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7/24/2019 Vitruvius Arquitextos Iluminação e Arquitetura http://slidepdf.com/reader/full/vitruvius-arquitextos-iluminacao-e-arquitetura 1/7 ttp://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438 Page 1 of 7 Nov 04, 2015 09:48:41PM vitruvius | arquitextos 063.08 vitruvius.com.b como citar MASCARÓ, Lucia. Iluminação e arquitetura: sua evolução através do tempo. , São Paulo, ano Arquitextos 06, n. 063.08, Vitruvius, set. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438>. A relação entre o processo de inovação tecnológica e a evolução da produção arquitetônica é significativa quando a questão tecnológica resulta possível de ser incorporada como fato impulsionador do projeto, sobre tudo se está destinada a se converter no discurso ideológico da forma. Assim, a concepção ideológica baseada na valoração da tecnologia como um aspecto importante explicativo da realidade, se constitui em marco de referência para ensaiar uma interpretação da relação existente entre a evolução tecnológica e a produção arquitetônica, entre os encontros e os desencontros da iluminação (a tecnologia neste caso) e a arquitetura. Essa relação, ao longo do tempo, é uma tentativa de estabelecer sua essênci mais do que sua aparência, estudada através da categoria crítica emblemática de interpretação a qual, com base na interpretação dos valores que estruturam uma determinada realidade, considera a arquitetura como signo representativo desses valores. O emblema funciona, dessa maneira, como uma categoria crítica que relaciona os objetos arquitetônicos com outros índices que permitem interpretar e atribuir sentido a um determinado momento histórico. Da produção arquitetônica de cada período, escolheram-se obras paradigmáticas – obras que se afastam das características das anteriores, propondo-se como modelo para a produção seguinte –, ou emblemáticas – as que representam fielmente a imagem de seu tempo. Evolução ao longo do tempo Iniciaremos esta análise com o medievo, no qual as características da fase mais avançada na construção a que se chegou em meados de século XIII são consideradas espetaculares, entre outras razões, pela invenção da traçaria para as janelas, uma inovação, em parte técnica em parte estética, que permitiu a construção de janelas realmente grandes e um uso emblemático da iluminação. Esse é um dos momento em que a arquitetura pode ser considerada como veículo de implicações técnicas, emblemáticas de sua época. A relação entre a arquitetura e a iluminação é integrada, representativa dos valores que estruturam aquela realidade, capaz de produzir signos emblemáticos desses valores. O uso da luz no espaço reflete o espírito de um período, ficando isso muito claro nos edifícios góticos. A iluminação medieval teve a capacidade de criar um ambiente de solenidade suprema, que fazia parte importante do culto. Não se projetava a iluminação de seus espaços para atender às necessidades humanas, nem sequer no uso doméstico. A casa medieval era fria, mal iluminada e pobremente aquecida para os parâmetros atuais. Mas é importante verificar que em outra dimensão não mensurável, pode ser buscado o conceito de conforto ambiental medieval: na configuração do espaço. Conforto é a atmosfera de que se rodeia o homem e na qual vive. Como no reino de Deus, o conforto medieval é intangível, é o próprio espaço criado do qual a luz faz parte fundamental (figura 1). Um edifício medieval parece acabad embora não possua mobília; nunca está nu, seja ele uma catedral ou um dormitório burguês; a especificidade do espaço imediato à janela, destinado à realização das tarefas visuais mais exigentes, além de se relacionar com o mundo exterior, cria recantos de particular beleza e eficiência dentro dos princípios do projeto gótico (figura 2). Tem-se, aí, outro exemplo de unidade como noção bem característica do período, sendo possível considerar a forma de uso da luz e o tratamento dado ao espaço como emblemáticos, uma vez que relaciona intenções e objetos arquitetônicos com outros índices, que permitem interpretar e atribuir sentido a um determinado momento histórico (1).  

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como citar

MASCARÓ, Lucia. Iluminação e arquitetura: sua evolução através do tempo. , São Paulo, anoArquitextos 

06, n. 063.08, Vitruvius, set. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438>.

