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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ RUY WALTER D’ALMEIDA JUNIOR PEC DAS COMARCAS: PROCESSO LEGISLATIVO VITORIOSO APÓS TRAIÇÃO PALACIANA

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

RUY WALTER D’ALMEIDA JUNIOR

PEC DAS COMARCAS: PROCESSO LEGISLATIVO VITORIOSO APÓS TRAIÇÃO

PALACIANA

Rio de Janeiro

2016

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RUY WALTER D’ALMEIDA JÚNIOR

PEC DAS COMARCAS: PROCESSO LEGISLATIVO VITORIOSO APÓS TRAIÇÃO

PALACIANA

Dissertação apresentada à Universidade

Estácio de Sá como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre em Direito.

ORIENTADOR: Prof. Dr. MARCELLO RAPOSO CIOTOLA

Rio de Janeiro

2016

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D136p D’Almeida Junior, Ruy Walter PEC das comarcas: processo legislativo vitorioso após

traição palaciana / Ruy Walter D’Almeida Júnior. – Rio de Janeiro, 2016.

110f. ; 30cm.

Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade Estácio de Sá, 2016.

1. Direito constitucional. 2. Defensoria pública, Legislação. 3. Processo legislativo. 4. PEC 247. I. Título.

CDD 341.2

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RESUMO

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece em seu artigo 5º, inciso LXXIV

que a assistência jurídica integral é dever do Estado brasileiro, a ser prestado de maneira

gratuita, pela Defensoria Pública. Originariamente, a atual Constituição traçou a característica

da essencialidade da Instituição, deixando a cargo do constituinte derivado, e do próprio

legislador, o robustecimento da Instituição, dando-lhe autonomia, iniciativa de lei para a

criação de cargos, bem como fixação de sua política remuneratória através da Emenda à

Constituição nº 80, de 2014. O presente trabalho tem por objetivo analisar o processo

legislativo que deu ensejo à promulgação da então PEC 247, seu trâmite e os reflexos na

Instituição brasileira.

Palavras-chaves: Defensoria Pública. Processo Legislativo. PEC 247.

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ABSTRACT

The Constitution of the Federative Republic of Brazil establishes in its fifth article, item

LXXIV the full legal assistance is a duty of the Brazilian State, to be provided, free of charge,

by the Public Defender. Originally, the current Constitution has outlined the characteristic of

essentiality of the institution, leaving it to the derived constituent, and to the legislature itself,

the toughening of the institution, giving it autonomy, legal initiative for creating jobs and

fixing its policy remuneration through the Amendment to the Constitution No. 80, 2014. This

study aims to examine the legislative process that gave rise to the promulgation of the ACP

247, its course and reflexes in this Brazilian institution.

Keywords: Public Defender. Legislative Process. ACP 247.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................3

2 A INEFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................................................................................................5

3. BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA ESTATAL NO BRASIL....223.1. A assistência judiciária no Brasil: Império e República, Era Vargas, Ditadura Militar - Nasce um embrião em terras fluminenses.........................................................223.2. Nasce a primeira Lei Orgânica regulando a Assistência Judiciária em terras fluminenses...........................................................................................................................263.3. A contribuição de Wellington Moreira Franco.....................................................293.4. A Constituição Cidadã.............................................................................................303.5. A primeira lei orgânica nacional.............................................................................333.6. A autonomia das Defensorias Públicas Estaduais.................................................373.7. A nova lei orgânica nacional...................................................................................393.8. A traição palaciana...................................................................................................433.9. A volta por cima.......................................................................................................503.10. A Constituição brasileira, a influência do neoconstitucionalismo através dos "constitucionalistas comunitários" na Assembleia Nacional Constituinte, a Reforma Constitucional e as modificações introduzidas pela PEC das Defensorias....................53

3.10.1. Ambiência jurídico-política em tempos de Assembleia Constituinte...............533.10.2. A influência dos "comunitários" no processo de elaboração da Constituição de 1988 603.10.3. Do processo legislativo para modificação formal da Constituição..................64

4. DO PROCESSO DE REFORMA CONSTITUCIONAL NO BRASIL, ETAPAS DO PROCESSO LEGISLATIVO E ESPECIFICIDADES DO PROCESSO LEGISLATIVO DA PEC 247.............................................................................................................................69

4.1. Da iniciativa do Processo Legislativo para Emenda à Constituição no Brasil. . .694.2. Especificidades da iniciativa da PEC 247/2013.....................................................714.4. A PEC 247 chega ao Plenário da Câmara dos Deputados....................................824.5. A chegada ao Senado Federal.................................................................................95

5. CONCLUSÃO................................................................................................................100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................104

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1 INTRODUÇÃO

O labor diário, em mais de quatorze anos, em órgãos de atuação e administrativos na

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro trouxeram um turbilhão de sentimentos a

ponto de se ter a sensação de dever cumprido, por um lado, e de outro a de que o “enxugar de

gelo” diante da imensa procura do necessitado pelo serviço público de assistência jurídica

integral, prometido pela Constituição em seu artigo 5º, inciso LXXIV, muitos já sem

esperança, outros com o intento de aproveitar algo que lhe está sendo oferecido gratuitamente,

ainda que de maneira precária. Se é de graça, por que não aproveitarmos?

O que mais impressiona é a imensa gama de desassistidos brasileiros que não dispõem

de sequer um profissional minimamente habilitado e formado, com o mínimo de cultura

jurídica(e geral), capaz de fazê-lo enfrentar Instituições Financeiras, ávidas por abocanhar

seus já parcos recursos, amealhados no ganho mensal de um salário mínimo defasado,

principalmente diante da inacreditável promessa constitucional(conforme artigo 7º, inciso IV)

dos requisitos que vão nortear o Executivo na proposta de atualização de seus valores.

A experiência na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, já tão difícil, não é

parâmetro para o resto do Brasil, embora os demais Entes da Federação nela se espelhem para

que sirva de norte na busca de seu tamanho e respeitabilidade institucional frente aos Poderes

do Estado e das demais Instituições congêneres. O Brasil é um país sem Defensores Públicos

na maioria de suas Comarcas, situação já verificada por estudos da própria União, pelo

Ministério da Justiça e do INEA.

O Brasil é um país sem defensores, mas o próprio Estado brasileiro procura entender o

porquê desta deficiência já tão alertada, divulgada, principalmente quando em jogo direitos

indisponíveis, como dos de família, no processo criminal, na execução das penas já impostas e

seu cumprimento nos estabelecimentos prisionais, no acompanhamento de medidas protetivas

a menores em conflito com a lei e na própria na justiça cível, questões previdenciárias,

acidentes de trabalho, ações contra a Fazenda Pública, consumidores em geral, remoções

ilegítimas por parte do Poder público, enfim, as mais variadas questões que são essenciais à

vida digna, cujo parâmetro encontramos nos fundamentos do Estado brasileiro.

A Constituição promulgada em 1988 foi inédita quanto à menção expressa da

Defensoria Pública como Instituição-instrumento do direito de acesso à justiça e da

assistência jurídica integral, que perpassa a noção de acesso a um processo justo, mas também

engloba(e isso passou a ser expresso na Constituição) a assistência extrajudicial, a elaboração

de ofícios gratuitos, pedidos de certidões junto a serventias judiciais e extrajudiciais,

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orientação jurídica, pura e simples(aconselhamento) e medição. Mas não bastou para que o

país se conscientizasse de que a maioria da população brasileira é consumidora em potencial

dos serviços da Defensoria Pública, ainda, em muitos estados, criada, mas inexistente

materialmente.

Se os poderes públicos deixam de cumprir a Constituição, até porque para a

materialização da Instituição nos Entes Federados, torna-se necessário o advento de lei

complementar, o Supremo Tribunal Federal acaba por se imiscuir em atividades que seriam

prioritariamente do legislador e do poder Executivo, no repasse de orçamento compatível com

o desenvolvimento de atividades institucionais para a maioria da população brasileira. A

natureza jurídica do direito, a inefetividade da norma que garante o acesso ao serviço público

essencial e contribuição do Supremo Tribunal Federal na efetiva implantação da

universalidade do serviço será analisada no Capítulo I.

Desde o Século XIX houve menções, ainda que tímidas, ao direito à assistência

judiciária, ou seja, o pagamento de profissional habilitado para o acompanhamento de

processos, principalmente criminais, como se verá no Capítulo II, mas foi no Estado do Rio

de Janeiro que o embrião se tornou realidade e hoje a Instituição está presente em todas as

suas Comarcas, inclusive com órgãos desvinculados dos jurisdicionais, como Núcleos de

Primeiro Atendimento, Especializados, como o do Consumidor, Mulheres vítimas de

violência, Sistema Penitenciário, Fazenda Pública etc.

Se por um lado a Constituição brasileira originária foi bastante contida em relação à

Defensoria Pública, o advento de Emendas nestes vinte e oito anos de vigência a colocaram

em patamar de igualdade(ainda que no campo normativo) com as demais Instituições estatais

como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, ocorrendo verdadeiro robustecimento da

ideia original.

Embora haja vozes minoritárias em contrário, foi com o advento da Lei Complementar

nº 132/2009 e com a Emenda nº 80/2014 que as mudanças vieram para o plano das normas

com grande possibilidade de sucesso, até porque agora há prazo expresso para a concretização

definitiva do direito fundamental à assistência jurídica prestada pelo Estado. O processo

legislativo que deu ensejo a estas modificações está analisado no terceiro capítulo.

O tempo dirá se a Defensoria Pública efetivamente vai conseguir universalizar seus

serviços considerados pela própria Constituição como essenciais, trazendo para a maioria da

população brasileira acesso não apenas á justiça, mas a assistência jurídica extraprocessual.

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2 A INEFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E O PAPEL DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Visando à (re)implantação de um regime democrático no Brasil em meados dos anos

oitenta, optamos por positivar, em 1988, uma Constituição analítica, muito embora seu texto

traga normas sem conteúdo definido, abertas mesmo, sem delineamento, apenas enunciando

direitos sem a dosagem de qualquer critério de como torná-los viáveis, palpáveis, exercíveis

no campo social, prático, real.

Somente no Século XX, tivemos marcadas décadas de autoritarismo advindo de

regimes de exceção que impediram o avanço dos ideais democráticos e, por conseguinte, das

próprias Instituições que podem garantir a efetividade da democracia e, portanto, da

legitimidade da Ordem Jurídica. No último período de exceção vivido no Brasil,entre os anos

de 1964 e 1985o Brasil ainda viu duas amargas derrotas na implantação da democracia que

contribuíram para o atraso na nossa evolução institucional, como lembra Luís Roberto

Barroso1, quais sejam, a morte de Tancredo Neves, em 1985, e o impedimento de Fernando

Collor de Mello, nos idos de 1992. Não merecíamos estes contratempos após longo e penoso

período de exceção, mas ainda assim, após os movimentos conhecidos por “Diretas já”,

pudemos superar nossas angústias com a esperança de implementar um nova realidade

constitucional no país, com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, em

meio a uma inflação galopante e à insegurança jurídica que adveio, naturalmente, com tantos

planos econômicos fracassados e com um governo central chefiado por José Sarney.

Com a promulgação da “Constituição Cidadã”, proclamada assim por Ulysses

Guimarães, tivemos em mãos um diploma normativo tinindo de novo, agora consubstanciado

na legitimidade popular, com dose de consensualidade, após realização de pleito em que

escolhemos, por meio do voto, Governadores e parlamentares que iriam compor, dentre as

demais atribuições parlamentares, a futura Assembleia Constituinte no Congresso Nacional e

nos Estados da Federação. A nova Constituição, portanto, trazia em si o sentimento popular

de mudança de Estado- de exceção para o Estado Democrático de Direito, em cujo preâmbulo

já se mostravam seus primazes intentos, erigindo postulados como democracia, direitos

sociais, liberdade, bem estar, igualdade, fraternidade, justiça, à categoria de valores supremos

da nova realidade estatal inaugurada. Enfim, postulados que demonstram a valoração do

constituinte com os ideais do constitucionalismo comunitário, democracia, dignidade da

1BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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pessoa humana, valores sociais cuja estrutura voltaria a ser pautada na legitimidade que

advém da consensualidade popular. Afinal, segundo José Afonso da Silva, está no princípio

da soberania popular o fundamento dos direitos e garantias2.

A história do constitucionalismo nos mostra que a sistematização e codificação das

normas estatais em textos escritos,como o Código de Napoleão, coincidiram com a perda de

força do Jusnaturalismo, abrindo campo para o advento do Positivismo Jurídico e, portanto,ao

apego à objetividade do Direito, espancando qualquer possibilidade de transcendência ou

abertura do conteúdo da norma a possibilitar o alço do voo interpretativo mais largo.

O combustível para a formação dos Estados liberais está justamente no

Jusnaturalismo, que tornou possível e fundamentado o enfrentamento das monarquias

absolutistas, como ocorreu na independência dos Estados Unidos, em 1776 e na França em

1789, com a Revolução francesa. O que se tornou mola propulsora, todavia, ensejou o

abandono, uma vez que o homem amadurecera e a ciência passou a ser o norte indiscutível.

As teses fundamentais do positivismo jurídico, na voz de Luis Roberto

Barrosopassaram a ser: a) a ciência como único conhecimento verdadeiro, depurado de

indagações teológicas ou metafísicas; b) o conhecimento científico como sendo objetivo,

fundando-se na distinção entre sujeito e objeto e no método descritivo, para que seja

preservado de opiniões, preferências ou preconceitos e c) o método científico devia ser o

empregado nas ciências naturais, baseado na observação e na experimentação.3

Apartara-se o Direito da moral e dos valores transcendentes. A ciência do Direito,

segundo Bobbio, “exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ele deseja ser um

conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão são sempre

subjetivos(ou pessoais) e consequentemente contrários à exigência da objetividade”4.

Embora munidoda certeza de um sistema perfeito de regras que não necessitava de

fundamento a justificar sua legitimidade, com a derrubada de regimes autoritários europeus, o

Positivismo Jurídico viu-se despido de sua empáfia, entrando em decadência no bojo do pós-

guerra com a queda do Nazismo e do Fascismo.

Abriu-se possibilidade para o movimento de constitucionalização do Estado de Direito

e com o que provisoriamente convencionou-se a chamar de Pós-positivismo, a eclosão dos

Estados Constitucionais e a redefinição dos sistemas, tendo-se por pioneiras, no continente

europeu, a Alemanha, com a Constituição de Bonn, em 1949, na Itália, em 1947. Em Portugal

e na Espanha, após a queda de Salazar e Franco, respectivamente, a redemocratização se deu 2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Malheiros, [S. a.], p.161.3 Ibid., p. 261. 4BOBBIO, Norberto. Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone, 1995, p.135.

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apenas duas décadas após, com as respectivas Constituições de 1976 e 1978, influenciando de

maneira acurada o constituinte brasileiro em 1987, com a instalação da Assembleia Nacional

Constituinte.

Com o advento do pós-positivismo, tornou-se premente a releitura dos modelos

constitucionais até então vigentes, trazendo-se para o centro do debate jurídico o Estado

Constitucional de Direito, a Jurisdição Constitucional como atividade estatal capaz de realizar

os direitos fundamentais que derivam necessariamente da dignidade da pessoa humana.

Ressurgiram conceitos, outrora esquecidos, como justiça e legitimidade, buscando-se, com

isto, uma releitura moral da Ordem Jurídica constitucional e legal.

A influência do constitucionalismo democrático na Ordem Jurídica brasileira traz sua

marca já no preâmbulo constitucional, nos fundamentos e objetivos fundamentais

incorporados no texto constitucional, e esta a benéfica influência dos denominados

constitucionalistas "comunitários" europeus que abriram caminho ao pensamento dos

doutrinadores brasileiros de vanguarda.

Nossa história constitucional sofreu rupturas com regimes autoritários5, o que

dificultou, segundo Gisele Cittadino, a adoção do constitucionalismo patriótico de que fala

Ackerman, o republicano, por Taylor ou o patriotismo cívico proposto por Dworkin. Segundo

a autora, andou bem nossa Constituição ao erigir a participação popular nas políticas e, como

base sólida, na reconstrução do Estado de Direito, ressaltando-se imenso acerto dos

“comunitários”, ao erigirem “prioridade aos mecanismos participativos que buscam garantir o

sistema de direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal”, até mesmo para se

enfrentar as mercantes divisões sociais, a cidadania de baixa intensidadedo brasileiro.6

A cidadania participativa, que garante a efetividade do sistema de direitos trazido pela

Constituição, baseia-se no princípio da soberania popular e da plena atuação do Judiciário no

desenvolvimento da jurisdição constitucional e é nesta aposta que se tem o progressivo

fortalecimento, ao lado dos demais direitos fundamentais do acesso universal à justiça e da

prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, incluída no rol dos

direitos e garantias fundamentais no inciso LXXIV do artigo 5º.

A contenção no texto originário quando criou, de maneira inédita, a Instituição

Defensoria Pública no Brasil fica menos alarmante no decorrer das décadas seguinte à

promulgação da Constituição. O constituinte reformador, em diversas situações, deixa claro o

5Somente no século XX, tivemos dois períodos de exceção: o Estado Novo de Vargas de 1930 a 1945 e a ditadura militar, cujo golpe se deu em 31 de março de 1964, perdurando por mais de duas décadas.6CITTADINO, Giselle. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. 4. ed. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

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intento(e apenas isto, diante do teor lacônico do texto originário).Em 1988 teve-se o impulso

inicial com perspectiva de crescimento, da caminhada na estrada da busca de efetividade do

acesso a essencial direito que não se prende às lides judiciárias, mas também a assuntos

extrajudiciais, garantindo-se, ao destinatário da norma constitucional, a isenção em todos os

matizes da vida jurídica.

É esta a posição de Barbosa Moreira já em 1992, analisando a expressão constitucional

assistência jurídica integral e gratuita, trazida de maneira expressa no texto constitucional

recém promulgado7. A Doutrina analisa com muita naturalidade o robustecimento das

garantias e objetivos da Defensoria Pública, sendo o papel do constituinte reformador o de

remover o véu que poderia impedir a interpretação das normas afetas à matéria, trazendo, de

maneira expressa, a real intenção da Constituição originária.

Não há duvida de que as reformas que se sucederam nestes 28 anos de promulgação da

Constituição só vieram a lume por exclusiva dificuldade em se materializar o óbvio. A

Constituição não passa de uma folha de papel8se não for concretizada, realizada, posta em

prática pelos órgãos estatais com competência para fazê-lo e por todos nós, considerando-se a

relevância política da participação popular nas decisões estatais já aqui demonstrada. Há,

portanto, repartição de responsabilidades na inoperância estatal quanto à falta(ou prestação

pífia) de serviço essencial, isto quanto aos fundamentais civis, políticos, sociais, enfim, todos

aqueles que reclamam prestações positivas para que se realizem socialmente.

A esperança é que se tenha efetividade das normas constitucionais, adotando-se

nomenclatura utilizada por Karl Lowenstein9, evitando-se o lamentável fenômeno da

insinceridade constitucional que redundará em frustração.

Demasiadamente frustrante a inefetividade das normas constitucionais, principalmente

quando se tem por conteúdo direitos fundamentais, tomado como mola propulsora o princípio

7MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro no nosso tempo. Temas do Direito Processual. 5. ser. São Paulo: Saraiva, 1994.8Expressão utilizada por Ferdinand Lassale (LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Tradução de Walter Stöner. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1985).9Tornou-se célebre a classificação ontológica das Constituições de Lowenstein, diferenciando-as entre as normativas, nominais e semânticas. no primeiro caso, o das constituições normativas, tem-se constituição efetivamente integrada na sociedade, onde suas normas dominam o sistema político e este se submete às suas regras; no caso das nominais, têm-se constituições pautadas no caráter politico e educativo, sanando-se eventual desarmonia entre o que ela prevê e a realidade; já na semântica, típico caso de submissão das regras e princípios constitucionais aos detentores do poder de fato. Tivemos, segundo análise de Luis Roberto Barroso, Constituições no Brasil que se adequam aos três casos: as de 1891,1934 e 1946 foram nominais; as de 1937, 1967 e 1969, semânticas. Aspiramos que a de 1988 torne-se efetivamente normativa. (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas-limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003).

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da dignidade da pessoa humana,"valor nuclear de nossa Ordem Constitucional", como

observa Daniel Sarmento10.

Torna-se mais grave esta síndrome de inefetividade quando se observa os movimentos

que influenciaram o constituinte de 1988. Com a redemocratização do país, os

“comunitários”, pautados no pós-positivismo e no constitucionalismo democrático, trouxeram

para a realidade brasileira modelos constitucionais europeus, como o germânico, o português

e o espanhol e, portanto, a dignidade da pessoa humana, a teoria geral dos direitos

fundamentais, a atividade de jurisdição constitucional como guarda e instrumento de

concretização destes direitos.

Tratar-se-á, oportunamente,da evolução de tratamento, por parte do Estado, ao direito

fundamental à assistência jurídica integral (isto quanto à sua efetividade), tal como previsto

no inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, tendo-se por

base a inclusão(inédita) tanto do citado direito fundamental quanto da Instituição Defensoria

Pública no texto formal da Constituição, conceitos indissociáveis e que se complementam.

Da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, aos dias de hoje,

não se pode deixar de verificar progressiva tentativa de fortalecimentoda Defensoria Pública

pelo Legislador brasileiro que além de estender o pouco delineado comando constitucional

originário através de Emendas à Constituição11, houve por bem trazer a lume duas leis

orgânicas, sendo que a última editada, a Lei Complementar nº 132 de 2009, democratizou a

Instituição, retomando ideia inicial, infelizmente vetada pelo presidente da República à época,

o Sr. Itamar Franco e inúmeras legislações esparsas12. Mas a efetividade da norma

constitucional não depende(principalmente) do legislador, que vem nutrindo o mundo jurídico

de normas, visando ao robustecimento institucional, mas, principalmente, de instrumentos

necessários para sua concretização. A questão passa a ser de prioridade.

Desde o advento da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, após a detecção de

diagnóstico do mapa das defensorias no Brasil pelo Ministério da Justiça13, de maneira

concreta, verifica-se movimento estatal com a intenção de se mapear os (imensos) problemas

ainda muito sentidos pela defensoria brasileira,conferindo-lhe autonomia administrativa,

financeira e orçamentária,além de inúmeras prerrogativas aos Defensores Públicos-Gerais,tais

10 SAMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1. ed. 3. tir. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2003.11 Em duas décadas e meia de vigência, a Constituição recebeu 4 Emendas com objeto de fortalecer a Instituição.12Veja-se, por exemplo, a Lei nº 11.448/2007, que concedeu legitimidade à Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública e o Novo Código de Processo Civil brasileiro, trazendo-a ao centro da atividade jurisdicional.13Cuida-se do Diagnóstico da Defensoria Pública, publicado pelo Ministério da Justiça com o fim de mapear a efetividade do serviço prestado pela Defensoria Pública no país, como será analisado neste trabalho.

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como a iniciativa de processo legislativo para assuntos institucionais, como criação de cargos

e funções e política remuneratória de seus membros e servidores(serviços auxiliares). As

forças majoritárias através doPoder Legislativo demonstram, ao longo desta recente

história(considerando-se o marco inicial em outubro de 1988 até os dias de hoje), grande

interesse e parceria no fomento dos ideais da Instituição (que se confundem com os da própria

Constituição) e na própria efetividade do conceito de essencialidade positivado no artigo 134

da Constituição,incluído, de maneira inédita, no texto constitucional por vontade da

Assembleia Nacional Constituinte.

Com o advento da iniciativa de lei aos defensores gerais, resta agora, com a prioridade

necessária, que o Estado reconheça as reais necessidades institucionais, que, na realidade, são

da população brasileira, de reserva orçamentária compatível com a importância da missão que

lhe foi confiada, na forma do artigo 169 da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, apesar de vir adotando postura

bastante tímida quando chamado a imiscuir-se em atividades de competência dos demais

Poderes adotando o entendimento da denominada “Constituição moldura”14, vem andando em

sentido oposto quando a questão merece concretização de direitos fundamentais que, de

maneira injustificável, não são aplicados pelos poderes públicos. O atraso(injustificável) na

edição de normas que visassem implementar a vontade do constituinte ensejou comando

positivo pelo Supremo Tribunal Federal através de decisões que, por si mesmas, geram

eficácia genérica, abstrata.

Se a Constituição reconhece a função precípua do Supremo de guardar a Constituição,

na falta de compromissos de ação pelos poderes públicos, aos poucos, percebe-se uma

progressiva atuação jurisdicional em campos até então não enfrentados.

Os limites jurídico-funcionais concernentes à interpretação constitucional pelo Estado-

Juiz, estudados principalmente pela doutrina alemã, tiveram acolhimento na doutrina

brasileira e, dentre os princípios de interpretação constitucional clássicos, encontra-se alguns

que são usualmente utilizados, não só pela doutrina brasileira, mas também pela

jurisprudência, como os da máxima efetividade, princípio integrador, concordância prática,

unidade, interpretação conforme a Constituição e, principalmente, aquele que vai ser objeto

mais de perto de debate corrente, o da conformidade funcional, ou da autocontenção judicial.15

14 SILVA, Luis Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: SILVA, Luis Virgílio Afonso da Silva(org.) Interpretação constitucional. 1.ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2005, p.5-8.15 BARROSO, Luís Roberto.Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 306-9.

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Dentre os princípios de interpretação constitucional mencionados, a utilização do

princípio da conformidade funcional ou da autocontenção judicial ganha relevo no debate

justamente por se ter a justificativa possível de que necessitava o Judiciário para evitar

imiscuir-se em atividades típicas dos demais Poderes do Estado, ou mesmo frear eventual

ímpeto ativista de regulamentação,em nome do legislativo, para concretizar direitos

fundamentais.

Ainda que se acolha a tese da possibilidade de o Estado-Juiz adotar o ativismo,

principalmente diante de injustificável omissão inconstitucional dos poderes públicos, isto se

daria porque as funções estatais não funcionam a contento. Algo está fora da ordem natural

das coisas para que o Judiciário chegue ao ponto de, no exercício de sua função típica, ter que

substituir o Legislativo, adotando a posição concretista genérica nas declarações por omissão

ou mesmo a Administração Pública, com a análise das escolhas nas políticas públicas. O

funcionamento das instituições, ao que parece, não vai bem.

Se é verdade que a jurisprudência do STF vem acolhendo, historicamente, a

autocontenção para justificar sua posição desfavorável ao ativismo judicial ou, pelo menos, no

estrito respeito à separação estanque entre as funções estatais sem cogitar arvorar-se, inovar

em funções que não são de sua competência constitucional, pode-se verificar se as medidas

adotadas nas questões submetidas a julgamento revelam ou não tendência em se pretender

flexibilizar através de um novo olhar e se este posicionamento judicial foi ou não capaz de

conferir, às questões analisadas, efetividade.

