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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO DE SERVIDORES DO JUDICIÁRIO NO AMAZONAS Patrícia Moraes Furtado de Moura MANAUS-AM 2013

VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DE … · 2019. 11. 14. · 4 PATRÍCIA MORAES FURTADO DE MOURA VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO DE SERVIDORES DO

JUDICIÁRIO NO AMAZONAS

Patrícia Moraes Furtado de Moura

MANAUS-AM

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

FACULDADE DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

PATRÍCIA MORAES FURTADO DE MOURA

VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO DE SERVIDORES DO

JUDICIÁRIO NO AMAZONAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da Universidade

Federal do Amazonas, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em

Psicologia, sob orientação da Profa. Dra.

Rosângela Dutra de Moraes.

MANAUS-AM

2013

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Ficha Catalográfica

(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)

C297f

Moura, Patrícia Moraes Furtado de.

Vivências de prazer e sofrimento no trabalho de

atendimento ao público de servidores do Judiciário no

Amazonas. Manaus: UFAM, 2013.

107 f.; s/il.

Dissertação (Mestrado em Psicologia) –– Universidade

Federal do Amazonas, 2013.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Rosângela Dutra de Moraes.

1. Psicodinâmica do Trabalho 2. Clínica do Trabalho 3.

Juizado Especial 4. Atendimento ao Público 5. Judiciário

I. Moraes, Rosângela Dutra de II. Universidade Federal

do Amazonas III. Título

CDD 371(812.4)(043.5)

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PATRÍCIA MORAES FURTADO DE MOURA

VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO DE SERVIDORES DO

JUDICIÁRIO NO AMAZONAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da Universidade

Federal do Amazonas, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em

Psicologia, sob orientação da Profa. Dra.

Cláudia Regina Brandão Sampaio Fernandes da

Costa.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Rosângela Dutra de Moraes – Presidente

Universidade Federal do Amazonas – UFAM

Profa. Dra. Soraya Rodrigues Martins – Membro

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Profa. Dra. Cláudia Regina Brandão Sampaio Fernandes da Costa – Membro

Universidade Federal do Amazonas – UFAM

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela sua infinita misericórdia e amor incondicional por todos nós, pela oportunidade de realizar meu desejo em ser mestre em Psicologia e me

proporcionado como orientadora sua serva, Profª Drª Rosangela Dutra de Moraes, a qual me ensinou o que é ser Mestre em todos os sentidos da palavra.

Agradeço a todos os professores do mestrado em Psicologia da UFAM.

Aos pesquisadores e participantes do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da UFAM (LAPSIC-UFAM)

A turma do mestrado 2011, em especial, a Perla Martins e a Alessandra Pereira que me deram apoio, estudaram comigo e contribuíram para o meu crescimento acadêmico.

A Profª Mestra Ana Claudia Vasconcelos que foi usada por Deus para me ajudar em momentos importantes, sempre atenciosa e solícita.

Agradeço também ao meu amado Jorge Alex Moura pelo apoio incondicional, desde o inicio do processo seletivo, acreditando em mim, cuidando das crianças para que eu

pudesse estudar, abrindo mão de algumas horas e noites comigo para que eu pudesse concluir os trabalhos acadêmicos, viajasse para congressos, para orientação com a

professora Rosângela.

Agradeço também pela vida da Maria do Céu da secretaria do Mestrado da UFAM.

A Profª Mestra Gisele Rezende, pelo apoio e contribuição na revisão final da dissertação.

O meu muito obrigado a minha Mãe Lia Souza que em todo tempo torceu pelas minhas vitórias, sempre pronta para me ajudar, vindo diversas vezes de Belém para

Manaus para cuidar dos meus filhos enquanto eu estudava.

Agradeço as orações da minha sogra Ana Cristina Moura, irmãos em Cristo, minhas irmãs e amigos mais chegados.

Muito Obrigada!

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RESUMO

No trabalho de atendimento ao público ocorre o primeiro contato do cidadão com o Juizado

Especial de Manaus, na busca de solução para seus problemas. O objetivo da pesquisa foi

compreender as vivências de prazer e sofrimento no trabalho de atendimento ao público dos

servidores dos Juizados Especiais do Amazonas. Buscou-se compreender a organização do

trabalho no Juizado Especial, sinalizar os desencadeadores de sofrimento e seus

desdobramentos, bem como investigar os mobilizadores utilizados para subverter o

sofrimento em prazer no trabalho. Adotou-se como referencial teórico-metodológico a

psicodinâmica e clínica do Trabalho, favorecendo não apenas a produção de conhecimento,

mas também a mudança, com vistas à emancipação do sujeito, pois essa metodologia se

caracteriza como pesquisa e ação. Nos resultados destacou-se que o trabalho dos servidores

que realizam o atendimento ao público consiste em ouvir as reclamações dos usuários,

transcreverem a queixa em uma linguagem jurídica e elaborar o termo reduzido. A

organização do trabalho apresentou-se rigidamente hierárquica, com pouca autonomia.

Identificou-se sobrecarga psíquica devido à exigência de atenção, concentração, domínio da

linguagem jurídica, criatividade na elaboração dos termos reduzidos e pela quantidade de

atendimentos realizados diariamente. Identificou-se, como agravante do sofrimento, a

sobrecarga emocional decorrente do envolvimento afetivo dos servidores com os problemas

dos usuários. Também foram relacionados ao sofrimento: a dificuldade no relacionamento

com os servidores da vara da Justiça, destacando a falta de reconhecimento e cooperação pelo

trabalho dos servidores do Juizado Especial; assim como as injustiças no tribunal de Justiça

relacionadas à “cultura do favoritismo” e ao baixo investimento no aperfeiçoamento

profissional. Para amenizar o sofrimento os servidores utilizam estratégias defensivas,

destacando-se a passividade e a resignação; ambas dificultam a mobilização dos servidores e

a transformação da realidade do trabalho. Como sinais de adoecimento sinalizaram-se: tensão,

fadiga, dores de cabeça e sintomas do Burnout, como a despersonalização e o embrutecimento

diante dos problemas apresentados pelos usuários. Como estratégia de mobilização subjetiva

para transformar o sofrimento em prazer no trabalho, os servidores utilizam a inteligência

prática para agilizar os atendimentos; a cooperação entre os pares e o chefe para enfrentar a

dificuldade com o uso da linguagem jurídica. O sentido e o prazer no trabalho se relacionam a

prestar um bom atendimento, que apresenta relevância social por contribuir para que o

cidadão de baixa renda tenha acesso a justiça; e trabalhar em uma instituição de grande

importância para a sociedade. O bom relacionamento com os pares e chefe e o

reconhecimento dos usuários também mobilizam o prazer no trabalho. Concluindo, o espaço

da fala propiciado pela clínica do trabalho mostrou-se de grande importância para a reflexão e

para mobilizar a ação dos servidores diante das dificuldades encontradas em seu trabalho do

Juizado Especial.

Palavras-chave: Psicodinâmica do Trabalho. Clínica do Trabalho. Juizado Especial,

Atendimento ao Público. Judiciário.

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ABSTRACT

The work of serving the public is where the first contact of the citizen with the Special Court

of Manaus happens, in search for solutions to their problems. The aim of the research was to

understand the experiences of pleasure and pain at work of serving the public of the servants

of the Special Courts of Amazonas. We sought to understand the organization of work in the

Special Court, to signal triggers of suffering and its consequences, as well as investigate

mobilizers used to subvert the pain into pleasure at work. It was adopted as a theoretical-

methodological and clinical psychodynamics of Labor, favoring not only the production of

knowledge, but also change, with a view to the emancipation of the subject, because this

methodology is characterized as research and action. The results highlighted that the work of

the servers that perform the public service is to listen to user complaints, transcribing the

complaint in a legal language and elaborate the term reduced. The organization of work

presented itself rigidly hierarchical, with little autonomy. We identified psychic overload, due

to the requirement of attention, concentration, field of legal language, creativity in drafting the

terms and reduced and the amount of care provided daily. It was identified as aggravating the

suffering, the emotional overload due to the emotional involvement of the servers with users'

problems. Also suffering were related: the lack of recognition and cooperation of servers Stick

of Justice for the work of the Special Court of servers, as well as the injustices in the court of

Justice related to the "culture of cronyism" and low investment in professional development.

To alleviate the suffering, the servers using defensive strategies, emphasizing the passivity

and resignation; hinder the mobilization of both servers and the changing of the reality of

work. As signaled signs of illness are: stress, fatigue, headaches and symptoms of Burnout,

such as depersonalization and brutalization on the problems presented by users. As subjective

mobilization strategy to transform suffering into pleasure at work, the servers use practical

intelligence to streamline care, the cooperation among peers and boss to face difficulty with

the use of legal language. The meaning and pleasure at work relate to providing a good

service, which has social relevance by contributing to the low-income citizens to have access

to justice, and work in an institution of great importance to society. Good relationships with

peers and boss and recognition of users also mobilize pleasure at work. In conclusion, the

space of the speech provided by the clinic work proved to be of great importance for

reflection and to mobilize action on the servers against the difficulties encountered in their

work of the Special Court.

Keywords: Labor’s Psychodynamics. Labor Clinic. Small Claims. Public Service. Judiciary.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACT – análise clínica do trabalho AJURIS – Associação de Juízes do Rio Grande do Sul CEREST – Centro de referência em saúde do trabalhador

EPST – escalas prazer-sofrimento no trabalho LER – lesões por esforços repetitivos LAPSIC – Laboratório de psicodinâmica do trabalho

O.T – organização do trabalho O.M.S – Organização Mundial da Saúde SINTRAJUFE-RS – Sindicato dos trabalhadores da Justiça Federal do Rio Grande do Sul STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça TJAM – Tribunal de Justiça do Amazonas TCLE – termo de consentimento livre e esclarecido UFAM – Universidade Federal do Amazonas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................

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CAPÍTULO 1

1 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................ 17

1.1 O trabalho no judiciário.................................................................................................

1.1.1 A dimensão subjetiva do trabalho no Judiciário............................................................

1.1.2 A criação do Juizado Especial – um pouco da história................................................

17

17

22

1.2 O trabalho de atendimento ao público.........................................................................

1.3 Psicodinâmica do trabalho: contextualização histórica..............................................

1.3.1 O trabalho e o trabalhar na concepção da psicodinâmica..............................................

1.3.2 Organização do trabalho................................................................................................

1.3.3 Sofrimento e prazer no trabalho....................................................................................

1.3.4 Mobilização subjetiva, inteligência prática, reconhecimento e cooperação..................

1.3.5 Estratégias defensivas....................................................................................................

1.3.6 Saúde e doença..............................................................................................................

CAPÍTULO 2

2 METODOLOGIA..............................................................................................................

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28

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2.1 A Pré-Pesquisa................................................................................................................ 44

2.2 Participantes....................................................................................................................

2.3 A Pesquisa.......................................................................................................................

2.4 Análise do material da Pesquisa....................................................................................

2.5 Validação dos resultados................................................................................................

2.6 Caracterizações do local da Pesquisa............................................................................

CAPÍTULO 3

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS................................................

3.1 A organização do trabalho e a dinâmica de atendimento ao público no

Juizado Especial..............................................................................................................

3.1.1 Conteúdo da tarefa.........................................................................................................

3.1.1.1 Evitar duplicidade de processos.................................................................................

3.1.1.2 Obrigatoriedade do uso de linguagem jurídica.........................................................

3.1.2 Modos de gestão............................................................................................................

3.1.3 Vivências de prazer e sofrimento relacionados à dinâmica das relações......................

3.1.3.1 Relação com os usuários............................................................................................

3.1.3.2 Relação com os superiores e os pares........................................................................

3.2 Sofrimento, defesas e sintomas de adoecimento..........................................................

3.2.1 Agravantes do sofrimento no trabalho...........................................................................

3.2.2 Sobrecarga psíquica.......................................................................................................

3.2.3 Sobrecarga psiquica com ênfase emocional..................................................................

3.2.4 Sentimento de injustiça relativo á organização e aos desdobramentos do

trabalho..........................................................................................................................

3.2.5 Baixo investimento no aperfeiçoamento profissional...................................................

3.2.6 Dificuldades no relacionamento com os servidores lotados na Vara............................

3.2.7 Baixa autonomia dos servidores....................................................................................

3.2.8 Estratégias de defesa......................................................................................................

3.2.9 Sinais e sintomas de adoecimento.................................................................................

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3.3 Mobilização subjetiva.....................................................................................................

3.3.1 Inteligência prática........................................................................................................

3.3.2 Reconhecimento............................................................................................................

3.3.3 Cooperação....................................................................................................................

3.3.4 Espaço de discussão na clínica do trabalho...................................................................

CONCLUSÃO......................................................................................................................

REFERÊNCIAS...................................................................................................................

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92

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APÊNDICES.........................................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Os estudos de saúde do trabalhador têm crescido nas últimas décadas, valorizando a

subjetividade no trabalho, com destaque para as vivências de prazer e sofrimento. A

psicodinâmica do trabalho é a principal abordagem que estuda esta temática; originária da

França, tem se expandido no Brasil e no Amazonas (GARCIA, 2011; MENDES, A &

ARAUJO, 2011; MORAES & VASCONCELOS, 2011; ROSAS, 2012). Um dos espaços que

se abriu para os estudos da psicodinâmica do trabalho foi o Tribunal de Justiça do Amazonas.

A pesquisa de que trata esta dissertação foi desenvolvida no setor de atendimento ao público

do Juizado Especial do Amazonas.

O trabalho de atendimento ao público também tem sido alvo de pesquisas na última

década (FERREIRA, 2000; FERREIRA & FREIRE, 2001; FERREIRA & MENDES 2001;

FERREIRA, 2002; PALÁCIOS; DUARTE & CÂMARA, 2002; LIMA, et al. 2007)

embasadas principalmente na abordagem da Ergonomia da Atividade Francofônica; as

pesquisas apresentam, em seus resultados, que a atividade de atendimento ao público está

permeada por vivências de sofrimento, sobrecarga cognitiva e emocional, apresentando o

risco de levar ao adoecimento do trabalhador. Sendo esta atividade a porta de acesso à justiça

no Juizado Especial do Amazonas, torna-se de grande relevância a compreensão da dinâmica

do trabalho de atendimento ao publico.

O trabalho dos atendentes no Juizado Especial se torna mais relevante visto que a

sociedade brasileira está passando por um período de crescimento econômico, caracterizado

por investimentos, ofertas de empregos, aumento do salário mínimo, melhorando assim o

poder aquisitivo da população. Esse processo tem como consequência o aumento na oferta e

na procura por bens e serviços, e nos riscos de conflitos entre fornecedores e consumidores.

A maior divulgação dos direitos de consumidor e o crescimento do poder aquisitivo

se refletem no aumento do número de processos na justiça, principalmente no Juizado

Especial, antigo juizado de pequenas causas. A mídia tem anunciado que, nos últimos anos

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houve um aumento significativo no número de reclamações de clientes insatisfeitos com os

produtos recebidos ou que não receberam comprados em lojas ou via internet; reclamações

referentes a produtos com defeitos, propaganda enganosa, dentre outros, o que impulsiona a

população a procurar por seus direitos nos Juizados Especiais Cíveis, representando contra as

empresas ações por danos morais e reclamações acerca das relações de consumo.

Antes da criação dos Juizados Especiais, na década de 80, parte da população com

menor poder aquisitivo, não tinha acesso à justiça por não ter recursos para arcar com os

honorários de advogados, além da demora do processo que desestimulava a busca da justiça.

A partir da criação do Juizado Especial, a justiça se tornou mais acessível e mais ágil,

simplificando os processos por não exigir a presença de um advogado. Qualquer pessoa física,

capaz, pode ter acesso à justiça e, através de uma petição, exigir seus direitos, tais como:

cobrança, indenização por danos morais e materiais, restituição e revisão de valores, alteração

de contrato. (SADECK, 2006).

O Juizado especial foi criado em 1995, a partir da lei 9.099, tendo como objetivo

democratizar o acesso ao cidadão comum de baixa renda a justiça por não exigir a presença de

um advogado; tendo como meta garantir os direitos e solucionar os conflitos de forma simples

e rápida, utilizando a conciliação ao invés de sentença (SADECK, 2006). A criação do

Juizado Especial tinha como objetivo agilizar os processos e facilitar o acesso a Justiça.

Na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, os Juizados Especiais estão

localizados em três espaços: Fórum Lucio Fontes de Rezende; Fórum Azarias Menescal e

Fórum Mário Verçosa. O trabalho de atendimento ao público no Juizado Especial é

desenvolvido por servidores e estagiários do curso de direito e áreas afins. A ação pode ser

ajuizada por reclamação oral, reduzida a termo, anotada pelo atendente do setor de

ajuizamento ou através de Petição, assinada pelo reclamante ou seu defensor, tendo como

limite o valor da causa, de até vinte salários mínimos (BRASIL, 2009).

O interesse em desenvolver a pesquisa no Juizado Especial surgiu inicialmente do

acesso aos Servidores do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) através do Centro de

Referencia em Saúde do Trabalhador (CEREST-AM), o que possibilitou a realização da

clínica do trabalho; o coordenador dos setores de ajuizamento procurou o serviço social do

TJ-AM e solicitou uma intervenção nos setores de ajuizamento, tendo como queixa inicial a

dificuldade de relacionamento dos servidores com o público. O Serviço Social do TJ-AM

entrou em contato com o CEREST- AM solicitando apoio para esses servidores. Ao perceber

que esta demanda seria interessante para o desenvolvimento da clínica do trabalho, a

psicóloga do CEREST-AM entrou em contato com o Laboratório de Psicodinâmica do

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trabalho (LAPSIC) da Universidade Federal do Amazonas, encaminhando a demanda para a

realização da pesquisa / intervenção junto aos referidos servidores.

A pesquisa mostrou-se de grande importância no âmbito da produção de

conhecimento científico e no aspecto da relevância social. São poucas as pesquisas

desenvolvidas com trabalhadores de atendimento ao público e com os servidores do Juizado

Especial. Esse estudo proporcionou maior conhecimento nestas áreas de atuação, contribuindo

para futuras mudanças e para novos olhares sobre esses trabalhadores que lidam diariamente

com o público no âmbito da justiça. A relevância da pesquisa se justifica ainda por serem

raros os estudos fundamentados na Psicodinâmica do Trabalho no Judiciário. Foram

localizados apenas as pesquisas desenvolvidas por Tavares, (2003); Merlo et al. (2010);

Araújo; Ghizoni & Mendes(2010) e a mais atual Garcia (2011), que realizou sua pesquisa no

Tribunal de Justiça do Amazonas.

Também são poucas as pesquisas que abordam a subjetividade no trabalho de

atendimento ao público e a maior parte desses estudos não utilizam como fundamentação

teórico-metodológica a Psicodinâmica do Trabalho. Antes se fundamentam na Ergonomia da

Atividade, com ênfase nas condições de trabalho, prevenção e saúde do trabalhador,

(FERREIRA, 2000; 2002; FERREIRA & MENDES, 2001; FERREIRA & FREIRE, 2001;

LIMA et al. 2007; PALÁCIOS; DUARTE & CÂMARA,2002) deixando uma lacuna quanto

aos aspectos subjetivos do trabalho e o sofrimento psíquico, que pode ser preenchida por

pesquisas fundamentadas na Psicodinâmica do Trabalho.

A psicodinâmica do trabalho se originou na França, com o psiquiatra e psicanalista

Christophe Dejours (DEJOURS,2008), e tem se consolidado como referencial teórico e aporte

metodológico em pesquisas desenvolvidas no Brasil (MENDES, 2007a, MENDES Et al.

2009, MENDES & ARAÚJO, 2011; MORAES, 2010; MARTINS, 2007; GARCIA, 2011).

Entretanto, apesar da vasta publicação em Psicodinâmica do Trabalho, um levantamento

realizado em 2009 indicou que a maioria das pesquisas realizadas no Brasil a utilizava apenas

como referencial teórico; e em um número reduzido de investigações foi desenvolvida a

clínica do trabalho, que é a metodologia proposta por Dejours (MERLO, A & MENDES, A,

2009). Nos últimos anos houve um crescimento do número de pesquisas que utilizam como

método a clínica do trabalho, destacando-se a produção do Laboratório de Psicodinâmica do

trabalho da Universidade Federal do Amazonas (LAPSIC-UFAM) onde, além da presente

pesquisa, quatro já foram concluídas utilizando o método da Psicodinâmica do Trabalho

(CARVALHO, 2012; GARCIA,2011; ROSAS,2012; LIMA, 2013) e três se encontram em

andamento.

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Em Manaus, destaca-se a pesquisa pioneira de Garcia (2011), realizada no Tribunal

de Justiça do Amazonas, utilizando o aporte teórico a psicodinâmica do trabalho e a

metodologia da clínica do trabalho. Esta pesquisa teve como objetivo compreender as

dimensões psicodinâmicas do trabalho nas varas criminais do Tribunal de Justiça do

Amazonas, analisando a organização do trabalho, as vivências de prazer-sofrimento, as

estratégias defensivas, a mobilização subjetiva e as formas de adoecimento. Os resultados da

pesquisa apresentaram como principais fontes de sofrimento: a sobrecarga de trabalho, o

favoritismo, a forma de divisão do trabalho, sendo o sofrimento manifestado através do

sentimento de injustiça e pela sensação de impotência derivados da falta de equidade na

gestão do trabalho e da responsabilidade atribuída injustamente, pelo insatisfatório

atendimento ao público.

No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi realizada uma Pesquisa com os

Oficiais da Justiça Federal de Porto Alegre, por Merlo et al. (2010), utilizando elementos

qualitativos e quantitativos, tais como a clinica do trabalho e o uso de questionários. Os

resultados indicaram a falta de reconhecimento do trabalho realizado por esses profissionais,

o desrespeito em relação ao exercício de sua atividade e o trabalho solitário, relacionados ao

sofrimento. A pesquisa aponta ainda que o trabalho dos oficiais de Justiça de Porto Alegre

oferece riscos à saúde física e psíquica.

Vale destacar também as pesquisas desenvolvidas por Araújo; Ghizoni & Mendes

(2010) e a de Tavares, D. (2003), ambas sobre o poder judiciário, mas com metodologias

diferentes. Araújo; Guizoni & Mendes (2010) realizaram a clínica do trabalho em uma

organização do poder judiciário em Brasília em que participaram dez servidores, em dez

sessões coletivas. Em seus resultados se destacaram: a problemática do reconhecimento

vivenciada pelos servidores, ocasionando um baixo empenho profissional e da criatividade; e

as estratégias defensivas, como as de negação, formação reativa e a resistência. A pesquisa

buscou através da clínica psicodinâmica do trabalho, a valorização da fala do sujeito, o

reconhecimento do sofrimento e a tentativa de conduzir à ressignificação do sofrimento e

redução da necessidade de estratégias defensivas apresentadas pelos servidores.

Tavares, D (2003) fez uma análise psicossocial do contexto de trabalho em um

Tribunal de Justiça Federal (TJF), com o objetivo de descrever e analisar a representação

social do sofrimento em um grupo de servidores. Utilizou como método o estudo

exploratório, recorrendo a entrevistas semi-estruturadas. Os resultados apontam injustiça no

ambiente de trabalho, a falta de autonomia, estagnação profissional e opressão por parte dos

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superiores. O prazer no trabalho está relacionado à concessão de gratificação, as relações

positivas e aprendizagem no ambiente de trabalho.

No âmbito do trabalho com atendimento ao público, destacam-se as pesquisas

desenvolvidas por Ferreira (2000; FERREIRA & MENDES, 2001; FERREIRA & FREIRE,

2001; 2002), utilizando a abordagem da ergonomia da atividade, que mencionam nos

resultados, a relação entre o desgaste emocional e o comportamento dos usuários. Conforme o

autor:

O que mais incomoda os funcionários e constitui um fator de desgaste emocional é o

comportamento do usuário que combina em geral três ingredientes: deseja o

“serviço para ontem”, chega ao guichê desinformado sobre as exigências

administrativas e legais do serviço, e reclama e age de modo mal educado. A

convivência com esse tipo de dificuldade tem um custo cognitivo e afetivo

(FERREIRA, 2000. p.175).

Destaca ainda que o avanço tecnológico, a internacionalização da economia e o

modo de acumulação capitalista têm exigido tanto do mercado público quanto do privado,

novos parâmetros comerciais; o setor de atendimento ao público assume importância

estratégica para as organizações no cumprimento de suas finalidades. Os estudos evidenciam

a importância dos trabalhadores que realizam o atendimento ao público, sendo essa atividade

considerada a porta de entrada das instituições, cabendo a eles prestarem um bom

atendimento.

Ferreira (2002) aponta que o trabalho de atendimento ao público, no âmbito das

pesquisas, permanece pouco conhecido das disciplinas que estudam o trabalho e as

organizações, abordando algumas variáveis com o foco na qualidade, produtividade e

rentabilidade, minimizando o papel dos próprios atendentes no processo e na interação de

variáveis que caracterizam as situações de atendimento.

Os estudos da ergonomia da atividade têm contribuído para a compreensão dessas

diferentes variáveis do serviço de atendimento ao público, descrevendo a tarefa, o local e

condições de trabalho, tentando compreender todas as partes envolvidas (usuários, atendentes

e organização do trabalho), mas tem se mostrado insuficiente para compreender as relações

subjetivas do trabalho. Sendo, portanto, contemplada no referencial teórico da psicodinâmica

do trabalho, que tem por objeto de estudo as relações dinâmicas entre organização do trabalho

e processos de subjetivação, que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento.

A partir do exposto, esta pesquisa teve como objetivo geral compreender as vivências

de prazer e sofrimento no trabalho de atendimento ao público dos servidores dos Juizados

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Especiais do Tribunal de Justiça do Amazonas. E como objetivos específicos: reconhecer a

organização do trabalho dos servidores de atendimento ao público do juizado especial;

sinalizar os desencadeadores de sofrimento nesse trabalho; identificar as estratégias de defesa

utilizadas contra o sofrimento e investigar os mobilizadores de prazer e as estratégias de

mobilização subjetiva.

Para tanto, optou-se por utilizar a psicodinâmica do trabalho, tanto no aspecto do

aporte teórico quanto na metodologia, a clínica do trabalho. Essa escolha foi feita porque a

referida abordagem teórico-metodológica proporciona não apenas o conhecimento através da

pesquisa, mas também favorece a mudança, promovendo a emancipação dos trabalhadores

que participam da clinica do trabalho.

A dissertação está organizada em três capítulos: o primeiro apresenta o referencial

teórico que fundamenta a análise e a interpretação dos resultados. Inicialmente será

apresentado o Trabalho no Judiciário com ênfase no Juizado Especial, a história da sua

criação e seus objetivos. Em seguida será apresentada a dinâmica de atendimento ao público,

destacando algumas características peculiares desta atividade. Por fim, a contextualização

histórica e os principais conceitos da psicodinâmica do trabalho. O segundo capítulo aborda a

metodologia da pesquisa, que utilizou tanto o referencial quanto o método da Psicodinâmica

do trabalho, a Clínica do trabalho, sendo denominada pesquisa e ação, por contribuir para a

recuperação da capacidade de pensar e de agir do sujeito, provocando ações transformadoras

no trabalho (MENDES & ARAÚJO 2011). O terceiro capítulo é destinado à análise e

discussão dos resultados com base nos conceitos da psicodinâmica do trabalho, sendo

organizado a partir da análise clínica do trabalho proposta por Mendes & Araújo (2011). Ao

final dos três capítulos serão apresentadas as considerações finais e algumas reflexões acerca

dos resultados obtidos durante a pesquisa, com o intuito de compreender os processos

subjetivos do trabalho dos servidores do Juizado Especial e, a partir dessas reflexões, propor

algumas possibilidades de mudanças que poderiam contribuir para melhorar a organização do

trabalho.

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CAPÍTULO 1

1 REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo será apresentado o trabalho no Judiciário, destacando os aspectos

subjetivos do trabalho encontrados em algumas pesquisas brasileiras, seguido da apresentação

do Juizado Especial, contemplando sua história, suas atribuições legais, seus objetivos e seu

papel para a sociedade. O tópico seguinte trata da dinâmica da atividade de atendimento ao

público, buscando descrever e definir algumas características específicas desta atividade,

partindo de pesquisas brasileiras nesta área. E por fim será apresentado o referencial teórico

da Psicodinâmica do Trabalho, contemplando sua contextualização histórica, sua constituição

a partir da psicopatologia do trabalho além da apresentação de alguns conceitos fundamentais

utilizados nessa pesquisa.

