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CURSO DE DIREITO CIVIL - PARTE GERAL Washington de Barros Monteiro OBRAS DO MESMO AUTOR: CURSO DE DIREITO CIVIL Volumes publicados: Parte Geral Direito de Família Direito das Coisas Direito das Obrigações - 1ª parte Direito das Obrigações - 2ª parte Direito das Sucessões WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Professor da Faculdade Paulista de Direito da Universidade Católica de São Paulo CURSO DE DIREITO CIVIL PARTE GERAL 5ª edição, revista e aumentada Edição Saraiva São Paulo 1966 ÍNDICE 1. Conceito de direito. Distinção entre o direito e a moral. Direito objetivo e direito subjetivo. Direito positivo e direito natural. Direito público e direito privado. Direitos congênitos e direitos adquiridos. Classificação dos direitos quanto à sua base 2. Fontes do direito. Fontes imediatas: a lei e o costume. Fontes mediatas: a doutrina e a jurisprudência 3. Da vigência da lei. Quando tem início e quando cessa a sua obrigatoriedade. Da retroatividade e da interpretação das

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CURSO DE DIREITO CIVIL - PARTE GERALWashington de Barros MonteiroOBRAS DO MESMO AUTOR:

CURSO DE DIREITO CIVIL

Volumes publicados:Parte Geral

Direito de Família

Direito das CoisasDireito das Obrigações - 1ª parteDireito das Obrigações - 2ª parteDireito das Sucessões

WASHINGTON DE BARROS MONTEIROProfessor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São PauloProfessor da Faculdade Paulista de Direito daUniversidade Católica de São Paulo

CURSO DE DIREITO CIVIL

PARTE GERAL

5ª edição, revista e aumentada

Edição SaraivaSão Paulo1966

ÍNDICE

1. Conceito de direito. Distinção entre o direito e a moral. Direito objetivo e direito subjetivo. Direito positivo e direitonatural. Direito público e direito privado. Direitos congênitos e direitos adquiridos. Classificação dos direitos quantoà sua base2. Fontes do direito. Fontes imediatas: a lei e o costume. Fontes mediatas: a doutrina e a jurisprudência3. Da vigência da lei. Quando tem início e quando cessa a suaobrigatoriedade. Da retroatividade e da interpretação das

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leis4. Da integração da norma jurídica. Analogia Princípios gerais de direito. Equidade5. Código Civil Brasileiro. Utilidade das codificações. Elaboração do nosso Código e primeiros projetos. Projeto de Clóvise sua transformação em lei. Conteúdo e classificação do direito civil6. Das pessoas. Pessoa natural. Comêço da personalidade natural. Capacidade de direito e de fato. Pessoas absolutamente incapazes. Pessoas relativamente incapazes. Emancipação. Fim da personalidade natural. Atos do registro civil7. Estado da personalidade natural: individual, familiar e político. Do estado político: nacionalidade e cidadania. Da naturalização. Disposições legais referentes a estrangeiros.8. Do nome. Definição e natureza jurídica. História. Elementos atuais do nome. Possibilidade de alteração. Outras disposições9. Das pessoas jurídicas. Generalidades. Notícia histórica. Suanatureza jurídica. Classificação das pessoas jurídicas. Outrasdisposições10. Das pessoas jurídicas de direito público. Sua enumeração.Responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público.11. Das pessoas jurídicas de direito privado. Sua enumeração erepresentação. Comêço da pessoa jurídica. Registro. Dassociedades e associações civis. Das fundações. Terminaçãoda pessoa jurídica12. Do domicílio civil. Generalidades. Domicílio da pessoa natural. Pluralidade e mudança de domicílio. Domicílio dapessoa jurídica. Classificação do domicílio. Fôro de eleição13. Dos bens. Várias acepções da palavra. Das diferentes classes de bens. Bens corpóreos e incorpóreos. Bens imóveis emóveis14. Das coisas fungiveis e infungíveis. Coisas consumíveis e inconsumíveis. Coisas divisíveis e indivisíveis. Coisas singulares e coletivas. Dos bens reciprocamente considerados. Benspúblicos e particulares. Coisas que estão fora do comércio15. Do bem de família. Generalidades. Qual o prédio que podeser constituído em bem de família. Sua destinação

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específica. Inalienabilidade, impenhorabilidade e duração do bemde família. Processo de constituição e outras disposições16. Dos fatos jurídicos. Definição e compreensão. Aquisição dosdireitos. Sua defesa através da ação judicial. Perecimentodos direitos17. Dos atos jurídicos. Definição. Elementos constitutivos. Suaclassificação. Representação dos incapazes. Interpretação dosatos jurídicos18. Dos defeitos dos atos jurídicos. Generalidades. Êrro ou ignorância. .Êrro substancial e êrro acidental. Êrro de fato eêrro de direito. Outras disposições19. Do dolo. Definição e generalidades. Como se distingue doêrro e da fraude. Espécies de dolo. Elementos do dolo principal. Outras disposições20. Da coação. Generalidades e definição. Espécies.Requisitosda coação. Casos de exclusão. Outras disposições21. Da simulação. Conceito e generalidades. Seus característicos.Espécies. Modalidades particulares. Outras disposições22. Da fraude contra credores. Generalidades. Definição e elementos constitutivos. Atos suscetíveis de fraude. Açãorevocatória. Disposições especiais23. Das modalidades dos atos jurídicos. Generalidades. Definição e elementos conceituais da condição. Sua classificação.Têrmo. Modo ou encargo24. Da forma dos atos jurídicos e da sua prova. Conceito deforma. Atos formais e não formais. Da prova e sua classificação. Meios probatórios admitidos em direito. Outras disposições25. Das nulidades. Classificação e discriminação. Como se distingue a nulidade absoluta da relativa. Ratificação desta.Obrigações contraídas por menores. Outras disposições26. Dos atos ilícitos. Conceito. Elementos constitutivos. Exclusão da ilicitude. Abuso do direito27. Da prescrição. Discussões que suscita. Notícia histórica. Definição e espécies. Institutos afins. Disposições gerais28. Das causas que impedem ou suspendem a prescrição. Dascausas que a interrompem

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29. Dos prazos da prescrição. Prescrição ordinária. Prazos dedez dias a seis meses. Prazos de um ano. Prazos de dois atrês anos. Prazos de quatro e de cinco anos. Outras disposições

CONCEITO DE DIREITO. DISTINÇÃO ENTRE ODIREITO E A MORAL. DIREITO OBJETIVO EDIREITO SUBJETIVO. DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL. DIREITO PÚBLICO E DIREITOPRIVADO. DIREITOS CONGÊNITOS E DIREITOSADQUIRIDOS. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOSQUANTO A SUA BASE.

Conceito de direito: - Divergem juristas, filósofos, e sociólogos quanto ao modo de conceituar o direito. Diversas são ascausas dessa divergência, podendo ser mencionada, dentre outras,a existência de várias escolas, cada qual com teoria própria sôbrea origem do direito e o papel que êle representa no meio social.Podemos repetir, na atualidade, o que foi dito anteriormente por RANT, de que "ainda continuam os juristas à procurado seu conceito de direito", e também por ÁLVARES TALADRIZ, deque "tão deficientemente como a geometria define o que seja espaço, assim acontece igualmente com o direito".Pertence a questão ao âmbito da filosofia jurídica, destaconstituindo um dos problemas fundamentais. Por isso, nesteensejo, fugindo intencionalmente às suas complexidades, limitar-nos-emos a uma única definição, talvez a mais singela, masque, desde logo, por si só, fala ao nosso entendimento. É a deRADRUCH: o conjunto das normas gerais e positivas, que regulam a vida social.Realmente, o homem não pode viver isolado. Robinson, nailha deserta, é exemplo utópico que não interessa à ciência. Obrigados a viver necessàriamente uns ao lado dos outros, carecemosde regras de proceder. Sem essas regras, disciplinadoras de nossoprocedimento, ter-se-ia o caos. Os conflitos individuais, resultantes do choque de interêsses, seriam inevitáveis e a

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desordemconstituiria o estado natural da humanidade.Indispensável é, portanto, determinada ordem. Pressupõeesta certas restrições ou limitações à atividade de cada um denós, a fim de que possamos realizar nosso destino. O fim dodireito é precisamente determinar regras que permitam aos homens a vida em sociedade. A ordem jurídica não é outra coisasenão o estabelecimento dessas restrições, a determinação dêsseslimites, a cuja observância todos os indivíduos se acham indistintamente submetidos, para que se torne possível a coexistênciasocial. O direito domina e absorve a vida da humanidade.Aí está a razão por que o homem não pode furtar ou matarimpunemente; se o arbítrio fôsse sua lei exclusiva, fatal seriao perecimento da sociedade. Como mostra a imagem simbólicada balança, o direito busca um equilíbrio.Para a Escola Positiva, aquelas restrições impostas à atividade individual, em proveito do agrupamento social, são ditadaspela observação, pela experiência e pela necessidade. Para aEscola Racionalista, elas, são fruto da razão humana; o homem,refletindo sôbre sua natureza e destino, cria, pelo esfôrço darazão, um direito imutável e perfeito, que serve de modêlo àslegislações positivas. Para a Escola Histórica, as regras de direito positivo repousam na consciência popular, resultam da história, das relações sociais, das necessidades econômicas, das aspirações de cada época e da luta dos interêsses convergentes. Paranós, todavia, o direito tem seu fundamento na própria naturezahumana.Seja qual fôr a origem das limitações impostas à atividadede cada um de nós, o certo é que elas são imprescindíveis e semelas tornar-se-ia inviável a vida em sociedade. Ao conjunto dessas normas, gerais e positivas, ditadas por um poder soberano eque disciplinam a vida social, se denomina direito. Aliás, essapalavra vem do latim dirigere e serve para guiar-nos.

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Distinção entre o direito e a moral: - Na vida em sociedade, adstritos estamos igualmente à observância de outras normas de procedimento, que não se confundem com as jurídicas(gratidão, cortesia, urbanidade, educação, etc.). Aparece assima diferenciação entre o direito e a moral, nem sempre fácil deestabelecer-se e que, por isso mesmo, tem sido chamada "o caboHorn da ciência jurídica", quer dizer, o escolho perigoso contrao qual muitos sistemas já naufragaram (IHERIXG).Ambos têm pontos de contacto e pontos de dissemelhança;têm êles uma comum base ética, uma idêntica origem, a consciência social. Ambos constituem normas de comportamento.Não é só: o direito e a moral regulam atos de sêres livres,os homens, tendo um e outro por fim o bem-estar do indivíduo eda sociedade.De outro lado, porém, apresentam as seguintes dissemelhanças: a) - o campo da moral é mais amplo (non omne quodlioet honestum est). Abrange os deveres do homem para comDeus, para consigo mesmo e para com seus semelhantes. O campodo direito é mais restrito; compreende apenas os deveres do homempara com os semelhantes; b) - o direito tem a coação, a moral é incoercível. A principal oposição entre a regra moral ea regra jurídica repóusa efetivamente na sanção. Tendo emvista o fim a que se destina, a primeira só comporta sanções internas (remorso, arrependimento, desgôsto íntimo, sentimento dereprovação geral). Do ponto de vista social, tal sanção é ineficaz, pois a ela não se submetem indivíduos sem consciência esem religião. A segunda, ao inverso, conta com a sanção paracoagir os homens. Se não existisse êsse elemento coercitivo, nãohaveria segurança nem justiça para a humanidade. O conceitode coação, ou possibilidade de constranger o indivíduo à observância da norma, torna-se inseparável do direito. Nesta, como

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diz JEAN HEMARD essencial é o problema das sanções, pois,justamente através de sua aplicação é que a regra jurídica adquiresua mais completa eficácia, seu valor absoluto; c) - a moralvisa à abstenção do mal e à prática do bem, enquanto o objetivodo direito é evitar se lese ou se prejudique a outrem; d) - aprimeira dirige-se ao momento interno, psíquico, volitivo, à intenção que determina o ato, ao passo que o segundo se dirigeao momento externo, físico, isto é, ao ato exterior. Como esclarecem RUGGIERO-MAROI para a norma moral, o que tem especialmente importância é a intenção de quem age; para a jurídica,ao inverso, não carece de estatuto ou de govêrno o Intimo quererdos homens, mas apenas sua atividade nas relações com o mundoexterno; e) - a moral é unilateral, o direito, bilateral; f)- êste é mais definido, aquela, mais difusa.Entretanto, freqüentemente, refere-se o direito às prescriçõesda moral, elevando-as a momentos culminantes da ordem jurídica.Sirvam de exemplo o art. 17 da Lei de Introdução ao CódigoCivil (Dec.-lei n.o 4.657, de 4-9-1942) e os arts. 395, 413,V, e 1.183, todos do mesmo Código.Nessas condições, embora não se confundindo, ao contrário,separando-se nitidamente, os campos da moral e do direito entrelaçam-se e interpenetram-se de mil maneiras. Aliás, as normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas, comosucedeu, exemplificamente, com o dever do pai de velar pelofilho e com a indenização por acidente do trabalho.

Direito objetivo e direito subjetivo: - A palavra direitoencerra duas significações diversas, traduzidas pelas expressõesdireito objetivo e direito subjetivo.Como diz ARANGIO-RuIZ, se eu falo do direito romano, dodireito civil em vigor, ou do direito de propriedade como instituição jurídica, a palavra direito representa um conjunto de regras que imprimem à atividade humana certa direção ou a encerram dentro de certos limites. Se, ao revés, falo do meu direitode crédito, ou do meu direito de propriedade, refiro-me a um

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poder que estende e dilata meu campo de ação sôbre pessoas ecoisas.Para exprimir a primeira situação, diz-se que a palavra direito é empregada em sentido objetivo, enquanto para a segunda,ela é utilizada em sentido subjetivo.Direito objetivo é a regra de direito, a regra imposta aoproceder humano, a norma de comportamento a que o indivíduodeve se submeter, o preceito que deve inspirar sua atuação. Àrespectiva observância pode ser compelido mediante coação. Odireito objetivo designa o direito enquanto regra (jus est normaagendi).Direito subjetivo é poder. São as prerrogativas de que umapessoa é titular, no sentido de obter certo efeito jurídico, emvirtude da regra de direito. A expressão designa apenas umafaculdade reconhecida à pessoa pela lei e que lhe permite realizar determinados atos. É a faculdade que, para o particular,deriva da norma (jus est facultas agendi).Por outras palavras, direito objetivo é o conjunto das regrasjurídicas; direito subjetivo é o meio de satisfazer interêsses humanos (hominum causa omne jus constitutum sit). O segundoderiva do primeiro.Procuraremos ser mais explícitos. O direito objetivo é a norma ditada aos particulares e pela qual a êstes se impõe certaatuação, que pode consistir num comportamento positivo, ou preceito, por exemplo, o pagamento de uma dívida, ou negativo, porexemplo, o impedimento matrimonial (art. 183 do Cód. Civil).Muitas normas, entretanto, não se exaurem com a imposiçãodo preceito ou da proibição, mas atribuem correlatamente a outrapessoa uma faculdade, por exemplo, o preceito que impõe aodevedor a obrigação de pagar a dívida atribui ao credor a faculdade de obter o pagamento. Delineiam-se assim os dois aspectos do direito, a norma agendi e a facultas agendi.Êsses aspectos não são antagônicos entre si, nem figuras ouformações diferentes. São, antes, feições diversas de um conceitoúnico. Como observam RUGGIERO-MAROI, nascem juntos com aação do homem, o direito objetivo, como resultante da

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vontadegeral, o subjetivo, como vontade particular, que se concretiza.Variam, no entanto, profundamente, as opiniões quanto aomodo de encarar os direitos subjetivos. Em posições diametralmente opostas situaram-se as doutrinas afirmativas e as doutrinas negativistas.Partem as primeiras do mesmo pressuposto, a existência dosdireitos subjetivos, desdobrando-se, porém, depois, em aspectosdiferentes, salientados pela teoria da vontade, teoria do interêssee teoria mista.Para a primeira, o direito subjetivo constitui um poder ouuma senhoria da vontade. Quem tem um determinado direito,em virtude do ordenamento jurídico, pode agir consoante a norma,de que aquêle direito deriva.Mas, se o elemento volitivo realmente representa um dosdados do problema, não esgota, contudo, o conceito do direito.Não se pode situar a vontade na base do direito subjetivo, porquanto, freqüentemente, compete êste a sêres destituídos de vontade, como os loucos de todo o gênero e os ausentes.Além disso, a subsistência do direito independe, muitas vêzes, de qualquer manifestação de vontade de seu titular. Assim,quem penetre numa propriedade alheia viola o direito do respectivoproprietário, embora não exista proibição emanada dêste.A teoria do interêsse não identifica o direito subjetivo peloprincípio da vontade. Esta não é o fim, nem a fôrça motriz dosdireitos. A utilidade é que representa a substância dêstes. Odireito subjetivo caracteriza-se, portanto, pelo interêsse, definindo-se como o interêsse juridicamente protegido, ou como o interêsse humano garantido pela ordem jurídica .Tal concepção, igualmente unilateral, sofreu críticas muitofortes. Direitos existem que dificilmente se ligarão a um interêsse, assim como também interêsses há que não logram obtertutela e proteção do direito.A teoria mista propõe-se a definir o direito subjetivo, conjugando o elemento vontade com o elemento interesse. Assim, para

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JELLINEK direito subjetivo é o interêsse protegido, que a vontade tem o poder de realizar. É expressão da vontade individual, como o direito objetivo é a expressão da vontade geral.Em contraposição às citadas teorias afirmativas, mencionem-se as teorias negativistas, entre as quais se destacam a deDuGuIT e a de KELSEN.O primeiro estudou com paixão tal assunto. Contesta êlea idéia do subjetivismo da norma. No seu entender, o que aanálise revela não é a presença de direitos subjetivos, mas desituações jurídicas, que se apresentam sob duas faces distintas:situações jurídicas objetivas e situações jurídicas subjetivas.As primeiras derivam diretamente da norma, ou de sua expressão, a lei positiva. São gerais e permanentes. Gerais, porquesua determinação se impõe a todos; permanentes, porque continuam a subsistir, sem embargo de tôdas as aplicações que delasse façam, até o momento em que venham a ser modificadas ouderrogadas.Tome-se como exemplo o estado das pessoas casadas ou asituação legal do filho que proceda de justas núpcias. Trata-sede situações jurídicas objetivas, que asseguram aos respectivostitulares um conjunto de prerrogativas permanentes e exercitáveiscontra todos.As situações jurídicas subjetivas, ao contrário, são especiaise temporárias. Especiais, porque só podem ser invocadas poruma ou mais pessoas individualmente determinadas e só se tornam oponíveis a uma ou mais pessoas igualmente individualizadas.Temporárias, porque, uma vez realizada a atuação que delas seespera, uma vez exercida a via de direito que as sanciona, elas desaparecem, sem deixar vestígios.O exemplo mais característico de situação jurídica subjetivaé a resultante de um contrato, que outorga a uma das partes odireito de exigir e a outra o dever de prestar.Insurgindo-se assim contra o direito subjetivo, que considera

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entidade metafísica, a ser banida da moderna linguagem jurídica,termina DUGUIT por afirmar que êsse direito não existe. Aliás,numa das passagens de sua obra, êle assevera expressamenteque "o tratado de PLANIOL é o canto do cisne do direito subjetivo".Também KELSEN opõe ao direito subjetivo negação terminante. Seu livro intitulado Teoria Pura do Direito contémum capítulo sob esta rubrica: redução do direito subjetivo aodireito objetivo.Efetivamente, para XELSEN, a obrigação jurídica não é senãoa própria norma jurídica, considerada do ponto de vista do comportamento que ela impõe a um indivíduo determinado.Assim, num caso de mútuo, por exemplo, o direito do credorao reembôlso vem a ser a própria norma jurídica, que lhe garantea restituição da quantia mutuada; igualmente na propriedade, odireito do proprietário é a norma jurídica, em virtude da qualos demais indivíduos se adstringem a não interferir na maneirapela qual o primeiro dispõe do que é seu. Em resumo,finalizaKELSEN, direito subjetivo não é senão direito objetivo.Como diz SANTAMARIA as teorias negativistas não fizeramsenão provar ainda mais triunfalmente a existência dos direitossubjetivos.Com efeito, exprimem êstes, em fórmulas ou palavras adequadas, uma situação verdadeiramente incontestável, ou seja, apossibilidade para cada um de nós de tornar efetiva, em certascircunstâncias, a coação social.Podemos assim conceituar o direito subjetivo como todo poderda vontade dos particulares, reconhecido ou outorgado pelo ordenamento jurídico.

Direito positivo e direito natural: - O direito pode serconcebido sob uma forma abstrata, um ideal de perfeição. Oshomens estão perenemente insatisfeitos com a situação em quese encontram e sua aspiração é melhorá-la cada vez mais.Surge assim a distinção entre direito positivo e direito natural. O primeiro é o ordenamento jurídico em vigor num determinado país e numa determinada época (jus in civitate

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positum); o segundo, ordenamento ideal, correspondente a umajustiça superior e suprema.Há, no entanto, quem considere tal idéia contrária ao progresso da ciência. Para a Escola Histórica, por exemplo, só odireito positivo merece a atenção dos estudiosos. Para a EscolaPositiva, por sua vez, só interessam o direito positivo, a moralpositiva, a ciência positiva.Não podemos, todavia, deixar de reconhecer a existência deuma lei anterior e superior ao direito positivo. Leis existemrealmente que, apesar de não escritas, são indeléveis, jamais seapagarão. Cada um de nós as traz gravadas no próprio coração.Sôbre elas descansa a vida das comunidades. Elas ordenamo respeito a Deus, o respeito à liberdade e aos bens, a defesa dapátria, e constituem as bases permanentes e sólidas de tôdalegislação.O direito natural representa assim a duplicata ideal dodireito positivo. Simboliza a perfeita justiça (justo por lei ejusto por natureza). Constitui o paradigma em que deve se inspirar o legislador, ao editar suas normas. Na frase de LAFAYETTE,o direito natural é o princípio regulador do direito positivo, oideal para o qual êste sempre tende e do qual tanto mais se aproxima quanto mais se aperfeiçoa. É o guia supremo da legislação.Como adverte PLANIOL tôda vez que o legislador dêle seafasta realiza obra má ou injusta. Sirva de exemplo a censurável norma consubstanciada no art. 128 do Código Penal.Saliente-se ainda que o direito natural, a exemplo do quesucede com as normas morais, tende a converter-se em direitopositivo, ou modificar o direito preexistente.

Direito público e direito privado: - O direito objetivo subdivide-se em direito público e direito privado, distinção, já formulada pelos romanos. Tôda regra de direito enquadra-se forçosamente num ou noutro ramo do direito.Direito público é o destinado a disciplinar os interêsses

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geraisda coletividade (publicum jus est quod ad statum rei romanaespectat). Diz respeito à comunidade, estruturando-lhe organização, serviços, tutela dos direitos individuais e repressão dosdelitos.Temos assim, sob o aspecto que nos interessa, sua subdivisão em direito constitucional, direito administrativo, direito judiciário e direito penal, aos quais podemos adicionar o direito dotrabalho, o direito internacional e o direito eclesiástico.Direito constitucional é o complexo das normas que presidem à suprema organização do Estado e regulam a divisão dospodêres, sua atuação, funções de seus órgãos e respectivos limites,além das relações entre a soberania política e os governados. Sualei básica é a Constituição.Direito administrativo é o conjunto das normas disciplinadoras da atividade do Estado para consecução de seus fins sociais,polítiCOs e financeiros. Seu campo é a atuação governamental,a administração em geral da coisa pública, a gestão da fazendae execução das leis, excetuadas aquelas cuja aplicação específicapertence ao poder judiciário.Direito penal é o conjunto dos diversos meios e da formapelos quais o Estado desempenha a função de manter a integridade da ordem jurídica, através de sua função preventiva e repressiva. Baseia-se em várias leis, dentre as quais avultam oCódigo Penal (Dec.-lei 2.848, de 7-12-1940), a Lei das Contravenções Penais (Dec.-lei n.o 3.688, de 3-10-1941) e a Lei deImprensa (Lei n.o 2.083, de 12-11-1953).Direito judiciário é o correspondente à mais elevada funçãodo Estado, a distribuição da justiça. Subdivide-se em civil epenal. O direito judiciário civil encontra no Código de Processo Civil (Dec.lei n.o 1.608, de 18-9-1939) sua espinha dorsal.O direito judiciário penal, por sua vez, tem no Código de Processo Penal (Dec.-lei n.o 3.689, de 3-10-1941) sua linha mestra.O direito do trabalho compreende as normas que disciplinam

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a organização do trabalho e da produção. Esteia-se na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n.o5.452, de 1-5-1943.Direito internacional é aquêle que se constitui pelas normasque refletem a vida do Estado no exterior, nas relações com outros Estados, considerados como entes soberanos e sujeitos dedireito público. Pode êle constituir-se ainda pelas normas quedisciplinam as relações do Estado com cidadãos pertencentes aEstados diversos. Subdivide-se assim em direito internacionalpúblico e direito internacional privado.Por fim, o direito eclesiástico regula as relações entre aIgreja e o Estado.Direito privado, por seu turno, é o conjunto de preceitosreguladores das relações dos individuos entre si (privatum, quodad singulorum utilitatem) Subdivide-se em direito civil e direito comercial, disciplinando êste a atividade das pessoas comerciantes e aquêle, dos particulares em geral.Controverte-se, todavia, acêrca da unidade ou pluralidade dodireito privado, isto é, se a legislação a respeito deve ser compreendida por um só ou por vários Códigos.O direito civil tem no Código Civil (Lei n.o 3.071, de 1-1-1916)sua lei fundamental. Desdobra-se numa Parte Geral e numaParte Especial, constituída esta pelo Direito de Família, Direitodas Coisas, Direito das Obrigações e Direito das Sucessões.O direito comercial, por sua vez, subdivide-se em direitocomercial terrestre e direito comercial marítimo. Sua lei fundamental é ainda o velho Código Comercial de 1850 (Lei n.o 556,de 25-6-1850).Dentre as normas de direito privado, umas são inderrogáveise outras não. Denominam-se as primeiras cogentes ou imperativas e constituem a chamada ordem pública.Leis de ordem pública são aquelas cuja observância se tornanecessária ao interêsse geral; são as que interessam mais diretamente à coletividade que aos particulares. Qualquer disposiçãoque as contrarie é fulminada de nulidade (privatorum conventiojuri publico non derogat; jus publicum privatorum pactis

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mutarinon potest).Por exemplo, são de ordem pública as disposições legais arespeito do casamento e da indissolubilidade do vínculo, que estatuem sôbre a ordem da vocação hereditária, que reprimem ausura e congelam aluguéis em períodos de emergência. Tais normas, embora integrem o direito privado, são de ordem pública enão podem ser modificadas pelos particulares.Mas, a seu lado, encontramos as chamadas normas dispositivas, em que nenhum interêsse social existe a proteger, sendoassim derrogáveis pelas partes. A relação é dominada pela vontade privada, que pode dispor de modo diferente que o previstopelo legislador, segundo seja mais conveniente ou oportuno paraos interessados, a lei é apenas supletiva. Nesse caso se acha, porexemplo, a disposição que estabelece a gratuidade do depósito,podendo os contratantes, no entanto, convencionar que o depositário seja gratificado (Cód. Civil, art. 1.265, § único).Sempre que houver dúvida sôbre se determinada regra é ounão de ordem pública, deve considerar-se como sendo de interêsseprivado.Observa-se presentemente acentuada tendência publicística nodireito privado, isto é, a interferência do direito público emrelações jurídicas até agora reservadas exclusívamente ao primeiro, como acontece com a legislação protetora do inquilinato(Lei n.o 4.494, de 30-11-1964 e Dec. n.o 24.150, de 20-4-1934) eda família (Dec.-lei n.o 3.200, de 19-4-1941). Aliás, todo o direito de família caminha para o direito público.Como anota ALBERTO TRABUCCHI, a distinção entre direitopúblico e direito privado não resulta de uma linha separativaprecisa; é sujeita a alterar-se no tempo e no espaço, segundo astendências sociais e políticas, conforme o idealismo que animeas nações.

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Direitos congênitos e direitos adquiridos: - No sentido subjetivo, os direitos dividem-se em congênitos e adquiridos. Os primeiros são aquêles que resultam da própria natureza humana,como a vida, a liberdade, a defesa, a honra. Adquiridos são osque decorrem de ato lícito próprio, ou de ato de terceiro, comoo direito de propriedade, o direito de crédito, os direitos defamília.

Classificação dos direitos quanto à sua base: - Foi ela efetuada por JOSSERAND. Dentre os direitos, uns são de base egoísta(a propriedade), outros de base altruísta (pátrio poder), e outros,finalmente, de base abstrata, podendo ser facultativamente exercidos (o direito do condômino de solicitar a divisão da coisacomum).

FONTES DO DIREITO. FONTES IMEDIATAS: ALEI E O COSTUME. FONTES MEDIATAS: A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA.

Fontes do direito: - Fontes são os meios pelos quais seformam ou pelos quais se estabelecem as normas jurídicas. Sãoos órgãos sociais de que dimana o direito objetivo.Várias as classificações dessas fontes. A mais importantedivide-as em fontes diretas ou imediatas e fontes indiretas oumediatas.Fontes diretas ou imediatas são aquelas que, por si sós, pelasua própria fôrça, são suficentes para gerar a regra jurídica.São a lei e o costume.Fontes indiretas ou mediatas são as que não têm tal virtude,porém encaminham os espíritos, mais cedo ou mais tarde, à elaboração da norma. São a doutrina e a jurisprudência.

Da lei: - Comecemos pela lei, sem dúvida, a fonte primordial do direito. Inicialmente, cumpre chamar a atenção para a

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etimologia do vocábulo, cuja origem se presta à controvérsia.Para uns, a palavra advém do verbo latino ligare, sendo alei aquilo que liga, aquilo que vincula, aquilo que obriga. Outros,porém, com mais acêrto, asseguram que sua origem é o verbolegere, aquilo que se lê. Lex e legere estão, destarte, na mesmarelação que rex e regere .Muito amplo é o conceito de lei em geral, abrangendo o vocábulo tanto a lei natural, como a lei moral e a lei jurídica.Já procuramos mostrar anteriormente que a lei moral, embora apresente pontos de contacto com a lei jurídica, com estanão se confunde, porque elas não têm o mesmo domínio, nem amesma sanção, nem o mesmo fundamento.Da mesma forma, a lei jurídica não se confunde com a leinatural ou física. Esta é a síntese de uma realidade, exprimeaquilo que (por exemplo, a lei da gravidade), ao passo queaquela não recebe a verdade da observação dos fenômenos, daexperiência, exprime apenas aquilo que deve ser nas relações entre os homens (por exemplo, todos são iguais perante a lei).A lei pode ser definida de vários modos. Excelente, porexemplo, a definição de RUGGIERO-MAROI: é a norma impostapelo Estado e tornada obrigatória na sua observância, assumindoforma coativa.Preferimos, todavia, assim conceituá-la: lei é um preceitocomum e obrigatório, emanado do poder competente e provido desanção. Analisemos os diversos elementos dessa definição.É um preceito comum. Já era êsse o entendimento de PAPINIANO (lex est commune praeceptum). Igualmente, mais tarde,à lei também atribuiu S. ToMÁs o caráter de preceito, isto é,norma, regra de proceder. Dirige-se indistintamente a todos osmembros da coletividade, sem exclusão de ninguém. Como dizLAuRENt, a lei ou rege todos, ou não rege ninguém.Além de comum, a lei é, por igual, obrigatória. Ela ordenae não exorta (jubeat non suadeat); também não teoriza. Ninguém se subtrai ao seu tom imperativo e ao seu campo de ação.Há quem lhe negue tal atributo, invocando as normas

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dispositivas, ou não cogentes, que podem ser derrogadas pela vontadedas partes. Mas, não procede êsse ponto de vista. Mesmo o jusdispositivum é obrigatório, desde que os interessados não tenhamanteriormente disciplinado o assunto de modo diverso.A lei deve emanar do poder competente. Se provier de órgãoincompetente, perde a obrigatoriedade e, portanto, deixa de serdireito.Ao direito constitucional, que tem por objeto as normas quepresidem à suprema organização do Estado, inclusive quanto àdivisão de podêres, cabe determinar o órgão competente para aelaboração das leis.Entre nós, êsse órgão é o poder legislativo, como está expressona Constituição Federal, arts. 67 e seguintes. Aliás, à Uniãocompete legislar privativamente sôbre direito civil, não tendo osEstados, a respeito, qualquer competência, mesmo supletiva (art.5.o, n.o XV, letra a, combinado com o art. 6.o).Conquanto efetivamente caiba ao legislativo sua formulação,a verdade é que, na confecção das leis, também colabora o poderexecutivo, através da sanção, da promulgação e da publicação.Sanção (de sanctum) é o ato pelo qual o executivo manifestasua aquiescência à lei elaborada pelo legislativo. Trata-se deelemento essencial à existência da lei e sua antítese natural é oveto, que constitui a repulsa do executivo à lei formulada pelolegislativo.Promulgação é o ato pelo qual o chefe de Estado atesta perante o corpo social a existência da lei, ordenando-lhe o respectivo cumprimento.Finalmente, publicação é o meio adotado para tornar a leiconhecida. Não se confunde com a promulgação. Tem esta porfim tornar a lei executória, enquanto pela publicação a lei setorna obrigatória . É formalidade substancial, porque é da publicação que decorre presumidamente o conhecimento da

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lei. Alei adquire então obrigatoriedade, segundo o que está publicado.Por fim, a última característica da lei é a sanção (no sentidode coação), do verbo sancire, que significa reforçar o preceito,torná-lo inviolável. Trata-se, como já vimos, de elemento inseparável do direito. Regra jurídica sem coação, disse IHERING, éuma contradição em si, um fogo que não queima, uma luz quenão alumia.A sanção atua de modo direto, constrangendo o indivíduo afazer o que a lei determina (por exemplo, a prestar o serviçomilitar), ou de modo indireto. Nesse caso, esclarece ANDREATORRENTE, socorre-se o ordenamento jurídico de outros meios paraalcançar a observância da norma, ou para reparar sua violação(por exemplo, concedendo execução de sentença, indenização porperdas e danos, cominando pena de nulidade, deferindo penhora,arresto ou seqüestro, ordenando prisão). Contudo, no direitoprivado, em regra, a sanção não opera diretamente ~.A lei, depois de sancionada, ainda que não publicada, já há lei, não podendoser reformada senão por outra lei. Sômente não será obrigatória para o povo enquanto, pela publicação, não se tornar conhecida (Arquivo Judiciário, 115/28).Várias as classificações das leis. Em primeiro lugar, notocante à sua natureza, elas são substantivas ou adjetivas; aquelas são as leis de fundo, estas, as de forma.Trata-se de distinção engenhosa, que remonta ao período medieval, quando ensinada por BARTOLO e que ainda hoje servecom proveito à exposição doutrinária do direito.As leis de processo, em relação às leis de fundo, são chamadas de adjetivas, por assemelhação com os adjetivos, que sóexistem na linguagem em função dos substantivos.Quanto à sua origem legislativa, as leis são federais, estaduaise municipais. Num Estado federal, como o nosso país, existeverdadeira hierarquia nas leis. A lei magna é a ConstituiçãoFederal, a lei fundamental, a lei primeira. Depois, vêm as leis

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federais ordinárias, em terceiro lugar, a Constituição Estadual,em seguida, as leis estaduais ordinárias e, por último, as leismunicipais. Surgindo conflito entre elas, observar-se-á essa ordem de precedência quanto à sua aplicação.Referentemente às pessoas a que se dirigem, as leis serãogerais (por exemplo, o Código Civil, o Código de Processo Civil,o Código de Trânsito, o Código Penal), especiais (o Código Comercial, o Código de Propriedade Industrial, a Consolidação dasLeis do Trabalho) e individuais (por exemplo, a que concedepensão a determinada pessoa, a que defere autorização a alguémpara pesquisa e lavra).Com relação aos seus efeitos, as leis são imperativas (todossão iguais perante a lei), proibitivas (não pode ser objeto decontrato a herança de pessoa viva), facultativas (o direito deadotar) e punitivas (caso do art. 1.531 do Cód. Civil).Quanto à natureza do direito que elas regulam, as leis sãoconstitucionais (a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e as leis constitucionais), administrativas (Código Florestal,Código de Obras, Código de Caça, Código de Pesca), penais (Código Penal, Lei das Contravenções Penais, Lei de Imprensa),civis (Código Civil e demais leis que lhe introduziram modificações) e comerciais (Código Comercial, Lei de Falências, LeiCambial).No Estado de SSão Paulo, a hierarquia das leis encontrou interessante aplicação na questão da loteria federal. A Constituição Paulista, no art. 144, proibiua circulação de qualquer loteria. A lei federal, entretanto, garantia a livrecir culação da loteria federal em todo território nacional. Decidido ficou, nessa oportu-nidade, que ao Estado não é lícito criar embaraço a uma atividade assegurada pelalei federal (Revista dos Tribunais, 170/556). De outra feita, acolheu-se a mesmatese em questão relacionada com o comércio e a fiscalização da carne verde (Revistados Tribunais, 297/339).

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No que concerne à sua conformidade com a lei básica, asleis são constitucionais ou inconstitucionais. A Constituição é alei suprema, a competência das competências, no dizer dos tratadistas alemães. A ela devem afeiçoar-se tôdas as demais leisdo país.Segundo DICEY as Constituições podem ser rígidas ou flexíveis. Nos países de Constituição rígida, esta não pode ser modificada pelo poder legislativo ordinário, com a mesma simplicidade com que se elabora uma lei comum. Ao inverso, qualquermodificação depende de cuidados especiais. É o caso do Brasil,em que a reforma terá de obedecer ao formalismo prescrito peloart. 217 e seus parágrafos da Constituição Federal.Nos países de Constituição flexível, pode esta ser alteradapelo poder legislativo ordinário, com a mesma facilidade com quese elaboram as leis comuns. É o caso da Inglaterra, cuja Constituição não se distingue das leis ordinárias, podendo, pois, seremendada por qualquer outra lei, com o consentimento da rainhae das duas câmaras.Nesse e em outros países de Constituição flexível não há,portanto, o problema da inconstitucionalidade das leis. Se umalei se chocar com a Constituição, entende-se que foi esta revogada,sendo-lhe aquela posterior. Nos países de Constituição rígida,porém, como o nosso, se o texto constitucional é enfrentado porlei ordinária subseqüente, esta cede o passo, não pode subsistir,devendo a inconstitucionalidade ser decretada pelo poder judiciário, nos têrmos do art. 200 da Constituição Federal. De fato,as leis constitucionais regem o presente e o futuro. Sua aplicação é imediata. Tudo o que se lhe contraponha fica eliminado.A Lei n.o 4.337, de 1-6-1964, regula a declaração de inconstitucionalidadepara os efeitos do art. 7.o, n.o VII, da Constituição Federal.

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O citado art. 200 limitou-se a fixar o qworum para declaração de inconstitucionalidade nos juízos coletivos, mas nenhumarestrição trouxe à capacidade dos juizes de primeira instâncianessa matéria. De outro modo, suprimir-se-ia um dos graus dejurisdição.A questão da inconstitucionalidade das leis é de extremagravidade e delicadeza, porque pode implicar invasão de podêres.Assim sendo, ela só é pronunciada quando clara e evidente, transparecendo desde logo acima de qualquer dúvida razoável.Por outro lado, havendo possibilidade de solução do litígiosem apreciação da inconstitucionalidade, não deve esta ser objetode decisão pelo juiz.Não pode ela ser examinada em relação à lei em tese, salvona hipótese do art. 8.o, § único, da Constituição Federal. Igualmente não entra em jôgo a questão da inconstitucionalidade sea Constituição é posterior à lei de que se trata. Cuidar-se-áentão de saber apenas se esta subsiste em face daquela, se foiou não por ela revogada.Relativamente à possibilidade de serem ou não derrogáveispelas partes, as leis são impositivas ou cogentes e dispositivasou facultativas. As primeiras pairam acima da vontade privada,que não as pode modificar (por exemplo, as leis de ordem pública). As segundas são suscetíveis de derrogação (por exemplo,podem as partes estipular remuneração ao depósito, que, por índole, é ato jurídico de natureza gratuita).Ao lado da lei, tendo mesmo idêntica eficácia, podemos situaro decreto-lei. Na linguagem jurídica tradicional, entende-se pordecreto-lei ato expedido pelo poder executivo em período revolucionário ou de transição, quando não existe poder legislativoregular, modificando ou revogando leis em vigor. Larga foi amesse dos decretos-lei em nosso país no período ditatorial. Atualmente, êles não são mais permitidos, uma vez que é proibida adelegação de podêres (Const. Federal, art. 36, § 2.o).

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Mencionados devem ser ainda os regulamentos e os decretos.Regulamento é ato do poder executivo (Const. Federal, art. 87,n.o I). Destina-se a facilitar a execução das leis. Sua função,como adverte SERPA LOPES, eminentemente integrativa dalei, constituindo desenvolvimento, especificação ou complementação do pensamento legislativo.Não pode ser sobreposto à lei; no conflito entre ambos, prevalece curialmente a última. A supremacia da lei sôbre o regulamento constitui tese pacífica e consagrada, dispensando, porisso, quaisquer explanações. Se o segundo se sobrepõe à primeira, cabe aos órgãos judiciários lhe recusar aplicação.Decreto é também ato do poder executivo, mas sem o caráterde regra comum inerente às leis e regulamentos. Seu objetivo éo desempenho das atribuições constitucionais do executivo, quedêle se serve para fazer nomeações, outorgar privilégios, concedernaturalização e outros atos relativos à administração pública.

Do costume: - No direito antigo, desfrutava o costume delarga projeção, devido à escassa função legislativa e ao númerolimitado de leis escritas. Ainda hoje, nos países de direito costumeiro, como a Inglaterra, saliente é seu papel como fonte dodireito, desde que consagrado pelos precedentes judiciários.No direito moderno, porém, de um modo geral, chegada ahora das codificações, foi êle perdendo paulatinamente sua importância; mas nem por isso se converteu num ramo morto dodireito, ou num conceito do passado. Continua a brotar da consciência jurídica popular, como inicial manifestação do direito.No vigente direito civil brasileiro, fôrça reconhecê-lo, exíguaé sua atuação, só sendo aplicado no caso de falta ou omissão dalei (Intr. Cód. Civil, art. 4.o). Já no direito comercial, o costumeabre ensejo a mais amplas aplicações (Cód. Comercial, art. 291;Dec. n.o 20.881, de 30-12-1931, arts. 6.o a 9.o; Dec. n.o 24.636,

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de 10-7-1934, art. 2.o, letra a; Dec. n.o 93, de 20-3-1935, SeçãoIII, Capítulo VIII).A primeira questão que se oferece no seu estudo é relativaà sua obrigatoriedade. Por que o costume é obrigatório? Teorias várias foram formuladas: a) - teoria da vontade popular;b) - teoria da convicção jurídica; c) - teoria da razoabilidade judicial.De acôrdo com a primeira, aliás, a mais antiga, o costumedescansa sua fôrça obrigatória na vontade tácita do povo, ou melhor, na vontade tácita do legislador. Essa teoria é indefensável,porque costumes existem que se acham em vigor e que, no entanto,são completamente ignorados do povo.De conformidade com a segunda, de autoria de SAVIGNYcostume resulta do concurso de dois elementos: um, objetivo,de natureza externa, o uso, consistente na prática uniforme e reiterada de certos atos; outro, subjetivo e interno, a convicçãojurídica (opinio juris et necessitate), a certeza da imprescindibilidade da norma. Da reunião de ambos decorre sua obrigatoriedade. Essa teoria não satisfaz, entretanto, porque nenhumarazão autoriza se converta em direito a simples convicção, de quecerto uso ou praxe é necessário.Finalmente, para a última teoria, apregoada por PLANIOL, aobrigatoriedade do costume promana das decisões judiciais. Mas,tal concepção não pode ser aceita, porque juizes e tribunais nãocriam o direito; aplicam, tão-somente, o direito preexistente.O costume deriva da longa prática uniforme, da geral econstante repetição de determinado comportamento. Sua legitimidade promana dessa reiteração, que produz a tendência à conformidade geral, transformando-a em ordem autoritária do entecoletivo.São pois condições indispensáveis à sua vigência: a) - suacontinuidade; b) - sua uniformidade; c) - sua diuturnidade;d) - sua moralidade; e) - sua obrigatoriedade.Ao tempo das Ordenações do Reino, o costume só era considerado como fonte subsidiária do direito mediante as condições

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seguintes: a) - ser conforme à boa razão; b) - não ser contrário às leis; c) - ter mais de cem anos.Em relação à lei, o costume pode apresentar-se numa dasseguintes categorias: pra eter legem, secundum legem e contralegem. No primeiro caso, êle caracteriza-se pelo seu cunho supletivo, só intervém na ausência ou omissão da lei; no segundo,o preceito, não contido na norma, é reconhecido e admitido comeficácia obrigatória; no terceiro, surge norma contrária à lei.Os costumes são admitidos excepcionalmente para suprir lacunas ou deficiências da lei; por motivos óbvios, jamais os podem acolher tribunais contra preceito legal expresso. Se há leiem vigor que prescreva em sentido contrário não é possível aformação da regra consuetudinária.Ainda com referência à lei, o costume oferece vantagens edesvantagens. Realmente, a lei é vontade precisa da consciênciajurídica (vantagem), mas essa manifestação é rígida (desvantagem). O costume, ao inverso, é mais obscuro (desvantagem)em compensação, é mais flexível (vantagem).Em numerosos textos, o Código Civil refere-se aos usos ecostumes (arts. 588, § 2.o, 1014, 1.192, n.o II, 1.210, 1.218, 1.219,1.242 e 1.569, n.o I). O mesmo sucede em algumas leis avulsas (Lei n.o 492, de 30-8-1937, art. 8.o; Dec.-lei n.o 9.588, de16-8-1946, art. 3.o). Incumbe, exclusivamente, às Juntas Comerciais, o assentamento dos usos e práticas mercantis (Lei n.o 4.726,de 13-7-1965, art. 50). A prova dos usos e costumes comerciaisfar-se-á por certidão da Junta Comercial (Dec. n.o 41.825, de15-4-1963, art. 31).

Da doutrina: - Estudadas as fontes diretas ou imediatasdo direito objetivo, passemos às fontes indiretas ou mediatas, adoutrina e a jurisprudência.No direito romano, a doutrina consistia na comunis opiniodos doutores. De seu valor se pode ter idéia com o famosoTribunal dos Mortos, constituído por Teodósio II, e que

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tornavavinculativas as opiniões de PAPINIANO, PAULO, GAIO, ULPIANO eMODESTINO. Em caso de empate, prevalecia a opinião do primeiro,arvorado em presidente do hipotético tribunal.Conserva a doutrina, nos dias atuais, apreciável valor. Forma-se ela através dos pareceres dos jurisconsultos, dos ensinamentos dos professôres, das opiniões dos tratadistas e dos trabalhos forenses. Por seu intermédio, depura-se e cristaliza-se omelhor critério interpretativo, a servir de guia para o julgadore de boa orientação para o legislador.Realmente, tais obras deixam à mostra os defeitos e inconvenientes da lei em vigor, apontando o melhor caminho para corrigi-los e emendá-los. Inegável, portanto, sua significação e relevância na elaboração do direito positivo.

Da jurisprudência: - Quanto ao valor desta, diversificamprofundamente os sistemas jurídicos contemporâneos. Para oanglo-saxão, de direito costumeiro, considerável é sua importância.A parte que tem em seu favor os precedentes judiciários ganharácertamente a demanda.No sistema latino, entretanto, bem menos significativo é seupapel. Embora os precedentes constituam precisas fontes deconsulta, nem por isso estão os juízes obrigados a segui-los. Pormais reiterada que seja a jurisprudência, não constitui normaimperativa, como fonte normal do direito positivo.Muitas críticas lhe são dirigidas. Dizia PASCAL que trêsgraus de latitude revogam uma jurisprudência. KIRCHMAN, porsua vez, afirmava que três palavras da lei, a corrigirem um texto,bastavam para que bibliotecas inteiras se reduzissem a um montão de papéis inúteis. Chegou êle a efetuar conferência subordinada a êste título: "o nenhum valor da jurisprudência comociencia".Muita injustiça há, sem dúvida, nessa increpação. Na frasede IHERING, a jurisprudência foi a filosofia nacional dos romanos.Quem quisesse compreender como êstes entendiam o homem e asociedade, não deveria perguntá-lo a LuCRÉCIO, a SÉNECA ou a

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MARCO AuRÉLIO, mas, principalmente, a PAULO, ULPIANO e GAIO.De fato, inúmeras e benéficas foram as transformações introduzidas no direito romano pela jurisprudência, muitas vêzeschamada de direito pretoriano, em homenagem à obra construtiva efetuada pelo pretor. Modernamente, ela constitui-se em verdadeira fonte de vida jurídica. Na frase de CAPITANT, o direitojurisprudencial vem completar, enriquecer, modificar, recobrir denova vegetação o direito escrito nos textos legislativos.Já tivemos, contudo, uma lei que assimdispunha: "As justiças dos Estados, do Distrito Federal e do Território do Acredevem interpretar as leis da União de acôrdo com a jurisprudência do SupremoTribunal Federal" (Dec. n.o 23.055, de 9-8-1933, art. 1.o).Efetivamente, como adverte Rossi, o homem caminha segundo sua fantasia e a lei claudica; o homem reclama e a leié surda. É a jurisprudência que forçosamente segue o homem eo escuta sempre. O homem não lhe impõe seus arestos, mas, porsua livre vontade, força-a a pronunciar-se. Em algumas matérias, por exemplo a referente à locação, a jurisprudência antecipa-se ao trabalho legislativo, chegando mesmo a abalar conceitos jurídicos tradicionais. É que ela, como diz PLANIOL, nãose alimenta de abstrações; forma-se ao contrário no meio dos negócios e das realidades.Alguns casos concretos realçarão a importância da jurisprudência na formação do direito. Antigamente, os filhos dedesquitados eram considerados adulterinos, não podendo, pois, serreconhecidos, de acôrdo com o art. 358 do Código Civil (textoprimitivo). Longa série de julgados alterou, todavia, êsse entendimento, forçando a expedição do Decreto-lei n.o 4.737, de 24-9-1942,e da Lei n.o 883, de 21-10-1949, que vieram possibilitar tal reconhecimento, após a dissolução da sociedade conjugal.Para o casal italiano, vindo pobre para o Brasil, o regimematrimonial era o da completa separação, por fôrça de seu estatuto pessoal. Nessas condições, bens adquiridos em nome domarido só a êle pertenciam. Muitas situações iníquas surgiram,

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em detrimento da mulher, com a aplicação da regra constantedo art. 14 da velha Introdução ao Código Civil. Passou entãoa jurisprudência a admitir, em casos semelhantes, a comunhãodos adquiridos na constância do matrimônio, porque a presunçãoera a de que a espôsa havia contribuído com seu esfôrço, trabalho e economia para a aquisição. Tal entendimento tornou-senormal, sendo certo que à brasileira, casada com estrangeiro, sobregime que exclua a comunhão universal, socorre a mesma disposição específica (Dec.-lei n.o 3.200, de 19-4-1941, art. 17).Outro caso revelado pela jurisprudência concerne à servidãode trânsito, que goza de proteção possessória, desde que se trate decaminho antigo, permanentemente utilizado e respeitado, havendonêle obras visíveis, Como aterros, pontes e porteiras.Em matéria de locação predial, a jurisprudência tem proporcionado notáveis contribuições à elaboração do direito positivo. É o que sucede, por exemplo, no tocante à legislação deemergência sôbre o inquilinato, acêrca da retomada pelo compromissário-comprador, uniformemente admitida por juizes e tribunais e afinal consagrada em texto expresso (Lei n.o 4.494, de30-11-1964, art. 11, ns. VIII, IX e X). É o caso ainda da orientação jurisprudencial que não vislumbrava abuso de direito nareiterada purgação da mora por parte do locatário, entendimentoque, por fim, se cristalizou na Lei n.o 3.085, de 29-12-1956, art. 11.O Decreto n.o 24.150, de 20-4-1934, não admite retomada paraconstrução de obra de vulto; o diploma legal permitiu-a apenaspara edificação de obras determinadas pelo poder público (art.8.o, letra d). Mas a jurisprudência, sàbiamente, ampliou o alcance da disposição legal, criando caso de retomada que a leinão previra. Ora, o Decreto n.o 24.150 fundou-se na eqüidade(art. 16) e esta não pode consistir em tratamento melhor parauma parte do que para outra. Ela deve basear-se num tratamento eqüitativo para ambas, se não haverá iniqüidade.

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Desdeque se deu interpretação ampliativa ao art. 8.o, letra d, em vantagem do proprietário, pareceu também razoável que ao locatáriose estendesse a vantagem do art. 20, concessão de indenizaçãopelos prejuízos de mudança e despesas da nova instalação.Em alguns casos mesmo, como se salientou anteriormente,a jurisprudência chega a afetar princípios clássicos. Por exemplo,o famoso preceito referente às pessoas jurídicas - universitasdistat a singulis - sofre temperamentos em matéria de locaçãopredial, no propósito de admitir-se retornada pela sociedade, parauso desta, de prédio pertencente a um dos sócios individualmente.Por fim, para não nos alongarmos em demasia, cumpre chamar a atenção para a transformação operada na responsabilidadecivil. Consagrada se acha, por iterativa jurisprudência, orientação segundo a qual da culpa do preposto emerge, ipso facto, aculpa do preponente. Humanizaram-Se assim os preceitos conStantes dos arts. 1.521, n.o III, e 1.523, da lei civil.Impossível, pois, olvidar o papel que à jurisprudência estáreservado na formação do direito. Como bem diz o SupremoTribunal Federal, a invariável seqüência dos julgamentos torna-se como que o suplemento da própria legislação.

DA VIGÊNCIA DA LEI. QUANDO TEM INÍCIO EQUANDO CESSA A SUA OBRIGATORIEDADE. DARETROATIVIDADE E DA INTERPRETAÇÃO DASLEIS.

Quando tem início a obrigatoriedade da lei: - Essa questãotem sido regulada por dois sistemas diferentes, o da obrigatoriedade progressiva e o da obrigatoriedade simultânea. No primeiro caso, o início da obrigatoriedade processa-se por partes,primeiro nas regiões mais próximas, depois nas mais remotas. Nosegundo, a lei entra em vigor a um só tempo em todo o país.A antiga Introdução ao Código Civil adotava o princípio daobrigatoriedade progressiva. Dispunha a mesma, no art. 2.o, quea obrigatoriedade das leis, quando não fixassem outro

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prazo, começaria, no Distrito Federal, três dias depois de oficialmentepublicada, quinze dias no Estado do Rio de Janeiro, trinta diasnos Estados marítimos e no de Minas Gerais, cem dias nos outros,compreendidas as circunscrições não constituídas em Estado. Éêsse igualmente o sistema do Código Napoleão.A nova lei de Introdução (Dec.-lei n.o 4.657, de 4-9-1942)perfilha, todavia, o sistema oposto, da obrigatoriedade simultânea: salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todoo país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada(art. 1.o, caput). O sistema do prazo único é também o adotadopelo Código Civil espanhol (art. 1.o).Esse princípio, entretanto, não é absoluto porquanto quasetôdas as leis atualmente expedidas prescrevem sua entrada emvigor na data da respectiva publicação.Referentemente à sua obrigatoriedade em países estrangeiros,quando admitida, o prazo, que era de quatro meses, contadosapós a publicação na Capital Federal (antiga Introdução, art. 2.o,§ único), foi reduzido a três meses, depois de oficialmente publicada (nova Introdução, art. 1.o, § 1.o).De fato, há casos em que a lei obriga no exterior: a) nas embaixadas, legações, consulados e escritórios, no tocante àsatribuições dos embaixadores, ministros, cônsules, agentes e maisfuncionários dessas repartições; b) - no que concerne aos brasileiros, acêrca de seu estatuto pessoal e sôbre todos os atos regidos pelas leis pátrias; c) - para todos quantos tenham interêsses regulados pelas leis brasileiras.A vigência das leis, que os Governos Estaduais elaborem porautorização do Govêrno Federal, depende da aprovação dêste ecomeçará no prazo que a legislação estadual fixar (Intr. Cód.Civil, art. 1.o, § 2.o).Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicaçãode seu texto, destinada a correção, o prazo da obrigatoriedadecomeçará a correr da nova publicação (art. 1.o, § 3.o). As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova (art.

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1.o, § 4.o).A lei torna-se obrigatória pela publicação oficial e segundoo que está publicado. Sucede, porém, que, muitas vêzes, ela seressente de erros e omissões. Se a lei, publicada com incorreções,ainda não entrou em vigor, só começará sua obrigatoriedade coma nova publicação; se, no entanto, ela já entrara em vigor, acorreção feita é reputada lei nova, para efeito de sua obrigatoriedade.Tenha-se presente, todavia, que simples êrro tipográfico notexto da lei, quando evidente, dispensa lei retificativa. Quandoa retificação se faça por lei posterior, embora ociosa, esta não seconsidera lei nova.Efetivamente, demonstrado o êrro com que foi publicada alei, não deve ser aplicado o pensamento resultante do texto defeituoso e sim o que de fato teria disposto o legislador. E acompetência para corrigir o êrro é do próprio juiz, ainda quefaça sentido o texto errado.O espaço de tempo compreendido entre a publicação da leie sua entrada em vigor denomina-se vacatio legis. Geralmenteé estabelecido para melhor divulgação dos textos. Enquanto nãotranscorrido êsse período, a lei nova não tem fôrça obrigatória,conquanto já publicada. Considera-se, pois, ainda em vigor alei precedente sôbre a mesma matéria.Do exposto se dá conta do relevante papel que a publicaçãodesempenha na obrigatoriedade da lei. Uma vez publicada, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece(Intr. Cód. Civil, art. 3.o). De maneira mais concisa e maisfeliz dispunha igualmente a antiga Introdução (art. 5.o): ninguém se escusa, alegando ignorar a lei.Encerram ambos os preceitos velho brocardo latino: nemojus ignorare consetur - nemo consetur ignorare legem. Ou ainda,por outras palavras: ignorantia legis neminem excusat.Idêntico preceito se depara em matéria penal. A ignorânciaou a errada compreensão da lei não eximem da pena (Cód. Penal,

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art. 16).Justifica-se, sem dúvida, o citado preceito que impede aduzaalguém, como escusa à inobservância da norma, a própria ignorância. Se admissível fôsse dispensa fundada na ignorantia legis,a fôrça imperativa da norma estaria comprometida e vacilantese tornaria todo o sistema jurídico, com evidentes prejuízos paraa comunidade.Entretanto, como é bem de ver, o preceito não contém regraabsoluta. Ele comporta temperamentos quer em matéria penal,quer em matéria civil.Em matéria penal, prescreve a Lei das Contravenções Penais(Dec.-lei n.o 3.688, de 3-10-1941), art. 8.o: "no caso de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando escusáveis, apena pode deixar de ser aplicada".Em matéria civil, admite-se também atenuação da normapara a caracterização do chamado erro de direito, equiparado aoerro de fato, e capaz de produzir anulação do ato jurídico.Efetivamente, não obstante a omissão do Código e a objeçãode CLÓvIS, o êrro de direito foi acolhido pelo direito pátrio. Aquase unanimidade dos autores, apoiados pela jurisprudência, oadmite. Medite-se realmente neste exemplo, de ANDREA TORRENTE:acredito que uma pessoa é estrangeira, pois ignoro, a legislaçãosôbre cidadania e nacionalidade. Invocando o êrro de direito,não estarei procurando subtrair-me ao comando legislativo, àfôrça imperativa da norma; apenas buscarei demonstrar umextravio verificado no processo formativo da minha vontade.

Quando cessa a obrigatoriedade da lei: - Não se destinandoà vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifiqueou revogue (Intr. Cód. Civil, art. 2.o).De fato, algumas leis são expedidas, fixando-se-lhes, de antemão, efêmera duração. É o que acontece, por exemplo, com alegislação de emergência sôbre o inquilinato, posto que a mesmavenha sendo sucessivamente prorrogada. É o que sucede aindacom a lei que outorga o benefício da moratória.

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Contudo, não se fixando prazo de duração prolonga-se aobrigatoriedade até que a lei seja modificada ou revogada poroutra lei. É o chamado princípio da continuidade das leis.A revogação pode ser expressa ou tácita. É expressa, quandoa lei nova taxativamente declara revogada a lei anterior (Intr.Cód. Civil, art. 2.o, § 1.o, primeira parte). Por exemplo, a Lein.o 2.514, de 27-6-1955, num de seus dispositivos, declarou expressamente revogado o art. 18 do Decreto-lei n.o 3.200, de 19-4-1941.De modo idêntico, o Decreto n.o 7.270, de 29-5-1941, revogou expressamente o art. 87 do Regulamento dos Registros Públicos.É tácita, ou por via oblíqua, a revogação, se a lei nova, semdeclarar explicitamente revogada a anterior: a) - seja com estaincompatível; b) - quando regule inteiramente a matéria deque tratava a lei anterior (art. 2.o, § 1.o, última parte).Como diz ANTÃO DE MORAES (Revista dos Tribunais, 163/412), por umdestino fatal a marcha da legislação é semelhante à do homem que corre sempre parafrente sem olhar um só instante para trás, O legislador teme as conseqüências deser leal para com a nação. Se fôr muito positivo, pode matar o que está vivo ereviver o que morreu. Acovardado ante êsse apuro, cobre-se com a fórmula vagae imprecisa, revogam-se as disposições em contrário, deixando ao intérprete e aojuiz a tarefa que era dêle: dizer o que vigora e o que já não vige.Por exemplo, o art. 1.201 do Código Civil dispõe que nãohavendo estipulação expressa em contrário, o locatário, nas locações a prazo fixo, poderá sublocar o prédio, no todo, ou emparte, antes ou depois de havê-lo recebido, e bem assim emprestá-lo, continuando responsável ao locador pela conservação doimóvel e solução do aluguel. A Lei n.o 4.494, de 30-11-1964,porém, de modo contrário, prescreveu que: "a cessão da locação,a sublocação total ou parcial e o empréstimo do prédio dependem de consentimento prévio e escrito do

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locador" (art. 2.o).Outro exemplo: o art. 1.062 do mesmo Código permitia alivre estipulação de juros; o Decreto n.o 22.626, de 7-4-1933 (Leida Usura), estabeleceu um teto, o dôbro da taxa legal (art. 1.o).Em matéria de leis, um nôvo estado de coisas revoga automàticamente qualquer regra de direito que com êle seja incompatível.Da mesma forma, a modificação de redação do texto de um dispositivo legal constitui modo usado pelo legislador para revogá-lo, derrogá-lo ou ab-rogá-lo. Por fim, se a lei nova regula a matéria de que trata a lei anterior e não reproduz determinadodispositivo, entende-se que êste foi revogado.Sobre tal assunto estatuía a velha Introdução, de forma lapidar (art. 4.o) : "a lei só se revoga, ou derroga, por outra lei;mas a disposição especial não revoga a geral, nem a geral revogaa especial, senão quando a ela, ou ao seu assunto, se referir,alterando-a, explícita ou implicitamente".A lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiaisa par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior(Introdução, art. 2.o, § 2.o).Veja-se êste exemplo: o Código de Processo Civil, ao disciplinar os interditos de manutenção e de reintegração de posse(art. 371), não aludiu às ações ordinárias de fôrça velha, mencionadas no art. 523 do Código Civil. Nem por isso, todavia,se há de sustentar que êste dispositivo foi revogado por aquêle.Legi speciali per generalem non derogatur.Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaurapor ter a lei revogadora perdido a vigência (Introdução, art.2.o, § 3.o) Medite-se no seguinte e elucidativo exemplo: em consonância com o art. 178, § 6.o, n.o IX, do Código Civil, prescreviaem um ano a ação dos médicos, para cobrança de seus honorários. Pelo Decreto-lei n.o 7.961, de 18-9-1945, art. 16, êsse prazofoi elevado para cinco anos. Posteriormente, entretanto, o

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últimodiploma foi revogado pela Lei n.o 536, de 14-12-1948. Passaramentão alguns a entender que se restabelecera implicitamente adisposição do citado art. 178, § 6.o, n.o IX, do Código Civil (prazode um ano), enquanto sustentavam outros que o prazo passaraa ser o das ações pessoais em geral (trinta anos). Era êsse,inegàvelmente, o correto entendimento, porquanto, em conformidade com o art. 2.o, § 3.o, da Introdução, salvo disposição emcontrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadoraperdido a vigência. Tal controvérsia, a propósito dos honoráriosmédicos, despiu-se atualmente de qualquer interesse prático, umavez que a Lei n.o 2.923, de 21-10-1956, repristinou ou revigorou oinciso IX, do § 6.o, do art. 178, da lei civil.Outras questões paralelas podem ainda ser suscitadas. Tecnicamente, uma lei contrária à Constituição posterior representaa revogação da primeira e não a sua inconstitucionalidade.Disposições transitórias, como o próprio nome indica, têm efeitopassageiro.Acentue-se ainda que o legislador não pode interditar-se odireito de modificar, ou revogar, lei que acaso venha a expedir.Disposição dessa ordem é sem valor jurídico, porque o legisladorteria exorbitado, exercendo poder que lhe não pertence. É ocaso, por exemplo, da promessa geral de isenção de impostos. Talpreceito não vincula as subseqüentes legislaturas.Frise-se mais, como remate, a diferenciação conceitual entread-rogação e derrogação. A primeira é revogação integral, aopasso que a segunda é revogação parcial. Mas o têrmo revogaçãoabrange as duas modalidades. Inexiste entre nós revogação pelodesuso, mas há a suspensão da lei, por determinação do Senado,sempre que a mesma venha a ser julgada inconstitucional. (Const.

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Federal, art. 64).