A relação entre o processo de inovação tecnológica e a evolução da produção arquitetônica é significativa

quando a questão tecnológica resulta possível de ser incorporada como fato impulsionador do projeto,sobre tudo se está destinada a se converter no discurso ideológico da forma. Assim, a concepçãoideológica baseada na valoração da tecnologia como um aspecto importante explicativo da realidade, seconstitui em marco de referência para ensaiar uma interpretação da relação existente entre a evoluçãotecnológica e a produção arquitetônica, entre os encontros e os desencontros da iluminação (a tecnologianeste caso) e a arquitetura. Essa relação, ao longo do tempo, é uma tentativa de estabelecer sua essêncimais do que sua aparência, estudada através da categoria crítica emblemática de interpretação a qual,com base na interpretação dos valores que estruturam uma determinada realidade, considera aarquitetura como signo representativo desses valores. O emblema funciona, dessa maneira, como umacategoria crítica que relaciona os objetos arquitetônicos com outros índices que permitem interpretar e

atribuir sentido a um determinado momento histórico.

Da produção arquitetônica de cada período, escolheram-se obras paradigmáticas – obras que se afastamdas características das anteriores, propondo-se como modelo para a produção seguinte –, ouemblemáticas – as que representam fielmente a imagem de seu tempo.

Evolução ao longo do tempo

Iniciaremos esta análise com o medievo, no qual as características da fase mais avançada na construçãoa que se chegou em meados de século XIII são consideradas espetaculares, entre outras razões, pela

invenção da traçaria para as janelas, uma inovação, em parte técnica em parte estética, que permitiu aconstrução de janelas realmente grandes e um uso emblemático da iluminação. Esse é um dos momentoem que a arquitetura pode ser considerada como veículo de implicações técnicas, emblemáticas de suaépoca. A relação entre a arquitetura e a iluminação é integrada, representativa dos valores que estruturamaquela realidade, capaz de produzir signos emblemáticos desses valores.

O uso da luz no espaço reflete o espírito de um período, ficando isso muito claro nos edifícios góticos. Ailuminação medieval teve a capacidade de criar um ambiente de solenidade suprema, que fazia parteimportante do culto. Não se projetava a iluminação de seus espaços para atender às necessidadeshumanas, nem sequer no uso doméstico. A casa medieval era fria, mal iluminada e pobremente aquecidapara os parâmetros atuais. Mas é importante verificar que em outra dimensão não mensurável, pode serbuscado o conceito de conforto ambiental medieval: na configuração do espaço. Conforto é a atmosferade que se rodeia o homem e na qual vive. Como no reino de Deus, o conforto medieval é intangível, é opróprio espaço criado do qual a luz faz parte fundamental (figura 1). Um edifício medieval parece acabadembora não possua mobília; nunca está nu, seja ele uma catedral ou um dormitório burguês; aespecificidade do espaço imediato à janela, destinado à realização das tarefas visuais mais exigentes,além de se relacionar com o mundo exterior, cria recantos de particular beleza e eficiência dentro dosprincípios do projeto gótico (figura 2). Tem-se, aí, outro exemplo de unidade como noção bemcaracterística do período, sendo possível considerar a forma de uso da luz e o tratamento dado ao espaçocomo emblemáticos, uma vez que relaciona intenções e objetos arquitetônicos com outros índices, quepermitem interpretar e atribuir sentido a um determinado momento histórico (1).

 

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Na Renascença se verifica que são poucos conhecidos os aspectos ambientais de algumas de suas obramais importantes. Analisando a em Roma, projetada por Rafael e colaboradores,Villa Madama,

verifica-se o uso de soluções de conforto ambiental interessantes. Restrito pelas limitações energéticas dséculo XVI com novas noções de conforto, desenvolvidas em parte na época, em parte retomadas dosantigos e muito diferente das medievais, unido a um maior interesse pelas ciências naturais, próprio dessmomento, eles propõem soluções técnicas de tipo ”brando”, ou seja, solares passivas e bioclimáticas,para usar a linguagem atual do assunto. A abre seus aposentos principais para o sol, usando amplasVilla 

janelas com vidros que permitem sua penetração ao longo do dia como luz e como calor controladamente

A luz, nesse caso, é o sol. Ingênuos e alegres, os ambientes são luminosos, com fortes contrastes, como própria Renascença.

