 3).

De modo geral, as tecnologias digitais aplicadas à documentação arquitetônica

podem ser enquadradas em dois grupos: (1) produção e gestão de dados, que

compreende a captura, o processamento, o armazenamento e a difusão de dados e

informações, e (2) visualização e análise de informações, baseadas em Sistemas de

Informações Espaciais, Realidade Virtual (RV) e Realidade Aumentada (RA),

hipermídia, e tecnologias web dentre outras. Entretanto, deve-se conhecer o uso das

informações, os tipos de dados e produtos a serem obtidos, a fim de se planejar a sua

produção. Neste artigo serão discutidas a Realidade Virtual e a Realidade Aumentada.

3 Realidade Virtual

O conceito de Realidade Virtual surge em 1980 com o artista e cientista Jaron Lanier.

Entretanto, já em 1950, o cineasta Morton Heiliger pensou em desenvolver o “cinema

do futuro”, criando o dispositivo “sensorama” que proporcionava sensações de

movimento, sons, e odores, cujo objetivo era induzir a imersão no ambiente sintético

representado (TORI; KIRNER; SISCOUTTO, 2006, p. 5). Desde então, a RV tem-se

desenvolvido, tornando-se uma tecnologia que “... permite criar um ambiente gráfico

de aparência realística, no qual o usuário pode se locomover em três dimensões, onde

os objetos gráficos podem ser sentidos e manipulados.” (KIRNER; TORI, 2004, p.

259).

Ainda segundo Kirner e Siscoutto (2007, p. 9), a RV é definida como “[...] uma

interface avançada para aplicações computacionais, que permite ao usuário navegar e

interagir, em tempo real, com um ambiente tridimensional gerado por computador,

usando dispositivos multisensoriais.” Num sistema de RV, o usuário possui o controle

deste espaço, e a manipulação do mesmo deve assemelhar-se ao máximo com o

mundo real, tornando a interação com o modelo a mais natural e intuitiva possível.

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Morie (1994) apud Netto et. al, (2002, p. 10) estabelece que, para um sistema de

visualização ser denominado RV, é necessário que este apresente três características

básicas: imersão, interação e envolvimento. A ideia de imersão corresponde à

sensação do usuário em pertencer ao ambiente sintético, ou seja, os dispositivos

utilizados restringem as percepções sensoriais do indivíduo quanto ao mundo real,

fazendo com que este perca a noção de onde se encontra. A interação consiste na

possibilidade do sistema detectar a entrada de dados por parte do usuário e responder

adequadamente a elas. Já o envolvimento está associado ao grau de motivação que o

indivíduo tem em utilizar o ambiente virtual.

Vários dispositivos de visualização possuem características intrínsecas à RV.

Entretanto, a aplicação só será considerada RV se estas noções – imersão, interação

e envolvimento – coexistirem juntas. Para Aukstakalnis e Blatner apud Sanchotene

(2007, p. 50) a consideração destes três conceitos de forma isolada não constitue uma

exclusividade da RV, mas o seu uso integrado constitui e consolida esta noção. O grau

de imersão que uma aplicação proporciona ao usuário é o critério para a classificação

da RV, em imersiva e não-imersiva.

3.1 RV Imersiva

Uma aplicação de RV é considerada imersiva quando o usuário é “totalmente

introduzido” no mundo sintético modelado. Isto é possível devido à utilização de

dispositivos como capacetes e cabines simuladoras, que detectam reações do usuário

fazendo com que o ambiente responda a estes estímulos (TORI; KIRNER;

SISCOUTTO, 2006, p. 8).

No Brasil, um exemplo de aplicação de RV imersiva no patrimônio arquitetônico,

foi desenvolvido no Laboratório de Sistemas Integráveis, da Escola Politécnica da

USP. Uma “caverna digital”, sistema composto por telas semitransparentes onde as

imagens são projetadas de modo que o observador fique “totalmente imerso” no

ambiente virtual tridimensional, visualizado e interagindo com ele (Figura 1a). Através

de levantamentos realizados em arquivos iconográficos da cidade de São Paulo, fez-

se a reconstituição do Largo da Sé, no ano de 1911 (Figura 1b). O Local foi escolhido

em função das grandes transformações que sofreu a partir de 1880, quando foram

implantados serviços de infra-estrutura urbana, em um período que a população

crescia expressivamente. Assim, foi possível analisar e compreender os usos naquela

localidade e como esta se desenvolveu ao longo dos anos. O modelo tornou-se um

importante recurso para a discussão sobre a história e cultura urbana (LOPES;

ZUFFO, 2008).

