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3 VULNERABILIDADES SÓCIO‐ECONÔMICAS
VULNERABILIDADES DA INFRAESTRUTURA DE DRENAGEM URBANA E OS EFEITOS DAS
MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
O SANEAMENTO AMBIENTAL FRENTE AOS CENÁRIOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: A
APLICAÇÃO DO ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE A REALIDADE DA REGIÃO
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DA REGIÃO
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO FACE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
VULNERABILIDADES EM MATÉRIA DE SAÚDE PÚBLICA NA REGIÃO METROPOLITANA DO
RIO DE JANEIRO NA PERSPECTIVA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 201
VULNERABILIDADES EM MATÉRIA DE SAÚDE PÚBLICA NA REGIÃO METROPOLITANA DO
RIO DE JANEIRO NA PERSPECTIVA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Ulisses E. C. Confalonieri, Diana P. Marinho e Martha M. L. Barata | Fundação Oswaldo Cruz ‐ FIOCRUZ
Introdução
O quarto relatório de avaliação (AR4) do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)
proporcionou uma síntese do conhecimento científico acumulado até 2007 sobre as tendências do
sistema climático global, os impactos sócio‐ambientais observados e projetados da mudança do
clima, em nível global e regional, bem como das mitigações das emissões de gases produtores do
efeito estufa.
Embora o AR4 seja de escopo global, o relatório apresenta, além dos capítulos temáticos (ex. saúde;
agricultura; ecossistemas; áreas urbanas, etc.), capítulos regionais (ex América Latina, etc.), que
apresentam as evidências dos efeitos atuais ou projetados para o futuro nos diferentes continentes.
Neste trabalho são discutidas, inicialmente, e de forma sucinta, as principais implicações do processo
de mudança climática sobre a saúde da população humana, tanto em nível global como no território
brasileiro, apontando as atuais vulnerabilidades e possibilidades futuras. A seguir são apresentadas,
com mais detalhes, as vulnerabilidades específicas do município do Rio de Janeiro, através de
estudos de casos. Esta discussão é baseada em conhecimentos históricos sobre as relações entre a
variabilidade climática e a saúde no Brasil e em resultados de pesquisas recentes sobre a distribuição
espacial da vulnerabilidade no espaço geográfico brasileiro, assim como na aplicação de
conhecimentos de ordem mais geral produzidos pelo IPCC.
Mudança climática e saúde
Em linhas gerais, o IPCC (Confalonieri et. al., 2007) reconheceu três mecanismos principais através
dos quais os processos climáticos podem afetar a saúde da população, a saber (Fig. 1):
Efeitos diretos dos eventos climáticos extremos que afetam a saúde através de influências sobre a
fisiologia humana (ex. ondas de calor) ou provocando traumas físicos em acidentes, como em
tempestades, inundações e deslizamento de terra.
Efeitos sobre o meio ambiente que alteram fatores determinantes da saúde humana. Exemplos
mais relevantes são os efeitos do clima afetando a produção de alimentos, a qualidade da água e do
ar, assim como a ecologia de vetores (ex. mosquitos) de agentes infecciosos.
Efeitos dos eventos climáticos sobre os processos sociais, determinando rupturas socioeconômicas,
culturais e demográficas importantes. Um exemplo é a migração de grupos populacionais,
desencadeada por secas prolongadas que afetam populações que dependem de agricultura de
subsistência.
Figura :. Três mecanismos principais pelos quais os processos climáticos que podem afetar a saúde da população.
A magnitude dos efeitos que operam através destes três mecanismos básicos dependerá, em grande
medida, de fatores moduladores oriundos da natureza do meio ambiente e da efetividade da
proteção humana determinada pelos sistemas sociais e sistemas específicos de saúde. O grau de
vulnerabilidade destes sistemas moduladores será importante na mitigação de impactos adversos, na
resiliência das sociedades e na sua capacidade de recuperação destes impactos.
O mais recente Relatório do IPCC (2007) identificou trabalhos que apontaram impactos já
observados, da mudança climática na saúde, mas apenas no continente europeu. Isto é um reflexo
da maior preocupação dos países desta região com os impactos do clima e de investimentos em
pesquisa nesta área.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 202
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 203
Os efeitos observados foram:
Aumento da morbidade e da mortalidade por ondas de calor, com destaque para o episódio no
verão europeu de 2003, que provocou cerca de 50.000 óbitos.
Expansão da encefalite viral transmitida por carrapatos, para latitudes mais altas na Escandinávia, e
para altitudes maiores, nas montanhas da República Tcheca.
Aumento da duração do período anual com concentrações alergênicas de pólen na atmosfera em
função da antecipação sazonal das condições climáticas típicas da primavera.
Como situações projetadas para o futuro, a nível global, o relatório apontou para:
Um aumento na incidência de doenças diarréicas, em função da piora no acesso à água de boa
qualidade, especialmente para uso doméstico.
Alterações na distribuição espacial e na dinâmica populacional de vetores de doenças infecciosas e
parasitárias endêmicas tais como as espécies de mosquitos que transmitem o dengue e a malária.
