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Unidade 1 O Big Brother começou? Você já ouviu falar no Big Brother? Não estou falando daquele que passa na TV. Porque se você acha que o Big Brother nasceu em uma emissora de TV, está muito enganado. Esta ideia existe desde 1948 quando George Orwell lançou um livro chamado 1984. Em seu excelente romance político George Orwell traz muitas questões para pensarmos: Imagine alguém que acompanha sua vida há muitos anos. Ele sabe tudo a seu respeito. Ele sabe o dia, a hora e o local onde você nasceu. Ele sabe se você nasceu de parto natural ou se foi uma cesariana, sabe o nome dos médicos que estavam lá... Você se lembra da primeira escolinha que você estudou? O nome da primeira professora? Imagine alguém que saiba disso. E sabe mais: ele sabe o nome de seus colegas de turma, quais notas que você tirou, os dias que faltou, as disciplinas que reprovou... Imagine alguém que tenha acesso a seu histórico de doenças, às vacinas que você tomou ao longo da vida, às doenças que você tem (até aquelas que não podemos contar para ninguém). Ele sabe onde você mora, seu tipo sanguíneo, o carro que você anda, onde você trabalha, quantas chamadas telefônicas você faz (e para quem), quantos televisores existem na sua casa, se você já tentou sonegar imposto, onde você faz compras, se já viajou para fora do país (onde? Com quem? Quanto tempo?)... E se isso tudo não bastasse, quando você morrer, os que ficarem para seu funeral devem comunicar do que você morreu, onde foi enterrado, com quantos anos veio a falecer... resumindo: desde o dia que nascemos até nossa morte existe alguém que nos acompanha. Quem é ele? Estado Em geral, a organização jurídica coercitiva de determinada comunidade. O uso da palavra Estado deve-se a Maquiavel [...]. O Estado é obra humana: não tem dignidade nem caracteres que não lhe tenham sido conferidos pelos indivíduos que os produziram (ABBAGNANO, 2012,p.423,424). O Estado é uma ideia. Uma invenção para organização do poder da sociedade. Isso significa que o Estado detém o monopólio da violência. Fazer a guerra e matar se tornam prerrogativas do Estado que as aplicam em condições, lugares e tempos específicos. E por que ele possui este monopólio? Para manter a ordem social. Dá para perceber, então, que o Estado é uma forma de dominação do homem pelo homem, que cria uma máquina pública, fundada no instrumento da violência legítima. A questão da legitimidade se torna vital quando falamos em Estado. Já vimos um pouco sobre legitimidade (web 3): “Legítima é toda forma de poder que se faz em conformidade com as normas instituídas, leis ou com os costumes. No longo prazo a legitimidade é o fundamento de todo poder político”.

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Unidade 1    O Big Brother começou?      Você já ouviu falar no Big Brother? Não estou falando daquele que passa na TV. Porque se você acha que o Big Brother nasceu em uma emissora de TV, está muito enganado. Esta ideia existe desde 1948 quando George Orwell lançou um livro chamado 1984. Em seu excelente romance político George Orwell traz muitas questões para pensarmos: Imagine alguém que acompanha sua vida há muitos anos. Ele sabe tudo a seu respeito. 

Ele sabe o dia, a hora e o local onde você nasceu. Ele sabe se você nasceu de parto natural ou se foi uma cesariana, sabe o nome dos médicos que estavam lá... 

Você se lembra da primeira escolinha que você estudou? O nome da primeira professora? Imagine alguém que saiba disso. E sabe mais: ele sabe o nome de seus colegas de turma, quais notas que você tirou, os dias que faltou, as disciplinas que reprovou... 

Imagine alguém que tenha acesso a seu histórico de doenças, às vacinas que você tomou ao longo da vida, às doenças que você tem (até aquelas que não podemos contar para ninguém). 

Ele sabe onde você mora, seu tipo sanguíneo, o carro que você anda, onde você trabalha, quantas chamadas telefônicas você faz (e para quem), quantos televisores existem na sua casa, se você já tentou sonegar imposto, onde você faz compras, se já viajou para fora do país (onde? Com quem? Quanto tempo?)... 

E se isso tudo não bastasse, quando você morrer, os que ficarem para seu funeral devem comunicar do que você morreu, onde foi enterrado, com quantos anos veio a falecer... resumindo: desde o dia que nascemos até nossa morte existe alguém que nos acompanha. Quem é ele?

