Visão de Rio Branco

  • Upload
    phmbsn

  • View
    67

  • Download
    2

Embed Size (px)

Citation preview

Viso de Rio Branco o homem de estado e os fundamentos de sua poltica

Viso de Rio Branco o homem de estado e os fundamentos de sua poltica

Arno Wehling[footnoteRef:1]* [1: * Presidente do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro]

A relao do homem de estado com as foras profundas da sociedade tem sido objeto de largas indagaes, da filosofia psicologia[footnoteRef:2], passando pela anlise concreta da sua atuao, propiciada pela historiografia. [2: Jean Baptiste Duroselle, A Europa de 1815 aos nossos dias, So Paulo Pioneira, 1989, p.145 ss. Jean Baptiste Duroselle e Pierre Renouvin, Introduo histria das relaes internacionais, So Paulo, Difel, 1982, p.382 ss.]

Na cultura clssica a relao foi em geral considerada levando em conta valores e atitudes de ordem moral ou religiosa, como encontramos em Tito Lvio ou Plutarco: o herosmo, a coragem, a astcia, o favor dos deuses; ou mesmo filosfica, quando Tucdides e Polbio procuram relacionar atitudes e comportamentos a regularidades ontolgicas que se desvelariam aos olhos do historiador por uma correta anamnese .No Renascimento, Maquiavel, inaugurando a via moderna de anlise, que nos marca ainda hoje, decretou a autonomia do poltico e, no caso que nos interessa, criou os conceitos de virt e fortuna para objetivar a interpretao das aes do homem de estado, liberando-o das amarras metafsicas de qualquer natureza.Na esteira dessa ruptura maquiavlica encontramos, na prtica da grande poltica desde o sculo XVI, a razo de estado, cuja doutrina Meinecke estudou em sua obra fundamental.[footnoteRef:3] Quanto ao papel do homem de estado, nesse contexto, ele foi percebido num largo espectro, que vai do individualismo romntico de Carlyle o heri conduz a histria ao mais radical determinismo sociolgico, a ponto de alguns historiadores marxistas simplesmente negarem qualquer valor intelectual biografia. [3: Friedrich Meinecke, Die idee des Staatsrason in die neurer Geschichte, Munique, Oldenburg, 1955, p.5ss.]

No entanto, quer na perspectiva da metafsica clssica, quer na perspectiva empirista moderna, o problema colocado o mesmo: qual a relao entre o homem de estado e as foras profundas?Entre as vrias respostas possveis, a pesquisa histrica tem demonstrado, no estudo da atuao de homens como Cromwell, Napoleo ou Bismarck, que o sucesso do homem de estado est na correta percepo das foras profundas, externas e internas sua sociedade, e na sua capacidade de nelas intervir. O diagnstico pode ser mais intuitivo ou mais racional, no importa, mas os objetivos definidos e os procedimentos traados para atingi-los precisam desta adequao social.A falta de sintonia entre o homem de estado e estas foras produz duas opes que o anulam enquanto tal. A oposio a elas o torna anacrnico, como se fora o representante de um antigo regime. Ele simplesmente exerce um poder enfraquecido, contestado, freqentemente efmero. Talvez fosse o papel de Rio Branco, se tivesse continuado na vida parlamentar e a sua sobranceira distncia da poltica interna durante o consulado no Itamaraty parece ser indcio plausvel do acerto desta hiptese.Por outro lado, a simples adeso s foras profundas o transforma em mero gestor das possibilidades que ensejam, sem sobre elas atuar de modo decisivo. Ser um socitico menor, mas nunca um Rio Branco.Assim, apesar de ter tido sua obra diplomtica, em geral, e particularmente no Ministrio entre 1902 e 1912, bem estudada, restam algumas questes que poderiam ser consideradas sob o ngulo da relao homem de estado -foras profundas.Os historiadores que trataram da biografia do Baro do Rio Branco ou das questes diplomticas em que atuou, encontram alguns grandes temas, de modo quase consensual. Sem desejar realizar uma incurso historiogrfica, importante menciona-los para, a partir da identificao de objetivos e procedimentos do Baro do Rio Branco, procurar fixar os fundamentos de sua poltica.A delimitao de fronteiras, com ou sem a incorporao de territrios cuja soberania encontrava-se incerta, o aspecto mais relevante da atuao de Paranhos Jr. , quer no perodo tcnico-diplomticoque precedeu participao no governo, quer no perodo de seu exerccio no Ministrio.Caracterizaram esse aspecto de atuao de Rio Branco, conforme l-se nos especialistas, o exmio uso de conhecimentos jurdicos, geogrficos e histricos para a defesa dos interesses brasileiros, o recurso exaustivo negociao e, mesmo, quando considerado necessrio, o emprego da fora militar, como ocorreu no Acre.[footnoteRef:4] [4: Os temas foram estudados pelos bigrafos de Rio Branco, como Alfredo de Carvalho, Aluzio Napoleo, lvaro Luiz, G.de Arajo Jorge e Luiz Viana Filho.]