Ao olharmos o século XIX tentando identificar as peculiaridades da época, a primeira coisa que seobserva é uma nova paisagem altamente desenvolvida e dinâmica, na qual tem lugar a experiênciamoderna. Trata-se de uma paisagem de engenho a vapor, fábricas mecanizadas, amplas zonasindustriais, prolíferas cidades que crescem rapidamente; jornais, telégrafo, telefone e outros instrumentosde ”mídia” que se comunicam em escala cada vez maior; Estados nacionais cada vez mais fortes,movimentos sociais de massa; um mercado mundial que tudo abrange, capaz de um terrível desperdício devastação, capaz de tudo exceto de solidez e estabilidade. A arquitetura da engenharia (2) é amanifestação mais significativa no campo construtivo da cultura do século XIX e, não sendo um fenômeno

meramente técnico, marca a passagem mais clara entre o passado e o presente da história da arquiteturasem a qual é impossível pensar o nascimento do Movimento Moderno. Como tal, refletindo de modo maisexplícito os significados, e as funções da sociedade de seu tempo, e propondo uma especialidade internaprópria e inédita, a obra dos engenheiros do século XIX é arquitetura para todos os efeitos e pode serconsiderada como emblemática da época: as pontes de ferro, as grandes coberturas de ferro e cristal, osgrandes edifícios com esqueletos metálicos (figura 3). Considerações de higiene, eficiência, economia eganho motivaram inovações tecnológicas no controle do ambiente, ajudadas pelo desagrado estético daspessoas educadas pela má ventilação, pela a pobre iluminação proveniente do gás e pelos conseqüentesinconvenientes. A arte e a tecnologia se combinaram para rejeitar o escuro, o abarrotado, o sufocante. Ageneralização do uso da eletricidade e da iluminação artificial – que é um avanço importante na evolução

da tecnologia, muito significativa para os edifícios – foi fundamental para melhorar as condiçõesconsideradas apropriadas para a arquitetura e a cidade moderna no século XX (figuras 4 e 5). Com ofornecimento regular de energia elétrica pública em 1882 ”lançou-se a maior revolução ambiental dahistória humana desde a domesticação do fogo”, segundo Banham (3).

A evolução da relação entre os elementos que suportam e os que são suportados caracteriza odesenvolvimento do Movimento Moderno. A estrutura de esqueleto é absorvida pelo racionalismo no seuprograma de espaços dinâmicos, que serve para configurar imagens leves, confiadas à estereometriapura dos volumes, que seria o emblemático da arquitetura racionalista. É notável ”o fenômeno daconcentração nos valores visuais e o estranho desinteresse pela qualidade de isolamento térmico e

acústico da envolvente edilícia, assim como pela iluminação, apenas justificável pelo impacto causadopelas inovações na climatização e iluminação artificial [...]. O Movimento Moderno, em menos de meioséculo, conseguiu impor como edifícios umas caixas de vidro semi-transparentes, de materiais leves,quase inabitáveis, que se deterioram como carros estacionados à intempérie” (4). A parede de vidroaparece como parte de um período importante da nova arquitetura, que implicava gastos (quando nãodesperdício) de energia devido às perdas e ganhos térmicos próprios de sua capacidade térmica, assimcomo perda de iluminação artificial durante a noite (figura 6). Continha as novas possibilidades queevoluíram nessa época: meios que eram acessíveis aos olhos mas que se mantinham inúteis enquantonão se captavam suas implicações. Por trás dessa cegueira estava a divisão entre o pensamento e osentimento, uma divisão que impossibilitava usar a tecnologia emblematicamente, talvez por estar sendo

usada sem unidade conceitual, como expressão máxima da modernidade, sem incorporar aspectos 

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sociais, humanos ou estéticos, sendo apenas o resultado de soluções engenhosas, próprias depós-guerra, período até o qual a situação se mantém. O desencontro entre a arquitetura e a iluminação ergritante.

Quase em oposição à tipologia arquitetônica do Movimento Moderno, no final do século XIX e início doXX, F. L. Wright produziu as , nas que combinava com particular habilidade o uso daspraire houses 