1.1 O trabalho no judiciário

O trabalho no Judiciário Brasileiro tem apresentado, a partir de pesquisas recentes,

algumas peculiaridades e transformações que serão destacadas neste capítulo, evidenciando os

aspectos subjetivos do trabalho no Judiciário e a criação do Juizado Especial, que surgiu

inicialmente com o objetivo de dar celeridade e desburocratizar os processos, sendo que

atualmente está também contribuindo para o alívio da carga de trabalho do Judiciário.

1.1.1 A dimensão subjetiva do trabalho no Judiciário

Pretende-se destacar, neste tópico, através da analise de algumas pesquisas realizadas

no Brasil sobre o Poder Judiciário, com o aporte teórico da psicodinâmica do trabalho, a

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dimensão subjetiva do trabalho no judiciário. Com base nos resultados apresentados nas

pesquisas realizadas por Tavares,D. (2003), Merlo et al. (2010), Araújo; Ghizoni & Mendes

(2010) e por último a pesquisa mais atual e pioneira no estado do Amazonas, Garcia (2011).

Tavares, D. (2003) realizou uma pesquisa em um Tribunal Judiciário Federal,

fazendo uma análise psicossocial do contexto de trabalho dos servidores, destacando o

sofrimento no trabalho. Participaram trinta e sete servidores que exercem suas atividades nos

gabinetes e subsecretarias do judiciário; foram realizadas entrevistas semi-estruturadas,

visando à caracterização do contexto do trabalho, partindo da experiência das pessoas que

nele trabalham. Foram abordados os seguintes tópicos: caracterização profissional, descrição

do trabalho, sofrimento no trabalho, formas de enfrentá-lo e expectativas profissionais.

A percepção de injustiça foi o aspecto mais relevante relacionado ao sofrimento no

trabalho; os servidores descreveram como situações injustas: a desigualdade salarial, a

desigualdade na atribuição de tarefas e responsabilidades entre os servidores e entre os

diferentes setores da instituição. O volume cumulativo de trabalho também foi ressaltado

pelos servidores como gerador de sofrimento. Relataram uma sensação de impotência,

relacionada primordialmente ao volume de trabalho, caracterizado pela demanda crescente

pelos serviços do Poder Judiciário e pelos prazos de execução das tarefas, geralmente

irrevogáveis. Como resultado, há um ritmo intenso e uma significativa queda da autonomia da

pessoa para regular tanto o ritmo como a forma de execução das tarefas, gerando cansaço

físico e mental.

A falta de reconhecimento e a falta de autonomia também foram destacadas nesta

pesquisa como geradores de sofrimento. Os entrevistados relataram que o desempenho

profissional não é considerado suficiente pela instituição. Não há um retorno das avaliações

da qualidade do trabalho e essas avaliações não contam para promoções ou acréscimos

salariais, em um plano de carreira, desencadeando sentimento de frustração, repercutindo no

bem-estar dos servidores, pois não são valorizados por aquilo que fazem. Ressaltaram

também que as relações sociais são mais determinantes que a competência no momento de

uma nomeação para cargos em comissão. A falta de reconhecimento tem gerado nos

servidores desmotivação e perda do entusiasmo; sentem-se desvalorizados profissionalmente.

A falta de autonomia está relacionada ao grande número de processos e prazos a

cumprir; o servidor do Judiciário tem seu tempo restrito, não respeita seu ritmo de trabalho,

tendo que regular até mesmo as pausas para descanso para dar conta do trabalho. O

formalismo foi outro aspecto presente no Judiciário, sendo caracterizado por padrões rígidos

de cumprimento das tarefas, deixando pouca margem para o uso da criatividade nos

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procedimentos de trabalho, limitando a autonomia. Foi destacada, também, a estagnação

profissional, que provoca sentimentos de indignação, insegurança e desestímulo, conduzindo

a vivencias de sofrimento.

Tavares, D. (2003) descreve também alguns elementos que contribuem para

amenizar o sofrimento no trabalho, como: conhecer os critérios adotados para conceder

funções gratificadas, diminuindo assim o sofrimento gerado pela desigualdade salarial. As

relações sociais positivas no trabalho e o aprendizado adquirido apareceram também como

moderadores do sofrimento dos servidores entrevistados.

Outra pesquisa relevante, desenvolvida no Poder Judiciário, foi a de Merlo et al.

(2010), que investigou os impactos do trabalho sobre a saúde dos Oficiais de Justiça da

Justiça Federal do Rio Grande do Sul. A demanda surgiu do Sindicato dos Trabalhadores da

Justiça Federal do Rio Grande do Sul (SINTRAJUFE-RS), relacionada ao aumento das

queixas relativas à saúde desses servidores. Foi utilizado o método quantitativo

(questionários) e qualitativo (clínica do trabalho), com modelo metodológico de pesquisa-

ação. Sessenta Oficiais de Justiça responderam ao questionário e vinte participaram das

sessões da clínica do trabalho. O objetivo geral da pesquisa foi investigar as conseqüências do

trabalho sobre a saúde. A falta de reconhecimento no trabalho foi uma das principais questões

apresentadas pelos oficiais; esse reconhecimento pode vir dos pares (colegas) ou da chefia

imediata, que no caso dos Oficiais de Justiça, é o Juiz. Devido ao grande numero de

audiências, dificilmente os Oficiais têm contato com os Juízes, o que dificulta ainda mais a

obtenção de uma avaliação, que funcione como uma referencia sobre a qualidade de seu

trabalho.

O trabalho dos oficiais é tratado com desrespeito por parte dos demais servidores,

principalmente por ser uma atividade externa. Os oficiais de justiça não conseguem dar

visibilidade ao seu trabalho e os demais servidores não têm noção das dificuldades

encontradas por eles no desempenho de suas atividades. Nesta pesquisa foi destacado também

o peso do trabalho solitário, que provoca uma sensação de desamparo nos Oficiais. Esse

trabalho solitário é uma característica típica desta categoria de Servidor Público.

Segundo Merlo et al (2010) durante a pesquisa com os oficiais, percebeu-se a

necessidade de construção de um espaço de discussão e reunião periódica entre os

trabalhadores, caracterizando uma ação permanente entre eles, contribuindo na prevenção

quanto ao risco de adoecimento advindo do trabalho solitário, a falta de reconhecimento, a

necessidade de trocar informações e idéias com os outros Oficiais. Esse espaço de discussão

contribuiria também para buscar meios de melhorar e transformar o espaço de trabalho.

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Destaca-se também a pesquisa realizada no Tribunal de Justiça do Amazonas, com

servidores da Vara Criminal (GARCIA, 2011), que utilizou como metodologia a Clínica do

Trabalho, com dez sessões coletivas. Participaram sete servidores. Os resultados apontaram a

ausência de descrição de cargos e a indefinição das atribuições; não há uma uniformidade nos

procedimentos e as tarefas nem sempre são coerentes com a função exercida, gerando uma

sobrecarga de trabalho, pois aos servidores são designadas tarefas que não seriam deles. Foi

destacado, também, o sentimento de desvalorização, a excessiva hierarquização das relações,

a falta de políticas de desenvolvimento de carreira e o descumprimento do plano de cargos e

salários, desencadeando nos servidores um sentimento de impotência, que conduz ao

sofrimento.

Também foi mencionada pelos servidores a “cultura do favoritismo”, como gerador

de sofrimento. A contratação de conhecidos ou parentes de alguém importante, e os

privilégios, é uma realidade dentro do Tribunal de Justiça do Amazonas, o que provoca um

sentimento de injustiça e desamparo nos que são desfavorecidos ou pretendem se destacar

pelo mérito de seu trabalho.

Além das vivências subjetivas de sofrimento, destacadas pelos servidores,

apresentaram também alguns fatores relacionados ao prazer e o bem estar no trabalho, como o

atendimento ao público, que promove sentido de contribuição social do trabalho; o

reconhecimento do bom trabalho pelos usuários, o que não acontece em relação às chefias,

pois o reconhecimento é sempre do publico externo ao tribunal.

Embora os estudos acima tenham sido realizados em órgãos diferentes pertencentes

ao poder Judiciário e tenham apresentados objetivos diversos, apontaram descrições comuns

aos problemas referentes à organização do trabalho, destacando as relações pautadas na

hierarquização, onde o Juiz é o superior hierárquico, seguido pelos coordenadores e chefes

imediatos; os servidores são responsáveis pela rotina administrativa, desempenhando tarefas

de menor complexidade, como carimbar, arquivar, como ocorre nas Varas civis e criminais, ou

entregar o mandato de justiça, como no caso dos oficiais de Justiça. As pesquisas

apresentaram também, em comum, a falta de reconhecimento, o sentimento de

desvalorização, a falta de avaliação de desempenho ou referência da qualidade do trabalho e a

sobrecarga de trabalho. Os aspectos subjetivos do trabalho no Judiciário apresentados nestas

pesquisas se relacionam principalmente ao sofrimento decorrente da falta de autonomia e de

reconhecimento no trabalho.

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1.1.2 A criação do Juizado Especial: um pouco da história

Segundo Sadek (2004) o judiciário Brasileiro tem duas faces: uma, de poder de

Estado, e outra de instituição prestadora de serviços. Possui atribuições de um serviço público

encarregado de prestação jurisdicional, arbitrando conflitos e garantindo direitos.

A partir da Constituição de 1988, o poder judiciário passou por uma ampla

reorganização e redistribuição de vários organismos que o compõe. O Supremo Tribunal

Federal (STF) passou a ter atribuições predominantemente constitucionais. Logo abaixo, na

hierarquia, foi criado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que incorporou parte das

atribuições do STF. Foi criado ainda o Juizado Especial de Pequenas causas e a Justiça de Paz

(Idem, ibiden).

Os juizados especiais foram criados inicialmente em 1984, através da lei nº 7.244/84,

no ministério da Desburocratização, como Juizados de Pequenas Causas, abrindo as portas do

judiciário para novas demandas, aceitando causas de até 20 salários mínimos. Sua finalidade

foi democratizar o acesso à justiça ao cidadão comum, sem a necessidade de um advogado

(SADEK, 2004; 2006).

Em 1995, através da lei 9.099, os Juizados de Pequenas Causas receberam a

denominação de Juizados Especiais, tendo sua competência ampliada para causas de até

quarenta salários mínimos. No entanto a presença de um advogado passou a ser obrigatória

para causas acima de vinte salários mínimos. O acesso também foi ampliado, alcançando,

além das pessoas físicas de baixa renda, as microempresas. Com base nesta mesma lei foi

criado o juizado para matérias criminais (SADEK, 2004).

Atualmente, na comarca de Manaus, existem dezesseis juizados especiais civis e

cinco juizados especiais criminais, distribuídas da seguinte forma: no Fórum Desembargador

Mário Verçosa há oito Varas do juizado especial civil e um Juizado Especial Criminal; no

Fórum Desembargador Azarias Menescal de Vasconcelos, há três Varas Cíveis e uma Vara

criminal do Juizado Especial. No Fórum Desembargador Lúcio Fontes de Rezende, há três

Varas do Juizado Especial Cíveis e uma Vara criminal; atualmente o Centro Universitário

Nilton Lins comporta duas Varas cíveis (BRASIL, 2009). O objetivo central desses juizados é

democratizar o acesso à justiça, atendendo com rapidez as causas de menor complexidade. O

artigo 2º da lei 9.099 de 1995 estabelece que, nesses juizados, o processo será orientado pelos

critérios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que

possível, a conciliação ou transação (SADEK, 2004).

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O processo de acesso do público aos serviços do Juizado Especial Civil pode ser

diretamente na secretaria, através de petição, ou oralmente. O servidor do setor de

atendimento ao público do Juizado Especial irá, através do relato verbal do usuário fazer uma

redução a termo, ou seja, escrever de forma sintética, objetiva, com linguagem jurídica o

referido relato (Idem, ibidem).

No artigo 7º da lei 9.099 é definido quem pode exercer os papéis de conciliadores e

Juízes leigos, sendo assim determinado: os conciliadores e Juízes leigos são auxiliadores da

Justiça, recrutados, os primeiros preferencialmente, entre os bacharéis em Direito, e o

segundo, entre advogados com mais de cinco anos de experiência (BRASIL, 2009).

Sadek (2006) pontua que os Juizados Especiais não foram criados para solucionar ou

amenizar os problemas da justiça tradicional, mas como uma nova forma de garantir direitos e

solucionar conflitos, facilitando o acesso à justiça. Uma vez que utiliza como matriz para

solução dos conflitos a conciliação ao invés da sentença, diferindo da justiça tradicional. O

conciliador tem como papel aproximar as partes, buscar acordos, pacificar, sendo personagem

em destaque no juizado, que tem como meta a conciliação.

Conforme Chasin, A. (2008), o juizado especial de pequenas causas surgiu da

confluência do Ministério da Desburocratização, responsável pela elaboração e criação do

projeto de lei, e da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), criadora do

Conselho de Conciliação e Arbitramento, que serviu também como modelo para a criação do

Juizado Especial. A Autora ressalta também que o objetivo comum da criação do Juizado

Especial na década de 80 era a ampliação do acesso à justiça, seguindo um modelo

internacional Small Claims Courts, do juizado especial de Nova Iorque. Já na década de 90, o

objetivo era contribuir para o alívio da carga judiciária.

Atualmente não existem números de atendimentos realizados pelo Juizado Especial

em Manaus, mas há um estudo realizado pela Secretaria da Reforma do Judiciário entre

dezembro de 2004 a fevereiro de 2006. Este estudo apresenta alguns dados interessantes

referentes ao Juizado Especial pelo Brasil, destacando que 93% de seus usuários é pessoa

física, sendo pessoa jurídica apenas 6,2%. A principal reclamação é referente à relação de

consumo, seguida de acidentes de trânsito. Destacou-se também, nesta pesquisa, um alto

índice de pedidos de indenização por danos morais, principalmente na cidade do Rio de

Janeiro (SADECK, 2006).

A autora ressalta, ainda, que o número de juizados especiais existentes no Brasil é

inferior ao número de Municípios; o número de juízes é pequeno ao volume de entradas,

concluindo que o juizado especial está passando pelo mesmo mal do juizado comum: o

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congestionamento. Participaram desta pesquisa apenas nove municípios brasileiros

(Idem,ibidem).

1.2 O trabalho de atendimento ao público

Pesquisas anteriores têm mostrado que a atividade de atendimento ao público está

permeada de vivências de sofrimento, sobrecarga cognitiva e emocional, havendo risco de

desencadear o adoecimento (FERREIRA, 2000; FERREIRA & MENDES 2001; FERREIRA,

2002). Para Ferreira & Mendes (2001) a atividade de atendimento ao público requer do

sujeito o uso de estratégias e modos operatórios para lidar com as exigências físicas,

cognitivas e psíquicas inerentes às tarefas e às condições de trabalho disponibilizadas pela

organização. Do ponto de vista das relações, “o indivíduo está em constante interação, com

sujeitos diferentes, dando lugar à produção de significações psíquicas e de (re) construção de

relações sociais” (p. 95). Ressaltando que as influências deste contexto de trabalho podem ser

multideterminadas (positivas ou negativas), dependendo da forma como o sujeito percebe a

sua atividade, se a considera ou não significativa e portadora de relevância social; definindo

assim a qualidade do seu bem-estar psíquico.

Para compreender a atividade de atendimento ao público, é necessário levar em

consideração algumas variáveis determinantes para o desenvolvimento da tarefa, apontadas

por Ferreira (2000):

O serviço de atendimento ao público pode ser definido como: um processo

resultante da sinergia de diferentes variáveis: o comportamento do usuário, a

conduta dos funcionários envolvidos (direta e indiretamente) na situação, a

organização do trabalho e as condições físico-ambientais. Tais fatores funcionam

como propulsores desse processo, alimentando a dinâmica de transformações

internas e externas das situações de atendimento sob base de regulações

permanentes (p.134-135).

Ferreira (2002) realizou uma pesquisa em um órgão público estatal, que presta

serviço de assistência ao usuário por meio de emissão de documentos e de fornecimento de

informações econômicas, jurídicas e culturais. O objetivo foi compreender a inter-relação

entre as condições de trabalho no serviço de atendimento ao público de um órgão estatal e

seus efeitos sobre as representações dos atendentes. A pesquisa apontou, nos resultados, que

as dificuldades mais freqüentes estão associadas ao relacionamento direto e indireto com os

usuários.

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Em uma empresa fast-food, desenvolveu-se uma pesquisa em que foram analisadas

as vivências de prazer-sofrimento no trabalho dos atendentes, onde se percebeu que a relação

com o cliente tem sido desencadeadora de sofrimento no trabalho. Nesta pesquisa Lima et al.

(2007) destaca que “os clientes são um dos maiores motivos de estresse e desgaste, por serem

frequentemente mal-educados e descorteses”. Os funcionários mencionam que a

personalidade e o estado de espírito do cliente influenciam na qualidade do atendimento e

que, por mais que sigam todos os procedimentos para dar o melhor atendimento, sempre

haverá clientes insatisfeitos.

O pesquisador destaca também que é da relação com o cliente que surge o

esgotamento afetivo, pois o atendente geralmente se sente desamparado e não sabe como lidar

com o cliente impertinente, pois a política da loja preconiza que “o cliente tem sempre razão”.

O atendente acaba servindo de “pára-raios” para a insatisfação do cliente (Idem,ibidem).

Foi realizada também uma pesquisa com trabalhadores que prestam atendimento ao

público como caixas de agências bancárias (PALÁCIOS; DUARTE & CÂMARA, 2002). A

pesquisa teve como objetivo compreender a participação do trabalho na produção do

sofrimento psíquico dos caixas. Os resultados indicaram as agressões dos clientes e a

“diferença de caixa” como as principais situações de sofrimento. Sendo que ambas são

favorecidas pela organização do trabalho, que impõem metas aos caixas que os levam a evitar

as regras de segurança, para agilizar o atendimento; ao mesmo tempo, imputa-lhes a culpa

pela diferença no caixa. Alguns trabalhadores sofrem agressões dos clientes, devido à demora

no atendimento, seja por queda no sistema ou pelo grande numero de pessoas esperando para

serem atendidas; sofrem também sobrecarga física, psíquica e cognitiva que a atividade de

atendimento ao público demanda do trabalhador.

Outra pesquisa, relacionada com atendimento ao publico, teve como participantes

frentistas de um posto de abastecimento (FERREIRA & FREIRE, 2001). Apresentou, nos

resultados que o trabalho de frentista exige multifunções, além de exigências cognitivas das

tarefas. Os frentistas revelaram dificuldades em gerir a função de caixa e interagir com os

clientes. Foi apresentado também sobrecarga física, cognitiva e psíquica, que configuram a

carga de trabalho típica dos atendentes.

Mendes e colaboradores (2009) desenvolveram uma pesquisa para analisar a relação

de prazer-sofrimento e saúde mental no trabalho de teleatendentes, sob o arcabouço teórico da

psicodinâmica do trabalho. O serviço de teleatendimento foi criado com a finalidade de

executar serviços de telemarketing das empresas, exclusivamente por telefone. Um dos

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resultados evidencia que as “relações socioprofissionais com os clientes permeados pela

ambivalência, favorecem sofrimento e riscos de adoecimento” (p. 157).

Os resultados das pesquisas supramencionadas indicam que, quanto mais agravado o

esgotamento profissional, maiores os riscos de ocorrência de sintomas psicológicos, físicos e

sociais. Dentre os resultados obtidos com a aplicação das Escalas Prazer-Sofrimento no

Trabalho (EPST), os sintomas psicológicos se destacaram dos outros sintomas (físicos e

cognitivos), sinalizando a demanda afetiva do trabalho de atendimento ao público.

Comparando as atividades de teleatendimento e atendimento ao público, a principal

diferença consiste na utilização de múltiplas mídias para padronização dos atendimentos e o

uso do telefone para intermediar o contato com o público, na primeira modalidade; o

atendimento ao público é caracterizado pela relação direta do atendente com o cliente.

As pesquisas acerca do serviço de atendimento ao público (FERREIRA, 2000; 2002;

FERREIRA & MENDES, 2001) apresentaram, como aspectos positivos, as relações entre

colegas de trabalho, e as amizades estabelecidas, como uma fonte de prazer no trabalho. Esses

estudos apontam o relacionamento com o cliente como sendo um dos principais

desencadeadores de sofrimento, cercado de conflitos e sentimentos ambivalentes, que

provocam desgaste emocional, afetivo, havendo o risco de desencadear a Síndrome de

Burnout.

A Síndrome de Burnout acomete, principalmente, profissionais que trabalham em

contato direto com o público, prestando cuidados e serviços e pode ser definida como uma

síndrome psicológica, decorrente da tensão emocional crônica, vivenciada por profissionais

que prestam cuidados ou assistência a pessoas, através de um relacionamento intenso e

freqüente (MALASCH; JACKSON apud TAMAYO, 2002).

As manifestações da Síndrome do Burnout alcançam vários aspectos: afetivo,

cognitivo, comportamental, social, atitudinal, organizacional e do trabalho. No plano das

manifestações sociais, as principais características são problemas com clientes, com colegas,

superiores e subordinados. Os trabalhadores evitam contatos sociais correndo o risco de se

isolarem, é comum também a diminuição do envolvimento com os clientes. Em relação às

manifestações atitudinais, destacam-se a desumanização, a insensibilidade, a indiferença e o

cinismo no trato com os clientes (TAMAYO, 2002).

Na psicodinâmica do trabalho a Síndrome do Burnout é tomada como uma

expressão de adoecimento, decorrente do sofrimento psíquico relacionado à sobrecarga de

trabalho, proveniente da precarização das condições de trabalho e seus reflexos na saúde do

trabalhador (DEJOURS, 2003/2011b).

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1.3 A psicodinâmica do trabalho: contextualização histórica

A psicodinâmica do trabalho surgiu das pesquisas da psicopatologia do trabalho, nos

anos 1950-1960, com destaque para os autores L. Le Guillant, C. Veil, P. Sivadon, A.

Fernandez-Zoila e J.Bègoin. Seus estudos identificaram um conflito entre a organização do

trabalho e o funcionamento psíquico, fazendo referência a um modelo causal: as vicissitudes

do trabalho poderiam provocar distúrbios psicopatológicos. Neste momento os pesquisadores

estavam mais interessados em identificar as causas e os mecanismos da Doença Mental

relacionada ao trabalho; observava-se, fundamentalmente, o trabalho como nocivo á saúde

mental (DEJOURS, 1993/2011a).

Através da referência aos princípios psicanalíticos, aplicados ao mundo do trabalho,

Christophe Dejours (1993/2011a) conseguiu ultrapassar o modelo causal, que atribuía ao

ambiente de trabalho e ao próprio trabalho a responsabilidade por desordens causadas à saúde

do homem, tanto somáticas quanto psíquicas. Para avançar na investigação da relação

trabalho-saúde mental, na perspectiva da psicodinâmica, foi necessária uma ruptura com estes

modelos médicos e psiquiátricos clássicos, havendo uma mudança de paradigma.

Vasconcelos (2002) afirma que essa mudança paradigmática está relacionada com a

forma de ver o mundo, com as crenças e os valores. Os paradigmas fazem com que se acredite

que a forma como se faz as coisas è à única possibilidade, impedindo de aceitar idéias novas,

tornando as pessoas inflexíveis; isolando os dados que contrariam sua visão.

A partir das pesquisas desenvolvidas por Dejours (1993/2011a), ainda com base nos

pressupostos teóricos da psicopatologia do trabalho, percebeu-se que a relação homem/

trabalho não era marcada somente pela causalidade entre trabalho e doença, mais havia uma

relação complexa, onde a normalidade surgia como enigma, pois, apesar dos trabalhadores

estarem submetidos a uma organização do trabalho rígida ou a uma atividade desgastante que

poderia até colocar em risco sua vida e saúde, a maioria dos trabalhadores não apresentava

doença ou descompensação em massa. A normalidade surge como objeto de estudo; não como

ausência de sofrimento, mais como resultado de um frágil equilíbrio entre o sofrimento e as

defesas. A partir de então, iniciou-se um processo de transição que vai da psicopatologia à

construção de uma nova disciplina, autônoma, denominada Psicodinâmica do Trabalho

(DEJOURS, 1993/2011a).

Dejours (2007a, p. 47) passou a estudar, a partir de então, “um campo psicopatológico

não ocupado pelas doenças mentais: aquele da normalidade”; pois, através de suas pesquisas,

percebeu que o trabalho nem sempre é patogênico; ele pode apresentar também uma

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dimensão “estruturante” em face tanto da saúde mental como da saúde física; a passagem da

patologia à normalidade levou a uma nova nomenclatura.

Abrindo caminho para perspectivas mais amplas, abordando não apenas o

sofrimento, mas ainda o prazer no trabalho, não mais somente o homem, mas o

trabalho; não mais apenas a organização do trabalho, mas as situações de trabalho

nos detalhes de sua dinâmica interna (DEJOURS, 2011a).

Segundo Mendes (2007c), a trajetória da psicodinâmica do trabalho é marcada por

três fases: a primeira está relacionada a publicação da obra “Travail: usure mentale – essai de

psychopathologee Du travail” em 1980, traduzida e publicada no Brasil, em 1987, com o

título “A loucura do trabalho: estudos de psicopatologia do trabalho”. Nesse momento a

preocupação foi compreender de que forma o trabalho pode ser prejudicial à saúde mental do

trabalhador; o sofrimento psíquico foi entendido como fruto da organização do trabalho. Os

estudos buscavam compreender o sofrimento e as estratégias defensivas individuais e

coletivas para lidar com o mesmo.

A segunda fase, iniciada em meados dos anos 1990, foi inaugurada com a

publicação, em 1993, do Addendum ao texto anterior, com o título de “La psychopathologie à

La psychodinamique Du travail” incorporado, no Brasil, à obra organizada por Lancmam e

Sznelwar (2004) sob o título “Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do

trabalho”. Em 1995, ainda nessa fase, foi lançado o livro “La facteur humain”, publicado no

Brasil, em 1997, sob o título “O Fator Humano”. Nesta fase, o enfoque dejouriano recai sobre

as vivências de prazer-sofrimento, compreendidas de forma dialética, sendo inerentes a todo

contexto de trabalho, enfatizando também a análise do trabalho vivo e sua importância para o

fortalecimento da identidade do trabalhador, através da utilização de sua criatividade e

inteligência. Nesta fase o interesse é com a transformação do sofrimento e suas estratégias de

defesa (MENDES, 2007c). A autora destaca ainda o avanço conceitual e empírico desta fase,

que ampliou a compreensão do processo de transformação do sofrimento no trabalho, que é

potencializado por uma organização do trabalho flexível, que propicie autonomia, visto que

ela favorece o engajamento subjetivo e a utilização da inteligência prática.

A terceira fase iniciou-se no final da década de 90, com a publicação de três obras:

Souffrance em France, em 1998, publicada no Brasil em 1999 como “A Banalização da

Injustiça Social”. Mendes (2007c, p. 35) caracteriza esse momento como “consolidação da

psicodinâmica como abordagem cientifica, capaz de explicar os efeitos do trabalho sobre o

processo de subjetivação”.

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Mendes (2007c) situa também como integrantes desta fase, o prefácio para a 13º

edição do livro “Travail: Usure mentale – Essai de Psychopathologie Du Travail et Lesions

par effots répètitifs (LER): approche par La psicodynamique Du travail”, publicado em 2000;

e o livro “L‟èvaluation Du travail á L‟épreuve Du réel: critique des fondements de

L‟évaluation”, publicado em 2003, traduzido para o português e publicado em 2008 como:

Avaliação do Trabalho submetida á prova do Real : Crítica aos Fundamentos da Avaliação.

A psicodinâmica encontra-se ainda nesta fase, na qual as pesquisas estão direcionadas para

a clínica do trabalho, as patologias sociais, e o processo de subjetivação implicado nas

vivências de prazer-sofrimento (Idem, ibidem).