A aproximao com os Estados Unidos constituiu-se outro ponto relevante, devidamente assinalado pela historiografia. A aliana no-escrita, como a chamou o brazilinista Bradford Burns,[footnoteRef:5] teve, apesar disso, inmeros textos escritos e gestos simblicos a explicit-la Este foi o caso da denominao do pavilho brasileiro na exposio de So Lus como Palcio Monroe, gesto repetido quando da edificao de seu homlogo no Rio de Janeiro, em 1906, para sediar a terceira Conferncia Internacional Americana.[footnoteRef:6] Constitua-se, assim, um daqueles lugares de memria estudados pelos especialistas em memria social.[footnoteRef:7] [5: E.Bradford Burns, The unwriten alliance: Rio-Branco and Brazilian-American relations. New York: Columbia University Press, 1966.xiv, 305p.] [6: Baro do Rio Branco, Discursos, in Obras Completas, Rio de Janeiro, MRE, 1945, vol.IX, p.143.] [7: Arno Wehling e Maria Jos Wehling, Memrias e histria: convergncias e divergncias, in Arno Wehling e Maria Jos Wehling, Memria social e documento, Rio de Janeiro, UNI-Rio, 1997, p. 5ss.]

O cultivo de boas relaes bilaterais com os estados hispano-americanos e mesmo a tentativa de acordo mais amplo, como ocorreu com o ABC, concomitante preocupao com o fortalecimento militar do pas, foram outros aspectos j bem conhecidos, embora de interpretao mais controvertida, pois esta ltima poltica j foi vista por um bigrafo do Baro como a reconquista da antiga hegemonia poltica e militar do Brasil, na Amrica do Sul,[footnoteRef:8] enquanto outros no vem contradio entre as manifestaes de boa-vizinhana e o fortalecimento militar como fiador da soberania. [8: A.G.de Arajo Jorge, Introduo s Obras do Baro do Rio Branco, in Obras Completas, Rio de Janeiro, MRE, 1945, p.210]

Quais seriam, assim, os fundamentos da poltica de Rio Branco, considerados os diferentes momentos de sua atuao no ministrio?Uma certa idia do Brasil. Como o general De Gaulle abre seu livro de memrias falando de uma certa idia da Frana que sempre o perseguiu, tambm o Baro do Rio Branco manifestava uma certa idia do Brasil. Ele a externou em diversas ocasies, inclusive no discurso pronunciado no Clube Naval, a 1 de dezembro de 1902, dia de sua chegada ao Rio de Janeiro para assumir o ministrio , quando afirmou que chegava para servir ao pas, que todos desejamos ver unido, ntegro, forte e respeitado.[footnoteRef:9] [9: Baro do Rio Branco, Discursos..., op.cit., p.52. Este aspecto foi tambm lembrado em Rbens Ricupero, Rio Branco. O Brasil no mundo, Rio de Janeiro,Contraponto, 2000, p.10ss.]

