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Visões da Obra de Helio Jaguaribe

Visões Sobre a Obra de Hélio Jaguaribe (28!04!15)

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  • Vises da Obra de Helio Jaguaribe

  • MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Mauro Luiz Iecker VieiraSecretrio-Geral Embaixador Srgio Frana Danese

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    Diretor Embaixador Jos Humberto de Brito Cruz

    Centro de Histria eDocumentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

    Conselho Editorial da Fundao Alexandre de Gusmo

    Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Membros Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg Embaixador Jorio Dauster Magalhes e Silva Embaixador Gonalo de Barros Carvalho e Mello Mouro Embaixador Jos Humberto de Brito Cruz Embaixador Julio Glinternick Bitelli Ministro Lus Felipe Silvrio Fortuna Professor Francisco Fernando Monteoliva Doratioto Professor Jos Flvio Sombra Saraiva Professor Antnio Carlos Moraes Lessa

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

  • Braslia 2015

    Vises da Obra de Helio Jaguaribe

    Srgio Eduardo Moreira Lima(Organizador)

  • V832 Vises da obra de Helio Jaguaribe / Srgio Eduardo Moreira Lima (organizador). Braslia : FUNAG, 2015.

    135 p. ISBN 978-85-7631-539-1

    1. Jaguaribe, Helio, 1923-. 2. Jaguaribe, Helio, 1923- crtica e interpretao. 3. Poltica externa - Brasil. I. Lima, Srgio Eduardo Moreira. II. Srie.

    CDU 929Jaguaribe

    Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170 900 BrasliaDFTelefones: (61) 2030 6033/6034Fax: (61) 2030 9125Site: www.funag.gov.brE mail: [email protected]

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaLvia Castelo Branco Marcos MilanezFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeAlyne do Nascimento Silva

    Projeto Grfico:

    Daniela Barbosa

    Capa:Foto de Helio Jaguaribe, por Ernesto Baldan

    Programao Visual e Diagramao:Grfica e Editora Ideal

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

    Impresso no Brasil 2015

  • SUMRIO

    Apresentao......................................................................................7Mauro Vieira, Ministro das Relaes Exteriores

    Prefcio ................................................................................................9Srgio Eduardo Moreira Lima

    Mensagens ao homenageado:Fernando Henrique Cardoso .................................................... 21Luiz Incio Lula da Silva .......................................................... 23

    EnsaiosZelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe ....... 27Celso Lafer

    Helio, o pedagogo de nossa contemporaneidade..................... 45Candido Mendes

    Helio Jaguaribe y la relacin Argentina Brasil ......................... 61Aldo Ferrer

    A poltica externa de Helio Jaguaribe ......................................... 81Samuel Pinheiro Guimares

    Interveno do economista Joo Paulo de Almeida Magalhes ao final da homenagem ........................................... 107

  • Palavras de agradecimento de Helio Jaguaribe ...................... 111

    Biografia de Helio Jaguaribe ....................................................... 113

    Bibliografia do homenageado .................................................... 117

    Breve biografia dos participantes .............................................. 123

  • 7APRESENTAO

    com grande satisfao que apresento Vises da Obra de Helio Jaguaribe, um merecido tributo a esse grande intelectual e figura pblica brasileira.

    Por meio desta publicao, a Fundao Alexandre de Gusmo rene as exposies apresentadas sobre sua obra por um distinto grupo de intelectuais, em evento realizado em 2013, no auditrio do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB).

    A diversidade das perspectivas aqui reunidas reflete a riqueza da contribuio de Helio Jaguaribe, um pensador cuja obra e atuao pblica no cabem em um campo especfico do conhecimento. Cientista poltico, socilogo, antroplogo, filsofo, historiador, pensador das relaes internacionais, advogado, homem pblico, Helio Jaguaribe navegou na transversalidade dos universos do saber necessrios compreenso e transformao do Brasil.

    Sem jamais ceder no rigor acadmico, essencial a uma anlise precisa de nossos desafios nacionais, Jaguaribe complementou-o com uma inabalvel f em nosso Pas e deu munio intelectual para um Brasil que, em vez de render-se inrcia, cada vez mais confia em si, assume o controle de seu destino e aperfeioa sua

  • Mauro Vieira

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    construo como nao. O resgate da autoestima nacional, o valor de um nacionalismo equilibrado, a promoo da paz e a ativa perseguio do desenvolvimento, bandeiras intelectuais e prticas de Helio Jaguaribe, distinguem cada vez mais a nao brasileira.

    Como ocorre com grandes pensadores, as reflexes de Jaguaribe transcenderam as fronteiras nacionais. Profundo conhecedor das relaes internacionais, tanto da tica histrica quanto da atualidade de suas transformaes, Jaguaribe ofereceu valiosa anlise de conceitos que hoje compem o repositrio de princpios estratgicos da ao internacional do Estado brasileiro.

    Independncia nacional, autodeterminao, universalidade e diversidade das relaes exteriores, paz, soluo pacfica de controvrsia, imperativo do desenvolvimento, insero externa lastreada na integrao sul-americana, superao da insero perifrica na economia mundial, entre tantos outros, integram esse rol de princpios.

    O pensamento diplomtico brasileiro, em geral, e o Itamaraty, em particular, muito se enriqueceram com os conceitos, as anlises, os princpios e os valores defendidos por Jaguaribe.

    Este livro soma-se, assim, ao seminrio realizado em 2013 e publicao de quatro obras de Helio Jaguaribe pela FUNAG para compor uma expressiva homenagem a esse grande intelectual brasileiro.

    Braslia, 31 de maro de 2015

    Embaixador Mauro VieiraMinistro de Estado das Relaes Exteriores

  • 9PREFCIO

    Com sua obra, Helio Jaguaribe lega a geraes de brasileiros contribuio fecunda ao conhecimento do nosso tempo a partir da perspectiva do Brasil. Essa tem sido tambm a misso da Fundao Alexandre de Gusmo (FUNAG), que se inspira nos valores do seu patrono, sintetizados no compromisso com a pesquisa, na busca e difuso do conhecimento, na crena na diplomacia, na tica e no primado do direito. natural, assim, a homenagem que a FUNAG presta a esse grande pensador brasi-leiro, que, a exemplo de Gusmo, transcendeu com sua viso de mundo as fronteiras nacionais.

    A obra de Jaguaribe tornou -se instrumento necessrio no apenas compreenso da realidade do Brasil, mas tambm criao de condies para transform -la, superando mazelas sociais que ainda condicionam o desenvolvimento do Pas e fragilizam a legitimidade de suas instituies.

    Em 26 de novembro de 2013, no auditrio do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), a Fundao Alexandre de Gusmo, ento presidida por meu antecessor, Embaixador Jos Vicente Pimentel, organizou homenagem a Helio Jaguaribe, com a

  • Srgio Eduardo Moreira Lima

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    participao, como palestrantes, de outros expoentes da academia e da diplomacia da Amrica Latina. As exposies feitas na ocasio por essas personalidades formam a publicao ora editada pela FUNAG e seguem a ordem em que foram apresentadas pelos Professores Celso Lafer, ex -Ministro das Relaes Exteriores, e Candido Mendes, Presidente da Academia da Latinidade; e pelos Embaixadores Aldo Ferrer, da Argentina, e Samuel Pinheiro Guimares, ex -Secretrio-Geral das Relaes Exteriores.

    Em artigo publicado no Estado em 21 de abril de 2013, Celso Lafer havia recordado que Jaguaribe pertence a uma admirvel gerao que comeou a produzir na dcada de 1950 e, inspirada no que escrevera a anterior (citou Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr.), buscou explicar o Brasil, a partir de distintas perspectivas. Posteriormente, em novembro de 2013, por ocasio da homenagem que motiva a presente publicao, Lafer, tambm Professor emrito do Instituto de Relaes Internacionais da Universidade de So Paulo, situou Helio Jaguaribe na linhagem de intelectuais, inaugurada por Jos Bonifcio, que ajudou a construir e aprimorar a nao brasileira. Alm disso, assinalou que Jaguaribe patrono inaugural do pensamento acadmico sobre relaes internacionais no Brasil, tendo produzido extensa anlise do tema autonomia versus dependncia, para a qual contribuiu sua distino conceitual entre nacionalismo de meios e nacionalismo de fins.

    De acordo com o Professor Candido Mendes, tambm colega de Jaguaribe na Academia Brasileira de Letras, companheiro e parceiro intelectual de longa data, desde sua juventude, o homenageado, j nos tempos do Colgio Santo Incio, amadurecia

  • Prefcio

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    uma reflexo rebelde e buscava um referencial fundador para a nossa compreenso emergente, o que resultou em uma produo original, extensa e de inegvel relevncia para a compreenso da realidade brasileira.

    Ainda para Candido Mendes, em sua exposio oral, o pensamento de Helio Jaguaribe beneficiou -se de um contexto histrico no qual se ampliou o intercmbio com fontes de conhe-cimento variadas, no mais restritas aos clssicos, e inovadoras da perspectiva nacional. Esse contexto de efervescncia cultural implicou, nas palavras do eminente reitor da Universidade Candido Mendes, uma acelerao no tempo histrico no pensar brasileiro. Nessa nova fase do pensamento brasileiro, destacava -se, segundo ele, a racionalidade de Helio Jaguaribe, que mantm uma viso socrtica do conhecer, do saber.

    Por sua vez, o Embaixador Aldo Ferrer lembrou, na palestra proferida aps a do Professor Candido Mendes, que o alcance da obra de Helio Jaguaribe ultrapassa as fronteiras do Brasil para estender--se a toda a Amrica Latina, exercendo particular influncia sobre o pensamento na Argentina, pas de Ferrer. Para este, Jaguaribe aprofundou -se na anlise das relaes Brasil -Argentina e concluiu que, embora os dois pases no possam mudar vrios aspectos da realidade internacional, como a insegurana, a injustia e as assimetrias, podem, contudo, determinar a melhor forma de inserir -se e influir nessa realidade. Ferrer enalteceu a contribuio acadmica de Jaguaribe aliana estratgica entre os dois pases. Assim, deu seu testemunho sobre o tema: a aliana estratgica entre a Argentina e o Brasil um instrumento fundamental para o desenvolvimento pleno de cada um dos dois pases e para sua

  • Srgio Eduardo Moreira Lima

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    projeo internacional. Helio vinha predicando essa ideia da aliana estratgica. E, certamente, naquela oportunidade poltica, quando os dois pases retornavam democracia, so produzidas mudanas profundas no relacionamento bilateral. Resolve -se o problema nuclear. Ambos os pases chegam concluso recproca de que o uso pacfico dessa energia no representava nenhuma ameaa de segurana ao outro pas.

    Ainda no tocante ao impacto da democracia nas relaes bilaterais, sempre no contexto da obra de Jaguaribe, o Embaixador e respeitado pensador e economista Aldo Ferrer ressaltou em seu depoimento: firmaram -se acordos bilaterais prvios ao do Mercosul com o propsito de acelerar o desenvolvimento da integrao dos dois pases. Finalmente, criou -se o Mercosul, com o protagonismo de Argentina e Brasil. As condies polticas ento estabelecidas contriburam para a (prpria) recuperao da democracia nos dois pases.