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Figura 1 : (a) Layout caverna digital; (b) Casa Lebre e Palacete Tietê em reconstituição digital Fonte: LOPES; ZUFFO, 2008.

3.2 RV Não-Imersiva

O sistema de visualização não-imersiva é geralmente constituído por monitores e telas

de projeção onde o usuário visualiza e interage com o ambiente sintético através de

um dispositivo apontador, sendo que este não perde a noção do espaço no qual se

encontra. Existem duas formas principais de se produzir estes ambientes, uma através

de modelos geométricos e a outra através de panoramas fotográficos.

Estes sistemas não imersivos podem ser visualizados em microcomputadores

comuns, desde que sejam instalados os plugins, normalmente gratuitos, como o

Cortona 3D, que permite a visualização e a interação com o modelo geométrico, ou

ainda como o Quicktime VR, no caso de aplicações baseadas em panoramas

fotográficos. No que se referente à RV não imersiva, existem várias aplicações com

monumentos históricos que são disponibilizados na web, possuindo grande alcance

por não necessitarem de dispositivos de visualização mais sofisticados.

3.2.1 Aplicações Baseadas em Modelos Geométricos

Para que a criação dos ambientes virtuais seja feita através de modelos geométricos,

é necessária a utilização de linguagens como a VRML (Virtual Reality Modeling

Language) ou a sua sucessora a X3D1, que são utilizadas para descrever modelos a

serem disponibilizados na web. Essas possibilitam a interação, simulando a

movimentação de um observador virtual contido no espaço do modelo. Muitas vezes o

modelo é simplificado para reduzir o tamanho do arquivo, facilitando a visualização e a

navegação, a exemplo do Housesteads Roman Fort2, disponível no website da BBC.

Aplicações como o projeto Modela Pelotas, realizado na UFPel, que disponibiliza

na web modelos geométricos do centro histórico de Pelotas - RS. Segundo os autores

Costa, Felix e Méndez (2007), a modelagem geométrica é realizada através do

1 X3D – Linguagem de programação sucessora da VRML usada para descrever a geometria e o

comportamento dos objetos modelados para veiculação na web. (HOPF; FALKEMBACH; ARAÚJO, 2007). 2 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/history/ancient/romans/launchvthousesteads.shtml>.

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Google SketchUp, visto que este possui integração com a plataforma Google Earth,

onde o objeto é visualizado e disponibilizado, como mostrado na Figura 2.

Figura 2: Modelo disponibilizado no Google Earth.

Fonte: COSTA; FELIX; MÉNDEZ, 2007

3.2.2 Aplicações Baseadas em Panoramas Fotográficos

Os ambientes virtuais baseados em panoramas fotográficos são gerados a partir da

associação destes modelos, na criação de percursos parcialmente estabelecidos,

também chamados virtual tours. O panorama fotográfico vem sendo utilizado com

frequência para a divulgação do patrimônio, sejam construídos de modo isolado, a

exemplo do projeto Cyark, ou associados ao virtual tour, como no Museu do Louvre3.

Oriunda do grego antigo, a palavra panorama é constituída por dois termos: “pan”

que expressa todos e “horama” que significa vista. Ou seja, caracteriza um cenário

natural ou urbano que é representado por um campo visual comparável ou maior que

o humano, que é de 160 por 75 graus.

