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Wampir · apreciar o caos, o imprevisto e o banho de chuva. Wampir – Ilha da Magia 4 Introdução ... Ilha da Magia 6 geminiano de lado e contarei detalhes da minha morte a

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Wampir – Ilha da Magia

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Sei de uma criatura antiga e formidável, Que a si mesma devora os membros e as entranhas,

Com a sofreguidão da fome insaciável. Habita juntamente os vales e as montanhas;

E no mar, que se rasga, à maneira do abismo, Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo; Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,

Parece uma expansão de amor e egoísmo. Friamente contempla o desespero e o gozo,

Gosta do colibri, como gosta do verme, E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme; E caminha na terra imperturbável, como

Pelo vasto arealum vasto paquiderme. Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo Vem a folha, que lento e lento se desdobra,

Depois a flor, depois o suspirado pomo. Pois essa criatura está em toda a obra:

Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto, E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto; Começa e recomeça uma perpétua lida; E sorrindo obedece ao divino estatuto.

Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.

Machado de Assis

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Ferdinand Wulffdert di Vittori

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Dedico este material aos loucos e todos aqueles que sabem

apreciar o caos, o imprevisto e o banho de chuva

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Wampir – Ilha da Magia

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Introdução

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Ferdinand Wulffdert di Vittori

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"Crime com requintes de crueldade, estorrica os miolos

d’os moradores de bairro nobre da capital carioca.

Encontraram-se dois corpos horridamente sem sangue,

vestes ou cabeças na casa do famoso bon vivant Sr.

Carlinhos de Albuquerque. Eis que porém os peritos fazem

análises, com o intuído de comprovar se elle fora vitimado.

O Sr. Carlinhos é desaparecido faz dias e não o é de sumir

por tanto tempo. Disse-nos o estrompado mordomo..."

BARBOSA, W. P. de. Crime atormenta moradores da

capital carioca. Diário da Plebe, Rio de Janeiro 17 mar.

1955. Cotidiano, p. 4.

sta foi uma das últimas publicações que li naquela

época e me lembro muito bem, que por alguns

momentos eu desejei ser culpado por tal crime. Não tive

nenhuma relação com o ocorrido, mas digamos que tenha

sido uma época complicada. Fiz muita merda e daquelas

que geram insônias perpétuas ou pensamentos

ridiculamente suicidas.

Para ter ideia eu estava tão ensandecido que a solução mais

plausível foi aceitar a proposta de alguns membros do meu

clã e iniciei minha primeira hibernação. Uma espécie de

coma no qual me submeteram até meados de 2005 e que foi

suficiente para reestabelecer minha sanidade mental. Ok.

Eu sei que isso tudo que eu te falei até agora gerou uma série

de dúvidas, então vou tentar deixar esse meu jeito

E

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Wampir – Ilha da Magia

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geminiano de lado e contarei detalhes da minha morte a

seguir.

Nossa senhora do Desterro, algum momento no século XIX:

- É bem simples. Tu colocas o carvão quente aqui, apertas

estes dois parafusos para prender a tampa e libera a água

por essa corda...

Eu juro que sempre tentei fazer tudo conforme ele me

falava, mas por diversas vezes me dei mal...

- Adolffffffffffffffffffffff seu pamonha, a corda soltou de

novo!!!

Assim como em várias outras vezes, lá estava eu

reclamando, xingando e mandando para o inferno todas as

invenções do meu irmão. Apesar de tantas brigas e

discussões, que por vezes acabavam entre socos e pontapés,

assumo que Adolf era muito inteligente e sendo honesto

possivelmente até mais que eu.

Tínhamos quatro anos de diferença e vivíamos juntos.

Aliás, não consigo me lembrar de qualquer fato importante

de minha infância e adolescência no qual ele não estivesse

presente. Diziam que Adolf era a paciência em pessoa e

talvez por isso tivesse muitas ideias. Seus inventos

possuíam muitos defeitos, claro, mas eram ricos em

funcionalidades e originais para a época, inclusive

ajudavam a nossa mãe Gertrud no trabalho de casa ou da

fazenda.

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Ferdinand Wulffdert di Vittori

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Por falar em minha mãe, ela se chamava Gertrud Marie

Wulffdert, era esposa de meu pai Arthur Sieppo di Vittori e

ambos haviam se conhecido na modesta cidade de

Desterro, uma ilha ao sul do Brasil e capital da província de

Santa Catarina. Dona Gertrud, como todos a chamavam,

era descendente de alemães e possuía uma beleza rara. O

conjunto de seus cabelos escuros ondulados, com olhos

azuis da cor do céu transmitiam a sensação de que os anos

não lhe faziam mal. Já meu pai era um homem forte, alto,

possuía olhos negros penetrantes e um bigode farto e

volumoso. Era o legítimo casal de dar inveja,

principalmente por serem trabalhadores honestos e que

viviam em paz com todos.

