62
1 Uma Nuvem De CALÇAS, W. Maiakovski. Por andré nogueira, 2012.

W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

  • Upload
    lytuong

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

1

Uma Nuvem De CALÇAS,

W. Maiakovski.

Por andré nogueira, 2012.

Page 2: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

2

(Prólogo):

VOSSO PENSAR,

meditabundo no miolo mole,

igual a um lacaio gordo largado no imundo estofado

irei fustigar, com farrapos de coração ensangüentado,

até fartar cascando o bico descarado.

Na alma comigo não trago

um só fio branco

nem meiguice vovozinha.

O mundo eu absurdo quando a voz retumbo

e, lindo, desfilo

sexy, não sexagenário.

Miguchos,

o amor ao violino vós deitais

os brutos o deitam no bumbo.

Não podeis desrosquear igual eu faço

ininterruptos lábios serdes, nada mais?

Vinde aprender,

das salas de visita sintas-liga

e da liga angelical condecoradas funcionárias,

e aquela folheando lábios que mitiga

igual cozinheira a receitas culinárias.

Quereis –

e serei carne rábica

– e, igual o céu, nuançando de tons –

Quereis –

e serei de impecável meiguice,

não homem, mas – uma nuvem de calças!

Page 3: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

3

Não dou crédito a que haja a florida Nice!

Comigo de novo tamburibularão

os homens, largados, como macas de hospitais

e mulheres, gastadas, como palavras proverbiais.

1.

VÓS PENSAIS

que isto é um delírio de malária?

Isto foi,

foi em Odessa.

« Chego às quatro » – Maria falara.

Oito.

Nove.

Dez.

Eis que anoitece

e às trevas do uivo

travesso a janela do quarto, sombrio

macabro...

Dos ombros recurvos

relincham de rir

candelabros.

Ninguém poderia imaginar:

quase ele chora, torcendo

a tencionada imensidão.

Qual intensão que uma rocha dessas poderá?

Mas esta rocha está é cheia de tesão!

Não se arroga de ser badalado

este feito de bronze

o coração de ferro frio.

Quando às onze a escuridão

quero guardar este badalo

em lugar tenro e feminil.

Page 4: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

4

E eis – imenso,

corcovado na fenestra

o vidro fundo com a testa.

Será amor ou não? Eu penso:

e qual – grande? minúsculo?

Grande de que jeito, tanto músculo que tenho?

Terá de ser pequeno,

um amorzito dócil,

par-de-meias:

Espantam-na os apitos dos carros;

já, dos carrosséis

as sinetas a comovem.

Chove-chuva

e gotas dágua que ela cataputa

cataporas de seu rosto

no rosto meu,

e eu: aguardo.

Ei-la – a noite-meia:

capturou,

decaptou,

do último segundo espada.

A hora décimo-segunda despencou

igual do cepo a cabeça decepada.

As gotas cinzas da vidraça

que vidram

em careta de derrame,

como uivo vindo de fantasmas

da catedral de Notre Dame.

Maldita!

Então não basta disto tudo?

Logo a boca soltará um grito.

Page 5: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

5

Escuto:

como, da cama, o doente,

um nervo que salta, silente.

E eis –

deu, bambo, de andar

e logo, bam bam bam, de acelerar.

Enervado, contável

já um terço deles sem conter-se

arrasta em celerado tchá tchá tchá.

Desandou no andar debaixo a argamassa.

Grandes,

pequenos, pelo menos

cem!

É a rábia – bamboleiam e, a seguir

bambeiam os braços também.

No lodo não nada de olho pesado,

a noite a se infiltrar pelos batentes

Súbito, retinem as portas

como se todo o hotel batesse os dentes.

Entras, dizes: « Espera aí...

... Eu vou casar »,

e as luvas de camurça esganas.

Vai, casa! E daí?

Não ligo e não vou te ligar.

Não vês quanto estou sossegado?

Não pulsa o defunto na cama.

Lembras?

Dizias assim –

« Jack London, grana,

amor e paixão » –

e eu, que só via a ti, Gioconda

a qual se podia furtar

E furtaram então.

Page 6: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

6

Mais uma vez malabarista neste jogo

arder na labareda enamorado.

E daí? Eu acostumo:

foi a casa consumida pelo fogo

e há desabrigados vagabundos

os quais nela têm morado!

Tu atiças? « Estas tuas

esmeraldas de loucura

valem menos

que uns trocados que não tens ».

Te cuida: esse teu « vale » soterrando

o Vesúvio dá o troco

se Pompéia desavém.

Ei, senhores!

Diletantes – do delito,

amadores – dos tumultos,

amantes – violando túmulos sagrados,

vós já vistes algo tão aterrador

quanto

o rosto meu

quando

eu

estando

absolutamente sossegado?

E sinto – « mim »

que já não basta – bestas minhas

que se alastram.

Quem liga? ... Alô??

Mãma?

Mãma!

Teu filho está super doente!

Mãma!

Ele tem, no coração, um incêndio!

Diga às manas, Liúdia e Olga:

já não tenho onde meter-me.

Page 7: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

7

Cada palavra, até a lorota,

pula (do puteiro, que está pelando

a toda pelada puta)

pela boca crepitante que a enxota.

Já o povo sente o cheiro

que exala, de fritura.

Resgatar alguma coisa, vão

ou coisa alguma –

Capacete!

É proibido entrar de botas!

Falai aos bombeiros:

ao coração mais cálido de todos

só com carícias se escala.

Arregala-se o olho da cara

como o tonel do caminhão-pipa.

(Tenta nas costelas sustentar...)

Vou saltar! Vou saltar! Vou saltar!

(... e desabam-se elas:

do coração não te chispas!)

Dos lábios cavernosos

um beijinho sujo de carvão

espiralou até o rosto que chamusca.

Mamãe!

Cantar não posso.

Na igrejinha do coração

todo um coral faz música.

Page 8: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

8

Figuras centelhas de números e nomes

do crânio

como, do arranha-céus que fulgura,

toda a prole

que cai.

Assim o medo

de agarrar-se ao céu

vai a pino, quando

do « Lusitânia » em brasas

os braços se levantam.

Para a gente que treme

à parte, no silêncio dos apês,

já uma clarão de olhos cêntuplos explode

do cais.

Grito último, -

tu, pelo menos, vai dizer

que eu ardo é pelo século dos levantes!

2.

GLORIFICAI-ME!

Não sirvo de par nem para os grandes.

Eu estaco o meu « nihil »

sobre tudo já feito antes

de mim.

Eu nunca nada quis ler.

Livros?

Que livros o que!

Eu antes pensava –

os livros são feitos assim:

Chegou o poeta

e, à guisa da boca de favas aberta

já logo se põe a cantar

inspirado simplório.

Page 9: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

9

Ah, faz o favor! Descoberta:

antes que logo se punha a cantar

os punhos torcia, longamente

andando pra lá e pra cá

e já não pode respirar

no entupido coração de lodo

da imaginação o estúpido peixe-beta!

O nada a nadar, enquanto vervem

de todo guisado

quaisquer rouxinóis e donzelas...

vemver: que a rua murmura, analfabeta –

não há que conversar ou levantar a voz a ela.

Da cidade as babilônicas torres,

cheios de vãglória,

outra vez nós soerguemos

e, rastelando as migalhas do castelo,

Deus dá termo

embaralhando os termos.

A rua, sem reclamar, arrastava o seu calvário,

até que o grito saltou em pé da glote.

Só que se aglomeraram,

socados na goela em transversal,

roliços taxis e ossudas passarelas

perambulâncias pelo tórax

e perda total.

Era a cidade

interditando a estrada em suas trevas...

E quando - apesar de tudo –

a turba pela praça expectoras

empurrando a arruaça ao campanário da garganta,

se dizia – a sedição,

nos coros coralinos de arcanjas

Deus, pilhado, castiga!

Page 10: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

10

E a rua, lá debaixo, igual o crocodilo

escancarado para a janta,

disse: « É hora de encher a barriga! »

A cidade é nestes termos descrita

pelos Krupp e sua trupe,

supercílios termômetros da ameaça.

E, no meio da boca

palavras falecidas decompõem-se

igual cadáver;

duas delas vivem, só

e cada vez mais gordas – « miserável »

e qualquer coisa

como – « s.o.p.a ».

Os poetas, desfalecidos

ensopados de pranto e soluço

escapulem da rua

desalinhando o penteado:

« Como, usando deste duo,

cantaremos

as señorinhas

o amor

e as florezinhas ao sereno? »

E saem, atrás dos poetas –

os glutões da rua:

de suas maletas, mercadores

dos puteiros, putas

e estudantes das escolas.

Auto lá, senhores!

Deixa disso, truta!

Não sois mendigos,

não pedis favores ou esmola!

Page 11: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

11

Vós, estirpe de sadios,

com passadas espaçadas,

já não tendes de escutar, mas extirpar o mal –

os malas, carrapatos de suplementos gratuítos

agarrados a todas as camas de casal!

Acaso a eles pedir servilmente

« Acudi! », e dobrar a cervical

rogando hinos, oratórios?

Vós mesmos sois os criadores

ao reger ardentes hinos, estes:

o fragor das fábricas e laboratórios!

Que tenho eu com o fantástico Fausto

em foguetões de artifício

deslizando com Mefistófeles no palanquete?

Eu sei –

o prego do meu sapato

é mais terrífico

que a imaginação de Goethe!

Eu,

Crisostomíssimo,

de cuja cada palavra

re(cém-)nasce a alma

dizendo ao corpo: « aceito! »

digo-vos:

o átomo mais ínfimo de vida

mais vale

do que tudo o que eu já tenha feito!

Escutai!

Está a pregar

raios emana dentre os dentes

o Zaratustra dos dias atuais!

Vós

da cidade-leprosário dependentes

de ouro e lama, ataduras e ais;

Page 12: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

12

Vós

De faces, dependuradas, como lençóis

de lábios, dependurados, como lustres

Vós, mais límpidos e ilustres

que o azul, depois, veneziano

de lavado por cem-sóis, cem-oceanos, Sois!

Eu me lixo que não haja

em Ovídio, em Homero

gente igual a gente,

da fumaça a fuça tomada de bexiga.

Eu duvido que o sol, vendo as nossas almas

cheias de valiosíssimos minérios,

não se extinga.

Músculos, tendões, ao invés de orações

cheias de sofreguidão!

Ora, vós, proletários, implorando

por menos coléricos futuros?

Cada um de vós – guidão,

entre o dedão e o dedinho sustentando

o cabo teleférico dos mundos!

A mim viéram auditórios

do Gólgota: Odessa,

Kiev, Petrogrado, Moscou,

e não houve um só que não gritasse:

« pregai-o,

pregai-o na cruz! »

Só que, a mim, a gente, até essa

a que ultrajou

sobre todas as coisas, Vós Sois –

o meu raio

de luz.

Viram o cão

como lambe a mão que o socou?!

Page 13: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

13

Ridente da raça de hoje,

igual fosse comprida,

escabrosa anedota,

eu, sobre a montanha, já vejo

os dias vindouros que não vês;

onde o rabo de olho da gente se enrosca

na crista onda das hordas dos esfomeados,

a coroa de espinhos que traga

a revolução dos anos dezesseis.

Eu sou – convosco.

Eu, seu precursor, convoco-vos.

Estou em qualquer canto aonde doa.

Na cruz eu me coloco

se a lágrima queda da bilha.

Nunca mais a coisa alguma se perdoe.

Eu passo a foice nas almas

aonde brotou o milharal da ternura.

E esse passo

é mais difícil que tomar

milhares de bastilhas!

E quando ele chegar,

anunciada inssurreição,

saíde para a salva, o salvador –

eu tiro, eu saco a minha alma para vós

e, para que seja maior,

em minhas mãos esmagarei-a

e ensangüentada a dou,

como se fosse uma bandeira.

Page 14: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

14

3

AI!

Para que isso?

De onde isso?

Para o clarão alegremente

os punhos sujos agitá-los!

Surgiu,

e mutila o pensamento a idéia

do, de loucos, internato.

E –

como, quando afunda o couraçado,

à escotilha aberta

as almas se atiram eletrocutas –

sobre eles, eclodindo o olho no gogó,

galgou, enlouquecido, Burliúk.

Quase estatelou

a jugular dos séculos

pisando-os na nuca contra o chão;

escalou,

levantou

foi

se bem que gordo, imprevistamente terno

ele pegou e disse:

« Isso é bom! »

É nada mal, quando revistas

tua alma interna no, de couro, macacão!

É nada mal, quando

(estão falando nas revistas)

já ao cadafalso se berrou:

« Beba Van-guten cacau! »

E, esse segundo fatal

estridente-de-sabre

eu não trocaria por...

eu não trocaria nem...

Page 15: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

15

Mas, da fumaça de cigarro

e do pigarro de licor

já se esticou o rosto

do ébrio Severianine.

Como pode? Tanto brio

denominar-se de poeta

e, mole como um colibri,

chilrar!

Hoje

necessita

na marreta

a moleira deste mundo arrebentar!

Vós,

do pensamento bento, só pensais:

« É de gala, nesta valsa, este passo? »

Arre! Vede como, galinhão, eu me divirto –

sem virtude, e virtuose cafetão

nas cartas que trapaço!

De vós arredo o pé,

bodas do século de ouro

que de lágrimas regados.

