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O CAMPO TEÓRICO CURRICULAR, AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS E A PRÁXIS DOCENTE NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ANAYA, Viviani Doutoranda em Educação Pontifícia Universidade Católica -PUC-SP Universidade Nove de Julho UNINOVE- SP [email protected] [email protected] RESUMO: Esta comunicação tem como finalidade apontar a inter-relação existente entre teorias curriculares, tendências pedagógicas e práxis docente, bem como aventar que as ações que se encontram no bojo da prática do professor em sala de aula refletem a teoria curricular que a embasam, considerando que currículo, tendência pedagógica e práxis docente estão articuladas, sendo ressignificadas de acordo com os interesses ideológicos, políticos e sociais pertencentes ao contexto social no qual estão inseridas. Nesta análise, a formação de educadores e o currículo são processos cotidianos intrinsecamente enredados, que se determinam mutuamente, não havendo como diferenciá-los, pensá-los de forma isolada, em meio às tessituras e partilhas das redes cotidianas de saberes e fazeres. Assim, pode-se confirmar a existência de vários ângulos de abordagens do campo teórico, definidores das teorias de currículo e das tendências pedagógicas, influenciando, diretamente nas ações desenvolvidas no espaço educacional, lócus de aprendizagem. Referido pressuposto está ancorado no princípio de que uma teoria sistematiza e fundamenta decisões epistemológicas correspondentes a um conjunto organizado de análise, interpretações e compreensões dos fenômenos curriculares. Assim, o currículo ilustraria a representação da cultura no cotidiano, não

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  • O CAMPO TERICO CURRICULAR, AS TENDNCIAS PEDAGGICAS E A

    PRXIS DOCENTE NOS CURSOS DE FORMAO DE PROFESSORES

    ANAYA, Viviani

    Doutoranda em Educao

    Pontifcia Universidade Catlica -PUC-SP

    Universidade Nove de Julho UNINOVE- SP

    [email protected]

    [email protected]

    RESUMO:

    Esta comunicao tem como finalidade apontar a inter-relao existente entre teorias

    curriculares, tendncias pedaggicas e prxis docente, bem como aventar que as aes

    que se encontram no bojo da prtica do professor em sala de aula refletem a teoria

    curricular que a embasam, considerando que currculo, tendncia pedaggica e prxis

    docente esto articuladas, sendo ressignificadas de acordo com os interesses

    ideolgicos, polticos e sociais pertencentes ao contexto social no qual esto inseridas.

    Nesta anlise, a formao de educadores e o currculo so processos cotidianos

    intrinsecamente enredados, que se determinam mutuamente, no havendo como

    diferenci-los, pens-los de forma isolada, em meio s tessituras e partilhas das redes

    cotidianas de saberes e fazeres. Assim, pode-se confirmar a existncia de vrios

    ngulos de abordagens do campo terico, definidores das teorias de currculo e das

    tendncias pedaggicas, influenciando, diretamente nas aes desenvolvidas no espao

    educacional, lcus de aprendizagem. Referido pressuposto est ancorado no princpio

    de que uma teoria sistematiza e fundamenta decises epistemolgicas correspondentes a

    um conjunto organizado de anlise, interpretaes e compreenses dos fenmenos

    curriculares. Assim, o currculo ilustraria a representao da cultura no cotidiano, no

  • constitudo apenas de conhecimentos factuais, mas o modo como os indivduos e os

    grupos sociais representam tais conhecimentos, reconhecendo que o conhecimento no

    um elemento neutro, mas sim produzido historicamente, no interior das relaes

    sociais.

    PALAVRAS-CHAVE: Currculo. Tendncias Pedaggicas. Prxis Docente. Formao

    de Professores.

    INTRODUO:

    A premissa, neste trabalho, que no campo curricular, as opes tericas

    desembocaro em classificaes diversas, procurando s vezes, algo coincidente em

    tentativas de abordagens nas concepes de currculo, tendncias pedaggicas e prxis

    docente, atravs das quais se diferenciam formas distintas de relacionar a teoria com a

    prtica e a instituio educativa com a sociedade. Assim, pode-se confirmar a existncia

    de vrios ngulos de abordagens do campo terico, definidores das teorias de currculo

    e das tendncias pedaggicas.