A clara concepo da razo de estado. Desde os estudos de Ranke sobre os estados renascentistas e as origens da poltica internacional europia e, depois dele, a anlise clssica de Friedrich Meineiche sobre a evoluo da razo de estado na histria moderna, este conceito passou a constituir chave fundamental para a compreenso das aes estatais no plano externo. Tanto no plano da organizao institucional dos estados como no de sua poltica exterior, a idia de uma razo de estado implementadora da soberania tornou-se largamente difundida, numa poca em que o pluralismo das instituies e das formas polticas ainda apresentava resistncias ao pleno desenvolvimento das foras centrpedas dos estados.Presente na formulao dos lderes polticos do Imprio, tanto nos seus esforos de integrao nacional, como na sua poltica externa, a razo de estado neste ltimo plano teve plena aplicao na gesto de Rio Branco no Itamaraty. Identificar os objetivos e interesses do estado brasileiro, que expressava as superiores finalidades nacionais sobre os aspectos circunstanciais e eventuais de governos, grupos partidrios e homens pblicos, era o seu norte poltico, claramente expresso em diferentes momentos de sua presena no Itamaraty.Essa ntida percepo da razo de estado chegou a leva-lo, em certas circunstncias bem determinadas e avaliadas a seu passo mais radical, e Realpolitik.A admisso da Realpolitik . Rio Branco era um intelectual, que possua vasto conhecimento, sobretudo de histria e geografia. Mas no era um terico, no sentido de que sua perspectiva no era baseada numa percepo doutrinria do real, mas nas condies objetivas de cada situao.Nesse ponto no h como deixar de associar sua posio de Bismarck, quando este via a poltica como uma cincia das possibilidades a considerar.[footnoteRef:10] O senso de oportunidade de Rio Branco foi, assim, marca de uma concepo de Realpolitik, que, entretanto, ao contrrio de outros exemplos europeus, pautou-se por alguns critrios ticos e jurdicos muito explcitos. [10: Friedemann Bedurftig, Taschenlexikon Bismarck, Munique, Piper, 1998, p.177.]

Quando promoveu a interveno militar no Acre, por exemplo, a despeito da doutrina pacifista e arbitrista que defendia para a resoluo dos problemas internacionais, na medida que avaliou os riscos de uma negociao circunscrita aos meios diplomticos.Quando optou pela aproximao com os Estados Unidos, numa conjuntura de clara preponderncia europia, particularmente britnica, na Amrica do Sul. Essa preponderncia, que no caso brasileiro significou a continuao da implementao do funding-loan de Campos Sales Joaquim Murtinho, traduziu-se no caso da Venezuela, no prprio ms da posse de Rio Branco no Ministrio, na interveno militar da Inglaterra, Alemanha e Itlia, com o bloqueio do litoral daquele pas.[footnoteRef:11] A ao dos Estados Unidos, atravs dos Protocolos de Washington, de fevereiro do ano seguinte, conseguiu suspender o bloqueio e transferir para o Tribunal de Haia a deciso sobre os direitos creditcios especiais dos trs pases interventores. [11: Alejandro Contreras Rodriguez, Relaciones exteriores de Venezuela, in Manuel Rodriguez Campos (ed.) Diccionario de Historia de Venezuela, Caracas, Polar, 1997, vol.III, p.869.]

O interesse dos Estados Unidos em passar de ator coadjuvante a principal na Amrica do Sul no passou despercebida Realpolitik de Rio Branco, que viu nela excelente oportunidade para diminuir a dependncia inglesa. O assunto j foi tratado na historiografia brasileira, alis, como a adeso, sem carter caudatrio, ao sub-sistema norte-americano de poder.[footnoteRef:12] Nesse mesmo sentido Rio Branco tambm foi apontado como sendo o autor de um novo paradigma face posio assimtrica do Brasil no quadro das relaes internacionais, que teve a abertura para os Estados Unidos como lance mais significativo.[footnoteRef:13] [12: Clodoaldo Bueno, Poltica exterior de Rio Branco: o Brasil e o sub-sistema norte-americano de poder (1902-1912), So Paulo, tica, 1977, p.113.] [13: Rubens Ricupero, op.cit.p.15ss.]