Eu, o sol como monóculo

coloco-o

no olho arregalado.

Inverossimilmente trajado,

viajando pelo mundo

pra agradar farei verão.

E, adiante, como a um poodle

em rédias curtas guiarei Napoleão.

Toda a terra tremerá

como uma mulher, querendo dar,

as carnes sacudindo;

as coisas bailarão

os lábios delas em sussurro:

« lindo, lindo, lindo! »

Page 16: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

16

E, do nada, urro:

toda a extensão nublada

levantou-se em turbulência

como, sublevados contra o céu

de todo o mundo os operários

declarando greve em escarcéu.

Soa o trovão – se endireita,

por um segundo segurando-se,

o rosto celeste a se crispar,

e as narinas dilatadas assoa,

vira o cão:

a carranca de lata do Bismark.

E alguém

embrenhando o braço pela bruma

faz menção para o café –

É suave igual a pluma

terno igual a mulher

qual um fuzil engatilhado.

Vós pensais

que isto é um gentil raio ensolarado

a puxar a alça da xícara de café?

É, de novo, a metralhar os sublevados

o general Galifet!

Descruzai, cabaços, os braços!

Pegai a pedra, a faca ou a granada!

E quem não tiver braços

vinde dar que seja cabeçadas!

Vós, talher em mãos, sem prato que cortar

e mordidos pelas pulgas!

Esfomeados, esfumaçados, esfarrapados,

baixai, agora, às ruas!

Page 17: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

17

De sangue ressacadas, declarai

segunda e terça-feiras, feriados!

No corte da facada, a terra inteira

se recorde de quem ela quis ver rebaixados.

A terra, gorda e humilde

igual aquela amante, depois que a largou

Rotschild.

Os estandartes tremulem no tiroteio –

cada fanfarra, nos dias desta grande festa,

que passar pela pista.

As carcaças, lá no alto, hasteiem,

postes de luz, em suas setas

sujas de sangue dos capitalistas!

Xinguei,

abri a matraca

carquei a faca

subi atrás de alguém morder

o músculo do ombro inimigo.

No céu, rubro-Marselhesa, até morrer

o crepúsculo, para as sombras, míngua

até quando enlouqueça

e pedra sobre pedra não haver.

A noite circula, encontra, morde

e forrará a barriga.

Olhai –

o céu, outra vez, tramando a morte

como Judas, que trai

estrelas trazendo

na concha das mãos!

Ela chegou, como Mamai

sentando a bunda

sobre a populenta imensidão:

esta noite, negra como Azef

olho algum agüenta olhá-la.

Page 18: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

18

Num canto de taberna me encolho,

em aguardente a alma debulhando e a toalha,

e vejo:

Do canto, olhos envoltos num manto,

coração adentro, Santa Maria dardeja.

A quem, a auréola pela moldura vulgar

a esta galera da taberna, divulgarás?

Olha – como antes, agora

ao suplicante do Gólgota

eles preferem Barrabás!

Eu, talvez,

meio o amálgama humano,

o rosto meu cobrindo esteja.

E eu, talvez,

de todos filhos teus,

o mais bendito seja.

A eles,

estragados pelo prazer,

dai, de pronto, a hora grave,

para que as crianças,

quando estiverem prontas,

venham a ser,

os garotos – pais,

as garotas – grávidas.

Para que sejam grandes e professos,

como os cabelos brancos dos magos,

os novos rebentos dessa prole;

para que sejam, pelos nomes dos meus versos,

batizados, Santa, olhe.

Eu, que idolatro

as máquinas e a Inglaterra,

aposto:

neste, de hábito, evangelho, sou

o décimo-terceiro apóstolo.

Page 19: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

19

E quando minha voz,

hora após hora

e dias após, expirar

de tanta ofensiva,

talvez venha, Jesus Cristo, farejar

a minha alma inesquecível.

4

MARIA! Maria! Maria!

Deixa entrar, Maria, deixa!

Não quero dormir na rua.

Não desejas?

Queres, arreganhadas

as covinhas das bochechas,

provado por todos,

já sem gosto,

que eu chegue

e, desdentado, gagueje:

“Sou, hoje,

de pureza à toda prova”?

Maria, veja:

já surge em mim a corcova!

Nas ruas, olhinhos uns despontam

pregados do quadragésimo mal-dormido ano,

quando a gente brita a gordura

no quarto andar da papada –

tirar uma onda

que, outra vez, sujando a dentadura,

farelos das carícias ontem consagradas.

Page 20: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

20

Eis, carpideira da calçada

a chuva, Ave!

Larápia lacônica, ela lambe

oprimido como um paralelepípedo

das ruas

o cadáver.

E, dos sobrolhos grisalhos –

sim – como geleiras,

lágrimas dos olhos

sim – dos olhos paralapsos

dos encanamentos com goteiras!

A tromba dágua chupa os transeuntes

adentro. Nas carruagens

que os ginastas da gordura se bezuntem

e a gente, de tão gorda, se arrebente

até, da dobradiça, a banha que ressumbre

igual, da carruagem, riacho barrento

e, junto aos pãezinhos sem fermento,

a dobradinha de costume.

Maria, me diga:

como, nesta orelha gordurenta, enfiaremos

uma palavra gentil?

A avezinha

desfiando canções, mendiga

beberando pio-pios –

reclamações de fome;

e eu, Maria, um homem

que não presta

escarro da estrela tuberculosa

na concha das mãos

da via Présnia.

Maria, um tipo desse quererás?

Maria, desce, vá!

Os dedos convulsos, vou apertá-los

na garganta de lata da campainha!

Page 21: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

21

Maria!

Na rua

o mato alto segue a lei do « matarás »

e, no pescoço, o vulto dos dedos

da dileta companhia.

Maria, dói!

Igual o dente-de-leão, estoura

e, nas meninas dos olhos, alfinetes

de chapéu de senhora!

Deixou, já entro!

Meu tesouro!

Não te assustes,

em minha nuca de touro,

a cordilheira chuvosa

de mulheres que se sentam –

Isto pela vida se armazena:

milhões de grandes companhias

puras, limpas, como a sua

e, milhões vezes milhões, de pequenas...

companheiras

que suam.

Não te assustes

que, outra vez, na intempérie da traição

eu tenha, nos rostos

dessas lindas meninas,

meu consolo: « Amantes de Maiakovski ».

Esta série, no coração deste louco,

é uma dinastia – entronadas tzarinas

em estoque.

Maria, sói!

Page 22: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

22

Dá-me o sésamo dos lábios

seja de tesão despido

ou de terror, o arrepio.

É que meu coração

jamais chegou a maio

mas, a vida vivida,

um só centésimo abril.

Maria!

O poeta pia

supersticiosamente

seus sonetos a Tiana.

E eu,

como os cristãos conjugam

“dai-nos hoje

o pão de cada dia”,

cônjuge supérstite,

inteiro carne humana.

Maria, dai!

Maria!

Receio esquecer o nome teu

como o poeta receia

esquecer de Deus na santa ceia!

Maria, sai!

O corpo teu

vou amá-lo

e cuidá-lo tão bem

quanto um soldado

mutilado da guerra,

inútil,

sem ninguém,

cuida

de sua única perna!

Page 23: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

23

Maria!

Não queres?

Sim?

Não queres!

Que assim seja –

como o cão

arrasta

pra casinha

a pata atropelada pelo trem,

arrastarei o coração

que lágrimas goteja

arrasado

outra vez, amém.

Das pétalas grudadas em minha bata

o sangue atapeta a pista.

Mil vezes dançará o sol

em volta da terra

como Salomé

em volta

da cabeça de João Batista.

Dançai

os anos da minha carne

para o fim

e, para a casa de meu pai

pelas varizes

são milhares de caminhos carme

sins.

Que eu deslize

enlameado (de pernoitar na fossa)

e, lado a lado, possa

lhe dizer ao pé do ouvido:

Page 24: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

24

- Senhor Deus, ouve:

não te estafas no céu

nesse pudim de nuvens

descansando

teu olhar dominical?

Construamos um carrossel

na árvore

do conhecimento do bem e do mal.

Omnipresente, cada armário te hospede!

Serviremos sobre a mesa aquelas vinhas

de propósito, que incitem

a dançar a « garrafinha »

para o rabugento Pedro Apóstolo!

Novas Evas nós traremos para o Éden:

uma palavra tua

e, do jardim, eu trago para ti

as mais belas das mulheres.

Queres?

Não queres?

Tua cabeça pendes para o lado?

Fazes cara feia para mim, senhor?

Consideras

que esse aí, atrás de ti,

de asas, entende

o que é isto, chamado

de “amor”?

Eu também sou anjo, já fui um –

açucarado e pastorinho, todo cupido.

Mas já chega de ser este

que serve

às éguas, de presente,

nuns vasinhos de Sèvres,

os meus suplícios esculpidos.

Page 25: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

25

Todo-poderoso, déste

a cada um

uma cabeça sobre o torso

e inventaste o par de mãos;

tu désses que pudéssemos

beijar, a outro par, sem a dor

da paixão!

Criador omnipotente, já se nota

que, deuzito pequerrucho,

és um incompetente...

Espia aqui:

do cano da bota

tiro, quando me curvo,

uma faca de trinchete...

Agachai-vos no paraíso!

Espichai os rabichos,

arrepiai as plumas,

velhacos de asas!

Eu os destrincho,

os que do incenso se defumam,

daqui até o Alasca.

Abre alas, vou entrar!

Seguro?

Não me seguram!

Certo

ou errado,

eu não posso sossegar.

Vem ver só – outra vez,

no céu, ensangüentado igual um açougue,

as estrelas se decapta.

Ei vocês!

Céu!

Tira o chapéu

que estou adentrando!

Page 26: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

26

Não me ouve.

Dorme o universo

e a orelha enorme

cheia de carrapatos de estrela

encostada sobre a pata.

1914/1915.

Notas:

“Vagar en las tierras de otro y encontrarse a sí mismo en la tierra natal”.

→ Colhidas palavras de Marina Tsvetaeva; “Vladimir Maiakovski e Boris Pasternak” ...

(?) (a linha de cima já prestes a arrebentar, juntados esses três nomes!), de 1932:

(http://hablardepoesia.com.ar/numero-25/vladimir-maiakovski-y-boris-pasternak-

epos-y-lirica-en-la-rusia-contemporanea/). Mais outro caso em que venho sido

ajudado por amigos, alimentado espiritual e materialmente (tenho andado na corda

bamba!). Mesmo dia quando recebi a notícia da publicação de um poema inédito de

Maiakovski “na tradução contida e sóbria de Zóia Prestes (filha de Luis Carlos

Prestes ...

.

.

.

),” [despencou!] “... que a dedicou ao PC russo” (no Estadão de hoje, 7 de

Setembro, 2012). Bernardini termina o artigo dizendo que “notas de rodapé mais

extensas seriam bem-vindas”. Estas minhas notas eu as dedico, do fundo da minha

sobriedade, a todos aqueles amigos já mencionados (só não citados, para o bem

destas linhas).

Page 27: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

27

Advertência:

Um dado da minha biografia vou citar, não por vaidade de tradutor, e sim

advertindo estas traduções, sobre de onde as estou advertendo. Muitos, neste

mundo, perdem as mães; poucos perdem a língua materna. Se poesia foi por

não saber língua nenhuma, crescer fazendo testes e gerando textos... As

traduções não necessitam ser atestados de experiência na outra língua; sejam

testes, experimentos desta “minha”. Admitindo toda a deficiência, faço-me apto

à admissão do emprego. Além da minha, não sei falar a língua de

Maiakovski... (faço o melhor que posso...). Depois das primeiras notas de

rodapé, apresentadas em estrofes de todo cheias de hipotéticas, estas notas

de agora são segundos rodapés. Mas não deixem de experimentar desta

cozinha, só por não ser ela típica. Estas traduções poderão ser estudadas

junto aos meus poemas que estão vindo (posso o melhor que faço!)

p.s.: „Ad‟, em russo “Aд” = inferno.

(Sub-nota assustada: rolei para as estrofes russas, disposto a pescar o caracter

“д” da palavra primeiro saltada aos olhos... Caiu “душу вытащу” (“a alma

esmagarei-a”... ). Saltar, um pedacinho da alma, e já... para o inferno? Cuida!

Bem sei: cada palavra que testo me testa. Sejam vistos olhOs arregalados por

trás de cada frase destes textos).

Page 28: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

28

(Prólogo):

→ (12/7/12) MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: Presta atenção, quando

compões uma oração, nas torturas, nas coisas enfiadas pelos buraquinhos das letras.