    Segundo Sacristn (1998, p. 119), [...] as prticas e as palavras tm sua histria

    e refletem as atividades nas quais forjaram os significados que arrastam at ns,

    projetando-se em nossas aes e pensamentos, na forma de dar sentido experincia.

    Uma histria de currculo escolar, enquanto dimenso histrica social, segundo

    Goodson (1995), centrada numa epistemologia social do conhecimento escolar,

    preocupado com os determinantes sociais e polticos do conhecimento educacional

    organizado, deve procurar descobrir os conhecimentos, valores e habilidades

    considerados verdadeiros e legtimos em determinada poca, assim como investigar de

    que forma essa validade e legitimidade foram estabelecidas.

    Referido pressuposto est ancorado no princpio de que uma teoria sistematiza e

    fundamenta decises epistemolgicas correspondentes a um conjunto organizado de

    anlise, interpretao e compreenso dos fenmenos curriculares. Para efeito de

    entendimento, as teorias curriculares esto assim subdivididas: Teorias Tradicionais,

    Teorias Crticas e Teorias Ps-Crticas. Nas Teorias Tradicionais, os conceitos

    evidenciados so: ensino, aprendizagem, avaliao, metodologia, didtica, organizao,

  • planejamento, eficincia e objetivos; nas Teorias Crticas salientam-se os conceitos

    referentes s questes de ideologia, reproduo cultural e social, poder, classe social,

    capitalismo, relaes sociais de produo, conscientizao, emancipao e libertao,

    currculo oculto, resistncia; nas Teorias Ps-Crticas evidenciam-se os conceitos de

    identidade, alteridade, diferena, subjetividade, significao e discurso, saber-poder,

    representao, cultura, gnero, raa, etnia, sexualidade, multiculturalismo.

    Segundo Silva (2004, p. 17), uma teoria curricular define-se pelos conceitos que

    utiliza para conceber uma realidade, pois os [...] conceitos de uma teoria organizam e

    estruturam nossa forma de ver a realidade. Assim, uma forma til de distinguirmos as

    diferentes teorias do currculo atravs do exame dos diferentes conceitos que elas

    empregam. Desta forma, a anlise dos conceitos que compem as teorias curriculares

    nos permite observar certas coisas que, sem eles, no veramos. Assim, ao se enfatizar

    determinados conceitos, novos contornos so dados ao currculo manifesto e,

    conseqentemente, formao do homem e da sociedade.

    Concomitantemente s teorias curriculares, a histria das tendncias

    pedaggicas est ligada ao aparecimento do ensino, no decorrer do desenvolvimento da

    sociedade, da produo e das cincias, como atividade intencional e planejada, dedicada

    instruo. Assim, as tendncias pedaggicas podem ser classificadas em dois grandes

    grupos: as de cunho liberal pedagogia tradicional, pedagogia renovada e tecnicismo

    educacional e as de cunho progressista pedagogia libertadora e pedagogia crtico-

    social dos contedos.

    Neste contexto, as tendncias pedaggicas que se encontram no bojo da prtica

    do professor em sala de aula refletem a teoria curricular que a embasam, considerando

    que currculo, tendncia pedaggica e prxis docente esto articuladas, sendo

    ressignificadas de acordo com os interesses ideolgicos, polticos e sociais pertencentes

    ao contexto social que se insere.