Naquela época eu não sabia de outros parentes, tinha

apenas o conhecimento de que meu pai era filho único e que

meus avós haviam falecido em um acidente trágico, logo

depois que ele havia se casado com minha mãe. Fato que

sempre o incomodava, principalmente quando alguém

comentava algo sobre a fatídica noite. Minha mãe, no

entanto, era órfã e foi abandonada quando bebê em um

convento de freiras. Entre os pertences deixados com ela

havia apenas um cobertor de algodão e uma pulseira com

seu nome entalhado. Aliás, ela conta que depois de ser

acolhida pela irmandade, viveu com as religiosas até pouco

tempo antes de conhecer meu pai. Ela fazia compras na casa

de comércio, que na época pertencia ao meu avô e rolou

aquele famoso “amor à primeira briga”. Sim, meu pai lhe

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deu o troco errado e eles discutiram até ficarem amigos,

namorados...

No geral, minha família sempre foi muito unida, tivemos

poucos desentendimentos durante os vários anos que

ficamos juntos e morar em Desterro era agradável. Nossa

Senhora do Desterro fora colonizada em meados do século

XVII por imigrantes europeus e isso fez com que o

comportamento da maioria dos habitantes tivesse forte

influência do velho mundo. Sua posição geográfica, no

entanto, fazia com que ela fosse o último porto seguro antes

do extremo sul do continente. Em função disso, recebia

muitos navios que atracavam em nosso porto em busca de

água e mantimentos. Fato que contribuía para que a casa de

comércio de especiarias de meu pai prosperasse muito,

obrigando por necessidade, que meu irmão e eu

trabalhássemos juntos no negócio da família.

Falando um pouco sobre mim, meu nome é Ferdinand

Wulffdert di Vittori. Conforme disse anteriormente sou o

filho primogênito, acredito que isso possa dizer muito sobre

minha personalidade, além do fato de eu ser um geminiano

convicto. Até os meus 14 anos estudei em uma escola

mantida por alguns padres e nunca tive interesse em fazer

algo mais aprofundado, pois na época acreditava que meu

destino seria cuidar da casa de comércio de meu pai, até que

algum dia também pudesse fazer isso junto de um filho ou

neto.

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Nesta época eu possuía 25 anos e era do tipo de cara

confiante, que nunca teve problemas com a aparência.

Inclusive minha mãe falava que algumas vizinhas e clientes

da loja me viam como um “bom partido” para suas filhas.

Por esse motivo, eu acabei me aproximando e tendo um

“affaire” com Helga, filha de Edmound o presidente da

província. Nada muito sério na verdade, pois no fundo

éramos mesmo grandes amigos, no entanto, por diversas

vezes o clima entre nós pegava fogo.

Bons tempos, momentos que ficarão para sempre em

minha memória e não posso negar que sinto muita falta. Foi

sábio quem disse que os verdadeiros sentimentos são

revelados apenas quando perdemos algo importante. Digo

perder, pois depois de todos estes anos, 162 para ser exato,

praticamente tudo o que existia naquela época, se foi ou

mudou completamente. Neste momento tu deve estar te

perguntando: como eu ainda estou vivo? Calma, isso é uma

longa história no qual vou detalhar adiante.

Sinceramente o momento exato em que minha vida mudou

e eu me transformei no que sou hoje, se perdeu com o

tempo dentro de minhas memórias. No entanto, a grande

passagem ocorreu na madrugada do dia 07 de março de

1852, quando meu corpo foi morto e eu fui transformado

num Wampir.

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Eu já fui humano (capítulo 1)

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ra sexta-feira, havíamos trabalhado muito ao longo da

semana e estava próximo do final do expediente,

quando meu irmão voltou afobado de sua última entrega.

Ele parou rapidamente seu cavalo em frente ao mercado,

amarrou as rédeas no cavalete e com um sorriso de orelha

a orelha trouxe consigo um folhetim. Aquele jornal mal

escrito e com péssimo acabamento, era a melhor forma de

comunicação em massa da época. Talvez por isso, tenha

sido escolhido para divulgar a primeira festa oficial de

carnaval da capital.

Foram os descendentes de portugueses, que trouxeram

para Desterro o hábito de comemorar o famoso carnaval.

