Vissungos Cantos Afro-Descendentes

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  • Organizadora

    Neide Freitas Sampaio

    VissungosCantos afro-descendentes em Minas Gerais2 ed. rev. aum.

    Edies Viva Voz

    Belo Horizonte

    2009

  • Dali vindo, visitar convm ao senhor o povoado dos pretos: esses bateavam em faisqueiras o recesso brenho do Vargem-da-Cria donde ouro j se tirou. Acho, de baixo quilate. Uns pretos que ainda sabem cantar gabos em sua lngua da costa.

    Guimares Rosa

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    Diretor da Faculdade de Letras Jacyntho Jos Lins Brando

    Vice-diretor Wander Emediato de Souza

    Comisso editorialEliana Loureno de Lima ReisElisa Amorim VieiraLucia Castello BrancoMaria Cndida Trindade Costa de SeabraMaria Ins de AlmeidaSnia Queiroz

    Capa e projeto grfico Mang - Ilustrao e Design Grfico

    Reviso, formatao e normalizaoNeide Freitas Sampaio

    Endereo para correspondnciaFALE/UFMG Setor de PublicaesAv. Antnio Carlos, 6627 sala 203131270-901 Belo Horizonte/MGTel.: (31) 3409-6072e-mail: [email protected]

  • Sumrio

    7 Pedindo licena para cantar

    11 Uma simples histriaIvo Silvrio da Rocha

    15 Antnio Crispim Verssimo, mestre de vissungoAntnio Crispim Verssimo

    21 Um panorama da msica afro-brasileiraJos Jorge de Carvalho

    27 Garimpando os vissungos no sculo XXIGlaura Lucas

    33 Emo qu, um vissungoDaniel Magalhes

    37 Vissungos: cantos afro-descendentes de morte

    e vidaSnia Queiroz

    55 O corpus dos vissungos de So Joo da Chapada

    (MG)Maurcio Gnerre

    67 A propsito do que dizem os vissungosYeda Pessoa de Castro

    73 A fora da palavra nos vissungosNeide Freitas Sampaio

    81 As palavras cantadas do Serro FrioAmanda Lpez

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  • Os vissungos so cantos afro-brasileiros cantados em Minas Gerais em

    diversas situaes da vida cotidiana. Durante o trabalho nas minas e no

    trabalho dos terreiros, nas brincadeiras ou no cortejo dos enterros, os ne-

    gros escravizados preservavam sua cultura revelia dos senhores atravs

    da msica. E tambm atravs da lngua, uma vez que esses cantos ainda

    hoje mantm muitas palavras originrias de lnguas africanas.

    Apesar da importncia que esses cantos representam para o co-

    nhecimento da cultura brasileira como um todo e das culturas africanas

    que herdamos, ainda so relativamente poucos os estudos sobre eles.

    Esses estudos iniciaram-se no comeo do sculo XX, entre a dcada de

    20 e 30, com Aires da Mata Machado Filho, que recolheu e transps

    para partituras musicais 65 cantos encontrados na regio de So Joo

    da Chapada e Quartel do Indai, povoados do municpio de Diamantina

    MG. O trabalho realizado por Machado Filho no teve continuidade e,

    ao longo do sculo XX, permaneceu como a nica fonte escrita sobre os

    vissungos. Encontramos apenas referncias esparsas sobre esses cantos,

    em estudos sobre as tradies orais brasileiras, que sempre reproduzem

    o registro feito por Aires da Mata Machado Filho na publicao O negro e o garimpo em Minas Gerais. Assim, por exemplo, a pesquisadora Oneyda Alvarenga, no livro Msica popular brasileira, menciona os vissungos e a pesquisa de Machado Filho ao tratar dos cantos de trabalho. Outra

    referncia pode ser encontrada no livro As religies africanas no Bra-sil, de Roger Bastide, que se refere aos cantos religiosos com presena de vocabulrio banto identificados por Machado Filho, ressaltando que o

    pesquisador mineiro, talvez tenha descoberto as ltimas sobrevivncias

    Pedindo licena para cantar

    ia u erer ai gombcom licena do curiandamba,com licena do curiacuca,com licena do sinh moo,com licena do dono de terra.

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  • 8 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Pedindo licena para cantar 9

    dessas velhas religies bantos agonizantes, na regio de Minas onde os

    quilombos tinham sido mais numerosos.

    Somente no incio do sculo XXI, mais de 60 anos depois da pes-

    quisa de Machado Filho, que se realizou outro trabalho de campo sobre

    os vissungos. A pesquisadora Lcia Nascimento, buscando as sobrevivn-

    cias dos vissungos, encontrou apenas 14 dos 65 cantos e quatro canta-

    dores, dois na mesma regio estudada por Machado Filho e dois em Milho

    Verde, distrito de Serro, o que evidencia o processo de desaparecimento

    dessa manifestao da cultura afro-brasileira.

    Reuni neste volume os estudos esparsos e inditos que pude en-

    contrar sobre os vissungos. Iniciei o volume, propositalmente, pela voz de

    dois mestres de vissungos de Milho Verde, Ivo e Crispim. No primeiro texto

    conheceremos um pouco sobre o povoado de Milho Verde, atravs do texto

    escrito por Ivo Silvrio da Rocha, mestre de vissungo e patro do Catop. No

    segundo, saberemos o que eram os vissungos no passado e como eles acon-

    teciam em Milho Verde, atravs de um dos ltimos depoimentos gravados

    com o mestre Antnio Crispim Verssimo, falecido em maio de 2008.

    Os trs textos seguintes apresentam anlises musicais dos cantos.

    O primeiro deles foi escrito por Jos Jorge de Carvalho, em 2000, e publi-

    cado inicialmente na Revista de Antropologia da Universidade de Braslia,

    sobre a msica afro-brasileira em geral. Neste texto, o autor analisa os

    vissungos que foram gravados, na dcada de 1960, por Clementina de

    Jesus, e s divulgados publicamente em 1982. O segundo, Garimpando

    os vissungos do sculo XXI, escrito por Glaura Lucas para o Suplemento

    Literrio de Minas Gerais, edio especial sobre os vissungos publicada

    em outubro de 2008, apresenta as principais dificuldades de transposi-

    o, para as partituras de tradio europia, de msicas da tradio ban-

    to. Emo qu, de Daniel Magalhes, tambm publicado no Suplemento,

    insere os vissungos no contexto musical afro-mineiro, comparando-os

    aos cantos do catop de Milho Verde e tradio dos pfanos, encontrada

    na regio do Serro e Diamantina.

    O texto Cantos afro-descendentes de morte e vida, escrito por

    Snia Queiroz, traz uma reflexo sobre a potica dos vissungos, comenta

    os trabalhos j realizados sobre os cantos e apresenta bibliografia e dis-

    cografia, alm de tradues poticas de dois cantos.

    Os dois textos seguintes analisam os cantos sob uma perspectiva lin-

    gstica. O primeiro deles, de Maurizio Gnerre, foi escrito no final da dcada

    de 1980 e nele o autor destaca a importncia do estudo de Machado Filho por

    sua sensibilidade lingstica e analisa quatro cantos, com base nas informa-

    es dos fundamentos (uma traduo da idia geral do vissungo fornecida

    pelos entrevistados, mas no uma traduo literal, palavra por palavra) e no

    glossrio apresentado por Machado Filho, reportando-se tambm gramtica

    do quimbundo e a conversas com a etnolingista Yeda Pessoa de Castro.

    O texto escrito por Yeda Pessoa de Castro A propsito do que

    dizem os vissungos para o Suplemento Literrio de Minas Gerais traz

    uma perspectiva histrica dos estudos africanos no Brasil e aponta para a

    necessidade de se estudar com maior ateno as culturas banto, princi-

    palmente porque foi banto o maior contingente de africanos trazidos para

    o Brasil escravocrata. A etnolingista ressalta, assim, a enorme impor-

    tncia das culturas banto na formao da cultura brasileira.

    A fora da palavra nos vissungos, texto de minha autoria, publica-

    do no Suplemento Literrio, foi extrado da minha dissertao de Mestrado

    defendida em 2008 no PsLit/UFMG, que trata da voz africana na literatura

    oral e escrita. Neste texto, comparo as recolhas de Machado Filho e de Lcia

    Nascimento, mostrando que, apesar do passar do tempo, do desuso da ln-

    gua mesclada em que os vissungos eram cantados e do desaparecimento do

    contexto social que motivavam os cantos, alguns deles se mantiveram como

    palavras-fora, capazes de guardar em si a importncia da tradio cultural.

    O ltimo texto foi escrito por Amanda Lpez como parte de sua

    pesquisa de Iniciao Cientfica na Faculdade de Letras da UFMG. A autora

    ampliou o glossrio elaborado por Aires da Mata Machado Filho na dcada

    de 1930, incluindo palavras presentes nos cantos que esse pesquisador

    omitiu, no se sabe por qu, e acrescentou as palavras que surgiram com

    a pesquisa de campo de Lcia Nascimento, realizada em 2001-2002.

    Com esta coletnea de estudos sobre os cantos de tradio banto

    remanescentes em Minas Gerais no sculo XX (e, alguns poucos, ainda

    no sculo XXI), espero contribuir para o reconhecimento da contribuio

    dos povos dos antigos reinos do Congo, de Matamba, Ndongo e Benguela

    para a formao da diversidade e riqueza cultural do povo brasileiro.

    Neide Freitas Sampaio

  • Uma simples histria...1

    No sabemos a era de nossa comunidade com este lindo nome de Milho

    Verde. Sabemos que quem colocou este nome foram os Bandeirantes,

    que estavam viajando pelo Jequitinhonha, ao passarem nas vertentes de

    uma gua que corre daqui de dentro da rua e cai no Rio Jequitinhonha,

    numa distncia de dois quilmetros. Eles conheceram a gua e disseram:

    Vamos acompanhar esta gua, certamente tem morador.

    E verdade, encontraram um morador por nome de Modesto. Os Ban-

    deirantes estavam com fome e perguntaram ao Sr. Modesto se tinha alguma

    coisa para comer. Ele respondeu: No tenho nada; tenho milho verde, se vo-

    cs quiserem, podem apanhar e assar. Eles aceitaram, assaram e comeram.

    Perguntaram para o Sr. Modesto: Aqui tem nome? Ele respondeu: No. Pois

    ento vai ficar com o nome de Milho Verde, disseram os Bandeirantes.

    Da por diante, no sei contar como cresceu aos poucos. Temos duas

    igrejas histricas, a da matriz e a que se chama Igreja do Rosrio, padroeira dos

    negros. Em outro sculo, aqui tinha casa de ouvires, vrias casas de comrcio e

    um quartel onde prendiam e amarravam os negros nas correntes e nos troncos.

    O Milho Verde que j era bem evoludo, h uns 150 anos atrs come-

    ou a se acabar, depois que comearam as derrubadas no Paran, So Pau-

    lo, Belo Horizonte, outras pessoas saindo para a mata do rio, para apanhar

    caf e derrubadas em vrias estradas de trem de ferro pelo Brasil.

    Os que continuaram, foram vivendo s custas de roas e garimpo, 1 Publicado em: TAVARES, Manoel Fernando de Melo et. al. Histrias das comunidades mineiras. I Concurso Estadual de Redao popular. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1988. As referncias crono-lgicas e os dados sobre a regio foram mantidos, embora, em alguns casos, no correspondam mais realidade do povoado. Essa opo foi feita para preservar, nesta publicao, o texto original, sem modificaes ou adaptaes. (N. E.)