Da retroatividade das leis: - A lei é expedida para disciplinar fatos futuros. O passado escapa ao seu império. Suavigência estende-se, como já se acentuou, desde o início de suaobrigatoriedade até o início da obrigatoriedade de outra lei quea derrogue. Sua eficácia, em regra, restringe-se exclusivamenteaos atos verificados durante o período de sua existência. É osistema ideal, que melhor resguarda a segurança dos negóciosjurídicos.Há casos, porém, em que determinados atos, ocorridos ourealizados sob o domínio de uma lei, só vão produzir efeitos navigência de lei nova, sem que esta sobre êles possa ter qualquerinfluência. Por outro lado, casos existem ainda em que a leinova retroage no passado, alcançando conseqüências jurídicas defatos efetuados sob a égide de lei anterior.Essa atuação da lei no tempo dá origem à teoria da retroatividade das leis. É a projeção da lei no passado, ou sôbre fatosanteriores. Denomina-se também direito intertemporal.Em regra, deve prevalecer o princípio da irretroatividade; asleis não têm efeitos pretéritos, elas só valem para o futuro (lexprospicit, non respicit). O princípio da não-retroprojeção constitui um dos postulados, que dominam tôda legislação contemporânea. Na frase de GRENIER, êsse princípio é a própria moralda legislação.Tão velho como o direito, êle é altamente político e social,inerente ao próprio sentimento da justiça. Sôbre êle se assentam a estabilidade dos direitos adquiridos, a intangibilidade dosatos jurídicos perfeitos e a invulnerabilidade da coisa julgada,que, entre nós, constituem garantias constitucionaiS.Esse princípio chegou outrora a ser considerado de direitonatural, correspondente a uma justiça superior. BARTOLO nãohesitou em dizer que, embora com preceito expresso em

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contrário,não podiam as leis projetar seus efeitos no passado.WALKER, citado por BARBALHO afirmava que leis retroativassó tiranos as fazem e só escravos se lhes submetem. A retroatividade, proclamou-o BENJAMIN CONSTANT, arrebata à lei seu caráter; lei que retroage não é lei.Entre nós, a Constituição de 1891 consagrou expressamenteaquêle princípio (art. 113, n.o 3). A de 1937 colocou-se em pólooposto, ensejando, com sua orientação, numerosos abusos, com asideração do próprio direito, como sucedeu, por exemplo, com oDecreto-lei n.o 1.907, de 26-12-1939.A atual, que reproduziu fórmula da velha Introdução aoCódigo Civil, preceitua que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 141, § 3.o).A nova Introdução, no art. 6.o, de modo mais restrito, haviapreceituado que "a lei em vigor terá efeito imediato e geral.Não atingirá, entretanto, salvo disposição expressa em contrário,as situações jurídicas definitivamente constituídas e a execuçãodo ato jurídico perfeito".Com a nova redação que lhe deu a Lei n.o 3.238, de 1-8-1957,o dispositivo ficou assim elaborado: - "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direitoadquirido e a coisa julgada. Parágrafo 1.o: - Reputa-se atojurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempoem que se efetuou. Parágrafo 2.o: - Consideram-se adquiridosassim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo prefixo,ou condição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem. Parágrafo 3.o: - Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisãojudicial de que já não caiba recurso.Restabeleceu-se assim a fórmula adotada pela velha Introdução (art. 3.o), dominada pela teoria de GABBA, de completorespeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisajulgada.

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Efetivamente, sem o princípio da irretroatividade, inexistiriaqualquer segurança nas transações, a liberdade civil seria ummito, a estabilidade patrimonial desapareceria e a solidez dos negócios estaria sacrificada, para dar lugar a um ambiente deapreensões e incertezas, impregnado de intranqüilidade e altamente nocivo aos superiores interêsses do indivíduo e da sociedade. Seria a negação do próprio direito, cuja específica função,no dizer de RUGGIERO-MAROI, é tutela e garantia."O respeito aos direitos adquiridos é o único limite à eficácia das leis notempo".Se a irretroatividade é a regra, a retroatividade será a exceção. Temos tido, entre nós, numerosos exemplos de leis retroativas: a) - Decreto n.o 22.626, de 7-4-1933, art. 3.o Asleis proibitivas de usura são de ordem pública; b) - Decreto-lei n.o 1.907, de 26-12-1939, que dispôs sôbre herança jacente;c) - Lei n.o 3.085, de 29-12-1956, art. 11, § único; d) - Decreto-lei n.o 3.200, de 19-4-1941; e) - Decreto-lei n.o 3.259, de9-5-1941, art. 13.Desde que o legislador manda aplicar a lei a casos pretéritos,existe retroatividade, pouco importando que a palavra seja usada,ou não. Vale com efeito retroativo.A retroatividade pode ser justa ou injusta. É justa, quandonão se depara, na aplicação do texto, qualquer ofensa ao direitoadquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Injusta,quando qualquer dessas situações vem a ser lesada com a aplicação retroperante da lei.A retroatividade pode ser ainda máxima, média e mínima.A primeira destrói atos jurídicos perfeitos ou atinge relações jáacabadas (por exemplo, a do Dec.-lei n.o 1.907, que consideroujacentes heranças já devolvidas a herdeiros legítimos segundo alei então vigente); a segunda ocorre quando a lei nova alcança

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os efeitos pendentes do ato jurídico verificado antes dela (porexemplo, o Dec. n.o 22.626, art. 3.o) ; a terceira, finalmente,quando a lei nova afeta apenas os efeitos dos atos anteriores,mas produzidos após a data em que ela entrou em vigor. Todosêsses casos são de retroatividade injusta, porque com ela se verifica lesão, maior ou menor, a direitos individuais.Saliente-se, todavia, que a retroatividade é exceção e não sepresume. Deve decorrer de determinação legal, expressa e inequívoca, embora não se requeiram palavras sacramentais. Nãohá retroatividade virtual ou inata, nem leis retroativas pela suaprópria índole."Não há retroatividade tácita, devendo o juiz não aplicar a lei nova aosfatos passados se nela não se expressar tal possibilidade".A retroatividade não pode ser estabelecida em regulamento,porque a irretroatividade promana da lei e o regulamento, comoé sabido, não pode conter norma colidente com a lei.Mas, entre a retroatividade e a irretroatividade existe umasituação intermediária, a da aplicabilidade imediata da lei novaa relações que, nascidas embora sob a vigência da lei antiga,ainda não se aperfeiçoaram, não se consumaram. O requisito sinequa non, para a imediata e geral aplicação, é também o respeitoao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.Acham-se nesse caso as leis constitucionais, políticas, administrativas, de ordem pública (ainda que de direito privado),de interêsse geral, penais mais benignas, interpretativas queregulam o exercício dos direitos políticos e individuais, condiçõesde aptidão para cargos públicos, organização judiciária e processo(civil e criminal). Aliás, em regra, tôdas as normas de direitopúblico têm aplicação imediata, o que, no entanto, como é

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óbvio,pode ser intencionalmente arredado pelo legislador."As leis políticas, de direito publico, inclusive administrativas, aplicam-seimediatamente, abrangendo as situações em curso". "Asleis políticas aplicam-se imediatamente. Simples pedidos de câmbio ou licença prévianão constituem direito adquirido". "Não cabe invocardireito adquirido contra a faculdade que tem o legislador de reorganizar os serviçospúblicos"."Toda lei de ordem pública tem efeito imediato e geral, visando asituaçõesespeciais em que predomina o interêsse público, o bem da coletividade, em suma, arealização do fim social"."A retroatividade das leis interpretativas éregra sôbre a qual não dissentem os doutrinadores".Em resumo, sob o aspecto do direito intertemporal, as leissão retroativas, de aplicação imediata e irretroativas. As primeiras atingem relações jurídicas perfeitas e acabadas; as segundas, relações nascidas sob o império de outra lei, mas aindanão aperfeiçoadas; as terceiras limitam-se a dispor sôbre relaçõesnascidas a partir de sua entrada em vigor.Vejamos agora, para finalizar, algumas situações concretas:a) - em matéria de prescrição, o Prof. REINALDO PORCHAT,estudando a retroatividade das leis que abreviam prazos prescritivos, formulou as seguintes regras, sufragadas pela jurisprudência: 1) - se, para terminar o prazo antigo da prescrição emcurso, falta tempo menor que o estabelecido pela lei nova, nãose aplica esta; 2) - se, para terminar o prazo antigo, faltatempo igual ou maior que o estabelecido pela lei nova, aplica-seesta, contando-se da data da sua vigência o nôvo prazo. A essasduas regras podemos acrescentar terceira: se a prescrição já seconsumou, segundo a regra da lei anterior, não há que se cuidarda aplicação da lei nova; b) - em matéria de contratos, oprincípio fundamental é o de que a lei reguladora será a do tempo

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em que os mesmos foram celebrados. Aliás, em têrmos de obrigações, vigora a lei do tempo em que elas se constituíram, qualquer que seja a fonte de que derivem; c) - a situação dofuncionário público pode ser sempre modificada por leis novasin futurum; d) - em matéria de processo, a lei nova seráaplicada sem prejuízo dos atos processuais consumados sob oimpério da anterior; e) - a lei nova não pode servir de fundamento para a reforma de uma sentença, nem tem a virtudede revogar a coisa julgada.

Da interpretação das leis: - A lei quase sempre é clara,hipótese em que descabe qualquer trabalho interpretativo (lexclara non indiget interpretatione). Deve então ser aplicada, comosoam suas palavras, evitando-se a interpretatio abrogans, fontede tantos abusos. Se houver injustiça, será de responsabilidadedo legislador.Mas a lei que regula os efeitos da apelação é a vigente ao tempo em queo recurso fôr interposto."Se si ha una sentenza non ancora passata in giudicato, deve applicarsiaocaso relativo il diritto anteriore e non il nuovo, perchê il giudicedell.istanza superiore deve fondare lesame della sentenza impugnata sul diritto, che vigeva quandofu pronunciata".Todavia, a lei é norma abstrata. Ao ser posta em relaçãocom a prodigiosa diversidade dos fatos, passando do estado platônico para o estado positivo, pode dar ensejo à interpretação,para fixar-lhe o exato sentido e extensão. Eis aí, a desafiar anossa argúcia, o árduo problema da interpretação das leis.A interpretação das leis é a ciência jurídica inteira; nafrase de DEMOLOMBE, e o grande e difícil problema cujo conhecimento torna o jurista verdadeiramente digno dêsse nome.A necessidade da interpretação surge a todo momento nomundo jurídico, sobretudo na tela judiciária, desmentindo assim

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o dito de PROUDHON de que "é caluniar a lei supor que ela édeficiente e obscura".A ambigüidade do texto, má redação, imperfeição e falta detécnica impõem, a todo instante, a intervenção do intérprete, apesquisar-lhe o verdadeiro significado, o que o legislador realmente quis editar ou estatuir.O legislador moderno não tem a veleidade de imitar JuSTINIANO, que inculcava ser tão clara sua legislação que a obrado intérprete se tornava supérflua. Ante essa obra tão definitivae completa, perguntava o legislador, para que "legum interpretationis, immo magis perversiones?" Mas essa ilusão logo sedesfez e mais cedo do que se imaginava surgiu a necessidade dainterpretação.Interpretar uma lei, repita-se, é determinar-lhe com exatidãoseu verdadeiro sentido, descobrindo os vários elementos significativos que entram em sua compreensão e reconhecendo todos oscasos a que se estende sua aplicação. Para SAvIGNY, interpretação é a reconstrução do pensamento contido na lei. Interpretara lei será, pois, reconstruir a mens legis, seja para entender corretamente seu sentido, seja para suprir-lhe as lacunas. Fácilserá a tarefa se se trata de lei clara; difícil, porém, se a normaa ser interpretada é obscura ou formulada de modo ambíguo.As regras de interpretação constituem a chamada hermenêutica jurídica. Existem vários modos de interpretação: a) quanto às suas fontes; b) - quanto aos seus meios; c) quanto aos seus resultados.Quanto às suas fontes, a interpretação pode ser autêntica,jurisprudencial e doutrinal. A primeira é fornecida pelo mesmopoder que elaborou a lei. Quase sempre se exerce através de leiinterpretativa, por via da qual se determina o verdadeiro sentido,o exato significado, do texto controvertido (nihil dat novi, seddatum significat). O legislador primitivo, cuja intenção se teve

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como duvidosa, é reputado, pelo efeito de caridosa ficção danova lei, não ter tido nunca outra vontade senão aquela que foireconhecida por essa mesma lei sôbre os pontos obscuros. É umdiploma de clareza que lhe conferem de repente.Entretanto, além de ser uma anomalia a lei interpretativa,irrefutável e decisiva não é a interpretação autêntica. É costumecomparar a lei ao fruto que, destacado da árvore, assume entidade própria, distinta da árvore que o produziu. É possível,portanto, atribuir-lhe significado diverso daquele que lhe emprestam os órgãos que a formularam.A interpretação jurisprudencial é a ministrada pelos tribunais, mercê da reiteração de seus julgamentos, sendo a lei apreciada sob todos os seus aspectos. A seqüência invariável dosjulgados não tem fôrça obrigatória, mas, uniforme, repetida, semondulações, torna-se usual, sendo então geralmente acatada eobservada.A interpretação doutrinal é a dos juristas que analisam alei à luz de seus conhecimentos técnicos, com a autoridade decultores do direito. Sua autoridade é também relativa, naturalmente proporcional ao merecimento do intérprete.Quanto aos meios, a interpretação pode ser gramatical, lógica, histórica e sistemática. De acôrdo com a primeira, fundadasôbre as regras da lingüística, examina-se literalmente cada têrmodo texto, quer isolada, quer sintàticamente, atendendo-se à pontuação, colocação dos vocábulos, origem etimológica e outros dados.Na segunda, a lei é examinada em seu conjunto, no sistemajurídico em geral, analisando-se seus períodos, combinando-os econfrontando-os entre si, mediante recursos fornecidos pela lógica,de molde a resultar perfeita harmonia e coerência. Tal investigação, no dizer de SCIALOJA constitui um dos cânones fundamentais da reta interpretação.Na terceira, o hermeneuta se atém às necessidades jurídicasemergentes no instante da elaboração da lei, às circunstânciaseventuais e contingentes que provocaram a expedição da norma

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(elemento teleológico e occasio legis). Verifica então qual a realintenção do legislador (mens legistatoris), a razão de ser danorma (ratio legis), isto é, o seu espírito, a finalidade sociala que ela é dirigida.Na quarta, finalmente, o intérprete compara a lei com a anterior que regulava a mesma matéria, confronta-a com outrostextos, de sorte a harmonizá-la com o sistema jurídico.Quanto aos resultados, a interpretação pode ser declarativa,extensiva e restritiva. Realmente, nem sempre é feliz a expressãousada pelo legislador. Acontece algumas vêzes que êle diz menosou mais do que pretendia dizer (minus dixit quam voluit - plusdixit quam voluit). Nessas condições, o resultado obtido pelainterpretação pode ser declarativo se se afirma que a letra dalei corresponde precisamente ao pensamento do legislador (e é ocaso normal); extensivo ou ampliativo, se se afirma que a fórmulalegislativa é menos ampla que aquêle pensamento; restritiva nocaso inverso.A antiga Introdução ao Código Civil continha a seguinteregra interpretativa: "A lei, que abre exceção a regras gerais,ou restringe direitos, só abrange os casos, que especifica". Talpreceito encerrava o adágio: exceptio strictissimi juris. Tal eraa sua procedência, que a nova Lei de Introdução achou inútilreproduzi-lo, afastando-se, nesse ponto, da velha Introdução.No Decreto-lei n.o 4.657, de 4-9-1942, encontramos uma única disposição sôbre o assunto: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bemcomum" (art. 5.o).Quais são aquêles fins sociais e estas exigências do bem comum que o legislador manda tomar como ponto de referênciana aplicação da lei?

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O texto não esclarece e a doutrina mostra-se imprecisa. Poroutro lado, as expressões são metafísicas e difícil é fixar comacêrto sua compreensão. Intuímos, sem dúvida, facilmente, seuconteúdo, mas encontramos dificuldades em traduzir-lhes a exatasignificação.Acreditamos, todavia, que fins sociais são resultantes daslinhas mestras traçadas pelo ordenamento político e visando aobem-estar e à prosperidade do indivíduo e da sociedade.Por seu turno, exigências do bem comum são os elementosque impelem os homens para um ideal de justiça, aumentando-lhesa felicidade e contribuindo para o seu aprimoramento.Êsses os dados da razão que o magistrado há de cuidadosamente sopesar, quando tiver de aplicar a lei.A doutrina e a jurisprudência estabeleceram vários e preciosos critérios interpretativos: a) - na interpretação devesempre preferir-se a inteligência que faz sentido à que não faz;b) - deve preferir-se a inteligência que melhor atenda à tradiçãodo direito; c) - deve ser afastada a exegese que conduza aovago, ao inexplicável, ao contraditório e ao absurdo; d) - háde se ter em vista o eo quod plerumque fit, isto é, aquilo queordinàriamente sucede no meio social; e) - onde a lei nãodistingue o intérprete não deve igualmente distinguir; f) - todasas leis excepcionais ou especiais devem ser interpretadas restritivamente; g) - tratando-se, porém, de interpretar leis sociais,preciso será temperar o espírito do jurista, adicionando-lhe certadose de espírito social, sob pena de sacrificar-se a verdade àlógica; h) - em matéria fiscal, a interpretação se fará restritivamente; i) - urge se considere o lugar onde está colocadoo dispositivo, cujo sentido deve ser fixado.

DA INTEGRAÇÃO DA NORMA JURÍDICA. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. EQUIDADE.

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Da integração da norma jurídica: - O legislador não podemostrar-se dispersivo. Por isso, não consegue prever tôdas as hipóteses que virão a ocorrer na vida real. Esta, nas suas polimorfas e infinitas manifestações, cria a todo instante situaçõesque o legislador não lograra encerrar ou captar em meras fórmulas legislativas ou disposições legais. Êsse desnível entre a leie os fatos, entre a previsão do legislador e as ocorrências da vida,levou LACERDA DE ALMEIDA a atribuir pernas curtas ao legislador.Mas, não é só. Tem êste de expressar-se através de textosgenéricos e abstratos. Seus conceitos hão de ser os mais gerais.Se assim não sucedesse, teria transformado o Código em obraextensíssima, caracterizada pela prolixidade, em que se acumulariam preceitos casuísticos, com real prejuízo para a sua clareza,segurança e inteligência.Devido a essa concisão proposital, inerente ao estilo legislativo, inúmeras situações fatalmente surgirão, não previstas demodo específico pelo legislador e que reclamam sua adequação àvida por parte do juiz ou do jurista.Esgotados, sem resultado, os critérios interpretativos, anteriormente expostos, cumpre ao aplicador da lei suprir a lacunaencontrada, já que lícito não lhe é escusar-se de sentenciar oudespachar, a pretexto de obscuridade ou omissão da norma.Dispõe efetivamente o Código de Processo Civil, no art. 113:"o juiz não poderá, sob pretexto de lacuna ou obscuridade da lei,eximir-se de proferir despachos ou sentenças".Aparece destarte o problema da integração da norma, mediante os recursos fornecidos pela ciência jurídica. Possui realmente a lei, como sinônima de direito, a faculdade de auto-integração, a faculdade de completar-se a si mesma, através de processos científicos preexistentes, manipulados ou trabalhados pelojulgador.Esses processos são a analogia, os costumes e os princípiosgerais de direito. De fato, edita a Introdução ao Código Civil,

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art. 4.o: - "quando a lei fôr omissa, o juiz decidirá o caso deacôrdo com a analogia, os costumes e os princípios gerais dedireito". Por sua vez, a Consolidação das Leis do Trabalho prescreve no art. 8.o: - "as autoridades administrativas e a Justiçado Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, poreqüidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acôrdo com os usose costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira quenenhum interêsse de classe ou particular prevaleça sôbre o interêsse público".Examinemos, pois, separadamente, cada um dêsses elementos(com exclusão do costume, já examinado precedentemente), quevem em auxílio do juiz, para que não permaneça sem solução ocaso por êle considerado.

Analogia: - A analogia consiste em aplicar a uma hipótese,não prevista especialmente em lei, disposição relativa a caso semelhante. No dizer de CAPITANT, ela constitui poderoso adminículo, de que se serve o legislador, para amparar o juiz, perplexoentre relações sociais não expressamente reguladas, a fim deguardar-lhes a vitalidade. Pressupõe semelhança de relações, baseia-se no argumento de semelhante a semelhante, para empregara linguagem das Ordenações.Para que se permita o recurso à analogia exige-se a concorrência dos três requisitos seguintes: a) - é preciso que o fatoconsiderado não tenha sido especificamente objetivado pelo legislador; b) - êste, no entanto, regulou situação que apresentaponto de contacto, relação de coincidência ou algo de idêntico ousemelhante; c) - finalmente, requer-se que êsse ponto comumàs duas situações (a prevista e a não prevista), haja sido o elemento determinante ou decisivo na implantação da regra concernente à situação considerada pelo julgador. Verificado o simultâneo concurso dêsses requisitos legitimado está o emprêgo daanalogia, o que não deixa de ser lógico, pois fatos semelhantesexigem regras semelhantes (ubi eadem ratio legis ibi eadem

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dispositio).O processo analógico tem seu suporte na seguinte operaçãomental: de uma determinada norma, que regula certa situação,parte o intérprete para outra regra, ainda mais genérica, quecompreenda não só a situação especificamente prevista, como também a não prevista.Existem duas modalidades de analogia, a legal e a jurídica.A primeira (analogia legis) é a tirada da própria lei, quandoa norma é extraída de outra disposição legislativa, ou de umcomplexo de disposições legislativas. De certa norma, aplicávela determinado caso concreto, extraem-se os elementos que autorizam sua aplicação a outro caso concreto, não previsto, massemelhante.A segunda (analogia juris) é extraida filosóficamente dosprincípios gerais que disciplinam determinado instituto jurídico,a norma é tirada do inteiro complexo da legislação vigente, oudo sistema legislativo.Cumpre não confundir analogia com interpretação extensiva.Naquela, investiga-se o princípio latente no sistema jurídico;nesta, verifica-se apenas o caso abrangido em seu espírito, pelalei, exteriorizado em fórmula imperfeita. Na primeira, ultrapassou-se os limites estabelecidos por determinada norma, palmilhando-se pontos por esta não focalizados; na segunda, o intérpretepermanece dentro dos limites do comando legislativo, respeitadasempre a vontade da lei, a qual, por assim dizer, é retificada.Igualmente, a analogia não se confunde com a indução. Elucida-o KANT: - "a indução consiste em estender a todos ossêres de uma mesma espécie observações feitas sôbre alguns dêles;o raciocínio por analogia, em concluir de semelhanças bem estabelecidas entre duas espécies, semelhanças ainda não observadas".O recurso à analogia não é ilimitado. Êle não é admitido:a) - nas leis penais. Restringem estas a liberdade do indivíduoe não se deseja por isso que o juiz acrescente outras

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limitaçõesalém das previstas pelo legislador. Em matéria penal, cabe aanalogia apenas quando beneficia a defesa; b) - nas leis excepcionais. Os casos não previstos pelas normas de exceção sãodisciplinados pelas de caráter geral, inexistindo, pois, motivo quejustificaria o apêlo à analogia (que pressupõe não esteja contemplado em lei alguma o caso a decidir). Como adverte LOMONACO no tema das exceções não se pode admitir o procederad similia, a interpretação analógica. Este é um dos princípiosfundamentais da hermenêutica jurídica; c) - nas leis fiscais.Dentre outros, porém, podemos apontar os seguintes casosde elaboração analógica: a) - ampliação de Lei n.o 2.681, de7-12-1912 a outras emprêsas de transporte, que não estradas deferro, é feita mediante o recurso interpretativo da analogia; b)- à doação aplica-se, por analogia, o princípio que manda prevalecer, na interpretação de cláusula testamentária, a que melhorassegure a vontade do testador; c) - o art. 327 do CódigoCivil, que autoriza o juiz, em casos graves, a alterar as disposiçõeslegais sôbre guarda de filhos menores, quando dissolvida a sociedade conjugal, se aplica analôgicamente à tutela, podendo assimo magistrado modificar a ordem de precedência estabelecida emlei para nomeação do tutor; d) - a obrigação de restituira coisa locada pode converter-se em perdas e danos, aplicando-se,também por analogia, o disposto no art. 903 do Código de Processo Civil 10; e) - negada a homologação do penhor legal,opera-se a restituição das partes ao statuo quo ante. Cabe, poranalogia, aplicar-se o estatuto no art. 883, n.o II, do estatutoprocessual, para apuração dos danos decorrentes; f) - tratando-se de usufruto de que são titulares cônjuges desquitados,é razoável se aplique a regra do art. 640 do Código Civil, dadaa semelhança de situação com o condomínio; g) - o devedor

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do testador é inapto para exercer a testamentaria, aplicando-se,ainda por analogia, o disposto no art. 413, n.o II, da lei civil;h) - finalmente, a regra do art. 11 do Código Civil sôbre comoriência verificada na mesma ocasião, aplica-se, por interpretaçãoanalógica, ao caso de eventos ocorridos em países diversos, sendoimpossível fixar-se a precedência da morte.Por outras palavras, o cônjuge que administrar, sem oposição dooutro, presumir-se-á mandatário comum, a exemplo do que sucede com ocondômino.

Princípios gerais de direito: - Nada existe de mais tormentoso para o intérprete que a explicação dos princípios gerais dedireito, não especificados pelo legislador.Várias correntes podem ser mencionadas a respeito: a)- para uns, são êles constituídos pelo direito comum dos séculospassados; b) - para outros, é o direito romano puro; c) para outros ainda, é o direito natural; d) - são os constantesensinamentos da jurisprudência; e) - desumem-se do ordenamento jurídico do Estado; f) - é a eqüidade, nos seus diferentessentidos.No dizer de CLÓvIS, êles são os elementos fundamentais dacultura jurídica humana em nossos dias, enquanto para COVIELLOsão os pressupostos lógicos e necessários das diversas normaslegislativas.Embora não estejam estampados em textos expressos, taisprincípios existem. Não são êles criados pela jurisprudência. Seuenunciado, diz BOULANGER é a manifestação do próprio espíritode uma legislação.Se lançarmos nossas vistas sôbre o direito de família, verificaremos que seus princípios gerais visam ao refôrço do núcleofamiliar, pois a família é a base fundamental da sociedade. No

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direito das obrigações, êles resguardam o princípio da iniciativaindividual, enquanto no direito das sucessões, atribuirão prevalência ao interêsse familiar e social sôbre o do indivíduo.Dentre outros, podem ser mencionados os seguintes princípios gerais de direito: a) - ninguém pode transferir mais direitos do que tem; b) - ninguém deve ser condenado sem serouvido; c) - ninguém pode invocar a própria malícia; d) quem exercita o próprio direito não prejudica a ninguém; e) pacta sunt servanda; f) - quod initio vitiosum. est non potesttractu temporis convalescere.A analogia e os princípios gerais de direito, ao lado doscostumes, constituem, portanto, os elementos de que se socorreo juiz para suprir as lacunas encontradas na lei.Saliente-se, todavia, que, para muitos juristas essas lacunasnão existem, nem verdadeiramente podem existir, porquanto oordenamento jurídico oferece recursos para regular todos os casospossíveis, previstos e imprevistos, presentes e futuros.Mas, não se pode pôr em dúvida que as lacunas verdadeiramente existem no direito positivo. Elas saltam aos olhos a cadapasso; não merece, pois, acolhida o segundo entendimento. Conquanto na lei se deparem elementos para supri-las, o certo é queêstes constituem o remédio, que de fato cura, porém, não eliminaa doença.

Eqüidade: - Eis aí a mais nítida manifestação do idealismo jurídico. Mais sentida do que definida (COGLIOLO), personifica sinteticamente a justiça do caso concreto, a humanidadeno direito (BUTERA). Ela corresponde ao que os romanos chamavam benignitas, humanitas.Através dela, suaviza o juiz o rigor da norma abstrata, tendoem vista as circunstâncias peculiares do caso concreto. Comefeito, como ensina TORRENTE, a norma é expedida para disciplinar determinada situação-tipo. Em certos casos, pode acontecer que sua aplicação dê lugar a conseqüências que se choquem

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com o nosso sentimento de justiça. Assim sucede quando, nocaso concreto, ocorre alguma circunstância que o legislador nãochegara a prever, ou de que não se dera conta, ao expedir ocomando legislativo. Surge então a oportunidade para intervenção da eqüidade e, por seu intermédio, o julgador tempera a severidade da norma.No direito romano, duplo era o seu aspecto, aequitas naturalis e aequitas civilis. A primeira encarnava a justiça ideal,que determina as modificações, inovações e temperamentos aodireito em vigor, e que por isso, aspirava a converter-se em direito. A segunda partia da primeira, achava-se impregnada aopróprio direito, sendo destarte direito vigente. Aliás, no direito romano, já subsistia a célebre frase ciceroniana: summumjus summa injuria.Contudo, não é sempre que o magistrado pode se socorrerda eqüidade, que, modernamente, está no próprio direito e nãofora dêle. Ele só pode fazê-lo quando expressamente autorizado pelo legislador. Nesse caso, "quando autorizado a decidirpor eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fôsselegislador" (Cód. Proc. Civil, art. 114). Em tal hipótese, é ojuiz quem revela o direito, funcionando como se fôra verdadeirolegislador.Sem autorização legal explícita, porém, não pode o julgador,motu proprio, servir-se da inspiração social da eqüidade; se êlese ativesse às suas concessões pessoais, teria consagrado a eqüidade cerebrina, merecedora de tantas censuras, por ser "a indumentária vistosa com que o arbítrio se disfarça nos pretórios" 23,Recorda ASCARELLI , que o bom juiz, como todo bom tirano, permanece um tirano.Em vários textos, o legislador renuncia à enunciação do preceito abstrato e remete o juiz à eqüidade. LACERDA DE ALMEIDAcensurou o Código Civil por não haver empregado, uma vez sequer, a palavra eqüidade. Todavia, em verdade, pelo menos duasvêzes, nos arts. 1.040, n.o IV, e 1.456, o vocábulo foi

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usado.O Decreto 24.150, de 20-4-1934, art. 16, permite igualmente a invocação à eqüidade: "o juiz apreciará, para proferira sentença, além das regras de direito, os princípios de eqüidade,tendo sobretudo, em vista, as circunstâncias especiais de cadacaso concreto para o que poderá converter o julgamento em diligência, a fim de melhor se elucidar".A Consolidação das Leis do Trabalho, art. 8.o, também autoriza o juiz a decidir por eqüidade. Da mesma forma, a Lein.o 4.214, de 2-5-1963 (Estatuto do Trabalhador Rural). Mas pode ela ser invocada não só nos pretórios, perante autoridades judiciárias, como igualmente nas repartições públicas, perante autoridades administrativas.Sirvam de ilustração as hipóteses seguintes: a) - Decreto-lei n.o 466, de 4-6-1938, art. 54; b) - Decreto-lei n.o 7.404,de 22-3-1945, art. 176; c) - Decreto n.o 45.421, de 12-2-1959, art.104; d) - Decreto n 45.422 de 12-2-1959, art. 332; e) - Lei n.o4.214 de 2-3-1963, art. 9 .o) - Decreto n.o 53.154, de 10-12-1963,art. 69.A jurisprudência tem assentado a seguinte orientação: a) diante de texto expresso, descabe invocação à eqüidade; b) a eqüidade, como ideal ético de justiça, deve entrar na formaçãomesma da lei. Não pode, porém, o juiz modificar a lei sob côrde a humanizar e inspirar-lhe os influxos da eqüidade. Só estáautorizado a decidir por eqüidade na ausência de lei; c) - aeqüidade recomenda-se quando o texto legal não propicia claraexegese; mas ela não pode ser invocada para inutilizar e revogarpreceito claro de lei, ou condições e normas livremente aceitaspelas partes; d) - a eqüidade não pode ser invocada para enfrentar exigências quer ditadas por necessidades da vida coletiva,quer estabelecidas pelos interêsses superiores do Estado, expressamente consignadas pelo mandamento legal.

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CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. UTILIDADE DAS CODIFICAÇÕES. ELABORAÇÃO DO NOSSO CÓDIGO EPRIMEIROS PROJETOS. PROJETO DE CLÓVIS ESUA TRANSFORMAÇÃO EM LEI. CONTEÚDO ECLASSIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL.

Utilidade das codificações: - Sérias as divergências doutrinárias acêrca dessa questão de alta filosofia legislativa. Discute-se realmente qual o sistema preferível: deixar que o direitonacional se desenvolva livremente, através de leis esparsas, namedida das exigências sociais, ou reuni-lo desde logo num complexo Volumoso de normas, contendo tôdas as instituições úteisao país.De um lado, é conhecida a posição da Escola Histórica:"sendo os códigos sínteses sistemáticas de leis, gozam de maiorestabilidade, cujo preço consiste em entravar e conter durantemaior lapso de tempo o curso natural da evolução jurídica".Afirmava mesmo SAVIGNY que os códigos são fossilizações dodireito, constituem algo de morto, que impede o desenvolvimentoulterior. O direito vive pela prática e pelo costume, expressãoimediata da consciência jurídica popular.Também GABBA foi adversário das codificações, asseverandoque estas facilitam a missão e as pretensões dos medíocres, quese julgam dispensados de maiores indagações e da visão do conjunto, substituindo-as pelo culto da palavra e da letra. Assinalam períodos de decadência, de esterilização do direito civil edos estudos correspondentes.Reconheceu GABBA, entretanto, a necessidade das codificaçõespara educar a vida civil dos povos bárbaros, aplaudindo, porisso, o Decálogo, a Lei das Doze Tábuas e a legislação de JusTINIANO.Além disso, a codificação ou fixação do direito de um povotem a virtude de unificar o direito e consolidar por êsse meio aunidade política da nação. Animados por idêntico propósitoJÚLIO CÉSAR e CROMWELL pensaram em realizá-la, mas, por faltade tempo, não puderam executá-la.

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Incontrastável é, de fato, a vantagem de uma boa codificação.Veja-se, por exemplo, o Código Napoleão. Apesar de promulgado em 1804, ainda continua em vigor na sua maior parte, regulando a vida jurídica de um dos povos mais altamente civilizados do mundo, chegando a vigorar em vários outros países etendo exercido considerável influência na elaboração do direitopositivo moderno.Dêle orgulhava-se NAPOLEÃO, que, no exílio em Santa Helena,via na sua promulgação maior honra para si que as quarentabatalhas que havia vencido.Sem dúvida, rudes golpes êle sofreu. Ao ser expedido, foirecebido com êstes epítetos: "Código imortal", "resumo da moraluniversal", "arca santa digna de um respeito religioso e destinada a guardar o direito para o futuro", "carta imperecível dosdireitos civis, servindo de regra à França e de modêlo ao mundo".Com o tempo, porém, descobriram-se-lhe as imperfeições.Veio então a reação: - "legislação atrasada", "contra-revoluçãoinstalada no coração da sociedade civil". No Congresso de Viena,chegou Lord CASTLEREAGH a dizer estas palavras: - "é inútildestruir a França, seu Código Civil encarregar-se-á disso".Apesar dos ataques êle continua de pé, resistindo à ação dotempo, numa verdadeira consagração do espírito jurídico francês,embora tendo de sofrer, como seria natural, as indispensáveisadaptações. Não parece que o mesmo haja entravado o progressodo direito nesse país.Afirmou SALEILLES que toda legislação codificada atende àsexigências da vida social exclusivamente no instante em que éestabelecida. Mas, perde a objeção qualquer valor desde que seesteja pronto a emendar o código, uma vez evidenciada sua necessidade. A fixação do direito num código só se torna prejudicial quando êste é injustificadamente recoberto com o manto daintangibilidade.

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Elaboração do Código Civil brasileiro e primeiros projetos:- Quando em 1822 obteve o Brasil sua emancipação política,era êle regido pelas antiquadas Ordenações do Reino, expedidasem 1603 por FILIPE I, embora alteradas por inúmeras leis e decretos extravagantes.Com a ruptura dos vínculos, cogitou-se desde logo da elaboração de um Código Civil, aspiração da consciência jurídica nacional, que viesse cimentar a união das províncias e consolidara unidade política do país.Êsse anseio generálizado por uma legislação própria estavapresente quando o govêrno imperial expediu a lei de 20-10-1823,mandando vigorar em todo o território nacional as Ordenações,leis e decretos de Portugal, enquantO se não organizasse um nôvoCódigo.A Constituição de 25-3-1824 referiu-se expressamente à organização de um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas basesda justiça e da eqüidade (art. 179, n.o 18).As primeiras tentativas no sentido de fixar-se o direito pátrio foram devidas a CARVALHO MOREIRA, que, em 1845, apresentouestudo sôbre a revisão geral e codificação das leis civis e deprocesso.Propôs EusÉBIo DE QUEIROZ, igualmente, se adotasse como leicivil pátria o Digesto Português, de CORREIA TELLES, mas a idéiafoi rejeitada.Acreditou-se então que mais fàcilmente se atingiria a metadesejada se se cuidasse de uma prévia consolidação das leis civis.Dêsse ingente trabalho preparatório foi encarregado AUGUSTOTEIXEIRA DE FREITAS em 1855.Em 1858 estava êle concluído e aprovado com louvor. Seriamente empenhado em confeccionar um Código, o Govêrno Imperial, através do Ministro da Justiça, NABUCO DE ARAÚJO, em1859, atribuiu ao mesmo TEIXEIRA DE FREITAS o encargo de preparar o respectivo projeto.Começou então a vir a lume o famoso "Esbôço". Nomeadauma comissão revisora, esta consumiu-se em prolongadas e estéreis

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discussões, que desgostaram o autor do projeto. Por fim, suspenderam-se-lhe os trabalhos e assim malogrou a tentativa de TEIXEIRADE FREITAS, apontado por CLóvIs, como "o nosso maior jurisconsulto, pela vastidão de seus conhecimentos especiais, pela originalidade de suas concepções, pela segurança de seu raciocínio".Para que se tenha idéia do merecimento de TEIXEIRA DEFREITAS, tido também por ESPINOLA como a suprema expressãodas letras jurídicas brasileiras, basta se considere que seus trabalhos foram estimados por VÉLEz SÁRSFIELD apenas comparáveisaos de SAVIGNY. Aliás, foram êles, em grande parte, aproveitadosna confecção do Código Civil argentino, cujo ramo mais deficiente, o direito das sucessões, não pôde contar com a inspiraçãodo genial jurisconsulto.Rescindido o contrato com TEIXEIRA DE FREITAS, incumbiu-seo próprio NABUcO DE ARAÚJO da apresentação do nôvo projeto.Colhido pela morte, NABUCO não pôde levar a cabo a árdua missão.A terceira tentativa coube a um jurisconsulto mineiro, JOAQUIM FELÍcIO DOS SANTOS. Sua obra, denominada "Apontamentos", mais tarde refundida, foi apresentada em 1881, tendo recebido parecer desfavorável da comissão nomeada para examiná-la.Essa mesma comissão, composta de LAFAYETTE RODRIGUESPEREIRA, ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS, FRANCISCO JUSTINO GONÇALVESDE ANDRADE, ANTÔNIO COELHO RODRIGUES e ANTÔNIO FERREIRAVIANA, bem como do próprio FELÍCIO DOS SANTOS, foi incumbidade tentar novamente a codificação projetada. Mas a comissãodesfalcou-se de elementos prestigiosos e logo se dissolveu.Em 1889, às vésperas da República, outra comissão foi nomeada, constituída por JosÉ DA SILVA COSTA, OLEGÁRIO DE AQUINOE CASTRO, AFONSO MOREIRA PENA, SOUZA DANTAS, COELHO RoDRIGUES e CÂNDIDO DE OLIVEIRA. Mas, a proclamação da República fêz com que se suspendessem suas atividades, embora sehouvesse trabalhado bastante.A República volveu aos trabalhos individuais. COELHO RoDRIGUES foi o escolhido para o encargo. Seu projeto, conquantorevelasse o grande saber jurídico de seu auto , não obteve asboas graças do legislativo, onde não teve andamento. No

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entanto,tratava-se de trabalho de incontestável merecimento, em condiçõesde se converter em lei.

Projeto de Clóvis e sua transformação em lei: - Chegou-seassim à derradeira iniciativa que se coroou de sucesso, mas depoisde luta áspera e intensa.De fato, na presidência CAMPOS SALES, o Ministro da Justiça, EPITÁcIO PESSOA, convidou seu antigo colega de congregaçãoda Faculdade de Direito do Recife, CLÓVIS BEVILÁQUA, com arecomendação de aproveitar, tanto quanto possível, o projetoCOELHO RODRIGUES.Aceito o convite, transferiu-se CLÓVIS para o Rio de Janeiro,iniciando desde logo a pesada tarefa, de que se desincumbiu empouco mais de seis meses.Maus foram os augúrios que antecederam ao aparecimentodo projeto. Assim, previa Rui BARBOSA obra tôsca, indigesta,aleijada. Igualmente INGLÊS DE SOUSA se mostrava adversárioe nessa linha de combate ambos se mantiveram firmes até o fim.Recebendo o projeto primitivo, o govêrno nomeou comissãorevisora, que se constituiu de AQuINO E CASTRO, BULHÕES DE CARVALHO, LACERDA DE ALMEIDA, Conselheiro BARRADAS e FREIRE DECARVALHO, sob a presidência do próprio Ministro da Justiça.Depois de revisto, com a introdução de numerosas inovações,o projeto foi apresentado ao Presidente da República, que o remeteu ao Congresso Nacional, mediante mensagem de 17 de novembro de 1900.Na Câmara dos Deputados, onde primeiro foi discutido,sofreu êle meticuloso exame por parte dos vinte e um representantes das diversas bancadas, sob a presidência de J. J. SEABRA,surgindo então o chamado projeto da comissão, aprovado pelaCâmara em sessão de 13-3-1902.Enviado sem demora ao Senado, ali o aguardava longo parecer de Rui BARBOSA, restrito quase exclusivamente à redação.Procurando esclarecer o motivo pelo qual RUI se restringiu, emsua crítica, à forma e não ao fundo, o Prof. SANTIAGO DANTASchega à conclusão de que, opositor irredutível da iniciativa governamental, não abalaria o prestígio do

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projeto, a não ser perante número limitado de entendidos, se se ativesse apenas aosseus fundamentos jurídicos; atacando-o, porém, sob a forma literária, numa fase propícia das letras pátrias, era por certo condená-lo à frustração.Em verdade, quase triunfa a emprêsa demolitória. O projeto sofreu longos anos de estagnação no Senado. Depois devárias vicissitudes, volta finalmente à Câmara com 1.736 emendas,quase tôdas de redação. Aprovado, converte-se em lei (n.o 3.071,de 1-1-1916), para entrar em vigor a 1.o de janeiro de 1917, comnovas alterações, introduzidas pela Lei n.o 3.725, de 15-1-1919.Trata-se, inquestionàvelmente, de um Código rigorosamentecientífico, cujo aparecimento foi saudado com os maiores louvores.Assim, por exemplo, dizem ARMINJON-NOLDE-WOLFF que oCódigo Civil brasileiro, em primeiro lugar, chama a atenção pelaclareza e precisão. Em segundo lugar, avulta sua brevidade,explicada por excelente técnica jurídica.SCIALOJA, referindo-se ao nosso Código, diz tratar-se de belíssima lei e que os próprios países europeus fariam bem, tendo-aem conta em suas faturas obras legislativas.Por fim, ANIBAL DELMÂS, Ministro da Justiça do Paraguai,assevera que "seu aparecimento assinala nova etapa no progressojurídico do continente, sentindo-se a América envaidecida e orgulhosa de que no seu solo pudesse ter sido produzida obra tãofamosa quão admirável. Como o Corcovado majestoso, o CódigoCivil é um monumento imperecível que brilha com luz própriano mundo inteiro".Entretanto, fôrça é convir, em diversos pontos, peca êsseCódigo, ou por ter disciplinado institutos em franca decadência,como o pacto de melhor comprador e a hipoteca judicial, ou pornão ter tido a intuição de contemplar relações jurídicas em germinação, como o condomínio em edifícios de apartamentos e opacto de reserva de domínio nos contratos de compra e venda.Mas, suas inúmeras qualidades superam e compensam, comvantagem, o reduzido número de defeitos. A obra é sólida e

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resistirá à ação do tempo. Cuida o Govêrno, todavia, de atualizara lei civil pátria. Dessa tarefa incumbido foi o Prof. ORLANDOCOMES, que, aos 31 de março de 1963, apresentou ao Ministroda Justiça o respectivo anteprojeto, ora em fase de estudos ediscussões.

Conteúdo e classificação do direito civil: - Todo Código supõe um plano, isto é, a distribuição sistemática e ordenada dasdiferentes partes de que se compõe. Primacial requisito de umaboa codificação é a ordem metódica na classificação das matérias.Vários métodos têm sido preconizados para essa classificação.O mais antigo é o historico-tradicional de GAIO, a figura maisenigmática que a jurisprudência romana apresenta. Encontra-se formulado no Digesto: omne jus quo utimur, vel ad personas pertinet, vel ad res, vel ad actiones.O direito civil compreenderia, portanto, as regras jurídicasreferentes às pessoas, às coisas e às ações. É a distribuição feitapelo Código Napoleão (pessoas, bens e várias maneiras pelasquais se adquire a propriedade).Todavia, na própria França não mais se observa essa ordemno ensino do direito civil, preferindo-se sistematização mais compreensiva e científica. Realmente, aquela distribuição é vaga,produzindo a aliança do direito de família com o direito das obrigações, dado o caráter pessoal de ambos. Entretanto, um tempor objeto relações patrimoniais, enquanto o outro se funda emrelações puramente pessoais e de ordem moral.Em segundo lugar, pode ser mencionado o processo de LEIBINIZ,fundado nas causas yeradoras. O filósofo de Leipzig buscou adiferenciação dos direitos na diversidade das causas que os fazemnascer, extinguir. Essas causas são cinco: natureza, convenção, posse, sucessão e delito.Contudo, não é satisfatória essa discriminação. O mesmo direito pode ter causas diversas. O usufruto, por exemplo,

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podeadvir da lei, da convenção e do testamento. Por outro lado, diversos direitos podem nascer do mesmo fato. Por exemplo, aobrigação de indenizar e a de prestar hipoteca legal resultam dodelito.Ato contínuo, merece ainda ser indicada a classificação deduzida da natureza dos direitos: pessoais e reais. É o critérioproposto por TEIXEIRA DE FREITAS. Como diz LAFAYETTE, anoção é exata, todo direito é pessoal ou real. Mas, estabelecidasas duas grandes divisões, como fazer as subdivisões? Como sevê, desloca-se e não se resolve a dificuldade.Além disso, há instituições de direito civil, como o direitodas sucessões, que não se acomodam em nenhuma das duas categorias, pois a sucessão abrange simultâneamente direitos reais epessoais.Temos, por fim, o método científico-racional, preconizado porSAVIGNY e adotado pelo Código Civil alemão. Compreende êleuma Parte Geral e uma Parte Especial. Na primeira, são contempladas as pessoas, as coisas, os atos jurídicos e as disposiçõessobre prescrição e exercício dos direitos. Na segunda, são incluídos o direito das obrigações, o direito das coisas, o direito defamília e o direito das sucessões. Como diz LAFAYETTE, presta-Seessa classificação a clara exposição das matérias, primeiro merecimento das classificações.Êsse igualmente o método adotado pelo legislador brasileiro,que preferiu apenas dar à Parte Geral outra disposição (pessoas,bens e fatos jurídicos), invertendo também a ordem das matériasna Parte Especial (direito de família, direito das coisas, direitodas obrigações e direito das sucessões). A nosso ver, com maistécnica que o Código alemão, pois, é natural que, antes de seestudarem os demais direitos, como os reais e os obrigacionais,se examinem os de família, em que se contemplam os mais importantes institutos jurídicos e morais, relacionados com

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a família, célula principal da sociedade.Diversas críticas são feitas à compreensão de uma Parte Gerale uma Parte Especial. Diz-se, por exemplo, que a existência deambas constitui excesso de técnica. Criação dos pandectistas alemães, em virtude de um contraste entre o direito subjetivo e odireito objetivo, a Parte Geral está em desfavor e hoje se pugnapela sua supressão.Afirma-se ainda que o Capitulo concernente aos fatos jurídicos interessa mais ao direito das obrigações, sendo raros seusreflexos nos demais ramos do direito civil. Não se justificariaassim sua permanência na Parte Geral.Assevera-se, por fim, que esta encerra princípios meramenteacadêmicos, elementos heterogêneos ou abstrações inúteis, que poderiam ser perfeitamente dispensados, sem nenhum prejuízo parao Código. Tem-se por isso sustentado que as futuras codificaçõesde direito privado não mais precisarão de Parte Geral.Entre nós, HAHNEMANN GUIMARÃES bateu-se pela sua supressão ao discutir-se o primeiro anteprojeto de Código das Obrigações, o mesmo acontecendo com ORLANDO GOMES, em seu trabalho, acima referido. Mas, a seu favor deve ser dito que a comissão de juristas, encarregada da reforma do Código Civilfrancês, manifestou-se pela existência de uma Parte Geral.Não obstante aquelas idéias, a subsistência da Parte Geralé um fato e apresenta incontestável utilidade. Nela são dispostostodos os princípios e regras de aplicação comuns a qualquer relação jurídica.No seu conteúdo encontramos, além de uma disposição preliminar (art. 1.o) regras gerais sôbre pessoas, como sujeitos dedireitos, sôbre bens, como objeto do direito, e sôbre fatos jurídicos, como causas geradoras ou extintoras dos direitos.No tocante às pessoas, são contempladas as duas espécies,natural (arts. 2.o a 22) e jurídica (arts. 13 a 30), com o correlatoproblema do domicílio (arts. 31 a 42).Referentemente aos bens, refere-se a Parte Geral, sucessivamente, às diversas categorias: imóveis (arts. 43 a

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46) e móveis(arts. 47 a 49), coisas fungíveis e infungíveis (art. 50), consumíveis e inconsumíveis (art. 51), divisíveis e indivisíveis (arts. 52e 53), singulares e coletivas (arts. 54 a 57), bens reciprocamenteconsiderados (arts. 58 a 64), públicos e particulares (arts. 65 a68), coisas que estão fora do comércio (art. 69) e bem de família(arts. 70 a 73).Por fim, quanto aos fatos jurídicos, a Parte Geral depois demencionar as disposições preliminares (arts. 74 a 80), desdobra-seem três Títulos, o primeiro reservado aos atos jurídicos, o segundo,aos atos ilícitos (arts. 159 e 160) e o terceiro, à prescrição.O primeiro, por sua vez, subdivide-se em cinco Capítulos:- I) - disposições gerais (arts. 81 a 85) ; II) - defeitos dosatos jurídicos (êrro ou ignorância - arts. 86 a 91 -, dolo arts. 92 a 97 -, coação - arts. 98 a 101 -, simulação - arts.102 a 105 -, e fraude contra credores - arts. 106 a 113);III) - modalidades dos atos jurídicos (arts. 114 a 128); IV)- forma e prova dos atos jurídicos (arts. 129 a 144); V) nulidades (arts. 145 a 158).O terceiro também se desdobra em quatro Capítulos: - I)- disposições gerais (arts. 161 a 167); II) - causas que impedem ou suspendem a prescrição (arts. 168 a 171); III) causas que interrompem a prescrição (arts. 172 a 176) ; IV) prazos prescritivos (arts. 177 a 179).Na Parte Especial, o direito civil é classificado por instituições. Examinando-o no conjunto, verificamos que suas relaçõesjurídicas se repartem em dois grandes grupos: a) - relaçõesdos homens entre si; b) - podêres imediatos dos homens sôbreas coisas.As primeiras têm ou não caráter patrimonial. No primeirocaso, temos o direito das obrigações e no segundo, o direito defamília. O complexo dos segundos constitui os direitos reais.Se dentre êstes a transferência se opera mortis causa, temos odireito das sucessões; se a transferência se processa inter

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vivos,temos o direito das coisas. Não se perca de vista, no entanto,como já se salientou, que a sucessão abrange igualmente direitospessoais.A Parte Especial distribui-se destarte em quatro Livros. OLivro 1 é o direito de família (arts. 180 a 484); o Livro II éreservado ao direito das coisas (arts. 485 a 862); o Livro III,ao direito das obrigações (arts. 863 a 1.571) e, finalmente, oLivro IV, ao direito das sucessões (arts. 1.572 a 1.805).Termina o Código por duas disposições finais: a) - naprimeira, de caráter transitório, prescreve-se que êle entrará emvigor no dia 12 de janeiro de 1917; b) - na segunda, são revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usose Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladaspelo Código (arts. 1.806 e 1.807).Nossa lei civil é, portanto, das mais concisas; seus 1.807artigos estão em flagrante contraste com os 4.051 artigos do Código Civil argentino, o que constitui, nessa matéria, cifra recorde.Para rematar, falta frisar ainda que na disposição preliminar(art. 1.o), edita o Código que êle regula os direitos e obrigaçõesde ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suasrelações.Com êsse dispositivo não quis a lei civil impor a unificaçãodo direito privado, embora tenha dito que pelo Código seriam regulados direitos e obrigações de ordem privada. O legisladorpretendeu sublinhar apenas o objetivo próprio do direito civil(relações de caráter particular), com exclusão de qualquer normade direito público.O direito das obrigações não integra o anteprojeto de Código Civil do Prof.ORLANDO GOMES, pois, de acôrdo com a iniciativa governamental, haverá um Códigode Obrigações.

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DAS PESSOAS. PESSOA NATURAL. COMEÇO DAPERSONALIDADE NATURAL. CAPACIDADE DE DIREITO E DE FATO. PESSOAS ABSOLUTAMENTEINCAPAZES. PESSOAS RELATIVAMENTE INCAPAZES. EMANCIPAÇÃO. FIM DA PERSONALIDADENATURAL. ATOS DO REGISTRO CIVIL.

Das pessoas: - O Livro I da Parte Geral dispõe a respeitodas pessoas, como sujeitos de direitos. Realmente, como se frisou, no sentido subjetivo, direito é a faculdade ou o poder deagir conferido a um sujeito ou titular. O primeiro elemento queaparece, portanto, na relação jurídica é o sujeito ou a pessoa,sem o qual ou sem a qual não pode existir o direito. De fato,inadmissível é a existência de faculdade ou poder sem sujeito.Arredada deve ser a concepção que aceita a possibilidade de direitos sem os respectivos titulares.A palavra pessoa advém do latim persona, emprestada à linguagem teatral na antiguidade romana. Primitivamente, significava máscara. Os atores adaptavam ao rosto uma máscara,provida de disposição especial, destinada a dar eco às suas palavras. Personare queria dizer, pois, ecoar, fazer ressoar. A máscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz de uma pessoa.Por curiosa transformação no sentido, o vocábulo passou asignificar o papel que cada ator representava e, mais tarde, exprimiu a atuação de cada indivíduo no cenário jurídico. Porfim, completando a evolução, a palavra passou a expressar opróprio indivíduo que representa êsses papéis. Nesse sentido éque a empregamos atualmente.A palavra em questão pode ser tomada em três acepções diferentes: vulgar, filosófica e jurídica.Na acepção vulgar, pessoa é sinônima de ente humano. Essaacepção não se adapta à técnica jurídica. Efetivamente, há instituições que têm direitos e por isso são reconhecidas como pessoas e, no entanto, não são entes humanos (as pessoas jurídicas).Por outro lado, já existiram entes humanos que não foram pessoas

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(os escravos).Na acepção filosófica, pessoa é o ente que realiza seu fimmoral e emprega sua atividade de modo consciente. Nesse sentido, pessoa é o homem, ou qualquer coletividade, que preenchaaquelas condições.Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. Nesse sentido, pessoa é sinônimade sujeito de direito ou sujeito da relação jurídica. No direitomoderno, todo ser humano é pessoa no sentido jurídico. Mas,além dos homens, são também dotadas de personalidade certasorganizações ou coletividades, que tendem à consecução de finscomuns.Nessas condições, presente determinado direito, há de existirforçosamente um sujeito, que lhe detenha a titularidade. Essesujeito pode ser o homem, individualmente, ou um agrupamentomais ou menos numeroso de homens, animados ou inspirados porfins e interêsses comuns.Duas são, por conseguinte, as espécies de pessoas reconhecidaspela ordem jurídica: a pessoa natwral também chamada pessoafísica (o homem, ou melhor, o ente humano, o ser humano), e apessoa jurídica, igualmente denominada pessoa moral ou pessoacoletiva (agrupamentos humanos visando a fins de interêssecomum).

Pessoa natural: - Dispõe o Código Civil, no art. 2.o, emforma lapidar: - "Todo homem é capaz de direitos e obrigaçõesna ordem civil".A expressão inicial todo homem compreende indistintamentea unaminidade dos sêres componentes da espécie humana, semdiscriminação de idade, sexo, côr, raça, estado de saúde e nacionalidade. A todos, segundo Cihvis, faculta o Código seu ingresso na cidadela do direito, a todos oferece a tutela da ordemjurídica.Mas o direito é constituído hominum causa, êle não existesenão entre homens ~. Os animais estão excluídos de seu raio de

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ação. Existem, sem dúvida, leis de proteção aos irracionais (Dec.-lei n.o 3.688, de 3-10-1941, art. 64). Através de seus dispositivosestão êles a salvo contra atos de crueldade.Nem por isso, entretanto, se tornam sujeitos de direitos. Comodizem RuGGIERO-MAROI, os animais são tomados em consideraçãoapenas para fins sociais, pela necessidade de se elevar o sentimento humano, evitando-se o espetáculo degradante de perversabrutalidade. Nem se pode dizer igualmente que os animais tenham semidireitos ou sejam semipessoas, como quer PAUL JANET.Por outro lado, porém, na história do direito, houve sêreshumanos que não eram sujeitos de direitos: os escravos e os estrangeiros. Os primeiros eram equiparados às coisas. Mas a filosofia estóica e o cristianismo foram abrandando essa concepçãoe modernamente desapareceu a escravatura do mundo civilizadocontemporâneo.Análoga evolução verificou-se com os estrangeiros, aos quais,de início, também se negava personalidade. Logo se manifestoua tendência para suavizar seu tratamento jurídico, estimuladaaliás pela necessidade das trocas econômicas. Atualmente, de ummodo geral, predomina a idéia da paridade com os nacionais, comexclusão dos direitos políticos e de alguns direitos de índole civil.Referentemente aos apátridas, que não pertencem a Estadoalgum, por terem perdido a nacionalidade de origem, mantêmêles a qualidade de sujeitos de direitos, como decorrência desua natureza humana.Afirmamos que o direito é relação que se estabelece exclusivamente de homem para homem. Não é possível, portanto, firmá-lo referentemente a coisas ou bens. Deve ser assim afastadaa construção jurídica que vislumbra na relação obrigacional umvínculo entre dois patrimônios. Trata-se, como asseveram PLANIOL-RIPERT, de manifesto exagêro de abstração jurídica. O direito rege relações de homens entre si.Por fim, escapam igualmente à conceituaçãO de pessoa, como

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sujeito de direitos, as entidades místicas ou metafísicas, comoalmas e santos. Assim, nula será, evidentemente, a nomeação dealma ou de algum santo por herdeiro ou legatário.Prossegue o art. 2.o dizendo que todo homem é capaz de direitos e obrigações. Surge assim a noção de capacidade, que seentrosa com a de personalidade e a de pessoa.Com efeito, os diversos elementos da primeira constituem asegunda, que se concretiza ou se realiza na terceira. Capacidadeé a aptidão para adquirir direitos e exercer, por si ou por outrem,atos da vida civil. O conjunto dêsses podêres constitui a personalidade, que, localizando-se ou concretizado-se num ente, formaa pessoa.Assim, capacidade é elemento da personalidade. Esta, projetando-se no campo do direito, é expressa pela idéia de pessoa,ente capaz de direitos e obrigações.Capacidade exprime podêres ou faculdades; personalidade éa resultante dêsses podêres; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga êsses podêres.

Comêço da personalidade natural: - A personalidade civildo homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvodesde a concepção os direitos do nascituro (art. 4.o).Diversificam as legislações contemporâneas quanto a êsse têrmo inicial. Reportam-se umas ao fato do nascimento, como oCódigo alemão (art. 1.o), o português (art. 6.o) e o italiano(art. 1.o). Outras, porém, tomam a concepção, isto é, o princípioda vida intra-uterina, como marco inicial da personalidade. É osistema do Código argentino (art. 70) e do Código Civil húngaro(seção 9). Terceira corrente acolhe solução eclética: se a criança nasce com vida sua capacidade remontará à concepção (Cód.Civil francês). O direito romano se atinha à regra de PAULO:- nasciturus pro jam nato habetur, si de ejus commodo agitur.

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É o sistema do Código holandês (art. 3.o).Adotou o nosso legislador a primeira solução: a personalidade começa do nascimento com vida; nem por isso, entretanto,são descurados os direitos do nascituro.Para que ocorra o fato do nascimento, ponto de partida dapersonalidade, preciso será que a criança se separe completamentedo ventre materno. Ainda não terá nascido enquanto a êste permanecer ligado pelo cordão umbelical. Não importa que o partotenha sido natural, ou haja exigido intervenção cirúrgica. Nãoimporta, outrossim, tenha sido a termo ou fora de tempo.Não basta, contudo, o simples fato do nascimento. É necessário ainda que o recém-nascido haja dado sinais inequívocos devida, como vagidos e movimentos próprios. Também a respiração,evidenciada pela docimasia hidrostática de GALENO, constitui sinalconcludente de que a criança nasceu com vida.Requer a lei, portanto, dê o infante sinais inequívocos devida, após o nascimento, para que se lhe reconheça personalidadecivil e se torne sujeito de direitos, embora venha a falecer instantes depois.Como desde logo se percebe, é de suma importância tal indagação, de que podem resultar importantíssimas conseqüênciaspráticas. Se a criança nasce morta, não chega a adquirir personalidade, não recebe nem transmite direitos. Se nasce com vida,ainda que efêmera, recobre-se de personalidade, adquire e transfere direitos.A lei civil pátria afastou as questões relativas à viabilidadee forma humana. Se a criança nasceu com vida, tornou-se sujeitode direitos, ainda que a ciência a condene à morte pela precariedade de sua conformação. Viável ou não, o infante reveste-se depersonalidade. Alguns Códigos, todavia, apegam-se ainda à viabilidade (vitae habilis), como o Código Civil espanhol (art. 30),que fixa um prazo de vinte e quatro horas para que o recém-nascido venha a adquirir personalidade.

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Não se requer, por igual, a figura humana, exigida pelo Código Civil português. Perante o nosso Código, qualquer criaturaque provenha de mulher é ente humano, sejam quais forem asanomalias e deformidades que apresente, como o monstrum velprodigium do direito romano. Ao inverso, não é ser humano,para o efeito de se investir nos direitos conferidos pela legislaçãocivil, criatura que não promane de mulher, ainda que dotada decaracterísticas humanas, como a imaginada por VERCORS, no seulivro Os Confins do Homem.Conquanto comece do nascimento com vida a personalidadecivil do homem, põe a lei a salvo, desde a concepção, os direitosdo nascituro.Baseia-se essa prova no princípio de que o feto, depois de haver respirado,tem os pulmões cheios de ar. Assim, imersos em água, es sobrenadam, o que nãosucede com os pulmões que não respiraram.Em numerosos textos, o legislador volta sua atenção paraaquêle que apenas foi concebido (Cód. Civil, arts. 353, 357, §único, 372, 377, 458, 462 e 1.718; Cód. Proc. Civil, arts. 739 a741; Cód. Penal, arts. 124 e 128).Como diz SANTORO-PASSARELLI, por efeito da instituição donascituro, forma-se um centro autônomo de relações jurídicas, aaguardar o nascimento do concebido ou procriado.Discute-se se o nascituro é pessoa virtual, cidadão em germe,homem in spem. Seja qual fôr a conceituação, há para o fetouma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. Alei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuaisdireitos. Mas, para que êstes se adquiram, preciso é ocorra onascimento com vida. Por assim dizer, o nascituro é pessoacondicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida. A estasituação tôda especial chama PLANIOL de antecipação da personalidade.O anteprojeto do Prof. ORLANDO GOMES procura manter a

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mesma orientação: ao nascituro são assegurados os direitos queseu interêsse exija, se nascer com vida (art. 2.o, § único).

Capacidade de direito e de fato: - Capacidade, já o vimos,é a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações e exercer,por si ou por outrem, atos da vida civil.Duas são, portanto, as espécies de capacidade, a de gózo oude direito e a de exercício ou de fato. Esta pressupõe aquela,mas a primeira pode subsistir independentemente da segunda.A capacidade de gôzo ou de direito é ínsita ao ente humano,tôda pessoa normalmente tem essa capacidade; nenhum ser delapode ser privado pelo ordenamento jurídico. Di-lo o Código, demodo enfático, no art. 2.o: todo homem é capaz de direitos eobrigações na ordem civil. E o referido anteprojeto torna a repetir: tôda pessoa tem o gôzo dos direitos civis (art. 1.o).Modernamente, do ponto de vista doutrinário, distingue-se acapacidade de gôzo da chamada legitimação. Conquanto tenhacapacidade de gôzo, a criatura humana pode achar-se inibida depraticar determinado ato jurídico, em virtude de sua posição especial em relação a certos bens, certas pessoas ou certos interêsses.Medite-se no expressivo exemplo ministrado por SERPA LoPES : o proprietário direito de alienar livremente bens(capacidade de gôzo), mas para vendê-los a um dos descendentes,carece do prévio consentimento dos demais - art. 1.132 (legitimação).A legitimação consiste, pois, em saber se uma pessoa, emface de determinada relação jurídica, tem ou não capacidade paraestabelecê-la, num ou noutro sentido. Enquanto a capacidade degôzo é pressuposto meramente subjetivo do negócio jurídico, alegitimação é pressuposto subjetivo-objetivo.A segunda espécie de capacidade é a de exercício ou de fato.É simples aptidão para exercitar direitos. É a faculdade de osfazer valer. Se a capacidade de gôzo é imanente a todo ser humano, a de exercício ou de fato dêste pode ser retirada. O exercício dos direitos pressupõe realmente consciência e

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vontade; porconseguinte, a capacidade de fato subordina-se à existência nohomem dessas duas faculdades.Essa capacidade acha-se assim vinculada a determinados fatores objetivos: idade, sexo e estado de saúde. A incapacidadede exercício ou de fato não suprime a capacidade de gôzo ou dedireito, conatural ao homem, sendo suprida pelo instituto da representação. O incapaz exerce seus direitos através dos respectivos representantes legais (Cód. Civil, art. 84).Observe-se, por fim, a título de curiosidade, a concepção soviética da capacidade civil. Na U. R. S. S., esta é simples concessão, a título precário, do Estado onipotente.