1.3.1 O trabalho o e trabalhar na concepção da psicodinâmica

Neste tópico serão apresentados alguns conceitos que irão nortear a presente

pesquisa; o foco de análise é a organização do trabalho e os processos de subjetivação

manifestados nas vivências de prazer e sofrimento no trabalho de atendimento ao público no

Juizado Especial dos servidores do Tribunal de Justiça do Amazonas. Essas vivências se

expressam também nas estratégias defensivas, nas estratégias de mobilização subjetiva, na

dinâmica do reconhecimento, nas patologias relacionadas ao trabalho e na saúde. Serão

apresentados, respectivamente, os conceitos: organização do trabalho, sofrimento e prazer,

estratégias defensivas, mobilização subjetiva, saúde e doença. Vale ressaltar que esses

conceitos estão interligados.

1.3.2 A Organização do trabalho

A organização do trabalho (OT) é um conceito de fundamental importância para a

psicodinâmica do trabalho, pois através de sua análise podemos compreender a divisão do

trabalho, o conteúdo da tarefa, as relações hierárquicas, o trabalho prescrito e o trabalho real,

os conflitos, as patologias relacionadas ao trabalho, as relações de prazer sofrimento, as

estratégias defensivas utilizadas para encobrir ou minimizar esse sofrimento, perceber as

estratégias de mobilização subjetiva, a cooperação entre os trabalhadores e o processo de

reconhecimento do trabalho, proveniente dos superiores e pares (DEJOURS,1992,

1993/2011a).

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Segundo Dejours (2007a) a maioria dos médicos e ergonomistas compreendem

organização do trabalho como condições do trabalho, ou seja, estudam as pressões físicas,

mecânicas, químicas e biológicas do posto do trabalho; seu foco de atenção são as condições

de trabalho e suas conseqüências para o corpo dos trabalhadores. A psicodinâmica do trabalho

compreende a organização do trabalho de duas formas, sendo que elas se complementam:

divisão de tarefas entre os operadores, repartição, cadência e, enfim, o modo operatório

prescrito; e a divisão de homens: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando,

controle, dentre outros.

A dimensão humana ganhou importância na teoria, dando ênfase ao funcionamento

psíquico do sujeito na organização do trabalho, nas relações sociais. Dejours (2007a)

compreende a expressão funcionamento psíquico, partindo de uma visão de homem único,

portador de desejos e projetos relacionados à sua historia pessoal, que reage à realidade de

forma original.

Através do intercâmbio entre a psicodinâmica e a ergonomia, foi possível perceber

que existe uma distância irredutível entre a organização prescrita e a organização real do

trabalho. Essa compreensão demonstrou que existem muitas contradições na organização do

trabalho e imposição de regras discordantes, que dificultam, muitas vezes, a execução da

tarefa; torna-se necessário ignorar algumas regras para conseguir realizar a tarefa a contento

(MORAES, 2010).

Entende-se por organização real do trabalho aquilo que está além do prescrito, das

regras formuladas pela equipe técnica. O trabalhador se inscreve no percurso do trabalho e

precisa utilizar de sua inteligência prática, fruto de sua experiência, para preencher essa

lacuna entre o que foi prescrito e o que se apresenta (o real). No primeiro momento

manifestam-se angústia e ansiedade, pois o sujeito se defronta com o novo, tendo que

mobilizar-se para encontrar uma solução, a fim de que o sofrimento seja transformado através

da criação de uma nova forma de realizar a tarefa; ao conseguir concluir a tarefa, o sofrimento

inicial pode ser transformado em prazer (DEJOURS, 2007b; 2011a; MENDES, 2007).

A organização do trabalho mediada pela hierarquia e as regras de controle, as

prescrições, entram em confronto quando o trabalhador tenta seguir as regras impostas para o

desenvolvimento de sua atividade e encontra dificuldades para realizá-la. Dejours (2005;

2007c) compreende esse momento como o real do trabalho, aquilo sobre o qual a técnica

fracassa depois que todos os recursos da tecnologia foram corretamente utilizados.

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Essa experiência afetiva do fracasso desperta um sentimento de impotência. Revela

as emoções, primeiro na passividade absoluta do sentir, provocando em seguida toda

uma gama de sentimentos: surpresa, decepção, irritação, ira, cólera, indo até ás raias

da depressão. Depois o sofrimento exige consolo, clama por alívio, precisa ser

transformado, para ser superado (2007c, p. 18).

Portando, o real está ligado ao fracasso. E esse fracasso desencadeia sofrimento no

trabalhador, que no primeiro momento sente angustia e medo, e no segundo momento é

impulsionado à ação em busca de uma solução, se engajando subjetivamente na sua tarefa,

utilizando sua inteligência prática até conseguir resolver o conflito. O modo encontrado para

superar o conflito diante do real do trabalho pode ser compartilhado ou não com os pares. O

não compartilhamento em muitos casos está relacionado ao medo de se expor, expor sua

transgressão da prescrição, da infração cometida, pois seguir apenas o prescrito não é garantia

de dar conta do trabalho. Compartilhar esse novo modo de fazer e desenvolver a atividade

com os pares requer confiança pois expõe o sujeito a um risco, mas também poderá contribuir

para mudanças na organização do trabalho. Essa contribuição aspira a uma retribuição, um

reconhecimento, não só material, mas fundamentalmente simbólico, que é essencial no

processo de subversão do sofrimento em prazer.

1.3.3 Sofrimento e prazer no trabalho

O conceito de sofrimento na psicodinâmica do trabalho está relacionado a uma

experiência vivenciada, ou seja, é um estado mental que implica um movimento reflexivo da

pessoa sobre seu “estar no mundo”; pertence à ordem do singular, pois não existe sofrimento

coletivo (DEJOURS, 1999).

Dejours (1999, p. 20) enfatiza ainda que “o sofrimento preexiste ao encontro com a

situação do trabalho, ele é ontologicamente primeiro e anterior ao trabalho”; e conduz o

sujeito no mundo e no trabalho em busca da auto-realização, pela conquista da identidade no

campo social. E essa identidade não se constrói por si mesma, ela precisa do “olhar do outro”,

do “julgamento do outro”.

Dejours (2007a) compreende que o sofrimento tem raízes na historia singular do

sujeito. Esse sofrimento, inerente à condição humana, que é desencadeado no confronto com

o real do trabalho, pode encontrar dois destinos: o primeiro denominado de sofrimento

patogênico, surge quando todas as possibilidades de transformar a situação de trabalho já

foram esgotadas, provocando o sentimento de impotência e frustração onde todos os recursos

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defensivos foram utilizados, levando ao adoecimento físico ou mental. O outro destino é

denominado de sofrimento criativo, no qual o sujeito busca de toda forma resolver o impasse,

se engajando subjetivamente, usando sua criatividade, sua inteligência prática. Seus arranjos

serão validados pelos outros, daí a importância da dinâmica do reconhecimento, que envolve

os pares, chefe e clientes, para assim transformar o sofrimento em prazer, o que contribui para

o fortalecimento da identidade do sujeito, aumenta a resistência ao risco de uma

desestabilização psíquica e estabelece o trabalho como mediador para a saúde.

Moraes (2010) aponta que, a partir da experiência bem sucedida de superação do real

do trabalho, o sujeito obtém ganhos para a saúde:

Trabalhar não é só produzir: é transformar a si mesmo; o sujeito se transforma no e

pelo trabalho. A partir da experiência bem sucedida de superação do real do

trabalho, o sujeito passa a ampliar sua subjetividade, descobrir novas capacidades e

obter ganhos na saúde psíquica/somática (p. 143).

Para a psicodinâmica do trabalho, o sofrimento se intensifica quando o trabalhador se

defronta com uma organização do trabalho rígida, que não permite o desenvolvimento de

arranjos a partir de seu engajamento subjetivo.

Mendes (2007c) destaca que:

O sofrimento no trabalho surge quando a relação do trabalhador com a organização

do trabalho é bloqueada em virtude das dificuldades de negociação das diferentes

forças que envolvem o desejo da produção e o desejo do trabalhador (p. 36).

Pode-se compreender que o sofrimento é agravado pela falta de participação do

sujeito na elaboração da tarefa bem como pelos impedimentos ao uso da criatividade (falta de

autonomia). Quando a organização do trabalho não leva em consideração a subjetividade, a

personalidade do sujeito, e impera a rigidez e a pressão gerada pelos superiores, com o foco

apenas na produtividade, pode-se agravar o sofrimento psíquico.

Em alguns momentos o trabalhador é impedido de fazer corretamente seu trabalho,

constrangido por métodos e regulamentos incompatíveis entre si, gerando um conflito com

seus valores, no aspecto ético profissional e senso de responsabilidade, desencadeando

sofrimento no trabalhador. Dejours (2007b) enfatiza que o sofrimento ético é permeado pelo

medo: de perder o emprego, de ser excluído pelos colegas de trabalho, contribuindo assim

para a precarização do trabalho, pois enquanto os trabalhadores não se unirem como coletivo

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e lutarem pela melhoria das condições de trabalho, haverá apenas uma intensificação desse

sofrimento.

O autor ressalta também, que o primeiro efeito da precarização é a intensificação do

trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo; o segundo pela neutralização da mobilização

coletiva contra o sofrimento, contra a dominação e contra a alienação. A terceira é a estratégia

defensiva do silêncio, da cegueira e da surdez. O quarto efeito relacionado à ameaça de

demissão e a precarização é o individualismo (Idem, ibidem).

Dejours (1999) menciona que:

O trabalho tem efeitos poderosos sobre o sofrimento psíquico: ou o trabalho

contribui para agravar o sofrimento, levando a pessoa progressivamente a

loucura, ou ao contrário, o trabalho contribui para subverter o sofrimento, para

transformá-lo em prazer, a ponto de, em certas situações, ser mais fácil para a

pessoa que está trabalhando defender sua saúde mental, do que para a pessoa que

não trabalha (p. 17).

Percebe-se que tanto o agravamento do sofrimento quanto a transformação deste em

prazer dependem, em parte, da organização do trabalho, da rigidez e limitação da autonomia

do trabalhador, pois esta tem o controle e o domínio sobre todo o funcionamento objetivo,

como a prescrição, as normas, os regulamentos, a vigilância e avaliação dos trabalhadores,

impedindo na maioria das vezes que os trabalhadores invistam sua subjetividade, criatividade,

inteligência prática no desenvolvimento da tarefa, limitando-os apenas ao que a organização

do trabalho determina.

O prazer no trabalho está relacionado à dinâmica do reconhecimento, fruto do

engajamento subjetivo do sujeito para enfrentar as contradições do prescrito da tarefa; este

engajamento é denominado mobilização subjetiva que, conforme Mendes (2007c, p.43) “é o

processo pelo qual o trabalhador se engaja no trabalho, lança mão da sua subjetividade, da

inteligência prática e do coletivo de trabalho para transformar as situações causadoras de

sofrimento”.

Segundo Moraes (2010)

Um trabalho que oferece oportunidade para que o trabalhador se sinta valorizado e

reconhecido favorece a vivência de prazer, o que é profundamente benéfico á saúde

porque fortalece a identidade. Destacando algumas condições básicas para que o

trabalho se constitua em fonte de prazer: o favorecimento da identidade, o

favorecimento da realização, o reconhecimento e liberdade, que permitem ao

trabalhador tornar-se sujeito de seu trabalho, criando estratégias para dominá-lo, e

não ser dominado por ele (p. 189).

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A vivência de prazer está relacionada à liberdade, ao reconhecimento, ao

fortalecimento da identidade, à possibilidade de o sujeito transformar a situação de trabalho,

tornando-se sujeito do seu trabalho.

O prazer e o sofrimento no trabalho estão intimamente relacionados com a

organização do trabalho, assim como a intensificação do sofrimento e as estratégias de

enfrentamento. Os requisitos coletivos (dinâmica do reconhecimento e cooperação) irão

favorecer ou dificultar a mobilização subjetiva para enfrentar esse sofrimento e tentar

transformá-lo em prazer (MENDES & ARAÚJO, 2007b).

1.3.4 Mobilização subjetiva, inteligência prática, reconhecimento e cooperação

Segundo Dejours (1993/2011a) o trabalho “é a atividade manifestada por homens e

mulheres para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do trabalho” (p. 79). E

esse é o principal enigma do trabalho, o hiato existente entre o trabalho prescrito e o trabalho

real. Pois o trabalho prescrito nunca é suficiente, sempre haverá a necessidade do

investimento humano, da inteligência, da criatividade que supere essa defasagem do prescrito

no real do trabalho.

O trabalho exige um engajamento subjetivo por parte do sujeito e envolve o

funcionamento do corpo todo, principalmente onde a prescrição do trabalho não alcança,

sendo necessário o uso da engenhosidade ou inteligibilidade no real do trabalho. É necessário

suplantar o que não foi previsto, as insuficiências e as contradições das instruções dos modos

operatórios prescritos e dos sistemas técnicos. É imprescindível mobilizar uma forma de

inteligência que convoca o corpo todo - inteligência do corpo – e não apenas o funcionamento

cognitivo (DEJOURS, 1994/2011e).

E essa inteligência, utilizada para preencher a lacuna da prescrição, precisa ser

coordenada, levada em consideração, a fim de contribuir para uma mudança na organização

do trabalho, promovendo assim a cooperação entre os trabalhadores, onde juntos poderão

superar as contradições da organização do trabalho.

A inteligência prática é mobilizada diante do sofrimento no confronto com o real do

trabalho. Dejours (2007a, p. 133) enfatiza que “essa inteligência tem raiz no corpo”, sendo

“fundamentalmente transgressiva”, pois rompe constantemente com as normas e regras da

organização do trabalho. Além de minimizar o sofrimento do confronto com o real do

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trabalho, essa inteligência proporciona, quando reconhecida, uma retribuição pelos pares e

superiores, favorecendo o prazer no trabalho.

O trabalhador que contribuiu para a organização do trabalho espera de alguma forma,

uma retribuição em forma de reconhecimento, o qual Dejours (2005, p. 56) compreende como

“uma forma específica da retribuição moral-simbólica dada ao ego, como compensação por

sua contribuição à eficácia da organização do trabalho”.

O reconhecimento está relacionado ao julgamento do trabalho e se dá no espaço do

coletivo; o julgamento de utilidade é proferido essencialmente pelos superiores hierárquicos e

os subordinados, eventualmente pelos clientes. O julgamento de estética é proferido pelos

pares, os colegas que são membros da equipe ou comunidade. O foco destes julgamentos está

no trabalho realizado e não sobre a pessoa que o faz. Em contrapartida o reconhecimento da

qualidade do trabalho realizado pode corresponder as expectativas subjetivas quanto a

realização de si mesmo e encontrar uma gratificação identidária. A falta de reconhecimento

tende a desmobilizar o trabalhador em cooperar na organização do trabalho, além de dificultar

a transformação do sofrimento em prazer, pois não haverá o reconhecimento necessário à

edificação da identidade do trabalhador no campo social (DEJOURS, 1993/2011a;

1994/2011e, 2012).

Dejours (2007b) aponta que todo trabalho exige esforços, dedicação, envolvimento

da inteligência e da personalidade; e que toda essa contribuição merece um reconhecimento. E

esse reconhecimento do trabalho vai ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção de

sua identidade, se inscrevendo na dinâmica das relações do ego, proporcionando prazer e

saúde mental. Quando o reconhecimento é negado e a indiferença predomina, acarreta um

sofrimento que é muito perigoso para a saúde mental.

Segundo Mendes (2007a), através do reconhecimento o trabalho pode se inscrever na

dinâmica da realização do eu. A psicodinâmica do trabalho destaca dois campos onde se

processa essa dinâmica da realização do eu e da construção da identidade: primeiro no campo

intimo ou erótico: o amor; e o segundo no campo social, que passa sempre pelo trabalho.

A realização no campo social pode ser encontrada no trabalho através do

reconhecimento dos superiores e dos pares, pois a conquista da identidade, segundo Dejours

(1999) “não se constrói a partir de si mesmo, ela necessita do olhar do outro, do julgamento

do outro e não se trata de um julgamento direto do outro sobre o sujeito, que talvez dependa

do amor, mas de um julgamento sobre a relação do sujeito com o real, que neste caso se dá no

trabalho”.

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Quando ocorre o reconhecimento da habilidade do sujeito, o próprio coletivo de

trabalhadores pode utilizar esse “novo modo de fazer” para realizar a tarefa, a partir de novas

regras, “fornecendo as bases fundamentais e necessárias para o estabelecimento de confiança”

(DEJOURS, 2007a).

Conforme aponta Dejours (1999), nenhuma relação de trabalho é neutra com relação

á saúde. Ou bem essa dinâmica do reconhecimento funciona, e o trabalho é favorável à auto-

realização, ou a dinâmica do reconhecimento não funciona e o trabalho perde seu sentido

subjetivo, impossibilitando subverter o sofrimento; nesse caso se torna essencialmente

patogênico.

Outro elemento importante para a Mobilização Subjetiva é a cooperação. Que

segundo Dejours (1994/2011e) a cooperação está relacionada à vontade das pessoas de

trabalharem juntas e de superarem coletivamente as contradições que surgem da própria

natureza ou da essência da organização do trabalho. O autor destaca também a questão da

confiança na construção dos acordos, normas e regras que definem a maneira como se executa

o trabalho.

A cooperação passa por uma mobilização que deve ser considerada como

contribuição específica e insubstituível dos trabalhadores na concepção, nos ajustes e na

gestão da organização do trabalho. Mas essa mobilização precisa ser espontânea, não podendo

ser exigida pelos superiores; ela é uma construção, depende da dinâmica contribuição e

retribuição (Idem, ibidem).

Dejours (2007c) enfatiza que, para o sujeito se mobilizar, precisa estar envolvido,

correr risco, convocando todos os seus recursos subjetivos para a realização da tarefa; em

troca, ele espera o reconhecimento, uma retribuição pelo seu engajamento na organização do

trabalho. Esta retribuição pode ser através de formas materiais (salário, gratificação) ou em

formas simbólicas, sendo esta a mais valiosa, como o reconhecimento dos chefes e dos

colegas de trabalho, tendo fundamental importância para a saúde mental do sujeito.

O desafio do homem no mundo do trabalho é conseguir transformar a prescrição do

trabalho, que muitas vezes apresenta falhas, dificultando o desenvolvimento da tarefa, em um

trabalho onde exista liberdade de ação, que possibilite ao sujeito executar a tarefa conforme

seu conhecimento, sua experiência e inteligência prática. Assim poderá contribuir para

mudanças na organização do trabalho, obtendo o devido reconhecimento de seus pares e de

seus superiores, saindo da clandestinidade, do fazer escondido, da bricolagem; transformando

assim o que inicialmente era sofrimento em prazer.

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1.3.5 Estratégias de defesa

As estratégias defensivas surgem a partir do sofrimento ocasionado pela organização

do trabalho, no confronto com o real do trabalho. Podem ser intensificadas tanto quanto maior

for à rigidez da organização do trabalho e a dificuldade de negociação entre o sujeito e a

realidade imposta. Quando não existem possibilidades de investimento subjetivo, da

inteligência prática, para a realização da tarefa, sendo imposta rigorosamente a prescrição do

trabalho, o sofrimento se instala e começa a luta contra o mesmo através das estratégias

defensivas, com o objetivo de permanecer no nível da normalidade (MENDES, 2007c).

Segundo Dejours (2007a, p. 127) “o sofrimento suscita estratégias defensivas”, que

levam a modificação da percepção da realidade que faz sofrer. Essas estratégias têm como

objetivo preservar a integridade física e mental do trabalhador. Podem ser elaboradas

coletivamente ou individualmente, tendo como meta minimizar o sofrimento do trabalho,

sem, contudo, eliminá-lo.

A falta de reconhecimento no trabalho também gera sofrimento e uma série de

manifestações psicopatológicas. Para evitá-las e manter um equilíbrio psíquico, sem

descompensação o individuo utiliza estratégias defensivas. As estratégias defensivas são

capazes de manter a saúde, no nível da normalidade e evitar a doença, racionalizando muitas

vezes as situações que provocam sofrimento no trabalho (DEJOURS, 2007b).

Mendes (2007c, p. 39) ressalta que “para evitar o adoecimento o trabalhador se

aliena das causas do sofrimento, não agindo sobre a organização do trabalho”. Afirma ainda,

que o uso exacerbado de defesas, pode desencadear a paralisação, o esgotamento e levá-lo ao

adoecimento. Os comportamentos dos trabalhadores como a incapacidade de agir e de lutar

contra os efeitos deletérios da organização do trabalho podem desencadear as patologias

sociais da sobrecarga, da servidão voluntária e da violência, e o processo de adoecimento.

Moraes (2010) enfatiza que:

Uma organização de trabalho rígida, que dificulte a manifestação da subjetividade,

ou que se baseie na cultura do individualismo, desestruturando o coletivo do

trabalho e a dinâmica do reconhecimento, mostra-se nociva, predispondo à

patogenização das defesas e ao surgimento das patologias sociais do trabalho (p.

133).

As defesas podem ser de proteção, como por exemplo, as defesas construídas pelos

trabalhadores da construção civil, estabilizando a relação dos homens frente aos perigos do

trabalho; “têm potencialmente os efeitos de adaptação”, impedindo a tomada de consciência

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das relações de exploração. Essas defesas podem ser objeto de exploração especifica pela

organização do trabalho, através da auto-aceleração do processo de produção. Tanto as

defesas de adaptação quanto as de exploração exigem do trabalhador um investimento físico e

sociopsíquico para além do seu desejo e capacidade. Elas têm em suas bases a negação do

sofrimento e a submissão ao desejo da produção (DEJOURS, 1988/2011f; MENDES, 2007).

As estratégias de defesas evitam que o indivíduo adoeça, mas não contribuem para

mudanças na organização do trabalho. Está relacionada à distorção do real, a conformidade,

que pode ser não somente individual mas também coletiva, apoiada em uma ideologia

defensiva. Segundo Mendes (2007c), a estratégia de defesa coletiva tem por objetivo ocultar

uma ansiedade, lutar contra um perigo e um risco real, sendo elaborada e alimentada

coletivamente, substituindo as estratégias de defesas individuais. Há o risco de conduzir à

alienação, servindo aos interesses do capital, pois mantém os trabalhadores produzindo, sem

questionar as relações de trabalho. Embora essas estratégias possuam uma interface de

proteção, pois os trabalhadores necessitam não adoecer para se manter trabalhando..

A alienação é compreendida por Dejours (2006/2011b, p. 283) “como a extinção

dos sinais de resistência a um processo que se opõe a essência genérica do homem”. Essa

essência está relacionada ao trabalho vivo, ao engajamento subjetivo, ao uso da criatividade,

inteligência, de imprimir algo que é seu, a criação do novo. Quando o sujeito se defronta com

uma organização do trabalho rígida, dominante, onde não há espaço para criar, para se

apropriar do trabalho, seguindo apenas a prescrição, o autor denomina de “trabalho Morto” e

este pode levar a alienação (DEJOURS, 2006/2011b).

O autor menciona três tipos de Alienação, partindo da compreensão de F. Sigaut: a

alienação Mental; alienação Social e a alienação cultural. A alienação Social ocorre quando o

sujeito mantém uma relação com o real, mas não obtém o reconhecimento do outro, passando

a duvidar de sua capacidade, de si próprio sendo caracterizada por um tipo de alienação

individual, o sujeito está condenado a solidão. O próximo é denominado de Alienação

Cultural, onde se percebe uma distorção da realidade pelo coletivo, como por exemplo, a

comemoração dos resultados obtidos pela organização, produto de fraudes e infrações,

transgressão das prescrições do trabalho, que em sua maioria colocam em risco a vida e a

saúde do trabalhador; e por último a Alienação Mental, onde o “sujeito está isolado do real e

do outro, está condenado à solidão”, é reconhecida como uma patologia psiquiátrica (idem,

ibidem).

A alienação está relacionada com a negação da realidade, é um arranjo psíquico que

o coletivo de trabalhadores estruturam para lidar com o sofrimento agravado pelas novas

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formas de dominação do trabalho, como as avaliações individualizadas, a qualidade total e o

Coaching, sendo que todas essas formas de avaliação levam à competição, à individualização,

à sobrecarga de trabalho, à redução da autonomia tanto individual quanto coletiva, podendo

ser fonte de causa ou agravamento das patologias mentais do trabalho (DEJOURS,

2006/2011b).

As defesas podem levar o sujeito á uma adaptação às vivências do sofrimento e a

uma minimização dos riscos do ambiente de trabalho, adiando assim a tomada de consciência

da relação de exploração. Entretanto, não havendo mudanças na realidade de trabalho, o

agravamento do sofrimento pode colocar em risco a eficácia das estratégias. Se essas não

mais derem conta da demanda, o trabalhador ficará desprotegido, tendo lugar o adoecimento.

As estratégias defensivas podem ser individuais ou coletivas e a diferença

fundamental entre elas é que a estratégia individual permanece mesmo sem a presença física

dos pares, já a estratégia defensiva coletiva depende de um consenso entre o coletivo de

trabalhadores para se sustentar (DEJOURS, 2007a).

Moraes e Garcia (2011) compreendem a estratégia de defesa coletiva como

A união dos esforços dos trabalhadores na construção de uma estratégia comum, que

funciona como uma regra. Elas podem variar de acordo com o tipo de trabalho e

com a categoria profissional, e tem o objetivo de esconder o sofrimento e evitar o

adoecimento. Essas defesas possuem um funcionamento inconsciente e são

sustentadas porque compartilhadas pelos membros do coletivo de trabalho, que se

empenham em mantê-las para que o equilíbrio não seja quebrado (p. 73).

Ressalta-se também que as defesas cumprem um papel paradoxal – contribuem para

a permanência de certa normalidade no sujeito, evitando as doenças mentais, mas também

contribuem para que os trabalhadores fiquem insensíveis diante daquilo que lhes faz sofrer, e

diante do sofrimento dos outros. O sujeito comete atos que condena moralmente, em nome da

empresa. Nesse caso, os trabalhadores não apenas infligem sofrimento a eles mesmos, mas

também a outrem (DEJOURS, 2007b).

Apesar de se constituírem como mediadoras entre sofrimento e saúde, as defesas,

segundo Moraes e Garcia (2011) podem fracassar, dificultando as possibilidades de

adaptações do trabalho. O esgotamento das estratégias defensivas abre espaço para o

surgimento de doenças ocupacionais, desordens psíquicas, depressão, estresse, dentre outras

perturbações.

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39

1.3.6 Saúde e doença

A saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um estado de

bem estar físico, psíquico e social. Para os clínicos do trabalho essa definição é utópica, pois a

maioria da população apresenta algum tipo de doença, sendo algumas até crônicas. O conceito

de saúde serve como um ideal a ser alcançado, como uma meta que vai orientar a ação do

homem; a psicodinâmica, de forma mais modesta, trabalha com o conceito de normalidade

(DEJOURS, 2007c).

A normalidade, na concepção da psicodinâmica, é um acordo possível, caracterizado

por um frágil equilíbrio entre o sofrimento e a defesa. Dejours (1999) afirma que a

normalidade é interpretada como resultado de um compromisso entre o sofrimento e as

estratégias de defesa, individuais e coletivas.

Vivemos em uma sociedade onde há inúmeras razões para se ficar doente; “a

natureza contém vários riscos como bactérias, vírus, frio, calor. A sociedade, através das

condições de trabalho, das relações interpessoais, até as familiares, também apresenta riscos,

pois nem sempre nosso relacionamento familiar está livre de conflitos” (DEJOURS, 2007c, p.

17). A psicodinâmica do trabalho se propõe a compreender como algumas pessoas conseguem

se manter saudáveis enquanto outras adoecem no mesmo ambiente de trabalho.

Até meados do século XX não havia estudos acerca da saúde mental do trabalhador,

e dos possíveis riscos da situação de trabalho, comparável às doenças físicas, patologias da

afecção do corpo. Esta questão foi reformulada por Dejours (1999), que partiu do pressuposto

que há sempre sofrimento. A possibilidade é transformar o sofrimento, visto que não temos

como eliminá-lo. Questionou ainda: como os trabalhadores conseguem não ficar loucos,

apesar das exigências do trabalho que, pelo que sabemos são perigosas para a saúde mental?

