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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO Promotoria de Justiça de Serra ES. Av. Presidente Getúlio Vargas, n. 295, Centro, Serra, CEP 29176-090, Tel: (27) 3291-1100 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL, MUNICIPAL, REGISTROS PÚBLICOS, MEIO AMBIENTE E SAÚDE DE VITÓRIA COMARCA DA CAPITAL. A real tragédia da vida é quando os homens tem medo da luz. (Platão). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem, através da Promotora de Justiça ao final assinada, no desempenho de suas atribuições legais, previstas no art. artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei Federal 8.625/93 e, com fundamento nos artigos 37, § 4º e inciso XXI; art. 127, “caput” e 129, inciso III, todos da Constituição Federal de 1988, consoante o disposto na Lei Federal 8.429/92, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIZAÇÃO POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Em face de: JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR, brasileiro, casado, servidor público, ex-Secretário Municipal de Finanças de Serra, atualmente Diretor-Presidente do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo - IDAF, portador do CPF nº 827.096.027-68 e do RG nº 531.515 SPTC/ES, residente Rua Maestro Manoel Xavier, n. 60, Serra Centro, Serra/ES, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos e que constam do Inquérito Civil MPES nº 2014.0000.6455-09, cujas peças principais acompanham a presente:

Vitória/ES, 26 de janeiro de 2007 - mpes.mp.br · COSIP teve a sua utilização desviada das finalidades legalmente estabelecidas, quais sejam, os serviços de melhoramento,

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO Promotoria de Justiça de Serra – ES.

Av. Presidente Getúlio Vargas, n. 295, Centro, Serra, CEP 29176-090, Tel: (27) 3291-1100

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA DA FAZENDA

PÚBLICA ESTADUAL, MUNICIPAL, REGISTROS PÚBLICOS, MEIO AMBIENTE

E SAÚDE DE VITÓRIA – COMARCA DA CAPITAL.

A real tragédia da vida é quando os

homens tem medo da luz. (Platão).

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem, através da

Promotora de Justiça ao final assinada, no desempenho de suas atribuições legais, previstas no

art. artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei Federal 8.625/93 e, com fundamento nos artigos

37, § 4º e inciso XXI; art. 127, “caput” e 129, inciso III, todos da Constituição Federal de

1988, consoante o disposto na Lei Federal 8.429/92, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIZAÇÃO POR

ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Em face de:

JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR, brasileiro, casado, servidor público, ex-Secretário

Municipal de Finanças de Serra, atualmente Diretor-Presidente do Instituto de Defesa

Agropecuária e Florestal do Espírito Santo - IDAF, portador do CPF nº 827.096.027-68 e do

RG nº 531.515 SPTC/ES, residente Rua Maestro Manoel Xavier, n. 60, Serra Centro,

Serra/ES, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos e que constam do Inquérito

Civil MPES nº 2014.0000.6455-09, cujas peças principais acompanham a presente:

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1 – DOS FATOS:

Durante a gestão do Prefeito Municipal Antônio Sérgio Alves Vidigal, nos anos de 2009 a

2012, a receita pública arrecadada com a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública –

COSIP teve a sua utilização desviada das finalidades legalmente estabelecidas, quais sejam,

os serviços de melhoramento, manutenção, expansão e fiscalização do sistema de

iluminação pública.

Conforme se apurou no Inquérito Civil MPES nº 2014.0000.6455-09, cujas peças principais

instruem a presente, a receita pública arrecadada através da cobrança da COSIP foi a seguinte

nos anos de 2009 a 2012, em números totais1:

a) 2009 – R$ 19.384.401,34 (dezenove milhões, trezentos e oitenta e quatro mil,

quatrocentos e um reais e trinta e quatro centavos);

b) 2010 – R$ 20.847.153,47 (vinte milhões, oitocentos e quarenta e sete mil, cento e

cinquenta e três reais e quarenta e sete centavos);

c) 2011 – R$ 22.777.829,99 (vinte e dois milhões, setecentos e setenta e sete mil,

oitocentos e vinte e nove reais e noventa e nove centavos);

d) 2012 – R$ 24.990.289,81 (vinte e quatro milhões, novecentos e noventa mil,

duzentos e oitenta e nove reais e oitenta e um centavos).

Como se sabe, a cobrança da COSIP tem por objetivo exclusivo custear o serviço de

iluminação pública, motivo pelo qual a sua utilização é vinculada a uma finalidade

específica e limitada, conforme será esclarecido detalhadamente adiante.

Nada obstante, entre os anos de 2009 a 2012, uma quantidade vultosa desses valores foi

desviada para finalidades totalmente distintas, a despeito de serem valores cobrados

diretamente do contribuinte nas contas de energia elétrica a título de pagamento da COSIP.

1 Vide DOC. 1, em anexo: informação prestada pela ESCELSA EDP através do ofício CT-PJ-738/13 no Inquérito Civil MPES nº 2014.0000.6455-09.

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Para tanto, a Secretaria de Finanças realizou movimentações na conta específica da COSIP

para outras contas bancárias do município, de modo que, ao final do ano de 2012,

CONSTATOU-SE O DESVIO DE VALORES NÃO DEVOLVIDOS À CONTA COSIP

NO VALOR DE R$ 25.116.743,73 (vinte e cinco milhões, cento e dezesseis mil, setecentos

e quarenta e três reais e setenta e três centavos).

Conforme fica claro na informação apresentada através do Ofício SEFA nº 141/2016 (DOC.

2, em anexo), a Secretaria de Finanças movimentou a conta bancária da COSIP - Banco

Banestes, Agência nº 110, Conta Corrente nº 7.034.614 - de forma irregular e, a cada ano,

alguns milhões de reais saíam dela e não retornavam integralmente. Abaixo elencamos os

valores que passaram a desfalcar a conta da COSIP, ou seja, que foram desviados e não

reintegrados à conta da COSIP, ano a ano:

a) 2009 – R$ 4.983.797,02 (quatro milhões, novecentos e oitenta e três reais e setecentos

e noventa e sete reais e dois centavos);

b) 2010 – R$ 6.833.017,10 (seis milhões, oitocentos e trinta e três reais mil, dezessete

reais e dez centavos);

c) 2011- R$ 5.429.954,55 (cinco milhões, quatrocentos e vinte e nove mil, novecentos

e cinquenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos);

d) 2012 – R$ 7.869.975,06 (sete milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, novecentos

e setenta e cinco reais e seis centavos).

Total: R$ 25.116.743,73 (vinte e cinco milhões, cento e dezesseis mil, setecentos e quarenta e

três reais e setenta e três centavos), dos quais R$ 13.299.929,61 (treze milhões, duzentos e

vinte e nove mil, novecentos e vinte e nove reais e sessenta e um centavos) foram

movimentados nos anos de 2011 e 2012.

Os documentos obtidos pelo Ministério Público demonstram que a receita proveniente da

COSIP foi utilizada para finalidades diversas, citando-se, a título de exemplo, o desvio para

custear a folha de pagamento dos servidores municipais, para integrar as contribuições

patronais devidas ao instituto de previdência do município, para custear contribuições

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individuais a partidos políticos, para repasse de verbas à associação de procuradores

municipais, a sindicatos, a agências de turismo, a empresas de publicidade e empresas de

eventos artísticos, pagamento a funerárias, dentre outros.