    Ivo Silvrio da Rocha

    mestre de vissungos e patro do catop

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  • 12 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Uma simples histria... 13

    mas nada valendo nada. H uns 25 anos atrs, comearam a sair de

    novo, para So Paulo e ir cortar lenha no sero. Eu mesmo, em 1972, fui

    pra So Paulo e voltei em 1979.

    De uns 15 anos para c, j cresceu a Vila de Milho Verde, tem um

    bairro bem evoludo, por nome de Rua do Campo; outro pela sada do

    Serro, com uma boa rea para crescer, j com umas trs ruas, com vrias

    casas boas e em construo feitas por turistas. Pela sada de Diamantina,

    j se promove mais um bairro novo. Todos eles tm lindas vistas que do

    para se enxergar de oito a dez quilmetros de distncia.

    Temos um campo de futebol, fundado h 27 anos; temos um timo

    grupo escolar h 12 anos; um posto de sade h uns 11 anos; um car-

    trio no centro, dirigido por Maria das Dores Carvalho; temos correio no

    centro, de propriedade de Jos Mrio de Faria; temos telefone, s ainda

    no foi feita a ligao direta, ainda no estamos utilizando-o. E as fam-

    lias que foram embora, s falam em voltar para c.

    H uns seis anos, comearam a surgir alguns turistas. Todos os

    feriados e frias que eles tm, vm passar seus dias aqui. Vrias armam

    barracas, outros alugam casas, outros ficam na Penso Morais.

    Temos uma creche fundada e funcionando h uns oito meses e uma As-

    sociao Comunitria fundada h trs anos. O presidente o Sr. Josias, o mes-

    mo que dirige a creche. Temos duas danas histricas: a marujada e o famoso

    catop, dirigido por Ivo e Sebastio. Nas festas do Rosrio, um grupo de negros

    formado por 30 a 40 componentes, danam as danas africanas mais famosas.

    E temos vrias procisses com grandes atraes, nesta Vila de Mi-

    lho Verde, que em breve vamos ver passar condio de cidade, mas que

    para mim, digo a verdade e lamento, se passar cidade algum tempo,

    para mim, o nome que vai ficar registrado com amor e alegria, para todos

    desta comunidade, Milho Verde.

    Venha conhecer as nossas lindas paisagens, um lugar de sade. Quere-

    mos movimento e empregos que faltam pra ns. Temos um nmero de habi-

    tantes na regio que pertence comunidade de 1.600 a 1.700. Faltam inds-

    trias, uma ponte no Rio Jequitinhonha, e o DER asfalte definitivamente a nossa

    estrada do Serro Diamantina, para que o trnsito melhore um pouco.

    Igre ja matr i z de Nossa Senhora dos Prazeres, em Milho VerdeFoto: Lcia Nascimento

    Catop de Milho Verde em frente igreja de Nossa Senhora do RosrioFoto: Lcia Nascimento

  • Antnio Crispim Verssimo, mestre de vissungo2

    A. Pra tudo tem um nome e t no dialeto. Tem essa lngua, esta tradio

    existe. Essas coisa que eu t falano. Nada que eu t pra fal num t no

    dialeto. No, a gente num pode invent: c tem que fal uma coisa que

    oc pode ca ela na orige e incontr. Mais uma palavra que num existe,

    num pode fal.

    Agora, hoje, hoje esse povo num sabe com que faz esses rituais.

    Tinha que t um ritu. Isso s fazia, murtano, pedino quarqu coisa. Hoje

    em dia o povo num qu sab de nada mais, no.

    AprendizadoEu tinha um tio, que ele era cantad de vissungo, chamava Joo Verssimo

    dos Santos. Esse home cantava um vissungo que fazia as pedra chor. Era

    ele, meu pai, o Gazino, o Firmiano, tudo era o rei perptuo do vissungo.

    Esses tirava o vissungo... ah, minina, c nem imagina. Tudo eu aprindi

    com meu tio. Isso ritual dos vio.

    Eu passei a acumpanh o interro da idade de catorze ano pra cima.

    Que, quando a gente era minino, o pai da gente num dexava, no.

    Esse que o ritual que ns achamo e dos antigo, do pessual que

    a orige da curtura. Seu Gazino morreu com cento e tantos ano. Morreu

    velho, que a orige da curtura mesmo. Que eles num so nao daqui,

    no. Tudo africano. Essa nao, tudo africano.

    2 Depoimento editado a partir da transcrio de entrevista realizada por Neide Freitas Sampaio, com o Sr. Crispim em sua casa, em Ausente, zona rural prxima ao povoado de Milho Verde, no municpio do Serro-MG, no dia 7 de janeiro de 2005. Sr. Crispim faleceu em maio de 2008.

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  • 16 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Antnio Crispim Verssimo, mestre de vissungo 17

    Morte e caminho pra Milho Verde! Num longe no, ns ia rpido. Com litro de pinga na

    garupa, ningum ia sem cachaa, no. Ia morreno a pessoa, j mandava

    busc a pinga, pa faz o quarto. Quarqu um portad, quarqu um colega

    ali, ia e buscava a pinga pa pass a noite. J ficava ali a noite toda, nas

    incelncia que rezava de noite:

    S vitria, vamo lev essa alma pra glriaVamo lev, vamo lev,esse presente pra Nossa SinhoraDuas incelncia de Santa VitriaVamo lev essa alma pra glriaVamo lev, vamo lev,esse presente pra Nossa SinhoraIsso de faz quarto. E vai cabano uma, pega a ota: Quando o sol abrandaa lua alumeia,quando o sol abrandaa lua alumeiaNossa Sinhora da LapaVirgem da CandeiaNum sei como ela agentSofr tanta d.

    Isso fazeno quarto. A noite toda rezano. A depois tem a da

    mesa, que fala assim:

    T que t que MadalenaT que t que MadalenaAcorda que j diaAcorda que j diaL invm o So FranciscoL invm o So FranciscoCom o cordo bento na moCom o cordo bento na moSantAntonho, So GeraldoSantAntonho, So GeraldoPor que chamai, oc num respondePor que chamai, oc num responde

    E tem quando o dia invm, que o dia invm clariano, j tem uma

    reza que fala assim:

    L no cu tem uma santa, Santa Maria, me de Deus.Rog a Deus por ele, l no cu, quando cheg

    Mais era as mulh que tirava essas incelncia. Vissungo s home

    que canta, mulh no. Mulh s na sada da porta. Dona num canta Vis-

    sungo, no. Nunca vi mulh cant vissungo.

    Na sada com o quimbimba de inganazambi. Inganazambi Deus.

    Quimbimba o difunto. Inganazambi do acem. Acem cu. O cu, na

    lngua, chama acem. Depois as dona termina os bendito:

    Bendito, lovado sejaBendito, lovado seja o santssimo, o sacramento o santssimo, o sacramentoOs anjo, todos os anjoOs anjo, todos os anjoLovam a Deus para sempre, ammLovam a Deus para sempre, amm

    Depois as mui pega treis punhadin de terra e joga atrais. um

    ritual dos vi que a gente ach. E fala: vai com Deus, Nossa Sinhora e

    num alembra de mais ningum. Agora os home cumea, recebe os ben-

    dito das boca das mui. A que os home tira os vissungo:

    i, bendito, , lovado seja CristoMadamba auE que v l sQue seje lovado primero com InganazambiTeu [...] com pai mais vioQuanto com sinhuriaO [r t qu] mingu. Rai

    Esse era o primeiro que cantava. E a agora vai ino. Depois dessa

    muisga, otra. Tem mais muisga. Tem o pamb. Pamb cantado:

    Pamb, pamb, Rai, pamb, a que tanto arunangupamb, pamb, r

  • 18 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Antnio Crispim Verssimo, mestre de vissungo 19

    Achei s cantano, mais num fal cua gente o resultado, n? Mais,

    isso do vissungo.

    Pedindo ajudaQuando t pesado, pede ajuda, n? Pe caxo no cho. Bate no caxo.

    que hoje t urna, essas coisas de hoje em dia. Ningum hoje num t

    ino no caxo. O caxo muito grande. Caxo tubua assim, forrado de

    pano. Se moa, pano branco. Se gente adulto, pano preto. O caxo-

    zinho das crianas era branquinho. E batia, chamano pelo nome aquela

    pessoa que morreu. Se Maria: Maria, manera, Maria. Pra visit Nossa

    Sinhora. Manera.

    Vissungo de insultoE agora, quando vai pass na frente da casa de um inimigo, j pega uma

    muisga de insurt na lngua o oto, chamano ele pro cimintrio. Tudo t no

    vissungo. A pessoa tira aquela muisga pra pass perto da casa do inimigo

    levano um difunto, chamano o inimigo pra lev ele pro cimintrio tamm.

    Ela cumeada assim:

    , jomb ler io jomb ler iQue nego calucimba fio de quem am o jomb

    Calucimba gato, ele t xingano ele de gato. Mais, na tradio do dialeto,

    ele chama justamente calucimba.

    Chegada na Igreja e no cemitrioA vai chegano, as pessoa cumea:

    caxinganguel v imbora com Deus, com Deus, com DeusV imbora com Deus, com Deus, com Deus caxinganguel v imbora com Deus, com Deus, com Deus V imbora com Deus, com Deus, com Deus

    isso a. Quando termina, o isprito j t saino. Agora a pessoa t

    denda igreja, e faz a intrega. A vira e fala assim:

    Equi, equi lamb nanguEqui, equi lamb nanguEqui, equi lamb, lamb nangu ger, ger, ger ger, ger, ger, r.

    Vissungo de MultaEm garimpo otra tradio. Que todas muisga de multa de garimpo, tinha

    que s um ritu, c tem que cant pidino. Ningum num ixigia o que que

    pa d, no. O que pudesse d, dinheiro, cachaa. A pessoa canta pra ele

    e fala: Oc que diga pra ns, seu moo. Ele vai e d um lito de pinga.

    A ns canta agradeceno ele o lito de pinga:

    Timb t qu, qu, quTimb t qu, qu, quTimb t qu, qu, quTimb t qu, qu, qu

    Agora, se ele num deu, a tem a cantiga pa cant tamm, j xinga

    ele tamm, na lngua:

    Que bicho esse, tamanduQue rabo cumprido, tamanduQue bicho esse, tamanduQue rabo cumprido, tamandu

    O fregus que j sabia que se num levasse, ia agent o taman-

    du, j levava a pinga no alforje. Isso ns ach dimaisi.

    Nesse ritual no tem tamb. Nesse ritual s justamente as inxa-

    da e os carumb bateno em roda dos visitante que cheg ali.

  • Um panorama da msica afro-brasileira3

    Jos Jorge de Carvalho

    Professor da UNB

    Gneros rurais tradicionais: vissungosOs vissungos so cantos de fora. Foram originalmente cantados durante o

    trabalho de minerao nos rios de Minas Gerais no incio do sculo dezoito.

    Adotando a perspectiva comparativa j padronizada da Etnomusicologia,

    poderiam ser classificados como cantos de trabalho. Contudo, se tivermos

    em mente que as pessoas que os cantavam estavam no exerccio de suas

    atividades sob severa coero fsica, ao cham-los de cantos de trabalho

    dificilmente estaramos refletindo o ponto de vista do sujeito que cantava.