Talvez por isto possa se ter permitido, o STF, evoluir na interpretação da Constituição,

neste passo, quanto à calibragem dos limites de suas funções, em recentes julgados que se

tornaram emblemáticos com imensa repercussão nos meios jurídico e social, como os

relativos à (i)ausência de norma regulamentadora para tornar efetivo o direito fundamental

previsto no artigo 37, VII da Constituição Federal, por exemplo(direito do exercício de greve

dos servidores públicos), através dos mandados de injunção nº 670/ES, 708/DF e 712/PA,

(ii)a falta de regulamentação, no âmbito do Estado de Santa Catarina da Defensoria Pública

do Estado, questão objeto da ação direita de inconstitucionalidade nº 4.270/SC e (iii) a

constatação do estado de coisas inconstitucionaldo sistema prisional brasileiro no deferimento

da cautelar na ADPF 347, proposta pelo PSOL.

Se é certo, também, que a Constituição da República traz em seu corpo normativo

normas que não apenas descrevem obrigações negativas por parte do Poder Público (direitos

de defesa), mas também aquelas que prescrevem prestações positivas que normalmente

dependem de comportamento positivo estatal e efetiva entrega do objeto do direito para que

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efetivamente se tornem realidade, se o Poder Público(Executivo ou Legislativo, de acordo

com a situação) não concretiza estes direitos, inviabilizando o exercício de direitos por seus

destinatários últimos, caberia ao Judiciário dar ao menos o pontapé inicial, tornando-os aptos

a serem exercidos e efetivados.

Não se trata, aqui, de substituição do agir dos Poderes Públicos, mas sim de alerta,

antes de mais nada, para que o Poder Público, até então inerte, cumpra a determinação

constitucional ou que, pelo menos, após a medida adotada pelo Estado-Juiz, desenvolva

atividade suplementar, acrescentando direitos já reconhecidos na decisão judicial,

regulamentando devidamente as questões por vezes prescritas de maneira abstrata na

Constituição,mas com imensa carga de cogência.

O ideal, sem dúvida, considerando não só a repartição de funções estabelecida na

Constituição, mas principalmente a aptidão para o desenvolvimento de atuações estatais afeta

a cada Poder, seria, como ocorre, aliás, normalmente, que o Judiciário apenas induzisse, no

exercício de sua função típica, a adoção de medidas efetivas para a concretização de direitos

fundamentais, papel a ser desenvolvido pelos poderes públicos, de acordo com a competência

constitucional, ao invés de substituí-las. Induzir a agir é atividade bastante distinta de

substituição de atuação típica.

Já é possível verificar-se no sítio do Supremo Tribunal Federal listagem com as

decisões nas quais, ao se declarar a mora do Poder legislativo, a matéria ainda pende de

regulamentação. Mais uma vez, o Judiciário está a conclamar o legislador, ou mesmo o Chefe

do Executivo, se a matéria for de iniciativa a ele reservada16, a adotar medidas necessárias

para a realização dos intentos constitucionais.Cuida-se aqui de tentativa do “diálogo

institucional”17

Se a Constituição brasileira tão somente estabelecesse em seu corpo normativo direitos

de defesa, que visam objetivamente, pelo menos em sua grande maioria, abstenções

estatais,ainda que sob rubrica normativa distinta1819, até poderia ser viável o acolhimento da

tese de que as funções dos poderes públicos pudessem ser estanques, herméticas, e que seria 16 O artigo 61, §1º da Constituição Federal enumera as matérias que são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Federal, sendo que, segundo jurisprudência do STF, são de reprodução obrigatória nas Cartas Estaduais e nas leis orgânicas municipais. Logo, a mora em muitas situações não é do Legislativo, mas sim do Executivo.17 Em países de tradição parlamentarista, é natural que se tenha certa resistência ao justice reviewe principalmente em relação ao fato de o Judiciário “falar por último” em questões constitucionais, como ocorre, por exemplo, no Canadá e na Nova Zelândia. Aqui no Brasil, embora não se adote a resistência encontrada nos países de sistema diverso do adotado no Brasil, principalmente nesta situação específica, a alternativa do diálogo institucional pode servir como prevenção aos possíveis males do ativismo judicial. Entre nós, podemos aceitar a tese de que nos julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, o STF, concretizando ou não a norma faltante, tenta dialogar com o Poder omisso, chamando a atenção ao fato de que não houve edição de ato cuja competência constitucional está delineada.

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inviável ao Judiciário imiscuir-se em funções distintas daquelas que lhe foram reservadas.

Todavia, como já salientado nesta introdução, além dos citados direitos de defesa, de primeira

dimensão, há, ainda, disposição expressa enumerando direitos sociais positivos, cabendo ao

Estado não somente prestar o serviço ou entregar a prestação devida, mas também enunciar,

de maneira eficiente e planejada, políticas públicas com o fito de concretizar estes direitos.

A questão é saber, prima facie, como considerar dependente de regulamentação

direitos fundamentais previstos na Constituição diante da norma contida no artigo 5º, §1º,

considerada pela doutrina como verdadeiro mandamento de otimização.

Caso se considere necessária regulamentação por norma infraconstitucional para que

somente após sua edição os seus destinatários possam exercer direitos mínimos, e é esta a

visão de parte da doutrina e, por décadas, do próprio Supremo Tribunal Federal,o que se fazer

se esta regulamentação não é editada?

Seria lícito, então, ao Supremo Tribunal Federal, ser mero expectador diante das

injustificadas omissões do Poder Público, e quando chamado a agir, seja através de controle

de constitucionalidade no caso concreto, via Mandado de Injunção ou mesmo em método

concentrado, através dos instrumentos processuais disponíveis aos legitimados determinados

na Constituição, deixar de desempenhar dignamente sua missão constitucional, calando-se

dianteda omissão, por conta de autocontenção?

Finalmente, verificar-se-áse a evolução normativa, até aqui empreendida, será capaz

de, enfim, concretizar a vontade do constituinte ao erigir a Defensoria Pública, agora uma,

indivisível e independente, à categoria de Instituição Essencial à função jurisdicional do

Estado eo resultado prático desta evolução na vida dos destinatários do serviço público

essencial.

Tortuosa a questão acerca do alcance da norma contida no §1º do artigo 5º da

Constituição,principalmente no tocante ao seu significado. Torna-se premente, portanto,

investigar o alcance desta norma principalmente por conta de seu significado. Há, portanto,

um desafio, que é o de definir o sentido e os limites do que seja eficácia imediata.

A indagação proposta na introdução quanto a quais direitos estariam submetidos a esta

norma do §1º do artigo 5º da Constituição, se a apenas os elencados no rol do artigo 5º ou a

todos os direitos mencionados do Capítulo II da Constituição é respondida quase de maneira

uníssona pela Doutrina, que adota posição extensiva, entendendo que a citada norma engloba 18 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 254.19 Apesar de se ter normas elencadas no artigo 7º da Constituição Federal sob a nomenclatura de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alguns dos direitos ali enumerados são considerados tipicamente de defesa, como nos alerta Ingo W. Sarlet.

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todos os direitos fundamentais, inclusive os sociais, políticos e os de nacionalidade, até

porque o texto constitucional é genérico.202122

Se a norma do §1º do artigo 5º da Constituição é considerada verdadeiro mandamento

de otimização, com força irradiante de seus efeitos sobre as demais normas definidoras de

direitos, inclusive em relação àqueles que não estão expressamente dispostos no Título II da

Constituição Federal, há exigência de desenvolvimento de ações concretizadoras.23

Ao contrário do que ocorre, por exemplo, na Constituição Portuguesa, na qual há

nítida divisão entre dois grupos de direitos fundamentais, sendo o primeiro deles dedicados

aos direitos, liberdades e garantias, que correspondem aos direitos de defesa e, portanto,

autoaplicáveis; e os segundos, direitos econômicos, sociais e culturais, despidos tanto de

autoaplicabilidade quanto de proteção contra a investida do Poder Constituinte Reformador,

nossa Constituição não diferenciou os direitos de defesa dos direitos sociais e políticos,

pondo-os, inclusive, sob mesmo grau de proteção e de aplicação.24

Podemos, então, defender a posição de que todos os direitos fundamentais, incluindo

os sociais, políticos, de nacionalidade e eleitorais, bem como aqueles que se espraiam pela

Constituição, estão sob o pálio de incidência do mandado de otimização do artigo 5º, §1º.2526

Outra questão que merece atenção é aquela que diz respeito à força transformadora da

norma contida no artigo 5º, §1º, isto é, se seria ela capaz de transformar todos os direitos

fundamentais em normas de aplicabilidade imediata.Ingo Wolfgang Sarletresponde à questão

de maneira bastante clara, senão vejamos:

No que concerne aos instrumentos processuais referidos, entendemos ser possível advogar o ponto de vista de acordo com o qual a previsão constitucional de institutos da natureza de um mandado de injunção contra omissões dos poderes públicos e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão não tem, por si só, o condão de outorgar a todas as normas constitucionais a qualidade da aplicabilidade direta e a

20 Há entendimento minoritário no sentido de que o alcance do §1º do artigo 5º da CF é restrito ao rol dos direitos elencados no próprio artigo, como parece entender Ricardo Lobo Torres e J.P.Gebran Neto.21 TORRES, Ricardo Lobo apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 254.22 GEBRAN NETO, J.P. apud SARLET, Ingo W. Op. Cit.23 O Min. Sepúlveda Pertence no julgamento do mandado de injunção n. 438, entendeu que o direito de greve dos servidores públicos é autoaplicável, sendo desnecessária regulamentação por ato legislativo. Este não foi o entendimento que prevaleceu, mas já serve de base para o entendimento professado. As normas definidoras de direitos e garantias têm aplicação imediata.24 A Constituição Federal estabelece limitações materiais ao poder de reforma, não admitindo supressão por reforma constitucional de determinadas matérias elencadas de maneira expressa, senão vejamos:“art.60 parágrafo 4º . não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I- a forma federativa de Estado; II - o voto direito, secreto, universal e periódico; III- a separação de Poderes;IV - os direitos e garantias individuais”.25 TORRES, Ricardo Lobo apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 254.26 GEBRAN NETO, J.P. apud SARLET, Ingo W. Op. Cit.

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sua plenitude eficacial, sendo, pelo contrário, justamente uma prova contundente de que existem normas na Constituição que dependem de interposição do legislador, constituindo tal circunstância a própria razão de ser dos instrumentos citados.

Este entendimento, tido por intermediário, enfrenta divergência doutrinária tanto para

se considerar como autoaplicáveis todas as normas definidoras de direitos fundamentais,

inclusive as programáticas27, quanto para minorar os efeitos desta irradiação do mandamento

de otimização.28

Resta claro, portanto, que, apesar de a norma do artigo 5º, §1º estabelecer aplicação

imediata aos direitos fundamentais- a todos os direitos, como já visto, é da própria natureza de

alguns deles(os prestacionais, por exemplo) ou mesmo por específica determinação da própria

norma constitucional(direito de greve dos servidores públicos, adotando-se posição de que se

trata de norma de eficácia limitada, como o STF), que haja participação dos poderes públicos

na concretização de vetores por vezes abstratos, sem conteúdo definido pela Constituição.

Saudável, até, a garantia de oportunidade para o Poder Público concretizar direitos

abstratamente previstos na Constituição, demonstrando-se, com isso, sinal de maturidade

institucional. A questão, como já mencionado, é de aptidão para o desenvolvimento de

atividades estatais típicas, e a substituição destas aptidões naturais não deixa de significar

patologia no funcionamento das Instituições.

É claro que a Constituição não delega ao legislador competência para conceder

aqueles direitos nela previstos. Os direitos são concedidos pela própria norma constitucional.

Ao órgão legislativo cabe, tão somente, realizar seu conteúdo, regulamentando-os de maneira

eficiente.

Vanice Regina Lírio do Valle, analisando a relação entre os direitos sociais e a

prestação jurisdicional, assenta a necessidade de mínimo planejamento da atividade estatal

para que se tenha eficiência no agir, senão vejamos:

Um sistema destinado à realização progressiva de direito social envolve um programa, que se revista de uma racionalidade, e uma justificável fixação de prioridades; essa há de ser a prestação a ser invocada de parte do Estado(ainda na premissa de estatalidade dos direitos sociais) quando de pretenda a concretização de direitos sociais. No desenho constitucional brasileiro-em que princípios como os da eficiência e da transparência se imputam à função estatal concretizadora das decisões políticas- o instrumento por excelência dessa programação são as políticas públicas, cuja construção segundo um modelo harmônico com os princípios da

27 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988(Interpretação e crítica). 3.ed. São Paulo: Malheiros: 1997, p.322ss.28FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. RPGESP n. 29(1988), p. 35ss. São Paulo.

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deliberação democrática, hão de subsidiar a própria ação controladora do poder Judiciário.29

Faltando a esse dever, advém estado de inconstitucionalidade por omissão, respeitado,

por óbvio, prazo considerado razoável para o agir estatal, disfunção, como ensina Barroso,

“para a qual a doutrina e o direito positivo vêm buscando soluções eficazes”.30

Esta, aliás, a razão da existência dos instrumentos de controle de constitucionalidade

por omissão- mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Absolutamente inútil a positivação de dois instrumentos processuais não fosse materialmente

possível exigir-se dos poderes públicos edição de medidas para concretizar direitos

fundamentais, por desídia injustificada dos poderes públicos. A oportunidade de

concretização de direitos fundamentais, dada aos Poderes do Estado por competências

expressas na norma constitucional diz com a aptidão e peculiaridade de cada um deles.

A questão está mais próxima da aptidão mesmo de cada Poder em produzir atividade

típica em cada caso que meramente separação entre as funções estatais. Enquanto que ao

legislador é dada a missão de disciplinar situações jurídicas de maneira genérica e abstrata, é à

Administração Pública que vai caber, efetivamente, a real e concreta efetivação dos comandos

constitucionais, através de (assim se espera) políticas públicas planejadas e eficientes.

Veja-se o exemplo do exercício do direito de greve por parte dos servidores públicos e

do acesso à assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados através da Defensoria

Pública: em ambos os casos, a própria Constituição estabelece a necessidade de ser editada lei

para a devida concretização dos direitos nela previstos, apesar de se ter, no primeiro caso,

direito de liberdade, e uma vez editada lei específica(para aqueles que, como o STF, entendem

ser necessária a edição de lei para o exercício de direito fundamental previsto na

Constituição), espera-se do Estado uma abstenção; no segundo caso,ao revés, uma prestação

material positiva, não só quanto ao advento de legislação e isto deve ficar bastante claro, mas

também no desenvolvimento de políticas públicas eficientes e programadas para dar

consecução efetiva ao comando legal.

Não obstante as diferenças entre os direitos mencionados, não somente quanto à

dimensão ou ao próprio objeto da norma que os declara, mas também quanto ao dispêndio de

29VALLE,V.R.L. . Direito sociais e jurisdição: riscos do viver jurisdicional de um modelo teórico inacabado. In: Renata Braga Klevenhusen. (Org.). Direito Público &evolução social - 2ª série, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 309-28.30 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.95.

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gastos para sua materialização31, em ambos, o Supremo Tribunal Federal interveio no âmbito

de ações ajuizadas não apenas para garantir especificamente ao indivíduo-demandante o

exercício do direito reclamado, mas também para pôr termo a inação estatal injustificável.

A Defensoria Pública somente pode se tornar realidade em Estado da federação,

conforme artigo 134 parágrafo 1o da Constituição, após a edição de lei complementar

estadual, suplementando, no que couber, legislação federal-à qual foi conferida a missão de

traçar normas gerais-, e efetivamente criando a Instituição, já obrigatoriamente prevista nas

Constituições Estaduais32e até mesmo adaptando a Instituição às peculiaridades regionais.

Além disso, torna-se necessário criar-se cargos, funções, órgãos de atuação, estrutura

administrativa; nomear o primeiro chefe institucional que realizará e homologará concurso

público; nomear, dar posse e lotar os primeiros membros da Instituição e servidores do quadro

de apoio;prestar devida orientação a seus membros para o início do efetivo exercício da

função pública para que, por fim, o serviço chegue ao cidadão-credor, de maneira eficiente,

como determina a Constituição.

A Constituição já criou o direito à prestação material, qual seja, o serviço público de

assistência jurídica integral, que quando custeada pelo Estado, deve ser prestado

privativamente pela Defensoria Pública e o exercício do cargo de Defensor Público, após

edição de Lei Orgânica Nacional em 2009, passa a ser indelegável e privativo de membro da

Carreira.33

Cabe ao Poder Público, como já esclarecido, desenvolver, de maneira eficiente e

programada, as necessárias políticas públicas visando à implementação justa e real, com

capilaridade e responsabilidade do serviço essencial de assistência jurídica pela Defensoria

Pública em cada estado da federação, universalizando o serviço essencial objeto de prestação

institucional. A este compromisso, o Poder Público está vinculado, já que da Constituição

31 No direito de greve, como só ocorre com os direitos de liberdade não há, pelo menos diretamente, em princípio, custos para a concretização, ao contrário do que ocorre com a prestação de assistência jurídica pelo Estado-Administração. Perceba-se que normalmente isto ocorre com os direitos de defesa, de primeira dimensão, que protegem realidades pré-jurídicas, e o poder público já se utiliza da estrutura existente para a garantia destes direitos. Já no tocante à prestação material, pode-se concluir que sempre reclamam redimensionamento orçamentário estatal para cumprimento dos ditames naturais, acaso opte-se pelo desenvolvimento de políticas públicas ou ao cumprimento de decisões judiciais.32 Tanto o artigo 5º, inciso LXXIV quanto o artigo 134 da Carta Federal são de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais e na lei orgânica do Distrito Federal, atualmente, após a edição da emenda à Constituição n. 69/2013, autônoma, tal como ocorre nos estados desde a reforma do sistema do Judiciário em 2004.33 Eis o teor dos parágrafos 5º e 10 do artigo 4º da Lei Complementar 132/2009 que acrescentou texto na LC 80 de 1994: “ A assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública; (...) o exercício do cargo de Defensor Público é indelegável e privativo de membro da Carreira”

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emanam diretrizes objetivas determinantes para a consecução de atividades estatais visando

concretização.

Para que se torne realidade, entretanto, a efetiva implementação da prestação do

serviço de assistência jurídica, torna-se necessário programação eficiente, permitindo que os

credores do dever constitucional possam até mesmo participar do processo por meio do qual o

Estado-Administração vai dar cumprimento aos comandos constitucionais. Adere-se, de

maneira lógica e necessária, ao conceito de políticas públicas, o de eficiência e o direito

fundamental à boa administração.34

A ampliação do conteúdo do dever constitucional de planejamento, aduz Vanice

Regina Lírio do Valle, presta reverência à eficiência porque se evidencia expressa relação

entre conduta e objetivo(e estas estão subordinadas à Constituição que impõe ao Estado

diretrizes), tem-se que a enunciação integral da política pública fornecerá dados objetivos que

permitirão, no exercício do controle, a aferição da eficiência.35

Quanto ao exercício do direito de greve dos servidores públicos, ao contrário do que

ocorre com os direitos a prestações materiais, de primeira dimensão, situa-se na designação de

objeto dos direito de defesa, isto é, o indivíduo tem direito público subjetivo a que o Estado

respeite o exercício do direito fundamental. Em outras palavras, o Estado tem o dever de

abster-se de impedir o exercício de direito fundamental.

Não há dúvida que, dentre os direitos de defesa, o Estado vai se utilizar de sua

estrutura já existente para se abster, não havendo custo específico para a proteção; em

contrapartida, para a concretização dos direitos prestacionais, torna-se premente a

programação e desenvolvimento orçamentário, reservas e planejamento para a entrega eficaz.

Em que pese o entendimento de Sepúlveda Pertence quando da prolação de seu voto

no julgamento do Mandado de Injunção nº 438, que considerou a norma do artigo 37, VII, na

esteira do que ocorre com o direito de greve dos trabalhadores em geral, como autoaplicável

ou pelo menos de eficácia contida, a maioria dos membros da Suprema Corte, à época,

entenderam de maneira diversa, estabelecendo a necessidade do advento de lei específica para

que, somente após isto, fosse possível o exercício do direito fundamental, considerando-a,

portanto, não autoaplicável ou, como prefere José Afonso da Silva, norma constitucional de

eficácia limitada.3637

34 VALLE, V. R. L. Direito fundamental à boa administração, políticas públicas eficientes e a prevenção do desgoverno. Interesse Público, [S.l], v. 48, 2008, p. 87-110.35 VALLE, V.R.L. Op. Cit.36 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 254.37 Conforme doutrina de José Afonso da Silva, além das normas de eficácia plena e contida, ambas com aplicabilidade direta e imediata, mas quanto a esta última possivelmente não integral, as de eficácia limitada, ao

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Percebe-se, portanto, que a inércia do Poder Público na concretização de direitos

fundamentais, gerando frustração, provocou no STF um agir pouco afeto ao que estava(e até

hoje está) acostumado a enfrentar, principalmente quanto aos efeitos da decisão judicial

prolatada. Houve, em verdade, transferência do dever de agir ao Judiciário, talvez até

propositalmente, por conta da carga de polêmica das questões apresentadas.

Apesar, portanto, do mandado de otimização que confere aplicação imediata aos

direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana como norma vetor, há situações em

que o agir estatal torna-se essencial à concretização da garantia prevista na Constituição que

os enunciade maneira genérica, aberta, sem delineamento mínimo para a fixação de seu

objeto.38 Torna-se necessário que o Poder Público efetivamente concretize o direito

abstratamente previsto na norma constitucional, não somente pela lei, mas principalmente

pela atuação administrativa, verdadeira atividade concretizadora dos direitos fundamentais.

Se por um lado à lei é conferida a missão de disciplinar situações jurídicas em

abstrato, inovando a ordem jurídica através de comando cogente,por outro, aguarda-se da

atuação administrativa a realização efetiva dos direitos fundamentais em concreto e agora, por

imperativo constitucional, eficiente.

Além destas normas constitucionais abertas, isto é, sem o devido delineamento

constitucional ou mesmo qualquer medida de alcance ou destinatários precisos, que não serão

especificamente objeto do presente estudo, há, ainda, direitos fundamentais em que a própria

Constituição exige conduta positiva estatal específica, por ato legislativo ou mesmo por

entrega de prestação material, que por sua própria natureza, neste último caso, depende de

comportamento positivo estatal, ainda que se cuide de direito fundamental, como ocorre, por

exemplo, com o de assistência integral e gratuita às expensas do Estado, umbilicalmente

jungido à Instituição Defensoria Pública.

Se para a criação da Instituição tanto no plano federal quanto nos Estados e no Distrito

Federal torna-se imperiosa a edição de Leis Complementares(a Nacional e as dos Estados e

DF), se estas normas infraconstitucionais não forem editadas, resta inviabilizado o exercício

do direito subjetivo público.

O que se dizer, no caso do Estado de Santa Catarina, onde foi necessária atuação

ativista por parte do Supremo Tribunal Federal para que se tivesse, enfim, após mais de vinte

anos de mora injustificável, a instalação da Defensoria Pública naquele Estado?revés, dependem de regulamentação para incidirem, pois que a própria Constituição não outorgou normatividade suficiente para isso. A aplicabilidade , neste caso, é indireta, mediata e reduzida38 Verifique-se, como exemplo, os direitos sociais elencados no artigo 6º da CF, sendo que alguns deles não mereceram qualquer outro tratamento pela norma constitucional como o direito à moradia, alimentação, trabalho, lazer, etc.

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A falta injustificável de agir (no caso da legislação) rendeu ensejo a uma atuação

positiva por parte do STF, que tomou para si uma função que não é sua, mas que por conta da

fundamentalidade dos direitos, objeto das normas constitucionais em debate, houve por bem

concretizá-los em nome do poder público competente, abandonando ou, ainda que assim seja,

flexibilizando seu entendimento na matéria, em que adota historicamente a autocontenção,

principalmente quando se trata de omissões inconstitucionais.39

Resta saber se, após o Supremo Tribunal Federal ter avocado para si a função de

concretizar determinados direitos fundamentais por pura desídia do Estado, se já houve

suficiente diálogo institucional para que se tenha, enfim, mudança de comportamento não

somente quanto a estes direitos aqui analisados, mas também mudança de mentalidade por

parte do Estado.

A existência de normas abertas na Constituição não necessariamente vai ensejar a

adoção de ativismo judicial. Necessário até que se conceda oportunidade aos poderes públicos

competentes para adotarem medidas que entendam necessárias, vinculados que estão aos

ditames constitucionais. O Judiciário, de ordinário, deve apenas dar impulso a que se tenha a

devida implementação de políticas públicas concretizadoras destas normas abertas, por vezes

sem conteúdo específico, a fim de que os cidadãos credores possam usufruir dos direitos que

lhes são devidos. A questão aqui é mesmo de aptidão.

Chegar-se ao ponto de o Estado-Juiz substituir função morosa para fazer valer, por ato

típico seu, manifestação de vontade que lhe seria(e continua sendo) estranha e implementar

ação pelo legislador ou pela Administração Pública é subverter a ordem natural das coisas,

mas se a mora chegar a impedir acesso, ainda que em sentido mínimo, ao direito

abstratamente previsto na Constituição, não resta outro caminho a ser seguido pelo Judiciário

senão garantir este acesso ao exercício de direito fundamental.

Com a norma incluída pela EC nº 80 no ADCT, determinando a instalação, no prazo

máximo de oito anos em todas as Comarcas do país, de órgão de atuação da Defensoria

Pública, à maneira do que ocorre com o Ministério Público, a questão da efetividade não

deixa de ser o centro das discussões, principalmente após o decurso do prazo constitucional.

A análise do agir institucional do judiciário no Brasil, que desta vez agirá na esteira da

posição majoritária, poderá ensejar, mais uma vez, a efetividade da Constituição.

39 Veja-se, por exemplo, o que decidiu o STF no julgamento da ADI 1458/DF, relator Min. Celso de Mello: “a procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do poder público, confere ao STF, unicamente o poder de cientificar o legislador inadimplente para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional”.

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3. BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA ESTATAL NO BRASIL

Passar-se-á a traçar o histórico, no Brasil, da responsabilidade estatal na prestação do

serviço de assistência jurídica(denominado, até 1988,“judiciária”) e a trajetória institucional

da Defensoria Pública ao longo do tempo, levando-se em conta a previsão embrionária em

meados do Século XIX até os dias de hoje.

3.1. A assistência judiciária no Brasil: Império e República, Era Vargas, Ditadura

Militar - Nasce um embrião em terras fluminenses

A primeira menção, no Brasil, à ideia de assistência judiciária gratuita foi no Código

Criminal do Império, Lei nº 261 de 1841, regulando, especialmente, as custas do processo

criminal, isentando de pagamento aqueles reconhecidos como miseráveis40.A lei do Império

trouxe apenas o instituto da isenção das custas processuais, mas sem identificar qual seria o

ator que patrocinaria os interesses destas pessoas em Juízo, quando processados

criminalmente (e apenas assim). O mesmo raciocínio se deu com o advento da Lei nº 150, de

1842, prevendo a isenção do dízimo da chancelaria nas causas cíveis quando litigantes

necessitados econômicos. Estas normas trouxeram, de maneira embrionária, para o

Ordenamento Jurídico brasileiro, as primeiras tentativas de se minorar a dificuldade de acesso

à Justiça por aqueles que não tinham efetivamente condições de arcar com as custas de um

processo judicial no processo criminal. Se a parte, por motivos óbvios, não pode escolher se

vai ou não ser processada no juízo criminal, o mínimo que se pode oferecer é a gratuidade

neste processamento.

