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O CAMPO TERICO CURRICULAR, AS TENDNCIAS PEDAGGICAS E A
PRXIS DOCENTE NOS CURSOS DE FORMAO DE PROFESSORES
ANAYA, Viviani
Doutoranda em Educao
Pontifcia Universidade Catlica -PUC-SP
Universidade Nove de Julho UNINOVE- SP
RESUMO:
Esta comunicao tem como finalidade apontar a inter-relao existente entre teorias
curriculares, tendncias pedaggicas e prxis docente, bem como aventar que as aes
que se encontram no bojo da prtica do professor em sala de aula refletem a teoria
curricular que a embasam, considerando que currculo, tendncia pedaggica e prxis
docente esto articuladas, sendo ressignificadas de acordo com os interesses
ideolgicos, polticos e sociais pertencentes ao contexto social no qual esto inseridas.
Nesta anlise, a formao de educadores e o currculo so processos cotidianos
intrinsecamente enredados, que se determinam mutuamente, no havendo como
diferenci-los, pens-los de forma isolada, em meio s tessituras e partilhas das redes
cotidianas de saberes e fazeres. Assim, pode-se confirmar a existncia de vrios
ngulos de abordagens do campo terico, definidores das teorias de currculo e das
tendncias pedaggicas, influenciando, diretamente nas aes desenvolvidas no espao
educacional, lcus de aprendizagem. Referido pressuposto est ancorado no princpio
de que uma teoria sistematiza e fundamenta decises epistemolgicas correspondentes a
um conjunto organizado de anlise, interpretaes e compreenses dos fenmenos
curriculares. Assim, o currculo ilustraria a representao da cultura no cotidiano, no
constitudo apenas de conhecimentos factuais, mas o modo como os indivduos e os
grupos sociais representam tais conhecimentos, reconhecendo que o conhecimento no
um elemento neutro, mas sim produzido historicamente, no interior das relaes
sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Currculo. Tendncias Pedaggicas. Prxis Docente. Formao
de Professores.
INTRODUO:
A premissa, neste trabalho, que no campo curricular, as opes tericas
desembocaro em classificaes diversas, procurando s vezes, algo coincidente em
tentativas de abordagens nas concepes de currculo, tendncias pedaggicas e prxis
docente, atravs das quais se diferenciam formas distintas de relacionar a teoria com a
prtica e a instituio educativa com a sociedade. Assim, pode-se confirmar a existncia
de vrios ngulos de abordagens do campo terico, definidores das teorias de currculo
e das tendncias pedaggicas.
Segundo Sacristn (1998, p. 119), [...] as prticas e as palavras tm sua histria
e refletem as atividades nas quais forjaram os significados que arrastam at ns,
projetando-se em nossas aes e pensamentos, na forma de dar sentido experincia.
Uma histria de currculo escolar, enquanto dimenso histrica social, segundo
Goodson (1995), centrada numa epistemologia social do conhecimento escolar,
preocupado com os determinantes sociais e polticos do conhecimento educacional
organizado, deve procurar descobrir os conhecimentos, valores e habilidades
considerados verdadeiros e legtimos em determinada poca, assim como investigar de
que forma essa validade e legitimidade foram estabelecidas.
Referido pressuposto est ancorado no princpio de que uma teoria sistematiza e
fundamenta decises epistemolgicas correspondentes a um conjunto organizado de
anlise, interpretao e compreenso dos fenmenos curriculares. Para efeito de
entendimento, as teorias curriculares esto assim subdivididas: Teorias Tradicionais,
Teorias Crticas e Teorias Ps-Crticas. Nas Teorias Tradicionais, os conceitos
evidenciados so: ensino, aprendizagem, avaliao, metodologia, didtica, organizao,
planejamento, eficincia e objetivos; nas Teorias Crticas salientam-se os conceitos
referentes s questes de ideologia, reproduo cultural e social, poder, classe social,
capitalismo, relaes sociais de produo, conscientizao, emancipao e libertao,
currculo oculto, resistncia; nas Teorias Ps-Crticas evidenciam-se os conceitos de
identidade, alteridade, diferena, subjetividade, significao e discurso, saber-poder,
representao, cultura, gnero, raa, etnia, sexualidade, multiculturalismo.