    O ambiente para a execuo dos vissungos est bem retratado na Figura

    XLII dos Riscos Iluminados de Carlos Julio, produzido no ltimo quarto do

    sculo dezoito e publicado por volta de 1800.4 Aps o declnio da minerao

    naquela regio, o vissungo tornou-se uma tradio de canto ritual, na qual

    o trabalho real na minerao do ouro era dramatizado numa ocasio de

    esforo comunitrio. Sob essa forma ritual foram registrados na regio do

    Serro (exatamente no mesmo local citado na Figura XVII quase duzentos

    anos antes) por Ayres da Mata Machado Filho5. A qualidade da gravao

    era pssima nos anos 30, porm do que pude ouvir das gravaes origi-

    nais, a base rtmica era muito provavelmente composta por um trio de

    tambores, tocando trs padres distintos polirritmicamente entrelaados,

    quem sabe ligadas a um padro de candombe, to remoto da linha bsica

    3 CARVALHO, Jos Jorge de. Um panorama da msica afro-brasileira. Parte I: Dos gneros tradicionais aos primrdios do samba. Braslia: UnB, 2000. p. 11-14. (Srie Antropologia, 275).4 Ver JULIO. Riscos iluminados de figurinhos brancos e negros dos usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio.5 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, 1978.

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  • 22 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Um panorama da msica afro-brasileira 23

    da msica afro-brasileira secular e comercial quanto os vissungos. Nos

    anos 60 Clementina de Jesus gravou-os com um grupo de msicos. A base

    rtmica escolhida no repetiu o padro rtmico original, mas usou um tipo

    de ritmos binrios generalizados de umbanda, tais como o barravento, que

    ouvimos em casas de umbanda, macumba e jurema por todo o pas.

    Vissungo 22 Cantado por Clementina de Jesus

    i covicar i bambituara uassage atundo meracovicara tuca tundaDona Maria de Ouro Finocriola bonita num vai na vendachora chora chora schora chora chora s

    A lingista Yeda Pessoa de Castro, especialista em idiomas bantos, ofe-

    receu-me a seguinte provvel traduo da primeira parte do texto: Est

    chovendo, de manh cedo, e as galinhas esto ciscando o cho.

    Nesse canto pode-se realizar o exerccio tpico da audio errada; mui-

    tas vezes o ouvinte acrescenta seu prprio desejo e muda o que escuta em

    uma letra de cano. Aqui, por exemplo, Clementina de Jesus deixa a energia

    da voz cair quase ao silncio nas palavras na venda. Por muito tempo enten-

    di que ela dizia no vai nascer: uma linda mulata no vai nascer.

    Para comear, o texto revela uma cena muito prosaica e domsti-

    ca, ligada aos arredores de uma vila de Minas Gerais colonial: de manh

    cedo (geralmente as galinhas acordam com a aurora), est chovendo e

    por isso a mulatinha no pode ir venda. Contudo, como todos os vis-

    sungos transmitem um significado esotrico, podemos arriscar alguma

    interpretao com base nas informaes acessrias disponveis. Os dois

    conjuntos de significantes, a saber, sua incapacidade de sair de casa e

    as pesadas gotas de chuva, ambas formam uma cadeia de significado

    coerente com as lgrimas derramando de seus olhos. E o nome Dona

    Maria de Ouro Fino, que poderia ser de uma sinh, parece contrapor-se

    imgem da mulata sem nome, quem sabe indicando a incapacidade da ge-

    rao de uma beleza negra feminina em circunstncias to desumanas.

    Nesse vissungo, Clementina inspira o ar num momento que pode

    ser considerado errado, do pondo de vista da msica popular comer-

    cial. Numa gravao comercial, o produtor provavelmente teria pedido a

    ela para repetir a passagem. Contudo, sua respirao errada pode ser

    ouvida como simbolicamente correta, pois torna-se icnica do texto, que

    diz: ele chora, ele chora, sozinho. O defeito na voz, a respirao errada,

    pode ser ouvido iconicamente como o choro do escravo que no teve a

    oportunidade de fugir para o quilombo junto com o rapaz.

    Vissungo 62 Cantado por Clementina de Jesus.

    Muriquinho piquinino, parentemuriquinho piquininode quissamba na cacunda.Purugunta onde vai, parente.Purugunta onde vai, pro quilombo do Dumb.Ei chora-chora mgongo deverachora, gongo, chora.Ei chora-chora mgongo cambadaChora, gongo, chora.

    Traduo oferecida por descendentes dos escravos que trabalha-

    vam nas minas nas regies do Serro e Diamantina: O menino, com a

    trouxa nas costas, est correndo para o quilombo do Dumb. Os que

    ficam choram porque no podem acompanh-lo.6

    Os vissungos, como as letras de msicas de umbanda para algumas

    divindades tais como os Pretos Velhos e as Pretas Velhas, dramatizam um

    emprego particular da lngua portuguesa que soa infantil, especialmente

    com diminutivos. Foi estabelecida historicamente uma correlao entre o

    modo pelo qual os falantes bantos alteram a morfologia portuguesa pela

    adio de vogais, expandindo, assim, o nmero original de fonemas das

    palavras e transmitindo a impresso de uma maneira infantil de falar o

    portugus brasileiro. Em resumo, o processo de bantuizao do portugus

    brasileiro foi ideologicamente construdo como se o sujeito tivesse se tor-

    nado mentalmente infantil, retardado ou incapacitado. Mais ainda, como se

    6 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, 1978.

  • 24 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Um panorama da msica afro-brasileira 25

    essa fala bantuizada indicasse um qu de falta de auto-estima, de covar-

    dia, de inferioridade aceita e aberta enfim, a imagem da fala do escravo

    que expressa o gozo que sente situando-se acriticamente dentro dessa es-

    trutura clssica, assimilado ao sadomasoquismo interpessoal, perenizado

    conceitualmente na famosa dialtica amo-escravo formulado por Hegel e

    revisitada por tericos do sculo vinte, tais como Frantz Fanon e Jacques

    Lacan. Muriquinho uma bantuizao de mulequinho, menininho. Mu-

    riquinho piquinino significa um menininho muito pequeno.

    Qual o eu que fala na cano? Para quem ele fala isto , quem

    o tu para ele e quem o terceiro que garante a comunicao que ele

    tenta estabelecer? O sujeito diz aqui que algum pergunta para onde vai

    o menino. Algum chora um bocado, provavelmente a cambada (isto

    , o grupo de companheiros que se auto-denomina com o termo inferio-

    rizante a eles atribudo pelo homem branco; um coletivo annimo e des-

    personalizado) est chorando. E o gongo, o sino de ferro que anuncia o

    comeo e o fim do dia de trabalho dos escravos nas minas, tambm est

    chorando. Temos aqui aquilo que Mikhail Bakhtin chama de dupla voz: o

    sujeito est chorando pela afirmao de que outros choram.7

    Vissungo 64 Clementina de Jesus

    Iu erer ai gumbcom licena do Curiandambacom licena do Curiacucacom licena do sinh moocom licena do dono de terra

    Curiandamba um ser sobrenatural que, como Exu e similares, indica o

    caminho e exige ser apaziguado para no causar problemas para os escra-

    vos negros que trabalham nas minas. Curiacuca outro ser sobrenatural,

    que tambm devia ter um poder ameaador para o sujeito que canta e para

    os ouvintes que compartilham da comunidade de significado e experincia

    formulada pela cano. Ambos os seres sobrenaturais so provavelmente

    equivalentes mticos do papel representado por Exu, ou Bara, ou Legba, o deus

    trapaceiro nas religies afro-brasileiras. A despeito do fato de se tratar de um

    gnero de circulao muito restrito, esse vissungo afirma uma certa atitude 7 Ver BAKHTIN. Problems in Dostoevskys poetics.

    emblemtica dos negros no Brasil. O sujeito une os mundos sobrenatural e

    natural, o religioso e o social, a hierarquia celestial e humana; ele parece

    obrigado a render-se s esferas africana e brasileira de sua experincia. Por

    um lado, ele presta obrigao ritual aos espritos, exatamente como se faz no

    candombl, xang, umbanda; por outro, presta sua homenagem ao jovem,

    provavelmente filho do senhor branco, mencionado explicitamente no verso

    seguinte. Isso pode ser tomado como uma orientao par ao comportamento

    dos ex-escravos na Minas Gerais do sculo vinte.

    Mesmo assim, o disco de Clementina de Jesus, h muito esgotado,

    circulou apenas entre uma elite de classe mdia de gosto refinado para

    msica popular. o tipo de msica utilizada em peas teatrais, concertos

    universitrios, programas especiais de televiso e similares. As canes de

    vissungo nos proporcionam uma boa oportunidade para diferenciar palavras

    que so tomadas alegoricamente, ou metaforicamente, das palavras usadas

    com a inteno de registrar um segredo. Esse mecanismo de ocultar signifi-

    cado comum maioria dos gneros musicais de origem africana no Brasil.

    O samba, o pagode, o cco, todos usam fortes insinuaes sexuais atravs

    de palavras que claramente tm duplo significado. Como se o cantor estives-

    se dizendo a seu pblico: sei que vocs me entendem, que so capazes de

    traduzir o que eu estou cantando. Por outro lado, em estilos rituais, o ou-

    vinte constantemente excludo do acordo estabelecido previamente entre

    os membros de um determinado culto, fraternidade, irmandade ou comu-

    nidade. O que Clementina de Jesus faz aqui reintroduzir o segredo (modo

    tipicamente ritualizado e exclusivo de expresso) no modo de expresso

    profano, potencialmente universal, que a gravao comercial.

    RefernciasBAKHTIN, Mikhail. Problems in Dostoevskys poetics. Ed. And transf. By Caryl Emerson. Minneapolis: Univertity of Minnesota Press, 1984.

    JULIO, Carlos. Riscos iluminados de figurinhos brancos e negros dos usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio. Aquarelas by Carlos Julio (1740-1811). Ed. De Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha. Rio de Janeiro: Livraria So Jos, 1960.

    MACHADO FILHO, Ayres da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, 1978.

  • Garimpando os vissungos no sculo XXI

    Glaura Lucas

    Etnomusicloga

    , no garimpoPinga ouro em pNo garimpoPinga ouro em p

    Durante os rituais do Candombe da Comunidade Negra dos Arturos, em

    Contagem, comum cantarem-se os versos acima para comentar as coisas

    bonitas que esto sendo feitas ali em honra a Nossa Senhora do Rosrio

    e aos antepassados do grupo familiar.

    Com esses versos, gostaria de compartilhar algumas coisas bo-

    nitas que experimentamos em outro garimpo: a oficina de Introduo

    Pesquisa Etnomusicolgica, que orientei no 36o. Festival de Inverno da

    UFMG em Diamantina, em 2004. A convite da Profa. Snia Queiroz, da

    Faculdade de Letras, que ministrou a oficina Vissungos: cantos afro-des-

    cendentes de morte e vida, vrias atividades foram compartilhadas en-

    tre os participantes de ambas as oficinas, contando com a presena dos

    mestres de vissungo Ivo Silvrio da Rocha e Antnio Crispim Verssimo,

    convidados especiais do Festival. Integrantes do Catop de Milho Verde e,

    poca, dois dos poucos detentores dos saberes em torno da prtica do

    canto dos vissungos, Seu Ivo e Seu Crispim nos proporcionaram a opor-

    tunidade de muitos aprendizados, dos mais variados tipos.