Sem que houvesse qualquer menção na legislação de quem faria a defesa do réu pobre

no processo criminal, ou seja, quem prestaria a (necessária)assistência judiciária ao

denominado "miserável", o direito previsto soaria, no mínimo, risível, já que a justiça(serviço

prestado pelo Judiciário) poderia ser prestada sem custo para a parte, isentado-a quanto a

eventuais valores devidos pela sucumbência sem, contudo, se estabelecer o profissional que

poderia desempenhar a função de assistência durante o processo gratuito.

Em 1884, houve por bem à Câmara Municipal da Corte do Rio de Janeiro, a criação de

cargos de advogados públicos para os pobres, criação pioneira no Brasil, tendo sido extintos,

entretanto, logo depois, no ano seguinte.40 Segundo o Art. 99 da Lei nº 261 de 1841, "sendo o réo tão pobre, que não possa pagar as custas, perceberá o Escrivão a metade dellas do Cofre da Câmara Municipal do Termo, guardando o seu direito contra o réo quanto à outra metade".

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Somente em 1933, através do Decreto nº22.478, houve determinação para que

advogados particulares pudessem exercer a função de assistência judiciária com o

denominado “dever gratuito honorífico”. Houve, portanto, uma imposição aos advogados,

provisionados e solicitadores, que exercessem a função de assistência judiciária aos

necessitados. A prestação do serviço, de forma graciosa, tem seu fundamento, também, com o

advento da Lei nº 4.215 de 1963, em seu artigo 87, inciso XI.

Para Celso Ribeiro Bastos41, tratava-se de locupletamento ilícito por parte do Estado,

já que o dever de prestar serviço público àqueles que não poderiam arcar com o pagamento de

custas e honorários advocatícios seria do próprio Estado e não com a sobrecarga de

profissionais desvinculados da atividade estatal.

Ainda que a Constituição de 1891 tivesse mencionado, de maneira tímida, o instituto

da assistência judiciária, somente a partir da Constituição de 1934 houve a determinação

constitucional de criação de um órgão especial para o fim de prestação de assistência

judiciária, ou seja, além da gratuidade de pagamento de taxas judiciárias, houve expressa

menção de criação de órgãos especiais para a concessão do exercício deste direito.

O Estado, a partir da Constituição de 1934, assume, para si, a responsabilidade de

criação e, como consectário lógico, da execução de prestação de serviço público capaz de

fazer acontecer a gratuidade judiciária no Brasil, já fazendo incluí-la dentre os direitos

individuais dos cidadãos.

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:(...)32) A União e os Estados concederão aos necessitados, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando a assistência judiciária isenção de emolumentos , custas, taxas e selos.

A Constituição de 1934, portanto, já apresentava vanguarda na disposição do instituto

da assistência judiciária (e, portanto, do próprio acesso à justiça), inovando, também, quanto à

possibilidade de os estados membros da federação disporem, através de lei, sobre a matéria.

Ineditismo, até aquele momento.

Entretanto, um retrocesso no plano constitucional foi sentido com a outorga da

Constituição de 1937, que inaugurou período de exceção no Brasil. Não houve qualquer

menção em A Polaca quanto aos institutos oferecidos pela Constituição de 1934.

41 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.423.

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Inobstante, com o advento do Código de Processo Civil de 1939, em diversas

passagens, o legislador fez menção à gratuidade de justiça de maneira surpreendentemente

esmiuçada42.

Após expressa menção na Constituição de 1934, omissão total na de 1937, e com a

vantagem de se ter regulação na nova lei processual civil, a Constituição de 1946 foi, de certa

maneira, lacônica, deixando, ainda, a cargo da norma infraconstitucional, a disciplina e

desenvolvimento de prestação deste serviço essencial:

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:(...)Parágrafo 35. O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.4344

Foi em 1950 que a Ordem Jurídica brasileira conheceu lei, com certa sistematização,

regulando o instituto da assistência judiciária e gratuidade de justiça aos necessitados,

legislação até então esparsa sem, contudo, apresentar técnica quanto à necessária

diferenciação entre gratuidade de justiça e assistência judiciária.A Constituição de 1967

manteve o sistema da de 1946, deixando a cargo do legislador a disciplina dos institutos.

No antigo Estado do Rio de Janeiro foram formalmente criados os primeiros cargos de

defensor público, com o advento da Lei Estadual nº 2.188, de 1954, na estrutura da

Procuradoria-Geral de Justiça, submetidos à indicação do chefe do Poder Executivo. No ano

de 1955, o Decreto nº 4.986, de alguma forma, aprimorou a função de defensor público,

submetendo aqueles que já estavam criados e aqueles que surgiam com este decreto, à

disciplina do Ministério Público. A função ganha contornos de efetividade e aprimoramento,

não mais sujeitando os defensores públicos a nomeação e subordinação, por natural aos

42 Em diversas passagens, a Lei Processual Civil, de 1939, fez menção à assistência judiciária e, portanto, à gratuidade de justiça, tendo-se como norma vetor a do artigo 68 e as demais que, a ela seguintes, o complementam, havendo disposição sobre estas matérias até o artigo 79. Eis o verbo do Art. 68:Art. 68. a parte que não estiver em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, gozará do beneficio da gratuidade que compreenderá as seguintes isenções: I- das taxas judiciárias e dos selos;II- dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;III- as despesas com as publicações no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;IV- das indenizações devidas às vítimas;V- dos honorários de advogado e perito.Parágrafo único: o advogado será escolhido pela parte; se esta não o fizer, será indicado pela assistência judiciária e, na falta desta, nomeado pelo juiz.43 À época já dissenso à natureza da norma traçada pela Constituição de 1946, se autoaplicável ou não e em alguns estados da federação já houve a criação de órgãos para esta finalidade.44 MIRANDA, Pontes de; CAVALCANTI, Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil Tomo I. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1958.

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ditames da chefia de Poder Executivo.À época, o Estado do Rio de Janeiro tinha por capital o

município de Niterói, já que a Guanabara sediava a União Federal. A fusão só ocorreu no ano

de 1975.

No Estado da Guanabara, a função de defensor público era exercida por candidatos

aprovados no concurso para a carreira do Ministério Público em sua classe inicial. A lei que

deu organização à Instituição Ministério Público do Distrito Federal(depois Estado da

Guanabara), de número 3.434, de 1958, previu expressamente esta situação, no mínimo,

insólita. Ao que parece, a função de assistência jurídica não merecia lei e organização

próprias e, como ao Ministério Público cabia defender a Ordem Jurídica de maneira

desvinculada dos órgãos administrativos comuns, entendeu-se por bem locar a Defensoria

Pública no mais baixo degrau de carreira daquela Instituição - como se fosse um estágio

necessário para alçar voos mais altos, ou mesmo para se preocupar com questões efetivamente

relevantes, afetas aos mais experientes. Por ora, ao ingressarem na Carreira, deveriam estagiar

nas funções mais simples, ou seja, na de prestação de assistência judiciária.

Com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, as instituições Ministério

Público e Defensoria Pública encontraram o desafio de se reconhecerem como instituições

com finalidades distintas, embora mantidas pelo Poder Público e igualmente essenciais. A

fusão entre os dois Estados se deu em 1975 e seria necessária uma uniformização de

tratamento entre as Instituições que tinham, em cada Estado, tratamento diferente.

No antigo Estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói, a Defensoria Pública e o

Ministério Público já eram instituições dissociadas e paralelas desde o ano de 1970,

especialmente após a edição da lei nº 286, de 22 de maio de 1970, mas ainda submetidas,

ambas, ao Procurador-Geral de Justiça, chefe do Ministério Público estadual. Ora, ainda que

se tivessem por dissociadas as funções quanto à matéria e aos próprios intentos de cada

função pública- a de assistência jurídica integral e aquelas afetas à Instituição Ministério

Público, a mantença de ambas as carreiras submetidas a um só chefe institucional poderia

revelar anomalia no sistema de justiça. O avanço, principalmente de identidade quanto à

função, foi inegável, mas seria necessária a efetiva separação, agora premente, considerando-

se a nova realidade política inaugurada pelafusão ocorrida, com chefia institucional própria,

que acabou por se dar em 1977, com a edição da Lei Complementar nº 6, resultando na

criação da primeira Defensoria Pública do Brasil.

Jorge Luís Rocha, em sua obra “História da Defensoria Pública e da Associação dos

Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro”, traz a lume a conturbada controvérsia que

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se deu, à época, entre os defensores públicos de ambos os estados que seriam fundidos e a

situação que se formaria com esta fusão, verbis:

O Ministério Público do Estado da Guanabara, no qual se inseria a função de defensor público como degrau inicial da carreira de seus membros, e a procuradoria geral de Justiça do antigo Estado do Rio de Janeiro, onde promotores e defensores eram carreiras paralelas, foram reorganizados no novo estado. O Ministério Público e a Assistência Judiciária passaram a ser instituições públicas distintas sob a chefia do Procurador Geral de justiça. este modelo, adotado provisoriamente, estava descrito no Decreto-Lei n. 11 de 15 de março de 1975.Art. 1º. A Procuradoria Geral da Justiça é o organismo administrativo do Ministério Público e da Assistência Judiciária do estado do rio de janeiro e será dirigida pelo procurador geral de justiça, nomeado dentre cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.(...)Art. 3º. A Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. com a finalidade do patrocínio dos interesses cuja defesa lhe for atribuída por lei, é instituída na forma do Título III deste decreto-lei, não integrando o Ministério Público.O Título III, referido acima, estabelecia entre outros quesitos,- um quadro funcional, integrado pelo cargo de defensor público, dividido em quatro categorias; as formas de ingresso, nomeação, posse, exercício, promoções e remoções; além disso, criava a corregedoria da Assistência Judiciária-certamente inspirada na sua congênere outrora existente no antigo estado do Rio de Janeiro.Art. 54. A Corregedoria da Assistência Judiciária será exercida por defensor público designado pelo procurador geral de justiça , ao qual se vinculara diretamente.45

3.2. Nasce a primeira Lei Orgânica regulando a Assistência Judiciária em terras

fluminenses

Em 1975, foi promulgada a Constituição do novo Estado do Rio de Janeiro,

organizando Assistência Judiciária em carreira, mas ainda vinculada à Procuradoria-Geral de

Justiça, tal como já ocorria no antigo Estado do Rio de Janeiro, e, de acordo com o novo texto

constitucional, lei complementar deveria ser editada para organizar a carreira no Estado recém

fundido.

Sob o pálio da Constituição do Brasil, outorgada em 1967, a primeira lei

complementar, após a fusão dos estados da Guanabara com o do antigo Estado do Rio de

Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro, tornou real a primeira Defensoria Pública do Brasil, lei

complementar esta que até hoje está vigendo, com algumas alterações para a adaptação de seu

texto a novas realidades constitucionais(inclusive a da Constituição de 1988) e de legislações

posteriores.

45ROCHA, Jorge Luís. História da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e da Associação dos Defensores Públicos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.40-55.

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Adveio, portanto, a Lei Complementar nº 6, de 1977, trazendo roupagem institucional

à antiga mini-instituição, estágio inicial da Carreira do Ministério Público, organizando, no

nível legislativo, a Instituição no Estado do Rio de Janeiro.

A Lei Complementar nº 6, de 1977, tinha como fundamento de validade a Constituição

de 1967 que, como já ressaltado, apenas fazia menção ao direito fundamental à assistência

judiciária, deixando a cargo da lei instrumentalizar o exercício deste direito. Logo, tem-se, no

novo Estado do Rio de Janeiro, em 1977, lei complementar tornando realidade, de maneira

inédita e exemplar, o direito fundamental previsto não somente na Constituição da época, mas

nas Constituições anteriores.

Surgiu a primeira Defensoria Pública do Brasil, ainda que embrionária, preparando o

solo para a futura colheita pelos demais estados da federação, isto é, de se ter, efetivamente,

órgão público especifico para a prestação de função que é ínsita à própria atividade

judicante46. Nada mais natural, aliás. A uma função estatal nova, ainda indefinida,

desconhecida, encarada por muitos como um braço assistencialista de um Estado que já não

dispõe de recursos para desempenhar suas funções impostas pela Constituição, como

alimentação, saúde, educação, moradia, saneamento básico, como se justificar ou mesmo se

defender a criação de (mais um) órgão público com fim de se manter assistência judiciária às

expensas do Estado?

Não deixa de ser meritório o ímpeto de instalar órgão, de maneira inédita, com o

específico fim de prestar assistência jurídica aos necessitados, cumprindo-se, pelo menos no

estado, mandamento constitucional cogente.

No Estado do Rio de Janeiro, o advento da Lei Complementar nº6 de 1977 não só

criou órgão público que passaria a ter atribuição de prestação do direto fundamental da

(ainda) assistência judiciária prometida pela Constituição mas também a revestiu

satisfatoriamente de condições mínimas de trabalho para os agentes públicos nelas investidos,

trazendo para o mundo jurídico a novidade de um órgão estatal prestar serviço, até então,

bastante tímido. A essencialidade decorria, todavia, até então, da própria função

desempenhada por seus membros, ainda vinculados à Secretaria de Estado da Justiça e,

portanto, subordinada à Chefia de Poder Executivo.

46 Na rotina forense, percebe-se a imensa dificuldade dos magistrados em realizar audiências quando se percebe a ausência de patrono constituído ou mesmo de patrocínio pífio por falta de recursos da parte em contratar advogado com formação sólida e conhecimento jurídico capaz de desempenhar atividade de advocacia sem por em risco o direito de seu constituinte. Imperiosa a criação de órgãos de atuação da Defensoria Pública junto aos órgãos jurisdicionais, até porque a maioria da população demandante - e demandada- em todas as esferas, é desprovida de recursos materiais.

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O Brasil enfrentava período de exceção e os Governadores dos estados

desempenhavam seus mandatos originariamente outorgados por meio de eleições indiretas.

Em 1979, Chagas Freitas toma posse e propõe alteração da Constituição do Estado do Rio de

Janeiro, para transferir a Assistência Judiciáriapara a Secretaria de Estado de Justiça e

Interior, transformando a já existente Assistência Judiciária em apêndice administrativo de

uma Secretaria de Estado, subordinando a Coordenação de Assistência Judiciária a uma

Secretaria de Estado, cujo Secretário, auxiliar do Chefe do Poder Executivo, a ele subordina-

se diretamente.

Está em Helly Lopes Meirelles, a classificação dos órgãos públicos em independentes,

autônomos, superiores, e subalternos47: os independentes são originários da Constituição e

representativos dos poderes do Estado, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional,

só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro; os autônomos são os

localizados na cúpula da Administração , imediatamente abaixo dos órgãos independentes e

diretamente subordinados a seus chefes, como, por exemplo, os Ministérios e Secretarias de

Estado; órgãos superiores são os que detêm poder de direção, controle, decisão e comando de

assuntos de sua competência específica, mas sempre sujeitos à subordinação e ao controle de

uma chefia mais alta, como as Chefias de Polícia, Superintendência de Polícia Federal, etc.; já

os subalternos têm reduzido poder decisório e predominância de ações de execução.

A Assistência Judiciária não era sequer órgão dotado de autonomia como ocorria(e

ainda ocorre) com as Secretarias de Estado(e Ministérios, no plano federal), mas um órgão -

possivelmente caracterizado como superior na classificação adotada por Helly Lopes

Meirelles- subordinado a uma Secretaria(no caso, a de Justiça), que, por conseguinte, se

subordinava ao Governador do Estado.

Deu-se um passo atrás e a Instituição que parecia surgir pautada em lei complementar

como todas as demais tidas por essenciais à função judicante do Estado, voltava à situação de

subordinação.

A chefia do órgão, exercida por não integrantes da Carreira, enfraquece a própria

atuação institucional. A subordinação administrativa(e funcional) a chefes que não integram a

carreira e tampouco sequer compõem os quadros de servidores efetivos, afronta diretamente a

essência da própria atividade institucional, que é e deve ser eminentemente independente.

Com a eleição de Leonel Brizola para o governo do Estado do Rio de Janeiro, em

1982, apesar de inúmeras promessas de campanha, não houve qualquer modificação

47 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro - atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, DelcioBalestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.64-8.

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legislativa digna de registro ou mesmo qualquer conquista para a Instituição. Permaneceu, a

Assistência Judiciária, setorizada e subordinada à Secretaria de Estado de Justiça, navegando

ao sabor de seu comandante, um secretário de estado(e o próprio Governador) que lá estavam

por concordarem com o estado de coisas que se vivia no Brasil nos anos de chumbo.

3.3. A contribuição de Wellington Moreira Franco

Nas eleições de 1986, pleito em que o Brasil escolheu os futuros membros que iriam

compor a Assembleia Nacional Constituinte, Governadores do PMDB. Somente no governo

que o sucedeu, titularizado por Wellington Moreira Franco(1987 a 1990), por Emenda à

Constituição do Estado do Rio de Janeiro, adveio a real e efetiva mudança no panorama

institucional e administrativo da até então Coordenadoria da Assistência Judiciária, alçando a

Instituição à categoria, enfim, de Secretaria de Estado, denominada Procuradoria-Geral da

Defensoria Pública, cujo primeiro chefe institucional foi Técio Lins e Silva, até então

Secretário de Justiça de Moreira Franco.

A proposta de emenda à Constituição do Estado, enviada pelo então Governador

Moreira Franco, cumprindo promessa de campanha, foi enviada à Assembleia Legislativa em

maio de 1987, com a seguinte mensagem, valendo o registro:

Tenho a honra de submeter à alta consideração de V. Excelências a anexa proposta de Emenda Constitucional, objetivando alterar o posicionamento da Assistência Judiciária no sistema jurídico do Estado(...)A norma constitucional federal, que garante, no capítulo dos direitos e garantias individuais, a prestação de assistência judiciária, na forma da lei, não pode ser cumprida do ponto de vista meramente formal. o homem do povo precisa ter a certeza de que tem a seu serviço um órgão independente e convenientemente estruturado, para defender seus interesses em igualdade de condições, sob qualquer circunstância(...) Nesse sentido, é de capital importância, na construção de uma sociedade democrática, a ampliação e dignificação da Defensoria Pública, a fim de que se lhe confira o lugar que torne realmente possível a realização do dogma constitucional da igualdade de todos perante a lei, assegurando acesso à concretização de direitos e à justiça.O defensor público deve em razão disso, não só postular e defender em juízo, como também assistir, orientar, assessorar e prestar consultoria aos juridicamente necessitados, seja no âmbito dos interesses disponíveis dos grupamentos de indivíduos, o que representa notável avanço na proteção dos direitos dos cidadãos(...)A alteração de denominação da instituição, de Assistência Judiciária para Defensoria Pública, não só visa a propiciar sua melhor identificação, eis que este é o nome pelo qual é popularmente conhecida, como também permite diferenciá-la das demais entidades que se propõem ao mesmo fim, tornando claro seu posicionamento no

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interior do organismo político. Sua utilização permitiria , assim, a mais perfeita divulgação dos trabalhos e serviços prestados pelos defensores públicos.48

Da erição à categoria de Secretaria de Estado no Rio de Janeiro em 1987 à menção

expressa na nova Constituição do Brasil de 1988, a Instituição efetivamente deixou de existir

apenas em âmbito regional(Estado do Rio de Janeiro), passando a denominar-se Defensoria

Pública, agora como imposição constitucional em âmbito nacional.

3.4. A Constituição Cidadã

Eis o texto da Constituição originária de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)LXXIV. O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aqueles que comprovem que comprovem insuficiência de recursos;(...)Artigo 134: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5o, inciso LXXIV.Parágrafo único: Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados. em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia das inamovibilidade, vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

A mudança, embora ainda tímida, não foi sentida apenas formalmente, mas sob o

ponto de vista substancial, principalmente em sete pontos a se destacar: o primeiro diz

respeito à própria nomenclatura da Instituição, até então denominada na parca e deficiente

legislação a respeito da Assistência Judiciária(a não ser no Estado do Rio de Janeiro, em cuja

Constituição já se definia a instituição como Procuradoria-Geral da Defensoria Pública),

denominando-se a partir de agora Defensoria Pública. Inegável o caráter institucional que se

revestiu a carreira outrora praticamente inexistente no país49. O segundo diz respeito à

essencialidade. A partir da Constituição de 1988, a Defensoria Pública passou a ser essencial

à função jurisdicional do Estado; o terceiro quanto aos aspectos funcionais de seus agentes,

trazendo para o âmbito constitucional a inamovibilidade e o ingresso na Carreira mediante

48 Trata-se da mensagem de Emenda à Constituição Estadual nº 37 de 1987.49 Antes de 1988, apenas quatro estados, além do Distrito Federal, contavam com defensoria pública instalada, a saber, o Rio de Janeiro (1954), Minas Gerais (1981), Paraíba (1985), Bahia (1986) e Distrito Federal (1987), de acordo com o I Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil.

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concurso público de provas e títulos; o quarto ponto diz respeito à extensão do direito que até

então cingia-se à assistência judiciária, isto é, no âmbito apenas do processo judicial para

agora de assistência jurídica, perpassando a assistência apenas na ambiência forense,

estendendo-a também ao aconselhamento jurídico, ao acompanhamento de processos

administrativos, a consultoria jurídica aos necessitados etc.; o quinto ponto diz respeito à

expressa disposição constitucional no rol dos direitos e garantias, dando ao Estado a

responsabilidade na prestação de assistência jurídica integral e gratuita àqueles que

comprovem insuficiência de recursos, não mais submetido, como ocorria até então, ao

legislador instrumentalizar o exercício deste direito subjetivo. A norma do artigo 5º, inciso

LXXIV passou a ser, portanto, autoaplicável ou, como prefere José Afonso da Silva, norma

constitucional de eficácia plena50; O sexto ponto diz respeito à garantia da inamovibilidade,

isto é, à impossibilidade de mudança, à revelia do agente público, do órgão em que

desempenha suas funções institucionais, à maneira do que ocorre com os magistrados51 e

membros do Ministério Público52; o sétimo ponto diz respeito à vedação da advocacia fora das

atribuições institucionais, justamente para que o agente que escolha exercer a função não a

deixe em segundo plano diante de oportunidades de trabalho compatíveis com o horário

dedicado ao serviço público53.

O caráter essencial trazido pela Constituição de 1988 traz a necessidade de que todos

os entes da Federação brasileira concretizem as suas respectivas Defensorias Públicas, não

mais com sentimento de piedade para com os necessitados, mas sim oferecendo-lhes serviço

público eficiente e capilarizado.

Quanto aos aspectos funcionais destacados, como o da necessidade de ingresso na

Carreira mediante concurso público de provas e títulos e a inamovibilidade, estas garantias

para o exercício da função pública de prestação de assistência jurídica integral, trazem maior

independência a seus agentes, que desempenharão suas funções sem a preocupação de agradar

ou desagradar a superiores hierárquicos. O concurso público é imperativo constitucional,

assegurando aos participantes-concorrentes igualdade de oportunidades e a busca na

comunidade jurídica de candidatos que ofereçam melhor qualidade intelectual a prestar, da

melhor maneira, a atividade fim da Instituição.

50 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.51 Conforme artigo 95, II, da Constituição Federal de 1988.52 Conforme artigo 128, §5º, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988.53 O artigo 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, entretanto, parece trazer exceção quanto àqueles agentes que ingressaram na carreira antes da instalação da assembleia nacional constituinte, que puderam optar pela carreira, observando-se as garantias e vedações previstas no artigo 134, parágrafo único, da Constituição. Em sentido contrário, Pedro Lenza (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.996).

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Notável a mudança de conceito (ou mesmo extensão do direito anteriormente

assegurado) de assistência judiciária para assistência jurídica integral e gratuita, um adjetivo

qualificador, como leciona Barbosa Moreira54. A partir da Constituição de 1988, o direito à

assistência deixou o ângulo apenas judiciário, isto é, assistência durante o processo, mas

jurídica, expandindo-se o seu objeto para além dos limites processuais.

Quanto ao direto fundamental à assistência jurídica integral, a mudança que pode ser

vista está no fato de que a norma constitucional não mais deixa a cargo da lei a missão de

instrumentalizar o exercício deste direito; a norma constitucional passou a ser, pois,

autoaplicável, ao contrário do que ocorria nas Constituições anteriores.55

A Constituição originária de 1988 não foi tão generosa com a Defensoria Pública

como foi com o Ministério Público, que ganhou, já a partir de 1988, além do atributo da

essencialidade frente à função jurisdicional do Estado, a permanência, a independência

funcional e a vitaliciedade de seus membros, sem contar com a tão almejada autonomia

funcional e administrativa, dotando a Instituição de recursos próprios, com a garantia de

repasse orçamentário através de duodécimos mensais56.

Embora bastante tímido, o texto constitucional originário na menção à Defensoria

Pública, principalmente se comparada a outras instituições de semelhante estatura

constitucional como os Tribunais e o Ministério Público, de maneira nenhuma se despreza a

inovação trazida na própria nomenclatura e, portanto, da identidade institucional que se

tornou realidade a partir de 1988. Inédita a expressa disposição da instituição, agora

corretamente denominada Defensoria Pública, além do já existente em Cartas anteriores

direito à assistência judiciária(a partir de 1988 integral e gratuita), fazendo toda a diferença,

principalmente quanto ao alcance da expressão, a ser examinada em capítulo próprio deste

trabalho.

Não deixa de ser um marco na história da Defensoria Pública no Brasil a forma inédita

como foi tratada pelo constituinte de 1988, ganhando denominação própria e, com isto, como

54 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit.55 Desde Ruy Barbosa, as normas constitucionais tinham classificação, por parte, da Doutrina, em autoaplicáveis e não autoaplicáveis justamente para se diferenciar no plano da eficácia jurídica e social, as normas constitucionais que dependiam e as que não dependiam de qualquer manifestação do Poder Público para gerar plenamente seus efeitos. Foi com José Afonso da Silva, com sua classificação tricotômica que a comunidade jurídica conheceu a sistematização das normas constitucionais com maior maturidade acadêmica (SILVA, José Afonso da. Op. Cit.).56 O artigo 168 da Constituição Federal estabelece, de maneira cogente, a necessidade de o Poder Executivo, a quem cabe gerir a máquina pública, repassar mensalmente, até o dia 20 de cada mês, a parcela mensal correspondente ao orçamento aprovado concernente à Instituição dotada de autonomia administrativa e financeira. Esta quantia mensal é denominada pela Constituição de duodécimo, isto é, 1/12 dos recursos já destinados ao órgão, de acordo com a lei orçamentária devidamente aprovada e sancionada pelo chefe do Executivo.