Segundo Silva (2004, p. 17), uma teoria curricular define-se pelos conceitos que
utiliza para conceber uma realidade, pois os [...] conceitos de uma teoria organizam e
estruturam nossa forma de ver a realidade. Assim, uma forma til de distinguirmos as
diferentes teorias do currculo atravs do exame dos diferentes conceitos que elas
empregam. Desta forma, a anlise dos conceitos que compem as teorias curriculares
nos permite observar certas coisas que, sem eles, no veramos. Assim, ao se enfatizar
determinados conceitos, novos contornos so dados ao currculo manifesto e,
conseqentemente, formao do homem e da sociedade.
Concomitantemente s teorias curriculares, a histria das tendncias
pedaggicas est ligada ao aparecimento do ensino, no decorrer do desenvolvimento da
sociedade, da produo e das cincias, como atividade intencional e planejada, dedicada
instruo. Assim, as tendncias pedaggicas podem ser classificadas em dois grandes
grupos: as de cunho liberal pedagogia tradicional, pedagogia renovada e tecnicismo
educacional e as de cunho progressista pedagogia libertadora e pedagogia crtico-
social dos contedos.
Neste contexto, as tendncias pedaggicas que se encontram no bojo da prtica
do professor em sala de aula refletem a teoria curricular que a embasam, considerando
que currculo, tendncia pedaggica e prxis docente esto articuladas, sendo
ressignificadas de acordo com os interesses ideolgicos, polticos e sociais pertencentes
ao contexto social que se insere.
TEORIAS CURRICULARES, TENDNCIAS PEDAGGICAS E PRXIS
DOCENTE
Vale ressaltar que as Teorias Tradicionais sobre currculo surgiram nos Estados
Unidos, no momento em que a preocupao com a manuteno de uma identidade
nacional, desencadeada por sucessivas ondas de imigrao, bem como o crescente
processo de industrializao e urbanizao, estabelece o currculo como campo
especializado de estudos. Inserido neste contexto, Bobbitt, em 1918, escreve o livro The
Curriculum, buscando responder questes vitais sobre a finalidade e os contornos da
escolarizao de massas. Na sua obra, Bobbitt propunha que a escola funcionasse nos
mesmos moldes de uma empresa, tendo como palavra chave, eficincia, estruturada tal
e qual a proposta por Taylor, na Escola de Administrao Cientfica. Os estudos de
Taylor, baseados em experincias reais de trabalho, dirigiram-se mais anlise dos
mtodos de racionalizao dos afazeres, a fim de melhorar a qualidade de vida dos
empregados, mediante o aperfeioamento dos mtodos e procedimentos de tarefas.
O modelo de currculo proposto por Bobbitt consolidou-se definitivamente em
1949, no livro publicado por Ralph Tyler, intitulado Princpios Bsicos de Currculo e
Ensino, centrado, essencialmente, nas questes de organizao e desenvolvimento,
tendo como eixo quatro questes bsicas necessrias para a elaborao do currculo: 1)
que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2) que experincias
educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcanar estes
propsitos? 3) como organizar eficientemente essas experincias educacionais? 4) como
podemos ter certeza que esses objetivos esto sendo atingidos? As quatro perguntas
formuladas por Ralph Tyler contemplam a diviso tradicional da atividade educacional:
currculo, ensino, instruo e avaliao.
Dentro deste contexto, os objetivos de ensino devem ser claramente definidos e
so geralmente expressos em termos de comportamento esperado dos alunos. Na sua
obra, Tyler define com clareza uma metodologia para estabelecer os objetivos de ensino
e justifica a necessidade de sua formulao explcita com vistas a: capacitar o professor
para planejar etapas a serem seguidas pelos estudantes; auxiliar o estudante quanto ao
direcionamento e nfase na matria a ser aprendida; auxiliar o professor na avaliao
do desempenho dos alunos. As teorias tradicionais de currculo esto em consonncia
com a corrente pedaggica tradicional de ensino.