Aumento na incidência de doenças cardiovasculares e respiratórias como consequência do
aumento da concentração de poluentes atmosféricos (especialmente o ozônio troposférico) em
grandes aglomerados urbanos já poluídos.
Aumento da morbimortalidade causada por eventos climáticos extremos tais como: tempestades,
inundações, ondas de calor, secas e suas consequências, como incêndios florestais.
Aumento no contingente populacional exposto ao regime de insegurança alimentar, com piora na
condição nutricional.
Embora se admita que a maioria dos efeitos da mudança climática global sobre a saúde humana
venha a ser de caráter adverso, projetam‐se alguns possíveis efeitos benéficos. O mais importante
seria uma redução na mortalidade de inverno nos países temperados, determinada pela ocorrência
de temperaturas menos frias nesta época do ano.
Clima e saúde no Brasil
Em trabalho publicado recentemente pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, Brasília)
foi feita uma revisão geral da situação da mudança climática em relação à saúde no Brasil
(Confalonieri, 2009). Contudo, os registros epidemiológicos existentes no país sobre as relações entre
clima e saúde pública referem‐se a observações de impactos da variabilidade natural do clima e não
à mudança climática global. A maior parte dos estudos refere‐se a influências climáticas sobre a
ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias, assim como sua variação no tempo e no espaço. Há
também registros de morbimortalidade devida a eventos climáticos extremos, especialmente a
chuvas fortes, seguidas ou não de inundações. As referências a estudos de casos apresentadas a
seguir ilustram, de forma sucinta, estas relações:
Observa‐se uma série histórica de casos de leptospirose em um município rural do estado do Rio
Grande do Norte, correlacionando‐os com a variável precipitação pluviométrica (Figura 2). Nota‐se
que nos anos em que ocorreram desvios positivos de precipitação, tomados em relação à média
histórica, estes foram acompanhados de surtos da doença, cujo agente etiológico é veiculado pela
água em áreas inundadas. Existem vários registros de surtos similares no Brasil, sendo usualmente
associados a áreas urbanas alagáveis e com saneamento deficiente (especialmente a coleta de lixo).
Uma das cidades de maior ocorrência destas epidemias de leptospirose é o Rio de Janeiro, conforme
será discutido mais adiante.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 204
Figura 2. Precipitação (desvios da média histórica) e casos de Leptospirose na estação chuvosa (Jan/Jun) no Município de São Miguel, Rio
Grande do Norte, Brasil 1985–1996
36
190 188
4 0 1 0 1 0 0 0 0
-65,9
20,4 21,414,0
6,51,4
-21,1 -16,8 -17,9 -19,7
57,363,4
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40
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1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996-80,0
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80,0
Casos de Lept ospir ose
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6,51,4
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1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996-80,0
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Casos de Lept ospir ose
Pr ecipit ação (% Desvio)
Caso
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(%
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istó
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)
A dinâmica da ocorrência de cólera na área rural (ou ribeirinha) do Alto Solimões, no estado do
Amazonas, é outra referência a considerar. Verificou‐se, nesta região, uma estreita correlação entre
o regime de chuvas e a ocorrência de casos da doença, coincidindo com a época da introdução deste
agente bacteriano no Brasil através da fronteira com o Peru, no início dos anos noventa. Na época
chuvosa dificilmente ocorriam casos por causa da grande vazão do Rio Solimões, que reduzia a
concentração de vibriões coléricos presentes na água devido à falta de esgotamento sanitário. Ao
mesmo tempo, na mesma época chuvosa, a população local coletava água de chuva, para bebida
através de sistemas simples instalados nos telhados das casas. As condições distintas que
prevaleciam durante os curtos períodos sem chuva (redução da vazão do rio e impossibilidade de
coleta da água de chuva) propiciavam o aparecimento de casos da doença adquiridos pelo consumo
de água contaminada coletada na margem do rio (Figura 3).
Figura 3: Cólera no Alto Solimões – Estação Chuvosa.
Uma terceira referência diz respeito à variação do número de casos de malária importada no estado
do Maranhão ao longo do período1977 – 1997. Observou‐se no início da década de 80 um rápido
incremento do número de casos importados. Esses resultados se explicavam pelo retorno de
migrantes, após o fim da seca de 1982‐1983, que haviam se deslocado para a Amazônia Oriental
(Pará) com o objetivo de trabalhar nos garimpos. Estes migrantes adquiriram a malária na situação
de trabalho temporário e o trouxeram para a parte amazônica do estado do Maranhão (Figura 4)
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 205
Figura 4: Casos de Malária no Estado de Maranhão, Nordeste do Brasil, 1977–1997.