As movimentações realizadas nas contas bancárias vinculadas às receitas da COSIP para

outras contas do Município estranhas à da Contribuição para a Iluminação Pública foram

analisadas pela equipe técnica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo.

Na Instrução Técnica Inicial ITI 617/2014 (DOC. 3, em anexo), realizada no curso do

Processo TC nº 1865/2014, a equipe técnica daquela Corte de Contas identificou quais contas

foram recebedoras de recurso transferido das contas bancárias vinculadas à COSIP, bem como

alguns dos pagamentos efetuados no mesmo dia da transferência pela conta recebedora. Dessa

forma, identificou-se parcialmente a destinação do dinheiro desviado das contas da COSIP no

período de 2009 a 2012, conforme segue:

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As informações constatadas pela equipe técnica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito

Santo na Instrução Técnica Inicial ITI 617/2014 estão compatíveis com as informações

encaminhadas pela Secretaria Municipal de Fazenda de Serra a esta Promotoria de Justiça.

Através do OF/SEFA Nº 192/2014 (DOC. 4, em anexo), foi encaminhada a relação de

transferências realizadas da Conta de Iluminação Pública para outras Contas Municipais no

período de 2009 a 2012, indicando-se as movimentações financeiras das contas que receberam

o recurso.

Por meio dessas informações que acompanharam o OF/SEFA Nº 192/2014 (DOC. 4, em

anexo), especialmente dos quadros de “TRANSFERÊNCIAS REALIZADAS DA CONTA

DE ILUMINCAÇÃO PÚBLICA PARA AS CONTAS MUNICIPAIS”, nota-se que a análise

da Corte de Contas está em consonância com os registros de Movimento Financeiro da

Prefeitura Municipal de Serra. Dessa forma, está provado o desvio de finalidade dos

recursos da COSIP, constatando-se que os valores da conta de movimentação da

Contribuição para Iluminação foram transferidos para outras contas do Município,

misturando-se aos recursos já existentes para pagamentos divorciados da destinação

específica da COSIP, qual seja, melhoramento, manutenção, expansão e fiscalização do

sistema de iluminação pública.

Esse fato também foi informado oficialmente pelo Município de Serra através do OFÍCIO

SEFI nº 67/2014 (DOC. 5, em anexo):

“Dessas transferências, os recursos foram destinados para despesas

de folha de pagamento, diário oficial, Telemar, Detran, multa de

trânsito, aluguéis, devolução de caução, CESAN, Embratel, Locação

de Veículos, Obras, Desapropriação, Contribuição Sindical, IPS,

INSS, PASEP, Diárias e demais despesas de custeio”. (Bruno

Pessanha Negris, Secretário de Finanças, 16 de maio de 2014)

(destaque nosso)

Além disso, a equipe técnica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, Instrução

Técnica Inicial ITI 617/2014, constatou que foi realizado, através da própria conta de

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Contribuição para Iluminação Pública, o pagamento de serviço que não guarda qualquer

relação com o custeio do serviço de iluminação pública. Conforme apurado, em 2011 foi

realizado o pagamento do valor de R$ 3.350.000,00 (três milhões, trezentos e cinquenta mil

reais) para a empresa Promosom Produções Sonorizações e Serviços Ltda., referente ao

serviço de locação, montagem e desmontagem de cidade cenográfica, iluminação decorativa

de natal, ornamentação, decoração e cenários de natal, realização e produção de evento

chegada de “Papai Noel”, para atender ao projeto “Serra Natal da Gente” 2011. O

pagamento foi realizado através das Ordens Bancárias nº 764, 767, 827, 1038, 1314, 1496,

1848, 2423, 2692/2012, utilizando-se diretamente do dinheiro existente nas contas bancárias

vinculadas à COSIP.

Dessa forma, soma-se ao montante de R$ 25.116.743,73 (vinte e cinco milhões, cento e

dezesseis mil setecentos e quarenta e três reais e setenta e três centavos), transferidos para

outras contas estranhas a da Contribuição para a Iluminação Pública, o valor de R$

3.350.000,00 (três milhões, trezentos e cinquenta mil reais), utilizado para o pagamento da

empresa Promosom, perfazendo um total de R$ 28.466.743,73 (vinte e oito milhões,

quatrocentos e sessenta e seis mil, setecentos e quarenta e três reais e setenta e três centavos)

de recursos utilizados de forma irregular e com desvio de finalidade, dos quais R$

13.299.929,61 (treze milhões, duzentos e vinte e nove mil, novecentos e vinte e nove reais

e sessenta e um centavos) foram desviados durante a gestão do requerido2.

A conta bancária vinculada à COSIP é a do Banco Banestes, Agência nº 110, Conta

Corrente nº 7.034.614, Serra-Sede. Como se comprova da documentação em anexo, o

dinheiro foi transferido para diversas outras contas do município, em especial a Conta

“Geral” do Município de nº 2115996, mas também para as contas nº 2116002, 2116010,

12263851, 9308859.

2 O requerido foi nomeado como Secretário Municipal de Finanças de Serra/ES em 03 de janeiro de 2011 (Decreto nº 3.428/2011) e exonerado 31 de dezembro de 2012 (Decreto nº 8.364/2012).

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Os Secretários Municipais de Finanças que ocuparam o cargo durante o mandato de Antônio

Sergio Alves Vidigal foram, respectivamente, Iranilson Casado Pontes3 (02/01/2009 a

04/11/2009), Leonardo Bis dos Santos4 (04/11/2009 a 31/12/2010) e o ora REQUERIDO

JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR5 (03/01/2011 até 31/12/2012) – Decretos de

nomeação e exoneração em anexo (DOC. 6)

A respeito da responsabilidade do Secretário de Finanças nas movimentações financeiras

realizadas nas contas do Município, veja-se as atribuições legais desses gestores, contidas na

Lei Municipal 2.356, de 29 de dezembro de 2000:

Art. 30 Compete à Secretaria Municipal de Finanças:

V - promover a integração com órgãos e entidades da Administração

Municipal, objetivando o cumprimento de atividades setoriais;

VII - colaborar e participar com a Secretaria competente da elaboração da

proposta orçamentária anual, das diretrizes orçamentárias, do plano

plurianual de aplicação e da execução orçamentária e acompanhamento

financeiro;

X - promover a arrecadação dos tributos e rendas municipais,

cumprindo e fiscalizando o cumprimento de leis, decretos, portarias,

normas e regulamentos disciplinares da matéria tributária;

XII - promover o pagamento dos compromissos da Municipalidade;

XX - coordenar as atividades contábeis em geral, bem como o registro, o

acompanhamento e o controle contábil da administração orçamentária,

financeira e patrimonial;

XXI - elaborar balancetes mensais e o balanço geral;

3 Nomeação: Decreto nº 7/2009 - Exoneração: Decreto nº 2008/2009. O ex-Secretário Municipal de Finanças não consta do polo passivo dessa demanda em função da ocorrência do quinquênio prescricional. 4 Nomeação: Decreto nº 2011/2009 - Exoneração: Decreto nº 3425/2011. O ex-Secretário Municipal de Finanças não consta do polo passivo dessa demanda em função da ocorrência do quinquênio prescricional 5 Nomeação: Decreto nº 3428/2011 - Exoneração: Decreto nº 8364/2012.