Estado   Em geral, a organização jurídica coercitiva de determinada comunidade. O uso da palavra Estado deve-se a Maquiavel [...]. O Estado é obra humana: não tem dignidade nem caracteres que não lhe tenham sido conferidos pelos indivíduos que os produziram (ABBAGNANO, 2012,p.423,424).   

O Estado é uma ideia. Uma invenção para organização do poder da sociedade. Isso significa que o Estado detém o monopólio da violência. Fazer a guerra e matar se tornam prerrogativas do Estado que as aplicam em condições, lugares e tempos específicos. E por que ele possui este monopólio? Para manter a ordem social. Dá para perceber, então, que o Estado é uma forma de dominação do homem pelo homem, que cria uma máquina pública, fundada no instrumento da violência legítima. A questão da legitimidade se torna vital quando falamos em Estado. Já vimos um pouco sobre legitimidade (web 3): “Legítima é toda forma de poder que se faz em conformidade com as normas instituídas, leis ou com os costumes. No longo prazo a  legitimidade é o fundamento de todo poder político”.  

Estado e Soberania   Mas o Estado não precisa ser apenas legítimo. Deve ser soberano. Em poucas palavras, quer dizer que o Estado tem a posse de um território e é autônomo e independente em suas decisões. O Estado brasileiro não pode interferir na Argentina.  A Argentina não pode interferir no Chile. O governo do Chile deve cuidar do seu próprio território. Mas não foi sempre assim...  

 A ideia de soberania não é nova. Foi Jean Bodin (1530-1590) quem, pela primeira vez, trabalhou este conceito. Para ele a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma república. Soberano não é a pessoa, mas o Estado cujo poder é originário, ou seja, não é um poder delegado, que não foi recebido. O poder do Estado repousa em si mesmo, é irresistível, independente, absoluto e perpétuo.  

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Mas, para entendermos esta definição precisamos entender o passado. Vamos voltar no tempo. Você mora em uma pequena vila, na França, em 1654. Nesta vila, não existem mais do que quinhentas pessoas e o todos vivem (obviamente) ligados de uma forma ou de outra ao campo.   Neste ano, está ocorrendo a coroação de um rei muito importante para França. Qual o nome deste rei? Difícil saber a resposta, não é? Aliás, que diferença faz saber o nome do rei? Isso porque estamos na idade média: 

O direito de coletar impostos não pertence exclusivamente ao Estado 

Os exércitos não pertencem exclusivamente ao Estado; e, 

O poder para criar e aplicar leis não pertence exclusivamente ao Estado.  

   Que diferença faz o rei na minha vida, nesta vila medieval? Durante a idade média, o Estado tem sido uma organização católica romana que se submete à lei divina. O rei tem poderes limitados e vive uma vida de submissão ao papa (representante de Deus na terra). Você consegue perceber o drama do rei? Seu poder só é legítimo porque vem de Deus, mas, se for contra as leis de Deus, o rei perde legitimidade permitindo que seus vassalos tenham direito à resistência.  

Da para ver que o rei é uma figura esvaziada justamente porque o Estado não é soberano! Aos poucos, no entanto, o Estado vai ganhando força. Se expandindo. Adquirindo mais e mais poder. Rejeitando a autoridade externa... Você lembra que eu disse que no ano de 1654 um importante rei esta sendo coroado? Estamos falando de Luís XIV que além de lançar modas com perucas e roupas ajudou a cunhar a ideia que temos de soberania.    O imperador Sol, que se dizia ser o Estado em pessoa foi também o responsável pela concentração do poder na França. O Estado passa então a superar de forma gradativa a dependência em relação à Igreja e à dispersão do poder na idade média. Isto se dá de quatro modos: (DIAS, 2008, p. 62).   

A criação de um exército permanente e remunerado: há uma quebra no modelo medieval. Antes o rei se obrigava a proteger seus vassalos e mantê-los com concessões de feudos. Por outro lado, os vassalos deviam fidelidade e prestação de serviços (como, por exemplo, fornecendo exércitos). Agora não mais. Um exército vai sendo criado com um único centro de comando em torno do rei. 

A formação de uma burocracia composta por funcionários permanentes e competências bem delimitadas, economicamente dependentes e organizados de forma hierárquica.