Também relacionadas a processos migratórios desencadeados pela seca no Nordeste são as
epidemias de leishmaniose visceral (Calazar) observadas em algumas capitais nordestinas tanto no
início dos anos 80 como dos anos 90. Com o avanço da seca as populações rurais dependentes da
agricultura de subsistência deslocam‐se das áreas endêmicas para as capitais, em busca de
assistência. Desta forma, vieram a provocar surtos nas periferias urbanas recém ocupadas, onde
havia condições para a perpetuação do ciclo de leishmaniose visceral. Estes são exemplos típicos de
rupturas socioeconômicas determinadas por fenômeno climático (seca), afetando a epidemiologia
das doenças infecciosas endêmicas (no caso, a sua redistribuição no espaço) (Figura 5).
Figura 5: Número de Casos de Leishmaniose Visceral no Estado de Maranhão, Brasil 1982–1996.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 206
Vulnerabilidade aos efeitos do clima
O conceito de vulnerabilidade a impactos do clima foi desenvolvido por sociólogos que estudam as
consequências dos desastres naturais. Uma das definições mais usadas afirma: “É a capacidade de
um grupo social ou indivíduo de lidar, antecipar e recuperar‐se de impactos de desastres” (BLAIKIE et
al, 1994).
Dow (1992) o define como “a capacidade diferenciada de grupos e indivíduos de lidar com perigos,
baseada em suas posições no mundo físico e social”.
Contudo, projetos de pesquisa sobre impactos da vulnerabilidade climática na saúde, desenvolvidos
pelo Programa de Mudanças Ambientais Globais e Saúde (PMAGS), da Escola Nacional de Saúde
Pública ENSP / FIOCRUZ, optaram por um modelo conceitual próprio, adaptado de Watts & Bohle
(1993). Trata‐se de um modelo do tipo “exposição‐resposta”, desenvolvido por geógrafos
preocupados com impactos de secas prolongadas (Confalonieri, 2003). O modelo conceitual está
representado na Figura 6.
Figura 6: Modelo conceitual da vulnerabilidade social.
Este modelo admite a existência de fatores tanto estruturais como conjunturais, determinantes da
vulnerabilidade, em dois níveis básicos: determinantes imediatos e determinantes primários (ou
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 207
“ultimate”). Estes últimos, que incluem renda, cultura, educação e poder político, condicionam os
determinantes de ordem mais imediata. Estes, que incluem desde fatores individuais (ex.:
capacidade física; idade, etc.), institucionais (ex.: serviços de saúde; defesa civil, etc.) e geográficos
(ex.: local de moradia; topografia), são os que condicionam a exposição de indivíduos e comunidades
a perigos ambientais (“hazards”) e, também, as suas capacidades de resposta.
Na Figura 7 apresenta‐se um exemplo de aplicação deste modelo a uma situação prática brasileira,
relativa às secas na Região Nordeste.
Figura 7: Seca no Nordeste.
Um estudo recente (Confalonieri et. al, 2005; 2009) realizou um mapeamento, a nível de unidade
federada brasileira, da estrutura da vulnerabilidade corrente (período 1996‐2001), aos possíveis
impactos do clima na saúde. Foi desenvolvido um Índice de Vulnerabilidade Geral (IVG), que é um
indicador sintético com três componentes: socioeconômico; climático e epidemiológico. Estes foram
baseados em dados secundários da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ‐ IBGE
(indicadores socioeconômicos); do DATASUS (seis doenças infecciosas endêmicas, sensíveis ao clima)
e do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos / Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais‐
CPTEC/INPE (séries históricas, de 42 anos, de precipitação pluviométrica). Cada um destes conjuntos
de indicadores tem um peso relativo na obtenção do IVG, em cada caso específico (por cada UF). Em
alguns casos o IVG foi de valor intermediário (a amplitude numérica possível é de zero a um; quanto
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 208
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 209
maior o número, maior a vulnerabilidade) por causa de apenas um componente (ex. alta incidência
destas endemias). Entretanto, os valores mais altos do IVG (correspondente às Regiões Norte e,
principalmente, o Nordeste) resultaram de uma combinação de baixos indicadores socioeconômicos;
alta prevalência destas endemias e alta incidência de eventos climáticos extremos (ex. secas
periódicas no semi‐árido).
Estes indicadores foram aplicados para os Estados brasileiros, mas, com as devidas adaptações,
também podem ser utilizados para unidades geográficas menores, como os municípios.