Na verdade, era uma grande bagunça popular chamada de

jogo do Entrudo, onde todos os anos na mesma época

algumas pessoas se reuniam em grupos e faziam

brincadeiras pelas ruas da cidade. Eram muitos indivíduos

insanos que corriam, lançavam água, pós de todos os tipos,

cinzas das fogueiras, perfumes ou até mesmo urina sobre

quem passasse por perto. Uma grande balburdia, que

sempre terminava com pessoas bêbadas, machucadas ou

até mesmo mortas.

Algo visivelmente problemático que estimulou a imprensa

local, junto de alguns moradores mais puritanos, a criar um

movimento contrário, que brevemente chegou aos ouvidos

do populista presidente da província. Criatura esperta, que

não quis perder tempo, ou votos e agiu rapidamente.

Inventando um baile especial, baseado nas pomposas festas

E

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a fantasia da Europa, no qual ele só ouvia falar, mas tendo

como local um dos clubes elitistas de Desterro.

Lembro-me inclusive de várias pessoas comentando sobre

o evento. Muitos foram contrários, achavam que iriam ser

obrigados a agir com educação como os burgueses ricos e

que a festa perderia a sua importância popular. No entanto,

apesar da agitação contrária, a grande maioria apoiou a

ideia do presidente Edmound. Afinal, convenhamos.

Mesmo naquela época, qual pai não gostaria de ver seu filho

ou filha festando em um lugar vigiado, ao invés de sabe-se

lá onde?

À noite, no jantar deste mesmo dia, conversamos com meu

pai sobre a festa e ele se mostrou tranquilo quando

manifestamos nossa vontade de participar do evento. Ele

não era uma pessoa muito fácil de lidar, sorrisos limitados

e pouco papo eram suas marcas pessoais. Todavia, como

éramos bons filhos e sempre fazíamos o que ele nos pedia

não foi difícil convencer o velho italiano. Ele inclusive

brincou dizendo que gostaria de levar a mãe junto, mas ela

disse que preferia ficar em casa descansando para ir à missa

de domingo de manhã na catedral metropolitana.

Ao final do que seria meu último jantar em família meu

irmão comentou sobre suas ideias de fantasia para a festa.

Minha mãe reclamou de um empregado da fazenda que

bebia muito, já meu pai disse que as vendas estavam indo

muito bem e que pensava em ampliar os negócios. Eu por

outro lado não tinha nenhuma novidade, a não ser o fato de

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que estava muito cansado pelo excesso de trabalho da

semana e portanto, estava calado, ouvindo apenas o que

eles tinham para dizer. Até que entre piscadas longas de

sono e momentos no qual eu não conseguia mais manter o

equilíbrio sobre a mesa, pedi licença e fui para a cama.

No dia seguinte, lembro-me que era muito cedo, o sol mal

havia surgido e fui acordado pelos gritos estridentes e já

habituais de minha mãe:

- Ferdinannnnnnnnnnnd levanta rápido!

Impressionantemente os gritos de dona Gertrud eram

quase uivos e saiam sob medida para acabar com meu sono.

Então, só para variar dei um descomedido salto da cama e

inclusive parei no meio um belo sonho que estava tendo

com a Helga, onde ela trajava apenas um espartilho e me

provocava...

- O que foi mãe?

- Filho, vai lá ao galpão ver o que teu irmão está fazendo,

acabei de ouvir uns barulhos estranhos vindos de lá.

Nessa hora certas pessoas vão concordar comigo que ser

irmão mais velho não é nada fácil, principalmente quando

se tem um irmão genioso igual ao meu. Mesmo mal

humorado tive de acatar o pedido de minha mãe. Arrumei

a cama, vesti alguma roupa qualquer e fui ver o que o dito

cujo estava inventando daquela vez. Confesso que estava

bem irritado, principalmente ao sair de chinelo de casa e

logo de cara pisar numa poça de lama.

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Minha casa era um pouco longe do centro da cidade. Na

verdade, era uma fazenda de porte médio, onde criávamos

alguns cavalos, havia especiarias plantadas, além de aves e

vacas leiteiras. Alguns empregados que eram ex-escravos

faziam os serviços mais pesados, contudo minha mãe que

tinha de cuidar de tudo por lá, pois meu pai quase sempre

estava envolvido com as atividades do mercado. Além da

nossa casa e a casa dos empregados, havia também um

galpão onde inicialmente se guardava ferramentas, mas que

nos últimos anos havia sido tomado pelas invenções

mirabolantes de meu irmão.