Os panoramas fotográficos surgiram em 1843 na Áustria após a criação da

máquina fotográfica, quando foi feita a patente da primeira câmera panorâmica por

Joseph Puchberger. O equipamento permitia 150 graus de giro manual da objetiva em

torno do eixo vertical, resultando em um maior campo visual. No ano seguinte na

Alemanha, Friedrich Von Martens adicionou engrenagens que permitiram uma

velocidade relativamente constante no deslocamento da objetiva para realização do

panorama (HABEYCHE; MÉNDEZ, 2008, p. 57). Em virtude do amplo campo visual, o

panorama fotográfico contribui na observação, interpretação, inteligibilidade e

compreensão dos objetos representados. Este recurso logo migrou para o ambiente

computacional, dando origem ao panorama fotográfico digital que proporciona a

interação com o usuário, gerando a sensação de movimento pelos variados graus de

liberdade que são proporcionados. Em seguida surge o panorama sintético digital,

3 Cyark: <http://archive.cyark.org/; Museu do Louvre: <http://www.louvre.f r/llv/commun/home.jsp>.

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baseado em processo de síntese de imagens a partir de modelos geométricos. Neste

texto será discutido apenas o uso do panorama fotográfico digital.

Neste tipo de aplicação, a interação e o envolvimento proporcionados ao usuário

com a cena virtual são obtidos pela movimentação livre (projeção em superfície

esférica ou cúbica) ou restrita a uma faixa (projeção em superfície cilíndrica) e a

possibilidade de aproximação ou afastamento (zoom in e zoom out), que ampliam as

possibilidades de percepção do espaço representado e a consequente interpretação

do ambiente. Empregando dispositivos convencionais, como monitor de vídeo e o

mouse, a interação ocorre de maneira simples facilitando a publicação e a divulgação

das aplicações hipermidiáticas na web.

Aplicados não só para o registro iconográfico de monumentos, mas também na

análise e apreensão do espaço urbano, os panoramas digitais baseados em

fotografias são produzidos através do processamento de imagens, e projetados em

superfícies esféricas, cúbicas ou também cilíndricas.

Os panoramas esféricos propiciam a visualização como se o observador estivesse

em um grande domus, permitindo a livre movimentação do seu olhar, tanto no sentido

horizontal quanto vertical (LEITÃO; SEGRE, 2007). Este recurso oferece ao usuário a

livre exploração das imagens, que podem ser interpretadas pelo software de duas

maneiras, produzindo assim os panoramas esféricos e os cúbicos.

O tipo esférico se caracteriza por permitir uma continuidade visual na horizontal de

360º e de 180º na vertical. As imagens são projetadas no interior de uma superfície

esférica, fazendo com que haja correção tanto na distorção vertical quanto na

horizontal. Já nos panoramas definidos como cúbicos, as imagens são projetadas na

superfície interior do cubo. O visualizador empregado será o responsável em

remapear as imagens no espaço virtual, montando-as e distorcendo-as de modo a

proporcionar uma aparência similar à “projeção esférica”.

Finalmente, os panoramas ditos parciais ou cilíndricos, também usados em

passeios interativos, são aqueles que não preenchem toda a esfera, caracterizando

uma faixa de visualização. Normalmente proporcionam 360º de visão na direção

horizontal e 120º, ou menos, de campo visual na vertical. O panorama cilíndrico é

classificado com parcial por possuir limitação visual na vertical, não permitindo a

continuidade visual do espaço modelado.

4 Realidade Aumentada

A Realidade Aumentada (RA) é outra tecnologia de visualização que apresenta

significativo desenvolvimento e possibilidades de aplicação em diversas áreas do

conhecimento. Para Kirner e Siscoutto (2007, p. 10), a RA pode ser definida como

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uma forma de enriquecer e melhorar a visualização do mundo real, com o acréscimo

de textos, imagens e objetos gerados no computador, através da sobreposição e do

registro dos objetos virtuais com os reais.