Pessoas absolutamente incapazes: - Preceitua o art. 5.o doCódigo Civil: são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:I. Os menores de 16 anos.II. Os loucos de todo o gênero.III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.IV. Os ausentes, declarados tais por ato do juiz.Em primeiro lugar, são absolutamente incapazes os menoresde 16 anos, de um e de outro sexo. São os impúberes do direitopré-codificado. Considera-os o Código civilmente incapazes, nãoporque privados de aptidão para procriar, como se expressava odireito anterior, mas em razão de seu exíguo desenvolvimentomental, de sua reduzida adaptabilidade à vida social.Em segundo lugar, menciona o Código os loucos de todo ogênero. Todos os comentadores são unânimes em reconhecer aimpropriedade da expressão. Preferível teria sido o uso da palavra alienados, esta sim, compreensiva de todos os casos de insanidade mental, permanente e duradoura, caracterizada por gravesalterações das faculdades psíquicas. Existe, porém, projeto de lei,de autoria do Deputado DJALMA MARINhO, em trânsito pelo Congresso Nacional, propondo a substituição da expressão legal por"alienados e deficientes mentais".Referentemente aos psicopatas, dispõe o Decreto n.o 24.559,de 3-7-1934, art. 26, que os mesmos, assim declarados por

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períciamédica processada em forma regular, são absoluta ou relativamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil.Quanto aos toxicômanos, as restrições oriundas do abuso de bebidas e entorpecentes são fixadas pelo Decreto-lei n.o 891, de25-11-1938.O Código não contemplou os afásicos entre os incapazes, nemhavia razão para fazê-lo, se êles conservam intacta a sua inteligência. Entretanto, se a afasia resulta de perturbação mental,ou vem conexa a algum processo mórbido, então nesse caso poderá o paciente ser interditado, com base no citado art. 5.o, n.o II.Nem os cegos, nem os velhos são feridos de incapacidade.Os primeiros sofrem apenas as limitações previstas no art. 142,n.o II, no art. 1.650, n.o III, e no art. 1.637, todos do Código Civil.Também a senectude, não obstante a frase de TERÊNCIO - senectus ipsa morbus - por si só, não é motivo de incapacidade enem constitui indicação de enfraquecimento mental. Mas diversa será a solução, se se tratar de involução senil, incluída nosquadros da patologia psíquica.Em terceiro lugar, são absolutamente incapazes os surdos-mudos, que não puderam exprimir a sua vontade. A surdo-mudezresulta de lesão aos centros nervosos, aproximando o pacientedos alienados mentais. Todavia, para decidir se o surdo-mudoé ou não incapaz, situa-se o legislador sob o ângulo da possibilidade de externar êle sua vontade. Se, de um modo satisfatório,pode exprimir seu pensamento, é porque possui discernimento;nesse caso, não é incapaz. Se a incapacidade fôr apenas parcial,procederá o juiz de acôrdo com o art. 451 do Código Civil.Por fim, são ainda absolutamente incapazes os ausentes, declarados tais por ato do juiz. Ausente é aquêle que se afastade seu domicílio sem dar notícia do destino tomado. É o quese retira para lugar ignorado, não deixando quem o represente.Protege-o o Código através de medidas acautelatórias previstas

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nos arts. 463 a 484, desdobradas em três fases distintas; curadoriado ausente, sucessão provisória e sucessão definitiva.ORLANDO GOMES, em seu anteprojeto, procura inovar essaparte da nossa lei civil, assim dispondo no art. 6.o: São absolutamente incapazes: I - os menores de quinze anos; II - os que,por enfermidade mental ou fraqueza de espírito, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil e os que não tiverem a livre disposição de sua vontade para cuidar dos próprios interêsses.Como se percebe, para os menores, a incapacidade absolutapassará a terminar aos quinze anos de idade; a censurada expressão loucos de todo o gênero será substituida por outra, maiscientífica e precisa; por fim, da incapacidade dos surdos-mudose dos ausentes não mais se ocupará o Código Civil.

Pessoas relativamente incapazes: - São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n.o I), ou à maneira de os exercer,prescreve o art. 6.o:I. Os maiores de 16 e menores de 21 anos.II. Os pródigos.III. Os silvícolas.Na enumeração legal figuram em primeiro lugar os maioresde 16 e menores de 21 anos. São os púberes do antigo direito.Como é mais acentuado seu discernimento, o Código reduz-lhes aincapacidade. Aos 18 anos, confere-lhes o exercício de outros direitos para, finalmente, aos 21, fazer cessar a incapacidade.Assim, o menor de mais de 16 e menos de 21 anos pode livremente: a) - servir de testemunha, inclusive em testamentos (Cód.Civil, arts. 142, n.o III, e 1.650, n.o I); b) - testar (art. 1.627,n.o I); c) - ser mandatário (art. 1.298) ; d) - firmar recibos depagamentos de benefícios da Previdência Social, a critério da instituição previdenciária (Lei n.o 3.807, de 26-8-1960, art. 63) ; e) exercer a pesca (Dec.-lei n.o 794, de 19-10-1938, art. 6.o); f) - Ingressar em cooperativas (Dec. n.o 22.239, de 19-12-1932, art. 7.o,§ 1.o); g) - equipara-se ao maior quanto às obrigações

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resultantes de atos ilícitos (Cód. Civil, art. 156); h) - não se exime deobrigação quando dolosamente oculta a sua idade (art. 155).O de mais de 18 e menos de 21 anos, por sua vez, pode:a) - casar (se fôr mulher a idade nupcial é de 16 anos - art.183, n.o XII); b) - requerer o registro de seu nascimento (Dec.n.o 4.857, de 9-11-1939, art. 63, § 2.o; Lei n.o 3.764, de 25-4-1960);c) - pleitear perante a justiça trabalhista, sem assistência dopai ou tutor (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 792);d) - celebrar contrato de trabalho (mesma Consolidação, art.446); e) - exercer, na justiça criminal, o direito de queixa,renúncia e perdão (Cód. Proc. Criminal, arts. 34, 50, § único,e 52) ; f) - comerciar (Cód. Comercial, arts. 1.o, inciso II, e5.o; Dec.-lei n.o 7.661, de 21-6-1945, art. 3.o, inciso II); g) movimentar depósitos nas Caixas Econômicas (Dec. n.o 24.427,de 19-7-1934, art. 53) ; h) - ser eleitor (Lei n.o 4.787, de15-7-1965, art. 4.o); i) - firmar recibos relativos a salários eférias, sendo trabalhador rural (Lei n.o 4.214, de 2-3-1963, art. 58).Igualmente os pródigos são incluídos entre os relativamenteincapazes. Pródigo é aquêle que desordenadamente dissipa seushaveres, reduzindo-se à miséria. A prodigalidade é instituto bastante discutido, quer em direito, quer em economia, quer em psiquiatria.De origem romana, foi introduzida no Código Civil por proposta do Conselheiro ANDRADE FIGUEIRA. Mas a interdição dopródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, darquitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração (Cód.Civil, art. 459). Contudo, o pródigo impedido não está de casarou de exercer sua profissão.Finalmente, refere-se o legislador aos silvícolas, tendo escla-

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recido, no § único do art. 6.o, que ficarão êles sujeitos ao regimetutelar, estabelecido em lei e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que forem se adaptando à civilização do país. OJuiz MANOEL AUGUSTO VIEIRA NETO, na sua coletânea sôbre a legislação civil em vigor, faz especificada menção dos vários diplomas legais existentes a respeito.Outrora, também as mulheres casadas, enquanto subsistissea sociedade conjugal, figuravam no rol das pessoas relativamente incapazes.Todavia, em 1948, a Convenção Interamericana de Bogotá,em que tomou parte o nosso país, conveio em outorgar à mulher osmesmos direitos civis de que goza o homem. E por isso, a Lei n.o4.121, de 27-8-1962, dando nova redação ao citado art. 6.o do Código Civil, excluiu-a da relação dos incapazes. De acôrdo comessa orientação, o anteprojeto do Prof. ORLANDO GOMES, no art. 3.o,volta a preceituar: o homem e a mulher têm igual capacidade civil.Aliás, na mesma ordem de idéias, consagra o anteprojetooutras inovações: quanto aos menores, a idade é reduzida, prescrevendo o art. 7.o que são incapazes relativamente à prática decertos atos, ou ao modo de exercê-los, os maiores de quinze anos,enquanto menores de dezoito. Por outro lado, os pródigos e ossilvícolas são excluídos dentre os relativamente incapazes.Ora, quem diz incapacidade, diz fraqueza e, pois, necessidadede proteção jurídica. Várias as medidas tutelares previstas emlei para defesa dos interêsses de incapazes. Dentre outras, podem ser indicadas as seguintes: a) - não corre a prescriçãocontra os incapazes de que trata o art. 5.o (Cód. Civil, art. 169,n.o I); b) - mútuo feito a menor não pode ser reavido, salvonas hipóteses do art. 1.260 (art. 1.259) ; c) - ninguém podereclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz,se não provar que reverteu em proveito dêle a importância paga

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(art. 157); d) - partilha, em que há incapazes, não pode serconvencionada amigàvelmente (art. 1.773); e) - pode o menor,ou interdito, recobrar dívida de jôgo, que voluntàriamente pagou(art. 1.477); f) - beneficia-se o incapaz com o instituto daassistência e da representação (art. 84, combinado com os arts.384, n.o V, e 426, n.o I). Ainda não é tudo: constitui circunstância agravante ter sido o crime cometido contra criança, velho ouenfêrmo (Cód. Penal, art. 44, inciso II, letra i) idêntica exacerbação é prevista para a usura nas mesmas condições (Dec. n.o22.626, de 7-4-1933, art. 15). Por fim, configura delito de abusode incapazes, reprimido pelo art. 173, do estatuto repressivo,valer-se, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão, ouinexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental deoutrem, induzindo qualquer dêles à prática de ato suscetível deproduzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro.Adverte o Código Civil, entretanto, que na proteção conferida aos incapazes não se compreende o benefício da restituição(art. 8.o). Como diz CLóvIs, não se justifica realmente a subsistência da restitutio in integrum, que não respeita direitosadquiridos, prejudica a circulação dos bens e produz grande perturbação no organismo econômico da sociedade.

Emancipação: - Aos vinte e um anos completos acaba amenoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos davida civil (Cód. Civil, art. 9.o).A lei civil pôs têrmo à dúvida sôbre o modo de contar-se aidade, dispondo que, aos 21 anos completos, acaba a menoridade.Formulou, pois, uma regra para cômputo da idade em geral, exigindo que os anos de idade estejam completos, feitos, cumpridos,acabados.Assim como não adianta ao louco agir num lúcido intervalo,da mesma forma de nada vale ao menor ser precoce. Enquanto

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não perfizer 21 anos completos, não adquirirá a plenitude dacapacidade civil.Interessantes problemas relacionam-se intimamente com o advento da maioridade. O primeiro é êste: em que instante, precisamente, se completa a maioridade? Contam-se os 21 anos demomento a momento? Será preciso se compute o último dia integralmente?A opinião mais correta é no sentido de que o indivíduo setorna maior e capaz no primeiro momento do dia em que perfaz os21 anos. Se êle nasceu num ano bissexto, a 29 de fevereiro,a maioridade será alcançada no 21.o ano, mas a 12 de março. Seignorada a data do nascimento, exigir-se-á exame médico, porém, na dúvida, pender-se-á pela capacidade.A plenitude desta, insista-se, ocorre aos 21 anos completos.Essa capacidade não deve ser confundida com a eleitoral, nemcom a idade limite para o serviço militar. As leis que às duasúltimas se referem cuidam de atividades, direitos e deveres específicos. Assim já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal.Mutatis mutandis, a idade em que tem início a responsabilidadepenal não exerce qualquer influência na capacidade civil, quecontinua regida por dispositivos próprios, consubstanciados noCódigo Civil.Acrescenta, porém, o § 1.o do art. 9.o que cessará, para osmenores, a incapacidade:I. Por concessão do pai, ou, se fôr morto, da mãe, e porsentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos.II. Pelo casamento.III. Pelo exercício de emprêgo público efetivo.IV. Pela colação de grau científico em curso de ensino superior.V. Pelo estabelecimento civil ou comercial, com economiaprópria.A emancipação, a que se refere êsse dispositivo e que consiste na aquisição da capacidade civil antes da idade legal, extingue o pátrio poder (art. 392, n.o II), fazendo cessar igualmentea condição de pupilo, na tutela (art. 442, n.o I).A primeira forma de emancipação resulta de concessão do

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pai, ou, se fôr morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido otutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos.A outorga, paterna ou materna, constará de escritura públicaou particular. Não há dispositivo de lei, nem explícito, nem implícito, que exija, nas emancipações, a formalidade da escriturapública. O respectivo instrumento deve ser inscrito no Registro Civil competente (Cód. Civil, art. 12, n.o II, combinadocom os arts. 39, inciso IV, 43, § único, 100 a 102, e 115, segundaalínea, todos do Dec. n.o 4.857, de 9-11-1939 ). - Essa inscriçãonão mais depende de homologação judicial, revogado que foi oart. 16, § 2.o, daquele Regulamento dos Registros Públicos (Lein.o 2.375, de 21-12-1954, arts. 1.o e 2.o).A lei só atribui à mãe o direito de emancipar o filho, sefôr morto o pai; mas, é óbvio que o mesmo direito lhe assiste seêste se encontra interditado.Se o menor estiver sob tutela, a emancipação dependerá desentença do juiz, observado o rito processual prescrito pelos arts.621 a 624 do Código de Processo Civil.Num e noutro caso, por concessão paterna ou por decisãojudicial, o menor há de ter dezoito anos cumpridos. Trata-se deoutro caso típico, a ser acrescentado aos anteriores, e que vemcorroborar aquela idéia da existência de gradações na própriaincapacidade relativa. Os menores de mais de 18 anos têm capacidade mais ampla que os de menos de 18 e mais de 16.Não se pense que a emancipação seja direito do menor. Aprópria lei fala em concessão do pai, ou da mãe (o que implica idéia de benefício), e sentença do juiz (que pressupõe naturalmente exame dos fatos e das circunstâncias).Deve, portanto, ser denegada: a) - se através dela se colima outro fim que não seja o interêsse do emancipado; b)- se êste não possui o necessário discernimento para reger suapessoa e administrar seus bens; c) - se o mesmo não fundamenta o pedido e ignora fatos essenciais sôbre seus haveres, como

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a qualidade e quantidade; d) - se a emancipação é requerida com a exclusiva finalidade de liberar bens clausulados atéa maioridade.Mas o fato de ser analfabeto o emancipando e de contar poucomais de 18 anos de idade não traduz carecer êle de discernimentopara reger sua pessoa. Certificando-se o juiz de que o mesmotem condições de desenvolvimento mental e suficiente experiênciapara a si próprio se dirigir, sem assistência do tutor, deve emancipá-lo.A segunda forma de emancipação, contemplada pela lei, é ocasamento. Não é plausível realment.e fique sob a autoridadede outrem, pai, mãe ou tutor, quem reúna condições para casare assim constituir a própria família. Embora o matrimônio hajasido contraído antes da idade nupcial, atribui ao nubente plenacapacidade civil. Sua subseqüente anulação, ou o simples desquite do casal, não implica o retôrno do emancipado à situaçãode incapaz.O exercício de emprêgo público efetivo também determina acessação da incapacidade. A função pública pode ser federal,estadual ou municipal. Mas, só se emancipam os nomeados emcaráter efetivo. Não se beneficiam, portanto, os simples interinos, contratados, diaristas, mensalistas, extranumerários e investidos em comissão.O funcionário de autarquia ou entidade paraestatal não éalcançado pela emancipação, pôsto nomeado em caráter efetivo.O dispositivo legal só se refere a emprêgo público. Para que asautarquias e entidades paraestatais obtenham qualquer dos atributos outorgados à pessoa jurídica de direito público internopreciso é lei especial, como sucedeu com os favores do art. 32do Código de Processo Civil (Dec.-lei n.o 7.659, de 21-6-1945).De resto, já decidiu o Tribunal Federal de Recursos, bem comoo Supremo Tribunal Federal, que servidores das autarquias nãosão funcionários públicos.A quarta maneira prevista em lei é a colação de grau em

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curso de ensino superior. Dificilmente alguém se emanciparápresentemente por essa forma, dada a considerável extensão docurso ginasial, científico ou clássico, e superior. Quando vier areceber grau, o estudante terá certamente atingido a maioridade. Observe-se que não pode ser considerado superior o cursode professor normalista; mas, tem êsse caráter o curso de jornalismo (Dec.-lei n.o 5.480, de 13-5-1943).Finalmente, emancipam-se também os que se estabelecerem,civil ou comercialmente, com economia própria. Tal iniciativaevidencia que o interessado tem suficiente amadurecimento e experiência desenvolvida, podendo, pois, desde logo assumir a regênciada própria pessoa, assim como de seus bens.Ajunta ainda o § 2.o do art. 9.o que "para efeito do alistamento e do sorteio militar cessará a incapacidade do menor quehouver completado 18 anos de idade". Êsse dispositivo foi modificado pela Lei n.o 4.375, de 17-8-1964, que dispõe, no art. 139:- "para efeito do serviço militar, cessará a incapacidade civildo menor, na data em que completar dezessete anos de idade".A emancipação civil, em qualquer dos seus casos, é irrelevante na órbita jurídico-penal.De modo idêntico, decidiu o Tribunal Superior do Trabalho que "asituação dos empregados autárquicos corresponde à dos funcionários públicos.Nãoé idêntica. É análoga".Importantes alterações sugere o anteprojeto recentementeapresentado. Em primeiro lugar, a maioridade começará aos dezoito anos (art. 5.o).Referentemente à emancipação, poderá ser obtida dos pais seo menor tiver dezesseis anos cumpridos (art. 11), devendo o atoser homologado pelo juiz e inscrito no registro civil (art. 11, § 1.o).Se o menor estiver sob tutela, a emancipação só se dará porsentença do juiz, ouvido o tutor (art. 11, § 2.o).O ato de emancipação pode ser cassado pelo juiz, a requerimento dos pais, quando o menor emancipado demonstre incapacidade de administrar os bens, resguardados os

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direitos de terceiros(art. 11, § 3.o).Além da emancipação por outorga dos pais e por sentença dojuiz, prevê o anteprojeto a legal, proveniente de matrimônio domenor (art. 12). Tôdas as demais formas de emancipação sãoabolidas.Cumpre salientar ainda que, de acôrdo com o art. 7.o do Código em vigor, "supre-se a incapacidade, absoluta ou relativa, pelomodo instituído neste Código, Parte Especial". Por outras palavras, a incapacidade de fato não elimina a capacidade de gôzoou de direito, sendo suprida através da representação. O incapazde fato exerce seus direitos representado ou assistido pelo respectivo representante legal; representado, se absoluta a incapacidade;assistido apenas, se relativa essa incapacidade. Pelo referidoanteprojeto, os incapazes podem exercer direitos ou contrair obrigações por intermédio de seus representantes legais (art. 8.o) eo menor relativamente incapaz será assistido por seus pais, oupor seu tutor, nos atos da vida civil (art. 9.o), ajuntando-se, noart. 10, que só serão anulados os atos praticados pelo menor semassistência, se importarem prejuízo ao seu patrimônio.

Fim da personalidade natural: - A existência da pessoanatural termina com a morte (art. 10, primeira parte). Até êssetêrmo final inexorável, conserva o ente humano a personalidadeadquirida ao nascer. Só com a morte perde tal apanágio. Osmortos não são mais pessoas. Não são mais sujeitos de direitose obrigações. Não são mais ninguém. Mors omnia solvit.No direito romano, por ficção, o defunto era consideradocomo se vivo fôra até a aceitação de sua herança pelos respectivosherdeiros. Objetivava-se evitar a jacência, que estabelecia verdadeiro hiato no direito de propriedade. O ordenamento jurídicomoderno atinge o mesmo fim atribuindo fôrça retroativa à

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adiçãoda herança. Não é mais o direito do falecido que se estendeficticiamente além da morte; é o direito do herdeiro que remontano passado, de modo a eliminar qualquer solução de continuidade, qualquer interregno, na titularidade do acervo hereditário.Mors ultima linea rerum est. A personalidade, recebida aonascer, só se perde com a própria vida. Mas essa idéia é relativamente moderna na história das instituições jurídicas. Na antiguidade, aquêle que perdia o status libertatis, aquêle que erapor algum motivo reduzido à condição de escravo, deixava deser pessoa.No direito intermediário existia igualmente a morte civil(ficta mors). Os condenados a penas perpétuas e os religiososprofessos eram considerados mortos para o mundo e assim eramtratados pelo direito. Conquanto vivos, eram tidos por defuntos,aos olhos da lei.Acolhida pelo Código Napoleão, foi ela abolída por uma leide 31-5-1854 e não logrou sobreviver no direito moderno. Pareceque, teôricamente, apenas remanesce na Inglaterra (civil death),para os condenados por crimes de alta traição.Vislumbram-Se, todavia, em nosso direito positivo alguns resquícios da morte civil. O primeiro vem previsto no art. 1.599do Código Civil: são pessoais os efeitos da exclusão da herançapor indignidade. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem,como se êle morto fôsse.Segundo caso encontramos nas leis militares. O Decreto-lein.o 3.038, de 10-2-1941, dispõe no art. 7.o: uma vez declaradoindigno do oficialato, ou com êle incompatível, perderá o militarseu pôsto e respectiva patente, ressalvado à sua família o direitoà percepção das suas pensões, como se houvesse falecido. Nomesmo sentido, o Decreto-lei n.o 9.698, de 2-9-1946, art. 111.Define-a SAVIGNY, como morte fictícia, a assimilação dehomem vivo a homem morto.

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Além da morte real, contemplada no art. 10, primeira parte,admite nosso ordenamento jurídico alguns casos, poucos, de mortepresumida. O primeiro é apontado no próprio art. 10, segundaparte: presume-se a morte, quanto aos ausentes, nos casos dosarts. 481 e 482.Por outras palavras, admite-se a presunção se já são decorridos vinte anos depois de passada em julgado a sentença queconcedeu a abertura da sucessão provisória. Da mesma forma,não pode ela ser recusada, quando o ausente conta 80 anos denascido e de mais de cinco datam as últimas notícias suas. Emambos os casos, podem os interessados requerer a sucessão definitiva.Em segundo lugar, podem ser mencionados os seguintes Decretos-lei: ns. 3.577, de 1-9-1941; 4.819, de 8-10-1942; 5.782, de30-8-1943, e 6.239, de 3-2-1944. Dispõem êles, respectivamente,sôbre morte presumida de segurado do Instituto de Aposentadoriae Pensões dos Marítimos, de militar, de servidor público e demilitar da aeronáutica.A morte real traz como conseqüência a imediata cessação detodos os direitos e obrigações de que o de cujus era titular, notadamente: a) - dissolução do vínculo conjugal (Cód. Civil, art.315, n.o I); b) - dissolução da comunhão universal (art. 267,n.o I); c) - extinção do pátrio poder (art. 392, n.o I); d) abertura da sucessão (art. 1.572); e) - extinção dos contratospersonalíssimos, como locação de serviços (art. 1.233), parceria(art. 1.423), mandato (art. 1.316, n.o I) e sociedade (art. 1.399,n.o IV); f) - obrigação de alimentos (art. 402); g) - obrigaçãode fazer, quando convencionado o cumprimento pessoal (art. 878);h) - pacto de venda a contento, perempção ou preferência ede melhor comprador (arts. 1.148, 1.157 e 1.158, § único); i) obrigação oriunda de ingratidão do donatário (art. 1.185); j) extinção do usufruto (art. 739, n.o I); l) -

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doação em formade subvenção periódica ao beneficiado (art. 1.172); m) - encargo da testamentaria (art. 1.764) ; n) - benefício da justiçagratuita (Lei n.o 1.060, de 5-2-1950, art. 10); o) - cadernetasde caixas econômicas (Dec. n.o 11.820, de 15-12-1915, art. 7.o,§ 2.o).Na órbita penal, a morte determina a extinção da punibilidade (Cód. Penal, art. 108, n.o I) e na judiciária, a suspensãoda instância (Cód. Proc. Penal, art. 197, n.o III).Todavia, não é completo o aniquilamento do de cujus pelamorte. Sua vontade sobrevive através do testamento. Ao cadáveré devido respeito, havendo no Código Penal dispositivos que reprimem delitos contra os mortos (arts. 209 a 212), enquanto oDecreto n.o 52.795, de 31-10-1963, art. 156, § único, prevê, emfavor dêles, o direito de resposta. Militares e servidores públicos podem ser promovidos post mortem e aquinhoados commedalhas e condecorações. A falência pode ser decretada, embora morto o comerciante (Dec.-lei n.o 7.661, de 21-6-1945, art.3.o, n.o I, e art. 9.o, n.o I). Por fim, existe a possibilidade dese reabilitar a memória do morto.Outra questão de extrema delicadeza, no tema de que estamosa tratar, é a relacionada com a comoriência, isto é, a morte deduas ou mais pessoas, na mesma ocasião e por fôrça do mesmoevento, sendo elas reciprocamente herdeiras umas das outras.Se as provas (e não simples conjeturas) permitem determinar a ordem cronológica dos óbitos, não há problema a enfrentar: a sucessão e outras conseqüências jurídicas se regerãode acôrdo com a precedência da morte.Muitas vêzes, porém, impossível será apurar quem primeirose finou. No direito romano, cuidando-se de pais e filhos impúberes, presumia-se terem êstes expirado antes daqueles; se púberes fôssem, presumia-se que haviam sobrevivido aos genitores.Se a morte atingia simultâneamente marido e mulher, entendia-se ter-se esta extinguido primeiro. No atual direito inglês,

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a presunção é de que o mais jovem faleceu depois do mais velho.O direito francês estabelece igualmente uma série de presunçõeslegais, seguindo, pois, a velha esteira do direito romano.A lei pátria, a exemplo do Código alemão, abandonou a tradição das presunções, para adotar regra diferente. Dispõe realmente o art. 11 do Código: - "se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum doscomorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultâneamentemortos".Vejam-se estas conseqüências jurídicas em matéria sucessória:um casal sem descendentes e ascendentes falece no mesmo evento.Se se demonstra que o marido pré-morreu à espôsa, esta recolhea herança daquele, para a transmitir, em seguida, aos própriosherdeiros. Se é a mulher quem precede ao marido, sucede êste àprimeira, transmitindo aos seus herdeiros a herança recebida.Sendo impossível determinar a precedência, presume o nosso código a simultaneidade das mortes. A herança será então repartida em duas porções, atribuidas respectivamente aos herdeiros de cada um dos cônjuges. Não haverá transmissão debens entre os comorientes.Proceder-se-á a essa divisão ainda que os sucessores de um dosfalecidos sejam parentes em grau mais afastado que os herdeirosdo outro comoriente (por exemplo, um dos comorientes deixa ascedentes e o outro, apenas irmãos). Embora venha a ocorrertal circunstância, o acervo é sempre repartido pela forma indicada,pois não tem aplicação ao caso o princípio de que o mais próximoexclui o mais remoto.Há casos em que a morte dá lugar a indenizações (Cód. Civil, art. 1.537). Em tais hipóteses, o responsável ficará sujeitoao pagamento de uma renda vitalícia. Surge então o interêssepela averiguação da provável duração da vida humana (Cód. Proc.

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Civil, art. 912, segunda alínea). A dificuldade resolver-se-á mediante recurso as tábuas gerais de sobrevivência e tabelas de probabilidades das companhias de seguros e repartições de estatística.

Atos do registro civil: - Prescreve o Código Civil, no art. 12,que serão inscritos em registro público:I. Os nascimentos, casamentos e óbitos.II. A emancipação por outorga do pai ou mãe, ou por sentença do juiz (art. 9.o, § 1.o, n.o I).III. A interdição dos loucos, dos surdos-mudos e dos pródigos.IV. A sentença declaratória da ausência.Registro é o conjunto de atos autênticos tendentes a ministrar prova segura e certa do estado das pessoas. Êle fornecemeios probatórios fidedignos, cuja base primordial descansa napublicidade, que lhe é imanente. Essa publicidade, de que se reveste o Registro, tem função específica: provar a situação jurídica do registrado e torná-la conhecida de terceiros.O registro apresenta-se sob vários aspectos: civil, imobiliário,da propriedade literária, científica e artística, da propriedade marítima, da propriedade industrial e das aeronaves.O registro civil, relativo à pessoa natural e que ora nos interessa, se destina à fixação indelével dos principais fatos da vidahumana, como o nascimento, o casamento e o óbito. Sua existência e funcionamento interessam de perto à nação, ao próprioregistrado e a terceiros que com êle mantenham relações.Interessam à nação, porque esta depara no Registro fonteauxiliar preciosa para a administração pública, em serviços essenciais, como polícia, recrutamento militar, recenseamento, estatística, serviço eleitoral, arrecadação de impostos e distribuição dajustiça.Interessam ao próprio registrado porque êste encontra no Registro prova fácil, decisiva e imediata da própria situação: provade idade para demonstração da capacidade civil, prova de nacionalidade para gôzo dos direitos políticos, prova de estado para

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impetração de eventuais direitos.Interessam, finalmente, a terceiros que com êste contratem,porque nos dados subministrados pelo Registro, à sua disposição,encontram êles a indispensável informação para maior segurançade seus negócios, verificando, num relance, se o contratante émaior ou menor, casado ou solteiro, e qual o regime matrimonialde bens adotado, na primeira hipótese.Sob êsse ponto de vista, nada sobreleva o Registro Civil, aque MAUPASSANT, hiperbolicamente, chama o deus legal, a gloriosa divindade, mais forte que a natureza e que reina nos templos das comunas. Que seria dos negócios públicos e privados,pergunta PLANIOL, se tivéssemos que nos ater, nessa matéria,à prova testemunhal, sempre falha e suspeita, às recordações semi-apagadas dos próprios interessados e aos escritos particulares,que não apresentam garantia alguma de sinceridade?Efetivamente, como dizem NICOLA e FRANCESCO STOLFI,no Registro se pode encontrar a história civil da pessoa, porassim dizer, a biografia jurídica de cada cidadão.O Registro Civil é instituição que se deve à Igreja Católica.Desde a Idade Média, teve ela a idéia de anotar nascimentos,casamentos e óbitos, por meio de inscrições nos livros paroquiais.Entre nós, durante o Império, dadas as relações entre aIgreja e o Estado, tais registros eclesiásticos eram dotados defidedignidade. Ainda hoje, pessoas nascidas anteriormente à secularização do Registro Civil fazem prova de idade medianteapresentação de batistério, cujo valor probante é reconhecido semcontestação.Aquela secularização do Registro Civil principiou com oDecreto n.o 9.886, de 7-3-1888, e hoje ela inspira tôda a legislaçãopátria, nessa matéria.O Registro Civil está a cargo de serventuários vitalícios,que, outrora, se denominavam escrivães de paz e hoje se intitulam, em São Paulo, desde o Decreto estadual n.o 17.375, de

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3-7-1947, oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais.Mas, também ao comandante das aeronaves compete exercerfunções de oficial público, podendo lavrar certidão de nascimento,ou dos óbitos, que ocorrerem a bordo (Cód. do Ar, art. 156).Também às autoridades consulares cabe idêntica função. Estabelece o art. 18 da Introdução ao Código Civil, com a redaçãoque lhe deu a Lei n.o 3.238, de 1-8-1957, que "tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiraspara lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civile de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbitodos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país de sede doConsulado".O registro é efetuado em conformidade com o Decreto n.o4.857, de 9-11-1939, Título II (arts. 39 a 121), a cujas disposiçõesnos reportamos. Aí se especifica a maneira pela qual se procedeà inscrição de cada um dos atos indicados no citado art. 12 doCódigo Civil.Algumas leis especiais devem ser ainda mencionadas nesteensejo, como o Decreto n.o 7.270, de 29-5-1941, que dispõe sôbreregistro de nascimento de menor abandonado, sob jurisdição dojuiz de menores; Decreto-lei n.o 7.845, de 9-8-1945, que estabelece providências que facilitem, para fins eleitorais, o registrode nascimento; Decreto-lei n.o 5.860, de 30-9-1943, que determinaa expulsão do território nacional de estrangeiro que fizer falsadeclaração perante o Registro Civil, para o fim de atribuir-se, oua seus filhos, a nacionalidade brasileira (art. 2.o) e considera praticado o ato, para o efeito da prescrição da ação penal, no diaem que fôr conhecido o delito de falsidade (art. 3.o); Lei n.o3.764, de 25-4-1960, que estabelece rito sumaríssimo para retificações no Registro Civil.

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ESTADO DA PERSONALIDADE NATURAL: INDIVIDUAL, FAMILIAR E POLÍTICO. DO ESTADOPOLÍTICO: NACIONALIDADE E CIDADANIA. DANATURALIZAÇÃO. DISPOSIÇÕES LEGAIS REFERENTES A ESTRANGEIROS.

Estado da personalidade natural: - A expressão estado provém do latim status, empregada pelos romanos para designar osvários predicados integrantes da personalidade. Era o modo deser em virtude do qual se tornavam os homens suscetíveis dedireitos na sociedade civil.O status apresentava-se então sob três aspectos: liberdade,cidade e família (status libertatis, status civitatis e status familiae). A personalidade natural só atingia a plenitude quandoreunia os três elementos. Quem os preenchesse, todos, era caputcivile. A perda de um dos atributos configurava a capitis deminutio, que era tripla: máxima, média e mínima.A capitis deminutio maxima decorria da perda da liberdade,que acarretava a perda dos demais estados. A capitis deminutiomedia resultava da inibição do direito de cidade, implicando aperda do estado de família, mas sem afetar o de liberdade. Acaptis deminutio minima era conseqüente à perda do último estado, por ter o cidadão mudado de família.No direito moderno apenas lograram sobreviver os dois derradeiros estados, nacionalidade e família, porquanto, presentemente, todos os homens são igualmente livres e capazes de direitos e obrigações. Com razão, pois, afirmou PICARD que apalavra liberdade não tem mais hoje a mesma sonoridade deoutrora.Com CLÓvIS, podemos definir estado como o modo particularde existir; é a posição jurídica da pessoa no seio da coletividade.Tôda pessoa tem um estado, de que resultam múltiplas relaçõesjurídicas. Êsse estado pode ser encarado sob três ângulos diferentes: individual, familiar e político.Estado individual, ou físico, é o modo de ser da pessoa sobo aspecto de sua constituição orgânica. No seu estudo são equacionados diversos elementos objetivos, como idade, sexo e saúde,

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os quais exercem decisiva influência sobre a capacidade civil,consoante já tivemos oportunidade de sublinhar anteriormente.Estado familiar é a posição ocupada pela pessoa no seio dafamília. Todo indivíduo se enquadra em determinada famíliapor três ordens de relações: o vínculo conjugal, o parentesco porconsanguinidade e a afinidade. Sob êsse aspecto, o estado familiar distingue as pessoas em casadas, solteiras, viúvas e desquitadas, parentes (consangüíneos e afins) ou não. O próprioCódigo Civil, no art. 180, n.o II, emprega tal expressão e dêsseestado ocupa-se o direito de família de modo particular.Finalmente, estado político é a qualidade jurídica que advémda posição do indivíduo como parcela de uma sociedade politicamente organizada e chamada nação.Algumas vêzes, impropriamente, empregam-se também expressões como estas: estado de herdeiro, estado de sócio. Para designar essas situações, diz TORRENTE, preferível é usar a locuçãoqualidade jwrídica.Como ensina o Prof. ORLANDO GOMES, o estado das pessoas é disciplinado por normas de ordem pública, que não podem ser modificadas pelas partes. Outrora, o status era tuteladopelas chamadas ações prejudiciais. No direito moderno, porém,somente o estado de família é protegido na ordem civil. O estadode cidade e o estado de liberdade são protegidos por outros meios,que não as ações.

Do estado político: nacionalidade e cidadania: - Como membros da sociedade política, dividem-se os indivíduos em nacionaise estrangeiros (no direito romano civis e peregrini). A uns eoutros assegura a Constituição Federal a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual eà propriedade (art. 141). O Código Civil, por sua vez, no art.3.o, dispõe que "a lei não distingue entre nacionais e estrangeirosquanto à aquisição e ao gôzo dos direitos civis".

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Não obstante a linguagem empregada pelo legislador, a verdade é que em nosso direito positivo existe sensível discriminaçãoentre estrangeiros e brasileiros, notadamente entre estrangeiros ebrasileiros natos.Senão vejamos: a) - a navegação de cabotagem para otransporte de mercadorias é privativa dos navios nacionais, salvocaso de necessidade pública (Const. Federal, art. 155); b) os proprietários, armadores e comandantes de navios nacionais,bem como dois terços, pelo menos, dos seus tripulantes, devemser brasileiros (Const. Federal, art. 155, § único) ; c) - deveexistir determinada porcentagem de empregados brasileiros nosserviços públicos concedidos e em determinados ramos do comércio e indústria (Const. Federal, art. 157, n.o XI), como o númerode químicos estrangeiros a serviço de particulares, emprêsas oucompanhias (Cons. das Leis do Trabalho, art. 349); d) - écondição de elegibilidade para o Congresso Nacional ser brasileiro (Const. Federal, art. 38, § único, n.o I); e) - idem, paraser presidente e vice-presidente da República (art. 80, n.o I);f) - da mesma forma, é condição essencial de investidura nocargo de Ministro de Estado ser brasileiro (art. 90, § único, n.oI); g) - idem, quanto ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 99) e do Tribunal Federal de Recursos (art.103); h) - idem, quanto ao cargo de deputado estadual (Const.do Estado, art. 6.o), governador e vice-governador do Estado(arts. 36 e 37), secretários de Estado (art. 46, § único) e membros do Tribunal de Contas (art. 69, § 1.o) ; i) - só o brasileironato pode ser presidente de sindicato, quanto aos demais cargosde administração e representação, por brasileiros (Cons. das Leisdo Trabalho, art. 515); j) - somente poderão ser admitidos ao

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serviço das emprêsas jornalísticas, como jornalistas, locutores,revisores e fotógrafos, os que fizerem prova de nacionalidadebrasileira (Cons. das Leis do Trabalho, art. 310, combinado como art. 311, letra a); l) - é vedada a propriedade de emprêsasjornalísticas políticas ou simplesmente noticiosas, a estrangeiros(Lei n.o 2.083, de 12-11-1953, art. 2.o); m) - não podem êstesser acionistas de sociedades anônimas, proprietárias de emprêsasjornalísticas (Lei n.o 2.083, art. 2.o, § único). A brasileiros caberá, exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a suaorientação intelectual e administrativa (Const. Federal, art. 160,in fine); n) - só brasileiros natos podem ser Agentes da Propriedade Industrial (Dec.-lei n.o 2.679, de 7-10-1940, art. 3.o, § 2.o);o) - à pessoa estrangeira, física ou jurídica, não serão aforadosterrenos de marinha (Dec.-lei n.o 3.438, de 17-7-1941, art. 18);p) - o direito de pesquisar ou lavrar só poderá ser outorgado a brasileiros, pessoas naturais ou jurídicas, constituídasestas de sócios ou acionistas brasileiros (Cód. de Minas, art. 6.o);q) - poderão ser sócios das emprêsas de mineração e das indústrias de transformação e industrialização dos minérios, exclusive o petróleo, os brasileiros casados com estrangeiras, ou brasileiras casadas com estrangeiros, ainda que no regime de comunhão de bens; no caso, porém, de transmissão inter vivos oucausa mortis, sômente a brasileiros natos é permitida a sucessão(Dec.-lei n.o 2.778, de 12-11-1940, art. único); r) - concessões de terras nas faixas fronteiriças só podem ser deferidas abrasileiros natos, casados com brasileiras natas (Dec.-lei n.o 1.968,de 17-1-1940, art. 9.o, n.o I), salvo se ocorrer a hipótese doDecreto-lei n.o 6.430, de 17-4-1944, art. 1.o; s) - na

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faixa emquestão a gerência ou administração de sociedades que explorememprêsas de indústria ou de comércio caberá, sempre, a brasileiro nato ou a maioria de brasileiros natos (Dec-lei n.o 6.430,de 17-4-1944, art. 2.o); t) - o comércio individual por estrangeiros, na mesma faixa, só será permitido se o número de estrangeiros estabelecidos com o mesmo ramo no local não excederum têrço dos comerciantes e industriais que o explorem (art.3.o); u) - só brasileiro pode ser corretor de fundos públicos(Dec. n.o 2.475, de 13-3-1897, art. 4.o, letra a), bem assim, leiloeiro matriculado (Cód. Comercial, art. 61) ; v) - na vigência do Decreto-lei n.o 3.182, de 9-4-1941, é defeso aos possuidoresdas ações ou quotas de capital dos bancos que recebam depósitostransferi-las a quem não seja pessoa física brasileira, sendo nulade pleno direito a subscrição, cessão ou transferência das açõesou quotas de capital se inobservada essa condição de nacionalidade, como também nulos de pleno direito serão quaisquer compromissos ou declarações que importem em direito sôbre ações ouquotas de capital por parte de pessoa proibida de adquiri-las, eem cujo favor também não poderão ser dadas em penhor ou caução (art. 3.o). Nessa proibição incluem-se as brasileiras casadascom estrangeiros pelo regime de comunhão de bens, e se o regimefôr o da separação, não poderá o marido estrangeiro, ainda queadministrador dos bens da mulher, exercer atos de administraçãono tocante às ações ou quotas de capital (§ 1.o). Com relação àsações ou quotas de capital transferidas a menores brasileiros sobo pátrio poder de estrangeiros, sua administração será obrigatoriamente conferida a brasileiro (§ 2.o). Nos casos de transmissãocausa mortis, não havendo cônjuge, herdeiros ou legatários brasileiros, a quem se faça a transferência ou se os

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estatutos oucontrato social não assegurarem por outra forma a transferênciaa pessoas capazes, serão as ações ou quotas vendidas a quem alei não o proiba (§ 3.o) ; x) - idênticas disposições existem arespeito das ações relativas a sociedades anônimas que se dediquem a operações de seguros (Dec.-lei n.o 2.063, de 7-3-1940,arts. 4.o, 12 e 13); z) - é vedada a concessão ou autorização doserviço de radiodifusão a sociedade por ações ao portador, ou aemprêsas que não sejam constituídas exclusivamente dos brasileiros a que se referem as alíneas I e II do art. 129 da Constituição Federal (Lei n.o 4.117, de 27-8-1962, art. 44).Acrescentem-se ainda os casos seguintes: a) - estrangeirosnão podem ser acionistas da Petrobrás (Lei n.o 2.004, de 3-10-1958,art. 18, n.o III); b) - só brasileiros natos podem ingressar naclasse inicial da carreira de diplomata (Lei n.o 2.171, de 18-1-1954,art. 1.o); c) - ser corretor de navio (Decreto Federal n.o 54.956,de 6-11-1964, art. 4.o, n.o I); d) - ser nomeados membros da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Lei n.o 4.118, de 27-8-1962,art. 11, letra a).Tão extensa enumeração, que poderia ainda prosseguir, mostra não ser desarrazoada a opinião daqueles que sustentam nãomais se achar em vigor o art. 3.o do Código Civil. Realmente, elaevidencia que os habitantes do território pátrio, no tocante ànacionalidade, se distribuem em três categorias distintas: brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros. Têm os primeiros aplenitude dos direitos, os segundos sofrem algumas restrições,que se ampliam com relação aos terceiros.As diversas legislações contemporâneas adotam critérios diferentes para distinguir seus nacionais. Esses critérios são o do

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jus soli e o do jus sanguinis. No primeiro sistema, todo aquêle quenasce no território de um Estado adquire a nacionalidade dêsseEstado; no segundo, adquire o filho, necessàriamente, a nacionalidade dos genitores, pouco importando o lugar do nascimento.A adoção exclusiva de um ou de outro critério, ensina PONTESDE MIRANDA pode conduzir a situações injustas. O Estado quefizesse seus nacionais todos os filhos de nacionais, e só êsses, negaria a indivíduos nascidos no seu território, penetrados doshábitos nacionais, a qualidade de cidadãos nacionais, ao passoque a conferiria a descendentes de nacionais, nascidos alhures ejá sem os hábitos, a educação, o amor e as preocupações de umnacional. Por outro lado, a adoção exclusiva do jus soli importaria a aceitação de que estrangeiros seriam os filhos de nacionaisnascidos no exterior, e nacionais seriam filhos de estrangeirosnascidos acidentalmente no país.O Brasil tem procurado dosar um e outro sistema. Segundoa Constituição Federal, art. 129, são brasileiros:I. Os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros,não residindo êstes a serviço do seu país.II. Os filhos de brasileiros, ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou,não o estando, se vierem residir no país. Neste caso,atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela, dentro em quatroanos.III. Os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos têrmos do art. 69, n.o IV e V, da Constituição de 24 defevereiro de 1891.IV. Os naturalizados pela forma que a lei estabelecer, exigidas aos portuguêses apenas residência no país porum ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física.De acôrdo com êsse dispositivo constitucional, repetido pelaLei n.o 818, de 18-9-1949, art. 1.o, a qualidade de brasileiro é outorgada às seguintes pessoas: a) - aos nascidos no Brasil, aindaque de pais estrangeiros. São nascidos no Brasil os que foramdados à luz em território brasileiro, em aeronaves

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brasileiras eem navios brasileiros. Não terão a nossa nacionalidade, dentreos nascidos no Brasil, apenas aquêles cujos pais aqui residam aserviço de seu país. Nesse caso, segue o filho a nacionalidade dosgenitores, pois, o desempenho do questionado serviço, aliado aojus sanguinis, afasta a aplicação do jus soli. Indispensável se torna, entretanto, que os pais (ou apenas um dêles) a serviço estejam de seu país, e não de outro. Se êles servem, não sua pátria,porém, nação diversa, será brasileiro o filho aqui nascido. Aofilho de pais estrangeiros, que entre nós se encontrem a serviçode seu país, faculta a lei, todavia, opção pela nacionalidade brasileira, se um dos pais fôr brasileiro (Lei n.o 818, art. 2.o). Nãoserá brasileiro o nascido a bordo de belonave estrangeira, aindaque ancorada em águas territoriais brasileiras, bem como o nascido a bordo de avião de guerra, de passagem pelo nosso território; b) aos filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no país. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optarpor ela, dentro em quatro anos. A maioridade, a que se refereo texto, é a civil (21 anos), e não a política (18 anos), sem embargo da opinião contrária de PONTES DE MIRANDA. A opçãoconstará de têrmo assinado pelo optante ou seu procurador, noRegistro Civil de nascimento (Lei n.o 818, art. 3.o). É competente para inscrição da opção o cartório da residência dooptante, ou do de seus pais (Dec. n.o 4.857, de 9-11-1939, art.39, § 2.o). Esclarece o art. 4.o do mesmo diploma que "o filhode brasileiro ou brasileira, nascido no estrangeiro e cujos paisali não estejam a serviço do Brasil, poderá, após sua chegada

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ao país, para nêle residir, requerer ao Juiz de Direito de seudomicílio, se transcreva, no Registro Civil, o têrmo de nascimento,fazendo-se constar dêste e das respectivas certidões que o mesmosó valerá como prova de nacionalidade brasileira até quatro anosdepois de atingida a maioridade". Observe-se que são brasileirosnatos os de que tratam os ns. I e II do art. 129 da ConstituiçãoFederal (Lei n.o 818, art. 5.o); c) - os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos têrmos do art. 69, ns. IV e V, da Constituição de 24-2-1891, isto é: os estrangeiros que, achando-se noBrasil aos 15-11-1889, não declararam, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar anacionalidade de origem, bem como os estrangeiros, que possuírembens imóveis no Brasil, e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros, contanto que residam no Brasil, salvo semanifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade. Oprimeiro caso corresponde à chamada grande naturalização. Osimples silêncio do estrangeiro aqui domiciliado em 15-11-1889bastou para que êle adquirisse a nacionalidade brasileira; adquirida esta, meras manifestações posteriores não bastavam para lheacarretar a perda da nossa nacionalidade. Por outro lado, oinciso V exige o domínio de bens imóveis, não sendo suficiente asimples posse. Preenchidos os requisitos legais, enumeradosem ambos os incisos da Constituição de 1891, até 16 de julho de1934, o estrangeiro adquiriu a nacionalidade brasileira, independentemente do título declaratório a que se refere a Lei n.o 818,art. 6.o, exigido ad probationem e não ad solemnitaterni d) finalmente, aos naturalizados pela forma que a lei estabelecer,exigidas aos portuguêses apenas residência no país por um anoininterrupto, idoneidade moral e sanidade física.De acOrdo com o ensinamento de PONTES DE MIRANDA, existe

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acórdão doTribunal Federal de Recursos, publicado na Revista de DireitoAdministrativo, 55/256.Nosso ordenamento jurídico não admite dupla nacionalidade:duarun civitatum civis noster esse jure civili nemo potest. Eiso princípio, diz BONFANTE que o direito romano manteve sempre firme.Estabelece a Constituição Federal no art. 130, repetido noart. 22, da Lei n.o 818: perde a nacionalidade o brasileiro:I. Que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade.II. Que, sem licença do Presidente da República, aceitarde govêrno estrangeiro comissão, emprêgo ou pensão.III. Que, por sentença judiciária, em processos que a leiestabelecer, tiver cancelada a sua naturalização, porexercer atividade nociva ao interêsse nacional.Nos casos indicados nos incisos I e II a perda da nacionalidade será decretada pelo Presidente da República, apuradas ascausas em processo que, iniciado de ofício, ou mediante petiçãofundamentada, correrá no Ministério da Justiça, ouvido sempreo interessado (Lei n.o 818, art. 23).Na hipótese prevista na alínea III, o processo é da competência da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional; será iniciadomediante a solicitação do Ministério da Justiça, ou representaçãode qualquer pessoa (art. 24).O cancelamento da naturalização compreende a abertura deinquérito, seguido de denúncia, ou de pedido de arquivamento.Recebida a denúncia, seguir-se-á o rito processual indicado naLei n.o 818, arts. 27 a 34.Cumpre não confundir nacionalidade e cidadania. AfirmamESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO que, em nosso sistema legislativo,o conceito de cidadania está reservado à qualidade de possuir eexercer direitos políticos. Cidadão e eleitor são, pois, palavrassinônimas, em nossa Constituição. Quem não é eleitor não é cidadão, pôsto tenha a nacionalidade brasileira.

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Da naturalização: - A concessão da naturalização é de faculdade exclusiva do Presidente da República, em decreto referendado pelo Ministro da Justiça (Lei n.o 818, art. 7.o). Podeser concedida mediante decreto coletivo, desde que, no seu texto,fique perfeitamente individualizado cada beneficiário (Lei n.o3.192, de 4-7-1957, art. 1.o).São condições para a naturalização (Lei n.o 818, art. 8.o):I. Capacidade civil do naturalizando, segundo a lei brasileira.II. Residência contínua no território nacional pelo prazomínímo de cinco anos, imediatamente anteriores aopedido de naturalização.III. Ler e escrever a língua portuguêsa, levada em contaa condição do naturalizando.IV. Exercício de profissão ou posse de bens suficientes àmanutenção própria e da família.V. Bom procedimento.VI. Ausência de pronúncia ou condenação no Brasil, porcrime cuja pena seja superior a um ano de prisão.VII. Sanidade física.Algumas dessas exigências, em casos especiais, podem ser suavizadas e mesmo dispensadas, consoante se vê da mesma Lei n.o818, modificada pela Lei n.o 3.192 (art. 8.o, §§ 1.o e 2.o; art. 9.o,§ único).O requerimento será dirigido ao Presidente da República,com as especificações constantes do art. 10 da Lei n.o 818 e instruído com a documentação indicada no respectivo § único.No Distrito Federal, a petição é apresentada diretamente aoMinistério da Justiça, enquanto nos Estados e nos Territórios,à Prefeitura Municipal da localidade em que residir o naturalizando (arts. 12 e 13).Em qualquer caso, o pedido é enviado à repartição policialcompetente para sindicância e permuta das individuais datiloscópicas, opinando em seguida a autoridade (art. 13,§ 1.o a 4.o).Deverá ser igualmente ouvido o órgão federal de saúde (Lei n.o2.312, de 3-9-1954, art. 27).Terminada a instrução, o processo será remetido ao Ministério da Justiça, que o apresentará, com parecer e

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novas diligências, se necessárias, ao Presidente da República (art. 14).Concedida a naturalização e arquivado no Ministério daJustiça o respectivo decreto, será enviada certidão ao juiz dedireito do domicílio do interessado, a fim de lhe ser imediata esolenemente entregue, em audiência pública, na qual se explicaráa significação do ato, advertindo-se quanto aos direitos e deveresdêle decorrentes (Lei n.o 818, art. 15, modificado pela Lei n.o 3.192).A entrega da certidão constará do têrmo lavrado no livrode audiências e assinado pelo juiz e pelo naturalizando (art. 16),devendo êste reunir as condições exigidas em lei (conhecimentoda língua, renúncia da nacionalidade anterior e compromisso dequem cumprir os deveres, de brasileiro).Durante o processo de naturalização, poderá qualquer cidadãobrasileiro impugná-la, desde que o faça fundamentadamente, devendo ser junta ao processo a impugnação e os documentos quea acompanharem (art. 17).A naturalização só produzirá efeito após a entrega da certidão, na forma dos arts. 15 e 16, e confere ao naturalizado ogôzo de todos os direitos civis e políticos excetuados os que aConstituição Federal atribui exclusivamente a brasileiros natos(Lei n.o 818, modificada pela Lei n.o 3.192).Acabamos de aludir a direitos civis e políticos. Efetivamente,sob o aspecto subjetivo, subdividem-se os direitos em individuaise políticos. Direitos individuais, ou, com mais propriedade, direitos civis, são aquêles que cabem ao indivíduo, como ser humano; direitos políticos são os referentes à co-participação doindivíduo no organismo social. Preenchidas certas condições denacionalidade, alistamento, elegibilidade, diplomação ou investidura, assumem o caráter de direitos individuais.Se o naturalizado, na vigência de Constituições anteriores,

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exerceu qualquer mandato eletivo, depois de haver adquirido anacionalidade brasileira, continua sendo elegível para os cargosde representação popular, exceto os de Presidente e Vice-Presidente da República e o de Governador (Const. Federal, art. 19 dasDisposições Transitórias).A naturalização não importa aquisição da nacionalidade brasileira pelo cônjuge do naturalizado (art. 20). Mas, o menorestrangeiro residente no País, filho de pais estrangeiros naturalizados brasileiros e aqui domiciliados, é considerado brasileiro paratodos os efeitos (Lei n.o 4.404, de 14-9-1964, art. 1.o). Atingidaa maioridade, deverá o interessado, para conservar a nacionalidade brasileira, optar, por ela, dentro de quatro anos (art. 2.o).No ato da naturalização o Ministro da Justiça poderá autorizara tradução do nome do naturalizado, se este o requerer (art. 21).Será nulo o ato de naturalização se provada a falsidade ideológica ou material de qualquer dos requisitos exigidos pelos arts.8.o e 9.o (Lei n.o 818, art. 35, modificada pela Lei n.o 3.192).A citada Lei n.o 818 encerra ainda disposições sôbre requisição da nacionalidade e direitos políticos.

Disposições legais referentes a estrangeiros: - Numerososos diplomas legais referentes a alienígenas. Limitar-nos-emos acitar aqui os mais importantes: a) - sôbre extradição (Dec-lei n.o 394, de 28-4-1938) ; b) - sôbre expulsão (Dec. n.o479, de 8-6-1938; Dec.-lei n.o 554, de 12-7-1938; Dec.-lei n.o1.377, de 27-6-1939; Dec.-lei n.o 6.259, de 10-2-1944, art. 70 (paraos que contravenham disposições da lei de loterias); Dec.-lein.o 5.860, de 30-9-1943, art. 2.o (para os que fizerem falsa declaraçãoperante o registro civil para fins de aquisição da nacionalidadebrasileira); c) - Decreto-lei n.o 6.238, de 3-2-1944 (sôbre

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registro de estrangeiros admitidos em caráter temporário) ; d) - entrada e saída (Dec.-lei n.o 406, de 4-5-1938, e seu Regulamento,aprovado pelo Dec. n.o 3.010, de 20-8-1938); e) - Lei n.o 3.359,de 22-12-1957 (sôbre as condições para admissão de nacionais eestrangeiros ao exercício de atividade remunerada no país e sóbre abolição do registro policial de estrangeiros); f) - para oexercício da profissão de corretor de imóveis, o estrangeiro, alémdos demais requisitos, deve comprovar permanência legal e ininterrupta, no país, durante o último decênio (Lei n.o 4.116, de 27-8-1962,art. 2.o § 1.o) ; g) - sôbre o repatriamento de portadores de doenças mentais, dispõe o Decreto n.o 24.559, de 3-7-1934, art. 25, § 2.o.

DO NOME. DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA.hISTÓRIA. ELEMENTOS ATUAIS DO NOME. POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Definição do nome: - Um dos mais importantes atributosda pessoa natural, ao lado da capacidade civil e do estado, é onome. O homem recebe-o ao nascer e conserva-o até a morte. Ume outro se encontram eterna e indissolüvelmente ligados. Emtodos os acontecimentos da vida individual, familiar e social, emtodos os atos jurídicos, em todos os momentos, o homem tem deapresentar-se com o nome que lhe foi atribuído e com que foiregistrado. Não pode entrar numa escola, fazer contrato, casar,exercer um emprêgo ou votar, sem que decline o próprio nomeNo sugestivo dizer de JOSSERAND, o nome é como uma etiquêtacolocada sôbre cada um de nós, êle dá a chave da pessoa tôdainteira.Pode ser definido como o sinal exterior pelo qual se designa,se identifica e se reconhece a pessoa no seio da família e da comunidade. É a expressão mais característica da personalidade,o elemento inalienável e imprescritível da individualidade da

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pessoa. Não se concebe, na vida social, ser humano que nãotraga um nome.Serve para individualizá-lo não só durante a sua vida, comotambém após a sua morte. Tão notória é a respectiva utilidadeque seu uso se estendeu às firmas comerciais, às coletividades,aos navios, locomotivas e aviões, às cidades, rimas e logradourospúblicOS, aos animais, aos produtos agrícolas e até aos furacões.

Natureza jurídica: - Várias as opiniões sôbre essa questão. Para uns, o nome é uma forma de propriedade. Mas essaopinião não pode ser acolhida. A propriedade comum é alienável,prescritível, patrimonial e exclusiva. Tais caracteres são estranhos ao nome. Afirmou-se, por isso, para contornar a dificuldade, que seria uma propriedade sui-generis.Asseguram outros que o nome é um direito da personalidade,exercitável erga omnes e cujo objeto é inestimável. É o pensamento de FERRARA e RUGGIERO. Para terceira corrente, trata-sede direito subjetivo e Extrapatrimonial, de objeto imaterial.Mas, não pára aí a controvérsia. Para COLIN ET CAPITANT,o nome é marca distintiva da filiação. Finalmente, para outrosainda, sinal distintivo e revelador da personalidade. Dêssesentir é JOSSERAND, a cujo entendimento nos filiamos.

História: - A imprescindibilidade do nome foi reconhecidadesde os niais remotos tempos. Entre os gregos, era único eindividual (Sócrates, Platão, Aristótelesr). Cada pessoa tinha opróprio nome e não o transmitia aos descendentes. Entre oshebreus, era igualmente único, mas com o tempo, quando astribos se multiplicaram, os indivíduos passaram a ser individualizados pelo seu nome ligado ao do genitor (José Bar-Jacó José, filho de Jacó). Como observa CUNHA GONÇALVES , os nomesdo apóstolo Bartolomeu e do bandido Barrabás indicavam apenasa filiação (Bartolomeu, filho de Tolomeu - Barrabás, filho deAbás), mas não o da própria personagem, que se perdeu naturalmente na noite dos tempos.

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Acrescenta o mesmo civilista que tal sistema predomina aindaentre os árabes (Ali Ben Mustafa - Ali filho de Mustafá).Aliás, desde a dominação maometana, alguns judeus passarama adotar, igualmente, a desinência Ben (Bensabat, Benoliel).Entre os russos, adotam-se, no sobrenome, as partículas vitchou vicz, para os homens, e ovna, para as mulheres (AlexandreMarkovicz - Alexandre, filho de Marcos; Nádia Petrovna Nádia, filha de Pedro). Os rumenos usam a partícula esco (Lupesco, Popesco), enquanto os inglêses a partícula son (Stevenson).Feita essa breve digressão, voltemos à história do nome. EmRoma, o nome era bastante complexo. Os elementos que entravam em sua composição eram: a) - o gentílico, usado portodos os membros da mesma gens; b) - o prenome, ou nomepróprio de cada pessoa.Posteriormente, terceiro elemento apareceu, o cognome, devido ao grande desenvolvimento da gens e às complicações provenientes das alianças. Inicialmente, o cognome era individual,depois se tornou hereditário. Mas, era próprio dos homens, asmulheres não o usavam.Nomes com três elementos, como Marco Túlio Cícero, erampeculiares ao patriciado (Marco - prenome; Túlio - gentílico;Cícero - cognome). Nomes de um só, no máximo de dois elementos, eram próprios da plebe (Espártaco).Com a conquista das Gálias e da Lusitânia, passaram estasa adotar o sistema romano, porém, com a invasão dos bárbaros,retornou-se ao do nome único, entre êles vigorante. Paulatinamente, no entanto, os nomes bárbaros foram substituídospelos do calendário cristão. Tornando-se cada vez mais densa apopulação, começou a surgir confusão entre pessoas com o mesmonome e pertencentes a famílias diversas.Para distingui-las, recorreu-se ao emprêgo de um sobrenome,ora tirado de qualidade ou sinal pessoal (Bravo, Valente, Branco),ora da profissão (Monteiro), ora do lugar do nascimento (Portugal), ora de algum animal, planta ou objeto (Coelho, Carvalho,Leite). Mas, com maior freqüência, recorria-se ao nome paterno,

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em genitivo (Afonso Henriques - Afonso, filho de Henrique;Lourenço Marques - Lourenço, filho de Marco).Esse sobrenome, a princípio, era individual e não se transmitia hereditàriamente. Depois, todavia, começou a passar depai para filho. Êsse o seu caráter na atualidade.Durante muito tempo o nome esteve à margem do direito,sendo livre sua alteração. Foi a Ordenança de Amboise, de 1555,que primeiro negou qualquer mudança. Hoje, respeitados o prenome e o apelido de família, possível será a modificação consoante se verá.Alguns Códigos ocupam-se do nome, como o alemão (art. 12);outros não, como o brasileiro. Segundo CLóvIs, julgou-se que Oprincípio da reparação do dano (Cód. Civil, art. 159) seria suficiente para proteger todos os interêsses que se prendam ao nome.No anteprojeto oferecido, o Prof. ORLANDO GOMES dedicanada menos de sete artigos à disciplina jurídica do nome, regulando,sucessivamente, o direito ao nome, a alteração dêste, o nome damulher casada, a proteção ao direito do nome, as restrições aoemprêgo de nome alheio, a proteção do pseudônimo e a identificação da pessoa (arts. 38 a 44).

Elementos atuais do nome: - Presentemente, o nome da pessoa compõe-se de um prenome e do respectivo apelido de familia.O primeiro é individual e pode ser escolhido ad libitum dos interessados, tanto na onomástica nacional, como na peregrina.Pode ser simples (José, Antônio, Pedro), ou duplo (JoséCarlos, Vítor Hugo, João Batista). Mas, nada impede seja triploou quádruplo, como sucede nas famílias reais.Entre nós, o prenome (ou nome próprio) antecede ao patronlmico ou apelido de família. Em outros países, entretanto, comoa Itália, por exemplo, primeiro se menciona o patronímico e emseguida o prenome.Dissemos que o prenome pode ser escolhido ad libitum dosinteressados. Não se pense, todavia, que a escolha seja arbitráriae indiscriminada. Não seria realmente admissível adoção de

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prenome que expusesse o portador à irrisão, como aquêle divulgado pelo último recenseamento em nosso país: Himeneu Casamentício das Dores Conjugais.Aliás, o Decreto n.o 4.857, de 9-11-1939, art. 69, § único, dispõe que: "os oficiais do Registro Civil não registrarão prenomessuscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando ospais não se conformarem com a recusa do oficial, êste submeteráo caso, independentemente da cobrança de quaisquer selos, custasou emolumentos, à decisão do juiz a quem esteja subordinado".Não obstante a excelência da disposição legal, continuam apulular nomes exóticos e arrevezados, fruto, não da fantasia,talvez perdoável, porém, da mais indesculpável extravagância, comoOderfla (Alfredo às avessas), Valdevinos e Rôdo Metálico.O segundo elemento fundamental do nome é o patronímicoou apelido de família. É o sinal revelador da procedência dapessoa e serve para indicar sua filiação, sua estirpe. Como oprenome, o apelido de família é inalterável (Dec. n.o 4.857, de9-11-1939, art. 70, modificado pelo Dec. n.o 5.318, de 29-2-1940).Pode ser simples (Rebouças, Carvalho) OU composto (Pais deBarros). Pode provir do sobrenome paterno, ou materno, e também da fusão de ambos.As partículas de, do, da, dos, e das, e seus correspondentesem idiomas estrangeiros, também fazem parte integrante do nome,porém, não têm a importância que muita gente lhes empresta.Nosso direito não toma conhecimento dos títulos nobiliárquicos, que assim não fazem parte do nome. Em casos especiais,no meio literário e artístico, como nos conventos, admite-se ouso de nomes de guerra, de pseudônimos e designações religiosas. Trata-se, no entanto, de denominações de uso especializadoe restrito, à margem do nome verdadeiro, e que não dispensama pessoa de usar êste em todos os atos da vida civil.

Possibilidade de alteração: - O prenome será imutável.

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Assim se expressa, em têrmos peremptórios, o art. 72 do Decreton.o 4.857, de 9-11-1939.O dispositivo é curialmente salutar. Não se admite que umapessoa, registrada como Antonio, passe a chamar-se João. Semelhante mutação seria perigosa e altamente nociva aos interêssessociais.Contudo, o princípio legal não é inflexível, absoluto. Estabelece, realmente, o § único, do art. 72: "quando fôr evidenteo êrro gráfico do prenome e desde que não se altere sua pronúncia, admite-se a retificação, bem como a sua mudança, mediante decisão do juiz, a requerimento do interessado, no caso do§ único do art. 69, se os oficiais não o houverem impugnado".O Decreto n.o 4.857, de 1939, proibe, pois, mudança de prenomes e não simples retificação de erros. Se a pessoa foi registrada sob o nome INércia quando o certo era Nélsia, ou Anrique,quando a grafia exata é Henrique, admite-se õbviamente a corrigenda. Da mesma forma, se a pessoa foi registrada com oprenome no diminutivo, quando êsse não era o intento do declarante (por exemplo, Teresinha por Teresa).Autoriza aluda a lei mudança do prenome se êste é suscetível de sujeitar o portador à irrisão, não tendo o oficial do registro civil impugnado oportunamente a designação.Volva-se àquela pessoa registrada com o absurdo nome Himeneu. Inquestionável o direito dela de pleitear a mudança denome que só lhe pode criar dificuldades na da, expondo-a achacotas e zombarias. Da mesma forma, os tribunais têm admitido a substituição de nomes como Mussolini, Hitler e Lúcifer.Observe-se, no entanto, que não é o fato de uma palavra tersignificação de coisa que expõe a ridículo quem a tem comonome; nas mesmas condições encontra-se o vocábulo que apenasexprima um nome singular.Êsses os casos em que se admitem temperamentos à regralegal da imutabilidade do prenome. Mas, é preciso não perderde vista o alcance da disposição. O objetivo do legislador é evitarque a pessoa, por malícia ou por capricho, esteja a todo instantea mudar de nome.

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Se, entretanto, não se trata de objetivo inconfessável, comoo de ocultar a própria identidade ou causar prejuízo a outrem,mas mera retificação de engano, havido por ocasião da abertura do assento, não há como indeferir-se o pedido, colocando-sedestarte o registro em consonância com o nome sempre usadopelo interessado.De modo idêntico, não infringe o disposto no art. 72 simplesacréscimo ou justaposição de outro nome ao já usado pelo registrado.Pela mesma razão, permite-se transformação de prenome singelo em composto, ou de simples em duplo (por exemplo, deAngelino para Angelino Francisco) e vice-versa (por exemplo,de Elisa Ercília para Elisa). Só existe restrição se se cuidarde nome célebre ou já consagrado (Marco Antonio, Júlio César,João Batista). Em casos tais, os elementos constitutivos do prenome interpenetram-se de tal maneira, pela alusão às personagensque representam, que impossível se torna sua separação.No tocante à tradução, sem embargo de algumas decisõesadversas, poucas aliás, firma-se orientação jurisprudencial no sentido de acolhê-la e deferi-la.Além da inalterabilidade do prenome, com as atenuações jáespecificadas, e que constitui um dos princípios fundamentaisnesta matéria, consagra também a lei a intangibilidade do patronlmico ou apelido de família.Dispõe efetivamente o art. 70 do Decreto n.o 4.857, de 1939(com a modificação introduzida pelo Dec. n.o 5.318, de 1940),"o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridadecivil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar onome, desde que não prejudique os apelidos de fanmilia, fazendo-sea averbação com as mesmas formalidades e publicações pelaimprensa".Assim sendo, pode o interessado encaixar no próprio nomeoutros elementos, como o sobrenome materno ou avoengo; podeefetuar supressões, traduções e transposições. Só é obrigadoa deter-se ante o apelido de família, que não pode ser mudado,por ser, depois do prenome, o elemento mais típico do nome.