O trabalho tanto pode desencadear doenças como proporcionar saúde ao trabalhador,

dependendo das relações estabelecidas na organização do trabalho, das condições sociais e

psicológicas específicas, das oportunidades que a organização do trabalho irá proporcionar

aos trabalhadores, podendo intensificar o sofrimento e levar ao adoecimento ou oferecendo

condições para o enfrentamento, através da mobilização subjetiva, ou por meio de estratégias

defensivas. (MENDES; ARAÚJO, 2007b).

Para Martins (2007) o sofrimento patogênico emerge do fracasso das tentativas para

transformar a gestão e a organização do trabalho, do sofrimento em prazer, perdendo todas as

margens de liberdade e permanecendo apenas as pressões, cada vez mais rígidas, provocando

no sujeito a repetição, o fracasso, o medo e a impotência.

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Somente através da dinâmica do reconhecimento dos trabalhadores pelos seus pares

e superiores o sofrimento é dotado de sentido e pode ser fonte de saúde (MENDES, 2007c).

Para que o trabalho seja fonte de saúde, é necessário o reconhecimento daquele que

trabalha, do seu esforço e investimento na tarefa, uma vez que neste

reconhecimento reside a possibilidade de dar sentido ao sofrimento vivenciado pelos

trabalhadores (p. 45).

A saúde, portanto, é fruto do enfrentamento das dificuldades, das imposições da

organização do trabalho e dos resultados bem sucedidos diante de situações adversas, do

reconhecimento pelas suas contribuições, principalmente diante das contradições entre a

organização prescrita e o real, que conduzam a vivencia de prazer no trabalho. E o processo

de adoecimento é o resultado do fracasso diante da luta contra o sofrimento, pela não

realização dos desejos, por permanecer preso à padronização, à restrição e à homogeneização

de comportamentos, inviabilizando a expressão da autenticidade do trabalhador (MENDES,

2007c, 2009).

As novas formas de adoecimento apontadas por Dejours (2006/2011b, 2007c) e

Mendes (2007d), são frutos das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, das novas formas

de organizações do trabalho, das avaliações quantitativas, das gestões massacrantes e

constantes ameaças de desemprego, levando o trabalhador a sujeitar-se aos modos de trabalho

precarizados e muitas vezes desencadeador de sofrimento ético.

Nesse contexto de mudança no mundo do trabalho, Lancman (2011) ressalta que a

globalização trouxe efeitos perversos para o Brasil. Pois este ainda não havia atingido o nível

de formalização e de direitos sociais equivalentes aos países desenvolvidos. Através da

incorporação de novas tecnologias e a intensificação do ritmo, a sobrecarga vem ampliando o

quadro de doenças e de riscos de acidentes no trabalho.

Dejours (2007c) apresenta algumas patologias relacionadas ao trabalho, reunidas em

duas categorias: a primeira são as patologias da sobrecarga, apesar de se propagar uma

diminuição da carga de trabalho, devido ao avanço tecnológico, da automoção e da

robotização, a realidade aponta para um aumento de patologias de sobrecarga como: Burnout,

Karôishi, disfunções músculo-esqueléticas (LER). E as patologias do assédio, que na maioria

das vezes, tomam a forma de síndrome depressiva e síndromes confusionais.

Dentro das patologias do assédio, também considerada patologias da solidão,

podemos destacar o Assédio Moral, consequência da progressiva fragilização do coletivo, da

cooperação e das estratégias coletivas de defesa, devido às novas formas de avaliação do

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trabalho, geralmente individualizadas. Levando as pessoas a se verem como rivais,

concorrentes, corroendo a lealdade e a confiança, fazendo com que as pessoas sintam-se

muitas vezes sozinhos, não tendo com quem compartilhar as vivências, o que contribui para o

desencadeamento de doenças (DEJOURS, 2007c; DEJOURS & BÉGUE, 2010).

A relação saúde/doença e prazer/sofrimento estão ligadas às formas de organização

do trabalho, aos modos de subjetivação do sujeito no confronto com a organização do

trabalho, bem como aos requisitos coletivos que favorecem ou dificultam a subversão do

sofrimento em prazer. Ante ao uso de sua liberdade para criar, dar novo sentido, obter prazer;

que contribui para a manutenção da saúde. Ou, quando o sujeito é limitado, bloqueado, devido

à rigidez da organização do trabalho, à falta de cooperação e de reconhecimento de sua

capacidade, agrava-se o sofrimento, desencadeando o adoecimento.

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42

CAPÍTULO 2

2 METODOLOGIA

Neste capítulo serão apresentados os fundamentos metodológicos e os procedimentos

empregados na realização desta pesquisa. Trabalhou-se com a abordagem qualitativa, por se

mostrar adequada à proposta teórico-metodológica da psicodinâmica do trabalho, ao objeto e

ao objetivo dessa pesquisa, que foi compreender a relação prazer-sofrimento em situação de

trabalho dos servidores do Tribunal de Justiça. Dejours (2007) pontua que as vivências

subjetivas de sofrimento e prazer no trabalho apresentam-se como objetos não quantificáveis

e que a sua validação deve passar por um processo de objetivação não habitual.

Minayo & Sanches (1993) afirma que a pesquisa qualitativa é adequada por

aprofundar a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de

grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem compreendidos. Enfatiza,

ainda, que a abordagem qualitativa só possa ser empregada para a compreensão de fenômenos

específicos e delimitáveis, mais pelo seu grau de complexidade interna que pela sua expressão

quantitativa. É adequado, por exemplo, ao estudo de um grupo de pessoas afetadas por uma

doença, ao estudo do desempenho de uma instituição, ao estudo da configuração de um

fenômeno ou processo.

Esta pesquisa utilizou tanto o referencial teórico quanto a metodologia da

psicodinâmica do trabalho, a clínica do trabalho, que propicia meios para responder aos

objetivos da pesquisa e compreender o processo de subjetivação na relação do sujeito com o

trabalho.

O objetivo da clínica do trabalho “é a escuta do sofrimento, a elaboração, que leva o

trabalhador a recuperar sua capacidade de pensar e de agir, resgatando a emancipação como

sujeito” (MENDES, 2007a, p. 66).

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Segundo Mendes (2011) a clínica do trabalho é um espaço de fala para o sujeito, uma

possibilidade de ressignificar vivências, de dar novos sentidos e refletir em um nível de

consciência diferente. O espaço da fala e da escuta traz mudanças na vida do sujeito, seja pela

oportunidade de repensar, pela sensação de estar sendo escutado por outro que se interessa

pelo que é dito, seja por estar com o grupo (coletivo de trabalho) e poder discutir situações

vivenciadas no ambiente de trabalho.

A clínica é ação por mobilizar os trabalhadores, por afetá-los de uma forma tão

intensa que acaba influenciando no seu ambiente de trabalho, seus colegas de trabalho,

podendo até mobilizá-los a uma ação que leve a mudança na organização do trabalho

(DEJOURS, 1993/2011a).

Outra particularidade da metodologia em psicodinâmica do trabalho se refere à

originalidade dos fatos a serem construídos cientificamente. Os trabalhadores não têm

consciência do seu sofrimento, dos mecanismos de defesa utilizados contra ele e das

contribuições que dão á organização do trabalho, no sentido de cooperação. O autor aponta

também as estratégias defensivas como dificuldade no aprofundamento das discussões, nos

fatos a serem construídos, pois elas ocultam o sofrimento e o relacionamento dinâmico com o

trabalho. O pesquisador não pode interpretar a fala do outro, não pode dar sentido a

experiência subjetiva do outro; o sofrimento não pode ser produzido de fora, só os próprios

indivíduos podem dar sentido, podem objetivar sua subjetividade (DEJOURS, 1993/2011a).

Para superar essa dificuldade, é necessário proporcionar um espaço de escuta, onde

os trabalhadores possam falar, pois através da fala é possível trazer à consciência a realidade

que ainda estava obscura. A importância da linguagem deve-se ao fato de que falar com

alguém é um meio muito vigoroso de pensar. A palavra é o meio de perlaboração (DEJOURS,

1993/2011a).

Dejours (1995/2011c) faz uma reflexão sobre a experiência compartilhada, sentido

comum e linguagem, onde o sentido comum é resultante da construção de uma linguagem

comum para prestar conta não da realidade do trabalho, mas da especificidade das vivências

do trabalho. E essa construção da linguagem leva a nova inteligibilidade, à nova interpretação

e ao novo sentido; é fruto de uma evolução da prática discursiva e perpassa a linguagem.

A linguagem está presente em todas as etapas da formulação teórica da

psicodinâmica do trabalho, de diferentes formas, intermediando nas regras do trabalho, no

reconhecimento entre pares, na forma de intervenção da psicodinâmica, na clínica e ação com

o estabelecimento do espaço da fala, onde o trabalhador tem a oportunidade, através da

linguagem, de ouvir, reconhecer no outro aquilo que também é seu, elaborando e

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perlaborando sua experiência de sofrimento no trabalho (MENDES, 2011; DEJOURS,

1993/2011a).

A pesquisa em psicodinâmica do trabalho é composta de três etapas: a primeira é

denominada de pré-pesquisa, caracterizada pela análise da demanda; a segunda é a pesquisa

propriamente dita, ou seja, o momento em que são discutidas coletivamente as relações entre

organização do trabalho e vivências de prazer e sofrimento e a terceira é a validação dos

resultados (MENDES, 2011). Essas três etapas foram realizadas e serão apresentadas a seguir,

juntamente com os demais elementos da pesquisa.

2.1 A Pré-Pesquisa

A pré-pesquisa inicia-se pela análise da demanda, a qual decorre de um processo

espontâneo; não se pode fazer pesquisa sem uma demanda explícita, pois a experiência clínica

tem mostrado que não se tem acesso nem às estratégias defensivas nem ao sofrimento quando

os trabalhadores são intimados a participarem. É nessa fase que o pesquisador irá conhecer o

espaço de trabalho, observar o desenvolvimento das tarefas, observar as relações sociais ali

estabelecidas, conhecer a forma de gestão e as mudanças ocorridas na organização do

trabalho. Nesse momento, ainda, o pesquisador irá apresentar a metodologia aos

trabalhadores, fazer a negociação inicial, manter contato e negociar com a instituição para a

liberação dos trabalhadores, pois as reuniões devem ocorrer no espaço e horário de trabalho

(DEJOURS, 1993/2011 d).

Mendes (2011) compreende a análise da demanda como a definição do problema a

partir de uma negociação com os envolvidos. Dessa forma a análise da demanda é de

fundamental importância para a pesquisa em psicodinâmica do trabalho, pois é a partir dela

que podemos assegurar a veracidade e a autenticidade da palavra dirigida aos pesquisadores.

Dejours (1993/2011d) ressalta ainda que, nessa etapa, é necessário analisar a

demanda trazida pelos trabalhadores, pois nem sempre a demanda expressa pelos chefes ou o

solicitante é a mesma dos trabalhadores. Nem sempre é possível dar sequência a demanda; às

vezes isso não é possível por exigir respostas, soluções concretas, caráter terapêutico, sendo

que a psicodinâmica do trabalho limita-se à análise de situações, enquanto as soluções

concretas são de esfera exclusiva dos trabalhadores.

Ainda nesse momento serão explicitados os riscos que envolvem a pesquisa, os

quais, segundo Dejours (1993/2011d) são três

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É possível que não se encontre nada, ou não se encontro tudo o que esperava

encontrar, mais outra coisa, com efeitos inesperados- desmobilização em vez de

ação. Ou tornar-se causa de desestabilização em relação ás práticas coletivas e os

mecanismos de “adaptação” à situação de trabalho (p. 115).

Durante esta fase inicial, a presente pesquisa realizou duas reuniões, com o objetivo

de sondar o campo e a caracterização inicial da demanda; a primeira reunião foi com a

coordenadora e equipe técnica do serviço social do Tribunal de Justiça para escutar e

compreender a demanda. Desta reunião participaram a coordenadora do serviço social do

Tribunal de Justiça, a psicóloga e uma assistente social. A equipe técnica solicitou um plano

de trabalho (apêndice) para ser apresentado à Juíza responsável pelo serviço social e a partir

dele obter a permissão para a realização da pesquisa. No plano de trabalho apresentado a

Juíza, constava a importância e a necessidade das sessões da clínica do trabalho ocorrerem

dentro do horário de expediente do servidor, o qual foi autorizado. Após a autorização, foi

marcada uma segunda reunião, com o coordenador do Juizado Especial e os chefes dos

setores de Ajuizamento. Neste encontro foi apresentado o plano de trabalho e foram feitos

esclarecimentos aos chefes. Os chefes não viram nenhum impedimento em liberar os

servidores dentro do horário de trabalho; pediram para que alguns estagiários participassem

da clínica. O coordenador explicou a demanda do juizado, a necessidade dos servidores e

estagiários de receber assessoria que os auxiliasse a lidar com o usuário, na atividade de

atendimento ao público.

A demanda apresentada pelos chefes foi a dificuldade de relacionamento com o

público, o que tem gerado stress e alguns conflitos entre os servidores, pois, segundo

informações dos chefes, o setor de ajuizamento atende a uma variedade enorme de pessoas

com personalidades, escolaridade e classe social diferentes; a demanda é grande e os

servidores não tem tempo para tomar um café ou para uma pausa. Houve situações em que o

servidor foi encontrado chorando na sala, após ter realizado um atendimento a um usuário de

difícil trato, causando preocupação relativa ao bem estar de sua equipe pelo chefe.

No segundo momento foi marcada uma reunião com o coletivo de trabalhadores que

participou da pesquisa, para apresentar a proposta de trabalho, os objetivos da pesquisa, e para

caracterizar a demanda; foi entregue Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

aos trabalhadores (anexo). Nesta reunião participaram dez servidores e três estagiários; foi

feita a apresentação das pesquisadoras, do objetivo da reunião, do tema da pesquisa, da

proposta de trabalho e dos dias e horário dos encontros (apêndice); foi lido o TCLE e

esclarecidas às dúvidas dos servidores, sendo em seguida solicitado àqueles que

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concordassem com o termo e quisessem participar da pesquisa, que o assinassem. Todos os

treze participantes aceitaram participar da pesquisa.

2.2 Os participantes

A pesquisa foi realizada com servidores e estagiários do Tribunal de Justiça do

Amazonas lotados nos juizados especiais, que desempenham a função de atendimento ao

público. Participaram da pesquisa treze trabalhadores, sendo três estagiárias e dez servidores.

Dentre os dez servidores, cinco são homens e cinco mulheres, com escolaridade que variava

entre nível superior completo (01), incompleto (02), Nível fundamental (01) e Nível médio

(06). Todos exercem a atividade de atendimento ao público, mas possuem cargos distintos:

auxiliar judiciário I e II (05 servidores), escrevente juramentado (03 servidores), assistente de

gabinete (01 servidor); analista judiciário (01 servidor). As três estagiárias eram alunas do

curso de Direito.

Como critério de exclusão adotou-se não incluir os servidores que no momento da

pesquisa estivessem afastados do trabalho por motivo de férias, licença médica ou qualquer

outro motivo; e os que não desejassem participar. O grupo era aberto.

2.3 A Pesquisa

Após o momento inicial, da pré-pesquisa, segue-se a pesquisa propriamente dita. A

coleta de dados foi realizada em sessões coletivas de clínica do trabalho, onde a fala dos

sujeitos é o principal instrumento para expressar as vivências de prazer e sofrimento

relacionados ao trabalho.

Dejours (1993/2011d) preconiza que a pesquisa seja realizada em um local que tenha

relação com o trabalho, com horários e dia da semana escolhidos pelos trabalhadores. Um

esforço particular deve ser realizado no curso da pesquisa para distinguir os elos existentes

entre as expressões do sofrimento ou prazer, as expressões positivas ou os silêncios

ativamente respeitados sobre certos temas, e as características da organização do trabalho.

Caso esses elos não estejam claros, o pesquisador poderá interpretá-los e apresentar a

interpretação aos trabalhadores que poderão validá-la ou não, possibilitando a continuidade da

discussão. Dejours (1993/2011d, p. 131) enfatiza ainda que “a interpretação ideal seria aquela

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que, desmontando um sistema defensivo, autorizasse simultaneamente a reconstrução de um

novo sistema defensivo, de maneira a enfatizar um elo entre sofrimento e trabalho”.

Mendes (2011) ressalta que

O foco de interesse em psicodinâmica do trabalho é o acesso aos comentários

verbais dos trabalhadores e posteriormente o conteúdo formulado pelo grupo de

trabalho, o objetivo é o de provocar reflexões que possibilitem gerar ações

transformadoras, uma vez que todo trabalho já significa uma ação (p. 67).

A presente pesquisa foi desenvolvida através de reuniões sistemáticas, no total de

dez encontros, em dois meses e meio, com adesão de treze servidores, a média de

participantes era de seis por sessão, havendo saída e entrada de novos servidores, pois o grupo

era aberto. Uma servidora saiu de férias no decorrer dos encontros e dois desistiram, em razão

da dificuldade em se locomover até o Tribunal de Justiça onde foram realizados os encontros.

A entrada e saída de participantes da pesquisa contribuíram para fomentar alguns temas ainda

não abordados ou reforçar os já discutidos; cada novo integrante do grupo trazia situações que

os outros servidores também vivenciavam, mesmo sendo de outro juizado especial,

provocando uma relação de empatia e solidariedade, pois todos se identificavam com o que

era dito por um servidor e tentavam mostrar como enfrentavam aquela situação em seu local

de trabalho.

A coleta de dados da presente pesquisa foi realizada nas sessões coletivas da clinica

do trabalho, com duração de uma hora cada. Durante esses momentos os servidores e

estagiários falaram da sua relação subjetiva com o trabalho, suas vivências, percepções,

sentimentos, relações de prazer e sofrimento, sobre a organização do trabalho, e dos modos

que utilizam para enfrentar a lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Foi utilizado

um gravador durante todas as sessões, para registrar as falas, que foram transcritas

literalmente após cada sessão, contribuindo para o registro, a análise do material e para

construção do memorial. A pesquisa foi conduzida por duas pesquisadoras, a pesquisadora

principal e a auxiliar; ambas fizeram circular a palavra e favoreceram a expressão das

vivências subjetivas do trabalho.

O material da pesquisa foi colhido primordialmente através da fala dos servidores,

durante as sessões da clínica do trabalho; os sujeitos mostraram-se muito á vontade durante as

reuniões ao falar sobre o trabalho, ressaltaram que nunca tiveram um espaço para falar sobre

isso, nem com a família, nem com os amigos.

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Os servidores e estagiários participantes desta pesquisa seguiam para o TJAM todas

as quintas-feiras, de 13:30 as 14:30h, dentro do horário de trabalho, para não sobrecarregá-

los. Os servidores eram liberados do Juizado Especial às 12:00h para que pudessem almoçar

e seguir para as sessões da clínica do Trabalho.

As sessões iniciavam-se com a leitura do memorial, que é constituído das falas dos

servidores e a interpretação do pesquisador e do coletivo de controle do LAPSIC-UFAM.

Após a leitura do memorial os servidores faziam suas colocações, algumas vezes concordando

com o que foi lido, quando era exatamente o que estava acontecendo com eles ou o que eles

estavam dizendo. Ou discordavam de algum ponto, quando não fora captado o que eles

queriam dizer; nesses casos, e o tema voltava a ser discutido com os trabalhadores.

2.4 Análise do material da pesquisa

Análise do material da pesquisa é a parte mais difícil de ser formulada; é a definição

do que constitui o material da pesquisa. Este material é o resultado do que foi discutido pelo

coletivo procedendo à análise. A extração é realizada a partir do que foi dito, sobre o que foi

reconhecido como o “discurso”, em outros termos, daquilo que é uma formulação original,

viva, engajada e subjetiva do grupo de trabalhadores (DEJOURS, 1993/2011d).

A análise do material parte do que foram expressos pelos trabalhadores sobre suas

vivências subjetivas do trabalho, suas percepções, da forma como eles compreendem sua

própria situação de trabalho.

Dejours (1993/2011d) destaca ainda que, nesta etapa de análise do material, pode-se

encontrar algumas resistências dos trabalhadores em falar de seu sofrimento, através das

descrições de fatos, do silêncio, trazendo outro foco de análise a relação sofrimento/defesa

pois, se o comentário esvai-se é porque um dispositivo defensivo é ativado para lutar contra a

percepção. O material da pesquisa em psicodinâmica do trabalho é tanto o comentário dos

trabalhadores quanto a ausência do comentário, registrado nas observações clínicas.

A análise e a interpretação dos dados foram feitas pelos pesquisadores a partir das

falas, percepções e silêncio dos servidores acerca de seus sentimentos, vivências e suas

relações de trabalho. Após cada sessão eram feitas as anotações da percepção dos

pesquisadores, buscando dar sentido às falas dos servidores, sendo depois discutidas pelo

grupo de pesquisadores do Laboratório de psicodinâmica do trabalho da Universidade Federal

do Amazonas (LAPSIC - UFAM), que se encontravam uma vez por semana; em seguida era

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produzido um memorial, constando os principais temas abordados durante as sessões com os

trabalhadores e as interpretações dos pesquisadores. Esse memorial era lido no encontro

seguinte, onde as interpretações eram validadas ou refutadas novamente pelos servidores.

A análise do material de pesquisa foi organizada a partir dos eixos temáticos

propostos por Mendes (2011): o primeiro é a Organização do Trabalho; o segundo é a

Mobilização Subjetiva e o terceiro e último, o Sofrimento, as Defesas e a Patologia. Esses

eixos temáticos contribuíram para a compreensão da evolução e das especificidades das

discussões coletivas com os servidores.

As supervisões com a Orientadora Prof.ª Dr. Rosangela Dutra de Moraes e o grupo

de pesquisadores do LAPSIC-UFAM, também contribuíram para a análise dos dados,

auxiliando na compreensão das falas e novas formas de interpretação, contribuindo para a

construção do memorial.

O método da interpretação tanto do sofrimento quanto do prazer interage com a

subjetividade do pesquisador, e a sua interpretação tem como fundamento a análise da

demanda, os comentários dos trabalhadores sobre sua relação com o trabalho, a observação

clínica do pesquisador. A partir dos dados coletados durante o processo da pesquisa o

pesquisador irá buscar o sentido dos conteúdos subjetivos trazidos pelos trabalhadores. O

objetivo é dar forma, sentido, tornar compreensível a relação sujeito-trabalho (DEJOURS,

1993/2011d).

A observação clínica parte de uma articulação entre as observações e anotações do

pesquisador feitas após cada sessão, durante todo o processo da pesquisa. Essas formulações

têm como base as observações clínicas subjetivas do pesquisador, que serão discutidas

posteriormente com o grupo de trabalhadores e poderão ser validadas ou não, podendo surgir

assim uma nova interpretação.

Não se trata de resumo do conteúdo das sessões, mas de fazer aparecer ideias e

comentários, interpretações, mesmo que provisoriamente formuladas. É um

trabalho, então, que consiste em evidenciar e explicitar a trajetória do pensamento

dos pesquisadores que conduzem os grupos (HELOANI; LANCMAN, 2004, p. 83).

O coletivo de pesquisa é formado pelos pesquisadores e os trabalhadores organizados

em coletivo; o coletivo de controle é composto pelos pesquisadores de campo e os

pesquisadores que fazem parte do processo de análise clínica do trabalho, visando um

trabalho reflexivo ampliado, através da escuta do relato de cada atendimento clínico realizado

junto ao coletivo de trabalhadores (DEJOURS, 1993/2011a).

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Na presente pesquisa, o coletivo de controle foi formado pelos pesquisadores do

Laboratório de Psicodinâmica do trabalho (LAPSIC) da Universidade Federal do Amazonas

(UFAM). Esse grupo de pesquisadores se reúne semanalmente, por três horas

aproximadamente, para analisar os conteúdos surgidos nas sessões da clínica do trabalho, das

pesquisas desenvolvidas pelos seus pesquisadores. Os pesquisadores são, em sua maioria,

psicólogos, graduandos de psicologia, mestrandos e doutorandos, não só da UFAM, mas

também de outras instituições. Nesse momento são feitas as leituras, análises e apresentação

do memorial preliminar. As reuniões são dirigidas pelos professores da área, que coordenam o

laboratório.

Mendes (2011) ressalta que a discussão das vivencias de prazer-sofrimento

provenientes da dinâmica das situações de trabalho é construída ao longo das sessões. A

análise e as interpretações das situações de trabalho, dadas pelos pesquisadores e

trabalhadores, assegura a validade do material coletado, à medida que participa da análise um

grupo de pesquisadores que confronta permanentemente o conteúdo das sessões entre si e

com o próprio grupo de trabalhadores no momento da realização da pesquisa, através do

memorial.

2.5 Validações dos resultados

Nas pesquisas que utilizam a metodologia da psicodinâmica do trabalho, a validação

e a refutação advêm da leitura do memorial, que são colocadas durante as sessões para os

trabalhadores, sendo, nesse momento, validadas ou não; e vindo a contribuir para a ampliação

da análise.

Dejours (1993/2011d) ressalta que uma nova discussão pode ocorrer durante as

sessões, quando os trabalhadores que não participavam da pesquisa se juntam ao grupo,

depois de já iniciados os trabalhos, trazendo novamente à discussão temas que já haviam sido

discutidos anteriormente. A refutação pode ser feita a partir de outras pesquisas, de

contrapesquisas, sendo possível produzir outras interpretações e outros resultados.

Nesse sentido, trata-se de um processo interativo de apresentação das interpretações

dos pesquisadores, validação da análise, dos resultados e das conclusões da

intervenção entre pesquisadores e participantes da pesquisa/intervenção (HELOANI,

LANCMAN, 2004, p. 83).

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A validação da presente pesquisa deu-se durante a leitura do memorial em cada

sessão da clínica do trabalho e também durante o ultimo encontro da clínica do trabalho,

através da leitura do relatório final, contendo toda a trajetória do grupo na pesquisa, com os

resultados preliminares estruturados a partir das seguintes categorias de análise: prazer-

sofrimento, organização do trabalho, estratégias defensivas, mobilização subjetiva, relação

saúde-doença relacionados ao trabalho. Os servidores ficaram em silêncio após a leitura do

memorial final, como se estivessem refletindo sobre o que foi lido; em seguida falaram que

era exatamente o que acontecia no trabalho deles.

Ressaltaram também que os encontros da clínica do trabalho foram muito

gratificantes, por levá-los a reflexão sobre o trabalho, proporcionando um novo olhar em

relação ao usuário; passaram a ser mais tolerantes, a ter “maior controle emocional”, “a

perceber que o usuário também tem um sofrimento”.

Essas reuniões foram boas para analisar, pensar sobre o trabalho; passei a ter mais

paciência, estava ficando impaciente; Passei a perceber que tem um sofrimento, que

a outra parte também sofre; passei a ter mais controle emocional, de tempo, depois

das reuniões eu passei a me centrar, assumi outra postura (FALA DE UM

SERVIDOR).

A devolução dos resultados da pesquisa foi realizada em uma reunião com a presença

do coordenador do juizado especial, dos chefes de cada setor do ajuizamento, da psicóloga e

da equipe do serviço social do TJAM, além da Juiza responsável pelo setor psicossocial do

Tribunal. Nessa devolutiva, realizada no TJAM, foi entregue também um documento

impresso com os resultados e algumas recomendações que podem trazer modificações na

organização do trabalho e contribuir para a saúde do trabalhador no Juizado Especial.

Após a devolutiva um dos chefes do setor de Ajuizamento comentou que os

servidores, após a clínica do trabalho, criaram um método de distribuição dos atendimentos de

maneira informatizada, onde o servidor avisa através de um sinal verde pelo computador que

está interligado com o computador da recepção sua disponibilidade para o atendimento.

Diminuindo a sobrecarga em relação a quantidade dos atendimentos e dando liberdade ao

servidor para concluir a parte burocrática do atendimento realizado anteriormente,

possibilitando uma pausa para o café, uma água ou ir ao banheiro.

A pesquisa também foi apresentada no Congresso Brasileiro de Psicologia

Organizacional e do Trabalho, realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ), em Maio de 2012.

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Os resultados preliminares integram o capítulo do livro intitulado: “Vivências de

sofrimento no judiciário do Amazonas: o papel da organização do trabalho”, que tem como

primeira autora uma pesquisadora egressa do curso de mestrado em Psicologia da UFAM que

realizou pesquisa no TJAM com os servidores das Varas Criminais (GARCIA, 2011).