    Por fim, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimares, quarto palestrante e ensasta da cerimnia, enalteceu a extraordinria atualidade das ideias defendidas por Jaguaribe, bem como o alcance de sua contribuio para a poltica externa brasileira. Entre os vrios exemplos por ele citados da influncia do pensador brasileiro, recordou que, em diferentes momentos de sua obra, Helio ressalta a importncia do desenvolvimento nacional, das condies internas do Pas, para a possibilidade de execuo de uma poltica externa independente. Pinheiro Guimares observou que Jaguaribe empregava a expresso poltica externa independente pelo menos trs ou quatro anos antes que ela adquirisse uso corrente e se tornasse referncia no pensamento diplomtico brasileiro.

  • Prefcio

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    Outro exemplo citado pelo palestrante foi a prioridade que, desde cedo (1958), Jaguaribe preconizava fosse atribuda s relaes do Brasil com a Argentina e com a Amrica Latina, antecipando -se s ideias de integrao que levaram criao do Mercosul. Na sequncia desse exerccio de demonstrar a amplitude da contribuio da obra do homenageado formulao da poltica externa brasileira, o Embaixador Pinheiro Guimares aludiu a conceitos e a trechos dos escritos de Jaguaribe que antecipam, segundo ele, a prpria formao do BRICS.

    Alm das palestras proferidas por essas quatro personalidades, das quais resultaram os ensaios que compem este livro, cabe registrar, neste Prefcio, a participao do Presidente do IHGB, Professor Arno Wehling. Ao inaugurar a cerimnia de novembro de 2013, no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Wehling manifestou sua satisfao em poder associar -se FUNAG na homenagem, com o mesmo esprito de admirao pelo homem e pela obra. O Professor Wehling ressaltou que o tributo a Helio Jaguaribe , antes de tudo, o reconhecimento a um trabalho de anlise de diferentes planos da formao brasileira, que frequentemente desenha cenrios para o futuro, encaminhando opes do presente. Ainda segundo o Presidente do IHGB, a obra de Helio Jaguaribe, construda a partir da sociologia e da cincia poltica, faz reflexes profundas sobre a sociedade, as relaes internacionais e o Estado brasileiro.

    Ao prosseguir na cerimnia de homenagem, o Embaixador Pimentel recordou que a Fundao Alexandre de Gusmo uma das ferramentas de que dispe o Ministrio das Relaes Exteriores para estabelecer dilogo com o meio acadmico e com

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    a inteligncia brasileira. Assim, nada mais justo e natural do que a FUNAG associar -se s comemoraes do 90 aniversrio do grande mestre e intelectual, que, ao longo de mais de 65 anos, tem dado contribuio extraordinria para que o Brasil conhea a si mesmo e o meio internacional em que atua. Com efeito, a partir da reflexo sobre esses dois contextos que o Brasil ter melhores condies de promover seu desenvolvimento com liberdade e autonomia, como recomenda a obra de Helio Jaguaribe.

    Pimentel considerou que todos os que participavam da homenagem intelectuais, historiadores, diplomatas e parentes de Jaguaribe contribuam com um grande presente ao pblico brasileiro, o qual agora tem a possibilidade de reler dois livros que estavam esgotados e que foram relanados na cerimnia de novembro de 2013. Editados pela FUNAG, os livros so: Introduo ao Desenvolvimento Social e Nacionalismo na Atualidade Brasileira. Alm dessas obras, a FUNAG publicou, na mesma ocasio, como terceiro volume, coletnea de vinte ensaios que o Professor Jaguaribe denominou Estudos Filosficos e Polticos.

    A obra Introduo ao Desenvolvimento Social, de 1978, analisa a atuao do setor pblico brasileiro na rea social e contribui com relevante marco terico para os estudos sociais no Brasil, ao discutir conceitos essenciais formulao de polticas de desenvolvimento.

    Em Nacionalismo na Atualidade Brasileira, de 1958, Helio Jaguaribe considera o nacionalismo brasileiro uma ideologia vaga, sem formulao terica e carregada de contradies, que teria surgido antes de sua prpria teoria, da caracterizao de seus fins e de seus planos. O pensador adverte que somente logram eficcia histrica os movimentos que atingem suficiente grau de

  • Prefcio

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    formulao e de racionalidade. Assim, o nacionalismo brasileiro

    encontraria sua legitimidade no desenvolvimento, por meio da

    promoo de condies de integrao e de coeso social, e com

    autonomia em suas relaes internacionais e em suas polticas de

    segurana e defesa.

    Na apresentao do volume Estudos Filosficos e Polticos,

    terceiro livro da trilogia editada pela FUNAG em homenagem

    a Helio Jaguaribe, a Professora Anna Jaguaribe assinala que ali

    se encontram os grandes temas de interesse e preocupao do

    Professor ao longo dos 65 anos de sua profcua e intensa produo

    intelectual. Focalizam desafios ao desenvolvimento brasileiro e as

    suas relaes internacionais no sculo XX, que continuam at hoje,

    em suas palavras, pautando as escolhas de poltica nacional.

    Segundo a Doutora Anna Jaguaribe, a preocupao que

    permeia a obra do homenageado entender e analisar os espaos

    de ao possveis para o Brasil, bem como as razes de certas

    opes sociopolticas.

    Para concluir este Prefcio, permitam -me aludir a outra

    obra recente editada pela FUNAG: Pensamento Diplomtico

    Brasileiro, Formuladores e Agentes da Poltica Externa (1750 1964),

    coletnea de artigos de diplomatas e professores especialistas no

    tema, publicada em 2013, em que seus organizadores e autores

    refletiram sobre personagens e ideias fundadoras do pensamento

    que o Brasil desenvolveu, no perodo, em defesa de seus valores e

    interesses perante a comunidade de naes. Nessa lista, o nome de

    Helio Jaguaribe aparece junto ao de heris nacionais, estadistas e

    historiadores, como Jos Bonifcio, Rio Branco, Rui Barbosa e Jos

    Honrio Rodrigues.

  • 16

    Srgio Eduardo Moreira Lima

    Do ponto de vista das relaes internacionais, trata -se de mais uma demonstrao do reconhecimento da importncia do trabalho de Jaguaribe e da crtica que se consolida sobre sua obra. A contribuio do cientista social s relaes internacionais do Brasil ali examinada pelo Professor Antnio Carlos Lessa no volume III daquele livro, sob o ttulo: Helio Jaguaribe: a Gerao do Nacional Desenvolvimentismo. Lessa apresenta Jaguaribe como o autor de trabalhos seminais da anlise poltica e socio-lgica do Brasil contemporneo que inspiraram geraes de cientistas sociais e um dos expoentes da ideologia do nacional desenvolvimentismo.

    No poderia deixar de lembrar ainda o magnfico prefcio escrito, em 2001, por Helio Jaguaribe na publicao Histria da Guerra do Peloponeso, de Tucdides, dentro da coleo Clssicos IPRI. O primeiro historiador moderno e o primeiro analista crtico das Relaes Internacionais encontrou em Jaguaribe um intrprete altura da importncia pioneira de sua obra. Na condio de Presidente da Fundao Alexandre de Gusmo, ao qual o Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais est vinculado, e como seu antigo diretor, presto o tributo ao mestre, cujo nome qualifica definitivamente a coletnea especial. Apresentada e traduzida por diplomatas e cientistas polticos, tem contribudo para o conhecimento da disciplina das Relaes Internacionais, h quarenta anos inaugurada no Brasil, na Universidade de Braslia, com a participao de jovens diplomatas, professores da UnB. tambm nos clssicos que Jaguaribe encontrou inspirao para desenvolver seu pensamento, sobretudo nos trabalhos mais recentes de cunho filosfico.

  • Prefcio

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    O pensador carioca , sem dvida, um formulador de ideias e conceitos, mas foi muito alm como propositor de caminhos para que o Brasil pudesse vencer seus enormes desafios polticos e sociais, sempre com uma viso enriquecida por sua capacidade precoce de entender, no plano externo, os desafios da interde-pendncia e da globalizao.

    Preservar e recuperar o conjunto da obra de Helio Jaguaribe um dever para com as futuras geraes de brasileiros, as quais percebero que o Brasil pensou e desenvolveu seus valores e, ao consolid -los, produziu uma identidade e um pensamento prprios ligados ao fortalecimento da Nao e ao seu desenvolvimento, sem perder de vista suas tradies, princpios, aspiraes e interesses no plano internacional.

    Embaixador Srgio Eduardo Moreira LimaPresidente da Fundao Alexandre de Gusmo

  • MENSAGENS AO HOMENAGEADO

  • 21

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO EX-PRESIDENTE DA REPBLICA

    Convidado a participar da cerimnia de homenagem a Helio

    Jaguaribe, realizada no auditrio do Instituto Histrico e Geo-

    grfico Brasileiro (IHGB), no Rio de Janeiro, em 26 de novembro

    de 2013, o ex -Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso

    enviou a seguinte mensagem aos organizadores:

    Por motivos de fora maior no poderei comparecer sesso

    em que se homenageia Helio Jaguaribe. Espero encontrar outra

    oportunidade para visitar o IHGB e, na ocasio, poder referir -me

    mais especificamente ao Helio e a sua obra. No quero, contudo,

    deixar de ressaltar minha antiga admirao pelo homenageado.

    Recordo o entusiasmo com que eu lia, ainda moo, os Cadernos

    de Nosso Tempo. Mais tarde, como, alis boa parte de minha

    gerao, seguia as conferncias e publicaes do Iseb. Numa e

    noutra, Helio Jaguaribe era dos que mais, seno o que mais se

    destacava. Sua viso dos problemas contemporneos jamais foi

    dogmtica. Encarou o nacionalismo como um meio para alcanar

  • Fernando Henrique Cardoso

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    um fim: o desenvolvimento do pas. Com senso aguado do devir histrico (at porque publicou um trabalho enciclopdico sobre a histria universal) soube sentir a importncia de criar condies adequadas ao tempo para alcanar este objetivo. Por isso mesmo, pressentiu que em poca de globalizao a melhor defesa dos interesses nacionais passou a ser o avano tecnolgico, a educao e o esprito empreendedor, que no teme concorrncias. Intelectual com vocao de servio, no teve medo da poltica. Foi crtico sagaz de muitos governos; quando o momento ensejou, ajudou a criar um partido; quando foi chamado a assumir responsabilidades de governo, no hesitou. Por fim, uma palavra mais pessoal: como amigo, o que mais me sensibiliza em Helio Jaguaribe sua generosidade pessoal e intelectual. Dela sou devedor.