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Adverte ainda o mesmo Decreto n.o 4.857, no art. 71, que"qualquer alteração posterior do nome, só por exceção e motivadamente será permitida, por despacho do juiz togado a queestiver sujeito o registro e audiência do Ministério Público, arquivando-se o mandado, quando fôr o caso, e publicando-se pelaimprensa".Suponha-se, por exemplo, que o interessado precise alterar onome para fazer parte de firma comercial. Nesse caso, justificada estará a mudança. Assim acontecerá, aliás, em todos oscasos em que ocorra uma razão aceitável ou legítima.Também permite a lei alteração do nome no caso de adoçãodo registrado por terceira pessoa. Com efeito, estabelece o art. 2.oda Lei n.o 3.133, de 8-5-1957, que "no ato da adoção serão declarados quais os apelidos de família que passará a usar o adotado",ajuntando o § único que "o adotado poderá formar seus apelidosconservando os dos pais de sangue; ou acrescentando os do adotante; ou, ainda, sômente os do adotante, com exclusão dos apelidos dos pais de sangue".O processo de retificação vem indicado nos arts. 595 a 599do Código de Processo Civil, sendo de instrução sumária. Acompetência é tanto do juiz do lugar em que o assento foi lavrado,com o da residência do interessado. Aliás, a Lei n.o 3.764,de 25-4-1960, estabelece rito sumaríssimo para as retificações doregistro civil.Observe-se, por fim, que se a retificação, pleiteada não se relacionar apenas com os sinais da identidade, mas com a própriaidentidade das partes, sendo, por exemplo, posta em dúvida afiliação, ou paternidade, aparece o interêsse público, surge aquestão de estado e seu rito é o ordinário, de acôrdo com oart. 599 do estatuto processual.

Outras disposições: - A mulher assume, pelo casamento,os apelidos do marido (Cód. Civil, art. 240). O art. 81 do Decreton.o 4.857, de 1939, determina que no assento de casamento, alémdos requisitos do art. 195 do Código Civil, conste o nome

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quepassa a ter a mulher, em virtude do casamento,marido, vendo FORTI nessa identidade a união que deve existirNo direito romano, o nome da mulher casada era igual aoentre as pessoas dos cônjuges.Só se vier a ser condenada na ação de desquite perderá elao direito a usar o nome do marido (Cód. Civil, art. 324). Nãoo perderá, todavia, com a viuvez. Mas tal direito obviamentecessa, se ela convola segundas núpcias.Quanto ao nome do estrangeiro domiciliado no Brasil, seráo constante de seus assentamentos no registro respectivo (Dec.-lei n.o 5.101, de 17-12-1942, art. 1.o). Sua alteração, em casosexcepcionais, só poderá ser autorizada pelo Ministro da Justiça(art. 2.o), podendo igualmente ser deferida ao naturalizado, noato da naturalização, e a critério daquela autoridade, a traduçãode seu prenome (art. 3.o), ou mesmo do nome (Lei n.o 818, de18-9-1949, art. 21).Também merece breve alusão o nome comercial, sem dúvida,um dos temas que mais têm preocupado os autores. Tem êleexpressivos traços que o distinguem nitidamente do nome civil.Ao contrário dêste, que só tem valor moral, o nome comercialtem valor pecuniário; é um quid rigorosamente apreciável emdinheiro. Como diz o Ministro FRANCISCO CAMPOS a significação que o nome adquire para a clientela é que lhe conferevalor.O nome civil é inalienável; o comercial, tendo conteúdo estritamente patrimonial, sendo, pois, um valor, é transmissível intervivos ou mortis causa, embora normalmente só possa ser cedidojuntamente com o fundo de negócio.O nome civil não é exclusivo, ninguém pode impedir queoutrem seja registrado ou faça uso do mesmo nome. A exclusividade, porém, é inerente ao nome comercial e cabe ação cominatória para forçar o réu a abster-se de utilizar determinada denominação, pertencente ao autor, ou suscetível de confundir-se coma dêste.Por fim, o nome civil, além de inalienável, é também

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imprescritível ; não o é, todavia, o nome comercial, sujeito à prescriçãodo Decreto n.o 1.236, de 14-10-1904. Está sujeito a registro noRegistro de Comércio o nome comercial a sociedade mercantil(Lei n.o 4.726, de 13-7-1965, art. 37, n.o III, inc. 7.o).Antes de encerrarmos êste assunto, cumpre ainda aludir aodisposto no art. 68 do Decreto-lei n.o 3.688, de 3-10-1941: constituicontravenção penal a recusa de dados sobre a própria identidadeou qualificação à autoridade competente. O Código Penal, porsua vez, no art. 185, comina penas para o delito de usurpaçãode nome ou pseudônimo alheio.

DAS PESSOAS JURÍDICAS. GENERALIDADES. NOTÍCIA HISTÓRICA. SUA NATUREZA JURÍDICA.CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Generalidades: - Já se disse algures tratar-se de tema tormentoso, fascinante e sempre nôvo, devido às suas múltiplas,variadas e modernas aplicações. Cada dia que passa, novos eimprevistos horizontes se descortinam nesse proteiforme institutojurídico.Para bem compreender a existência de semelhantes entidades,as pessoas jurídicas, é preciso partir da idéia de que o indivíduo,muitas vêzes, por si só, será incapaz de realizar certos fins, queultrapassam suas fôrças e os limites da vida individual. Paraconsecução dêsses fins, o indivíduo tem de unir-se a outros homens, formando associações, dotadas de estrutura própria e depersonalidade privativa, com as quais supera a debilidade desuas fôrças e a brevidade de sua vida.Acrescentando sua atividade à de seus semelhantes, juntandoseu poder ao de outros indivíduos, o homem multiplica quase aoinfinito suas possibilidades, propiciando a execução de obrasextraordinárias e duráveis em benefício da comunidade. As fôrçasassim aglutinadas não se somam, mas se multiplicam. Por

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isso,objetivos inatingíveis para um só homem são fàcilmente alcançados pela reunião dos esforços combinados de várias pessoas.Com justeza já se afirmou anteriormente que o espírito deassociação obedece, em tôdas as suas manifestações, a duas fôrçasfundamentais, simultâneas e concorrentes: a) - de um lado, atendência inata do homem para o convívio em sociedade; b) de outro, a acenada vantagem que resulta da conjugação de fôrçase que se expressa pelo princípio mecânico da composição das fôrçasparalelogramo e segundo o qual o efeito da resultante é oproduto e não a soma aritmética das fôrças agrupadas.Surgem assim as pessoas jurídicas, também chamadas pessoasmorais (no direito francês) e pessoas coletivas (no direito português) e que podem ser definidas como associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pelaordem jurídica como sujeitos de direitos.

Notícia histórica: - Como diz CALOGERO GANGI no antigodireito romano a pessoa jurídica não existia. Na primeira fasedo Império Romano, conheciam-se, entretanto, certas associaçõesde interêsse público, como universitates, sodalitates, corpora ecollegia. No direito de JUSTINIANO, enriqueceu-se a pessoa jurídica com o acréscimo das fundações. Mas os romanos sempre semostraram muito sóbrios, muito parcimoniosos nesse tema e jamaistiveram a menor idéia a respeito das vastas abstrações metafísicas que os escritores alemães iriam formular séculos mais tarde.Também no antigo direito germânico não existe o conceitode pessoa jurídica. As pessoas naturais, integrantes da coletividade, eram os verdadeiros sujeitos dos direitos. O conceito dapersonalidade jurídica só penetrou no direito germânico com aposterior recepção do direito romano.Foi o direito canônico que desenvolveu tal instituto com oincremento das fundações, então denominadas corpus mysticum.Qualquer ofício eclesiástico, provido de patrimônio

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próprio, eraconsiderado um ente autônomo. A princípio, as fundações eramsubordinadas à Igreja; mais tarde, porém, tornam-se independentes (pium corpus, sancta domus, hospitalis).Mais recentemente, as associações e instituições passaram ainteressar ao Estado, especialmente do ponto de vista político.Nos tempos modernos, elas multiplicaram-se de modo impressionante, para os fins mais diversos, quer de ordem pública, querde ordem privada.Tivemos então as autarquias ou entidades paraestatais, associedades de economia mista, os institutos previdenciários, ascaixas de aposentadorias e pensões, as caixas econômicas e montesde socorro, os sindicatos, os partidos políticos, as sociedades literárias, científicas, artísticas, esportivas e beneficentes.As autarquias correspondem àquilo que os franceses denominam établissements publics. São ramos dos serviços gerais doEstado, que se destacam do conjunto para serem erigidos em órgãos dotados de vida própria.No dizer de TITO PRATES DA FONSECA, são pessoas jurídicasde direito público, descentralizações da administração geral (União,Estado e Município). Assim as define o Decreto-lei n.o 6.016,de 22-11-1943, art. 2.o: considera-se autarquia, para efeito dêstedecreto-lei, o serviço estatal descentralizado, com personalidadede direito público, explícita ou implicitamente reconhecida por lei.Têm elas tríplice característica: a) - a existência das autarquias deriva da lei, que lhes confere aptidão para adquirirum patrimônio; b) - têm administração distinta da administração geral ou local; c) - estão sob a fiscalização e contrôledo govêrno.Aludiu-se acima às entidades paraestatais. Como observaFERRARA, trata-se de designação nova, que, para alguns, parece enigmática. São satélites do Estado no desenvolvimento desua atividade.

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Entre nós, não se faz qualquer distinção a respeito de autarquia e entidade paraestatal. São expressões sinônimas, têm omesmo significado.As sociedades de economia mista nascem da fusão do capitalpúblico com o particular. A pessoa jurídica de direito públicointerno associa-se a particulares, fundando emprêsas destinadas arealizar serviço de interêsse da coletividade. Essa mútua colaboração, visando à obtenção de um fim social, repousa no interesse que o povo tem na execução do serviço. Como asseveraERIMÁ CARNEIRO, verifica-se a existência de economia mistatoda vez que o Estado cria, regulamenta e administra uma empresa privada.Os institutos previdenciários têm por fim prestar assistênciaàs classes trabalhadoras, nos têrmos da Constituição Federal edo direito social, notadamente do Decreto n.o 35.448, de 1-5-1954,da Lei n.o 3.807, de 26-8-1960 e do Decreto n.o 48.959-A, de 19-9-1960.Enfim, essas e as demais entidades já mencionadas (sindicatos, partidos políticos, caixas e sociedades civis), estão a evidenciar a extensa contribuição que, nestes últimos tempos, vemrecebendo a teoria das pessoas jurídicas.Paralelamente a tal expansão de entes e de fins, assiste-seigualmente, na atualidade, à ampliação do conceito técnico-jurídico da pessoa jurídica. Ela já não é mais figura exclusiva dodireito privado, como o foi por muito tempo, mas, de direito universal, de direito público e privado. Sua tendência atual é deabraçar, na respectiva sistematização,todos os entes da vida social.Sua posição, portanto, no direito moderno, é muito mais importante que na primitiva ordem jurídica.

Sua natureza jurídica: - Tal questão é campo aberto àsmais sutis discussões e às polêmicas mais ardentes, em que tomaram parte civilistas, romanistas, filósofos do direito, criminalistas, comercialistas e até canonistas.Várias teorias formularam-se a respeito: a) - da ficção;b) - da equiparação; c) - orgânica ou da realidade objetiva;

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d) - da realidade das instituições jurídicas.A primeira teoria, da ficção, constitui a doutrina tradicional.Originou-se do direito canônico e prevaleceu até o século passado.Hoje, encontra-se em franco descrédito.Ela parte do princípio de que só o homem é capaz de sersujeito de direitos. Mas, o ordenamento jurídico pode modificarêsse princípio, ora negando capacidade ao homem (como no casodo escravo), ora estendendo-a a outros entes que não o homem,como as pessoas jurídicas, que constituem sêres fictícios, incapazes de vontade e que são representados como os incapazes. Apessoa jurídica é assim criação artificial da lei para exercerdireitos patrimoniais; é pessoa puramente pensada, mas nãorealmente existente. Só por meio de abstrações se obtém essapersonalidade.É a teoria sustentada por SAVIGNY e defendida por VAREILLES-SOMMIÊRES, para quem a pessoa jurídica não existe senão naInteligência, sendo puro ato de espírito; é pessoa imaginária,sem qualquer realidade, sem qualquer objetividade, simples efeito de ótica, simples projeção.No fundo, dela não diverge a de IHERING. Para êste, a pessoa jurídica não é senão um sujeito aparente, um expedientetécnico, a ocultar os verdadeiros sujeitos, que são sempre os homens. A pessoa jurídica é uma máscara, um modo de designaras pessoas reais. É um biombo, atrás do qual se ocultam osverdadeiros protagonistas das relações jurídicas.A teoria da ficção não pode ser aceita. Demonstrou-o GIORGIODEL VECHIO. Ela não cuidou de explicar de maneira algumaa existência do Estado como pessoa jurídica. Quem foi o criadordo Estado? Uma vez que êle não se identifica com as pessoasfísicas, deverá ser igualmente havido como ficção? Nesse caso,o próprio direito será também outra ficção, porque emanado doEstado. Ficção será, portanto, tudo quanto se encontre na esfera

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jurídica, inclusive a própria teoria da pessoa jurídica.A segunda teoria, da equiparação (WINDSCHEID e BRINZ), demodo idêntico, nega qualquer personalidade jurídica como substância. Ela admite, tão-somente, que há certas massas de bens,determinados patrimônios, equiparados, no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais. As pessoas jurídicas não passam demeros patrimônios destinados a um fim específico, ou patrimôniospersonificados pelo direito, tendo em vista o objetivo a conseguir-se.O mesmo DEL VECCHIO evidencia a inaceitabilidade de semelhante concepção, que personaliza o patrimônio, elevando os bensao plano de sujeitos de direitos e, por outro lado, rebaixa aspessoas, até confundi-las com as coisas.A teoria da realidade objetiva, também chamada orgânica,parte de base diametralmente oposta à da ficção. Pessoa não ésó o homem. Junto dêste há entes dotados de existência real,tão real quanto a das pessoas físicas. São as pessoas jurídicas,que são realidades vivas.Por outras palavras, junto à pessoa natural, como organismofísico, há organismos sociais, ou pessoas jurídicas, que têm vidaautônoma e vontade própria, cuja finalidade é a realização dofim social. Por conseguinte, pessoas jurídicas são corpos sociais,que o direito não cria, mas que se limita a declarar existentes.O principal representante dessa teoria foi OTTO GIERKE.Teve ela grande difusão, notadamente na Alemanha, sendo seguida por VON TUHR e ZITELMANN.Mas essa teoria recai na ficção quando se refere à vontadeprópria da pessoa jurídica. A vontade é peculiar aos homens;como fenômeno humano, não pode existir num ente coletivo. Comoobserva FERRARA, é navegar a plenas velas no mar da fantasiaaludir à vontade de um ente coletivo. Cai assim por terra tôdaa construção jurídica arquitetada pela teoria orgânica.Entre as duas posições antagônicas (teoria da ficção e teoria

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da realidade), interpõe-se a da realidade técnica ou juridica eque fornece a verdadeira essência jurídica da pessoa jurídica.Sendo eclética, ela reconhece que há uma parcela de verdadeem cada uma daquelas teorias. Do ponto de vista físico e natural, só a pessoa física é realidade. Sob êsse aspecto, portanto, a pessoa jurídica não passará de ficção.Mas, tôda ciência aprecia diversamente os fenômenos, tôdaciência define êsses fenômenos mediante critérios próprios. Ora,a noção de personalidade, de sujeito de direito, não é noçãoque se vá buscar nas ciências naturais, porém, noção jurídica,cuja definição há de ser procurada na ciência jurídica.Assim como a personalidade humana deriva do direito (tantoque êste já privou sêres humanos de personalidade - os escravos),da mesma forma pode êle concedê-la a outros entes, que não oshomens, desde que colimem a realização de interêsses humanos.A personalidade jurídica não é, pois, uma ficção, mas umaforma, uma investidura, um atributo, que o Estado defere a certosentes, havidos como merecedores dessa situação. O Estado nãooutorga tal predicado de maneira arbitrária e sim tendo em vistadeterminada situação, que já encontra devidamente concretizada.A pessoa jurídica tem assim realidade, não a realidade física(peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal,a realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismooutorgado às pessoas físicas.

Classificação das pessoas jurídicas: - As pessoas jurídicaspodem ser classificadas: a) - quanto às suas funções e capacidade; b) - quanto à sua estrutura; c) - quanto à sua nacionalidade.Sob o primeiro aspecto, as pessoas jurídicas são de direitopúblico, interno ou externo, e de direito privado (Cód. Civil,art. 13). Quanto ao segundo, elas se subdividem em

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associaçõese fundações (opinião tradicional). Finalmente, com referência ànacionalidade, as pessoas jurídicas são nacionais ou estrangeiras.Outra classificação poderia ser ainda mencionada; as pessoasjurídicas subdividir-se-iam em entes civis e entes eclesiásticos.Daquela primeira classificação falaremos logo mais. Por enquanto, deter-nos-emos na segunda, levada a efeito sob o aspectode sua estrutura (associações e fundações).Associações e fundações dependem necessàriamente da coexistência de dois elementos, um pessoal e outro real, a reuniãode várias pessoas e o acervo de bens. Um e outro não podemser dissociados. Na frase de SCHAFFLE, a reunião de várias pessoas sem a presença do elemento real equivale à alucinação espiritista; a reunião de bens sem o elemento pessoal, por sua vez,corresponderá ao absurdo materialista.Distinguem-se as associações das fundações por caracteresinconfundíveis. Os requisitos integrantes das primeiras são apluralidade de pessoas e o escopo comum que a estas anima. Osdas segundas são o patrimônio e sua destinação a um fim.Como afirma ANDREA TORRENTE, aquelas têm, é claro, umpatrimônio, mas êsse patrimônio tem função instrumental, representa um meio para a consecução dos fins colimados pelos sócios.Nestas, nas fundações, o patrimônio constitui o elemento essencial,juntamente com o objetivo a que êle se destina.As associações ou sociedades têm órgãos dominantes, as fundações, órgãos servientes, as primeiras, fins internos e comuns,as segundas, fins externos e alheios.Outras disposições: - A teoria da personalidade jurídica édominada por alguns princípios fundamentais: a) - a pessoajurídica tem personalidade distinta da de seus membros (universitas distat a singulis), embora êsse princípio esteja presentementeabalado em matéria de locação credial, como se viu anteriormente; b) - a pessoa jurídica tem patrimônio distinto. Essaautonomia patrimonial é caracterizada por dois preceitos:

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quoddebet universitas non debent singuli e quod debent singuli nondebet universitas; c) - a pessoa jurídica tem vida própria,distinta da de seus membros.Em regra, a pessoa jurídica tem os mesmos direitos que apessoa natural, pode contratar, adquirir por testamento, sujeita-seà prescrição (Cód. Civil, art. 163). Exerce ainda alguns direitospersonalíssimos, como a nacionalidade e o nome.Mas, õbviamente, não pode casar, adotar, ou testar, nemexercer a testamentaria, nem ser acionista de emprêsa jornalística(Lei n.o 2.083, de 12-11-1953, art. 2.o). Como se expressa o anteprojeto ORLANDO GOMES (art. 65), as pessoas jurídicas podemadquirir os direitos e assumir as obrigações que, por sua natureza,não sejam privativos da pessoa humana.Também não podem cometer crimes (societas delinquere nonpotest - universitas non delinquunt). Agindo por intermédiode representantes, se êstes por acaso exorbitam, desviando-se dalei, recai individualmente sôbre êsses representantes a culpa pelosatos criminosos praticados em nome delas. Já decidiu por issoo Supremo Tribunal Federal que não cabe ação penal contra pessoa jurídica.Mas, se esta não pode ser sujeito ativo de delitos (singulorum proprium est maleficium), pode, todavia, ser sujeito passivo,excluidas naturalmente as figuras criminosas inaplicáveis, rejeitada igualmente a possibilidade de ser a pessoa jurídica sujeitopassivo de delitos contra a honra, ainda que de difamação.

DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO.SUA ENUMERAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVILDAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO.

Enumeração das pessoas jurídicas de direito público: Como vimos anteriormente, as pessoas jurídicas são de direitopúblico, interno ou externo, e de direito privado (Cód. Civil,art. 13).

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As pessoas jurídicas de direito público externo, regidas pelodireito internacional, são as nações estrangeiras e a Santa Sé.Entre elas pode ser igualmente incluída a Organização das NaçõesUnidas (O.N.U.).As pessoas jurídicas de direito público interno estão parcialmente enumeradas no art. 14 da lei civil: I) - a União;II) - cada um dos seus Estados e o Distrito Federal; III) cada um dos municípios legalmente constituídos.Essa enumeração não esgota, contudo, o elenco das pessoasjurídicas de direito público interno. Efetivamente, as autarquiasadministrativas são pessoas jurídicas de direito público interno,nos têrmos do Decreto-lei n.o 6.016, de 22-11-1943, que assim dispõe, no art. 2.o: "considera-se autarquia, para efeito dêste decreto-lei, o serviço estatal descentralizado, com personalidade dedireito público, explícita ou implicitamente reconhecida por lei".Sob regime autárquico encontram-se, exemplificativamente, naórbita federal, a Estrada de Ferro Central do Brasil (Dec.-lein.o 3.306, de 24-5-1941), o Lloyd Brasileiro (Lei n.o 420, de10-4-1937) e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil; na órbitaestadual, o Departamento de Estradas de Rodagem (Dec.-lein.o 16.546, de 26-12-1946), o Departamento de Águas e EnergiaElétrica (Lei n.o 1.350, de 12-12-1951, art. 1.o), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Lei n.o 4.118, de 27-8-1962, art. 3.o)e a Superintendência Nacional de Abastecimento (Lei Delegadan.o 5, de 26-9-1962, art. 1.o).São ainda pessoas jurídicas de direito público interno ospartidos políticos (Lei n.o 4.740, de 15-7-1965, art. 2.o).Têm personalidade jurídica de direito privado o Serviço Social de Indústria (SESI) (Dec.-lei n.o 9.403, de 25-6-1946, art.2.o) e o Serviço Social do Comércio (SESC) (Dec.-lei n.o 9.853,de 13-9-1946, art. 2.o). Por igual, o SENAI é entidade de direito

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privado, o mesmo acontecendo com o SASSE (Lei n.o 3.149,de 21-5-1957; Dec. n.o 50.223, de 28-1-1961).Quanto aos Territórios, só quando constituídos em Estados,nos têrmos do art. 3.o da Constituição Federal, adquirirão personalidade jurídica.

Responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público: - Dupla a atividade exercida pelo Estado, a jurídica ea social. A atividade jurídica é aquela que colima o asseguramento da ordem jurídica interna e a defesa do território contra oinimigo externo. O asseguramento da ordem jurídica interna,por sua vez, compreende a manutenção da ordem pública e a distribuição da justiça. A atividade social tem por objeto a promoção do bem comum.Para realizar êsses fins e preencher suas funções, o Estadolança mão de pessoas físicas, agentes e funcionários públicos, aosquais delega os necessários podêres. Age, assim, por meio derepresentantes, cujos atos, em última análise, são atos da própriaadministraçãO pública.Êsses representantes, no desempenho de suas funções, noexercício de suas atividades, podem ocasionar danos ou lesões dedireito aos particulares. Tais danos serão ressarcíveis?Antigo e profundo o debate doutrinário manifestado a respeito. A teoria mais remota é a da irresponsabilidade absolutado Estado. Segundo o seu ponto de vista, o Estado é o órgãogerador do direito, o Estado existe para exercer a tutela do direito. Assim, quem com êle contrata deve saber de antemão queo mesmo não pode violar a lei; quem contrata com o funcionáriopúblico deve saber que êste só pode ser considerado preposto doEstado enquanto se mantém nos limites traçados pela lei. Se ofuncionário, na sua atuação, fere direitos individuais, ao própriofuncionário pessoalmente, e não ao Estado, caberá a obrigaçãode reparar o dano.Essa doutrina, que mereceu, no Senado francês, o epítetode tese feudal, não pode ser acolhida; na atualidade, está

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mesmototalmente abandonada. Ela constitui clamorosa injustiça, é anegação do próprio direito, repudiada pela consciência jurídicauniversal.O princípio hoje dominante, sem qualquer impugnação séria,é o da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público.Com PAUL DUEZ, podemos mesmo dizer que a responsabilidadeé a regra, a irresponsabilidade a exceção.Qual, porém, o fundamento jurídico dessa responsabilidade?A teoria civilista, procurando responder a essa indagação, começapor estabelecer diferença entre atos de império e atos de gestão.Realmente, no exercício de sua atividade, ora o Estado age comoentidade sobarana, cujo poder é irresistível, ora se conduz comoum particular qualquer na administração de seu patrimônio. Noprimeiro caso, pratica atos de império (por exemplo, quando oexecutivo decreta desapropriação por necessidade pública, quandoo legislativo expede lei, quando o judiciário profere sentença)no segundo, efetua atos de gestão (por exemplo, quando realizaconcorrência pública, quando celebra determinado contrato).Segundo a doutrina civilista, o dano não é indenizável quandoresulta de ato de império, pois, no dizer de LAFERRIERE, é típicoda soberania impor-se a todos sem compensação. Se o prejuízoadvém, todavia, de ato de gestão, preciso será distinguir se houve,ou não culpa. Se houve culpa, a indenização é devida. Semculpa não há ressarcimento do dano.É inaceitável semelhante doutrina. Só se pode tachar dearbitrária a distinção entre ato praticado jure imperii ou juregestionis. Realizando um ou outro, o Estado é sempre o Estado.Mesmo quando pratica simples ato de gestão o poder públicoage, não como um mero particular, mas para consecução de

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seus fins. Assim, não se pode dizer que o Estado é responsávelquando pratica atos de gestão e não o é, quando realiza atos deimpério. Negar indenização neste caso é subtrair-se o poder público à sua função específica, a tutela dos direitos.Em verdade, a responsabilidade da pessoa jurídica de direitopúblico interno encontra-se hoje inteiramente fora do conceito civilista da culpa, situando-se decisivamente no campo do direitopúblico.Efetivamente, é nesse direito, não no direito privado, quevamos localizar o fundamento da responsabilidade, que se baseiaem vários princípios (eqüidade, política jurídica), sendo, porém,o mais importante o da igualdade dos ônus e dos encargos sociais.O serviço público é organizado em benefício da coletividade. Mas,na sua atuação, pode êle produzir danos, acarretar certos malefícios. Devem êstes ser suportados por todos indistintamente,contribuindo cada um de nós, por intermédio do Estado, para oressarcimento do prejuízo sofrido por um só.A responsabilidade do poder público não mais se baseia,portanto, nos critérios preconizados pelo direito civil. Funda-seela em razões de ordem solidarista; a administração pública responde pelos deveres oriundos da solidariedade social. Aliás, jáensinava AMARO CAVALCANTI que assim como existe igualdadede direitos, deve igualmente existir igualdade dos encargos, princípio que se tornou fundamental no direito constitucional dospovos civilizados.Repetimos, pois: modernamente, todas as questões relacionadas com a responsabilidade civil do Estado apóiam-se em preceitosdo direito público. Assentam-se assim em princípios mais largos,ampliando-se o campo das reparações.Três as teorias filiadas ao direito público: a) - do riscointegral; b) - da culpa administrativa, ou da culpa do serviçopúblico; c) - do acidente administrativo.

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Pela teoria do risco integral, de todos os prejuízos, de todasas lesões de direito ocasionadas aos particulares pelos funcionários, cabe indenização, quer se trate de ato de império ou de atode gestão, quer seja regular ou irregular o funcionamento doserviço público. Na responsabilidade do Estado, que independedo pressuposto subjetivo da culpa, prepondera o caráter objetivo.Pela teoria da culpa administrativa, ou culpa do serviçopúblico, só há direito a indenização quando se prova que houvenegligência, imprudência ou imperícia, culpa in eligendo ou invigilando, em suma, violação de qualquer dever jurídico porparte dos representantes do poder público. Há, como se percebe,grande semelhança entre essa teoria e a da responsabilidade fundada no direito civil; nesta, a culpa é do funcionário, naquela,do próprio serviço público.Por fim, a teoria do acidente administrativo procura combinar as duas anteriores. Por ela, o ofendido tem direito a indenização, não só quando se demonstra ter sido culposo o funcionamento do serviço público (culpa administrativa), como tambémquando se evidencia que o prejuízo adveio de fato objetivo deirregularidade material, de acidente administrativo, ainda queinsignificante, de culpa anônima do serviço (risco integral).O Código Civil havia disposto no art. 15: - "as pessoasjurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atosdos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando adever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano".Êsse preceito legal, todavia, não esgota inteiramente o assunto.Como diz o Ministro OrozIMbo NONATo cuida apenas de umde seus aspectos, fixando a responsabilidade em caso de culpa dofuncionário. É o que se desume das expressões: procedendo de

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modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei.Mas, a Constituição Federal foi além, preceituando no art.194: - "as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessaqualidade, causem a terceiros". E remata o § único: - "caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano,quando tiver havido culpa dêstes".Todos os intérpretes são unânimes em afirmar a integraladoção da responsabilidade objetiva pelo texto constitucional.Realmente, como observa AGUIAR DIAS, se a ação regressivacabe quando tiver havido culpa do funcionário público, segue-seque não haverá ação regressiva quando inexistir culpa, embora oEstado continue a responder pelas conseqüências do evento lesivo.A Constituição Federal alargou, pois, consideràvelmente, oconceito da responsabilidade civil, de modo a abranger aspectosconcretos que o direito anterior não conhecia, ou não levava emconta para conceder indenização. Presentemente, para que oEstado responda civilmente, basta a existência do dano e do nexocausal com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular. A idéia da causalidade do ato veio substituir a da culpabilidade do agente. Por outras palavras, é o acolhimento dateoria do risco integral, iterativamente consagrada pela jurisprudência.Entretanto, para empenhar a responsabilidade do Estado porato de seu servidor, é essencial que êste se ache em serviço por ocasiãodo evento danoso. Preciso é que o representante pratiqueo ato nessa qualidade, isto é, no exercício da função pública, enão individualmente, no caráter de pessoa privada. Mas, provado que o funcionário agiu nessa qualidade, a Fazenda paga,ainda que aquêle tenha excedido os limites legais de suas funções,transgredido seus deveres ou praticado abuso de poder.Ainda que a violação do direito resulte de crime cometido

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pelo funcionário, continua o Estado responsável. O Decreto federal n.o 24.216, de 9-5-1934, dispunha que a União, o Estado eo Município não responderiam civilmente pelos atos criminososde seus representantes, funcionários ou prepostos, ainda quandopraticados no exercício do cargo, função ou desempenho de seusserviços, salvo se nêles fôssem mantidos após a sua verificação.Essa lei, entretanto, foi reiteradamente havida por inconstitucional, sendo revogada pelas Constituições de 1934 e 1937. Hoje,não mais pode prevalecer ante os claros têrmos do art. 194, daConstituição de 1946.Não importa que o servidor público seja graduado ou não.Ainda que subalterno, como soldado de polícia ou motorista, podeinduzir a responsabilidade do Estado. Aliás, modernamente, emnosso direito administrativo, não há margem para qualquer discriminação entre empregados e funcionários públicos, que sãoexpressões sinônimas.A Constituição de 1934 estabelecia litisconsórcio necessárionas ações de indenização movidas contra a administração pública. Dispunha realmente o art. 171, § 1.o, que "na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticadapor funcionário, êste será sempre citado como litisconsorte". Aresponsabilidade de ambos era solidária. Na Constituição de1946 o sistema é diverso: a ação pode ser dirigida apenas contrao Estado, não há mais litisconsórcio, nem solidariedade. A atualConstituição restaurou o primitivo sistema do Código Civil.À Fazenda assegura-se direito de regresso, isto é, direito dereembolsar-se do que despendeu, desde que ocorra culpa do funcionário. O Estatuto dos Funcionários Públicos da União (Lein.o 1.711, de 28-10-1952, nos arts. 196 a 200, estabelece várias disposições sôbre a responsabilidade dos funcionários e a mencionada ação regressiva. O Decreto-lei

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n.o 3.240, de 8-5-1941, sujeitaa seqüestro os bens de pessoas indiciadas por crime de que resulteprejuízo para a Fazenda. Por sua vez, a Lei n.o 3.164, de 1-6-1957,art. 1.o, sujeita igualmente a seqüestro bens adquiridos por servidor público, por influência ou abuso do cargo ou função pública, ou de emprêgo de entidade autárquica. A Lei n.o 3.502,de 21-12-1958, regula o seqüestro e o perdimento de bens noscasos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargoou função. Finalmente, a Lei n.o 4.619, de 28-4-1965, dispõesôbre a ação regressiva da União contra seus agentes.Vejamos agora alguns atos do poder público que podem originar indenizações. Comecemos pela Municipalidade, que, atravésde obras públicas, eleva ou rebaixa leito de rua, abre galeria emvia pública, ou inescusàvelmente interrompe sua execução. Secom êsse procedimento causa dano a particulares, fica obrigadoa ressarci-lo, independentemente de qualquer idéia de culpa.Da mesma forma, empenhará sua responsabilidade civil sese descura da conservação do serviço de esgotos, ou de rêdespluviais, dando ensejo a vasamentos e inundações, outrossim,se negligencia a conserva de estradas, provocando acidentes ~.Suponha-se ainda que a Municipalidade concede alvará paraconstrução e depois o revoga; ou, então, injustamente, denegao respectivo licenciamento. Nesses e em muitos outros casos,patente a responsabilidade do poder público, que não pode fugira reparação do dano.Passemos agora à órbita estadual: multidão em tumulto depreda e saqueia estabelecimento comercial, não logrando a políciamanter a ordem; o serviço de trânsito expede certificado relativo a automóvel, omitindo, porém, a existência de pactum reservati dominii, sendo assim negociado o carro; motorista de carrooficial provoca atropelamento ou colisão; funcionário de hospital psiquiátrico é morto por insano ali recolhido; menor internado em reformatório perde uma das vistas em conseqüênciade imperícia do médico oficial; transeunte é atingido por

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disparos feitos por soldado em perseguição a desordeiro.Por fim, na esfera federal, o correio deixa de entregar valores nêle postados; o poder público efetua desapropriação indireta, esbulliando violentamente trecho de terra para abertura deestrada; dá ensejo a explosão de material bélico depositado emcentro urbano.Não precisamos ir além para deixar sublinhada a infinita riqueza das aplicações práticas oriundas da responsabilidade civildo Estado.Cumpre frisar apenas que êste não responde pelos danos decorrentes de atos judiciais, quer provenientes da jurisdição graciosa, quer da jurisdição contenciosa. A irresponsabilidade doEstado por atos do judiciário é fatal corolário da autoridade dares judicata.Só em caso de prisão ilegal poderá ser êle eventualmenteobrigado a compor os danos causados, ou, então, na hipóteseprevista no art. 630 do Código de Processo Penal.Aquela irresponsabilidade, há pouco mencionada, estende-seigualmente aos atos do Ministério Público, desde que cobertosamparados por decisão judicial.O Estado também não responde pelos prejuízos causados aparticulares pela ação revolucionária, que não podia prevenir, oupelo combate aos rebeldes. Nesse caso, está em jôgo a legítimadefesa ou o exercício regular de um direito (Cód. Civil, art.160, n.o I).De modo idêntico, exclui-se a responsabilidade ocorrendo casofortuito ou fôrça maior (Cód. Civil, art. 1.058, § único).

DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO.SUA ENUMERAÇÃO E REPRESENTAÇÃO. COMÊÇODA PESSOA JURÍDICA. REGISTRO. DAS SOCIEDADES E ASSOCIAÇÕES CIVIS. DAS FUNDAÇÕES.TERMINAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.

Enumeração: - São pessoas jurídicas de direito privado(Cód. Civil, art. 16): I) - as sociedades civis, religiosas, pias,

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morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações; II) - as sociedades mercantis.De nossa exposição excluiremos para logo as sociedades mercantis que continuam a reger-se pelo estatuído nas leis comerciais(Cód. Civil, art. 16, § 2.o), sendo por isso estudadas nesse ramodo direito privado (Cód. Comercial, arts. 300 a 353).Serão objeto de nossa apreciação, tão-somente, as sociedadescivis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações.Salientaremos inicialmente que, do ponto de vista doutrinário, não se confundem sociedades civis e associações. Nas primeiras, há o fito de lucro, enquanto nas segundas, inexiste finalidade lucrativa. O objeto das associações é puramente cultural,beneficente, altruísta, religioso, esportivo ou moral.Num só conceito, todavia, no de corporação, reuniremosas duas espécies, para melhor distingui-las das fundações, queconsistem, segundo definição de CLÓvIS em universalidades debens personalizadas, em atenção aos fins que lhes dão unidade,ou ainda, em patrimônios transfigurados pela idéia, que os põe aserviço de um fim determinado.Associações e fundações correspondem, respectivamente, àsuniversitas personarum e universitas bonorum do antigo direito.Estremam-se por caracteres distintivos bem nítidos.Corporação: gênero de que a associação e a sociedade são espécies.Nas primeiras, há interêsses, fins e meios próprios, exclusivosdos sócios; nas segundas, os fins e interêsses não são próprios,mas alheios, isto é, do fundador. Além disso, naquelas, os finspodem ser alterados pelos associados; nestas, os fins são perenese imutáveis, limitando-se os administradores a executá-los simplesmente.Nas associações, o patrimônio é constituído pelos consócios,já que o interêsse é exclusivo dêles: nas fundações, o patrimônioé fornecido pelo instituidor, que tanto pode ser um

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particularcomo o Estado.Por fim, naquelas, os associados deliberam livremente, dizendo-se por isso que seus órgãos são dirigentes ou dominantes;nestas, as resoluções são delimitadas pelo instituidor, afirmando-se por isso que seus órgãos são servientes.Cumpre mencionar a existência de escritores que concebemainda terceiro tipo de pessoa jurídica de direito privado, as instituições. Em face do nosso direito positivo, porém, as pessoasjurídicas de direito privado enquadram-se nas espécies previstasno art. 16 do Código Civil.O § 1.o do mesmo artigo esclarece que as sociedades mencionadas no n.o I só se poderão constituir por escrito, lançado noregistro geral (art. 20, § 2.o), e reger-se-ão pelo disposto a seurespeito neste Código, Parte Especial (arts. 1.363 a 1.409).A Lei n.o 92, de 27-7-1935, regulamentada pelo Decreto n.o50.517, de 2-5-1961, determina as regras pelas quais são as sociedades declaradas de utilidade pública. Em São Paulo, a Leiestadual n.o 3.198, de 25-10-1955, estabelece as regras para quese obtenha a mesma declaração.

Representação: - As pessoas jurídicas serão representadas,ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais, por quemos respectivos estatutos designarem, ou, não o designando, pelosseus diretores (Cód. Civil, art. 17). O Código de Processo Civil,por sua vez, no art. 86, dispõe que as pessoas jurídicas serão representadas em juízo por seus administradores ou por aquêlesa quem os estatutos conferirem podêres de representação.Cumpre não confundir essa representação com a inerente aosincapazes. Quanto a êstes, a vontade do representante substituia dos representados; nas pessoas jurídicas, a vontade reside nopróprio ente, sendo o representante o meio de exteriorizar essavontade.

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Referentemente à representação das pessoas jurídicas de direito público interno, dispõe o Código de Processo Civil, no art.87, que "a União será representada em juízo por seus procuradores; os Estados, por seus advogados ou procuradores; os Municípios, por seus prefeitos ou procuradores; o Distrito Federale os Territórios, por seus procuradores".Junto à justiça comum, o Procurador-Geral da Repúblicarepresenta a União; nos Estados, em tôdas as instâncias, esta érepresentada pelos Procuradores da República (Lei n.o 1.341, de30-1-1951, arts. 30, n.o II, e 38). A citação inicial da União recairá num ou noutros, conforme o caso (art. 42).O Estado de São Paulo, por sua vez, será citado na pessoa doProcurador-Geral do Estado (Lei estadual n.o 2.829, de 1-12-1954).É manifesto que a quem quer que entre em relações de negócio com pessoa jurídica toca o dever elementar de perquirirde antemão quem tem qualidade para representá-la e qual a extensão dos podêres de seu representante.

Comêço da pessoa jurídica: - A constituição das sociedadese associações civis depende do concurso de dois elementos: o material e o formal.Compreende o primeiro: a) - os atos de associação; b)- o fim a que se propõe a pessoa jurídica; c) - o conjuntode bens necessários à consecução dêsse fim.Os atos de associação dizem respeito ao agrupamento dosassociados e consócios, os quais, por abstração, são consideradoscomo um único sujeito. O número dêles é vário, podendo serlimitado ou ilimitado, mas nunca inferior a dois. Não se concebe a existência de pessoa jurídica com um só membro.As condições de admissão devem ser especificadas nos estatutos, compromissos, contrato social, no ato constitutivo, enfim.Elas podem concernir à nacionalidade, lugar do nascimento, estado civil, sexo, crença, profissão, raça, curso em determinadaescola e outros pontos de referência.Os associados podem distribuir-se por diferentes categorias:fundadores, contribuintes, remidos, honorários, beneméritos, correspondentes. O ato constitutivo esclarecerá quais os direitos

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e deveres de cada categoria, concedendo-lhe, ou negando-lhe, odireito de voto.Todos os sócios têm, realmente, o direito de votar nas assembléias gerais (Cód. Civil, art. 1.394, primeira parte). O direito de voto é inerente à qualidade de sócio, mas o contratopode estabelecer o modo de exercê-lo. Assim, nas sociedades anônimas, os estatutos podem fixar o número de ações que o acionista há de possuir para o exercício do voto; em certas sociedades,o contrato pode dispor, por exemplo, que apenas os sócios maisvelhos tenham o direito de votar. O contrato, ou os estatutos,podem, portanto, sem violação do citado art. 1.394, ampliar ourestringir o direito.Quanto ao fim a que se propõe a pessoa jurídica, pode êleser vário: altruístico, egoístico ou misto; econômico e não econômico; especial ou geral; de utilidade pública, de utilidadepública e particular e de utilidade particular.A pluralidade de pessoas, intencionalmente reunidas, podeefetivamente visar a fins de solidariedade, aproximação ou confraternização; esportes e diversões; debates e conferências; ciênciae arte; lucro ou benemerência. Infinita a sua gama, múltiplosos seus diferentes matizes. São encontradas pessoas jurídicas navida real para tôdas as destinações, para todos os fins. É ainata tendência dos homens, sempre voltados para o convívioem sociedade.Tais fins devem ser determinados, lícitos e possíveis. Nãopodem, de tal arte, adquirir personalidade jurídica entidades defins imprecisos, física ou legalmente impossíveis, imorais ou contrários à ordem pública e aos bons costumes. Estabelece a Constituição Federal, no art. 141, § 12, que "é garantida a liberdadede associação para fins lícitos. Nenhuma associação poderá sercompulsôriamente dissolvida senão em virtude de sentença judiciária". Acrescenta ainda o § 13: "é vedada a organização, oregistro ou o funcionamento de qualquer partido político ou

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associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático,baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitosfundamentais do homem". O Decreto-lei n.o 9.085, de 25-3-1946,dispõe sôbre a dissolução de sociedades de fins contrários, perigosos ou nocivos ao bem público, à segurança do Estado e dacoletividade, à ordem pública, à moral e aos bons costumes.Finalmente, o último pressuposto material, indispensável àconstituição da pessoa jurídica, é o conjunto de bens, o patrimônio, necessário à consecução do fim social. Não é preciso queêle exista, integral e concretamente, no ato da formação. Bastaque a sociedade ou associação tenha capacidade para adquiri-lo.Pode formar-se assim mediante contribuições futuras dos associados e consócios.O elemento formal refere-se à maneira pela qual se constituia sociedade ou associação. Já vimos que essa constituição se operapor escrito (Cód. Civil, art. 16, § 1.o). O escrito pode ser, indiferentemente, público ou particular. Em qualquer caso, porém,como diz a lei, deve ser levado a registro.Inúmeras entidades dependem, para o seu funcionamento, deautorização do govêrno. Assim, dispõe o Código Civil, no art. 20,§ 1.o: "não se poderão constituir, sem prévia autorização, as sociedades, as agências ou os estabelecimentos de seguros, montepios e caixas econômicas, salvo as cooperativas e os sindicatosprofissionais e agrícolas, legalmente organizados. Se tiverem defuncionar no Distrito Federal, ou em mais de um Estado, ouem territórios não constituídos em Estados a autorização serádo Govêrno Federal; se em um só Estado, do Govêrno dêste".Referentemente às cooperativas, porém, o art. 11 do Decreto-lei n.o 5.893, de 19-10-1943, modificado pelo Decreto-lei n.o 6.274,de 14-2-1944, veio estabelecer que as mesmas adquirem personalidade jurídica com o registro delas no S.E.R., acrescentando o§ 1.o que a falta dêsse registro torna ilegal o

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funcionamento dequalquer cooperativa.Quanto aos sindicatos, por sua vez, dependem êles de prévioreconhecimento por parte do Ministério do Trabalho, que expedea seu favor a competente carta, nos têrmos do art. 520 da Consolidação das Leis do Trabalho.A Lei de Introdução ao Código Civil, no art. 11, preceituaigualmente que as organizações destinadas a fins de interêsse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. Em seguida, no § 1.o, acrescenta:"não poderão, entre tanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados peloGovêrno brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira".O Decreto-lei n.o 2.627, de 26-9-1940, art. 64, estabelece: associedades anônimas ou companhias estrangeiras, qualquer queseja o seu objeto, não podem, sem autorização do Govêrno Federal,funcionar no país, por si mesmas, ou por filiais, sucursais, agências, ou estabelecimentos que as representem, podendo, todavia,ressalvados os casos expressos em lei, ser acionistas de sociedadeanônima brasileira.Para que uma entidade desportiva possa funcionar, é necessário tenha obtido licença por meio de alvará, expedido pelo Conselho Nacional de Desportos (Dec.-lei n.o 5.342, de 25-3-1943,art. 4.o; Lei n.o 4.638, de 26-5-1965, art. 1.o).Os bancos e casas bancárias, nacionais e estrangeiros, só poderão funcionar com autorização do Govêrno (Dec. n.o 14.728,de 16-3-1921, art. 4.o).A exploração das operações de capitalização somente podeser exercida no território brasileiro por sociedades anônimas brasileiras, constituídas em forma legal, mediante prévia autorizaçãodo Govêrno Federal (Dec. n.o 22.456, de 10-2-1933, art. 1.o).Por igual, a inscrição do ato constitutivo de universidadesparticulares, organizadas sob a forma de associações ou fundações, será precedida de autorização por decreto do Govêrno federal ou estadual (Lei n.o 4.024, de 27-12-1961, art. 81).

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Idêntica autorização se exige ainda das companhias de mineração ou exploração de jazidas, das sociedades de economia coletiva, navegação de cabotagem, aproveitamento de quedas d.água,energia elétrica, construção e exploração de pontes, etc.No anteprojeto de sua autoria, o Prof. ORLANDo GOMES assimprovê: as associações constituem-se pela aprovação de seus estatutos em assembléia dos fundadores, porém não adquirem personalidade jurídica antes da sua inscrição no registro próprio, ou daaprovação pela autoridade competente, se for o caso (art. 73).Conhecidos assim o elemento material e o elemento formal,indispensáveis à constituição das sociedades e associações civis,vejamos agora quando começa a sua existência legal.Prescreve o art. 18 da lei civil: "começa a existência legaldas pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição dos seuscontratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos no seuregistro peculiar, regulado por lei especial, ou com a autorizaçãoou aprovação do Govêrno, quando precisaAssim como a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida (art. 4.o), a personalidade jurídica principiaa ter existência legal com aquela inscrição no registro competente.

Registro da pessoa jurídica: - Êsse registro declarará (Cód.Civil, art. 19):I. A denominação, os fins e a sede da associação ou fundação.II. O modo por que se administra e representa, ativa e passiva, judicial e extrajudicialmente.III. Se os estatutos, o contrato ou o compromisso são reformáveis no tocante à administração, e de que modo.IV. Se os membros respondem, ou não, subsidiariamentepelas obrigações sociais.V. As condições de extinção da pessoa jurídica e o destinodo seu patrimônio nesse caso.O § único do art. 18 acrescenta que "serão averbadas no registro as alterações, que êsses atos constitutivos sofrerem".O Decreto-lei n.o 9.085, de 25-3-1946, no art. 1.o, por sua vez,

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preceitua que, no registro civil das pessoas jurídicas, serão inscritos: I) - os contratos, os atos constitutivos, os estatutos oucompromissos, das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, e os das associações de utilidade pública edas fundações; II) - as sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais.Esclarece o art. 2.o do mesmo diploma que "não poderão serregistrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas, quando seuobjeto ou circunstância relevante indique destino ou atividadeilícitos ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social,à moral e aos bons costumes".Estabelece o art. 3.o que ocorrendo qualquer dos motivosprevistos no artigo anterior, o Oficial do Registro, ex-officio, oupor provocação de qualquer autoridade, sobrestará no processo deinscrição e suscitará dúvida, na forma dos arts. 215 a 219 doDecreto n.o 4.857, de 9-11-1939, no que forem aplicáveis, competindo ao juiz, sob cuja jurisdição estiver o oficial, decidir a dúvida, concedendo ou negando o registro.Também não poderão ser registrados os atos constitutivos desociedades ou associações que, antes do pedido de inscrição ouconcomitantemente com êste, tenham exercido atividades ou praticado atos contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, àsegurança do Estado ou da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes (art. 4.o).A concessão do registro não obsta a propositura de ação dedissolução, fundada nos fatos referidos nos arts. 2.o e 4.o, ou oprocedimento referido no art. 6.o (art. 5.o).Diz realmente o art. 6.o que as sociedades ou associações quehouverem adquirido personalidade jurídica, mediante falsa declaração de seus fins, ou que, depois de registradas, passarem aexercer atividades das previstas no art. 2.o, serão suspensas peloGovêrno por prazo não excedente de seis meses.

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O Decreto n.o 4.857, de 1939, nos arts. 122 e seguintes, dispõeacêrca do processo de registro civil das pessoas jurídicas.Adverte MANOEL AUGUSTO VIEIRA NETO, na sua coletânea de leis civis, que o registro e arquivamento dos contratose estatutos das sociedades civis e das fundações no DepartamentoNacional de Indústria e Comércio assegurarão o uso exclusivo donome, nos limites do domicílio do titular que houver efetuado oregistro (Dec.-lei n.o 7.903, de 27-8-1945, arts. 106 e 109). Oregistro do nome, porém, não supre o registro público estabelecido para dar início à existência legal das pessoas jurídicas dedireito privado (art. 113).Não se considera regularmente constituída, não tendo por issoação contraterceiro, pessoa jurídica cujo instrumento de ajuste não foi levado a registro na repartição peculiar.As sociedades enumeradas no art. 16, que, por falta de autorização ou de registro, se não reputarem pessoas jurídicas, nãopoderão acionar a seus membros, nem a terceiros; mas êstes poderão responsabilizá-las por todos os seus atos (Cód. Civil, art.20, § 2.o).Todavia, embora sem existência legal, podem adquirir portestamento. A lei exige, para tal fim, a existência da pessoa, nãoa existência legal. A existência de fato também é reconhecidapela lei para certos efeitos.

Das sociedades e associações civis: - As pessoas jurídicastêm existência distinta da dos seus membros (art. 20, caput).Universitas distat a singulis. Mas êsse princípio até agora tradicional, acha-se fortemente abalado em matéria de locação predial. A jurisprudência está realmente entendendo que o usoexercido pela sociedade é uso do sócio; vice-versa, uso pelo sócioé uso da sociedade. Nessas condições, assim como o sócio pode

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retomar prédio locado a terceiro, e que lhe pertença individualmente, para uso da sociedade de que faça parte, pode tambéma sociedade retomar seu imóvel para uso de um dos membros.De outro lado, se algo é devido à sociedade não é devido aossócios individualmente; se a sociedade deve alguma coisa, não éesta devida pelos sócios. Ou, como se expressava ULPIANO: siquid universitati debetur, singulis non debetur; nec quod debetuniversitas, singuli debent.Do fato de ter a sociedade autonomia patrimonial segue-seque, por dívidas particulares dos sócios, não podem ser penhorados os fundos sociais, que, até a dissolução da sociedade, pertencem a esta, e não aos sócios (Cód. Proc. Civil, art. 942,n.o XII).Entretanto, como ensina AMÍLCAR DE CASTRO, isso só seentende no caso de haver pessoa jurídica regularmente constituído,porque os credores particulares dos sócios não estão adstritos areconhecer a sociedade de fato existente apenas entre êles, e, portanto, podem penhorar os bens adquiridos pelos sócios devedoresainda que êstes aleguem pertencerem à sociedade.Poderão os sócios convencionar, todavia, o que constará doregistro (Cód. Civil, art. 19, n.o IV), se respondem, ou não,subsidiariamente, pelas obrigações sociais. No caso afirmativo,ter-se-á em vista a regra do art. 1.375 do mesmo Código. Diferente a solução, é óbvio, se a sociedade se constituiu de modoque os sócios respondam, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais.

Das fundações: - Para criar uma fundação, far-lhe-á o seuinstituidor, por escritura pública ou testamento, dotação especialde bens livres, especificado o fim a que a destina, e declarando,se quiser, a maneira de administrá-la (Cód. Civil, art. 24).Vê-se, pelo referido dispositivo legal, que a constituição dessapessoa jurídica se desdobra em dois atos distintos, o ato de fundação e o ato de dotação.

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O ato de fundação pode ser inter vivos ou mortis causa, istoé, a fundação pode ser criada por escritura pública ou por testamento. Num e noutro caso, o ato depende de registro (Cód.Civil, art. 18, combinado com o art. 19, n.o I; Dec.-lei n.o 9.085,de 25-3-1946, art. 1.o; Dec. n.o 4.857, de 9-11-1939, art. 122, n.o I).O ato de dotação compreende a reserva de bens livres, a indicação dos fins a que se destinam e a maneira de administrá-los.Duas são as modalidades de formação, a direta e a fiduciária.Na primeira, o próprio instituidor pessoalmente a tudo provê;na segunda, êle entrega a outrem a organização da obra projetada.Quando insuficientes para constituir a fundação, os bensdoados serão convertidos em títulos da dívida pública, se outracoisa não dispuser o instituidor, até que, aumentados com os rendimentos ou novas dotações, perfaçam capital bastante (Cód.Civil, art. 25).Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado, ondesituadas (art. 26). Em São Paulo, tal função cabe ao Curadorde Resíduos (Dec. n.o 10.000, de 24-2-1939, art. 59, ns. 10, 11,12 e 16). Sôbre o mesmo assunto dispõe ainda o Código de Processo Civil, art. 653: o órgão do Ministério Público velará pelasfundações existentes da comarca, fiscalizando os atos dos administradores e promovendo a anulação dos praticados sem observância dos estatutos.Se estenderem a atividade a mais de um Estado, caberá emcada um dêles ao Ministério Público êsse encargo (Cód. Civil,art. 26, § 1.o). Aplica-se ao Distrito Federal e aos Territórios nãoconstituídos em Estados o aqui disposto quanto a êstes (§ 2.o).Aquêles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acôrdocom as suas bases (art. 24), os estatutos da fundação projetada,submetendo-os, em seguida, à aprovação da autoridade

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competente(Cód. Civil, art. 27; Cód. Proc. Civil, art. 652). Se esta lhadenegar, supri-la-á o juiz competente no Estado, no DistritoFederal ou nos Territórios, com os recursos da lei (Cód. Civil,art. 27, § único, combinado com o art. 652, § 2.o, do Cód. Proc.Civil).A autoridade competente, a que serão submetidos os estatutoselaborados pelas pessoas incumbidas da aplicação do patrimônio,é o mesmo órgão do Ministério Público, o qual verificará se foramobservadas as bases da fundação e se bastam os bens aos fins aque ela se destina (Cód. Proc. Civil, art. 652, § 1.o).Denegada a aprovação, pode qualquer interessado, como seviu, pedir ao juiz que a supra. Autuado o pedido com os documentos apresentados, o órgão do Ministério Público e a partereclamante serão ouvidos, no prazo de cinco dias, cada um; emseguida, o juiz decidirá, podendo mandar fazer nos estatutos asmodificações necessárias à sua perfeita adaptação ao objetivo doinstituidor (art. 652, § 3.o).Se a pessoa encarregada da aplicação do patrimônio não elaborar os estatutos, deverá fazê-lo o próprio órgão do MinistérioPúblico, judicial ou extrajudicialmente (art. 652, in fine).Os estatutos são suscetíveis de alteração posterior. Mas, parase poderem alterá-los, é mister (Cód. Civil, art. 28):I. Que a reforma seja deliberada pela maioria absolutados componentes para gerir e representar a fundação.II. Que não contrarie o fim desta.III. Que seja aprovada pela autoridade competente.A minoria vencida na modificação dos estatutos poderá, dentro em um ano, promover-lhe a nulidade, recorrendo ao juiz competente, salvo o direito de terceiros (Cód. Civil, art. 29).Na Capital de São Paulo, o juízo competente é o daProvedoria."É nula a reforma estatutária de fundação deliberada em assembléia constituída em desacôrdo com os estatutos e que,

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além disso, não obteve aaprovaçãoda autoridade competente".O estudo das fundações comporta ainda exame de outrosaspectos do maior interêsse. Um dêles é atinente à inalienabilidade dos bens que integram o patrimônio das fundações. Normalmente, êsses bens são inalienáveis, porque sua existência éque assegura a concretização dos fins visados pelo instituidor.Não podem êles, portanto, ser desviados de seu destino. Todavia,em casos especiais, comprovada a necessidade da venda, pode estaser autorizada pelo juiz competente, com audiência do órgão doMinistério Público, para oportuna aplicação do produto em outrosbens destinados ao mesmo fim. A autorização pode ser concedida ainda que o instituidor haja impôsto cláusula de inalienabilidade. Venda sem licença da autoridade judiciária é nula,podendo ser reivindicado o imóvel alheado.Por outro lado, provada a desvantagem da gestão do administrador, pode e deve a autoridade competente promover-lhe aremoção, ainda que vitalício por disposição testamentária. Oadministrador, como é óbvio, está sujeito a prestação de contas.Cumpre acentuar ainda que os estatutos constituem a leibásica das fundações. Superam êles curialmente a vontade dosórgãos administrativos. Assim sendo, mandato conferido estatutàriamente não comporta revogação ad nutum.Última questão: nas fundações quais os verdadeiros sujeitosdo direito? Para IHERING e seus seguidores, são os beneficiários,isto é, as pessoas que preencham as condições exigidas pelo atode fundação para usarem de seus serviços, caso dêles necessitem.Para SERMENT, os titulares do direito são os administradores dafundação, enquanto GIORGI sustenta ser o próprio Estado o sujeito real.Em face do nosso direito, porém, a fundação é entidade cujanatureza não consiste na coletividade dos seus membros, mas na

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disposição de certos bens (elemento predominante) em vista dedeterminados fins.

Terminação da pessoa jurídica: - Termina a existência dapessoa jurídica (sociedades ou associações civiS) (Cód. Civil,art. 21):I. Pela sua dissolução, deliberada entre os seus membros,salvo o direito da minoria e de terceiros.II. Pela sua dissolução, quando a lei determine.III. Pela sua dissolução em virtude de ato do Govêrno, quelhe casse a autorização para funcionar, quando a pessoajurídica incorra em atos opostos aos seus fins ou nocivos ao bem público.Já tivemos ensejo de aludir ao Decreto-lei n.o 9.085, de25-3-1946, que dispõe sôbre a dissolução de sociedades perniciosas.Outros diplomas poderiam ser ainda mencionados, como a Lein.o 1.802, de 5-1-1953, que define os crimes contra o Estado e aOrdem Política e Social e que, nos arts. 9.o e 10, reprime a reorganização ou tentativa de reorganização de partido político ouassociação dissolvidos por fôrça de disposição legal, bem como oauxílio, com serviços ou donativos, a qualquer daquelas entidadesassim reconstituidas.Na mesma ordem de idéias, preceitua o Código de ProcessoCivil, no art. 670: "a sociedade civil com personalidade jurídica,que promover atividade ilícita ou imoral, será dissolvida por açãodireta, mediante denúncia de qualquer do povo, ou do órgão doMinistério Público".Dispõe ainda o Código Civil, no art. 22: "extinguindo-se umaassociação de intuitos não econômicos, cujos estatutos não disponham quanto ao destino ulterior dos seus bens, e não tendo ossócios adotado a tal respeito deliberação eficaz, devolver-se-á opatrimônio social a um estabelecimento municipal, estadual oufederal, de fins idênticos ou semelhantes".Não havendo no Município ou no Estado, no Distrito Federal

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ou no Território ainda não constituído em Estado, em que aassociação teve a sua sede, estabelecimento nas condições indicadas, o patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, à doDistrito Federal, ou à da União (art. 22, § único).Referentemente às fundações, sua terminação é disciplinadapelo art. 30, que contempla três situações diferentes: a) - suanocividade; b) - sua impossibilidade; c) - vencimento doprazo de sua existência.Verificada qualquer dessas alternativas, o patrimônio seráincorporado em outras fundações, que se proponham a fins iguaisou semelhantes, salvo disposição em contrário no ato constitutivo.A verificação poderá ser promovida judicialmente pela minoria de que trata o art. 29, ou pelo Ministério Público (art. 30,§ único). Semelhantemente, estatui o Código de Processo Civilno art. 654: "Tornando-se ilícito ou impossível o objeto da fundação, ou vencido o prazo da sua existência, o órgão do Ministério Público ou qualquer interessado lhe promoverá a extinção,citados os administradores".Se a ação fôr proposta por qualquer interessado, em todosos seus têrmos será ouvido o órgão do Ministério Público; seêste a propuser, dar-se-á à fundação curador in litem (§ Único).

DO DOMICÍLIO CIVIL. GENERALIDADES. DOMICÍLIO DA PESSOA NATURAL. PLURALIDADE EMUDANÇA DE DOMICÍLIO. DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA. CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO.FORO DE ELEIÇÃO.

Generalidades: - O direito é um complexo de relações quese estabelece entre os homens. É indispensável, porém, que êstesestejam presentes em determinado lugar, de antemão conhecido,para que se exerçam normalmente as relações jurídicas. É umanecessidade social, uma necessidade de ordem geral, fixar a pessoaa determinado lugar. Se não houvesse essa fixação, se não existisse um ponto de referência onde a pessoa pudesse responder

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pelos seus deveres jurídicos, precário e instável se tornaria odireito. Esse ponto de referência, êsse local prefixado pela lei,é o domicílio (do latim domus, casa ou morada), sede jurídica,sede legal da pessoa, onde ela se presume presente para efeitosde direito.Cumpre não confundir os conceitos de domicílio e de residência. O primeiro é relação de índole jurídica; é um conceitode ordem ideal e que decorre de criação da lei. Mas esta nãoé arbitrária na determinação, do domicílio. Ela fixa-o, tendo emvista certo sub stractum que encontra estabelecido, não sôbre ovazio. Êsse substractum, sôbre o qual assenta a designação dodomicílio, com a conseqüente radicação do individuo, é de natureza vária. Ora é a residência ou morada da pessoa, ora o centroonde ela efetivamente exerce suas atividades, ora o lugar em queeventualmente se encontra ou habitam seus representantes legais,e assim por diante.Podemos, pois, da seguinte forma estabelecer a diferenciaçãoentre domicílio e residência: o primeiro é conceito jurídico, criadopela própria lei e através do qual, para efeitos jurídicos, se presume estar presente a pessoa em determinado lugar. Residência,por sua vez, é relação de fato, o lugar em que a pessoa habita outem o centro de suas ocupações. A essência do primeiro é puramente jurídica e corresponde à necessidade de fixar a pessoa emdado local; a da segunda é meramente de fato. Se pudéssemosempregar fórmula para melhor traduzir essa idéia, diriamos quedomicílio = residência (quid fact) + qualificação legal (quidjuris). O anteprojeto de ORLANDO GomES estabelece, de modonítido, a linha separativa entre ambos os conceitos: o domicílioda pessoa física é o lugar onde ela tem a sede principal da

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suaatividade, e a residência, onde mora com a intenção de permanecer (art. 45).A noção de domicílio desempenha importantíssimo papel emtodo o sistema jurídico. Assim, no direito internacional privado,para regular os conflitos de lei, SAVIGNY mandava aplicar a dodomicílio, enquanto MANCINI preconizava a aplicação do estatutopessoal. A velha Introdução ao Código Civil filiava-se a êstesegundo sistema (art. 8.o), enquanto a nova (Dec.-lei n.o 4.657,de 4-9-1942, art. 7.o) adotou o primeiro.Ao domicílio cabe também papel de extraordinário relêvo nodireito judiciário civil, para determinação do fôro competente,pois a competência se determina, em primeiro lugar, pelo domicílio do réu (Cód. Proc. Civil, art. 133, n.o I). O réu será, emregra, demandado no fôro do seu domicílio, ou, na falta, no desua residência (art. 134). Ainda não é tudo: o fôro do domicíliodo de cujus será o competente para o inventário, a partilha etôdas as ações relativas à herança (art. 135). Se o óbito houverocorrido no estrangeiro, será competente o fôro do último domicílio do de cujus no Brasil (§ 1.o). Na falta de domicílio certo,será competente o fôro da situação do imóvel deixado pelo decujus, e, na falta, o do lugar do falecimento, se ocorrido noBrasil (§ 2.o).De modo idêntico, no direito judiciário penal aparece aimportância da relação domiciliar. O fôro competente é o dolugar onde foi perpetrada a infração. Se, porém, desconhecidoêsse lugar, o fôro competente será o do domicílio do réu (Cód.Proc. Penal, art. 72).Referentemente ao exercício dos direitos políticos, processa-sea inscrição eleitoral no juízo do domicílio do eleitor (Lei n.o

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4.737, de 15-7-1965, art. 42, § único). O vereador é obrigado aresidir no território de seu município (Lei Orgânica dos Municípios, art. 26, letra a) e os deputados estaduais, no territóriodo Estado (Const. do Estado, art. 14).