A criação de um sistema de tributos que permitiu que os monarcas deixassem de depender das contribuições voluntárias da nobreza 

O estabelecimento de uma única ordem jurídica em todo o território.

Luís XIV governou por mais de 50 anos a França se autodenominando ‘O Estado’. Em suas mãos estava

todo o poder político. Disponível em: acessado dia 14/07/12. 

  

Levou bastante tempo para o Estado ter a forma que tem hoje, mas a semente já estava lançada. Agora

você entende a razão do porquê não podemos imprimir nosso próprio dinheiro em casa, temos um

exército particular ou fazermos leis. Ainda que isso pareça absurdo hoje, no passado tudo isso era muito

comum. O governo não é apenas soberano, mas, de certa forma, monopolizador. Todo dinheiro impresso

que não venha do próprio governo passa a ser considerado falso! Quem imprime dinheiro agora é

criminoso. Mesmo que se utilizem as mesmas máquinas que o governo usa. O problema não é a

qualidade da impressão, é a origem! O poder público se volta com toda sua força contra tais pessoas. O

Estado não abre mão do monopólio de cunhar moeda.      

Os limites para a soberania   

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O conceito de soberania vem sendo questionado nos últimos tempos. Podemos atualmente considerar

soberano um país do ponto de vista econômico ou cultural? Graças ao processo de globalização estamos

vivenciando uma contínua limitação dos poderes dos Estados que não parecem ser tão ‘supremos’ mais

como eram antigamente. Outra fonte de contestação são os grandes grupos empresariais e as ONGs

como atores globais.  

  Para que serve a ONU?    

Você já parou para se perguntar para quê serve a Organização das Nações Unidas? Ela tem poder para

interferir nos países? A ONU é um órgão que não está acima dos Estados (países). Como a ONU é uma

associação dos Estados, todos têm igualdade justamente por conta da soberania que deve ser

respeitada.  

 

A ONU busca articular ações entre os Estados membros visando o bem comum em diversas áreas como

saúde e educação, por exemplo. Seu poder não está acima dos países, e é por este motivo que não tem

exército. A ONU possui apenas forças de paz, com membros cedidos pelos Estados membros e que são

direcionados para missões relacionadas ao cessar-fogo, supervisão de retirada de tropas etc.  

Uma questão de soberania: o ‘pré-sal’ é nosso?     As vezes o caráter coercitivo do governo se choca com o interesse de outros governos em outros países que se declaram tão soberanos quanto nós o somos. Aí surge um impasse: até que ponto a defesa dos nossos interesses é justa? Devemos defender os nossos interesses mesmo quando não temos o direito? Vamos analisar um caso concreto: o pré-sal.   

Desde que foi descoberto o pré-sal já rendeu muito. Dinheiro? Não. Muitas histórias, debates, discussões.

Muito do que já foi dito sobre o pré-sal são meras conjecturas. Mas existem algumas verdades que

fizeram os olhos de muitas companhias petrolíferas brilharem. E eu estou falando de petróleo de boa

qualidade e em quantidades suficientes para alimentar a demanda mundial por um bom tempo. As

estimativas dão conta de que, só no pré-sal, exista mais do que 5 vezes o volume de petróleo já

descoberto no Brasil.    

Mas, nem tudo são flores. Os riscos são altíssimos. E se os campos não forem tão produtivos, no longo

prazo, quanto se previu? E se houverem problemas? Como fechar poços que estarão provavelmente de 5

a 7 mil metros de profundidade? E se não conseguirmos fechar algum poço com problema? Destruiremos

toda a fauna marinha do mundo? Percebe que existem alguns riscos que podemos correr e outros que

não podemos nem sonhar...    

Além dos ricos, os custos são estratosféricos. Algumas estimativas dão conta de que serão necessários

em torno de 600 bilhões de dólares para a exploração e produção do petróleo no pré-sal. Estes valores

representam quase a metade de todo o PIB brasileiro (somatórias de todas as riquezas produzidas em

um ano). Para se ter uma noção do que são estes valores, a Petrobras vale em torno de 123 bilhões de

dólares (PETROBRÁS..., 2012). Ou seja, um belo investimento. Deveríamos comprometer nossa maior

companhia arriscando a exploração do pré-sal? 