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já ressaltado, identidade institucional. Havia comprometimento da efetividade do direito à

assistência judiciária gratuita anteriormente apenas previsto nas Constituições revogadas sem

a previsão da instrumentalidade, isto é, de como este direito seria exercitado. O constituinte

trouxe, em parágrafo único do artigo 134, como já mencionado, a determinação para que a

União e os Estados, porque concorrente a competência legislativa sobre o tema, editassem lei

complementar visando à criação da Instituição no plano federal e nos respectivos estados da

federação.57

José Carlos Barbosa Moreira analisa o ineditismo com a maestria de sempre:

A grande novidade trazida pela Constituição de 1988 consiste em que, para ambas as ordens de providencias, o campo de atuação não se delimita em função do atributo "judiciário" mas passa a compreender tudo o que seja jurídico. a mudança do adjetivo qualificador da "assistência", reforçada pelo acréscimo do "integral" , importa em notável ampliação do universo que se quer cobri. os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e á prestação de serviços não apenas na esfera judicial ,a mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos.58

3.5. A primeira lei orgânica nacional

Em 1994 foi aprovada, sancionada e promulgada, durante o governo de Itamar Franco,

a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, Lei Complementar 80 de 1994, como

determinado, aliás, pela Constituição de 1988, traçando normas gerais para a sua organização

no âmbito da União e do Distrito Federal, prescrevendo normas gerais para a organização nos

Estados da federação,dando azo, pelo menos sob o ponto de vista estrutural, à possibilidade de

implementação da Defensoria Pública da União e o caminho para a criação das Defensorias

Públicas estaduais por leis complementares de cada estado e do Distrito Federal, vez que se

trata de competência legislativa concorrente, na forma do artigo 24, inciso XIII da

Constituição Federal59.

Desde 1977, de maneira, aliás, inédita no país, há legislação estadual estabelecendo e

organizando a Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro. Sobrevindo a legislação

57 A Lei Complementar nº 06 de 1977 foi pioneira no Brasil, tendo sido editada, como visto, em momento anterior à própria promulgação da Constituição Federal. Somente após 17 anos foi promulgada a lei orgânica nacional da Defensoria Pública, Lei Complementar nº 80 de 1994.58 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit.59 O artigo 24 e seus parágrafos da Constituição Federal de 1988 enumeram as matérias que são de competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, sendo que à União cabe legislar sobre normas gerais e os Estados ou o Distrito Federal podem suplementar a legislação federal no que couber.

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federal, o que só ocorreu em 1994, as normas estaduais que eventualmente conflitassem com

a editada pela União teriam sua eficácia suspensa, de acordo com o que preconiza a norma do

artigo 24, parágrafo 4º da CF60.

Pela primeira vez, portanto, a Defensoria Púbica ganhara uma lei complementar

nacional, elencando princípios institucionais próprios, suas funções precípuas, objetivos,

prerrogativas funcionais, isto é, dando extensão à inequívoca vontade do constituinte em

tornar realidade no Brasil um dos mais básicos direitos do cidadão, o de processar ou

de(quando isto eventualmente ocorrer) ser processado com o direito de ser assistido por

profissional habilitado pago pelo poder público, em semelhante posição a ex adverso, não

bastando esmola estatal, caridade ou mesmo boa vontade da máquina pública, por vezes

perversa, no retardo ou na má-formação de corpo de advogados dativos. Encampou-se, além

da mera assistência judiciária, em muitas oportunidades desempenhada por agentes não

concursados ou mesmo por advogados dativos, a assistência jurídica integral e gratuita por

agentes públicos concursados, cujas prerrogativas estavam, de maneira inédita, previstas em

lei complementar.

Mais uma vez, a Defensoria Pública (e, portanto, a própria efetividade do direito à

assistência jurídica integral) sobe um degrau na busca de sua identidade e da (tentativa de)

universalização de seus serviços essenciais. O cidadão, ao menos formalmente, teria, a partir

de agora, um órgão com rosto próprio a procurar para seus reclamos, duvidas processuais(e

extraprocessuais), simples orientações jurídicas, postulações de gratuidade para retirada de

certidões junto às serventias extrajudiciais, etc.

Neste período, Itamar Franco instala, ainda que de maneira acanhada, a Defensoria

Pública da União, cujo primeiro concurso foi realizado no ano de2001, tendo como aprovados

os primeiros 94 defensores públicos da União61. O alcance do primeiro concurso, apesar de

histórico, não possibilitou efetividade na prestação do serviço, por óbvio, por se tratar o Brasil

de um país com dimensões continentais, sem contar o fenômeno da “demanda reprimida”.

Com a criação da ainda tímida Defensoria Pública no âmbito da União, o desconforto

aumentava com relação aos estados que ainda não haviam disciplinado a Instituição,

inobstante a determinação constitucional, que ainda compactuava com a prestação de serviço

60 §4º. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual , no que lhe for contrário.61 Após o advento da Lei Complementar nº 132, de 2009, que derrogou a Lei Complementar nº 90, de 1994, a nomenclatura do cargo modificou-se para defensor público federal, fazendo mais sentido. A União não é destinatária dos serviços da defensoria pública. Ao revés: é comumente ré nas demandas propostas pela Defensoria Pública. A nomenclatura, portanto, estava em dissonância com a própria atuação institucional. o verdadeiro defensor da União é o advogado da União e não o defensor público federal.

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essencial por advogados particulares,dativos, utilizando-se por vezes da entabulação de

convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Seção Estadual, ou simplesmente

prestando o serviço considerado pela Constituição como essencial e privativo pela Defensoria

Pública, quando mantido por orçamento público, por órgãos estatais com objetivos diversos e

até mesmo antagônicos face à atuação institucional da Defensoria Pública.

Dois emblemáticos e estranhos exemplos podem ser mencionados, como os dos

Estados de São Paulo e de Santa Catarina. Em São Paulo, a "assistência judiciária" era, desde

meados da década de 1940 do século passado, exercida por Procuradores do Estado que

optassem por desenvolver a atividade, ao invés de se debruçarem sobre a atuação-fim de

representação judicial e consultoria jurídica do Estado. Foi criado órgão na estrutura da

Procuradoria Geral do Estado de São Paulo denominado Procuradoria de Assistência

Judiciária(PAJ), criado por lei em 1947 que seria, a partir de então, responsável pela demanda

de prestação de assistência jurídica aos necessitados, atuação que caberia, após a promulgação

da Constituição de 1988, à Instituição Defensoria Pública, com existência própria,

desvinculada de eventuais órgãos anteriormente criados. O modelo de assistência jurídica

implementado no Estado de São Paulo não mais se compatibilizava substancialmente com a

nova Constituição, não tendo sido, portanto, recepcionado62.

Tornou-se premente a reestruturação funcional e administrativa da PAJ paulista, o que,

vergonhosamente, somente veio a ocorrer no ano 2006, passados mais de 18 anos da

promulgação da Constituição Federal, isto considerando-se tratar do estado mais rico da

federação.

Após longos períodos de discussões, movimentos diversos como o “Movimento pela

Defensoria Pública”, houve por bem, ao Governo Paulista, criar de maneira definitiva, a

Instituição Defensoria Pública desvinculada de quaisquer órgãos na estrutura daquele Estado

por meio da Lei Complementar nº 988 de 2006.

Com a edição da lei complementar paulista, trazendo para a realidade do sistema de

justiça paulista a tão almejada Instituição que daria voz, enfim, aos necessitados, conceito

trazido pela própria Constituição, encerraram-se, ao menos de maneira formal, os diversos

problemas com permanência da PAJ, como o da falta de identidade institucional, a falta de

62 O Supremo Tribunal Federal adotou posicionamento no sentido de que a leis anteriores à nova Constituição, se com ela incompatíveis materialmente não seriam recepcionadas e, como consequência desta não recepção, redundaria-se na revogação da lei outrora editada, sendo possível, nos dias de hoje, a sindicabilidade de verificação desta compatibilidade, mediante controle no caso concreto - método difuso - ou por intermédio da arguição de descumprimento de preceito fundamental, na forma do parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição Federal de 1988e da Lei Federal nº 9.882 de 1999. Logo, se a lei paulista data de 1947, a sindicabilidade se daria no plano da existência e não do da validade.

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independência funcional dos agentes que prestavam o serviço, a inevitável subordinação

institucional ao Governador do Estado, impedindo ou, pelo menos, dificultando maior atuação

nas demandas em face do Poder Público. Curioso ver um procurador do estado, que, de

acordo com a Constituição Federal, está jungido à representação jurídica do próprio estado,

ingressar com demanda em face do Ente a que está obrigado a defender. A situação é, no

mínimo, insólita, verdadeira contradictio in terminis.63

Com o advento, em 2006, da Defensoria Pública em São Paulo, a atividade de

assistência jurídica deixou de ser prestada por subórgão vinculado ao Governo, passando a ser

de responsabilidade, na esteira do que determina a Constituição, da própria Defensoria

Pública, Instituição agora definitivamente cindida da administração pública estadual.

O outro exemplo não menos vergonhoso e igualmente curioso é com relação ao Estado

de Santa Catarina. A Constituição daquele Estado dispunha expressamente que a atividade de

“assistência judiciária” seria prestada por advogados dativos, deixando de adotar o modelo

determinado pela Constituição Federal, no artigo 134, embora vinculada a estas

determinações, porque de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais64. Este modelo,

obviamente, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal que além de declarar a

inconstitucionalidade do sistema de prestação de serviço, determinou a criação - por lei

complementar- e a devida instalação da Defensoria Pública no Estado, na forma do modelo

imposto pela Constituição, no prazo máximo de um ano, sob pena de responsabilidade, no

julgamento das ADIs 3892 e 4270.

Repetindo o que já foi objeto de análise neste estudo, o Supremo Tribunal Federal

assume o protagonismo, diante da inação injustificada do Executivo(e do Legislativo, por

conta de nosso modelo presidencialista de coalizão) na coordenação, como guardião precípuo

da Constituição, de adoção de medidas que visem efetivar seus comandos cogentes, por

simples falta de vontade política ou mesmo pudor em se criar Instituição a certamente fazer

frente aos lamentáveis desmandos dos poderes públicos que insistem em retardar atuação a

que estão vinculados e assim, paulatinamente, atingir os objetivos estabelecidos no artigo 3º

da Constituição.63 Art. 132. os procuradores dos estados e do distrito federal , organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.64 O Art. 25 da Constituição Federal de 1988 estabelece, expressamente, que : “os estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. A mesma leitura se faz do artigo 11, cabeça, do ADCT que estabelece: “cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”. Logo, se a Instituição é considerada essencial à função jurisdicional do Estado, em Entes federados que devem organizar suas respectivas justiças, a Defensoria Pública é de instalação obrigatória, tal como ocorre, aliás, com o Ministério Público, igualmente essencial.

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3.6. A autonomia das Defensorias Públicas Estaduais

Do impulso que foi dado pela edição da lei orgânica nacional (Lei Complementar nº

80 de 1994) na criação e instalação de diversas Defensorias Públicas estaduais, o advento da

(necessária) reforma do sistema de justiça, com a promulgação da Emenda à Constituição nº

45 de 2004, conhecida vulgarmente como “reforma do Judiciário”, trouxe para o panorama do

sistema de justiça, incluindo-se as instituições que atuam ao lado do Judiciário na espinhosa

missão de prestação jurisdicional, diversas modificações estruturais e de competência mesmo,

inclusive concedendo idêntica autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas

estaduais que haviam sido conferida ao Ministério Público pela Constituição originária, em

1988.

A edição da Lei Complementar nº 80 de 1994 não foi suficiente para o

desenvolvimento regular da atividade institucional esperada pela própria Constituição, até

porque sofreu diversos vetos por parte da Presidência da República, alguns dos quais que

feriram a própria estrutura da Instituição.

Desde 1996, houve intenção, por parte do Governo Federal, em fortalecer a Defensoria

Pública como instrumento de inclusão e viabilizador de direitos fundamentais. Ressalte-se a

edição do Programa Nacional de Direitos Humanos pelo Ministério da Justiça65.

José Augusto Garcia, em interessante estudo, sobre as modificações introduzidas pela

Lei nº 13.105 de 2015(Novo Código de Processo Civil brasileiro), no tocante à Defensoria

Pública, no qual coordenou diversos textos a respeito do assunto, assim se manifesta sobre a

conjuntura política na época da edição da Lei Complementar nº 80:

Em 1994, foi editada a lei orgânica da Defensoria Pública prevista no parágrafo único do artigo 134 do texto original da constituição. A lei complementar n. 80/94 encarnou bem as dificuldades de afirmação da Defensoria. Depois de uma longa e desgastante tramitação legislativa, o belo projeto aprovado pelo congresso nacional, que até então resistira incólume a pesados bombardeios, sofreu nada menos que 27 vetos presidenciais (Itamar Franco), profundamente influenciados por um insólito parecer oferecido pelo então Procurador Geral da República, Aristides Junqueira, sendo tal parecer citado inúmeras vezes nas razões de veto. Apesar desse numero recorde de vetos, desfigurando em certa medida o diploma normativo, ao menos se conseguiu materializar a lei orgânica nacional. Sobretudo naquele período, assim era a vida da Defensoria Pública brasileira: avanços sofridos e invariavelmente acompanhados por contramarchas.Mas se avançava, ainda que a duras penas.66

65 Um dos itens do programa nacional de direitos humanos é o de "dar continuidade à estruturação da Defensoria Pública da União, bem como incentivar a criação de Defensorias Públicas junto a todas as Comarcas do país (Cf. BRASIL. Programa nacional de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 1996, p.20).66 GARCIA, José Augusto (coord.). Coleção repercussões do novo CPC. Salvador: Jus Podium, 2015, p.469.

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Premente a mudança de rumos para que a Defensoria Pública pudesse, efetivamente,

decolar na participação das atividades políticas do Estado, vez que ao nascer na Constituição

originária, atribuiu-se em essencialidade, criou-se a Instituição no plano federal, com a edição

da Lei Complementar nº 80 de 1994, possibilitando-se a instalação das defensorias nos

respectivos estados da federação, mas ainda não havia reais oportunidades para que a

Instituição se estabelecesse com a dignidade que merecia e dela se esperava. Faltava

comprometimento por parte do Poder Público e falta de autonomia institucional.

A fragilidade normativa da Lei Complementar nº 80 revelou o sentimento político da

época em que o Poder Executivo ditou lei, pagando a fatura com a credora, a Constituição, e

se livrando de débito nada democrático, considerando a popularidade em alta do presidente

que exercia mandato tampão. Empossou apenas 94 defensores públicos para um país de 170

milhões de habitantes. Caso não se tratasse de direito fundamental, poderia servir facilmente

de diversão nas anedotas de salão desta República. O cumprimento foi pífio, preguiçoso e

ineficiente. E impiedoso, vez que aqueles que estavam a espera de serviço essencial,

certamente não figuravam dentre parentes ou do círculo de amizades do presidente ou do

então Procurador-Geral da República. Ao que parece, não interessava, ao poder constituído,

quem dava das cartas no Brasil conceder ao órgão nascente as reais e efetivas chances de alçar

maiores voos. A quem interessava criar uma Instituição forte, independente e que poderia

questionar até mesmo atuações do próprio Poder Executivo por demandas judiciais? criou-se

um sino, sem o badalo, no dizer de José Carlos Barbosa Moreira.

Já estava mais que na hora de dotar a Defensoria Pública da tão almejada autonomia já

gozada pelo Ministério Público que não parou de crescer no período pós-constituição. A

depender da boa vontade do Poder Executivo, estaríamos todos sentados na calçada

apreciando a multiplicidade de desmandos e ausência de acesso à justiça, isto para a maioria

da população, tal como se estivéssemos vivendo nos tempos de Ovídio67. A carona pegada na

denominada “Reforma do Judiciário”, um dos pontos nodais foi justamente a necessidade de

se conceder autonomia funcional e administrativa às defensorias para fomentando-se proteção

à instituição contras à ausência de atenção do executivo. Não mais seria possível a mantença

da instituição como se fosse apenas um corpo de advogados pagos pelo Poder Público para a

prestação de serviço de orientação jurídica integral.

67 A expressão de Ovídio cura pauperibusclausa est quer dizer “o Tribunal está fechado para os pobres” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.606).

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Houve grande adesão, tanto do próprio Executivo, pelas mãos da Secretaria de

Reforma do Judiciário, à época ocupada por Pierpaolo Cruz Bottini, e depois por Rogério

Favreto e como Coordenador-geral de modernização da administração da justiça, o Defensor

Público André Luís Machado de Castro68. O Ministro da Justiça do Presidente Luiz Inácio

Lula da Silva Lula, era Marcio Thomaz Bastos.

A Reforma do Judiciário, então, concedeu autonomia administrativa às defensorias

estaduais, não tendo, entretanto, contemplado a Defensoria Pública da União e a do Distrito

federal. um despautério a diferença de tratamento, principalmente tratando-se de uma

instituição que se alinha pela unidade. Somente em momento posterior, após a separação da

Defensoria do DF da União, houve por bem ao constituinte reformador estender a ambas, em

momentos distintos, a mesma autonomia conferida às defensorias estaduais69.

3.7. A nova lei orgânica nacional

Diante de tão substancial modificação constitucional pela reforma do sistema de

justiça, a Lei Complementar nº 80 de 1994 teve que se adaptar a esta nova realidade

constitucional, que desvinculou de maneira definitiva, as defensorias estaduais das atividades

governamentais até porque nela busca fundamento de sua validade. Foi promulgada, por conta

da necessidade desta adaptação, a Lei Complementar nº 132 de 2009, derrogando a legislação

anterior, modernizando-a e adaptando-a às novas diretrizes trazidas pela Constituição

reformada.O projeto de lei complementar contou com imensa adesão pelos membros do

Congresso Nacional e foi aprovado, em ambas as casas por ampla maioria, com apoio do

Palácio do Planalto.

A sanção ao projeto de lei pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou-se

em sessão solene no dia 07/10/2009 na ambiência do Palácio do Planalto com a presença da

então Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, do Ministro da Justiça, Tarso Genro e demais

autoridades ligadas à Defensoria Pública, com os discursos do próprio Presidente da

República que, de maneira descontraída revelou sua peculiar história de vida quando

necessitou dos préstimos de assistência judiciária gratuita mas sentiu parte da indenização a

que fazia jus após lamentável episódio laboral que redundou na amputação de um de seus

68 Após exercer esta função no Ministério da Justiça, André Luís Machado de Castro exerceu, por dois mandatos, a Presidência da Associação Nacional dos Defensores Públicos entre os anos de 2009 a 2013, participando, também, das articulações políticas que ensejaram a promulgação da Lei Complementar 132/2009 e, atualmente, eleito por mais de 2/3 da classe, exerce a função de Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro.69 A EC nº 74 de 2013 fez incluir o §3º no artigo 134 da Constituição Federal de 1988, estendendo a autonomia que havia sido conferida às defensorias estaduais às da União e do Distrito Federal.

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dedos da mãos esquerda com a cobrança de honorários advocatícios. na falta de Defensoria

Pública, viu-se obrigado pagar honorários advocatícios quando, nos tempos de hoje, poderia

este valor estar em seu poder.

Interessante trazer trecho do discurso do então presidente da República Luiz Inácio

Lula da Silva:

Eu tinha pedido ao companheiro Tarso...que não era necessário que eu falasse aqui porque eu tinha gasto grande parte das emoções, acumuladas, no discurso pra gente poder conquistar o direito de o Brasil sediar uma Olimpíada. Na verdade, o que nós ganhamos foi o direito de sermos contemplados com a Justiça, porque nós fizemos um mapa para mostrar desde quando começou as Olimpíadas, onde elas tinham sido realizadas e tem um vazio na América do Sul e um vazio na África e o argumento nosso era que o maior evento esportivo do mundo não é um privilégio dos ricos, ou seja...até porque a maioria dos atletas são pobres e eu acho que esse argumento foi um argumento muito convincente e, obviamente que teve um trabalho extraordinário do nosso comitê olímpico, mas eu queria dizer, pra vocês, que acho que foi uma conquista da cidadania que o Brasil teve em Copenhague. Então, eu nem ia falar aqui por conta disto: que eu já chorei o que tinha de chorar em Copenhague.Mas vou dizer pra vocês o seguinte. Vocês estão lembrados de quando eu tomei posse em 2003? Não tinha tanta gente no debate que eu fui participar no Rio de Janeiro, mas eu já encontrei uns trinta companheiros de fotografia daquele debate. Acho que não tinha nem trinta pessoas, ou seja, acho que alguém ficou de fora. Mas vocês estão lembrados que quando eu tomei posse, em 2003, eu disse que, primeiro, nós íamos fazer o necessário, depois, o possível e, de repente, a gente poderia começar a fazer as coisas que pareciam impossíveis. E eu acho que o evento de hoje é uma dessas coisas que quando a gente menos espera, a gente consegue uma colaboração extraordinária do Congresso Nacional, a gente consegue fazer com que o Poder Judiciário vá entrando nesse clima de democracia, de conquista de cidadania que a gente quer pra todas as pessoas nesse país. Eu, de vez em quando, andando de carro, a gente vê um carro com um grande adesivo atrás: “procure um advogado”. E aquilo me deixava triste porque eu sabia que muita gente é condenada ou não é defendida no seu direito porque ele nem consegue chegar à porta de um advogado. Eu lembro que quando eu cortei esse dedo aqui, em 1961, se não me falha a memória, eu, naquele tempo, tinha uma indenização, por cada...Cada dedo tinha um valor. E eu lembro que veio aqueles advogados que ficam na porta da Justiça, na verdade, muitas vezes, enganando o pobre do trabalhador, quando se recebe uma garantia, que ele só vai no banco e deposita e marca a data pra receber, mas o advogado promete “não, vai no meu escritório, que eu consigo mais rápido”. O coitadinho vai, não consegue “mais rápido” coisa nenhuma e depois tem que pagar 20% pro advogado. Com esse dedo aqui, foi uma coisa engraçada: eu saí da Justiça, e aí apareceu um cidadão - “Olha, vai no meu escritório que eu consigo um pouco mais pra você, vai ser muito rápido”. E eu, “molequão” de, acho que, 18 anos, fui no escritório. Cheguei lá, assinei todos os papéis que ele pediu pra eu asssinar, a gente nem lê. Assinei. Aí quando eu fui receber meu dinheirinho, era 362 cruzeiros, cruzados, uma coisa assim, ele queria me tomar 20%. Aí eu comeei a chorar. Como é que eu ia falar pra minha mãe que o advogado tinha me levado 20% do meu dinheirinho e meu dedo tava lá, no “beleléu”. Aí eu fui no advogado do sindicato ali na Rua do Carmo, e aí peguei um advogado, até um famoso que cuidava de previdência social e ele ligou pro advogado e falou: “Olha, não é importante você cobrar do rapaz, o rapaz perdeu o dedo e ainda vai pagar?”, e eu cheguei lá e o advogado me deu um “tremendo carão”, me deu uma “esculhambada”, mas me deu meu dinheirinho todo, então eu fiquei quieto porque eu terminei não pagando - eu achei que era injustiça. Agora eu fico imaginando os milhões e milhões de mulheres e homens, neste país, que, diante de um problema, não têm ninguém para defendê-los e, às vezes, são condenados por bobagens porque também não têm ninguém para

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defendê-los. Ao fortalecer a Defensoria, nós estamos, apenas, garantindo ao cidadão mais humilde deste país o mesmo direito de alguém que pode contratar o mais importante advogado deste país, ou seja, porque a democracia não seria democracia se a gente não garantisse a todos as mesmas oportunidades.Agora, eu penso, companheiros, que é possível fazer um trabalho muito sério de propaganda sobre a Defensoria Pública, eu acho que é preciso que as pessoas tenham um “0800”, um “0 não sei o que quanto” e que seja divulgado na televisão pras pessoas andarem com isso, pras pessoas, na hora que precisar, telefonarem, que como esse país é muito grande, ou seja, tem muita desinformação, nós poderíamos pensar, enquanto Governo, enquanto Ministério da Justiça, no que a gente pode fazer para que a gente coloque esse número de vocês em rádio, em televisão, pra que quando uma pessoa for abordada indevidamente na rua, ou for acusada injustamente, onde tiver um problema qualquer, que ele saiba que o Estado brasileiro, através de vocês, está dando a ele um advogado que jamais ele poderia contratar porque não teria dinheiro pra contratar.Então, eu queria dar os parabéns ao Senado, à Câmara. A gente, muitas vezes, fala mal da Câmara, do Senado, mas eu penso que quando eles têm projetos de interesse público, até agora, o Congresso não faltou em aprovar nenhum projeto de interesse desse país, e eu acho, então, que a gente deve reconhecer esse trabalho dos nossos líderes, do Jucá, do Mauro Benevides, ou seja, de tantos companheiros que se dedicaram pra isso.É importante vocês saberem que, lá dentro, vocês têm mais amigos do que vocês imaginam. Porque muitas vezes, a gente vê uma denúncia qualquer e a gente já passa a julgar todo deputado como bandido, senador... Quando, no fundo, no fundo, na hora que a gente precisa, na hora que a gente se organiza, a gente percebe que as coisas acontecem.O pacto que nós fizemos pelo Poder Judiciário, eu imaginava que a gente não ia ter sucesso, que ia demorar e, quando chega no Congresso Nacional, com muita rapidez, eles aprovaram as coisas e a Defensoria Pública é uma dessas conquistas. Eu queria que vocês tivessem consciência de que grande parte dessa conquista é de vocês, porque não tem um lugar que eu vou que não me apareça ou uma mulher, ou um homem da Defensoria Pública pedindo pra que a gente apressasse a votação deste projeto de lei. Então, eu quero dar os parabéns. Acho que o povo pobre desse país, hoje, pode dizer, de forma orgulhosa, que eles tem mais advogados, muito mais preparados, e acho que ele tem agora a certeza que ele não vai ser mais explorado e julgado sem defesa. Parabéns, Tarso, pelo trabalho; parabéns, Dilma; sobretudo, parabéns a vocês, que trabalham e acho que vocês precisam aprender que cobrar do governo, reivindicar, exigir, é obrigação de vocês. Muitas vezes, vocês pensam que porque tem amizade comigo o porque me conheceram, não devem reivindicar. Nesse governo, não é proibido reivindicar. Até porque as conquistas da sociedade, elas só se dão na medida em que as pessoas aprendem a brigar pelos seus direitos e eu acho que vocês mereciam essa lei. E vocês a tem. Bom proveito e eu espero que menos gente seja punida injustamente nesse país, porque terão os advogados e advogadas da Defensoria Pública para defendê-los. Um abraço e boa sorte.70

Com a nova lei complementar foram incluídos institutos importantes para a Defensoria

Pública71que revestiram a Instituição de atributos semelhantes aos destinados ao Ministério

Público, reconhecendo sua relevância não só quanto à prestação de serviço essencial, mas

quanto ao seu posicionamento entre os poderes do Estado.

70 YOUTUBE. Presidente Lula sanciona nova lei da Defensoria Pública. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=h17EtatuS08>. Acesso em: 13 jan. 2016.71 Algumas das matérias trazidas na Lei Complementar nº 132 de 2009 foram posteriormente incluídas na Constituição pela Emenda Constitucional nº 80 de 2014, conhecida como a “PEC das Defensorias”, que será objeto de estudo deste trabalho.