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XXII - administrar e fazer movimentar os valores mobiliários e os

recursos financeiros em conformidade com os planos, programas,

projetos e orçamentos aprovados;

XXIII - assessorar a Administração do Município em assuntos fiscais,

fazendários e financeiros;

XXV - promover estudos periódicos sobre o comportamento da receita e da

despesa e tomar as medidas necessárias para sua melhoria;

Todos esses fatos estão devidamente documentados no Inquérito Civil MPES nº

2014.0000.6455-09 cujas peças principais acompanham a presente, tendo sido colhidos

depoimentos e documentos que concluem pela prática dos atos de improbidade administrativa

ora atribuídos ao REQUERIDO, conforme será melhor esclarecido abaixo.

2 – DO DIREITO:

2.1 - DA CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO

PÚBLICA – COSIP:

A chamada Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública ou COSIP foi

introduzida na Constituição Federal de 1988 através da Emenda nº 39, de 2002 que incluiu o

art. 149-A e seu parágrafo único, com a redação a seguir transcrita:

Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição,

na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação

pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o

caput, na fatura de consumo de energia elétrica. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 39, de 2002)

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O Município de Serra instituiu a COSIP no art. 553 do Código Tributário Municipal (Lei

3.833/2011), cuja redação é a mesma do código anterior, art. 372, Lei 2662/2003, revogado

pelo atual. Conforme se lê:

Art. 553. A Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública

tem como fato gerador a prestação pelo município dos serviços de

melhoramento, manutenção, expansão e fiscalização do sistema de

iluminação pública e incidirá, mensalmente, sobre cada uma das unidades

autônomas de imóveis situados em logradouros servidos por iluminação,

localizados no território do município, contendo ou não edificação, conforme

regulamento.

Conforme se verifica das normas acima mencionadas, a contribuição para o custeio do serviço

de iluminação pública é tributo de natureza vinculada com a finalidade de custear os

serviços de iluminação pública, os quais guardam identidade como fato gerador do referido

tributo, podendo ser definidos como os serviços de melhoramento, manutenção, expansão

e fiscalização do sistema de iluminação pública, motivo pelo qual as receitas públicas

arrecadadas devem ser necessária e exclusivamente aplicadas para a finalidade de custear

tais finalidades.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou expressamente nesse sentido, conforme se

verifica da ementa a seguir transcrita:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA

DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE

ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ,

SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA

ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O

DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM

CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE

ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO

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DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS

PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.

INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA

RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO

EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. I - Lei que restringe os contribuintes da

COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da

isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do

serviço de iluminação pública. II - A progressividade da alíquota, que resulta do

rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não

afronta o princípio da capacidade contributiva. III - Tributo de caráter sui generis,

que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade

específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada

de um serviço ao contribuinte. IV - Exação que, ademais, se amolda aos princípios

da razoabilidade e da proporcionalidade. V - Recurso extraordinário conhecido e

improvido. (RE 573675, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal

Pleno, julgado em 25/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-094

DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009 EMENT VOL-02361-07 PP-01404 RTJ

VOL-00211- PP-00536 RDDT n. 167, 2009, p. 144-157 RF v. 105, n. 401, 2009, p.

409-429 JC v. 35, n. 118, 2009, p. 167-200)

Assim sendo, a utilização da COSIP para finalidades diversas daquelas para as quais foi

instituída constitui ato de improbidade administrativa com alto grau de reprovabilidade, tendo,

no caso concreto, implicado violação a princípios de direito administrativo e danos morais à

coletividade. É sobre o que se passa a expor.

2.2 – DAS CONDUTAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

2.2.1 - DA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS: INCIDÊNCIA DO ARTIGO 11, CAPUT, E

INCISOS I E II DA LEI 8429/92:

A Lei de Improbidade Administrativa assim prevê:

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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra

os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que

viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às

instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso

daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Conforme exposto no tópico anterior, a receita tributária oriunda COSIP possui destinação

específica para o custeio dos serviços de iluminação pública, a teor da definição inserta no

artigo 149-A da Constituição Federal e reproduzido no art. 553 do Código Tributário

Municipal de Serra.

Portanto, a aplicação da receita tributária da COSIP em despesas diversas do custeio de

serviços de iluminação pública configura atentado ao dever de legalidade e a prática de

ato visando a fim proibido em lei.

A legalidade é princípio que deve nortear a conduta dos agentes da Administração, tendo

restado evidentemente violado no caso em análise. Enquanto o administrador deveria

subordinar-se completamente à Lei, só podendo fazer aquilo que for legalmente permitido, o

requerido foi de encontro à finalidade vinculada da COSIP.

De acordo com a sempre oportuna lição de Hely Lopes Meireles,

“A legalidade, como princípio da administração, significa que o administrador

público está, em toda a sua atividade funcional, sujeitos aos mandamentos da lei e às

exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de

praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal,

conforme o caso.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 35º

edição, Malheiros, 2009, p. 89)

Ainda que o administrador possa agir em algumas situações conforme juízo de conveniência e

oportunidade, a referida margem de permissibilidade limita-se aos atos de natureza

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discricionária, ou seja, àqueles cujas práticas admitem ao agente público certa liberdade de

decisão em face das circunstâncias concretas do caso, facultando-lhe a análise e a eleição do

melhor caminho para atendimento ao interesse público.

Os atos de natureza vinculada, por sua vez, são aqueles que “por existir prévia e objetiva

tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação

igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não

interfere com apreciação subjetiva alguma”6.

A destinação das receitas da Contribuição Social para Custeio da Iluminação Pública é

espectro do agir administrativo vinculado constitucional e legalmente. Existe prévia e objetiva

tipificação legal da única e possível destinação da receita da COSIP: o custeio dos serviços de

iluminação pública. E ainda que se admitisse certa margem de discricionariedade do gestor

público na aplicação de tais verbas, a avaliação dar-se-ia apenas dentro do próprio conceito de

custeio dos serviços de iluminação pública, ora podendo a administração investir mais em

serviços de melhoramento, ora em serviços de expansão da iluminação pública.

A discrição, portanto, tem balizas bastante rígidas, a obstar que as escolhas administrativas

exorbitem a definição por força de lei. A exorbitância às fronteiras legais, tais como as

praticadas pelos ora requeridos, não configuram discricionariedade, mas arbitrariedade dos

agente públicos.

Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir

arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se

comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em consequência, é

ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente.7

São explícitas as orientações legal e jurisprudencial no sentido da aplicação vinculada dos

recursos da COSIP, e não há nenhuma margem de discricionariedade para a aplicação de tais

6 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 432/433. 7 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 432/433.

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verbas em pagamento de despesas que não guardam nenhuma pertinência com os serviços de

custeio da iluminação pública, esta que é a destinação estabelecida legalmente.

Assim, resta somente concluir que o requerido violou o princípio da LEGALIDADE e

PRATICOU ato visando a fim proibido em lei, ao utilizar as receitas da COSIP em

destinações distintas das previstas no ordenamento jurídico.

Outras conclusões podem ser extraídas dos fatos narrados nessa exordial: A primeira é a de

que o desvio na utilização da contribuição de custeio da iluminação pública ofende

diretamente a boa-fé do cidadão/pagador de tributos, que recolhe a COSIP diretamente em sua

conta de luz, sem possibilidade de obstar o seu pagamento, sob pena de ver suspenso o

serviço de fornecimento de energia elétrica para o seu imóvel.