Diagnóstico: clima e saúde no Município do Rio de Janeiro
A análise da vulnerabilidade do município do Rio de Janeiro será realizada enfocando cinco aspectos
principais:
Inundações e surtos de leptospirose
Precipitação pluviométrica e acidentes
Sazonalidade da febre do dengue
Indicadores de vulnerabilidade e adaptação
Aumento do nível do mar
Epidemias de Leptospirose
A leptospirose é uma doença transmissível, de caráter grave, cujo agente causador (bactéria) vive,
sem causar danos, no organismo de vários animais vertebrados. Dentre estes, estão roedores
sinantrópicos (Rattus sp), que são os principais reservatórios para as infecções humanas (ratazanas
de esgoto). O homem entra em contato com este agente infeccioso geralmente pela água de
inundações, quando invade domicílios, e são contaminados pela urina de roedores. As populações
destes animais são mais abundantes em áreas com saneamento deficiente, principalmente a coleta
do lixo. No município do Rio de Janeiro tem ocorrido, frequentemente, casos de leptospirose,
especialmente na época mais chuvosa do ano. A Tabela 1 mostra os casos anuais desta doença, e os
óbitos correspondentes, no período 1996‐2009, segundo a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 210
Tabela 1 – Casos e Óbitos de Leptospirose no Município do Rio de Janeiro – 1996 a 2009
Anos Casos Óbitos
1996 1790 49
1997 124 24
1998 272 28
1999 100 10
2000 86 17
2001 88 20
2002 98 14
2003 117 24
2004 92 25
2005 106 19
2006 103 18
2007 87 12
2008 70 11
2009 86 14
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro
Outra estatística mostra que, no período de 1975 a 2009, ocorreram no Rio de Janeiro, 4886 casos da
doença. Foram registrados, neste período, duas grandes epidemias de verão: em 1988, com 536
casos e em 1996, com 1790 casos e 49 óbitos. Este último evento, cujos casos se concentraram
principalmente na Baixada de Jacarepaguá, pode ser considerado uma das maiores epidemias já
registradas no mundo, com quase 2 mil casos ocorridos em um período de menos de três meses.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 211
A existência desta situação, no município do Rio de Janeiro, assim como na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro ‐ RMRJ (Tabela2), confere aos municípios que compõem esta região incluindo o Rio de
Janeiro uma vulnerabilidade importante, no que diz respeito aos efeitos de eventos climáticos na
saúde. Um modelo regionalizado de mudança climática para o Brasil, desenvolvido recentemente
(Marengo et al, 2007), aponta para uma provável ocorrência aumentada de eventos climáticos
extremos nas Regiões Sul e Sudeste do país. Este é mais um elemento a ser considerado na análise
de riscos para a saúde, advindos do processo de mudança global do clima, com efeitos no município
do Rio de Janeiro e demais da RMRJ.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 212
Tabela 2 ‐ Casos de Leptospirose por municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Período 1997 a junho de 2009
Municipio_Res 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009* Total
Belford Roxo 1 2 16 2 11 3 7 7 16 21 10 10 11 2 4 123
Duque de
Caxias 7 23 25 17 23 24 15 19 26 17 8 12 16 6 11 249
Guapimirim 2 1 1 1 1 6
Itaboraí 3 1 4 2 2 4 4 6 5 4 5 4 44
Itaguaí 7 1 1 1 1 2 1 1 15
Japeri 5 3 1 1 2 3 3 1 1 1 21
Magé 4 6 2 1 2 2 4 2 3 1 2 1 30
Maricá 1 1 1 5 6 6 1 1 1 4 8 1 36
Mesquita 2 4 3 1 10
Nilópolis 2 3 1 2 1 2 1 1 13
Niterói 6 4 11 5 5 4 4 9 15 30 22 19 21 14 169
Nova Iguaçu 9 3 10 6 5 21 46 17 12 19 8 13 8 11 7 195
Paracambi 1 1 2
Queimados 2 2 3 2 1 2 1 6 1 20
São Gonçalo 14 5 15 47 19 21 28 15 20 34 72 55 21 25 9 400
S.João de
Meriti 1 2 8 2 10 3 4 14 8 9 6 4 3 3 5 82
Tanguá 4 1 2 7
*Dados até junho de 2009
Fonte: SESDC/RJ – Vigilância Epidemiológica
Precipitação Pluviométrica e Acidentes
As chuvas intensas de verão, frequentemente seguidas de inundações têm provocado, no município
do Rio de Janeiro, acidentes com fatalidades, através de vários mecanismos:
• Deslizamentos de encostas, soterrando casas, geralmente em áreas de ocupação irregular
(mecanismo mais frequente).
• Queda de árvores e de outras estruturas, pela ação de vento e chuva.
• Afogamentos, especialmente em estruturas de drenagem pluvial (canais, bueiros, etc.).
• Eletrocussão, pela queda de cabos de energia, em áreas alagadas.
• Acidentes de trânsito, facilitados pelas pistas molhadas e a má visibilidade.
Um levantamento feito na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP /FIOCRUZ), há cerca
de uma década, como parte de um projeto de pesquisa, apontou, para o período de 1966 – 1996, a
ocorrência de pelo menos 514 óbitos no município, como decorrência de tempestades e inundações.
Este estudo utilizou como fontes de dados, relatórios técnicos de governos estadual e municipal
(especialmente da Defesa Civil) e algumas publicações científicas, complementadas com notícias dos
principais veículos da imprensa escrita.
Estes eventos de morbidade e mortalidade continuam ocorrendo não só no Rio de Janeiro, como em
vários outros municípios de diversas regiões do país (conforme se pode observar no início do
corrente ano) dada à persistência de uma situação de vulnerabilidade, que pode ser resumida no
diagrama a seguir Figura 8.
Figura 8: Vulnerabilidade social as tempestades e inundações no município do Rio de Janeiro.