Domicílio da pessoa natural: - O direito romano fazia repousar a noção de domicílio sôbre dois elementos: o lar, sede davida individual, e o centro dos negócios. É o lugar ubi quis laremrerumque ac fortunarum suarum summam constituit (é onde oindivíduo vive e estabelece a maior soma de suas coisas com Oescopo de permanecer).O Código Napoleão não definiu o domicílio; situou-o no lugar do principal estabelecimento de uma pessoa (art. 102). OCódigo Civil pátrio ateve-se, preferentemente, ao critério da residência, desde que não seja transitória, mas permanente, emboraalternada.Estabelece realmente o art. 31: "o domicílio civil da pessoanatural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimodefinitivo".Dois elementos são, pois, necessários para que se caracterizeo domicílio civil, um dos principais atributos da pessoa natural:um, objetivo, material, a radicação do indivíduo em determinadolugar; outro, subjetivo, psicológico, a intenção de aí fixar-se comânimo definitivo, de modo estável e permanente.Esclarece o art. 33 que "ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual (art. 32), ou empreguea vida em viagens, sem ponto central de negócios, o lugar ondefôr encontrada".A Lei de Falências mantém o mesmo critério, ao dispor no art.7.o: "é competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seuprincipal estabelecimento".

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"A falência dos comerciantes ambulantes e empresários de espetáculos públicos pode ser declarada pelo juiz do lugar onde sejam encontrados". (Dec.-lein.o 7.661, de 21-6-1045, art. 7.o, § 1.o). As emprêsas sem sede ou companhias emexcursão poderão ser demandadas, à escolha do autor, no local da infração ou naquele onde forem organizadas (Dec. n.o 5.492, de 16-7-1928, art. 22).

Pluralidade de domicílio: - Muitas legislações, notadamenteas que se filiaram ao sistema jurídico francês, bem como o direitoinglês e o norte-americano, repelem o princípio da multiplicidadede domicílio. Nosso Código, porém, seguindo a esteira do direitoromano e a tradição do direito pátrio, assim como os exemplosdos Códigos alemão, austríaco, grego e chileno, aceitou a pluralidade domiciliar.Dispõe, com efeito, o art. 32: "se, porém, a pessoa naturaltiver diversas residências onde alternadamente viva, ou várioscentros de ocupações habituais, considerar-se-á domicílio seu qualquer dêstes ou daquelas".Duas situações diferentes estão aí previstas: a) - a pessoanatural tem diversas residências onde alternadamente vive; b)- tem ela vários centros de ocupações habituais. O indivíduoque assim se desdobra, dispersa a sua personalidade. Em matéria de competência judiciária poderá ser acionado em qualquerdos lugares. A lei considera domicílio qualquer dêles.Imagine-se, por exemplo, que a pessoa more num lugar coma sua família e noutro tenha negócios ou exerça sua atividade.Ante o princípio da multiplicidade domiciliar, pode considerar-secomo seu domicílio qualquer dêsses lugares, pelos respectivos atosem cada um dêles praticados. Assim também se o réu tem maisde uma residência, lícito é ao autor escolher qualquer delas paraacioná-lo.Mas, se a pluralidade fôr de réus, cada um com domicíliodiferente, pode o autor demandá-los no fôro de um dêles, à sua

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escolha, em consonância com o disposto no art. 134, § 2.o, doCódigo de Processo Civil.

Mudança de domicílio: - Muda-se o domicílio, transferindoa residência, com intenção manifesta de o mudar (Cód. Civil,art. 34).A dois elementos está subordinada essa mudança: o primeiro,de índole material, a transferência da morada, a deslocação daresidência; o segundo, de natureza psicológica, a vontade dedeixar a residência anterior para estabelecê-la em outra parte.Não se pode caracterizar a mudança de domicílio sem transferência da morada com intenção manifesta de a mudar.Ajunta o § único que "a prova da intenção resultará doque declarar a pessoa mudada às municipalidades dos lugares,que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, daprópria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem".A mudança de domicílio, depois de ajuizada a ação, nenhumainfluência tem sôbre a competência de fôro (Cód. Proc. Civil,art. 151).

Domicílio da pessoa jurídica: - Esclarece o art. 35 do Código Civil que quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:I. Da União, o Distrito Federal.II. Dos Estados, as respectivas capitais.III. Do Município, o lugar onde funcione a administraçãomunicipal.IV. Das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionaremas respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atosconstitutivos.Referentemente à União, dispunha o § 1.o do mesmo art. 35:"quando o direito pleiteado se originar de um fato ocorrido, oude um ato praticado, ou que deva produzir os seus efeitos, forado Distrito Federal, a União será demandada na seção judicialem que o fato ocorreu, ou onde tiver sua sede a autoridade deque o ato emanou, ou êste tenha de ser executado".Profundas e extensas foram, porém, as modificações introduzidas nesse dispositivo legal. O Código de Processo

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Civil, noart. 143, começou por dispor que "nas causas propostas pelaUnião ou contra ela, o fôro competente será o da capital doEstado em que fôr domiciliado o réu ou o autor".A Constituição Federal, por sua vez, no art. 201, assim estatuiu: "as causas em que a União fôr autora serão aforadas nacapital. As intentadas contra a União poderão ser aforadas nacapital do Estado ou Território em que fôr domiciliado o autor;na capital do Estado em que se verificou o ato ou fato originadorda demanda ou esteja situada a coisa; ou ainda no DistritoFederal".Acrescenta o § 1.o: "as causas propostas perante outros juízos, se a União nelas intervier como assistente ou opoente, passarão a ser da competência de um dos juízos da capital".E remata o § 2.o: "a lei poderá permitir que a ação sejaproposta noutro fôro, cometendo ao Ministério Público estaduala representação judicial da União".Vê-se, portanto, que pelo citado art. 201, se a União é ré,põem-se, à vontade do autor, em igualdade de condições, trêspossibilidades: a) - poderão ser aforadas as causas na capitaldo Estado em que fôr domiciliado o autor; b) - em que severificou o ato ou fato originador da demanda, ou esteja situadaa coisa; c) - ou, ainda, no Distrito Federal. Êste último nãotem, pois, qualquer primazia sôbre os demais, ao contrário, aparece mesmo com caráter supletivo.Em São Paulo tais causas são da competência das Varas dosFeitos da Fazenda Nacional, reguladas pelo Decreto-lei n.o 11.058,de 26-4-1940, art. 23 e pela Lei n.o 3.397, de 11-7-1956.Entretanto, se a citação da Fazenda Nacional foi mera medida acautelatória, por si só, ela não imprime a esta o caráterde parte no feito, ou de assistente ou opoente, de modo a deslocara competência para a Vara privativa.No tocante aos Estados, dispõe o art. 35, § 2.o, que nestes,se observará quanto às causas de natureza local, oriundas de fatos

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ocorridos, ou atos praticados por suas autoridades, ou dados àexecução, fora das capitais, o que dispuser a respectiva legislação.Em São Paulo, compete aos juízes dos feitos da Fazenda Estadual processar e julgar as causas em que o Estado seja autorou réu, assistente ou opoente, exclusive os feitos mencionados noart. 20, do Decreto-lei n.o 11.058, de 26-4-1940, modificado peloart. 8.o do Decreto-lei n.o 14.234, de 16-10-1944.Mutatis mutandis, o que já se disse anteriormente a respeitoda União se aplica também ao Estado; não basta, para firmar acompetência das Varas privativas, se cogite de um possível interesse do Estado; é necessário que êste seja autor ou réu, ou intervenha no processo como assistente ou opoente.Quanto ao Município, sua sede legal é a da comarca onde êlese situa, sendo que o da capital de São Paulo tem igualmenteVaras privativas, as dos feitos da Fazenda Municipal, cuja competência é regida pelo art. 21 do mesmo Decreto-lei n.o 11.058, de 1940.As autarquias federais, estaduais e municipais têm tambémfôro privilegiado, o das pessoas jurídicas de direito público interno, de que sejam descentralizações. A Lei n.o 2.285, de 9-8-1954,dispõe sôbre o fôro das causas em que as autarquias sejam autoras.Tendo a pessoa jurídica de direito privado diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um será considerado domicílio para os atos nêle praticados (art. 35, § 3.o).Trata-se, no dizer de CLÓVIS de providência em benefíciodos que contratam com a pessoa jurídica. Como benefício, podeser renunciado, para ser ajuizada a ação na sede da principaladministração.Sustenta ESPÍNOLA que a referida disposição tem carátersupletivo e só se aplica quando o domicílio não seja fixado nosestatutos ou nos atos constitutivos da pessoa jurídica.Não é êsse, todavia, o entendimento vitorioso na jurisprudência. Segundo esta, pode a pessoa jurídica ser demandada nofôro da filial, por atos aí praticados, ainda que ela tenha

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sededesignada nos estatutos.Juízes e tribunais têm realmente propugnado por inteligência mais ampla do texto, não exigindo absolutamente que a filialgoze de autonomia e administração própria.Assim, se se trata de Banco com sede num Estado e sucursalem outro, pode ser demandado no fôro desta pelos atos aí realizados. Ressalve-se, entretanto, que estação de estrada de ferro,para êsse efeito, não tem sido considerada estabelecimento, omesmo acontecendo com um simples armazém.Edita, por fim, o art. 35, § 4.o, que se a administração, oudiretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio dapessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada umadas suas agências o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, aque ela corresponder.

Classificação do domicílio: - Pode êste ser classificadoquanto à sua origem e quanto à sua natureza. No tocante à suaorigem, o domicílio é necessário ou voluntário.O domicílio necessário (domicilium necessarium) resulta deimposição legal, a lei fixa-o independentemente da vontade doindivíduo; por necessidade jurídica, êste é obrigado a estabelecer-se num determinado lugar. Em regra, pressupõe a subordinação de um indivíduo a outra pessoa, razão por que surge aprecisão de se lhe atribuir o mesmo domicílio da pessoa a quemaquêle está subordinado.O domicílio necessário subdivide-se em originário e legal.Quando adquirido ao nascer é originário. Assim, o recém-nascido tem por domicílio o do pai. É legal, quando presumido oufixado pela lei.Numerosos os casos de domicílio necessário contempladospela lei civil: a) - os incapazes têm por domicílio o dos seusrepresentantes (art. 36). Mas êsse domicílio necessário cessacom a maioridade; b) - a mulher casada tem por domicílio

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o do marido, salvo se estiver desquitada (art. 315), ou lhe competir a administração do casal. Todavia, a mulher casada temfôro privilegiado nos casos previstos no art. 142 do Código deProcesso Civil. Por outro lado, a Lei de Introdução ao CódigoCivil, no art. 7.o, § 7.o, estabelece que "salvo o caso de abandono,o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aosfilhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazessob sua guarda". A viúva conserva o domicílio do marido, enquanto voluntariamente não adquire outro próprio; c) - osfuncionários públicos reputam-se domiciliados onde exercem assuas funções, não sendo temporárias, periódicas, ou de simplescomissão, porque, nestes casos, elas não operam mudança no domicílio anterior (art. 37) ; d) - o domicílio do militar em serviço ativo é o lugar onde servir (art. 38) ; e) - as pessoascom praça na armada têm o seu domicílio na respectiva estaçãonaval, ou na sede do emprêgo que estiver exercendo, em terra(art. 38, § único) ; f) - o domicílio dos oficiais e tripulantesda marinha mercante é o lugar onde estiver matriculado o navio(art. 39); g) - o prêso, ou o desterrado, tem o domicílio nolugar onde cumpre a sentença, ou destêrro (Const. Federal,art. 209, n.o III) (art. 40); lh) - o ministro ou agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar exterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderáser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve (art. 41).Domicílio voluntário (domicilium voluntarium), como a palavra está a indicar, é aquêle cuja escolha depende exclusivamente da nossa vontade. Qualquer indivíduo, não sujeito a domicílio necessário, pode livremente fixar o lugar onde vai instalara própria residência com ânimo definitivo.Quanto à sua natureza, o domicílio pode ser ainda geral eespecial. É geral, quando fixado ou estabelecido nos têrmos já

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expostos, quer se trate de domicílio voluntário, quer de necessário.É especial, quando decorre de convenção entre as partes contratantes. Surge assim a figura do domicílio contratual, disciplinada pelo art. 42 do Código Civil.

Foro de eleição: - Dispõe realmente o questionado dispositivo que "nos contratos escritos poderão os contraentes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações dêles resultantes". No art. 846, § único, alude ainda oCódigo a essa modalidade de domicílio.Como o Código de Processo Civil houvesse silenciado a seurespeito, quando se referiu à determinação da competência, nãofaltou quem sustentasse a sua revogação. De acôrdo com êsseentendimento, não mais existiria o fôro de eleição em nosso ordenamento jurídico.Não vingou, todavia, tal entendimento. A subsistência doforum electionis tem sido proclamada por diuturna e uniformejurisprudência. Apenas se requer que sua estipulação decorrade cláusula induvidosa, que não comporte interpretações equívocas . Como justamente observa o Ministro LUÍS GALLOTTIo Decreto-lei n.o 4.597, de 19-8-1942, posterior ao estatuto processual, faz expressa referência ao fôro de eleição, o que constitui, sem dúvida, sinal de que não foi eliminado do nosso direitopositivo.O anteprojeto de ORLANDO GOMES, procurando dissipar qualquer dúvida, estabelece: nos contratos escritos poderão os contraentes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram osdireitos e obrigações dêles resultantes (art. 51).Saliente-se ainda que a eleição contratual do fôro não inibeque o credor prefira o fôro do domicílio do devedor, quando diverso daquele.Ressalte-se, por fim, que sôbre o fôro contratual há de prevalecer naturalmente o rei sitae, se a ação é de índole real.

DOS BENS. VÁRIAS ACEPÇõES DA PALAVRA. DASDIFERENTES CLASSES DE BENS. BENS CORPÓREOS E INCORPÓREOS. BENS IMÓVEIS E MÓVEIS.

Várias acepções da palavra "bens": - Depois de havermosestudado o primeiro elemento da relação jurídica, isto é, o sujeito do direito, cabe-nos passar ao exame do seu objeto,

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valedizer, dos bens.A palavra bens pode ser tomada em vários sentidos, a começar pelo filosófico. A êsse propósito, saliente-se, para logo, adiscordância entre o significado jurídico e o filosófico do vocábulo em questão.Filosoficamente, bem é tudo quanto pode proporcionar aohomem uma satisfação qualquer. Nesse sentido se diz que asaúde é um bem, que a amizade é um bem, que Deus é o sumobem. Mas, se, filosoficamente, saúde, amizade e Deus são bens,na linguagem jurídica não podem receber tal qualificação.Juridicamente falando, bens são valores materiais ou imateriais, que podem ser objeto de uma relação de direito. O vocábulo, que é amplo no seu significado, abrange coisas corpórease incorpóreas, coisas materiais ou imponderáveis, fatos e abstenções humanas.Como diz SOUTO, o conceito de coisa corresponde ao de bem,mas, nem sempre há perfeita sincronização entre as duas expressões. Às vêzes, coisas são o gênero e bens, a espécie; outras,êstes são o gênero e aquelas, a espécie; outras, finalmente, sãoos dois têrmos usados como sinônimos, havendo então entre êlescoincidência de significação.Não são todas as coisas materiais que interessam ao mundojurídico. Somente interessam ao direito, coisas suscetíveis deapropriação exclusiva pelo homem, como prédios, semoventes,mercadorias, livros, quadros e moedas. Se as coisas materiaisescapam à apropriação exclusiva pelo homem, por ser inexaurívela sua quantidade, como o ar atmosférico, a luz solar e a águados oceanos, deixam de ser bens em sentido jurídico. O conceitode coisa, na linguagem do direito, é ministrado pela economia.Por fim, urge ainda não confundir a palavra coisa, tomadano sentido vulgar ou genérico, com o seu significado jurídico.No primeiro sentido, coisa é tudo quanto existe fora ou além do

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homem; no segundo, coisa é tudo quanto seja suscetível de posseexclusiva pelo homem, sendo econômicamente apreciável.Coisas e bens econômicos constituem o patrimônio da pessoa,natural ou jurídica. Mas, para que possam integrá-lo preciso ésejam econômicamente apreciáveis, idôneos à estimação pecuniária. Se não suscetíveis de aferição monetária, escapam ao raiode ação do direito. O dinheiro é, por assim dizer, seu denominador comum.Além dêsses bens, outros existem ainda, de ordem moral eeconômicamente inapreciáveis, como a vida, a honra, a liberdade,a defesa e o nome. Êsses bens não econômicos são prolongamentos, emanações da personalidade natural e não entram, nempodem entrar, na formação do patrimônio, porque não comportam estimação pecuniária.A palavra bens, que serve de rubrica ao Livro II da ParteGeral do Código Civil, tem amplo significado, abrangendo coisase direitos, sob os mais diversos aspectos. Na Parte Especial,refere-se o Código ao direito das coisas, porque então se dedica,exclusivamente, à propriedade e aos seus vários desmembramentos.

Das diferentes classes de bens: - Numerosas as categoriasde bens. O próprio Código, no Livro II da Parte Geral, disciplina-os em cinco capítulos diferentes:I. Dos bens considerados em si mesmos.II. Dos bens reciprocamente considerados.III. Dos bens públicos e particulares.IV. Das coisas que estão fora do comércio.V. Do bem de família.Considerados em si mesmos (Capítulo I), os bens distribuem-se por cinco seções:I. Dos bens imóveis.II. Dos bens móveis.III. Das coisas fungíveis e consumíveis.IV. Das coisas divisíveis e indivisíveis.V. Das coisas singulares e coletivas.Reciprocamente considerados (Capítulo II), as coisas sãoprincipais e acessórias, incluindo-se nestas, além dos bens mencionados no art. 61, frutos, produtos, rendimentos e

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benfeitorias.Por fim, nos Capítulos subseqüentes, regula o Código as demais categorias de bens, públicos e particulares, in commercium eextra commercium, inclusive o bem de família, proporcionandoassim completa visão daquilo que constitui objeto da relação jurídica, das coisas que interessam ao mundo do direito.As várias distinções feitas pelo legislador, a que a doutrinaacrescenta a dos bens corpóreos e incorpóreos, fundam-se ora nasqualidades físicas ou jurídicas da própria coisa (mobilidade ouimobilidade, fungibilidade ou infungibilidade, divisibilidade ou indivisibilidade), ora nas relações que os bens guardam entre si(principais e acessórios), ora tendo em vista a pessoa do respectivo proprietário (públicos e particulares), ora sua negociabilidade (no comércio e fora do comércio).Cada uma dessas discriminações tem por base determinadacaracterística particular da coisa. Pode esta, portanto, enquadrar-se em múltiplas categorias, desde que apresente vários caracteres. Por exemplo, a mesma coisa pode ser ao mesmo tempomóvel e consumível (a moeda), imóvel, pública e fora do comércio(o rio), imóvel e acessório (a árvore frutífera).Tôdas essas classificações devem ser amplamente dominadas.Pertencem à linguagem do direito. O maior êrro que o juristapode cometer, ensinava o Prof. FRANCISCO MoRATo, é não conhecer a técnica, a terminologia da sua profissão.

Bens corpóreos e incorpóreos: - Corpóreos são os bens dotados de existência física, material, que incidem ou recaem sobos sentidos (res corporales sunt, quae tangi possunt). Incorpóreos, os que, embora de existência abstrata ou ideal, são reconhecidos pela ordem jurídica, tendo para o homem valor econômico (incorporales, quae tangi non possunt). Dentre os pri-meiros estão, por exemplo, os bens imóveis por natureza, especificados no art. 43, n.o I, do Código Civil; dentre os segundos,a propriedade literária, científica e artística (art. 649), o direitoà sucessão aberta (art. 44, n.o III) e a propriedade

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industrial(Dec.-lei n.o 7.903, de 27-8-1945).As coisas corpóreas são objeto de compra e venda, enquantoas incorpóreas são suscetíveis de cessão. Além disso, estas, aocontrário daquelas, não se prestam à tradição e ao usucapião.

Bens imóveis e móveis: - A divisão dos bens em móveis eimóveis é fundamental em tôdas as legislações (summa divisiorerum). Considera-a SUMNER MAINE a classificação fundadana efetiva natureza dos bens, tão evidente, que deveria ter maisdepressa ferido a atenção da humanidade.Sustentam alguns autores que ela é relativamente recente,tendo surgido em substituição à clássica divisão do direito romano,res mancipi e res nec mancipi, isto é, coisas que exigem, ou nãoexigem emprêgo da mancipatio para a sua transferência.Em verdade, porém, como adverte FuLvIo MAroI, essa suprema classificação não foi criada por quem quer que seja, massurgiu espontâneamente do povo.No direito medieval, havida a terra como sinal de poder e riqueza, só a propriedade imóvel tinha valor, constituía a propriedade por excelência, relegada a propriedade móvel a plano secundário, segundo atestam os adágios res mobilis res vilis e mobilium est vilis possessio.Renovou-se essa concepção nos tempos modernos, graças aosfisiocratas, de acôrdo com os quais só a terra representa fontede riqueza social. O Código Napoleão não logrou vencer a influência da escola fisiocrática, atribuindo assim à propriedadeimóvel sensível primazia, e considerando-a mesmo o verdadeirofundamento da riqueza nacional.Entretanto, do ponto de vista puramente econômico, torna-sediscutível o primado da propriedade imóvel sôbre a móvel, mormente quando se atenta para o fato de que a segunda, melhorque a primeira, vantajosamente se presta à livre circulação. Inquestionàvelmente, aquêles adágios representam hoje um contra-senso, dada a enorme importância adquirida pela riqueza mobiliária. Inegável é, modernamente, o alcance da função econômica desempenhada pelos valores mobiliários, a sobrepujar, em

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relevância, os próprios bens de raiz.Aquela espécie de desdém, que se professava pelos bens móveis, e a que se referia LAURENT, vai paulatinamente desaparecendo. Ao lado da propriedade imobiliária, qual poderosa rival,desponta a riqueza mobiliária, que aspira se colocar na primeiraplana e daquela tomar o lugar.Importantíssimos efeitos práticos resultam da divisão dosbens em móveis e imóveis, tanto no direito civil, como no comercial, no fiscal e no penal, além de idênticas repercussões no direito internacional privado.No direito civil, os principais efeitos práticos dessa distinçãosão os seguintes: a) - os bens móveis adquirem-se, em regra,pela simples tradição, enquanto os imóveis de valor superiora Cr$10.000 exigem escritura pública (Cód. Civil, art. 134,n.o II, modificado pela Lei n.o 1.768, de 18-12-1952); b) - osbens móveis podem ser alienados independentemente de outorgauxória, ao passo que os imóveis, seja qual fôr o regime matrimonial, dependem dessa formalidade (art. 235); c) - os primeirossujeitam-se a prazos muito mais curtos que os segundos, em matéria de usucapião (três ou cinco anos para os primeiros, dez,quinze ou vinte anos, para os segundos - arts. 618, 619, 550 e551, com a nova redação da Lei n.o 2.437, de 7-3-1955); d) só os imóveis estão sujeitos à transcrição (art. 531) e à enfiteuse(art. 678), ao passo que apenas os móveis se prestam ao contratode mútuo (art. 1.256).Também no direito comercial tem reflexos a aludida diferenciação, porquanto só bens móveis podem ser objeto de atosde comércio. É unicamente considerada mercantil a compra evenda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender porgrosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, oupara alugar o seu uso (Cód. Comercial, art. 191, 2.a alínea).No direito fiscal avulta igualmente a importância da mesmaclassificação. Apenas os imóveis se sujeitam ao pagamento doimpôsto territorial e ao de transmissão, enquanto o de consumoe o de vendas e consignações só recaem sôbre efeitos móveis.

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No direito penal, exclusivamente os móveis podem ser objetode furto e roubo (Cód. Penal, arts. 155 e 157). Por fim, nodireito internacional privado, para qualificar os bens e regularas relações a êles concernentes aplicar-se-á a lei do país em queestiverem situados (Intr. Cód. Civil, art. 82). Aplicar-se-á, todavia, a lei do país em que fôr domiciliado o proprietário, quantoaos bens móveis que êle trouxer ou se destinarem a transportepara outros lugares (art. 8.o, § 1.o).Estabelece o Código Civil no art. 43: são bens imóveis:I. O solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutospendentes, o espaço aéreo e o subsolo.II. Tudo quanto o homem incorporar permanentemente aosolo, como a semente lançada à terra, os edifícios econstruções, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura, ou dano.III. Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial,aformoseamento, ou comodidade.Os bens indicados no inciso I são imóveis por natureza.Observe-se, todavia, desde logo, que o dispositivo legal se achamodificado. Preceituou realmente a Constituição Federal, no art.152: "as minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedasd.água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeitode exploração ou aproveitamento industrial". Por sua vez, o Código de Águas dispõe, no art. 145: "as quedas d.água e outrasfontes de energia hidráulica são bens imóveis e tidas como coisasdistintas e não integrantes das terras em que se encontrem. Assim a propriedade superficial não abrange a água, o álveo docurso no trecho em que se acha a queda d.água, nem a respectivaenergia hidráulica, para o efeito de seu aproveitamento industrial". Enfim, o Código de Minas, no art. 4.o, edita: "a jazidaé bem imóvel distinto e não integrante do solo. A propriedade

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da superfície abrangerá a do subsolo, na forma do direito comum,não incluída, porém, nesta a das substâncias minerais ou fósseisúteis à indústria".Os bens especificados no inciso II do art. 43 são imóveis poracessão física artificial, enquanto os mencionados no inciso IIIsão imóveis por acessão intelectual.Mas, essa enumeração não esgota os bens imóveis. Outrosexistem ainda, que o são por disposição de lei, a fim de se imprimir maior segurança às relações jurídicas.Efetivamente, consideram-se imóveis para os efeitos legais:I. Os direitos reais sôbre imóveis, inclusive o penhor agrícola, e as ações que os asseguram.II. As apólices da dívida pública oneradas com a cláusula de inalienabilidade.III. O direito à sucessão aberta.Adverte o art. 45 que os bens, de que trata o art. 43, n.o III(bens imóveis por acessão intelectual) podem ser, em qualquertempo, mobilizados. Assim, se o proprietário mantém tratores eoutros veículos na exploração de sua propriedade agrícola, sãoêles bens imóveis por acessão intelectual. Se hipotecar o imóvel,o direito real de garantia abrangerá certamente aquêles efeitos.Da mesma forma, se o dono de uma fábrica adquire maquinariae a anexa ao solo, torna-a bem imóvel por destino; no caso deajuizar eventual ação redibitória do contrato de compra e vendao prazo prescritivo será de seis meses (art. 178, § 5.o, n.o IV), enão de quinze dias (art. 178, § 2.o).Mas, autorizado pelo art. 45, pode o proprietário, como odono da fábrica, mobilizar os efeitos por êle anteriormente convertidos em imóveis mediante destinação ou incorporação. Esclareça-se, todavia, que, de conformidade com o art. 46, "nãoperdem o caráter de imóveis os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nêle mesmo se reempregarem.As árvores, enquanto ligadas ao solo, são bens imóveis por

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natureza (art. 43, n.o I). Entretanto, se se destinam ao corte,para transformação em lenha e carvão, ou outra finalidade industrial, convertem-se em móveis.O fim que se tem em vista, na compra e venda de mata, é,pois, decisivo. Destinada à derrubada, o que se vende é a árvoreabatida, a madeira cortada. Não se trata assim de imóvel, masde bens móveis por antecipação.Importantes conseqüências práticas resultam dêsse fato: a)- não se exige escritura pública para realização da compra evenda, podendo esta ser efetuada por instrumento particular;b) - da mesma forma, não precisa o vendedor de outorga uxória,se casado fôr; c) - não pode ser transcrito no registro imobiliário o instrumento da compra e venda; d) - não está sujeita ao pagamento de sisa, devida apenas nas transmissões imobiliárias; e) - por fim, pertencente a mata a menor, pode servendida pelo pai, independentemente de autorização judicial.Da mesma forma que as árvores, também os frutos, pedras emetais. Enquanto aderentes ao imóvel são imóveis; separadospara fins humanos tornam-se móveis. São os chamados bensmóveis por antecipação.Examinados os imóveis, que são os bens que se não podemtransportar, sem destruição, de um lugar para outro (CLóvIs),passemos aos móveis, que, de acôrdo com o art. 47, são os benssuscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por fôrça alheia.Nesse dispositivo previstos estão os bens móveis por natureza. Dentre êles, uns são dotados de movimento próprio, comoos semoventes. Outros são também suscetíveis de movimento, porém, mediante fôrça alheia, como as mercadorias e os produtosagrícolas.Além dos móveis por natureza, o legislador contempla outracategoria: bens móveis por disposição de lei. Realmente, consideram-se bens móveis para os efeitos legais (art. 48):I. Os direitos reais sôbre objetos móveis e as ações correspondentes.II. Os direitos de obrigação e as ações respectivas.III. Os direitos de autor.Créditos garantidos por hipoteca ou penhor podem ser objeto

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depenhor e para êsse efeito são considerados coisa móvel (Dec.n.o 24.778, de 14-7-1934, art. 1.o). Á coisa móvel equipara-se aindaa energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico(Cód. Penal, art. 155, § 3.o).Assim como não perdem o caráter de imóveis materiais provisôriamente separados de um prédio, para nêle mesmo se reempregarem (art. 46), da mesma forma "os materiais destinados aalguma construção, enquanto não forem empregados, conservama sua qualidade de móveis. Readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio" (art. 49).

DAS COISAS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS. COISASDIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS. COISAS SINGULARES ECOLETIVAS. COISAS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS.DOS BENS RECÍPROCAMENTE CONSIDERADOS. BENS PÚBLICOS E PARTICULARES.QUE ESTÃO FORA DO COMÉRCIO.

Das coisas fungíveis e infungíveis: - Considerados ainda emsi mesmos, os bens podem ser fungíveis e infungíveis. São fungíveis os móveis que podem, e não fungíveis os que não podemsubstituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade (Cód. Civil, art. 50). Como se expressavam os romanos,res fungibiles sunt, quae pondere, numero, mensura consistunt,ou, em vernáculo, são as coisas que consistem em pêso, númeroe medida.No sistema do Código Civil, a fungibilidade é atributo exlusivo de bens móveis; não há bens imóveis fungíveis. Entretanto, existem móveis que são infungíveis.Essa classificação, tão rica de conseqüências práticas no campo das obrigações e dos contratos, remonta ao direito romano, mas o termo fungível é medieval(Nuovo Digesto Italiano, voe. "Cose fungibili").Sôbre a base da fungibilidade, que possibilita a substituiçãoda coisa por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade(aliás, fungível quer dizer substituível), repousam numerosas relações jurídicas: a) - o mútuo é empréstimo de coisas fungíveis.

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O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dêle recebeuem coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (Cód. Civil,art. 1.256); b) - o depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acêrca do mútuo(art. 1.280); c) - a compensação efetua-se entre dívidas liuidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 1.010); d) - se olegado fôr de coisa móvel, que se determine pelo gênero, ou pelaespécie, será cumprido, ainda que tal coisa não exista entre osbens deixados pelo testador (art. 1.681); e) - nas mesmas condições encontram-se ainda as relações regidas pelos arts. 301,933, § único, 1.264, n.o III, e 1.378.Da mesma forma, a idéia da infungibilidade impregna diversas situações, podendo ser mencionadas, dentre outras, as seguintes: a) - o credor de coisa certa não pode ser obrigado areceber outra, ainda que mais valiosa (art. 863); b) - o contrato de locação objetiva o uso e gôzo de coisa não fungível (art.1.188); c) - idem, quanto ao comodato (art. 1.248).Não se imagine que só quanto aos bens intervém o conceitoda fungibilidade ou infungibilidade. A mesma idéia aparece aindanas obrigações de fazer, pois, assim como há prestações infungíveis, sômente exeqüíveis pelo próprio devedor (arts. 878 e 880),existem também prestações fungíveis, realizáveis por terceiro(art. 881).Igualmente no direito judiciário se vislumbra a mesma idéiada fungibilidade, quando se permite ao juiz, como à parte, aludira outro texto de lei, não referido na inicial ou no pedido, desdeque respeitados os fatos da lide. É o que PONTES DE MIRANDAchama de fungibilidade da forma de fundamento. Como se vê,no fundo, é a mesma idéia do direito civil. Neste, substitui-seuma coisa por outra, da mesma espécie, qualidade e quantidade;

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no direito judiciário, tolera-se também a substituição de um textopor outro, quer pela parte, quer pelo juiz, se alterados não sãoos fatos da lide.A fungibilidade ou infungibilidade é predicado que resulta,em regra, da própria qualidade física, da própria natureza dacoisa. Mas pode advir igualmente da vontade das partes. Estas,por convenção, tornam infungíveis coisas intrinsecamente fungíveis. Por exemplo, um boi é infungível; se um fazendeiro empresta-o a outro para serviços de lavoura, deve receber de voltao mesmo animal que havia emprestado; mas se o boi havia sidocedido para o talho, converte-se em fungível e o devedor se liberará restituindo outro animal da mesma espécie e qualidade.Assim também uma cesta de frutas é coisa fungível, mas emprestada ad pompam vel ostentationem, para ornamentação, porexemplo, transformar-se-á em coisa infungível.

Coisas consumíveis e inconsumíveis: - São consumíveis osbens móveis, cujo uso importa destruição imediata da própriasubstância, sendo também considerados tais os destinados a alienação (art. 51).Por outras palavras, consumíveis são as coisas que se exaurem num só ato, com o primeiro uso (res consuntibilis sunt quaeusu consumuntur). A consuntibilidade, isto é, a qualidade daquilo que é consumível, pode ser de fato (como a dos gênerosalimentícios), ou de direito (como a do dinheiro).Inconsumíveis, por seu turno, são os bens que proporcionamreiterada utilização ao homem, sem destruição da sua substância.Cumpre, todavia, não perder de vista a observação de TorrENTE os têrmos consumível e inconsumível devem ser entendidos, não no sentido vulgar, mas no econômico. Com efeito, doponto de vista físico, nada existe no mundo que não se altere,não se deteriore, ou não se consuma com o uso. A utilizaçãomais ou menos prolongada acaba por consumir tudo quanto existena terra. Entretanto, na linguagem jurídica, coisa

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consumível éapenas a que se destrói com o primeiro uso; não é, porém, juridicamente consumível a roupa, que lentamente se gasta com ouso ordinário.Coisas inconsumíveis podem transformar-se em consumíveis,se destinadas à alienação. O livro, por exemplo, por natureza, éinconsumível, mas, nas livrarias, exposto à venda, se torna consumível, porque seu uso normal, aí, importa em o fazer desaparecer do acervo em que se acha integrado.A idéia de consuntibilidade apresenta-se bem nítida no usufruto impróprio, disciplinado pelo art. 726 do Código Civil, assimredigido: "as coisas que se consomem pelo uso, caem para logono domínio do usufrutuário, ficando, porém, êste obrigado a restituir, findo o usufruto, o equivalente em gênero, qualidade equantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, pelo preço corrente ao tempo da restituição".

Coisas divisíveis e indivisíveis: - Ainda consideradas em simesmas, as coisas podem ser divisíveis e indivisíveis. Coisas divisíveis são as que se podem partir em porções reais e distintas,formando cada qual um todo perfeito (Cód. Civil, art. 52).Por outras palavras, coisas divisíveis são aquelas que sepodem repartir em frações distintas, de tal modo que cada umadestas possa prestar os mesmos serviços, ou as mesmas utilidades,prestadas pelo todo.Coisas indivisíveis, ao inverso, são aquelas que não comportam o aludido fracionamentO, ou que, fracionadas, perdem a possibilidade de prestar os serviços e utilidades que o todo anteriormente oferecia .São indivisíveis (art. 53):I. Os bens que se não podem partir sem alteração na suasubstância.II. Os que, embora naturalmente divisíveis, se consideramindivisíveis por lei, ou vontade das partes.Há, como se vê, duas espécies de indivisibilidade: a materialou física, em que as coisas não se podem partir sem alteração nasua substância (um quadro a óleo, por exemplo), e a

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intelectualou jurídica, decorrente da lei (por exemplo, a do prédio enfitêutico - art. 681), ou vontade das partes (por exemplo, a obrigação indivisível).A indivisibilidade pode concernir, portanto, não só às coisascorpóreas (como no exemplo do quadro a óleo), bem como àsincorpóreas (como na hipótese da obrigação indivisível)."A perda de identidade e a diminuição do valor econômicosão traços característicos da indivisibilidade jurídica de coisa comum" (acórdão do Supremo Tribunal Federal, publicado na Revista dos Tribunais, 227/603).A divisibilidade ou indivisibilidade entra em jôgo em váriassituações jurídicas. Para que se tenha idéia da relevância doassunto e de suas infinitas aplicações práticas, considerem-se apenasalguns casos, extraídos da própria lei civil: a) - em primeiro lugar, classificam-se as obrigações em divisíveis e indivisíveis, segundo suas prestações sejam ou não suscetíveis de cumprimento parcial. Pois bem, se a obrigação é indivisível, se sómente por inteiro pode ser cumprida, cada um dos co-devedoresserá obrigado pela dívida tôda (Cód. Civil, art. 891); b) - asservidões prediais são indivisíveis (art. 707) ; elas não podemser adquiridas ou perdidas por partes. Subsistem, no caso departilha, em benefício de cada um dos quinhões do prédio dominante, e continuam a gravar cada um dos do prédio serviente;c) - da mesma forma, a hipoteca é indivisível (art. 757). Aindaque o devedor venha a pagar alguma parcela por conta do débito, os bens gravados continuam integralmente onerados paragarantia do saldo devedor.Outros dispositivos legais poderiam ser ainda invocados (arts.83, 152, 1.031, 1.274, 1.580 e 1.728); os já mencionados são, porém, suficientes para evidenciar a projeção da divisibilidade e daindivisibilidade no cenário jurídico em geral.

Coisas singulares e coletivas: - Ainda sob o mesmo aspecto,em si mesmas consideradas, as coisas são simples e compostas.

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Coisas simples, em direito, são as que formam um todo homogêneo, cujas partes, unidas pela natureza ou pelo engenho humano, nenhuma determinação especial reclamam da lei: unu spiritu cotinentur, como diziam os romanos. Podem ser materiais(como um cavalo, uma planta), ou imateriais (como um crédito).Coisas compostas são as que se foram de várias partes ligadas pela arte humana. Como as simples, podem ser tambémmateriais (por exemplo, a construção de um edifício, com fornecimento de materiais e mão-de-obra) e imateriais (por exemplo,o fundo de negócio).As coisas simples ou compostas, materiais, ou imateriais, sãosingulares ou coletivas (art. 54):I. Singulares, quando, embora reunidas, se consideram deper si, independentemente das demais.II. Coletivas, ou universais, quando se encaram agregadasem todo.As coisas singulares, embora consideradas isoladamente, têmindividualidade própria, têm valor próprio. Como observa CLÓVISas coisas são ordinàriamente singulares. Somente por determinação da lei, ou pela vontade das partes, se consideram coletivas.Coisas coletivas, ou universais, são as que embora constituídasde duas ou mais coisas singulares, se consideram, todavia, agrupadas num único todo. Êsse todo, que tem individualidade distinta das unidades que o compõem, é geralmente designado porum nome genérico.As coisas coletivas compreendem as universalidades de fato(por exemplo, o rebanho, uma biblioteca, uma galeria de arte)e as universalidades de direito (o patrimônio, a herança, a massafalida, o fundo de negócio).Aliás, a propósito das duas primeiras universalidades, dispõeo art. 57: "o patrimônio e a herança constituem coisas universais,ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constemde objetos materiais".Os cânones fundamentais que regem a matéria de que estamos

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a tratar se encontra nos arts. 55 e 56. Estabelece oprimeiro que "nas coisas coletivas, em desaparecendo todos osindivíduos, menos um, se tem por extinta a coletividade". O legado de um prédio, por exemplo, não desaparece por ter-se incendiado a construção, pois remanesce quanto ao solo.O segundo, por sua vez, edita: "na coletividade, fica sub-rogado ao indivíduo o respectivo valor, e vice-versa". É a consagração do velho princípio res succedit in locum pretii et pretiumin locum rei. Deparam-se interessantes aplicações dêsse preceitonos arts. 393, § único, 735, § 2.o, 737 e 1.677, todos do CódigoCivil, bem como no art. 31 do Decreto-lei n.o 3.365, de 21-6-1941.Observa CLÓvIs que a distinção das coisas em singulares ecoletivas não tem maior interêsse prático. Acha-se impregnadade obscuridades e a seu respeito a doutrina ainda se mostra indecisa.

Dos bens reciprocamente considerados: - Sob êsse aspecto,dividem-se os bens em principais e acessórios. Principal é acoisa que existe sôbre si, abstrata ou concretamente. Acessória,aquela cuja existência supõe a da principal (Cód. Civil, art. 58).Assim, o solo é coisa principal, porque existe sôbre si, concretamente, sem dependência de qualquer outra. A árvore, porém, é acessória, porque sua existência está vinculada à do soloonde foi plantada.Tal distinção tem cabimento não só nas coisas corpóreas comotambém nos direitos. Assim, um crédito, por exemplo, existesôbre si, tem autonomia, individualidade própria. O mesmo nãosucede com a cláusula penal, cuja existência se subordina à deuma obrigação principal.No tema dos bens reciprocamente considerados, o princípiofundamental vem exarado pela art. 59: "salvo disposição especialem contrário, a coisa acessória segue a principal".Como ensina o Prof. JOSÉ AUGUSTO CÉsAR desdobra-seo princípio em duas proposições distintas: a) - a natureza do

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acessório é a mesma da do principal, se esta é imóvel, aquelatambém o é; b) - o proprietário do principal é proprietáriodo acessório.Inúmeras são as aplicações resultantes do art. 59. Limitar-nos-emos a três: a) - a posse do imóvel faz presumir, atéprova contrária, a dos móveis e objetos que nêle estiverem (art.498); b) - a obrigação de dar coisa certa abrange-lhe os acessórios, pôsto não mencionados, salvo se o contrário resultar dotítulo, ou das circunstâncias do caso (art. 864); c) - salvodisposição em contrário, na cessão de um crédito se abrangemtodos os seus acessórios (art. 1.066).Apenas num caso o acessório domina o principal: a hipotecaé acessório em relação à dívida garantida. Pois bem, a lei dahipoteca é a civil, e civil a sua jurisdição, ainda que a dívidaseja comercial, e comerciantes as partes (art. 809). Nesse caso,por exceção, o acessório prevalece sôbre o principal, devido àimportância social adquirida pelo referido direito real de garantia.O princípio accessorium sequitur suum principale traduçãodo citado art. 59, é verdadeiro não só para as coisas materiais,como para as imateriais, como as relações de direito.Mas, a regra não é absoluta e cede ante a vontade em contrário dos interessados.Esclarece o Código, no art. 60, que "entram na classe dascoisas acessórias os frutos, produtos e rendimentosAcêrca dos frutos, duas teorias podem ser mencionadas, aobjetiva e a subjetiva. Para a primeira, frutos são as utilidadesque a coisa periõdicamente produz, constituem a produção normal,ordinária e certa da coisa; são quaisquer produtos orgânicos,cuja percepção deixa substancialmente intacta a coisa que osproduziu. Para a teoria subjetiva, que se atém sobretudo aoaspecto econômico, frutos são as riquezas normalmente produzidas por um bem patrimonial, podendo consistir tanto na safrade uma propriedade agrícola como nos produtos oriundos da intervenção do homem sôbre a natureza, como ainda nos

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rendimentos de um capital. Acolheu o nosso Código a teoria objetiva,considerando como frutos a produção normal e periódica dacoisa, sem dispêndio da sua substância.Dividem-se os frutos em naturais, industriais e civis. Naturais são os que se renovam periôdicamente, em virtude da fôrçaorgânica da própria coisa, como as crias dos animais. Industriais, os devidos à intervenção do homem sôbre a natureza,como a produção de uma fábrica. Civis são as rendas provenientes da utilização de coisa frugífera, como juros, aluguéis edividendos.Sob outro aspecto, os frutos dizem-se ainda pendentes, percebidos, estantes, percipiendos e consumidos. São pendentes,quando ainda unidos à árvore que os produziu, tanto pelos ramoscomo pelas raízes (exemplo, art. 511). Depois de colhidos, denominam-se percebidos (art. 510). Armazenados ou acondicionados para a venda são estantes. Os que deviam ser, mas aindanão foram colhidos se chamam percipiendos. Os que já não maisexistem, por terem sido utilizados, denominam-se consumidos.Produtos são utilidades que se extraem da coisa, reduzindo-lhe paulatinamente a respectiva quantidade. Não se reproduzem, pois, períôdicamente, como os frutos, sendo êsse o traçodistintivo entre ambos. São as pedras, que se retiram das pedreiras, os metais, que se extraem das minas, o sal, obtido nassalinas.Rendimentos são os frutos civis; as expressões são sinônimase o Código foi redundante.Todos êsses efeitos, frutos, produtos e rendimentos, de acôrdocom o citado art. 60, entram na classe das coisas acessórias, regendo-se, pois, pelos princípios legais já enunciados.Adverte o art. 61 que são acessórios do solo:I. Os produtos orgânicos da superfície.II. Os minerais contidos no subsolo.III. As obras de aderência permanente, feitas acima ouabaixo da superfície.O inciso I compreende vegetais e animais encontrados na

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superfície, lembrando CLÓvIs que a palavra produto aí não figurano seu sentido técnico. Quanto aos minerais, mencionados noinciso II, é preciso não perder de vista a legislação, mencionadaprecedentemente, que confere autonomia jurídica às minas e jazidas ainda não manifestadas.Obras de aderência permanente, feitas acima ou abaixo dasuperfície, são os edifícios e outras construções, como pontes,abrigos, metrôs, desde que duradouras.Também se consideram acessórias da coisa todas as benfeitorias, qualquer que seja o seu valor, exceto (art. 62):I. A pintura em relação à tela.II. A escultura em relação à matéria-prima.III. A escritura e outro qualquer trabalho gráfico, em relação à matéria-prima que os recebe (art. 614).Como esclarece o citado art. 614, a especificação obtida por alguma das maneiras do art. 62 atribui a propriedade ao especificador, mas não o exime à indenização.Ressalvadas as situações aí previstas, inclui o legislador, naclasse dos acessórios, tôdas as benfeitorias. Têm estas capitalimportância no direito positivo.Embora a expressão seja de uso corrente, convém defini-la.Benfeitorias são obras ou despesas, que se fazem num bem móvelou imóvel, a outrem pertencente, a fim de conservá-lo, melhorá-loou embelezá-lo.Dessa definição decorrem as três espécies de benfeitorias:voluptuárias, úteis e necessárias.São voluptuárias, diz o art. 63, § 1.o, as de mero deleite ourecreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda quea tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. Por exemplo, a pintura de uma casa, a construção de piscina numa residência particular, a feitura de um campo de futebol.São úteis as que aumentam ou facilitam o uso da coisa (art.63, § 2.o); por exemplo, a edificação de garagem numa casa. Essaconstrução não era necessária para a conservação do prédio, masveio aumentar-lhe o valor, facilitar-lhe o uso; é,

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portanto, benfeitoria útil.São necessárias as que têm por fim conservar a coisa ouevitar que se deteriore (art. 63, § 3.o). Por exemplo, uma cêrcade arame farpado para defesa da terra cultivada, o refôrço dasfundações de um prédio, que ameaçam ceder, a restauração deum assoalho, que havia desabado.Cumpre não confundir benfeitorias, cuja importância é capital na teoria da posse, consoante se pode verificar dos arts.516 a 519 do Código Civil, com plantações e construções, queconstituem acessão, regida pelos arts. 545 a 549 do mesmo Código.Benfeitorias são obras ou despesas efetuadas na coisa paraconservá-la, melhorá-la ou embelezá-la; acessões são obras quecriam coisas novas, diferentes, e que vêm aderir à coisa anteriormente existente.Mercê dessa diferenciação, claramente estabelecida pela doutrina, plantações e construções, sendo coisas novas, que se agregam às já existentes, só podem ser catalogadas como acessões.Entretanto, fôrça é reconhecer, empresta-se freqüentementecunho genérico à expressão benfeitorias, de molde a compreendernão só as benfeitorias prôpriamente ditas, como também as culturas e as obras edificadas.Cumpre salientar ainda que melhoramentos, em linguagem popular, tem às vêzes o mesmo sentido que a palavra benfeitoriasPor fim, adverte o art. 64 que "não se consideram benfeitorias os melhoramentos sobrevindos à coisa sem a intervençãodo proprietário, possuidor ou detentor". O dispositivo alude aoproduto das acessões (aluvião, acessão, etc.). Nessas hipóteses,não há benfeitorias, mas acréscimos decorrentes de fatos eventuaise inteiramente fortuitos. Não são êles indenizáveis, porque, paraa sua realização, não ocorreu qualquer esfôrço do possuidor oudetentor. Sendo obra exclusiva da natureza, quem lucra é oproprietário do imóvel, sem compensação alguma para quem quer

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que seja.

Dos bens públicos e particulares: - Para essa distinção, ascoisas são consideradas em relação aos respectivos proprietários.Sob êsse aspecto, elas são públicas e particulares.São públicos os bens do domínio nacional pertencentes àUnião, aos Estados, ou aos Municípios. Todos os outros sãoparticulares, seja qual fôr a pessoa a que pertencerem (art. 65).O preceito é ambíguo. Dá a entender que só sejam públicosos bens dos Estados, ou dos Municípios, quando forem do domínionacional; nessa afirmativa se contém manifesta contradição.Além disso, por exclusão, o que não pertencer à União, aosEstados, ou aos Municípios, será de propriedade dos particulares,segundo o texto. Ora, isso não é absolutamente verdade. Muitascoisas existem, no mar e em terra, que não pertencem a ninguém(os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade,as pérolas que jazem no fundo dos mares, os tesouros, as águaspluviais não captadas, as coisas abandonadas, as res nullius, etc.).Feitas essas restrições à literalidade do art. 65, passemos àclassificação dos bens públicos, feita pelo art. 66. Os bens públicos são:I. Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios,estradas, ruas e praças.II. Os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenosaplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadualou municipal.III. Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônioda União, dos Estados, ou dos Municípios, como objetode direito pessoal, ou real de cada uma dessas entidades.Como se vê, o legislador pátrio distribuiu os bens públicosem três categorias distintas: os de uso comum do povo, os deuso especial e os dominicais.Os primeiros pertencem a todos. Podem ser utilizados porqualquer pessoa (res communis omnium). CLÓvIs chega mesmoa afirmar que o proprietário dêsses bens é a coletividade. Nãoparece exato tal entendimento, pois, os referidos bens, em

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verdade, pertencem ao ente de direito público (União, Estado ouMunicípio), que tem a respectiva guarda, administração e fiscalização. A comunidade tem apenas o uso e gôzo, condicionadosnaturalmente à observância dos regulamentos administrativos.Os bens de uso comum, acessível a todos, acham-se especificados no art. 66, inciso I. São os mares territoriais (inclusivegolfos, baías e enseadas), rios, estradas, ruas e praças. Não seperca de vista que a enumeração é meramente exemplificativa.O art. 68 esclarece que o uso comum dos bens públicos podeser gratuito, ou retribuído, conforme as leis da União, dos Estados ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem.Os bens públicos de uso especial (art. 66, n.o II) são constituídos pelos imóveis destinados ao serviço público, tais como osprédios em que se instalem ministérios e secretarias, tribunais,repartições públicas, escolas, quarteis e fortalezas. A exemplodo que sucede com o inciso I, a enumeração é apenas enunciativa.Bens dominicais são os que constituem o patrimônio da pessoa jurídica de direito público interno, móveis ou imóveis, comoterrenos de marinha, terras devolutas, estradas de ferro, prédiosde renda, títulos da dívida pública e outros. Sua discriminaçãopertence ao direito público.Aliás, tôda matéria que ora estamos a tratar é, tlpicamente,de direito público, e não de direito privado. Cingimo-nos, porisso, neste ensejo, a uma simples referência à legislação em vigor.Os bens públicos da União encontram-se disciplinados pelasseguintes leis: a) - Constituição Federal, art. 34; b) - Decreto-lei n.o 9.760, de 5-9-1946, art. 1.o; c) - Decreto-lei n.o 852,de 11-11-1938, art. 2.o; d) - Decreto-lei n.o 25, de 30-11-1937.No tocante ao Estado de São Paulo, além do disposto no art.35 da Constituição Federal, pode ser ainda mencionado o Decreto-lei n.o 14.916, de 6-9-1945, que dispõe sôbre terras devolutas.

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Os bens públicos indicados no art. 66 são inalienáveis; sóperderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e formaque a lei prescrever (Cód. Civil, art. 67). Os bens públicos são,pois, alienáveis, desde que o permitam as leis ordinárias.Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que "é nula a alienação de matas existentes emterras pertencentes à União, se não houve a necessária autorizaçãolegal".Todo bem público, seja qual fôr sua espécie, pode ser alienado, desde que haja autorização legal. Não é exato que existaessa possibilidade só para os bens dominicais ou patrimoniais; osdemais bens públicos também podem ser vendidos.Suponha-se rua pública, que foi abandonada, por ter sidoentregue ao tráfego outra melhor localizada. Nada impede quea municipalidade, credenciada por lei especial, aliene os terrenosque integravam aquela primeira rua (bem público de uso comumdo povo).Mercê da inalienabilidade, que lhes é peculiar, os bens públicos são igualmente imprescritíveis. Tal assunto foi objeto degraves e profundas dissenções, tanto doutrinárias como jurisprudenciais, na vigência do Código Civil, que não continha textoexpresso a respeito.Todavia, a êsse tempo, a exegese que melhor ornava com anatureza dos bens públicos e com a lei civil era a da prescritibilidade. Por outras palavras, bens públicos podiam ser adquiridos por usucapião. A posse ad usucapionem não os privavada inalienabilidade com que haviam sido caracterizados pelo legislador. Mas a jurisprudência do Supremo Tribunal Federalera contrária a tal entendimento.Posteriormente ao Código Civil, surgiu o Decreto n.o 22.785,de 31-5-1933, que, dissipando tôdas as dúvidas, estabeleceu queos bens públicos, seja qual fôr a sua natureza não são sujeitos ausucapião (art. 2.o). Essa mesma disposição foi posteriormente reproduzida no art. 12, § único, do Decreto-lei n.o 710, de 17-9-1938,e no art. 200, do Decreto-lei n.o 9.760, de 5-12-1946. Hoje

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em dia,portanto, não se pode mais cogitar de usucapião de bens públicos.Só no caso disciplinado pelo art. 156, § 3.o, da ConstituiçãoFederal é que, pro labore, para fixar o homem no campo, se podecondescender com a prescrição aquisitiva de bens públicos.As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer natureza, não manifestadas ou registradas na forma dos arts. 4.o e 6.oda lei, são consideradas, para todos os efeitos, bens patrimoniaisda União (Lei n.o 3.924, de 26-7-1961, art. 7.o). Minas e jazidas desubstâncias de interêsse para a produção de energia atômica constituem bens inalienáveis e imprescritíveis (Lei n.o 4.118, de 27-81962, art. 3.o).

Coisas que estão fora do comércio: - Dispõe o Código Civilno art. 69, que são coisas fora do comércio as insuscetíveis deapropriação, e as legalmente inalienáveis.Observe-se inicialmente que a palavra comércio aí figura nosentido técnico, no sentido jurídico, significando a possibilidadede compra e venda, a liberdade de circulação, o poder de movimentação dos bens. Coisas no comércio são, por conseguinte, asque se podem comprar, vender, trocar, doar, dar, alugar, emprestar, etc; fora do comércio são aquelas que não podem serobjeto de relações jurídicas, como as mencionadas.Contempla o Código duas categorias de coisas fora do comércio: a) - as insuscetíveis de apropriação; b) - as legalmente inalienáveis. A essas duas categorias podemos acrescentarterceira, a dos bens que constituem direta irradiação da personalidade humana, como a vida, a honra, a liberdade, o nome civil.Por exclusão, estão no comércio todos os demais bens.Em primeiro lugar, acham-se fora do comércio as coisas insuscetíveis de apropriação, como o ar atmosférico, a luz solar,o mar alto, a água dos oceanos. Não são essas coisas passíveisde posse exclusiva pelo homem, por ser inesgotável sua

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utilização. Por isso, estão fora do comércio. A extracomercializaçãoé absoluta e decorre da própria natureza.Em segundo lugar, estão igualmente fora do comércio ascoisas que, embora suscetíveis de apropriação pelo homem, são,todavia, propositadamente excluídas pela lei, quer em atenção àdefesa social, quer para proteger determinadas pessoas. Nessescasos, a extracomercialização é apenas relativa.Expliquemo-nos melhor: para certos bens, a extracomercialização é essencial, absoluta, como sucede quanto aos bens públicos,que só perdem a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casose forma que a lei prescrever (Cód. Civil, art. 67).Para outros bens, entretanto, a extracomercialização é meramente acidental, ou relativa, podendo ser levantada mediante aobservância de determinadas cautelas ou formalidades. É o queacontece com o bem de família (art. 72), os bens dotais (art.293), os bens gravados com a cláusula de inalienabilidade (art.1.676), os bens pertencentes às fundações, os imóveis financiados pelos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões(Dec.-lei n.o 8.618, de 10-1-1946) ou pela previdência social (Lein.o 3.807, de 26-8-1960, art. 149). Todos êsses bens, legalmenteinalienáveis, tornar-se-ão alienáveis, recuperarão a negociabilidade, desde que se observem as exigências estatuídas em lei.Questão controvertida é a da possibilidade de dispor a pessoado próprio corpo após a sua morte. O corpo humano é ou nãocoisa extra commercium? A opinião predominante é a de quepossível se torna a respectiva disponibilidade, dentro de certoslimites, atenta a finalidade visada pelo disponente.De fato, se pode êste, em vida, alienar os cabelos ou doarseu sangue , por que não poderia dispor do próprio cadáver, cedendo-o, por exemplo, a uma escola para estudos? É claro, no

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entanto, que a solução teria de ser diferente, se o interessadofôsse movido por algum propósito subalterno, por exemplo, o intuito de lucro. Tudo depende, como se acentuou, do móvel queanimou o disponente.No anteprojeto de ORLANDO GOMES, no capítulo reservado aosdireitos da personalidade, encontram-se várias normas relativasà disposição do próprio corpo (art. 30 e § único), do cadáver(art. 31) e direito ao cadáver (art. 32).Terrenos em cemitérios públicos são objeto de concessões,que não podem ser transferidas. São, portanto, coisas fora docomércio. Da mesma forma, já se decidiu que não pode serpenhorado monumento tumular erigido em cemitérios.A Lei n.o 4.230, de 6-11-1963, dispõe sobre extirpação de órgãos ou tecidosde pessoas falecidas.A Lei estadual n.o 3.365, de 6-6-1956, dispõe sObre doação voluntária desangue.

DO BEM DE FAMÍLIA. GENERALIDADES. QUALO PRÉDIO QUE PODE SER CONSTITUÍDO EM BEMDE FAMÍLIA. SUA DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E DURAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO E OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Generalidades: - Mal colocado na Parte Geral se acha, evidentemente, êsse instituto. Nela se estudam apenas os elementosda relação jurídica, sujeito, objeto e fatos que determinam a origem, conservação e extinção dos direitos. Numa imagem bastante conhecida, dizia IHERING que a Parte Geral era a anatomiado direito, isto é, a dissecção de sua estrutura, enquanto a ParteEspecial seria sua fisiologia, isto é, a discriminação de suasfunções.Ora, o bem de família é relação jurídica de caráter especifico e não genérico. Seu lugar apropriado seria no direito defamília, já que a finalidade do instituto é a proteção da família,

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proporcionando-lhe abrigo seguro. Mas CLÓVIS, secundado porJOÃO FRANZEN DE LIMA, não acha desarrazoada sua colocaçãono direito das coisas.Ao disciplinar tal instituto, inspirou-se o nosso Código emalgumas legislações alienígenas, embora lhe tenha também impresso cunho especial. Realmente, nos Estados-Unidos, desde1839, existe o homestead, cuja finalidade primordial é a de proteger os lavradores no cultivo das terras, concedendo-lhes isençãode penhora quanto à propriedade cultivada. Em alguns Estadosda União Norte-Americana o homestead chega a figurar nas próprias Constituições locais.Na Alemanha existe igualmente o Hofrecht, que se caracteriza pela indivisibilidade de certo imóvel rural, a fim de transmitir-se Integro a um dos sucessores do proprietário. Ao bem defamília o Código suíço expressivamente chama de "asilo da família" (art. 349). Na França, êle existe desde 1909 e, segundotudo indica, sem muito sucesso.No Brasil, em face da lei civil, é o instituto pelo qual o chefede família destina um prédio para domicílio ou residência desua família. Estabelece realmente o art. 70, primeira parte: "épermitido aos chefes de família destinar um prédio para domicíliodesta". Com o advento do Decreto-lei n.o 3.200, de 19-4-1941,ampliou-se a finalidade do bem de família, passando a possibilitarnão só a destinação de prédio para domicílio, como a constituiçãode abrigo para a família, já que no ato incluídos podem ser,juntamente com o prédio rural, mobília e utensílios de uso doméstico, gado e instrumentos do trabalho (art. 22).A instituição do bem de família é privativa dos respectivoschefes. Incumbe assim ao marido, e também à mulher, se estiver investida na direção do casal, fôr viúva ou desquitada (tendoneste caso a guarda dos filhos menores).O dispositivo alcança não só as famílias legítimas como asilegítimas. Embora ilegítimas, são também famílias. Como alei não distingue, podem ser beneficiadas pelo favor legal.Pessoas solteiras não podem instituir bem de família, assimcomo tutôres e curadores, em benefício dos tutelados e

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curatelados.

Qual o prédio que pode ser constituído como bem de família:- Este há de ser um prédio residencial, urbano ou rural. A leicivil não desceu a êsses pormenores, mas o citado Decreto-lein.o 3.200, art. 22, alude expressamente a imóvel situado em zonarural. Precisamente quando recair em prédio rural é que sepermitirá a inclusão, no ato da constituição, da mobília e utensílios de uso doméstico, gado e instrumentos do trabalho.Contudo, não é qualquer imóvel, urbano ou rural, que sepresta à constituição em bem de família. Há um teto para oseu valor. Pelo Decreto-lei n.o 3.200, art. 19, não seria instituídobem de família imóvel de valor superior a Cr$ 100.000. A Lein.o 2.514, de 27-6-1955, atualizando aquela cifra, elevou-a paraCr$ 1.000.000 (art. 1.o), hoje igualmente superada.

Sua destinção específica: - Realizado o ato de constituição,a família deve transferir-se para o prédio que lhe foi destinado.A ocupação e o uso para residência são essenciais ao bem de família.É o que se infere do art. 70: é permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta. Frisa ainda oart. 72: o prédio, nas condições acima ditas, não poderá ter outrodestino, ou ser alienado, sem o consentimento dos interessados edos seus representantes legais. Por sua vez, o art. 21 do Decreto-lei n.o 3.200 permite o cancelamento da cláusula se o prédiodeixar de ser domicílio da família. O bem de família tem, portanto, finalidade específica, que não pode e não deve ser desvirtuada.Fôrça reconhecer, todavia, que a jurisprudência vem atenuando êsse rigor. Assim, tem-se decidido: a) - asseguradasua destinação legal, de servir de domicílio, pode o bem de famíliaser, em parte, arrendado; b) - a finalidade do bem de família

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é servir de residência para a família, mas a alegação de se haverdesviado o destino legal não invalida a instituição e só os beneficiários poderão reclamar contra aquêle desvio; c) - mudançade residência e necessidade de partilha não justificam o cancelamento do bem de família.Aliás, na doutrina, há quem sustente, como CARVALHO SANTos,que o bem de família pode ser alugado ou arrendado.

Inalienabilidade e impenhorabilidade do bem de família: O bem de família é declarado inalienável pelo art. 72 do CódigoCivil. A inalienabilidade vem estabelecida pela lei no propósitode salvaguardar a família do instituidor, proporcionando-lhe seguro asilo.Mas essa inalienabilidade, segundo vimos anteriormente, éapenas acidental. Pode ser removida, desde que haja anuênciados interessados e dos seus representantes legais (art. 72, infine). Efetivamente, se existem vantagens econômicas devidamente justificadas, se a família se transferiu para outro Estadoou outra localidade, por que não se dispensar a cláusula e nãose permitir a livre disposição do bem?Se os interessados são incapazes, o consentimento deve serdado pelos representantes legais, nomeando-se-lhes curador especial, nos têrmos do art. 387 do Código Civil, se fôr o caso. Éperante o juiz da cidade em que residem os interessados em bemde família que se deve promover seu cancelamento. Entre osinteressados se acham os filhos do instituidor, que têm qualidade para se opor ao cancelamento.O bem de família é também impenhorável. Aliás, afirmaROGUIN que a impenhorabilidade é o próprio nervo do instituto.O principal efeito do ato é isentar de penhora o prédio destinadoa ser o lar da família. O art. 70 positiva: é permitido aos chefesde família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívida, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio. O Código de

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Processo Civil, a seu turno, dispõe no art. 942 que não poderãoabsolutamente ser penhorados os bens inalienáveis por fôrça delei. Decretada a falência do instituidor, esta não compreenderáo bem de família (Dec.-lei n.o 7.661, de 21-6-1945, art. 41).Mas a impenhorabilidade não é absoluta, comportando exceções. A primeira vem expressa no próprio corpo do art. 70; obem de família responde pelas dívidas provenientes de impostosrelativos ao mesmo prédio.Da mesma forma, não prevalece a impenhorabilidade se severifica que a instituição foi feita em fraude ou prejuízo de débitoanterior. Dispõe, com efeito, o art. 71: para o exercício dêssedireito é necessário que os instituidores no ato da instituição nãotenham dívidas cujo pagamento possa por êle ser prejudicado.Contudo, é necessária a existência de nexo causal entre ainstituição e a insolvência do devedor. Diz o § único do art. 71:a isenção se refere a dívidas posteriores ao ato, e não às anteriores,se se verificar que a solução destas se tornou inexeqüível emvirtude do ato da instituição.Conseqüentemente, não se anulará instituição de bem de família ainda que apareça título de dívida anterior, desde que aesse tempo não fôsse insolvente o instituidor, ou desde que peloato não tivesse se tornado insolvente (Cód. Civil, art. 106).Se a insolvência é posterior à instituição, esta não fica anulada ou comprometida, prevalecendo então a isenção. Em talhipótese, não encontrarão os credores no bem de família a naturalgarantia de seus direitos.