Que a palavra “composição” não passe a falsa sensação de que se trata de quebra-

cabeças, de encaixes horizontais. A magia poética se faz por instrumentos de

amarração. E, a eficácia da oração, “o que atares ou desatares na Terra será atado e

desatado nos Céus” – que a sintaxe vire simpatia. Itálicos são sinais de que a palavra

está submetida à tortura. Dividi-las ao meio? Só se as valises dessas palavras forem

coisas abrindo-se – na realidade, foi encontrado um zíper da palavra. De jeito

nenhum a tradução poderia se dar pela transfusão até a palavra mais conveniente do

português a partir de uma russa posicionada bem de frente (no caso de um livro

fechado) – geralmente, em edições bilíngües, nas páginas esquerdas. Até as sílabas

das palavras perguntam se têm ali direito de estar, e olharão para os lados, entrando

em esquemas de delação. A harmonia da estrofe não se dá pela relação de

harmônica vizinhança; pelo contrário: as lutas faladas no poema vão sendo

desempenhadas pelas palavras poéticas e, que algumas delas se torturem, é sinal de

que pela amarração está passando a corrente das forças. A palavra torturada está

posicionada no local da decisão. Por último, há o itálico da insinuação, quando a

palavra arqueia a sobrancelha. Leitor algum deve ler o poema sem desconfiar e

investigar que, além dos explícitos dos conceitos falados na palavra, haja implícitos

aquém dela. Veja “carna rábica” (мяса бешеный), que significa, no explicito:

tomada/infectada pela raiva (podendo “raiva” ser aquele afeto espiritual... [mas,

afinal, “carne” é palavra carnal]); no implícito estamos ajudados pelos

“meditabundos” (мечтающую...) ou “bumbos” (литавры), nos quais se deita o

amor, e outras insinuançadas palavras, como “desrosquear” (вывернуть). Pois

em “rábica” está contido o rabicó (“Rabcors”, M. Poética, pág.51) e, inclusive em

“nuançando”, está-se abrindo um zíper.

→ (30/7) Requisitei de alguns amigos, entendedores dos radicais gregos, ajuda para

solucionar este problema, da dimensão da palavra: “двадцатидвухлетний”, um

adjetivo para “22 anos”. Não capta e capa a ironia libidinal o simples “aos 22 (anos

(de idade))”. Cheguei a pensar em “22 anos de alta idade”; Alfredo sugeriu “do alto

dos meus 22”. Tal ironia só poderia ser transmitida pelo sufixo, equivalente a “de

(alta) idade”, “... genário”, anteposto de um correspondente (como aos 80 em

“octogenário”) aos 22. A potência de Maiakovski – deidade. Os radicais gregos

ofereciam suas aberrações para vir ao mundo (icosa, icosakaihena, etc.); estava claro

Page 29: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

29

que necessitava de outra radicalidade. Esta surgiu pelas mãos do Acaso; eu respeito e

acrescento à minha tradução, sem contestar (e acasos desses são, é verdade, dos

meus principais critérios), as palavras proferidas pelo amigo que, além de tudo, se

chama Wladimir – Wladimir Vaz, a quem não falta a libido revolucionária, e sequer

sabia estar dizendo as palavras de minha salvação poética (ele pretendia homenagear

o amigo Divino, patriarca de nós ali reunidos, pelo sexagésimo aniversário dia desses

completado): “Sexy, não sexagenário!”.

1

→ (14/7)

“Onde queres ternura sou tesão” –

Gostaria de ver esta frase, anotada de uma música do Caetano (talvez “Chove-chuva

[e gotas dágua que ela cataputa]” tenha daí alguma influência) tomada como segunda

e mais importante epígrafe destas notas. As duas palavras, “intensão” e “tesão”

(“Qual intensão que uma rocha dessas poderá? Mas esta rocha está é cheia de

tesão!”), são o mesmo verbo (“хотеться”, simplesmente: querer), empregado nos

dois versos, correspondendo ao adjetivo “жилистая”, “tencionada”. A conversão da

intensão no tesão é operada pela mudança de pontuação, de um verso (?) a outro (!);

pela mudança de uso do verbo, de um verso (poderá querer?) a outro (quer!); e a

relação transcendental destas mudanças (passagens de um estado a outro) com a

tensão (“tencionada”) e, enfim, a contorção (корчится). Isto, afirmando e negando

o que, no prólogo, é afirmado e negado: a meiguice (нежности/ “ternura”). Antes de

Maiakovski dizer “Se quiseres, então serei meigo”, diz não ter um só fio de meiguice.

A estrutura do poema seguinte está inscrita nesta fórmula “se, então”, a revoluta (e

que acaba dizendo algo sobre a revolução) tentativa de o não-meigo ser meigo.

Deste modo a pergunta: “que intensão que uma rocha destas poderá?” é feita por

um Maiakovski-fingidor e a resposta: “Mas esta rocha está é cheia de tesão!” é dada

pela sua consciência vulcânica de si (Maiakovski sabendo-se Vesúvio). Assinala-o na

mudança do vocabulário em questão – a resposta sobre o tesão conclui um

silogismo ternário, guardando implícita uma segunda pergunta entre os dois versos:

“Que intensão pode haver num vulcão?”

→ (14/7) Entre estas traduções, que estou a fazer, de Maiakovski, e aquelas de

Iessiênin, as quais há pouco fiz, encontra-se o dia (*1) em que descobri a sua Poética

Page 30: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

30

(Ed. Global, 84). Em toda a segunda parte de sua Poética, Maiakovski se utiliza,

ilustração prática de “como fazer versos” (estas notas estão influênciadas deste

subtítulo da Poética), do causo de sua resposta ao poema de suicídio de Iessiênin.

“Finalidade: paralisar de modo refletido a ação dos últimos versos de Essenine,

tornar a morte de Essenine desinteressante, fazer preceder no lugar da fácil beleza

da morte uma outra beleza, porque todas as forças são necessárias à humanidade

operária para prosseguir a Revolução, que exige – apesar das dificuldades

encontradas no caminho, apesar dos contrastes da N.E.P. – que nós glorifiquemos a

vida, a alegria da mais difícil das caminhadas: a que conduz ao comunismo” (pág.39).

A briga entre a “pulsão de morte” (ele-Iessiênin) e a “glorificação da vida” (Eu-

Maiakovski) foi a frincha por onde entrou Maiakovski, acordando a felicidade de ser

Maiakovski – já estes pré-soviéticos poemas têm, como principal incisão, a

afirmação revolucionária da vida invés da repressão (dos impulsos e dos povos).

Especialmente lá onde Maiakovski diz não gostar de ler [“eu estaco o meu „nihil‟”/

“[está a pregar] o Zaratustra dos dias atuais”], Maiakovski demonstra conhecer as

palavras letradas da literatura filosófica a este respeito.

Foi nos idos destes dias, em visita ao amigo e poeta Tomaz Amorim e seus amigos

de proa, dianteira da luta política na sua cidade. No ônibus, perto das quatro, escrevi

“Chego às quatro” duas vezes: uma avisando Tomaz da minha chegada; outra, pois

eu chegava trazendo Maiakovski na bolsa (“ - Maria falara”). Dia de panfletagens e

reuniões... A tradução, na qual até então prosseguia em paz, ganhou caráter de

urgência: terminar ao menos até o dia das eleições. Das flores de Iessiênin senti

ligeira vergonha. Iessiênin representa, igualmente neste caso, o anti-mandato social

(ver Poética, pág.25, etc.). Pelas minhas mãos, depois de por elas voltar a negatividade

de Iessiênin, irrompeu outra vez Maiakovski, pela vida do comunismo (eterno

retorno do não-mesmo). A solução da urgência (“Substituir a lentidão no tempo por

uma mudança de lugar”, pág. 42) foi o que sucedeu pelo Acaso, igualmente na

Poética: “Eis o motivo por que adiantei mais o poema sobre Essenine durante o

caminho entre o Lubianski Proezd e a Direção do Chá, na Mianitskaia (...) [que] foi

o contraste violênto necessário depois da solidão de um quarto de hotel”. Enquanto,

eu, antes: “Os mesmos quartos de hotel, os mesmos tubos, a mesma forçada

solidão” (pág.40). A leitura deste “poema de amor” (?) de Maiakovski, o qual vai da

intensão ao tesão, estará ajudada pela transposição político-revolucionária da

passagem “de um estado para outro” até “de um Estado para outro”.

(*1) Por volta de 2011, um daqueles aforismos sobre “o milagre da multiplicação

dos parênteses”, alguns de meus escritos ainda não conhecidos: “(Um susto no

trânsito): A não-existência de algo furtado, ao final da frase, pelo aparecimento de um

diabrete, está sempre acompanhada de uma pista: a seta de sua cauda, decepada por

Page 31: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

31

um parêntese-ratoeira, apontando a direção para onde ele terá fugido”. Embaixo:

“Esta frase foi integralmente capturada de um sonho e recuperada, desde sua

palavra final, „fugido‟, seguindo a verdade de seu conteúdo, a partir de uma cauda

encontrada!”

Dias atrás estou abrindo o livro de Maiakovski, Poética. Estas palavras, dali

transcritas, dão agora de apresentação à Nuvem de Calças:

“Por volta de 1913, ao regressar de Saratov a Moscou, querendo provar a pureza das minhas intensões a uma mulher jovem que viajava comigo no mesmo comboio, disse-lhe que não era um homem, mas uma nuvem de calças. Mal pronunciei estas palavras pensei que poderiam ser úteis a um verso e que me arriscava a vê-las repetidas, gastas. Terrivelmente inquieto comecei a interrogar a mulher durante cerca de meia hora, fazendo-lhe perguntas pérfidas, e só me acalmei ao ficar com a certeza de que as minhas palavras já lhe tinham saído pela outra orelha./ Dois anos mais tarde a “nuvem de calças” serviu-me para título de um poema. / Durante dois dias meditei nas palavras de ternura que um solitário dirige à sua única bem amada./ Como vai ele olhar pra ela, amá-la?/ Na terceira noite fui deitar-me com dores de cabeça, sem nada ter descoberto. Por fim achei uma definição:/ O teu corpo/ hei-de cuidá-lo e amá-lo/ como um soldado mutilado na guerra/ inútil, sem ninguém,/ cuida/ de sua única perna. / Saltei da cama, meio acordado. Na escuridão, com a ponta de um fósforo queimado rabisquei na caixa de fósforos: “perna única”, e adormeci. De manhã demorei bem duas horas para me lembrar do significado dessa “perna única” apontada na caixa de fósforos e como ela tinha ido ali parar./ Uma rima que estamos quase a agarrar pela cauda...” (pág. 30) (!)

→ (17/7) CUBA: A busca pela tchetchetka (tchetchiótka?) (чечеткой) termina no

tchatchatchá. Começou pelos vídeos, díspares entre si, achados na internet. Pensei em

“tango”, tentação de terminar em “tango down”. Mas tango não pode ser a três e

talvez não celerado, apesar de Schnittke. Fui levado a “tchá tchá tchá” pela fonética, os

repetidos chás, o que o russo pode representar numa só letra, o ч. Talvez a fala de

algumas onomatopéicas rastreie a coisa de que se fala, aquele tanto que tchetchetka e

tchatchatchá, por menos palpáveis que sejam ao não-russo ou ao não-cubano, vêm a

combinar pela palpitação. A confirmação está na fotografia do verbete (“Chá-chá-

chá (dança)”, na wikipédia): “Competição júnior de chá-chá-chá na... República

Tcheca” (!)

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ch%C3%A1-ch%C3%A1-

ch%C3%A1_%28dan%C3%A7a%29)

→ (17/7) “Tchiotkii” (четкий), ou seja: legível (pela nitidez), é diferente de

“tchiotki” (четки), ou seja: rosário, terço... Contudo, já vem sido prenunciada a

vinda divina. Fazer, então, do legível, o contável. Além do mais, o verso é, em tempo

real, coincidente ao ato de contar (um, três, muitos... ). Razão da alteração do verso

seguinte, literalmente: “Depois ele e mais dois”, fazendo o três deles de um terço deles,

Page 32: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

32

adiantando, então, o “cem” (muitos, многие) de seis versos além. É que, logo pela

manhã, antes de dar com este verso, fiz uma impressão dos poemas de Isabela

Vieira e, abrindo em página aleatória, li: “Conta de rosário – cravo no desgarrado

coração”.

→ (23/7) A amiga Júlia Teles escreve: “Estou na Rússia. Vou ficar mais 15 dias.

Tem algum pedido deste lado de cá do mundo?”. – Tenho, sem dúvida (tendo uma

dúvida): talvez aí alguém saiba o que significam estas 15 letras: “звоночки

коночек”!

→ (25/7) VALE: É isto o que convém ao tradutor fazer: “„Estas tuas/ esmeraldas

de loucura/ valem menos/ que uns trocados que não tens‟./ Te cuida: este teu „vale‟

soterrando/ o Vesúvio dá o troco/ se Pompéia desavém” – versos suados estes,

“trabalho muito fatigante” (Poética, pág. 43)... Para o texto ser poético, as palavras

têm de ser as protagonistas da luta. O “troco” do Vesúvio é, antes, a troca de

valores definidos pelas palavras – neste caso exemplar, a troca de valores de “troca”

e “vale”. O “vale”, perante o qual o poeta não tem um trocado, é o “vale” sobre o

qual o poeta-vulcão pode dar o troco. O caminho do poeta ao poeta-vulcão se faz

pela subversão dos conceitos, um poder sobretudo declarativo – a luta de classes da

palavra é contra a classificação.

→ (26/7) De jeito nenhum “prole” é a palavra mais adequada para “дети”, que quer

dizer, apenas – crianças. Fui levado à prole pela necessidade de palavra no singular,

provocar a rima entre “cai” e “cais” e, aproveitando, uma ante-rima: “prole” e

“explode”. Um minuto depois noto a até então oculta razão da eleição – a

explosão... é do proletariado!

→ (26/7) Tentação de escrever “Lusitânia brasil”... (isto é, em brasas: “... um tal de

Brasil... ” (Maiakovski, Minha Descoberta da América, Pág.52, M.Fontes).