    Fernando Henrique Cardoso

  • 23

    LUIZ INCIO LULA DA SILVA EX-PRESIDENTE DA REPBLICA

    Convidado a participar da cerimnia de homenagem a Helio Jaguaribe, realizada no auditrio do Instituto Histrico e Geo-grfico Brasileiro (IHGB), no Rio de Janeiro, em 26 de novembro de 2013, o ex -Presidente da Repblica Lus Incio Lula da Silva enviou a seguinte mensagem aos organizadores:

    Helio Jaguaribe um brasileiro de quem falo com orgulho e admirao, Helio um dos maiores e mais originais pensadores do Brasil, sua coragem intelectual extraordinria. Na dcada de 1950, poca em que muitos queriam limitar o Brasil a um lugar acanhado no mundo, Helio Jaguaribe apresentou um conjunto de propostas progressistas que seguem atuais at os dias de hoje. Seu ponto de partida foi uma viso firmemente nacionalista do Brasil, complementada pelo pleno desenvolvimento socioeconmico e pela insero internacional soberana. Defendeu pioneiramente a aliana do Brasil com a Argentina e a Integrao da Amrica do Sul, bem como a diversificao de nossa relao com o mundo. Muitas das iniciativas da Poltica Externa brasileira da ltima

  • Luiz Incio Lula da Silva

    24

    dcada haviam sido, de certa maneira, vislumbradas por Helio Jaguaribe h meio sculo. o caso por exemplo da aproximao com os pases africanos e rabes e da parceria com grandes naes em desenvolvimento. Como homem de Estado e como patriota incansvel, Helio Jaguaribe d a todos os brasileiros um belo exemplo de confiana e de compromisso com um Brasil mais forte, mais desenvolvido e mais democrtico. Lamentando no poder estar a, deixo um forte abrao.

    Luiz Incio Lula da Silva

  • ENSAIOS

  • 27

    ZELOTISMO/HERODIANISMO NA REFLEXO DE HELIO JAGUARIBE

    Celso Lafer

    I

    Em maio deste ano, a Academia Brasileira de Letras (ABL) promoveu mesa -redonda para celebrar os noventa anos de um de seus eminentes membros: Helio Jaguaribe. Participei da mesa--redonda e, na ocasio, em texto que est publicado na Revista Brasileira (n. 3, jul./ago./set. 2013), tive a oportunidade de publicamente reiterar o quanto devo intelectualmente a sua obra e a sua personalidade, generosa e solar, e a importncia que atribuo a uma duradoura amizade de mais de cinquenta anos, da qual sou, at hoje, o grande beneficirio.

    Em minha interveno, destaquei que Helio integra uma ilustre gerao de pensadores do nosso pas, que tm como tema compartilhado uma sensibilidade prpria em relao formao e destino do Brasil. Essa gerao, por isso mesmo, exerceu com frequncia, na vida brasileira, a funo do intelectual pblico, e nesse mbito Helio representativo de um paradigma de excelncia. Na linhagem inaugurada por Jos Bonifcio, relacionada com o

  • Celso Lafer

    28

    papel dos intelectuais na construo e aprimoramento da nao,

    Helio dedicou -se a pensar, num fecundo dilogo entre o nacional

    e o universal, o Brasil na perspectiva diretiva de seu futuro.

    A ideia a realizar para evocar uma formulao de Maurice

    Hauriou do como adensar a racionalidade pblica para promover

    o desenvolvimento e ampliar democraticamente, com liberdade e

    igualdade, o poder de controle da sociedade brasileira sobre seu

    destino permeia a obra e a atuao do pensador, seja em termos

    de princpios e valores, seja em matria de propostas de polticas

    pblicas.

    De sua eminente gerao, a obra de Helio a de mais amplo

    escopo. Abrange, num arco de coerncia, a cincia poltica e as

    relaes internacionais; transita pelos problemas e desafios da

    Amrica Latina por isso, ele um intelectual brasileiro com

    ampla irradiao latino -americana; contm incurses de flego no

    mbito da sociologia da histria que, a partir das inquietaes do

    presente, esto voltadas para elucidar os fatores que asseguram

    ou comprometem a sustentabilidade de culturas e civilizaes e

    contemplam lcidas reflexes sobre desafios existenciais, inerentes

    antropologia filosfica.

    Em minha interveno na ABL, por motivo de tempo, cingi-

    -me a breves consideraes sobre sua contribuio cincia poltica

    e s relaes internacionais. Indiquei, em sntese, como alargou

    os horizontes e elevou o patamar da cincia poltica, realizao

    da qual um exemplo o livro Introduo ao desenvolvimento social:

    as perspectivas liberal e marxista e os problemas da sociedade no

    repressiva, de 1978, que hoje muito oportunamente relanado

    pela Fundao Alexandre de Gusmo (FUNAG). Observei, igual-

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

    29

    mente, que Helio, ao tratar, em sua obra, das perspectivas brasileiras de insero no mundo a partir da cincia poltica, tornou -se o patrono inaugural do pensamento acadmico brasileiro sobre relaes internacionais. Um marco sua discusso das alternativas da policy da poltica externa brasileira na terceira seo de O nacionalismo na atualidade brasileira, de 1958, que hoje tambm muito oportunamente relanado pela FUNAG.

    Em minha interveno na ABL, sublinhei que Helio, no mundo das ideias, um pensador que, por aproximaes sucessivas, com empenho de scholar, sistematizou e desenvolveu, em sua densa obra, as percepes e intuies de sua razo vital.

    A razo vital orteguiana, como aponta Helio, tem a dupla funo de orientar nossa vida no mundo e orientar -nos no entendimento do mundo por meio de nossa vida. Na trajetria de Helio a vis directiva de sua razo vital congruente com o lema que formulou em 1953 para Cadernos do Nosso Tempo, revista que dirigiu e animou: Compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil/Compreender o Brasil na perspectiva do nosso tempo.

    II

    Na exposio de hoje, nesta sesso em boa hora patrocinada e organizada pela FUNAG e pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB) para celebrar os noventa anos de Helio, procurarei indicar o significado de sua elaborao em torno das categorias zelotismo/herodianismo, que ecoou, em primeiro lugar, em sua discusso do nacionalismo, desdobrou -se em sua anlise do tema autonomia/dependncia dos pases do Terceiro Mundo, integrou sua reflexo sobre as relaes internacionais no mundo

  • Celso Lafer

    30

    contemporneo e tem presena no mbito de seus estudos da histria das ideias. A essas duas categorias, em suas variaes e combinaes, deu tratamento mais acabado no primeiro dos ensaios coligidos no livro Estudos Filosficos e Polticos que tambm est sendo lanado pela FUNAG e que foi originariamente publicado em seu Sociedade e Cultura, de 1986. Um de meus objetivos nesta exposio retomar uma afirmao feita em minha interveno na ABL, explicitando uma faceta do contnuo work in progress de sua reflexo que se v continuamente adensada pela coerente sistematicidade que imprimiu a sua obra no correr de sua vida.

    Uma primeira indicao da relevncia da categoria zelotismo na acepo, por analogia, inspirada em Toynbee, de fervor reli gioso e poltico que caracterizou as correntes judaicas que desenca dearam, na Judeia, a malsucedida revolta contra a dominao romana na poca do imperador Tito est presente em O nacionalismo na atualidade brasileira. Refiro -me distino que Helio faz entre nacionalismo de meios e nacionalismo de fins no captulo IV B, ao tratar do sentido do nacionalismo brasileiro.

    O nacionalismo [so suas palavras] um meio para atingir um fim: o desenvolvimento. E, como tal, deve ser exercido mediante o emprego dos instrumentos mais adequados para a realizao desse fim. [observando mais adiante] O nacionalismo que cabe designar de nacionalismo de meios exprime apenas uma das funes do complexo colonial, tendente a erigir a prpria condio em ideologia. Constitui uma das formas suicidas, observadas por Toynbee e por ele designadas de zelotismo que uma sociedade subdesenvolvida pode assumir em seus contatos com outras mais adiantadas. O nacionalismo,

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

    31

    muito ao contrrio, s se realiza na medida em que reconhece seu fim, que o desenvolvimento e, para isso, deve utilizar se de todos os meios apropriados (JAGUARIBE, 1958, p. 52 -53).

    Registro que, em sua breve notcia sobre sua obra, que data de 1998, Helio, tratando desse primeiro livro cannico da sua trajetria, sintetiza suas concluses, apontando que as posies nacionalistas, para terem validade, devem ser de um nacionalismo de fins e no de um nacionalismo de meios (JAGUARIBE, 2008a, p. 837).

    III

    A alternativa zelotismo/herodianismo no texto inserido em Brasil, Mundo e Homem da Atualidade, que est sendo hoje lanado, tem como objetivo articular uma viso histrica do problema autonomia/dependncia. Tem como ponto de partida o tema contemporneo das relaes centro -periferia, pioneiramente elaborado, como ele aponta, pela Comisso Econmica para a Amrica Latina (Cepal) de Raul Prebisch, e a carncia de autonomia das sociedades perifricas que formam o chamado Terceiro Mundo. Insere -se, assim, no mbito das preocupaes em viabilizar um nacionalismo de fins, voltado para promover o desenvolvimento e ampliar a autonomia do Brasil.

    por essa razo que a larga visada da poltica comparada e da anlise crtica da histria de Helio nesse texto passa pela afirmao de que, no mundo contemporneo, a alternativa dependncia/autonomia, embora envolva uma dimenso cultural, predominantemente uma opo poltica com implicaes

  • Celso Lafer

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    econmicas (JAGUARIBE, 1986, pp. 66 -67). por essa razo,

    tambm, que a discusso dessa opo, no mundo contemporneo,

    transita pelo parmetro interno da viabilidade nacional e das

    condies externas da permissibilidade internacional, dois conceitos

    que so sucintamente apresentados no texto, mas que foram

    elaborados de maneira abrangente por Helio em seus prvios

    estudos sobre desenvolvimento poltico e relaes internacionais.

    Helio inicia seu texto expondo as caractersticas das trs

    linhas principais da teoria da dependncia: (i) a escola marxista e

    sua correlao com a teoria do imperialismo de Lnin; (ii) a escola

    histrica, que, aceitando a tendncia apropriadora do sistema

    capitalista, coloca nfase no efeito da acumulao histrica de

    vantagens em benefcio dos pases que lideraram a Revoluo

    Mercantil e a Revoluo Industrial do mundo moderno; e (iii) a

    escola das elites disfuncionais que reala, dadas certas condies, a

    forma positiva ou negativa do comportamento das elites perifricas.

    Registro que o tema das elites funcionais e disfuncionais e

    seu papel em matria de desenvolvimento poltico foi tambm

    como o da viabilidade nacional e da permissibilidade interna-

    cional objeto de prvias e abrangentes reflexes de Helio, em

    especial no captulo 13 de seu livro Political Development, de 1973.