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Já no artigo 1º da nova lei complementar houve substancial modificação no tocante à

conceituação da própria Instituição, principalmente quanto aos atributos, características,

posicionamento no Estado de Direito, atuação.

Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos,e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, dos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal.

A ideia de permanência traz à Defensoria Pública status de clausula pétrea expressa,

não sendo possível, desta forma, ser objeto de supressão por obra do constituinte

reformador72, sendo agora a Defensoria Pública expressão e instrumento do regime

democrático; a promoção dos direitos humanos73; a extensão à atuação também no campo

extrajudicial; direitos coletivos, tendo como um dos instrumentos mais eficazes, a ação civil

pública74. A inclusão da proteção aos direitos coletivos vai ao encontro do esforço que se

persegue na busca do denominado Estado de solidariedade e do fortalecimento do solidarismo

jurídico. A superação do individualismo,como veremos adiante, adequa o intento da

Instituição aos ditames constitucionais. Está em José Augusto Garcia a explanação a respeito

de tema que voltará a ser objeto de análise neste trabalho, mas que por sua importância já

merece destaque neste momento. Diz o processualista:

(...) a defensoria pública, se quiser representar um instrumento realmente adequado, deve esforçar-se- e este artigo não deixa de ser uma pequena contribuição- para suplantar a lógica individualista que sempre esteve atrelada às suas funções institucionais (principalmente no que concerne à percepção exterior da Instituição)(...).75

E segue o processualista:72 O constituinte originário protegeu determinadas matérias de eventual supressão por Emenda à Constituição no artigo 60, §4º da Constituição Federal. Além das matérias elencadas expressamente na Constituição, há outras que, de maneira implícita, igualmente não podem sofrer supressão, tais como a titularidade do poder de reforma, a titularidade do poder constituinte originário e o próprio artigo 60 da Constituição Federal. O advento da permanência, no texto constitucional limita sobremaneira eventual atuação do constituinte reformador (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013);73 Direitos humanos previstos em Tratados e Convenções Internacionais, como ocorre com a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, cujas regras e princípios, o Brasil é signatário.74 A Defensoria Pública já possui legitimidade para a propositura da ação civil pública desde o advento da Lei Complementar nº 80 de 1994, e com expressa menção na norma que disciplina a ação civil pública (Lei nº 7.347 de 1985, modificada pela Lei nº 11.448 de 2007 que a incluiu no rol dos legitimados. Esta legitimidade foi questionada, sem sucesso, pela CONAMP perante o STF na ADI nº 3.943, tendo sido, por unanimidade, em sessão histórica, ocorrida em 7 de maio de 2015, julgado improcedente o pedido.75 SOARES, Fábio Costa (org.). Acesso à justiça. 2. ser. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004, p.203-49.

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Abordando o texto constitucional brasileiro, percebe-se sem muita dificuldade que a filosofia solidarista se acha firmemente plantada em nossa ordem jurídica, disso dão conta inúmeros dispositivos constitucionais. exemplificativamente, podemos citar: a atenção recebida pela tutela coletiva (previu-se forma inédita o andado de segurança coletivo, ampliou-se o objeto da ação popular, positivou-se a figura da ação civil pública); a exaltação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o entranhamento da noção de função social no próprio conteúdo do direito de propriedade, inserção esta ainda mais realçada pela recente edição do estatuto da cidade; a extensão do regime de responsabilização objetiva às pessoas privadas prestadoras de serviços públicos e a já positivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não há dúvida de que o conjunto revela um autêntico principio constitucional, um princípio fundamental de nação. é o princípio de solidariedade, sediado no artigo 3º, I de nossa Constituição, que informa constituir objetivo fundamental da República “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”76

Outras matérias foram incluídas na Lei Complementar nº 132, como o instituto da

Ouvidoria Externa, cujo Ouvidor Geral exerce mandato de dois anos, admitida uma

recondução, eleito pelo Conselho Superior da respectiva instituição(que agora, aliás, é

formado por maioria classista)77; a previsão da autonomia funcional e administrativa e a

proposta de seu orçamento(seguindo, aliás, previsão do artigo 134, parágrafo 2º trazido pela

EC nº 45/2004),de maneira mais esmiuçada78, dentre inúmeras modificações que adaptaram a

Instituição aos ares renovatórios da Constituição, principalmente após a reforma do sistema de

justiça, modernizando a Instituição e possibilitando maiores voos na atuação individual e

coletiva em prol dos desassistidos.

3.8. A traição palaciana

A efetivação da autonomia prevista na Constituição(2004) reforçada com a edição da

Lei Complementar nº 132(2009) dependia, e até hoje depende, de recursos materiais. De

pouco adianta previsão constitucional e legal oferecendo o aparato jurídico para o

desenvolvimento de atuação institucional se não houver destinação de recursos para

efetivamente implementar as políticas previstas na Ordem Jurídica.

O próprio Governo Federal, através do Ministério da Justiça, buscando averiguar o

funcionamento das defensorias públicas no país, editou, até o presente momento, três edições

do denominado “Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil”, sendo a primeira no ano de

76 Id.77 Art. 9º da Lei Complementar nº 132 de 2009.78 Artigo 97-B e 98-B da Lei Complementar nº 132 de 2009.

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2004, a segunda em 2006 e a terceira em 2009. Atualmente,a quarta edição está em

desenvolvimento (2015/2016).

Constatou-se, já na primeira edição do Diagnóstico, enfermidade crônica quando se

trata de assistência jurídica custeada pelo Estado que, de acordo com a Constituição, compete

privativamente à Defensoria Pública, tendo-se por mais alarmante o dado de que a maioria das

Comarcas brasileiras não dispõem sequer de órgão de atuação da Defensoria Pública tanto

para atender a população, orientar, esclarecer, atuar de maneira extrajudicial evitando futuros

conflitos, quanto junto a órgãos jurisdicionais, nas audiências, nas vistas dos autos de

processo, na interposição de recursos, impetração de remédios constitucionais, execução de

sentenças de alimentos, assistência jurídica ao réu no processo penal, acompanhamento do

preso durante a execução da pena no sistema prisional, enfim, nas mais diversas atuações da

Instituição, no cumprimento da missão que a Constituição lhe confiou.

Segundo o III Diagnóstico (penúltimo editado), as Defensorias Púbicas atenderam

42,72% das Comarcas brasileiras, situação que apresentou pequena melhora frente ao II

Diagnóstico, editado em 2004, que trazia percentual de 39,7% em cinco anos - portanto,

vimos crescer, em apenas 3%, a prestação de serviço de assistência jurídica nas Comarcas

brasileiras.

Durante a confecção do presente trabalho foi editado o IV Diagnóstico da Defensoria

Pública no Brasil, pesquisa, como as anteriores, elaborada no âmbito do projeto

“Fortalecimento do Acesso à justiça no Brasil”, firmado entre o Ministério da Justiça, o

Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento(Pnud) e a Agência Brasileira de

Cooperação, dando continuidade ao programa governamental de detecção de problemas e à

consequente programação de desenvolvimento de políticas para o fortalecimento institucional

da Defensoria Pública.Não deixa de ser curiosa a edição de Diagnósticos pelo Governo

Federal, que prossegue na busca de indagações do porquê da ausência de defensores públicos

nas Comarcas brasileiras e da precariedade na prestação do serviço, considerando as diversas

atitudes partidas do próprio Palácio do Planalto que dificultam sobremaneira o rumo no

alcance das conquistas que sedimentam a efetividade da norma do artigo 5º, inciso LXXIV da

Constituição e, portanto, a capilarização do serviço prestado pela Defensoria Pública. A

incoerência vai longe, inobstante a importância das publicações dos Diagnósticos inclusive

servindo de norte às respectivas Administrações Públicas na tomada de decisões, como a

implementação efetiva da autonomia prevista na Constituição e a conscientização em

direcionar recursos compatíveis com a importância da Instituição no cenário jurídico

brasileiro e de suas reais necessidades. O Planalto, principalmente na atual administração

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Rousseff, não mede esforços para estancar a ascensão da Defensoria Pública,como verificado

com a aposição do veto ao PLP 114(que visava incluir as defensorias públicas na lei de

responsabilidade fiscal), a propositura da ação direta de inconstitucionalidade visando a

supressão da extensão à DPU da autonomia conferida às defensorias estaduais pela EC nº 73 e

a tentativa de entrave da aprovação no decorrer do processo legislativo da PEC 247, como

veremos em capítulo próprio.

Talvez a incoerência advenha da desorganização interna na Administração federal, a

falta de comunicação(muito comum em administrações em que se verifica forte traço

burocrático, falta de autoridade na condução dos destinos administrativos ou mesmo ausência

de simpatia por instrumentos que efetivamente resolvam o problema do acesso à justiça e da

orientação jurídica aos necessitados sem que possa ter o imediato reflexo nas urnas.

Incoerente ou mesmo contraditória a edição de Diagnóstico79, reconhecendo-se ter

uma Instituição doente, mas sem providenciar o remédio necessário para a cura ou mesmo

paliativo para minorar as suas dores.Ao revés. O governo Rousseff pretende piorar a situação

da já combalida Defensoria Pública sob sua batuta(a da União), com reflexos naturais nas dos

Estados e do Distrito Federal sob o argumento pífio e risível de que se precisa economizar

recursos públicos em época de crise econômica.80

A conclusão do seriíssimo estudo realizado no IV Diagnóstico da Defensoria Pública

no Brasil traz ainda, na esteira do já verificado pelos Diagnósticos anteriores, a maioria das

Comarcas brasileiras sem a presença sequer de um defensor público para orientação jurídica à

população necessitada, maioria no Brasil. Os dados são ainda alarmantes: Em 2014, as

defensorias estaduais estiveram presentes em, aproximadamente, 13% das unidades

jurisdicionais, sendo que em São Paulo apenas 3% das unidades jurisdicionais são atendidas

pela Defensoria Estadual. No Paraná o percentual chega a 4%.81

A EC nº 80 traçou meta de oito anos para a universalização do serviço de assistência

jurídica pela Defensoria Pública, isto e, a disponibilização de Defensores Públicos em 100%

79No dicionário, “Relativo à diagnose”, “Qualificação dada por um médico a uma enfermidade ou estado fisiológico, com base nos sinais que observa: Diagnóstico da nefrite; diagnóstico da gravidez” (MICHAELLIS. Dicionário Online. 2015. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em: 24 jan. 2016). 80 Ganha força a tese aventada da denominada “crise seletiva” quando se verifica gastos no montante de 28 bilhões de reais para a mantença do programa assistencial conhecido como “Bolsa Família”, mantido pelo governo Rousseff, tendo sido reservado 504 milhões de reais para a Defensoria Pública da União, representando 2% do valor do programa assistencial do governo. Quando comparado com o Ministério Público da União, o orçamento da DPU representa menos que 10% do valor, já que ao MPU foi destinada, na Lei Orçamentária Anual de 2016, a quantia de R$ 5 bilhões e seiscentos milhões de reais. (BRASIL. Orçamento 2016: Anexo II. Brasília-DF: Ministério do Planejamento e Gestão, Secretaria do Orçamento Federal, 2016.)81 GONÇALVES, Gabriella Vieira; BRITO, Lany Cristina Silva; FIGUEIRA, Yasmin von Glehn Santos (orgs.). IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2015.

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das Comarcas brasileiras. O IV Diagnóstico mostra que esta meta está muito longe de ser

alcançada.

Quanto ao orçamento destinado à Instituição, quando comparado às demais carreiras

congêneres(Ministério Público e Magistratura), apesar da cogência dos artigos 134 e 168 da

Constituição, verifica-se parco cumprimento. Percebe-se imensa variação entre os recursos

destinados às defensorias pelo país, sendo que os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo se

destacam pelo montante destinado, respectivamente, sendo que somente 42,31% das

Defensorias Públicas receberam repasse das cotas mensais do orçamento destinado à

Instituição(duodécimos). Eis o que atesta o III e último Diagnóstico publicado:

Em relação às fontes de receitas das instituições, de acordo com o previsto na LOA, houve um variabilidade muito grande entre as unidades da federação. os estados do Rio de Janeiro e de são Paulo se destacam de forma bastante expressiva na destinação de recursos como sendo as unidades da federação que possuem os maiores recursos, em todas as fontes. na comparação do total de recursos legalmente previstos por habitante, o estado do Mato Grosso do Sul foi o que exerceu maior captação seguida do Distrito federal e de Roraima. o estado de São Paulo, apesar de possuir uma das maiores captações globais por habitante, aparece em nono. os estado do rio grande do norte e Amapá são as duas unidades da federação que menos investiram por habitante. Entre 2006 e 2007, a variação média da receitas entre as instituições foi de 177,31% resultado que pode ser explicado pelo fato de que o estado de São Paulo passou a ter fonte destinada a defensoria, e como sendo uma das maiores do pais. a variação média entre 2007 e 2008 foi de 22,11% e entre 2008 e 2009 foi de 10,07%. na comparação entre o valor destinado e o efetivamente executado em 2008, em sete unidades da federação, executou-se mais do que o destinado inicialmente. Por outro lado, duas unidades da federação executaram menos que 60% do destinado. (...)(...) em comparação com o Poder Judiciário e o Ministério Público, as defensorias públicas representam a menor participação no orçamento de cada Estado. quase metade das unidades da federação mantém algum tipo de convenio com outras instituições para prestação de assistência jurídica gratuita, sendo 10 deles com Faculdades de Direito.(...)82

Além do problemático quadro apresentado, no que diz respeito ao não exercício da

autonomia orçamentária pelos respectivos Defensores Públicos-Gerais, isto é, o envio pela

própria Instituição de sua proposta orçamentária, por não menos que 67% dos chefes

institucionais nos estados da federação, ainda temos a não execução da totalidade do

orçamento aprovado no exercício anterior, isto é, a submissão de defensorias estaduais a

contingenciamento de recursos83. Esta tendência se mostra presente ainda no IV Diagnóstico

de 2016, quando se tem a maioria das defensoria estaduais sofrendo cortes antes ou durante a 82 BRASIL. III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2009, p.258-9.83 Uma vez aprovado pela respectiva Casa Legislativa, o projeto de lei orçamentária deve se submeter, na forma do processo legislativo previsto na Constituição, à sanção do chefe do Poder Executivo. Ainda assim, é possível, no âmbito da estrutura, aos órgãos estatais do Poder Executivo, a suspensão, ainda que temporária dos recursos destinados pela lei, situação esta que não pode ser aplicada às instituições que gozam de autonomia administrativa, financeira e orçamentária como é o caso da Defensoria Pública.

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tramitação do projeto de lei orçamentária(60,87%) mas houve crescimento da execução

efetiva do orçamento aprovado84.

De nada adianta ter-se norma constitucional expressa se os poderes públicos, sem

qualquer justificativa plausível, não as cumprem. A frágil e já empoeirada justificativa de

ausência de recursos não comove, até porque se trata de implementar direito fundamental

previsto no rol dos diretos e garantias fundamentais. Logo, obstar a instituição criada pela

Constituição de recursos para o desenvolvimento de suas funções que são expressamente

tratadas por essenciais, fere de morte o núcleo essencial do direito à assistência jurídica

integral e à própria separação de poderes85.

A Constituição, no artigo 169, confiou à lei complementar a dosagem do limite

razoável para estabelecer limites para gastos com pessoal no âmbito da Administração Pública

e assim o fez a Lei Complementar nº 101 de 2000, estabelecendo para cada ente da Federação,

limites a estes gastos. No tocante à União, o limite(isto quanto ao Executivo) foi estabelecido

em 50% e quanto aos estados e municípios, o percentual foi fixado em 60%.86

Todavia, em boa hora, a Lei Complementar nº 101 desvinculou o limite de gastos dos

demais Poderes (Legislativo e Judiciário) do Executivo, bem como com em relação às demais

instituições que gozam de autonomia constitucional, como o Ministério Público e o Tribunal

de Contas.

Por exemplo, no âmbito dos Estados, a repartição dos limites globais destinados ao

Ministério Público não pode ser superior a 2% do total da receita corrente líquida do ente

federado. Logo, como num passe de mágica, verifica-se que o orçamento do Ministério

Público normalmente, como ocorre, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, será de 2% da

receita líquida do estado, hoje estando em valores aproximados de 1 bilhão e trezentos

milhões de reais87.

Utiliza-se de regra que impõe limite, teto possível de gastos para se exigir, sem

possibilidade de contingenciamento por parte do Executivo, orçamento fixo de 2% da receita

corrente estatal. No Brasil, limite de gastos transforma-se imediatamente em direito subjetivo 84 GONÇALVES, Gabriella Vieira; BRITO, Lany Cristina Silva; FIGUEIRA, Yasmin von Glehn Santos (orgs.). Op. Cit., p.32-5.85 A conclusão parece lógica: se a Instituição Defensoria Pública é essencial à função jurisdicional do Estado, sem esta, a função não pode ser desempenhada de maneira plena, ferindo, portanto, a própria cláusula de harmonia e independência entre os poderes do Estado.86 É o que preconiza o Art. 19, incisos I e III da Lei Complementar nº 101 de 2000.87 O orçamento destinado à Defensoria Pública do Rio de Janeiro foi fixado em aproximadamente 1/3 do montante destinado ao Ministério Público e, por isto, pode-se perceber imensa diferença de tratamento vencimental entre as carreiras. A já implementada autonomia do Ministério Público, com orçamento bastante robusto que tem, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o recebimento de verbas consideradas indenizatórias como auxílio-moradia - concedido sem nenhum critério, saúde, estendido, inclusive a ascendentes, desdentes e aposentados e pensionistas com a utilização de orçamento público, alimentação, educação, creche etc.

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a repasse de valores correspondentes ao limite máximo. Não deixa de ser uma interpretação

inteligente, ultrapassando até mesmo o máximo da máxima efetividade.

De qualquer modo, se o órgão goza da autonomia prevista na Constituição, a

desvinculação de receitas do Executivo é medida imperiosa, até mesmo para que se tenha

independência no exercício das funções constitucionalmente previstas. Não é difícil imaginar

que a independência funcional ceda, em pouco tempo, à ausência de repasse de recursos por

parte de quem tem a “chave do cofre”, isto é, competência administrativa de gerir os recursos

que provêm dos tributos arrecadados.

Por esta razão se tornava, a cada dia mais, insubsistente a mantença da Defensoria

Pública fora dos limites previstos na lei de responsabilidade fiscal, até porque a idêntica

autonomia prevista para o Judiciário, no artigo 96, e a do Ministério Público, no artigo 128,

agora foram estendidas, após a reforma do sistema de justiça, para as defensorias públicas

estaduais. A própria Constituição, como já ressaltado, no artigo 168, incluiu a Defensoria

Pública dentre as Instituições que passam a ser credoras do (necessário) repasse dos

duodécimos, para que providencie sua autogestão, incluindo-se a expedição da respectiva

folha de pagamento, desvinculada, portanto, dos demais órgão administrativos88. De duvidosa

constitucionalidade medida administrativa que porventura obstaculize acesso das defensorias

públicas estaduais(e também pela DPU, após a EC nº 73 que estendeu, naturalmente, a

autonomia já conferida às defensorias estaduais) aos recursos financeiros aprovados pelo

Legislativo com a devida sanção do chefe do Executivo.

Há que se distinguir, em sentido cronológico, dois momentos essenciais para o pleno

exercício da autonomia orçamentária conferida à Defensoria Pública nos moldes do oferecido

ao Ministério Público: o primeiro deles é o envio, como medida privativa do respectivo

Defensor Público-Geral de proposta orçamentária à Casa Legislativa sem a possibilidade de

glosa pelo Executivo - eis a autonomia orçamentária; o segundo, não menos relevante, diz

respeito ao efetivo repasse dos recursos no ano posterior, concretizando, portanto, aquilo que

foi aprovado no exercício passado, na forma do artigo 168 da Constituição Federal. Este

repasse deve materializar-se mensalmente, através de duodécimos, repassados pelo Executivo

ao Judiciário, Ministério Público, Legislativo e, após a EC nº 45, à Defensoria Pública.

88 O artigo 97-A da Lei Complementar nº 80, de 1994, introduzido pela Lei Complementar nº 132, de 2009, assim determina - “À Defensoria Pública do Estado é assegurada autonomia funcional, administrativa e a iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na LDO, cabendo-lhe, especialmente: (...) V- elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos”. Cuida-se de conquista valorosa, especialmente quanto à desvinculação da Instituição de Secretaria de Estado de Planejamento, que normalmente possui atribuição de elaborar a folha de pagamento dos servidores em geral e, portanto, se imiscuir na gestão da política remuneratória dos Defensores Públicos e demais servidores da Defensoria Pública.

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A percepção de que a autonomia conferida ao Legislativo, ao Judiciário e ao

Ministério Público é idêntica à conferida à Defensoria Pública é de clareza meridiana89. Por

estas razões, houve por bem se dar início a processo legislativo visando justamente corrigir

tamanha distorção na lei de responsabilidade fiscal, fazendo-se incluir no rol de instituições

contempladas com o orçamento separado do Executivo, a Defensoria Pública, conferindo,

assim, coerência ao sistema trazido pelo constituinte quando do advento da EC nº 45/04.90

A mobilização dos Defensores Públicos no Congresso Nacional conseguiu reunir

apoio dos mais diversos partidos políticos, de todos os matizes ideológicos, ganhando,

portanto, unanimidade no Congresso Nacional.

Todavia, ainda que tenha contado com apoio expresso do próprio Palácio do Planalto e

tendo sido apresentado pelo líder do PT no Senado, a presidente Dilma Rousseff vetou

integralmente o projeto de lei, sob a alegação de que poria em risco as finanças dos estados

federados, segundo “estudos técnicos” realizados pelo Conselho Nacional das Fazendas

Estaduais (CONFAZ).

Curioso que o veto tenha sido aposto sob o argumento de que o projeto de lei seria

contrário ao interesse público. Bastante curioso um país em que os necessitados clamam por

justiça e não conseguem exercer sequer minimamente direito fundamental à assistência

jurídica integral e, por conseguinte, à própria justiça por ausência de Defensoria Pública em

seus municípios.

Houve até uma tentativa(até os dias de hoje frustrada) de movimento pela derrubada

do veto presidencial, isto sem que estivéssemos, pelo menos não divulgado, em meio a uma

crise política e econômica de larga escala. Tem-se, hoje, toda a justificativa para que se

impeça a inclusão da Defensoria Pública na LRF, muito embora os membros do Judiciário e

do Ministério Público tenha-se autoconferido o denominado “auxílio-moradia”. Cuida-se, em

verdade, de uma crise seletiva.

3.9. A volta por cima

89A única observação que pode ser feita é que a autonomia conferida aos demais órgãos do Estado adveio da Constituição originária e a da Defensoria Pública, por emenda à Constituição, por obra, portanto, do constituinte derivado reformador. Inobstante, a inclusão material de cláusulas por emenda à Constituição quando incorporadas ao texto constitucional são imediatamente erigidas à supremacia, justamente porque aderem materialmente ao texto com os mesmos efeitos de vinculação.90 Cuida-se de Projeto de Lei nº 114 de 2011, apresentado pelo Senador José Pimentel (PT/CE), sendo aprovado em definitivo pelo Congresso Nacional em apenas um ano e seis meses, isto contando com a necessária maioria absoluta, por se tratar de projeto de lei complementar. A tentativa de inclusão da Defensoria Pública na lei de responsabilidade fiscal se deu com apoio, inclusive, do próprio Palácio do Planalto, através de nota técnica nº 302 de 2012, editada pelo Ministério da Justiça, manifestando-se favorável ao projeto.

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Após a derrota sentida, não somente pelos Defensores Públicos, mas principalmente

pela população carente e desassistida, mantendo-se a esdrúxula situação de se ter Instituição

essencial com autonomia assegurada pela Constituição sem que se tenha reserva orçamentária

compatível com sua posição estatal, certamente, para contornar o imenso estrago sentido pelo

malfadado veto presidencial, os parlamentares Alessandro Molon(à época ainda no PT/RJ),

André Moura (PSC/SE) e Mauro Benevides(à época ainda no PMDB, hoje no PROS/CE)

protocolizaram Proposta de Emenda à Constituição que visava reposicionar a Instituição na

estrutura normativa constitucional fazendo introduzir expressamente no texto constitucional

garantias até então impensáveis de serem estendidas aos Defensores Públicos.

A proposta de Emenda à Constituição, de acordo com as regras estabelecidas pela

própria Constituição91, não depende de aquiescência por parte da chefia do Executivo e talvez

tenha-se neste um dos motivos para se evitar nova traição palaciana, durante o processo

legislativo, já que o PLP 114 contara com apoio à unanimidade dos partidos políticos, porque

não apresentar Proposta de Emenda à Constituição muito mais ousada, trazendo para o campo

institucional ainda reduzido novidades que terminariam por posicionar a Defensoria Pública,

agora municiada por prerrogativas, garantias, princípios, objetivos à altura de sua importância

no Estado brasileiro?

O processo legislativo por meio do qual o Congresso Nacional, coroado de êxito,

conseguiu fazer com que eventual tiro palaciano “saísse pela culatra”, foi extremamente

vitorioso, ganhando a mesma maioria outrora vista quando da aprovação do PLP 114. O tema

Defensoria Pública ganha imensa simpatia no Congresso Nacional e historicamente podemos

acompanhar a galhardia com que projetos que visam aparelhar, fazer crescer, aumentar

prerrogativas, ganham apoio inconteste entre os representantes do povo e dos Entes da

Federação, nada obstante a insistência palaciana(agora às claras) de trabalhar incessantemente

contra a ideia de crescimento efetivo da Instituição, como se mostrará neste trabalho.

O fato é que se conseguiu aprovar verdadeira revolução quanto ao direito à assistência

jurídica integral e à própria Defensoria Pública, fazendo-se incluir textualmente no diploma

constitucional máximas já contidas na Lei Complementar nº 132/09 e outras, ainda mais

impetuosas, redimensionando a Instituição na própria estrutura frente aos Poderes do Estado.

Houve diversas inserções no caput do artigo 134 e a criação de mais um parágrafo na

estrutura normativa. Criou-se, ainda, nova Seção(IV), agora desvinculando a Defensoria

91 Art. 60, §3º: A Emenda à Constituição será promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

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Pública da atividade da advocacia, ambas, até então, agrupadas na mesma seção III do

Capítulo IV, relativo às funções essenciais à Justiça.92

Eis as modificações que foram introduzidas no texto constitucional pela EC nº

80/2014:

Art. 134. A Defensoria Pública é Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do artigo 5º, inciso LXXIV desta Constituição Federal.(...)§4º. São princípios institucionais da Defensoria pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no artigo 93 e no inciso II do artigo 96 desta Constituição Federal.

Além dos dispositivos mencionados, houve ainda, interessante inclusão no rol de

matérias transitórias, com a criação do artigo 98 no ato das disposições constitucionais

transitórias(ADCT), trazendo, o constituinte reformador, importantes garantias aos

necessitados brasileiros:

Art. 98. O número de Defensores Públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.§1º: no prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito federal deverão contar com Defensores Públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. § 2º: durante o decurso do prazo previsto no par. 1o deste artigo, a lotação dos Defensores Públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.