2.6 Caracterizações do local da pesquisa

As sessões de clínica do trabalho foram realizadas no Tribunal de Justiça do

Amazonas (TJAM), no prédio “Arnoldo Perez” na sala da Câmara Criminal, no 2º andar. A

sala que foi cedida para as sessões é climatizada, com mesas e cadeiras, computador e câmera

de vídeo, adequada para reuniões. As cadeiras foram arrumadas em círculo para facilitar a

participação e o contato visual de todos; ao centro foi colocada uma cadeira com o gravador.

Foi solicitado aos responsáveis pela locação da sala que as câmeras de vídeo fossem

desligadas durante os encontros da clínica do trabalho.

O local das reuniões foi decidido juntamente com o coordenador do juizado especial,

pensando em um local que fosse relacionado ao trabalho e conhecido por todos os servidores

e de fácil acesso. Participaram da pesquisa servidores de três juizados cíveis: Fórum

Desembargador Mário Verçosa, Desembargador Azarias e Desembargador Lúcio Fontes; cada

um está localizado em uma áreas diferentes, zona norte, sul e leste de Manaus,

respectivamente. Seria injusto realizar as reuniões em um desses três locais, o que

privilegiaria apenas um fórum. O local das sessões foi motivo de desistência de dois

servidores, que achavam que as reuniões deveriam acontecer no seu local de trabalho, o que

não foi possível. Esses dois servidores referiram dificuldade de locomoção, reclamaram do

trânsito. Os demais servidores gostaram do local; saiam mais cedo do trabalho, tendo tempo

para almoçar e seguir para as reuniões.

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CAPÍTULO 3

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste capítulo será apresentada a análise Clínica do trabalho dos servidores públicos

e estagiários do Juizado Especial do Tribunal de Justiça do Amazonas, que realizam o

trabalho de atendimento ao público. Segundo Mendes (2011) a Análise Clínica do Trabalho

(ACT) é uma técnica para organizar o material coletado nas sessões coletivas.

As falas estão organizadas em três eixos: Eixo I: A Organização do trabalho,

descrevendo o conteúdo das tarefas, os modos de gestão e as vivências de prazer e sofrimento

relacionadas a dinâmica das relações com o público, os superiores e os pares. Eixo II:

Mobilização subjetiva, abordando a inteligência prática, o espaço de discussão, a cooperação

e o reconhecimento; por último, o Eixo III: Sofrimento, defesas e patologias.

3.1 A organização do trabalho e a dinâmica de atendimento ao público no Juizado

Especial

Neste item será apresentada a organização do trabalho do Juizado Especial a partir da

fala dos Servidores, coletada durante as sessões da clínica do trabalho, abrangendo o conteúdo

das tarefas, as relações socioprofissionais, os modos de gestão e as estratégias de regulação

encontrada pelos servidores para amenizar o sofrimento no trabalho. O objetivo desta análise

é apresentar o trabalho de atendimento ao público a partir de uma aproximação do real do

trabalho, mostrando as formas que os servidores encontraram para desenvolver suas tarefas

para além das regras e normas que permeiam suas atividades.

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3.1.1 Conteúdo da tarefa

O trabalho no Juizado Especial tem como objetivo facilitar ao cidadão comum o

acesso a Justiça; para tanto é necessário comparecer ao Juizado Especial com todos os

documentos comprobatórios relativos à reclamação que será iniciado (provas documentais),

todos os seus documentos pessoais e ainda o endereço completo do reclamado. Em chegando

ao Juizado Especial, o cidadão recebe uma Senha de atendimento. O trabalho dos servidores e

estagiários consiste em atender ao usuário, ouvindo sua queixa; elaborar um “termo

reduzido”, sendo uma síntese da queixa do usuário, transposta para uma linguagem jurídica;

após a elaboração do termo reduzido, o servidor deve lê-lo integralmente para que o usuário

confira os dados e, estando de acordo, assine; se não concordar, o servidor deve corrigi-lo, até

que o termo esteja expressando a vontade do usuário. Após a assinatura esse documento é

enviado por via eletrônica para as Varas, onde será agendada, inicialmente, uma audiência de

reconciliação para tentar um acordo entre as partes; caso não haja acordo, será marcada uma

audiência com o Juiz que irá sentenciar, conforme sua interpretação do termo reduzido.

Os servidores ressaltam que o Juizado Especial é o “Para-choque” do Tribunal de

Justiça do Amazonas; pois, para que o cidadão tenha acesso à justiça, sem a presença de

advogado, é necessário procurar o Juizado Especial. Consideram seu trabalho complexo; a

dificuldade maior é lidar com os usuários que, em sua maioria, chegam ao Juizado ainda pela

madrugada, com medo de não conseguir uma senha. Os servidores afirmam não haver

necessidade de se chegar tão cedo, pois cerca de trinta senhas são distribuídas diariamente,

sendo esse número suficiente para atender à demanda, visto que frequentemente há sobra de

senhas. Por haver chegado tão cedo, quando é atendido o usuário já está cansado de esperar,

por vezes mostrando sinais de estresse. Assim, atendido, transfere toda sua dificuldade ao

servidor, na expectativa de que este resolva seus problemas, provocando algumas vezes

situações constrangedoras, tensas, chegando até a agressão verbal.

Segundo relato dos servidores e do coordenador do Juizado Especial, colhido na

ocasião da pré-pesquisa, não existe uma prescrição para o trabalho de Atendimento ao Público

no Juizado Especial do Amazonas, ou um detalhamento da atividade; há leis que norteiam o

trabalho como a lei 9.099 que rege o funcionamento do Juizado Especial ( BRASIL,2009) .

Segundo o coordenador, a prescrição da atividade está em processo de elaboração.

Atualmente existem algumas regras que não estão escritas, que são aprendidas no dia-a-dia do

trabalho, constituindo a sabedoria da prática, que se mostram necessárias para o bom

andamento do trabalho.

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O trabalho de atendimento ao público no Juizado Especial civil do Amazonas vai

além das regras apresentadas aos servidores quando assumem seus cargos, durante a clínica

do trabalho percebeu-se que o trabalho dos servidores não consiste apenas em atender o

usuário, ouvir sua queixa e transformar em uma linguagem jurídica, elaborando um termo

reduzido que será enviado para as Varas. Para além destas prescrições gerais, está atender bem

o cidadão por mais que este chegue sujo, mal vestido, com mau hálito, desprovido de boas

maneiras.

O senhor estava fedendo, num estado de calamidade pública, quando abriu a boca,

quase que eu caio duro (FALA DE UM SERVIDOR).

Lá, entra gente abusada, entra gente fedendo...a gente não é obrigado a aturar um

cara fedendo, gritando, um cara abusado (FALA DE UM SERVIDOR).

Na fala a seguir o servidor reclama da falta de procedimento, padrão quanto ao traje

e modo do cidadão entrar no Juizado Especial e demonstra sofrimento por não ter opção,

precisa atender o usuário da forma como ele se apresentar no juizado e não pode expressar sua

indignação.

Se eu tenho que aceitar ele fedendo e não posso me expressar, porque eu sou um

funcionário público, é meio difícil (FALA DE UM SERVIDOR).

Os servidores mencionaram que em alguns momentos, quando o servidor da

reprografia e digitalização está ocupado, eles fazem a digitalização e tiram cópias dos

documentos dos usuários que estão atendendo, dão informação na recepção e fazem a triagem

quando necessário. Se o usuário não apresentar no momento do atendimento o endereço

completo ou está em dúvida quanto ao sobrenome do reclamado, o servidor realiza essa

pesquisa pela internet; ressaltando que não é uma regra.

[...] se o cliente: “ah! eu quero entrar numa ação contra o Bradesco!” ele tá ciente

que é um Bradesco e que ele tem que ter o endereço, precisa saber a agência dele.

aí chega na vez; “ah! eu fui na agência tal, aquela perto daquela praça,sabe é lá no

centro. a gente:aquele bradesco lá do centro? a senhora tem o endereço? “não, não

tenho”. aí pra ajudar às vezes, a gente abre o endereço, bradesco, centro, aí o

endereço aparece um monte, aí eu fico: guilherme moreira? não. esse centro? não.

“é! essa daí” “olha se não for, a culpa é sua (riso) (FALA DE UM SERVIDOR).

O real do trabalho dos servidores apresentado anteriormente exige um engajamento

do servidor para superar as lacunas deixadas pelas regras que norteiam seu trabalho. Os

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servidores apresentam dificuldades e sofrimento diante da elaboração do termo reduzido, que

segundo eles é uma atividade “muito intelectual” que exige criatividade, clareza, não tendo

um formulário específico para cada ação, apena para trânsito, execução e nota promissória, é

só preencher; em sua maioria os casos são únicos, podem ser semelhantes, mas apresentam

suas peculiaridades. O termo reduzido “trata não apenas do litígio, do conflito, mais do

pedido, tudo o que a gente escrever, vai beneficiar a pessoa, o requerente ou uma palavra que

for escrita errado pode prejudicar também” (Fala de um servidor). Essa atividade gera

ansiedade nos servidores, insegurança sendo necessário escrever de forma que o juiz, que irá

receber o termo reduzido, entenda o que o requerente está pedindo.

Em relação ao Juiz, os servidores apontaram uma dificuldade em trabalhar de acordo

com o estilo do Juiz de cada uma das doze varas. Tem Vara com dois juízes outras com seis,

cada Juizado Especial Civil trabalha com uma Vara e seus respectivos Juízes. Os servidores

relataram que uns Juízes são mais flexíveis, outros mais rígidos e difíceis de trabalhar,

arquivam processos simples por falta de documento, ou por pedir um valor acima do teto

estabelecido pelo Juizado Especial.

[...] então assim, se fosse outro juiz não tinha feito isso, tinha feito como eu disse.

tinha chamado o cara, entendeu? “olha, aqui só pode até r$ 10 mil e 900, agora

r$14 mil não pode, você abre mão desse valor e entra com a causa em r$10 mil e

900?”. então lá acontece muito isso. tem juiz que você vê: “mas por que ele fez isso,

o que custava ?” entendeu? então lá é muito complicado o juiz, cada juiz é um juiz

(FALA DE UM SERVIDOR).

O trabalho dos servidores é avaliado principalmente no âmbito das varas, pois, após

o envio por via eletrônica do termo reduzido, o assessor lê a petição para depois encaminhá-la

ao Juiz. Caso a mesma não esteja escrita de forma clara ou, se no dia da audiência, o Juiz

analisar que o cidadão teria direito a ser indenizado por Danos Morais, por exemplo, e isso

não constar no termo reduzido, o chefe do servidor será chamado à atenção pelo Juiz.

Apesar da ausência de uma prescrição formal detalhada, o trabalho de atendimento é

cercado de regras e dispositivos legais, que muitas vezes dificultam o desenvolvimento da

atividade, sendo necessário, em alguns momentos transgredir para trabalhar de forma eficaz.

Para Dejours (2011a) esse é o maior enigma do trabalho, a distância existente entre o prescrito

e o real, pois o trabalho prescrito nunca é o suficiente, sendo necessário o investimento

intelectual do trabalhador, a criação de novos modos operatórios, o que, dependendo do nível

de rigidez da organização, pode ser interpretado como transgressão; nesse caso o trabalhador

pode ser punido. Caso a inovação seja aceita, o trabalhador pode receber o reconhecimento

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dos pares e superiores por sua contribuição para o aperfeiçoamento da organização de

trabalho.

Uma das regras que em alguns momentos é transgredida pelos servidores se refere à

orientação ao cidadão quanto aos seus direitos. A regra estabelecida no Juizado Especial

preconiza que o servidor não pode orientar o cidadão quanto a outros direitos, para além

daqueles que o mesmo requer na ação. Esse tipo de orientação pode gerar algumas situações

constrangedoras no dia da audiência. Quando o usuário recebe uma sentença desfavorável, diz

ao Juiz o nome do Servidor que lhe atendeu e afirma ter sido orientado de forma errônea, não

foi escrito da forma como ele falou ou não aceita a sentença e exige seus direitos, pois o

servidor que lhe atendeu, o orientou e disse que teria esses direitos. A relação entre o servidor

e o usuário é permeada pela cautela, o servidor precisa limitar o que vai dizer, não orientando

o usuário quanto aos seus direitos, pois caso percam na audiência podem lhes prejudicar

diante do Juiz. Todavia, quando os cidadãos chegam ao Juizado Especial pedindo orientação,

o servidor é mobilizado pelo desejo de ajudá-lo, principalmente sendo um usuário de menor

poder aquisitivo; finda por orientá-lo, dando assim sentido ao seu trabalho, que é ajudar o

cidadão, ao custo de transgredir a regra.

Dentre outras regras que dificultam a execução da tarefa, destacam-se:

3.1.1.1 Evitar a duplicidade de processos

O cidadão pode dar entrada em um processo por dia, para evitar que as diferentes

audiências sejam agendadas para o mesmo dia e hora. Além disso, os servidores não podem

repetir uma Ação que já foi aberta em outro Juizado Especial. Ao iniciar o atendimento o

servidor precisa fazer uma consulta no sistema, a partir do nome do usuário para verificar se

ele já possui alguma ação em outro fórum, confirmar a data e a matrícula desta ação. Os

servidores relataram que essa situação gera tensão, pois em caso de duplicidade, serão

chamados à atenção pelo superior.

Nós também corremos riscos de ações repetidas né? a gente tem sempre que ter

aquela cautela de consultar o nome de quem quer que seja, que tá na frente da

gente, tem que consultar porque repetir a ação, nós somos punidos. às vezes, ele já

pode ter um processo lá na aparecida e vai lá na cidade nova pega uma declaração

de alguém e tenta fazer a mesma coisa. aí se isso acontecer, a gente tem que tá todo

tempo com aquela tensão sobre isso que é mais importante de tudo é isso! (FALA

DE UM SERVIDOR).

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Estratégia de regulação:

Como estratégia de regulação, os servidores usam a cooperação, avisam um ao outro

quando reconhecem um usuário que já atenderam, para que o outro servidor não se esqueça de

verificar se o usuário abriu anteriormente a mesma ação. Foi uma forma que eles encontraram

para diminuir a tensão.

Esse aí, a gente já passa um bilhetinho, né? aí eu já tratei de escrever um bilhete:

“olha, essa mulher já abriu uma ação antes comigo (FALA DE UM SERVIDOR).

A estratégia de Regulação pode ser entendida como uma forma que o trabalhador

encontrou para amenizar o sofrimento encontrado diante das dificuldades do real do trabalho.

Essa estratégia é mais saudável e benéfica que a estratégia defensiva, também utilizada pelo

trabalhador no confronto com o real do trabalho, pois o trabalhador ao regular o sofrimento

altera a realidade ao contrário da estratégia defensiva que apenas “camufla” e o sofrimento

continua.

3.1.1.2 Obrigatoriedade do uso de linguagem jurídica

É necessário usar uma linguagem jurídica ao elaborar o termo reduzido. O servidor

precisa compreender o problema do cidadão e escrever em uma linguagem jurídica, evitando

palavras de baixo escalão (sendo proibido, mesmo quando o cidadão relate e queira que seja

escrito na ação). A falta de domínio da linguagem jurídica causa tensão nos servidores.

Como estratégia de regulação para dar conta dessa regra os servidores contam com a

cooperação dos colegas mais experientes e do chefe que é Bacharel em Direito e domina a

linguagem jurídica.

3.1.2 Modos de gestão

Neste tópico será discutido o modo de gestão no trabalho do Juizado Especial e como

a atividade de atendimento ao público é afetada pela gestão do trabalho, sendo este conduzido

pelo coordenador e o chefe do setor.

Uma das dificuldades dos servidores do Juizado Especial é quanto às condições de

trabalho, no que diz respeito à estrutura física do setor de atendimento ao público. A sala é em

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forma de “L”, com uma pequena sala de espera para os usuários e um balcão que separa a sala

de espera das mesas de atendimento. Há cinco mesas de atendimento, separadas por uma

divisória de meia parede, que apenas impede a visão da mesa ao lado. A atenção e a

concentração necessárias para o desenvolvimento da tarefa sofrem interferência de ruídos e

conversas paralelas, agravando a sobrecarga do trabalho. Há várias pessoas falando ao mesmo

tempo, dificultando a concentração.

Como estratégia de regulação, os atendentes usam a cooperação, reduzindo o volume

da voz. Pedem ainda aos usuários e seus acompanhantes para conversarem em voz baixa.

Quando os usuários não atendem a solicitação recorrem à intervenção do superior.

O chefe não possui uma sala separada, sua mesa fica no mesmo espaço físico das

mesas de atendimento, sem que haja privacidade do chefe, nem dos servidores, pois, quando

precisam falar um assunto em particular, não há espaço reservado. Como estratégia de

regulação e para evitar constrangimento, utilizam para conversas particulares uma pequena

sala, mais reservada, destinada à reprografia e à digitalização dos documentos. O Chefe

também solicitou ao coordenador uma sala maior, todavia no momento não há

disponibilidade.

Outra questão pontuada pelos servidores como prejudicial ao desenvolvimento do

seu trabalho é quanto aos meios de comunicação do tribunal, referidos como complexos; o

site é muito abrangente, dificultando assim o acesso para alguns servidores que não estão

habituados com essa ferramenta (intranet, site do Tribunal de Justiça), sendo necessários

meios de comunicação mais eficazes, ou mais de uma forma de comunicação interna, já que

nem todos os servidores sabem manusear o computador, a internet; pois todos os cursos e

processos seletivos internos do Tribunal de Justiça são publicados na INTRANET.

3.1.3 Vivencias de prazer e sofrimento relacionados à dinâmica das relações

3.1.3.1 Relações com os usuários

A interação com o público segundo os servidores é na maioria das vezes pacífica,

principalmente quando se dá com o cidadão do interior do estado, de baixa renda. O cidadão

sempre agradece o serviço prestado e quer retribuir, dar um presente. Na fala abaixo podemos

perceber que o reconhecimento do trabalho pelo usuário é uma fonte de prazer ao servidor, e

contribui para que este se engaje no seu trabalho.

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É realmente prazeroso trabalhar lá e poder ajudar as pessoas [...]. É muito bom

quando você chega lá e uma pessoa chega e diz bom dia pra ti, você ajuda e a

pessoa diz muito obrigado por ter me ajudado (FALA DE UM SERVIDOR).

Tem cliente que até leva lembrancinhas, uma surpresa pra nós, entendeu. É isso é

gostoso (FALA DE UM SERVIDOR)

A dificuldade no relacionamento com o usuário se dá em sua maioria com o cidadão

da capital, com escolaridade mais elevada, classe média, que segundo os servidores, chega ao

Juizado Especial bem informado dos seus direitos, tem a consciência de que os servidores são

apenas atendentes, ao contrário dos cidadãos do interior do Estado e os de baixa renda que

pensam ser o servidor um advogado e o conciliador o Juiz. Na fala abaixo o servidor compara

o cidadão do interior e o da capital, enfatizando a dificuldade no relacionamento com o

usuário da capital.

Chegam lá com todo aquele jeitinho de gente, sabe? isso é bom de atender eles;

agora gente da cidade não. O pessoal da cidade já é um pouquinho ignorante. às

vezes eles são instruídos por outras pessoas e chegam abusados (FALA DE UM

SERVIDOR).

Os servidores referiram que alguns cidadãos chegam a “humilhá-los”, acham que o

servidor não quer trabalhar, quando, por exemplo, o sistema está inoperante e os servidores

não podem atendê-los, ou por não poder iniciar a ação no Juizado Especial devido à causa ser

mais complexa, sendo orientado a procurar outro órgão público da Justiça; Já ocorreu de um

cidadão insatisfeito com o atendimento recebido dizer ao servidor: “o lugar do servidor não é

no Juizado e sim varrendo chão”, ou se o servidor não tem agilidade no teclado do

computador, o cidadão reclama: “você, além de catar milho, escreveu tudo errado!”. Os

servidores mencionaram que: “os usuários transferem toda carga negativa dos seus problemas

e nós não podemos revidar”. Usam como estratégia de enfrentamento criar uma pausa no

trabalho para se recompor: levantar, tomar água, ir ao banheiro, sair do local para respirar um

pouco; alguns, apenas “engolem”.

Essa fala expõe as situações de violência verbal a qual os servidores estão sujeitos no

trabalho.

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Muitos cidadãos não entendem que os atendentes que fazem a redução a termo, eles

tem um conhecimento melhor, eles fazem para ajudar, estão lá para ajudar, mas tem

uns que dizem „não, escreve como eu estou dizendo‟! Então muitos se irritam, eu

nem deveria... „O que mais tu queres? [Pergunta ao cliente]. „Então pronto‟. Agora

acontece muito isso, o cliente diz: „Não, é do meu jeito, do jeito que tá escrito aí.

Ele acha que a gente não tem, a gente tem e muito mais [conhecimento] do que eles

(FALA DE UM SERVIDOR).

Os servidores mencionaram também no trabalho de atendimento ao público o mais

difícil, não é realizar o atendimento, e sim ser prejudicado pelo usuário, pois quando

percebem que não vão ganhar a ação, durante a conciliação ou julgamento, dizem que não

falaram daquela forma, o servidor escreveu errado e colocam a culpa no servidor.

Outro aspecto que dificulta o relacionamento com os usuários é quando estes chegam

ao juizado especial e cobram atendimento sem a documentação completa, burlando a triagem.

Alguns usuários apresentam dificuldade em aceitar as normas do Juizado gerando conflitos e

desentendimentos durante o atendimento ao público. Os usuários chegam a exigir o

atendimento ao servidor: “eu que pago o teu salário, você tem que me atender”; outros já

chegam com autoridade, falam alto, reclamam pela demora no atendimento, e os servidores

ficam calados, algumas vezes chamam o chefe para acalmar os ânimos.

Segundo os servidores, os usuários de trato mais difícil são os advogados, que

exigem atendimento mesmo com a documentação incompleta e ameaçam os servidores,

fazendo com que se sintam humilhados.

Somos maltratados pelos advogados, que tem todo aquele preparo, as pessoas

humildes falam mal e tudo mais, mas o advogado não, diz que vai representar

contra você (FALA DE UM SERVIDOR). No Juizado Especial nós ficamos muito expostos à grosseria, não só das pessoas

mais humildes, como de advogados (FALA DE UM SERVIDOR).

A partir das falas dos servidores, podemos perceber que o trabalho de atendimento ao

público deixa o servidor exposto e vulnerável; atendem a pessoas de diferentes níveis sociais

e de instrução, vivenciando situações constrangedoras, além de sofrerem ameaças por parte de

usuários que são advogados.

Os advogados ameaçam a gente, perguntam nosso nome e dizem que vão levar para

a corregedoria (FALA DE UM SERVIDOR).

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A dificuldade de relacionamento dos servidores com os usuários, dando ênfase aos

advogados e aos usuários mais instruídos, pode ser compreendida pelo confronto que há com

o limite do saber dos servidores. A maioria dos servidores apresentam dificuldades na

elaboração do termo reduzido e ao uso de uma linguagem jurídica, sendo ambas as fontes de

sofrimento ao servidor. Atender o usuário leigo, mais humilde, com baixa escolaridade não

leva ao confronto a limitação do conhecimento do servidor, por isso o destaque aos usuários

mais instruídos.

3.1.3.2 Relações com os superiores hierárquicos e com os pares

As relações de trabalho no Tribunal de Justiça apresentam uma rígida relação

hierárquica, sem espaço para exceções, o uso da criatividade, tudo é baseado na lei. As ordens

são sempre verticais, os servidores não têm escuta, participação nos processos de mudança no

Juizado especial. Essa realidade provoca desmotivação, baixo empenho, desmobilizando os

servidores em relação a mudanças e reivindicações, desencadeando um sentimento de

desvalorização, pois o conhecimento e a experiência adquirida no dia a dia de trabalho não

são reconhecidos na hora de os superiores pensarem em mudanças na organização do

trabalho.

As reuniões do Juizado Especial são sempre entre as chefias ou coordenadores e

chefes, os servidores não participam. Quando há reunião interna é para a chefia passar alguma

mudança no setor ou no sistema para os servidores; dificilmente há espaço para ouvir a

opinião dos servidores sobre o trabalho ou para avaliá-los.

Os servidores explicaram que as decisões do setor de ajuizamento não dependem

apenas do chefe, que também tem um superior; ambos demonstram “ser intransigentes”, não

aceitam a opinião dos servidores, acham que sempre estão com a razão. Isso acaba

desmobilizando os servidores em contribuir com estratégias para melhorar e facilitar o

trabalho. Quando ocorrem mudanças no setor de ajuizamento, os servidores não são

consultados sobre o que precisa mudar e o que fazer para melhorar; são os superiores que

planejam e determinam a mudança, sem consultá-los.

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O chefe é tão assim, como eu posso dizer [...]. São tão intelectuais que não tem

noção do trabalho que a gente faz. Então eles querem impor um tipo de serviço que

eles acham que vai dar certo, mais eles não têm idéia do que acontece ali em baixo;

ele nunca sentou na cadeira lá pra ver a situação, pra ver como é que a gente

atende, como é que o requerente trata a gente. O cara vem sem documento [...]. Isso

aí ele não tem idéia (FALA DE UM SERVIDOR).

Dejours (2007b) compreende que existe uma defasagem entre “descrição gerencial

do trabalho” e “a descrição subjetiva do trabalho”; sendo a descrição subjetiva do trabalho

construída a partir das vivencias dos trabalhadores, do real do trabalho e a descrição gerencial

está relacionada aos setores de métodos, pelos setores de recursos humanos e da qualidade.

Essa distancia entre o real do trabalho segundo o trabalhador e a descrição gerencial do

trabalho, partindo dos métodos, das prescrições, torna o trabalho cada vez mais penoso e

difícil.

Os servidores falaram que existe um bom relacionamento com o chefe, o percebem

como uma pessoa próxima, sensível às necessidades dos servidores, educado, coloca os

servidores para desenvolver outra atividade (digitalizar documentos, reprografia) quando este

não está em condições emocionais para atender o público. Está sempre pronto para ajudar,

orientar; dando suporte técnico quando o servidor está em dúvida quanto a um termo técnico

ou lei, suprindo algumas limitações, tanto dos servidores quanto dos estagiários.

O chefe è uma pessoa super consciente, educada com o servidor (FALA

DE UM SERVIDOR).

Os servidores afirmaram que o Juizado Especial está muito melhor, mais organizado,

todas as mesas de atendimento estão funcionando, o setor já recebeu elogios do Juiz devido à

sua organização e ao bom andamento do trabalho.

O setor de Ajuizamento está muito diferente de antes, graças a competência do

chefe, tem vários estagiários, todas as mesas de atendimento estão funcionando. Já

receberam até elogios do Juiz (FALA DE UM SERVIDOR).

O Chefe está diretamente em contato com os servidores, porém o trabalho deles é

avaliado pelos Juízes, passando primeiramente pelo assessor do Juiz e, caso haja algum

problema ou o termo reduzido esteja escrito de forma inadequada, o chefe é chamado, sendo

devolvido o termo para que o servidor faça as correções; ou seja, os servidores não têm

contato direto com o Juiz e poucas vezes recebem algum tipo de avaliação ou reconhecimento

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do seu trabalho. O trabalho de atendimento ao público de um dos setores de ajuizamento foi

elogiado pelo Juiz pelo bom atendimento dos servidores aos usuários.

Graças a Deus o chefe do nosso setor gosta de trabalhar com o público; o Juiz até

elogiou a gente, a gente atende bem! (FALA DE UMA SERVIDOR).

Os servidores têm seu trabalho avaliado pelo Juiz, sendo o Chefe do setor a conexão

entre eles, mas é o Juiz quem determina o modo de trabalho.

Eles querem, alguns deles, uns dois ou três, que as coisas saiam do jeito deles, e não

é assim, agente tem o nosso trabalho e eles têm o deles, se eles acharem que o nosso

não está na forma como eles querem, que eles resolvam, eles tem o poder para isso,

mais não eles querem se intrometer, já aconteceu de o nosso chefe ser chamado,

“olha isso está errado, não é assim (FALA DE UM SERVIDOR).