    TEORIAS CURRICULARES, TENDNCIAS PEDAGGICAS E PRXIS

    DOCENTE

  • Vale ressaltar que as Teorias Tradicionais sobre currculo surgiram nos Estados

    Unidos, no momento em que a preocupao com a manuteno de uma identidade

    nacional, desencadeada por sucessivas ondas de imigrao, bem como o crescente

    processo de industrializao e urbanizao, estabelece o currculo como campo

    especializado de estudos. Inserido neste contexto, Bobbitt, em 1918, escreve o livro The

    Curriculum, buscando responder questes vitais sobre a finalidade e os contornos da

    escolarizao de massas. Na sua obra, Bobbitt propunha que a escola funcionasse nos

    mesmos moldes de uma empresa, tendo como palavra chave, eficincia, estruturada tal

    e qual a proposta por Taylor, na Escola de Administrao Cientfica. Os estudos de

    Taylor, baseados em experincias reais de trabalho, dirigiram-se mais anlise dos

    mtodos de racionalizao dos afazeres, a fim de melhorar a qualidade de vida dos

    empregados, mediante o aperfeioamento dos mtodos e procedimentos de tarefas.

    O modelo de currculo proposto por Bobbitt consolidou-se definitivamente em

    1949, no livro publicado por Ralph Tyler, intitulado Princpios Bsicos de Currculo e

    Ensino, centrado, essencialmente, nas questes de organizao e desenvolvimento,

    tendo como eixo quatro questes bsicas necessrias para a elaborao do currculo: 1)

    que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2) que experincias

    educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcanar estes

    propsitos? 3) como organizar eficientemente essas experincias educacionais? 4) como

    podemos ter certeza que esses objetivos esto sendo atingidos? As quatro perguntas

    formuladas por Ralph Tyler contemplam a diviso tradicional da atividade educacional:

    currculo, ensino, instruo e avaliao.

    Dentro deste contexto, os objetivos de ensino devem ser claramente definidos e

    so geralmente expressos em termos de comportamento esperado dos alunos. Na sua

    obra, Tyler define com clareza uma metodologia para estabelecer os objetivos de ensino

    e justifica a necessidade de sua formulao explcita com vistas a: capacitar o professor

    para planejar etapas a serem seguidas pelos estudantes; auxiliar o estudante quanto ao

    direcionamento e nfase na matria a ser aprendida; auxiliar o professor na avaliao

    do desempenho dos alunos. As teorias tradicionais de currculo esto em consonncia

    com a corrente pedaggica tradicional de ensino.

  • At o incio do sculo XX, a escola era eminentemente tradicionalista, dando

    nfase ao do professor e as matrias de ensino. Segundo Vilarinho (1979, p. 33):

    [...] os mtodos e as tcnicas de ensino, nesse contexto, tinham carter dogmtico,

    eram verbalistas, de cunho predominantemente intelectual. Assim, no bojo da escola

    tradicional, os mtodos e as tcnicas de ensino eram compostos de exposio, utilizado

    como mtodo clssico de ensino, onde a palavra substitui a realidade, a ao prtica e os

    fatos; o interrogatrio, tcnica baseada em perguntas do professor e respectivas

    respostas do aluno e o mtodo intuitivo, que implica na apresentao e observao de

    objetos, facilitando ao aluno sua elaborao conceitual.

    Neste contexto, o ensino era centrado no professor e, conseqentemente, no

    contedo por ele ministrado; o aluno era passivo, visto como receptor de informaes

    descoladas da realidade. O conhecimento era memorizado e o mtodo utilizado era

    autocrtico, verbalista e de cunho intelectual.

    No auge dos movimentos sociais e culturais da dcada de 1960, surgiram novas

    teorizaes que contestavam o pensamento e a estrutura educacional tradicional,

    vigentes at ento. Enquanto os modelos tradicionais de currculo eram adstritos

    atividade tcnica voltada para a elaborao do currculo, as teorias crticas colocam em

    xeque os pressupostos dos arranjos sociais e educacionais, responsabilizando-os pelas

    desigualdades e injustias sociais. Na medida em que as teorias tradicionais eram

    consideradas teorias de aceitao, ajuste a adaptao, as teorias crticas so teorias de

    desconfiana, questionamento e transformao social.