Ora, a partir do momento em que o cidadão/pagador de tributos paga a sua conta de luz,

recebe a legítima expectativa de que o Município atuará com a mesma eficiência e boa-fé,

ocorrendo, portanto, uma verdadeira quebra do princípio da confiança, valor fundamental para

a manutenção da democracia e dos deveres cívicos, quando se perpetra o desvio de tais

recursos. Nessa perspectiva, a conduta ilícita contamina a credibilidade do Município da Serra

e, configura-se, portanto, em agir desleal do agente ímprobo, para com o instituição que

representa e para com os seus concidadãos. Leia-se, nesse ponto, a observação de Fabio

Medina Osório8:

“A improbidade administrativa de uma alta autoridade

pública ocasiona deterioração mais intensa dos valores

democráticos. Nesse sentido, quanto maior é o status do

improbus, mais perniciosos serão os efeitos de sua atitude. [...]

O descrédito gerado nas instituições públicas por condutas

transgressoras, protagonizadas por altas autoridades da

República, abala com maior intensidade direitos

8 Osorio, Fabio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. 2a.Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 264.

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fundamentais dependentes de um Estado legitimado,

eficiente e democrático”.

Trata-se, assim, de lesão ao princípio da LEALDADE INSTITUCIONAL, lealdade à

Municipalidade, lealdade ao cidadão, lealdade ao munícipe, lealdade ao destinatário dos

serviços públicos, pagador dos tributos instituídos para uma finalidade pré-determinada,

enfim, ato de improbidade administrativa de alto grau de lesividade material e moral.

Novamente na lição de Fábio Medina Osório:

“O dever de lealdade institucional traduz a ideia de confiança, inserida

no regime democrático, que baliza as relações entre eleitores e escolhidos,

administradores públicos e administrados, funcionários públicos em geral e

os destinatários de suas decisões, governantes e governados. Quebrada a

confiança, pelo rompimento do dever de lealdade institucional, existe

um grau mais elevado de violação da moral administrativa, tendo em

conta a ponderação dos deveres.”9

Diante do que já foi argumentado, se há vinculação legal dos recursos recolhidos junto aos

contribuintes, os quais nutrem a expectativa de ver o retorno de suas contribuições

patrimoniais revertidas para determinada e específica política pública, encontra-se, portanto,

estabelecida a relação de lealdade entre o Estado e seus administrados e a decorrente

obrigação do gestor municipal em gerenciar o uso de tais receitas em prol da satisfação das

promessas normativas formuladas.

Diante disso, a conduta do requerido, consistente em destinar recursos da COSIP para

finalidades distintas daquelas que configuram a objetiva e justa expectativa dos

cidadãos quanto à contraprestação ao tributo recolhido, em flagrante descrédito da

visibilidade da Administração Pública Municipal, caracteriza violação ao dever de

lealdade às instituições.

9 IDEM, p. 117

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A constituição da improbidade administrativa praticada pelos ora requerido, quanto à violação

aos princípios da administração pública, termina completa com a verificação da afronta ao

princípio da HONESTIDADE, corolário da MORALIDADE administrativa.

Para Emerson Garcia, “o princípio da legalidade exige a adequação do ato à lei, enquanto

que o da moralidade torna obrigatório que o móvel do agente e o objetivo visado estejam em

harmonia com o dever de bem administrar. Ainda que os contornos do ato estejam

superpostos à lei, será ele inválido se resultar de caprichos pessoais do administrador,

afastando-se do dever de bem administrar e da consecução do bem comum.”10

A finalidade do ato administrativo também é critério para aferição da violação da moralidade

administrativa, no entender de Waldo Fazzio, para o qual “a expressão moralidade

administrativa pode ser entendida como a necessária correspondência entre os motivos

determinantes da conduta administrativa e suas finalidades concretas. Então, é aferida sob a

luz da coerente adequação de meios e fins, vale dizer, considera-se observada pelo fato de

não se desviar da finalidade constante da lei, o interesse público, operando por meios

legais.”11

Conforme já demonstrado, a aplicação dos recursos da COSIP deve ser exclusiva em

iluminação pública e a população recolhe o tributo na expectativa de vê-lo ser adequadamente

aplicado.

A finalidade dos recursos públicos oriundos da COSIP é explícita e não há justificativas

plausíveis para a desobediência às vinculações legais e, consequentemente, para o desvio

operado, que se afigura, portanto, além de desleal e ilegal, também imoral. Portanto, a

desconsideração da previsão legal é, em si, imoral, uma vez que consiste no desvirtuamento

de uma verba destinada ao empreendimento de uma política pública essencial, com

desdobramentos diretos na segurança pública e na qualidade de vida das pessoas.

10 Garcia, Emerson. Improbidade Administrativa. 8a.Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 139. 11 Fazzio Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa. 3ª.Ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 92.

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É o caso em tela. Veja-se que a destinação dada aos recursos desviados da COSIP, além de

ilegal, não guarda qualquer justificativa pelo interesse público, caracterizando-se, em verdade,

como decisões administrativas apesar do interesse público e em desconformidade com o bem-

comum.

Não há nenhuma situação excepcional no contexto do município da Serra que tenha perdurado

a gestão do requerido e que pudesse, em tese, ser aduzida para excluir a ilegalidade,

deslealdade e imoralidade do desvio.

Nesse sentido também as conclusões da análise da equipe técnica do Tribunal de Contas do

Estado do Espírito Santo na Instrução Técnica Conclusiva 01582/2016-1 – Processo TC

1865/2014 (DOC. 4, em anexo):

As justificativas e documentos trazidos pelos Responsáveis não foram

capazes de afastar a evidente aplicação de recursos da COSIP para

pagamento de despesas estranhas ao serviço de iluminação pública (...)

O eventual custeio de despesas com iluminação pública por outras

fontes de receitas que não a COSIP não afasta a ilegalidade da aplicação

irregular de recursos públicos, com desvio de finalidade. (fls. 2470/2471

do Processo TC 1865/2014).

O uso constante da COSIP para finalidades estranhas à lei teve como único objetivo distribuir

os recursos segundo o interesse de governo, deixando de lado os interesses da população

serrana, ou seja, o interesse público. Nesse particular, o uso dos recursos da conta COSIP para

pagamento da iluminação de Natal e a ''chegada de Papai Noel'' é a mais caricata das condutas

violadoras da lei e da moralidade administrativa, que se tornaram expediente ordinário na

gestão do requerido frente à Secretaria Municipal de Finanças.

Não há nada que possa justificar o desvio de recursos públicos vinculados a um serviço

essencial como a iluminação pública. Considerando o montante de R$ 68.634.657,61,

arrecadado via COSIP entre 2009 e 2012, o desvio de significantes R$ 28.466.743,73 (vinte e

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oito milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil, setecentos e quarenta e três reais e setenta e

três centavos), representa o orçamento superior a um ano de arrecadação.

Dessa quantia, R$ 13.299.929,61 (treze milhões, duzentos e vinte e nove mil, novecentos e

vinte e nove reais e sessenta e um centavos) foram desviados das contas da COSIP nos anos

de 2011 e 2012, período no qual o requerido JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR ocupou o

cargo de Secretário Municipal de Finanças12.

Enquanto o executivo municipal destinava os recursos a despesas que não soube administrar,

exercendo um poder de discricionariedade que não detém, submeteu milhares de cidadãos à

condição de insegurança pública numa cidade violenta.