Tendo como lance mais importante a criao da primeira embaixada em Washington, a aproximao com os Estados Unidos foi defendida na imprensa pelo prprio chanceler. Como sabemos, sob o pseudnimo de J. Penn, Rio Branco publicou em 12 de maio de 1906 o artigo O Brasil, os Estados Unidos e o monrosmo, no qual defendendo-se dos crticos internos, como Eduardo Prado, procurava assinalar a fora da tradio das relaes brasileiro-norte-americanas desde a independncia.[footnoteRef:14] [14: Baro do Rio Branco, O Brasil, Os Estados Unidos e o Monrosmo, in Estudos Histricos, Obras Completas, vol. VIII, p.129 ss.]

No deixou de citar, a, a posio de Tavares Bastos na dcada de 1860 a este respeito, nem de lembrar os riscos representados pela presso de pases sul-americanos em Washington desde 1824 at 1904, com o intuito de afastar os dois pases.[footnoteRef:15] [15: Idem, p.151.]

Sem desejar melindrar as chancelarias europias e visando os argumentos de seus adversrios internos, justificou a aproximao com tais dados histricos, at certo ponto esvaziando, diplomtica ou maquiavelicamente, seu carter inovador. Chegou a considerar, no discurso de recepo a William Bryan, em 1910, como natural a poltica de aproximao, especialmente depois da Repblica, quando o pas diria, organizou se com uma constituio quase inteiramente copiada das vossas leis constitucionais.[footnoteRef:16] [16: Baro do Rio Branco, Discursos..., op.cit, p.233.]

Uma poltica de poder e de prestgio. Poder e prestgio eram categorias intimamente associadas desde que a diplomacia europia, matriz desses conceitos em matria de relaes internacionais, constituiu-se como um dos braos da burocracia estatal. Historiador e diplomata, Rio Branco, profundo conhecedor de evoluo dos estados europeus aps o Renascimento, no poderia ignora-las quando de sua ascenso ao Ministrio das Relaes Exteriores. competente negociao diplomtica os estados bem sucedidos deveriam agregar polticos de poder e prestgio. Essa lio, que vinha da diplomacia do Antigo Regime e que se cristalizou na poltica de poder do sculo XIX, Rio Branco a aplicou necessidade de fortalecimento do pas. Sua decisiva ao no sentido de consolidar exrcito e marinha correspondeu, na primeira dcada do sculo XX, efetiva entrada do Brasil no exclusivo rol de pases que se pautavam por uma poltica de poder e prestgio que ultrapassava a mera retrica nacionalista. Contra esses, afirmava Rio Branco:A paz no depende somente da nossa vontade, dos nossos sentimentos de concrdia constantemente demonstrados (...) Depende tambm e principalmente da vontade de numerosos vizinhos que nos cercam. (...) Para que algum ou alguns de nossos vizinhos se no anime a dirigir-nos afrontas, a ferir os nossos brios e os nossos direitos, preciso que estejamos preparados para a imediata e eficaz repulsa , e para isso necessrio que estejamos aparelhados com todos os elementos necessrios defesa nacional, no s com o material, mas com uma fora perfeitamente instruda e exercitada, contando com reservas numerosas que possam de pronta acudir s fileiras reforando os efetivos de paz e acudindo rapidamente (...) aos pontos ameaados nas nossas fronteiras ou no nosso vastssimo litoral.[footnoteRef:17] [17: Idem, p.222]

Inscrita no mbito da poltica de poder e prestgio, com fortes reflexos na opinio pblica, encontra-se, tambm, a criao do primeiro cardinalato sul-americano, fruto de gestes diplomticas bem encaminhadas junto Santa S. [footnoteRef:18] [18: Francisco Vinhosa O Baro e o Cardinalato in Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, 1996, n 391, p.301.]