    O canto do vissungo uma prtica social que se vem silenciando

    pela perda das funes que o motivavam. Essa realidade coloca um pri-

    meiro desafio a um possvel estudo etnomusicolgico sobre os vissungos:

    como realizar um trabalho de campo? O campo no mais se realiza em

    espaos sociais observveis, mas os vissungos ainda eram, poca da-

    quele Festival, carregados nas redes da memria desses homens. Apesar

    do curto espao de tempo da oficina uma semana tnhamos, ento, o

    privilgio de poder interagir com esses mestres, e ouvi-los.

    zzzzzxx

  • 28 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Garimpando os vissungos no sc. XXI 29

    No entanto, Seu Ivo fez a opo pela cautela, no que se refere

    divulgao dos vissungos. A tristeza ainda ecoava em sua voz, ao nos

    contar que, h muitos anos, um vissungo que ele cantou foi gravado sem

    que ele percebesse ou permitisse, e arranjado, sob o resguardo da noo

    do domnio pblico, como tema de telenovela. Um canto exclusivamente

    masculino, que para ele vinculava-se a gestos rituais e sagrados, se via

    recriado num contexto estrangeiro, na voz de uma mulher.

    Aires da Mata Machado Filho menciona um filho de escravo que

    tinha aprendido as cantigas com o pai, mas observa que nem tudo fora

    ensinado, pois algumas s podem ser ouvidas pelos iniciados. Assim

    como acontece com vrias outras expresses vocais afro-brasileiras, al-

    guns saberes rituais exigem um grau de desenvolvimento pessoal do

    aprendiz para que sejam transmitidos, de tal forma que os mestres de-

    tentores de tais saberes podem preferir a no revelao ao risco de um

    uso inadequado. Um capito de Moambique, dos Arturos, certa vez se

    referiu a essa atitude como um ato de preservao da cultura. Assim,

    preservar pode representar a extino de certos aspectos da cultura,

    visando sua proteo.

    O silncio do Seu Ivo se tornou, ento, um pingo de ouro para o

    nosso aprendizado, gerando reflexes importantes sobre a tica na pes-

    quisa; sobre a noo de autoria e de propriedade em diferentes contextos

    musicais; sobre as teias de significados que impregnam os traos sonoros

    e as conseqncias decorrentes de seu deslocamento contextual.

    Alm da memria dos mestres, a perspectiva histrica tambm se

    apresenta como alternativa para o estudo etnomusicolgico dos vissun-

    gos, atravs de dados contidos em livros, em especial na obra de Macha-

    do Filho. Esse pesquisador teve o cuidado de registrar em partitura os 65

    vissungos. No sendo a msica o foco de seus estudos, as transcries

    so bem simples, apresentando a melodia dos cantos com suas letras e

    com eventuais indicaes de andamento. E, evidentemente, elas no so

    acompanhadas de uma reflexo terica e metodolgica, como geralmen-

    te aconteceria hoje num estudo etnomusicolgico que utilizasse o recurso

    da transcrio. Tal reflexo diz respeito, primeiramente, s implicaes

    de um processo de representao visual do som. Em segundo lugar,

    propriedade do uso do sistema de notao desenvolvido no mbito da

    msica ocidental erudita para representar outros repertrios, sobretu-

    do os de transmisso oral. Embora possa ser uma ferramenta analtica

    importante para a compreenso de algumas culturas musicais, o uso da

    notao ocidental considerado por muitos como etnocntrico, uma vez

    que reduz e traduz o fenmeno sonoro/musical luz da concepo musi-

    cal que fundamentou esse sistema de notao.

    Entretanto, uma questo nos tinha sido colocada pela Profa. Snia:

    medida que algo da msica dos vissungos se encontra registrado nes-

    sas transcries, seria possvel ressuscit-los, com a ajuda dos mestres

    Ivo e Crispim? Encaramos o desafio como uma oportunidade de refletir-

    mos sobre o papel da transcrio musical na pesquisa etnomusicolgica.

    Nesse caso, o caminho seria inverso: teramos que oralizar a escri-

    ta, tornando as transcries originalmente descritivas, em prescritivas. A

    turma era composta de estudantes e profissionais de diferentes campos

    do saber Msica, Jornalismo, Cincias Sociais, Teatro, Letras, e outros

    o que enriquecia os debates. E, como experincia inicial, propus a um

    grupo de musicistas que nunca tinham ouvido um vissungo que treinasse

    o de n.1 do livro de Machado Filho, para posteriormente cantar para a

    turma, tendo a partitura como nica referncia.

    Segundo o autor, com esse vissungo, os negros pediam a Deus e

    a Nossa Senhora que abenoassem o servio no comeo do dia, e eles

    ainda estavam presentes, no incio do sculo XX, nas festas de mastro.

    Esse era um canto ainda conhecido de Seu Ivo e Seu Crispim, e uma ver-

    so meldico-textual recente se encontra no CD citado, Congado Mineiro.

    Uma outra verso ouvida nos incios das atividades do Reinado de Nos-

    sa Senhora do Rosrio da Irmandade do Jatob, em Belo Horizonte.

    Uma vez preparadas, nossas musicistas entoaram o Padre Nosso, e

    foi difcil para os mestres conterem o riso. Primeiro, com delicadeza, a in-

    formao que no conhecamos: T muito bonito, mas mulher no canta

    isso, no! E ficaram tambm evidentes a escassez de dados escritos

    e, sobretudo, as distncias culturais. No havendo especificao do an-

    damento, por exemplo, elas o imaginaram demasiadamente lento. Mas,

    principalmente, o exerccio demonstrou que a decodificao do sistema de

    notao ocidental por membros dessa mesma cultura est atrelada a um

    processo de aprendizado que inclui tambm a transmisso oral e a fami-

  • 30 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Garimpando os vissungos no sc. XXI 31

    liaridade com os diferentes estilos dessa msica. Ao cantarem o vissungo,

    naturalmente impostaram a voz como que realizando um exerccio de

    solfejo numa aula de percepo musical tradicional. Buscaram tambm a

    preciso da afinao das notas e das duraes indicadas, embora prova-

    velmente os negros cantadores do passado percebessem diferenas na

    forma de diviso do contnuo temporal e o das freqncias.

    Soma-se a esse aspecto a margem de variabilidade presente no

    universo da oralidade, o que sugere que cada transcrio do livro seja um

    retrato aproximado de uma performance particular daquele canto. Essa

    maleabilidade se verifica quando comparamos a transcrio n.1 do Pai

    Nosso com sua forma sonora atual, tal como se encontra registrada pelo

    Seu Ivo no CD Congado Mineiro.

    Finalmente, assim como oralizaram a transcrio conforme uma

    esttica familiar, nossas cantoras desconheciam as especificidades esti-

    lsticas da msica dos vissungos, como acentos rtmicos, e timbres, in-

    flexes e gestos vocais expressivos. Esses aspectos so difceis seno

    impossveis de serem representados no papel, e dependem da familiari-

    dade com as intenes, sentimentos e motivaes contextuais, para uma

    interpretao culturalmente mais aproximada. Seu Ivo e Seu Crispim

    detinham esses saberes e, no passo seguinte, esses mestres buscaram

    recriar alguns cantos transcritos que no conheciam, a partir da escuta

    de sua melodia ao piano. Essa experincia aconteceu na turma da Profa.

    Snia, e eu no acompanhei os resultados, porm suponho que o domnio

    estilstico tenha favorecido uma proximidade esttica. Em outras pala-

    vras, as caractersticas sonoras provavelmente foram mais semelhantes

    ao que era cantado contextualmente na regio de Diamantina e do Ser-

    ro, no passado, do que o que fora entoado pelas musicitas. Entretanto,

    seja com maior ou menor proximidade sonora, a recriao desses traos

    musicais, hoje, necessariamente implica um deslocamento contextual e a

    produo de novos significados funcionais.

    Ivo e Crispim, mestres de vissungo de Milho Verde, conversam com os alunos da Oficina de Etnomusicologia, oferecido pela profa. Glaura Lucas, durante o 36 Fest ival de Invervo da UFMG.Foto: Foca Lisboa

    Ivo, Cr ispim e a professora Glaura Lucas na Oficina de Etnomusicologia, durante o 36 Festival de Invervo da UFMG.Foto: Foca Lisboa

  • Emo qu, um vissungo

    Daniel Magalhes

    Mestre em Etnomusicologia

    No Serro, as tradies de origem mais especificamente africanas esto

    representadas, na festa de Nossa Senhora do Rosrio, no grupo de

    danantes chamado Catop. Num contexto em que outros grupos tambm

    tomam parte, como o Caboclo e a Marujada, simbolizando e assumindo

    funes diversas das do Catop, este ltimo grupo, sem dvida, o

    mais importante do ponto de vista hierrquico, j que, alm de outras

    prerrogativas, como a retirada da bandeira de Nossa Senhora da casa

    do Mordomo, ele o responsvel pela guarda e conduo direta de Reis

    e Rainhas ao longo de todo o Reinado termo com que so tambm

    designadas as festas de N. Sra. do Rosrio e que se refere presena de

    Reis e Rainhas escolhidos entre os membros da Irmandade do Rosrio.

    Entretanto, um outro tipo de grupo destaca-se tambm neste con-

    texto, em vnculo estreito com a guarda de Reis e Rainhas e a conduo

    do cerimonial durante as festas do Rosrio. So grupos formados por

    tocadores de caixa e pfano, chamados, no Serro, sugestivamente, Caixa

    de Assovio. O pfano uma flauta transversal com seis furos de digita-

    o e um de sopro. Os conjuntos musicais baseados em caixas e pfanos

    so muito comuns no Nordeste brasileiro e tiveram relevncia histrica

    tambm em Minas Gerais, onde estiveram presentes em cidades como

    Diamantina e Ouro Preto. Destes grupos centenrios no restam, em Mi-

    nas, mais do que trs, todos vinculados festa do Rosrio. Este tipo de

    grupo, mais conciso, com algo em torno de quatro tocadores, contrasta,

    em termos numricos, com as outras guardas que participam da festa

    do Rosrio e que abrigam normalmente dezenas de integrantes entre

    zzzzzxx

  • 34 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Emo qu, um vissungo 35

    msicos e danantes.

    A Caixa de Assovio, dentro de suas atribuies, o nico grupo a

    atuar na manh do sbado que abre os trs dias principais de festivida-

    des, no Serro. responsvel pela conduo da matina e dos cortejos e

    caf da manh nas seis casas de festeiros. Contudo, para nossa surpresa,

    em seguida a este momento inicial da festa, a Caixa de Assovio no mais

    ser vista como grupo independente e gostaramos de chamar a aten-

    o para uma fuso singular que ocorre ento, na qual os tocadores de

    caixa e pfano, a partir do dia do Reinado (no domingo), so assimilados

    pelo Catop, tornando-se um s grupo. No mais possvel determinar a

    origem dessa fuso. A festa do Rosrio do Serro remonta a princpios do

    sculo XVIII, e tanto a Caixa de Assovio quanto o Catop so provavel-

    mente remanescentes desses primeiros tempos.

    Nesta fuso, a Caixa de Assovio incorporou o repertrio tradicional

    do Catop, executando-o mesmo nos momentos em que atua sozinha,

    como na manh de sbado da festa. Amplifica-se assim o conjunto ins-

    trumental, que j contava com duas ou trs caixas, tamboril (pequeno

    tambor quadrado, tocado pelo chefe do grupo), reco-recos e xique-xiques

    (armaes de madeira no formato de um x, com arames esticados nas

    duas extremidades em que se prendem tampinhas de garrafa).

    Uma das caractersticas musicais mais distintivas dos grupos de

    tocadores de caixa e pfano a execuo de peas propriamente instru-

    mentais, comuns para este tipo de conjunto. Quando a Caixa de Assovio

    se junta ao Catop, os cantos so feitos com alternncia entre voz e

    flautas, funcionando estas como um coro de resposta, ou mesmo as exe-

    cues tornam-se inteiramente instrumentais, com a substituio da voz

    pela flauta.