2

→ (27/7) CUBO: Quem poderá dizer, da foice, “foi-se”? Continuará havendo

marxistas, nos períodos de férias das universidades, reunidos em congressos e, na

frente das salas de auditórios, banquinhas de livros, foices nas capas de todos eles.

Será questão de preenchê-los de conteúdo realmente explosivo? Num destes

seminários de arte e revolução, acreditei que a máxima de Luka fosse de um Lukacs

mal-transliterado: “As pulgas não são más; todas elas são negras, todas saltam” (...)

Anotei duas interrogações no papel:

Page 33: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

33

1) Porta-voz, discutis

com umas portas?

2) Respublicas

para deixar cair ao rés-do-chão?

“Os fracos não conseguem avançar e esperam que o acontecimento passe, para

refleti-lo; os fortes ultrapassam-no de modo a arrastar o próprio tempo” (Poética).

No Brasil a palavra “realista” significa (acepção de igual influência prática dentro e

fora da academia literária) estar e agir conforme (conformado a) uma realidade dada.

Toda a realidade, para esse realista, que não está dada, é dadá. O “seja”, do “seja

realista” do realista, é repressivo: (seja (tu...) real). Mas o “seja” do poeta não chega

reprimindo; uma vindoura realidade desejada se põe ao lado deste “seja”, para se

realizar (seja real isso (tudo)). Senão tomarás por parede o que é porta – para entrar.

A temporalidade do arrastar é contada por um ponteiro que tem a forma da foice do

“vai ser”. Para o cubo-futurismo não terminar no vãguarda-roupa de conceitos,

[cubo] no qual se guardar, invés de cubo3 ao qual se elevar! A linha do tempo, na qual o

presente assinala o ponto futurista ao cubo, é arrastada, como que pela passagem da

seta em alta velocidade. Se não é desse jeito, o ponto futurista no cubo pode ser

guardado a qualquer “altura” (uma altura horizontal! Pois aqui não falamos de um

inseto que saiba saltar do plano do chão) da linha, e temos um tempo que se arrasta –

molenga, gordo, etc. O gênero preferido de Maiakovski, os versos de “agitação”,

para ler... em auditórios? (“Auditórios do Gólgota”). Poesia é a língua libertadora;

fora dela, onde não há suficiente agito, acidula-se a crítica, vira corrosão pela

corrosão – e, institutos além, arte pela arte. Tudo só há enquanto balança... Já no

discurso estacionado entre estes estacionamentos, a gente manobra suas bagagens, e

desse jeito tem de ser, quadradinho, para caber nessa vaga. A vaga poética é onda...

pra que venham mais vagas. Esta onda tem, em seu rodamoinho, a mantra “Om”; a

aspiração, na palavra vaga, que a tragamos, vagando lugares e vagalhando sentidos –

e direções a seguir. Quando for para mover a montanha, seja realista – para realmente

mover a montanha. Dentro da fórmula há, de fato, um explosivo, a explosão da

geração, para encarnar o mundo das plausibilidades infinitas. A teoria lógica do Ex

Contradictione Quodlibet

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_de_explos%C3%A3o), Da

contradição obtem-se o que se queira, fez-se carne em Virgem-Mãe, e realizou-se o

milagre. Politicamente é a contradição das classes que dará a brecha, e então será

hora de a geração saber enunciar-se. E que a fé reaja ao estado de coisas, não

esperando, e sim almejando e obtendo (pois estamos de esperanças do dever ser).

Page 34: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

34

→ (2/8) “Nos coros coralinos de arcanjas”/ “в хо рах архангелова хорала”... Como

reproduzir esta redundância e não desmatar as aliterações? (Supondo que eu não

tenha mal-interpretado “в хо рах” (“хор” [coro] no prepositivo plural) e “хорала”

(“хорал” [coral] no genitivo singular). “Coro coral” teria sido a minha precipitação...

na pobreza. “Coro coralino” surgiu do pulso de cada palavra, o qual a remete ao

assunto central, o mesmo da Poética: a poética revolucionária contraposta à poética

daquela ternura, a lírica das “florezinhas ao sereno”. Ignoro se Cora Coralina

corresponde a algum destes planos (de fato, talvez a mais distante referência desta

fagulha de idéia seja o dia no qual encontrei, na estante de literatura russa desta

biblioteca, o livro Kyra Kyralina, Panaït Strasti). Seja como for, ter escrito “coros

coralinos” na folha de papel, além de qualquer explicação, fez surgir uma canja em

“arcanjos”. (Dias depois surgiria uma última confirmação desta escolha: a entrevista

de Paulo Azeviche por Cara Caralina, http://xavante.art.br/2012/09/04/cara-

caralina-entrevista-paulo-azeviche/ )

→ (2/8) 2008, eu compunha o Bestiário, álbum de animais. O poema A MOSCA

surgiu fruto da compreensão da bela ambigüidade existente na palavra, em

português, “decomposição” (разлагаются). Por isso, apesar dos “aderentes e

vibrantes conteúdos acessórios”, o poema destaca “sobretudo os seus dois olhos/

no compor e decompor cartesianos/ nos cárceres de seus meridianos/ não há nada

que lhe escape à inquisição/ arctectônica no óptico fenômeno/ nas carnes faz

panópticos sardôneos/ assaz apaixonada pela decomposição”. Nesta poética uma

qualidade positiva da palavra será cruzar, copular as acepções do “carnal” e do

espiritual, destes decompor cartesiano e a decomposição das moscas. São palavras

lógicas (até as palavras “cruzamento” e “cópula” estão hora nos domínios do léxico

tradicional da lógica, hora dominadas pela carne); suas acepções não são, contudo,

assépticas. Uma felicidade para as nossas experimentações é ser Maiakovski usuário

de aspas – “miserável”, “s.o.p.a” – , ajuizador de palavras – “já falecidas (que)

decompõem-se... igual cadáver”. Chegou a ocasião, na meta-poesia da Nuvem, de,

decompondo “sopa” (борщ), redimir os Anonymous (e Sua Online Piracy Activity) de

não ter usado “tango down”. Abrindo mão do “кажется” (“parece”), o “como” de

“qualquer coisa como” (expressão que, sozinha, já é interessante...) devolve a sopa

para a sua decomposição fora da frieza de geladeira das siglas. A seguir, isso me

possibilita usar a palavra “ensopados” (размокшие), o que me libera acrescentar

“desfalecidos”, como se estivesse só a prefixar. “Pазлагаются” guarda perfeitamente,

de “decomposição”, a sua dupla face de dois cortes. É universal, já previsto pelos

olhos quadriculados da varejeira: a defunção natural nada é além da divisão de

elementos orgânicos. Podia ter usado a palavra “defunção”, para negar “função” –

Page 35: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

35

aquela história da arte burgusa, quando não funciona às intenções aos tesões

proletários, ser chamada de “degenerada”.

→ (2/8) A idéia de escrever “fantástico Faustão” (Фауста,

феерией ракет) e, deste modo, colocar todo o horário nobre dominical da

televisão, junto a “Mefistófeles, deslizando no palanquete”, tendo sido represada,

contudo vazou e, vazando, torturou a palavra “foguetões”. Assim, quando citado o

nome de Goethe, talvez induza ao aumentativo dos nomes próprios ao redor. Isto

foi alguns dias depois de eu ter recusado (Idem Ibidem, por causa do “trabalho

fatigante”) um convite para ver, na séde sindical dos acadêmicos demingueiros, um

filme chamado “Fausto”.

→ (3/8) Uma violência ao poema: a fim de que “sois” fosseis “Sóis”, tive de trocar

“nós (мы)” por “vós (вы)” ao longo de algumas estrofes. Esta pira sacrificial, na

qual bem-sucedidamente produziu-se o sol, não é preciso realimentar.

→ (3/8) Revelei ao amigo Alfredo onde fica a cabine, no fundo da biblioteca (vale,

igualmente na biblioteca, a regra de que o oriente e, com ele, a grande literatura

russa, estejam geograficamente a postos o quão distante se vá), onde estudo; e ele

veio convidar a um café, falar de boas novas – lutier e helenista, segue aos

finalmentes da fabricação de sua lira. Dias atrás, noticiaram que morreu o último

espécime daquela espécie de tartarugas, de Galápagos, da qual Darwin se alimentava,

comendo – “sopa”. Um capacete de operário, encontrado na calçada entre a biblioteca

e aquele, fazendo sombra nela, imenso cubo em construção, autorizou-me fazer a

seguinte indagação: “Os esforços da lutieria, esticando neste capacete certas tripas,

conseguiriam transformá-lo em uma lira?” A lenda da criação da lira, Hermes e a

tartaruga, explica Alfredo, acha-se em Homero, “antes das relações capitalistas de

produção e da Classe Operária” – (Retratando-me ao Alfredo: justo a parte entre

aspas foi a que ele não disse). De volta à minha cabine, no fundo da biblioteca,

dando marcha ao combio de versos a traduzir, procedo na estrofe seguinte: “Não

me lixo que não haja/ em Ovídio, em Homero/ gente igual a gente”. (!)

→ (4/8) “O cabo teleférico dos mundos...” – “миров приводные ремни”, ao pé da

letra: “a correia de transmissão dos mundos”. Os cinco dedos ligam uma corrente

que, serpenteando entre eles, põe em funcionamento um sistema, como no motor

do automóvel. Já os mundos estão sendo levados ou trazidos (desrealizados ou

realizados) pelo teleférico – não é o movimento da alimentação do sistema. Esta

imagem foi para ser acessível – entrevistei algumas mulheres, descobri nem todos

terem idéia do que seja uma correia de transmissão. Protejo-me pela primeira cena

de Kárhozat, Béla Tarr: o prelúdio de Shostakovich e o teleférico, soviético por

excelência, transportando carvão, e não turistas, pela Sibéria, e não pela “cidade das

crianças”. A escolha me permitiria, além do mais, fazendo dois os cinco dedos,

Page 36: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

36

transformar a sofreguidão em guidão – aos operários, não só a força; a direção. Só

me decidi pela alternativa, a qual sei insuficiente, quando, entrando no escritório de

meu Pai, ouço: “Мы шли, мы просили работы”.

http://www.youtube.com/watch?v=7AR-A32mEZk

http://www.youtube.com/watch?v=gTHiP1uvhHk

→ (6/8) VALE: “Vale” se desenvolverá para o vale aquele dos “valiosíssimos

minérios”, de que estão cheias as nossas almas. (“O átomo mais ínfimo de vida/

mais vale/ do que tudo o que eu já tenha feito”) – equivalamos “tudo o que eu já

tenha feito” a “esmeraldas de loucura”, cifras versus cifrões. O ouro da alma está

acima até dessa vala. “Vale”, nós o dizemos desta forma: “mais vale (a vida)”; o

“vale da sombra e da morte” é o lugar onde predomina a realidade realista, “Jack

London, grana...”, onde o que “mais vale” mais valia.

→ (6/8) CUBA: Fala-se de uma revolta acontecendo, neste instante, no México.

Minhas leituras de Minha Descoberta da América estão surtindo efeito. Justamente, fui

levado a ler o capítulo “México”, para rebater a acusação de que seja montagem a

fotografia (a qual colei na minha “linha do tempo”) de Frida Kahlo, segurando um

revolver... ao lado de Maiakovski. Maiakovski diz: “Diego Rivera me encontrou na

estação. Por isso, a pintura foi a primeira coisa que conheci na Cidade do México.

Antes eu apenas ouvia dizer que Diego era um dos fundadores do Partido

Comunista, que Diego era o maior artista mexicano, que Diego acertava uma moeda

no ar com um (revólver) Colt. (...) Naquele dia almocei na casa de Diego. Sua

mulher é uma alta beldade de Guadalajara. Comemos só coisas mexicanas (...)

depois passamos à sala de estar. No centro do sofá, o filho de um ano, largado,

enquanto na cabeceira, em uma almofada caprichada, jaz um enorme Colt” (págs.

23-26). Seguindo silogisticamente, não importa qual a coisa mexicana, se dorme com

Diego, dorme na companhia de um Colt. Nesta linha do tempo cujo layout azul é o

céu, o lugar demarcado, onde o revólver-Maiakovski pode tornar a ser segurado,

renovadamente chega. E talvez não tenhamos de passar pelos auditórios do

Gólgota, tais palavras combinadas em algum lugar do mundo. 25 anos depois da

rápida passagem de Maiakovski pela ilha de Cuba, para comprar ananases (pág.15),

não terá derivado daquele “Viva o bolchevique!” (“... e apenas no fim disse

macarronicamente, para me safar: „I am rrãchã!‟. Essa foi a atitude mais precipitada.

O mendigo apertou minha mão entre as suas e pôs-se a vociferar: - Viva o

Bolchevique! I am bolchevique! Viva, viva! Esquivei-me sob olhares transtornados e

temerosos dos transeuntes”) o dia em que a ilha toda decidiu gritar: “Come ananás/

mastiga em paz/ seu último dia chegou, burguês!”? (Poética, pág. 22).