formas estruturais e as instalações mecânico-elétrica articuladas com a luz, mostrando não só acoexistência de critérios de projeto opostos energeticamente mas também um exemplo de integraçãoentre as inovações tecnológicas e o projeto arquitetônico. A casa Baker, em Illinois, talvez seja a maisinteressante para exemplificar o uso da luz natural no espaço que Wright construiu (figura 7). Uma grandejanela está protegida por um beiral largo no extremo sul; a janela continua em altura até a borda do beiral recua ao longo de ambos os lados da sala de estar, envolvendo seu perímetro externo. Os efeitosconseguidos são, no mínimo, interessantes: o mirante é amplo o suficiente como o usado no medievo: umbanco junto à janela para ler, costurar ou apreciar a paisagem que a rodeia. Mas a iluminação doambiente vem da parte superior envidraçada. O banco da janela tem um radiador de calor em baixo (comna Renascença), que permite a circulação do ar aquecido proveniente da tubulação de água quente,produzindo a calefação do espaço do quarto, de envolvente leve exposta ao rigor climático. A soluçãocombinada de diversos aspectos ambientais através da climatização natural e artificial, iluminação,ventilação, sombra, calor, vistas, privacidade – deixa lições correlatas, como explica Banham (5):

”Primeiro, que o projeto com as instalações mecânicas não é, simplesmente, um assunto de usar critériosclaros para instalá-las mas de fazê-las trabalhar associadas à estrutura [...]. A segunda lição correlativa éque essa rica e melhorada eficiência ambiental foi obtida sem recorrer a nenhuma das inovaçõestecnológicas [...]. Aqui se deu, pela primeira vez, uma arquitetura que não introduzia a tecnologiaambiental como um remédio desesperado, nem como uma determinante de formas da estrutura, mas quefoi final e naturalmente absorvida nos métodos normais de trabalho arquitetônico, contribuindo a sualiberdade de desenho”. Ou seja, foi feito um uso emblemático da tecnologia porque se incorporou comofator impulsionador de projeto, destinada a se converter em parte do discurso ideológico da forma. Oencontro entre a iluminação e a arquitetura era exemplar.

Já os modernistas europeus tiveram maior dificuldade em trabalhar com a relação arquitetura-tecnologia,entre outras razões, por confundir a tecnologia com um problema cultural, por tratá-la como um problemae não como alternativa, por relacionar as mudanças de estilo com as mudanças tecnológicas. Comoafirma Brawne (6), a Bauhaus tinha-se preocupado mais com a produção racional do objeto que com ousuário, pesquisando a maneira mais simples de produzir uma luminária sem se preocupar, por exemplo,com a luz que incidia nos seus olhos.

Entretanto, usos da lâmpada nua são mais freqüentes de serem encontrados na obra de Le Corbusier dedécada de 1920 que na obra do grupo Bauhaus. As instalações de iluminação visíveis tinham relação como sistema construtivo por ele usado, além de posturas dogmáticas como ”honestidade absoluta”. As

luminárias não podiam ser suspensas ou dissimuladas sobre as paredes nuas ou as lajes finas deconcreto; uma vez que o espaço sobre o forro era maciço e menos profundo que uma lâmpada e seusacessórios, era impossível tentar escondê-los, como no caso da sala de estar da , de 1926. NãVilla Cook 

há dúvida de que Le Corbusier modificou seus critérios de projeto através do tempo (em períodosrelativamente curtos). Uma mudança que não só alterou o tratamento dado à luz mas também aos outroscomponentes do conforto ambiental, significaram um avanço importante em alguns casos. Basta lembrarpara isso, o uso da luz indireta na , em 1930, ou a significativa passagem da fachadaVille Savoye 

totalmente envidraçada para a criação e uso do quebra-sol, uma das inovações tecnológicas maisimportantes, talvez a única inovação técnico-estrutural que tenha acontecido no século XX no campo docontrole do ambiente.

 

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O próximo avanço tecnológico na área do conforto ambiental foi a incorporação ao mercado, no final dadécada de 1940, do tubo fluorescente para iluminação artificial, o qual, junto com outras lâmpadas dedescarga de gás, existia potencialmente desde o começo do século XX. Para o projeto arquitetônico, estainovação representou a possibilidade de propor plantas baixas retangulares com espaços integradosatravés do forro luminoso, com as instalações prediais e as circulações colocadas no centro da plantaretangular (figura 8).

Novamente, as inovações tecnológicas tinham mudado os princípios de projeto arquitetônico, embora asvantagens de seu uso fossem de caráter econômico – funcional mais do que estético – compositivo e sua

origens externas à edificação. O ar condicionado e a iluminação artificial foram inovações tecnológicasmarcantes na história da arquitetura. Ao permitirem o controle de quase todas as variáveis climáticas,acabaram com grande parte dos compromissos ambientais de projeto. Todos os princípios para acompensação climática por meio da envolvente do edifício tornaram-se antiquados. Embora existisse apossibilidade de uma grande variedade de formas para os edifícios, chegou-se a sua homogeneizaçãoquase que total.