    Segundo Silva (2004, p. 30) para [...] as teorias crticas o importante no

    desenvolver tcnicas de como fazer o currculo, mas desenvolver conceitos que nos

    permitam compreender o que o currculo faz. Com isso, questes consideradas

    irrelevantes na Teoria Tradicional, passam a ter um peso maior na Teoria Crtica, ou

    seja, o desvelamento de questes ocultas do currculo. Tericos como Freire (1970);

    Althusser (1970); Bourdieu & Passeron (1970); Bernstein (1971); Young (1971),

    Bowles & Gintis (1976); Pinar & Grumet (1976) e Apple (1979) so considerados os

    precursores enquanto estudiosos que se propuseram a criticar os elementos da Teoria

    Tradicional.

  • Em consonncia com as teorias crticas de currculo, surge no incio do sculo

    XX, como contraposio a Pedagogia Tradicional, o Movimento da Escola Nova ou

    Escolanovismo, tambm chamado de Pedagogia Renovada. Nesta corrente, o centro da

    atividade escolar no o professor ou a matria, mas o aluno ativo e investigador.

    Segundo Libneo (1994, p. 66), [...] o professor incentiva, orienta, organiza as

    situaes de aprendizagem, adequando-as s capacidades e caractersticas individuais

    dos alunos.

    Neste modelo, o aluno o principal elemento do processo de ensino, formado

    para o autocontrole e responsabilidade; a matria um meio para a consecuo dos

    objetivos e o mtodo utilizado o experimental, visando a participao ativa do aluno,

    sua integrao, o atendimento dos interesses e necessidades individuais.

    A partir dos anos 70, sob a gide do regime militar, implantado no Brasil em

    1964, surge o Tecnicismo, inspirado na teoria behaviorista de aprendizagem e na

    abordagem sistmica do ensino, que tinha como mote, o modelo empresarial aplicado

    escola. Este modelo acabou sendo imposto no Brasil, por ser compatvel com a

    orientao econmica, poltica e ideolgica do regime militar, ento vigente.

    Neste modelo, a desvinculao entre teoria e prtica mais acentuada. O

    professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais, de estratgias de ensino e

    de avaliao. Acentua-se o formalismo didtico atravs dos planos elaborados segundo

    normas pr-fixadas; o aluno dever ser eficiente (produtivo) que sabe lidar

    cientificamente com os problemas da realidade, em consonncia com os objetivos

    propostos, dando nfase na produtividade do aluno.

    Por volta dos anos 80, as tendncias de cunho progressista interessada em

    propostas pedaggicas voltadas para os interesses da maioria da populao, foram

    adquirindo maior solidez e sistematizao. Dentre essas tendncias, destacam-se a

    Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Crtico-Social de Contedos.

    A Pedagogia Libertadora retomou a proposta da educao popular dos anos 60,

    direcionando seus princpios e prticas em funo das possibilidades do seu emprego na

    educao formal em escolas pblicas, j que, inicialmente, tinha carter extra-escolar,

    no-oficial e voltada para o atendimento de clientela adulta.

  • A Pedagogia Crtico-Social de Contedos constituiu-se como movimento

    pedaggico interessado na educao popular, na valorizao da escola pblica e do

    trabalho do professor, no ensino de qualidade para o provo e, especialmente, na

    acentuao da importncia do domnio slido por parte de professores e alunos dos

    contedos cientficos do ensino como condio de participao efetiva do povo nas

    lutas sociais.

    Assim, em consonncia com este momento histrico, as Teorias Ps-Crticas

    surgem com a proposta de ampliar as discusses acerca dos conceitos defendidos na

    teoria anterior - Teoria Crtica - numa dimenso questionadora, libertadora e

    emancipatria. A preocupao com as conexes entre saber, identidade e poder, as

    remetem para questes pertinentes diversidade das formas culturais do mundo

    contemporneo; das questes de gnero, raa, etnia e sexualidade; dos discursos; da

    subjetividade e, tambm, das relaes de poder entre as diferentes naes que compem

    a herana econmica, poltica e cultural.

    A relevncia das teorias curriculares, abarcada neste trabalho, bem como das

    tendncias pedaggicas, permanece alicerada na questo de que esses estudos e sua

    teorizao tm por finalidade a melhoria da prtica pedaggica.