Há cerca de quinze anos a Fundação Geo‐Rio estabeleceu um sistema de medição de precipitação em
tempo real, em encostas de morros habitados, com o fim de emitir boletins de alerta precoce,
visando proteger a integridade das populações que habitam estas áreas vulneráveis (Figura 9).
Entretanto, resta ser feita uma avaliação da eficácia deste sistema de alerta em seu objetivo de
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 213
remover, temporariamente, estas populações vulneráveis aos deslizamentos, em função de fatores
prevalentes nestas comunidades, principalmente a violência.
Figura 9: Sistema de alerta precoce para tempestades no Município do Rio de Janeiro. Sazonalidade do Dengue
A febre do dengue foi introduzida no Rio de Janeiro em 1986 e, desde então, se constitui a principal
endemia infecciosa prevalente na cidade. É transmitida pelo mosquito Stegomyia aegypti, que
prolifera em pequenas coleções de água, inclusive aquelas produzidas pela chuva. A ocorrência de
casos no município tem sofrido variações grandes, principalmente a cada evento de introdução de
um novo sorotipo de vírus. Os anos de 1991, 2002 e 2008 ficaram registrados como os de ocorrências
das maiores epidemias na cidade, em tempos recentes. Há um incremento sazonal natural no
número de casos nos períodos de verão, em função das temperaturas altas e maior precipitação
favorecendo o ciclo evolutivo da espécie de mosquito que transmite o vírus do dengue (vetores). No
verão há, também, uma maior exposição da população aos ataques do vetor, em função das altas
temperaturas estimularem o trânsito fora dos domicílios e a utilização de menos roupa protetora.
Recentemente foi desenvolvido um estudo comparativo sobre as relações entre precipitação
pluviométrica e a incidência da febre do dengue em seis cidades brasileiras, inclusive o Rio de Janeiro
(Rodriguez, 2005).
Os casos de dengue no Município do Rio de Janeiro, para o período 1986‐ 2004 estão na Tabela 3.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 214
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 215
Tabela 3 – Número de casos de Dengue no Município do Rio de Janeiro
Anos Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Total
1986 0 0 0 535 4.927 3.781 1.378 406 163 41 78 1.171 12.480
1987 4.848 9.860 11.513 6.596 2.934 1.049 286 36 15 14 31 33 37.215
1988 43 24 18 15 31 13 25 27 42 1 2 6 247
1989 19 3 55 134 101 52 37 9 9 9 4 4 436
1990 26 27 48 577 1.305 1.543 1.017 383 208 167 1.623 4.144 11.068
1991 20.328 12.099 9.414 6.525 2.156 918 220 88 85 114 117 167 52.231
1992 268 201 138 63 51 24 35 27 24 40 72 42 985
1993 36 19 86 23 12 4 1 8 11 7 9 11 227
1994 7 2 4 7 5 9 28 14 15 11 13 38 153
1995 469 5.344 8.945 3.962 1.186 321 182 74 46 61 105 115 20.810
1996 165 173 748 1.508 667 213 61 81 191 44 49 220 4.120
1997 144 220 233 156 76 52 33 24 23 18 26 22 1.027
1998 118 134 2.493 7.181 2.626 576 134 75 46 31 56 74 13.544
1999 74 142 705 1.571 876 264 141 82 52 46 41 47 4.041
2000 129 130 274 517 697 274 95 37 29 27 28 40 2.277
2001 521 1.218 2.327 6.937 7.467 3.689 1.172 508 307 467 529 2.523 27.665
2002 29.347 43.215 54.197 10.287 1.440 202 96 82 55 183 684 620 140.408
2003 350 351 241 101 50 31 27 13 28 57 210 148 1.607
2004 95 70 59 29 14 10 5 18 16 27 77 52 472
2005 62 61 32 41 29 31 35 59 45 67 109 412 983
2006 1.968 3.001 3.731 2.593 1.376 393 153 160 85 130 143 339 14.072
2007 1.378 2.096 4.041 5.443 3.290 1.615 1.126 577 419 774 1.485 1.993 24.237
2008 12.013 15.952 48.278 40.473 7.606 1.257 476 231 217 298 538 749 128.088
2009 998 1.099 662 323 166 89 83 20 25 35 117 199 3.816
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Observa‐se empiricamente, pela inspeção dos dados, uma ocorrência concentrada nos meses
chuvosos (dezembro a abril). Estudos analíticos confirmaram que a taxa de incidência de dengue no
município do Rio de Janeiro (1986‐2004) estava relacionada com seis variáveis climáticas
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 216
selecionadas (temperaturas máxima e mínima; precipitação total; número de dias com chuvas;
umidade relativa e pressão atmosférica), para análise mensal (Rodriguez, loc. cit.).
A literatura epidemiológica contém vários estudos, realizados em diferentes partes do mundo,
demonstrando a influência da variabilidade climática na dinâmica de ocorrência de dengue.