A conscincia do limite das ambies polticas do pas. Rio Branco muito conscientemente definiu os limites das ambies polticas do Brasil em matria de relaes externas. Embora o que denominamos de poltica de poder e prestgiodo Baro j tenha sido vista como a mencionada reconquista da antiga hegemonia poltica e militar do Brasil[footnoteRef:19], parece-nos que, antes de uma hegemonia, a poltica do chanceler visou e conseguiu uma preeminncia proporcional s dimenses geogrficas demogrficas, polticas e econmicas do pas poca. [19: A.G.Arajo Jorge, op cit , p.210.]

O homem de estado bem sucedido costuma: reconhecer seus limites. Por isso e vale uma vez mais o paralelo Bismarck recusou aos nacionalistas extremados qualquer esforo pan-germanista de Anschluss da ustria e manteve a contragosto a Alscia e a Lorena, cedendo s presses do Estado Maior.[footnoteRef:20] Acertou, no primeiro caso, pois respeitou o equilbrio europeu e evitou as reaes da Inglaterra, Rssia, Frana e Itlia. Errou, malgr lui, no segundo caso, e provocou o esprito, que temia, da revanche pour Sedan. [20: Allan Palmer, Bismarck, Brasilia, UNB, 1982, p.143 ss.]

Na prtica de Rio Branco, a conscincia desses limites e a necessidade de divulg-la juntos aos principais interessados os pases limtrofes, notadamente, por suas caractersticas e, pelos conflitos anteriores entre os dois estados, a Argentina fez com que repetisse as intenes de paz , de respeito ao direito internacional e sublinhasse a identidade de interesses. Na visita de Roque Saenz Pena, ento presidente eleito da Argentina, em 1910, reiterou: Na ordem poltica, tambm no podemos razoavelmente entrar em conflito, porque os nossos ideais so os mesmos, e idntico o programa internacional de concrdia e paz por que ambos os governos procuram com empenho regular-se.(...)

Sem ambio alguma de preponderncia poltica, que alguns adversrios nossos injustamente nos tm por vezes atribudo, s anelamos ver correspondidos fraternos e desinteressados sentimentos que nos animam para com todos esses povos....[footnoteRef:21] [21: Baro do Rio Branco, Discursos..., op.cit., p.251-252.]

O desgosto pelo fanatismo nacionalista. Se Rio Branco era um homem da Realpolitik, fazendo uso de seus atributos intelectuais para atingir objetivos polticos claramente identificados, tinha tambm um perfil psicolgico clssico, distante de arroubos emocionais. Ambos os aspectos, aos quais se acrescia a concepo da poltica externa como representativa da nao como um todo, faziam com que buscasse identificar objetivos, meios e limites da ao nacional e estatal.Embora preocupado com a afirmao brasileira, estava distante, assim, de qualquer nacionalismo radical e de seus arroubos retricos. Numa poca de acendrado nacionalismo na Europa, cujos reflexos faziam-se sentir, na Amrica do Sul ademais dos fatores locais, soube manter-se numa linha de estrita observncia dos interesses nacionais, sem que isso representasse hostilidade ou arrogncia em relao aos pases limtrofes, especialmente os platinos. E seu discurso sempre procurou deixar claro que a decidida defesa de interesses nacionais no implicava no menosprezo do interesse dos demais estados. A jurisdicidade da atuao internacional. O respeito pelo direito internacional e a resoluo pacfica de conflitos, preferentemente tendo por instrumento a arbitragem, que alis era norma acolhida pela Constituio de 1891, caracterizou a ao de Rio Branco na esfera da jurisdicidade. Expressa na sua ao paramericanista, nas questes de limites antes e durante seu ministrio ou na Conferncia de Haia, a tese da jurisdicidade no era apenas a defesa abstrata de um ponto de vista valorativo, mas uma estratgia pragmtica para estados menores que conviviam na selva da grande poltica internacional de poder. Num mundo retalhado colonialmente pelas potncias europias , no qual emergiam os Estados Unidos e a Rssia como novos atores principais e fortemente influenciado pelas grandes corporaes da Segunda Revoluo Industrial, a margem de atuao de estados como o Brasil foi limitada e certamente um de seus instrumentos era fazer admitir, pelas grandes potncias, um mnimo de regras jurdicas.A compreenso desse condicionamento e o uso hbil das oportunidades que se abriam para isso, como a exposio em encontros internacionais, explicam a atuao do Baro nesta esfera. A defesa da igualdade jurdica entre estados neste mundo dominado por um darwinismo diplomtico to autofgico como o biolgico ou o social, certamente ponto positivo do consulado de Rio Branco no Itamaraty.A autonomia da poltica externa. Rio Branco, afastado da poltica partidria desde 1876,[footnoteRef:22]concebia a poltica externa, como a maioria dos homens de estado do sculo XIX, como autnoma e certamente superior poltica interna. Entendia-a como representante dos interesses maiores da nao e do estado[footnoteRef:23] e eventualmente comandando a poltica interna, na medida que este deveria atende-lhe s demandas, como no caso do fortalecimento militar do pas. [22: Idem, p.52.] [23: Concepo j comentada por Gilberto Freire; Gilberto Freire, Ordem e Progresso, Rio de Janeiro, Jos Olmpio, 1958, vol.1, p.182.]