Depois de uma tentativa frustrada de secar ou remover a

lama de meu pé eu continuei o caminho até o velho galpão

de madeira. Abri a porta e de imediato fui recebido por uma

fumaça cinza clara. Essa fumaça tinha forte odor de enxofre

e ao passar por mim forçou meus olhos a lacrimejar de tão

forte que era. No fundo do galpão e perto do que parecia ser

um forno a lenha, estava meu irmão com uns óculos

escuros, trajando uma roupa de couro marrom, luvas do

mesmo material e tudo bem sujo e feito por ele mesmo. Em

suas mãos havia uma grande colher de metal e com ela

mexia o recipiente com o conteúdo visualmente

incandescente. Quando percebeu minha presença ele

acenou com a cabeça e logo em seguida despejou o

conteúdo do recipiente no que parecia ser uma bacia em

formato de concha.

Depois de colocar todo o líquido na bacia ele tirou os óculos

e visivelmente feliz me disse:

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- Mano há tempos que eu estava tentando fazer este

material e acho que consegui...

Enquanto falava comigo ele pegou um balde com água e

molhou aos poucos o material incandescente. O que

produziu muita fumaça e me fez entender de onde vinha o

maldito mau cheiro. Na sequência ele virou a bacia ao

contrário, derrubando sobre a velha mesa de madeira, uma

chapa rígida de cor meio amarelada e escura.

Sem que ele pedisse ajudei a remover a pesada roupa de

couro, o que provavelmente lhe deu confiança para me

contar parte do que planejava:

- Este é um novo tipo de material, no qual ainda não dei

nome, mas é uma espécie de borracha endurecida, feita com

a seiva da seringueira e um pouco de enxofre. A minha ideia

é usá-lo para fazer minha fantasia, afinal é bem leve e posso

dar a forma que quiser...

Anos mais tarde essa combinação produzida por Adolf se

tornaria o que chamamos hoje de plástico. No entanto, ele

não ganhou nada pela invenção, haja vista que ela também

foi concebida na mesma época por um norte americano,

que patenteou o produto e ficou com todos os direitos.

Como todos os serviços estavam encaminhados e a fantasia

de meu irmão já estava definida, resolvi pensar no que eu

poderia vestir. Lembro-me que ao comentar com minha

mãe ela sugeriu ir de índio e obviamente rimos, pois não ia

ficar legal um alemão branquelo feito eu de tanga. Porém,

depois de um tempo minha mãe veio até meu quarto e

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trouxe consigo um casaco verde musgo e deu outra ideia

que acabei aceitando. Juntei mais alguns aparatos, um

coldre, uma boina e fui de soldado.

Nessa época, apesar de eu já estar na fase de casar, eu não

possuía namorada. Meu pai sempre insistia que tínhamos

de trabalhar para ser alguém na vida, antes de se amarrar

com qualquer rabo de saia. Apesar desse conselho

ditatorial, eu já havia conhecido os prazeres da vida

inclusive com Helga, filha do presidente Edmound, no qual

iria acompanhar logo mais na festa. O meu irmão também

não iria sozinho, pois alguns dias antes Helga havia ficado

encarregada de arrumar uma companhia para ele. Não

seria nada fácil, mas por ser a filha do presidente ela tinha

muitos contatos em nossa cidade ou nas vizinhas.

Durante todo o resto do dia não fiz nada de muito

interessante. Descansei por alguns momentos nas sombras

das árvores, li um livro qualquer e conversei sobre fatos

aleatórios com alguns poucos desocupados pela fazenda.

Antes de escurecer resolvi preparar meu cavalo, um puro

sangue marrom, chamado Silvester, que havia ganhado de

presente em meu aniversário de 20 anos. Além disso,

lembro-me também de ter ajudado meu atrasado irmão

com o seu pangaré malhado, chamado Thor.

Adolf produziu uma fantasia de cavaleiro medieval a partir

do seu novo invento e depois de nos arrumarmos, seguimos

atrasados em direção à festa. Bem antes de chegarmos ao

clube 12 de janeiro onde seria o baile via-se muito

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movimento, principalmente carruagens e seus cocheiros

trazendo os ricaços junto de seus filhos e filhas. Inclusive

tivemos um pouco de dificuldade em achar um bom lugar

para amarrar os cavalos, mas por sorte encontrei um cliente

da mercearia que me permitiu prendê-los em seu quintal.

Um fato engraçado é que em função dos galopes dos

animais, a fantasia de meu irmão foi se desfazendo e caindo

pelo caminho. Tanto que antes chegarmos ao clube, Adolf

não parecia mais um cavaleiro negro, mas sim um bárbaro,

com cara de mal e cheio de trapos ao redor do corpo. Por

fim, ele até que tentou consertar o que havia sobrado, mas

aproveitou o calor que fazia, o cabelo desarrumado, alguns

panos e ainda passou um pouco de carvão na cara, para

assumir de vez o seu lado “homem das cavernas”.