Diversas matérias que já estavam contidas na Lei Complementar nº 132/09 agora

foram constitucionalizadas, revestindo-se de supremacia, trazendo para a lei fundamental um

novo desenho institucional. As principais inovações que ainda não constavam da legislação

foram a extensão do artigo 96, II(iniciativa de lei aos defensores-gerais) e as do artigo

93(garantias da magistratura e fixação de subsídio nos moldes de tratamento isonômico para

as defensorias públicas, agora não se fazendo mais qualquer discriminação quanto à DPU). O

texto mostrou-se uníssono na forma de tratamento entre os níveis de instituição(no plano

92 Esta cisão de seções, aliás, atendendo a técnica legislativa coerente,vai ao encontro do §6º do Artigo 4º da Lei Complementar nº 80 de 1994, introduzido pela Lei Complementar nº 132, de 2009, que estabelece, expressamente, que a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público, tornando ainda mais crível a diferença entre a atividade da advocacia e aquela prestada pela Defensoria Pública, com regras e princípios próprios. Este dispositivo, dentre outros, está sendo questionado na ADI nº 4.636, na qual não foi concedido efeito suspensivo, isto é, mantendo-se os efeitos dos dispositivos impugnados, até o momento sem decisão.

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estadual e federal), até porque traz no §4º os princípios da unidade, indivisibilidade e

independência funcional. Mais um fundamento, portanto, a fazer cair por terra a pretensão

palaciana de manter a DPU como subórgãoda estrutura administrativa da União.

Inviável ter-se instituição una e indivisível com tratamento diferenciado entre seus

órgãos nos Entes federativos. Daí a errônea interpretação por parte do Palácio do Planalto ao

pretender, via ação direta de inconstitucionalidade, a supressão da extensão da autonomia

conferida às defensorias estaduais à DPU. O próprio governo federal deixou sua base no

parlamento aprovar a Emenda à Constituição nº 73 e em momento posterior pretende minorar

os efeitos da Emenda que apenas estendeu prerrogativa ínsita à ideia da Instituição, que estava

amesquinhada, vinculada a órgão administrativo, o Ministério da Justiça. Tinha-se situação

bastante pitoresca: nos Estados e no DF as defensorias gozavam de autonomia desde 2004,

com a Emenda n º 45 e a DPU continuava subordinada aos ditames da Presidência da

República.

A Defensoria Pública, na voz do Supremo Tribunal Federal, não é órgão

administrativo, da estrutura da União, mas Instituição independente como o Ministério

Público, com funções detalhadamente descritas na Constituição.

Incoerente e contrária ao sistema a mantença da DPU sob a batuta do Palácio do

Planalto, até porque ficaria pouco à vontade de fazer valer o Direito através de demandas em

face da União,que ordinariamente está em posição contrária nas demandas na propositura de

demandas na Justiça Comum Federal.

Em boa hora já se forma maioria no Supremo Tribunal Federal no sentido de se

indeferir o pedido de medida acauteladora que visava suspender os efeitos da Emenda à

Constituição. A autonomia da DPU, portanto, foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal,

que não vislumbrou a presença dos requisitos necessários para a suspensão dos efeitos da

Emenda Constitucional como pretendido pela Sra. Rousseff. Manteve-se a coerência do

sistema jurídico-constitucional concernente à Defensoria Pública, uma e indivisível.

3.10. A Constituição brasileira, a influência do neoconstitucionalismo através dos

"constitucionalistas comunitários" na Assembleia Nacional Constituinte, a

Reforma Constitucional e as modificações introduzidas pela PEC das Defensorias

Com o fim do período de exceção por que passamos na recente História do Brasil, fez-

se necessário o retorno à democracia e o reencontro com os ideais perdidos quando do golpe

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militar. Passar-se-á a tratar da ambiência política e social em que a Constituição cidadã foi

confeccionada e os reflexos no tema deste trabalho.

3.10.1. Ambiência jurídico-política em tempos de Assembleia Constituinte

A elaboração da Constituição de 1988, supremo diploma normativo com cunho de

definitividade, que serve de fundamento de validade para todos os atos da Ordem Jurídica,

adveio por obra e vontade do povo, titular do poder constituinte. A soberania popular

converte-se em supremacia das normas constitucionais93.

A Doutrina diferencia titularidade de exercício do Poder Constituinte, tendo-se a

titularidade no povo e o exercício ordinário em seus representantes, isto é, aqueles que através

de mandato eletivo erigem-se à posição de constituintes originários(quando se tem a missão,

reunidos em assembleia constituinte de escreverem uma nova constituição) ou derivados, que

apresentam dupla vertente, ambas dadas pela própria constituição originária: a de possibilitar

a reforma constitucional por meio de Emenda à Constituição ou mesmo estabelecer

constituições em entes federados que compõem a federação94.

Optamos, no Brasil, por transição pacífica de um regime autoritário para a democracia,

um redescobrimento da vida democrática após décadas do regime de exceção. Após 21 anos,

a vontade de mudança estava nas ruas com os movimentos conhecidos como “Diretas Já”,

quando se teve a oportunidade de o povo se reunir nas principais praças e avenidas do país,

clamando por um pais democrático.

A Ordem Jurídica brasileira tinha como fundamento de validade uma Constituição

outorgada, expedida sem que houvesse escolha através do instrumento do voto direto ou

mesmo referendo, a ideia de lei fundamental. Uma constituição sem legitimidade. Em 1967,

três anos após o golpe militar que derrubara governo eleito pelo voto popular, aprouve ao

grupo que governava o país outorgar nova Constituição, revogando a anterior, a Constituição

de 1946, com apenas 21 anos de vida.

Ao editar o Ato Institucional nº 01, que ensejou a eleição pelo Congresso Nacional do

Marechal Castelo Branco, houve efetiva promessa de realização de eleições para o retorno da

situação de normalidade ao país, após a deposição do então presidente João Goulart, vice

93 O artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988 assim exara: “todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição”.94 O artigo 25 e 11 da ADCT estabelecem, de maneira cogente, a necessidade de organização das entidades federativas de segundo grau, isto é, estado e Distrito Federal, através de constituições - no caso do Distrito Federal, tem-se lei orgânica distrital de natureza híbrida, ali contendo norma de índole constitucional e legal, vez que impossível sua divisão em municípios, conforme Art. 32 da Constituição Federal de 1988.

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presidente de Jânio Quadros, mas que com sua renúncia, assumiu a administração para um

mandato que perduraria até o ano de 1966. Todavia, o mandato de Castelo Branco foi

prorrogado até o dia 15 de março de 1967 pela Emenda à Constituição nº 09.

Diante disto, não havia outra saída pelo grupo que assaltou a democracia brasileira

senão se reunir para a edição de nova lei fundamental. O governo instituiu Comissão

composta por Themístocles Cavalcanti, Seabra Fagundes e Levi Carneiro que apresentaram

anteprojeto que não foi acolhido pelas forças dominantes. O conteúdo parecera-lhes um tanto

sadio para a situação política brasileira, tendo sido substituído por texto fabricado pelo

Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva, teto reconhecido pelo governo militar.

Salienta Luis Roberto Barroso que, embora o governo tivesse submetido o projeto de

constituição ao Legislativo, não houve formação de assembleia constituinte e por isto a Carta

de 1967 ganhou, de largada, característica de outorgada, faltando-lhe, portanto, legitimidade95.

Após endurecimento de um regime já sem legitimidade, a crise se instaurou entre o

Executivo e o Legislativo, tendo-se como “cereja do bolo”, o inflamado discurso de Márcio

Moreira Alves, que consequenciou o Decreto, através do Ato Institucional nº 05, dentre

inúmeros outros desmandos, de recesso das atividades do Congresso Nacional. O presidente

era Arthur da Costa e Silva, e se chegava ao período mais obscuro da “era dos militares”.

Sucedendo ao agora adoentado General Costa e Silva, que ficou impossibilitado de

exercer as funções presidenciais, Emilio Garrastazu Médici ascendeu à Presidência da

República em 30 de outubro de 1969.

Para suceder Médici, foi eleito, também de maneira indireta- com candidatos na outra

ponta como ninguém menos que Ulisses Guimarães e, como vice, Barbosa Lima Sobrinho- o

General Ernesto Geisel toma posse em 15 de janeiro de 1974 que fora sucedido, por

conseguinte por João Batista Figueiredo em 15 de março de 1979, último presidente do

regime de exceção.

Não há duvida de que algum posicionamento crítico porventura existente teria sido

abafado e impedido de crescer, isto quanto aos valores de justiça, liberdade, dignidade da

pessoa humana, retorno à democracia e fortalecimento institucional dos Tribunais, através da

atividade da jurisdição constitucional. Imperiosa a volta da ética para a leitura do Direito e

não simplesmente o acatamento de leis distanciadas da moral a justificar desmandos de

exóticos grupos armados no poder, sem qualquer vinculação legitima à ordem de valores

95 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003, p. 34-8.

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legítimos. A insinceridade constitucional já tardava e o Brasil clamava por mudanças efetivas,

estruturais.

Se de um lado o Positivismo Jurídico9697rendeu ensejo que do texto fosse retirado

objetivamente a solução para o caso concreto, baseando-se em juízo de fato que visa ao

conhecimento da realidade e não em juízo de valor,afastando-o dos valores transcendentes98,o

movimento do Pós-Positivismo vem justamente renovar esta ideia com o retorno da filosofia

para o estudo do Direito e de discussões como legitimidade e justiça passaram a dominar o

pensamento jurídico da primeira metade do Século XX. Houve reaproximação do

Jusnaturalismo, já exaurido desde o advento da sistematização nos Códigos, principalmente o

de Napoleão, em meados do Século XIX99.

Não mais a estanque separação entre Direito e moral e a busca da objetividade

cientifica pura e simples, à semelhança do que ocorre com as ciências naturais. Necessária

uma leitura moral da Ordem jurídica(reaproximação entre o Direito e a ética), retornando-se

aos valores na interpretação jurídica, a diferença entre princípios e regras e o desenvolvimento

de uma teoria dos direitos fundamentais, cujo vetor passou a ser a dignidade da pessoa

humana.100

No Brasil, entretanto, após a Era Vargas(1930 a 1945),que teve termo com o final da

2ªGuerra Mundial, passa-se ainda, ao lado de diversos países da América do Sul onde se teve

implantação de Estado de Exceção, ocorrendo fenômeno semelhante em Portugal e na

Espanha. O retorno à normalidade democrática se deu, então, com o final do Regime militar

no Brasil e, por consequência, o retorno da liberdade.

Enquanto na Alemanha a reconstitucionalização adveio após o final da 2ª Guerra

Mundial, com a promulgação da Constituição101, seguida pela Itália,embora sem a mesma

força102, em Portugal e na Espanha só foi possível o retorno da normalidade institucional com

96 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Batista Machado. 4. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1979.97 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: UnB, 1986.98 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.262.99 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. Cit., p.659 e 986.100 Ressalte-se a importância de John Raws, que em 1971 publica o livro A Theoryof Justice, considerado por Ricardo Lobo Torres como a certidão de renascimento da reaproximação entre ética e Direito, como a "virada kantiana" e a respectiva fundamentação moral dos Direitos Humanos. (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, financeiro e tributário: valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2005).101 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.102Lembra Luis Roberto Barroso que a Constituição italiana do pós-guerra submeteu, ao contrário do que ocorreu na Alemanha, o exercício dos direitos fundamentais à obra do legislador, não dotando-os de autoaplicação.

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a derrubada dos regimes impostos por Salazar e, portanto, com a Constituição de 1976 e

Franco, em 1978. No pós-guerra, após a derrota do nazismo. No Brasil, após 18 anos da

Constituição de 1946,eclodiu o golpe em 31 de março de 1964.

No Brasil, este debate somente chega em meados dos anos 1980 e o grande papel da

Constituição de 1988 foi justamente trazer de volta, já que a força normativa ganha impulso

definitivo, o caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições e retorno aos

valoresperdidos, especialmente trazendo a dignidade da pessoa humana para o centro

substantivo da Constituição, consenso, aliás, nas Constituições democráticas após a 2ª Guerra

Mundial.

Nesta ambiência política como país ainda sem respiro democrático, sob o jugo da

repressão estatal, com abertura lentíssima e gradual, abriu-se espaço para o início dos

movimentos de abertura do regime, não havendo mais ambiente político para a mantença da

exceção que perdurara por duas décadas. Rendeu-se ensejo, portanto, para o crescimento de

movimentos populares que acabaram por forçar o governo a por em votação a tão almejada

eleição direta para Presidente e Vice-Presidente da República. Inobstante, a derrota no

Congresso Nacional que manteve a escolha da chefia do Executivo por eleição indireta, ainda

assim, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves derrota Paulo Salim Maluf - candidato

apoiado pelo regime de exceção, crescendo a esperança por dias melhores e pelo final dos

anos obscuros.

A eleição de Tancredo Neves pelo Congresso Nacional trouxe de volta sentimento de

que seria possível o retorno da democracia, da liberdade, do Estado com instituições

independentes e com regularidade, segurança jurídica. Por conta, contudo, de uma fatalidade

que não se podia esperar, tendo sido um dos mais duros golpes na esperança popular,

Tancredo de Almeida Neves vem a falecer após meses de internação, comovendo o

país.Assume o vice presidente na chapa de Tancredo, o maranhense José Sarney,

permanecendo no poder durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte.

A Constituição trouxe novos ares para a ordem jurídica brasileira e nova roupagem

institucional para possibilitar, efetivamente, o controle de atos emanados do Poder Público.

Não mais a anterior medida de força, mas sim instituições com ampla possibilidade de

crescimento, tendo-se com vértices principais do novo Estado inaugurado, democrático de

Direito, como fundamentos expressos trazidos no texto constitucional a dignidade da pessoa

humana, a cidadania e a independência e harmonia entre os poderes.

Ao Supremo Tribunal Federal foi dada a missão de guardar este bem democrático e,

portanto, como consectário lógico desta guarda, analisar a compatibilidade de atos anteriores

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à promulgação da Constituição e a verificação de constitucionalidade de normas editadas após

o advento do novo fundamento de validade103.

Bastante coerente uma Constituição que traz de volta conceitos como República,

Democracia, Liberdade de expressão, Dignidade da pessoa humana, Solidariedade, Constituir

funções públicas estatais independentes e harmônicas entre si a serem exercidas por poderes

do Estado, e ao lado destes, Instituições essenciais ao funcionamento destas funções, dotadas

de autonomia administrativa e com agentes públicos com independência funcional.

Como Instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, mas desvinculadas de

qualquer dos poderes, no caso, especialmente, o Executivo, o texto constitucional erigiu duas:

o Ministério Público, dedicando-lhe extenso rol de atribuições, prerrogativas, garantias,

enfim, dotando-o de todas as possibilidades para sua atuação de maneira independente, já que

exercente, em nome do estado do jus puniendi e, portanto, do iuspersequendi in judicio, além

da defesa da Ordem Jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis e a Defensoria Pública, igualmente considerada no texto essencial à função

jurisdicional do estado, sem, contudo, ter a Constituição originária guarnecendo a recém

criada Instituição com os meios necessários para o desenvolvimento de suas funções. Daí, a

necessidade de se acrescentar ao texto constitucional, através de Emendas, matérias que

deveriam ter vindo expressas desde 1988.

O movimento de reforma constitucional é fenômeno mais que natural, considerando-se

a economia com que o constituinte originário referiu-se à Instituição que passaria a funcionar

como canal privativo de prestação de serviço público revelador de direito fundamental. Ainda

assim, o mérito da constituinte em, enfim, criar Instituição que até então inexistia é imenso,

lamentando-se, entretanto, a perda de oportunidade em acelerar o processo que o passar do

tempo mostrou ser inevitável, já no momento da inauguração do novo Estado104

103 Já tivemos oportunidade de assinalar, mas pela importância do tema torna-se mister repetir, que a jurisprudência do STF é no sentido de que a verificação de compatibilidade ente normas legais - e infralegais - com a nova constituição se dá no plano da vigência, através da recepção. já se a norma foi editada após a promulgação da Constituição, adotando-se o princípio da contemporaneidade, tem-se efetivamente controle de constitucionalidade, podendo-se ter, em dispositivo de decisão judicial, declaração de inconstitucionalidade, depurando-se o sistema normativo por conta de incompatibilidade material e formal com seu fundamento de validade que é a Constituição.104 A inclusão de matérias no texto constitucional originário não é apenas capricho ou sopesamento de forças entre Instituições. A questão nodal e objetiva perpassa outras secundárias, prosaicas e triviais a depender o nível do debate entre instituições que atuam no processo criminal, em muitas situações, em lados opostos - o Ministério Público, na suposta "defesa da sociedade" e a Defensoria Pública na defesa do acusado. O ponto jurídico a ser destacado é o de que as matérias incluídas no texto constitucional originário e, portanto, trazidas à promulgação em 05/10/1988 revestem-se de imunidade contra eventual arguição de inconstitucionalidade. Logo, indiscutível, no campo da jurisdição constitucional, o imenso rol de garantias e prerrogativas, incluindo-se aí a autonomia administrativa, financeira e orçamentária, do Ministério Público. Já quanto à Defensoria Pública, tanto a autonomia quanto as demais (e mais importantes conquistas trazidas no texto constitucional, como iniciativa de lei dos defensores gerais e a extensão de direitos dos magistrados aos defensores públicos) advieram

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Identifica-se interessante crítica por parte de Luís Roberto Barroso sem, contudo,

denotar a virtude da reconquista dos direitos fundamentais e a superação do projeto autoritário

e ilegítimo do regime anterior.

É inegável que a constituição de 1988 tem a virtude de espelhar a reconquista dos direitos fundamentais, notadamente os de cidadania e os individuais, simbolizando a superação de um projeto autoritário, pretensioso e intolerante que se impusera ao país. Os anseios de participação , represados à força nas duas décadas anteriores, fizeram da constituinte uma apoteose cívica, marcada, todavia, por interesses e paixões. Além das dificuldades naturais advindas da heterogeneidade das visões políticas, também a metodologia de trabalho utilizada contribuiu para as deficiências do texto final.(...) a falta de coordenação entre as diversas comissões, e a abrangência desmensurada com que cada uma cuidou de seu tema, foram responsáveis por uma das maiores vicissitudes da constituição de 1988: as superposições e detalhismo minucioso, prolixo, casuístico, inteiramente impróprio para um documento desta natureza. de outra parte, o asseio dos lobbies, dos grupos de pressão de toda a ordem, geraram um texto com inúmeras esquizofrenias ideológicas e densamente corporativo.105

Nada obstante as críticas da doutrina acerca do texto constitucional e de como foi

elaborada a Constituição, permanece inegável tratar-se de diploma que tem o mérito de ter

trazido de volta ao país garantias fundamentais e instituições independentes, adotando-se

princípios e objetivos fundamentais aptos a nos preparar para um caminho longo e com

duradoura estabilidade nas relações estatais, relações Estado-população e entre nós,

considerando-se, neste caso, a livre iniciativa prevista em seu artigo 1º, inciso IV, primeira

parte.

por obra do constituinte reformador, não estando, ainda que de maneira excepcional, sujeitas a controle de constitucionalidade. com o (natural) desenvolvimento da atuação funcional das Defensorias, turbinada com mais recursos e aparatos trazidos pelo constituinte reformador. Oxalá seja mantida a autonomia constitucional, ainda que o (inevitável) choque de interesses avance além do considerado “aceitável” pelo Poder Público. Talvez por conta disto, a Presidente Dilma Rousseff ingressou com ação direta de inconstitucionalidade nº 5.296, visando à declaração de inconstitucionalidade da extensão da autonomia conferida às defensorias estaduais, já conferida às estaduais desde 2004, também, por coerência, à Defensoria da União (EC nº 73), vez que até então estava subordinada (!) ao Ministério da Justiça e, portanto, à Presidência da República. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, indeferiu medida cautelar requerida na petição inicial, mantendo, portanto, os efeitos da Emenda nº 73, e, portanto, a plena autonomia da DPU. Seria absolutamente despropositada a mantença da Defensoria da União sob o jugo da Presidência da República e, portanto, sujeitando-se ao humor palaciano na concessão (ou não) de recursos ao seu bel prazer. Estranha a arguição de inconstitucionalidade pleiteada por Rousseff que acabou por forçar posicionamento do STF (justamente em sentido contrário ao que esperava sua Exa.: o tiro, novamente, "saiu pela culatra").105 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003, p. 42.

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O brilho da Constituição é inegável, não se apagando, ainda que se tenha críticas a

determinadas inserções no texto constitucional que (até)seriam mais úteis em texto legal.

Coisas de uma Constituição analítica, prolixa106.

De toda a sorte, ainda que prolixo o texto com a inclusão, por muitos vista como

despropositada, de matérias que poderiam vir por norma legal, a matéria relativa a direitos

fundamentais e Instituições que visam a instrumentalizar o exercício deste direito por seus

destinatários, têm natureza substancialmente constitucional, ou, indo além, formam o núcleo

estruturante, o cerne da Constituição. Podemos afirmar que a matéria sobre assistência

jurídica integral(direito fundamental) e a própria Defensoria Pública(instituição permanente e

essencial à função jurisdicional do Estado), são conceitos constitucionais reveladores de

preceitos fundamentais.107

Se no rol do artigo 5º, especialmente no inciso LXXIV, a Constituição chama o Estado

a prestar assistência jurídica integral e gratuita a quem comprove insuficiência de recursos,

mais à frente, densifica, enfim, a Instituição que operacionalizar o exercício deste Direito,

temos que analisar estes pontos, inclusive quanto ao alcance do direito.

3.10.2. A influência dos "comunitários" no processo de elaboração da Constituição de

1988

A Constituição concilia o constitucionalismo liberal(acesso à jurisdição) e o

constitucionalismo social(assistência aos necessitados), se consolidando por justiça

distributiva.

106 Veja-se, por exemplo, normas que constam expressamente do texto constitucional que não trazem em si substância constitucional como a positivada no §2º do artigo 242: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro permanecerá na órbita federal”. Este fenômeno, aliás, não ocorre somente no Brasil. É um fenômeno percebido no constitucionalismo contemporâneo denominado de "constitucionalização do Direito" como por exemplo ocorre com a Constituição espanhola que dispõe-se a reger, também, situações outras que não aquelas que tradicionalmente estariam dispostas em uma lei fundamental compacta.107 A Constituição Federal, na única passagem que se refere à expressão "preceitos fundamentais", no §1º do artigo 102, não conceitua, tampouco enumera, exaustiva ou exemplificativamente, quais matérias seriam consideradas “preceitos fundamentais”, deixando a cargo da Doutrina e da jurisprudência, principalmente a do Supremo Tribunal Federal, a conceituação e alcance da expressão. Por parte do STF, houve reconhecimento de serem as matérias destacadas reveladoras de normas-cerne da Constituição Federal por ocasião do julgamento da ADPF nº 307, cujo relator é o Min. Dias Toffoli.

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José Afonso da Silva, citado por Gisele Cittadino108, esclarece que o constituinte

originário rejeitou realizar uma Constituição sintética justamente por tentar romper com o

modelo de Constituição quadro, ou Constituição garantia, isto é, cujas normas negativas

impõem dever de abstenção por parte dos poderes constituídos. Já não se pretendia ter uma

Constituição apenas negativa, mas, além disto, uma norma fundamental que assegurasse,

fosse propositiva, e, portanto, dispusesse de matérias positivas, obrigações de fazer ao Poder

Público, em proveito dos destinatários das prestações. A garantia de respeito a direitos

fundamentais, tendo-se por premente atividade de abstenção estatal foi mantida na

Constituição, mas foi-se além. Ampliou-se a noção de Constituição-garantia para o de

Constituição-dirigente, isto é, normas constitucionais que determinam um fazer por parte dos

Poderes Públicos. Cria-se, aqui, um verdadeiro conflito entre a cultura positivista adotada até

então no Brasil, de cunho privatista e a nova proposta, que é a adoção do constitucionalismo

comunitário, pautado no binômio dignidade humana-solidariedade social109.

Segundo apontamentos da autora, nossa constituinte sofreu influência bastante forte

dos denominados “constitucionalistas comunitários”, como José Afonso da Silva, Carlos

Roberto de Siqueira Castro, Paulo Bonavides, Fábio Konder Comparato, Seabra Fagundes,

Dalmo de Abreu Dalari, dentre outros, que propuseram um rompimento com a cultura jurídica

eminetemente positivista e privatista adotada no Brasil, buscando, contra o positivismo, um

fundamento ético para a ordem jurídica brasileira. O remédio contra o privatismo passa,

forçosamente, pela efetivação dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

Recusando o constitucionalismo liberal, marcado pela defesa do individualismo,

devemos evoluir para a ideia de um constitucionalismo comunitário que confere prioridade

aos valores da igualdade e da dignidade humanas. A Constituição passa a ser um conjunto de

valores e não apenas sistema de regras de imposição de limites de agir, repartições de

competências e de atribuição, forma de estado, de governo, sistemas, enfim, um sistema

fechado de garantias da autonomia privada mas sim a que estabelece e enfatiza os valores do

ambiente sociocultural da comunidade, uma verdadeira Constituição aberta. Com o retorno da

democracia ao Brasil e, portanto, à situação de normalidade institucional, há uma natural

abertura a conceitos anteriormente não vistos, tanto no campo normativo(direito comunitário),

extranormativo(usos e costumes) e metanormativo (valores e postulados morais).

Daí o fundamento ético para a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, tema

bastante abordado pela doutrina como ensina Vieira de Andrade:

108SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p.20.109 CITTADINO, Giselle. Op. Cit., p. 15.

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Em cada um dos direitos fundamentais e entre eles , a Constituição delimita espaços normativos, preenchidos por valores que constituem bases de ordenação da vida social. é legitimo falar de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais como dimensão valorativa , visto que a medida ou o alcance de sua validade jurídica são em parte determinados pelo reconhecimento comunitário e não simplesmente remetidos para a opinião e a vontade de seus titulares110.

Os valores reconhecidos pela comunidade são inseridos no texto constitucional, e nele

positivados justamente porque recebem uma validação comunitária vez que fazem parte da

consciência ético-jurídica de uma determinada comunidade histórica.111

Se a Constituição é aberta por conta de uma opção da comunidade, porque rompeu

com a ideia de uma constituição-garantia (apenas), a abertura de participação desta

comunidade nas atividades estatais deve ser fomentada. Aliás, a abertura constitucional é que

vai possibilitar a plena participação da comunidade. É pela via da participação político-

jurídica, aqui traduzida como o alargamento do círculo de intérpretes da constituição, que se

processa entre os direitos fundamentais e a democracia participativa. A abertura

constitucional possibilita que cidadãos integrem o círculo de interpretes da constituição, não

somente democratizando o processo interpretativo, mas, principalmente, e como objetivo

primaz, maior efetividade dos direitos fundamentais. Não há dúvida de que esta proposta está

associada à democratização da jurisdição constitucional, exigindo posição ativa da sociedade,

buscando acesso à igualdade. A proposta dos constitucionalistas comunitários é de se ter uma

cidadania ética que é incompatível com um sistema constitucional fechado que assegura a

autonomia privada, mas vincula-se às garantias que permitem uma convivência digna e igual

entre todos. O ideal de igualdade é uma opção justamente porque os direitos fundamentais

nascem, como proclama José Afonso da Silva, da soberania popular112.