    Entre os vrios cantos do repertrio do Catop, Emo qu foi um

    dos que nos chamaram a ateno pela presena de palavras de origem

    africana. No s esses vocbulos, mas tambm sua funo ritual nos

    levaram a consider-lo um vissungo, gnero musical de marcada origem

    africana de tradio banto, normalmente vinculado a um nmero variado

    de funes, identificadas pelo pesquisador Aires da Mata Machado Filho

    no livro O negro e o garimpo em Minas Gerais: padre-nossos, cantos da

    manh, cantos do meio-dia, cantigas de multa, cantigas de rede, cantigas

    de caminho, cantigas de pedir licena para cantar.

    Emo qu realizado em situao tambm especfica: normalmente

    na entrada em recintos casas, ou a prpria igreja, e ao redor de uma

    mesa com alimentos, o que equivaleria a pedir licena para entrar e para

    comer. Durante a manh de sbado, a Caixa de Assovio repete este canto

    vrias vezes, sempre na chegada s casas dos festeiros e, em seguida,

    ao entrar na casa, abenoa a mesa posta do caf da manh, circulando-a

    vrias vezes, sem interrupes na execuo. Nestes momentos, o grupo

    reforado pela presena de outras pessoas que tomam parte na circun-

    voluo em torno da mesa, cantando. A verso do canto que a escuta-

    mos a seguinte:

    Emo qu, valha-me Nossa Senhora, Emo quEmo qu, l no campo do Rosrio, Emo qu.

    Entretanto, uma outra verso do canto foi fornecida por Maria

    de Lurdes Silva, a Dona Cesria, em entrevista realizada em maro de

    2007:

    Emo qu, Inganazambi eu s fia [?], Emo quEmo qu, l no campo do Rosrio, Emo qu

    Apesar de j no deter o conhecimento da traduo completa do

    texto, soubemos da prpria entrevistada que qu representa uma sau-

    dao e Inganazambi significa Senhor Deus e aparece em vrios outros

    vissungos. interessante notar a substituio de Inganazambi por Nossa

    Senhora, no momento em que o canto realizado em contexto pblico.

    Tendo em vista que a cidade do Serro foi o principal ncleo admi-

    nistrativo de toda a regio em que se espalhou a prtica destes cantos,

    natural supor que a influncia dos vissungos tenha tambm chegado

    cidade ou mesmo partido de l. Apoiados ainda pela informao dispo-

    nvel no livro de Aires da Mata Machado Filho de que alguns vissungos

    cantados na minerao tambm se prestavam cerimnia de subida do

    mastro, entendemos que o canto em questo, Emo qu, realmente seria

    um vissungo.

  • Os vissungos, cantigas em lngua africana ouvidas outrora nos servios de

    minerao, foram identificados pelo pesquisador Aires da Mata Machado

    Filho em 1928 nos povoados de So Joo da Chapada e Quartel do Indai,

    no municpio de Diamantina (MG). Entre 1939 e 1940, Aires publicou em

    captulos, na Revista do Arquivo Municipal, de So Paulo, o resultado de

    sua pesquisa sobre esses cantos de tradio banto: 65 cantigas, com

    letra, msica e traduo, ou antes fundamento, alm de dois glossrios

    da lngua banguela (que ele tambm nomeia, equivocadamente, dialeto

    crioulo) um extrado dos cantos e o outro, do linguajar local; e 8

    captulos de estudo sobre a cultura afro-brasileira no contexto do trabalho

    da minerao de diamantes. A primeira edio em livro saiu pela Jos

    Olympio, em 1943, e a segunda, em 1964, pela Civilizao Brasileira. Em

    1985, a editora Itatiaia publicou uma co-edio com a EDUSP, que ainda

    se encontra no mercado.

    Segundo Aires da Mata Machado Filho, dividem-se os vissungos

    em boiado, que solo, tirado pelo mestre sem acompanhamento ne-

    nhum, e o dobrado, que a resposta dos outros em cro, s vezes com

    acompanhamento de rudos feitos com os prprios instrumentos usados

    na tarefa.8 Na apresentao das letras e das msicas (cap. 9), os vis-

    sungos foram agrupados por em: padre-nossos, cantos da manh (ou:

    ao nascer do dia), canto do meio-dia [h apenas 1 registro], cantigas de

    multa, cantigas de caminho, cantigas de rede e de caminho, [cantiga]

    pedindo licena para cantar, [cantigas] gabando qualidades [talvez um

    8 MACHADO FIHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 57.

    Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida

    Snia Queiroz

    Poeta, professora e pesquisadora da Faculdade de Letras da UFMG

    zzzzzxx

  • 38 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 39

    equivalente banto do oriki, da tradio nag-iorub9], [cantos de] negro

    enfeitiado, cantiga de ninar, [canto do] companheiro manhoso, e h ain-

    da um grupo de cantigas diversas. H inconsistncias na categorizao

    das cantigas, que podemos atribuir, talvez, a descuido na edio.

    Alguns vissungos parecem cantos religiosos adaptados ocasio,

    talvez pelo esquecimento de seu significado original, observa o pesqui-

    sador. Mas outros conservam seu sentido mstico-religioso: H cantigas

    especiais para conduzir defuntos a cemitrios distantes (dos quais ele

    recolheu 3 exemplos) e h cantigas, como os Padre-Nossos, usadas na

    minerao e tambm nas cerimnias de levantamento do mastro, nas

    festas religiosas.

    No captulo 8, dedicado ao estudo das cantigas, Aires ressalta a

    necessidade universal de trabalhar cantando. E associa prtica dos ne-

    gros de So Joo da Chapada e Quartel do Indai os cantos das colheitas

    de uvas em Portugal, das fiandeiras, dos capinadores de roa e dos muti-

    res. Muito interessante era a multa. Quando alguma pessoa chegava

    lavra, era logo multada pelos mineradores, com uma cantiga apropriada

    (...), exigiam alguma coisa do recm-chegado. Uma vez satisfeito o pe-

    dido, seguia-se multa o agradecimento com danas, ritmo de carumbs

    e enxadas.10

    Dos 65 vissungos registrados em livro pelo Prof. Aires, 14 foram

    gravados, em 1982, por Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme, no

    LP O Canto dos Escravos, da Eldorado, e dois deles integram a trilha so-

    nora do filme Abolio, de Zzimo Bulbul. Nessa gravao, hoje j dispo-nvel em CD, percebe-se uma leitura nag dos cantos bantos. Segundo

    Jos Jorge de Carvalho, a base rtmica escolhida no repetiu o padro

    rtmico original, mas usou um tipo de ritmos binrios generalizados de

    umbanda, tais como o barravento, que ouvimos em casas de umbanda,

    macumba e jurema por todo o pas.11 Cerca de quinze anos depois, o

    msico Gil Amncio e o poeta e msico Ricardo Aleixo (de Minas Gerais)

    incluram um desses 14 vissungos no espetculo e CD Quilombos urba-

    nos: Muriquinho piquinino, o canto 62 do livro de Aires.9 Cf. RISRIO. Oriki, orix, p. 41.10 Idem, p. 58. O carumb o recipiente usado no garimpo de ouro e diamante para pr o cascalho a ser lavado. Segundo Houaiss (2001), a palavra de origem tupi e designa tambm espcie de tartaruga cuja carapaa usada como vasilha.11 CARVALHO. Um panorama da msica afro-brasileira, p. 12.

    Muriquinho piquinino

    soloMuriquinho piquinino, parente,muriquinho piquininode quissamba na cacunda.Purugunta adonde vai, parente.Purugunta adonde vaiPru quilombo do Dumb:

    coroEi, chora-chora mgongo deverachora, mgongo, choraEi, chora-chora mgongo cambadachora, mgongo, chora

    (Fundamento fornecido por Aires: O moleque, de trouxa s costas, vai fugindo para o quilombo do Dumb. Os outros que ficam choram no poder ir tambm. p. 85.)

    Tambm na releitura dos Quilombos urbanos, os tambores no

    choram como pede o coro, mas se aceleram num ritmo que desgua no

    carnavalesco de Maracangalha, cano que se segue ao vissungo, em

    pot-pourri, na mesma faixa 7 do CD. Em 2001, os dois msicos, Ricardo

    Aleixo e Gil Amncio, estiveram em Diamantina com a Sociedade Lira Ele-

    trnica Black Maria, apresentando outro espetculo Q e ministrando

    a oficina Letra Imagem Corpo/Voz, durante o 33o Festival de Inverno da

    UFMG. Ao final da semana de trabalho, convidei-os a ir comigo e Lcia

    Nascimento a So Joo da Chapada e Quartel do Indai, conhecer os ir-

    mos Pedro e Paulo ltimos cantadores de vissungos dali. O contato foi

    transformador. Eis o relato que dele fez Ricardo Aleixo poca, na coluna

    que escrevia no jornal O Tempo:

    Nunca mais esqueo: o mais velho dos irmos cantadores, Paulo, ainda no havia chegado para o encontro conosco. Pedro gritou, com uma espcie de aboio, o mano (ele, por sua vez, o ma-ninho), projetando o som por sobre o pequeno vale que separa a morada de um da do outro. O que vimos/ouvimos, ali, foi, mais que um mero ato de comunicao, uma invocao de foras situadas

  • 40 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 41

    aqum e alm da ordem objetiva do cotidiano. Nossa ignorncia nem deixou que o rito se cumprisse em seu tempo prprio. Entre fascinados com a beleza do som entoado e ansiosos pela chegada de Paulo, insistimos com nosso anfitrio para que repetisse o grito. Por uns dez minutos, ele s desconversou. Percorrendo, com sua voz acariciante, em enredos entrecortados, inflexes plenamente relacionadas aos movimentos curtos e medidos de seu corpo de velho, olhava, a espaos, o caminho por onde deveria surgir o irmo. At que: Ooooooooo!!!!!. E a resposta veio logo, grudada no eco do chamado: Ooooooooo!!!!!. Estava dito tudo.12

    E o poeta conclui:

    E agora posso dizer que j ouvi um vissungo e no apenas sua representao grfica ou sonora. Conclu que um vissungo no pode ser entendido s como msica principalmente se o ouvimos a partir de um ponto de escuta formado pelas culturas do Ocidente, ainda presas ao conceito de arte de organizao dos sons.Vissungo a voz que sai do corpo e recorta o ar e o espao, at um tempo anterior ao Tempo.

    Ao final da dcada de 90, a Associao Cultural Cachuera! gravou,

    na voz de Ivo Silvrio da Rocha, contramestre do Catop de Milho Verde

    (distrito do Serro), trs cantos para carregar defuntos em redes, que

    constituem a primeira faixa do CD Congado Mineiro, lanado pela Ita

    Cultural, na srie Documentos Sonoros Brasileiros. Juntamente com as

    gravaes que constituem as faixas 12 a 17 do CD Festa do Rosrio Ser-

    ro, lanado por Caxi Rajo em 2002, e uma participao no DVD A Sede

    do Peixe, do cantor Milton Nascimento,13 esses so os nicos registros

    sonoros (e visuais) dos Catops de Milho Verde, grupo que mantm vivos

    ainda hoje, em seu repertrio ritual, alguns cantos da tradio banto.