Muito embora haja condicionantes múltiplos para a ocorrência da febre do dengue, na população do
município do Rio de Janeiro (que incluem problemas da habitação, urbanização e saneamento) deve‐
se destacar o papel da chuva como propiciadora de acúmulos de água, necessária para a proliferação
dos vetores. As temperaturas mais altas também são importantes na aceleração dos ciclos dos
mosquitos transmissores.
Quando cenários climáticos forem aperfeiçoados para menores escalas espaciais, e para períodos de
tempos não tão distantes – próximos 20 – 30 anos – pode‐se afirmar, com maior segurança, que
possíveis influências terão as manifestações da mudança climática global, sobre o município do Rio
de Janeiro, na dinâmica do dengue (os modelos atuais projetam, em escalas maiores, cenários de
clima apenas para o ano 2090).
O mesmo se aplica para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro – RMRJ conforme se observa da
Tabela 4. Na RMRJ observam‐se os municípios de Niterói Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São
Gonçalo com valores expressivos de número de casos o que mostra a relevância de se monitorar de
forma sistemática o dengue em toda a Região Metropolitana.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 217
Tabela 4 ‐ Casos de Dengue ‐ Por municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Período 1997 a junho de 2009
Município_Res 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009* Total
Belford Roxo 130 508 81 43 1.033 3.713 61 36 27 308 938 7.625 185 14.688
Duque de Caxias 156 836 215 210 2.729 16.461 287 64 29 326 877 15.600 320 38.110
Guapimirim 2 9 1 27 254 13 3 5 20 144 270 11 759
Itaboraí 2 119 7 56 1.500 6.388 297 18 67 576 1.327 3.477 708 14.542
Itaguaí 14 80 2 14 1.213 1.787 26 2 9 138 521 2.361 62 6.229
Japeri 9 98 8 1 683 1.138 31 3 1 37 34 960 16 3.019
Magé 2 28 2 19 696 8.331 195 54 19 348 1.352 3.560 361 14.967
Maricá 2 56 30 19 473 3.056 43 9 21 59 1.018 1.777 147 6.710
Mesquita 0 548 2.055 92 27 21 118 267 1.892 195 5.215
Nilópolis 13 26 4 11 97 368 12 7 7 44 90 1.719 30 2.428
Niterói 411 3.733 259 236 13.235 21.082 576 314 281 951 7.699 7.703 827 57.307
Nova Iguaçu 11 100 18 733 5.428 9.738 304 175 81 668 1.824 18.466 458 38.004
Paracambi 3 8 14 15 619 871 24 21 3 205 338 958 28 3.107
Queimados 31 12 8 12 715 533 20 7 4 45 91 837 14 2.329
São Gonçalo 75 2.018 82 72 5.271 12.660 212 157 122 507 3.178 2.885 219 27.458
São João de Meriti 41 87 356 51 1.165 3.694 154 82 67 332 505 7.305 351 14.190
Tanguá 35 5 142 1.362 63 13 22 26 181 411 116 2.376
*Dados até junho de 2009
Fonte: SESDC/RJ – Vigilância Epidemiológica
Aumento do nível do mar (ANM)
Um dos processos associados à mudança climática global é o projetado aumento do nível do mar, de
magnitude variável de acordo com os diferentes cenários de emissões de gases estufa. Os possíveis
efeitos na saúde, por conta da elevação do nível do mar, são todos indiretos, em virtude de ser este
um processo progressivo e de desenvolvimento lento (ao longo das décadas).
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 218
Prognósticos
A ocorrência, historicamente, de agravos à saúde da população humana na cidade do Rio de Janeiro,
determinados pela exposição aos eventos climáticos, aponta para a existência de uma situação de
vulnerabilidade que precisa ser modificada.
Por ora, o que pode ser dito é que se o aquecimento global estender as condições de temperatura e
umidade típicos de verão, para o período de outono, há a possibilidade de aumento do número de
dias e meses, por ano, mais favoráveis à ocorrência desta virose de dengue
Em relação a impactos futuros da mudança climática na saúde, em todo o mundo, espera‐se que
estes fenômenos venham a significar um estresse adicional sobre situações‐problema já existentes,
podendo aumentar a sua intensidade (ex. frequência da ocorrência; número de pessoas afetadas
etc), gravidade, duração ou ampliar a sua distribuição no espaço geográfico. Assim sendo, para o
município do Rio de Janeiro pode‐se esperar impactos adicionais em relação aos seguintes agravos:
Epidemias de leptospirose e dengue.
Acidentes por eventos climáticos extremos (tempestades e inundações).
Estresse pós‐traumático devido a eventos extremos.
Excessiva demanda sobre serviços de saúde, determinadas por migrantes (“refugiados
ambientais”).
Possível aumento de distúrbios respiratórios pela maior concentração de poluentes atmosféricos,
principalmente o ozônio, cuja formação é catalisada pela temperatura do ar.
As possíveis consequências para a saúde pública em decorrência ANM se dariam através dos
seguintes mecanismos principais:
Salinização de depósitos naturais de água no solo, com perda da qualidade para consumo trazendo
problemas para o abastecimento.