Percorremos em seguida duas ou três ruas e finalmente

chegamos ao clube. Logo na entrada muitas pessoas

fantasiadas tentavam entrar e eram barradas por não

possuírem seus nomes na lista. Foi chato atravessar a turba,

mas conseguimos nos aproximar da recepção onde

rapidamente vi Helga junto de seu pai e de mais alguns

convidados. Imaginava que ela estaria dentro do salão, mas

pelo visto estava ali em função de seu pai querer fazer a

velha política do bom anfitrião. Ao sermos vistos a

empolgada ruiva veio a minha direção cheia de sorrisos e

deu um leve beijo em minha bochecha. Já Adolf não teve a

mesma recepção calorosa e para o seu azar foi logo

ovacionado. Sendo o prefeito o primeiro a zombar do

jovem:

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- Adolf meu filho, me parece que foste atropelado por uma

manada de elefantes selvagens, tudo bem com ele

Ferdinand? hehehe...

Tentei me manter sério, não gosto quando provocam

pessoas próximas a mim, mas era impossível olhar para

meu irmão e não rir de seus trajes. Na pior das hipóteses

caímos na brincadeira, gargalhamos juntos e

cumprimentamos o restante dos convidados antes de

entramos no baile. Por um tempo enquanto entrávamos

vislumbrei o local e percebi que havia uma boa iluminação,

mas o cheiro de óleo queimado incomodava a quem

chegasse. Nessa época a decoração era colorida, bem

criativa em função dos poucos materiais que existiam, no

entanto, basicamente feita com papeis e tecidos para tentar

dar um ar elegante. Percebi também que apesar de não ser

um baile de máscaras, havia muitos mascarados entre

vários malabares e palhaços contratados para animar os

foliões.

Andamos pelo lugar até o final do salão, onde havia uma

porta no qual entramos e subimos por algumas escadas até

um dos camarotes. No lugar exclusivo tínhamos a nossa

disposição algumas cadeiras e uma bela mesa de frios. Onde

dois garçons serviam destilados, como a tradicional

cachaça da região e alguns refrescos para os abstêmios.

Minutos mais tarde na festa eu conversava com Elga sobre

a amiga, no qual ela iria trazer para acompanhar meu

irmão, quando fomos interrompidos abruptamente pelo

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senhor Edmound. O presidente da província e pai de Helga

era um velho sisudo, de olhar perdido e sorriso constante.

Alguém que emanava ares de arrogância por onde passava

e que certamente nunca havia trabalhado em algo pesado,

como os membros da minha família.

De início ele me perguntou sobre os negócios. Argumentei

que iam bem, que meu pai pensava em expandi-los e que eu

estava me preparando para assumir maiores

responsabilidades. Neste momento seu sorriso diminuiu,

dando lugar a um olhar demasiadamente concentrado em

minhas palavras, que inclusive o fez proferir um pequeno

discurso cheio de segundas intenções:

- Sabe Ferdinand, seu pai e eu sempre fomos muito

próximos, nos conhecemos há muitos anos e não é de hoje

que vejo um futuro promissor entre nossas famílias. Diga

para ele vir a minha casa um dia destes, pois precisamos

colocar as novidades em dia. Afinal, não é apenas de

trabalho que a vida é feita, não é mesmo? Helga, minha filha

vá se divertir com teu amigo!

Ao ouvir aquelas palavras falsas, improvisei um sorriso de

canto de boca e lhe respondi prontamente:

- Obrigado senhor, tenho certeza que meu pai ficará feliz

com o convite!

Diante tal falsidade levantei-me pedi licença e logo em

seguida inclinei-me em frente da Bela ruiva, que havia

invadido meus sonhos na noite anterior. Estendi a mão

direita em sua direção, dando a entender que a convidava

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Wampir – Ilha da Magia

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para dançar e a aguardei. Sem pestanejar ela me retornou

um sorriso, se levantou e me acompanhou.

Quando nos afastamos um pouco de seu pai e próximos a

mesa de quitutes ela se virou para mim e comentou:

- Fê eu sei que tu ficas todo sem graça diante das falácias

políticas de meu pai, mas fiques tranquilo, pois no fundo ele

possui muito apreço por ti e tua família. Sem contar o fato

que de que certamente ele desconfia de tudo o que já

fizemos juntos.