Nessa perspectiva, os provincianismos e as questinculos de aldeia deveriam ceder o passo ao esforo solicitado pela grande poltica externa. Era o Primat der Aussenpolitik, de que falava Ranke, ao defender a necessidade de dispor todas as suas circunstncias internas em funo de sua afirmao frente ao exterior.[footnoteRef:24] [24: Leopold von Ranke, Politisches Gresprch, Hamburgo, Hoffmann Campe, 1949, p.97.]

Essa concepo encontrava-se no ar desde o final do sculo XIX e parece refletir a primazia que os problemas do equilbrio europeu ou da balana de poder adquiriram, em diferentes pases, sobre os da poltica interna. Ela se confirmava, aparentemente, nos lances decisivos das guerras da Revoluo Francesa, e, ao longo do sculo XIX, na poltica napoleonica, no Rule Britanniae na poltica de alianas bismarckeana. Seu primeiro diagnstico intelectual apareceu em Dilthey, quando este identificou, na obra historiogrfica de Ranke a propsito dos estados da idade moderna, a percepo inicial de que era ao comando da grande poltica externa que se moviam as peas da poltica domstica.No Brasil da poltica dos estados e do coronelismo municipal - leiam-se os textos de Silvio Romero sobre a poltica nacional desta dcada a grande poltica externade Rio Branco efetivamente contrastava com o quotidiano da pequena poltica regional. E aqui o homem de estado conseguiu forar at o limite do suportvel as foras profundas, fazendo adotar uma poltica de defesa e segurana que se contrapunha, entre outros, ao fortemente difundido pacifismo positivista, que via nos exrcitos uma sobrevivncia de estgios histricos superados e que fora dos principais responsveis pelo desapreo voltado s foras armadas desde o fim do Imprio.

A suma desta doutrina, que no era apenas de Rio Branco mas de vrias geraes de diplomatas oitocentistas, encontra-se no discurso do Clube Naval, quando disse: no venho servir a um partido poltico: venho servir ao nosso Brasil.[footnoteRef:25] [25: Ibidem.]

Pelo pressuposto que embaavam a atuao de Rio Branco no Itamaraty, parece claro que o chanceler, nas relaes com as foras profundas que o condicionavam, soube diagnosticar com objetividade as potencialidades e os limites de sua ao. No foi um caudatrio dos condicionamentos, nem um voluntarista visionrio que a eles se ops; conseguiu identificar com invulgar preciso sua margem de atuao, com o fim de atender quela finalidade que se props no discurso de chegada: servir o Brasil, otimizando suas possibilidades no plano internacional.

1