    Sacristn (1999, p. 44) corrobora com esta assertiva quando aponta que

    A ao do ensino no pode ser considerada como um mero recurso instrumental, uma tcnica para conseguir metas abstratamente, porque

    essas metas no podem ser qualquer fim e por que os meios para consegui-las operam em contextos incertos, sobre seres humanos que impem critrios ao que se fala com eles [...].

    Nesta perspectiva, teorias curriculares e tendncias pedaggicas que

    contemplem a formao global do homem esto apontadas, neste trabalho, como um

    elemento central e articulador. A relao entre os elementos curriculares e os

    problemas prticos da educao se constitui em um desafio atual para os envolvidos no

    projeto educativo e, especificamente, de formao de educadores.

    O PROFESSOR E A EMERGNCIA DA RESSIGNIFICAO DE SUA PRXIS

    FRENTE S CONCEPES TERICAS CURRICULARES E AS

    TENDNCIAS PEDAGGICAS CONTEMPORNEAS

  • Na contemporaneidade, espera-se do professor, mais do que qualquer outro

    profissional, a intercesso na formao de comunidades de aprendizagens em diferentes

    espaos de interao, uma vez que a valorizao do trabalho criativo e cooperativo a

    tnica do momento. Exige-se que, alm dos contedos, sejam trabalhadas atitudes.

    Neste sentido, a prxis docente necessita ser redimensionada no sentido de uma

    reviso para alm do currculo tradicional que era simplesmente tomado como dado e,

    portanto, como implicitamente aceitvel para um currculo crtico e ps-crtico por

    incorporar, tambm, a dinmica relacional. Assim, alm da reviso da dimenso

    curricular, neste trabalho, aponta-se tambm, que o professor, em sua prxis docente,

    deve articular os saberes advindos da dinmica relacional com as tendncias

    pedaggicas pertencentes ao modelo progressista pedagogia libertadora e crtico-

    social dos contedos.

    Os conflitos cotidianos inerentes ao processo educacional encaminham-se para

    uma urgncia na reviso da prxis docente, uma vez que alunos e professores

    necessitam perceber a existncia de um emaranhado de fatores que podem entravar a

    prtica pedaggica e, conseqentemente, o processo de aquisio de conhecimentos.

    Um dos entraves apontado relativo desconsiderao de questes referentes histria

    de vida desses alunos, uma vez que a instituio formadora e o currculo nem sempre

    priorizam aos estudantes, em seu contexto de ensino e aprendizagem, a oportunidade de

    exercer as habilidades democrticas da discusso, da participao e de questionamentos.

    Neste contexto, o professor no pode ser visto como tcnico ou burocrata, mas como

    pessoa envolvida nas atividades da crtica e do questionamento, concorrendo para o

    processo de emancipao e libertao.

    Para tanto, questes pertencentes dimenso crtica e ps-critica apontam-se

    como uma alternativa de reviso da prxis docente. Como alternativa na superao dos

    entraves referentes histria de vida dos alunos, a tese defendida por Giroux (1988)

    conceito de voz poderia se constituir em ingrediente amenizador da distncia entre o

    dito e o vivenciado no espao educativo. Por meio do conceito de voz, Giroux (1988),

    aponta a necessidade de construo de espaos no ambiente educativo onde anseios,

    desejos e pensamentos dos estudantes possam ser ouvidos e atentamente considerados,

  • pois o professor, ao se apropriar deste conceito, precisa ultrapassar a dimenso

    burocrtica para a dimenso de intelectual transformador.

    Com isso premente, conforme Giroux (1998, p. 33), que os professores

    [...] atentem seriamente para a necessidade de dar aos alunos voz ativa em suas experincias de aprendizagem; significa desenvolver um vernculo crtico que seja adequado aos problemas experienciados ao nvel da vida diria, especialmente quando estes so relacionados com experincias pedaggicas desenvolvidas por

    prticas de sala de aula.