Diante tais palavras recheadas de carinho eu lhe retornei:

- Doce Helga, sabes que minha desconfiança acerca dos

métodos de teu pai é grande. Todavia, fiques tranquila

estamos numa festa, não é mesmo ruivinha?

Porém antes que o clima entre nós pudesse esquentar,

fomos interrompidos por meu irmão, que nos falou todo

afoito e de boca cheia:

- Mano os quitutes estão muito bons, prova este aqui...

Bem que tentei recusar, mas rapidamente ele empurrou

uma empadinha na minha boca, uma empadinha muito

gostosa para falar a verdade, mas que me fez engasgar,

tossir, se afogar e ainda rendeu boas risadas. Digamos que

Adolf era um pouco empolgado com comida e deixava tudo

de lado, até mesmo à educação diante de um bom petisco.

Devido aos fatos aproveitamos um pouco mais do banquete

e na sequencia descemos. Já no salão em meio às pessoas,

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Helga encontrou a amiga no qual havíamos combinado de

apresentar para o meu irmão. O nome dela eu não lembro,

somente de sua aparência. Uma loirinha jovial, bonita, de

pele rosada e um pouco tímida. Achei de início que ela e

meu irmão ficariam parados um em frente ao outro sem se

falar, pois Adolf também era tímido, mas com o passar das

horas a realidade foi bem diferente.

Em meio às danças Adolf se engraçou com a menina e

quando menos percebi vi que eles estavam se agarrando e

trocando carícias intensas em meio ao salão lotado.

Momento no qual cutuquei Helga e saímos à francesa para

um lugar mais tranquilo, uma espécie de bosque dentro do

clube, onde por alguns instantes conversamos sobre a vida.

- Helga, vou ser direto e franco contigo. Sabes que odeio

milongas e gostaria de saber quando que confessaremos aos

nossos pais sobre nossa relação?

Ela de imediato se corou e me respondeu sorrindo.

- Não quero te magoar Fê, mas preciso te dizer que ainda

estou pensando naquela possibilidade de eu ir estudar

medicina na Inglaterra. Sabes tu que meu pai sempre foi

envolvido com política e agora que assumiu a presidência

da província temos condições melhores para isto.

De imediato, confesso que fiquei um pouco constrangido

com a resposta, afinal depois de todo o tempo no qual já nos

divertíamos, eu achava que nossa relação estava evoluindo

para algo maior. Lembro-me muito bem que em meio a

toda a libertinagem que havia surgido naquela época, ser

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Wampir – Ilha da Magia

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casado e construir uma família ainda eram valores

importantes para qualquer homem. Mesmo assim mantive-

me aparentemente controlado, engoli os pensamentos

ruins e lhe respondi com um longo beijo.

Flertamos por mais alguns minutos, até que novamente

fomos interrompidos pelos guinchos de alguns morcegos

que rondavam a região. Desterro, aliás, sempre teve muitos

morcegos e por mais que eu argumentasse a favor dos

pobres animais o apavoro repentino de Helga nos fez voltar

às pressas para dentro do salão. Fato que me incomodou

muito, pois tudo e todos nos interrompiam naquela noite.

Logo na entrada reencontramos meu irmão com sua

companheira em um sofá. Os dois estavam muito

empolgados conversando e em função disso decidi não os

interromper, apenas indiquei que voltaríamos para o

camarote. Era inusitado ver meu irmão demonstrar tal

entrosamento com uma garota, mas lembro-me de que

quase sempre ele exercia um tipo de atração diferente sobre

as mulheres. Provavelmente por causa de seu jeito

desleixado, corte de cabelo irreverente e bonitos olhos

amêndoa. No entanto, a resposta mais óbvia é que

possivelmente ele tenha puxado para o lado italiano da

família.

Os ponteiros do relógio da parede indicavam que nos

aproximávamos do final da festa, algo em torno de duas ou

três horas da madrugada. Momento no qual várias pessoas

já dormiam pelos cantos, a banda tocava musicas tranquilas

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e Helga não parava de bocejar ao meu lado. Eu devia estar

muito entediante, acho inclusive que eu estava cochilando

do seu lado, quando Adolf me fez voltar à realidade:

- Acorda... acorda.... Vamos!

Esfreguei, limpei os olhos e lhe dei atenção.

- Te importas se eu não voltar cavalgando contigo? É que

fui convidado para voltar dentro da carruagem com minha

companhia. Então sabes o que isso quer dizer... incomodas-

te em nos seguir levando os cavalos?

Minha reação foi um sorriso sarcástico seguido de um gesto

de consentimento feito com a mão direita. Afinal, sempre

tive bom senso e o jovem precisava de um pouco de suor

para acalmar sua cabeça criativa e sempre cheia de ideias.