Duração do bem de família: - Esclarece o art. 70, § único:essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os

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filhos completem sua maioridade.O bem de família não tem, por conseguinte, duração indefinida. Remanesce enquanto vivos os instituidores e os filhosforem menores. Extinguir-se-á, portanto, quando falecerem osinstituidores e os filhos completarem a maioridade. O bem defamília terá então atingido plenamente seus fins e nada maislegitima a subsistência da cláusula.Observe-se que para efeito de constituição do bem de famíliae fruição de seus benefícios, filhos interditos, embora maiores de21 anos, são equiparados aos menores. Acrescente-se mais quenão cessa a instituição pelo desquite do instituidor.Por morte dêste, ou de seu cônjuge, o prédio instituído embem de família não entrará em inventário, nem será partilhado(Dec.-lei n.o 3.200, art. 20). Mas, se o cônjuge sobrevivente semudar do prédio e neste não ficar residindo algum filho menor,a cláusula será eliminada e o imóvel entrará logo em inventáriopara ser partilhado (art. 21, § 2.o).O cancelamento far-se-á, não só no caso apontado, como também a requerimento do interessado, se o prédio deixou de ser domicílio da família, ou se ocorreu motivo relevante plenamentecomprovado (art. 21).Processo de constituição: - Regem-no os arts. 647 e seguintes do Código de Processo Civil. A instituição deverá constarde escritura pública (Cód. Civil, art. 73, combinado com o citado art. 647 do Cód. Proc. Civil). Lavrada a mesma, com explícita declaração de que determinado prédio se destina ao domicílio de sua família, ficando isento de execução por dívidas, oinstituidor a entregará ao oficial do registro de imóveis, paraque mande publicá-la na imprensa da localidade e, à falta, nada Capital (Cód. Civil, art. 73; Cód. Proc. Civil, art. 648; Dec.n.o 4.857, de 9-11-1939, art. 277).A publicação, feita em forma de edital, avisará que se alguém se julgar prejudicado, poderá reclamar no prazo de 30 dias(Cód. Proc. Civil, art. 649).

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Inexistindo reclamação, a escritura será transcrita (Cód.Civil, art. 73, combinado com o art. 650 do estatuto- processual,bem como com o art. 178, letra a, n.o I, do Dec-. n.o 4.857).Se houver reclamação, o registro será suspenso, devolvida aescritura ao instituidor, com uma cópia daquela (art. 651). Ointeressado poderá requerer ao juiz que ordene o registro semembargo da reclamação (art. 651, § 1.o). Ordenado o registro,ressalvar-se-á ao reclamante a ação competente para anular ainstituição, ou o direito de excutir o prédio instituído (art. 651,§ 2.o). A transcrição compreenderá o despacho do magistrado(§ 3.o). Na Capital de São Paulo o juiz competente é o da Varade Registros Públicos (Lei n.o 8.101, de 16-4-1964, art. 32, n.o I).

Outras disposições: - O bem de família até o valor deCr$50.000 está isento de impostos e selos. Mas cancelada a instituição, o tributo torna-se exigível. O cancelamento da cláusulano registro imobiliário não pode ser efetuado sem prova do pagamento (Dec.-lei estadual n.o 17.224, de 16-5-1947, art. 4.o).Além do bem de família disciplinado pelo Código Civil, odireito positivo pátrio contempla outros casos especiais: a) sôbre lotes de terrenos nas colônias militares de fronteiras (Dec.-lei n.o 1.351, de 16-6-1939, art. 13); b) - sôbre casas construídas para residência de jornalistas e radialistas, com financiamento pela Caixa Econômica (Lei n.o 668, de 16-3-1950, art. 4.o);c) - sôbre casas doadas aos expedicionários da FEB (Lei n.o2.378, de 23-12-1954, art. 7.o; Lei n.o 4.340, de 13-6-1964, art. 6.o,letra a).

DOS FATOS JURÍDICOS. DEFINIÇÃO E COMPREENSÃO. AQUISIÇÃO DOS DIREITOS. SUA DEFESA ATRAVÉS DA AÇÃO JUDICIAL. PERECIMENTO DOS DIREITOS.

Definição e compreensão: - O Código Civil, depois de haverregulado o sujeito e o objeto do direito, passa a dispor sôbre

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os fatos jurídicos, isto é, os acontecimentos em virtude dos quaisnascem, subsistem e se extinguem as relações jurídicas.Todos os direitos, seja qual fôr sua natureza, procedem dealgum fato, positivo ou negativo, normal ou anormal, instantâneo ou de elaboração progressiva. Subsistem, através do seu exercício, ou da sua defesa. Extinguem-se, quando ocorre algumacircunstância, prevista em lei, capaz de acarretar-lhes o perecimento.Pois bem, êsses acontecimentos, de que decorrem o nascimento, a subsistência e a perda dos direitos, contemplados emlei, denominam-se fatos jurídicos (lato sensu).Dentre êsses fatos, uns são de ordem natural, alheios à vontade humana, ou, para os quais, essa vontade apenas concorrede modo indireto, tais como o nascimento, a maioridade, a interdição e a morte, em relação à pessoa natural; o desabamento deum edifício, o abandono do álveo pelo rio, o aluvião e a avulsãoem relação às coisas; o decurso do tempo, o caso fortuito e afôrça maior, em relação aos direitos em geral.Outros fatos, tão freqüentes como os primeiros, são as açõeshumanas. Entre estas, umas produzem efeitos jurídicos em consonância com a vontade do agente. São os atos jurídicos, comoo casamento, o contrato, o testamento e a renúncia. Outras produzem também efeitos jurídicos, mas sem qualquer atenção àquele elemento interno, psíquico. São os atos ilícitos.Do exposto se dá conta da diferenciação conceitual entre fatojurídico e ato jurídico. Em sentido amplo, o primeiro compreende o segundo, aquêle é o gênero, de que êste é a espécie. Emsentido restrito, porém, fato jurídico é acontecimento natural,independente da vontade interna, enquanto ato jurídico é acontecimento voluntário, fruto da inteligência e da vontade, queridoe desejado pelo interessado.Há, destarte, entre as duas noções, uma oposição técnica fundamental: aos fatos, acontecimentos casuais, contrapoem-se osatos, acontecimentos voluntários. Quanto aos atos ilícitos,

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postosejam ações humanas, incluem-se entre os primeiros, entre osfatos, já que seus efeitos jurídicos são involuntários.O Código Civil, no Livro III, da Parte Geral, emprega a rubrica - Dos Fatos Jurídicos -; emprega-a, é bem de ver, emsentido amplo, abrangendo os fatos jurídicos propriamente ditos(stricto sensu) e os atos jurídicos.Distribui-se o Livro III em três Títulos: I) - dos atos jurídicos; II) - dos atos ilícitos; III) - da prescrição. Sãoêles antecedidos de várias disposições preliminares (arts. 74 a80), que se relacionam com a aquisição, a conservação e o perecimento dos direitos.Antes de passar ao seu estudo queremos dizer ainda que osfatos jurídicos em geral podem ser classificados: a) - quanto àsua natureza; b) - quanto à maneira pela qual se produzem;c) - quanto à sua normalidade.Quanto à sua natureza, os fatos jurídicos são positivos ounegativos. Exemplo dos primeiros, a morte de uma pessoa; dossegundos, a inexistência de uma dívida, a qual, entretanto, foipaga pelo suposto devedor, dando assim origem à repetição doindevido (Cód. Civil, art. 964).No tocante à maneira pela qual se produzem, os fatos jurídicos são instantâneos, como o caso fortuito ou fôrça maior (art.1.058, § único), ou de elaboração progressiva, como o usucapiãoe a prescrição extintiva.Finalmente, com relação à sua normalidade, os fatos jurídicos são naturais ordinários, como o decurso do tempo, ou naturais extraordinários, como o inesperado desabamento de um edifício.

Aquisição dos direitos: - Estabelece o art. 74 do CódigoCivil que na aquisição dos direitos se observarão estas regras:I. Adquirem-se os direitos mediante ato do adquirente oupor intermédio de outrem.II. Pode uma pessoa adquiri-los para si, ou para terceiros.III. Dizem-se atuais os direitos completamente adquiridos,e futuros os cuja aquisição não se acabou de operar.Observa CLÓvIS que não há nesse artigo preceitos legislativos, mas simples proposições doutrinárias, aliás,

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desnecessárias,algumas até incongruentes.Efetivamente, logo no inciso I, vislumbra-se a imprecisão dodispositivo, porquanto existem direitos que podem ser adquiridos independentemente de ato do adquirente, ou de outrem, comosucede no caso do aluvião e da avulsão (arte. 538 e 541).Por sua vez o inciso II é redundante, estando já contido noinciso I; se os direitos se adquirem mediante ato do adquirenteou por intermédio de outrem, é óbvio que podem ser adquiridospara o próprio agente, ou para terceiros, como no caso do mandato e da representação.O inciso III, depois de fazer inútil distinção entre direitosatuais e direitos futuros, passa a definir os primeiros como sendoos direitos completamente adquiridos, como se possível a existência de direito incompletamente adquirido.Direito atual é aquêle que está em condições de ser exercido; todo direito atual é direito adquirido, sendo supérfluo, portanto, o emprêgo daquele advérbio.Mas, não é só. Dispõe o § único do art. 74: "chama-se deferido o direito futuro, quando sua aquisição pende somente doarbítrio do sujeito; não de ferido, quando se subordina a fatosou condições falíveis".Nesse dispositivo diz o Código que direito condicional (subordinado a fatos ou condições falíveis) é direito futuro não deferido. Por outras palavras, o legislador afirma que o direitocondicional não é atual e que, não sendo atual, não é deferido.Esqueceu-se êle, no entanto, de que ao definir direito adquirido assim havia se expressado: "consideram-se adquiridos assimos direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer,como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo prefixo, oucondição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem" (art.6.o da Introdução, modificado pela Lei n.o 3.238, de 1-8-1957).Cumpre ainda não perder de vista, no capítulo relativo à

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aquisição dos direitos, a existência de verdadeira escala, compreensiva de três estágios distintos: a simples expectativa, o direito condicional e o direito puro e simples.A expectativa é mera possibilidade de adquirir um direito.No expressivo dizer de ANDREA TORRENTE, é direito in fieri,em formação. O direito depende de vários elementos sucessivos, dos quais uns se verificam e outros não. É a situaçãodo herdeiro, que aguarda a abertura da sucessão. Enquantoesta não se verifica, tem êle simples expectativa, despida de consistência jurídica. Expectativa de direito é o nada jurídico.Direito condicional, que o Código chama de não deferido(art. 74, § único) é o subordinado a uma condição falível. Pendente esta, o direito é meramente eventual, embora possa o respectivo titular efetuar os atos conservatórios (art. 121).Finalmente, direito puro e simples é o direito atual, o direitoadquirido, que pode ser desde logo exercido, porque reúne todosos seus elementos integrantes.Há quem, nessa escala, procure destacar a figura do direitoeventual, até agora mal definido, e que se limita por um lado como direito puro e simples, e por outro, com a simples expectativa.Perante o nosso Código Civil, entretanto, o titular de um direitocondicional é titular de um direito eventual (art. 121), havendosinonímia entre as duas expressões.Ainda com referência à aquisição dos direitos, classificam-seos vários meios aquisitivos em originários e derivados. Nos primeiros, a aquisição é direita e independe da interposição de outrapessoa; o adquirente faz seu o bem, que lhe não é transmitido porquem quer que seja. São modos originários de aquisição a ocupação e a acessão.Nos segundos, a aquisição tem como pressuposto um ato detransmissão por via do qual o direito se transfere do transmitentepara o adquirente. Tais são a transcrição, a tradição e a herança.

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Os modos derivados de adquirir a propriedade são dominados pela regra fundamental de ULPIANO: nemo plus juris adalium transferre potest quam ipse habet (ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que tem). Outro preceito igualmente aplicável aos modos derivados é o seguinte: resoluto jwredantis, resolvitur jus accipientis (resolvido o direito do outorgante, resolve-se também o do outorgado). Essas regras, como é deprimeira evidência, não se aplicam aos modos originários de aquisição dos direitos.Sob outro aspecto, a aquisição pode ser ainda a titulo universal e a titulo singular. É a título universal, quando o adquirente substitui o precedente titular na totalidade de seus direitos,ou numa quota ideal dêles, como no caso do herdeiro. É a títulosingular, quando o adquirente substitui o antecessor em direitosdeterminados, como o comprador e o legatário. Na teoria daposse existe a respeito regra capital, a constante do art. 496.Por fim, a aquisição pode ser inter vivos ou mortis causa,a título gratuito e a título oneroso. Voltaremos ainda a êsseassunto na devida oportunidade.

Defesa dos direitos através da ação judicial: - Outra resultante dos fatos jurídicos é a subsistência ou conservação dosdireitos. Subsistem êstes através de seu exercício pelo respectivotitular. Normalmente êsse exercício não sofre impugnações. Contestado, porém, aí estará, no dizer de CARNELUTTI, o germe daquela doença, que se chama lide.Ao estudarmos a distinção entre a moral e o direito, verificamos que a primeira é desamparada de qualquer sanção exterior, ao passo que o segundo necessàriamente pressupõe um meiocoercitivo destinado a lhe assegurar o respeito. Êsse meio coercitivo, cuja existência separa o direito da moral, é latente emtôda e qualquer relação jurídica.Efetivamente, provendo a respeito, dispõe o Código no art. 75:"a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura". Comêsse preceito, estabelece a lei a garantia com que a ordem

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jurídica reveste todo direito subjetivo. Não há direito sem ação. Éo que, por outras palavras, firmado está nesse dispositivo.Como diz ESPINOLA, a própria natureza do homem, o aspectoeconômico da sociedade, tornam inevitável e constante a violaçãodo direito. Só em casos muito restritos se permite a defesaprivada, sob a pressão, aliás, de necessidades práticas. Emnosso direito, as hipóteses mais freqüentes são as mencionadaspelos arts. 160, n.o I, 502 e 558 do Código Civil, além do direitode retenção e do penhor legal.Essa autodefesa, entretanto, é excepcional, porque insensivelmente pode conduzir a excessos. O meio normal para tutelar efazer respeitar o direito violado, ou simplesmente ameaçado, é aação judicial, por via da qual se recorre à autoridade judiciáriacompetente para restabelecer o direito violado, ou proteger o direito ameaçado, reprimindo assim o atentado cometido, ou emvias de cometer-se.Divergem radicalmente os autores quanto à natureza da ação.Para uns (teoria civilística), ela é o próprio direito em estadode luta contra os que lhe contestem a existência; é simplesaspecto do próprio direito subjetivo. É o ensinamento, dentreoutros, de JoÃo MONTEIRO, para quem a ação não é senão omesmo direito, no esfôrço da própria conservação integral.Para outros (teoria autonomista), não se deve confundir aação com o direito que ela garante. Ela constitui elemento distinto, autônomo, separado, embora anexo ao direito que a pressupõe e que lhe dá origem. Ela desprende-se do direito substancial,como ente autonomo, dotado de vida própria.Enquanto os partidários da primeira corrente se mantêmcoesos, dispersam-se os da segunda em várias doutrinas, cadaqual procurando o próprio fundamento para a alegada autonomiada ação (teoria publicística, teoria privatística, teoria do direitoabstrato, teoria do direito subjetivo contra o Estado). Não nosdeteremos em tal matéria, que pertence ao direito

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judiciário civil.Os adeptos da teoria civilística entendem que os autonomistas incidem numa confusão de idéias. Segundo êles, o titularde um direito tem o poder de exigir que os demais indivíduos orespeitem; se se verifica, porém, uma atitude de desrespeito, opróprio direito reage à violação por intermédio da ação judicial,que é assim, em última análise, o mesmo direito em movimento,o mesmo direito que deixa a posição de inércia ou de descanso,para assumir a defesa.Êsse ponto de vista, que prevaleceu por muito tempo, se encontra superado na atualidade, graças aos estudos dos escritoresalemães e italianos. Segundo êstes, ação é direito distinto, àparte, que não se confunde com a relação jurídica que ela visaa tutelar. Enquanto o direito é respeitado, ela permanece nasombra, em estado latente. Ofendido, entretanto, ela vem parao primeiro plano, a fim de assegurar a tutela jurídica, destinadaa sua reparação. E assim exerce o direito sua função específica,ministrar tutela e garantia.Realmente, se a ação se confundisse com o próprio direitosubjetivo tutelado, ficariam sem explicação plausível as açõesmovidas pelas partes e que culminaram com a decretação de suacarência. O autor moveu a ação e, no entanto, afinal, dela foijulgado carecedor; houve, pois, ajuizamento de ação, sem o suposto direito invocado. Não há assim confusão entre os doisconceitos, verificando-se, de tal arte, que a ação não se identificacom o direito subjetivo tutelado.O citado art. 75 ampara, de modo específico, os direitosatuais, isto é, os direitos completamente adquiridos, na técnicadefeituosa do Código. Dentre os futuros, acham-se igualmente

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tutelados os deferidos, vale dizer, aquêles cuja aquisição pendesomente do arbítrio do sujeito. Quanto aos não deferidos, subordinados a fatos ou condições falíveis, é permitido exercer atosdestinados a conservá-los (art. 121).Há quem afirme a existência de direitos não providos deação, mencionando-se as dívidas prescritas, bem como as de jôgo.Num e noutro caso, acrescenta-se, o credor tem o crédito, masnão tem ação para haver o respectivo montante.Mas essas obrigações, despindo-se de execução forçada, vierama privar-se da essencial característica das obrigações jurídicas;nada significam, portanto, no mundo do direito, que não lhes reconhece o direito de cidade, expulsando-as mesmo de seu templo.Elas só voltam a interessar, quando o devedor, espontâneamente,efetua seu pagamento. Ocorrerá então, quanto a êste, o importante efeito da soluti retentio.Nem mesmo êsses casos constituem, pois, exceção à regra doart. 75: a todo o direito corresponde uma ação que o assegura.Ajunte-se ainda que o direito à ação é regulado pela lei vigenteao tempo de sua propositura.Remate-se, por fim, que a exatidão dela resulta dos elementos que a caracterizam, pouco importando a denominação quelhe seja emprestada. O nome da ação, no direito moderno, é denenhuma valia.Dispõe mais o art. 76 do Código Civil que "para propor,ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interêsse econômico, ou moral". Repete o Código de Processo Civil, no art. 2.o"para propor ou contestar ação é necessário legítimo interêsseeconômico ou moral". Como diz PEREIRA BRAGA, a repetiçãoé inútil e não para melhor.São condições essenciais para o exercício da ação: o direito,o interêsse, a qualidade e a capacidade. No art. 76 o Códigose atém exclusivamente ao interêsse de agir, sem

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prescindir, entretanto, dos demais requisitos.Realmente, não basta ter direito para propor, ou contestar,ação. Indispensável também o interêsse de agir, que é a medidadas ações (ratio agendi, potestas agendi). Aparece êsse interêssequando o direito está ameaçado, ou já foi lesado. Os tribunaisnão resolvem questões acadêmicas, sem alcance prático. Cumpreao juiz, quando chamado a resolver uma controvérsia, examinarpreliminarmente o interêsse que o litigante tem em provocar adecisão judicial. Ninguém tem direito de armar litígios que nãolhe aproveitem, ocupando a atenção da justiça com temas quelhe são talvez indiferentes. É nesse sentido que opina COUTURE,dizendo que "no processo se deve discutir sôbre realidades econômicas e não sôbre hipóteses".Ordinàriamente, o interêsse é econômico, apreciável em dinheiro, compreendida tanto a defesa do direito pessoal como dodireito real. Mas o interêsse também pode ser moral, por dizerrespeito à honra, à liberdade, ao estado da pessoa, ao decôro eà profissão.O interêsse moral só autoriza a ação, quando toque diretamente ao autor, ou à sua família (Cód. Civil, art. 76, § único).Está no primeiro caso, exemplificativamente, ação movida pelomarido para contestar a paternidade de filho nascido de sua mulher (art. 344). Exemplo do segundo caso, a anulação de casamento na hipótese prevista no art. 213, n.o III, do Código Civil.Houve quem visse, no questionado art. 76, § único, a ressarcibilidade do dano moral, do qual disse LAFAYETTE tratar-se deextravagância do espírito humano. Inclina-se a jurisprudência,todavia, no sentido de reconhecer que danos simplesmente moraisnão são suscetíveis de reparação, a menos que tenham reflexos

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patrimoniais para a vítima.A Constituição Federal, no art. 141, § 38, restabeleceu aação popular, movida por qualquer cidadão, para anular atos lesivos à União, aos Estados e aos Municípios. Nos processos dessaíndole há que se cuidar, portanto, de outro interêsse, igualmente tutelado, e que, no entanto, não se enquadra nos dois tiposclássicos contemplados pela lei civil. É o interêsse público.A Lei n.o 4.117, de 27-8-1962, que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações,em seus arts. 81 e 84, cogita da estimação de dano moral, o mesmo sucedendo como Decreto n.o 52.795, de 31-10-1963, que aprova o Regulamento dos Serviços deRadiodifusão, art. 162.A Lei n.o 4.717, de 29-6-1965, regula a ação popular.Aliás, existem ainda outros casos concretos em nossa legislação, em que se outorga a qualquer pessoa, ou a qualquer cidadão, iniciativa para invalidar atos que interessam à coletividade.É o que sucede, por exemplo, com a Lei n.o 818, de 18-9-1949, arts.17, 24 e 35, relativamente à impugnação, cancelamento e anulação da naturalização. Igualmente a Lei n.o 2.004, de 3-10-1953,que dispõe sôbre a política nacional do petróleo, concede ação popular para anular-se transferência ou subscrição de ações da Petrobrás, feita com infringência da lei (art. 11, § único). Domesmo modo, a Lei estadual n.o 2.085, de 27-12-1952, no art. 8.o,preceitua que qualquer cidadão poderá pleitear judicialmente aanulação de contrato firmado entre o Estado e o adquirente delote previsto nesta lei, desde que prove que não foram cumpridasas exigências a que ficar sujeito. Outrossim, de acôrdo com aLei estadual n.o 8.280, de 28-8-1964, art. 4.o, qualquer cidadãopoderá denunciar o prefeito, perante a Câmara Municipal, pelaprática de infrações político-administrativas.O interêsse deve ser legítimo, direto e imediato. Se ilícito

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ou imoral, o réu será absolvido da instância (Cód. Proc. Civil,art. 201, n.o III). Acrescenta o art. 3.o do mesmo Código queresponderá por perdas e danos a parte que intentar demandapor espírito de emulação, mero capricho ou êrro grosseiro.

Perecimento dos direitos: - Uma vez adquiridos, perduramos direitos enquanto não sobrevém causa capaz de eliminar algumou todos os seus elementos constitutivos, sujeito, objeto e tutelalegal. O direito não se extingue pelo não uso, salvo na hipóteseprevista pelo art. 710, n.o III, do Código Civil.No art. 77 alude o Código apenas ao perecimento do direito,pelo perecimento de seu objeto. Em numerosos outros textos, olegislador insiste nessa idéia (arts. 520, n.o III, 589, n.o V,739,n.o IV, 802, n.o II, e 849, n.o II).Esclarece o art. 78 que "entende-se que pereceu o objeto dodireito":I. Quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico.II. Quando se confunde com outro, de modo que se nãopossa distinguir.III. Quando fica em lugar de onde não pode ser retirado.Em primeiro lugar, portanto, entende-se que pereceu o objetodo direito, quando êste perde as qualidades essenciais. É o casodo campo invadido pelo mar. Presume-se também o perecimentoquando o objeto perde o valor econômico; é o que sucede comas cédulas recolhidas.Em segundo lugar, entende-se que pereceu o objeto do direito,quando se confunde com outro, de modo que se não possa distinguir. Reporta-se o Código, no inciso II, aos casos de confusão, comistão e adjunção, isto é, à mistura de líquidos e sólidos,bem como à justaposição de uma coisa à outra.Por fim, presume-se ainda o perecimento, quando o objetofica em lugar de onde não pode ser retirado, como no caso dapérola que cai no fundo do rio, ou do animal selvagem, quedepois de apreendido, retorna à liberdade primitiva.Se a coisa perecer por fato alheio à vontade do dono, teráêste ação, pelos prejuízos contra o culpado (art. 79). E o

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art.80 remata: "a mesma ação de perdas e danos terá o dono contraaquêle que, incumbido de conservar a coisa, por negligência adeixar perecer; cabendo a êste, por sua vez, direito regressivocontra o terceiro culpado".Outros casos de extinção dos direitos são também contemplados em nosso ordenamento jurídico: a) - quando a instânciafica perempta (Cód. Civil, art. 351; Cód. Proc. Civil, art. 204);b) - se falece o titular, sendo o direito personalíssimo e, pois,intransmissível (arts. 649, § 2.o, 1.148, 1.157 e 1.185, todos doCód. Civil); c) - se numa só pessoa se reúnem as qualidadesde credor e de devedor (arts. 1.049, 739, n.o V, e 802, n.o V).A êsses casos poderíamos ainda acrescentar outro: extingue-se odireito se a instituição jurídica vem a ser abolida. É o que aconteceria com a enfiteuse, se esta viesse a ser banida do nosso direitopositivo.Na Parte Especial, o Código prevê diversos casos particularesde extinção: a) - perda da posse (art. 520); b) - perda dapropriedade imóvel (arts. 589 e 590); c) - resolução do domínio (art. 647); d) - extinção das servidões (arts. 708 e 710);e) - extinção do usufruto (art. 739); f) - extinção do penhor(art. 802); g) - extinção da hipoteca (art. 849).A todos êles podemos acrescentar a prescrição, que, extinguindo a ação, faz desaparecer o direito pela inexistência detutela legal, para não se falar na caducidade, que atinge opróprio direito.

DOS ATOS JURÍDICOS. DEFINIÇÃO. ELEMENTOSCONSTITUTIVOS. SUA CLASSIFICAÇÃO. REPRESENTAÇÃO DOS INCAPAZES. INTERPRETAÇÃODOS ATOS JURÍDICOS.

Definição: - O Código não definiu os fatos jurídicos. Aliás,

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para alguns autores, como BRuGI, seu conceito constitui um daqueles esquemas gerais, que ficam melhor num manual científicode direito, do que num texto de lei.Não observou o legislador, todavia, idêntica orientação quanto ao ato jurídico, por êle definido, no art. 81, como todo o atolícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, trans-ferir, modificar ou extinguir direitos.A característica primordial do ato jurídico é ser um ato devontade. Precisamente nesse ponto se manifesta sua frontal oposição ao fato jurídico (stricto sensu) e que é a resultante defôrças naturais em geral.A segunda característica do referido ato é ser lícito, isto é,fundado em direito. Se se arreda da lei, ou a infringe, passa ailícito. Embora dêste advenham também conseqüências jurídicas,só pode ser incluído entre os fatos jurídicos.Adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, eis, em poucas palavras, em tôda a sua extensão e profundidade, o vasto alcance dos atos jurídicos. A expressão abrangea vida civil, na plenitude de suas manifestações.Omitiu o Código, dentre os vários aspectos com que se apresenta o ato jurídico, qualquer referência à conservação dos direitos, a qual, entretanto, se pode considerar englobada no verboresguardar.Cumpre ainda salientar que à expressão ato jurídico preferem os pandectistas alemães a denominação negócio jurídico,conquanto haja quem afirme igualmente a inequívoca distinçãoentre ambos os conceitos.

Elementos constitutivos: - Os jurisconsultos romanos nãochegaram a elaborar uma teoria sôbre os atos jurídicos, parecendo mesmo, como ensina o Prof. JoSÉ AUGUSTO CÉSAR, queêles não tiveram uma expressão técnica para designar a idéiado negócio jurídico.Contudo, entreviram êles, nitidamente, seus vários elementosintegrantes: essentialia negotii, naturalia negotii e accidentalianegotii.

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Os primeiros são os elementos essenciais, a estrutura do ato,que lhe formam a substância e sem os quais o ato não existe.Numa compra e venda, por exemplo, os elementos essenciais sãoa coisa, o preço e o consentimento (res, pretium et consensus).Faltando um dêles, o ato não existe.Os segundos (naturalia negotii.) são as conseqüências quedecorrem do próprio ato, sem que haja necessidade de expressamenção. Na mesma compra e venda, por exemplo, são elementosnaturais, resultantes do próprio negócio, a obrigação que tem ovendedor de responder pelos vícios redibitórios (art. 1.101) epelos riscos da evicção (art. 1.107) ; a obrigação que tem o comprador de dar a garantia a que se refere o art. 1.092, 2.aalínea, caso lhe sobrevenha diminuição patrimonial, capaz decomprometer a prestação a seu cargo.Os terceiros (accidentalia negotii) são estipulações que facultativamente se adicionam ao ato para modificar-lhe uma oualgumas de suas conseqüências naturais, como a condição, o têrmo e o modo, ou encargo (arts. 114, 123 e 128), o pactum de nonpraestanda evictione (art. 1.108), o prazo para entregar a coisaou pagar o preço.Essa discriminação é de inquestionável utilidade didática;ainda hoje podemos classificar em essenciais, naturais e acidentaisos vários elementos em que se desdobram os atos jurídicos.Elementos essenciais são, pois, aquêles sem os quais o atonão existe, por exemplo, na compra e venda, a desmenção aopreço. Por falta dêsse elemento essencial o ato não tem consistência jurídica, não existe.Os elementos essenciais subdividem-se em gerais e particulares. Os primeiros são comuns a todos os atos, enquanto os segundos são peculiares a determinadas espécies.Os elementos essenciais, comuns à generalidade dos atos jurídicos, dizem respeito às pessoas que intervêm no ato, ao objetodêste e ao consentimento dos interessados.Quanto às pessoas, a validade do ato jurídico requer agentecapaz (art. 82), quer dizer, pessoa dotada de consciência e

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vontade e reconhecida pela lei como apta a exercer todos os atos davida civil. As pessoas absolutamente incapazes (art. 5.o) são representadas pelos seus representantes legais e as relativamenteincapazes (art. 6.o) por êstes assistidas. As pessoas jurídicas intervirão por intermédio de quem as represente, ativa e passiva,judicial e extrajudicialmente (art. 17). Nulo será o ato praticado diretamente por pessoa absolutamente incapaz (art. 145, n.o I),e apenas anulável o realizado por pessoa relativamente incapaz(art. 147, n.o I). Para certos atos, a lei não se contenta coma simples capacidade civil, exigindo ainda, como vimos anteriormente, o requisito da legitimação, como nos casos previstos nosarts. 1.132 e 1.133 do Código Civil.No tocante ao objeto, impõe a lei que êste seja lícito (art. 82).A expressão é ampla. Da sua compreensão se excluem: a) atos contrários à moral, à ordem pública e aos bons costumes.São vedados assim os contratos de corretagem matrimonial eaquêles pelos quais homem e mulher se comprometem a vivercomo marido e mulher, sem casamento; b) - atos que objetivem prestações fisicamente impossíveis, como viagem à lua, ouvolta ao mundo em duas horas; c) - atos que colimem prestações juridicamente impossíveis, como a herança de pessoa viva(art. 1.089) e pacto comissório (art. 765). A sanção é a nuli-dade do ato (art. 145, n.o II).O terceiro elemento é o consentimento. Ato jurídico é atovoluntário. Sem o concurso da vontade, elemento psicológico tãodiscutido na atualidade, o ato não se configura. Assim, exemplificativamente, no caso de coação absoluta, quando a mão da vitima é conduzida a firmar determinado documento, a vontade étotalmente eliminada (non agit, sed agitur).O consentimento pode ser expresso ou tácito. O primeiro émanifestado de modo explícito, categórico, por escrito ou verbalmente; no segundo, a anuência é implícita. Em alguns casos, alei erige o próprio silêncio em veículo da manifestação da

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vontade(qui tacet consentire videtur, si loqui debuisset ac potuisset). Éo caso do art. 1.084.O Código não se referiu à causa, isto é, o fim visado peloagente. Mas, como esclarece CAPITANT, a causa é parte integrante do ato de vontade, confunde-se com o próprio escopo doato. Assim, quando se diz que a causa ilícita vicia o ato jurídico, é porque o próprio objeto dêle é ilícito.Examinados os elementos gerais, comuns a todos os atos jurídicos, passemos aos particulares, restritos a determinadas espécies.Esses elementos particulares concernem à forma do ato. Dispõe realmente o mesmo art. 82: "a validade do ato jurídico requeragente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa emlei". A forma é o meio de revelação da vontade. Para usarmosde uma imagem de CARNELUTTI poderíamos dizer que a causae a forma são os dois pólos do ato, através dos quais se estabeleceo circuito da vontade.Em muitos atos, a forma é essencial, como sucede com o casamento, que há de ser realizado com estrita observância de todoo formalismo prescrito no Título I, do Livro I, da Parte Especial:é o que acontece ainda com o testamento (Título III, do LivroIV), assim como com a transmissão de direitos reais sobre imóveis, de valor superior a Cr$ 10.000, que exige escritura pública (art. 134, II). Nulo será o ato efetuado sem observância da forma prescrita em lei (art. 145, n.o III). Na suamaioria, entretanto, os atos jurídicos são informais.Elementos naturais são as conseqüências que decorrem daprópria natureza do ato, sem necessidade de expressa menção.É a lei que determina quais essas qualidades naturais, suasconseqüências e seus efeitos. Admitida é a sua existência, atéprova em contrário. Em princípio, é possível modificar por contrato a natureza de um ato jurídico, se a lei não dispuser de mododiferente. A própria denominação jurídica, dada pelas partes,não tem e nem pode ter valor decisivo.

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Por fim, elementos acidentais são cláusulas acessórias, quese juntam ao ato para modificar-lhe algum dos elementos naturais. Tais estipulações devem ser precisas e determinadas e nãoinferidas ou presumidas. Dentre as principais, destacam-se asmodalidades dos atos jurídicos: condição, têrmo e modo ou encargo.

Classificação dos atos jurídicos: - Inegável a importânciadêsse estudo, devido às suas aplicações práticas. Sob um primeiro aspecto, quanto ao tempo em que devam produzir seusefeitos, os atos jurídicos se classificam em inter vivos e mortiscausa. Inter vivos, quando destinados a produzir seus efeitosem vida dos interessados: a compra e venda, a permuta, a doação, a locação, o mandato, o empréstimo, o casamento, o reconhecimento de filho, a adoção. Mortis causa, quando a declaração de vontade é emitida para criação do direito após a morte dodeclarante (testamento, codicilo, doação para depois da mortedo doador, partilha causa mortis).Quanto às vantagens que podem produzir, os atos dividem-seem gratuitos e onerosos. São gratuitos, quando outorgam vantagens sem impor ao beneficiado a obrigação de fornecer o equivalente (o reconhecimento de filho, a adoção, o comodato) ; onerosos, quando dêles resultam sacrifícios e vantagens recíprocos(compra e venda, locação, parceria, enfiteuse, usufruto).No tocante à manifestação da vontade, os atos são unilateraise bilaterais. Unilaterais, quando a declaração de vontade emanade uma só pessoa, ou mais de uma, porém, na mesma direção (renúncia, desistência, promessa de recompensa e título ao portador).Subdividem-se em receptícios e não-receptícios. Nos primeiros, as conseqüências do ato só se verificam após o recebimentoda declaração pelo respectivo destinatário (por exemplo, a concentração nas obrigações genéricas e nas obrigações alternativas).Nos segundos, sua eficácia não depende do enderêço a determinadodestinatário (por exemplo, a renúncia de herança).

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Atos bilaterais são aquêles em que a declaração de vontadese faz mediante concurso de duas ou mais pessoas, porém, emsentido oposto, como nos contratos em geral.Subdividem-se em bilaterais simples e sinalagmáticos. Bilaterais simples, quando concedem vantagens a uma das partes eônus à outra (doação, comodato, depósito gratuito). Sinalagmáticos, quando outorgam ônus e vantagens recíprocos (compra evenda, locação, sociedade). Aliás, a palavra vem do grego sinalagma, que quer dizer contrato com reciprocidade.Por fim, quanto às formalidades, os atos jurídicos classificam-se em solenes e não solenes, segundo seja ou não necessáriaa sua existência forma especial prescrita pela lei. São atos solenes o casamento e o testamento; não solenes, a compra e vendade coisas móveis, a doação verbal (art. 1.168, § único), o empréstimo.

Representação dos incapazes: - Vimos anteriormente que aincapacidade, oriunda de certos fatos objetivos, como a idade, osexo e a saúde, não suprime a capacidade de gôzo ou de direito,suprida pelo instituto da representação.Dispõe efetivamente o Código Civil, no art. 84, que "as pessoas absolutamente incapazes serão representadas pelos pais, tutôres, ou curadores em todos os atos jurídicos; as relativamenteincapazes pelas pessoas e nos atos que êste Código determina".De acôrdo, pois, com êsse dispositivo legal, o incapaz exerce osseus direitos por intermédio dos respectivos representantes.Representação é a relação jurídica pela qual determinadapessoa se obriga diretamente perante terceiro, através de ato praticado em seu nome por um representante ou intermediário.Três as categorias de representantes: legais, judiciais e convencionais. Representantes legais são aquêles a quem a próprialei confere podêres para administrar bens de outrem, como pais,tutôres e curadores, em relação aos filhos menores, pupilos ecuratelados.

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Representantes judiciais são nomeados pelo juiz para o exercício de certo cargo no fôro ou no processo, como o inventariante, o síndico e o curador da herança jacente.Convencionais são os representantes munidos de mandato,expresso ou tácito, verbal ou escrito, do representado, como osprocuradores (no contrato de mandato) e o comissário (no contrato de comissão mercantil).Vemos assim que os pais, tutôres e curadores são representantes legais. É da lei que êles recebem a investidura, que oscredencia a representar os incapazes em todos os atos da vidacivil. Na representação, disciplinada pelo art. 84, se contém medida de proteção e defesa; praticados por outra forma, a sançãoé a nulidade.Quanto aos menores sob pátrio poder, declarado ainda estáno art. 384, n.o V, que aos pais compete, quanto à pessoa dosfilhos menores, representá-los, até aos 16 anos, nos atos da vidacivil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes,suprindo-lhes o consentimento.No tocante aos tutelados, o art. 426 repete o mesmo pensamento do art. 84: cabe ao tutor representar o menor, até os 16anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atosem que fôr parte, suprindo-lhe o consentimento.No que concerne aos curatelados, o art. 453 manda aplicarcuratela o disposto no Capítulo sôbre a tutela; ao curador,compete, pois, a representação legal do interdito. Assim tambémao do ausente, declarado tal por ato do juiz.Os absolutamente incapazes são representados, enquanto osrelativamente incapazes são apenas assistidos. A diferença estáem que, no primeiro caso, os incapazes são substituídos pelosrespectivos representantes, que, em nome daqueles, realizam oato jurídico; no segundo caso, os incapazes intervêm pessoalmenteno ato, apenas acompanhados ou assistidos pelos representantes

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legais, que, com a sua presença, lhes suprem o consentimento.Pela sua analogia com a mesma matéria, citado deve ser odisposto no art. 83: "a incapacidade de uma das partes não podeser invocada pela outra em proveito próprio, salvo se fôr indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum".De fato, a incapacidade é exceção pessoal; só pode ser formulada pelo próprio incapaz, ou pelo seu representante legal;essa defesa não pode ser invocada em proveito próprio pelo interessado capaz, a menos que ocorram as ressalvas legais, isto é,seja indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.

Interpretação dos atos jurídicos: - Por mais cuidadosas quesejam as partes na redação do ato jurídico, por mais conhecedoras do idioma e do valor dos vocábulos, possível será semprea inclusão de cláusula duvidosa, ou o aparecimento de pontoobscuro, a exigir do aplicador da lei, juiz ou advogado, a fixaçãodo sentido autêntico, exatamente colimado pelos interessados.Na parte Geral, reservou o Código um único dispositivopara tão importante matéria, o art. 85, segundo o qual "nas declara ções de vontade se atenderá mais à sua intenção que aosentido literal da linguagem".Cuida-se inquestionàvelmente de preceito salutar, impregnado de profunda sabedoria. Declaração que não corresponda aopreciso intento das partes é um corpo sem alma. Deve serarredado, portanto, entendimento que se apegue tão-sômente àliteralidade da estipulação, quantum verba sonant, com total desprêzo da rigorosa intenção dos interessados e dos fins econômicosque os aproximaram.Mas, nem sempre é fácil a pesquisa dêsse elemento íntimoe espiritual, que movimenta as partes, levando-as à celebraçãodo ato jurídico. Trata-se de investigação que requer ponderaçãoe equilíbrio, ao lado de perfeito conhecimento da vida, na infinidade de suas manifestações.A referência a alguns textos, esparsos na Parte Especialdo Código, aliada a certas observações, oriundas da

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experiênciapode conduzir o intérprete a bom caminho, na hermenêutica contratual.Os textos são êstes: a) - a transação interpreta-se restritivamente (art. 1.027) ; b) - os contratos benéficos interpretar-se-ão restritivamente (art. 1.090) ; c) - quando a cláusula testamentária fôr suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador (art. 1.666).Por outro lado, com relação aos contratos em geral, devemêstes ser interpretados segundo a boa-fé, as necessidades do crédito e as leis da eqüidade.A observância do negócio jurídico constitui um dos meiosdemonstrativos da interpretação da vontade das partes. A melhor interpretação de um contrato é a maneira pela qual os interessados, de comum acôrdo, o executaram. Os eventos posterioressão a melhor explicação dos fatos.Se alguma dúvida surge no contrato de compra e venda,quanto à extensão da coisa vendida, a interpretação deve ser afavor do comprador e contra o vendedor, em melhores condiçõesde conhecer a coisa alienada. Aliás, de modo geral, as dúvidasde uma venda devem ser interpretadas contra o vendedor.No contrato de locação, segundo a doutrina tradicional, resolve-se a dúvida contra o locador e nos contratos de adesão,a favor do aderente.Relativamente às obrigações, a estipulação deve ser interpretada da maneira menos onerosa para o devedor (in dubiisquod minimum est sequimur); as cláusulas duvidosas interpretam-se sempre a favor de quem se obriga.Qualquer obscuridade é levada à conta de quem redigiu aestipulação, pois, podendo ser claro, não o foi (ambiguitas contrastipulatorem est). No conflito entre duas cláusulas, a contradição prejudica o outorgante e não o outorgado.Na interpretação de cláusula testamentária suscetível de sentidos diversos, prevalecerá a que melhor assegure a vontade dotestador. Por analogia, aplica-se o mesmo princípio às doações."Visto" apôsto num documento nem sempre exprime adesãoao seu conteúdo, aquiescência aos seus têrmos.

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Por fim, de qualquer forma, se os têrmos são claros e apropriados, não há como fugir ao sentido literal e gramatical; asvárias cláusulas da estipulação interpretam-se pondo-as em harmonia, não isoladamente.

DOS DEFEITOS DOS ATOS JURÍDICOS. GENERALIDADES. ÊRRO OU IGNORÂNCIA. ERRO SUBSTANCIAL E ÊRRO ACIDENTAL. ERRO DE FATOE ÊRRO DE DIREITO. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Generalidades: - Segundo vimos anteriormente, ato jurídico é a manifestação da vontade tendente a criar, modificar ouextinguir um direito. A vontade é, pois, base e fundamento doato, sua razão de ser, a alma do negócio jurídico.Para que êste vàlidamente exista indispensável é a presençado elemento volitivo. Mais ainda, é necessário que êsse elemento,além de ter existido, haja funcionado normalmente. Só então oato produz os efeitos jurídicos almejados pelas partes.Efetivamente, pode acontecer que a vontade não tenha existido na celebração do negócio jurídico. Tal ausência pode serfruto das mais diversas circunstâncias, umas transitórias, comoa coação absoluta, outras duradouras e permanentes, como aalienação mental. Em ambos os casos, bem como em várias situações análogas, o ato não pode subsistir, porque lhe falta oelemento básico, fundamental, a vontade do agente.Pode acontecer ainda que a vontade tenha existido; o interessado desejou realmente praticar o ato questionado; mas, suavontade estava contaminada por algum dos vícios do consentimento, êrro ou ignorância, dolo e coação ou violência. Sendo oato jurídico pura emanação da vontade, efeito em relação à causa,é claro que êle se ressentirá dos mesmos vícios que a esta originàriamente maculavam. A conseqüência natural será a ineficácia do ato eivado por qualquer daqueles vícios.Por fim, há casos em que a vontade existe e funciona normalmente. Há perfeita correspondência entre a vontade internae a sua declaração. Entretanto, ela desvia-se da lei, ou da boa-fé,

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e orienta-se no sentido de prejudicar a terceiros, ou de infringiro direito. Surgem assim a simulação e a fraude contra credores,igualmente contempladas entre os defeitos dos atos jurídicos eque, como os primeiros, acarretam a ineficácia do ato.Vemos, por conseguinte, que dentre êsses defeitos, uns semanifestam diretamente sôbre a vontade, criando irredutível oposição entre o propósito íntimo do agente e sua expressão, verbalou escrita. São êles o êrro e a ignorância, o dolo e a coação ouviolência.Os outros, simulação e fraude contra credores, rigorosamentefalando, não são vícios da vontade. Exprimindo-nos com maisprecisão, diríamos que são vícios sociais, que comprometem também a ordem jurídica, pela deliberada afronta à lisura, à honestidade e à regularidade do comércio jurídico. Mas, tanto aquêlescomo êstes têm a mesma fôrça de coordenação, no sentido deinduzir a anulabilidade do ato jurídico (Cód. Civil, art. 147,n.o II).Comecemos seu estudo, consoante a ordem do Código, peloêrro ou ignorância.

Erro ou ignorância: - Como bem observa ESPíNOLA, a doutrina do êrro ainda hoje é muito complicada e objeto de váriascontrovérsias. Acrescenta CUNHA GONçALVES que êsse vício é omais freqüente e o mais fácil de realizar-se, devido à insuficiênciamental da grande maioria dos homens.O assunto, delicado e difícil, regula-se pelos arts. 86 a 91.Embora a Seção I traga a rubrica do êrro ou ignorância, só encontramos, nesses preceitos, disposições sôbre o êrro. A verdade,entretanto, é que o legislador os equipara nos seus efeitos.Ignorância é o completo desconhecimento acêrca de um objeto. Êrro é a noção falsa a respeito dêsse mesmo objeto, ou dedeterminada pessoa. Por outras palavras, na primeira, a menteestá in albis; na segunda, o que está registrado é falso.Num e noutro caso, o agente é levado a praticar o ato jurídico, que não praticaria por certo, ou que praticaria

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em circunstâncias diversas, se estivesse devidamente esclarecido.Tratemos primeiro da ignorância. Sua posição jurídica é amesma do êrro. Desvendada, ter-se-á a inconsistência do ato.Em alguns artigos da Parte Especial, cuida o Código de casosparticulares de ignorância (arts. 1.036, 1.102 e 1.751).

Erro substancial e êrro acidental: - Falemos agora maisdemoradamente do êrro, muito mais comum e talvez o maior detodos os vícios que possam afetar os atos jurídicos.O êrro, para viciar a vontade e tornar anulável o ato, deveser essencial ou substancial, isto é, de tal fôrça, de tal relêvo, detal consistência, que, sem êle, o ato não se realizaria. Dispõerealmente o art. 86: "são anuláveis os atos jurídicos, quando asdeclarações de vontade emanarem de êrro substancial".Por sua vez, esclarece o art. 87 que se considera êrro substancial o que interessa à natureza do ato, o objeto principal dadeclaração, ou alguma das qualidades a êle essenciais.Há êrro substancial sôbre a natureza do ato (error in ipsonegotio), quando se tenciona praticar certo ato e no entanto serealiza outro: A entrega determinado objeto a título de empréstimo e B recebe-o a título de doação; o primeiro entrega um imóvel a título de venda e o segundo recebe-o a título de locação.Nesses casos, inexistindo acôrdo de vontades sôbre a própriaessência do ato, em virtude de êrro substancial, é êle ineficaz.Existe êrro sôbre o objeto principal da declaração (errorin ipso corpore rei), quando a coisa concretizada no ato em verdade não era a pretendida pelo agente. O comprador acreditaque esteja a adquirir, num loteamento, certo lote de terreno, bemsituado e próximo de centro urbano, quando realmente está comprando outro muito mais distante; o comprador acredita sejamparafusos os objetos que adquiriu e, de fato, são pregos. Emqualquer dessas hipóteses, a vontade desviou-se, devido ao desentendimento sôbre o objeto do ato (nulla voluntas errantis est);este é anulável e o adquirente está autorizado, em ambos os casos,

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a pedir a sua decretação.Ocorre ainda êrro sôbre alguma das qualidades essenciais doobjeto principal da declaração, quando se supunha existente determinada qualidade, que, porém, não existia, tendo a falsa crençadeterminado a vontade (error in substantia). Vejam-se os exemplos de ANDREA TORRENTE: creio ser lã animal o que é lã sintética, adquiro cavalo de tiro por um de corrida. Versando o êrrosôbre qualidades essenciais do objeto, equivocadamente tidas porexistentes, o ato é anulável.O casuísmo de POTHIER a respeito é altamente expressivo.Alguém, desejando possuir candelabros de prata, adquire-os docomerciante, que afirma serem êles do metal indicado. Depoisde os ter adquirido, verifica o comprador que os candelabros eramde cobre prateado. O ato é anulável, porque a qualidade dometal fôra o motivo determinante do ato. Alguém viu anunciadaa venda de candelabros antiquíssimos. Depois de os ter adquirido, certificou-se de que eram de fabricação recente; nesse casoa venda também é anulável, porque a vetustez do objeto era elemento essencial, verdadeiramente determinador do negócio. Porfim, alguém adquire candelabros de prata, porque lhe foi assegurado terem pertencido a uma celebridade; posteriormente, capacita-se de que, embora exata a procedência, os candelabros sãode cobre prateado. Nesse caso, o ato é válido, porque a razãodeterminante da compra havia sido a circunstância de haverpertencido o objeto, em outros tempos, a uma personagem célebre.Mas, não é sômente o êrro sôbre coisas que pode anular oato, também o erro sôbre pessoas. Estabelece o art. 88 do Códigoque "tem-se igualmente por êrro substancial o que disser respeitoa qualidades essenciais da pessoa, a quem se refira a declaraçãoda vontade".O êrro, incidindo sôbre a pessoa com quem se teve intençãode tratar, só é causa de anulabilidade do ato quando a consideração da mesma pessoa foi a causa determinante, a

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mola propulsora do negócio jurídico.Numerosos os atos em que o êrro sôbre a pessoa tem influência decisiva: a) - no casamento. Dispõe o Código noart. 218 que é anulável o casamento, se houver por parte de umdos nubentes, ao consentir, êrro essencial quanto à pessoa do outro.Em seguida, no art. 219, incisos I, II, III e IV, menciona a leios fatos caracterizadores do êrro matrimonial; b) - na sucessãotestamentária. Estabelece o art. 1.670 que o êrro na designaçãoda pessoa do herdeiro, do legatário, ou da coisa legada anulaa disposição, salvo se, pelo contexto do testamento, por outrosdocumentos, ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa, a que o testador queria se referir; c) - no contratode sociedade, em que, no dizer de LOMONACO, impera soberanaa consideração das pessoas, não se pode prescindir da affectio societatis. Supunha associar-me a uma pessoa de reconhecida idoneidade moral, mas contrato com outra, que, tendo o mesmo nome,prima pela desonestidade; d) - no contrato a título oneroso,tendo por objeto fato infungível (art. 880) ; e) - finalmente, emtodos os atos benéficos realizados intuitu personae (doação,dote, etc.).Em outros casos, porém, o êrro sôbre a pessoa será de somenos importância. Por exemplo, o ato versa sôbre fato fungível,que pode ser executado por qualquer pessoa. Ainda que o agentetenha incorrido em êrro na designação desta, não será êle demolde a anular o ato.Analisado o êrro essencial ou substancial, passemos ao meramente acidental, concernente às qualidades secundárias ou acessórias da pessoa, ou do objeto. Esse êrro não induz anulaçãodo ato. Está nesse caso, exemplificativamente, o equívoco relacionado com o valor do objeto contratado, bem assim, a entregade automóvel diferente em série ou no de produção.Cumpre não confundir o êrro sôbre as qualidades essenciaisdo objeto com os vícios redibitórios, disciplinados pelos

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arts. 1.101a 1.106 do Código Civil. Embora íntima a relação existente entreêles, a verdade é que são diversos os respectivos fundamentos.Na redibição o fundamento é a garantia que o vendedor tem deassegurar ao comprador contra os defeitos ocultos da coisa eque a tornam imprestável ao fim a que se destina; no êrro, aanulação tem por base o consentimento imperfeitamente fornecido no momento da constituição do ato.Foi dito que o êrro, para viciar a vontade, precisa ser substancial. Mas, não basta; necessário seja também escusável e real.Deve ser escusável, no sentido de que há de ter por fundamentouma razão plausível, ou ser de tal monta, que qualquer pessoainteligente e de atenção ordinária seja capaz de cometê-lo.Deve ainda ser real, isto é, tangível, palpável, importando efetivoprejuízo para o interessado.

Erro de fato e êrro de direito: - Êrro de fato é aquêle querecai sôbre circunstância de fato, por exemplo, sôbre qualidadesessenciais da pessoa, ou da coisa. Êrro de direito é aquêle quediz respeito à existência de uma norma jurídica, supondo-se, porexemplo, que a lei está em vigor quando, em verdade, foi revogada.Será possível equiparar o êrro de direito ao êrro de fatopara caracterização do vício da vontade, causa de anulação doato jurídico?O Código Civil foi omisso acêrca dessa relevante questão.Entendia CLÓvIs que o legislador só cuidara do êrro de fato,porque êste era o único que podia influir sôbre a eficácia davontade, O êrro de direito referir-se-ia à capacidade do agente, àproibição do ato ou à sua forma, não à essência dêle, ao seu conteúdo. Acêrca do ato em si não se pode acenar com o êrro dedireito, porque ninguém se escusa alegando ignorar a lei (ignorantia legis neminem excusat), sendo fonte de confusão a referência

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do Código Civil italiano ao êrro de direito.Essa opinião do eminente civilista pátrio, segundo a qualerror juris non excusat, foi vivamente combatida, sustentandoos opositores que o êrro de direito, como o de fato, desde queafete a manifestação da vontade, na sua essência, vicia o consentimento. Essa, na atualidade jurídica brasileira, a orientação predominante, tanto na doutrina, como na jurisprudência.Aliás, tal orientação é universal, tendo sido acolhida nos trabalhos de reforma do Código Napoleão.A propósito, decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal que nãopode invocar o erro, por ser inescusável, construtor que adquire terreno, que afinalverifica não servir para construção, em virtude de recuo determinado pela Municipalidade. Por fôrça de sua atividade, deveria o Construtor estar ao par das deliberações da Prefeitura no tocante à sua especialidade.Mas, como se conciliará o princípio segundo o qual ninguémse escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (IntrCód. Civil, art. 3.o), com a invocação do êrro de direito, consistente na ignorância da norma jurídica?Não é difícil a resposta. Preciso é atentar para o exatoalcance dos preceitos nemo censetur ignorare legem e ignorantia

legi8 non. ececnstzt. Impedem essas regras se alegue como escusaà inobservância da norma legal a própria ignorância. Por exemplo, não posso alienar bens dotais, que são inalienáveis, e depoissubtrair-me às conseqüências, alegando ignorar a proibição constante do art. 293 do Código Civil. Se se admitisse semelhanteargüição, diz ANDREA TORRENTE, se a êsse êrro se atribuísserelevância, destruída ou atenuada estaria a fôrça imperativa danorma legal. Bastaria à parte invocar sua ignorância e a salvoestaria das imposições do comando legislativo, contrárias aos seusinterêsses.Diversa, porém, a situação quando concluo determinado ato,fundado em errônea apreciação dos dados jurídicos do

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problema.Volvamos ao exemplo daquele mesmo civilista italiano: acreditoque uma pessoa é estrangeira, pois ignoro a legislação que dispõe sôbre nacionalidade e cidadania. Nesse caso, invocando oêrro de direito, não procuro subtrair-me à fôrça imperativa danorma, não busco suspender a eficácia obrigatória da lei, apenasponho em evidência um extravio verificado no processo formativoda minha vontade.O apêgo à ficção - nemo jus ignorare licet - só deve sermantido, quando indispensável à ordem pública e à utilidadesocial. A lei é humana e eqüitativa. Entendê-la de outro modoserá, muitas vêzes, condenar quem realmente estava enganadoe foi vítima de equívoco perfeitamente desculpável. O legisladornão pode ter o preconceito de TALLEYRAND: pior do que um crime,só um êrro.O error juris não consiste apenas na ignorância da norma,mas também no seu falso conhecimento e na sua interpretaçãoerrônea. De qualquer modo, para induzir anulação do ato, necessário é que o êrro tenha sido a razão única ou principal, aodeterminar a vontade.

Outras disposições: - Outra questão a respeito da qual semanifestam sérias divergências é a da falsa causa. Prescreve oCódigo, no art. 90, que só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição.Já aludimos anteriormente, embora de modo sumário, àcausa como elemento integrante do ato jurídico. É chegada aocasião de ferir o mesmo problema, agora mais pormenorizadamente.Causa é o escopo, o fim visado pela parte ao realizar o negócio jurídico; é o sustentáculo necessário do ato, parte constitutiva dêste. Não se confunde com o motivo, razão psicológica,sempre variável e contingente, que leva a pessoa a negociar.Numa compra e venda, por exemplo, a causa que movimentao vendedor é o intento de embolsar o preço e a que aciona o

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comprador, o desejo de receber a coisa adquirida. Motivo é coisa diferente. O vendedor pode ser induzido a contratar pelas maisdiversas razões, por exemplo, porque precisa de dinheiro, porquedeseja especular, porque pretende empregar melhor seu dinheiro,porque vai se mudar. Os motivos do comprador também podemser diversos: quer empregar seu capital, quer o objeto para seuuso, quer negociar.Na aparência simples, o tema constitui verdadeiro casus belliem todos os ramos do direito, provocando, no direito civil,graves dissenções entre causalistas e anticausalistas. Para êstes,causa é noção parasita, vazia de conteúdo, e que deve ser banidada técnica jurídica. Para aquêles, é parte integrante da vontade,elemento essencial de todo ato jurídico.O Código Civil brasileiro não esconde sua tendência anticausalista, pois à causa deixou de imprimir o devido relêvo. Pelanossa lei, esta confunde-se com o próprio ato, sendo mesmo imanente à sua constituição. O negócio jurídico adquire eficácia,independentemente da causa, desde que reunidos os pressupostosdo art. 82 (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou nãodefesa em lei). Conjugados êsses elementos, o ato constitui-sevàlidamente, produzindo seus jurídicos efeitos.Pode acontecer, entretanto, que a causa tenha sido expressacomo razão determinante do ato. Em tal hipótese, será êste anulável por êrro, se apurada a falsidade dela. Por exemplo, emmeu testamento, faço um legado a certa pessoa, declarando queassim procedo porque ela me salvou a vida. Desvendada a falsidade dessa assertiva, razão determinante da disposição testamentária, o ato não prevalece, impondo-se-lhe a anulação. Nãosubsiste, portanto, em nosso direito, em tal hipótese, o brocardofalsa causa non nocet.

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Contudo, se não houve expressa declaração do agente sôbrea causa o ato é válido. O que se disse sôbre a falsa causa seaplica igualmente à causa manifestada sob forma de condição.Dispõe ainda o art. 89 que "a transmissão errônea da vontade por instrumento, ou por interposta pessoa, pode argüir-sede nulidade nos mesmos casos em que a declaração direta".De fato, pode suceder que o agente recorra a um instrumentomecânico para transmissão de sua vontade (rádio, telégrafo,telefone); pode valer-se de interposta pessoa, um mensageiroou emissário. Se o veículo utilizado não transmite fielmente avontade, fazendo surgir divergência entre o agente e a outraparte, poder-se-á alegar o êrro nos mesmos casos, nas mesmascondições, em que a manifestação da vontade é realizada interpraesentes.Estabelece mais o art. 91 que "o êrro na indicação da pessoa, ou coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciaráo ato, quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puderidentificar a coisa ou pessoa cogitada". Já vimos que no direitohereditário se encontra disposição especial da mesma natureza,a constante do art. 1.670.Quem alega o êrro deve prová-lo. Sendo fenômeno de ordemsubjetiva, não comporta, muitas vêzes, prova direta. Será preciso deduzi-lo então de elementos objetivos, que o exprimam poruma relação natural e necessária.O êrro só pode ser alegado por aquêle a quem aproveite oreconhecimento do vício, não pela outra parte. Por fim, embora anulável o ato eivado de êrro, prevalece enquanto não anulado por sentença.

DO DOLO. DEFINIÇÃO E GENERALIDADES. COMOSE DISTINGUE DO ERRO E DA FRAUDE. ESPÉCIES DE DOLO. ELEMENTOS DO DOLO PRINCIPAL. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Definição e generalidades: - O êrro, disciplinado pelos arts.86 a 91 do Código Civil, é o êrro puramente fortuito, derivadode algum equívoco da própria vítima, sem que a outra parte

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hajaconcorrido, de qualquer forma, para êsse estado d.alma. Trataremos agora do dolo, que é o êrro intencionalmente provocadona vítima pelo autor do dolo, ou por terceiro.Tão enérgico quanto o êrro, no determinar a anulabilidadedo ato jurídico, o dolo, outrora mais comum, é hoje menos freqüente que aquêle primeiro vício do consentimento. Difundiu-sea instrução pública e com isso a comunidade aprendeu a defender-se melhor, tornando-se mais precavida e reduzindo as possibilidades de ser iludida.Cumpre desde logo arredar qualquer confusão entre dolocivil, de que ora estamos a tratar, e dolo criminal, assim comoentre dolo civil e dolo processual.No direito penal, diz-se doloso o crime quando o agente quiso resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (Cód. Penal, art.15, n.o I). Nesse dispositivo estão previstas as duas modalidades de dolo, direto e indireto.Diz-se que o dolo é direto quando o resultado do mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e vontade do agente.O dolo indireto, por sua vez, desdobra-se em dois aspectos, alternativo e eventual; alternativo, quando o agente quer um ou outrodos resultados possíveis de sua ação; eventual, quando êle prevêo resultado como possível, e o admite como conseqüência de suaconduta, embora não queira propriamente atingi-lo.Ainda sob o mesmo aspecto criminal, o dolo é punido comodelito específico, nas figuras do estelionato e outras fraudes (Cód.Penal, arts. 171 e segs.). As sanções para essas modalidadesdelituosas são as contempladas no estatuto repressivo.Por outro lado, dolo processual é o decorrente da maneirapela qual o litigante se conduz na causa. Como tôdas as relações jurídicas e sociais, a processual é também regida pela boa-fé.Se dessa orientação se afasta o litigante, afirmando coisas falsas,provocando incidentes manifestamente infundados com o únicoobjetivo de protelar o julgamento do feito, portando-se em sumade modo temerário, incide no chamado dolo processual e que o

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sujeita a várias penalidades, como honorários de advogado, perdas e danos, custas em décuplo.Se, porém, o dolo só aparece na esfera civil, intervindo naefetuação de um ato jurídico para viciar o consentimento doagente, êle é civil e sua sanção é a anulabilidade, pena cominadapelo art. 92, combinado com o art. 147, n.o II, um e outro doCódigo Civil.Em sentido amplo, dolo civil é todo artifício empregado paraenganar alguém (dolus est consilium alteri nocendi). Excepcionalmente, pode ter fim lícito, elogiável e nobre, por exemplo,quando se induz alguém a tomar um remédio, que recusa ingerir,e que, no entanto, lhe é necessário. O mesmo acontece quandoardilosamente se procura frustrar plano de um inimigo ou assassino. A estas armas de defesa o jurisconsulto romano atribuía o nome de dolus bonus, por oposição ao dolus malus, consistente no emprêgo de manobras astuciosas destinadas a prejudicar alguém.Em sentido restrito e técnico, dolo é, consoante definiçãode CLÓvIs, o artifício ou expediente astucioso empregado parainduzir alguém à prática de um ato, que o prejudica, e aproveitaao autor do dolo ou a terceiro. Aceitável é, em princípio, essadefinição, conquanto se ressinta de certa ambigüidade, como severá mais adiante.

Como se distingue do erro e da fraude: - Como deixamosacentuado, íntima é a ligação entre o êrro e o dolo, a ponto deafirmar DEMOGUE que tende êste a se deixar absorver pela teoriadaquele. No primeiro, a idéia falsa é do próprio agente; no segundo, a idéia falsa é resultante da malícia alheia.Num e noutro caso a vítima é iludida, com a diferença deque, no êrro, ela se engana sôzinha, enquanto no dolo, ela seequivoca também, mas ilaqueada pela outra parte.No segundo caso, contamina-se o ato simultâneamente deêrro e dolo, êste oriundo do emprêgo de manobras astuciosas,aquêle decorrente do estado de espírito da vítima, que dá seu

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consentimento, acreditando numa situação que, em verdade, nãoexiste.O ato seria, portanto, duplamente anulável, por êrro e pordolo. Aconselham os autores, entretanto, se funde a ação anulatória no dolo e não no êrro, não só porque aquêle é mais fácilde provar, sendo certamente mais viva a reação psicológica dojulgador, como também porque o ressarcimento é mais completoque no caso de simples êrro. Ademais, o dolo é mais profundo;enquanto o êrro sôbre qualidades acidentais e sôbre a causa(quando esta não é determinante) não anula o ato, pode o doloprovocar-lhe a anulação.Outrossim, não se deve confundir o dolo com a fraude, que,por certo, são aspectos diversos de um mesmo problema. Têmêles ponto comum, o emprêgo de manobras insidiosas e desleais. Mas a diferença está em que, no dolo, essas manobrasconduzem a própria pessoa que delas é vítima a concorrer paraa formação do ato, ao passo que a fraude se consuma sem intervenção pessoal do prejudicado. Além disso, o dolo geralmenteantecede à prática do ato, ou no máximo, com êste é concomitante; não há dolo a posteriori. A fraude, ao inverso, é sempresubseqüent.e aos atos de que se originam os direitos das pessoasprejudicadas.Também com a coação o dolo tem afinidade, afirmando-semesmo que êste constitui uma espécie de violência psíquica. Averdade é que a primeira tem maior gravidade que o segundo,pois enquanto êste atua exclusivamente sôbre a inteligência davítima, age aquela diretamente sôbre a sua liberdade, tendo assim muito maior influência na elaboração da vontade.

Espécies de dolo: - Sem interêsse prático, evidentemente,a divisão já mencionada entre dolus bonus e dolus malus e porisso dela não nos ocuparemos. A principal distinção é feita entredolo principal ou essencial e dolo acidental, acolhida pelo

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nossoCódigo (arts. 92 e 93).Prende-se essa distinção à efetuada outrora em dolus causam dans contractui e dolus incidens, erradamente atribuida aosromanos, porque não mencionada nas fontes, sendo os glosadoresos responsáveis pela sua autoria.O dolus causam dans contractui é o dolo principal, tambémchamado dolo essencial, dolo determinante ou dolo causal; é acausa eficiente do ato, sua única razão, o dolo que o origina eque sem êle não se teria concluído. O dolus incidens (dolo incidente ou acidental) é aquêle que leva a vítima a realizar o ato,mas em condições mais onerosas ou menos vantajosas.O dolo pode ser ainda positivo ou negativo, segundo o artifício astucioso conste de ação dolosa (por exemplo, a captaçãono testamento), ou de omissão dolosa (por exemplo, o silênciointencional acêrca de determinado fato). Essa diferenciação éigualmente aceita pelo legislador pátrio, segundo se vê do art. 94.Combate LAURENT vivamente tôdas essas distinções, dizendoque isso é escolástica, a ser banida da ciência do direito, que éciência da vida e não ciência das abstrações. Mas, inegável seuvalor, porque ajudam a fixar de modo indelével conceitos fundamentais sôbre o tema em questão.