Não bastasse a flagrante ilegalidade da violação à lei que institui a COSIP, o requerido o fez

sem que houvesse nenhuma situação de emergência que pudesse configurar a necessidade

urgente e justificar moralmente a medida. Ilegal e moral seria a conduta destoante da lei que,

per si, carregasse uma intencionalidade do bem comum, o que não ocorre. Aqui não há,

portanto, que se falar em colisão entre princípios jurídicos, porque despesas correntes

(algumas até supérfluas) foram cobertas com recursos vinculados a serviços essenciais.

Por conseguinte, o requerido, ao aplicar os recursos da COSIP em despesas não

essenciais, em detrimento da consecução de uma política pública prioritária e essencial,

violou o dever de honestidade e a moralidade administrativa.

A vinculação da destinação dos valores da COSIP à implementação dos serviços de

iluminação pública, assim como a consequente vedação legal de aplicação de tais recursos

para outras finalidades, são de clareza meridiana e de conhecimento ordinário dos

ordenadores de despesas municipais. Vale citar que, ouvido o então Secretário Municipal de

Serra, Jolhiomar Massariol Nascimento, sobre a receita tributária arrecada através da COSIP,

informou com tranquilidade que a destinação das receitas é utilizável para custear:

12 O requerido foi nomeado como Secretário Municipal de Finanças de Serra/ES em 03 de janeiro de 2011 (Decreto nº 3.428/2011) e exonerado 31 de dezembro de 2012 (Decreto nº 8.364/2012).

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“o consumo de iluminação pública, ou seja, praças, vias, logradouros,

quadras, ginásios, [...] manutenção da iluminação pública, isto é, trocas de

lâmpadas, reparos, [...] expansão da iluminação pública quanto a novos

investimentos, incluindo novos projetos de vias, avenidas a serem licitados,

novas tecnologias, etc. [...] pagamento da taxa de administração à EDP

Escelsa, concessionária do serviço que arrecada na conta de luz dos

moradores da cidade e mensalmente repassa esses valores à Prefeitura

Municipal”. (DOC. 8, em anexo)

A reforçar a plena compreensão sobre os atos praticados com referência à destinação de

receitas da COSIP, cite-se que o ex-Secretário de Finanças da Serra LEONARDO BIS não

refutou a imputação quanto às transações realizadas, tendo, inclusive, objetado, em sua

defesa, que:

“não havia aplicação de recursos dissociada do interesse público. Inclusive

os procedimentos de transferência de recursos oriundos da conta

específica da COSIP, com débitos na conta e posteriores créditos,

consistiam em prática que remontava a período anterior em que fui

secretário de finanças (...) despesas relacionadas com o serviço de

iluminação pública eram pagas com recursos de outras origens, não

sendo pagos exclusivamente com os recursos oriundos da conta

específica de iluminação pública” (DOC. 9, em anexo).

As observações do ex-Secretário Municipal de Finanças Leonardo Bis consistem,

propriamente, em confissão sobre a prática ilegal e o sobre o status de desordem e descontrole

financeiro que reinava no Município de Serra e reforçam que tais práticas e seu caráter de

ilicitude eram de conhecimento ordinário das autoridades públicas, inclusive do ora requerido,

que o sucedeu na Secretaria de Finanças.

Corrobora o exposto com a já comprovada presença do elemento subjetivo na prática do

desvio de verbas vinculadas, indicando, a presença do dolo genérico (consciência e vontade

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de concretizar a aplicação indevida dos recursos), que é o elemento bastante para a

configuração do ato de improbidade doloso, fartamente demonstrado na documentação

acostada à presente exordial.

Para além disso, evidenciou-se o discernimento dos ex-Secretários de Finanças de Serra/ES

quanto à antijuridicidade da conduta perpetrada, que se exprime na dedução de justificativas

sobre a prática de devolução dos valores (...com débitos na conta e posteriores créditos), a

demonstrar inequivocamente que a ação foi realizada com plena lucidez quanto a sua

ilicitude, já que os ex-Secretários de Finanças, inclusive o ora REQUERIDO, supostamente,

buscavam corrigi-la ou mascará-la, a posteriori.

Presentes, portanto, os elementos configuradores da prática de atos de improbidade

administrativa pelo requerido JOSÉ MARIA DE ABREU JÚNIOR, o qual, na condição de

Secretário Municipal de Finanças determinou, ao arrepio da lei, a transferência de recursos da

conta COSIP, cuja destinação é vinculada ao custeio dos serviços de iluminação pública, para

fins de aplicação irregular de recursos públicos, com desvio de finalidade.

Assim agindo, o REQUERIDO violou os princípios da legalidade, da lealdade institucional e

da moralidade, na medida em que: 1) descumpriu os ditames da Constituição Federal e do

Código Tributário Municipal, praticando, portanto, ato visando a fim proibido; 2) realizou

conduta atentatória à boa-fé e à confiança dos contribuintes-cidadãos, em mácula à

credibilidade do Poder Executivo Municipal e; 3) agiu de forma imoral e desonesta, ao

desviar recursos de uma política pública essencial para fins de dispêndio em despesas não

essenciais e/ou não afetas às receitas da COSIP, sem qualquer justificativa de interesse

público.

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2.3 A JURISPRUDENCIA SOBRE O DESVIO DE FINALIDADE NA

UTILIZAÇÃO DE VERBAS DA COSIP:

A conduta do gestor público que deixa de utilizar verbas com destinação específica para

outras finalidades ou mesmo deixa de aplicar integralmente receitas vinculadas à finalidade

legal é tratada como fato típico de improbidade administrativa pela jurisprudência pátria,

conforme pode ser visto abaixo:

ADMINISTRATIVO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA - PREFEITO - APLICAÇÃO IRREGULAR DE

VERBAS ORIUNDAS DA CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DO

SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA (COSIP) - VIOLAÇÃO A

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -COMPROVAÇÃO

DO ATO ÍMPROBO - PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO -

RECURSO DESPROVIDO. 1. Os agentes públicos de qualquer nível ou

hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos

que lhe são afetos (LIA: art. 4º). 2. Viola o princípio da legalidade e da

moralidade a destinação diversa de tributo, cuja natureza é vinculada.

Consta dos autos que os valores recolhidos, a título de contribuição para

custeio de serviço de iluminação pública (COSIP), estavam sendo

compensados com débitos referentes ao consumo de energia elétrica das

repartições públicas municipais. 3. Em se tratando de violação aos princípios

da moralidade administrativa, dispensa-se a ocorrência de dano ao erário ou

enriquecimento ilícito para a caracterização do ato ímprobo. 4. Na seara do

Direito Administrativo, pacífico que o agente público somente pode fazer

aquilo que estiver expressamente determinado em lei. Portanto, a conduta

perpetrada pelo Apelado era, por assim dizer, vedada, pois não prescrita em

lei. 5. O Colendo Superior Tribunal de Justiça assentou que as violações aos

artigos 9º e 11, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92)

exigem tão somente a demonstração do dolo genérico, consistente na

vontade de agir segundo a norma incriminadora. Precedentes: REsp

765.212/AC. Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 02/03/2010; AgRg no

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REsp 975540/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 17/11/2011;

REsp 1252688/SE 2011/0104767-9, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado

em 11/06/2013. 6. Ao utilizar o montante arrecadado sob a denominação

de COSIP para outra finalidade qualquer, estranha à manutenção e

ampliação da rede de iluminação pública, o Prefeito praticou conduta

configurada como ato ímprobo, tal qual previsto no artigo 11, da Lei de

Improbidade Administrativa.7. Recurso conhecido, mas desprovido.