    Registro, igualmente, que um exemplo da disfuncionalidade da

    relao massa -elite, para os propsitos de desenvolvimento, pode

    ser o populismo, que Helio analisou pioneiramente entre ns no

    texto O que o ademarismo?, publicado em Cadernos do Nosso

    Tempo, de 1954, tambm inserido em Estudos Filosficos e Polticos.

    nesse macrocontexto que Helio aponta que no existe

    irreversibilidade histrica que fecharia para sempre as portas do

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

    33

    desenvolvimento e da autonomia para todas as sociedades no

    centrais, exemplificando sua assertiva com a Alemanha de Bismark,

    no mundo ocidental, e o Japo, a partir da dinastia Meiji, e a China

    contempornea, no mundo no ocidental. Registro que essas

    observaes nesse texto tm como pano de fundo prvias reflexes

    de Helio sobre o processo poltico em pases subdesenvolvidos,

    tanto como fator dinmico quanto de atraso, e sua elaborao

    sobre distintos modelos polticos de desenvolvimento. Estes esto

    lastreados na discusso, inter alia, da experincia de Bismark na

    Alemanha, de Kemal na Turquia, de Nehru na India, de Nasser

    no Egito, da Rssia da Revoluo, pioneiramente apresentados no

    livro de 1962 Desenvolvimento Econmico e Desenvolvimento Poltico,

    sintetizados com foco na Amrica Latina num dos captulos do

    livro de 1967 Problemas do Desenvolvimento Latino Americano e

    aprofundados no Political Development, de 1973. Registro, ademais,

    que este texto, em seu emprego da dicotomia herodianismo/

    zelotismo, est, como j observei em outras oportunidades, em

    sintonia com a forma mentis de Helio, que recorrentemente associa

    logos e voluntas: o logos como esforo de ampliar o campo do exerccio

    da racionalidade, e a voluntas como um empenho, a partir do logos,

    de entreabrir opes que permitam modificar positivamente a

    probabilidade negativa dos resultados para o Brasil, mas tambm

    para o mundo, e muito especialmente para a Amrica Latina.

    O ponto de partida da anlise de Helio sobre a tipologia

    zelotista -herodiana proposta por Toynbee tem como objetivo

    o alargamento do campo de estudos da dependncia no mbito

    da histria, levando em conta as vicissitudes das civilizaes

    no correr da histria da humanidade e muito especialmente as

  • Celso Lafer

    34

    respostas dadas aos desafios que enfrentaram. Nesse contexto, Helio d nfase aos encontros entre civilizaes, em especial aos confrontos entre civilizaes no espao, observando que Toynbee elaborou as categorias zelotismo -herodismo a partir da experincia dos encontros e confrontos dos ps -alexandrinos da civilizao helnica com a cultura judaica. A resposta herodiana a esse confronto foi aceitar os meios o legado dos gregos para preservar o mximo possvel os fins da civilizao conquistada. A resposta zelotista foi apegar -se a sua prpria herana, assumi--la em sua forma radical e maximizar sua ortodoxia, a partir de a avaliao de que a fragilidade de sua cultura resultava da pouca consistncia com seus prprios valores, tradies e instituies.

    Zelotismo e herodianismo, pontua Helio, podem ser considerados, maneira de Max Weber, como tipos ideais. Comportam, evidentemente, variaes e combinaes, mas esto latentes em qualquer tentativa de superar a dependncia. Tm, assim, a caracterstica de uma dicotomia com funo analtica, que objetiva diferenciar e distinguir, para melhor compreender um dado contexto histrico, poltico e cultural. So, como observa, possibilidades centrais de uma anlise, tanto sincrnica quanto diacrnica, de qualquer tentativa de superar a dependncia e a condio de subdesenvolvimento comparativo que est na origem da dependncia (JAGUARIBE, 1986, p. 65). Representam, nesse sentido, um alargado complemento da prvia elaborao sobre os modelos polticos de desenvolvimento.

    Helio se afasta da posio de Toynbee sobre a ineficcia das formas puras ou combinadas de zelotismo e herodianismo. Com efeito, este no s levou em conta a especificidade de seu insucesso

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

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    que propiciou a destruio do Estado judaico pelos romanos, com o saque de Jerusalm no ano 70 d.C., conclusivamente repetido em 135 d.C. Tambm afirmou a inoperncia de ambos os modelos, tendo em vista sua leitura de que o sentido da histria dado pelo perene encontro entre o homem e Deus (cf. TOYNBEE, 1962, p. 789 -796).

    No essa, inequivocamente, a compreenso de Helio da Histria. Registro que, em sua introduo de Um Estudo Crtico da Histria, de 2001 que , alis, o texto que se segue a este que estou comentando, recolhido no livro Estudos Filosficos e Polticos , aprofundou o que considera vlido e o que substantivamente no aceita na obra de Toynbee, explicitando os pressupostos a partir dos quais discutiu, com inspirao crtica e laica, os mltiplos fatores que asseguram ou comprometem a sustentabilidade de culturas e civilizaes. Nesse sentido, observo tambm que os casos histricos que menciona nesse texto sobre o jogo da alternativa zelotismo -herodianismo foram, com outra amplitude de fatores, subsequentemente analisados nos diversos captulos do seu Um Estudo Crtico da Histria.

    Em seu texto, com o objetivo de dar abrangncia ao poder explicativo da alternativa zelotismo/herodianismo, Helio, levando em conta as distintas circunstncias histricas e os matizes prprios do exerccio da alternativa, aponta casos de herodia-nismo e de zelotismo bem -sucedidos. Entre os primeiros, o grande exemplo histrico Roma, que superou o legado cultural etrusco substituindo -o pela absoro e por uma elaborao romana prpria do helenismo. O grande exemplo contemporneo o Japo. Com efeito, o Japo, tanto no sculo XIX, com a restaurao

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    Meiji, quanto no sculo XX, aps a total derrota na Segunda Guerra Mundial, exemplo de um bem -sucedido esforo de herodianismo, assegurador da autonomia poltica e da paridade econmica e tecnolgica no mbito da qual a incorporao da ocidentalidade permitiu preservar uma niponicidade sustentvel. Um exemplo histrico de zelotismo bem -sucedido lembrado por Helio o Imprio Sassnida (de 226 d.C. a 651 d.C.). Um exemplo contemporneo a China de Mao, que teve componentes de uma APRA chinesa, como observa Helio evocando o Peru, e que, a partir de Deng Xiaoping, temperou pragmaticamente, num novo equilbrio, os excessos do primitivismo zelotista de Mao.

    Helio avalia que, em princpio, os herodianos so futuristas e os zelotistas so passadistas e que a histria parece favorecer mais o Herodianismo seletivo do que o Zelotismo pragmtico e sempre desfavorvel s formas radicais destes (JAGUARIBE, 1986, p. 82), que o que explica sua prvia crtica de 1958 inadequao do nacionalismo de meios.

    A elaborao de Helio sobre a dicotomia herodianismo/zelotismo tem como pano de fundo o seu lema de 1953: Compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil. Compreender o Brasil na perspectiva do nosso tempo, tendo como horizonte a Amrica Latina, dentro da qual estamos inseridos, e o compartilhado problema da condio de dependncia, luz da estratificao internacional.

    Essa condio tem um duplo aspecto. Expressa, por um lado, o danoso efeito, apontado pelos estudiosos que integram, de acordo com Helio, a escola histrica da dependncia, que resultou da acumulao no tempo das vantagens dos pases desenvolvidos. Por

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

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    outro lado, expressa o relacionamento disfuncional histrico, para os propsitos do desenvolvimento, das elites latino -americanas com seus prprios povos e com as elites ocidentais.

    O sucesso das sociedades latino -americanas, observa Helio nesse texto de 1986, uma questo em aberto, mas seu potencial de superao do subdesenvolvimento, em sua perspectiva, do tipo herodiano. Esse herodianismo, sublinha ele, para ser vivel no pode ser um herodianismo de superfcie, alienado do passado dos pases e dos povos latino -americanos. Para ter sucesso, esse novo herodianismo precisar incorporar, em suas palavras, alm da tecnologia ocidental, o humanismo ocidental e um sentimento nacional de responsabilidade social (JAGUARIBE, 1986, p. 73). Nesse sentido, em meu entender, Helio traz novos elementos de cunho geral para substanciar, na interao entre o universal e o nacional, seu nacionalismo de fins.

    IV

    Helio retoma o tema do zelotismo, no campo das relaes internacionais, num texto de 2003, intitulado Fundamentalismo, Unilateralismo e as alternativas Histricas do Mundo, recolhido em seu livro de 2008 Brasil, Mundo e Homem na Atualidade, igualmente editado pela FUNAG.

    Nesse texto, Helio analisa as caractersticas do terrorismo islmico. Observa que o terrorismo um fenmeno histrico recorrente e que quando assume as caractersticas de um fundamentalismo religioso representa uma atitude conservadora frente a processos de modernizao, conduz radicalizao

  • Celso Lafer

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    das crenas tradicionais e, evocando Toynbee, traduz -se numa manifestao contempornea de zelotismo.

    Em sua anlise do fundamentalismo islmico contemporneo, Helio aponta que este tem suas razes no domnio teolgico, mas assumiu, de maneira predominante, uma dimenso militar e poltica. Observa, exemplificando, que uma resposta aos insucessos de distintas modalidades de reformismo modernizante empreendido no mundo islmico desde o sculo XIX, como respostas aos encontros e desencontros da civilizao ocidental com a islmica. Registra que, no mago da questo do zelotismo islmico, encontra -se a dificuldade para o Isl de diferenciar, em sociedade, seus subsistemas social, cultural, econmico e poltico, diferenciao que tornou possvel, no Ocidente, a separao entre o religioso e o poltico.

    Observo, entre parntesis, que Helio dedicou ao papel do congruente inter -relacionamento entre os subsistemas, tambm na perspectiva da mudana, abrangentes reflexes nos captulos 5 e 6 de Political Development, retomadas na Parte I, dedicada aos pressupostos tericos do seu livro de 1978 Introduo ao Desenvolvimento Social As perspectivas Liberal e Marxista e os problemas da sociedade no repressiva, que hoje est sendo meritoriamente relanado pela FUNAG.

    Helio aponta a fora da convico totalizante do Isl da qual resulta, concluo eu, o nacionalismo pan islmico de meios do zelotismo terrorista islmico, que uma reao ao imprio norte--americano. Este tem como uma de suas caractersticas, como observa Helio, retomando prvias anlises, a de ser, no exerccio da sua hegemonia seja a exercida tanto em termos de soft

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

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    power quanto de hard power , um campo na acepo de campo gravitacional ou magntico. Por isso, diversamente dos imprios tradicionais, do romano ao britnico, prescinde da dominao formal das provncias pela metrpole. no processo de oposio hegemonia desse campo gravitacional que vem irrompendo a modalidade zelotista do terrorismo islmico, que, por sua vez, em minha avaliao, integra a agenda internacional das aspiraes de identidade e reconhecimento e expressa as atuais foras centrfugas da sublevao dos particularismos.