    No enxergar alguns destes elementos, principalmente os que

    pertencem ao conceito de voz, muito concorreria para a excluso de direitos fundamentais, assim como da ineficincia das prticas pedaggicas, pois o dilogo e o comprometimento do professor com uma educao qualitativa

    possibilitaria um melhor conhecimento do universo escolar, da realidade do aluno e da comunidade, na medida em que fossem criados canais de comunicao para que a identidade do professor e dos alunos pudesse, ao

    longo do processo de formao docente, serem construdas e ressignificadas. Os estudos realizados na rea de currculo apontam para um ingrediente muito importante no campo das reflexes, o conhecimento terico. Entretanto, as

    concepes tericas, por no estarem no cotidiano escolar enquanto ajuda para explicar as prticas pedaggicas, se constituem em desafio para os educadores, uma vez que considerada de difcil entendimento e compreenso.

    Segundo Forquin (1993, p. 144) [...] necessrio que o que se ensina valha

    pena. No existe mtodo ou atividade que se sustente sem uma base terica e um

    contedo programtico sistematizado e acumulado ao longo das geraes. Esses

    elementos devem estar articulados com o que se considera significativo para uma dada

    realidade e um dado sujeito. A mudana da corrente pedaggica tradicional, que

    vigorou at os anos de 1930, onde o professor detinha o monoplio do conhecimento,

    figurando o aluno como um indivduo passivo, para o modelo escolanovista, a partir de

    1930 at 1970, onde o papel do professor seria o de estimular o autodesenvolvimento do

    aluno e mediar o processo de aquisio de conhecimento, tornando-o um agente ativo

    no processo de aprendizagem, fez com que os mtodos utilizados se sobressassem aos

    contedos programticos de ensino. Neste processo, os contedos programticos, de

    certa forma, perderam espao para os mtodos utilizados para a apropriao deste

    saber acumulado.

  • Uma das explicaes para esta viso dicotmica entre os mtodos de ensino e os

    contedos programticos deve-se ao fato de que os contedos so pensados e

    elaborados, na maioria das vezes, fora do espao escolar, onde os agentes responsveis

    por essa transmisso, ou seja, os professores, no participam da escolha e da elaborao

    deste currculo. A diviso de funes, neste processo, miniminiza a tarefa do professor,

    subtraindo sua responsabilidade no processo de transmisso de contedos culturalmente

    vlidos e prximos da realidade dos alunos. Neste nterim, a forma como esses

    contedos programticos so transmitidos, ganham relevncia, por ser a parcela que

    cabe ao professor.

    Segundo Forquin (1993), a educao do tipo escolar supe sempre uma seleo

    no interior da cultura e uma reelaborao dos contedos da cultura destinados a serem

    transmitidos. O que ensinar, ou seja, quais os contedos que devero ser recortados de

    todos os conhecimentos sistematizados e acumulados historicamente pela sociedade e

    que devero fazer parte do currculo, a grande preocupao dos agentes que o

    elaboram. Neste processo de elaborao do currculo, novamente a viso dicotmica

    emerge quando se nota uma separao entre os contedos programticos que iro

    compor o currculo e a instruo, ou seja, a ao de desenvolv-los atravs de atividades

    prticas. Se considerarmos que a aprendizagem efetiva se d com a experincia prtica

    dos contedos desenvolvidos, ambos os conceitos devem ser entendidos em interao

    recproca.

    Segundo Sacristn (1998, p. 120):

    Sem contedo no h ensino, qualquer projeto educativo

    acaba se concretizando na aspirao de conseguir alguns efeitos nos

    sujeitos que se educam. [...] Quando h ensino porque se ensina algo

    ou se ordena o ambiente para que algum aprenda algo. [...] a tcnica

    de ensino no pode preencher todo o discurso didtico evitando os

    problemas que o contedo coloca.