Mas quando falamos em pré-sal precisamos falar também de soberania. Sinceramente: será que o pré-sal

é nosso? Os acordos firmados pelo direito internacional estabelecem um limite para o território de um

determinado país mar adentro. Existe certa discussão em torno destes temas, mas convencionou-se dizer

que depois de aproximadamente 200 milhas náuticas1, entramos em águas internacionais. Bem, se são

internacionais não pertencem a ninguém.     

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Qual sua opinião? Temos direito ao pré-sal? Poderemos reivindicar o pré-sal como nosso bem

como suas riquezas mesmo se ele estivesse fora do território nacional?    O governo (ainda) deve reger nossas vidas?    As diferentes forças que compõe a sociedade têm levado um questionamento profundo das ações dos Estados. Até que ponto o governo é a organização mais efetiva para reger a coisa pública? Conseguiríamos uma forma de organização mais eficiente se abríssemos mão de parte do governo em setores específicos? Ou deveríamos abolir completamente o Estado como o conhecemos hoje como forma de organização política?  

  

As respostas envolvem desde a perda de legitimidade por parte do Estado até formas anárquicas de

organização (onde o Estado é totalmente dispensado).  

Em algumas partes dos EUA o governo federal não apenas é visto como corrupto, mas ilegítimo. A lei maior não é a lei federal, mas a estadual, a quem eu me submeto. 

A existência de poderes paralelos como no sul do México ou nas favelas brasileiras são uma forma de demonstrar que o Estado não é soberano, suas leis não são válidas em todo o território ou que as pessoas obedecem mais ao poder paralelo do que o poder político estabelecido pelo Estado. 

A internet pode ser vista como um exemplo de contra-poder descentralizado, anárquico, auto organizável. Um poder que não reconhece tribunais e soberanias. Se a internet se submetesse a algum governo ou multinacional já teria acabado há muito tempo a troca de MP3, vídeos, fotos, mensagens...

Soberania  “Esta é entendida como o caráter supremo de um poder, no sentido de que dito poder não admite nenhum outro, nem acima nem concorrendo com ele” (DIAS, 2008, p. 62) 

Unidade 2            

 

 As crianças, o Contrato e o Estado de natureza no parquinho   

 

Você já viu um grupo de crianças brincando no parquinho? Enquanto umas descem pelo escorregador,

outras se brincam na gangorra e assim todas se divertem. Neste parquinho existem mais brinquedos do

que crianças, dessa forma, existe lugar para todas e, com certo revezamento, dá para todas as crianças

usufruírem todos os brinquedos. Contudo, como o mundo não é perfeito, o numero de crianças aumentou

ao longo dos tempos. Começaram a surgir filas nos brinquedos considerados “mais divertidos”. Dizem até

que alguns grupos assumiram o controle dos brinquedos, permitindo que apenas possam brincar neles

algumas pessoas. Com o passar do tempo algumas crianças começam a cobrar das outras pela

oportunidade de brincar e o preço varia de acordo com a demanda: se muitas crianças querem brincar, o

preço daquele brinquedo sobe. Se o interesse não é tão grande o preço tende a cair.       

A vida não estava fácil no parquinho. Grupos se rebelaram e começaram a protestar usando cartazes e

dizendo palavras de ordem. Em algumas situações, as crianças ameaçavam partir para a via de fato,

querendo resolver as coisas pela força. É claro que este caminho não revolveria o problema

definitivamente. Por conta de todos os problemas gerados pela convivência decidem organizar um

governo que regulará a vida no parquinho.      

Na assembleia que as crianças marcaram para constituir o governo surge uma pergunta: que tipo de

governo deveria constituir? Qual o grau de intervenção que o governo deve ter na vida das crianças? Esta

é uma pergunta importante, pois o governo deve atuar apenas na medida certa. Mas qual a medida certa

de atuação do governo? Para responder a esta pergunta devemos entender qual oestado de natureza das

crianças deixadas a si. Em outras palavras: como viviam as crianças quando eram donas exclusivas de si

e de seus poderes. Se entendermos como era a vida antes de constituirmos o governo, poderemos

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entender o que justificou abandonar o estado de natureza e constituir, por um pacto, o governo. É o que

ficou conhecido como contratualismo.   

Contratualismo    Doutrina que reconhece como origem ou fundamento do Estado (ou, em geral, da comunidade civil) uma convenção ou estipulação (contrato) entre seus membros. Essa doutrina é bastante antiga, e, muito provavelmente, os seus primeiros defensores foram os sofistas. [...]   