→ (4/8, 18 da tarde, praça da Sé, São Paulo): “Cadê a chave do carro?” –

perguntou, calibre debaixo da jaqueta, o assaltante... Espantado do forró ali debaixo,

Page 37: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

37

agora estou sentado ao pé da catedral. Saco Maiakovski da bolsa, e chego à frase

seguinte: “Só que, a mim, a gente, até essa/ a que ultrajou/ sobre todas as coisas,

Vós Sois, o meu raio/ de luz”). Pai, as coisas desejadas sobre todas as coisas estejam

sobre todas as Giocondas e chaves de carro, as quais se pode furtar, pouquinho acima

do teto de Tua catedral. (“Acima das cruzes e dos topos/ Arcanjo sólido, passo

firme/ Batizado a fumaça e fogo/ Salve, pelos séculos, Vladímir!” – Marina

Tsvetaeva, A Vladimir Maiakovski, trad. de H. Campos). É que a gente está tendo as

sacadas erradas. Maiakovski (salva, pelos séculos, Wladimir!) – calibre versus colibri.

E, apenas enquanto versus, versos.

→ (8/8) MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: Não basta puxar setas da

estrofe russa e, impecavelmente, transportá-las à estrofe portuguesa, de modo a ter

tudo ligado entre elas, a segunda algo como o conjunto imagem da outra. Cada verbo

tenha seu verbete e, acima das definições de cada um, esteja a definição do princípio

(“Não perca de vista seu ponto de partida”) – a poética? Veja lá como vais definir.

O pecado inevitável deve deixar de ser chamado “pecado”. Disso já sabíamos: o

texto, na realidade, não é em português; mesmo se apresentado for, cada uma das

palavras portuguesas não significa o que significa. Achar palavras-vaga (“tiro”, ou

“liro”; “tira”, ou “lira”), onde está preservado o seu “nada é”, e de onde muito pode

ser. “Eu tiro, eu saco a minha alma”... A alma, a qual eu saco, é quase arma e, logo,

tiro. E, porque “salva” é salva de tiros ou de palmas, desta salva é o Salvador. Tomo

a liberdade, de canto de olho no dicionário, de substituir a definição do verbo

выжечь, “Я выжег” (reduzir a cinzas, “Eu... fulminei”), pela do verbo выжaть

(ceifar/ “Eu... passo a foice!) – estas duas expressões, fulminar e ceifar, no plano das

almas, não descrevem o mesmo evento? A foice, raio de luz desta fulminação

prestes surgirá na última linha: “Como se fosse uma bandeira”/ “как знамя”...

→ (9/8) O poeta, na foto, ao lado de Frida Kahlo, não é Maiakovski! Em letras

grandes, ali ... ao lado da fotografia, a ruina de todo este projeto: ... enlouqueci!

3

→ (11/8) Oculta num livro de desenhos díspar, a palavra “Colt”, tocada sem querer,

disparou esta terça parte.

→ (13/8) CUBO: “Na Escola apareceu Burliúk. Ar insolente. Lorgnon.

Sobrecasaca. Caminha cantarolando. Pus-me a provocá-lo. Quase chegamos às vias

de fato./ Sala de Reunião da Nobreza. Um concerto. Rakhmaninov. A ilha dos

mortos. Fugi da insuportável chatura melodizada. Instantes depois, também Burliúk.

Soltamos gargalhada, um na cara do outro. Saímos para vadiar juntos” (Ed.

Page 38: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

38

Perspectiva, pág. 39). Não é isto, saltar para fora de um concerto de Rakhmaninov

para, de uma noite de vadiagem (“...), fundar o futurismo, a introdução da terça

parte da Nuvem? – Burliuk, ao escapulir do naufragante século XIX, pisa-o na nuca,

para ser um ativista desse naufrágio – tem de afundar o real para fundar realizável

(... Da chatura rakhmaninoviana, passamos à da Escola, e da escolar a toda a chatura

clássica. Em David [Burliúk] havia a ira de um mestre que ultrapassara os

contemporâneos, em mim – o patético de um socialista, que conhecia o inevitável

da queda das velharias. Nascera o futurismo russo”) (pág. 40).

→ (23, 24, 25, 26, 27, 28/8) MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: Burliúk

surge “с нежностью, неожиданной в жирном человеке” (“com ternura

inesperada numa pessoa gorda”)... “[foi] se bem que gordo, imprevistamente terno”.

Retiro, de “imprevistamente”, não “ternura”, mas “terno”, e “imprevistamente”

sofre uma tortura. Ela prevê uma dicotomia do vestuário – de um lado, “terno”

(“Lorgnon. Sobrecasaca...”); de outro, “macacão”/ “желтую кофту”, ao pé da letra:

“a blusa amarela” – a maior perda desta tradução, deixar de mancionar o

inverossimilmentre trajado Maiakovski (“A Blusa Amarela/ Eu nunca tivera um

terno. Tinha duas blusas, de aspecto miserável. Método já experimentado: enfeitar-

me com uma gravata. Não tinha dinheiro. Apanhei com minha irmã um pedaço de

fita amarela. Amarrei. Fiz furor. Quer dizer: o mais aparente e bonito numa pessoa é

a gravata. Logo: se você aumenta a gravata, também aumentará o furor. E visto que

as dimensões das gravatas são limitadas, lancei mão de esperteza: fiz da gravata uma

blusa e da blusa uma gravata. Uma impressão irresistível”, pág. 41). A “vista”, torcida

dentro de “imprevistamente terno”, saltou de lá, produzindo vagas – “revistas/ [tua

alma interna no, de couro, macacão]”/ (“в желтую кофту/душа от осмотров

укутана”). “Vista” que é vistoria (осмотров, de “revistar”) e, ainda, questão de

vestuário (de revestir), e “interna” no interior da vestimenta e (inevitável, ainda

quando o sujeito de “interna” é a alma eletrocuta), do internato. Depois dependeu

de eu ter quebrado a cabeça, sem entender o significado de “брошенный в зубы” e,

além disso, de, tendo ido buscar ajuda na nota de rodapés sobre Van-Guten, tomar

esta nota, como parte integrante da estrofe, para preencher a lacuna não-entendida –

“(estão falando nas revistas)”. A nota diz: “Маяковский имел в виду факт, о котором

писали тогда газеты: приговоренный к смерти согласился крикнуть в момент казни:

«Пейте какао Ван Гутена!» За это рекламное выступление фирма Ван Гутен обещала

большое вознаграждение семье казненного”; isto é: “Maiakovski tinha em mente o fato,

sobre o qual escreviam os jornais de então: um condenado à morte concordou em

gritar no momento da execução: „Beba cacau Van-Guten!‟ Em troca deste

aparecimento propagandístico a empresa Van-Guten prometera grande recompensa

à família do executado”.

Page 39: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

39

A atuação deste poema continua sendo o combate contra o “mole” (“Vosso pensar,

meditabundo no miolo mole, ... irei fustigar/ “Denominar-se de poeta e, mole como

um colibri...”), o tema desta Nuvem, ou seja: нежность, ternura, meiguice ou, se

quiser, “molice”. Tive que dar um jeito de fazer minha marreta (para não usar as

palavras “soco-inglês” ou “soqueira”/ кастетом) bater/entrar “миру в черепе”/ “no

crânio do mundo” – ... é que o soco de soqueira bate/entra. O jeito é fazer ele

bater/entrar (e aqui eu acerto justo o objeto combatido) pela moleira do mundo, para

o mal da molice; poesia do poeta-calibre, para o mal do poeta-colibri. Traduzirei

bater/entrar por “arrebentar”... Esta palavra se dividirá em duas, pois estas duas,

“bento” e, em resposta, “arre!”, são, novamente, a cisão-tema desta Nuvem. Esta

cisão, a partir de um “arrebentar” bem sucedido, ecoará até o fim do poema: o

“arre!”, em relação ao “bento” (“É de gala, nesta valsa, este passo?”), arreda o pé

(“уйду я”); o “arre!”, em relação ao “bento” (“que de lágrimas regado”), (“солнце

моноклем/ вставлю в широко растопыренный глаз”) o sol como monóculo/

coloca-o/ no olho arregalado, para incinerar o “de gala”. A “gala” logo há de

conhecer seu oponente: a “galera” da taberna. É a palavra-vaga, “arrebento”,

gerando rebentos – “os novos rebentos dessa prole”. A explosão dentro de

“arrebento”, igual a que existe dentro de Virgem-Mãe, a prole daquele proletariado:

“um clarão de olhos cêntuplos explode/ do cais”... é o Rex Contradictione.

→ (28/8) Alguns dias de meditação febril até descobrir: a alça da xícara é o tal elo,

longamente perseguido, entre “café” e “Galifet” – é o gatilho dos fuzilamentos. Esta

sugestão ficou boiando na sopa de possibilidades, pois tinha forma de gancho e

exigia ser puxada sem reflexão de conseqüências. E puxei-a, para ela assumir

inteiramente a palavra “щечке”.

→ (10/9) “Ela chegou, como Mamai,/ sentando a bunda/ sobre a populenta

imensidão:/ esta noite, negra como Azef...”. As notas, as que acompanham o

poema, estão aqui transcritas: Mamai – “A fala remete aos vencedores que se

banqueteavam sentando-se em tábuas colocadas sobre os corpos dos vencidos. Na

realidade, este vencedor não é o khan da Horda Dourada, Mamai, e sim o chefe

militar Genghis Khan, depois de conquistado o Cáucaso no ano de 1223”; e Azef –

“Provocador, trabalhou na espionagem socialista-revolucionária. Seu nome tornou-

se sinônimo de traição”. Cume da depressão, a bunda de Mamai encobre agora a

terça-parte da Terra. Maiakovski depara a proporção universal da Batalha: esta noite

“olho algum agüenta olhá-la”/ глазами не проломаем, ao pé da letra: “não

haveremos de fender com os olhos”. Reverberam as palavras ditas por Burliúk no

dia da criação (“Isso [o futurismo] é bom!”) e aquelas outras surgidas ao fim deste

estágio da luta: “e pedra sobre pedra não haver” (“Ничего не будет”/ ao pé da

letra: “Nada haverá/restará”). “Olho algum agüenta olhá-la” inverte a fórmula

Page 40: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

40

apocalíptica da vinda do Salvador: “todo olho O verá”. Na espiritualidade e na

fisiologia, o “todo olho O verá” só acontece no limiar a partir de onde “olho algum

agüenta olhá-la”. Esta idéia pressupõe uma desigualdade das forças e aposta na

vitória dos oprimidos, a qual só pode ser de virada, possibilitada pela fé, justo na

ocasião em que tudo está perdido. Herda desta disposição a crença de que a

intensificação das contradições favoreça a vinda do levante. O batalhador, ao provar

da aguardente (вином/ vinho), enxerga – a Virgem-Mãe. Há não-pedra sobre pedra

e, diante disso, quando, debulhando-se sobre a toalha, a toalha vira manto, naquele

instante em que o círculo passa pelo quadrado (“a auréola pela moldura vulgar”, “a

coroa de espinhos que traga”...), torna-se plausível explodir a montanha. As

próximas e últimas estrofes desta terça parte serão uma oração, na qual Maiakovski

conjugará, enunciará a geração por vir, a fim de que a gestem as forças celestiais, a

oração sintática feita apelação extrema. Maiakovski dissera: “Músculos, tendões,

invés de orações...”; a mudança de patamar, contudo, chega pela oração, encolhidas

palavras ditas baixinho na solitude da taberna e tanto mais decisivas que as gritadas

aos auditórios.

4

→ (29/8) “O sistema dos sete conhecidos (setimal). Dei início a sete relações de

jantar. Aos domingos, „janto‟ Tchukovski, às segundas, Ievriéinov, etc. Às quintas,

era pior: comia os capinzinhos de Riépin. Para um futurista de estatura quilométrica,

era inadequado. Ao anoitecer, vagueio pela praia. Escrevo a „Nuvem‟. Fortaleceu-me

a consciência da proximidade da revolução” (Idem, pág. 43). Foi ontem, quando

tirei da bolsa o livro de Maiakovski para ler esta passagem às novas amizades que fiz

no instituto de artes – Todos os dias, depois de uma tarde trabalhando nesta mesma

Nuvem, quando bate a hora da refeição, o estômago já roncando, ando por aí, alma

penada dos corredores desta universidade, à espreita de obter um cartão emprestado

para entrar no bandejão. Cortam abruptamente a comida dos formandos para

conscientizar, pelo choque, de que chegou a hora da miséria. Ao começar a fala de

Maiakovski em voz alta, pela fração do segundo entrou a questão: incluir ou não a

frase sobre a proximidade da revolução? E saiu pela boca. Estas orações são, eu o

digo, estômagos-vaga. Hoje pela manhã o sindicato soltou a seguinte nota: “Há um

ano, os trabalhadores do RU precisaram cruzar os braços para forçar a reitoria a

trocar a antiga máquina, etc. (...)Por isso, na tarde de ontem, o STU comunicou à

Fundação que, caso não sejam reconhecidos o direito aos 30 minutos de folga (...)

Page 41: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

41

etc., os bandejões da UNICAMP terão o funcionamento interrompido a partir de

amanhã (29/08)”. (!)