    Helio, nesse texto, tambm discute o unilateralismo dos Estados Unidos da Amrica (EUA) de George W. Bush, que um fruto da reao estadunidense ao terrorismo islmico. Aponta que esse unilateralismo tem uma dimenso milenarista, proveniente dos conservadores religiosos cristos do crculo ntimo dos colaboradores do Presidente e de sua convico fundamentalista de que os EUA so, em seu destino manifesto, a nao do bem. Esses theocons associados aos neoconservadores, favorveis a uma desinibida afirmao do imprio americano, instigaram um unilateralismo no plano mundial um zelotismo futurista, diria eu operacionalizado pelo poderio econmico -tecnolgico e militar dos EUA. Esse unilateralismo, hoje mitigado, mas ainda presente, no uma resposta eficaz, pelas caractersticas intransitivas de seu zelotismo, aos desafios que vem enfrentando o imprio americano para manter -se como um campo gravitacional dotado da vis atrativa da legitimidade e da capacidade inclusiva de incorporao dos outros, que participam e integram o mundo.

    interessante registrar que a poltica de governo de George W. Bush tem antecedentes na ideologia do Partido Republicano,

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    realada por Helio no texto A ideologia do governo republicano e a poltica internacional, de 1953, publicado em Cadernos do Nosso Tempo e tambm oportunamente inserido na coletnea Estudos Filosficos e Polticos. Com efeito, Helio sublinha como o povo americano, depois de Yalta e Postdam, experimentou a tendncia a considerar como hostilidade tudo o que se refere ao estrangeiro. Da o isolacionismo como anti -internacionalismo e anticosmopolitismo ao qual se agregou, o conferir de um sentido transcendente aos costumes mais ligados tradio religiosa e moral da nao americana, da qual provm um antisecularismo puritano. Essa uma das razes, a qual irmanou os theocons e os neocons, que inspiraram o unilateralismo da era George W. Bush.

    V

    Para concluir o percurso desta exposio, vou fazer uma meno ao uso heurstico por Helio da dicotomia herodianismo/zelotismo no plano cultural. Refiro -me ao belo e denso estudo de 2005 Ortega y Gasset vida e obra, inserido em seu j mencionado livro de 2008 Brasil, Mundo e Homem na Atualidade. Trata -se, penso eu, de um fecho apropriado para esta exposio, no s pela importncia de Ortega na reflexo de Helio, como tambm porque Ortega um paradigma da viso, qual Helio sensvel, que atribui aos intelectuais um papel diretivo, estruturador e de renovao da sociedade, como sublinha Bobbio em Il dubbio e la scelta Intellectualli e potere nella societ contemporanea.

    No incio de seu estudo, Helio faz uma meno famosa gerao espanhola de 1898 que se viu bruscamente confrontada com a humilhante derrota, na guerra com os Estados Unidos, com a perda de seu imprio e com a constatao do subdesenvolvi-

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

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    mento da Espanha de seu atraso material e cultural , que se apartava da grandeza anterior do pas. O desafio do declnio nacional suscitou, no pas, dois modelos de reao cultural: o zelotista e o herodiano, observa Helio, evocando a dicotomia de Toynbee. Pontua a ineficcia das modalidades vulgares ou ingnuas das duas alternativas, mas registra que ambas comportam uma verso superadora. Elas so, em suas palavras:

    a do zelotismo ilustrado, cujo tradicionalismo se exerce num nvel superior de entendimento do mundo e[,] a do herodianismo crtico, cuja incorporao dos valores aliengenas se realiza de forma autonomamente seletiva, em funo de uma lcida conscincia da prpria realidade

    (JAGUARIBE, 2008, p. 883).

    O grande exemplo, para Helio, de zelotismo ilustrado no contexto da Espanha do sculo XX Unamuno, e o do herodia-nismo crtico Ortega, com o qual claramente se identifica. Com efeito, Helio, em sua anlise, aprecia a perspectiva organizadora da hispanidade de Ortega voltada para a construo em seu pas de uma moderna sociedade europeia; valoriza seu duplo compromisso com o nacional da Espanha e o universal da cultura europeia; reala a importncia que Ortega atribui compreenso do mundo para nele poder operar, a partir da circunstncia espanhola, e preza, na vida de Ortega, a fecunda associao entre engajamento e reflexo.

    Vale a pena, no mbito destas consideraes, para efeitos comparativos, pontuar a admirao de Helio por seu professor San Tiago Dantas, que associou, igualmente, em sua vida, engajamento e reflexo em quem identifica a simultnea combinao da paixo pelo grande legado da cultura ocidental com no menos profundo compromisso com o Brasil. Esse compromisso, observa Helio em

  • Celso Lafer

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    texto elaborado em homenagem a San Tiago vinte anos depois do seu falecimento, era sobretudo projetivo. O que lhe importava, sobremaneira, era o destino coletivo do pas, o seu projeto nacional (cf. JAGUARIBE in COELHO et alii, 1985, p. 43).

    Helio, no j mencionado texto de 1998, em que sintetizou breve notcia sobre sua obra, considera que, para um autor, difcil diferenciar a funo crtica de posies elaborativas no percurso de suas reflexes e conclui: As ideias de um autor sobre o mundo coincidem com o mundo das ideias desse autor (cf. JAGUARIBE, 2008a, p. 791). Assim, para terminar, creio que o herodianismo crtico integra o mundo das ideias de Helio e o work in progress do abrangente, coerente e sistemtico arco de sua reflexo, constituindo uma das matrizes inspiradoras das mltiplas vertentes do seu nacionalismo de fins.

    Referncias

    BOBBIO, Norberto. Il dubbio e la scelta: intellectualli e potere nella societ contemporanea. Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1993.

    JAGUARIBE, Helio. Brasil, Mundo e Homem na Atualidade. Braslia: FUNAG, 2008a.

    JAGUARIBE, Helio. Breve notcia sobre a minha prpria obra. In: ______. Brasil, Mundo e Homem na Atualidade. Braslia: FUNAG, 2008.

    JAGUARIBE, Helio. Desenvolvimento Econmico e Desenvolvimento Poltico. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1962.

    JAGUARIBE, Helio. Estudos Filosficos e Polticos, Braslia: FUNAG,

  • Zelotismo/herodianismo na reflexo de Helio Jaguaribe

    43

    2013.

    JAGUARIBE, Helio. Introduo ao Desenvolvimento Social: as perspectivas Liberal e Marxista e os problemas da sociedade no repressiva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

    JAGUARIBE, Helio. O Nacionalismo na atualidade brasileira. Rio de Janeiro: Iseb, 1958.

    JAGUARIBE, Helio. Political Development. New York: Harper & Row, 1973.

    JAGUARIBE, Helio. Problemas do Desenvolvimento LatinoAmericano. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1967.

    JAGUARIBE, Helio. San Tiago e o Projeto Nacional. In: COELHO, Jos Vieira et alii. San Tiago Dantas: vinte anos depois. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

    JAGUARIBE, Helio. Sociedade e Cultura. So Paulo: Vrtice, 1986.

    JAGUARIBE, Helio. Um Estudo Crtico da Histria. So Paulo: Paz e Terra, 2001.

    TOYNBEE, Arnold J. A Study of History. Abridgment by D. C. Somervell. London: Oxford University Press, 1962.

  • 45

    HELIO, O PEDAGOGO DE NOSSA CONTEMPORANEIDADE

    Candido Mendes

    Helio Jaguaribe e Roland Corbisier visitaram Karl Jaspers em Basileia, em 1955. Mais do que um encontro com o filsofo, marco da perspectiva existencial no recado maior do sculo XX, o que os brasileiros buscavam, instintivamente, era a noo da relevncia em que uma primeira gerao nossa se rebelava cultura ornamental, tpica da vida do esprito de pas ainda dependente, e prpria conveno de sua ruptura. Nenhum grande pensador do sculo XX foi to longe em trazer a procura do sentido Histria, em toda a sua dorsal. Jaspers atentava a como esse percurso se devolve e se corrige em saltos, impelido por uma nova inteleco, pela qual se cria uma mundanidade e se escreve a aventura sobre a crnica do homem.

    A histria tem, pois, relevo e se pauta pelo tempo -eixo, frente ao qual uma leitura interna renovada a define, em contracampos, pocas cannicas, como de esterilidade, de ruptura, como da quebra dos supostos dessa trajetria, na retomada de um questionamento de certezas, reconhecendo -se a infinita querela do seu fundamento. Rematava -se, nessa ideia -fora, a tradio herdada, de Dilthey e

  • Candido Mendes

    46

    Husserl, do novo referencial epistemolgico como passo decisivo da modernidade na desconfiana radical do cogito e do discursivo, se no da arrogncia ingnua do humanismo renascentista.

    A noo do tempo -eixo guarnecia, nessa hermenutica emergente do cuidado e na percepo de realidade, a busca do significante que o processo da nossa cultura proslita reclamaria. Este, ns o viveramos, at a caricatura, quando a Semana de Arte Moderna, nos anos 1920, protagonizou a modernizao como pantomima, no cenrio mais que adequado do Teatro Municipal da Pauliceia, com a repetio da pirueta cansada de Marinetti, no confronto Belle poque, ao fim da primeira dcada do sculo passado.

    A Semana da Pauliceia desempenhava ainda o ltimo lance do mundo interior da dependncia, to bem assinalado por Henri Michaux: Oh! o beletrismo tropical, sempre em reflexo, jamais em reflexo.

    Helio chegou Academia no ano do cinquentenrio do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). O instituto que ele criou nasceu, historicamente, da percepo do impacto do desenvolvimento, como desatar do imobilismo ou sada de nossa histria circular. Exprimiu o meio sculo um primeiro confronto determinado com a inrcia de um pensar brasileiro, com falta ainda de uma tradio humanista universitria, e no avano pontual do seu conhecimento cientfico, de castigado pioneirismo, ou sfrega canonizao.

    Esse sentimento irrompia no Rio dos filhos -famlia do Santo Incio, das Faculdades Catlicas, do Palcio Joppert, do Padre Franca, em que Helio continuava a interpelao contra o peso

  • Helio, o pedagogo de nossa contemporaneidade

    47

    das apologticas da cultura confessional brasileira. Da leitura do Padre Lahr; da veemncia catequtico -metafsica do Padre Arlindo Vieira ou Pedro Cerruti; ou, no plano dos cnones imitativos, dos clichs da guia de Haia, da confuso da cultura com o prodgio lingustico, ou com a erudio, no seu vis to intil quanto retrico, do atletismo dos dicionrios estacados na letra A, como os infindveis cantos do Mahabarata.

    Por uma vez, entretanto, era um mal -estar contagiante, capaz de associar o Clube Pgaso dos rapazes cariocas de Helio, Jos Paulo Moreira da Fonseca, Roberto Paulo Csar de Andrade, Jorge Hue a um inconformismo paulista insatisfeito com a acalmia ps -modernista. Nascia com a iniciativa indita entre as inteligncias das duas megalpoles o Grupo de Itatiaia, cioso de sua perfeita fronteira, buscando rever os contedos de uma interpretao do pas. Pretendia quebrar o discurso da contemporaneidade, preso quelas constantes de um universal acrtico, exposto pela hermenutica jasperiana. Marcavam -no a enciclopdia marxista, assim como a permanncia do positivismo em si mesmo, sintoma da nossa excessiva mimese e o comeo de pergunta pela realidade, de Oliveira Vianna a Sergio Buarque de Holanda.