    Dentre os membros do catop de Milho Verde, a pesquisadora Lcia Va-

    lria Nascimento, que investigou a sobrevivncia dos vissungos na regio

    de Diamantina e Serro nos ltimos anos do sc. XX, identificou, alm

    do contramestre, outro cantador proficiente: Antnio Crispim Versssimo,

    que demonstra ainda algum conhecimento ativo da lngua d Angola,

    como a designavam os falantes poca dos registros feitos por Aires da

    12 ALEIXO. Vissungos.13 O grupo de Catops toca e canta com Milton Nascimento a msica 18, Zamba Catumba Zambi, e h um especial sobre os Catops, em que o grupo se apresenta na rua e se reproduz um fragmento de entrevista com moradora de Milho Verde sobre os negros da comunidade do Ba.

    Mata Machado Filho. Vale observar, aqui, a fora do canto (e da dana) na

    preservao do patrimnio lingstico e cultural. Em outras palavras: de-

    saparecido o ritual dos funerais feitos a p e o trabalho coletivo, as festas

    religiosas de cronograma fixo passam a desempenhar um papel essencial

    na preservao dos cantos de tradio africana em nosso estado.

    O interesse na preservao desse patrimnio histrico e cultural

    brasileiro, e o reconhecimento do papel relevante da Arte em especial

    do canto e da dana nesse processo levou-me a pensar estratgias de

    valorizao e revitalizao da lngua africana que, ao que tudo indica, foi

    falada fluentemente em Minas pelos africanos e seus descendentes no

    perodo da minerao, reduzindo-se a vestgios esparsos a partir sobre-

    tudo do sculo XX. No 34o Festival de Inverno da UFMG, coordenando a

    rea de Literatura e Cultura, na semana dedicada cultura regional, reuni

    em Diamantina os dois cantadores de vissungos do Serro Ivo Silvrio

    da Rocha e Antnio Crispim Versssimo e o grupo Tambolel, de Belo

    Horizonte constitudo por msicos negros que trabalham com a potica

    afro-brasileira Geovanne Sass (percussionista, ator e filsofo), San-

    tonne Lobato (percussionista, fabricante de instrumentos e pesquisador)

    e Srgio Perer (cantor, compositor dedicado ao blues e ao canto de

    raiz, e percussionista) numa proposta de criao coletiva que integras-

    se a tradio e a experimentao. O resultado foi o espetculo Macuco

    Canengue, cujo ensaio geral aconteceu na gruta do Salitre e a primeira

    apresentao pblica, no adro da igreja do Rosrio, em Diamantina, no

    dia 13 de julho de 2002. O processo de criao do espetculo e suas duas

    apresentaes iniciais foram filmados em vdeo por Pedro Guimares,

    bacharelando em Antropologia pela UFMG e videomaker, resultando no

    documentrio que recebeu o mesmo ttulo do espetculo. O videofilme

    foi mostrado ao grande pblico inicialmente em Belo Horizonte, dentro da

    programao de aniversrio do grupo Tambolel, em dezembro de 2002,

    e posteriormente na sala Humberto Mauro, no Palcio das Artes; em julho

    de 2003, com o apoio da PROEX/UFMG, o documentrio foi projetado no

    largo da igreja do Rosrio, no encerramento do 4o Encontro Cultural de

    Milho Verde.

    Em 2004, assumi a proposta de uma oficina no 36o Festival de In-

    verno da UFMG, em Diamantina, para trabalhar a transcriao de vissun-

  • 42 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 43

    gos, com a participao dos dois cantadores de vissungos do catop de

    Milho Verde e de um estudante angolano falante de quimbundo lngua

    banto de grande difuso em Angola e no Brasil e que parece ser a base

    desses cantos afro-brasileiros. Alguns meses antes, realizei uma primeira

    experincia transcriadora, com estudantes do Programa de Ps-Gradua-

    o em Letras da UFMG, na disciplina Transtextualidade e Transcriao.

    A seguir, reproduzo dois vissungos selecionados por mim e trans-

    criados por estudantes do POSLIT/UFMG. Trata-se dos cantos 33 e 53 na

    enumerao estabelecida por Aires da Mata Machado Filho. A letra do

    canto 33, registrada p. 76 do livro, est na seqncia dos 37 cantos

    apresentados pelo pesquisador sob a designao de Negro enfeitiado,

    apresentados da p. 74 p. 85. A msica, registrada em partitura p. 95,

    est identificada como Canto da tarde. A letra do canto 53, registrada

    s p. 81-82 do livro, tambm est includa na seqncia dos cantos de ne-

    gro enfeitiado. A msica, registrada p. 104, figura imediatamente aps

    as quatro partituras identificadas como A jangada secando gua,14 no

    havendo nenhum outro ttulo que indique nova seqncia de cantos, o

    que pode fazer supor que o vissungo 53 tambm um canto de trabalho.

    Como se pode ver j na apresentao destes dois cantos, as categorias

    estabelecidas por Aires da Mata Machado Filho no se sustentam nem

    mesmo no mbito de sua prpria obra. A pesquisadora Lcia Nascimento

    identificou, no presente, apenas duas categorias: os cantos de multa e os

    cantos de funeral. Segundo depoimento dos estudantes angolanos Taho

    e Chitacumula, que tm nos ajudado na identificao de palavras dos re-

    manescentes de lnguas africanas em Minas Gerais, a palavra ovisungo,

    em quimbundo, significa canto em geral, e os angolanos, na zona rural,

    cantam nas mais diversas circunstncias.

    14 A jangada, aqui, um aparelho de secar gua nas catas e que movido a gua. Cf. MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 82.

    vissungo 33

    SoloOenda au, a a!Ucumbi oenda, au, a...Oenda au, a a!Ucumbi oenda, au, no calunga.

    Coro 1o

    Ucumbi oenda, ondor onjUcumbi oenda ondor onj (bis)

    Coro 2o

    l vou oend pu curima aul vou oend pu curima au (bis)

    (Fundamento fornecido por Aires: O sol est entrando, vamo-nos embora para o rancho./ O sol entrou, vamos para o rancho. Eu vou entrar para minha faisqueira. O pesquisador comenta como admirvel a permanncia da idia de mar. Pergun tados, todos os informantes traduziram por mar a palavra calunga. p. 76.)

    vissungo 53

  • 44 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 45

    I mbCombaro, auUcumbi quend,Curima, ai mdambi,I mb combaro, au.Ucumbi quend,Curima ai mdambi.

    (Fundamento fornecido por Aires: Quando o sol entrar vou ao comrcio procurar mulher fazer servio com mulher. p. 82.)

    Adriana Melo se valeu da classificao adotada por Aires na apre-

    sentao da partitura para dar ttulo sua transcriao do vissungo 33:

    Canto da tarde. No texto, manteve certa sonoridade banto, na voca-

    lidade do lamento au/au, a e nos vocbulos cafua e onj, o primei-

    ro, um africanismo incorporado ao portugus do Brasil, o segundo, um

    estrangeirismo que garante mais radicalmente a memria do outro na

    traduo.

    Canto da tarde

    Cai a tarde, aua luz vai se apagando, au, a.Cai a tarde, auo sol se recolhe no mar.

    Coro 1Apaga-se o sol, vamos nos recolher cafua, onj.Apaga-se o sol, vamos nos recolher cafua, onj.

    Coro 2Eu vou me recolher no lume da mina, au.Eu vou me recolher no lume da mina, au.

    O mesmo canto, transcriado por paulo de andrade, ganha um jogo

    vocal, com a ampliao da sonoridade au/au, a para: ai /au, a/ ai /

    . E um jogo semntico em quebrantar/quebranto.

    Canto que Arde

    Soloquebranta o sol, ai vou quebrantar, au, aquebranta o sol, ai vou quebrantar, , nas ondas do mar

    Coro 1vou quebrantar, l me vou eu svou quebrantar, l me vou eu s

    Coro 2quebranto s, , o ouro do marquebranto s, , o ouro do mar

    O canto 53 foi transcriado em verso, por paulo de andrade, e em

    prosa, por Cinara Arajo. Nos versos, paulo de andrade buscou manter a

    vocalidade em / do texto africano. E enfrentou a dificuldade da tradu-

    o do verso Curima ai mdambi, optando por explorar a literalidade do

    fundamento fornecido por Aires em fazer servio com mulher, rever-

    tendo a frase ao campo metafrico: o trabalho do amor.

    Canjer

    sol me voufeira afora, mulher ah, cado trabalho do amorsol me vou feira afora, mulher ah, cado trabalho do amor

  • 46 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 47

    Referncias

    Livros, dissertaes & publicaes peridicas

    ALEIXO, Ricardo. Vissungos. O Tempo, 25/7/2001. Magazine.

    CARVALHO, Jos Jorge de. Um panorama da msica afro-brasileira. Parte I: Dos gneros tradicionais aos primrdios do samba. Braslia: UnB, 2000. (Srie Antropologia, 275) Cap. 1,p. 4-6: Msica afro-brasileira uma viso geral; Cap. 2, p. 6-11: Teorizando os gneros musicais: msica, texto e histria social; Cap. 3, p. 11- 14: Gneros rurais tradicionais Vissungos.

    GNERRE, Maurizio. O corpus dos vissungos de So Joo da Chapada (MG). [Campinas: UNICAMP, 198-] No publicado.

    LOPES, Nei. Bantos, mals e identidade negra.Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1988. P. 79-178: Os bantos; p. 179-188: Concluso: A questo negra no Brasil.

    LOPES, Nei. Cultura Banta no Brasil, uma introduo. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Sankofa: resgate da cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro: SEAFRO, 1994. p.105-122.

    MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. 3.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985. (Reconquista do Brasil)

    MUNANGA, Kabengele. Origem e histrico do quilombo na frica. Revista USP, So Paulo, n. 28, p. 56-63, dez.95-fev.96.

    NASCIMENTO, Lcia Valria do. A frica no Serro Frio: vissungos de Milho Verde e So Joo da Chapada. 2003. Dissertao (Mestrado em Lingstica) Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

    SLENES, Robert. Malungu, ngoma vem!: frica coberta e descoberta do Brasil. Revista USP, So Paulo, n. 12, p. 48-67, jan.-fev.92.

    TINHORO, Jos Ramos. Os sons negros no Brasil. So Paulo: Art Ed., 1988. Parte 4: Os cantos de trabalho dos negros do campo e das cidades, p. 111-128.

    CDs sonoros

    ANDRADE, Marcus Vinicius (Dir. art.) Histria do samba paulista I. So Paulo: CPC-UMES, 1999. Faixa 1: Vissungo. Interpretao de Aldo Bueno.

    CORRA, Ivan (Dir. e prod.) Quilombos urbanos. Trilha sonora do espetculo. Belo Horizonte: Ser Qu? [199-?]. digital udio. Faixa 7: Muriquinho piquinino. Interpretao de Gil Amncio e Ricardo Aleixo.

    DIAS, Paulo. (Dir. geral de pesquisa.) Congado Mineiro. [So Paulo: Cia. de udio/Classic Master, 2001.] (Coleo Ita Cultural. Documentos sonoros brasileiros Acervo Cachuera!, 1). digital udio. [Faixa 1: Vissungos de Milho Verde - cantos para carregar defuntos em redes. Vozes: Ivo Silvrio da Rocha e grupo de catop de Milho Verde. Gravado em 8/7/97 em Milho Verde, MG,

    na residncia do Sr. Ivo, contra-mestre do catop.]

    FALCO, Aluzio (Proj. e coord. art.), VINICIUS, Marcus (Dir. mus., prod. e dir. de est.) O Canto dos escravos. Interpretao de Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme. So Paulo: Estdio Eldorado, [1982]. long play. [J disponvel em CD.]

    LUCAS, Glaura. Gravao em K7 com Joo Lopes, capito-mor da Irmandade do Rosrio do Jatob (BH/MG), na pesquisa de campo para o livro Os sons do Rosrio (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.). Padre Nosso Africano.