A possibilidade de sobrepor informações, de reconstruir locais degradados, de

visualizar os ambientes de forma interativa e intuitiva faz da RV e da RA tecnologias

com grande potencial não só para aplicação em jogos, mas também na divulgação,

preservação e valorização do patrimônio arquitetônico. Este aspecto é particularmente

significativo na medida em que este patrimônio está sujeito a constantes mudanças no

seu estado ao longo do tempo, sendo estes estados de difícil representação em

modelos estáticos. A capacidade de “transportar” o observador a outros locais e a

situações peculiares, sem fazer que este se distancie dos ambientes reais, tornam a

RV e a RA importantes recursos na divulgação e conscientização sobre o patrimônio

cultural. As aplicações possibilitam o conhecimento e o estudo, com elevado nível de

requinte e informação, locais e monumentos sem a necessidade de deslocamentos

físicos. A Realidade Aumentada proporciona a combinação do mundo virtual com o

mundo real, que poder ser realizada de duas formas: através de dispositivos de

visualização direta ou indireta, como será discutido nas seções seguintes.

4.1 Aplicações Baseadas em Visualização Direta

Nos sistemas de RA baseados em visualização direta, o usuário direciona a sua visão

para um objeto do mundo real e a informação adicional é sobreposta a este através de

dispositivos ópticos que projetam os dados digitais no olho humano, possibilitando a

fusão das informações (TORI; KIRNER; SISCOUTTO, 2006, p. 28).

Figura 3: Templo de Olímpia: (a) ruína; e (b) modelo virtual em RA. Fonte: VLAHAKIS, 2002

Um exemplo deste tipo de aplicação de RA é a reconstrução virtual do templo

Olímpia, no seu sítio arqueológico. A reconstituição ou reconstrução virtual foi

realizada após o cuidadoso levantamento arqueológico e arquitetônico do monumento

(Figura 3). Assim, o templo em ruínas pode ser visto em seu esplendor e forma

originais através dos dispositivos de RA disponibilizados no local para o visitante.

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Segundo o autor do projeto, Vlahakis (2002), o local foi escolhido devido à sua

importância na origem dos jogos olímpicos na Grécia antiga.

4.2 Aplicações Baseadas em Visualização Indireta

Denomina-se RA indireta, quando a visualização do mundo real é acrescida de

informações digitais através de dispositivos como monitores e outros tipos de displays,

de modo que o usuário não recebe as informações do mundo real de modo direto.

5 Trabalhos em Andamento e Perspectivas Futuras

Os exemplos aqui apresentados ilustram as possibilidades de aplicação da RV e da

RA, na análise e apreensão das realidades representadas. Assim, espera-se uma

crescente utilização destas tecnologias, especialmente na documentação

arquitetônica, a partir da consolidação e da redução de custos das mesmas.

Como aqui apresentado e discutido, as tecnologias digitais disponíveis para a

visualização são várias, e as possibilidades de aplicação na documentação do

patrimônio cultural são amplas. Atualmente, estão em desenvolvimento no LCAD da

Faculdade de Arquitetura da UFBA, alguns experimentos para investigar métodos para

maximizar a utilização destas tecnologias na documentação do patrimônio

arquitetônico. Experiências na construção de aplicações baseadas em panoramas

fotográficos foram feitas na cidade de Cachoeira na Bahia, tanto em ambientes

externos – panoramas cilíndricos – e, em ambientes internos – panoramas esféricos.

Os panoramas cilíndricos foram distribuídos no centro histórico de Cachoeira

(Figura 4), onde foram posicionados estrategicamente sobre uma planta do local de

modo maximizar a percepção do espaço urbano pelo visitante virtual, como pode ser

observado em: <http://www.lcad.ufba.br/cachoeira/>.

Figura 4: Interface do Tour Virtual da cidade de Cachoeira – BA. Fonte: http://www.lcad.ufba.br/cachoeira/.

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De forma similar foram realizados panoramas esféricos no interior do conjunto

arquitetônico do Convento da Ordem Terceira do Carmo, como mostrado na Figura 5,

que podem ser vistos em: <http://www.lcad.ufba.br/carmo/>.

Figura 5: Tour Virtual através de panoramas no Convento da Ordem Terceira do Carmo Fonte: http://www.lcad.ufba.br/carmo/.