Eclipsado na Idade Média pela doutrina da origem divina do Estado e, em geral, da comunidade civil, o Contratualismo ressurge na modernidade e, com o jusnaturalismo, transforma-se em poderoso instrumento de luta pela reivindicação dos direito humanos. As Vindiciae contra tyrannos,publicadas pelos calvinistas em 1579, em Genebra, retomam a doutrina do contrato para reivindicar o direito do povo a rebelar-se contra o rei sempre que ele descurar dos compromissos do contrato original. No mesmo espírito, João Altúsio generalizou a doutrina do contrato, utilizando-a para explicar todas as formas de associação humana. O contrato não é só contrato de governo que rege as relações entre o governante e seu povo, mas é também contrato social no sentido mais amplo, como acordo tácito que fundamenta toda comunidade e que leva os indivíduos a conviver, isto é, a participar dos bens, dos serviços e das leis vigentes na comunidade (ABBAGNANO, 2012, 239-240).    O contrato, então, é uma espécie de pacto sacramentado pelas pessoas que dá origem ao Estado. Foram três os filósofos contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. O ponto de partida para entendermos o tipo de contrato firmado pelas pessoas é o estado de natureza.  

Estado de natureza.   

 Os filósofos contratualistas partiam da hipótese do estado de natureza, em que o indivíduo vivia como

dono exclusivo de si e de seus poderes. Esses pensadores queriam compreender o que teria justificado

abandonar um fictício estado de natureza para constituir o Estado político, mediante contrato, bem como

discutir que tipo de soberania deveria resultar desse pacto.  

O que buscavam era a origem do Estado. Não se trata de uma abordagem histórica de modo que seria

ingenuidade concluir que a “origem” do Estado referia-se ao seu “começo”. O termo deve ser entendido

no seu sentido lógico, e não cronológico, como princípio do Estado, ou seja, como sua razão de ser. O

ponto crucial não é a história, mas a legitimidade da ordem social e política, a base legal do Estado

(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 302). 

  

Para entendermos melhor o estado de natureza precisamos voltar ao parquinho e ver o porquê as

crianças decidiram constituir uma forma de governo. A pergunta que devemos fazer é: como elas viviam

antes da constituição do governo? Existem algumas respostas para esta pergunta:    

O estado das crianças antes de constituírem o governo era de guerra. Cada criança se voltava contra a outra e o mais forte dominava. Esta hipótese é interessante, mas não é a única. 

Outra possibilidade seria: O estado das crianças antes de constituírem o governo era de egoísmo. Cada criança pensava

apenas em si em era juiz em causa própria. 

Uma terceira opção seria: O estado das crianças antes de constituírem o governo era de felicidade e bondade natural até o

momento em que surgiu a propriedade privada e uns passaram a dominar sobre os outros. Cada criança se voltava contra a outra e a guerra começava de novo.

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A constituição do governo é uma resposta a como as pessoas viviam antes de constituir a autoridade

política. Para cada estado de natureza há um pacto diferente que da origem a um Estado diferente. Para

entendermos melhor isso precisamos analisar cada um dos filósofos contratualistas e a maneira como via

o estado de natureza. Vamos começar com Thomas Hobbes.    

Thomas Hobbes    

(1588-1679), nasceu em Wesport, Inglaterra e escreveu em áreas tão diversas quanto filosofia, física,

matemática e direito. Mas é no campo da política que Hobbes é lembrado até hoje, especialmente com

sua obra “O leviatã” (1651).  

 

Na sua época havia uma discussão muito grande envolvendo os dois polos que organizavam a

sociedade: religião e política.  Estava em jogo a redefinição das dimensões da sociedade e da cultura

europeia. Todo o esforço de Hobbes consistirá em “definir as condições e os limites do verdadeiro

conhecimento, em estabelecer os princípios que fundamentam as regras do jogo político e em determinar

a situação e o papel da religião no Estado” (HUISMAN, 2004, p. 499).  

 

 Estado de natureza: O estado de natureza é de anarquia. O que gera disputa, inseguranca e medo. Foi

o egoísmo e as disputas que nos levaram a constituir governo. Vivemos um perpétuo estado de guerra do

homem contra o próprio homem - todos contra todos.    