Elementos do dolo principal: - Dispõe o Código, no art. 92,que os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando êste fôr asua causa. Segundo salientamos, prevê o Código nesse dispositivo o dolo principal ou dolo determinante.De conformidade com a lição de ESPINOLA, para que o doloconstitua vício do consentimentO é preciso: a) - que haja intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico; b) que os artifícios fraudulentos sejam graves; c) - que sejama causa determinante da declaração de vontade; d) - que procedam do outro contratante, ou sejam dêste conhecidos, se procedentes de terceiro.Requer-se assim, em primeiro lugar, para configuração do

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dolo principal, haja intenção de induzir o declarante a praticaro ato jurídico.Acêrca dêsse requisito, sustenta CiAvis, secundado por SERPALOPES que a característica do dolo é a intenção de prejudicarno ânimo de seu autor. Mas, como observa ESPíNOLA, é secundária qualquer preocupação em tôrno do prejuízo que venha asofrer a pessoa ludibriada. O propósito do enliçador é de obter,para si ou para outrem, vantagem que não obteria se não fórao artifício. Fôrça admitir, entretanto, que, na prática, a essavantagem auferida pelo autor do dolo, ou por terceiro, corresponde quase sempre prejuízo para a vítima.Em segundo lugar, é necessário que os artifícios fraudulentos sejam graves. Tais artifícios são de índole vária. Vão desdea simples reticência até a insinuação de circunstâncias falsas,passando pela supressão de elementos verdadeiros. Podem consistir em atos ou palavras e até mesmo no simples silêncio. Dequalquer forma, porém, indispensável se revistam de gravidade.Cumpre não esquecer, neste passo, que há na vida real, nomundo dos negócios, uma espécie de dolo perfeitamente tolerado.Por exemplo, o vendedor costuma valorizar a coisa, cuja alienação apregoa; exalta-lhe as qualidades; afirma que a está vendendo pelo preço do custo, que já obteve melhor oferta, quesofre prejuízo. O comprador, por seu turno, procura subestimaro objeto, em que descobre defeitos, ou exagera os existentes.Como assevera CUNhA GONÇALvES são humanos, são legaisêsses ligeiros ataques à boa-fé. O exagêro, sem artifícios, é ochamado dolus bonus. Admissíveis são essas manifestações nogiro diário dos negócios, porque, com um pouco de diligência, umpouco de perspicácia, podem ser dissipadas. Só o dolus malus,isto é, o dolo grave, vicia o consentimento, como, por exemplo,

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quando o negociante altera a aparência externa da coisa, ouquando o agente capta fraudulentamente a vontade do testador,induzindo-o a dispor em seu benefício.Quais os caracteres de que as manobras dolosas devem serevestir para que se reputem graves? A lei não diz. A doutrina, por sua vez, é vacilante. Cabe destarte ao pretório a aferição dêsse elemento, descendo, para tanto, aos dados concretosobjetivados nos autos, notadamente às condições pessoais da vítima e do burlão, à extensão do prejuízo e outras peculiaridades,sem perder de vista, é óbvio, que só o dolo determinante é causade anulabilidade.Esse o terceiro elemento, cuja presença se exige para caracterização do dolo. Além de graves, os artifícios devem ser acausa eficiente da manifestação de vontade. Urge não esquecerque o dolo se apresenta na vida prática com maior ou menor intensidade. Ora êle é a razão única do ato (dolo principal art. 92), ora leva a parte, a seu despeito, a praticá-lo, imprimindo-lhe outro aspecto, alterando-lhe as condições, ou modificando-lhe as cláusulas (dolo acidental - art. 93), ora ainda étolerado (caso em que não prejudica o ato, nem lhe impede aformação). Só quando o dolo tem aquela densidade já referida,só quando determinante ou essencial, acarreta a anulação doato. O dolo acidental, quando a seu despeito, o ato se teria praticado, embora por outro modo, só obriga a satisfação das perdase danos (art. 93).Finalmente, em quarto lugar, torna-se imprescindível que osartifícios fraudulentos promanem do outro contraente. Podetambém ser anulado o ato por dolo de terceiro, se uma das parteso soube (art. 95). De acôrdo com a lição de CARVALHO SANTos,três são as hipóteses mais viáveis com referência ao dolo de terceiro: a) - o dolo é dêsse terceiro, mas praticado com a cumplicidade da parte; b) - o dolo é de terceiro, mas a parte nãocooperou com êle, conhecendo-o apenas; c) - o dolo do terceiro é completamente ignorado pela parte beneficiada. Nos doisprimeiroS casos o ato é anulável e válido no último,

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respondendoo terceiro pelas perdas e danos.

Outras disposições: - Nos atos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que aoutra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-seque sem ela se não teria celebrado o contrato (art. 94). Suponha-se, exemplificativamente, que certo produtor venda safra delaranjas, ocultando, porém, ao comprador que seu pomar se achainfestado pela leprose. Configura-se então a hipótese do citadoart. 94. Mas o dolo não se presume; deve ser provado e o preceito legal em questão exige que o silêncio doloso seja intencional,evidenciando-se, outrossim, que sem a omissão o contrato não seteria celebrado. Ainda na Parte Geral do Código, encontramospreceito específico, o do art. 155: o menor, entre 16 e 21 anos,não pode, para se eximir de uma obrigação, invocar a sua idade,e dolosamente a ocultou, inquirido pela outra parte, ou se noato de se obrigar, espontâneamente se declarou maior. O seguro é outro contrato que fàcilmente se presta à ocultação dolosa e nos arts. 1.444 e 1.446 provê o legislador a respeito, demodo especial.O dolo do representante de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até à importância do proveitoque teve (art. 96). Se êsse dolo do representante é substancialo ato é anulável, como no dolo direto, ou no dolo de terceiro. Orepresentado responde civilmente pelos prejuízos da vítima, mastem ação regressiva contra o representante, salvo se com êsteestava mancomunado. Em matéria de seguro, realizado porprocurador, há igualmente disposição especial, a do art. 1.445.Se ambas as partes procederam com dolo, nenhuma pode

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alegá-lo, para anular o ato, ou reclamar indenização (art. 97).Nesse dispositivo cuida o Código da torpeza bilateral. Em talhipótese, nenhuma das partes pode invocá-la em seu benefício, odolo comum é reciprocamente compensado (ab utroque parte doluscompensandus ). Há, entretanto, exceção na Parte Especial, ado art. 548.De modo idêntico, a parte que procedeu com dolo não podeargüi-lo em seu beneficio, para obter anulação do ato (ne ex dolosuo lucrentur).Na Parte Especial, o legislador contempla casos especiais deatuação dolosa. Assim, a captação e a sugestão são casos peculiares às disposições testamentárias. Ainda no direito das sucessões é retratável a renúncia da herança, quando proveniente de dolo (art. 1.590) ; a partilha pode ser invalidada em razão do mesmo vício (art. 1.805).De um modo geral, êsse vício pode contaminar todo e qualquer ato jurídico, excluído o matrimônio. Admiti-lo no direitomatrimonial seria tornar ainda mais instável a instituição.Como dizia LOYSEL, "en mariage trompe qui peut".Edita o Código de Processo Civil, no art. 252, que "o dolo,a fraude, a simulação e, em geral, os atos de má-fé poderão serprovados por indícios e circunstâncias". O ônus da prova cabenaturalmente à parte que os alega.Aliás, diz BUTERA que se tem o máximo da influência dolosano caso de sugestão hipnótica sôbre o testador.

DA COAÇÃO. GENERALIDADES E DEFINIÇÃO. ESPÉCIES. REQUISITOS DA COAÇÃO. CASOS DEEXCLUSÃO. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Generalidades e definição: - A coação é o vício mais profundo que possa afetar o ato jurídico, uma vez que seu impactoo atinge na própria base, a vontade livre do agente.Já o vimos anteriormente, ela é mais grave que o própriodolo, porque se êste incide sôbre a inteligência da vítima, aquelainfringe a sua liberdade. Além disso, ela ofende de modo mais

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sensível a ordem social. Já dizia ULPIANO que nihil consensuitam contrarium est quam vis atque metus - nada é mais contrário ao consentimento do que a violência e o temor. É que acoação provoca o mêdo, o gigante negro de MIRA Y LOPEZ que,na frase de BALZAC, derruba os sistemas e contraria tôdas ashipóteses da fisiologia.Coação é a pressão física ou moral exercida sôbre alguémpara induzi-lo à prática de um ato. Como expressão verbal, ovocábulo reflete com mais propriedade o meio coercitivo empregado pelo agente, que o estado de intimidação gerado na vítima.É por isso que, do ponto de vista psicológico, a linguagem dosromanos era mais precisa. Êles empregavam o têrmo metus(mentis trepidatio) e não vis (violência), porque é o temor infundido na vítima que constitui o vício do consentimento e nãoos atos externos utilizados no sentido de desencadear o mêdo.Nosso direito positivo, entretanto, referindo-se a êsse defeito dosatos jurídicos, ora o chama de coação (Seção III e art. 147, n .oII) ora de violência (arts. 1.590 e 1.595, n.o III).A coação pode, portanto, ser encarada sob dois aspectos distintos, ab intrínseco e ab extrinseco. No primeiro caso, é o estado de espírito, em que o agente, perdendo a energia moral e aespontaneidade do querer, realiza o ato, que lhe é exigido. Nosegundo, é a violência, física ou moral, exercida sôbre a pessoapara constrangê-la à prática do ato.A coação não é conceito exclusivo do direito privado. Elaintervém igualmente no direito criminal, para agravar penas (Cód.Penal, art. 45, ns. II e III); se irresistível, isenta o autor material da infração (art. 18) e se não o é, atenua-lhe a pena (art.48, n.o IV, letra c). Na Parte Especial, a violência pode configurar crime contra a liberdade pessoal (arts. 146 a 148) e contraa administração da justiça (art. 344).Por outro lado, as regras legais de direito privado sôbre acoação, em princípio, são aplicáveis ao direito

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administrativo.

Espécies: - A coação pode ser física e moral. A primeira(vis absoluta) é o constrangimento corporal que reduz a vítima ainstrumento passivo do ato. O exemplo clássico é apontado porRUGGIERO-MAROI: a mão da vítima é conduzida a assinar ousubscrever um documento. Nesse caso, a vítima é privada dequalquer resquício de vontade; ela não pode querer coisa diversa.Sua vontade está aniquilada (non agit, sed agitur).Na Seção III, ora em estudo, não cuida o Código dessa espécie de coação, que não é simples vício de consentimento, mas completa ausência de consentimento. Verificada a hipótese de totalsupressão da vontade, o ato não é simplesmente anulável, masnulo de modo irremediável, porque lhe falta elemento substancial,o consentimento do interessado.Na coação moral (vis compulsiva) a vontade não é completamente eliminada, como sucede no caso da violência física; a vítimaconserva relativa liberdade, podendo optar entre a realização doato, que lhe é exigido, e o dano, com que é ameaçada. Na coaçãofísica, ela não pode querer diversamente; na moral, resta-lhe talopção, embora a vontade declarada se coloque em oposição à vontade real (coatus tamen volui ou voluntas coacta tamen semperest voluntas).

Requisitos da coação: - Estabelece o art. 98 do Código que"a coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal,que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa, àsua família, ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido".Em face do estatuído nesse dispositivo legal, cinco são osrequisitos para que a coação se delineie como vício do consentimento:a) - deve ser a causa determinante do ato;b) - deve incutir ao paciente um temor justificado;c) - êsse temor deve dizer respeito a um dano iminente;d) - êsse dano deve ser considerável;

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e) - finalmente, deve o dano referir-se à pessoa do paciente,à sua família, ou a seus bens.O primeiro requisito concerne à relação de causalidade; entre a violência e o ato extorquido deve existir um nexo de causae efeito; se aquela não é a razão determinante dêste não há coação. A parte que pretenda a anulação do ato deve, portanto, antes de mais nada, na ação anulatória, relatar os fatos concretose positivos da atuação do coator junto ao paciente, de molde a sepoder dêles extrair, com segurança, a existência do nexo causal.No exame dêsse primeiro requisito interessante questão podeser ventilada: em momento de extremo perigo, para si ou para alguma pessoa de sua família, por exemplo, num incêndio ou numainundação, alguém promete a outrem extraordinária recompensapelo seu salvamento. O ato, nessa conjuntura, estará eivado decoação?A controvérsia suscitada assemelha-se, sem dúvida, à situação de RIcARDo III, em Bosworth, ao exclamar: "a horse, a horse,my kingdom for a horse". Ao solucioná-la, dissentem os autores,embora reconhecendo todos que não se trata prôpriamente de coação, uma vez que o constrangimento não emana de um dos contratantes, mas de imprevisível acontecimento a que êstes são alheios.Acham uns que a promessa é válida, reduzindo-se apenas arecompensa, em proporção com o serviço prestado. Outros, aorevés, sustentam que o ato é ineficaz, se o promitente estava detal modo aterrorizado que nem sequer se pode cogitar de consentimento. A opinião mais correta é a de que a pessoa deve ser remunerada, não pela forma exagerada constante da promessa, masde maneira razoável e eqüitativa, segundo o arbitrado pelo juiz.A coação deve ser de molde a incutir ao paciente um temorjustificado. É o segundo requisito dela. Êsse temor pode ser dediferentes espécies: morte, mutilação, dor física, seqüestro, cárcere privado, prisão, fome, sêde, desonra, ridículo, desconsideração pública, escândalo. Por outras

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palavras, o temor pode concernir a mal físico ou moral.Indispensável, todavia, seja fundado, apto a impressionarrealmente a vítima. O direito romano, fortemente imbuído doestoicismo filosófico, era exigente: o mêdo só se justificava quando capaz de vencer a resistência de um constantissimus homo,não a de um tímido pusilânime.O direito moderno humanizou êsse rigor, preconizando aapreciação de vários elementos subjetivos e objetivos, indicados110 art. 99: "no apreciar a coação, se terá em conta o sexo, a idade,a condição, a saúde, o temperamento do paciente e tôdas as demaiscircunstâncias, que lhe possam influir na gravidade".Cumpre destarte levar em conta o estado d.alma dos fracos ehumildes, que, sem personalidade, se impressionam fàcilmente elogo se deixam dominar. Como lembra Clóvis, ameaça que seriavã para um ânimo varonil, pode ser grave para uma alma tímida,para uma criança, para um velho, para um doente.No citado art. 99 deparam-se preciosos subsídios para exameda intensidade da coação: a criança é mais sugestionável que amulher; a mulher, em relação ao homem; o velho, em relação aomôço; o enfêrmo, em relação ao de boa saúde; o deprimido, emrelação ao arrebatado; o rude, em relação ao instruído que vivaem meio civilizado.Outros dados hão de ser ainda sopesados: o estado de isolamento da vítima, o lugar êrmo em que se verifica a violência, aimpossibilidade de receber qualquer ajuda, a multiplicidade decoatores, as horas mortas do ato. De qualquer forma, o conjuntodessas circunstâncias há de apresentar-se com suficiente densidade, porquanto, como dizia CELSO, vanis timoris justa excusationon est.O terceiro requisito refere-se ao dano temido, que deve serpróximo, iminente, irremediável, que efetivamente infunda mêdoao paciente. A ameaça de mal remoto, longínquo, impossível ou evitável não constitui coação apta a viciar o

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consentimento.O mal é iminente, esclarece ESPÍNOLA, sempre que a vítimanão tenha meios para furtar-se ao dano, quer com os própriosrecursos, quer mediante auxílio de outrem, ou da autoridadepública.O temor deve ser de um dano considerável, o mal com que seameaça o paciente deve ser grave (timor maioris malitatis). Êssedano pode ser moral ou patrimonial. É moral, quando a ameaçaé dirigida contra a vida, a incolumidade física, a liberdade, a honra, ao decôro e ao bom nome do paciente. É patrimonial, quandoo dano receável é de ordem pecuniária ou econômica.Em qualquer daquelas primeiras hipóteses (dano de ordemmoral), ocorre curialmente o majum malus, isto é, o dano temidoé maior que o receável do ato extorquido. Na segunda hipótese(dano de ordem patrimonial), preciso será, em face do art. 99,que, pelo menos, haja equivalência entre os valores confrontados;se o dano receável do ato extorquido é menor que o resultanteda ameaça não se configurará a coação.Pode não ser essa a solução ideal, mas é a que se extrai daliteralidade do texto, aliás, geralmente censurado.Finalmente, o dano receável deve concernir à vítima pessoalmente, a alguém de sua família, ou a seus bens. Não há uniformidade de vistas sôbre o alcance da palavra família, tal comofigura no dispositivo. Relativamente aos parentes próximos, descendentes, ascendentes e irmãos, além do cônjuge, não há a menordúvida. Viciado estará o ato se a coação exercida disser respeitoa qualquer dêsses familiares, assim como ao próprio coato. Mas,existem ainda outros parentes, considerados pela lei civil, os quese encontram até o sexto grau (art. 331). Estarão êles compreendidos na proteção legal? Impossível é a resposta dogmática,tudo dependerá do exame de cada caso, tendo-se em vista, sobretudo, o grau de afeição existente entre o coato e o parente deque se trata.

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Encerrando a análise dos requisitos da coação, é de se recordar a advertência de DEMOGUE: raros os atos humanos quese praticam com espontaneidade, desvinculados de qualquer causaextrínseca. Todos vivemos sob o império de circunstâncias maisou menos opressivas. Entretanto, só quando a pressão se revestede anomalia, é que se pode falar em coação, no sentido jurídico.

Casos de exclusão: - De conformidade com o art. 100 doCódigo, "não se considera coação a ameaça do exercício normalde um direito, nem o simples temor reverencial".Realmente, para que se configure o vício, preciso será que aameaça seja injusta. Se justa, não existe coação, mas exercício normal de um direito, embora com alteração do consentimento (qui suo jure utitur neminem laedit).Assim, excluída está qualquer idéia de violência se o credorpor dívida vencida, e não paga, ameaça o devedor de protestartítulo, iniciar execução ou requerer falência. Essa ameaça nãoé injusta. Se o devedor, premido pela atitude do credor, lheoutorga procuração em causa própria ou dação em pagamento,por exemplo, não pode depois reclamar anulação do ato, a pretextode que foi coagido.Da mesma forma, não há como falar em coação se o agenteacena com a possibilidade de desapropriação, para da vítima obtera venda amigável. Ameaça de expropriação jamais poderá serconceituada como coação.Idênticamente, não assume os contornos do vício simplesameaça de denúncia à polícia, ou mesmo, oferecimento de queixa-crime. A ameaça de acusação improcedente ou irrelevante nãopode abalar a resistência do paciente, se tem êste convicção desua inocência e dos meios para comprová-la.Ressalte-se, todavia, que apenas a ameaça do exercício normal do direito não constitui constrangimento. Mudará o caso defigura, porém, se disser respeito a exercício anormal ou irregular do direito, como quando o credor infunde pavor ou grave

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apreensão no espírito do devedor. Nesse caso, ocorrerá abuso dodireito e a ameaça deixará de ser legítima, inquinando-se o atode anulabilidade. Havendo abuso de direito, um simples protesto ou interpelação poderá constituir coação.Por temor reverencial se entende o receio de desgostar pai,mãe, superior hierárquico, ou outra pessoa, a quem se deva respeito ou obediência. Do ponto de vista religioso e moral, constitui falta grave a desobediência aos pais. CÍCERO chegou mesmoa proclamar que peccatum est parentes violare - o máximo crime é faltar com obediência aos pais -, princípio que CoNFÚcIotambém anunciara, pregando que o primeiro dever do homem éprestar toda a atenção ao menor desejo de seu pai.Contudo, do ponto de vista jurídico, mero receio de desagradar os genitores, ou a outras pessoas consideradas nas relaçõessociais e profissionais, sem os requisitos básicos da coação, nãoé vício do consentimento, porque aquela deferência não tem o condão de obliterar a vontade livre e servir de apoio a uma açãoquod metus causa.

Outras disposições: - A coação emanada de terceiro podetambém gerar a anulabilidade. É o que dispõe o art. 101: "acoação vicia o ato, ainda quando exercida por terceiro". Verificada a mesma, o ato é anulável, quer a parte, a quem ela aproveita, conheça ou não a violência.Se a coação exercida por terceiro fôr previamente conhecidaà parte, a quem aproveite, responderá esta solidàriamente comaquêle por tôdas as perdas e danos (§ 1.o).Se a parte prejudicada com a anulação do ato não soube dacoação exercida por terceiro, só êste responderá pelas perdas edanos (§ 2.o).Vemos, através dêsses dispositivos legais, que a coação é defato mais grave que o dolo, pois, nesse último vício só quando amaquinação de terceiro é conhecida da outra parte se tem aanulação (art. 95). Na coação assim não sucede; em qualquerhipótese, verificada a coação de terceiro, o ato é sempre anulável,tenha ou não prévio conhecimento dela a parte a quem

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aproveite.Se o sujeito passivo é pessoa jurídica não se pode cogitarde coação, que tem como pressuposto a vontade livre, só existente na pessoa física.Demonstrado o vício, o ato jurídico é anulável (art. 147, n.oII). Discute-se o fundamento dessa garantia. Para SAvIGNY,ela repousa na necessidade de reprimir a imoralidade que decorre da violência. O direito moderno assegura, porém, que a mesma visa a garantir a incolumidade do consentimento.

DA SIMULAÇÃO. CONCEITO E GENERALIDADES.SEUS CARACTERÍSTICOS. ESPÉCIES. MODALIDADES PARTICULARES. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Conceito e generalidades: - Como o êrro, simulação traduzuma inverdade. Ela caracteriza-se pelo intencional desacôrdo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico, que, de fato, não existe, ou então oculta,sob determinada aparência, o ato realmente querido. Comodiz CLóvIs, em forma lapidar, é a declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.Urde-se a simulação com mais freqüência do que se pensa;com ela tropeçamos a todo instante, sob as roupagens mais diferentes. Inevitável é mesmo que a ela tenhamos de aderir ourecorrer algumas vêzes, em lances de nossa existência, em umaqueles aspectos que INGENIEROS expressivamente denominou desimulação na luta pela vida.Não só na vida, social, como também na judicial e na extrajudicial ela é comum. A própria lei adjetiva prevê a possibilidade de conluio entre as partes, que se servem do processo pararealizar ato simulado (art. 115). Freqüentemente, os litigantessimulam doenças para obter adiamento de audiências (art. 266,§ 2.o). Nas ações de despejo, comum é a alegação de que foisimulada a venda feita ao retomante. Mas, não é só: nos repertórios de jurisprudência numerosas as alusões a dívidas forjadase a atos simulados, sôbre os quais juízes e tribunais são chamadosa se pronunciar.Extrajudicialmente, testemunham-se atos como ocultação do

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verdadeiro preço da coisa no contrato de compra e venda, antedata de documento, realização de ato jurídico mediante interposição de pessoa, sonegação.A própria causa simulandi tem as mais diversas procedências. Ora visa a burlar a lei, ora a fraudar o fisco, ora a prejudicara credores, ora a guardar em reserva determinado negócio. Comobem diz CUNHA GONÇALvES, encontra-se a simulação tôda agama de motivos, desde o extremo do escrúpulo de consciência atéao da absoluta falta de escrúpulos.

Seus característicos: - A simulação apresenta-se com as características seguintes:a) - em regra, é declaração bilateral da vontade;b) - é sempre concertada com a outra parte, ou com a pessoa a quem ela se destina;c) - não corresponde à intenção das partes;d) - é feita no sentido de iludir terceiros.Em regra, como ensina ESPINOLA, a simulação é declaraçãobilateral da vontade, mas pode existir também nos atos unilaterais, desde que se verifique o ajuste do declarante com outrapessoa. Em sentido contrário, a opinião de FERRARA, para quema simulação é o resultado do acôrdo de duas partes, não penetrando assim no campo dos atos unilaterais.Entretanto, o que verdadeiramente caracteriza a simulaçãoé o seu conhecimento pela outra parte, sendo apenas ignorada deterceiros. Distingue-se, pois, do dolo, em que somente um dos interessados conhece a maquinação. O dolo é sempre urdido contra uma das partes, quer pela outra parte, quer por terceiro. Asimulação, ao contrário, é uma entente de ambas as partes contraterceiro.Por outras palavras, no dolo, uma das partes é enganada pelaoutra; na simulação, nenhuma das partes é iludida; uma e outratêm conhecimento da burla, levada a efeito para ludibriar terceiro. Não é possível, portanto, a coexistência, no mesmo ato jurídico, de dolo e de simulação.A terceira característica desta é a proposital divergênciaentre a vontade interna, ou real, e a vontade declarada no ato.

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Êste não corresponde à verdadeira intenção das partes, que, deliberadamente, disfarçam seu pensamento, concretizado ou apresentado sob aparência irreal ou fictícia.Finalmente, a simulação perpetra-se no sentido de iludirterceiros, levando-os a acreditar que são positivos e certos, negócios jurídicos fantasiosos, imaginários, não realmente queridospelos interessados.Suponha-se, por exemplo, doação de homem casado à concubina, mas realizada por intermédio de compra e venda simulada, para contornar a proibição do art. 1.177 do Código Civil.Tôdas aquelas características aí se apresentam de modo indelével:a) - trata-se de declaração bilateral da vontade; b) - ela éfruto de prévio ajuste entre o doador e a beneficiária; c) - nãocorresponde à intenção das partes, que jamais pretenderam realizar compra e venda; d) - é feita no sentido de iludir terceiros (cônjuge e herdeiros do doador).Evidenciada a simulação, em qualquer das suas modalidades,o ato é anulável, nos termos do art. 147, n.o II, do Código Civil.

Espécies: - A doutrina distingue duas espécies de simulação, a absoluta e a relativa. É absoluta, quando a declaração devontade exprime aparentemente um ato jurídico, não sendo intenção das partes efetuar ato algum (colorem habens, substantiamvero nullam). Caracteriza-se essa modalidade de simulação pelacompleta ausência de qualquer realidade (umbra sine effectu). Oato é inexistente, ilusório, fictício. Espelha uma simples aparência, uma sombra vã, um corpo sem alma, na feliz expressão deBALDO. É o caso do devedor, que simula venda de seus bens aparente ou amigo, a fim de que os mesmos, aparentemente alienados, se subtraiam à execução dos credores. Em verdade, nesse caso, não quiseram as partes efetuar ato algum (nihil agitur).É relativa, quando efetivamente há intenção de realizar algum ato jurídico, mas êste: a) - é de natureza diversa daqueleque, de fato, se pretende ultimar (colorem habens, substantiam

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vero alteram). É o caso da doação à concubina, mascarada sobaparência de venda. Para alcançar seu objetivo, as partes realizam negócio jurídico diverso do que soam as palavras; b) - nãoé efetuado entre as próprias partes, aparecendo então o testa-de-ferro, o prestanome, ou a figura do palha. Por exemplo, alguém, desejando vender bens a um dos descendentes e não podendo satisfazer a exigência do art. 1.132 do Código Civil, simula alienação a terceiro, para que êste, em seguida ou mais tarde,sem outros embaraços, concretize o ato que o primeiro tinha originàriamente em mira; c) - não contém elementos verdadeiros,ou melhor, seus dados são inexatos. Por exemplo, numa escritura de compra e venda, os contratantes mencionam preço inferiorao real, a fim de reduzir o quantum do impôsto de transmissão dapropriedade. Diz-se, nesse caso, que a simulação é parcial, hipótese em que subsiste o ato, ressalvada à Fazenda, é óbvio, a percepção dos respectivos direitos fiscais.Vemos, pois, quão importante é essa classificação. Volva-se, com efeito, à simulação absoluta. Com freqüência é ela consumada na vida prática. Por exemplo, é o marido que, na iminência do desquite, forja dívidas, a fim de consumir o patrimônio do casal, não tendo assim de pagar a meação da espôsa. Éo devedor, que emite cambiais em favor de amigos, que se apressam a executar os títulos e assim consumir os bens existentes.Nesse terreno encontrará devida aplicação o art. 252 do Códigode Processo Civil. A prova da simulação pode assentar em indícios e presunções, desde que precisos, graves e concordantes.Passemos agora aos casos de simulação relativa, pricipiando pelo da ocultação do caráter jurídico do ato. Vislumbram-se,nesse caso, dois aspectos distintos, o do ato que se aparentou fazer e o do ato que na realidade foi feito, o fingido e o real, oinvólucro e o conteúdo. Desfeito o ato aparente, rôto o invólucro, cumpre examinar a validade do que restou, do conteúdo.Se não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violardisposição de lei, o ato dissimulado é válido (plus valet quod

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agitur quam quod simulate concipitur); na hipótese contrária,ilícito o conteúdo, será anulável.Referentemente à interposição de pessoas, cumpre observarque a simulação só se ultimará quando se completar com a transmissão dos bens ao real adquirente. Enquanto esta não se realiza, não se pode falar em ato proibido, ou mesmo em interposição.Finalmente, quanto à menção no ato de elementos falsos ouinexatos, a simulação, embora parcial, poderá assumir aspectocriminoso, vindo a constituir delito de falso documental, reprimido pelo art. 299 do Código Penal.Dispõe o art. 102 do Código Civil que haverá simulação nosatos jurídicos em geral:I. Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos apessoas diversas das a quem realmente se conferem, outransmitem.II. Quando contiverem declaração, confissão, condição, oucláusula não verdadeira.III. Quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.Três, por conseguinte, as espécies de simulação consideradas pelo legislador pátrio nesse dispositivo: a) - por interposição de pessoa (n.o I). O intuito do declarante é o de inculcara existência de um titular de direito, mencionado na declaração,ao qual, todavia, nenhum direito se outorga ou se transfere, servindo seu nome exclusivamente para encobrir o da pessoa a quemde fato se quer outorgar ou transferir o direito de que se trata;b) - por ocultação da verdade na declaração (n.o II). A simulação pode ser então absoluta ou relativa, nos têrmos expostos,resultando de declaração, confissão, condição, ou cláusula nãoverdadeira; c) - por falsidade da data (n.o III), caso em queverdadeiras não são as datas apostas nos documentos. Presentemente, as antedatas vão tornando-se cada vez mais raras, devido à exigência da autenticação pelo reconhecimento da firma,ou pela inscrição do documento no Registro de Títulos e Documentos, necessária com relação a terceiros.A simulação pode ser ainda inocente ou maliciosa. É

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inocente, quando não existe intuito de violar a lei, ou de lesar a outrem.Dessa modalidade de simulação cuida o art. 103: "a simulaçãonão se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros,ou de violar disposição de lei". Estará nesse caso, exemplificativamente, simulação de ordem moral, inspirada no propósito de evitar atritos e dissenções com pessoas que se julgam comdireito ao mesmo benefício outorgado a outrem. Na mesmaordem de idéias, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo quese considera inocente simulação levada a efeito por declarante solteiro, sem herdeiros necessários, que faz doação à concubina, sobforma de venda Sendo inocente, deve ser tolerada.Havendo, porém, intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei, a simulação é maliciosa. Envolvendo estapropósito lesivo aos direitos ou ínterêsses de outrem, ou objetivando burlar a lei, retira tôda validade ao ato por ela viciado.Em casos tais, isto é, "tendo havido intuito de prejudicar aterceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, emlitígio de um contra o outro, ou contra terceiros" (art. 104).Nessas condições, se a simulação tem por escopo prejudicara terceiro, os simuladores nada poderão alegar contra o ato; ninguém será admitido a alegar a própria torpeza (nemo de improbitate sua consequitur actionem). Assim também se a simulaçãovisou a infringir preceito legal, a parte nada pode argüir ou requerer em juízo no tocante a ela, de acôrdo ainda com o mesmoart. 104.Estabelece o art. 105 que "poderão demandar a nulidade dosatos simulados os terceiros lesados pela simulação, ou os representantes do poder público, a bem da lei, ou da fazenda".Os simuladores não têm qualidade para argüir a simulação,em litígio de um contra o outro, ou contra terceiro; só os própriosprejudicados serão partes legítimas para deduzi-la em juízo; mas

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a lei igualmente confere aos representantes do poder público, abem da lei, ou da fazenda, legitimação processual para pleitear adecretação da nulidade.Na ação simulatória, como na pauliana, aquêle que pede oreconhecimento do vício precisa demonstrar o prejuízo que o atolhe acarreta, porquanto, se não houver prejuízo, falta interêsseao autor para a propositura da demanda.Para essa ação devem ser citados todos quantos, por qualquer forma, participaram do ato jurídico, sob pena de anulaçãodo feito. Entretanto, a simulação pode ser alegada não só emação especial, mas também como matéria de defesa, inclusive emembargos à execução.

Modalidades particulares: - Cumpre não confundir simulação com dissimulação. Distinguiu-as FERRARA, nos seguintes têrmos: na simulação, faz-se aparecer o que não existe, nadissimulação oculta-se o que é; a simulação provoca uma crençafalsa num estado não real, a dissimulação oculta ao conhecimentodos outros uma situação existente; aquela procura uma ilusãoexterna, busca esta uma ocultação interna (dissimula-se o ódio,o rancor). Mas, em ambas, o agente quer o engano; na simulação, quer enganar sôbre a existência de situação não verdadeira, na dissimulação, sôbre a inexistência de situação real.Se a simulação é um fantasma, a dissimulação uma máscara.Também com a reserva mental, de que não cogitou nossoCódigo, tem a simulação ponto comum, pois em ambas se declaracoisa que não se pretende, com o intuito exclusivo de enganar.Mas a diferença entre elas está em que, na reserva, a simulação éunilateral, o enganado é o outro contratante, ao passo que na simulação a impostura é bilateral, urdida por ambos os contratantes. Embora a pessoa que emita a declaração guarde emmente o secreto propósito de não cumprir o prometido, não pode

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subtrair-se ao declarado, a menos que a outra parte tenha conhecimento da reserva mental. Se esta não é conhecida, o ato subsiste; se conhecia, haverá simulação e o ato é ineficaz, nos têrmosdo art. 102, n.o II.A simulação não se confunde, por igual, com o negócio fiduciário. Negócio fiduciário é aquêle em que uma pessoa transmitea outra a propriedade ou titularidade de um bem ou direito, paradeterminado fim, obrigando-se a segunda a restitui-la, ou a transferi-la a terceiro, uma vez alcançado o objetivo, em conformidadecom o pactuado em ressalva.A diferença entre êle e a simulação reside na circunstânciade que o primeiro é negócio realmente sério, realmente efetuadopelas partes, tendo em mira a concretização de determinado efeitoprático. A atuação delas é balizada pela fidúcia, dado o fim aalcançar. O fiduciário não pode trair a confiança nêle depositada.Na simulação, ao contrário, a declaração de vontade peca pelasua dobrez, aninhando-se nela pensamento muito diverso daqueleque de fato animava os contratantes.Cumpre outrossim, não confundir a simulação com a falsidade (aliud est falsum, aliud simulatum). A falsidade consiste na adulteração da materialidade do instrumento ou documento. A simulação diz respeito ao elemento subjetivo, ao momentoespiritual do ato. Enquanto o falsário altera o documento, oua realidade dos fatos, os simuladores fingem o acôrdo de vontades que no documento é atestado. O primeiro constitui contrafação física, a segunda é de natureza intelectual.

Outras disposições: - Vimos que a simulação se prova porindícios e circunstâncias (Cód. Proc. Civil, art. 252). Podeela ainda ser discutida em concurso de credores (Cód. Civil, art.1.555, combinado com o art. 1.024 do Cód. Proc. Civil), assimcomo na verificação de créditos em falência (Dec.-lei n.o 7.661,

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de 21-6-1945, art. 99). É inoponível ao cessionário de boa-fé(Cód. Civil, art. 1.072) e o seu prazo prescritivo vem a ser o doart. 178, § 9.o, n.o V, letra b, do mesmo Código (quatro anos).

DA FRAUDE CONTRA CREDORES. GENERALIDADES. DEFINIÇÃO E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS.ATOS SUSCETÍvEIS DE FRAUDE. AÇÃO REVOCATÓRIA. DISPOSIÇõES ESPECIAIS.

Generalidades: - Primitivamente, o devedor respondia como próprio corpo pelas obrigações assumidas. Estava êle então sujeito a duríssima execução corporal, por intermédio da manusinjectio. A situação do devedor impontual era análoga à do escravo, exposto à vingança do credor sobre a própria pessoa, em detrimento da sua liberdade e até mesmo da vida. Com o advento dafamosa Lei Poetelia Papiria, inspirada em altos sentimentos humanitários, a execução transferiu-se do corpo do devedor para oseu patrimônio, evolução que levou TITO Livio a dizer dela ser "aaurora de uma nova liberdade".Desde então, pelos débitos que contraísse responderia o devedor com os seus bens. É o princípio que ora anima o direitouniversal. Entre nós, só em casos excepcionais e restritos, indicados no art. 141, § 32, da Constituição Federal, se permite aprisão civil por dívida.Algumas vêzes, o devedor oferece ao credor uma garantia específica, que recai sôbre determinado bem, móvel ou imóvel, comoacontece no penhor e na hipoteca. Nesses casos, a coisa dada emgarantia fica sujeita por vínculo real, ao cumprimento da obrigação (Cód. Civil, art. 755).Comumente, porém, não há essa reserva ou separação debens, para constituição de garantia real. Conta então o credor,exclusivamente, com a garantia genérica, proporcionada pelosbens do devedor. Em tal hipótese, êsse credor, que se chama quirografário (do grego chirografo - escrito a mão), nãodispõe de garantia específica, êle conta apenas com a

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garantiacomum a todos os credores, o patrimônio do devedor.Pode êste, todavia, por diversos meios, tais como alienaçãode bens, remissão de dívidas, renúncia de herança, outorga de direitos preferenciais e outros recursos, desfalcar ou comprometeressa garantia, em detrimento dos credores. Mas, não se achamêstes desamparados. Arma-os a lei de meios apropriados, idôneose enérgicos, para invalidarem os atos fraudatórios e assim recomporem o desfalcado patrimônio do devedor. Aí está esboçada amatéria que o Código Civil disciplina principalmente nos arts.106 a 113, sob a rubrica de fraude contra credores.

Definição e elementos constitwtivos: - Não tenhamos a pretensão de definir a prior, dizia LAURENT, os caracteres da fraude, que o juiz, com um pouco de bom-senso, discutirá melhor queo mais sutil jurisconsulto. Num sentido amplo, porém, ela podeser conceituada como o artifício malicioso empregado para prejudicar a terceiros.Compõe-se de dois elementos, um objetivo e outro subjetivo.O elemento objetivo (eventus damni) é todo ato prejudicial aocredor, por tornar o devedor insolvente, ou por ter sido praticadoem estado de insolvência. No primeiro caso, entre o ato do devedor e a insolvência dêste deve estar entremeado, evidente, onexo causal, a relação de causa a efeito.O elemento subjetivo (consilium fraudis) é a má-fé, o intuitomalicioso de prejudicar. Pode advir do devedor, isoladamente,como na renúncia de herança, ou do devedor aliado a terceiro,como na venda fraudulenta.Na conceituação de consilium fraudis não tem relevânciao animus nocendi, o propósito deliberado de prejudicar credores.Basta que o devedor tenha consciência de que de seu ato advirãoprejuízos. A fraude pode, pois, existir sem ser premeditada(fraus non in consilio, sed in eventu).

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Igualmente, com relação ao cúmplice do fraudador (particepsfraudis) não se cuida da intenção de prejudicar, bastando o conhecimento que êle tenha, ou deva ter, do estado de insolvênciado devedor e das conseqüências que, do ato lesivo, resultarão paraos credores.Houve, portanto, apreciável simplificação na teoria da fraude contra credores. O direito romano só concedia ação revocatória (ou pauliana), quando se comprovasse concorrentemente ointento de prejudicar. O direito pátrio contenta-se com o eventusdamni; não exige que o ato seja intrinsecamente fraudulento; oumelhor, presume a fraude, uma vez demonstrados os pressupostosreferidos.Entende por isso o Prof. JosÉ AUGUSTO CÉsAR que é errôneoo título - fraude contra credores -, porque, em verdade, nãocorresponde à instituição.

Atos suscetíveis de fraude: - Na Seção V, procura o Códigoreprimir a fraude verificada em cinco tipos de negócios jurídicos:a) - em atos de transmissão gratuita de bens; b) - em atos deremissão de dívida; c) - em contratos onerosos; d) - em pagamento antecipado de dívidas; e) - em outorga de direitospreferenciais. Verificaremos ainda que a fraude pode contaminaroutros atos jurídicos.Principiemos pela fraude em atos de transmissão gratuitade bens e de remissão de dívida. É ela disciplinada pelo art. 106,nos seguintes têrmos: "os atos de transmissão gratuita de bens,ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por êles reduzido à insolvência, poderão ser anulados peloscredores quirografários como lesivos dos seus direitos".Prevê o Código, portanto, duas categorias de atos, os detransmissão gratuita de bens e os de remissão de dívida. Entreos primeiros estão a doação e o dote. Os segundos constituemperdão da dívida (art. 1.053).Basta que o devedor pratique qualquer dêsses atos em estado

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de insolvência, ou que êstes o reduzam a tal estado, para quepossam ser invalidados como lesivos aos direitos dos credores.Não se requer prova de qualquer outro requisito. Não seexige assim que o devedor tenha tido intenção de prejudicar credores, nem que os beneficiários estejam inteirados da insolvência. Contenta-se a lei tão-sômente, insista-se, com a prática doato em estado de insolvência; ou então, que o ato haja reduzido odevedor a êsse Estado, o qual se caracteriza quando a soma doativo do devedor é inferior à do passivo.Mas a prova da insolvência é indispensável. Sem ela nãose configura o interesse econômico do autor em mover a açãorevocatória.Só os credores quirografários podem reclamar-lhe a anulação. Não têm êsse direito os credores com garantia real, porqueencontrarão êles, no penhor e na hipoteca, completa segurançade que serão oportuna e devidamente reembolsados.Adverte, porém, o § único do art. 106: "só os credores, quejá o eram ao tempo dêsses atos, podem pleitear-lhes a anulação".Se os créditos são posteriores, falece aos respectivos titulareslegítimo interêsse em propor a ação revocatória, porquanto, aose tornarem credores, já encontraram caracterizado o estado deinsolvência e contra êste nada poderão reclamar.Examinemos agora a fraude verificada em contratos onerosos.Rege o assunto o art. 107 do Código Civil, nos seguintes têrmos:- "serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedorinsolvente, quando a insolvência fôr notória ou houver motivopara ser conhecida do outro contraente".Justifica-se, sem dúvida, essa diversidade de tratamento. Arazão da maior severidade quanto aos atos onerosos é que nestes,quando o adquirente contesta a ação revocatória, procura subtrair-se a um dano (certat de damno vitando), enquanto o adquirente a título gratuito procura apenas assegurar um

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ganho(certat de lucro captando).Por outras palavras, se o ato é oneroso, sai um valor do patrimônio do devedor, mas em seu lugar entra outro; se o ato égratuito, não existe contraprestação, devendo o outro contraenterestituir aos credores o lucro obtido com a fraude do devedor,embora dela não haja participado.Os contratos onerosos são, pois, anuláveis desde que notóriaa contemporânea insolvência do devedor, ou desde que haja motivo para ser conhecida da outra parte. A insolvência pode ser,portanto, notória ou presumida.É notória, quando sabida de todos, pública, manifesta, doconhecimento geral, mercê de protestos, publicações pela imprensa ou cobranças contra o devedor. Presumida, quando o adquirente tinha motivos para saber do precário estado financeiro doalienante.A respeito dêsse conhecimento presumido, assentou a jurisprudência a seguinte orientação: a) - o parentesco próximo, ouafinidade próxima, entre os contratantes é indício de fraude (frausinter parentes facile praesumitur). Assim, pai que contratacom filho insolvente dificilmente poderá argüir sua ignorânciasôbre a má situação econômica dêste, a scientia se presume nessee noutros casos análogos; b) - também não pode alegar ignorância dêsse estado quem, anteriormente, havia feito protestartítulos de responsabilidade do devedor; c) - relações íntimasde amizade, convivência freqüente, negócios mútuos ou comuns,levam a presumir ciência do adquirente quanto à má situação patrimonial do devedor e a impossibilidade de solver suas obrigações;d) - o emprêgo de cautelas excessivas é também, quase sempre,indicativa de fraude.Quem contrata com devedor insolvente evidencia intuito malicioso, pois um contratante de boa-fé instintivamente se retrai,

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quando depara tal estado econômico. Caracteriza-se assim a participatio fraudis.A propósito do mesmo assunto dispõe o art. 108: "se oadquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pagoo preço e êste fôr, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-ádepositando-o em juízo, com citação edital de todos os interessados".O adquirente só pode valer-se dêsse meio liberatório se justoo preço contratado; nesse caso, pode êle ser excluído da açãorevocatória, mediante consignação judicial da quantia devida.Entretanto, se o preço não foi justo, há indício de má-fé e o feitodeve prosseguir.Examinemos agora a fraude consistente em antecipação depagamentos. Dispõe a respeito o art. 110: "o credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívidaainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervosôbre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo querecebeu".De acôrdo com êsse dispositivo legal, só se anula por fraudepagamento de dívida ainda não vencida. Se a obrigação já sevencera, o pagamento respectivo constitui ato normal e lícito dodevedor, o qual, embora insolvente, não fêz mais que o seu dever,enquanto o credor embolsa apenas aquilo que de direito lhe cabia.Todos os credores quirografários devem permanecer no mesmo pé de igualdade; se um dêles é pago antecipadamente, vem aser beneficiado, em detrimento dos demais. Restabelece-se o justoequilíbrio, obrigando-se o favorecido a restituir ao acervo o queextemporâneamente embolsou, a fim de que, em concurso creditório, receba o que fôr de direito.Igualmente constitui fraude a outorga de direitos preferenciais a um dos credores. Prescreve realmente o art. 111: "presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias

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de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor".As garantias, a que se refere o texto, são as reais (art. 755).A paridade que deve reinar entre os credores ficará irremediavelmente comprometida se houver outorga a um dêles de penhor,anticrese ou hipoteca. A constituição da garantia vem situar ocredor favorecido numa posição privilegiada, ao mesmo tempo queagrava a dos demais, tornando problemática a solução do passivopelo devedor. Ensina CARVALHO SANTOS que a presunção doart. 111 é juris et de jure, não vencível por prova contrária. Afraude resulta do próprio ato, uma vez demonstrada a insolvênciado devedor.Aí estão os atos fraudulentos contemplados na Seção V e passíveis de revogação. Mas, outras providências são ainda tomadas pelo Código, no sentido de combater a fraude: a) - de conformidade com o art. 162, podem os credores alegar a prescrição,quando não o faça o próprio devedor, bem assim interrompê-la,nos mesmos casos (art. 174, n.o III); b) - com autorização dojuiz, podem aceitar herança recusada pelo devedor (art. 1.586).Esclareça-se, todavia, desde logo, que nessa faculdade não se compreende a de aceitar doação ou legado, recusados pelo devedor,porque essa recusa pode ter sido ditada ou inspirada em motivos ponderosos de ordem moral e também porque, contra a vontade, não se faz benefício (invito beneficium non datur) ; c) podem opor-se à separação do dote, quando fraudulenta, nos têrmos do art. 308; d) - podem ainda impugnar o abandono gratuito do prédio aforado pelo enfiteuta (art. 691); e) - não valedesistência de ação pelo devedor se a ela se opõe credor com penhora nos direitos do autor. Como disse IVAIR NOGUEIRA ITAGIRA, o direito não tolera a fraude, nem jamais teve indulgênciapara com a má-fé. Os ditames éticos procuram expulsá-las detodos os departamentos do direito.Observe-se, no entanto, que pelo art. 112, "presumem-se de

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boa-fé e valem, os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, agrícola, ou industrial do devedor". A presunção é juris tantum e pode ser destruída porprova contrária. Como esclarece João Luís ALVES, o ato seráapreciado conforme as circunstâncias e o juiz o anulará, ou não,segundo intervenha ou não o elemento da fraude. Acrescente-seque a enumeração é simplesmente enunciativa, ficando a critériodo magistrado a apreciação do que seja negócio indispensável àmanutenção da atividade do devedor.

Áção revocatória: - Os atos eivados de fraude são anuláveisde acôrdo com o art. 147, n.o II, do Código Civil. A anulação édemandada pela ação revocatória ou pauliana, de origem romana,e assim chamada por cusa do pretor PAULO, seu introdutor noseditos.Não obstante, afirma COLLINET: a) - o nome pau Pana nãoé antigo; b) - não pertence ao textooficial do Digesto; c) - foi criado por um glosador posterior ao Digesto, segundoo nome do jurisconsulto Paulo.Como adverte LOMÔNACO ela surgiu em homenagem àqueleprincípio de eqüidade natural, a que tão freqüentemente faziaapêlo o direito pretoriano. Trata-se, realmente, na frase de GrouBER, citado por JAIME LEONEL, de ação essencialmente eqüitativa, socialmente útil, eminentemente moralizadora.Só pode ser proposta por credor, que já o fôsse quando sepraticou o ato - acoimado de fraudulento. O credor posteriorencontra comprometido o patrimônio do devedor, não tendo, pois,direito de reclamar contra a suposta fraude. Mas, só o quirografário pode intentá-la. Ao credor com garantia real não assisteêsse direito, por falta de interêsse econômico ou moral. Os bensque acompanham os créditos os seguem por tôda a parte, mesmono caso de venda. Enquanto existirem tais bens os créditos estãogarantidos e o pagamento assegurado.Como se trata de ação de natureza pessoal, independe de

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outorga uxória.A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentadacontra o devedor insolvente, a pessoa que com êle celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes quehajam procedido de má-fé (art. 109).A ação não pode destarte ser ajuizada exclusivamente contrao devedor insolvente, mesmo porque a eventual execução de sentença terá de ser dirigida contra o adquirente, detentor da coisa.Assim, sob pena de nulidade ab initio, deve ela ser promovidanão só contra o devedor, como também contra a pessoa que comêle celebrou a estipulação considerada fraudulenta.Se o objeto alienado pelo devedor já foi transmitido a umsubadquirente, deverá ser êste igualmente citado; nesse caso, porém, para que vingue a ação contra o último, preciso será que seprove sua má-fé.Anulados os atos fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sôbre que se tenha de efetuar o concurso de credores (art. 113). Se os atos revogados tinham porúnico objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca,anticrese, ou penhor, sua nulidade importará sômente na anulaçãoda preferência ajustada (§ único).

Disposições especiais: - A revogação de atos fraudulentosencontra importante aplicação em matéria falimentar. O Decreto-lei n.o 7.661, de 21-6-1945, Título II, Seção V, arts. 52 a 58,encerra várias disposições sôbre o assunto, às quais neste ensejonos reportamos.Na legislação processual deparam-se igualmente diversos preceitos legais conexos, todos da maior relevância, a começar peloart. 252. Efetivamente, processando-se às ocultas, sempre comhabilidosa premeditação, pode a fraude ser provada por indíciose presunções.Dispõe mais a lei adjetiva (art. 888, n.o V) que ficarãosujeitos à execução bens alienados ou hipotecados em fraude de

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execução. Cumpre evitar qualquer confusão entre os dois conceitos: fraude de execução não se confunde com fraude contracredores.De fato, a fraude de execução é incidente do processo, regulado pelo direito público; a fraude contra credores é defeito dosatos jurídicos, disciplinado pelo direito privado.A primeira pressupõe demanda em andamento, sendo levadaa efeito pelo devedor para frustrar-lhe a execução; o reconhecimento da segunda não está subordinado à preexistência de demanda em relação ao ato considerado fraudulento.Aquela torna nulo o ato, ao passo que esta, apenas anulável.A decretação da fraude de execução independe de revocatória,enquanto a fraude contra credores só pode ser pronunciada emvirtude dessa ação.A fraude contra credores, uma vez reconhecida, aproveita atodos os credores; a fraude de execução aproveita apenas ao exequente. Nesta, o vício é mais patente, mais manifesto, havendoaté quem afirme se tratar de presunção juris et de jwre a verificação de qualquer dos fatos apontados pela lei como caracterizadores dela.Dissemos que o reconhecimento da fraude contra credoresdepende de ação revocatória; assim é realmente na generalidadedos casos, mas ela pode ser também proclamada em concurso decredores (Cód. Proc. Civil, art. 1.024), assim como nos processosindicados no art. 231 (Dec. n.o 4.857, de 9-11-1939).

DAS MODALIDADES DOS ATOS JURÍDICOS. GENERALIDADES. DEFINIÇÃO E ELEMENTOS CONCEITUAIS DA CONDIÇÃO. SUA CLASSIFICAÇÃO.TÊRMO. MODO OU ENCARGO.

GeneralidadeS: - Salientou-se, no estudo dos atos jurídicos,que êles se decompõem em vários elementos: I) - essentialia negotii; II) - naturalia negotii; III) - accidentalia negotii.Os primeiros são os elementos essenciais, a estrutura do ato, quelhe formam a substância e sem os quais o ato não existe. Os segundos são as conseqüências que decorrem do ato, independentemente de expressa menção. Os terceiros, finalmente, são cláusulas que se adicionam ao ato para o

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fim de modificar uma oualgumas de suas conseqüências naturais.Se volvermos ao exemplo da compra e venda recordar-nos-emos de que seus elementos essenciais, sem os quais não pode existir o ato, são a coisa, o preço e o consentimento. Do mesmo contrato decorrem os elementos naturais, que não precisam serexpressos, porque resultam de sua própria natureza, como a obrigação do vendedor de entregar a coisa vendida e a do comprador,de pagar o preço convencionado. Êsses elementos naturais podem ser alterados por elementos acidentais, como, por exemplo,quando as partes protelam a entrega da coisa, ou o pagamentodo preço, adiando-os para data futura, subordinando-os a acontecimentos eventuais e incertos, subjeitando-Os a encargos ouobrigações.Êsses elementos acidentais, modificadores dos elementos naturais, são de uma variedade infinita, mas, comumente, desde odireito romano, sem excluir outras modificações derivadas decláusulas e de pactos, se reduzem a três, que, pelos seus efeitos epelo seu cunho de generalidade, assumem capital importância nateoria dos atos jurídicos: a condição, o têrmo e o modo ou encargo.Trata-se, inquestionavelmente, de elementos acidentais, porqueaos atos jurídicos é dado subsistir sem a respectiva inserção ouestipulação.O estudo dessas modificações, reunidas pelo legislador sob arubrica - das modalidades dos atos jurídicos -, constitui assuntodelicado, a ser escandido com particular discernimento, tratando-se, como realmente se trata, de tema em que os juristas romanosfizeram resplandecer com mais brilho sua sagacidade, seu tato esutil penetração.

Definição e elementos conceituais da condição: - Considera-secondição, reza o art. 114 do Código Civil, a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e

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incerto. Nessadefinição aparecem claramente os dois elementos conceituais dacondição, a futuridade e a incerteza do evento.Em primeiro lugar, a condição diz respeito a um eventofuturo. Fato passado, ou mesmo presente, ainda que desconhecidoou ignorado, não é condição. Realmente, se esta se reporta a umfato passado, ou presente, uma de duas terá ocorrido: ou o fatose verificou ou não se verificou. No primeiro caso, a estipulaçãodeixou de ser condicional, convertendo-se em pura e simples,sem afetar a disposição. No segundo, a estipulação tornou-seineficaz por ter falhado o implemento da condição.Veja-se o exemplo ministrado por SPENCER VAMPRÉ: prometo certa quantia se premiado meu bilhete de loteria que ontemcorreu. Nesse caso, ou o bilhete está premiado e a obrigaçãoconstante de minha promessa é pura e simples (e não condicional), ou o bilhete está branco e, em tal hipótese, a promessase anulou, tornando-se ineficaz a declaração da vontade.O direito pátrio, nessa matéria, como as demais legislações,em geral, conformou-se ao sistema romano, que não admitia comoverdadeiras condições aquelas quae ad praeteritum vel praesenstempus referuntur, as quais, a rigor, nada deixam em suspenso.São por isso denominadas condições impróprias.Mas a condição, além de referir-se a fato futuro, precisarelacionar-se ainda a um acontecimento incerto, que pode se verificar, ou não. Se o fato futuro fôr certo, como a morte, porexemplo, não será mais condição e sim têrmo.Antes de realizada a condição, o ato é ineficaz e nenhumefeito produz. Assim, se eu digo: dar-te-ei um dote, quando tecasares; enquanto não realizada a condição prevista na estipulação, não posso ser constrangido a cumprir a promessa, nãotendo igualmente a pessoa a quem ela é feita o direito de exigir-lhe a efetivação.Discutem os autores acêrca da natureza das condições, afirmando uns que se trata de autolimitações da vontade, enquanto

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asseveram outros tratar-se de determinações acessórias. Como,porém, observa Clóvis, essa controvérsia constitui verdadeirasutileza doutrinária, sem nenhum alcance prático.Podem as condições adaptar-se à generalidade dos negóciosjurídicos, gratuitos ou onerosos, unilaterais ou bilaterais, intervivos e mortis causa. A alguns, entretanto, sobretudo aos direitos de família, repugna essa modificação. Assim, não se podesubmeter a condição ato como o matrimônio. Da mesma forma,não se sujeitam a condições a adoção (art. 375), o reconhecimento de filho (art. 361), a emancipação e o regime de bens nocasamento. Mesmo quanto aos direitos patrimoniais, muito existem que não comportam inserção de condições, como a adição ouaceitação de herança (art. 1.583), seu repúdio, a aceitação datestamentaria. Alguns atos, por natureza, são eminentemente condicionais, como o pacto antenupcial, que se reputa celebrado sobcondição suspensiva: se o casamento se realizar.

Classificação das condições: - As condições apresentam-sesob várias formas e figuras. É imprescindível conhecer-lhes rigorosamente a terminologia, devido à multiplicidade de suas conseqüências práticas. Em primeiro lugar, elas podem ser possíveise impossíveis.São possíveis as realizáveis, ou que podem acontecer, segundo as leis da natureza, ou de acôrdo com as disposições legais.Subdividem-se assim em fisicamente possíveis e juridicamentepossíveis.Condições impossíveis, ao inverso, são as que não têm possibilidade de se concretizar, seja por empecilho da natureza, sejapor obstáculo de ordem legal. Como as possíveis, subdividem-seem condições fisicamente impossíveis e condições juridicamenteimpossíveis.As primeiras são aquelas quae natura impleri nou possunt,ou, em vernáculo, aquelas cujo implemento é tolhido pela natureza. Por exemplo: dar-te-ei tal objeto, se tocares o

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céu com odedo, ou se me obtiveres um centauro para a minha coleção dehistória natural.

As segundas são aquelas quae jure impleri non possunt, istoé, aquelas que contrariam as leis, ou os bons costumes. Porexemplo: dar-te-ei tal quantia se emancipares teu filho antes dos18 anos de idade, ou se renunciares ao trabalho.Desenvolvendo o estudo das condições impossíveis, costumamos autores distinguir três espécies de impossibilidade: por obstáculo da natureza, por obstáculo da lei e por obstáculo de fato.A última há de ser absoluta, quer dizer, a impossibilidade deverá existir para todos os indivíduos em geral, homem algumterá o poder de realizá-la. Bastará que sua realização seja possível para uma só pessoa e não se configurará a acenada impossibilidade.Dispõe o Código Civil, no art. 116, que as condições fisicamente impossíveis, bem como as de não fazer coisa impossíveltêm-se por inexistentes. As juridicamente impossíveis invalidamos atos a elas subordinados.As condições fisicamente impossíveis têm-se, pois, por inexistentes, vale dizer, não escritas. O direito anterior, talvez influenciado pela divergência que separou sabinianos e proculeanos,distinguia segundo o ato inter vivos ou mortis causa. Nesteúltimo, a condição fisicamente impossível reputava-se não escrita, enquanto naquele, inutilizava o ato. O Código Civil, entretanto, submeteu-os ao mesmo tratamento jurídico; quer setrate de ato inter vivos ou mortis causa, têm-se por inexistentes,isto é, não escritas, as condições fisicamente impossíveis, Omesmo acontece com a condição de não fazer coisa impossível(por exemplo, se Tício não falecer, ou se não chover mais).Referentemente às condições juridicamente impossíveis, invalidam os atos a elas subordinados. Atente-se, pois, para a diversidade de tratamento: as fisicamente impossíveis têm-se por inexistentes, as juridicamente impossíveis invalidam o ato.O Código tem sido alvo de censuras por haver adotado soluções diversas para os dois casos. Mas, como esclarece

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CLÓvIS,não houve desacêrto do legislador, que se limitou a prescreverregras diversas para hipóteses diferentes. As condições fisicamente impossíveis não existem, tal a sua absurdez. Nenhumacontaminação de imoralidade delas resulta, nenhuma contradiçãono querer. Encara-as o Código como ociosas, frívolas, extravagantes ou ineptas, deixando subsistir o ato, a que aderem. Comrelação às condições juridicamente impossíveis, porém, reconheceo direito a presença de uma vontade perversa, que tenta solapar-lheas bases jurídicas. Não pode o mesmo, por isso, transigir como que o contraria, o hostiliza. Eis a razão por que, sàbiamente,o legislador condena ato em que se incere condição juridicamenteimpossível (vitiantur et vitiant) e deixa subsistir o sujeito acondição fisicamente impossível (vitiantur sed non vitiant).As condições classificam-se ainda em casuais, potestativas emistas, segundo dependam de um evento fortuito, da vontade deum dos contraentes, ou, ao mesmo tempo, da vontade de um doscontraentes e de outro fator, como a vontade de terceiro.Condição casual é, pois, a que depende de um acontecimentofortuito, desvinculado da vontade das partes. Por exemplo: dar-te-ei Cr$ 10.000 se chover amanhã.Condição potestativa é a subordinada à vontade de um doscontraentes. Diz o Código, no art. 115, in fine, que entre as condições defesas se incluem as que sujeitarem o ato ao arbítrio deuma das partes.Em princípio, portanto, ante a literalidade da lei, condenadas estariam tôdas as condições potestativas. A questão não seresolve, entretanto, com essa aparente mas radical simplicidade.De feito, é mister distinguir as condições puramente potestativas das meramente ou simplesmente potes tativas. As primeiras são as de mero capricho: se eu levantar o braço, se fôrà cidade, se vestir tal roupa. As segundas dependem da

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práticade algum ato por parte do contraente, na dependência, porém,do exame de circunstâncias que escapam ao contrôle dêle.Só as primeiras são defesas; as segundas escapam à proibição legal. Coerente com êsse ponto de vista, abeberada na melhor doutrina, vem a jurisprudência admitindo a validade dasseguintes estipulações: a) - pagarei a coisa adquirida quandoa revender; b) - da cláusula que subordina à conveniênciado locatário prorrogação do contrato de locação, ao seu término,pelo mesmo prazo e aluguel; c) - não, se pode considerarcomo potestativa cláusula que, em compromisso de compra evenda, estabelece direito de arrependimento e sujeita o promitente-vendedor à devolução em dôbro do preço recebido; d)- a cláusula "pagarei quando estiver ao meu alcance ou quandovender meu estabelecimento" equipara-se a têrmo incerto e nãoa condição potestativa"; e) - não é potestativa a cláusula"quando puder" ou "quando possível"; não se vislumbra aí omerum arbitrium, mas o aírbitrium boni viri.A condição potestativa pode perder êsse caráter por dificuldades de tôda sorte, que venham a agravar a debilidade humana.Por exemplo: dar-te-ei tal soma se subires ao Jaraguá. Aí estáuma condição puramente potestativa. Mas, se essa escalada étolhida pela paralisia, perde a condição seu cunho potestativo.Era essa a razão por que à condição potestativa chamavam osromanos de "condição promíscua; de um instante para o outro,ela pode deixar de sê-lo, passando a reger-se pelo acaso.Conquanto a condição promíscua seja resultante da combinação entre a vontade e o acaso, não se deve confundi-la com amista, que é também produto da fusão dêsses mesmos elementos,mas da fusão deliberada, consciente, proposital.Eis aí, portanto, a característica fundamental da condiçãomista; ela é o produto refletido da vontade humana combinadaa um fato casual, que pode ser, exemplificativamente, a vontadede terceira pessoa: dar-te-ei esta casa se casares com tal pessoa.