Além disso, estávamos no final do verão, uma época ainda

quente, mas que a cavalo podia-se sentir pelo menos uma

convidativa brisa refrescante soprar ao corpo.

Adolf me acenou com a cabeça, agradeceu e com um sorriso

estampado e foi-se falar com a loira. Logo em seguida

cutuquei Helga, ela murmurou um pouco, mas acordou.

Lembro que a sua maquiagem já estava um pouco borrada,

no entanto isso apenas a deixava com um aspecto mais

ousado. Sonhos e desejos a parte, procurei ao redor por seu

pai, mas não o encontrei. Então nos levantamos e fomos

para a saída.

Enquanto descíamos a banda parou de tocar e ao

chegarmos ao salão vimos algumas pessoas reclamando que

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a festa estava terminando muito cedo. Inclusive havia um

beberrão que gritava “Eu quero mais” “Na rua era bem

melhor”, todavia, depois de alguns instantes de incômodo

ele foi convidado a se retirar por alguns policiais a paisana

que lá estavam.

Já próximo da porta de saída encontrei um segurança do

presidente que nos levou até a carruagem deles. Lá

chegando percebemos que o seu velho pai já dormia e

resolvi aproveitar a situação para dar um longo beijo em

Helga. No entanto, rapidamente ela virou o rosto e consegui

apenas sentir de leve a pele macia de sua bochecha. Depois

de beijá-la percebi muita tristeza em seu olhar e já cansado,

decidi de imediato que deveria lhe abraçar. Mesmo com a

melhor das intenções ela me empurrou, subiu rapidamente

e disse algumas poucas palavras acalentadoras:

- Venha comigo Ferdinand, o velho continente pode fazer

muito bem a nós dois!

Nesse momento fiquei hipnotizado por seus grandes olhos

verdes, que refletiam algumas poucas luzes das lamparinas

e deixavam implícito seu olhar de carência. Diante tal

circunstância, as palavras não desgrudavam de minhas

cordas vocais, fato que gerou mórbidos segundos de muito

silêncio e por fim foram rompidos drasticamente pelo bater

da porta da carruagem.

Enquanto a carruagem ia-se rua frente, fiquei pensando nas

palavras que eu podia ter dito a Helga. Certamente, eu não

queria perder a amiga, confidente de muitos anos e alguém

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que possivelmente poderia se tornar minha esposa. No

entanto, havia o outro lado da história junto de minha

família e todas as raízes que eu possuía em Desterro.

Situação no qual divaguei por algum tempo, até que senti

uma pesada mão em meu ombro. Minhas pernas

amoleceram com o susto e ao olhar para trás vi que era

apenas Adolf junto de sua companheira.

- Estamos indo, segue-nos? – Disse meu irmão estampando

um sorriso longo e sincero.

Aspirei aliviado após ouvir sua voz e lhe pedi uma carona

até a casa onde havíamos amarrado os cavalos. No caminho

o silencio tomou conta de mim, mas não pude deixar de

perceber as mãos ligeiras de Adolf, que percorriam

sorrateiramente as pernas da loira, indicando que o

caminho até nossa casa seria longo e divertido para ambos.

Cerca de 10 minutos depois chegamos ao local onde

havíamos amarrados os cavalos. Tão logo que desci da

carruagem, inspirei fundo o ar abafado da noite e tentei

ignorar os pensamentos ruins. Despedi-me deles o mais

breve possível e como o dono do lugar estava

aparentemente dormindo, tomei cuidado para não fazer

muito barulho. Em seguida, chequei rapidamente a

montaria, passei a mão no pescoço e nariz do Silvester para

ver se ele estava bem e a trote moderado, acompanhei a

carruagem.

No caminho é provável que meus pensamentos tenham

fugido completamente a realidade e acabei ficando para

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trás. O que de certa forma foi bom, pois não engoli tanta

poeira ou tive de invejar a felicidade alheia. Além disso,

como era um caminho conhecido, não me preocupei e segui

numa velocidade de passeio. Algum tempo depois

havíamos acabado de passar por uma ponte de madeira,

quando Silvester resolveu diminuir o trote. Sem mais nem

menos ele foi dando leves empinadas, acompanhadas de

curtos relinches e empacou de vez metros a frente do

riacho.

Fiquei bastante preocupado, pois uma cobra ou qualquer

outro imprevisto seria um grande problema para alguém

desarmado. Olhei para todos os lados, mas como não havia

lua, não encontrei nada de diferente além dos habituais

insetos e anfíbios noturnos. Com o tempo passando resolvi

desmontar, porém no exato momento em que soltei um dos

estribos, Silvester empinou bruscamente e me jogou para o

lado oposto.