A questão é que o ser humano não está pronto para reconhecer a igualdade entre as pessoas e acaba

usando da força para impor sua vontade. Na verdade, em todos os lugares onde as pessoas são iguais, é

a força que passa a resolver os conflitos. O que faz com que a sociedade acabe afundando em guerras

intermináveis. Para Hobbes as vontades individuais não se harmonizam o que torna necessário um pacto

para regular a convivência entre as pessoas.  

   

O contrato social: O medo e as disputas intermináveis levam as pessoas a criar uma autoridade política,

abrindo mão de seus direitos em nome de um soberano.     

O governo: Absoluto, com poder ilimitado. É importante que a passagem do poder de me governar para

o soberano seja total. De outra forma, se sobrar um pouco de liberdade para as pessoas, elas usarão esta

liberdade e farão a guerra novamente (explorando e escravizando novamente uns aos outros). Como

forma de garantir a paz estabeleceu-se um soberano que tenha o poder total.    

Para Hobbes, o governante deve usar da força (governar com a espada), pois se não houver o receio da

punição, dificilmente haveria correção no comportamento. Na verdade, o soberano não precisa ter medo

de abusar do seu poder, pois, como seu poder é ilimitado, absoluto, não existem limites a extrapolar. O

líder pode ser generoso ou cruel que não pode ser questionado: sua presença não é validada por sua

generosidade, mas pela necessidade de um moderador entre as pessoas. O estado de natureza justifica

um governante forte.  

Se estivéssemos no parquinho...  

Estado de natureza: as disputas pelos brinquedos mais divertidos e a força das crianças maiores faria com que houvesse uma constante guerra de todas as crianças contra todas as crianças. A brincadeira iria dar lugar à luta.    

O contrato social: por meio de um pacto e em nome da paz, todas as crianças decidem abrir mão de seu poder pessoal para que uma única criança tenha o poder de governar.    O governo: uma criança será o rei do parquinho, com poderes totais para que possa impor limites aos mais fortes e ajudar os menores. Apesar de sua clara influência Thomas Hobbes, suas ideias atraíram muitos opositores, especialmente por servirem para fundamentar governos, digamos assim, muito diferentes entre si. Embora Hobbes defenda um governo absoluto, ele rejeita a ideia do direito divino de

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governar. A fonte do poder do rei está no contrato e é este pacto que torna o governo legítimo. Contudo, a ideia da entrega do poder ilimitado e a constituição de um soberano se tornaram insustentáveis com o passar do tempo e mais uma vez buscava-se um fundamento para constituição do governo. É aí que aparece a figura de John Locke.    John Locke (1637-1704) tinha um posicionamento diferente de Hobbes. Ele nasceu perto de Bristol, na Inglaterra, e sua reflexão foi conduzida pela primeira revolução inglesa que envolveu disputas entre o rei e o parlamento e guerra civil. Segundo o Dicionário dos filósofos:  

John Locke parte de um estado de natureza diferente de Hobbes e chega, por conta disso, a uma forma de governo diferente. Para Locke o estado das pessoas deixadas a si não é o de guerra. Em outras palavras, se não houvesse poder político eu não teria a guerra entre minhas prioridades máximas. Mas, se não vivemos em guerra então o que levou as pessoas a abandonar sua situação natural, delegando o poder a outrem?    Estado de natureza: No estado de natureza, cada um é juiz em causa própria. E é justamente por conta disso que as relações entre as pessoas correm o risco de se desestruturarem. A busca pela segurança e a defesa dos direitos fundamentais levam as pessoas a consentir na criação do poder político.    O contrato social: Enquanto para Hobbes o pacto entregava o poder absoluto e indivisível ao soberano, em Locke o pacto dá origem ao poder legislativo - que, alias, está acima do executivo.    Governo: Liberal. O Estado não deve intervir, mas garantir o livre exercício da propriedade, da liberdade e da iniciativa econômica. Em outras palavras, deve legislar mais e agir menos.    Se estivéssemos no parquinho...    Estado de natureza: todas as crianças são livres, mas na disputa pelos brinquedos mais divertidos, elas colocam seus interesses pessoais acima da dos demais, ferindo a liberdade das outras crianças.    O contrato social: por meio de um pacto e em nome da defesa dos direitos de cada criança, todos decidem criar um governo que legisle entre eles criando regras para usar o parquinho que visem o bem comum.    O governo: um grupo de crianças serão os legisladores do parquinho, com poder para criar as regras que limitem os mais fortes e ajudem os menores.    Para Locke, no estado de natureza os homens eram livres, e, através de um pacto, eles consentem em criar um governo que proteja esta liberdade original. Desta forma não cabe um governo grande e atuante. Pelo contrário. O governo deve ser menor e sua principal atribuição é o legislativo visando preservar os direitos de propriedade dos cidadãos. Mas qual é a principal propriedade que alguém tem? Seu carro? Sua casa? Grande engano... a principal propriedade que temos é nosso corpo, nossa vida. A vida é um direito inviolável, o que significa que ela deve ser defendida por todos os meios. Não cabe ao governo decidir o que eu faço com minha vida, mas regular para que a minha vida não fira o direito de outros à vida. Não cabe ao governo decidir o que eu faço com minha liberdade, mas regular para que minha liberdade não venha a ferir a liberdade de outros. Vamos a um exemplo na próxima página.  