É evidente que dentro dessa produção repetitiva e impessoal existiam edifícios encravados na tradiçãoarquitetônica do melhor cunho. Neles, cada uma das instâncias históricas em que o homem reconheceuuma visão do mundo ordenado através de uma ótica particular e não duvidou em representá-la

emblematicamente através não somente da arquitetura mas de todas as testemunhas históricas. É algocomo dizer: é aqui o emblema possível. O monastério de La Tourette, de Le Corbusier, 1959, é umexemplo disso (figuras 9 e 10).

A primeira metade do século XX termina com uma visão pessimista sobre a tecnologia e sua capacidadede resolver problemas humanos. Segundo Giedion, ”já não nos podemos deixar enganar por soluções depura engenharia, conquistadas com perda de aspectos humanos [...]. Um período como o nosso, que temse deixado dominar pela produção, não encontra seu ritmo [...]. Nos achamos perante um grandeamontoado de palavras e símbolos mal usados, dentro de um armazém repleto de novas descobertas,inventos e potencialidade, mas somos incapazes de gerir o mundo [...] a relação entre pensamento e

sentimento está afetada [...] o resultado é uma personalidade dividida [...]” (7). Vale tanto para aarquitetura como para a iluminação, vale para nossos dias.

A atmosfera dos anos 60 gerou um amplo e vital corpo de pensamento e controvérsias, principalmentesobre o sentido último do ambiente moderno que surgira no segundo pós-guerra e atingira o auge depoder autoconfiança nos EUA da Nova Fronteira, da Grande Sociedade e da nave Apolo na Lua. Já nadécada de 1970, as conseqüências da revolução dos micro-computadores tinha-se convertido em temaestratégico para os governos de todo o mundo, Na edificação passou-se das torres de vidro que usavamenergia intensivamente e estavam iluminadas uniforme e generosamente, aos edifícios ”inteligentes” quecontrolavam automaticamente seu desempenho global. A crise de petróleo marcaria a revisão dosprincipais paradigmas vigentes dentro de um clima de recessão econômica e perplexidade perante aincapacidade de incidir sobre a realidade ambiental e a desestruturação política. Nesse panoramacoexiste, também, uma acentuada preocupação por recuperar a áurea de objetos passados e anecessidade de fincar os pressupostos arquitetônicos na tradição enquanto a iluminação continuava seudesenvolvimento aceleradamente. Já os caminhos estavam separados, o desencontro realizado. Aspossibilidades e problemas próprios da iluminação artificial – agora multiplicados nos exteriores onde seusa a iluminação de fachadas, comercial e publicitária, além da pública – nem sempre foramcompreendidos e muito menos, explorados pelos projetistas. ”Os arquitetos estavam presos a seusprimeiros esboços [...]. Como pode um homem treinado para modelar formas sob a luz exterior e suassombras projetadas [...] mudar sua arte e modelar suas formas à luz proveniente do interior e semsombras? [...]. A iluminação elétrica esboçou, assim, aos arquitetos o desafio da tecnologia do ambiente

 

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em relação direta com a arquitetura, porque a grande abundância de luz junto com as grandes superfíciesenvidraçadas inverteram, efetivamente, todos os hábitos visuais sob os quais os edifícios eram vistos.Pela primeira vez era possível conceber edifícios cuja natureza podia ser percebida durante a noite,quando a luz artificial resplandecia para fora através de sua estrutura. E essa possibilidade foi realizada eexplorada sem suporte de nenhum esquema teórico adaptado às novas circunstâncias e, nem sequer, deum vocabulário praticável para descrever esses efeitos visuais e suas conseqüências [...]. O uso que osarquitetos fizeram da luz foi tímido e as mudanças das formas unidas em luz para a luz unida em formasforam, ainda, demasiado grandes para a maioria” (8).