    RAJO, Caxi. Festa do Rosrio. Serro-MG 17242000. Nova Lima (MG): Nas Montanhas, [2002]. Faixas 8-11: Catops do Serro; faixas 12-17: Catops de Milho Verde.

    SALMASO, Mnica. Trampolim. So Paulo: Pau Brasil Som Imagem e Editora, 1998. Faixa 1: Canto dos escravos.

    Vdeo & DVD

    ABOLIO. Direo: Zzimo Bulbul. Rio de Janeiro: Funarte, 1987/88. 1 fita de vdeo (150

    min.), VHS, son., color.

    GUIMARES, Pedro. Macuco Canengue. Belo Horizonte: Tambolel, PROEX/UFMG, 2003.

    NASCIMENTO, Milton. A sede do peixe. Dir. Carolina Jabour & Lula Buarque de Hollanda. So Paulo: EMI, 2004. 109 minutos. Colorido. Idioma: Portugus. Legenda: Portugus, Ingls, Espanhol. Participao dos catops de Milho Verde na msica 18: Zamba Catumba Zambi. Especiais: Fragmentos de Entrevistas: Os Catops.

  • Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 49

    Vista do povoado de Quartel do Indai, municpio de Diamantina, com suas cafuas, tipo de construo herdado dos africanos.Foto: Lcia Nascimento

    Mestres de vissungo de Quartel do Indai, Pedro e Paulo.Foto: Acervo Lcia Nascimento

    zzzzzxx

  • Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 51

    Apresentao do espetculo Macuco

    Canengue, no adro da igreja

    do Rosrio, em Diamantina,

    durante o 34 Festival de Inverno

    da UFMG.Foto: Foca Lisboa

    Ensaio do espetculo Macuco Canengue na gruta do salitre, em Diamantina, com os dois cantadores de vissungo de Milho Verde, Ivo e Crispim e grupo Tambolel, de Belo Horizonte.Foto: Foca Lisboa

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  • Vissungos: cantos afro-descendentes de morte e vida 53

    Ivo, Crispim e Taho, lem O negro

    e o garimpo em Minas Gerais, de

    Machado Filho, na Oficina Vissungos

    Cantos africanos de vida e morte.

    Foto: Foca Lisboa

    Ivo e Crispim - Mestres de vissungo -, Taho e Chitacumula - falantes de quimbundo e umbundo, respectivamente - e Snia Queiroz, professora da Oficina Vissungos Cantos africanos de vida e morte, oferecida durante o 36 Festival de Inverno da UFMG.Foto: Foca Lisboa

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  • Edison Carneiro escrevia em 1953: Das lnguas faladas pelas vrias tribos aqui chegadas no h estu-dos dignos de meno especial. A sugesto direta de Slvio Romero no mereceu, ao referente s lnguas africanas, a mesma ateno dispensada s religies do negro.O captulo dedicado ao problema por Nina Rodrigues embora escrito como um levantamento da situao, continua sendo o melhor. [...]Somente uma pesquisa a de Aires da Mata Machado Filho, de referncia a O negro e o garimpo em Minas Gerais pode ser apontada como tendo pelo menos aflorado muitos (dstes) aspectos mais particulares das lnguas africanas. 15

    Certamente de 1953 para hoje houve alguma novidade importante no

    estudo das lnguas africanas no Brasil e do contato destas lnguas com

    o portugus. Ressaltamos em particular os trabalhos de Yeda Pessoa de

    Castro16. Concordamos, porm, com Edison Carneiro sobre a importncia

    da obra de Aires da Mata Machado Filho, ainda que no seja pelos mesmos

    motivos. Acreditamos que a importncia da obra do autor mineiro no

    reside no fato de ele ter aflorado muitos aspectos mais particulares das

    lnguas africanas, como escrevia Edison Carneiro, mas no fato de ele ter

    documentado com muita sensibilidade lingstica e sem usar nem mesmo

    dos recursos metodolgicos disponveis meio sculo atrs, uma realidade

    lingstica que hoje podemos reanalizar.

    15 CARNEIRO. Ladinos e crioulos, p. 113.16 CASTRO. De Lintgration des apports africains dans les parlers de Bahia au Brsil; Influncia de lnguas africanas no portugus do Brasil e nveis scio-culturais de linguagem.

    O corpus dos vissungos de So Joo da Chapada (MG)

    Maurizio GnerreProfessor e pesquisador em Lingstica

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  • 56 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais O corpus dos vissungos em So Joo da Chapada (MG) 57

    O livro comea17:

    Em 1928, indo em gzo de frias a S. Joo da Chapada, municpio de Diamantina, chamaram-me a ateno umas cantigas em lngua africana ouvidas outrora nos servios de minerao. Fui ter com um dos conhecedores, o meu bom amigo Joo Tameiro, que, com so-licitude, satisfez minha curiosidade de aprender as cantigas. 18

    Estas primeiras palavras j indicam o rumo do trabalho orienta-

    do para a descrio de uma situao lingstica. Esta caracterstica a

    que constitui a relevncia da obra, que diferentemente das outras obras

    clssicas sobre aspectos lingsticos da presena negra no Brasil, evita

    generalizaes e snteses prematuras.

    As cantigas em lngua africana chamaram a ateno do autor e

    motivaram o estudo.

    Das peculiaridades tnicas da populao sanjoanense e do especial teor de vida deriva a grande importncia das cantigas dos negros entoadas nas lavras. [...] Esses cantos de trabalho ainda hoje so chamados vissungos. A sua traduo sumria o fundamento, que raros sabem hoje em dia. 19

    Os vissungos esto quase desaparecendo. Esto morrendo os poucos que sabiam. Os moos que aprenderam por necessidade ou por curiosidade vo se esquecendo. Sim. Por necessidade. Um dles, o Manoel Pedro, mulato escuro muito inteligente, um roxo, como se diz em Minas, contou-nos por que razo tratou de apren-der a lngua banguela. Queria saber o que os outros conversavam, pois s le no era capaz de compreender o que os negros diziam em sua fala.[...]Pedindo ns a traduo de uma cantiga, Manoel Pedro foi logo respondendo: Dessa daqui s posso dizer que ngombe boi. O mais no. 20

    Uma parte dos textos dos vissungos no mais podia ser entendida

    pelos poucos que ainda os lembravam. Eram textos memorizados em

    lngua no mais usada. Alguns moradores de S. Joo ainda lembravam 17 Citamos aqui da primeira edio em forma de livro, de 1943. O trabalho havia sido publicado anterior-mente em captulos na Revista do Arquivo Municipal entre 1939 e 1940 (60: 97-122; 61: 259-284; 62: 309-356; 63: 271-298) e foi reeditado em forma de livro em 1964 (Ed. Civilizao Brasileira, Rio).18 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais. 19 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 61.20 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 62-63.

    muitos itens lexicais africanos, mas ningum mais usava a lngua africa-

    na que aparece em vrios textos do corpus. O lxico que o autor reco-

    lheu, de 219 itens, coincide somente em parte com o lxico presente nos

    textos. Apesar de o lxico ser predominantemente bantu21, somente para

    uma parte dos itens os timos so transparentes.

    O autor tenta dividir por temas os sessenta e cinco vissungos que ele

    transcreveu. Esta classificao certamente no satisfatria, uma vez

    que quarenta dos sessenta e cinco textos esto reunidos na categoria

    de diversos (XXII-LXII). Os outros textos encontram-se agrupados sob os ttulos: Padre-nossos, cantos da manh, cantos do meio dia, cantigas

    de multa, cantigas de caminho, cantigas de rede e caminho, gabando

    qualidades e pedindo licena para cantar. O autor talvez no estivesse

    interessado em uma classificao interna do corpus. Observamos que

    as caractersticas da linguagem de cada texto constituem um elemento

    decisivo para a classificao22. Os textos poderiam ser ordenados numa

    escala de natureza lingstica que vai desde os que foram transcritos sem

    que os informantes dessem o fundamento (XIV, XXVIII, XXXVI, XLI, LVI), at os textos em portugus. No meio ficariam os textos que receberam

    uma interpretao aproximada23 e os textos em que aparecem palavras

    de origem africana no contexto do portugus. Vamos verificar que existem

    textos com diferenas lingsticas internas, como o caso do XXXIII, que

    analisaremos.

    A interpretao lingstica desta escala de diferenas de linguagem

    no tarefa simples. Uma primeira hiptese intuitiva que poderamos

    construir diria que os textos que resultavam mais incompreensveis para

    os informantes seriam tambm os mais antigos, enquanto os textos que

    apresentam um lxico africano mais transparente para os informantes

    (que coincidia com o lxico ainda conhecido) seriam mais recentes. Os

    textos com itens lexicais usados nas estruturas morfossintticas do por-

    tugus seriam os resultados de momentos da histria lingstica e so-

    21 CASTRO, no texto Os falares africanos na interao social dos primeiros sculos, afirma que parte do lxico de origem ewe.22 No entramos no mrito da possvel classificao musicolgica. O autor fornece apenas as transcri-es de todas as melodias. A respeito das caractersticas musicais de alguns vissungos, gravados em 1944, veja-se LAMAS. Vissungos.23 O texto XLII recebeu duas interpretaes divergentes: Uns dizem que se refere caa de veado, outros pesca da baleia. MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 85.

  • 58 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais O corpus dos vissungos em So Joo da Chapada (MG) 59

    cial dos negros de Minas Gerais, nos quais o uso do portugus era mais

    difundido. Os textos em portugus seriam, nesta perspectiva, os mais

    recentes.

    Esta hiptese, que poderamos chamar de mudana linear, no

    parece realista. O corpus dos vissungos e os outros elementos lingsti-

    cos que o autor nos fornece nos permitem formular uma hiptese mais

    complexa, de natureza sociolingstica, que prev a existncia atravs

    do tempo, nos sculos XVIII e XIX, de variedades lingsticas diferentes,

    coexistentes nas mesmas comunidades. Podemos salientar o texto XX:

    gentefala lngua de baranco, auai ombofala lngua de baranco au

    que parece ter sentido, tambm numa interpretao ldica, num contexto

    como mnimo bilngue.

    Voltando-nos para considerar alguns aspectos da histria social,

    constatamos que os dados disponveis apontam para uma grande com-

    plexidade social, nas minas, durantes os sculos XVIII e XIX. Como vrios

    autores salientam24, no sculo XVIII favoreceu-se a importao, para a

    regio das minas, de escravos da Costa da Mina. Entre estes escravos

    prevaleciam os embarcados em Ajud, de lngua ewe, fon e mahi. A docu-

    mentao disponvel a respeito considervel. Sabemos que estes escra-

    vos eram vendidos a um preo mais elevado que os escravos de Angola,

    de Banguela e de Moambique, falantes de lnguas bantu.

    O nico documento relativo a lnguas africanas escrito no Brasil co-

    lonial, de que temos notcia, a Obra Nova de Lngua geral de Mina. Um

    pequeno trabalho escrito em um centro de minerao, antes de 173125.