At o incio do sculo XX, a escola era eminentemente tradicionalista, dando
nfase ao do professor e as matrias de ensino. Segundo Vilarinho (1979, p. 33):
[...] os mtodos e as tcnicas de ensino, nesse contexto, tinham carter dogmtico,
eram verbalistas, de cunho predominantemente intelectual. Assim, no bojo da escola
tradicional, os mtodos e as tcnicas de ensino eram compostos de exposio, utilizado
como mtodo clssico de ensino, onde a palavra substitui a realidade, a ao prtica e os
fatos; o interrogatrio, tcnica baseada em perguntas do professor e respectivas
respostas do aluno e o mtodo intuitivo, que implica na apresentao e observao de
objetos, facilitando ao aluno sua elaborao conceitual.
Neste contexto, o ensino era centrado no professor e, conseqentemente, no
contedo por ele ministrado; o aluno era passivo, visto como receptor de informaes
descoladas da realidade. O conhecimento era memorizado e o mtodo utilizado era
autocrtico, verbalista e de cunho intelectual.
No auge dos movimentos sociais e culturais da dcada de 1960, surgiram novas
teorizaes que contestavam o pensamento e a estrutura educacional tradicional,
vigentes at ento. Enquanto os modelos tradicionais de currculo eram adstritos
atividade tcnica voltada para a elaborao do currculo, as teorias crticas colocam em
xeque os pressupostos dos arranjos sociais e educacionais, responsabilizando-os pelas
desigualdades e injustias sociais. Na medida em que as teorias tradicionais eram
consideradas teorias de aceitao, ajuste a adaptao, as teorias crticas so teorias de
desconfiana, questionamento e transformao social.
Segundo Silva (2004, p. 30) para [...] as teorias crticas o importante no
desenvolver tcnicas de como fazer o currculo, mas desenvolver conceitos que nos
permitam compreender o que o currculo faz. Com isso, questes consideradas
irrelevantes na Teoria Tradicional, passam a ter um peso maior na Teoria Crtica, ou
seja, o desvelamento de questes ocultas do currculo. Tericos como Freire (1970);
Althusser (1970); Bourdieu & Passeron (1970); Bernstein (1971); Young (1971),
Bowles & Gintis (1976); Pinar & Grumet (1976) e Apple (1979) so considerados os
precursores enquanto estudiosos que se propuseram a criticar os elementos da Teoria
Tradicional.
Em consonncia com as teorias crticas de currculo, surge no incio do sculo
XX, como contraposio a Pedagogia Tradicional, o Movimento da Escola Nova ou
Escolanovismo, tambm chamado de Pedagogia Renovada. Nesta corrente, o centro da
atividade escolar no o professor ou a matria, mas o aluno ativo e investigador.
Segundo Libneo (1994, p. 66), [...] o professor incentiva, orienta, organiza as
situaes de aprendizagem, adequando-as s capacidades e caractersticas individuais
dos alunos.
Neste modelo, o aluno o principal elemento do processo de ensino, formado
para o autocontrole e responsabilidade; a matria um meio para a consecuo dos
objetivos e o mtodo utilizado o experimental, visando a participao ativa do aluno,
sua integrao, o atendimento dos interesses e necessidades individuais.
A partir dos anos 70, sob a gide do regime militar, implantado no Brasil em
1964, surge o Tecnicismo, inspirado na teoria behaviorista de aprendizagem e na
abordagem sistmica do ensino, que tinha como mote, o modelo empresarial aplicado
escola. Este modelo acabou sendo imposto no Brasil, por ser compatvel com a
orientao econmica, poltica e ideolgica do regime militar, ento vigente.
Neste modelo, a desvinculao entre teoria e prtica mais acentuada. O
professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratgias de ensino e
de avaliao. Acentua-se o formalismo didtico atravs dos planos elaborados segundo
normas pr-fixadas; o aluno dever ser eficiente (produtivo) que sabe lidar
cientificamente com os problemas da realidade, em consonncia com os objetivos
propostos, dando nfase na produtividade do aluno.
Por volta dos anos 80, as tendncias de cunho progressista interessada em
propostas pedaggicas voltadas para os interesses da maioria da populao, foram
adquirindo maior solidez e sistematizao. Dentre essas tendncias, destacam-se a
Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Crtico-Social de Contedos.