 Você já se perguntou por que na Holanda é possível fazer eutanásia enquanto no Brasil não? Seguindo a

linha de raciocínio da constituição holandesa, se minha vida diz respeito a mim, não cabe ao governo

dizer o que faço com ela. Minha vida é o que eu tenho de mais sagrado, é inviolável. Sendo assim, jamais

a decisão sobre ela pode ser tomada pelo governo. Resumindo: se escolhi que puxassem os aparelhos

da tomada, eles deverão ser desligados. Esta regra vale também para coisas menos usuais do que a

Eutanásia, como pode ser visto na reportagem reproduzida a seguir. 

Holanda libera sexo em praça pública  

Amsterdã, a capital da Holanda, aprovou o sexo entre casais homo e heterossexuais na praça pública de Vondelpark, uma das principais da cidade. O ato sexual somente será permitida no período da noite, longe dos playgrounds. A sujeira produzida pelos casais devem ser recolhidas pelos próprios.    

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"Não podemos nos opor contra uma lei. Apesar disso, não vai ser uma perturbação para quem visita o parque e vai gerar muito prazer para um certo grupo de pessoas", afirmou Paul Van Grieken, membro do conselho da prefeitura, ao site Ananova (HOLANDA.... 2008).  

   

Mesmo que pareça uma lei um tanto quanto exótica, não podemos negar que ela não seja coerente com

a defesa da liberdade individual. Não cabe ao governo dizer o que as pessoas devem fazer com sua

liberdade. Deve garantir que minha liberdade não fira os direitos das outras pessoas. É por esse motivo

que o sexo só é permitido no parque caso:  

Esteja escuro: a ideia é que ninguém veja, até porque, se alguém se sentir ofendido sua liberdade estará sendo ferida. 

Toda sujeira seja recolhida: como ninguém é obrigado a ver o resultado da festa alheia, a pessoa é obrigada, em nome do bem comum, a limpar qualquer sujeira que produzir.

 O pensamento de Locke deve ser entendido à luz do que ficou conhecido como liberalismo. Os ideais

liberais se estenderam a outras áreas da atividade humana como a economia, por exemplo. O pai da

economia moderna, Adam Smith (1723-1790), combatia a intervenção do rei nos negócios que

geralmente gerava monopólios e privilégios a grupos específicos arruinando a economia como um todo.

Mas se não é o rei, então quem deve conduzir a economia? Resposta: a mão invisível. Mas isto é outra

história...   O pensamento de Locke tem suas limitações. De acordo com Aranha e Martins:    Locke, no entanto não é o único a fazer uma reflexão sobre o estado de natureza e o contrato social. Vamos falar agora de Rousseau (lê-se Russô).     Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um escritor suíço que viveu grande parte de sua vida na França. Entre seus escritos mais importantes está O contrato social (1762) e, embora tenha sido um grande pensador, os franceses por muito tempo não o compreenderam. Na Alemanha, ao contrário, se tornou bastante conhecido graças em parte, ao filósofo Emmanuel Kant seu contemporâneo.    Para Rousseau, o estado de natureza é diferente do que “viu” Locke. E não apenas isso, seu pensamento introduziu a ideia de “democracia direta” novidade da época. Mas, vamos começar no começo:    Estado de natureza: as pessoas viviam em bondade natural, sadios, cuidando da própria sobrevivência até que surgiu a propriedade privada e uns passaram a dominar sobre os outros gerando escravidão. As diferenças entre ricos e pobres, fracos e fortes fizeram com que o individuo fosse corrompido pela sociedade e predominassem mais uma vez a lei do mais forte. 