(TJ-RR, APELAÇÃO CÍVEL N.º 0010.11.900484-3, RELATOR: JUIZ

CONVOCADO LEONARDO CUPELLO, Colenda Câmara Única,

publicado no DJRR em 27/02/2014)

E M E N T A – EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL –

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA –

DESVIO DE FINALIDADE NA UTILIZAÇÃO DE VERBAS DA

CONTA COSIP - ATO ILEGAL – DOLO EVIDENTE –RECURSO

CONHECIDO E PROVIDO. Se o Prefeito utilizou o montante

arrecadado pelo COSIP para outra finalidade qualquer, estranha à

iluminação pública, praticou consciente (mediante dolo) ato ilegal, por

que em contrariedade ao disposto na Lei Municipal n. 600/2002, o que

constitui improbidade administrativa, conforme dispõe o art. 11, caput,

da Lei n. 8.429/92. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes

autos, acordam os juízes da 4ª Seção Cível do Tribunal de Justiça, na

conformidade da ata de julgamentos, Por unanimidade, dar provimento ao

recurso, nos termos do voto do Relator. Decisão com o parecer. Ausente,

justificadamente, o 2º Vogal. Campo Grande, 24 de junho de 2013. (Tribunal

de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS FL. 554 0000017-

68.2011.8.12.0025/50000)

No mesmo sentido o posicionamento dos Tribunais, quanto aos desvios de outras receitas

públicas que possuem destinação específica, de maneira que sua utilização é limitada para

fazer frente a despesas pré-determinadas. Mencione-se, por exemplo, o caso da não aplicação

do percentual mínimo das verbas da educação, situação também já amplamente reconhecida

pela jurisprudência como caracterizadora de ato de improbidade administrativa, verbis:

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26

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART.

11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PERCENTUAL

MÍNIMO DESTINADO À MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO

DO ENSINO. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1.

Conforme consta do acórdão proferido na instância ordinária, o agravante

deu causa à violação da obrigação que lhe impunha o art. 212 da CF, ao

deixar de comprometer 25% da receita resultantes de impostos na

manutenção e desenvolvimento do ensino, porque "custeou despesas com

o transporte de pessoas não vinculadas ao ensino e adquiriu bens que não

foram destinados ao desenvolvimento de atividades vinculadas ao ensino"

(e-STJ, fl. 302). 2. Não há como infirmar os fundamentos do acórdão

recorrido, pois tal pretensão esbarra no óbice da Súmula 7 do Superior

Tribunal de Justiça, que impede a esta Corte a reanálise dos pressupostos

fáticos marcados no acórdão a quo. 3. Ademais, a jurisprudência do STJ

dispensa o dolo específico para a configuração de improbidade por atentado

aos princípios administrativos (Art. 11 da Lei n. 8.429/1992), considerando

bastante o dolo genérico (EREsp. 654.721/MT, Rel. Ministra Eliana Calmon,

Primeira Seção, julgado em 25.8.2010, DJe 1.9.2010). (AgRg no Ag

1331116/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em

01/03/2011, DJe 16/03/2011). Agravo regimental improvido. (AgRg no

AREsp 163.308/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA

TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 28/08/2012)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO

DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECEITA DE

IMPOSTOS NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO

ENSINO. ART. 212 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONDUTA

COMISSIVA POR OMISSÃO, CUJA AUSÊNCIA DO ELEMENTO

SUBJETIVO COMPETE AO ADMINISTRADOR PÚBLICO.

PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES APLICADAS. 1. Recurso

especial no qual se discute a caracterização de ato ímprobo em razão da não

destinação de 25% das receitas provenientes de impostos na manutenção e

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desenvolvimento do ensino, conforme determinação do art. 212 da

Constituição Federal.

2. O administrador público, que não procede à correta gestão dos

recursos orçamentários destinados à educação, salvo prova em

contrário, pratica conduta omissiva dolosa, porquanto, embora saiba,

com antecedência, em razão de suas atribuições, que não será destinada

a receita mínima à manutenção e desenvolvimento do ensino, nada faz

para que a determinação constitucional fosse cumprida, respondendo,

assim, pelo resultado porque não fez nada para o impedir.

3. Caracterizado o ato ímprobo, verifica-se que não há desproporcionalidade

na aplicação das penas de suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de

3 (três) anos e de pagamento de multa civil no valor equivalente a duas

remunerações percebidas como Prefeito do Município.

4. Recurso especial não provido. (REsp 1195462/PR, Rel. Ministro

BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013,

DJe 21/11/2013).

Ademais, mesmo se o desvio da verba pública tenha se dado para pagar outras despesas

públicas, o só fato do desvio de finalidade já constitui ato de improbidade administrativa,

verbis:

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

Caracteriza o ato de improbidade a relocação de recursos da

municipalidade para finalidades diversas das legalmente definidas ou

previstas em convênios, mesmo sem a comprovação do desvio de

recursos em prol do próprio demandado ou de terceiros. (TRF 4,

Apelação cível nº 2004.71.07.006528-5/RS, Relatora: Marga Inge Barth

Tessler, Publicação: 17/02/2011)

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2.4 DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

Os fatos narrados anteriormente constituem-se atos ilícitos que motivam a responsabilização

do requerido, por se tratarem de atos de improbidade administrativa (violação a princípios),

previstos no artigo 11, caput, e incisos I e II da Lei 8429/92.

Com efeito, JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR, ex-Secretário de Finanças do Município

da Serra executou, dolosamente, a transferência de recursos da conta corrente vinculada à

COSIP para outras contas, com finalidade diferente da legalmente prevista.

Assim agindo, JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR:

1) Violou os princípios da legalidade (ao descumprirem os preceitos do artigo 149-A da

Constituição Federal e dos artigos 553 do Código Tributário Municipal atual (Lei

3.833/2011) e artigo 372 do Código Tributário Municipal anterior (Lei 2662/2003).

2) Violou o princípio da lealdade às instituições (ao macular a credibilidade da

Administração Pública Municipal de Serra em relação às expectativas frustradas de

referentes à correta aplicação dos recursos oriundos da COSIP).

3) Violou o princípio da moralidade (ao desviarem receitas vinculadas à consecução de

política pública essencial – custeio da iluminação pública – para finalidades diversas

da previstas legalmente, algumas inclusive sem qualquer qualidade de essencialidade,

em atitude desonesta em relação aos contribuintes/cidadãos e sem quaisquer

justificativas sustentáveis à luz do interesse público).

4) Praticou ato visando fim proibido em lei, ao aplicar o recurso vinculado à conta

COSIP, em finalidade diversa da legalmente estabelecida pelos dos artigos 553 do

Código Tributário Municipal atual (Lei 3.833/2011) e artigo 372 do Código Tributário

Municipal anterior (Lei 2662/2003), como adstrita ao custeio dos serviços de

iluminação pública.

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5) Deixou de praticar, indevidamente, atos de ofício, consistentes na escorreita aplicação

dos recursos da COSIP nas prestação dos serviços públicos correspondentes e/ou na

hígida aplicação financeira dos valores eventualmente não utilizados na consecução da

referida política pública.

Feitas as considerações acima, tem-se que JOSÉ MARIA DE ABREU JUNIOR, ex-

Secretário de Finanças do Município da Serra, executou a transferência de recursos da conta

corrente vinculada à COSIP para outras contas, com finalidade diferente da legalmente

prevista, ocasionando violação aos princípios da administração pública.