A Pedagogia Libertadora retomou a proposta da educao popular dos anos 60,
direcionando seus princpios e prticas em funo das possibilidades do seu emprego na
educao formal em escolas pblicas, j que, inicialmente, tinha carter extra-escolar,
no-oficial e voltada para o atendimento de clientela adulta.
A Pedagogia Crtico-Social de Contedos constituiu-se como movimento
pedaggico interessado na educao popular, na valorizao da escola pblica e do
trabalho do professor, no ensino de qualidade para o provo e, especialmente, na
acentuao da importncia do domnio slido por parte de professores e alunos dos
contedos cientficos do ensino como condio de participao efetiva do povo nas
lutas sociais.
Assim, em consonncia com este momento histrico, as Teorias Ps-Crticas
surgem com a proposta de ampliar as discusses acerca dos conceitos defendidos na
teoria anterior - Teoria Crtica - numa dimenso questionadora, libertadora e
emancipatria. A preocupao com as conexes entre saber, identidade e poder, as
remetem para questes pertinentes diversidade das formas culturais do mundo
contemporneo; das questes de gnero, raa, etnia e sexualidade; dos discursos; da
subjetividade e, tambm, das relaes de poder entre as diferentes naes que compem
a herana econmica, poltica e cultural.
A relevncia das teorias curriculares, abarcada neste trabalho, bem como das
tendncias pedaggicas, permanece alicerada na questo de que esses estudos e sua
teorizao tm por finalidade a melhoria da prtica pedaggica.
Sacristn (1999, p. 44) corrobora com esta assertiva quando aponta que
A ao do ensino no pode ser considerada como um mero recurso instrumental, uma tcnica para conseguir metas abstratamente, porque
essas metas no podem ser qualquer fim e por que os meios para consegui-las operam em contextos incertos, sobre seres humanos que impem critrios ao que se fala com eles [...].
Nesta perspectiva, teorias curriculares e tendncias pedaggicas que
contemplem a formao global do homem esto apontadas, neste trabalho, como um
elemento central e articulador. A relao entre os elementos curriculares e os
problemas prticos da educao se constitui em um desafio atual para os envolvidos no
projeto educativo e, especificamente, de formao de educadores.
O PROFESSOR E A EMERGNCIA DA RESSIGNIFICAO DE SUA PRXIS
FRENTE S CONCEPES TERICAS CURRICULARES E AS
TENDNCIAS PEDAGGICAS CONTEMPORNEAS
Na contemporaneidade, espera-se do professor, mais do que qualquer outro
profissional, a intercesso na formao de comunidades de aprendizagens em diferentes
espaos de interao, uma vez que a valorizao do trabalho criativo e cooperativo a
tnica do momento. Exige-se que, alm dos contedos, sejam trabalhadas atitudes.
Neste sentido, a prxis docente necessita ser redimensionada no sentido de uma
reviso para alm do currculo tradicional que era simplesmente tomado como dado e,
portanto, como implicitamente aceitvel para um currculo crtico e ps-crtico por
incorporar, tambm, a dinmica relacional. Assim, alm da reviso da dimenso
curricular, neste trabalho, aponta-se tambm, que o professor, em sua prxis docente,
deve articular os saberes advindos da dinmica relacional com as tendncias
pedaggicas pertencentes ao modelo progressista pedagogia libertadora e crtico-
social dos contedos.
Os conflitos cotidianos inerentes ao processo educacional encaminham-se para
uma urgncia na reviso da prxis docente, uma vez que alunos e professores
necessitam perceber a existncia de um emaranhado de fatores que podem entravar a
prtica pedaggica e, conseqentemente, o processo de aquisio de conhecimentos.
Um dos entraves apontado relativo desconsiderao de questes referentes histria
de vida desses alunos, uma vez que a instituio formadora e o currculo nem sempre
priorizam aos estudantes, em seu contexto de ensino e aprendizagem, a oportunidade de
exercer as habilidades democrticas da discusso, da participao e de questionamentos.
Neste contexto, o professor no pode ser visto como tcnico ou burocrata, mas como
pessoa envolvida nas atividades da crtica e do questionamento, concorrendo para o
processo de emancipao e libertao.