Contrato social: de acordo com o pacto, todos os integrantes da sociedade decidem abdicar de seus

direitos em favor da comunidade. A adesão deve ser total para que ninguém saia prejudicado. A

concepção de Rousseau é diferente de Hobbes porque não se institui a figura do soberano.    

Governo: Democracia direta ou participativa. Neste caso o cidadão continua com seus direitos garantidos

mesmo abrindo mão da liberdade ao constituir o todo político. Como assim? Como a pessoa é parte

integrante do governo criado através do pacto, quando se submete ao governo, não está se submetendo

a algo distinto dele mesmo.   

 Se estivéssemos no parquinho...   

Estado de natureza: as crianças nasceram naturalmente boas, mas maldito o momento em que uma

delas cercou um brinquedo e disse: “isso é meu”, e surgiram outras crianças suficientemente ingênuas

para acreditar nela.    

O contrato social: por meio de um pacto e em nome da felicidade, todas as crianças sem exceção

decidem abrir mão de sua liberdade e constituir um governo que atue garantindo o bem comum.  

O governo: todas as crianças se reunião em assembleia para fazer valer seus direitos, garantindo a

felicidade de todos no parquinho, limitar os mais fortes e, assim, ajudar os menores.    

Para Rousseau o povo é soberano e sua vontade passa a determinar o destino do corpo político que ele

constitui. Ele da origem a uma forma distinta de governo que combate o absolutismo e vai além dos

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conceitos de Locke especialmente por democratizar o poder. A seguir um breve resumo dos três

pensadores.    

  

 

        Resumindo:  

O Estado é uma ideia. Uma invenção para organização do poder da sociedade. Isso significa que o Estado detém o monopólio da violência. Fazer a guerra e matar se tornam prerrogativas do Estado que as aplicam em condições, lugares e tempos específicos. 

Jean Bodin (1530-1590) trabalhou o conceito de soberania do Estado. Para ele a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma república. Soberano não é a pessoa, mas o Estado cujo poder é originário, ou seja, não é um poder delegado, que não foi recebido. O poder do Estado repousa em si mesmo, é irresistível, independente, absoluto e perpétuo.

O conceito de soberania vem sendo questionado nos últimos tempos. Podemos atualmente considerar soberano um país do ponto de vista econômico? Graças ao processo de globalização estamos vivenciando uma contínua limitação dos poderes dos Estados que não parecem ser tão ‘supremos’ mais como eram antigamente. Outra fonte de contestação são os grandes grupos empresariais e as ONGs como atores globais. 

Contratualismo: doutrina que reconhece como origem ou fundamento do Estado (ou, em geral, da comunidade civil) uma convenção ou estipulação (contrato) entre seus membros. 

Estado de natureza: os filósofos contratualistas partiam da hipótese do estado de natureza, em que o indivíduo vivia como dono exclusivo de si e de seus poderes. Esses pensadores queriam compreender o que teria justificado abandonar um fictício estado de natureza para constituir o Estado político, mediante contrato, bem como discutir que tipo de soberania deveria resultar desse pacto. 

Thomas Hobbes. Estado de natureza: de anarquia. O que gera disputa, inseguranca e medo.Contrato social: O medo e as disputas intermináveis levam as pessoas a criar uma autoridade política, abrindo mão de seus direitos em nome de um soberano. Governo:absoluto, com poder ilimitado. 

John Locke. Estado de natureza: cada um é juiz em causa própria. Contrato social: o pacto dá origem ao poder legislativo. Governo: Liberal. O Estado não deve intervir, mas garantir o livre exercício da propriedade, da liberdade e da iniciativa econômica. 

Jean-Jacques Rousseau. Estado de natureza: as pessoas viviam em bondade natural, sadios, cuidando da própria sobrevivência até que surgiu a propriedade privada e uns passaram a dominar sobre os outros gerando escravidão. Contrato social: de acordo com o pacto, todos os integrantes da sociedade decidem abdicar de seus direitos em favor da comunidade. Governo: Democracia direta ou participativa.