    Desta forma, a educao para ser compreendida exige ser entendida como uma

    atividade que se expressa de formas distintas, onde tanto o contedo programtico

    quanto a didtica utilizada, transformam o currculo na prtica para produzir a

    aprendizagem. Por isso, teorias curriculares, tendncias pedaggicas e prxis docente

  • na formao de educadores, um resgate dos fundamentos tericos, apontado, nesse

    estudo, como elementos que desvelariam alguns pressupostos que necessitariam ser

    desocultados, uma vez que a atividade docente, seus agentes e seu contexto desligaram-

    se em muitos casos, dos contedos a que servem, entendendo por contedos algo mais

    do que uma seleo de conhecimentos sistematizados provenientes de campos

    especializados do saber mais elaborado.

    As teorias de currculo tradicional, crtica e ps-crtica, suas concepes, assim

    como as tendncias pedaggicas e a dimenso de formao de educadores e suas

    variadas contextualizaes, oferecero variaes formais. Com isso, pode-se afirmar

    que a seleo dos conceitos estar convergindo para as concepes curriculares, ora

    tradicional ou tcnica, ora, crtica ou ps-crtica. A premissa, afirmada acima, se deve

    concepo de currculo educacional defendido por Silva (2004, p. 14), que aponta que

    [...] a questo central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currculo a

    de saber qual conhecimento deve ser ensinado. Silva (2004) aponta, ainda, que o

    currculo educacional compreendido como prtica social e representa a sntese dos

    conhecimentos e valores que caracterizam um processo social expresso pelo trabalho

    pedaggico desenvolvido nos espaos educativos.

    Nesse sentido, busca-se neste trabalho, discutir sobre as questes de seleo,

    organizao e sobre os processos pedaggicos, que se constituem em elementos de

    extrema importncia do currculo. Corroborando com a questo da seleo e das

    relaes de poder no campo curricular, vale ressaltar Apple (2001), que nos remete

    questo curricular pautada numa tradio seletiva, da organizao e processos

    pedaggicos realizados por algum, da viso que algum grupo tem do que seja o

    conhecimento legtimo e, para tanto, devem fazer parte do currculo.

    Ao se discutir a questo do currculo e das tendncias pedaggicas na formao

    de educadores, assim como sua seleo, sua organizao e os processos pedaggicos,

    defende-se que, em algum ponto, concorrer para uma convergncia terica curricular.

    Para tratar da formao de educadores e de como suas concepes derivam das teorias

    curriculares, neste estudo, ser abordada tambm, a dimenso crtica e ps-crtica de

    currculo, uma vez que essas teorias auxiliam no desvelar das nuances que o

    encobriram. O vnculo entre a teoria educacional e o currculo nem sempre so

  • contemplados nos tratados educativos (leis, teorias, diretrizes curriculares); entretanto,

    as teorias educacionais e as tendncias pedaggicas esto direcionadas para fatores que

    concorrem para que todas elas tenham o mesmo discurso e prtica. O estudo da

    trajetria das teorias curriculares oferece uma forma de analisar as complexas relaes

    entre as instituies de ensino e a sociedade, porque mostra que as instituies

    educativas tanto refletem como retratam as definies sociais do conhecimento

    culturalmente vlido, desafiando os envolvidos no ato educativo, no sentido de ampliar

    as reflexes para questes que se encaminham para alm das teorias vinculadas

    economia e educao e economia e cultura.

    Segundo Apple (1982), no aceitvel apontar um vnculo entre as estruturas

    econmicas e sociais mais amplas e o currculo, pois esse vnculo mediado por

    processos que acontecem no campo da educao e do currculo e que so a ativamente

    produzidos e mediados pela ao humana, rompendo, ento, com as anlises simplistas

    de reproduo.

    Goodson (2001) alinha-se com essa vertente, uma vez que o entendimento do

    processo histrico do currculo faz um resgate numa perspectiva na qual ele concebido

    como algo em movimento, em constante fluxo e transformao, sofrendo constantes

    rupturas, apontando, via historicidade, no apenas os pontos de continuidade e de

    evoluo, mas tambm as grandes rupturas e descontinuidades.