→ (10/9) “Inferno”, de onde adverto esta poesia: a influência desse livro de Strindberg

(Ed. 34)e seus cyclamen verifica-se hoje quando, no crivo do crível, dou valor e o

maior valor aos sinaisinhos, pequenas piscadelas recebidas. Dado que venho

descrevendo até aqui, dispenso explicar o que são essas piscadelas. Exemplifica a

almôndega extra recebida hoje e o ponto-e-vírgula que se desenhou – se não fosse a

piscadela da, concha nas mãos, trabalhadora, talvez não tivesse notado, à tarde, indo

aos versos seguintes, algo de significativo no verbete: “котлетa: croquete,

almôndega, costeleta”, as “dobradinhas de costume”. A piscadela será, então, um

sinalzinho delgado, senão não penetra até a pontuação, e não é trazido por anjo, e

sim encontrado junto a um duende que habita os buraquinhos das letras. Sinais são

sempre de pontuação, para direcionar o trabalho. Podemos nos sentir acalentados:

este sinal vem do Mesmo que o pão nosso nos dá hoje e dará amanhã.

→ (7 de Outubro): Esta quarta parte foi sofrida. Volto agora a estas notas, atestado-

as eu ter me afastado nestes últimos dias (duas palavras carregadas) – pois as notas

vão se manifestando como compreensões – , como alguém que acaba de

compreender. O principal, até então: de que jeito não se condenar, o tradutor, pelas

afirmações do traduzido? Depois do acidente burocrático que me salvou de prestar

o juramento da colação de grau (“Não jureis nem pelo céu nem pela terra nem façais

qualquer juramento”, Tiago 5:12), dei-me conta. Foi uma angústia real que me fez

entrar naquela cabine de banheiro do instituto de artes, a meio caminho do salão

nobre. O violinista, que praticava embaixo das escadas, entoando o hino nacional,

quis dizer: “Vai lá, pra tua formatura; está tudo resolvido!”. Uma angústia dessas foi

o que me manteve afastado destas notas por alguns dias – os da gestação desta

última parte da Nuvem... - ; além da entranha, o inferno é a outra coisa que borbulha.

No dia 19/9 escrevia: “Os dedos convulsos, vou apertá-los/ na garganta de lata da

campainha./(...) Na rua o mato alto segue a lei do „matarás‟/ e, no pescoço, o vulto

dos dedos/ da dileta companhia”. Suado ainda destes versos, adentro a sala escura

onde já está rolando a sessão de cinema do escontro de estudos literários – ... um

“me dá! não dou!” de casal, homenagem a Nelson Rodrigues, e que dá... em

estrangulamento! Já quando traduzi “arrasta, pra casinha, a pata atropelada pelo

trem”, encontrava-me na plataforma, embarcando de volta a Poá, onde esta

tradução teve seu início. Chamado a participar do sarau, leio “Pedágio” pela

primeira vez. De volta a Campinas, noutro sarau, por conta da presença estonteante

das dançarinas de dança do ventre, um dos participantes pronunciou, por três vezes,

em alta voz: “Por você eu traria, agora, a cabeça de João Batista!”. Os versos

seguintes da Nuvem a traduzir foram: “Mil vezes dançará o sol em volta da terra/

Page 42: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

42

como Salomé/ em volta/ da cabeça de João Batista” (!). Este experimento

tradutório, neste cenário, pressuposta a presença e interferência de um observador,

encrespou quando Maiakovski resolveu interpelar, diretamente, quem penso ser esse

observador. Já estava previsto: por intermédio de Santa Maria, Maiakovski terminou

a terça parte sugerindo um encontro com Jesus: “talvez venha, Jesus Cristo, farejar a

minha alma inesquecível”. Agora neste quarto poema, lado de lá da moldura do

ícone da Virgem-Mãe, a batalha transcorre no espiritual, tratando direto com as

entidades. E, neste ponto, tem de ter cuidado: sempre haver um pé de ouvido, para

aquele que chega na mesma altura (“lado a lado”) ter de falar, ainda, tão debaixo

quanto dos pés. Recorro, nalguns casos de alta periculosidade, ao russo-russo

(Akademia Nauk CCCP insitut ruskovo izika, Moscou, 1985); “Мотаешь” e

“Супишь” (“Balançar [a cabeça]” e “franzir [o cenho]”) serão reprovação, diante da

tentação sofrida por Maiakovski, ou sinal, vitória da tentação, de que a cabeça, de

que o cenho, já pondera? No verbete “Супить” encontrei: “„Хочешь? Не хочешь?

Мотаешь головою, кудластый? Супишь седую бровь?’ Mаяковский, Oблако в штанах”,

isto é: “„Queres? Não queres? Balanças a cabeça, desgrenhado? Franzes o cenho

grisalho?‟ Maiakovski, Uma Nuvem de Calças” (!) Entrando por rodamoinhos destes,

percebo estar adentrando a zona indeterminável da oração-vaga, na qual tratarei,

também eu, direto com as entidades. A dor (мук), a condicional da experiência do

amor (“tu désses que pudéssemos/ beijar, a outro par, sem a dor da paixão”), no

carnal (“beijar a outro par”) e espiritual (“beijar a outro par [de mãos]”), reclamação

de Maiakovski a Deus, não é pecado, estava em Cristo: “Pai, se é possível, afasta de

mim esse cálice; todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mateus

26:39). A questão recai (e nela fiquei decaído, ao longo de algumas semanas), era de se

esperar, na revolta, o conteúdo da estrofe seguinte, o que significa dizer: “Seja como

eu quero, e não como tu queres”. Aqui outra vez encontrei-me na minha cabine,

desesperado, até ouvir o hino que me dizia: “Vai lá, para a tua Nuvem; está tudo

resolvido”. 29/9, São Miguel: “Quando Lúcifer teve o pensamento de que poderia

ocupar o lugar de Deus (e não aos pés dele), produziu-se uma mancha na sua veste;

tentou escondê-la com a asa, mas foi notado por Miguel”; e, por ter botado minha

camisa branca (e traduzido, na véspera, o verso “Eu também sou anjo; na verdade,

já fui um - ”...), estive descuidado quando nela caiu um grãozinho de arroz. Surge a

chance descoberta do clinamen (“Ele pediu a Lúcifer que se desculpasse e a mancha

sumiria”), sumindo a mancha que encobria a solução da estrofe: “Meu encontro

com Jesus só eu sei destrinchar”. Esta consideração toda é retrospectiva a partir da

continuação de meu trabalho, na segunda-feira, 1º de Outubro, quando, num

cantinho do verbete “сапожный”, no dicionário, leio: “сапожный ножик:

trinchete, faca de sapateiro”. É claro – “ножик”, faca; “сапожный”, de sapateiro;

Page 43: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

43

mas... trinchete? Esta palavra confirmou a autorização, não a última delas, para eu usar

“destrinchar” na tradução de “раскрою ”, isto é (segundo o Moscovo Edições,

1989): “retalhar” (“Я тебя раскрою отсюда до Аляски”/ “Eu os retalho [velhacos

de asas] daqui até o Alasca”). Engloba a definição, exatamente, da palavra “trinchar

– cortar em pedaços ou fatias (iguarias à mesa, especialmente carne)” (Houaiss).

Tenho de corrigir os parentes que, em ocasiões natalinas, usam destrinchar para

falar de cortar o frango. Destrinchar é sutil: “separar em fios e fibras de; dizer ou

expor pormenorizadamente; desvendar, esmiuçar; achar solução de, resolver...”, etc.

Por outro lado, não deixa de significar o que minha tia quer dizer. Encontra-se a

ambigüidade ideal, pela qual não desmentir Maiakovski e não condenar-se junto a

ele a ad-entrar (entrar para o inferno). Pois, não deixando de fazer arrepiar tudo que

é galináceo, que pia e arcanja, o destrinchar que é encontro de solução encontro com

Jesus Cristo é, alvejante de almas. Agora vejo: estas notas são, e já vinham sendo

preparação, destrinchar – a apresentação em pormenores deste encontro. Estas

últimas palavras, as que dão fim a este trabalho de tradução, eu as anoto hoje, 7/10,

usando a caneta vermelha roubada da sede eleitoral. A palavra final (e abri minha

última estrofe para tal), eu a deixarei para que Deus a dê. E a solução final.

→ (9/10): MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: No dia 3 de Outubro,

chegando dos correios (fiz algo que não faço todos os dias – despachei uma

epístola...) de volta para a biblioteca, abro um livro qualquer da estante e leio a oração

do começo da página: “Na primeira quinzena de outubro, escreve de Paris a Lauris:

„Georges, minha temperatura não me permite escrever-te por mais tempo.

Perguntas-me se Saint-Beuve está concluído. Como acertaste! O aborrecimento é

saber onde publicá-lo‟”. Foi quando percebi ter concluída a minha tradução, pelo

favor das chaves já apresentadas, e sequer ter o aborrecimento do qual me salvou

Wladimir Vaz, já interessado nestes estudos. Concluirei estas notas agora de volta às

palavras e dicionários.

A exclamação “arre!” segue repercutindo nesta quarta parte. “Arre!”, arroubo de

resposta revoltosa, necessariamente responde opondo-se a uma outra terminação, a

qual não é mais “bento” ou “gala”, e sim “pio” ou “ganha”. Ter visto “Papa” dentro

de “papada” (зобах)? Pia (Птица поет) o poeta (поэт), o larápio (... “tanto brio,

denominar-se de poeta e, mole como um colibri, chilrar”/ “O poeta pia,

supersticiosamente, seus sonetos a Tiana...” – duas menções ao poeta I. Severianin),

a quem Maiakovski rebate com, “de tesão despido ou de terror, o arrepio”. É aquela

tensão, a que apresentei no princípio destas notas, citando Caetano, entre a ternura e

o tesão. Ela produziu oposições e, entre essas oposições, lutas entre as classes de

palavras, ao longo de toda a tradução da Nuvem e, nesta última parte dela, conta

alguns exemplos; eles concluirão a série de assuntos começados. Sobre os ombros

Page 44: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

44

recurvos consegui sustentar que, entre as “covinhas” (щеки) e as “corcovas”

(сутулиться) encontra-se o “provado por todos” (попробованный всеми) invés de

“à toda prova” (удивительно честный). Este já chamado “poema amoroso”

(“Parece-me evidente, hoje, que a parte que mais envelheceu, dessa poesia, são os

versos políticos de tom apologético [...] O civismo programado dos poemas de

„encargo social‟ é tão menos tolerável, quanto mais decepcionante se revelou a

utopia soviética [...] Extraordinariamente viva continua a ser a poesia amorosa de

Maiakóvski, da „Nuvem de Calças‟ aos fragmentos finais...”, etc. [!] A. Campos, Ed.

Perspectiva, pág.164) justamente fala do ideal da “companhia sua”, piada pelo poeta

e, de outro lado, motivo de piada para o poeta-Vesúvio, o qual tem nas costas as

“companheiras que suam”. “Nas meninas dos olhos, alfinetes de chapéu de...

Senhora”... (acrescentei “meninas dos ...[pupilas dos]” a “olhos” e traduzi

“дамских” [“de dama”] por “de senhora”), aquele ideal outra vez, que vem cegar

aquelas meninas para as quais temos olhos. Maiakovski-fingidor é este que se arrasta,

piada de si mesmo; Maiakovski-Vesúvio arrasta. Quando tira a faca, revela ter estado

fingindo ao se curvar (“Eu tiro, quando me curvo, uma faca de trinchete”). No final

da 1ª parte, Lusitânia em brasas, Maiakovski deseja não ser levantador desesperado

de braços. “Eu ardo”, ele diz, “(e apenas então levanto-me) é pelo século dos

levantes!”. Ele endereça seu último grito para dizê-lo após terminado este naufrágio

do qual é ativista, para que não o confundam num distante “hoje”, porque tenha

ontem afundado junto ao navio-Rakhmaninov. Será a vez do Lusitânia Brasil. A

mensagem portada por Maiakovski é dita por dentro de uma aspereza consonantal

igual a da língua, a qual faz doer a boca, de sua legião operária. Os poetas amorosos

portam massagens, e uma preguiça muscular é o que derrete a palavra na boca deles,

aquela decomposição. Fazer versos em português, para que reproduzam este

conflito, onde as consoantes são matéria de atrito. Já não faremos poemas dispersos;

eles chegam à batalha cósmica, cujo conflito das classes é uma das figurações,

declarando o ajuntamento de forças. Os cardumes das gentes andarão percebendo a

sombra dos grandes cascos. Induzido, pela coincidência dos nomes da amada de

Maiakovski e da Mãe do Amor, a enxergar maiúsculas em palavras-chave, vejo mais

verídica a decaptação de estrelas que as brigas de casal dentro dos apês. Metáforas?

Os dragões são a real forma das Babilônias, manifesta no céu para a dimensão

espiritual do profeta João, e a Foice e o Martelo uma variante, provida de hastes

(pontes de acesso para uso das mãos humanas), da Lua Crescente e a Estrela.

Tive de assumir: desde criança conjugo errado o verbo “decapitar”, e terei de

corrigir a autosensura praticada no meu Pedágio

(http://xavante.art.br/2012/09/30/p-acreditar-2/). Sem querer, substituindo o

“decapto” (o qual rimava “exacto”) por “decapitei”, assim que relembrei que se

Page 45: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

45

tratava de meu vício, restitui a palavra de uma decaptação sofrida. A palavra

“decaptação”, por mais inadequada, diga ainda mais de perto a decapitação, fazendo

desaparecer a cabeça. Uma verdade, contida na palavra, que faz, da necessariamente

proparoxítona “espírito”, “esprito”. Nesta sopra-se, pra fora – os “pr”. Em “decapto”

alavanca-se, para fora – os “pt”. Solução para os corruptos!