    Helio, Roland Corbisier, Almeida Sales, Guerreiro Ramos, Jos Ribeiro de Lyra, Paulo Edmur de Souza Queiroz e Rmulo de Almeida se associavam no recado da grande e exata pretenso: a dos Cadernos de Nosso Tempo, em que se encontra, talvez, a nica e efetiva colaborao entre uma inteligncia paulista e uma carioca em pensar o contexto mal balizado do pas partido, ainda, to impressentido em suas contradies.

  • Candido Mendes

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    O Iseb seria o resultado, nascido quase armado, de uma exigncia da nossa nascente interpelao interior, irrompida quando o juscelinismo nos inseria no tempo -eixo dos 50 em 5. Guardava como pano de fundo o primeiro momento de maturao, sbita e nica, de uma conscincia brasileira acicatada pelo sui-cdio romano e fundador de Getulio Vargas. O Iseb nascia contra o torpor universitrio palavra to cara a Roland Corbisier e frente ao ltimo proselitismo da busca da tecnicalidade e do cientificismo demandado no exterior, da fascinao pelas cincias exatas.

    O impacto dessa acelerao histrica no s forava o destaque de rbita da dependncia, como pedia um novo referir brasileiro. Exprimia sob a conscincia jasperiana o comeo da poltica de tomada de conscincia na percepo do processo social. Em seu recado, mais que nunca, Helio herdou esse imperativo de ver o nosso tempo escandido em prazos histricos, momentos de deciso ou desfecho, tanto que passava a reclam -lo uma coletividade para si e no para outrem. No era outro o novo mordente de gerao, ou do ser de risco, da demanda de Sartre, a se somar reflexo existencial, ibrica ou alem, ao levar reflexo radical o que representavam os colonialismos, seus sistemas e sua alienao.

    Na perspectiva da crtica paulista, passada outra trintena, Caio Navarro de Toledo denominaria o Iseb de uma fbrica de ideologias. Na verdade, tratava -se de integrar, de vez, o racionalismo ao desenvolvimento, no que o querer poltico segundo a concepo heideggeriana da verdadeira poesis labora um ser de fundao e exige, para geraes implicadas pela mudana radical, uma denncia dos voluntarismos ingnuos, do alcance das reformas das instituies, ou o desatar -se mesmo da

  • Helio, o pedagogo de nossa contemporaneidade

    49

    sociedade, na palavra intraduzvel da mouvance, de Lvi -Strauss, ou

    do inacabado perene, de Pierre Bourdieu. o Helio de Cadernos

    de Nosso Tempo que nos deixa com as primeiras vises seminais da

    verdadeira arquitetura das causaes sociais, em que desponta uma

    cultura crtica e a percepo, em ato, de um tempo de mudana,

    como pedido pelo desenvolvimento brasileiro.

    A esto os textos cannicos, tambm de cinquenta anos:

    O Moralismo e a Alienao das Classes Mdias e Poltica de

    Clientela e Poltica de Ideologia. A revista morreria como

    prprio das publicaes inaugurais em seu quinto nmero. Mas

    no sem plantar o caminho discrepante conveno do pensar as

    nossas categorias de ver o mundo e emprestar -lhes o comeo

    dessa reflexo referida em tempos ainda desmunidos da

    hermenutica da desconstruo, de Jacques Derrida, ou dos

    reconhecimentos, de Paul Ricur. a etapa de A Reduo

    Sociolgica, de Guerreiro Ramos, e, sob a melhor gnose crtica,

    da dialtica da ingenuidade da nossa representao coletiva, na

    obra -matriz de lvaro Vieira Pinto, Conscincia e Realidade Nacional.

    O programa isebiano trabalhava a marca clssica de uma

    propedutica humanstica brasileira. Queria -se inclusive ecltico,

    sem se aperceber dos limites de ruptura imposto por essa

    abordagem. Nela, todo o referir -se realidade est permeado

    por uma intentio escrutinadora, por um depsito cultural, para

    se dar conta da apropriao de uma modernidade, no contedo

    da cincia poltica ou da sociologia. O intento ia retorso sobre

    o compreender, a resultar na literal metanoia de Vieira Pinto, o

    comentador do Timeu, de Plato, antes de se abrir epistemologia

    radical de seu cometer -se, do ver de novo para entender o Brasil.

  • Candido Mendes

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    Helio Jaguaribe associou mais do que o rasgo de um tempo--eixo brasileiro como presa acabada, trazendo -o Rua das Palmeiras. Exps -se, na cumulao da conscincia e suas reificaes instantneas, s prprias polmicas redutoras dessas ideologias, que marcaram o debate do seu O Nacionalismo na Atualidade Brasileira e a fatura do primeiro Iseb.

    O pensador que rompe e sai do instituto, no movimento em que o acompanhamos Evaldo Correia Lima e eu mesmo , como que ganha o largo compasso de uma atualidade inter-nacional. o seu tempo de Harvard, quando pode nos dar o que, unanimemente poca, reconheceu -se como a obra -chave da teoria poltica do desenvolvimento. O texto transformou -se no vade -mcum de toda a gerao subsequente dos brazilianists. Tornou -se a interpretao continuada daquele Brasil para si, que prossegue, frente ao inverno militar, cassao da reflexo crtica, ao exlio dos membros do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap), ao comeo do Iuperj, como esforo de reflexo proibida pela prpria sintomtica da nova representao e da prtica da mudana, vencida contraideologia, em que a Escola Superior de Guerra replicaria ao Iseb, primeira organizao cultural fechada pelo governo de exceo, dispersa a sua biblioteca, no minucioso esquartejamento simblico.

    Nesse encontro do Brasil -projeto, como permitem o desen-volvimento e a irrupo de modelos diante de uma sociedade vista como aberta, a gerao isebiana deparou o papel do intelectual, ou da intelligentsia, ao assumir, com todo o risco da conduta ideolgica, a busca de um quefazer histrico. Ficvamos entre a aspirao, o conselheiro do prncipe e a imerso, sem retorno, no

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    prprio processo poltico, enfrentando a representao eleitoral e as laceraes da campanha, na servido da legenda, da frustrao com o desempenho parlamentar, de que, anos antes, Santiago Dantas nos dera, como deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Minas Gerais, o mais contundente dos depoimentos.

    Em tempos latentes de tantos protagonismos e sem recorrer ao insuportvel chavo do homem renascentista , Helio viu -se urgido, tambm, no melhor modelo schumpeteriano, pelo comportamento empresarial. No s na reformulao da Companhia Ferro e Ao de Vitria, inaugurada a semanas do colapso do Governo Goulart, mas, sobretudo, no propsito, insidiosamente criativo, da Latinequip ou de uma primeira empresa que juntaria a produo de um saber -fazer, valorado em todo seu intangvel, a uma dimenso precursora, em fins dos anos 1950, de um mercado latino -americano.

    Foi, ao mesmo tempo, na expresso dessa latinidade bra-sileira, derramada sobre a Argentina, sem dvida, hoje, o mais exigido dos nossos pensadores, ao formular a viso nodular do continente, a partir de Buenos Aires. Com Aldo Ferrer, Torquato di Tella ou Natalio Botana, deu -nos essa rede de contatos e sobretudo de interpelaes, a envolver com a capital, Crdoba, Rosrio e Mendoza a pergunta continuada por uma viso -matriz da mudana, capaz de vencer em definitivo as confrontaes compulsrias com a comparao a menor, e os fracassos peridicos dos desenvolvimentos brasileiro e argentino.

    Mas um Helio pertinaz, esse, tambm, da conversao contnua com o Uruguai de Enrique Iglesias, com o Chile de Gabriel Valdez e Anbal Pinto, ou o Mxico de Porfrio Muoz Ledo,

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    ento presidente do Partido Revolucionrio Institucional (PRI). Desenvolvia -se, ento, uma verdadeira pedagogia do poder latino--americano, amiga e confidente de Raul Alfonsn ou, no Mxico, de Miguel de la Madrid e Luis Echeverra lvarez, disputando a contnua interlocuo sobre os modelos de desenvolvimento. Defrontava -se o repto do neoliberalismo, sempre mensurado ao limite da Realpolitik, a efetiva plataforma de que pudesse resultar, ainda, o Estado -nao entre ns, no arranco do novo sculo, nesse percurso final, ao lado do Brasil, do Mxico ou da Argentina.

    O mesmo Helio jasperiano tambm o do fascnio original por Ortega y Gasset, de cuja leitura vivamos, todos, nas ento Faculdades Catlicas, e na insatisfao com os saberes oficiais da Suma, que o maritainismo nos oferecia para um tempo prospectivo, como o dos anos 1960. Beneficivamo -nos, poca, da cpia das tradues espanholas do grande pensamento alemo da modernidade, pelos exilados republicanos do Fondo de Cultura no Mxico, a partir de Jos Gas, responsveis por esse verdadeiro curto circuito no acesso internacional ao pensamento europeu, vulnerado pela Segunda Guerra Mundial.

    Vivemos uma contemporaneidade com O Ser e o Tempo, ou com a Teoria da Histria, ou com Verdade e Mtodo, antes mesmo de que as tradues francesas e inglesas desses textos criassem a consonncia esperada com a possvel paideia do nosso pensar, at o terceiro quartel do ltimo sculo.

    Helio, de mais e mais, enjeitaria a carreira modelar do exilado voluntrio tal como Celso Furtado para fazer do seu instituto, na volta, a retomada da tarefa interrompida pela dupla radica-lizao do compreender brasileiro do comeo dos anos 1960,

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    do marxismo ressurreto e da geopoltica da Escola Superior de Guerra (ESG). O Instituto de Estudos Polticos e Sociais (Iepes) vai permitir a fixao da memria e da interlocuo das grandes conversas sobre o Brasil, ento interrompida, de Santiago Dantas, Roberto Campos ou Rmulo de Almeida.

    Helio no enjeitaria a grande convocatria poltica quando o Governo Collor, exigncia ainda de responder expectativa de seu mandato, fora de todas as rotinas eleitorais, constituiu o Ministrio de Notveis, com Marclio Marques Moreira, Celso Lafer e Clio Borja, ocupando ele a pasta de Cincia e Tecnologia. No se repetiu, ento, a sndrome descrita por Santiago, dos intelectuais no poder travados pela opacidade nsita trama palaciana. Deve--nos a histria contempornea o relato dessa conscincia, se no da tragdia, da chegada a palcio de uma equipe capacitada dialtica real da vigncia poltica, sem concesses, trazida ao impasse da credibilidade, ao abate -cidado do prncipe.

    Nessa etapa, em que as vozes fundadoras da nossa mudana passam, no trnsito cannico das geraes, a pedagogos de um destino, Helio desdobraria, com Celso na sucesso da mesma cadeira, o chamado urgncia do desenvolvimento, como seu antecessor nos repetia, na importncia da tnica nacional contra a voragem da globalizao.