Os compromissos dos constitucionalistas comunitários, assinala Cittadino, foram

incorporados pela Constituição de 1988, destacando alguns pontos que chamam a atenção no

texto constitucional:

(...)em face da atuação decisiva dos constitucionalistas comunitários no processo constituinte dos anos 80, a constituição federal de 1988 incorporou claramente todos esses compromissos. na verdade, são várias as marcas comunitárias no ordenamento constitucional: em seu preâmbulo, quando identifica a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade brasileira; ao definir os objetivos e fundamentos do estado brasileiro, destacando a dignidade da pessoa humana e a

110ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.111 CITTADINO, Giselle. Op. Cit., p. 29.112SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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construção de uma sociedade livre, justa e solidária; ao adotar diversos institutos processuais que asseguram o alargamento do círculo de interpretes da constituição, revelando compromisso com a soberania popular e com a democracia participativa; e finalmente quando confere ao supremo tribunal federal atribuições jurídico-políticas de uma Corte constitucional.113

Na doutrina estrangeira, identificamos Frederich Müller, Konrad Hesse e Peter

Häberle, que integram a denominada Nova Hermenêutica e que erigem a participação

comunitária nos assuntos públicos essenciais à concretização da Constituição. Esta

concretização depende, portanto,das formas de participação da comunidade previstas na

Constituição.

Konrad Hesse anota que a concretização da constituição necessita de uma

interpretação que se lhe retire eficácia ótima, adotando-se o denominado principio da força

normativa da Constituição. Se consegue-se concretizar, de forma excelente, o sentido da

proposição constitucional, dentro das condições reais dominantes, tem-se interpretação

adequada.

Peter Häberle chega a dizer que não há concretização da Constituição sem a

participação de todas as forças da comunidade. Há um processo de democratização da

jurisdição constitucional, propiciando maior abertura do controle das atividades do Poder

Público a legitimados, mediante diversos institutos, previstos na Constituição114.

Apesar da crítica que se faz acerca da falta de uma análise mais acurada quanto à falta

de observância, a conclusão é de que parece não haver outra forma de enfrentar as marcantes

divisões sociais da sociedade brasileira, buscado superar a cidadania de baixa intensidade,

senão conferindo prioridade aos mecanismos participativos que buscam garantir o sistema de

direitos fundamentais previstos na Constituição. Sem prioridade aos temas da igualdade e da

dignidade da pessoa humana, não há efetiva possibilidade de concretização da Constituição,

tal como elaborada, levando-se em consideração as matérias constantes do preâmbulo, dos

seus princípios e objetivos fundamentais e do próprio rol exemplificativo dos direitos e

garantias fundamentais.

A ampliação da participação popular nas decisões estatais e a mobilização política

justamente como mola propulsora a que o Poder Público no exercício da jurisdição

constitucional, são bases relevantes quanto à necessidade de concretização da Constituição.

113 CITTADINO, Giselle. Op. Cit.114HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997.

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Eis a cidadania ativa preconizada por este movimento que influenciou profundamente o

constituinte brasileiro115.

Tem-se por lógico, portanto, que a inclusão no texto constitucional do direito

fundamental à assistência jurídica integral custeada pelo Estado pelas mãos da Defensoria

Pública tem fundamento ético na própria comunidade e, de acordo com a dimensão objetiva

dos direitos fundamentais, há deveres prementes por parte do Estado brasileiro, por seus

diversos Entes, em proporcionar todo o aparato possível para o pleno desenvolvimento das

atividades institucionais. Por outro lado, qualquer ação ou omissão estatal que viole ou faça

retroceder degrau alcançado na efetividade do direito fundamental em debate(como, aliás,

com relação a todo e qualquer outro direito fundamental), deve ser suprimido da Ordem

jurídica por inconstitucionalidade.

Houve, efetivamente, reestruturação das competências dos órgãos estatais que

adquiriam mais independência e específicos objetivos de suas atuações, como ocorreu com o

Ministério Público, com os Tribunais de Contas e a inédita Defensoria Pública, instituição

considerada essencial pelo constituinte que passaria a ter a missão, muitas vezes confundida

até mesmo com as funções institucionais do Ministério Público116.

A vontade do constituinte originário foi bastante clara na criação e denominação da

nova Instituição que estava sendo criada, embora bastante econômico em dotá-la do que hoje

temos em matéria constitucional. Perdeu-se oportunidade histórica de a Constituição

brasileira, com a força do poder constituinte originário, turbinar preceitos que estariam

imunes até mesmo a controle de constitucionalidade, tal como ocorreu com a imensa atenção

que se deu ao Ministério Público.

3.10.3. Do processo legislativo para modificação formal da Constituição

A Constituição de 1988, promulgada após duas décadas de regime autoritário,

refundou o sistema jurídico brasileiro, estabelecendo novo fundamento de validade jurídica117. 115Há outros instrumentos previstos na Constituição que instrumentalizam a participação cidadã nas atividades do Poder Público, como os previstos no já mencionado artigo 37, §3º da Constituição Federal, isto é, a reclamação; o acesso a informações, no inciso II; o direito à representação no inciso III; direito de petição no artigo 5º, inciso XXXIV, “a”; os remédios constitucionais, tais como o mandado de segurança, o habeas data, o habeas corpus e o mandado de injunção, a ação popular, etc.116Veja-se, por exemplo o caso do artigo 60 do CPP, que traz a possibilidade de membro do Ministério Público propor ação civil exdelicto quando se tratar de vítima de crime sem recursos para constituir patrono. Com o advento da Constituição de 1988, pelo menos em comarcas em que há defensoria pública instalada, a norma do CPP não foi recepcionada pela nova Constituição. Havia, talvez como consequência do próprio regime anterior, confusão entre as atuações institucionais de agentes, levando-se em consideração que a maioria dos estados brasileiros, até 1988, sequer conheciam a prestação de serviço de assistência judiciária.117 KELSEN, Hans. Op. Cit..

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A salutar influência dos constitucionalistas "comunitários" trouxe para o cerne da

Constituição valores como a dignidade da pessoa humana e a participação popular com

fundamento na soberania popular e que, através da Constituição- sistema aberto de regras e

princípios- passará a nortear as relações no novo estado inaugurado. Embora o poder

constituinte originário ganhe características de inicialidade, incondicionamento e ilimitação,

tem-se em próprio texto constitucional disposições expressas sobre reais e efetivas

possibilidades de modificação, através dos tempos, por conta de reclamos da própria

comunidade.Desde que preservado o núcleo estruturante da Constituição e a preservação das

matérias que expressa ou implicitamente estão protegidas contra (possíveis) investidas

reacionárias do constituinte reformador, torna-se possível, até mesmo,a atualização da

Constituição, sob pena de se ter a inacreditável situação de sujeição da atual população às

ideias praticadas trinta anos atrás. Se assim não fosse, a justificativa das diversas reformas

constitucionais que deram roupagem mais efetiva à Defensoria Pública estariam condenadas e

até mesmo impedindo o constituinte reformador de evoluir na inclusão de matérias que

robustecem de garantias a Instituição e seus agentes.

O que resta claro é a necessidade de preservação de núcleo que não pode ser objeto de

supressão por obra do constituinte reformador. Se tem-se norma fundamental gozando de

natural supremacia a autoproteção destacada, é consectário lógico do próprio sistema e da

identidade da Constituição que em seu texto acautelou-se contra eventuais medidas ilegítimas

futuras.

Luis Roberto Barroso leciona que “as constituições não podem espirar à perenidade do

seu texto. Se não tiverem plasticidade diante de novas realidades e demandas sociais,

sucumbirão ao tempo”118.

A Constituição não pode deixar de acompanhar o movimento natural dos anseios da

nação e, preservando-se seu espírito e as limitações nela contidas, torna-se possível a

adaptação do sistema constitucional aos novos reclamos. A preservação do “espírito da

Constituição” como referiu-se Häberle119, a identidade da Constituição, que é protegida pela

previsão de limitações ao poder de reforma.120.

118 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.119HÄBERLE, Peter. L’étatconstitutionnel. Tradução de MarielleRoffi. Aix-em-Provence-Paris: Presse Universitaire d’Aix-Marseille/Economica, 2004, p. 125.120José Afonso da Silva, citando também Pinto Ferreira e Meirelles Teixeira, deixa consignado que a expressão “reforma”, assim entendida genericamente, abrange as espécies Emenda constitucional e a Revisão constitucional, (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.62).

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Sendo possível a reforma constitucional, torna-se premente a observância dos limites

impostos por seu texto originário , e assim o faz em seu artigo 60, estabelecendo condições ao

poder de reforma121.

As limitações expressas no artigo 60 traduzem-se em circunstanciais, na forma de seu

§1º122; procedimentais, de acordo com o §2º, por se tratar de uma Constituição rígida123e

materiais, como se denota do §4º124. A doutrina salienta que além das cláusulas pétreas

expressas positivadas no §4º, acima citado, há também aquelas que implicitamente revestem-

se de proteção, como ocorre com a titularidade do poder constituinte originário(e o

derivado)125.

Quanto à Defensoria Pública, que é instrumento de realização do direito fundamental

de acesso à justiça e de assistência jurídica integral, de acordo com a Constituição, o texto

constitucional originário, econômico como foi, só restaria, até os dias de hoje, as diversas

modificações introduzidas visando a robustecer, reforçar, vitalizar força inicial tímida, mas

que hoje já tem forte possibilidade de efetivo crescimento.

O constituinte originário através do texto constitucional apenas veda(e com razão) a

supressão de cláusulas que lhe pareceram sagradas sob o ponto de vista estrutural. Se,

entretanto, ao constituinte reformador, aprouver alargar o conteúdo do que já estava

positivado, visando ao aperfeiçoamento de institutos originalmente previstos, esta aceleração

é até bem vinda126

Em 1998, o constituinte reformador fez incluir mais um principio norteador da

atividade administrativa no Brasil, o princípio, anteriormente implícito, foi positivado- a

121Nos dias de hoje, o único instrumento capaz de modificar formalmente o texto constitucional é a Emenda à Constituição. No artigo 2º do ADCT, há exceção quanto à possibilidade de reforma por Revisão constitucional, por uma só vez, após 5 anos da promulgação da Constituição, por maioria absoluta, não sendo, portanto, sob orientação do STF, de nova oportunidade no Brasil.Em 1993, houve seis Emendas de Revisão.122A Constituição não pode ser emendada durante a vigência de estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal.123A proposta será discutida e votada em cada casa do congresso nacional , em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.124Não será objeto de deliberação a proposta de Emenda tendente a abolir : I- a forma federativa de estado; II- o voto direto, secreto, universal e periódico; III- a separação dos Poderes e IV- os direitos e garantias individuais.125Há, ainda, instrumento de modificação da Constituição no campo do alcance, por meio da interpretação, por meio das mutações constitucionais que possibilitam a mudança de alcance, de sentido da Constituição, mantendo-se o texto, entretanto, incólume. Está relacionada à plasticidade de que são dotadas inúmeras normas constitucionais, no dizer de Barroso. Tanto os instrumentos formais - revisão e emendas - quanto o informal, a mutação constitucional, sujeitam-se às limitações impostas pelo texto constitucional, expressa ou implicitamente. (BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 146).126Veja, por exemplo, a inclusão, pela Emenda nº 45, de mais um direito fundamental no texto constitucional, o da razoável duração do processo, fazendo-se incluir mais um inciso, dentre os 77 já previstos desde 1988.

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eficiência.Não basta fazer, há quefazer bem feito. Para tanto, a Constituição criou

instrumentos de participação do usuário na Administração Pública.127

Diogo de Figueiredo Moreira Neto erige a eficiência ao status de direito difuso de

cidadania, conferindo, inclusive, maior força à implementação de atividades estatais visando à

consecução de programas ou diretrizes constitucionais ou mesmo cumprindo determinações

advindas de normas que definem direitos fundamentais, como o de assistência jurídica

integral, que,segundo Cleber Francisco Alves, se traduz “num direito de caráter

primordialmente civil” - e não propriamente um direito social- indispensável mesmo ao

exercício pleno da prerrogativa fundamental da liberdade humana e do respeito à igualdade

jurídica de todos os cidadãos. Isto porque, na medida em que em que o Estado assumiu o

monopólio da prestação jurisdicional e criou, para desempenhar essa função, todo um aparato

burocrático dotado de extrema complexidade e sofisticação, passa a ter a obrigação de

assegurar a cada pessoa a possibilidade real e efetiva de não ser prejudicado na defesa de seus

direitos e interesses legítimos em razão da insuficiência de recursos econômicos para custear

as despesas inerentes ao acionamento dessa máquina estatal. Do contrário, o Estado estaria

favorecendo indevida discriminação entre as pessoas, nas medida em que os mais ricos

poderiam violar impunemente os direitos fundamentais dos mais pobres, na certeza de que

estes estariam impossibilitados de exercer a autotutela dos seus interesses assim como

estariam impedidos de obter a prestação da tutela jurisdicional estatal adequada para reparar

tais violações de direitos por incapacidade de arcar com as despesas necessárias para um

enfrentamento justo e equânime diante do tribunal, com a garantia de “igualdade de

armas”.Não se pode, portanto, submeter-se o direito fundamental de acesso à justiça e de

assistência jurídica integral a oscilações orçamentárias, “cuja expansão ou retração pode vir a

ocorrer em consequência das limitações orçamentárias e das prioridades de um programa de

governo”.128

Mais um exemplo de alargamento de direitos fundamentais pode ser trazido pela

promulgação da Emenda à Constituição nº 80/2014.O fortalecimento da Defensoria Pública

reflete diretamente na efetividade do acesso à justiça e na prestação do direito fundamental de

assistência jurídica integral, ambas garantias previstas constitucionalmente.

127O artigo 37, §3º da Constituição Federal criou institutos de controle da Administração Pública pelos usuários, que podem oferecer Reclamação(§1º do mencionado dispositivo) para se aferir a qualidade na prestação de serviço através das Ouvidorias Gerais.128 ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de assistência jurídica nos Estados Unidos, na França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no acesso à justiça. 2005. 606 f. Tese (Doutorado em Direito) - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp067747.pdf>. Acesso em 24 jan. 2016.

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Sem instituição fortalecida e equipada de mecanismos aptos a forçar, em muitas

situações, o Poder Público, ao direcionamento de recursos para o aprimoramento da prestação

do serviço essencial, a efetividade do direito fundamental ficaria(como ainda fica, verificado

o débito de defensores públicos nas comarcas brasileiras) seriamente comprometido.

A EC nº 80 fortalece a Defensoria Pública de maneira acachapante, oferecendo

possibilidade real de crescimento, especialmente por conta da iniciativa de leis aos

Defensores-Gerais e da determinação para que haja órgão estatal devidamente instalado em

cada Comarca deste país, no prazo de oito anos, para maior efetividade no acesso à justiça e à

prestação de assistência jurídica integral e está fincada em um dos princípios basilares do

Estado brasileiro, o da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do

Brasil, integrando a identidade política, ética e jurídica da Constituição.

Nem se diga que o robustecimento institucional trazido pela EC nº 80 fere, de alguma

maneira, a cláusula de separação dos poderes e que a iniciativa de processo legislativo

constitucional submete-se à cláusula de reservas materiais prevista no §1ºdo artigo 61 da

Constituição129.

A uma, que a Defensoria Pública, à maneira do que ocorre com o Ministério Público,

não é órgão vinculado a determinado Poder da República, mas ao próprio Estado enquanto

Entidade política. Embora a função desempenhada pelos defensores públicos e membros do

Ministério Público seja de natureza executiva, não há qualquer subordinação ou mesmo

vinculação institucional entre estes Órgãos e a chefia de Poder Executivo, sendo-lhes legítimo

e esta em muitas oportunidades a sua função precípua, litigar face ao Poder Público130.

A duas, que o poder de reforma constitucional está desvinculado de regras de

iniciativa de processo legislativo das leis, já que o caput do artigo 61 refere-se,

129O artigo 61, §1º da Constituição Federal traz matérias que são de iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, dando-lhe exclusividade no início do processo legislativo, quando o texto legal - lei ordinária e lei complementar - versarem sobre matérias expressamente dispostas no dispositivo.130 Palestra de Carlos Ayres Brito, no XI Congresso Nacional de Defensores Públicos em Curitiba, Paraná, em seu enceramento, dia 07 de novembro de 2015.

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expressamente, apenas às leis ordinárias e complementares e não às Emendas à

Constituição131132.

131Este é o entendimento que, por maioria, foi acolhido no STF quando do julgamento da ADI nº 5.296, cujo objeto é a EC nº 74/2013. Tendo sido acompanhada já pela maioria dos ministros do STF, como Roberto Barroso, Fachin, Carmen Lúcia, Teoria Zavascki, e Luiz Fux, a Ministra Rosa Weber, de maneira didática e coerente com os valores constitucionais, diferenciou iniciativa legislativa para projetos de lei ordinária e complementar, prevista no §1º do artigo 61 da Constituição Federal da iniciativa para propostas de Emenda à Constituição, regulada pelo artigo 60. Dois dispositivos, duas leituras, dissociáveis, portanto. Constitucional, portanto, segundo a maioria que se forma no STF, proposta de emenda à Constituição de iniciativa parlamentar que versa sobre matéria de direito fundamental, principalmente quando se pretende o robustecimento da Constituição.132Tome-se, por exemplo, a reforma do sistema de justiça, estabelecido pela EC nº 45/2004 que criou os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público e que concedeu autonomia às defensorias públicas estaduais, por exemplo, dispondo sobre competências constitucionais dos Tribunais. A proposta de Emenda foi de iniciativa parlamentar; de igual maneira, a PEC das defensorias (EC nº 80/14), igualmente dispondo sobre matérias afetas, até aquele momento, à Chefia de Poder Executivo, foi iniciado o processo legislativo também por parlamentares.

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4. DO PROCESSO DE REFORMA CONSTITUCIONAL NO BRASIL, ETAPAS

DO PROCESSO LEGISLATIVO E ESPECIFICIDADES DO PROCESSO

LEGISLATIVO DA PEC 247

As fases do processo legislativo estão estabelecidas no regramento constitucional,

como se pode verificar no Título IV, destinado à organização dos Poderes especialmente em

seu capítulo I, entre os artigos 59 a 69. a iniciativa das propostas de Emenda à Constituição e

dos projetos de lei, sua instrução nos debates nas Casas Legislativas e a finalização do

procedimento, seja com a sanção presidencial(no caso das leis ordinária se complementares)

ou já com a promulgação, como ocorre com as Emendas à Constituição.

4.1. Da iniciativa do Processo Legislativo para Emenda à Constituição no Brasil

O processo legislativo, no Brasil,encontra raízes na Constituição justamente por se

tratar de atividade relativa aos Poderes do Estado, sendo o caminho estabelecido pela

Constituição para que o Estado estabeleça normas de agir através da conjugação de vontades.

Os atos normativos primários, que derivam diretamente da Constituição, têm natureza

complexa133.

No Título IV, destinado à Organização dos Poderes, especialmente em seu Capítulo I,

quanto ao Poder Legislativo, os artigos 59 a 69 estabelecem regras, princípios, norteamentos

para que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios brasileiros inovem a Ordem jurídica

no Estado implementado pelo constituinte, o Democrático de Direito134.

133 Oato legislativo é fruto de conjugação de vontades, tendo, portanto, natureza complexa. Manoel Gonçalves Ferreira Filho traz conceito de Torino quando se refere à lei ordinária sendo que se tem ato complexo quando “duas ou mais vontades homogêneas tendentes a um mesmo fim se fundem numa só vontade declarada, idônea a produzir determinados efeitos jurídicos que não poderiam de modo algum produzir-se, se faltasse tal concurso de vontades” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo Legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 206).134 .As normas relativas a processo legislativo são exemplos, de normas de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais e lei orgânica do DF, por se tratar de matéria relativa ao Poder Legislativo, resultando-se em limitação ao poder constituinte derivado decorrente institucionalizador estadual. Neste sentido, Guilherme Peña de Moraes (MORAES,GuilhermePeña de. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015). Houve, entretanto, posicionamento do STF nas ADIs 1.167 e 2.581, de relatoria, respectivamente dos Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, no sentido específico do rol de matérias de iniciativa reservada ao chefe do Executivo (art. 61, §1º da CF), considerando possível ao constituinte estadual, desde que inicial, trazer nas cartas estaduais regramento distinto daquele estabelecido pela Constituição Federal.

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A complementação do regramento procedimental estabelecido pela Constituição é

propiciado pela Lei Complementar nº 95 de 1998135 e pelo Regimento Interno de cada Casa

legislativa, consideradas pela Doutrina como sendo normas interna corporis136.

Após enumerar as espécies normativas que vieram com a inauguração do novo

Estado,após a promulgação da Constituição de 1988, isto no artigo 59, há cisão na estrutura

do texto constitucional quanto às Emendas à Constituição e aos demais atos legislativos ali

elencados. A Constituição, portanto, conforme se depreende pela simples leitura de seu texto,

pretendeu regrar a iniciativa e as limitações do poder de reforma constitucional

prioritariamente em relação às leis em geral. Cuidou das propostas de emenda antes das leis,

priorizando as limitações de reforma do texto constitucional, dada sua supremacia.137

A iniciativa para o pontapé inicial do procedimento legislativo, de acordo com o caput

do artigo 60 da Constituição,pode se dar:

I- de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;II- Presidente da República; III de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades d federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Infelizmente, olvidou-se quanto à possibilidade de iniciativa popular138. Já se fez

menção, neste trabalho, sobre a desvinculação de matérias, de acordo com recente

entendimento do STF quando se trata de Emenda à Constituição, não havendo afronta, à

Constituição, proposta de Emenda(PEC) de origem parlamentar versando sobre matérias que

seriam de processo legislativo ordinário, de iniciativa reservada ao Executivo. Foi o que

ocorreu, aliás, com a conhecida “Reforma do Judiciário”, objeto da EC nº 45 de 2004, de

iniciativa parlamentar, trazendo para o texto constitucional profunda modificação no sistema

judicial brasileiro, com a inclusão de matérias, modificação de competências jurisdicionais, 135 A edição desta lei complementar é exigência do parágrafo único do artigo 59 da CF, que tem por missão dar expansão às regras e princípios previstos na Constituição que traz diretrizes (em alguns casos bastante específicos) para o legislador, não apenas ao Congresso Nacional, mas também às Assembleias Legislativas dos Estados, à Câmara Legislativa do DF e às Câmaras de Vereadores dos mais de 5.600 Municípios brasileiros.136 José Afonso da Silva traz contribuição para o tema ao atestar que os regimentos internos “criam suas leis internas, que disciplinam sua organização sem interferência uma na outra ou de outro órgão governamental. com o novo texto constitucional, o regimento interno de cada casa e o regimento comum do Congresso Nacional, recobram sua importância de principal fonte do direito parlamentar”, (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 512). 137 SILVA, José Afonso. Op. Cit.138 Por conta de lamentável omissão constitucional, não houve menção expressa à iniciativa popular de Emenda à Constituição, tal como o texto constitucional originário fez menção às leis ordinárias e complementares no artigo 61, §2º da CF. A Doutrina, entretanto, vem admitindo, adotando-se interpretação sistemática da Constituição, a extensão da iniciativa popular para Emendas à Constituição, com fundamento nos artigos 1º, parágrafo único c/c art. 14, inciso III da CF, instrumentos de democracia participativa que a Constituição acolhe como um de seus princípios fundamentais (SILVA, José Afonso. Op. Cit., p. 64).

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criação de novos órgãos como o CNJ e o CNMP e a concessão de autonomia funcional e

administrativa às defensorias estaduais.

4.2. Especificidades da iniciativa da PEC 247/2013

Da mesma forma, a originária PEC 247 que, após sua promulgação pelas mesas da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ganhou simbólica numeração, EC nº 80139,

também por iniciativa dos deputados Alessandro Molon, André Esteves e Mauro Benevides,

seguindo, portanto,o que vem sendo adotado no Brasil quanto à desvinculação, quando se

trata de emendas à Constituição, entre a iniciativa para reforma constitucional do processo

legislativo comum, destinado às leis ordinária se complementares140

Com o conhecido resultado dos,até o presente momento, quatro Diagnósticos da

Defensoria Pública no Brasil, confeccionados pelo Ministério da Justiça em conjunto com a

Associação Nacional dos Defensores Públicos e o IPEA, houve a constatação dos

reconhecidos, objetivamente, problemas e dificuldades da efetiva capilarização institucional

nas Comarcas brasileiras, não apenas para que se chegue ao norte almejado(agora imposto

pelo artigo 98 do ADCT, trazido pela Emenda nº 80/2014), com pelo menos um órgão de

atuação da Defensoria Pública em cada Comarca do país, mas também, e principalmente, pela

necessidade de valorização do agente público efetivador deste serviço, e a devida estruturação

dos órgão de atuação junto aos órgãos jurisdicionais e aqueles que lhes são desvinculados141.

Já se assentou neste trabalho que o direcionamento de orçamento às Defensorias Públicas é

questão de prioridade e que a própria Constituição traz mecanismos de cogência para que o

orçamento seja direcionado às Instituições dotadas de autonomia funcional e administrativa,

sem que haja possibilidade de (1)glosa,por parte do Executivo, no envio da proposta

139 Perceba-se a idêntica numeração da Emenda à Constituição que deu nova roupagem à Defensoria Pública na Constituição brasileira e a primeira Lei Orgânica Nacional de 1994.140 O STF adota este entendimento, principalmente após o voto de Rosa Weber no julgamento de medida cautelar na ADI, tendo sido acompanhada pelos Ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux, Teori Zavascki e Carmen Lúcia.141 Com o conceito de assistência jurídica integral e não apenas assistência judiciária, ganhou força, principalmente nas defensorias públicas estaduais, a criação de Núcleos de primeiro atendimento em bairros nas Capitais e nas Comarcas do interior, com a atribuição de orientar juridicamente a população alvo do serviço de assistência jurídica integral e, se for o caso, de propor demandas individuais ou coletivas nas áreas cível, de Fazenda Pública, ou de Direito de Família, bem como a criação de Núcleos Especializados que visam a uma parcela específica da população como consumidores, mulheres vítimas de violência, acompanhamento da situação jurídica dos detentos no Sistema Penitenciário, dos menores em conflito com a lei, idosos etc. A extensão do conceito para englobar assistência jurídica (além da judiciária) propiciou abertura de imenso campo de prestação de serviço desvinculado especificamente de órgãos jurisdicionais, identificando-se grande interesse da sociedade e da imprensa frente à especialização na execução do serviço público.