A navegação nestes dois ambientes poderá ser feita pela planta baixa dos locais,

através das estações usadas na tomada fotográfica, que correspondem aos pontos de

vista do observador virtual. Para se deslocar para outra estação, o usuário deverá

selecionar o ponto de observação para o seu deslocamento. De forma semelhante, é

possível "movimentar" o observador de um panorama para o outro, selecionando-se o

hotspot que aparece nas imagens durante a interação, possibilitando a passagem para

os “espaços virtuais contíguos”. Na execução deste trabalho foram utilizadas as

ferramentas para a “costura” das imagens o Stitcher da Autodesk e o Panorama

Maker da ArcSoft, e para a confecção do virtual tour, foi empregado o programa

Tourweaver da Easypano.

Com o desdobramento deste trabalho pretende-se agregar a estes modelos outros

tipos de atributos semânticos que possam aumentar o nível de informações, explícitas

ou implícitas, sobre o objeto representado. As informações podem ser sobrepostas

diretamente sobre a representação gráfica ou indiretamente, através de hotspots

disponibilizados, ativando textos, imagens ou mesmo sons. Estes podem ser

executados ou exibidos de acordo com o interesse de modo a disponibilizar mais

recursos para um melhor entendimento do monumento constituindo uma aplicação

hipermídia plena.

Os experimentos realizados mostram-se promissores, de modo que espera-se

num futuro próximo a possibilidade da produção de representações realísticas de

monumentos, dotadas de alto nível de detalhes e informações, através do uso de

panoramas fotográficos, uma tecnologia de fácil manipulação e de baixo custo.

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6 Considerações Finais

Como observado neste trabalho, através da síntese das tecnologias apresentadas e

dos estudos de caso relatados, as possibilidades para representação e divulgação do

patrimônio arquitetônico são amplas e estão na fase preliminar das suas utilizações,

especialmente no caso brasileiro, visto que estas experiências relatadas são

apresentadas muito mais como experimentos e possibilidades, e não como prática

corrente que venha sendo adotada.

As aplicações de visualização do patrimônio cultural, baseadas em RV não-

imersiva e RA indireta, no caso brasileiro são mais promissoras a curto prazo, visto

que não necessitam de sofisticados aparatos tecnológicos para a visualização e

interação. Isto propicia o acesso às informações, contribuindo para o conhecimento,

promovendo a valorização do patrimônio cultural para várias camadas da população,

possibilitando o contato com valores que demandaria deslocamentos aos locais dos

monumentos ou a ida à bibliotecas onde se poderia encontrar livros especializados.

É importante ressaltar que não se pretende aqui defender a redução das visitas

aos sítios físicos ou mesmo às bibliotecas, mas pelo contrário, o que se pretende é a

ampliação da divulgação e do acesso ao conhecimento, que fará despertar em muitos

o desejo de conhecer os locais e buscar informações mais específicas em livros.

Assim, o grande papel a ser desempenhado por estas tecnologias é na promoção da

educação patrimonial e na preservação deste patrimônio, através do reconhecimento

do seu valor por amplos seguimentos da população.

Finalmente, cabe lembrar que as mídias digitais também agregam perigos

potenciais e efetivos. Alguns deles são decorrentes da sua acelerada evolução

tecnológica, que é altamente positiva, visto que reduz custos, amplia o acesso e

simplifica o uso e as aplicações, tudo isto com ganhos de qualidade e de

produtividade. Mas, por outro lado, gera como consequência uma vertiginosa

obsolescência, especialmente no que se refere à perda de compatibilidade em

formatos de dados e arquivos, e na descontinuidade na fabricação de dispositivos de

leitura e exibição das informações. Assim, é papel das universidades e centros de

pesquisa olharem para estes aspectos, de modo que aquilo que está sendo produzido

a duras custas não venha a ser perdido. Cabe portando o encaminhamento destas

questões e a busca por padrões neutros e estáveis, para o armazenamento dos dados

e informações sobre o patrimônio cultural da humanidade.

Agradecimentos

Os autores registram seus agradecimentos: a CAPES, pela concessão de bolsa de

mestrado; ao CNPq, pela bolsa de iniciação científica e de produtividade em pesquisa,

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bem como o auxílio financeiro concedido ao grupo de pesquisa.

Referências

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