A mesma problemática das relações hierárquicas foi apresentada na pesquisa de

Garcia (2011), realizada com os Servidores da Vara da Justiça do TJ-AM: “embora o juiz não

seja uma liderança ativa e presente nas rotinas dos cartórios judiciais, a representação de sua

chefia é plena e hierarquicamente superior à gerência dos diretores”. O Juiz exerce um peso e

sua influencia se faz sentir em todos os âmbitos. O que leva a uma vivência de sofrimento e

confusão por parte dos servidores, que muitas vezes não sabem a quem seguir as orientações e

dar satisfação de suas atividades.

Outro ponto destacado pelos servidores é a sensação de desamparo, devido à falta de

apoio do Juiz quanto às dificuldades de relacionamento com o público, pois mandou retirar os

cartazes fixados nas paredes dos Juizados Especiais com a lei e sua penalidade sobre o

“Desacato ao servidor público”. Segundo os servidores o Juiz não quer que se chame a polícia

ou o segurança, em caso de desacato ao servidor; recomenda que o setor encontre uma

solução a partir do diálogo e não da violência, pois trabalham em um setor que defende a

Conciliação. Entretanto, os servidores não se sentem preparados nem seguros para enfrentar

situações conflituosas com o usuário; geralmente chamam o chefe do setor para conversar e

resolver a situação.

Quanto ao relacionamento com os pares, os servidores falam que a equipe é unida e

que podem contar com o apoio uns dos outros. Alguns servidores relataram que evitam ao

máximo faltar ao trabalho, pois se preocupam com a sobrecarga dos colegas. Quando

realmente necessitam faltar, os servidores avisam antecipadamente, para que o chefe possa

diminuir o número de senhas distribuídas neste dia.

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A relação dos servidores com os estagiários mostrou-se harmoniosa. Os servidores

percebem que a entrada de estagiários no trabalho de atendimento ao público contribuiu para

diminuir a sobrecarga de trabalho que existia antigamente. Atualmente todas as mesas de

atendimento do Juizado Especial estão preenchidas.

3.2 Sofrimento, defesas e sintomas de adoecimento

Na abordagem da psicodinâmica do trabalho o sofrimento para é inerente ao homem,

e “inevitável a todos aqueles que trabalham”. Cabe ao sujeito o destino que dará a esse

sofrimento; pode transpor o sofrimento, inicialmente passivo, para ativo, impulsionando o

sujeito à ação, em busca de subverter o sofrimento em prazer (DEJOURS, 2007c). Quando o

sofrimento é produto de uma organização do trabalho rígida, sem espaço para que o

trabalhador possa se envolver e resolver os conflitos existentes no desenvolvimento de sua

tarefa, esse sofrimento é acentuado, levando o sujeito ao uso de estratégias defensivas que, ao

se esgotarem, podem levar à doença.

Neste tópico serão apresentados os agravantes do sofrimento, as estratégias

defensivas utilizadas para lidar com esse sofrimento se mantendo no plano da normalidade e

os sintomas de adoecimento, que surgem a partir da intensificação do sofrimento.

3.2.1 Agravantes do sofrimento no trabalho

Um dos agravantes do sofrimento identificado durante a clínica do trabalho se refere

à dificuldade dos servidores para elaborar o termo reduzido ou petição, por não possuírem

conhecimento no âmbito das leis, nem formação específica.

Os servidores do Juizado especial, em sua maioria, cursaram somente o ensino

médio completo, e os estagiários permanecem no juizado por um período limitado,

determinado pela vigência do estágio, o que prejudica na prestação de serviço ao público, pois

os estagiários começam a ter agilidade e segurança para desenvolver sua atividade quando

estão próximo do encerramento do contrato. Iniciando novamente o ciclo, chegam novos

estagiários. Segundo os servidores, existe uma alta rotatividade no trabalho de atendimento

ao público dos Juizados Especiais; a maioria dos servidores não quer trabalhar neste setor,

prefere o trabalho burocrático por julgá-lo menos estressante que o de atendimento ao

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público. Os que trabalham neste setor por mais de três anos, permaneceram ali porque se

identificaram com o trabalho e já tem maior domínio da atividade; sentem que estão prestando

um serviço muito importante para a sociedade, sendo este o sentido do seu trabalho – ajudar o

cidadão a ter acesso à justiça. Os servidores mais recentes e os estagiários demonstram maior

sofrimento devido à insegurança quanto ao desenvolvimento de sua tarefa – elaborar um

termo reduzido com uma linguagem jurídica; mencionaram que foram “jogados” no

atendimento, “aprenderam na marra”; a única preparação para esse trabalho consistiu em

observar o trabalho do servidor mais antigo por três dias.

O sofrimento foi mencionado durante as sessões da clínica do trabalho através de

alguns relatos, enfatizando o medo de errar, a insegurança em concluir o termo reduzido sem

antes pedir a orientação do chefe, a angústia por não conseguir elaborar o termo da forma

como o usuário quer, tendo que refazer várias vezes, chegando a desistir e pedir que outro

servidor termine o seu trabalho.

Trabalhei em outra área, então eu tive muita dificuldade, até pelo fato de eu ser do

lar né? Não ter faculdade, eu tive certa dificuldade no acompanhamento, mas agora

que já tem um ano, eu to bem [...]. Ainda dou umas vaciladas, mas com os colegas

não, é muito difícil (FALA DE UM SERVIDOR).

A fala do servidor expressa sofrimento devido à falta de conhecimento na área

jurídica. O papel que atualmente um servidor exerce no Juizado Especial, anteriormente era

desempenhado por advogados. Eles elaboravam a petição e davam entrada no Tribunal de

Justiça, antes da criação do Juizado Especial. Os servidores tentam corresponder a esse papel,

mesmo que de forma simplificada, apenas com o conhecimento adquirido no dia-a-dia de

trabalho, sem formação em direito. Lancmam (2011) enfatiza que o espaço do trabalho è a

segunda chance que o sujeito encontra para fortalecer sua identidade, tanto a individual

quanto a social. E o conflito entre o mundo objetivo (organização do trabalho) e o mundo

subjetivo (singularidade de cada trabalhador), pode tornar-se gerador de sofrimento psíquico.

Porque geralmente quem faz esses termos, acredito que já todos tem uma noção de

Direito né? É, estudam, ou faz faculdade, ou é estagiário, já sabem, já é mais fácil

pra eles. Porque às vezes, eles exigem, nas varas, que a gente use linguagem

jurídica. Então é esse, nesse padrão que eu tenho dificuldade. Mas que eu já to

trabalhando e eu já to [...] (FALA DE UM SERVIDOR).

A limitação quanto ao domínio dos termos jurídicos, e em transformar a queixa do

usuário para uma linguagem jurídica, é um agravante do sofrimento no trabalho de

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atendimento ao público no Juizado Especial. Na fala a seguir, o servidor relata uma situação

que ocorreu no seu trabalho e o levou a desistir de concluir a atividade por não conseguir

transcrever o problema do usuário. O que pode ainda, resultar em reclamação da chefia.

Tá com uma dificuldade lá (o usuário), ela já começava a falar outra coisa, aí eu

botava outra coisa que ela tava falando, já tava na 3ª vez! Aquilo já foi subindo,

começando a me dar uma angústia. Eu não consegui, aí eu *(rindo) você que é o

homem das letras, tem sabedoria, sente aqui (rindo). Aí, eu fui lá pra trás: ai, eu

quero morrer! Então, é assim, esse sofrimento eu tenho (FALA DE UM

SERVIDOR).

Os servidores utilizam como estratégia de enfrentamento a cooperação, pois

ressaltam que a equipe é unida e há disponibilidade dos chefes para ajudar e orientar quando

necessário.

Durante as sessões de clinica do trabalho, alguns servidores apresentaram uma

sugestão para diminuir a dificuldade no uso da linguagem jurídica e a elaboração do termo

reduzido: a realização de um curso de capacitação específico, direcionado a essa necessidade,

com uma duração maior que o treinamento recebido inicialmente (três dias). Os servidores

gostariam que os cursos incluíssem em seu conteúdo algumas leis, os tipos de petições

cabíveis, proporcionando uma visão mais ampla do aspecto jurídico ao servidor.

3.2.2 Sobrecarga psíquica

Os servidores referiram que existe uma sobrecarga de trabalho devido à distribuição

inadequada das tarefas. O trabalho dos servidores exige muita atenção, concentração, domínio

de linguagem jurídica, poder de síntese e criatividade, pois os casos são sempre diferentes. Os

servidores relatam sentir-se “sugados”, “descarregados”, “no seu limite”, sentem dor de

cabeça constantemente. Sendo que esse aspecto não é considerado pelas chefias, pois mantém

o atendimento independente do estado mental em que se encontra o servidor. Isso se agrava

devido à má distribuição do número de atendimentos por servidor, pois alguns servidores

atendem mais que outros.

E outra coisa, eles tem que entender a gente, porque assim, é muito cansativo, a

gente tá ali só sugando o problema dos outros né? e diz: “não mas “quando tu

terminar aí tu pode atender..”.aí tu, meu amigo...uma pessoa dessas atendeu cinco,

seis pessoas já tá com a cabeça desse tamanho! a gente é humano, não é máquina

não! (FALA DE UM SERVIDOR).

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A média de atendimento diário é de cinco usuários por atendente, o que gera uma

sobrecarga, provocando dor de cabeça, dor na vista, stress. Sendo este o motivo de vários

servidores pedirem para mudar de função, não agüentarem o ritmo do trabalho. Os servidores

relataram que quando passam uma hora atendendo o usuário “não raciocina mais”, é muita

informação “chegam a confundir, inverter a história do usuário”, confirmando a sobrecarga

psíquica que o trabalho de atendimento ao público exige.

O coletivo de trabalhadores expressou que só consegue atender o número exigido

diariamente, de trinta pessoas, na unidade situada no Bairro de Aparecida, porque cinco a dez

usuários findam não concretizando o atendimento por falta de documentação; ou ainda

procuraram o tribunal apenas para pedir informação.

Como estratégia de regulação, para amenizar essa sobrecarga, os servidores criam

um intervalo para tomar um cafezinho; dão uma volta pelo prédio, pedem férias, licença;

sentem a necessidade de se afastar por um tempo do ambiente de trabalho, como uma forma

de se recompor, recuperar as energias.

Em relação à distribuição de senhas, os servidores explicaram que, em caso de falta

de algum servidor ou estagiário, há uma sobrecarga sobre os demais; geralmente o numero de

senhas distribuídas permanece o mesmo. Nem sempre o servidor telefona antecipadamente

comunicando sua ausência, para que haja tempo de diminuir o nº de senhas distribuídas.

A estratégia de Regulação que os servidores encontraram para amenizar essa

sobrecarga é contar com o apoio do chefe que geralmente assume um posto de atendimento

para ajudá-los.

Ainda relacionado à sobrecarga de trabalho, foi mencionado o aumento da carga

horária dos servidores, cuja jornada anteriormente era de 8:00h às 14:00h e atualmente se

estende de 8:00h às 15:00h, sendo justificado devido ao atraso na demanda de processos do

Tribunal de Justiça. Segundo os Servidores, esse atraso decorre do número insuficiente de

Juízes para atender todo o Estado do Amazonas. Essa situação de sobrecarga gera um

sentimento de injustiça nos servidores e impotência, pois nada podem fazer para mudar essa

situação.

3.2.3 Sobrecarga psíquica com ênfase emocional

Outro agravante do sofrimento é a sobrecarga psíquica com ênfase emocional, pois o

atendimento ao público demanda uma implicação subjetiva indispensável para o

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desenvolvimento de sua atividade. Entretanto essa fonte de sofrimento é inevitável, pois é

necessário ter empatia com o usuário como condição para atender bem.

A gente absorveu tudo, que nem uma esponja; e passa pra eles tudo direitinho.

Então eu acho que esse ponto aí da gente, de lidar com o público é muito difícil

(FALA DE UM SERVIDOR).

Os servidores, em sua maioria, confirmaram ser difícil não se envolver com o

problema do usuário durante o atendimento; absorvem uma grande carga de emoção que o

problema apresenta, geralmente associado à raiva e angústia.

Quando você ouve o problema dos outros, realmente aquilo suga a gente, você

fica... Entendeu? Realmente, eu fico descarregado (FALA DE UM SERVIDOR).

O sofrimento evidenciado na fala a seguir expressa o desejo do servidor de atender

a necessidade do usuário. O servidor quer ajudar de alguma maneira a amenizar o sofrimento

do outro, mas nem sempre isso é possível, pois alguns casos não cabem ao Juizado Especial e

tem que ser encaminhado à Justiça Comum. Na percepção dos servidores, o usuário

considera que o servidor do Juizado é a pessoa que vai resolver seus problemas, amenizar o

sofrimento; não conseguir ajudá-lo gera angustia e sofrimento no Servidor. Para amenizar

esse sofrimento os servidores escutam o usuário e o orientam ou encaminham ao órgão

responsável. Essa conduta do servidor contribui para que o usuário saia mais tranquilo e

agradecido.

A gente estava falando dessa angustia que a gente tem, do fato que aparece. Parece

que a gente está acostumada com essas situações, mais sempre aparecem coisas

novas, sempre aparece também... Que a gente sofre também, que a gente vê muito

cidadão que chega lá e chora na nossa frente, bate o desespero, porque ele bateu em

todas as portas, já foi em outros tribunais, já chega lá... Parece que a gente é a tábua

da salvação, assim, ou que vai resolver tudo (FALA DE UM SERVIDOR).

O trabalhador sente dificuldades em separar os problemas do trabalho e os problemas

pessoais, pois o trabalho ocupa um lugar central na vida do sujeito. Segundo Dejours

(1994/2011e), o trabalho articula a esfera social e a esfera privada, as relações sociais de

trabalho e as relações domésticas. O servidor fica tão envolvido emocionalmente com o

problema dos usuários que começa a influenciar em seu modo de ver a vida, começa a

desacreditar em algumas coisas, a desconfiar de seus amigos, como evidenciado a seguir:

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Às vezes a gente sai de lá, parece que está levando um monte de pedras no ombro,

não sei com vocês, mais por mais que a gente trate bem às pessoas, afeta sim, afeta

aquela situação [...]. Você se angustia você começa a descrer em tudo, até na tua

vida, quem é teu amigo (FALA DE UM SERVIDOR).

Essas falas indicam que uma das grandes dificuldades do trabalhador do atendimento

ao público é lidar com o sofrimento do outro. Isso não estava prescrito, não fazia parte da

prescrição do trabalho dos servidores no momento em que assumiram essa função. Somente

diante do real do trabalho descobrem que, além de atender ao usuário, transformar a queixa

em uma síntese com uma linguagem jurídica, necessita lidar com o sofrimento do outro.

Segundo Dejours (1993/2011a) é nesse momento que começa o trabalho, justamente quando o

trabalhador encontra dificuldades em seguir rigorosamente o prescrito, quando se defronta

com o real do trabalho, gerando um sentimento de fracasso; o qual irá solicitar do trabalhador

um enfrentamento desse sentimento através da sua autonomia, inteligência e criatividade.

A sobrecarga no trabalho de atendimento vai além da quantidade de atendimentos.

Refere-se à intensidade do trabalho, ao necessário envolvimento no plano afetivo. A exigência

não é só intelectual, mais também afetiva.

A exigência afetiva no trabalho de atendimento ao público pode levar o servidor a

um esgotamento afetivo, muito comum em profissionais que trabalham diretamente com o

público. Tamayo (2002) compreende o esgotamento afetivo como um dos sinais da síndrome

do Burnout, caracterizada pelo esgotamento físico e emocional, decorrente da tensão

emocional crônica, vivenciada por profissionais que prestam cuidados ou assistência a

pessoas, através de um relacionamento intenso e frequente. A despersonalização é um dos

componentes da síndrome de Burnout, caracterizada pelo desenvolvimento de sentimentos e

atitudes negativas e de cinismo frente aos usuários do trabalho, com um embrutecimento

afetivo, decorrente da “coisificação” da relação. Nesse caso o cliente é tratado como objeto,

de forma fria (MALASCH & JACKSON apud TAMAYO, 2002).

Um dos servidores do Juizado Especial apresentou um sintoma de Burnout,

caracterizado pelo embrutecimento afetivo frente à problemática do usuário, não mais

demonstrando sensibilidade diante do problema. O sintoma apareceu como fruto do

sofrimento durante anos de trabalho de atendimento ao público, onde o desgaste emocional

tornou-se evidente.

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Sim, minha senhora, o quê que eu tenho a ver com a sua panela ligada no fogo né?

Entendeu? Outras que chegam lá “olha, hoje a senhora não vai poder ser atendida

porque falta o documento tal” “mas amanhã eu posso vir aqui?” “não, minha

senhora é uma seqüência. a senhora tem que entender. “Não, mas, porque o meu pai

tem problema na perna e eu tenho que ficar cuidando dele!” Sim, mas não tem outro

parente? “não, não tem outro parente”. É só a senhora e o seu pai no mundo? “É”.

Não acredito (FALA DE UM SERVIDOR).

Outro servidor foi diagnosticado com a síndrome de Burnout e tirou licença do

trabalho. Quando diagnosticado, o servidor trabalhava em outro setor do Tribunal de Justiça,

fazendo cumprir mandados de Justiça, retirando famílias inteiras de terras que foram

invadidas, fechando estabelecimentos públicos como igrejas, bares, por fazerem barulho em

horários não permitidos e sons em alturas acima do permitido; trabalhava direto com o

cidadão sempre acompanhado por escolta policial. O servidor relatou que seus amigos do

trabalho acharam “frescura”, pois os sintomas não eram visíveis, “è, mas porque eu não

aparento isso aí, eu chego normalmente, mas por dentro [...]” (fala de um servidor).

3.2.4 Sentimento de Injustiça relativo à organização e aos desdobramentos do trabalho

Os servidores relataram sentimento de injustiça e de sobrecarga em relação aos

atendimentos, pois alguns servidores são mais ágeis atendem a um maior número de pessoas e

os mais lentos atendem um número menor sem nenhuma consequência, o que desmobiliza o

servidor em investir no seu trabalho.

Nós somos muito rápidas no que fazemos, assim; a gente não enrola, a gente fez

uma pastinha com os nossos modelos. Como os termos são muito parecidos, a gente

só vai copiando e colando pra não ter que ir com o chefe toda hora “Ah, como é que

é isso?”. Nós temos os nossos modelos. Só faz mudar algumas coisinhas, um ou

outro pedido e a gente vai liberando. Aí ele sempre vai mandando pra mim ou pra

ela [...]. Isso é um pouco injusto porque nós, às vezes, atendemos três, quatro; o

outro colega, um ou dois (FALA DE UM SERVIDOR).

Quando os servidores foram questionados quanto ao que poderiam fazer para mudar

essa situação de injustiça, responderam que não podem deixar o cidadão esperando quando há

um atendente desocupado. Segundo eles, alguns servidores, até mesmo estagiários,

apresentavam esse comportamento com o propósito de trabalhar menos. Essa situação

demonstra uma falha na supervisão do chefe. Porém os servidores não percebem a parcela de

responsabilidade do chefe por essa situação de injustiça e admitiram não se sentir á vontade

para falar sobre esta questão com ele, pois quando o procuram para conversar no ambiente de

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trabalho, todos escutam, não tem privacidade. Preferem não falar nada para evitar fofoca e

contendas entre os colegas de trabalho.

Existe também sofrimento relacionado à percepção de injustiça e ao sentimento de

impotência diante de processos simples que são arquivados, sem que os servidores possam

intervir, pois a decisão cabe ao juiz.

Muitas vezes dá vontade de chegar lá e dizer: “por que o senhor não fez isso aqui, o

senhor é juiz, tão simples, o senhor não podia ter arquivado assim; pois é, então dá

vontade de fazer isso, que eles fazem muitas.., são poucos, mais isso acontece, por

incrível que pareça [...]. É injusto (FALA DE UM SERVIDOR).

O trabalho traz consigo dois aspectos que são de suma importância para a saúde

mental: a eficiência do trabalho, mensurado em quantidade e qualidade do produto e serviço,

e outro, a realização de si mesmo (DEJOURS, 2011g). Quando o trabalhador não vê o

resultado do seu trabalho, no caso dos servidores do Juizado Especial, o resultado do

processo, a causa ganha, tem a sensação que o sentido do seu trabalho foi perdido, pois não

houve um fechamento favorável, apesar de seu esforço.

3.2.5 Baixo investimento no aperfeiçoamento profissional

Existe uma carência no Tribunal de Justiça do Amazonas relacionada ao

investimento na qualificação profissional dos servidores, principalmente nos que possuem

apenas o ensino médio, pois, segundo os servidores, o tribunal só oferece cursos para os

técnicos de nível superior.

Acho que o tribunal é um pouco injusto com o funcionário de nível médio e até um

pouco mais baixo, eles não fazem nada para capacitar, reciclar, é só mesmo para

quem tem nível superior (FALA DE UM SERVIDOR).

Como estratégia de regulação, alguns servidores procuraram por conta própria se

qualificar, cursar uma faculdade, um curso de informática. O sofrimento surge quando eles

percebem suas limitações para desenvolver a atividade, conhecer os termos técnicos, elaborar

uma síntese do relato do usuário e digitar; para resolver esse impasse, eles buscam

aperfeiçoamento por iniciativa própria.

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É relativo, isso é muito relativo... a qualificação que eu tenho é porque eu fui

buscar, né? Eu fiz com o meu próprio rendimento, eu faço pra mim, as minhas

graduações que são três, eu fui por conta própria... faço crítica à administração.

Quer dizer, eu tive o interesse de ir buscar a graduação pra mim, para eu poder me

qualificar melhor, o [curso] de informática eu fui fazer, entendeu? Porque eu tenho

que sobreviver né? E se eu não for atrás [...] (FALA DE UM SERVIDOR).

Os servidores também mencionaram a falta de perspectivas de crescimento

profissional. Percebem que os profissionais de fora do tribunal têm mais oportunidades de

entrar e assumir cargos comissionados do que os que já estão dentro. Consideram que o

tribunal não valoriza os seus servidores, não investe em plano de carreira, em

desenvolvimento profissional, gerando sentimento de injustiça, desvalorização e

desmotivação no servidor.

De uma hora para outra eu vi chegar duas meninas, de vinte e um ou vinte e dois

anos, recém formadas, sem sequer terem recebido o diploma ainda (levaram uma

certidão), sendo contratadas como analistas, ganhando pelo menos o triplo do que

eu ganho. Não que elas não mereçam. Então eu protesto quanto à forma, né. Então

você se sente desvalorizado, desmotivado (FALA DE UM SERVIDOR).

A falta de valorização dos servidores pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, também

foi apresentado nos resultados da pesquisa com os servidores da Vara do Tribunal de Justiça

do Amazonas, desenvolvida por Garcia (2011), a qual compreende que, essa falta de

valorização está relacionada à “cultura do favoritismo”:

É importante ressaltar que a “cultura do favoritismo” é evidente na instituição

analisada, e que é comum a contratação de pessoas para que elas tenham um

emprego ou porque são conhecidos ou parentes de alguém importante. é corriqueiro

também o oferecimento de privilégios e regalias a alguns funcionários, independente

de serem contratados ou concursados (GARCIA, 2011).

Os servidores também ressaltam como desencadeador de sofrimento, a falta de

reconhecimento do tribunal de justiça ao Servidor que não tem formação em direito. Aqueles

graduados em áreas afins e os de nível médio, afirmam que só o advogado é reconhecido,

valorizado e tem mais oportunidade de crescimento no Tribunal.

Pro meu antigo setor, eu solicitei que eu queria qualquer curso para eu melhorar a

minha cultura. E me mandaram lá pro bombeiro! A minha intenção? era um

superior, porque eu não sou formado em [...] eu não sou [...] eu queria ser um

advogado, uma coisa assim, para tentar entender melhor o tribunal. Eu sou um

mero engenheiro, aqui não se dá muito valor pra quem não é [...] [advogado]

(FALA DE UM SERVIDOR).

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3.2.6 Dificuldade no relacionamento com os Servidores lotados nas Varas

Existe também a falta de reconhecimento e cooperação dos servidores da Vara da

Justiça, que funciona no mesmo prédio do Juizado Especial, pelo trabalho dos servidores. A

falta de cooperação prejudica o andamento do trabalho, sobrecarregando o serviço do Juizado

Especial. Pois muitas vezes os servidores precisam se deslocar para pedir aos servidores da

vara que façam as tarefas de sua responsabilidade, provocando um mal estar entre as equipes.

Já é complicado ter que atender o público que isso é normal, é uma obrigação, essa

é uma complicação mesmo, mas ainda tem isso de problemas que mandam lá pra

gente que eles poderiam dizer: “Não, tá aqui, solicita, tá aqui a sua digitalização,

assina aqui, pronto!”. Então, é uma sobrecarga que a gente tem, mas é por isso que

muitos, servidores saem irritados! (FALA DE UM SERVIDOR).

A falta de cooperação entre a Vara e o Juizado Especial prejudica não apenas os

Servidores, mas também o cidadão que deu entrada em uma ação e precisa acrescentar algum

documento no processo, sendo encaminhado de um lado para o outro até que alguém se

responsabilize pelo serviço que está solicitando.

Os funcionários das Varas são tão preguiçosos que, por exemplo, eu abro um

processo, faço toda a digitalização e esqueço a nota fiscal. O usuário pode depois

chegar direto na Vara, pegar um documento tipo uma petiçãozinha e solicitar a

digitalização daquele documento, para entrar nos autos. Sabem o que eles fazem?

Os funcionários da Vara é quem tem que fazer isso, mas dizem: não é mais a gente e

mandam lá embaixo com a gente, eles dizem: “É lá no ajuizamento que vocês têm

que fazer isso” (FALA DE UM SERVIDOR).

Foi identificado também que existe uma rivalidade e um desconhecimento mútuo do

trabalho, entre os servidores da Vara da Justiça e dos Juizados Especiais. Em ambos os setores

há uma falta de conhecimento da complexidade do trabalho dos servidores e

consequentemente uma falta de reconhecimento. Os servidores do Juizado Especial percebem

o trabalho dos servidores da vara como uma atividade burocrática, repetitiva, apenas carimba

e arquiva documentos. Já os servidores da vara percebem o trabalho do Juizado Especial

“como um local de tirar Xerox”, reduzindo a importância deste setor. Entretanto os servidores

do setor de ajuizamento destacam que “o ajuizamento é o local por onde tudo começa”.

Eles acham que a gente lá embaixo não sabe fazer redução a termo, pra eles, o que

a gente escreve, não é nada! Pergunta se eles fazem lá! Não fazem! Assim, esse tipo

de reconhecimento, eles não sabem dizer: „pô, lá os caras tem trabalho mesmo‟.

Eles não têm nem idéia do que a gente faz lá (FALA DE UM SERVIDOR).

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Conforme Dejours (1995/2011c), a falta de reconhecimento pelo coletivo, até mesmo

pelo coletivo ligado ao primeiro pela semelhança, dificulta a transformação do sofrimento do

trabalho em prazer, assim como a mobilização subjetiva, o engajamento do sujeito no

trabalho. “Faz-se necessário o reconhecimento dos coletivos entre si”.

3.2.7 Baixa autonomia dos servidores

Os Servidores devem apenas transcrever a pretensão do cidadão, independente de

haver ou não possibilidade de ser deferido o requerimento, pois é direito do cidadão ter sua

pretensão apreciada. Essa situação gera sentimento de insatisfação e limitação nos servidores,

que gostariam de poder fazer mais pelos usuários, orientando-os a partir de sua experiência

profissional.

Os servidores relataram que, às vezes, é necessário descumprir as regras, orientando

o usuário. Isso significa burlar, transgredir a norma para bem executar sua tarefa, o que gera

um conflito, pois podem ser punidos ou chamados á atenção pelo chefe, sendo um agravante

do sofrimento.

O Chefe já disse: não pode fazer isso, mas eu oriento, eu gosto de ajudar (FALA DE

UM SERVIDOR).