Page 46: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

46

ОБЛАКО В ШТАНАХ[1] Владимир Маяковский

ТЕТРАПТИХ

Вашу мысль,

мечтающую на размягченном мозгу,

как выжиревший лакей на засаленной кушетке,

буду дразнить об окровавленный сердца лоскут;

досыта изъиздеваюсь, нахальный и едкий.

У меня в душе ни одного седого волоса,

и старческой нежности нет в ней!

Мир огро мив мощью голоса,

иду — красивый,

двадцатидвухлетний.

Нежные!

Вы любовь на скрипки ложите.

Любовь на литавры ложит грубый.

А себя, как я, вывернуть не можете,

чтобы были одни сплошные губы!

Приходи те учиться —

из гостиной батистовая,

чинная чиновница ангельской лиги.

И которая губы спокойно перелистывает,

как кухарка страницы поваренной книги.

Хотите —

буду от мяса бешеный

— и, как небо, меняя тона —

хотите —

буду безукоризненно нежный,

не мужчина, а — облако в штанах!

Не верю, что есть цветочная Ницца!

Мною опять славословятся

мужчины, залежанные, как больница,

и женщины, истрепанные, как пословица.

Page 47: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

47

1

Вы думаете, это бредит малярия?

Это было,

было в Одессе.

«Приду в четыре», — сказала Мария.

Восемь.

Девять.

Десять.

Вот и вечер

в ночную жуть

ушел от окон,

хмурый,

декабрый.

В дряхлую спину хохочут и ржут

канделябры.

Меня сейчас узнать не могли бы:

жилистая громадина

стонет,

корчится.

Что может хотеться этакой глыбе?

А глыбе многое хочется!

Ведь для себя не важно

и то, что бронзовый,

и то, что сердце — холодной железкою.

Ночью хочется звон свой

спрятать в мягкое,

в женское.

И вот,

громадный,

горблюсь в окне,

плавлю лбом стекло окошечное.

Будет любовь или нет?

Какая —

большая или крошечная?

Откуда большая у тела такого:

должно быть, маленький,

смирный любѐночек.

Она шарахается автомобильных гудков.

Любит звоночки коночек.

Еще и еще,

уткнувшись дождю

лицом в его лицо рябое,

жду,

обрызганный громом городского прибоя.

Page 48: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

48

Полночь, с ножом мечась,

догна ла,

зарезала, —

вон его!

Упал двенадцатый час,

как с плахи голова казненного.

В стеклах дождинки серые

свылись,

гримасу громадили,

как будто воют химеры

Собора Парижской Богоматери.[2]

Проклятая!

Что же, и этого не хватит?

Скоро криком издерется рот.

Слышу:

тихо,

как больной с кровати,

спрыгнул нерв.

И вот, —

сначала прошелся

едва-едва,

потом забегал,

взволнованный,

четкий.

Теперь и он и новые два

мечутся отчаянной чечеткой.

Рухнула штукатурка в нижнем этаже.

Нервы —

большие,

маленькие,

многие! —

скачут бешеные,

и уже

у нервов подкашиваются ноги!

А ночь по комнате тинится и тинится, —

из тины не вытянуться отяжелевшему глазу

Двери вдруг заляскали,

будто у гостиницы

не попадает зуб на зуб.

Вошла ты,

резкая, как «нате!»,

муча перчатки замш,

сказала:

«Знаете —

я выхожу замуж».

Page 49: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

49

Что ж, выходи те.

Ничего.

Покреплюсь.

Видите — спокоен как!

Как пульс

покойника.

Помните?

Вы говорили:

«Джек Лондон,

деньги,

любовь,

страсть», —

а я одно видел:

вы — Джиоконда,

которую надо украсть!

И украли.

Опять влюбленный выйду в игры,

огнем озаряя бровей за гиб.

Что же!

И в доме, который выгорел,

иногда живут бездомные бродяги!

Дра зните?

«Меньше, чем у нищего копеек,

у вас изумрудов безумий».

Помните!

Погибла Помпея,

когда раздразнили Везувий!

Эй!

Господа!

Любители

святотатств,

преступлений,

боен, —

а самое страшное

видели —

лицо мое,

когда

я

абсолютно спокоен?

И чувствую —

«я»

для меня мало .

Кто-то из меня вырывается упрямо.

Allo!

Кто говорит?

Мама?

Мама!

Ваш сын прекрасно болен!

Мама!

y него пожар сердца.

Скажите сестрам, Люде и Оле, —

ему уже некуда деться.

Каждое слово,

Page 50: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

50

даже шутка,

которые изрыгает обгорающим ртом он,

выбрасывается, как голая проститутка

из горящего публичного дома.

Люди нюхают —

запахло жареным!

Нагнали каких-то.

Блестящие!

В касках!

Нельзя сапожища!

Скажите пожарным:

на сердце горящее лезут в ласках.

Я сам.

Глаза наслезнѐнные бочками выкачу.

Дайте о ребра опереться.

Выскочу! Выскочу! Выскочу! Выскочу!

Рухнули.

Не выскочишь из сердца!

На лице обгорающем

из трещины губ

обугленный поцелуишко броситься вырос.

Мама!

Петь не могу.

У церковки сердца занимается клирос!

Обгорелые фигурки слов и чисел

из черепа,

как дети из горящего здания.

Так страх

схватиться за небо

высил

горящие руки «Лузитании».[3]

Трясущимся людям

в квартирное тихо

стоглазое зарево рвется с пристани.

Крик последний, —

ты хоть

о том, что горю, в столетия выстони!

Page 51: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

51

2

Славьте меня!

Я великим не чета.

Я над всем, что сделано,

ставлю «nihil». [4]

Никогда

ничего не хочу читать.

Книги?

Что книги!

Я раньше думал —

книги делаются так:

пришел поэт,

легко разжал уста,

и сразу запел вдохновенный простак —

пожалуйста!

А оказывается —

прежде чем начнет петься,

долго ходят, размозолев от брожения,

и тихо барахтается в тине сердца

глупая вобла воображения.

Пока выкипячивают, рифмами пиликая,

из любвей и соловьев какое-то варево,

улица корчится безъязыкая —

ей нечем кричать и разговаривать.

Городов вавилонские башни,

возгордясь, возносим снова,

а бог

города на пашни

рушит,

мешая слово.

Улица му ку молча пѐрла.

Крик торчком стоял из глотки.

Топорщились, застрявшие поперек горла

пухлые taxi и костлявые пролетки.

Грудь испешеходили.

Чахотки площе.

Город дорогу мраком запер.

И когда —

все-таки! —

выхаркнула давку на площадь,

спихнув наступившую на горло паперть,

думалось:

в хо рах архангелова хорала

бог, ограбленный, идет карать!

А улица присела и заорала:

«Идемте жрать!»

Page 52: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

52

Гримируют городу Круппы и Круппики

грозящих бровей морщь,

а во рту

умерших слов разлагаются трупики,

только два живут, жирея —

«сволочь»

и еще какое-то,

кажется — «борщ».

Поэты,

размокшие в плаче и всхлипе,

бросились от улицы, ероша космы:

«Как двумя такими выпеть

и барышню,

и любовь,

и цветочек под росами?»

А за поэтами —

уличные тыщи:

студенты,

проститутки,

подрядчики.

Господа!

Остановитесь!

Вы не нищие,

вы не смеете просить подачки!

Нам, здоровенным,

с шагом саженьим,

надо не слушать, а рвать их —

их,

присосавшихся бесплатным приложением

к каждой двуспальной кровати!

Их ли смиренно просить:

«Помоги мне!»

Молить о гимне,

об оратории!

Мы сами творцы в горящем гимне —

шуме фабрики и лаборатории.

Что мне до Фауста,

феерией ракет

скользящего с Мефистофелем в небесном паркете!

Я знаю —

гвоздь у меня в сапоге

кошмарней, чем фантазия у Гете!

Я,

златоустейший,

чье каждое слово

душу новородит,

именинит тело,

говорю вам:

мельчайшая пылинка живого

ценнее всего, что я сделаю и сделал!

Page 53: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

53

Слушайте!

Проповедует,

мечась и стеня,

сегодняшнего дня крикогубый Заратустра![5]

Мы

с лицом, как заспанная простыня,

с губами, обвисшими, как люстра,

мы,

каторжане города-лепрозория,[6]

где золото и грязь изъя звили проказу, —

мы чище венецианского лазорья,

морями и солнцами омытого сразу!

Плевать, что нет

у Гомеров и Овидиев

людей, как мы;

от копоти в оспе.

Я знаю —

солнце померкло б, увидев

наших душ золотые россыпи!

Жилы и мускулы — молитв верней.

Нам ли вымаливать милостей времени!

Мы —

каждый —

держим в своей пятерне

миров приводные ремни!

Это взвело на Голгофы аудиторий[7]

Петрограда, Москвы, Одессы, Киева,

и не было ни одного,

который

не кричал бы:

«Распни,

распни его!»

Но мне —

люди,

и те, что обидели —

вы мне всего дороже и ближе.

Видели,

как собака бьющую руку лижет?!

Я,

обсмеянный у сегодняшнего племени,

как длинный

скабрезный анекдот,

вижу идущего через горы времени,

которого не видит никто.

Где глаз людей обрывается куцый,

главой голодных орд,

в терновом венце революций

грядет шестнадцатый год.

А я у вас — его предтеча;

я — где боль, везде;

на каждой капле слѐзовой течи

ра спял себя на кресте.

Уже ничего простить нельзя.

Page 54: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

54

Я выжег души, где нежность растили.

Это труднее, чем взять

тысячу тысяч Бастилий!

И когда,

приход его

мятежом оглашая,

выйдете к спасителю —

вам я

душу вытащу,

растопчу,

чтоб большая! —

и окровавленную дам, как знамя.

3

Ах, зачем это,

откуда это

в светлое весело

грязных кулачищ замах!

Пришла

и голову отчаянием занавесила

мысль о сумасшедших домах.

И —

как в гибель дредноута

от душащих спазм

бросаются в разинутый люк —

сквозь свой

до крика разодранный глаз[8]

лез, обезумев, Бурлюк.

Почти окровавив исслезенные веки,

вылез,

встал,

пошел

и с нежностью, неожиданной в жирном человеке,

взял и сказал:

«Хорошо!»

Хорошо, когда в желтую кофту

душа от осмотров укутана!

Хорошо,

когда брошенный в зубы эшафоту,

крикнуть:

«Пейте какао Ван-Гутена!» [9]

И эту секунду,

бенгальскую

громкую,

я ни на что б не выменял,

я ни на...

А из сигарного дыма

ликерного рюмкой

вытягивалось пропитое лицо Северянина.

Page 55: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

55

Как вы смеете называться поэтом

и, серенький, чирикать, как перепел!

Сегодня

надо

кастетом

кроиться миру в черепе!

Вы,

обеспокоенные мыслью одной —

«изящно пляшу ли», —

смотрите, как развлекаюсь

я —

площадной

сутенер и карточный шулер!

От вас,

которые влюбленностью мокли,

от которых

в столетия слеза лилась,

уйду я,

солнце моноклем

вставлю в широко растопыренный глаз.

Невероятно себя нарядив,

пойду по земле,

чтоб нравился и жегся,

а впереди

на цепочке Наполеона поведу, как мопса.

Вся земля поляжет женщиной,

заерзает мясами, хотя отдаться;

вещи оживут —

губы вещины

засюсюкают:

«цаца, цаца, цаца!»

Вдруг

и тучи

и облачное прочее

подняло на небе невероятную качку,

как будто расходятся белые рабочие,

небу объявив озлобленную стачку.

Гром из-за тучи, зверея, вылез,

громадные ноздри задорно высморкал,

и небье лицо секунду кривилось

суровой гримасой железного Бисмарка.

И кто-то,

запутавшись в облачных путах,

вытянул руки к кафе —

и будто по-женски,

и нежный как будто,

и будто бы пушки лафет.

Вы думаете —

это солнце нежненько

треплет по щечке кафе?

Это опять расстрелять мятежников

грядет генерал Галифе! [10]

Page 56: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

56

Выньте, гулящие, руки из брюк —

берите камень, нож или бомбу,

а если у которого нету рук —

пришел чтоб и бился лбом бы!

Идите, голодненькие,

потненькие,

покорненькие,

закисшие в блохастом гря зненьке!

Идите!

Понедельники и вторники

окрасим кровью в праздники!

Пускай земле под ножами припомнится,

кого хотела опошлить!

Земле,

обжиревшей, как любовница,

которую вылюбил Ротшильд!

Чтоб флаги трепались в горячке пальбы,

как у каждого порядочного праздника —

выше вздымайте, фонарные столбы,

окровавленные туши лабазников.

Изругивался,

вымаливался,

резал,

лез за кем-то

вгрызаться в бока.

На небе, красный, как марсельеза,

вздрагивал, околевая, закат.

Уже сумасшествие.

Ничего не будет.

Ночь придет,

перекусит

и съест.

Видите —

небо опять иудит

пригоршнью обрызганных предательством звезд?

Пришла.

Пирует Мамаем,

задом на город насев.[11]

Эту ночь глазами не проломаем,

черную, как Азеф! [12]

Ежусь, зашвырнувшись в трактирные углы,

вином обливаю душу и скатерть

и вижу:

в углу — глаза круглы, —

глазами в сердце въелась богоматерь.