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Dividem-se ainda as condições em lícitas e ilícitas, segundosejam permitidas ou condenadas pelo direito. São lícitas, emgeral, diz o art. 115 do Código Civil, tôdas as condições que alei não vedar expressamente. Se existe proibição legal, a condição é ilícita, acrescentando o mesmo dispositivo que "entre ascondições defesas se incluem as que privarem de todo efeito oato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes".Alguns tipos merecem exame mais acurado. Quanto a algumas delas, não há controvérsias. Por exemplo, a de não casar(si non nupserit). Não vale tal estipulação, que tende a suprimir a liberdade individual, sendo ainda prejudicial ao Estado,visto favorecer a implantação do concubinato. Condenou-a TEIXEIRA DE FREITAS, no Esboço, art. 633, n.o 4.Mas essa cláusula oferece outros aspectos. Só quando absoluta é ela ilícita; se relativa, cumpre admitir-lhe a licitude. Porexemplo, instituo Maria por herdeira, se ela não se casar comPedro, meu inimigo, ou com Paulo, de condição social inferior.Em ambos os casos, a liberdade não é afetada, porque à pessoaa quem se dirige a estipulação resta ainda vasto campo de ação.Por outro lado, legítima será a condição de casar-se, porque estimula o matrimônio, em cujo favorecimento existe grandeinterêsse social. De modo idêntico, valerá a cláusula de não viverem concubinato, porque procura eliminar situação anormal, profligada pela moral cristã.Relativamente à cláusula que subordine casamento à anuência de terceiro, existe dissenção entre os autores. TEIXEIRA DEFREITAS também a coloca no Index, o mesmo sucedendo com ade casar com determinada pessoa, a de casar em certo tempo, ouem certo lugar, a de celibato perpétuo, ou temporário, e a denão casar com pessoa determinada.Quanto à de casar com determinada pessoa, porém, é válidaa condição, embora corresponda à de não se consorciar a outrapessoa. O disponente pode estar animado dos melhores

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propósitos, como o de estimular a realização de certo matrimônio, querepute vantajoso ou conveniente. Mas, diversa será a solução seindigna a pessoa indicada pelo estipulante.A cláusula de conservar-se em estado de viuvez pode ser imposta por terceiro, ou mesmo por um dos cônjuges em relaçãoao outro. Não incide em proibição legal.No tocante à condição de abraçar certo estado, como o sacerdócio, trata-se igualmente de disposição lícita e que deve serexecutada, o mesmo acontecendo com a cláusula de não ingressarnesse estado. Mas é condenada a condição de mudar, ou nãomudar de religião, porque atenta contra a liberdade de consciência, assegurada pelo art. 141, § 7.o, da Constituição Federal.Referentemente à cláusula de morar num determinado lugar,ou em companhia de certa pessoa, trata-se de estipulação permitida, a menos que se converta em exílio ou morada perpétuano lugar indicado.Acêrca da condição de não atacar ato nulo, cumpre distinguir: se a nulidade fôr absoluta (Cód. Civil, art. 145), lícitanão será a cláusula que procure resguardar o ato; se relativa(art. 147), deve ser respeitada a vontade do estipulante.Nos têrmos do art. 115, são igualmente ilícitas as condiçõesimorais ou contrárias aos bons costumes. Assim, defesa é a cláusula que dispense os cônjuges dos deveres de coabitação e fidelidade mútua, ou que imponha obrigação de viver na ociosidade. A obrigação de não mais comerciar, sem tempo determinado, ou de não mais exercer sua profissão, não pode subsistir.Mas, são lícitas cláusulas que, na compra e venda, limitemo uso ou a utilização da coisa adquirida, restrinjam o númerode construções no imóvel comprado, ou exijam certo recuo eaprovação da planta pelo vendedor.Outra classificação das condições: necessárias e voluntárias.Necessárias são as inerentes à natureza do ato (qui extrinsecusveniunt); voluntárias, as que constituem acréscimos apostos aos

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atos pela vontade das partes. Só as últimas correspondem averdadeiras condições, tanto que o art. 117 dispõe: "não se considera condição a cláusula, que não derive exclusivamente da vontade das partes, mas decorra necessàriamente da natureza dodireito, a que acede". De acôrdo com êsse dispositivo, não constitui condição, no sentido técnico, cláusula exarada nos seguintes têrmos: Tício será herdeiro meu, se me sobreviver, ou seaceitar a herança.As condições podem ser ainda positivas e negativas; nasprimeiras o evento futuro e incerto consiste num fato afirmativo(se eu me casar); nas segundas, aquêle evento importa numaabstenção (se não me casar).Por fim, as condições podem ser ainda suspensivas e resolutivas. São suspensivas, quando as partes protelam temporàriamente a eficácia do ato até a realização do acontecimento futuro e incerto. Por exemplo: dar-te-ei meu apartamento se tecasares. São resolutivas as condições que tenham por fim extinguir, depois do acontecimento futuro e incerto, o direito criadopelo ato. Por exemplo: constituo uma renda em teu favor, enquanto estudares.Por outras palavras, como se expressa POLACCO, das primeiras depende que o negócio jurídico tenha vida, das segundas,que cesse de tê-la.No direito romano clássico só existia o primeiro tipo; o segundo é criação dos intérpretes. Alguns autores negam-se também a admitir tal distinção. Assim, sustenta MAYNZ que tôdacondição é suspensiva, porque é da sua essência submeter a eficácia do ato a evento futuro e incerto. A suspensiva deixa emsuspenso a existência do direito criado pelo ato; a resolutiva, porsua vez, suspende também a extinção do direito. Num caso enoutro, portanto, é da essência da cláusula sustar, suspender, protrair a existência, ou a cessação, do direito. O nosso Código,entretanto, acolheu essa classificação.De conformidade com a tradição escolástica, a condição suspensiva pode ser considerada sob três estados diferentes: o estadode pendência, que perdura enquanto não se verifica o evento

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futuro e incerto (oonditio pendet), o de implemento da condição(conditio e ixistit) e o de sua frustração (conditio deficit).No primeiro estado, pendente conditione, fica em suspensoa eficácia do ato. É o que dispõe o art. 118: "subordinando-sea eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta se nãoverificar, não se terá adquirido o direito, a que êle visa".Se se tratar, por exemplo, de crédito submetido a tal condição, enquanto esta não se verificar, o devedor não pode serdemandado, contra êle não corre a prescrição e, se pagar porêrro, terá direito a repetição.Entretanto, ao titular do direito eventual, no caso de condição suspensiva, é permitido exercer os atos destinados a conservá-lo (art. 121). Embora não tenha adquirido o direito, podeo titular da relação condicional praticar atos de natureza conservatória, a bem de seus interêsses, como pedir inventário ecaução, no caso de fideicomisso (art. 1.734, § único), além deoutras providências acautelatórias da spes debitum iri.No segundo estado (conditio existit), verificada a condição,o direito passa de eventual a adquirido e o ato adquire eficácia,como se desde o início fôra puro e simples, não condicional. Éo que se denomina de efeito retroativo das condições, o qual, todavia, como óbvio, não afeta direitos de terceiros, nem modifica a percepção dos frutos.Se, todavia, se frustra a condição (conditio deficit), estima-se como nunca tendo existido a estipulação. Entretanto, comoadverte o art. 120, "reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo implemento fôr maliciosamente obstadopela parte, a quem desfavorecer. Considera-se, ao contrário, nãoverificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquêle,a quem aproveita o seu implemento".Se fôr resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar,vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momentodêste o direito por êle estabelecido; mas, verificada a

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condição,para todos os efeitos, se extingue o direito a que ela se opõe(art. 119).Como a suspensiva, a resolutiva pode ser igualmente considerada sob três estados: pendente a condição, verificada esta, oucomprovado o seu malôgro. No primeiro, é como se o ato fôrapuro e simples; verificada, porém, a condição, o ato se desfaz,como se nunca tivesse existido; malograda, o ato é também considerado como puro e simples, desde a origem.A condição resolutiva da obrigação pode ser expressa, outácita; operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo (art. 119, § único).Se expressa, não há margem para qualquer dúvida; uma vezverificada, opera de pleno direito, independentemente de invocação à justiça; se tácita, porém, torna-se imperiosa a intervenção da autoridade judiciária para que esta pronuncie a rescisãodo ato.A condição resolutiva é sempre subentendida nos contratossinalagmáticos, para o caso em que uma das partes não satisfaçasua obrigação. Com estas palavras, quer-se dizer que a cláusulaaparece como verdadeira lex commissoria fictícia. Finge-se, realmente, que as partes a inserem em todos os contratos sinalagmáticos.Se houver dúvida sôbre a natureza da condição, suspensivaou resolutiva, será ela resolvida pelo exame dos têrmos do ato,intenção das partes e circunstâncias do caso.Por fim, edita o art. 122 que "se alguém dispuser de umacoisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quantoàquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis". Inconciliável a novadisposição com a cláusula suspensiva, é aquela, e não esta, quecede o passo; trata-se de outra aplicação do princípio da retroatividade das condições.A propósito dêsse princípio, dois sistemas existem, situadosem posições antagônicas, o francês e o alemão. O primeiro consagra e o segundo repele o princípio da retroatividade.Em que consiste êsse problema que tantas controvérsias

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suscitou? A resposta é simples: pelo primeiro sistema, uma vezverificada a condição na relação condicional, seus efeitos remontam, ex post facto ao instante em que se concluiu o ato (conditioretrotrahitur ab initio negotii).É o sistema do Código Napoleão (art. 1.179), do Código Civilitaliano (art. 1.360) e do Código Civil português (arts. 678 e 680).De acôrdo com o mesmo, o efeito retroativo corresponde à vontade presumida das partes. Só por convenção expressa se podearredar essa presunção.Por êle, o adquirente de uma propriedade, sob condição suspensiva, só se torna proprietário, na aparência, com o implementorespectivo; na realidade, porém, mercê do aludido efeito retroativo, êle vem a tornar-se proprietário desde o dia do contrato, desdea celebração do negócio jurídico.Em ponto diametralmente oposto coloca-se o sistema alemão,que, de modo peremptório, impugna o princípio da retroatividade.Afirmam seus partidários que esta não se concilia com o fato dainvalidade do contrato condicional, cujo objeto venha a perecerantes de realizada a condição, nem explica a realização fictíciadesta, quando impedida pelo próprio interessado (art. 122).Reconhecem os adeptos dêsse segundo sistema, abraçado peloCódigo Civil alemão (art. 158) e pelo Código suíço (art. 171),que às partes compete regular a questão em todos os seus aspectos,de modo que necessária não se torne a discussão dos fatos surgidospendente conditione. Com relação a terceiros, os negócios estabelecidos no período condicional reputam-se fundados no princípio de que o proprietário não pode dispor de mais direitos dos queefetivamente tem (nemo dat quod non habet), de sorte que, sendoresolúvel seu direito, a respectiva transferência só se processa comêsse atributo.Acreditamos, com Dusi que a retroatividade da condição

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permanece como a maneira mais simples e natural para esclarecerêste fato singular: apenas realizada a condição, o nascimento darelação jurídica, para os efeitos mais importantes, retrotrai atéo momento em que se concluiu o negócio.Caem assim os direitos constituídos pendente condtione, valendo apenas os atos de administração, bem como os de percepçãodos frutos, segundo as regras dos arts. 510 e seguintes do CódigoCivil.Têrmo: - É o dia, no qual tem de começar ou de extinguir-sea eficácia de um negócio jurídico. Não se confunde com o prazo,que é o espaço de tempo intercorrente entre a declaração devontade e o advento do têrmo.Também não se confunde com a condição. Esta, segundovimos, é a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico a eventofuturo e incerto. No têrmo, o acontecimento futuro é certo. Afatalidade do têrmo contrasta, portanto, com a incerteza da condição.Pode acontecer, entretanto, que o têrmo, embora certo e inevitável no futuro, seja incerto quanto à data de sua verificação,como a morte de uma pessoa. Sob êsse aspecto, pois, divide-se otêrmo em certo e incerto.O têrmo é certo, quando se reporta a uma data do calendário: 22 de abril de 1967; ou então, quando fixado tendo porbase o decurso de certo lapso de tempo: de hoje a um ano, quandotal pessoa atingir a maioridade.É incerto, quando se refere a um acontecimento futuro, masque se verificará em data indeterminada, por exemplo, o óbitode certa pessoa.Todavia, a própria morte pode transformar-se de têrmo emcondição, se a sua ocorrência estiver proposta de maneira problemática, como neste caso: se Pedro falecer antes de Paulo. Emtal hipótese, há condição e não têrmo, porque o evento futuro

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é incerto (se Pedro morre ou não antes de Paulo). Aliás, oart. 470, inciso III, do Código Civil, se refere, imprôpriamente,à condição de morte.O têrmo pode ser ainda inicial ou final. O têrmo inicial(dies a quo) suspende o exercício do direito, como se expressa oart. 123 do mesmo Código. Patente, pois, sua analogia com acondição suspensiva. Em ambos, algo fica em suspenso, na dependência do acontecimento futuro.Mas, além da diferença conceitual já apontada (acontecimento incerto, para a condição, e acontecimento certo, para otêrmo), outra existe ainda, e fundamental: na condição, enquantonão se verifica seu implemento, não se terá adquirido o direito,a que o ato visa (art. 118); o têrmo inicial, ao contrário, nãoimpede a aquisição do direito, apenas retarda seu exercício(art. 123).Têrmo final (dies ad quem) é o que faz cessar o direitocriado pelo ato. Por igual, evidente sua analogia com a condiçãoresolutiva.Tão manifestas são as semelhanças entre as duas modalidades, que o art. 124 do Código assim dispõe: "ao têrmo inicialse aplica o disposto, quanto à condição suspensiva, nos arts. 121e 122, e ao têrmo final, o disposto acêrca da condição resolutivano art. 119".Por outras palavras, o titular de relação jurídica sujeita atêrmo inicial pode exercer atos destinados a conservá-la, como,por exemplo, interromper a prescrição. Se acaso houver oposiçãoentre as novas disposições, efetuadas pelo estipulante, e o têrmoanterior, deixarão aquelas de subsistir, verificado êste. Da mesma forma, o titular de direito submetido a têrmo final podeexercê-lo, como se fôra puro e simples. Chegado o têrmo, porém,êle extingue-se.Passa o Código, em seguida, a dispor sôbre prazos. A

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primeira regra legal é a do art. 125: salvo disposição em contrário,computam-se os prazos, excluindo o dia do comêço, e incluindoo do vencimento. Vários dispositivos legais estão em íntima conexão com o texto citado. Assim, o art. 27 do Código de Processo Civil: "na contagem dos prazos, salvo disposição em contrário, excluir-se-á o dia do comêço e se incluirá o do vencimento";o art. 798, § 1.o, do Código de Processo Penal dispõe: "não secomputará no prazo o dia do comêço, incluindo-se, porém, o dovencimento"; o art. 775 da Consolidação das Leis do Trabalhoedita: "os prazos estabelecidos neste título contam-se com exclusão do dia do comêço e inclusão do dia do vencimento"; o Decreto-lei n.o 3.602, de 9-9-1941, dispondo sôbre contagem de prazosem processos ou causas de natureza fiscal ou administrativa,insiste (art. 1.o) : "na contagem dos prazos em processos ou causasde natureza fiscal ou administrativa excluir-se-á o dia do comêçoe incluir-se-á o do vencimento". É, como se vê, a invariável repetição do princípio dies a quo non computatur iun termino; diesad quen com putrttur ia termino.No § 1.o do art. 125, estabelece o Código Civil: "se êste (odia do vencimento) cair em dia feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil". A mesma disposição encontra-se reproduzida no art. 27 do Código de Processo Civil,art. 775, § único, da Consolidação das Leis do Trabalho, art.1.o § único, do Decreto-lei n.o 3.602 e art. 12, § 3.o da Lei n.o 4.388,de 28-8-1964.No § 2.o do art. 125 estabelece o Código que "meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia".Segundo o § 3.o, considerava-se mês o período sucessivo detrinta dias completos. Com êsse preceito legal, afastava-se a leicivil do direito cambiário em vigor. Realmente, de acôrdo como art. 17, alínea 3.a, do Decreto n.o 2.044, de 31-12-1908, a letraa semanas, meses ou anos da data ou da vista vence no dia da

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semana, mês ou ano do pagamento, correspondente ao dia dosaque ou ao dia do aceite. Portanto, um mês, na lei cambial éo espaço de tempo que medeia entre o dia do sanque, ou do aceite,e o dia correspondente ao mês seguinte.O Código Civil, entretanto, no citado § 3.o, optava por critério diferente: mês era o período sucessivo de trinta dias completos, trinta dias corridos. O sistema daquele diploma legal eramais razoável e mais simples e por isso o legislador pátrio houvepor bem transplantá-lo para o Código, através da Lei n.o 810, de6-10-1949, que assim estatui no art. 2.o: "considera-se mês o período do tempo contado do dia do início ao dia correspondentedo mês seguinte". Quando no ano ou mês do vencimento nãohouver o dia correspondente ao do início do prazo, êste findaráno primeiro dia subseqüente (Lei n.o 810, art. 3.o). Pela leicambial, na falta do dia correspondente, vence-se no último diado mês do pagamento (art. 17, in fine).Por fim, edita o art. 125, § 4.o: "os prazos fixados por horacontar-se-ão de minuto a minuto". Idêntica disposição se deparana lei adjetiva, art. 27, 2.a alínea, bem como no citado Decreto-lein.o 3.602, art. 2.o.A mesma Lei n.o 810, de 1949, no art. 1.o, esclarece: "considera-se ano o período de doze meses contados do dia do início aodia e mês correspondentes do ano seguinte".A lei civil alude a feriados. Pois bem, de acôrdo com a Lein.o 662, de 6-4-1949, são feriados nacionais os dias 1.o de janeiro,1.o de maio, 7 de setembro, 15 de novembro e 25 de dezembro. ALei n.o 1.266, de 8-12-1950, acrescentou, a essa relação, o dia 21 deabril (art. 3.o) e aquêle em que se realizarem eleições gerais emtodo país (art. 1.o).Só serão permitidas nos feriados nacionais atividades

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privadas e administrativas absolutamente indispensáveis (Lei n.o662, art. 2.o). Os chamados "pontos facultativos" que os Estados, Distrito Federal ou os Municípios decretarem não suspenderão as horas normais do ensino nem prejudicarão os atos davida forense, dos tabeliães e dos cartórios de registro (art. 3.o).O Decreto-lei n.o 8.292, de 5-12-1945, declara feriado em todoo território nacional, para efeitos forenses, o dia 8 de dezembro,consagrado à justiça (art. 1.o).A Constituição Estadual, no art. 145, declarou feriados estaduais os dias 25 de janeiro e 9 de julho. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que falece competência aos Estados paradecretar feriados. Só a União pode fazê-lo.Por fim, a Lei n.o 1.408, de 9-8-1951, prorrogou vencimentode prazos judiciais, estabelecendo ainda várias providências sôbreo expediente forense. Dispõe também a Lei n.o 4.674, de 15-6-1965,que os prazos judiciais que se iniciarem ou vencerem aos sábadosserão prorrogados por um dia útil (art. 1.o).No art. 126, prescreve o Código Civil que "nos testamentoso prazo se presume em favor do herdeiro, e, nos contratos, emproveito do devedor, salvo quanto a êsses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contraentes".Suponha-se realmente que num ato de última vontade o testador fixe prazo para entrega do legado; entende-se que o mesmofoi estabelecido em favor do herdeiro, obrigado ao pagamento, enão do legatário. Da mesma forma, nas obrigações convencionais, o prazo é a favor do devedor, que pode, pois, renunciá-loe desde logo solver a dívida. Ressalvam-se, todavia, as hipótesesem que o prazo haja sido estabelecido em favor do credor, o quese desumirá do teor do instrumento, ou das circunstâncias do caso.

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Estabelece ainda o art. 127 que "os atos entre vivos, semprazo, são exeqüíveis desde Jogo, salvo se a execução tiver de serfeita em lugar diverso ou depender de tempo". Na mesma ordemde idéias, dispõe o art. 952 que "salvo disposição especial dêsteCódigo e não tendo sido ajustada época para o pagamento, ocredor pode exigi-lo imediatamente".Em geral, nos atos jurídicos, fixam as partes prazo em quedeve ser satisfeita a prestação prometida. Se o credor quiserreclamá-la antes do tempo, será julgado carecedor de ação, respondendo ainda pelas conseqüências de sua precipitação (arts.1.530 e 1.531).Se os interessados omitiram o prazo, a prestação é imediatamente exigível, ressalvadas as exceções previstas em lei: diversidade do lugar de pagamento e dependência de tempo paraefetuá-lo.Imagine-se, com efeito, que se trate de empreitada, sem prazo,para construção de uma casa. É óbvio que o dono não podeexigir a imediata execução da avença, cujo cumprimento dependede tempo.Às duas exceções mencionadas no art. 127 outras devem seracrescentadas, oriundas da própria lei. Constam elas de numerosos dispositivos, notadamente do art. 1.264, a respeito do mútuosem prazo.

Do modo ou encargo: - Modo ou encargo é a cláusula pelaqual se impõe obrigação a quem se faz uma liberalidade. Porexemplo: dôo o terreno à Municipalidade para nêle ser edificadoum hospital.Trata-se de estipulação peculiar aos atos a título gratuito,inter vivos ou mortis causa, que encerrem a concessão de algumbenefício (doação, herança, legado), sendo, porém, igualmenteadmissível em declarações unilaterais da vontade, como a promessa de recompensa.O art. 1.180 preceitua que o donatário é obrigado a cumpriros encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interêsse geral. Acrescenta o art. 1.707

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que ao legatário, nos legados com encargo, se aplica o disposto no art.1.180, o mesmo acontecendo com o substituto, por fôrça doart. 1.731.Se o encargo fôr do interêsse geral, o Ministério Públicopoderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se êstenão o tiver feito (art. 1.180, § único).Se porventura se inserir encargo em ato a título oneroso,será êle parte integrante da contraprestação devida pelo adquirente. Medite-se no exemplo de ScuTo: o vendedor aliena suavila, que o comprador se obriga a franquear ao público. Esseônus, aceito pelo comprador, faz parte do co-respectivo a que êleestá adstrito, em virtude da compra e venda.Algumas vêzes, o encargo confunde-se com a condição, taisas afinidades existentes entre ambos. Distinguem-se, todavia, portraços muito expressivos. Na condição, a existência ou extinçãodo direito fica suspensa até a verificação do acontecimento futuro e incerto. O encargo, ao contrário, não suspende a aquisição, nem o exercício do direito, salvo quando expressamente impôsto no ato, pelo disponente, como condição suspensiva (art. 128).Além disso, o encargo é coercitivo, o que não sucede com acondição. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se a umacondição, ao passo que estará sujeito a essa contingência, se setratar de encargo, sob pena de se anular a liberalidade.Por fim, a conjunção se serve para indicar que se trata decondição, enquanto o emprêgo das locuções para que, a fim deque, com a obrigação de, denota a presença do encargo.

DA FORMA DOS ATOS JURÍDICOS E DA SUAPROVA. CONCEITO DE FORMA. ATOS FORMAISE NÃO FORMAIS. DA PROVA E SUA CLASSIFICAÇÃO. MEIOS PROBATÓRIOS ADMITIDOS EM DIREITO. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Conceito de forma: - Por mais de uma vez, já se insistiunesta idéia de que a vontade do agente é elemento fundamentalem todo ato jurídico. Torna-se preciso que essa vontade existae funcione normalmente para que o ato possa produzir seus efeitos.

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Deve ela externar-se de modo palpável, sensível, porque se semantém quardada no íntimo do indivíduo, não opera no mundo jurídico, nenhuma conseqüência produz. A única vontadeque o direito considera é a declarada; não comunicada, não existe juridicamente.Em regra, a vontade pode manifestar-se livremente. A ordem jurídica não cria restrições à sua livre exteriorização. Assim, o agente não se acha adstrito a imprimir-lhe forma especial,podendo recorrer, indiferentemente, à palavra falada, à palavraescrita, ao gesto e até mesmo ao simples silêncio, desde que aptoa traduzir o pensamento. A lei deixa o agente à vontade, cabendo-lhe exprimir seu intento como lhe agrade.Entretanto, em casos determinados, para maior segurançadas relações jurídicas, a lei prescreve a observância de certa forma, que não pode então ser preterida. Esse o liberal princípiodominante em todo o direito universal e entre nós consagradopelo art. 129, que assim reza: "a validade das declarações devontade não dependerá de forma especial, senão quando a leiexpressamente a exigir".Nem sempre foi assim, porém. No antigo direito o sistemavigorante era outro, precisamente oposto. Como diz DE PAGE,o formalismo foi a característica das civilizações primitivas.Cada ato jurídico era submentido a várias formas preestabelecidas.A menor desobediência, ainda que secundária, implicava nulidade do ato: actus, omissa forma legis, corruit.Assim, na compra e venda, entre os romanos, forçoso eraque o comprador perguntasse: dari spondes? e que o vendedorrespondesse: spondeo. Nulo seria o contrato em que não se observasse êsse ritual, extensivo também ao processo, cujo rigor eratal, que se proclamava: si virgula nequit cadit causa.Como observa IHERING, êsse sistema era necessário em seutempo, oferecendo mesmo algumas vantagens, pois eliminava qua-se tôdas as dúvidas que se suscitassem sôbre a vontade das partes,natureza e fins do ato. Além disso, conservava mais viva a lembrança dêste, simplificando sua prova ulterior.Mas, o apêgo à forma constituía entrave à desejada expansão

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do comércio jurídico e, por isso, paulatinamente, com a ampliação da cultura humana, foi sendo dispensado o formalismo,verdadeiramente um tropêço à facilidade e rapidez das transações. Cada vez mais maleável, cada vez mais espiritual, o direitofoi-se desembaraçando de inúmeras e inúteis complicações, adquirindo assim a necessária plasticidade, de que é característica acitada disposição do art. 129.Subsiste, no entanto, o formalismo para um número considerável de atos. Registre-se mesmo êste fenômeno curioso: naatualidade, assiste-se ao renascimento dêle. Na hora presente,cercam-se os atos jurídicos de novas cautelas, de novas formalidades. O requinte da civilização, multiplicando as possibilidadesde êrro e fraude, vai sugerindo novas precauções, novas providências. Na frase de PLANIOL o excesso de cultura está produzindo assim efeitos análogos aos decorrentes da simplicidade eda ignorância dos povos primitivos e a solenidade dos atos jurídicos ressurge em tôda a parte, sob os nomes de autenticação,registro, transcrição, reconhecimento de firma. A diferença éque, antigamente, tudo se complicava por simbolismo, enquantohoje é por desconfiança.Aliás, foi êsse formalismo que deu origem a um sentimento de viva hostilidade contra aslegis actiones, assim preparando o advento do direito formulário.Aquela sobrevivência do formalismo, em certos casos, e êsterejuvenescimento dêle, em outros, têm sido justificados, realmente, pela necessidade de maior segurança na vida jurídica.Exige esta que as partes se acautelem, para que não se precipitem, para que a má-fé alheia não as afete, ou os azares davida não as prejudiquem. Eis a razão por que, no dizer deClóvis, a lei procura dar a certos atos um revestimento jurídicoespecial, por via do qual, exteriorizando a declaração da vontade,lhe atribui a necessária consistência e vitalidade - forma

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datesse rei - a forma dá existência à coisa.A êsse revestimento, a essa ganga, que recobre certos atosjurídicos, dá-se o nome de forma, na definição do mesmo CLÓvIs,o conjunto de solenidades que se devem observar para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica.Como afirma SERPA LOPES, a forma representa para o atojurídico o que a moeda é para o dinheiro. Do mesmo modo quea cédula dispensa a verificação do título e do pêso, bem comodo seu valor, assim também a forma poupa ao juiz o trabalhode investigar se realmente o ato jurídico foi ou não concluído.Voltemos, porém, ao art. 129, em que consubstanciado se achao princípio da forma livre. De acôrdo com o mesmo, gozam aspartes de inteira liberdade, quando se trata de exprimir a vontade interna. A forma livre é, pois, a regra.Mas, em numerosos casos, a lei exige forma especial. Tãonumerosos são êles que muitos autores se animam a sustentarmodernamente a regra oposta: a forma especial é a regra, a forma livre, a exceção.Pois bem, adverte o Código, no art. 130, que "não vale oato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em lei(art. 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra apreterição da forma exigida". A lei não comina, porém, outrasanção a não ser a de nulidade. Preceitua, efetivamente, o art.145 ser nulo o ato jurídico: III) - quando não revestir a forma prescrita em lei; IV) - quando fôr preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade. A leiadjetiva segue a mesma trilha, ao dispor, no art. 118: "quandoa lei considerar determinada forma como da substância do ato,o juiz não lhe admitirá a prova por outro meio.Não se deve confundir a forma com a prova dos atos jurídicos. A primeira é meio para exprimir a vontade interna, asegunda, meio para evidenciar a existência do ato. Todavia,muitas vêzes, a forma desempenha o papel de prova. Quando alei impõe certa forma para determinado ato, êste não pode provar-se senão quando obedecida a forma prefixada. Assim, doação

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de bens imóveis de valor superior a Cr$ 10.000 não pode serprovada a não ser mediante exibição do ato público respectivo.Nesse e noutros casos de forma especial, não se admite provado ato através de outros meios, ainda que qualificados, como aconfissão.Tem, pois, razão CLÓvIs, quando afirma a atual inutilidadeda distinção entre forma ad solemnitatem e ad probationem; nasistemática do Código, não há mais formas impostas exclusivamente para prova dos atos; êstes ou têm forma especial, exigida por lei, ou a forma é livre. Se especial, não se pode fugirao art. 118 do Código de Processo Civil; se livre, podem serdemonstrados pelos meios probatórios comuns admitidos em direito.Há casos em que a lei tolera a formalização do ato por vários modos. Por exemplo, o reconhecimento volutário de filhosilegítimos pode fazer-se ou no próprio têrmo do nascimento, oumediante escritura pública, ou por testamento (art. 357). Apartilha amigável, sendo os herdeiros maiores e capazes, pode serefetuada por escritura pública, têrmo nos autos do inventário,ou escrito particular, homologado pelo juiz (art. 1.773). A transação concretiza-se por têrmo nos autos ou por escritura pública(art. 1.028).Por outro lado, quando a lei prescreve uma forma genérica,por exemplo, a escrita (verbi gratia - art. 1.246 do Código Civil;Lei n.o 4.494, de 30-11-1964, art. 2.o), pode ela apresentar-se sobqualquer forma gráfica, desde a simples epístola até a escriturapública.Outras vêzes, exprime-se a lei de modo ainda mais genérico,aludindo apenas à vontade expressa, como, por exemplo, no casodo art. 1.199. Nessa hipótese, o consentimento pode exteriorizar-se não só por escrito, como também verbalmente, desde quede modo inequívoco.

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Atos formais e não formais: - Do exposto até agora, verifica-se que, do ponto de vista da forma, se classificam os atosjurídicos em formais ou solenes e não formais, também chamadosconsensuais.Dentre os primeiros, sobressaem o casamento e o testamento,talvez de todos os mais solenes. Efetivamente, o casamento éprecedido de várias formalidades, referentes ao processo de habilitação matrimonial. A celebração é pública e solene, exigindointervenção da autoridade judiciária. Mesmo depois de realizado, há exigências legais a serem preenchidas, como a lavraturae subscrição da ata. Tudo se faz com o propósito de atribuira tão importante ato tôda a garantia e estabilidade, pondo-o asalvo de impugnações descabidas ou de resoluções não devidamente meditadas.O testamento é, por igual, outro ato solene e grave, nas trêsformas ordinárias previstas em lei. Os requisitos legais não podem ser postergados, sob pena de visceral nulidade.Muitos outros atos poderiam ser ainda acrescentados, comoa alienação de bens dotais e de bens pertencentes a menores sobtutela, que depende de autorização judicial, além da formalidadeda liasta pública.Para certos atos, contenta-se a lei com a outorga de escritura pública. Estão êles indicados no art. 134, ns. I e II, doCódigo Civil. Outras vêzes, ela refere-se apenas à prova porescrito, como no contrato de seguro (art. 1.433) e no de fiança(art. 1.483), além dos casos previstos no art. 2.o da Lei n.o 4.494.Uma vez por outra, alude ainda o legislador a documento ou atoautêntico (arts. 407, § único, e 1.597). Escritura pública é documento autêntico por natureza, porque lavrado por tabelião, emseu livro de notas, na presença de testemunhas. Mas, tambémo documento particular pode ser autêntico, se devidamente datado e assinado, não contém rasura nem entrelinha, e nenhumadúvida séria surge sôbre a sua fidedignidade.

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Todos os atos até agora mencionados não podem ser efetuados sem observância da forma que a lei expressamente estatuiu.A preterição dela acarreta, como já se acentuou, ineficácia doato, nos têrmos do art. 145, ns. III e IV, do Código Civil.Organizou ainda o Código outro sistema de formalidades,destinado a tornar os atos conhecidos de terceiros, contra osquais poderão ser oportunamente opostos. Consistem essas formalidades na inscrição e transcrição no Registro Público, quese constitui, destarte, em segura fonte de informações, ao alcance de todos.A inscrição e a transcrição não são exigidas para intrínsecavalidade do ato, mas, para dar-lhe publicidade, divulgá-lo, enfim,torná-lo conhecido e eficaz contra terceiros. Sua omissão nãoinduz nulidade, apenas exclui a oponibilidade contra terceiro(Cód. Civil, art. 135, in fine; Dec. n.o 4.857, de 9-11-1939, art. 134).Atos não formais, ou consensuais, são os que independemde qualquer forma especial; são êles modelados pelas partes, emconsonância com o princípio da autonomia da vontade. Dentreos mesmos, podem ser mencionados a compra e venda de bensmóveis, a doação manual, a locação de imóveis, o mandato e ocomodato.

Da prova e sua classificação: - Sem dúvida, prima êsse estudo pela sua grande importância, porquanto, nas provas, geralmente se apóia tôda a fôrça do juízo. Quem não consegue provar,dizia MASCARDO, é como quem nada tem. Aquilo que se nãoprova equivale ao que não existe. Não poder ser provado, ou nãoser, correspondem à mesma coisa.Cumpre ressaltar, todavia, desde logo, a imensa dificuldadepara perfeita localização de sua teoria, que se situa nas confrontações do direito público e do direito privado. Deparam-serealmente numerosos dispositivos sôbre tal matéria tanto no direito civil, como no direito comercial e no direito judiciário. Essadispersão embaraça sobremaneira a sistematização do direito probatório, de que procuraremos, no entanto, apresentar um

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resumotão fiel quanto possível.Múltiplas as definições de prova. Uma das mais conhecidasé a de PLANIOL, para quem "a prova é todo meio empregado paraconvencer o juiz da verdade de um fato". Mas essa definiçãonão satisfaz, porque não são ünicamente fatos alegados em juízoque se provam. Também são suscetíveis de comprovação fatosargüidos em repartições públicas, escolas, bancos, hospitais, emtôda a parte, em suma, em que surjam pretensões individuaissubmetidas à apreciação de terceiros.Parece preferível, por isso, a definição de CLÓvIs, segundoa qual "prova é o conjunto dos meios empregados para demonstrar legalmente a existência de um ato jurídico". Se quiséssemosser mais concisos, reproduziríamos a definição de CUNhA GonÇALvEs , para quem prova é a demonstração da verdade de umfato.A prova, para ser recebida, deve apresentar-se com as seguintes características: a) - admissível, isto é, não proibidapor lei, e aplicável ao caso em questão. Assim, não seriam juridicamente admissíveis as ordálias ou juízos de Deus, que tantafortuna alcançaram nos tempos antigos e de que ainda conservamos um resquício em nossa legislação, no art. 1.480 do CódigoCivil. Na apreciação dêsse requisito ter-se-á em conta o dispostono art. 118 do Código de Processo Civil: quando a lei considerardeterminada forma como da substância do ato, o juiz não lheadmitirá a prova por outro meio; b) - pertinente, isto é, adequada à demonstração dos fatos e a êstes aplicável, segundo osprincípios jurídicos invocados pelas partes; c) - concludente,isto é, há de trazer esclarecimentos ao ponto controvertido, ouconfirmar as alegações feitas.Nenhum juiz, quer em matéria civil, quer em matéria comercial, adverte CONIGLIO, pode ser obrigado a admitir provasôbre fatos impertinentes, inconcludentes, ou excluídos por

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outraprova incontroversa, porque, de outra forma, diminuiria a seriedade da função jurisdicional. Os romanos já compreendiam ainutilidade de provar fatos inúteis, quando proclamavam: frustaprobatur quod probatum non relevat.Vigoram, na teoria das provas, diversos princípios, algunsherdados do direito romano. O primeiro dêles é que o ônus daprova incumbe a quem alega o fato, não a quem o contesta; ou,como se exprimia PAULO: ei incumbit probatio, qui dicit, nonqui negat. Por outras palavras, podemos afirmar, de um modogeral, que o ônus da prova compete ao autor (onus probandiincumbit actori). Se eu me intitulo credor de alguém, claro queme cabe, a mim tão-somente, demonstrar a existência do créditoalegado. Mas, se o devedor suscita algum fato extintivo ou suspensivo do meu direito, então a ele caberá comprovar a defesa(reus in exceptione actor est). Tais princípios se acham entrenós consagrados no art. 209, § § 1.o e 2.o, do Código de ProcessoCivil. De conformidade com êsse preceito legal, se o devedoralega haver pago a dívida reclamada, caber-lhe-á certamente evidenciar o acenado pagamento. Como bem observa BONNIER, êsseprincípio não é outra coisa senão o bom-senso e a razão aplicados ao direito.PESCATORE dá a razão filosófica da necessidade prática porvia da qual quem alega a verdade de um fato como fundamentoe condição jurídica de seu intento, deve ministrar a prova respectiva: é que as declarações de uma e outra parte se equivaleme devem ser tratadas no mesmo pé de igualdade; só depois decomprovada, dar-se-á preferência a uma ou outra declaração.Em segundo lugar, prova-se o fato e não o direito a aplicar.Órgão vivo da lei, o juiz tem por função específica aplicá-la epor dever conhecê-la (jura novit curia). Como ensina o mesmoBONNIER, o ponto de direito não é objeto de prova, mas de apêloà ciência do magistrado. Só o direito estadual, municipal, costumeiro ou estrangeiro deve ter comprovado o seu teor (Cód.

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Proc. Civil, art. 212).Em terceiro lugar, independem de prova os fatos notórios(Cód. Proc. Civil, art. 211). Mercê do princípio notorium nonegent probatione ou non probandum factum notorium, prescinde-se da prova relativa a fatos que se tornaram conhecidos dageneralidade das pessoas e que constituem o patrimônio comumde cultura. Os fatos notórios fazem parte, não da ciência privada do juiz, mas de um processo de cognição, integrante dacultura humana. Nessa mesma ordem de idéias, pode o juizrecusar prova meramente dilatória, ou fatigante para o adversário, como a inquirição de testemunha que passou a residir naEuropa. Pode, outrossim, denegar provas inatingíveis, de objetivo inalcançável, como, por exemplo, perícia para saber se sãorealmente de Humberto de Campos os trabalhos psicografadospor Francisco Xavier.Em quarto lugar, têm-se por verídicos os fatos incontroversos, sôbre os quais não se estabelece debate entre os litigantes.Numa síntese feliz, exprime GOLDSCHIMIDT o mesmo conceito:"el juez debe tener por verdad lo no controvertido". Assim, emação de desquite, a mulher afirma que o marido vive em concubinato; se o réu, na contestação, não se defende de tal imputação, fundando em outros pontos a defesa, o fato tornar-se-áincontroverso, dispensando produção de provas a respeito. Se aparte reclama indenização pelos prejuízos que sofreu, com o acidente de que foi vítima, e se o causador do dano não nega o acidente, contestando apenas a extensão dos prejuízos, torna-se incontroverso o evento lesivo, ficando o autor dispensado de produzir prova a respeito. Entretanto, a vinculação do juiz a aceitá-los como verdadeiros cede diante da apreciação do conjunto daprova, que pode permitir se oriente sua convicção em outro sentido. O Código de Processo Civil, no art. 209, acolhe expressamente tal princípio.No tocante às negativas, tem-se sustentado que elas não sãopassíveis de prova. Trata-se, no entanto, de questão que nãocomporta resposta dogmática, porquanto as negativas correspondem quase sempre a uma afirmativa. Digo, por exemplo, que

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Paulo é rico; nega-o meu opositor; mas essa negativa equivalea uma afirmativa, suscetível de comprovação (a de que Paulo épobre). Não há dúvida que, muitas vêzes, bastante difícil seráa prova negativa, mas isso não constitui obstáculo à sua exigibilidade, pois há igualmente afirmativas, cuja prova é sumamenteembaraçosa.Finalmente, é de lei que, na apreciação da prova, o juiz formará livremente o seu convencimento, atendendo aos fatos e circunstâncias dos autos, ainda que não alegados pelas partes (Cód.Proc. Civil, art. 118). Pode ainda o juiz indeferir as provasinúteis em relação ao objeto da causa (art. 117), cumprindo nãoesquecer a advertência de MÂYNz, de que o magistrado nãoacredita em nada, tudo deve ser provado.Expostos êsses princípios fundamentais, passemos à classificação das provas. Consoante o citado MASCARDO, a prova podeser plena ou semip lena. É plena, quando faz tanta fé, que bastapara liquidar a questão; semiplena, quando só produz algumafé, mas não a suficiente para levar o juiz a uma conclusão.Os praxistas reinícolas classificavam as provas em razão dascausas dos atos, em número de quatro: causa eficiente, causamaterial, causa formal e causa final.Em razão da causa eficiente, as provas dividiam-se em martificais (as que se contêm nos instrumentos e nos testemunhos)e artificiais (assim chamadas, não porque sejam arbitrárias, maspor serem sempre mais ou menos a obra da razão humana).Em razão da causa material, as provas eram de fato permanente (como a perícia e o exame de corpo de delito), e de fatotranseunte (como os instrumentos e testemunhos).Em razão da causa formal, as provas classificavam-se emliterais, orais e mudas. Prova literal, a proporcionada pelos instrumentos escritos, oral, a consistente em testemunhos, muda, adecorrente de inspeção ocular, apreciação de indícios e presunções.Finalmente, em razão da causa final, dividia-se a prova em

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pleníssima (constante de instrumento público), plena (quandoproduz fé bastante para pôr têrmo ao feito) e semiplena (quandosó produz alguma fé, não a suficiente, porém, para liquidar acontrovérsia).BENTHAM fêz também interessante classificação das provasem diretas e indiretas; mas seu maior mérito consistiu, nessamatéria, em haver distinguido as provas preconstituídas e ascasuais. Provas preconstituídas são a obra do legislador, que asinstitui ou ordena por previdência. São dadas para que, de futuro, não se levantem dúvidas em tôrno da realidade de um fato,de uma obrigação, de qualquer ato jurídico, ou ainda de umasimples proposição. A prova literal é a melhor das provaspreconstituídas, quando estabelecida sob a forma pública. Provascasuais, ao inverso, são as emergentes ex post facto; o depoimentotestemunhal é o mais típico exemplo das provas casuais.

Meios probatórios admitidos em direito: - O Código de Processo Civil, no art. 208, preceitua que são admissíveis em juízotôdas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais.Por sua vez, no art. 136, dispõe o Código Civil que os atos jurídicos, a que se não impõe forma especial, poderão provar-se mediante:I. Confissão.II. Atos processados em juízo.III. Documentos públicos ou particulares.IV. Testemunhas.V. Presunção.VI. Exames e vistorias.VII. Arbitramento.Já nos referimos a determinados atos para os quais exigea lei forma especial (testamento, casamento, alienação de bensdotais e de bens pertencentes a menores sob tutela). Dissemosainda que para muitos outros a lei impõe a formalidade da escritura pública.Efetivamente, é da substância do ato a escritura pública(art. 134):

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I. Nos pactos antenupciais (art. 134, n.o I, combinadocom o art. 256, § único, n.o I).II. Nas adoções (art. 134, n.o I, combinado com o art.375).III. Nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sôbre imóveis de valor superior a Cr$ 10.000.excetuado o penhor agrícola (art. 134, n.o II, modificado pela Lei n.o 1.768, de 18-12-1952).IV. Na instituição do bem de família (art. 73).V. Na criação de fundações (art. 24).VI. No testamento público (art. 1.632, n.o I).VII. No contrato celebrado com a cláusula de não valersem instrumento público (art. 133).VIII. Na descrição dos bens móveis, que não entrem paraa comunhão parcial dos cônjuges, uma vez que nãotenham sido discriminados no pacto antenupcial (art.273).IX. Na transferência das bancas de jornais (Dec.-lei n.o4.826, de 12-10-1946, art. 5.o).X. Na transmissão por ato entre vivos do domínio útilde terrenos aforados ou mesmo de simples ocupação(Dec.-lei n.o 3.438, de 17-7-1941, art. 26).XI. Nas alienações e hipotecas de navios (Cód. Comercial, art. 468).XII. Na constituição de sociedade anônima por subscrição particular do seu capital, se os subscritores nãooptarem pela deliberação em assembléia geral (Dec.-lei n.o 2.627, de 26-9-1940, art. 45).Os acordos tomados por têrmo nos autos valem como escrituras públicas. O que nêles se estabelece é lei entre as partes.Já se julgou igualmente válida adoção efetivada, não por escritura pública, mas por declaração do adotante no têrmo de nascimento do registrado. Tratando-se também de instrumento público, êle equivalia ao ato público exigido em lei.Aliás, o Decreto-lei n.o 9.760, de 5-9-1946, art. 74 atribuifôrça de escritura pública aos têrmos, ajustes ou contratos relativos a imóveis da União, lavrados na repartição local do Serviço do Patrimônio da União, o mesmo acontecendo com os têrmos de contratos e obrigações lavrados nos livros das repartiçõesdo Distrito Federal (Lei n.o 217, de 15-1-1948, art. 49).Observe-se que sendo a escritura pública da substância doato, não pode êste ser celebrado parte por escritura pública e

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parte por instrumento particular. A unidade do ato impõe aunidade da forma.A anuência ou a autorização de outrem necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que êste, e constará,sempre que ser possa, do próprio instrumento (Cód. Civil, art.132). De acôrdo com êsse dispositivo legal, só por instrumentopúblico pode a mulher casada outorgar procuração ao maridopara alienação de bens imóveis de valor superior a Cr$ 10.000,já que é da substância do ato translativo a escritura pública.Acrescente-se ainda que a escritura pública só se retifica poroutra escritura pública. Instrumento dessa natureza vale por sie não pode ser ilidido senão por provas completas.O Código Civil não regulou as formalidades da escritura pública, "o mais importante dos instrumentos do nosso direito",na frase de OTÁvIO UCHOA DA VEIGA, excluído naturalmente otestamento público. Nulo será, porém, o ato: a) - não lavradopelo tabelião em seu livro de notas; b) - não assinado pelaspartes, ou por alguém a seu rôgo, assim como pelo notário; c)- que não preencha os requisitos intrínsecos do ato, ou não obedeça às exigências legais.Referentemente à subscrição pelas testemunhas instrumentárias, não exigida pelo Código Civil, há quem sustente ser elaessencial, continuando a seu respeito em vigor as velhas Ordenações do Reino. Outros, porém, mais prudentes, recomendamo exame de cada caso, segundo as circunstâncias, devendo sermantido o ato, entretanto, se os seus dizeres não chegam propriamente a ser contestados. Com mais forte razão, não seráêle invalidado por simples ausência das testemunhas durante asua lavratura.A escritura pública tem fidedignidade, inerente à fé públicado notário. A segurança e a estabilidade do negócio jurídico,que nela se concretizam, não podem ficar à mercê de provas falíveis ou precárias, como a testemunhal. Não se permite,

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pois,provar com testemunhas, contra ou além do instrumento público.Afirma-o o art. 131 do Código Civil, nos seguintes têrmos:as declarações constantes de documentos assinados presumem-severdadeiras em relação aos signatários.Êsse princípio, que nos foi legado pelo direito romano e queencerra incontestável verdade, vale não só para a escritura pública, como também para o instrumento particular.Saliente-se, entretanto, que a presunção de veracidade sóprevalece contra os próprios signatários, não contra terceiros,estranhos ao ato.Adverte, contudo, o § único do art. 131: "não tendo relaçãodireta, porém, com as disposições principais, ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las".O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre deseus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bemcomo os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art.1.067) antes de transcrito no registro público (art. 135).Refere-se a lei, nesse dispositivo, ao instrumento particularfeito e assinado, ou somente assinado. Não têm valor jurídicoas escrituras particulares assinadas a rôgo. A assinatura nãopode ser substituida pelo simples lançamento da impressão digital. O analfabeto, ou quem se encontre em situação de nãopoder assinar o nome, só por escritura pública, ou por intermédiode procurador bastante, pode contrair obrigação, salvo se de valorinferior a Cr$ 10.000, caso em que se admite prova testemunhal.Se o documento não estiver assinado pelo interessado nãoconstituirá sequer comêço de prova por escrito. Ressalte-seainda que, emanado de um dos litigantes, não pode prejudicar o

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litisconsorte, de acôrdo com o art. 89 do Código de Processo Civil,e que a lei não exige o reconhecimento de firmas.O citado art. 135 alude ainda à subscrição do instrumentopor duas testemunhas. Há quem sustente que, faltando essa subscrição, o documento deixa de fazer prova plena, reduzindo-se amero comêço de prova. Pensamos, porém, que documento assinado pela parte, ainda que não subscrito por testemunhas, fazprova contra quem o subscreve, máxime quando não se põe emdúvida a autenticidade da assinatura.Por fim, edita o § único do mesmo art. 135 que "a provado instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráterlegal".Se a lei exige escritura pública, tendo-a como indispensávelao ato, não há como se distinguir se a exigência é ad solemnitatemou ad probationem. Se se trata, no entanto, de instrumentoparticular, pode a prova ser suprida por todos os meios probatórioS reconhecidos em direito.Examinemos agora as provas mencionadas no art. 136, começando naturalmente pela confissão, que é o reconhecimentopela parte do fato em que se funda a parte contrária. Foi elaproclamada pelos doutôres regina probationum, probatio probatissima, maxima omniun probationum. A confissão é, sem dúvida, um dos meios mais potentes de prova. Nunca a certezaé tão grande como quando pode o juiz proclamar: temos um réuque confessa. Nesse caso, como diz BEUDANT condena-se o réua si próprio.A confissão pode ser classificada segundo o lugar em que éproduzida, segundo o seu modo e segundo a sua forma. Consoante o lugar, a confissão é judicial ou extrajudicial; em razão domodo, simples ou qualificada; quanto à forma, expressa ou tácita.Confissão judicial é a que se faz em juízo, perante autoridade competente; extrajudicial, a que se efetua fora do juízo, ousem assistência do juiz, ou ainda perante juiz incompetente. Aprimeira pode ser feita mediante petição, ou em depoimento daparte (Cód. Proc. Civil, art. 230, § 2.o). A confissão

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extrajudicialpode ser feita oralmente ou por escrito, tendo a mesma fé quecompete ao instrumento em que foi produzida.Confissão simples é a que se faz sem ampliação nem restrição; qualificada, a que contém alguma ampliação ou limitação,quer na qualidade quer na quantidade. Em regra, a confissão éindivisível (confessio dividi non debet), não podendo, de tal arteser aceita em parte e em parte rejeitada. Êsse entendimento, todavia, não é pacífico, havendo quem lhe afirme a cindibilidade.A confissão expressa é feita por palavras, ou por escrito, masdeliberadamente, intencionalmente; a tácita se deduz de algumfato. Assim, quem é citado para a causa e não se defende, confessa a matéria de fato contra si articulada (Cód. Proc. Civil,art. 209); igualmente se a parte, citada para depoimento pessoal,não comparece, ou não responde, é havida por confessa, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados, desde que verossímeis ecoerentes com as demais provas dos autos (Cód. Proc. Civil, art.229, § 2.o). Essa confissão chama-se também confissão ficta.A confissão só pode ser produzida por pessoa capaz e nogôzo de seus direitos. Conseqüentemente, valor algum terá confissão pronunciada por um demente. Mas não precisa ser proferida pessoalmente, podendo sê-lo por intermédio de mandatáriocom podêres especiais e expréssos (Cód. Proc. Civil, art. 230),não bastando, porém, simples referência no mandato à faculdadede jurar, confessar e transigir; é necessária expressa menção dostêrmos e extensão da confissão.Por fim, a confissão somente prejudica o próprio confitentee seus herdeiros, não afetando os demais litisconsortes (Cód. Proc.Civil, art. 231) e não pode ser aceita em processo de anulaçãode casamento.

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Os atos jurídicos poderão igualmente provar-se mediante atosprocessados em juízo (art. 136, n.o II). Atos processados emjuízo são os que foram objeto de processo anterior e cuja existência ou validade foi proclamada por sentença. Dentre êssesatos merece destaque a coisa julgada, isto é, a decisão judicialde que já não caiba recurso. Só ocorrerá, entretanto, a coisajulgada se se verificar a tríplice identidade de objeto, causa epessoas; nesse caso, ela significará produção de certeza, equivalendo, na frase de LIEBMAN "alla, creazione di un accertamentoirrevocabile". Muitas vêzes a coisa julgada implicará manutenção de situação injusta, mas êsse inconveniente pareceu ao legislador menos temível que o resultante da instabilidade dos julgamentos.Cabe ainda uma referência à prova emprestada, isto é, transplantada de um processo para outro. Os autores, em geral, negamvalia a essa prova, a menos que o outro processo tenha sido também intentado entre as mesmas partes. Ainda nesse caso, aprova transplantada deve ser recebida com cautela, dado o princípio da identidade física do juiz, que informa a lei adjetivapátria.Dentre os atos processados em juízo, porém, os mais comunssão as cartas de arrematação (Cód. Proc. Civil, art. 980); deadjudicação (art. 984) e de remissão (art. 991), os formais departilha (art. 509), as cartas de sentença (art. 890) e os alvarásjudiciais.Outro meio probatório contemplado no art. 136 (inciso III)é o proveniente de documentos públicos e particulares. A leicivil distingue, portanto, nitidamente, documentos e instrumentos.Realmente, os instrumentos, públicos ou particulares, sãodestinados a dar vida a um ato jurídico ou a ministrar-lhe aprova respectiva. Por exemplo, quando os nubentes celebrampacto antenupcial, o que só pode ser feito por escritura pública,criam o ato jurídico e fazem a prova do que entre êles se passou.O mesmo acontece igualmente com o instrumento particular,

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verbigratia, a letra de câmbio.Já o documento não tem essa finalidade específica, êsse objetivo determinado. Ele serve apenas para comprovar algum atojurídico, nascido, porém, aliunde. Uma carta, por exemplo, podeconstituir-se em precioso elemento de prova; mas, não é instrumento e sim documento, porque, escrevendo-a, o signatário nãoteve o escopo de criar o ato jurídico, ou de fazer-lhe a prova.Nas mesmas condições estão os registros paroquiais, os diáriosíntimos, os laudos das repartições públicas, etc. Não podem, todavia, ser catalogados como documentos simples recortes de jornais, pareceres, etc.A exemplo do que suscede com os instrumentos, também osdocumentos serão públicos e particulares, segundo emanem deautoridade pública, ou de pessoa investida em função públicae relativos a fatos públicos, ou procedam de particulares, sôbrefatos privados.Diz ainda o Código que a prova dos atos jurídicos pode serfeita por testemunhas (inciso IV). Existem, contudo, várias restrições a essa prova. A mais importante se depara no art. 141:"salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal sóse admite nos contratos, cujo valor não passe de Cr$ 10.000,(com a redação da Lei n.o 1.768, de 18-12-1952).Trata-se de dispositivo de ordem pública, que não pode serdispensado pelas partes, ou seus procuradores. Como teve oportunidade de observar FILADELFO AZEVEDO mostrou-se o mesmoimpotente para atender aos reclamos sociais, no tocante à própriaformação do vínculo, pois, além das exceções que, de início, comsigna, êle é diariamente arrombado pelas necessidades da vida,que os tribunais não podem desconhecer. Assim, tratando-se deprestação de fato, admissível é a prova por meio de testemunhas,sem se cogitar do valor do contrato. É o que acontece com alocação de serviços, com a empreitada, com a corretagem e

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como fornecimento de materiais.Em complemento, porém, ao art. 141, dispõe o § único que"qualquer que seja o valor do contrato, a prova testemunhal éadmissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito". Há, efetivamente, no direito pátrio, ampla permissão aque a prova testemunhal corrobore qualquer escrito para demonstração de algum contrato, sem indagação de seu valor, ou paracontrariar o conteúdo dos documentos escritos.Entretanto, não podem ser admitidos como testemunhas (art.142):I. Os loucos de todo o gênero.II. Os cegos e surdos, quando a ciência do fato, que se querprovar, dependa dos sentidos, que lhes faltam.III. Os menores de 16 anos.IV. O interessado no objeto do litígio, bem como o ascendente e o descendente, ou o colateral, até o terceirograu de alguma das partes, por consangüinidade, ouafinidade.V. Os cônjuges.Dentre os impedidos de depor está, portanto, o interessado noobjeto do litígio. Estão nessas condições: a) - o sublocatário,na ação de despejo movida contra o inquilino; b) - o ex-advogado da parte; c) - o sócio, se a questão pode afetar a sociedade; d) - o fiador de um dos litigantes. Não assim, porém,empregados e dependentes, dadas as garantias que lhes são dispensadas pela legislação trabalhista.Os parentes acham-se iguálmente impedidos de depor, mesmonas ações matrimoniais (ponto de vista que, todavia, não é pacífico). Quando a lei transige com o testemunho de parentes elaé expressa, como sucede com o casamento (arts. 180, n.o IV, e193) e nos casos do art. 143: "os ascendentes por consanguinidade, ou afinidade, podem ser admitidos como testemunhas emquestões em que se trate de verificar o nascimento, ou o óbitodos filhos".Impedida a testemunha, o juiz não lhe tomará o depoimento(Cód. Proc. Civil, art. 240, 2.a alínea); na justiça cível

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nãohá testemunhas informantes, o que não sucede na do trabalho,onde o depoimento vale como informação (Cons. das Leis do Trabalho, art. 829).Acrescenta ainda o art. 144 do Código Civil que "ninguémpode ser obrigado a depor de fatos, a cujo respeito, por estadoou profissão, deva guardar segrêdo". No tema do sigilo profissional o único juiz é a própria testemunha; ninguém pode sercompelido a revelar fatos de que teve conhecimento em razão desua profissão.Em vários diplomas legais encontramos a confirmação dêsseasserto: a) - Código de Processo Civil, art. 241; b) - Códigode Processo Penal, art. 207; c) - Lei n.o 4.215, de 27-4-1963, art.87, n.o V; d) - Estatuto dos Militares, art. 25; e) - Estatutodos Funcionários Públicos Civis da União, art. 207, n.o VII; f)- Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, arte. 222,n.o IV, e 239, n.o III; g) - Código Comercial, art. 56. O próprioCódigo de Direito Canônico também é expresso a respeito (cânone n.o 1.755).Em quinto lugar, o Código Civil inclui a presunção entreos meios de prova. Presunção é a ilação que se extrai de umfato conhecido para chegar à demonstração de outro desconhecido.Ela não se confunde com o indício, embora substancialmentese equivalham as duas expressões. Indício é o fato conhecidode que se tira a presunção; um é a premissa, outra, o resultado.A prova indiciária foi por BENTHAM denominada de prova circunstancial.Classificam-se as presunções em legais (juris) e comuns (hominis), subdividindo-se as primeiras em presunções juris et dejwre e presunções juris tantum. A essas expressões, imaginadaspelos doutôres da Idade Média, preferível seria a linguagem dosinglêses: presunções peremptórias (conclusive) e discutíveis (disputable). Entre nós, porém, correntes se

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tornaram aquelas expressões latinas.Presunção jwris et de jwre, também chamada legal absoluta,é presunção de verdade que a própria lei atribui a certos fatos,e que não comporta prova em contrário. Tem-se como verdadeindiscutível (pro veritate).São exemplos de presunções juris et de jure: a) - a doconhecimento da lei por parte de todos; b) - a de simulaçãofraudulenta na venda de ascendente a descendente sem consentimento dos demais descendentes; c) - decretada a interdição dodemente, presume-se-lhe juris et de jure a incapacidade jurídica.Outros casos poderiam ser ainda mencionados, como os dosarts. 248 § único, 258, 1.241 § único, e 1.720. Em todos êles, apresunção não é vencível por prova adversa.Por outro lado, existe presunção juris tantum, também denominada legal condicional, quando de um fato conhecido e verdadeiro se induz a veracidade de outro, enquanto não se demonstreo contrário. Ilustram essa modalidade os arts. 11, 131, 338, 943,944 e 945.A presunção hominis, ou presunção comum, não resulta dalei, fundando-se, porém, na experiência da vida, que permite aojuiz formar a própria convicção. Por exemplo, não é de se presumir que alguém, podendo evitá-lo, aceite prejuízo.Estabelece o Código de Processo Civil, no art. 251, que aprova contra presunção legal será sempre admitida, salvo quandoa própria lei a excluir.Provam-se ainda os atos jurídicos por exames e vistorias (inciso VI do art. 136). São as perícias, disciplinadas pelos arts.254 e seguintes do Código de Processo Civil.Exame é a apreciação de alguma coisa, por meio de peritos,para esclarecimento do juízo. Vistoria é a mesma operação, restrita, porém, à inspeção ocular. No inciso VII, a lei civil refere-se igualmente ao arbitramento, que é o exame de alguma coisa,também por intermédio de peritos, para determinar-lhe o valorou estimar em dinheiro a obrigação.Temos assim exame de livros, exame grafotécnico, exame degrupos sangüíneos. A vistoria, por sua vez, é diligência

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freqüentenas questões possessórias, nas demarcatórias e nas relacionadascom vícios redibitórios. O arbitramento surge na indenização dosdanos por atos ilícitos, nas desapropriações e nos alimentos.A vistoria pode ser ad perpetuam rei memorian, desde quese trate de terminar a existência ou as circunstâncias relativasa um fato transeunte e que de outra maneira não possam serfixadas.Em qualquer caso, o juiz não fica adstrito ao laudo, podendoordenar nova perícia. Como diz LOMÔNACO, a autoridade judiciária tem o dever de ouvir o parecer dos peritos, mas nãoo de segui-lo. É inconcusso princípio doutrinário, confirmadopela jurisprudência, não estar o juiz vinculado ao parecer do experto, devendo proferir decisão em conformidade com a sua consciência.Não existem outros meios probatórios. Gravação de voz,fotografias e filmes, em geral, são recursos ainda inseguros. Sópoderão constituir-se em prova idônea se oferecerem tôda a garantia, ou, pelo menos, grande probabilidade de revelar a verdade.

Outras disposições: - Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer peça judicial, do protocolodas audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do escrivão,sendo extraídas por êle, ou sob a sua vigilância, e por êle subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro escrivão concertados (Cód. Civil, art. 137).Certidão é a reprodução do que se acha exarado num determinado ato, livro ou documento; se textual, abrangendo todo oconteúdo do ato, chama-se certidão verbo ad verbum; resumida,compreendendo apenas os pontos indicados pelo interessado, chama-se certidão em breve relatório. Traslado é a cópia ou reprodução do que se encontra lançado num livro ou em autos.Estabelece o Código de Processo Civil, no art. 226, que as certidões e traslados extraídos de registros, autos, livros de notas

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e de outros documentos públicos, pelos escrivães, tabeliães e oficiais de registro terão por si a presunção de autenticidade.Atualmente, acham-se em grande voga as cópias fotostáticas.Sua admissibilidade, entretanto, está condicionada a certas exigências, devendo ser obedecido o disposto no art. 137 do Decreton.o 4.857, de 9-11-1939: os documentos fotostáticos só farão provaem juízo, quando acompanhados de certidão da transcrição dooriginal no registro de títulos e documentos.Alguns diplomas legais, como o Decreto-lei n.o 2.148, de25-4-1940, art. 2.o, Lei n.o 209, de 2-1-1948, art. 25, § 2.o, e Decreto-lei n.o 7.903, de 27-8-1945, art. 209, permitindo o uso dasfotocópias, exigem sua conferência e autenticação. Nesse sentido,existe em São Paulo provimento da Corregedoria Geral da Justiça, bem como decisões dos tribunais.Entretanto, apesar de não conferida ou autenticada, não éde se desprezar o valor probante da fotocópia, se a parte contrária não lhe contesta a exatidão.Acrescenta o art. 138 no Código Civil que "terão tambéma mesma fôrça probante os traslados e as certidões extraídas poroficial público, de instrumentos ou documentos lançados em suasnotas".O art. 139, a seu turno, dispõe: "os traslados, ainda que nãoconcertados, e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos,se os originais se houverem produzido em juízo como prova dealgum ato".Registre-se, todavia, que as certidões dos serventuários dejustiça merecem fé quando baseadas em autos judiciais ou em livros do cartório; tiradas de outros documentos, provindas de outras fontes, são graciosas e não merecem agasalho em juízo.Preceitua o art. 225 da lei adjetiva que dependerão de conferência com o original, na presença da parte contrária, as cópias, os extratos ou as públicas-formas de documento. A conferência poderá ser feita pelo escrivão do processo, ou por outro,para êsse fim nomeado, notificada a parte contrária.Os escritos de obrigação redigidos em língua estrangeira serão, para ter efeitos legais no país, vertidos em

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português (Cód.Civil, art. 140; Cód. Proc. Civil, art. 228; Cód. Comercial, art.125). Não fazem prova em juízo sem essa formalidade.Por fim, documentos passados em países estrangeiros, parafazerem fé em juízo, precisam ser legalizados pelos cônsules brasileiros do lugar, reconhecendo-se as firmas dêstes no Ministériodas Relações Exteriores, ou nas repartições fiscais da União. Sóexcepcionalmente se pode dispensar tal formalidade.

DAS NULIDADES. CLASSIFICAÇÃO E DISCRIMINAÇÃO. COMO SE DISTINGUE A NULIDADE ABSOLUTA DA RELATIVA. RATIFICAÇÃO DESTA.OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS POR MENORES. OUTRAS DISPOSIÇÕES.

Classificação e discriminação das nulidades: - Freqüentemente, ressentem-se de imperfeições os atos jurídicos. Essas imperfeições provêm de uma das três causas seguintes: a) - porfalta de elemento essencial e, portanto, indispensável à sua existência (consentimento, objeto, causa). Em tais condições é evidente que o ato, não tendo chegado a se completar, nenhum efeito pode produzir. A doutrina caracteriza essa situação com otêrmo inexistente, melhormente chamado ato incompleto ou atoinacabado no direito alemão; b) - o ato, reunindo embora todos os elementos fundamentais, foi praticado com violação da lei,é contrário à ordem pública, ou aos bons costumes, ou não observoua forma legal. Por tais razões, fica êle eivado de visceral nulidade, recusando-lhe a ordem jurídica os efeitos, que produziria,se fôsse perfeito. São os atos nulos (de ne ullus - nenhum);c) - finalmente, o defeito pode advir de imperfeição da vontade,ou porque emanada de um incapaz, ou porque sua declaração seinquinou de algum dos vícios do consentimento (êrro ou ignorância, dolo e coação), ou ainda porque a mesma vontade, desviando-se da lisura e da boa-fé, atuou no sentido de prejudicar aoutrem, ou de vulnerar a lei. Atos anuláveis é a expressão empregada para assinalar essa anomalia de menor gravidade.A doutrina distingue, por conseguinte, do ponto de vista desua imperfeição, três tipos de atos, formando, por assim

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dizer,verdadeira gradação no que concerne à sua intensidade: atos inexistentes, atos nulos e atos anuláveis. Outras imperfeições podem ainda ocorrer, instituindo, porém, meras irregularidades,que, de somenos importância, não chegam a afetar a higidez doato jurídico.Nosso Código não se referiu, de modo explícito, à primeiracategoria, tida presentemente como inútil complicação. O legislador pátrio considerou o ato inexistente simples fato, inidôneo à produção de conseqüências jurídicas. Diz mesmo NIBOYETque a palavra inexistente é assaz perigOSa, um pára-raios que atrairelâmpagos.Entretanto, fôrça é convir, ao nosso direito não repugna adivisão tripartida. Imagine-se compra e venda em que não sehaja fixado o preço. O vendedor diz: vendo tal objeto; o comprador aquiesce. Há a coisa e o consentimentO, mas inexiste umelemento essencial ao aperfeiçoamento do contrato e êste, assim,juridicamente, não se configura.A rigor, nem carece ser declarada sua ineficácia por decisãojudicial, porque o ato, em verdade, jamais chegou a existir, nem épossível invalidar o que não existe. Ato inexistente é o nada.A lei não o regula, porque não há necessidade de se disciplinaro nada.Na hora presente, a clássica e fundamental divisão das nulidades é a das nulidades absolutas e das nulidades relativas. Éa classificação do nosso legislador, o qual distingue os atos nulos(nulidade absoluta) dos atos anuláveis (nulidade relativa), osprimeiros indicados no art. 145 e os segundos, no art. 147.

É nulo o ato jurídico (art. 145):I. Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz(art. 5.o).II. Quando fôr ilícito, ou impossível, o seu objeto.III. Quando não revestir a forma prescrita em lei (arts.

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82 e 130).IV. Quando fôr preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.V. Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.No art. 147, diz o Código ser anulável o ato jurídico:I. Por incapacidade relativa do agente (art. 6.o).II. Por vício resultante de êrro, dolo, coação, simulação,ou fraude (arts. 86 a 113).Como desde logo se percebe da comparação entre as nulidades absolutas e as relativas, aquelas são muito mais graves, muito mais profundo é o atentado à ordem jurídica. O legisladorreprime-as de modo mais enérgico, aplicando-lhes a sanção maissevera.Nas segundas, a falta cometida é mais leve, sendo menos profundo o contraste com a ordem jurídica. A pena de nulidade,cominada para as primeiras, seria excessiva e por isso o direitopositivo, atenuando-a, criou a figura da anulabilidade.