Para tanto, questes pertencentes dimenso crtica e ps-critica apontam-se
como uma alternativa de reviso da prxis docente. Como alternativa na superao dos
entraves referentes histria de vida dos alunos, a tese defendida por Giroux (1988)
conceito de voz poderia se constituir em ingrediente amenizador da distncia entre o
dito e o vivenciado no espao educativo. Por meio do conceito de voz, Giroux (1988),
aponta a necessidade de construo de espaos no ambiente educativo onde anseios,
desejos e pensamentos dos estudantes possam ser ouvidos e atentamente considerados,
pois o professor, ao se apropriar deste conceito, precisa ultrapassar a dimenso
burocrtica para a dimenso de intelectual transformador.
Com isso premente, conforme Giroux (1998, p. 33), que os professores
[...] atentem seriamente para a necessidade de dar aos alunos voz ativa em suas experincias de aprendizagem; significa desenvolver um vernculo crtico que seja adequado aos problemas experienciados ao nvel da vida diria, especialmente quando estes so relacionados com experincias pedaggicas desenvolvidas por
prticas de sala de aula.
No enxergar alguns destes elementos, principalmente os que
pertencem ao conceito de voz, muito concorreria para a excluso de direitos fundamentais, assim como da ineficincia das prticas pedaggicas, pois o dilogo e o comprometimento do professor com uma educao qualitativa
possibilitaria um melhor conhecimento do universo escolar, da realidade do aluno e da comunidade, na medida em que fossem criados canais de comunicao para que a identidade do professor e dos alunos pudesse, ao
longo do processo de formao docente, serem construdas e ressignificadas. Os estudos realizados na rea de currculo apontam para um ingrediente muito importante no campo das reflexes, o conhecimento terico. Entretanto, as
concepes tericas, por no estarem no cotidiano escolar enquanto ajuda para explicar as prticas pedaggicas, se constituem em desafio para os educadores, uma vez que considerada de difcil entendimento e compreenso.
Segundo Forquin (1993, p. 144) [...] necessrio que o que se ensina valha
pena. No existe mtodo ou atividade que se sustente sem uma base terica e um
contedo programtico sistematizado e acumulado ao longo das geraes. Esses
elementos devem estar articulados com o que se considera significativo para uma dada
realidade e um dado sujeito. A mudana da corrente pedaggica tradicional, que
vigorou at os anos de 1930, onde o professor detinha o monoplio do conhecimento,
figurando o aluno como um indivduo passivo, para o modelo escolanovista, a partir de
1930 at 1970, onde o papel do professor seria o de estimular o autodesenvolvimento do
aluno e mediar o processo de aquisio de conhecimento, tornando-o um agente ativo
no processo de aprendizagem, fez com que os mtodos utilizados se sobressassem aos
contedos programticos de ensino. Neste processo, os contedos programticos, de
certa forma, perderam espao para os mtodos utilizados para a apropriao deste
saber acumulado.
Uma das explicaes para esta viso dicotmica entre os mtodos de ensino e os
contedos programticos deve-se ao fato de que os contedos so pensados e
elaborados, na maioria das vezes, fora do espao escolar, onde os agentes responsveis
por essa transmisso, ou seja, os professores, no participam da escolha e da elaborao
deste currculo. A diviso de funes, neste processo, miniminiza a tarefa do professor,
subtraindo sua responsabilidade no processo de transmisso de contedos culturalmente
vlidos e prximos da realidade dos alunos. Neste nterim, a forma como esses
contedos programticos so transmitidos, ganham relevncia, por ser a parcela que
cabe ao professor.
Segundo Forquin (1993), a educao do tipo escolar supe sempre uma seleo
no interior da cultura e uma reelaborao dos contedos da cultura destinados a serem
transmitidos. O que ensinar, ou seja, quais os contedos que devero ser recortados de
todos os conhecimentos sistematizados e acumulados historicamente pela sociedade e
que devero fazer parte do currculo, a grande preocupao dos agentes que o
elaboram. Neste processo de elaborao do currculo, novamente a viso dicotmica
emerge quando se nota uma separao entre os contedos programticos que iro
compor o currculo e a instruo, ou seja, a ao de desenvolv-los atravs de atividades
prticas. Se considerarmos que a aprendizagem efetiva se d com a experincia prtica
dos contedos desenvolvidos, ambos os conceitos devem ser entendidos em interao
recproca.