Por sorte uma pequena moita amorteceu minha queda, mas

não evitou que eu apagasse por alguns segundos. Ao voltar

à realidade tenho uma surpresa diferente e vejo a minha

frente um sujeito fantasiado de pirata. Inclusive até onde eu

consegui ver suas roupas eram muito bem produzidas, a

ponto deu eu achar que estava vendo um pirata legítimo.

Estranhamente, ele não me assustou, era como se o sujeito

transmitisse uma impressão boa, ou como se eu o

conhecesse de algum lugar e me fosse confiável.

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Inicialmente o sujeito ficou apenas me observando e

percebi que não era uma assombração, por causa de um

tique nervoso, no qual ele mexia impaciente em seu bigode

com a ponta dos dedos da mão esquerda. Estávamos

naquele momento em que ambos esperam uma reação

alheia e ao se dar conta disso, ele teve a iniciativa e me

estendeu a mão desocupada. Então sem me preocupar

peguei apoio e me levantei. Foi quando senti muita dor no

braço direito, vinda de um galho com a espessura de um

dedo e que penetrou minha carne na região próxima do

ombro.

- Espere não toque nesse galho, vai sair sangue e não vais

querer ter mais uma cicatriz, não é mesmo?

- Mais uma cicatriz, como sabes.... Hei, por acaso te

conheço?

Depois destas perguntas ele saiu tranquilamente da minha

frente, começou a andar em volta dos cavalos, que agora

estavam calmos pastando e continuou falando:

- Talvez, mancebo. Como tu podes perceber através do meu

sotaque, eu não sou daqui. Sou um viajante, um

explorador...

Depois de pronunciar a palavra “explorador” ele sumiu

instantaneamente atrás de Silvester. Aquilo havia me

chocado e resolvi ir atrás do cavalo para localizá-lo, mas o

pirata havia realmente sumido por completo. Até achei que

estava delirando, talvez estivesse ainda deitado ou até

mesmo no meio de um sonho por causa de tanta bebida.

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Quando senti uma abrupta fisgada no ombro machucado e

a maldita dor indicou que tudo aquilo era mais do que real.

“Um simples galho enfiado no braço não é nada”, pensei

comigo. Por isso, fechei os olhos, respirei fundo e puxei -

Ahhrrrrrrrrrrrrrrgggg - A dor contraiu minhas entranhas.

Fiquei por alguns instantes reclamando e blasfemando até,

que finalmente consegui me acalmar para tirar o casaco e

poder ver melhor o estrago. Em seguida, também tirei a

camisa, que estava com a manga completamente ensopada

e improvisei um torniquete para estancar o sangramento.

Assim que dei o último nó, olhei para o lado e de relance

percebi o pirata encostado a uma árvore. O filho da mãe

estava bem tranquilo, como se nada estivesse acontecendo.

Porém, antes mesmo de eu falar algo ele se desencostou e

deu um salto em minha direção. Um fato importante deste

momento é que ele estava a uns cinco passos de mim, mas

sua aproximação foi tão rápida que a distância parecia ser

mínima para ele. Depois disso, fui obrigado a esfregar os

olhos e voltei a pensar que ainda estava delirando.

Ainda com os olhos fechados senti meu braço sendo

puxado, em seguida tive o torniquete arrancado como se

fosse papel e se ainda não bastasse, ao reabrir as pálpebras

tive de sentir sua língua nojenta lambendo minha ferida.

Imediatamente tentei empurrar o dissimulado para longe,

porém ele parecia ser mais forte do que aparentava e só

consegui afastá-lo a distância de um passo. Suas feições

estavam diferentes e aterradoras, no entanto ele apenas

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engoliu o que havia em sua boca e me falou mais

informalmente:

- Desculpe Ferdinand, eu tentei conversar amigavelmente

com o teu cavalo, mas ele preferiu manter a lealdade a você

e tentou me ignorar... antes que tu aches que sou algum

louco ou mal-educado eu quero me apresentar. Pode me

chamar simplesmente de tio...

Lembro que tentei responder, porém ele agiu novamente

muito rápido, tirou um pano escuro do bolso e o apertou

contra minha boca e nariz. O pano continha um cheiro

forte, um sabor levemente adocicado e depois de alguns

segundos me deixou sonolento. Em seguida, o mundo

inteiro parecia girar e a última imagem que tenho daquela

noite, é que tentei me segurar nos braços de “meu tio”, mas

provavelmente e fui ao chão.

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