Assim agindo, incorreu o requerido nas condutas tipificadas no artigo 11, caput e incisos I e II

da Lei nº 8.429/92:

(...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (...).

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Após tais considerações, pleiteia o Ministério Público a condenação do requerido pela prática

dos atos de improbidade descritos no artigo 11, caput e incisos I e II da Lei nº 8429/92,

cabendo nessa hipótese a aplicação das sanções do art. 12, inciso III da LIA.

3 – DO DANO MORAL COLETIVO

Os danos advindos das práticas ora analisadas ultrapassam o âmbito material. Na medida em

que a Municipalidade arrecada tributos com finalidade específica de manter e ampliar a

iluminação pública, e o gestor público desvia os recursos para outras finalidades, há o

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acirramento de uma grave desconfiança por parte do cidadão de que seus tributos não são

aplicados corretamente. É a própria legitimidade do Estado como promotor do bem comum

que se fragiliza diante da irresponsabilidade com a coisa pública.

Apresenta gravidade o sentimento aviltante de ter sido enganado, experimentado pelo

cidadão, e a frustração das justas expectativas em usufruir os serviços públicos que lhes são

devidos. Em larga escala, tal desconfiança é prejudicial aos objetivos fundamentais do Estado

Brasileiro, que se pretende constituir como uma sociedade livre, justa e solidária.

A manutenção e expansão da rede de iluminação pública é responsabilidade do Executivo

Municipal. A execução escorreita de tal tarefa implica diversos benefícios à população: o

aumento da qualidade de vida nos bairros, permitindo maior socialização e garantindo

tranquilidade e qualidade de vida nos bairros, permitindo maior socialização e garantindo

tranquilidade e qualidade de vida para trabalhadores, residentes e estudantes. De fato, não é

necessário lembrar o efeito da iluminação pública sobre a sensação de segurança que a

claridade permite, anda mais em uma cidade cuja população experimenta índices de violência

entre os maiores do país.

Dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública apontam que, no ano de 2014, foram

assassinadas 344 pessoas na Serra. Em 2015, foram 320 homicídios13. De acordo com o

Diagnóstico de Homicídios no Brasil, publicado pelo Ministério da Justiça, a Serra é a 10ª

cidade do Brasil no índice de homicídios proporcionais à população. Em 2014, a Serra tinha

72,4 homicídios para cada 100 mil habitantes14.

Segundo o estudo “Mapa da Violência: Adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil”, o município

de Serra/ES ocupa a 4ª colocação nas taxas de homicídio de adolescentes de 16 e 17 anos em

todo o Brasil15.

13 Dados divulgados em: http://www.es.gov.br/Noticias/178670/sesp-apresenta-balanco-de-indicadores-criminais-de-2015.htm 14 Dados divulgados em: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/10/espirito-santo-lidera-taxa-de-homicidios-da-regiao-sudeste.html 15 Dados divulgados em: http://www.bancarios-es.org.br/mapa-da-violencia-espirito-santo-e-um-dos-lideres-no-ranking-de-assassinato-de-jovens/

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Ante a tal situação de descaso com as expectativas coletivas, não resta a menor dúvida que as

ilegalidades demonstradas ferem os interesses da população diante de uma necessidade

essencial como a iluminação pública, constituindo situação que enseja condenação por dano

moral coletivo.

A prática lesiva perpetrada pelo demandado e sua absoluta ilegalidade ficou evidenciada de

forma cristalina, havendo repercussão nos direitos de todos os cidadãos.

A República Federativa do Brasil constitui-se sob a égide do paradigma do Estado

Democrático de Direito, cujos princípios nortearam a Constituição Federal de 1988. Desta

feita, os cidadãos brasileiros encontram no referido documento a garantia de consecução de

direitos individuais e coletivos perante a Administração Pública.

O artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal dispõe sobre a possibilidade de indenização por

dano moral. O texto constitucional não restringe a violação à esfera individual, e mudanças

históricas e legislativas tem levado à consolidação do entendimento de que, quando são

atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa

coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial.

Além da previsão constitucional, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) inovou,

ao estabelecer a reparação por danos morais no âmbito individual e coletivo, conforme art.

6°, VI, CDC.

Também a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) já trazia proteção jurídica aos direitos

transindividuais, ou seja, àqueles que extrapolam a esfera estritamente individual, passando-se

a tutelar os direitos de grupos, classes ou categorias de pessoas, ainda que a reparação seja

indivisível entre seus titulares.

Ambos os diplomas legais conformam um microssistema processual de tutela dos interesses e

direitos coletivos, aplicável não somente aos consumidores, mas a quaisquer direitos

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transindividuais, de maneira que a ocorrência de dano moral coletivo não se restringe à lesão

ao consumidor. No caso, o prejuízo atinge boa parcela de contribuintes, bem como todos

cidadãos que seriam detentores, em abstrato, do direito à boa gestão das verbas da COSIP e a

um eficiente serviço de iluminação pública, consubstanciando-se em lesão a direitos

fundamentais da coletividade.

A coletividade, enquanto sujeito de direitos, detém valores que não se limitam às questões

patrimoniais, permanecendo interesses de caráter extrapatrimonial. Assim, não sendo todos os

interesses transindividuais de caráter diretamente patrimonial, deve haver instrumento hábil à

reparação judicial dos interesses extrapatrimoniais, o que se traduz pela valoração do dano

para fins indenizatórios, sob pena denegação e supressão do acesso à justiça na tutela dos

interesses de natureza transindividual.

André de Carvalho Ramos, ao reconhecer a hipótese de dano moral coletivo, esclarece que:

“[...] Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada

pelo abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva

ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na

pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome

social, a boa imagem de nossas leis ou mesmo o desconforto da moral

pública, que existe no meio social”16.

Nessa toada, a configuração do dano moral coletivo prescinde de comprovação de dor,

sofrimento e de abalo psicológico pela coletividade atingida, até por cuidar de interesses

considerados difusos e coletivos. Corrobora tal entendimento a edição da súmula 227 do STJ,

que admite no ordenamento jurídico brasileiro o dano moral na esfera das pessoas jurídicas.

“ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE -IDOSOS -

DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE

16 RAMOS, André de Carvalho. A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor nº

25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 83

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COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO

EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO

DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA

EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO

ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO

PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e

atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de

comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral

coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades

percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-

base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor,

de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera

do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

(STJ, REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010)”

Ainda a respeito do dano moral coletivo, as considerações de Carlos Alberto Bittar Filho:

“Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de

que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor),

idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente

injustificável do ponto de vista jurídico; quer dizer isso, em última instância,

que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na

seara de dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova

da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação

(damnum in re ipsa)”.

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto

jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista

dos Tribunais, n. 12, p. 45, out./dez. 1994.

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A frustração da expectativa coletiva da adequada prestação de serviços de iluminação pública

pela prefeitura não atinge um número restrito de pessoas, mas a comunidade de forma ampla,

ultrapassando a individualidade. Tal situação deve, portanto, ser analisada como uma lesão

injusta na esfera moral da coletividade, bastando a prática da conduta lesiva para a devida

reparação.

Ademais, o desvio e o desbaratamento da receita da COSIP para finalidades distintas,

certamente afetou o planejamento estratégico do Município, haja vista que projetos de

expansão e modernização da malha de iluminação pública foram orçados diante de uma

realidade distinta, impedindo expansão do sistema com prejuízo de milhares de cidadãos.

