Viviana Bosi Imagem na poesia de Jorge de Lima

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Fichamento do artigo "A imagem na poesia: Jorge de Lima do Soneto X, Canto X de Invenção do Orfeu" de Viviana Bosi

Citation preview

Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

Faculdade de Cincias e Letras Campus Araraquara

Disciplina: Linguagens da Poesia

Docente: Silvia Telarolli

Discente: Tais Matheus da Silva

Fichamento: BOSI, Viviana. A imagem na poesia: Jorge de Lima do Soneto X, Canto X de Inveno do Orfeu. In: BOSI,V. e outras (orgs.) O poema: leitores e leituras. So Paulo: Ateli Editorial, 2001(Estudos literrios, 7) pp. 21-49

A imagem na poesia Jorge de Lima do Soneto X, Canto X de Inveno do Orfeu

Primeira parte A imagem potica

1.O mito

Em sua essncia a literatura possui traos de resgate da cultura na atualizao de imagens individuais e coletivas, que questionam valores referentes humanidade. A misturas de elementos estetizantes impulsa seu poder de atingir camadas profundas da psique, criando inteleco de significado com correspondncias sinestsicas entre a matria, o mundo e o homem.

Ao citar Mielietnski, a autora demonstra que neste processo a imagem potica se apropria de diversas caractersticas da linguagem mtica. O sincretismo, por exemplo, uma maneira de reunir qualidades volta de um signo construindo uma identidade e criando oposies e relaes. Deste modo, as imagens criadas estabelecem correspondncias entre os seres, por meio de traos sinestsicos de forma analgica. Outro fator importante o apelo animista evidenciado nos procedimentos antropomrficos, ou seja, na linguagem potica as coisas tm vida/alma e esto associadas ao comportamento do homem. O sincretismo ainda contribui com o conceito de no-separabilidade, isto , a fuso de signo-coisa, de modo que as palavras so o prprio ser, com poder e substncia.

A imagem potica possui um tempo mtico, que lhe permite reviver o passado no presente anulando essas distncias. Ocorre a superao da temporalidade pelo pressentimento de um ciclo.

Na literatura moderna pelo desencanto do mundo, o heri cultural (caracterstico do mito) sede lugar aos anti-heris, mas ainda encontramos traos do demiurgo sobre-humano, seja na oposio ao tolo/pcaro seja na sua ausncia.

Recursos muito freqentes na linguagem mtica so analogia e repetio, muito utilizados tambm por poetas que procuram motivos que se repitam, assim como som que se ecoem para que as imagens no se percam e formem um sentido articulado. Assim, tambm reforam o efeito de coeso.

A linguagem mtica tambm est presente na imagem potica no que tange a transformao do caos em cosmo, ou seja, buscar um sentido coeso para o desequilbrio e conflito da vida, abrangendo coisas dspares para configurar uma imagem simbolizante.

2.Teorias clssicas sobre a imagem potica

A reflexo mais antiga sobre a natureza e essncia das imagens encontra-se em Plato. Para o filsofo a imagem tem origem divina, no mundo supra-sensvel e pode ser alcanada por meio do delrio inspirado pelo amor e pela profecia. Nestas condies o poeta entra em contato com a idia original e recria uma cpia da fonte real. Todavia, ressalta que a criao artstica apenas um simulacro de ideal, pois o homem v o real por um espelho humano o que reduz e limita muito seu ponto de vista. Assim as imagens so fantasmas sem substncia real, gozam de uma perigosa liberdade pois possuem autonomia de associaes.

Aristteles inaugura o conceito de verossmil, que permite a poesia falar no apenas dos fatos particulares, mas tambm do universal, do que poderia ter sido. Em Potica Aristteles indica a natureza metafrica da imagem potica, e define essa natureza como transferncia ou transporte em que se d uma coisa ou nome que designa outra coisa. Segundo ele a metfora confere nobreza linguagem porque cria enigmas. Sem preocupao do carter subjetivo da metfora, o filsofo diz que no pode ser passada de um homem a outro pois parte de um dom natural e fundamentalmente expressiva.

Das suas reflexes surgiram duas correntes distintas: a de que a metfora provem de um desvio, e a de que compe o broto da lngua, ou seja, permite o conhecimento, por necessidade os primeiros homens precisavam inventar imagens bsicas. Segundo Yeats a sabedoria fala primeiro em imagens.