    Nele aparecem 831 palavras e pequenas frases das quais, segundo Pes-

    24 BOXER. A idade do ouro no Brasil; CARNEIRO. Ladinos e criolos. GORENDER. O escravismo colonial. VIDAL LUNA & Nero. A presena do elemento sudans nas Minas Gerais.25 O manuscrito existente na Biblioteca de vora foi publicado em 1945. Foi nos possvel consultar esta rara edio no exemplar do Professor Aryon D. Rodrigues, completado e corrigido. Alm de conferir o texto publicado com o manuscrito da Biblioteca de vora, o prof. Aryon comparou o lxico com os dados de Westermann e Bryan, Languages of West Africa. Correia Lopes, Os trabalhos de Costa Pei-xoto e a lngua Evo no Brasil, p. 53, escrevia: Isso (...) no me tira a idia de que o nosso homem (o autor, MG) era morador de S. Bartolomeu de ao p de Vila Rica. A obra s podia ter sido escrita num centro aurfero.

    soa de Castro (Nveis sociolingsticos da integrao de influnicas afri-

    canas no portugus), 80% podem ser identificadas como fon, enquanto

    20% so mahi, mina e ewe. Com o incremento da importao de escra-

    vos na regio de Dahome (Benin), uma de suas lnguas, depois de ter

    passado, provavelmente, por um processo de mistura, assumiu (ou lhe

    foi atribudo) um papel de lngua geral. Este fato pode talvez estar em

    relao com o prestgio que estes escravos gozavam em comparao aos

    bantu, em Minas Gerais. Com a progressiva decadncia das minas, po-

    rm, a importncia dos negros bantu, nunca interrompida, retomou vigor.

    Estas tendncias resultam claras nos dados que se seguem, relativos

    freguesia de Nossa Senhora da Conceio, ao sul do Tijuco (Diamantina)

    e da regio da Chapada:

    Repartio de africanos segundo a origem. Freguesia de Nossa Se-

    nhora da Conceio. (Adaptado de VIDAL LUNA & NERO DA COSTA. A

    presena do elemento sudans nas Minas gerais, p. 7)

    Naes 1719

    1743

    1744

    1768

    1769

    1793

    1794

    1818Mina 42 391 688 394

    Cabo Verde 3 13 17 2Nag 1 8 15 4Outros no-bantu 8 14 8 Total de no-bantu 54 426 728 400Banguela 10 30 43 23

    Angola 19 195 447 521Congo 7 7 16 23Cambunda 1 1 2 9Moambique 2 7 1 Outros bantu 11 40 44 18Total de Bantu 50 280 553 594

    Total 104 706 1281 994

    Nos 74 anos que vo desde 1719 at 1793 a presena de escravos

    africanos aumenta constantemente, com maior aumento dos no-bantu

    (quase que exclusivamente Mina). De 1794 a 1818 os no-bantu dimi-

    nuem de forma drstica, mas os bantu continuam aumentando.

    Estes dados nos levariam a hipotetizar uma situao lingstica

    complexa, com a coexistncia de algumas variedades lingsticas diferen-

  • 60 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais O corpus dos vissungos em So Joo da Chapada (MG) 61

    tes. Se houve uma lngua geral da Mina, mais prestigiosa que os falares

    bantu, esta lngua devia preencher a tradicional funo das lnguas da

    Amrica espanhola e portuguesa de intermediria entre as lnguas domi-

    nantes e o multilingsmo indefinido dos nativos.

    A histria social parece apontar para uma contraposio entre gru-

    pos de escravos de diferentes naes e entre estes e os escravos crioulos,

    e, ainda, entre os escravos em geral e os negros livres. Esta caracterstica

    de ausncia de um plo comum de definio de uma identidade nica, por

    exemplo, de escravo, pode estar na base de diferenciao lingstica e

    do abandono dos falares no-portugueses. Neste sentido so reveladoras

    as palavras escritas pelo Conde de Arcos, governador geral do Brasil, na

    segunda metade do sculo XVIII:

    O governo [] olha para os batuques como para um ato que obriga os negros[] de oito em oito dias, a renovar as idias de averso recproca que lhes eram naturais desde que nasceram, e que todavia se vo apagando pouco a pouco com a desgraa comum.[] Prohibir o nico ato de desunio entre os negros vem a ser o mesmo que promover o governo, indiretamente, a unio entre eles26.

    A formao do povoado de S. Joo da Chapada foi tardia. Deu-se

    numa poca de decadncia das minas. O povoado formou-se lentamente,

    em um contexto de quilombos e de negros foragidos. O viajante ingls

    Mawe visitou a regio da Chapada em 1809 e nos informou que o gado que

    era deixado na regio para pastar era muitas vezes roubado pelos negros

    foragidos que sobreviviam de pilhagem e de contrabando27. Aires da Mata

    Machado nos informa que circundando o stio hoje ocupado por S. Joo

    da Chapada havia seis quilombos famosos28. O povoado formou-se, ao

    que parece, no ano de 1833, quando foi descoberta uma rica lavra, deno-

    minada Pratinha. Foram de negros as primeiras casas do arraial. muito

    espalhada a tradio de Felipe Mina, Felipe Nag, Pai Augusto e outros.

    D logo na vista, pelos nomes, a procedncia no bantu dsses primeiros 26 Citado por Edison Carneiro em Lembranas do negro da Bahia. A tarde, Bahia, nmero de IV Cen-tenrio da cidade de Salvador, 29/03/1949. CARNEIRO. Ladinos e crioulos, p. 63-71.27 MAWE. Travels in the interior of Brazil, p. 330. No texto a informao que nos interessa, sobre os negros foragidos encontra-se na nota: I was told that the cattle put to graze upon them were fre-quently stolen by the negroes (probably fugitive negroes who subsist in this remote district by plunder and smuggling.28 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais.

    moradores. 29

    Podemos lembrar, apesar de ser esta informao no muito relevante,

    que no texto XII mencionado uma me Mina, como nica referncia explci-

    ta a uma nao, no corpus dos vissungos.

    Com relao ao problema da contraposio social entre grupos de

    escravos e entre escravos negros livres, podemos salientar que Felipe

    Mina foi dos maiores proprietrios dos primeiros tempos. Esse preto

    singular era senhor de numerosos escravos e tinha-se na conta de branco.

    Quando castigava os seus negros, dizem que costumava advertir: Agora

    num vai diz qui branco mau. O branco, no caso era le prprio...30

    Este complexo enredo social, que comportava categorias e repre-

    sentaes muito mais sutis do que as que podemos imaginar hoje, devia

    ser acompanhado por uma complexa situao lingstica. Podemos hipote-

    tizar a existncia de comunidades lingsticas caracterizadas pela presena

    de muitas variedades ou de um tipo de continuum lingstico.

    Uma hiptese sociolingstica desta natureza foi levantada por Le

    Page31, para reconstruir a situao lingstica da sociedade jamaicana a

    partir do final do sculo XVI.

    O corpus dos vissungos e a situao lingstica levantada por Aires

    da Mata Machado, seria, na nossa interpretao, um ltimo reflexo de

    uma situao preexistente, na qual teriam coexistido:

    1) falantes nativos de algumas lnguas africanas (ewe, bantu), que

    podiam usar tambm a variedade regional do portugus, ou, talvez, al-

    guma variedade lingstica mista;

    2) crioulos, isto , negros nascidos no Brasil, que no eram falan-

    tes nativos de nenhuma lngua africana, mas que podiam falar e compre-

    ender alguma lngua, ou meia-lngua, e falavam o portugus regional;

    3) crioulos que das lnguas africanas s conheciam os textos, dita-

    dos, frases soltas e lxico, sem chegar a dominar produtivamente nenhuma

    lngua a no ser o portugus regional.

    Podemos esquematizar esta hiptese da forma que se segue:

    29 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 21. 30 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 21. 31 Proceses of pidginization and creolization.

  • 62 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais O corpus dos vissungos em So Joo da Chapada (MG) 63

    A anlise de alguns dos vissungos pode nos levar a entender a re-

    levncia do corpus, na sua totalidade, para a nossa hiptese.

    Podemos comear com um dos textos que foi transcrito sem que o

    informante desse o fundamento, o vissungo XLI:

    1 - O mera angui au2 - lamba, mera angui3 - lamba, lamba pura, pura caveia4 - lamba, mera angui.

    Cro5 - mera angui au

    Quando no dispomos de traduo do texto nem lxico de S. Joo

    da Chapada que nos ajude, podemos tentar interpretar o texto baseando-

    se no Kimbundo (Kb)32 em excluir que outras lnguas bantu, em especial

    o umbundo e tambm lnguas no bantu, sejam relevantes para a sua

    interpretao.

    A seqncia mera angui, que aparece nas linhas 1, 2, 4, e 5

    poderia ser interpretada como uma expresso derivada de uma forma

    simplificada de Kb. Eme rianga, do Kb. Eme ngarianga eu sou primeiro,

    estou na frente, atravs de perda da marca nga-, de pronome prefixo

    de 1 pessoa singular. A ausncia deste pronome prefixo regular na 3

    pessoa singular e plural. Esta caracterstica teria sido generalizada tam-

    32 Baseamo-nos na gramtica, j clssica de Chatelain.CHATELAIN. Grammatica elementar do Kimbundo ou lngua de Angola.

    bm na 1 pessoa.

    Em Kb. Lamba desgraa, m sorte; em S. Joo a palavra era

    usada tambm com o sentido de trabalho pesado33. A linha 3, assim

    como foi transcrita, nos cria um problema, uma vez que no sabemos se

    podemos associar a palavra pura com lamba ou com caveia. Pura pode-

    ria ser interpretada como palavra do portugus. Uma interpretao com

    base no Kb. parece difcil. Em outra parte do livro o autor nos informa

    que em S. Joo corria o ditado: quem gosta do lamba chora34). Lamba

    era, ento, tratado como palavra do gnero masculino. Este dado nos

    levaria a excluir a seqncia lamba pura, por motivo de concordncia

    de gneros. Devemos, porm, levar em conta que em muitas varieda-

    des afro-portuguesas a concordncia com o gnero feminino prevalecia.

    Tambm em S. Joo devia existir esta caracterstica. No vissungo XXXVIII

    encontramos mia pai e no XIII mia cavalo. Esta caracterstica aparece

    somente em alguns dos textos. Este fato nos levaria a interpretar pura

    como adjetivo de lamba.

    A interpretao da palavra caveia simples, em si, j que aparece

    no lxico com o sentido o que l?35 (1943: 126). Talvez esta expres-

    so usada em S. Joo esteja em relao com formas interrogativas do Kb.

    tais como Ki-ebi como? ou ku-ebi onde?.

    O sentido do vissungo XLI seria, ento, sou o primeiro, trabalho

    penoso; o qu? Sou o primeiro. O texto que apresentava dificuldades

    para os informantes certamente no fcil de ser compreendido.

    Outros textos, sem quase nenhum elemento do portugus, resul-

    tavam transparentes para os informantes e para ns. o caso do vissun-

    go XXXIII:

    1 - Oenda au, a a2 - Ucumbi oenda, au, a...3 - Oenda au, a a4 - Ucumbi oenda, au no calunga.

    Cro 15 - Ucumbi oenda, ondor onj

    33 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 128.34 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 136.35 MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 126.

    Lnguas africanas

    Domnio das estru-

    turas lingsticas e

    dos aspectos etno-

    lingsticos

    Escravos de nao

    Conhecimento

    limitado das es-

    truturas lings-

    ticas

    Crioulos (2)

    Variedade(s) mista(s)

    Portugus Regional

    Conhec imento

    limitado das es-

    truturas lings-

    ticas

    Domnio das estru-

    turas lingsticas e

    dos aspectos scio

    e etno-lingsticos

    Crioulos (3)

  • 64 Vissungos: cantos afro-descendentes em Minas Gerais O corpus dos vissungos em So Joo da Chapada (MG) 65

    Cro 26 - I vou oend pu curima au.

    1. vai, 2. o sol vai,