Desta forma, a administração pública perdeu a oportunidade de otimizar os resultados sociais

com a correta aplicação dos recursos, o que se traduz em lucros cessantes, em prejuízo de toda

a coletividade que seria beneficiada com a efetiva expansão da rede de iluminação pública,

uma vez que os recursos públicos foram auferidos junto aos contribuintes para esse fim. A

lesão é clara, já que os investimentos não foram feitos, deixando a população de usufruir dos

benefícios que seriam propiciados com a regular utilização dos recursos.

A conclusão é a de que o cidadão/pagador de tributos foi lesado na sua perspectiva de bem-

estar comunitário, pois, ao pagar a contribuição social de iluminação pública, não o faz

apenas para satisfazer direito individual, mas também para que a expansão e melhoria do

sistema beneficie toda a coletividade. Portanto, o desvio da receita da COSIP também importa

na ofensa ao direito difuso a um sistema eficiente de iluminação pública.

Analisada conduta do requerido e demonstrado ser devida a indenização por dano moral

coletivo, há que se avaliar o valor adequado para a compensação dos danos causados à

coletividade. Assim, orientada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a

indenização assume caráter didático-pedagógico, evitando o valor excessivo ou ínfimo,

objetivando evitar que o ofensor volte a cometer a prática danosa, bem como desestimular

potenciais ofensores.

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Para a determinação do valor da indenização há que se considerar a natureza, gravidade e

repercussão da lesão na sociedade; o poder econômico do requerido; o eventual proveito

obtido com a conduta ilícita; a reprovabilidade da conduta; o prejuízo causado pela sua

conduta à sociedade; e a vulnerabilidade do sujeito passivo alvo da conduta danosa.

O mesmo entendimento tem sido exarado em decisões dos diversos tribunais do país,

condenando à indenização por dano moral conforme os critérios apresentados:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TELEFONIA

CELULAR. PROMOÇÃO. NATAL CLARO. RELAÇÃO DE CONSUMO.

MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL PURO. A má prestação

do serviço de telefonia móvel se mostra ocorrente quando a operadora o

oferece de forma defeituosa aos seus clientes, o que configura a conduta

ilícita. A prestadora deixa de apresentar a segurança que o consumidor

poderia dela esperar. Exegese do art. 14, §1º do CDC. A situação

experimentada pelos consumidores da demandada não é caso de mero

aborrecimento ou transtorno corriqueiro. Privados da utilização do

serviço contratado, por falha da prestadora, viram-se os clientes

frustrados em sua expectativa de uso, restando caracterizado o dano

moral. É presumível o incômodo de qualquer consumidor frente à

contratação de serviço que falha em razão da falta de suporte operacional da

prestadora. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS PARA

FIXAÇÃO. A indenização a título de reparação de dano moral deve

levar em conta não apenas a mitigação da ofensa, mas também atender

a cunho de penalidade e coerção, a fim de que funcione

preventivamente, evitando novas falhas administrativas. Indenização

fixada em valor que não configura enriquecimento indevido por parte

da autora e, ao mesmo tempo, cumpre com o caráter repressivo-

pedagógico da indenização. APELO PROVIDO.” (TJRS - AC

70024450033 - 9ª C.Cív. - Relª Marilene Bonzanini Bernardi - DJ

24.09.2008)

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Considerando os fatos apresentados, é de se considerar grave a conduta do requerido enquanto

agente da administração pública, especialmente pelo efeito causado sobre a sociedade no que

se refere à confiança desta em relação ao Estado, ao ver suas expectativas de retorno dos

tributos recolhidos.

O demandado atualmente ocupa o cargo de Diretor-Presidente do Instituto de Defesa

Agropecuária e Florestal do Espírito Santo – IDAF17, de forma que adequada

responsabilização por danos morais à coletividade não representará o comprometimento de

suas sobrevivências.

Enquanto integrante do governo municipal, o requerido buscou garantir a popularidade da

gestão em gastos não essenciais, como iluminação natalina, em desfavor do que é considerado

essencial. Assim, ao desviar recursos vinculados da COSIP, o então Secretário de Finanças

assumiu a responsabilidade pelos efeitos negativos da decisão em vista dos benefícios

políticos que poderiam auferir.

Considerando a gravidade do fato e a condição econômica do requerido, pleiteia o Ministério

Público a condenação do requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais

coletivos no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o que constará do pedido ao

final exposto.

4 - CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, restando caracterizada a prática de ato de improbidade

administrativa por violação aos princípios constitucionais da Administração Pública,

conforme previsto no artigo 11, caput e incisos I e II, ambos da Lei 8.429/92, o Ministério

Público requer:

17 Conforme dados disponíveis no Portal da Transparência do Governo do Estado do Espírito Santo, a remuneração mensal do Diretor-Presidente do IDAF é de R$ 5.776,76 brutos.

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1. Seja determinada a notificação do requerido para oferecer resposta por escrito no

prazo de 15 dias, nos termos do art. 17, §7º da Lei 8.429/92;

2. Após o recebimento da inicial, seja citado para responder aos termos da presente Ação

Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa, no prazo legal, sob pena de

serem presumidos verdadeiros os fatos articulados na inicial;

3. Seja determinada a notificação do município de Serra para, querendo, integrar a lide,

nos termos do art. 17, parágrafo 3º, da Lei 8.429/92;

4. Seja deferida a juntada da documentação que acompanha a presente, bem como

admitida a produção de prova documental suplementar, testemunhal, depoimento

pessoal dos demandados, e todas as demais provas admitidas em Direito e que se

fizerem necessárias para a elucidação dos fatos narrados na inicial;

5. Seja julgado procedente o pedido para CONDENAR o réu nas sanções do art. 12,

inciso III da Lei 8.429/92 em vista da prática dos atos de improbidade descritos no

artigo 11, caput e incisos I e II da Lei nº 8429/92.

6. Seja julgada a total procedência da ação para condenar o réu à reparação dos danos

morais coletivos, conforme demonstrado alhures, no valor estimado de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais), a ser posteriormente mensurado por este Juízo, a ser revertido ao

Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos, conforme previsão no art. 13 da Lei

da Ação Civil Pública.

Requer, finalmente, provar o alegado por meio de todas as provas admitidas em nosso

ordenamento jurídico, em especial a testemunhal e a documental, pleiteando, desde já, a

juntada dos documentos anexos que fazem parte do acervo probatório coletado pela 13ª

Promotoria Cível de Serra.

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Dá-se à causa o valor de R$ 140.867,96 (cento e quarenta mil, oitocentos e sessenta e sete

reais e noventa e seis centavos)18.

Serra-ES, 03 de agosto de 2016.

18 Art. 12, III, da Lei 8.429/92 – “na hipótese do art. 11[...] pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente”. Segundo a Lei n. 3290/2008 (DOC. 10, em anexo), o subsídio do Secretário Municipal de Finanças nos anos de 2011 e 2012 era de R$ 7.572,33. Para a presente demanda foi utilizado para fins de cálculo do valor da causa o montante corresponde a 12 vezes o valor da remuneração do requerido à época (12 x R$ 7.572,33) + o valor de condenação pleiteado a título de danos morais coletivos (R$ 50.000,00). Assim, valor da causa = R$ 90.867,96 (12 x 7.572,33) + R$ 50.000,00 = R$ 140.867,96.