Page 57: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

57

Чего одаривать по шаблону намалеванному

сиянием трактирную ораву!

Видишь — опять

голгофнику оплеванному

предпочитают Варавву? [13]

Может быть, нарочно я

в человечьем меси ве

лицом никого не новей.

Я,

может быть,

самый красивый

из всех твоих сыновей.

Дай им,

заплесневшим в радости,

скорой смерти времени,

чтоб стали дети, должные подрасти,

мальчики — отцы,

девочки — забеременели.

И новым рожденным дай обрасти

пытливой сединой волхвов,

и придут они —

и будут детей крестить

именами моих стихов.

Я, воспевающий машину и Англию,

может быть, просто,

в самом обыкновенном евангелии

тринадцатый апостол.

И когда мой голос

похабно ухает —

от часа к часу,

целые сутки,

может быть, Иисус Христос нюхает

моей души незабудки.

4

Мария! Мария! Мария!

Пусти, Мария!

Я не могу на улицах!

Не хочешь?

Ждешь,

как щеки провалятся ямкою,

попробованный всеми,

пресный,

я приду

и беззубо прошамкаю,

что сегодня я

«удивительно честный».

Page 58: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

58

Мария,

видишь —

я уже начал сутулиться.

В улицах

люди жир продырявят в четыреэтажных зобах,

высунут глазки,

потертые в сорокгодовой таске, —

перехихикиваться,

что у меня в зубах

— опять! —

черствая булка вчерашней ласки.

Дождь обрыдал тротуары,

лужами сжатый жулик,

мокрый, лижет улиц забитый булыжником труп,

а на седых ресницах —

да! —

на ресницах морозных сосулек

слезы из глаз —

да! —

из опущенных глаз водосточных труб.

Всех пешеходов морда дождя обсосала,

а в экипажах лощился за жирным атлетом атлет:

лопались люди,

проевшись насквозь,

и сочилось сквозь трещины сало,

мутной рекой с экипажей стекала

вместе с иссосанной булкой

жевотина старых котлет.

Мария!

Как в зажиревшее ухо втиснуть им тихое слово?

Птица

побирается песней,

поет,

голодна и звонка,

а я человек, Мария,

простой,

выхарканный чахоточной ночью в грязную руку Пресни. [14]

Мария, хочешь такого?

Пусти, Мария!

Судорогой пальцев зажму я железное горло звонка!

Мария!

Звереют улиц выгоны.

На шее ссадиной пальцы давки.

Открой!

Больно!

Видишь — натыканы

в глаза из дамских шляп булавки!

Пустила.

Page 59: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

59

Детка!

Не бойся,

что у меня на шее воловьей

потноживотые женщины мокрой горою сидят, —

это сквозь жизнь я тащу

миллионы огромных чистых любовей

и миллион миллионов маленьких грязных любят,

Не бойся,

что снова,

в измены ненастье,

прильну я к тысячам хорошеньких лиц, —

«любящие Маяковского!» —

да ведь это ж династия

на сердце сумасшедшего восшедших цариц.

Мария, ближе!

В раздетом бесстыдстве,

в боящейся дрожи ли,

но дай твоих губ неисцветшую прелесть:

я с сердцем ни разу до мая не дожили,

а в прожитой жизни

лишь сотый апрель есть.

Мария!

Поэт сонеты поет Тиане,[15]

а я —

весь из мяса,

человек весь —

тело твое просто прошу,

как просят христиане —

«хлеб наш насущный

даждь нам днесь».

Мария — дай!

Мария!

Имя твое я боюсь забыть,

как поэт боится забыть

какое-то

в муках ночей рожденное слово,

величием равное богу.

Тело твое

я буду беречь и любить,

как солдат,

обрубленный войною,

ненужный,

ничей,

бережет свою единственную ногу.

Мария —

не хочешь?

Не хочешь!

Ха!

Page 60: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

60

Значит — опять

темно и понуро

сердце возьму,

слезами окапав,

нести,

как собака,

которая в конуру

несет

перееханную поездом лапу.

Кровью сердца дорогу радую,

липнет цветами у пыли кителя.

Тысячу раз опляшет Иродиадой[16]

солнце землю —

голову Крестителя.

И когда мое количество лет

выпляшет до конца —

миллионом кровинок устелется след

к дому моего отца.

Вылезу

грязный (от ночевок в канавах),

стану бок о бо к,

наклонюсь

и скажу ему на ухо:

— Послушайте, господин бог!

Как вам не скушно

в облачный кисель

ежедневно обмакивать раздобревшие глаза?

Давайте — знаете —

устроимте карусель

на дереве изучения добра и зла!

Вездесущий, ты будешь в каждом шкапу,

и вина такие расставим по столу,

чтоб захотелось пройтись в ки-ка-пу[17]

хмурому Петру Апостолу.

А в рае опять поселим Евочек:

прикажи, —

сегодня ночью ж

со всех бульваров красивейших девочек

я натащу тебе.

Хочешь?

Не хочешь?

Мотаешь головою, кудластый?

Супишь седую бровь?

Ты думаешь —

этот,

за тобою, крыластый,

знает, что такое любовь?

Я тоже ангел, я был им —

сахарным барашком выглядывал в глаз,

но больше не хочу дарить кобылам

из севрской му ки изваянных ваз.[18]

Page 61: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

61

Всемогущий, ты выдумал пару рук,

сделал,

что у каждого есть голова, —

отчего ты не выдумал,

чтоб было без мук

целовать, целовать, целовать?!

Я думал — ты всесильный божище,

а ты недоучка, крохотный божик.

Видишь, я нагибаюсь,

из-за голенища

достаю сапожный ножик.

Крыластые прохвосты!

Жмитесь в раю!

Ерошьте перышки в испуганной тряске!

Я тебя, пропахшего ладаном, раскрою

отсюда до Аляски!

Пустите!

Меня не остановите.

Вру я,

в праве ли,

но я не могу быть спокойней.

Смотрите —

звезды опять обезглавили

и небо окровавили бойней!

Эй, вы!

Небо!

Снимите шляпу!

Я иду!

Глухо.

Вселенная спит,

положив на лапу

с клещами звезд огромное ухо.

1914-1915

1. ↑ Черновой автограф не вошедшей в текст строфы и строк 717—724 (БММ); отрывки —

в альманахе «Стрелец», П. 1915 (строки 21—26, 535—556, 575—611, 624—638); отрывки

— в статье Маяковского «О разных Маяковских» — «Журнал журналов», П. 1915, август

(строки 278—289, 304—347, 360—368, 404—409, 460—471); 1-е изд. поэмы; текст

цензурных изъятий 1-го изд. — в экземплярах О. М. Брика и Л. Ю. Брик (1915);

«Простое как мычание»; отрывки — в журн. «Новый сатирикон», П. 1917, № 11, 17

марта (строки 342—368, 435—471, 476—482); 2-е изд. поэмы; «Все сочиненное»; «13

лет работы», т. II; «Избранный Маяковский»; 3-е изд. поэмы; Сочинения, т. I;

отрывки — в сб. «Школьный Маяковский» (строки 217—368, 435—495).

Начало работы над поэмой относится к первой половине 1914 года. В

автобиографии «Я сам» Маяковский говорит; «Начало 14-го года. Чувствую

мастерство. Могу овладеть темой. Вплотную. Ставлю вопрос о теме. О революционной.

Думаю над «Облаком в штанах». Закончена поэма была в июле 1915 года в Куоккала

(под Петроградом). «... Вечера шатаюсь пляжем. Пишу «Облако» («Я сам»).

Выступая в марте 1930 года в Доме комсомола Красной Пресни, Маяковский

вспоминал: «Оно («Облако в штанах») начато письмом в 1913/14 году и сначала

называлось «Тринадцатый апостол». Когда я пришел с этим произведением в цензуру,

то меня спросили: «Что вы, на каторгу захотели?» Я сказал, что ни в коем случае,

что это никак меня не устраивает. Тогда мне вычеркнули шесть страниц, в том числе

и заглавие. Это — вопрос о том, откуда взялось заглавие. Меня спросили — как я

могу соединить лирику и большую грубость. Тогда я сказал: «Хорошо, я буду, если

Page 62: W. Maiakovski - traducaoliteraria.files.wordpress.com · o amor ao violino vós deitais ... Vinde aprender, das salas de visita sintas-liga ... rastelando as migalhas do castelo,

62

хотите, как бешеный, если хотите — буду самым нежным, не мужчина, а облако в

штанах».

До выхода поэмы в свет отрывки из пролога и 4-й части появились в сборнике

«Стрелец» (февраль 1915 г.) и несколько строф из 2-й и 3-й частей было

процитировано в статье Маяковского «О разных Маяковских» в «Журнале журналов»

(август 1915 г.). И в сборнике и в журнале поэма была названа «трагедией», а

затем в отдельном издании Маяковский дал ей подзаголовок «тетраптих» (т. е.

композиция из четырех частей).

Выход сборника «Стрелец» был отмечен вечером, устроенным в артистическом

подвале «Бродячая собака» 25 февраля 1915 года. На этом вечере, где присутствовал

М. Горький, Маяковский прочел отрывок из поэмы. Следует упомянуть также чтение

отрывков поэмы Горькому в июле 1915 года.

Первое издание поэмы было выпущено О. М. Бриком в сентябре 1915 года. Оно

содержало большое количество цензурных купюр. «Облако» вышло перистое. Цензура в

него дула. Страниц шесть сплошных точек» (см. «Я сам»).

Цензурой были изъяты: во 2-й части строки 250—253, 323—335, 348—355, 360—

363; в 3-й части — строки 456—459, слова «под ножами» в строке 467 («Пускай земле

под ножами припомнится»), 474—475, 501—505; в 4-й части — строки 620—623, 630,

668—708. Кроме того, в ряде строк были изъяты отдельные слова: «богоматерь»,

«евангелие», «апостол», «Иисус Христос», «господин бог».

В 1916 году поэма была перепечатана в сборнике «Простое как мычание» (изд.

«Парус», руководимое М. Горьким) с меньшим, но все же значительным числом

цензурных изъятий. После свержения самодержавия Маяковский напечатал в журн.

«Новый Сатирикон», № 11, 17 марта 1917 года не пропущенные ранее цензурой отрывки

из 2-й и 3-й частей поэмы под заглавием «Восстанавливаю» и со следующим

предисловием: «Моя книга «Облако в штанах» была послана в цензуру под

первоначальным названием «Тринадцатый апостол». Помещаю из этой изуродованной в

первом и кастрированной во втором издании книги — 75 строк».

Полностью с восстановлением всех изъятых цензурой мест поэма вышла в начале

1918 года в Москве под маркой организованного Маяковским издательства «Асис»

(Ассоциация социалистического искусства). В предисловии к этому изданию

Маяковский писал: «Облако в штанах» (первое имя «Тринадцатый апостол» зачеркнуто

цензурой. Не восстанавливаю. Свыкся) считаю катехизисом сегодняшнего искусства;

«Долой вашу любовь», «долой ваше искусство», «долой ваш строй», «долой вашу

религию» — четыре крика четырех частей.

2. ↑ Химеры Собора Парижской богоматери — изваяния мифических чудовищ на здании

собора.

3. ↑ «Лузитания» — пассажирский пароход, торпедированный германской подводной лодкой

7 мая 1915 года и сгоревший в открытом море.

4. ↑ nihil - Ничто (лат.)

5. ↑ Заратустра — мифический создатель религии в древнем Иране. У Маяковского это

имя употреблено в нарицательном смысле — глашатай, проповедник.

6. ↑ Лепрозорий — изолированное убежище для прокаженных.

7. ↑ ...Голгофы аудиторий... — Маяковский имеет в виду свою поездку по городам

России в конце 1913 — начале 1914 года. Буржуазная пресса встречала выступления

Маяковского руганью и издевательствами.

8. ↑ Сквозь свой до крика разодранный глаз... — Д. Бурлюк был слеп на один глаз.

9. ↑ Пейте какао Ван Гутена... — Маяковский имел в в виду факт, о котором писали

тогда газеты: приговоренный к смерти согласился крикнуть в момент казни: «Пейте

какао Ван Гутена!» За это рекламное выступление фирма Ван Гутен обещала большое

вознаграждение семье казненного.

10. ↑ Галифе — генерал, жестоко расправившийся с парижскими коммунарами в 1871 году. 11. ↑ Пирует Мамаем, задом на город насев... — Здесь речь идет о победителях, которые

пировали, сидя на досках, положенных на тела побежденных. В действительности так

пировал не хан Золотой Орды Мамай, а полководцы Чингисхана после битвы на Калке в

1223 году.

12. ↑ Азеф — провокатор, работавший в эсеровском подполье. Имя его стало синонимом предательства.

13. ↑ Варавва — по евангельскому преданию, разбойник, осужденный в тот же день, что и Христос. Толпа требовала от судей помилования Вараввы и казни Христа.

14. ↑ Пресня — улица в Москве, где жил Маяковский. 15. ↑ Тиана — женское имя из одноименного стихотворения И. Северянина. 16. ↑ Иродиада. — По евангельскому преданию, танцевала вокруг блюда с головой

казненного проповедника Иоанна Крестителя не Иродиада, а ее дочь Саломея.

17. ↑ Ки-ка-пу — модный в то время эстрадный танец. 18. ↑ Севрские вазы — вазы знаменитого фарфорового завода в Севре (Франция).