A restrição quanto à autonomia no trabalho conduz a uma vivência de sofrimento e a

um esvaziamento do sentido do trabalho, principalmente quando o usuário perde a causa por

falta de orientação. A autonomia está relacionada à liberdade, a possibilidade do trabalhador

desenvolver sua atividade do seu modo, independente das prescrições que constituem seu

trabalho. A falta de autonomia agrava o sofrimento, pois impede que o sujeito use sua

criatividade, sua inteligência transformando o que lhe faz sofrer (lacuna existente entre o

prescrito e o real) em prazer (MORAES; VASCONCELOS & CUNHA, 2012).

A gente não pode dizer o que o usuário tem direito; ele chega lá e eu não posso

falar nada. Isso me deixa muito restrito, não posso ir além daquilo. Se a gente

pudesse falar o que ele tem direito, eu acho que ele ganharia, a sociedade ganharia

[...] (FALA DE UM SERVIDOR).

A autonomia pode ser compreendida segundo Moraes et al.(2012), como “o nível de

independência do sujeito em relação as prescrições, objetivos e métodos que constituem seu

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trabalho”. Ou seja, é a liberdade do trabalhador na realização de seu trabalho, criando novas

formas além das prescritas, utilizando a sua inteligência prática, transformando assim o

sofrimento do não saber em prazer de saber fazer. Em contrapartida, a falta de autonomia

caracteriza uma organização do trabalho rígida, a qual reduz à possibilidade de expressão do

sujeito, tendo que seguir as regras e normas estabelecidas previamente, o que pode causar

prejuízo à inteligência prática, agravando o sofrimento.

O trabalhador deseja se engajar, mas as regras e o estilo da chefia não permitem o

uso do potencial do sujeito, que não tem autonomia para contribuir com a organização do

trabalho. Também não há espaço privativo para falar com os colegas sobre o trabalho,

dificultando a troca de saberes entre o coletivo, o que provoca sofrimento e desmobilização

no servidor.

Tem que funcionar do jeito dele. Então é assim, ser chefe é o seguinte: realmente é

organizar o setor, comandar, levar o serviço da melhor forma possível, mais dar um

pouco de liberdade pra quem trabalha junto com ele, né? Porque eu não estou no

exercito (risos) pra fazer o que meu comandante manda (rindo) não é? Porque a

gente não tem liberdade de nada, então autonomia é zero! (FALA DE UM

SERVIDOR).

Os agravantes do sofrimento no trabalho de atendimento ao público dos servidores

do Juizado Especial do Amazonas, conforme mencionados neste tópico, são decorrentes de

uma organização do trabalho rígida em sua estrutura de funcionamento e hierarquia, que não

oferece espaço para discussão e o diálogo entre os servidores. A baixa autonomia destacada

pelos servidores contribui para a baixa mobilização e resignação do servidor diante do

sofrimento. Restando a eles utilizar as estratégias defensivas para amenizar ou disfarçar seu

sofrimento, sem alterar, portanto a organização do trabalho.

3.2.8 Estratégias de Defesa

As estratégias defensivas são recursos que os sujeitos usam para se defender e não

adoecer diante do sofrimento decorrente do trabalho. As defesas desempenham um importante

papel para assegurar a saúde dos trabalhadores.

Foi identificada nos servidores como estratégia defensiva a passividade, que está

relacionada à falta de ação dos trabalhadores diante de situações desgastantes em que

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desistiram de lutar por mudanças, e foi sinalizada por Moraes (2011) em pesquisa com

operadores no Pólo Industrial de Manaus.

Os servidores falaram da dificuldade em se relacionar com o público, com os

usuários mais exaltados, “grosseiros”, e quando foram questionados ao que eles poderiam

fazer para melhorar essa situação, os servidores permaneceram calados por um instante, e

quando responderam, demonstraram certa passividade, baixo nível de mobilização,

indiferença, pareciam ter desistido de lutar.

Em relação ao usuário mais grosseiro, ninguém pode fazer nada. Só atender,

engolir e partir para a obrigação (FALA DE UM SERVIDOR).

A passividade foi identificada também ao serem questionados durante as sessões da

clínica do trabalho, do porque de não falarem para o chefe suas insatisfações, reivindicações,

sobre as questões que estavam colocando nas sessões. A resposta da maioria demonstrou

resignação, ou seja, um conformismo com a situação, “não tem o que discutir, pode até

querer”. Os servidores percebem que o Tribunal de Justiça é regido por leis, que nenhum

coordenador ou chefe podem alterar; estavam se referindo ao aumento da carga horária de

trabalho, devido ao grande número de processos em atraso no Brasil.

É só mais de trabalho, porque essas coisas a gente nem comenta, comentar o que?

Fazer o que? [...] não tem nem o que discutir... a gente não tem poder nenhum de

resolver isso, pode até querer (FALA DE UM SERVIDOR).

Como evidenciado a seguir, o servidor demonstra sentimento de impotência e

conformismo diante do fato de ter que atender usuário nervoso, alterado emocionalmente,

como se fizesse parte do trabalho, e não podem fazer nada para mudar. Essa conduta do

servidor demonstra o uso de defesas do tipo resignação, adotando uma posição de renúncia,

conformidade diante das dificuldades no trabalho e da necessidade de mudanças.

Tem que atender o público bem, por mais que eles chegam naquelas circunstâncias,

nervosismo, alterado, tem que engolir e pronto, respirar fundo e, fazer o que?

(FALA DE UM SERVIDOR).

Os servidores falaram que ficam irritados quando os usuários não confiam no

trabalho deles, por pensarem que estão trabalhando de má vontade, por não poder dar

continuidade ao atendimento devido à falta de documentos, ou por problemas no sistema que

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sai do ar. Ao serem questionados durante a clínica do trabalho ao que fazem quando estão

irritados com os usuários, os servidores responderam:

Eu levanto, vou beber água ou fico calado, saio lá fora (FALA DE UM

SERVIDOR).

Vou ao banheiro, lavo meu rosto, bebo uma água (FALA DE UM SERVIDOR).

Diante do sofrimento decorrente das pressões e constrangimentos relacionados ao

atendimento ao público, o servidor utiliza como estratégia defensiva a repressão da raiva e da

agressividade.

Silva, E. (2011) relaciona as vivências de tensão, atrito, mal-entendido que ocorrem

com freqüência no atendimento ao publico, a uma defesa denominada “autorrepressão”, a

qual impede a manifestação por palavras ou ações e faz com que a irritação seja interiorizada.

Representa um desgaste a saúde individual e o esforço para manter uma imagem de

autocontrole emocional.

O servidor não pode demonstrar ao usuário que está irritado com a sua falta de

compreensão do que está sendo explicado no momento do atendimento, nem quando o

próprio servidor não consegue passar para o papel o problema do usuário conforme está sendo

relatado. A repressão da raiva e a expressão do autocontrole é uma constante no trabalho de

atendimento ao público.

Em outra situação durante o atendimento ao público, o servidor sente dificuldade em

transcrever o problema do usuário; começa a ficar impaciente, nervoso, mas não pode deixar

transparecer. Na fala abaixo, percebe-se que o servidor brinca com a situação, ri ao falar de

uma situação geradora de sofrimento, utilizando como estratégia defensiva o Chiste (FREUD

apud MORAES, 2010) que dentro do contexto de fazer piada, rir do próprio sofrimento, “é

um recurso para se defender da depressão, sendo favorável para os que utilizam”. Rir de uma

situação que provoca sofrimento é uma forma de tornar mais leve a realidade.

Eu peço ajuda aos universitários. eu grito logo da minha mesa: ajuda dos

universitários!! (ri) (FALA DE UM SERVIDOR).

[...] É sério, eu não to brincando com a senhora não. (ri) eu faço qualquer graça

(ri) eu faço qualquer coisa pra...eu né! quando eu to assim meio, querendo me

envolver demais aí começo a rir...porque, a gente se aborrece, fica de mal humor.

principalmente quando explica três vezes, de três maneiras diferentes, aí a criatura

não entende! aí, então tu [...] (FALA DE UM SERVIDOR).

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A estratégia defensiva de Racionalização foi identificada na fala de um servidor

quando este tenta justificar as dificuldades do trabalho com o uso de argumentos socialmente

valorizados; mantendo o foco de análise afastado da organização do trabalho. O servidor não

consegue perceber a parcela de culpa da organização do trabalho, que não investe no

aperfeiçoamento profissional, não prepara o trabalhador para o exercício da função e

orientações de como lidar em situações conflitantes com o publico, como evidenciado a

seguir:

Mais eu acho, me desculpa o PROCON e outras instituições, mais você é servidor ,

funcionário do supremo tribunal de justiça, eu acho que você tem que ter

capacidade de resolver esse tipo de situação , tem que estar apto, o cara que

trabalha em um órgão de importância imensa, essa é a minha visão (FALA DE UM

SERVIDOR).

O servidor utilizava uma barreira durante o atendimento como estratégia defensiva

para amenizar o sofrimento pertinente à dificuldade no relacionamento com o usuário. Ao

ouvir o problema que expressa sofrimento, o servidor mantém certa distância emocional, para

não se envolver com o sofrimento do outro. Conforme exemplifica a fala abaixo:

Fácil não é, mas aí nós precisamos... sabe quando um médico tem que dar uma

notícia ruim? Se acostuma, se habitua, entendeu? Fica aquela coisa meio que no

automático. Você chega na minha mesa e começa a falar e eu capto aquilo que eu

quero ouvir e começo a fazer as perguntas em cima daquilo, direcionadas

exatamente pro problema em si da pessoa. Então, pelo menos da minha parte, eu

tento pelo menos não me envolver. Eu procuro ser bem assim mesmo fria (FALA DE

UM SERVIDOR).

Diante do que foram apresentadas sobre as estratégias defensivas utilizadas pelos

Servidores para amenizar o sofrimento encontrado diante do real do trabalho, as defesas de

resignação e passividade foram as que mais se destacaram nas falas dos servidores durante a

clínica do trabalho. Sendo que ambas dificultam a mobilização dos trabalhadores e a

transformação da realidade do trabalho. Essa conduta dos servidores diante dos problemas e

dificuldades encontradas no trabalho pode ter sido influenciada pela estrutura rígida

hierárquica a qual estão submetidos no Tribunal de Justiça, onde quem detém o poder e a voz

são apenas os superiores hierárquicos e os Juízes, não encontrando abertura, nem espaço para

o diálogo e troca de experiência.

Quando as defesas são ineficazes diante do sofrimento, os trabalhadores podem

apresentar sinais e sintomas de adoecimento como estresse, depressão, burnout, dentre outros.

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3.2.9 Sinais e sintomas de adoecimento

Durante as sessões da clínica do trabalho dois servidores apresentaram sinais de

adoecimento decorrente do desgaste no relacionamento com o público e a sobrecarga de

trabalho. Ambos trocaram de função e não mais realizam atendimento ao público; um passou

a realizar atendimento virtual (recebia petições de advogados via internet) e a outra

digitalização e reprografia.

O servidor que foi trabalhar com a digitalização solicitou ao chefe sua saída do

Juizado Especial dizendo que gostaria de mudar de setor. Para não perder o servidor, o chefe

resolveu colocá-lo como responsável pela digitalização dos documentos dos usuários que são

anexados aos processos.

Eu ia sair do setor, eu não estava alegre lá embaixo (atendimento) (FALA

DE UM SERVIDOR).

Ai ele viu que eu tava mais querendo, que eu tava, até com isso, eu tava me

estressando, ele disse: tu quer fazer digitalização? Tá! Me arrependi de ter

dito isso (FALA DE UM SERVIDOR).

Na época em que trabalhava com o atendimento ao publico, o servidor começou a

apresentar alguns sinais de exaustão emocional, muito comum em profissionais que trabalham

diretamente com o público, sinalizando o quadro de Burnout (MALASCH; JACKSON apud

TAMAYO, 2002). Uma de suas características e a mais evidente no comportamento do

servidor foi a despersonalização, caracterizada pelo desenvolvimento de sentimentos e

atitudes negativas e de cinismo frente aos usuários do trabalho, com um embrutecimento

afetivo, decorrente da “coisificação” da relação. Nesse caso o cliente é tratado como objeto,

de forma fria.

Fora aqueles que chegam lá, que ´tenho filho pequeno´, ´não posso deixar minha

casa´, ´o meu pai é velho não pode sair de casa´. Então me dá vontade é dizer

assim: o que eu tenho a ver com isso? Se a senhora não tem ninguém para ficar com

o seu pai, seu filho, tirar o dia? Sabe, eles querem que a gente dê solução para a

vida toda, pessoal deles, tá entendendo? (FALA DE UM SERVIDOR).

Esta fala do servidor demonstra uma falta de empatia, o “embrutecimento”. O

Servidor apresenta sinais de cansaço, baixo nível de tolerância diante das dificuldades no

relacionamento com o usuário.

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Sim, minha senhora, o quê que eu tenho a ver com a sua panela ligada no fogo né?

Entendeu? Outras que chegam lá “Olha, hoje a senhora não vai poder ser atendida

porque falta o documento tal” “Mas amanhã eu posso vir aqui?” “Não, minha

senhora é uma sequência. A senhora tem que entender. “Não, mas porque o meu pai

tem problema na perna e eu tenho que ficar cuidando dele!” Sim, mas não tem outro

parente? “Não, não tem outro parente”. É só a senhora e o seu pai no mundo? “É”.

Não acredito (FALA DE UM SERVIDOR).

Atualmente o servidor está desenvolvendo outra atividade e serve de apoio aos

atendentes, sente falta do trabalho de atendimento ao público, já pediu ao chefe para voltar ao

atendimento, mas o chefe não quer, acha melhor ele continuar na digitalização. Durante a

clínica do trabalho, o servidor era quem mais se incomodava com os problemas dos outros

servidores com os usuários, com a quantidade de atendimentos realizados diariamente;

apresentou sentimento de injustiça e baixo nível de tolerância em sua fala.

O meu stress tá sendo visível, eu chego lá não tenho vontade de trabalhar... hoje foi

um dia que eu já cheguei assim, sabendo que eu vou fazer aquela mesma coisinha,

sabe? (FALA DE UM SERVIDOR).

A digitalização de documentos para o servidor também é um trabalho “estressante”,

“repetitivo”, chegando a ser mais estressante que o atendimento ao público segundo o

servidor.

A digitalização é uma das mais chatas que tem de se fazer, entendeu? Porque a

pessoa tá ali, levanta, vai lá pra aquela porcaria e fica lá contando papel, aí depois

eu volto lá e vou ter que colocar na sequencia a documentação. Isso é estressante!

(FALA DE UM SERVIDOR).

O servidor foi readaptado e está desempenhando uma função desprovida de sentido,

na qual o próprio servidor busca encontrar sentido e valorizar o seu trabalho, como

exemplificado na fala abaixo:

Como eu tenho certa agilidade, até de colocar o papel, tirar o papel, é muito

rápido. Aì isso faz a gente atender mais. Por isso hoje a gente está acabando o

atendimento mais cedo (FALA DE UM SERVIDOR).

O sentido do trabalho encontrado pelo servidor é ajudar os colegas tornando mais

rápido os atendimentos.

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Diminuiu o tempo de espera, alguns atendentes não se estressam, porque,

digitalização é coisa chata, aquele mesmo procedimento. Pra mim não tem

problema não, me estresso, mas pelo menos eu sei que um estressado e dez ficando

aliviado, eu to me sentindo bem já! (FALA DE UM SERVIDOR).

Devido ao trabalho repetitivo, o servidor relatou sentir dores nos braços, segundo ele

tem dias que chega a digitalizar mais de “setenta folhas para um só usuário”; mas ainda não

procurou um médico.

Quando eu chego à minha casa, ás vezes, minha mão está doendo. Por causa

daquele movimento repetitivo, né? Mas isso é de menos pra mim (FALA DE UM

SERVIDOR).

Outro servidor que apresentou sinais de adoecimento, também foi afastado do

atendimento ao público e desenvolve atualmente atividade virtual. O servidor apresentava

dificuldade em se comunicar com os usuários, sua voz é muito alta e soa em um tom

agressivo, gerando constrangimentos e situações vexatórias em alguns momentos.

Eu não posso trabalhar com o público porque aquilo eu vou absorvendo tudo para

mim, ai eu começo a passar mal (FALA DE UM SERVIDOR).

O servidor tem dificuldade em não se envolver com os problemas dos usuários,

relatou sentir-se como uma “esponja”, absorvia tudo e isso lhe causava sofrimento.

Atualmente seu trabalho é analisando petições virtualmente, não tem contato com o usuário,

sente-se muito bem nesta atividade e reconhece que atendimento ao público é para “Heróis”.

Somos heróis, todos nós aqui... mais a gente tá falando de momento assim, muito de

trabalho nè? Mas eu acho que a nossa maior dificuldade é lidar com o publico! A

gente tem que estar todo dia preparado (FALA DE UM SERVIDOR).

Essa fala nos remete a uma das maiores dificuldade do trabalhador do atendimento

ao público, lidar com o sofrimento do outro, e isso não estava prescrito, evidenciando a lacuna

existente entre o trabalho prescrito e o real do trabalho. Para a servidora só sendo um herói

para dar conta, estar preparado para enfrentar as dificuldades do trabalho de atendimento ao

público.

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3.3 Mobilização subjetiva

Não é possível conceber um trabalho que não inclua sofrimento, pois sempre diante

do real do trabalho ocorrerá o imprevisto, o inédito, que foge da prescrição e provoca

inicialmente ansiedade, que poderá mobilizar o sujeito a encontrar meios de resolver o

imprevisto. Dejours (1993/2011a) compreende que o trabalho é mobilizado justamente onde a

ordem tecnológica-maquinal é insuficiente. Ou seja, o trabalhador tenta inicialmente seguir as

prescrições da atividade para desenvolver seu trabalho, mas chega um momento que as

prescrições se tornam insuficientes e o trabalhador precisa investir se mobilizar encontrar

outras formas através de sua intuição, experiência prática, para conseguir concluir sua

atividade (idem).

No entanto, os trabalhadores procuram formas de transformar o sofrimento em

prazer. Os elementos que favorecem essa transformação são: a autonomia, em que os

trabalhadores exercitam sua inteligência prática; a cooperação adquirida através da confiança

entre os pares, o reconhecimento (dos pares, usuários e superiores) e o espaço da fala e da

escuta. Os servidores apresentam mobilização subjetiva para transformar as situações

geradoras de sofrimento em prazer no trabalho (DEJOURS 1993/2011a).

3.3.1 Inteligência Prática

Os servidores criaram formas de trabalhar que não estavam prescritas, que se

mostraram eficazes para agilizar os atendimento e facilitar a elaboração dos termos reduzidos:

foi a criação das pastas com modelos de casos parecidos.

Porque a gente cria uma metodologia própria de trabalhar, né? À medida que a

gente vai fazendo os termos, a gente salva numa pasta e quando tem os casos

parecidos, a gente copia e cola, adéqua ao caso em si, específico (FALA DE UM

SERVIDOR).

Os servidores consultam sites de endereços de pessoas jurídicas e débitos anteriores

dos usuários com os fornecedores de água da cidade, Departamento de trânsito, pesquisam o

nome e sobrenome do reclamado para conseguir o endereço completo, o que facilita o

andamento do trabalho.

Ao atender reclamações contra a prestadora de serviços “Águas do Amazonas”, os

servidores tinham que digitalizar várias contas de água, o que despendia tempo e os usuários

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reclamava pela demora. Os servidores encontraram uma forma de tornar ágil o trabalho,

acessando o site da prestadora de serviço, digitando o nº de matricula e o CPF do usuário que

todos os dados referentes às contas de água eram localizados e impressos. Essa forma de

trabalhar não era conhecida por todos os servidores do Juizado Especial, e o espaço de

discussão proporcionado pela clínica do trabalho colaborou para a divulgação desse

conhecimento. Na concepção Dejouriana, a inteligência prática, quando compartilhada, se

configura como sabedoria prática.

Para lidar com os usuários mais difíceis, que chegam com um comportamento

autoritário, de estresse, com mau-humor, os servidores aprenderam que ao tratá-los com

cordialidade essa conduta do usuário é desmontada. Alguns servem cafezinho, água, quando

percebem que o usuário está muito nervoso ou agitado. E quando estão acompanhados de

crianças, os servidores oferecem papel, imprimem um desenho localizado via internet e

oferecem para a criança ficar pintando enquanto os pais estão sendo atendidos, contribuindo

assim para um melhor desenvolvimento do trabalho. Os servidores demonstram estar

mobilizados e procuram meios de facilitar o dia a dia no trabalho.

No nosso setor a gente costuma até assim servir cafezinho, água, quando a gente vê

que a pessoa está muito assim, quando vai criança a gente já desenvolveu assim

tirar um desenho pra ela ficar pintando enquanto a mãe está se expondo, assim né,

dá lápis de cor e tudo, a gente tenta melhorar nesse sentido (FALA DE UM

SERVIDOR).

Quanto aos mobilizadores de prazer, de sentido no trabalho, os servidores

mencionaram a possibilidade de ajudar o cidadão comum, de baixa renda; acompanhar todo

processo e perceber que o usuário obteve um resultado favorável, a partir de sua contribuição;

a diversidade dos casos que enriquecem seus conhecimentos e contribuem para seu

aprendizado; todos os dias surgem casos novos no Juizado Especial sendo este um desafio

para os servidores. Alguns não aceitam atender os casos novos, complexos, por medo de não

dar conta e outros aceitam como desafio e contam com a ajuda e orientação do chefe. Sentem-

se preparados para trabalhar em qualquer setor do tribunal.

O que tem de bom no nosso ambiente de trabalho é poder ajudar as pessoas, que

vão lá desesperadas, muitas já chegam lá chorando, que eu não acho que seja

teatro, realmente eles chegam muito,complicado emocionalmente na nossa frente e

vai de você conseguir captar o que ele está te falando e tentar no mínimo possível,

tentar ajudar da melhor forma aquela pessoa (FALA DE UM SERVIDOR).

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O prazer está relacionado ao ser útil, servir, ajudar o cidadão, os servidores relataram

que gostam de ser reconhecidos na rua, cumprimentados nos lugares públicos, são referencia

aos amigos e vizinhos no que se refere à Justiça. Esse é o papel social do trabalho dos

servidores, o que contribui para o fortalecimento da identidade do sujeito.

Acho que qualquer um tem vontade de ajudar o outro. Somente quando chega, a

maioria das vezes chega pessoa boa, calma, tranquila. Então, você se sente bem em

ajudar, entendeu? Vou passar todas as informações, bonitinho, fazer o

procedimento certinho, entendeu? Então, isso é bom. Eu pelo menos me sinto

confortável, prestativo pra isso, entendeu? Saio, termino o dia “pô, fiz alguma coisa

pra alguém” (FALA DE UM SERVIDOR).

Relataram também sentir prazer em trabalhar no Tribunal de Justiça, uma instituição

de grande importância para a sociedade, poder ajudar as pessoas, ter bons relacionamentos

com os colegas de trabalho, com o chefe; seus horários são diferenciados proporcionando que

continuem seus estudos, cursem uma faculdade e o salário é gratificante.

O relacionamento com os colegas de trabalho, com o chefe, também são referidos

como fontes de prazer, está pautado pela cooperação, confiança e respeito pelas limitações de

cada um.

Já no meu trabalho é diferente, lá onde estou hoje, eu já tenho prazer, mesmo se eu

estiver com problema em casa, eu já quero ir, pelo fato dos meus amigos, nós somos

uma equipe muito unida, uma equipe que se gosta, desde o chefe, a gente fala do

chefe por que ele é uma pessoa que, né? Muito prestativa, ensina, ele sabe brigar e

sabe [...] é difícil num lugar ter uma pessoa assim (FALA DE UM SERVIDOR).

O sentido do trabalho para Dejours (1992) é pertinente ao conteúdo significativo do

trabalho em relação ao objeto, e que a produção pode ter uma função social, econômica e

política. E mesmo que o engajamento pessoal no objetivo social da produção não seja

possível, nunca haverá uma neutralidade dos trabalhadores em relação ao que eles produzem.

No caso dos servidores, o sentido do trabalho é poder ajudar a comunidade, facilitar o acesso

a justiça e o reconhecimento advindos desse trabalho.

Os servidores do Juizado Especial denominam seu trabalho como complexo, exige

criatividade, não tem rotina, pois elaboram uma ação específica para cada cidadão, sempre

tem algo novo, diferente; e essa característica do trabalho gera inicialmente tensão e

ansiedade, pois exige criatividade, inteligência, atenção e domínio das leis. Ao mesmo tempo

gera prazer, pois ao término de cada ação os servidores podem apreciar “a sua obra” e vão

adquirindo maior experiência e conhecimento. Essa liberdade quanto ao uso da criatividade

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na elaboração dos termos reduzidos se torna um ponto favorável para a saúde mental do

trabalhador, pois através da sua “obra”, pode ocorrer o reconhecimento dos pares, do usuário

e do chefe, contribuindo para que o servidor continue mobilizado a investir no seu trabalho.

3.3.2 Reconhecimento

Dejours (1995/2011c) compreende que o reconhecimento está relacionado ao outro, e

na sua ausência predomina o sofrimento patogênico e as estratégias defensivas, provocando

inevitavelmente desmobilização. O reconhecimento é essencial para que o sujeito se mobilize

contribuindo através de sua atividade, de sua ação para novos modos de organização do

trabalho.

O reconhecimento é compreendido em dois sentidos: o de gratidão, pelas

contribuições proporcionadas pelos trabalhadores no ajustamento da organização do trabalho

e o reconhecimento como constatação, passando por julgamentos específicos, como de

utilidade e beleza. O julgamento de utilidade – proferido pela hierarquia, seus superiores, está

relacionado ao valor utilitário da contribuição do sujeito ao reajuste da organização do

trabalho. O julgamento de beleza confere a individualidade, e também está subdividido em

duas partes, o julgamento de conformidade do trabalho com as regras da arte, o que ele tem

em comum com os outros integrantes do coletivo; e o julgamento sobre a singularidade, o que

o distingue por suas qualidades, lhe confere originalidade (idem).

O reconhecimento dos usuários que retornam para agradecer pela ajuda é um mobilizador de

prazer no trabalho dos Servidores no atendimento ao público.

A parte boa do trabalho é justamente isso, vai mais gente boa, que vai lá com boa

fé, mais humilde, que gente de má fé, cara enjoada lá, entendeu, acontece muito isso

e, graças a Deus, nesses 4 anos que estou lá, são poucas as pessoas que a gente tem

problemas, dor de cabeça; quase... de 30 que vai lá, 25 se levantam e pô muito

obrigado, vocês atenderam a gente bem, todos os atendentes (FALA DE UM

SERVIDOR).

Percebe-se que os servidores estão engajados no trabalho, sensibilizam-se com as

injustiças com os colegas, reconhecem a contribuição de cada um para melhorar a dinâmica

do trabalho, como o trabalho do servidor responsável pela recepção e triagem, que ficou mais

ágil. Valorizam o trabalho de alguns servidores que elaboram muito bem os termos reduzidos,

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e isso è muito importante dentro das organizações e principalmente entre os pares, pois vai

incentivá-los a continuarem investindo, a estarem mobilizados no trabalho.

3.3.3 Cooperação

O relacionamento com os pares segundo os servidores é pautado na cooperação e

amizade; se denominam como uma equipe unida. Os servidores destacaram que os colegas

alertam uns aos outros para que não abram ação repetida; pedem para o chefe tirar o colega

que não está bem emocionalmente do atendimento ao público naquele dia; concluem o

trabalho do colega quando este encontra dificuldade em escrever o termo reduzido.

Então nós temos essa união muito grande, é muito bom. O ambiente entre os

colegas é muito bom. Nós rimos nos divertimos, também (FALA DE UM

SERVIDOR).

Para Dejours (1993/2011a) a cooperação está relacionada à vontade das pessoas de

trabalharem juntas e de superarem coletivamente as contradições que surgem da organização

do trabalho. Para que haja cooperação é necessário confiança entre os sujeitos; o inverso seria

a desconfiança e a competição. A cooperação é um ponto relevante nas relações de trabalho

dos servidores do Juizado especial; juntos superam as dificuldades encontradas no

desenvolvimento de suas atividades, seja na dificuldade em concluir um termo reduzido ou

lidar com um usuário mais difícil, ou manter a ordem na sala de espera para que possam

trabalhar, fortalecendo as relações e enfrentando as contradições no ambiente de trabalho.