Paralelamente, no início dos anos 50, os manuais de iluminação já apresentavam avanços na iluminaçãode exteriores, de superfícies e objetos. O crescimento tecnológico dos anos 60 e 70 foi notável: melhoroua eficácia das lâmpadas, a maior luminância das fontes exigiu um melhor controle do ofuscamento e,conseqüentemente, do sistema ótico das luminárias. Realizaram-se grandes avanços no campo de visão da percepção, base dos futuros projetos de iluminação, com importantes repercussões em temasespecíficos como a cor (figuras 11 e 12).

Ao problema criado pela crise energética a pesquisa respondeu rápido com lâmpadas que tinham maiorrendimento energético, enquanto melhorava-se o material elétrico, incluído os projetores, e um maior fluxoluminoso. Outro grande avanço dos anos 70 foi reconhecer o que os arquitetos já sabiam: que a luz solar

ajuda a aparência qualitativa do entorno edificado. A década dos 80 conhece um desenvolvimentoimportante da pesquisa no tema, particularmente das lâmpadas, chegando-se a um compromisso entre orendimento e a qualidade da cor, aprofundando o estudo das restantes partes do sistema: controleelétrico-eletrônico, ótica das luminárias e, no final dos 80, se pesquisa o sistema completo.

A iluminação estava em pleno desenvolvimento, a arquitetura à procura de seus paradigmas e emblemas

Reflexão final

Fecha-se a análise dos encontros e desencontros da iluminação e a arquitetura. Foi uma tentativa de

entender e dar resposta às reflexões suscitadas por uma realidade marcada pelo debate sobre novos e,geralmente historicistas, caminhos da arquitetura, no centro do qual está implícita a questão da tecnologiada qual a iluminação artificial (principalmente) forma parte. Uma obsessão não assumida com a tecnologidos séculos XIX e XX que tem adoradores e detratores.

Verifica-se que a produção de inovações tecnológicas não traz como conseqüência inevitáveis mudançascompositivas e estéticas na arquitetura, exceto quando incorporadas à cultural da qual é o emblema.Incorpora-se significativamente quando tem conteúdo cultural além do industrial, quando responde asolicitações de demanda significativa de maneira a melhorar a satisfação de uso ou diminuir o custo desatisfação dessa demanda.

Constata-se, também que estamos longe daqueles momentos em que a relação tecnologia-arquitetura(iluminação e arquitetura) tem o sentido emblemático de seu tempo. Faz-se necessário e urgenteincorporar emblematicamente a tecnologia (a iluminação) à atividade arquitetônica em todos os seusaspectos. Finalmente, se faz necessária uma visão global que supere a cisão entre teoria e prática quepermita evitar as omissões e as redundâncias tecnológicas em relação à forma, beleza e cânones para seaproximar de um autêntico entendimento entre a cultura mental e a material, descobrindo o verdadeirolugar.

notas

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MASCAR , Lucia. Evolução tecnológica e produção arquitetônica. São Paulo: FAU/USP, 1990. Tese deDoutorado.

2DE FUSCO, Renato. Historia de la arquitectura contemporanea. V. 2. Madrid, Blume, 1981.

3BANHAM, Reiner. La arquitectura del entorno bien climatizado. Buenos Aires, Infinito, 1975.

4CORONA MARTINEZ, Alberto.”Notas sobre la dimensión constructiva en el aprendizage de projeto”. In:Anais do III Encontro Nacional sobre Ensino de Projeto Arquitetônico. Porto Alegre, PROPAR – UFRGSCNPq, 1987, p. 88–90.

5BANHAM, Reiner. op. cit.

6BRAWNE, Michel. ”Information”, In: Architectural Association Journal, London, March, 1960.

7GIDEON, Sigrifid. Espacio, tiempo y arquitectura. Madrid, Dossat, 1978.

8BANHAM, Reiner. op. cit.

sobre o autor

Lucia Mascaró é arquiteta, Universidad Nacinal de Tucumán, Arg.; Mestre em Sociologia UFRGS; Doutorem Arquitetura FAU/USP; pós-doutor em Arquitetura e Meio Ambiente pela Universidad de Sevilha,

Espanha. Professor colaborador do PROPAR UFRGS; professor do Programa de Mestrado em MeioAmbiente e Desenvolvimento Regional UNIDERP.

063.04

Território e esquecimento:

a Cidade Universitária de Lisboa e a memória (1)

063.07

Arquitetura moderna e brasileira:

o constructo de Lucio Costa como sustentação (1)

063.09

Entre protagonistas e esquecidos:

a arquitetura dos irmãos Cascaldi

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