Segundo Sacristn (1998, p. 120):
Sem contedo no h ensino, qualquer projeto educativo
acaba se concretizando na aspirao de conseguir alguns efeitos nos
sujeitos que se educam. [...] Quando h ensino porque se ensina algo
ou se ordena o ambiente para que algum aprenda algo. [...] a tcnica
de ensino no pode preencher todo o discurso didtico evitando os
problemas que o contedo coloca.
Desta forma, a educao para ser compreendida exige ser entendida como uma
atividade que se expressa de formas distintas, onde tanto o contedo programtico
quanto a didtica utilizada, transformam o currculo na prtica para produzir a
aprendizagem. Por isso, teorias curriculares, tendncias pedaggicas e prxis docente
na formao de educadores, um resgate dos fundamentos tericos, apontado, nesse
estudo, como elementos que desvelariam alguns pressupostos que necessitariam ser
desocultados, uma vez que a atividade docente, seus agentes e seu contexto desligaram-
se em muitos casos, dos contedos a que servem, entendendo por contedos algo mais
do que uma seleo de conhecimentos sistematizados provenientes de campos
especializados do saber mais elaborado.
As teorias de currculo tradicional, crtica e ps-crtica, suas concepes, assim
como as tendncias pedaggicas e a dimenso de formao de educadores e suas
variadas contextualizaes, oferecero variaes formais. Com isso, pode-se afirmar
que a seleo dos conceitos estar convergindo para as concepes curriculares, ora
tradicional ou tcnica, ora, crtica ou ps-crtica. A premissa, afirmada acima, se deve
concepo de currculo educacional defendido por Silva (2004, p. 14), que aponta que
[...] a questo central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currculo a
de saber qual conhecimento deve ser ensinado. Silva (2004) aponta, ainda, que o
currculo educacional compreendido como prtica social e representa a sntese dos
conhecimentos e valores que caracterizam um processo social expresso pelo trabalho
pedaggico desenvolvido nos espaos educativos.
Nesse sentido, busca-se neste trabalho, discutir sobre as questes de seleo,
organizao e sobre os processos pedaggicos, que se constituem em elementos de
extrema importncia do currculo. Corroborando com a questo da seleo e das
relaes de poder no campo curricular, vale ressaltar Apple (2001), que nos remete
questo curricular pautada numa tradio seletiva, da organizao e processos
pedaggicos realizados por algum, da viso que algum grupo tem do que seja o
conhecimento legtimo e, para tanto, devem fazer parte do currculo.
Ao se discutir a questo do currculo e das tendncias pedaggicas na formao
de educadores, assim como sua seleo, sua organizao e os processos pedaggicos,
defende-se que, em algum ponto, concorrer para uma convergncia terica curricular.
Para tratar da formao de educadores e de como suas concepes derivam das teorias
curriculares, neste estudo, ser abordada tambm, a dimenso crtica e ps-crtica de
currculo, uma vez que essas teorias auxiliam no desvelar das nuances que o
encobriram. O vnculo entre a teoria educacional e o currculo nem sempre so
contemplados nos tratados educativos (leis, teorias, diretrizes curriculares); entretanto,
as teorias educacionais e as tendncias pedaggicas esto direcionadas para fatores que
concorrem para que todas elas tenham o mesmo discurso e prtica. O estudo da
trajetria das teorias curriculares oferece uma forma de analisar as complexas relaes
entre as instituies de ensino e a sociedade, porque mostra que as instituies
educativas tanto refletem como retratam as definies sociais do conhecimento
culturalmente vlido, desafiando os envolvidos no ato educativo, no sentido de ampliar
as reflexes para questes que se encaminham para alm das teorias vinculadas
economia e educao e economia e cultura.
Segundo Apple (1982), no aceitvel apontar um vnculo entre as estruturas
econmicas e sociais mais amplas e o currculo, pois esse vnculo mediado por
processos que acontecem no campo da educao e do currculo e que so a ativamente
produzidos e mediados pela ao humana, rompendo, ento, com as anlises simplistas
de reproduo.