    Em suma, vale ressaltar, tambm, nas palavras de Silva (2004, p. 46), a

    necessidade de ampliao de focos de anlise para alm das estruturas econmicas, uma

    vez que as [...] estruturas econmicas no so suficientes para garantir a conscincia; a

    conscincia precisa ser conquistada em seu prprio campo. O campo cultural no um

    simples reflexo da economia: ele tem a sua prpria dinmica.

    Nessa direo, a proposta deste trabalho conceber o conhecimento

    corporificado no currculo escolar como um artefato social e cultural. Com isso, o identificao e entendimento dos conceitos pertencentes a organizao curricular se constitui num elemento essencial no sentido de desvel-lo. Tal

    proposta est fundamentada no fato de que a sociedade contempornea encontra-se em constante mudana e, conseqentemente, o currculo, por ser um artefato social e cultural, tambm passa por mutaes.

    Segundo Silva (2004), Moreira (1990), Apple (2001), somente pela

    perspectiva crtica possvel explic-lo e desvel-lo. E, para entender os

  • questionamentos e explicar como esse artefato veio a se tornar o que , a

    dimenso histrica facilita e oferece uma descrio da dinmica social que o moldou dessa forma. Nessa perspectiva, torna-se necessrio reconhecer que o processo de construo social do currculo no um processo meramente

    lgico, e sim internamente inconsistente e ilgico. Tal princpio est fundamentado na questo de que a teoria curricular no representa uma perspectiva acabada e slida, pois, conforme Kemmis (1988, p. 42), [...] um produto da trajetria humana e social e um meio atravs do qual os grupos poderosos exercem uma influncia muito significativa sobre os processos mediante os quais eram e so educados os jovens.

    Assim, apontar que a questo que permeia a construo de um currculo est

    relacionada ao ensino de matrias escolares e de formao ideolgica de valores, um

    elemento reflexivo importante. Questes relacionadas ao conhecimento, ao ensino, aos

    valores ideolgicos, realizam o vnculo entre a construo social do currculo e a

    dimenso humana do homem.

    CONSIDERAES FINAIS

    O currculo escolar, apontado neste trabalho, tem o conceito defendido por

    Apple (1982), por ser o resultado de uma seleo de saberes num universo mais amplo

    de conhecimentos, na medida em que deduzem que tipos de conhecimento sero

    considerados vlidos, por se encontrarem justapostos ao tipo de pessoas que se pretende

    considerar ideal. A necessidade de um olhar sobre as questes de poder faz-se

    necessria quando se concebe que as pessoas, ao organizar determinados conhecimentos

    no currculo, nunca desenvolvem essa organizao sem embebedar-se dos valores

    ideolgicos que, por vezes, aparece nos livros, nas salas de aula e na prtica pedaggica

    dos professores. Corroborando, Apple (1982), nos aponta que todo estudo curricular

    est aportado nas questes ideolgicas, principalmente para desvelar a questo do

    oculto; aponta, tambm, que alguns questionamentos devem permear a prtica daqueles

    que realizam a operacionalizao do currculo. Assim, para alm da reviso de posturas

    ideolgicas e pedaggicas, a formao de professores dever abarcar, em seu bojo

    curricular, a insero do elemento relacional como parte integrante do processo de

    formao. Severino (2001, p. 72) afirma que a [...] educao uma prtica social e

  • poltica cujas ferramentas so elementos simblicos, produzidos e manuseados pela

    subjetividade e mediados pela cultura.

    Assim, o currculo ilustraria a representao da cultura no cotidiano, no

    constitudo apenas de conhecimentos factuais, mas o modo como os indivduos e os

    grupos sociais representam tais conhecimentos. Portanto, o currculo, nos cursos de

    Formao de Professores abriga, tambm, as concepes de vida social e as relaes

    sociais que animam aquela cultura, reconhecendo que o conhecimento no um

    elemento neutro, mas sim produzido historicamente, no interior das relaes sociais.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    VILARINHO, Lcia Regina Goulart. Didtica: temas selecionados. Rio de Janeiro: LTC,

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