[...] Geralmente eu não tinha aquele prazer de ir trabalhar, já no meu trabalho é

diferente, lá onde estou hoje, eu já tenho prazer, mesmo se eu estiver com problema

em casa, eu já quero ir, pelo fato dos meus amigos, nós somos uma equipe muito

unida, uma equipe que se gosta, desde o chefe (FALA DE UM SERVIDOR).

Dejours (1994/2011g) defende que “nenhuma situação de trabalho é redutível a

objetivos meramente utilitários, pois para trabalhar é necessário também viver junto...”. As

relações sociais estabelecidas no trabalho são de suma importância, incluindo a união entre os

pares; é através dela que vem o compartilhar das dificuldades no trabalho, as estratégias de

enfrentamento, a cooperação, o reconhecimento, o prazer e o fortalecimento da identidade do

sujeito, que contribuem também para a saúde mental do trabalhador.

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E quando a gente está com problemas pessoais, a gente consegue detectar, aí

quando eu chego, elas já percebem que eu não estou legal, já me colocam pra eu

não ficar atendendo, mas a gente consegue fazer isso, se ela está com problemas

pessoais, pra não ficar já com aquele sofrimento, entendeu, você já está com

problema e ainda ter que escutar os problemas dos outros, então lá nós temos essa

sensibilidade uns com os outros, se eles não estiverem bem, “não júnior, eu faço pra

ti, fica ali um pouquinho” (FALA DE UM SERVIDOR).

O relacionamento com os pares e o chefe é importante para manter o equilíbrio, a

saúde mental, para enfrentar os desafios, problemas e sofrimento decorrente do trabalho. Os

servidores colocaram que a equipe está sensível quanto aos problemas e dificuldades do dia-a-

dia de trabalho, oferecem apoio, demonstram empatia, proporcionando prazer em trabalhar

junto.

3.3.4 Espaço de Discussão na clínica do trabalho

O próprio espaço físico do trabalho não contribui para que os servidores tenham um

momento para conversar, falar com o chefe, pois não há uma copa ou espaço para tomar um

café, nem uma sala para o chefe, o que acaba desmotivando o servidor a fazer uma

reivindicação ou reclamar de alguma situação ocorrida no ambiente de trabalho. Também não

há reuniões sistemáticas, e quando há reuniões se destinam a falar de aspectos objetivos do

trabalho, não havendo espaço para ouvir os trabalhadores; “é só mais de trabalho, porque

essas coisas a gente nem comenta, comentar o que? Fazer o que?” (fala de um servidor).

Sinalizam que falar de melhorias no ambiente, das relações, cobrar mudanças ou expor uma

insatisfação, como foi o caso do aumento da carga horária de trabalho, não lhes parece

integrante do trabalho.

Dejours (1994/2011g) enfatiza a importância da existência de um espaço de

discussão, no próprio trabalho; de reuniões informais durante o café, no refeitório, nos

intervalos, em momentos de confraternização (coquetéis, festas), sendo esse espaço propício

para a criatividade e para a iniciativa.

Os servidores mencionaram que os encontros da clínica do trabalho foram

significativos para eles, pois tiveram a oportunidade de falar do seu trabalho, conhecer o

trabalho e as dificuldades encontradas pelos servidores de outros Juizados, e assim passaram a

ter maior sensibilidade em relação ao sofrimento do outro (servidor e usuário).

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Hoje aconteceu isso aí. Faltaram três servidores e a P. não tá vindo, aí ficou só três

atendendo. Essa hora que eu achei injusto o chefe. Eu cheguei :“Chefe, é melhor

pegar a senha lá fora. Tem muita gente aí e só tem três atendentes”. Ele disse:

“Não, não, deixa aí”. Tá vendo que só tem três atendentes, tinha umas 20 pessoas

ali dentro. Quer dizer que, no mínimo, uma vai atender sete pessoas (FALA DE UM

SERVIDOR).

Essa fala do servidor demonstra a sensibilidade, a união da equipe; o que ficou mais

forte após as reuniões da clínica do trabalho. Os servidores passaram a ter maior consciência

da dificuldade, da sobrecarga que é atender muitos usuários em um só dia, e houve uma

mobilização por parte deste servidor para solicitar que o chefe diminuísse a quantidade de

senhas, pois só havia três servidores.

Eu me senti ferido por eles porque deu vontade de dizer “Poxa, Deixar rolar senha,

chegando mais gente [...]”. Isso me irritou” (FALA DE UM SERVIDOR).

Os servidores falaram ainda que seria importante ter um espaço como a clínica do

trabalho no Juizado Especial, que foi significativa a experiência de falar sobre o trabalho,

desabafar, reclamar, conhecer o trabalho do outro, as dificuldades dos colegas que em sua

maioria são as mesmas para toda a categoria; foi importante para trocar experiência e sentir

força, motivação, para reivindicar algumas coisas, pois não se trata da reclamação ou a da

dificuldade de um servidor, mas de uma equipe.

No começo, deu pra pensar um pouco, né? Principalmente porque havia a

participação do setor de ajuizamento dos outros fóruns e pra meio que comparar

ver o que é semelhante, o que é diferente e, sobretudo, quanto ao trabalho em si [...]

(FALA DE UM SERVIDOR).

O servidor ressalta que a clínica do trabalho o levou a uma maior reflexão em relação

ao trabalho, contribuiu para o seu aprendizado através da troca de experiência com os

servidores de outros Juizados; percebeu que as dificuldades encontradas no trabalho do

Juizado Especial são as mesmas dos colegas e agora se sente mais forte para falar ou

reivindicar com o chefe, pois o problema não é só dele.

Pra mim, assim, foi bom, né? Falar um pouquinho do que a gente...se abrir um

pouquinho, soltar esse pouquinho. Acho que a gente tem essa...alguma coisa dentro

da gente que a gente quer dizer, né? E aqui foi um grande motivo pra falar o que

sentia, o que queria, o que quer, né? O que pode fazer. Pra mim foi isso aí, foi muito

bom, queria reclamar um pouco do meu chefe, foi gostoso (risos) (FALA DE UM

SERVIDOR).

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A proposta da clínica do trabalho é favorecer a mobilização, a reflexão e a ação

transformadora, que mude o que faz sofrer, subvertendo o sofrimento em prazer no trabalho.

A maioria dos servidores não demonstrou mobilização no momento da clínica; mostraram

estar incomodados com algumas dificuldades encontradas no trabalho, mas sempre esperando

que o pesquisador dissesse o que eles deveriam fazer e como fazer. Talvez essa conduta seja

reflexo das relações hierárquicas rígidas e pouca autonomia dos servidores, o TJ-AM não tem

a cultura de uma organização participativa, onde os trabalhadores são ouvidos e atendidos.

Esse comportamento passivo também foi identificado na pesquisa realizada no Tribunal de

Justiça no Amazonas por Garcia (2011).

É importante ressaltar que a ausência da ação em busca de saídas que provoquem

modificações na gestão do trabalho não é somente resultante da falta de iniciativa pessoal,

mas acima de tudo parece ser conseqüência da tradição hierárquica mantida na instituição, em

que somente os chefes, os magistrados, realizam mudanças ou provocam transformações.

O trabalho no Juizado Especial não propicia aos servidores um espaço de discussão,

nem o momento nem o espaço geográfico em si, como foi colocado anteriormente sobre a

falta de uma sala para o chefe, para reuniões. Não tem espaço também para uma copa, o que

os servidores têm na sala é um espaço bastante estreito, atrás de um armário de arquivos, um

frigobar e em cima uma cafeteira, mas só entra um de cada vez, pois é muito estreito o

espaço, não tem nem cadeira para sentar. Essa situação dificulta a troca de experiência, a

conversa informal, um momento de relaxamento, para amenizar as dificuldades encontradas

no trabalho.

Segundo Silva, E. (2011) existe uma necessidade dos trabalhadores de encontrarem

meios de amenizar a tensão e fadiga sentida no ambiente de trabalho, sendo manifesta em

variadas práticas individuais e coletivas. Citando como exemplo as práticas grupais, como as

conversas informais durante um intervalo, ou na entrada e saída. Assim como na “hora do

cafezinho”, o relato de anedotas e brincadeiras tem a mesma função: descontrair.

A falta de um espaço de discussão, reuniões que proporcione aos trabalhadores um

espaço para falar e pensar em modos de agir pode contribuir para o surgimento de doenças

psicossomáticas e distúrbios psíquicos devido à repressão da raiva, angustia e

descontentamento. (idem)

A dificuldade do Tribunal de Justiça em criar um espaço de discussão para os

servidores é a falta de profissionais da área da psicologia, pois são poucas psicólogas no

quadro de servidores e as que fazem parte estão nos setores de Recursos humanos. E para ser

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realizado o espaço de discussão com o chefe poderia gerar constrangimentos por parte dos

servidores e medo de serem

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CONCLUSÃO

A análise do material da pesquisa realizada com os servidores do Tribunal de Justiça

do Amazonas, no trabalho de atendimento ao público do setor de ajuizamento, destacou que a

organização do trabalho possui uma divisão rigidamente hierárquica, havendo pouca

autonomia; com metas de quantidade e qualidade de atendimentos, regras formais como

dispositivos jurídicos, controlados por supervisão de superiores. O trabalho dos servidores

possui características de natureza complexa e exige muita atenção, concentração e domínio de

termos jurídicos, embora não seja oferecida uma capacitação formal. Outra característica da

organização do trabalho é a prescrição limitada da atividade de atendimento ao publico, que

possui disposições gerais da lei 9.090, que rege o trabalho do Juizado Especial. A elaboração

do termo reduzido não possui um formulário próprio, dada a singularidade de cada caso,

sendo necessário um investimento subjetivo, com o uso da inteligência, da criatividade e o

domínio dos termos jurídicos, o que provoca sofrimento, pois é necessário que os servidores

consigam redigir os termos reduzidos de forma que sejam compreendidos pelos diferentes

Juízes; há varas que possuem doze Juízes, alguns dos quais são bastante exigentes. Por outro

lado, o fato de não haver uma padronização apresenta um aspecto favorável à autonomia, pois

dá uma sensação de liberdade para criar, o que mobiliza o prazer, pois no Juizado Especial

cada caso é específico. Pode haver semelhanças, mas cada um tem suas peculiaridades. As

prescrições, ainda que limitadas quanto ao detalhamento das atividades, trazem muitas regras,

consideradas rígidas pelos servidores, relativas a aspectos legais, que dificultam o

desenvolvimento da atividade. A organização do trabalho não permite a participação dos

servidores nos processos de mudança; as reuniões são apenas para informes, não há troca de

saberes entre os superiores e os servidores, o que agrava o sofrimento.

Através da clínica do trabalho, identificou-se, como agravante do sofrimento, a

sobrecarga cognitiva e emocional que o trabalho de atendimento ao público demanda, tendo

como uma de suas facetas a exigência do uso de uma linguagem jurídica por servidores que

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possuem apenas o ensino médio e recebe um treinamento insuficiente para o desempenharem

essa atividade com segurança. A sobrecarga emocional se relaciona ao envolvimento afetivo

com o sofrimento do usuário, inevitável, pois, para desempenhar sua atividade, o servidor

precisa se engajar subjetivamente, ouvindo o cidadão e compreendendo sua demanda. Os

servidores relataram ter dificuldade em não se envolver com os problemas dos usuários;

sentem-se como “esponja” absorvendo o problema do outro. Outro ponto compreendido como

desencadeador de sofrimento ao servidor foi a injustiça no Tribunal de Justiça relacionada às

promoções, mantendo a “cultura do favoritismo” e preterindo os servidores que estão há anos

trabalhando na instituição, dado que também foi encontrado na pesquisa na Vara da Justiça de

Garcia (2011). O baixo investimento no aperfeiçoamento profissional dos servidores tem

provocado um sentimento de desvalorização, limitando as expectativas de crescimento, de

promoção; isso pode gerar desmobilização no trabalho, pois percebem que o Tribunal de

Justiça não investe no seu servidor. Os servidores que possuem apenas o ensino médio não

encontram oportunidades de desenvolvimento profissional dentro da instituição, pois os

cursos ofertados aos servidores são direcionados aos que possuem o nível superior e quando

abrem vagas para o nível médio, o numero é insuficiente ou o curso não está diretamente

ligado à sua área de atuação.

Foi identificada ainda uma dificuldade de relacionamento entre os servidores do

Juizado Especial com os servidores da Vara da Justiça, e falta de conhecimento da

complexidade do trabalho da parte de ambos os setores, levando à ausência de

reconhecimento e de cooperação. Os servidores do Juizado Especial pontuam que a falta de

cooperação dos servidores da vara provoca uma sobrecarga no trabalho deles. Segundo

Dejours (1993/2011a, p.91) a falta de reconhecimento é prejudicial à saúde mental do sujeito;

enfatiza que “sem o reconhecimento o sofrimento não pode ser transformado em prazer”.

Os servidores apresentam dificuldades em buscar mudanças, visto que a figura do

Juiz é considerada fonte de autoridade e poder, o que provoca sentimentos de impotência,

resignação e injustiça.

Esses elementos dificultam a transformação do sofrimento em prazer, favorecendo o

uso de estratégias defensivas, que correm o risco de se esgotarem, transformando-se em

comportamentos patológicos no trabalho e por fim, em adoecimento.

Diante das dificuldades em transformar o sofrimento, a estratégia defensiva

identificada entre os servidores foi à resignação, que retrata a conformidade e o sentimento de

impotência diante dos fatos que lhes fazem sofrer. Diante da impossibilidade de diálogo e da

burocracia que permeiam as relações de trabalho, os servidores não pedem mais por

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mudanças, pois sempre esbarravam em impedimentos legais ou hierárquicos que impedem as

mudanças, ainda que tenham o apoio dos chefes imediatos.

Com a intensificação do sofrimento devido às exigências do real do trabalho e ao

esgotamento das estratégias defensivas, surgem as patologias. Os servidores apresentaram

sinais de adoecimento, destacando-se: o esgotamento afetivo, relacionado à síndrome de

Burnout que, segundo Dejours é uma expressão de adoecimento, decorrente do sofrimento

psíquico relacionado à sobrecarga de trabalho, proveniente da precarização das condições de

trabalho e seus reflexos na saúde do trabalhador (DEJOURS, 2006/2011b). Entre os sintomas

apresentados pelo servidor, destacou-se a despersonalização, caracterizada quando o servidor

desconfiava da realidade do sofrimento, dos problemas apresentados pelos usuários, sendo

incapaz de demonstrar empatia com o sofrimento do outro, o que sugere embotamento

emocional, manifestado na indiferença no trato com os clientes. Também foram mencionados

outros sinais e sintomas de adoecimento, relacionados ao estresse e às Lesões por Esforço

Repetitivo (LER/DORT).

Durante as sessões da clínica do trabalho foi percebido um conflito, em relação ao

papel dos servidores no Juizado Especial, que incide sobre a identidade deste sujeito. Muitos

cidadãos tratam os servidores do atendimento ao público como advogados; quando chegam ao

conciliador pensam ser o Juiz. Antes da criação do Juizado Especial, quem desempenhava

esse papel de elaborar uma ação, um termo reduzido, era o advogado. E percebe-se que os

servidores encontram realização em ocupar e em corresponder a esse papel. Em vários

momentos da clínica do trabalho foi percebida uma dificuldade de relacionamento com os

advogados. Os servidores não aceitam ser desafiados ou chamados à atenção pelos usuários

advogados, como se houvesse uma competição entre eles. Os advogados e os usuários mais

instruídos confrontam o saber-fazer dos servidores, apontam o limite do seu conhecimento,

provocando sentimento de humilhação. Alguns servidores mencionaram a intenção de cursar

uma faculdade de direito para poder desempenhar melhor sua atividade, oferecer um serviço

de qualidade e ser reconhecido no Tribunal de Justiça. Segundo a concepção Dejouriana o

trabalho é a segunda chance de o indivíduo fortalecer sua identidade, ser reconhecido

socialmente, encontrar sentido no que faz; mas esse conflito dos papeis apresentado pelos

servidores pode gerar uma crise de identidade, e consequentemente agravar o sofrimento.

Apesar das dificuldades encontradas na organização do trabalho (falta de

reconhecimento de servidores das varas, os limites à autonomia, a sobrecarga), os servidores

conseguem dotar de sentido o seu trabalho e ressignificar seu sofrimento, encontrando prazer

através da relevância de seu trabalho de atendimento ao público no Juizado Especial para a

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sociedade; de poder ajudar o cidadão comum, de baixa renda, a ter acesso à Justiça; e ver o

êxito do seu trabalho através da decisão favorável ao cidadão. A diversidade dos casos que

atendem enriquece e contribui para o aprendizado e crescimento profissional; os servidores

mencionaram que o trabalho não é fácil, mas é muito gratificante, principalmente pelos

relacionamentos positivos no trabalho, a cooperação e a amizade entre os pares e o chefe,

além do reconhecimento dos usuários, que sempre agradecem ao serviço prestado pelos

servidores.

A clínica do trabalho promoveu um espaço para elaboração e perlaboração das

vivencias subjetivas, contribuiu para mudanças ao ampliar a compreensão do servidor em

relação ao seu trabalho. Proporcionou-lhes o desenvolvimento da empatia, pois, segundo os

servidores, passaram a perceber o sofrimento do usuário, dispensando maior atenção e

paciência para os problemas que estes apresentam durante o atendimento. A partir da

experiência de falar e ser escutado, vivenciada na clínica, conseguiram permitir ao outro essa

experiência, deixando o usuário falar do seu sofrimento, reduzindo a ansiedade e organizando

melhor suas ideias.

A clínica do trabalho também contribuiu para mobilizar os servidores em busca de

meios que amenizassem o sofrimento relacionado à sobrecarga e à distribuição inadequada

das senhas para os atendimentos, que gerava sentimento de injustiça, pois alguns servidores

findavam trabalhando mais que outros, sendo privados de um intervalo entre os atendimentos,

necessários para manter o equilíbrio e bem trabalhar. Os servidores criaram uma forma de

facilitar e distribuir os atendimentos sem sobrecarregá-los através do sistema de informática.

Os servidores atendem ao usuário e, quando concluem o atendimento, clicam em uma tecla do

computador que sinaliza no computador da recepção se o servidor está disponível ou não,

reservando um pequeno intervalo para levantar, tomar água, ou até mesmo concluir a parte

escrita do atendimento anterior. O chefe mencionou esse arranjo com “orgulho”, querendo

mostrar que a clínica do trabalho ajudou de alguma forma na melhoria do trabalho neste setor

de ajuizamento.

Na sessão devolutiva, realizada com as chefias, tendo o consentimento dos

participantes da clínica, apresentam-se algumas recomendações de modificações na

organização do trabalho. Sugeriu-se a criação de um espaço de reuniões mensais entre os

servidores e a chefia, com a participação de um profissional da psicologia do Tribunal, se

necessário, para intermediar as discussões com os trabalhadores. Sugeriu-se também a criação

de uma política de educação continuada para os servidores, possibilitando um melhor

desempenho profissional, e enfrentamento das limitações surgidas no seu cotidiano; as

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atividades sugeridas são: cursos, oficinas, incentivos ao ensino superior, plano de carreira,

promoções justificadas pela qualificação e experiência profissional do servidor. Sugeriu-se

ainda uma modificação nesse espaço de trabalho de atendimentos, de forma a tornar mais

adequado ao desempenho das funções, no que se refere ao isolamento acústico; um espaço

para ficar durante o intervalo, que possa sentar, tomar um café, água, conversar sobre o

trabalho, um espaço de troca e interação, mais reservado. Também se recomendou dar maior

visibilidade ao trabalho do atendimento ao publico desenvolvido pelos servidores do Juizado

Especial, pois são desvalorizados pelos servidores da Vara por falta de conhecimento do seu

trabalho.

A clínica do trabalho cumpriu seu propósito de possibilitar, através da fala e da

escuta do sofrimento relacionados ao trabalho, que os trabalhadores pudessem “reconstruir a

capacidade de pensar e desenvolver estratégias de ação individuais e coletivas para confrontar

com as situações que provocam sofrimento, buscar o prazer e consequentemente a saúde.”

(MENDES, 2007c, p.32). Perceber a evolução do coletivo de trabalhadores, as contribuições

da clínica na mudança de pensamento e atitudes em relação ao trabalho, foi muito gratificante

para a pesquisadora. Houve um desvelar da dimensão subjetiva do trabalho; os servidores

passaram a olhar de modo diferente para o colega de trabalho, a se identificar, a perceber que

este também sofre com as situações decorrentes do trabalho. Os servidores sentiram-se mais

fortes e seguros para falar, reivindicar e se mobilizar para enfrentar as situações agravantes de

sofrimento, como a criação do sistema informatizado para o controle da distribuição dos

atendimentos, que antes gerava sobrecarga para alguns e sentimento de injustiça. Houve

também mudança quanto ao relacionamento com o usuário; o servidor passou a dispensar

maior tempo e paciência para ouvi-lo, diminuindo assim a ansiedade dos usuários durante os

atendimentos.

A clínica do trabalho mostrou-se importante porque, através do falar sobre o

trabalho e suas vivências subjetivas, o trabalhador pôde se ouvir e ouvir os colegas, o que os

levou a reflexão; não só no espaço da clínica, mas em todo o tempo, na vida privada e

pública. Esse processo proporcionou bem estar, desejo de mudanças e força para reivindicar,

pois agora a voz não é individual, mas coletiva.

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APÊNDICES

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104

Universidade Federal do Amazonas – UFAM Faculdade de Psicologia – FAPSI

Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho - LAPSIC

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Convidamos você a participar da pesquisa intitulada “Trabalho e saúde:

abordagem clínica de processos subjetivos em grupos de trabalhadores do Tribunal de

Justiça”, que será realizado pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, autorizando as

pesquisadoras Perla Alves Martins Lima e Patrícia Moraes Furtado a lhe fazerem algumas

perguntas acerca de como você se sente em seu trabalho. A pesquisa tem como principal

objetivo compreender as vivências subjetivas e intersubjetivas relacionadas ao trabalho a

partir da escuta clínica, possibilitando aos grupos de trabalhadores um espaço para a fala, para

a escuta e elaboração das vivências de sofrimento, conduzindo à busca de transformação do

sofrimento e a atribuição de sentido/prazer para o trabalho. Além disso, também se quer

caracterizar a organização de trabalho identificando os principais fatores que agravam o

sofrimento nos trabalhadores do Tribunal de Justiça do Amazonas; identificar e analisar as

formas de defesa e/ou enfrentamento encontradas pelos trabalhadores para lidar com o

sofrimento; compreender os mobilizadores do prazer no trabalho e as formas pelas quais o

sofrimento pode ser transformado em prazer; identificar a possível existência de patologias

relacionadas ao trabalho; sinalizar os processos psicodinâmicos que podem promover a saúde

ou adoecimento.

Serão utilizados para atingir esses objetivos acima sessões de clínica do trabalho que

serão realizadas preferencialmente uma vez por semana ao longo de três meses; cada sessão

terá duração aproximada de uma hora e meia e serão realizadas nas dependências do Tribunal

de Justiça. Todas as sessões de clínica do trabalho serão gravadas em áudio e posteriormente

transcritas na íntegra. Deixamos claro que os dados serão totalmente confidenciais. Não será

usado nome, datas e localizações serão omitidas, bem como detalhes cuja omissão não

comprometa o objetivo deste estudo.

Você não terá nenhum gasto financeiro, bem como não haverá qualquer forma de

pagamento pela participação na pesquisa.

Acreditamos não haver nenhum prejuízo à saúde física ou mental para os

participantes da pesquisa, porém, caso seja necessário, está garantido encaminhamento para

acompanhamento psicológico no CEREST.

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Você tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase da

pesquisa, bem como ter acesso aos resultados da mesma se for de sua vontade.

Enfatizamos que, com sua participação, você estará dando uma grande contribuição,

pois acreditamos que com os conhecimentos construídos por essa pesquisa, você estará

ajudando na compreensão deste tema, além de outros benefícios sociais e científicos. Desta

forma, desde já agradecemos sua participação.

Para qualquer outra informação, você poderá entrar em contato com a coordenadora

Profa. Dra. Rosângela Dutra de Moraes pelo telefone (92) 3305 4127, com email:

[email protected], com endereço na Av. General Rodrigo Otávio Jordão Ramos

3000 Campus Universitário - Setor Sul, Bloco X, ou ainda pelo e-mail [email protected].

Consentimento Pós–Informação

Eu,_____________________________________________ fui informado sobre o

que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha colaboração, entendo a explicação.

Por isso, eu concordo em participar da pesquisa, sabendo que não vou ganhar nada e que

posso sair quando quiser. Estou recebendo uma cópia deste documento, assinada, que vou

guardar.

_______________________________________

Assinatura do Participante Impressão Dactiloscópica

Perla Alves M. Lima / Patrícia Moraes

Furtado Pesquisadoras

Profa. Dra. Rosângela Dutra de Moraes Coordenadora

Data: / /

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À Divisão de Serviço Social e Divisão de Recursos Humanos do Tribunal de Justiça do

Amazonas.

Att.: Sra. Ericéia Queiroz e Jussara Barroncas.

Através da parceria que o Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da

Universidade Federal do Amazonas LAPSIC-UFAM, coordenado pela professora Dra.

Rosângela Dutra de Moraes e o CEREST (Centro de Referência Saúde do Trabalhador)

tivemos acesso à demanda que o Tribunal de Justiça apresenta no momento.

A proposta de trabalho está fundamentada em um método de pesquisa em

Psicodinâmica do Trabalho, a clínica do trabalho. Refere-se à pesquisa com trabalhadores

organizados em coletivo, no caso do tribunal serão os servidores do setor de atendimento ao

cliente, e os pesquisadores também estarão organizados em coletivos de pesquisa, sendo que

dois pesquisadores participarão dos encontros com o coletivo de trabalhadores e um grupo

maior de pesquisadores que fazem parte do LAPSIC-UFAM, farão um trabalho reflexivo

ampliado, através da escuta das gravações de cada atendimento clínico com o coletivo de

trabalhadores.

A base é a escuta clínica do trabalho, em um espaço público, que possibilita a fala, a

escuta, a elaboração e a perlaboracão das vivências subjetivas. Essa modalidade de pesquisa

caracteriza-se como pesquisa e ação, pois a fala se constitui enquanto ação transformadora.

A pesquisa deverá ser desenvolvida preferencialmente no local de trabalho, sem a

presença de membros da hierarquia. Em horários que não ultrapasse sua carga horária de

trabalho, para não sobrecarregar o servidor e atrapalhar as atividades que eles possam

desenvolver após seu expediente de trabalho. As reuniões serão conduzidas pela pesquisadora

Patricia Moraes F. de Moura, psicóloga, mestranda de psicologia da UFAM e uma

pesquisadora auxiliar Perla Alves Martins Lima, psicóloga e mestranda que devem fazer

circular a palavra e favorecer a expressão das vivências subjetivas do trabalhar.

Serão 10 encontros, sendo uma vez por semana, com duração de até 01h30min. O

início das atividades, conforme acordado anteriormente, dar-se-á em outubro de 2011, na

primeira semana, nas quintas-feiras e no dia em que houver feriado a sessão será antecipada

para a terça-feira que antecede ao feriado. Conforme cronograma abaixo:

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DATAS PROGRAMADAS

06/10/2011 (quinta-feira)

11/10/2011 (terça-feira)

20/10/2011 (quinta-feira)

27/10/2011 (quinta-feira)

01/11/2011 (terça-feira)

10/11/2011 (quinta-feira)

17/11/2011 (quinta-feira)

24/11/2011 (quinta-feira)

01/11/2011 (quinta-feira)

08/11/2011 (quinta-feira)

O número máximo de participantes é de 12 trabalhadores, podemos abrir para 15

prevendo algum imprevisto como doenças, viagem ou mesmo desistência em participar do

grupo. A demanda precisa ser espontânea, não se pode fazer pesquisa sem uma demanda

explícita, pois vamos trabalhar com vivências subjetivas de prazer e sofrimento, que

necessariamente passam pela palavra, pois falar é um modo de pensar, mas esse processo não

é automático, as pessoas podem falar sem dizer nada, o trabalhador precisa querer participar

da clínica do trabalho, estar disponível para falar de suas vivências subjetivas em relação ao

trabalho.