Goodson (2001) alinha-se com essa vertente, uma vez que o entendimento do
processo histrico do currculo faz um resgate numa perspectiva na qual ele concebido
como algo em movimento, em constante fluxo e transformao, sofrendo constantes
rupturas, apontando, via historicidade, no apenas os pontos de continuidade e de
evoluo, mas tambm as grandes rupturas e descontinuidades.
Em suma, vale ressaltar, tambm, nas palavras de Silva (2004, p. 46), a
necessidade de ampliao de focos de anlise para alm das estruturas econmicas, uma
vez que as [...] estruturas econmicas no so suficientes para garantir a conscincia; a
conscincia precisa ser conquistada em seu prprio campo. O campo cultural no um
simples reflexo da economia: ele tem a sua prpria dinmica.
Nessa direo, a proposta deste trabalho conceber o conhecimento
corporificado no currculo escolar como um artefato social e cultural. Com isso, o identificao e entendimento dos conceitos pertencentes a organizao curricular se constitui num elemento essencial no sentido de desvel-lo. Tal
proposta est fundamentada no fato de que a sociedade contempornea encontra-se em constante mudana e, conseqentemente, o currculo, por ser um artefato social e cultural, tambm passa por mutaes.
Segundo Silva (2004), Moreira (1990), Apple (2001), somente pela
perspectiva crtica possvel explic-lo e desvel-lo. E, para entender os
questionamentos e explicar como esse artefato veio a se tornar o que , a
dimenso histrica facilita e oferece uma descrio da dinmica social que o moldou dessa forma. Nessa perspectiva, torna-se necessrio reconhecer que o processo de construo social do currculo no um processo meramente
lgico, e sim internamente inconsistente e ilgico. Tal princpio est fundamentado na questo de que a teoria curricular no representa uma perspectiva acabada e slida, pois, conforme Kemmis (1988, p. 42), [...] um produto da trajetria humana e social e um meio atravs do qual os grupos poderosos exercem uma influncia muito significativa sobre os processos mediante os quais eram e so educados os jovens.
Assim, apontar que a questo que permeia a construo de um currculo est
relacionada ao ensino de matrias escolares e de formao ideolgica de valores, um
elemento reflexivo importante. Questes relacionadas ao conhecimento, ao ensino, aos
valores ideolgicos, realizam o vnculo entre a construo social do currculo e a
dimenso humana do homem.
CONSIDERAES FINAIS
O currculo escolar, apontado neste trabalho, tem o conceito defendido por
Apple (1982), por ser o resultado de uma seleo de saberes num universo mais amplo
de conhecimentos, na medida em que deduzem que tipos de conhecimento sero
considerados vlidos, por se encontrarem justapostos ao tipo de pessoas que se pretende
considerar ideal. A necessidade de um olhar sobre as questes de poder faz-se
necessria quando se concebe que as pessoas, ao organizar determinados conhecimentos
no currculo, nunca desenvolvem essa organizao sem embebedar-se dos valores
ideolgicos que, por vezes, aparece nos livros, nas salas de aula e na prtica pedaggica
dos professores. Corroborando, Apple (1982), nos aponta que todo estudo curricular
est aportado nas questes ideolgicas, principalmente para desvelar a questo do
oculto; aponta, tambm, que alguns questionamentos devem permear a prtica daqueles
que realizam a operacionalizao do currculo. Assim, para alm da reviso de posturas
ideolgicas e pedaggicas, a formao de professores dever abarcar, em seu bojo
curricular, a insero do elemento relacional como parte integrante do processo de
formao. Severino (2001, p. 72) afirma que a [...] educao uma prtica social e
poltica cujas ferramentas so elementos simblicos, produzidos e manuseados pela
subjetividade e mediados pela cultura.
Assim, o currculo ilustraria a representao da cultura no cotidiano, no
constitudo apenas de conhecimentos factuais, mas o modo como os indivduos e os
grupos sociais representam tais conhecimentos. Portanto, o currculo, nos cursos de
Formao de Professores abriga, tambm, as concepes de vida social e as relaes
sociais que animam aquela cultura, reconhecendo que o conhecimento no um
elemento neutro, mas sim produzido historicamente, no interior das relaes sociais.
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