Redução na produção de alimentos em zonas agricultáveis costeiras, com aumento na insegurança
alimentar.
Danos à infra‐estrutura de saneamento, como tubulações de esgotamento sanitário, resultando em
contaminação ambiental.
Estresse pós‐traumático, por perda de patrimônio (ex.: casos afetados por erosão costeira).
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 219
De um modo geral, espera‐se um maior impacto, na saúde, do aumento do nível do mar (ANM), nas
seguintes situações:
Aumento do nível do mar atingindo áreas costeiras baixas e mais populosas.
Aumentos de maior magnitude e/ou ocorrendo em espaço de tempo menor do que o previsto.
Para o Rio de Janeiro pode‐se dizer que em função dos antecedentes históricos de riscos já
observados (e comentados anteriormente), o ANM constitui‐se um fator de perigo de ordem
secundária, em relação aos demais, já que medidas adaptativas protetoras podem ser tomadas com
a devida antecedência.
Outro aspecto a ser considerado, na discussão da vulnerabilidade da cidade do Rio de Janeiro aos
efeitos das mudanças climáticas diz respeito à possibilidade da cidade servir como pólo de atração de
refugiados ambientais de outras regiões do país. Os modelos regionais de clima apontam para um
cenário de aumento de temperatura e redução da precipitação nas regiões Norte e Nordeste do país.
No caso desta última, deverá ocorrer uma piora da situação de aridez, com extrema dificuldade no
acesso à água e redução na produção de alimentos, afetando milhões de pessoas no interior da
região. Este processo poderá desencadear migrações e intra e inter‐regionais, com repercussões à
distância, ou seja, em pólos urbanos de outras regiões, principalmente aqueles que têm,
historicamente, recebidos migrantes do nordeste. Uma movimentação maciça de população
refugiada trará consequências de várias ordens, principalmente à introdução de novos casos de
doenças infecciosas endêmicas crônicas (esquistossomose; leishmaniose visceral; doença de chagas);
uma sobrecarga de demanda sobre serviços (inclusive de saúde), assim como questões de segurança.
Há necessidade de se modificar condicionantes estruturais da vulnerabilidade da população aos
impactos do clima na saúde, a saber:
Habitações em áreas de risco (encostas de morros e baixadas).
Deficiências na infra‐estrutura básica de saneamento.
Exposição a altos níveis de violência social.
Circulação, de forma endêmico‐epidêmica, de patógenos cuja transmissão é influenciada pelo
clima.
Desenvolvimento, aperfeiçoamento e avaliação da eficácia de sistemas de alerta precoce contra
eventos climáticos extremos.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 220
Recomendações
Ainda como recomendações gerais importantes, no âmbito dos impactos de mudanças climáticas na
saúde, e visando facilitar o processo de adaptação a estas mudanças, têm‐se os seguintes
(Confalonieri et al, 2005):
Aplicar e adaptar a atual metodologia usada para a caracterização da vulnerabilidade social aos
impactos do clima, levando‐se em conta a situação específica do estado e do município do Rio de
Janeiro.
Desenvolver um sistema integrado de informações de morbidade e mortalidade resultante de
eventos climáticos extremos, a níveis municipal e estadual, no Rio de Janeiro, incluindo as
respectivas secretarias de saúde e defesa civil e a secretaria de segurança pública. Tal sistema
permitiria uma fácil caracterização das vítimas de deslizamentos de encostas e de inundações, seus
agravos específicos, suas causas imediatas e consequências.
Aperfeiçoamento dos programas de controle de endemias e seus vetores (mosquitos; roedores),
principalmente daquelas sensíveis às variações do clima (no Rio de Janeiro, leptospirose e dengue,
principalmente).
Esclarecimento da opinião pública em geral, sobre o processo de mudança climática e suas possíveis
consequências e riscos para a saúde da população do Rio de Janeiro, baseada em estudos e modelos
confiáveis, para evitar a frequente desinformação que ocorre nesta área.
Instalação de esquemas direcionados de vigilância ambiental, epidemiológica e entomológica em
localidades e para situações selecionadas, visando‐se a detecção precoce de sinais de efeitos
biológicos da mudança do clima (ex. em populações de vetores etc.).
Estímulo à realização de estudos científicos e avaliações técnicas, em nível local, integrando o setor
saúde com outros (habitação; urbanização; demografia; climatologia; qualidade do ar etc), visando à
construção de cenários urbanos para as próximas décadas.
Monitoramento e estudos
Ao longo deste capítulo pode‐se perceber que ineficiências na infraestrutura habitacional e de
transporte, nos serviços de saneamento, educação e médico‐hospitalar são determinantes históricos
de danos a saúde humana na cidade do Rio de Janeiro. Adicionalmente, o sistema de governança,
inadequado às necessidades e realidade da sociedade local, contribuiu para agravar a violência na
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 221
cidade, resultando em graves consequências para a qualidade de vida de sua população. O
Planejamento Estratégico (2009‐12) estabelecido para a cidade pretende reverter esta situação. Caso
medidas de prevenção não sejam adotadas, o advento das mudanças climáticas deverá exacerbar os
efeitos sobre a saúde humana e os serviços médicos em grandes cidades. O custo de estabilizar o
clima é significativo, mas controlável. A demora pode ser danosa e mais cara (Stern, 2006) nos
aspectos de saúde, econômico, social e ambiental.