3.Algumas reflexes modernas

Para Baudelaire a arte no deve basear-se no realismo ao copiar formas da natureza, mas sim deve reunir aspectos do mundo e gerar outro real na fantasia. Estes aspectos devem ser fundidos para criar novas representaes, desta maneira a imagem seria a criao de uma nova percepo da realidade, na qual o visvel se interioriza e o subjetivo se concretiza.

Com os New Critics (sec. XX) o aspecto tensivo da metfora foi destacado, pois por um lado a imagem metafrica implica ampliao do contexto ao contagiar todo o discurso ao seu redor, irradiadora. Por outro lado, intensifica e focaliza o sentido do texto, justapondo qualidade sobre um objeto. Torna-se um universo concreto, movendo-se do particular para o geral e do geral ao particular.

A psicanlise freudiana apresenta sua contribuio ao entendimento da imagem potica quando ao estudar os sonhos aponta os processos de deslocamento e condensao das imagens nos sonhos. Tais processos so prprios da lrica ao indicarem um princpio parattico agregativo e outro comparativo analgico.

Sartre resume essas teorias afirmando que a imagem mental constitui um anlogo simblico do objeto em sua ausncia. Corresponde a uma construo espiritual que no adere ao real/ matria, mas transforma-se em sistema de linguagem, e por meio dos processos de deslocamento e condensao opera snteses de significados.

4.Distines: comparao e metonmia

A comparao pode ser definida como uma metfora em menor grau, pois o elemento de transio entre o objeto que se compara e o comparado esto presentes. Quanto metonmia, definida na relao de causa pelo efeito ou parte do todo, segundo Jakobson, trata-se de imagem vinculada contigidade no discurso. O crtico russo indica a possibilidade de metonmia e metfora misturarem seus limites, pois o eixo da similaridade no qual trabalha a metfora projeta-se sobre o eixo da contigidade, no qual trabalha a metonmia, formando a impresso de polissemia potica.

5.Nota conclusiva

Por meio da imagem, portanto, possvel unir mundo natural e o humano, criando uma identificao entre objeto e sujeito, de modo que a apreenso da imagem, em si, ocorra anteriormente ao desvendamento da pluralidade de seus significados.

Quando a autora afirma que a imagem encontra-se to prxima da raiz dos seres que em mesmo poderia ser expressa, h ento uma retomada da idia de que a imagem corresponde a um estgio de comunicao fundador da lngua, essencial a construo do conhecimento, sobretudo um conhecimento sensvel do mundo.

Segunda parte Jorge de Lima: leitura do poema

1.Apresentao

Jorge de Lima nasceu no Nordeste do Brasil em 1893 e morreu no Rio de Janeiro em 1953. Suas primeiras obras revelam o rigor clssico de sua formao. Aps o contato com o ncleo artstico de renovao do Nordeste (Jos Lins do Rego, Gilberto Freyre) comeou a descobrir a esttica modernista, a experimentar as formas livres da poesia e incorporar temas folclricos, regionalistas e elementos afro-brasileiros s suas composies.

Em parceria com Murilo Mendes em Tempo e Eternidade reconhecemos em sua obra o carter religioso de uma f renovadora, preocupada com a justia e com a redeno do homem tambm no sentido material do termo. A influncia surrealista se percebe com o procedimento de montagem mais consciente na sua poesia, alm de algumas composies de pintura e fotografias com colagens.

Na ltima fase de sua produo, escreveu Inveno do Orfeu (1952), no qual todos os traos do conjunto da sua obra aparecem harmonizados, alm do dilogo fino que estabelece com grandes obras da literatura clssica como Os Lusadas, O Corvo, A divina comdia e o mito do Orfeu. Todavia, segundo a autora, no se trata de um pico comum e sim de um pico lrico, subjetivado.

A inteno do poeta nesta obra a restaurao do mundo pela palavra/imagem, por isso apropria-se do mito do Orfeu, o primeiro poeta. Porm, percebe-se na proliferao intensa de imagens (um certo excesso de surrealismo) que impossvel restaurar as origens desse mundo. Ele deseja fazer viver na modernidade a poesia, e por mais que deseje voltar origem da vida no pode ignorar a violncia daquele momento, alm de esbarrar na impossibilidade de construir um poema pico narrativo coeso, o que dificulta uma totalidade de sentido.