    De livro a livro, no ainda como Cassandra, Helio nos adverte do castigo do no atingirmos a sustentabilidade do desenvol-vimento, que tem prazos infranqueveis para escapar do crculo vicioso da torna inrcia social, ou frustrao das salidas outra palavra de Santiago , para atingirmos a aura das derradeiras possibilidades de um Estado -nao, neste arranco do sculo. No

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    perseverar dos fundadores, o Helio da grande maturidade vai ao repto radical do maior entender. Entrega -se tarefa nica, que em si mesma um exemplo do adensamento da cultura brasileira e tambm dos riscos de seu grande impulso.

    No temos, no repertrio de nossa vida do esprito, tarefa da magnitude de Um Estudo Crtico da Histria. como se a voracidade do sentido e o desatamento do compreender de uma inteligncia, sucessivamente coartada do seu projeto, impelissem ao despojamento das ltimas miradas. Helio vai a Toynbee, exatamente, no que marca o quadro de um pensamento do Brasil--projeto, aps o vir a ser orteguiano, que nos mobilizou sem retorno. Manifesta -se na ambio da obra a mxima guinada sobre o que importa a uma gerao crtica: o desenho da totalidade, por mais que temerria, para definir o portento do lance e, a seguir, o destramar de sentido. O paradigma toynbeeano de Helio sem paralelo em todo cometimento das cincias histricas do Brasil no se demite em nada do esforo meticuloso dos aspectos inditos que apresentou, entre ns, de busca das fontes, interpelao das competncias especializadas, continuada autocrtica dos seus resultados. A vencer uma sndrome da subcultura, Um Estudo Crtico da Histria trouxe, sincronia de nosso tempo, a participao de uma mesma problemtica e seu pulsar.

    O empenho de Helio vai alm de uma etapa da maturidade de nossa cultura no plano da histria e das cincias sociais, em que o srio pode se identificar com o estrito apuro das fontes; com a nitidez do dado, sobre o impressionismo mesmo da conjuntura, sobretudo no contexto de uma histria rala, pobre de lances, e de brechas de sentido, da nossa pertinaz condio semicolonial.

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    Helio nos convoca ao enciclopedismo diante do monogrfico, para alm da bateia estrita da informao, cujo afinco pode hoje crescer, de par com a insensibilidade com a relevncia. grande teoria, Jaguaribe prope outro e voraz empenho: o do sustento da racionalidade no acontecer, a partir do princpio antrpico, com todos os riscos, na plena conscincia do questionamento ps -moderno de uma teleologia, ao se perder na complexidade de nosso tempo. A crtica a essa mesma ps -modernidade no se furta ao questionamento da hermenutica aberta, que impe a verdadeira desconstruo continuada do cogito, em nossos dias, de Lyotard, Derrida, Jean Baudrillard ou mesmo de Gilles Deleuze.

    A contestao do relativismo absoluto por Helio se mostra eivada de uma nostalgia do logos. Em seu entendimento da causao, apetrechada por fatores ideais materiais, o acaso ou a liberdade, ele se perguntaria at onde a proposta sartriana da tomada de conscincia fundadora, do in prompto da liberdade sobre o acontecer, evade, continuamente, a singularidade, de que se faz, inescrutvel, o desfecho final do sentido. Um Estudo Crtico de Histria leva Helio a reencontrar, sempre em termos cautelosos, na forma de condies de possibilidade, essa busca do advento do homem a partir das culturas, sem deixar de impor -lhe a finitude de paradigmas e seu clmax, seu repetir e sua destruio.

    A Histria fez -se para Helio, e como a v Heidegger, com essa toma de posse da Casa do Ser, em que, de toda forma, confina a busca do sentido. No temos mulo, na ambio do seu questionamento, que melhor se inscreva como uma virada de pgina da nossa cultura proslita.

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    Nesse remate, como que desgua a fidelidade de Helio luta contra o depsito das ideias recebidas ou o argumento de autoridade, que s se fortalecia no quadro em que a excelncia do ensino, para a elite da poca, se vinculava ao confessionalismo da formao. No prprio Santo Incio, Helio, para espanto dos seus colegas, se identificava prematura afirmao de um agnosticismo que resiste at hoje como linguagem da modernidade humanista, do questionamento do ser no tempo, para se perguntar de sua historicidade e da transcendncia. Ou, hoje, na sua defesa da transimanncia, que v como a verdadeira moo do homem no cosmos pelo princpio antrpico, na superao continuada pela liberdade racional da inrcia circundante.

    Nesse rigor da provao do absoluto, Helio no se satisfaz com o descompromisso perptuo da filosofia analtica, nem com os avatares do materialismo novecentista, nem, sobretudo, com o fascnio fcil do teilhardismo, nas verses simplificadas do mesmo princpio antrpico, que levar s ltimas consequncias. No mesmo laivo, ainda, da mimese, continuamos, no Brasil, teilhardianos, como fomos positivistas tardios.

    A amplitude da perspectiva de Helio seria necessariamente cobrada pela intransigente racionalidade em que baliza o prprio contorno do comportamento significante e da aventura do homem. Jaguaribe configurou -a contra todo mpeto ou contra toda exigncia da finitude inconclusa a que se referem Ricur, Lyotard ou Baudrillard, a expor -se mais ao que a liberdade d ao real concreto toda a dialtica aberta da diferena. O logos intransigente de Helio nos leva sempre de volta mensagem da natureza. E no escapa da aporia de que o homem se guarnece sempre de um

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    sistema interno de ajuste realidade, aos jogos, pois, de interao com a circunstncia e ao caveat que Helio impe afirmativa de Protgoras de que o homem a medida de todas as coisas, mas se esta afirmativa se restringe aos limites da esfera antrpica.

    Para alm do cutelo analtico de Jaguaribe, indagaramos do diffrent lyotardiano para se configurar a Histria como o resultado da interao dos ditos fatores reais, ideais, da liberdade e do acaso. essa concausalidade homognea que se altera, por exemplo, frente ao impacto do inconsciente coletivo. Permanecemos numa viso do contnuo do nosso tempo de sentido, mal exposto ainda aos fractais da sua sequncia? Ou, como querem os ps -modernos, uma contabilidade estocstica do evento nos exige mais na definio dessa liberdade como acidental necessrio, quando os atos fundadores vo para alm do luxo do clculo ou da vontade?

    Na riqueza sutilssima de seu percurso da razo, Helio, afinal, contingencia o implcito na sua regra de entender o mundo e ver--nos no seu imo. o ajuste estrutural do homem a seu dintorno, a nos dar a cadncia passiva primeira determinao, a talvez deixar de lado esse mais de adaptao, por onde irromperam, na inrcia do cosmos, a vida, a conscincia e o tonel das Donaides da complexidade.

    meditao dramtica da contingncia a que nos convida Jaguaribe, ficou -lhe talvez a demasiada seduo pelo logos e a trazer o belo a perodos absolutos, nos quais se tornou prisioneiro, exaustivamente saciado, da Renascena e do Iluminismo. E seu veredicto tambm o da definitiva expresso apolnea para o humanismo contemporneo. Os limites impostos pelo princpio antrpico excluem a possibilidade de um contnuo progresso

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    qualitativo da arte e tem outras implicaes mais amplas. A consequncia desses limites da excelncia da ao humana conclui Jaguaribe est em que a cultura s pode repetir os padres j atingidos ou destru -los.

    O mais articulado dos pensadores do ser histrico entre ns, o recado de Helio Jaguaribe exaure a sua lio na defesa agonal da racionalidade, para garanti -la por toda leitura da Histria como condies de possibilidade distinta e definitivamente assentada. Expe -se o jogo dessa trama corroso do negativo, de Slavoj iek, no acontecer, ou s dialticas do tempo dbil, de Gianni Vattimo, ou ao impacto do reducionismo, de Georg Lukcs, por sua vez oferecendo novos cenrios ao dizer do homem, para alm do -vontade do cogito em meio ao contraponto totalitrio da contradio. a Helio que devemos a resposta em defesa da complexidade, diante da tentao da racionalidade linear, na acolhida do aleatrio, da retroao, e no verdadeiro vestbulo da historicidade. O que fica, frente, na viso de Lucien Sve ou de Camille Ripoll, a dialtica cumulativa, a nos permitir, para alm da concasualidade, o conceito de emergncia, e suas variveis, no s abertas, mas a superar a dicotomia entre o universal e o singular.

    Helio nos garante essa grande interlocuo contempornea, e exatamente no cho mesmo do sentido, da premonio de Jaspers s grandes leituras e seu processo. Seu novo passo vai a Scheler, para nos dar a posio do homem no cosmos. como se ficasse como legatrio do cursivo completo do pensamento do sculo XX, a nos arrimar para o salto mais brutal do acontecer, de que somos contemporneos, na acelerao ou na ruptura em que, aps Hiroshima e a queda do Muro, deparamos a sublevao do racional,

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    aps o abate das torres de Manhattan. Eis -nos no advento a reptar a antropia do irracional dos inconscientes coletivos, da luta pela diferena, baixada identidade escura do homem, como a matria invisvel do cosmos, cativa da civilizao do medo e dos discursos fundamentalistas da hegemonia.

    frente do portento de sua obra e do que nos promete exatamente pelo excesso de lucidez, aguardam os contemporneos de Helio que possa, para alm das sedues, por Toynbee, por Sorokin ou, sobretudo, Weber, e valendo -se da desconstruo epistemolgica contempornea, explorar plenamente a tenso entre a identidade e a diferena. O Helio goethiano que ora comea, equipado de maneira incomparvel para esta reflexo e para o compromisso da hermenutica do nosso tempo, nos repta a esse estar no mundo que efetivamente se modifica e nos expe, enfim, perturbadora verdade da Histria.

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    HELIO JAGUARIBE Y LA RELACIN ARGENTINA -BRASIL

    Aldo Ferrer

    Helio Jaguaribe es un gran amigo de mi pas y el principal referente intelectual de la alianza estratgica de Argentina y Brasil. Su Doctorado Honoris Causa por la Universidad de Buenos Aires y el premio Konex Mercosur, son algunos de los testimonios del reconocimiento argentino a la trascendencia de su obra. Las reflexiones siguientes resumen mis puntos de vista, fuertemente influidos por su pensamiento, sobre la relacin Argentina -Brasil.

    Tengo el privilegio de ser amigo, discpulo y compaero de Jaguaribe, en mltiples actividades, vinculadas al desarrollo de Amrica Latina, el orden mundial y, principalmente, la relacin entre nuestros dos pases. Su obra, como la de Ral Prebisch y Celso Furtado, es un pilar fundamental del pensamiento propio y original, capaz de observar el mundo desde la perspectiva de nuestros intereses y la construccin de una posicin simtrica, no subordinada, en el orden mundial.

    Jaguaribe est convencido de que la transformacin es posible. Esa visin es la primera de las condiciones necesarias para remover el atraso e impulsar el desarrollo. Esto implica asumir que las

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    resistencias, internas y forneas, pueden resolverse a partir de los propios medios y la eficacia de la conduccin de la transformacin. Para tales fines, contamos con el necesario potencial de recursos materiales y humanos, y la capacidad de gestionar el conocimiento.