A adoção de estratégias conjuntas de mitigação e adaptação a mudança do clima, que reduzem a
poluição atmosférica, do aquífero e do solo da cidade podem contribuir para a redução nos impactos
da saúde de seus cidadãos (BARATA & LIGETI et al, 2011). Exigências de construções de habitações
que possibilitem maior ventilação e iluminação natural, de sistema de transporte menos poluentes,
mais eficientes em tempo de deslocamento e que atendam simultaneamente a maior número
pessoas, são alguns dos exemplos de medidas que possibilitarão as redução das emissões de GEE de
a melhoria da qualidade de vida da cidade do RJ. Entretanto, estratégias de mitigação, adaptação e
saúde nem sempre coincidem claramente e estes objetivos necessitam ser examinhado na ocasião
da proposição da política publica. Há necessidade de integrar as ações. Exemplificando, se as pessoas
forem tranquilizadas pela introdução de sistema de alerta precoce para se precaverem de eventos
climáticos extremos, e não receberem a devida informação sobre a melhor forma para se
prevenirem de doenças provocadas por precipitações e pequenas enchentes, poderão permanecer
com sensação de segurança em suas residencias, sem procurar conhecer e evitar todos os riscos a
que estará submetida Falta de informação adequada é uma das relevantes barreiras para a efetiva
resposta a mudança do clima.
Para que as ações de adaptação possam ser efetivamente implementadas, face aos novos cenários
climáticos, é imperativo que o conhecimento científico a respeito dos impactos das mudanças
climáticas sobre a saúde da população da cidade seja ampliado de imediato.
Nesse sentido, as principais medidas recomendáveis para o monitoramento e avaliação dos efeitos
das mudanças climáticas sobre a saúde na RMRJ dizem respeito a:
Aumento do conhecimento científico que possibilite avaliar os efeitos na saúde humana de
variabilidade climática atual e de efeitos esperados, em face de, cenários futuros de mudança do
clima. Para tanto é necessário:
Implementar estudo que associe efeito da variabilidade climática, na poluição atmosférica e na
frequência de atendimentos hospitalares e ambulatórias por asma e doença pulmonar obstrutiva
crônica;
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 222
Implementar estudo que associe efeito da variabilidade climática na frequência a atendimento
hospitalar e ambulatorial provocadas por veiculação hídrica;
Implementar estudo que associe efeito da variabilidade climática na a atendimento hospitalar e
ambulatorial de doenças provocadas por vetores;
Implementar estudos que avaliem os demais determinantes que também contribuem para a
variação na frequência dos atendimentos ambulatoriais e hospitalares.
Estabelecer registro que identifique o perfil socioeconômico e de saúde das pessoas que adquirem
as doenças listadas nos itens a, b e c de modo a possibilitar avaliar o seu custo social.
Consolidação de infraestrutura compartilhada de dados para o desenvolvimento de análises de
modelagem preditiva e monitoramento do efeito na saúde em articulação com iniciativas similares
em nível nacional e mundial.
Aumento do conhecimento científico que possibilite avaliar os efeitos das diferentes Políticas
Setoriais na saúde humana considerando o risco climático futuro. Para tanto é necessário:
Implantar pesquisa para avaliação econômica do custo e benefício social, considerando a saúde
humana, das políticas e medidas a elas associadas para mitigação e adaptação a risco climático.
Estudo da influência de diferentes materiais, tecnologias e ações definidas para as dez áreas de
resultado: ambiente, educação, transporte, infraestrutura, etc. exercem sobre a saúde da população
da cidade.
Avaliação de como os resultados definidos em b podem impactar / ser impactados frente a cenários
climáticos.
Articular o conhecimento adquirido sobre a influência das mudanças climáticas na saúde humana
da população da cidade às iniciativas governamentais relacionadas à redefinição das áreas
prioritárias para o aumento da qualidade de vida do cidadão carioca.
Implantar sistema de indicadores que associem a influência geográfica, social, econômica,
ambiental e política na saúde da população considerando os riscos climáticos.
Conhecimento e propostas para redução de risco aos Eventos Climáticos Extremos
Avaliar a efetividade, considerando redução de mortalidade e morbidade, do sistema de alerta
precoce para eventos hidrometeorológicos extremos, instalado pelo governo do município do Rio de
Janeiro.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 223
Fortalecimento da Governança regional
Avaliar, periodicamente, o desempenho da governança dos municípios da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro.
Avaliar, periodicamente, a efetividade da comunicação entre pesquisa, governos, empresa e
população em geral.
MEGACIDADES, VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO | 224
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