    En el caso de la Argentina, su confianza es tanta, que afirma que est condenada al xito. Expresin clebre que, en los tiempos aciagos que vivi mi pas, fue refugio de la esperanza.

    Argentina y Brasil no han alcanzado, todava, altos niveles de desarrollo econmico y social. Sin embargo, en el plano de la cultura, son potencias de primera magnitud. El aporte de nuestros escritores, pintores, msicos y otros creadores, forman parte fundamental de la creacin y del ingenio humanos en el escenario mundial. Incluso, en las ciencias duras y en las sociales, nuestro aporte es significativo. El desafo consiste en poner la realidad econmica y social a la misma altura de los niveles alcanzados en la cultura. La ciencia y la tecnologa forman parte de este campo fundamental del desarrollo y la integracin de nuestros pases.

    Argentina tiene una responsabilidad fundamental en la definicin de la naturaleza de la relacin argentino -brasilea. Brasil, por su dimensin y potencial de recursos humanos y materiales, es ya un protagonista importante del escenario internacional y, como dira Helio Jaguaribe, est condenado a ser una potencia de primer rango. Somos nosotros, los argentinos, quienes tenemos que contribuir a una relacin simtrica y solidaria, a travs de la eficacia de nuestras polticas de desarrollo nacional e inclusin social.

  • Helio Jaguaribe y la relacin Argentina Brasil

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    1. Las visiones argentinas del desarrolloEn la historia contempornea, Argentina puso en prctica,

    en su relacin con Brasil (y con el resto del mundo), las visiones

    neoliberal y nacional.

    La visin neoliberal

    La misma considera a la Argentina como un segmento del

    mercado mundial, que debe organizarse conforme a las seales

    del orden internacional. De este modo, su estructura productiva e

    insercin en la divisin internacional del trabajo, est determinada

    por sus ventajas competitivas estticas, fundadas en la abundancia

    de sus recursos naturales y subdesarrollo tecnolgico e industrial.

    Este enfoque supone, asimismo, que, dada la concentracin del

    poder en los mercados y los pases dominantes, Argentina carece

    de la capacidad decisoria necesaria para trazar su sendero de

    desarrollo, industrializarse, participar plenamente en la revolucin

    cientfica y tecnolgica y, consecuentemente, establecer una

    relacin simtrica, no subordinada, con el orden mundial.

    Esta visin responde al convencimiento histrico del

    neoliberalismo de que Argentina no cuenta con factores autnomos

    de desarrollo. Debe asociarse, necesariamente, a un centro

    hegemnico externo que impulse su crecimiento. Esta fue, en

    efecto, la posicin que el pas mantuvo, hasta la crisis mundial de la

    dcada de 1930, con Gran Bretaa. Posteriormente, la pretendida

    durante las frustradas relaciones carnales con los Estados Unidos.

    Actualmente, la considerada conveniente con Brasil y, en mayor

    medida, con China. Se trata del realismo perifrico de un pas,

  • Aldo Ferrer

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    que solo podra aspirar a conseguir lo posible, dentro de la posicin

    subordinada que inevitablemente ocupa en el orden mundial.

    En resumen, nuestras relaciones sern establecidas por el

    libre juego de las fuerzas del mercado y las ventajas comparativas

    estticas, determinadas por las asimetras en los niveles de

    desarrollo y la dimensin econmica de ambos pases. Este

    enfoque considera normal que, en la relacin bilateral, estos hechos

    establezcan una divisin del trabajo del estilo centro (Brasil)-

    -periferia (Argentina).

    La visin nacional

    La propuesta industrialista forma parte de una tradicin

    histrica que incluye a polticos y economistas, como Vicente

    Fidel Lpez en el siglo XIX y, posteriormente, a mediados del XX,

    a Alejandro Bunge y Ral Prebisch. La misma concibe a Argentina

    como un sistema de relaciones econmicas y sociales, dentro del

    espacio territorial, capaz de desplegar en su totalidad los recursos

    y el talento disponibles, construir una estructura productiva

    industrializada y compleja, generar ventajas comparativas

    dinmicas fundadas en el conocimiento, agregar valor a sus recursos

    naturales y establecer relaciones simtricas, no subordinadas, con

    el orden mundial. Si se verifican las condiciones determinantes de

    la densidad nacional, Argentina dispone de los recursos materiales

    y humanos y del poder decisorio, necesarios para trazar su sendero

    de desarrollo y estilo de relaciones con el resto del mundo, incluso

    Brasil.

    Desde esta perspectiva, es conveniente que la poltica exterior

    brasilea responda a objetivos nacionales propios y, al mismo

  • Helio Jaguaribe y la relacin Argentina Brasil

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    tiempo, conciba, la relacin bilateral, como una alianza estratgica para impulsar el desarrollo complejo de ambas economas y el creciente contenido tecnolgico y de valor agregado del comercio recproco, en ambos sentidos. De este modo, una poltica exterior brasilea que reivindica la autonoma decisoria frente a los centros de poder mundial y la solidaridad con los pases del espacio sudamericano, es funcional a la visin nacional del desarrollo en la Argentina.

    La evidenciaAl tiempo del regreso de ambos pases a la democracia, los

    acuerdos bilaterales de los gobiernos de Alfonsn y Sarney, reflejaron la propuesta nacional del desarrollo argentino y el impulso de una integracin programada, a travs de la convergencia de las polticas pblicas y del estrechamiento de las relaciones entre los sectores privados de ambos pases. Su mejor ejemplo, fu la prioridad de los acuerdos sectoriales de integracin industrial, con eje, en el sector crtico de los bienes de capital.

    Durante los gobiernos de Menen y Collor, la relacin de nuestros pases en el marco del Mercosur, qued subordinada a las fuerzas del mercado. Esto se reflej en un creciente desequilibrio en el contenido de valor agregado y tecnologa del comercio bilateral y, finalmente, concluy en el descalabro de la economa argentina en la crisis del 2001/2.

    En el transcurso de la ltima dcada (2003 -13), la Argentina resolvi la crisis de la deuda externa, recuper soberana y la capacidad decisoria de sus polticas pblicas. La poltica exterior brasilea permiti discutir y resolver, con un espritu solidario, las

  • Aldo Ferrer

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    consecuencias del cambio de rumbo en la Argentina y, al mismo tiempo, fortalecer una visin comn sobre las tendencias del orden mundial y el lugar, en el mismo, de nuestros pases.

    2. Trayectorias comparadasBrasil acumul un considerable poder nacional, en sectores

    fundamentales de la economa. A pesar del sesgo ortodoxo de la poltica financiera en diversos periodos, Brasil mantuvo, a largo plazo, la decisin de fortalecer ncleos estratgicos del poder nacional (Petrobras en hidrocarburos, Embraer en la industria aeronutica, las grandes empresas de construccin e ingeniera). Esto se refleja, ahora, en la proyeccin internacional de las firmas brasileas.

    En materia de financiamiento del desarrollo, el Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) es un envidiable ejemplo de movilizacin de recursos internos, con fondeos en gran medida provenientes del sistema de seguridad social y la masa salarial. Instrumentos financieros como el BNDES y el dinamismo de los principales grupos econmicos, permiti el despliegue de ambi-ciosos planes de desarrollo de la infraestructura y programas de apoyo a la competitividad y el desarrollo de actividades prioritarias. Asimismo, Brasil protegi su soberana, preservando la jurisdiccin de sus tribunales en el caso de litigios con intereses extranjeros y no ratific ningn tratado bilateral de garanta de inversiones, ni se adhiri al Ciadi.

    En contraste con la experiencia del Brasil, en la Argentina, durante el largo periodo de la hegemona neoliberal (1976 -2001), que no incluye el Gobierno de Alfonsn, se demolieron siste-mticamente las fuentes del desarrollo y poder soberano de decisin

  • Helio Jaguaribe y la relacin Argentina Brasil

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    y se adoptaron compromisos internacionales, que implicaron una renuncia voluntaria de la soberana.

    En el pasado, la asimetra de las estrategias de desarrollo seguidas por Argentina y Brasil, gener una divisin del trabajo en el intercambio bilateral, con Argentina en la posicin predo-minante de abastecedor de bienes de menor contenido relativo de tecnologa y valor agregado. La asimetra se expresa en sectores como el automotriz, bienes de capital, electrodomsticos, infor-mtica, telecomunicaciones, calzado y textiles. De este modo, en el largo plazo, se fueron generando rasgos estructurales en ambas economas, que continan influyendo en el intercambio y otros aspectos de las relaciones econmicas bilaterales.

    Una vez que Argentina, despus de la debacle de la estrategia neoliberal, resolvi cambiar el rumbo e impulsar su reindustrializacin, necesariamente deba cambiar la dinmica y el contenido de la relacin bilateral. En la actualidad, la vecindad, la historia y los desafos que plantea el escenario internacional, han llevado a los dos pases a establecer un grado de comunicacin y empata sin precedentes y a la instalacin del concepto de alianza estratgica, indispensable para ampliar las fronteras del desarrollo nacional de cada uno de ellos.

    3. Desarrollo y orden mundialLa formacin de un sistema econmico y social avanzado

    exige articular, la explotacin de los recursos naturales, con su industrializacin e incorporacin de valor agregado y tecnologa. Las estructuras productivas reducidas a producir y exportar pro-ductos primarios, desembocan en el subdesarrollo, la dependencia

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    y la exclusin social. En el caso argentino, por ejemplo, es

    indispensable esta visin integrada del desarrollo para erradicar

    definitivamente el falso supuesto de que existe un conflicto de

    intereses entre el campo y la industria.

    La movilizacin de los recursos propios es el fundamento

    insustituible del desarrollo y la integracin. La dependencia

    del capital extranjero reduce el ahorro interno y la tasa de

    inversin. Culmina con niveles insostenibles de deuda externa,

    desequilibrios inmanejables y la subordinacin a la irracionalidad

    de la especulacin financiera. Argentina proporciona un ejemplo

    dramtico en la materia. Acontecimientos semejantes suceden,

    actualmente, en varios pases de la Unin Europea. En consecuencia,

    vivir con lo nuestro, abiertos al mundo, en el comando de nuestro

    destino, es indispensable para el ejercicio efectivo de la soberana

    y del derecho de construir un sendero propio en el orden global.

    La presencia de las filiales de las empresas transnacionales

    es positiva cuando contribuye a la apertura de nuevos mercados,

    la transferencia de conocimientos, los equilibrios en los pagos

    internacionales y la integracin de cadenas de valor de creciente valor

    agregado y tecnologa. Al mismo tiempo, debe ser complementaria,

    no sustitutiva, del protagonismo del empresariado local, que es

    uno de los componentes de la densidad nacional.

    Lo que est en crisis, en la actualidad, no es la globalizacin,

    que es una consecuencia inevitable del avance de la ciencia y

    la tecnologa. La crisis es del neoliberalismo y de los estados

    neoliberales, cuya impote