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orçamentária tal como definido pela Instituição autônoma142 e, (2) uma vez aprovado e

sancionado o projeto de lei orçamentária anual, que haja o efetivo repasse das verbas já

aprovadas a cada órgão autônomo, sem possibilidade de contingenciamento143.

Quanto a orçamento, aliás, a lei orçamentária atual do Estado do Rio de Janeiro,

sancionada em 18 de janeiro de 2016 pelo Governador Luiz Fernando de Souza, destinou

mais de R$ 1.500.000.000,00(um bilhão e quinhentos milhões de reais) ao Ministério Público

e pouco mais de R$ 650.000.000,00(seiscentos e cinquenta milhões de reais) à Defensoria

Pública. A diferença orçamentária entre ambas as Instituições é de,aproximadamente,R$

1.000.000.000(um bilhão de reais), praticamente, portanto, um terço do orçamento do

Ministério Público. Vê-se a questão de prioridade do Poder Público e que o teto estabelecido

na Lei de Responsabilidade Fiscal passa a ser prerrogativa institucional( por parte do MP) de

percepção dos valores relativos a 2% da receita líquida do Estado144.

A iniciativa da conhecida “PEC das Comarcas” foi dos deputados Alessandro

Molon(até então do PT, hoje filiado à Rede/RJ), André Moura(PSC/BA) e Mauro Benevides

(PROS/CE)protocolizada em 2013 como resposta à aqui já tratada “traição palaciana” que

impediu a inclusão das defensorias públicas na Lei de Responsabilidade Fiscal, apondo seu

veto ao PL 114 por suposta pressão dos Secretários de Fazenda Estaduais. Estender,

primeiramente(e apenas isto constava da proposta inicial), os princípios do artigo 93 aos

Defensores Públicos(e, após substitutivo, os do artigo 96, II), poderia resolver definitivamente

a dificuldade vencimental das carreiras estaduais e da federal, tornando-se una na questão

142 Art. 127, §3º e Art. 134, §2º da CF.143 O artigo 169 da CF não faz distinção entre o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, o Ministério Público e a Defensoria Pública como destinatários desta garantia de recebimento de verbas já aprovadas aatravés de duodécimos, isto ´r, 1/12 da verba total aprovada. Há tratamento idêntico e, portanto, mesmas prerrogativas de se exigir, em último caso judicialmente, viaMandado de Segurança, o respeito à autonomia e, após, no exercício financeiro, o devido repasse, tal como aprovado pelo parlamento e sancionado pelo chefe do Executivo. Eis o entendimento do STF na matéria, na decisão que deferiu medida liminar no Mandado de Segurança 33.969/RJ, no qual o Min. Presidente Ricardo Lewandowski determinou ao Governador do Estado do Rio de Janeiro o repasse imediato do duodécimo mensal ao Tribunal de Justiça (impetrante) na forma do artigo 168 da CF, ressaltando na ratiodecidendi que deferiu o pedido de liminar, que além do Judiciário, a Constituição é expressa também quanto à necessidade de repasse das verbas até o dia 20 de cada mês, ao Poder Legislativo, ao Ministério Público e à Defensoria Pública (Precedentes no STF: MS 21450 e MS 23267).144 Os valores específicos foram de R$ 1.555.661,806, destinados ao Ministério Público e R$ 680.434,507 à Defensoria fluminense. (BRASIL. Poder Executivo, Atos do Governador, Parte I, Anexo III. Imprensa Oficial, Brasília, a. XLII, n. 012, 18 jan. 2016). Como já explicitado neste trabalho, com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, LC nº 101/2000, houve por bem separar os limites de gastos do Poder Executivo do Ministério Público, assim como quanto ao Legislativo e aos Tribunais. A Lei apenas exige que não se ultrapasse o teto de 2% da receita líquida do Estado com gastos com pessoal e custeio, mas a interpretação que se vem dando, principalmente no Estado do Rio de Janeiro, é a de que o repasse de verba orçamentária ao Ministério Público, por exemplo, deve ser de 2% da receita corrente líquida do Estado, que ainda tem que arcar com o pagamento, via RioPrevidência, autarquia estadual previdenciária, dos aposentados e pensionsitas. Não deixa de ser uma interpretação corporativista, bastante interessante.

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vencimental,a exemplo do que ocorre com o Ministério Público da União e com os dos

Estados da Federação145.

Além da determinação para que cada Estado, Distrito Federal e a própria União

instalem em cada Comarca do país órgão de atuação da Defensoria Pública no prazo máximo

de oito anos,e a nova configuração institucional na Constituição, a norma de extensão do

artigo 93 aos defensores públicos e, posteriormente, em conquista valorosa, a do artigo 96, II,

dando aos defensores gerais a iniciativa de lei para assuntos institucionais, incluindo-se neste

conceito, criação de cargos e questões vencimentais, trouxeram para o arcabouço normativo

constitucional, ao menos, disposição para a, ainda que progressiva, equiparação salarial e de

estrutura organizacional encontradas no Judiciário e no Ministério Público. Tinha-se por

premente a inclusão destas matérias na “PEC das Comarcas”, evitando-se norma

constitucional despida de efetividade. Sem a garantia de institutos que visassem o efetivo

crescimento institucional e o fenômeno da evasão de defensores públicos para outras carreiras

jurídicas melhor estruturadas, a PEC traria mais uma falácia para uma Constituição que se

pretende, na classificação ontológica das Constituições de Karl Lowenstein, normativa e não

semântica146. A Constituição precisa ser de verdade e não mera reposição de normas que, por

si só, não se sustentam. Se o que se pretende é efetivar serviço essencial por meio da

Defensoria Pública, o que está claro, pela leitura do texto constitucional desde 1988, torna-se

indiscutivelmente urgente a concessão de instrumentos viabilizadores para a efetividade da

atuação institucional. Esta, aliás, a influência dos denominados constitucionalistas

“comunitários”, na visão de Gisele Cittadino147e, portanto, o espírito de nossa Constituição.

A justificativa dos corajosos parlamentares que deram o impulso inicial para esta

grande “volta por cima”após a “traição palaciana”merece atenção, subsumindo-se de sua

leitura a vontade do parlamento de se insurgir, considerando-se a dificuldade em se levar

adiante a derrubada de vetos palacianos, contra os desmandos do Executivo e, enfim, tornar

plausível a cogência do texto constitucional na capilarização do serviço de assistência jurídica

integral às expensas do Estado. Ei-la:

145 Perceba-se que o §4º, in fine, do artigo 134, com a nova redação que lhe deu a EC nº 80 traz norma idêntica à destinada ao Ministério Público desde 2004, que, aliás, serve de impulso e justificativa, para pleito de tratamento idêntico ao conferido aos magistrados. Com esta norma de extensão, positivada na Constituição no §4º do artigo 129, na redação que lhe deu a EC nº 45/2004, o PGR vem conseguindo os mesmos benefícios e vantagens gozados pelos magistrados, como aumento de subsídio anualmente, seguindo a lei que fixa e altera o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, concessão de auxílios como o de moradia etc.146 LOWENSTEIN, Karl. Teoria de laconstitución. Tradução de Alfredo GallegoAnabirarte. Barcelona: Ariel, 1965.147 CITTADINO, Giselle. Op. Cit.

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A Defensoria Pública é uma instituição pública que representa a garantia do cidadão em situação de vulnerabilidade de ter acesso à justiça, por meio de serviços inteiramente gratuitos e de qualidade. Elevada à categoria de instituição constitucional em 1988, apenas em 2004 o Congresso Nacional lhe conferiu a necessária autonomia administrativa, financeira e orçamentária.Passadas mais duas décadas, a Defensoria Pública ainda não está instalada em todos os Estados da Federação. Em alguns casos, sequer o primeiro concurso público para o cargo de defensor público foi iniciado ou concluído. De modo geral, o panorama da Defensoria Pública no Brasil ainda é marcado por uma grande assimetria, com unidades da federação onde seus serviços abrangem a totalidade das comarcas - com defensores públicos e funcionários em quantidade razoável - e outros onde nem ao menos 10% das comarcas são atendidas.Recentemente, a exata dimensão da falta do serviço da Defensoria Pública na maior parte das cidades brasileiras foi detectado no estudo denominado “Mapa da Defensoria Pública no Brasil”, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, fundação pública vinculada à Presidência da República, juntamente com a Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP e Ministério da Justiça.De acordo com esse estudo, no Brasil há 8.489 cargos criados de defensor público dos Estados e do Distrito Federal, dos quais apenas 5.054 estão providos (59%). Esses 5.054 defensores públicos se desdobram para cobrir 28% das comarcas brasileiras, ou seja, na grande maioria das comarcas, o Estado acusa e julga, mas não defende os mais pobres.Na Defensoria Pública da União a situação não é diversa: São 1270 cargos criados e apenas 479 efetivamente providos, para atender 58 sessões judiciárias de um total de 264, o que corresponde a uma cobertura de 22%.A Constituição Federal de 1988, portanto, precisa ser mais enfática, no sentido de assegurar a todos os cidadãos brasileiros, em todo o seu território, o acesso aos serviços da Defensoria Pública.Esse é o primordial objetivo dessa Proposta de Emenda à Constituição, estabelecendo uma meta concreta, legítima e plenamente factível de ser alcançada, para que número de defensores públicos na unidade jurisdicional (comarca ou sessão judiciária, conforme o caso) seja proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.Ainda, a presente PEC propõe a fixação de um prazo de oito anos, para que a União, os Estados e o Distrito Federal se organizem para poder contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais.É certo que esse comando já decorre do próprio direito fundamental de acesso á justiça, previsto no inciso LVXXIV, do art. 5º da Constituição Federal segundo o qual “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Porém, a experiência concreta de quase duas décadas sem a efetiva instalação da Defensoria Pública em todos os estados e a abrangência de seus serviços em todas as comarcas e sessões judiciárias demonstra que esse princípio constitucional deve ser explicitado por meio de normas constitucionais que estabeleçam, de modo mais claro, a obrigação dos Estados e da União em oferecer os serviços da Justiça de modo integral, com juiz, promotor e defensor público.Além disso, a presente Proposta de Emenda à Constituição incorpora ao Texto Constitucional as mais importantes normas gerais previstas na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública – Lei Complementar nº. 80, de 1994, com redação determinada pela Lei Complementar nº. 132, de 2009.A alteração do caput do art. 134 incorpora importantes elementos estruturantes e conceituais à definição do papel e da missão da Defensoria Pública, como o seu caráter permanente e ontologicamente atrelado ao modelo de Estado democrático de direito. Explicita-se, também, sua vocação para a solução extrajudicial dos litígios, para a defesa individual ou coletiva, conforme a necessidade do caso, e para a promoção dos direitos humanos.Também são trazidos para o Texto Constitucional os princípios da Defensoria Pública, já positivados na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, tratando-se de norma com forte vocação de norma constitucional.

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Ao constitucionalizar os princípios da Defensoria Pública, cabe também estender-lhe a aplicação dos importantes avanços democráticos e modernizantes introduzidos no Poder Judiciário através da Reforma Constitucional do Judiciário (EC nº. 45, de 2004).Através das alterações ao art. 93, a EC nº. 45/2004 estabeleceu a regra da fixação da residência do juiz na respectiva comarca, salvo com autorização do tribunal. Também criou normas mais objetivas para aferir a promoção por merecimento – seja de entrância para entrância ou na carreira –, inclusive com a obrigatoriedade de participação de cursos e aperfeiçoamento e a aferição por meio de critério de desempenho e produtividade.Aliás, o art. 93 da CF – introduzido pela EC nº. 45/2004 – já dispõe que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”, norma essa que em boa hora deve ser aplicada também à Defensoria Pública.Por fim, a PEC estabelece uma sessão própria para a Defensoria Pública. Como se sabe, o capítulo que trata das “Funções Essenciais à Justiça” (Cap. IV do Título III) se divide em três sessões: “Do Ministério Público”, “Da Advocacia Pública” e “Da Advocacia e da Defensoria Pública”. Portanto, assim como a Advocacia Pública constitui uma sessão própria, com suas normas e estatuto jurídicos próprios, o mesmo ocorre com a Defensoria Pública. A alteração proposta traz sistematização mais adequada à realizada jurídica das distintas e complementares funções essenciais à justiça.148

O processo legislativo da PEC 247/2013 teve início na Câmara dos Deputados,

aproveitando-se, é claro, a imensa adesão, no ano anterior, ao PLP 114/2011. Verifica-se

comumente no Legislativo, nas últimas décadas, imensa adesão dos parlamentares às matérias

que têm por conteúdo a institucionalização e efetividade da assistência jurídica integral por

meio da Defensoria Pública, a despeito da resistência do Executivo, também sentida durante o

processo legislativo da PEC 247/2013.

A pressão das Associações de Classe das defensorias estaduais e federal (ANADEP e

ANADEF), do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais(CONDEGE), dos

movimentos sociais, sociedade civil organizada e do próprio Ministério da Justiça, por sua

Secretaria de Reforma do Judiciário(talvez por ser composto por juristas), foram

determinantes para o resultado alcançado nas últimas décadas que se iniciou com a

constitucionalização da Defensoria Pública em 1988 e hoje na aprovação da PEC 247.

A fuga da possibilidade de novo veto da Presidente Dilma Rousseff, com a

protocolização de Proposta de Emenda à Constituição, que, como sabido, não passa pelo crivo

do Executivo na finalização do processo legislativo, sendo promulgada pelas mesas da

Câmara e do Senado Federal, não quis dizer imunidade contra a influência em sua base no

parlamento, considerando-se o nosso Presidencialismo de coalizão149.Ao contrário. Por todos

os meios o governo federal tentou impedir o (natural) desenvolvimento do processo

legislativo constitucional pelas forças políticas majoritárias, talvez por ter entendido o recado

148Justificativa que seguiu junto à PEC protocolizada na Câmara dos Deputados.149(citar rodapé algo sobre)

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dos parlamentares que deram início ao processo, alguns, aliás, de sua base, driblando a força,

a esta altura não mais oculta, na busca do enfraquecimento na adesão à Proposta de Emenda à

Constituição nº 247.

4.3. A chegada da PEC à Câmara dos Deputados e o papel das Comissões

parlamentares

Após protocolizada a proposta de Emenda à Constituição em 12 de março de 2013, no

dia seguinte, a Mesa diretora da Câmara dos Deputados expediu relatório de conferência de

assinaturas, contando 251150, conferido o número de assinaturas, que reuniu parlamentares das

mais diferentes ideologias e posições políticas151

De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, após a verificação de

assinaturas mínimas, a PEC deve ser enviada à Comissão de Constituição e Justiça e

Cidadania, para que se verifique a admissibilidade da proposta(sem, ainda, analisar seu

mérito). O relator sorteado foi Luiz Couto(PT/PB) que proferiu substancioso parecer,

devidamente aprovado pelos parlamentares integrantes da Comissão, na 12ª Reunião

Deliberativa Ordinária, em 10 de abril de 2013, tendo sido o 13º e último item da pauta152.

Os ventos, até aquele momento, estavam favoráveis, sem nenhum revés, mas torna-se

premente a constituição de Comissão Especial para análise de projetos de lei ou propostas de

emenda à Constituição, sob pena de se ter por perdida a pretensão ou mesmo que outros

interessespolíticos contrários, ou de ocasião, consigam retardar processo que poderia ter

seguimento natural, sem maiores tropeços. Não basta a entrega de justificação, com o número

mínimo de assinaturas e aprovação da admissibilidade pela CCJ. Torna-se necessário o

cuidado dos autores e dos interessados junto aos parlamentares, angariando o apoio

necessário.

Após a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça, do parecer de

admissibilidade confeccionado por Luiz Couto, este foi remetido à publicação pela

Coordenação de Comissões permanentes e a Mesa Diretora da Câmara dos deputados, em 15

de abril, determinando-se a apensação da PEC 247/2013, com aprovação de admissibilidade

150 O número de assinaturas mínimo a justificar o recebimento de proposta de emenda à Constituição, como já salientado, está no inciso I do artigo 60 da Constituição Federal. Se a Câmara possui 513 membros, o número de assinaturas em 251 supera o mínimo exigido pela Constituição que é de pelo menos um terço de seus membros.151 Veja-se, por exemplo, as assinaturas, de um lado, de Benedita da Silva (PT/RJ), Chico Alencar (PSOL/RJ), Manuela D´Ávila (PCdo B/RS) e José Stédile (PSB/RS) e de outro Jair Bolsonaro (PP/RJ), Renan Filho (PMDB/AL) e Major Fábio (DEM/PB).152 Conforme disponível no sítio da Câmara dos Deputados.

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pela CCJ da Câmara, e da PEC 207/2012, justamente a que tinha por objeto a extensão da

autonomia funcional e administrativa à DPU, que ainda não tinha sido aprovada quando do

encaminhamento da PEC 247.

A Mesa da Câmara dos Deputados fundamentou a necessidade de apensação das PECs

nos artigos 142c/c 143, II, “b” de seu Regimento Interno, sendo que ambas as propostas

estavam aguardando a instalação de Comissão Especial para apreciação das mesmas.

O que parece justo, na realidade, pode ser transformar num grande revés. O

apensamento de propostas de Emenda à Constituição, principalmente em fases distintas do

processo legislativo, pode gerar freio à marcha procedimental, e a facilitação de retirada de

apoio político de parlamentares que podem ser favoráveis a um tema e contrários a outro,

ainda que as matérias sejam semelhantes, mas com objetos distintos.

A PEC 207/2012 tinha por objeto a extensão da autonomia conferida às defensorias

estaduais pela reforma do Judiciário à DPU e à Defensoria Pública do Distrito Federal,

medida mais que justa, já defendida neste trabalho. Já a PEC 247 tinha por objeto o

robustecimento de instrumentos trazidos pelo constituinte à Defensoria Pública como um

todo, incluindo-se a DPU, ainda que tacitamente.A discussão trazida na PEC 247 já estava

adiantada e, sem a PEC, dispunha a unidade, a indivisibilidade, a independência funcional e a

extensão do artigo 93 aos defensores públicos brasileiros, por óbvio, a DPU e a DPDF

estariam englobadas nestas conquistas.

A pretensa ajuda na determinação de apensamento das PECs que teriam objetos

semelhantes, podia ser uma armadilha e retardar a marcha até então vitoriosa de ambas as

PECs.

Amauri Teixeira(PT/BA) requereu a desapensação da PEC 247/2013 sob a

justificativa de que a PEC 207/2012, de origem do Senado Federal, já se encontrava sob

análise da referida Comissão Especial constituída especificamente para este fim, inclusive

com audiências públicas realizadas, já se encontrando em finalização de instrução, além,

portanto, de objetos distintos, embora tratassem da mesma Instituição, em níveis federativos

distintos, as fases em que as PECs estavam eram distintas, no processo legislativo.

Através do Requerimento nº 7.531/2013, com apoio dos autores da proposta-Molon,

Benevides e André Moura-, houve o desapensamento das PECs 247 e 207.O tempo provou

que a cisão foi benéfica para ambas as propostas, já que a PEC 207, promulgada como EC nº

74 foi aprovada no dia 6 de agosto de 2013, e a PEC 247, promulgada como EC nº 80, no dia

4 de junho de 2014.

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O Deputado AmauriTeixeira(PT/BA) teve um grande papel no processo legislativo da

PEC 247, não apenas como entusiasta e apoiador da matéria, como também autor de

substitutivo, posteriormente aprovado em ambas as casas legislativas praticamente à

unanimidade, o que possibilitou a extensão da norma do artigo 96,II da CF à Defensoria

Pública, isto é, além do artigo 93, conseguiu-se incluir, na proposta, a iniciativa de lei dos

Defensores-gerais(sem mais distinguir se estaduais, distritais ou da União),de maneira

expressa. Esta conquista revela-se extremamente proveitosa, vez que retira a exclusividade na

iniciativa legislativa do chefe do Executivo, estabelecida no artigo 61, §1º, inciso II, alínea

“d” da Constituição Federal. Esta extensão foi incluída na PEC por substitutivo aposto por

Amauri Teixeira, como se denota de seu parecer na Comissão Especial criada, que será

adiante reproduzido153. O primeiro embate foi vencido, mas se precisava constituir, enfim,

uma Comissão Especial visando a dar andamento célere e àamiúde da proposta admitida. Em

16 de maio, o então Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, criou a

Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC 247, designada na forma do artigo 33 e

parágrafos do Regimento Interno, somente sendo efetivamente instalada em 11 de julho,

abrindo-se prazo para a apresentação de emendas por 10 sessões ordinárias, não tendo sido

apresentado qualquer requerimento de modificação.

Desde a instalação da Comissão Especial, como destacado no parecer do relator,

Deputado Amaury Teixeira, houve três audiências públicas bastante concorridas em Brasília,

Salvador e Aracaju. Esta a oportunidade de trazer legitimidade à proposta, e a demonstração

de que a sociedade civil a está apoiando.

Eis o parecer de mérito do relator, devidamente lido e aprovado na Reunião

Deliberativa Ordinária no dia 18 de setembro:

A proposta de emenda à Constituição que ora examino foiconsiderada admissível ao sistema constitucional pátrio em parecer deadmissibilidade da Comissão de Constituição e Justiça, apresentado naqueleColegiado pelo ilustre Deputado Luiz Couto.Ela tem a seguinte redação:PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

153 O artigo 61, §1º da CF enumera as matérias que são de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo. Silente a Constituição estadual instituída originalmente, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, as matérias são de reprodução obrigatória das Cartas estaduais e na do Distrito Federal. A alínea “d” do inciso II mencionado, estabelece ser de iniciativa reservada ao chefe do Executivo as leis que organizem o Ministério Público e a Defensoria Pública da União e prescreve normas para a organização destas Instituições nos Estados e no DF. Quanto ao Ministério Público, há norma expressa que garante aos respectivos Chefes Institucionais a iniciativa de leis que versem sobre matéria institucional, incluindo a criação de cargos, funções e a fixação e alteração da remuneração de seus membros e serviços auxiliares. Faltava à Defensoria Pública norma constitucional semelhante na Constituição Federal, embora muitos Estados da Federação brasileira já exerçam a iniciativa como nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. A expressa menção na Constituição da República, a partir da EC nº 80 não deixa mais dúvida quanto a esta prerrogativa, corolário lógico, aliás, da autonomia funcional e administrativa datada de 2004.

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Nº 247, DE 2013-09-09(Dos senhores André Benevides, Mauro Benevides e AndréMoura)Altera o “Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça doTítulo IV – Da Organização dos Poderes” e acrescenta artigoao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias daConstituição Federal.As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam aseguinte emenda ao texto constitucional:Art. 1º Modifique-se o “Capítulo IV” – Das FunçõesEssenciais à Justiça”, do “Título IV – Da Organização dosPoderes”, que passa a vigorar com a seguinte redação:TÍTULO IVDA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES(...)Capítulo IVDas Funções Essenciais à Justiça(...)SEÇÃO IIIDa Advocacia (NR)Art. 133 (...)SEÇÃO IVDa Defensoria PúblicaArt. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente,essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe,como expressão e instrumento do regime democrático,fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dosdireitos humanos e a defesa, em todos os graus, dos direitosindividuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aosnecessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º daConstituição Federal.(...)§ 3º São princípios institucionais da Defensoria Publica aunidade, a indivisibilidade e independência funcional e aindependência funcional, aplicando-se-lhe, também, no quecouber, o disposto no art. 93.” (NR)Art. 2º Adicione-se ao Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias o art. 98, com a seguinte redação:“Art. 98. O número de defensores públicos na unidadejurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviçoda Defensoria Pública e à respectiva população.§ 1º No prazo de oito anos, a União, os Estados e o DistritoFederal deverão contar com defensores públicos em todas asunidades jurisdicionais, observado o disposto nocaputdesteartigo.§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º desteartigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá,prioritariamente, atendendo às regiões com maiores índices deexclusão social e adensamento populacional.”Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na datade sua publicação.”Na justificação da proposta, os seus primeiros trêssubscritores, os Deputados Mauro Benevides, Alessandro Molon e AndréMoura afirmam:“A Defensoria Pública é uma instituição pública querepresenta a garantia do cidadão em situação devulnerabilidade de ter acesso à justiça, por meio de serviçosinteiramente gratuitos e de qualidade. Elevada à categoria deinstituição constitucional em 1988, apenas em 2004 oCongresso Nacional lhe conferiu a necessária autonomiaadministrativa, financeira e orçamentária.”“Passadas mais de duas décadas, a Defensoria Pública aindanão está instalada em todos os Estados da Federação. Emalguns casos, sequer o primeiro concurso público para o cargode defensor público foi iniciado ou concluído.”Mais adiante, dizem:“Recentemente, a exata dimensão da falta do serviço daDefensoria Pública na maior parte das cidades brasileiras foidetectada no estudo denominado “Mapa da DefensoriaPública no Brasil”, elaborado pelo instituto de PesquisaEconômica Aplicada – IPEA, fundação pública vinculada àPresidência da República, juntamente com AssociaçãoNacional dos Defensores Públicos – ANADEP e o Ministério daJustiça.De acordo com esse estudo, no Brasil há 8.479 cargoscriados de defensor público do Estados e do Distrito Federal,dos quais apenas 5.054 estão providos (59%). Esses 5.054defensores públicos se desdobram para cobrir 28% dascomarcas brasileiras, ou seja, na grande maioria das

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comarcas, o Estado acusa e julga, mas não defende os maispobres.Na Defensoria Pública da União, a situação não é diversa:são 1270 cargos criados e apenas 479 efetivamente providos,para atender 58 sessões judiciárias de um total de 264, o quecorresponde a uma cobertura de 22%”.Ainda, segundo os autores da proposta:“Trata-se de “meta concreta, legítima e plenamente factível deser alcançada, para que o número de defensores públicos naunidade jurisdicional (comarca ou sessão judiciária, conformeo caso) seja proporcional à efetiva demanda pelo serviço daDefensoria Pública e à respectiva população.”Criada essa Comissão Especial, ela foi, em seguida,instalada no dia 13 de agosto do corrente ano, ocasião em que se definiu seuroteiro de trabalho, incluindo três audiências públicas: a primeira delas emBrasília, no dia 27 de agosto; a segunda, em Salvador, no dia 2 de setembro; ea última delas, na cidade de Aracaju, no dia 6 de Setembro do corrente ano. Areunião seguinte, a de 20 de agosto, definiu ainda os nomes dos convidados aparticipar das audiências públicas.As audiências públicas, que trouxeram inegávelcontributo ao debate da matéria, foram bem concorridas e, se a primeiraocorrida em Brasília, trouxe como debatedores, exclusivamente, operadores doDireito, que têm a sua atuação ligada institucionalmente à Defensoria Pública,seja da União, seja dos Estados. As audiências de Salvador e de Aracaju,também presididas pelo ilustre Deputado André Moura, reuniram um amploarco de representantes da sociedade civil organizada, como sindicatos,representantes dos movimentos sociais, dos quilombolas, das minoriassexuais, dos partidos políticos, dos Governos Estaduais, vereadores,deputados estaduais, deputados federais, um senador, assistidos daDefensoria Pública, Defensores Públicos e representantes do Poder Judiciário.Vale registrar que, tanto a audiência pública de 27 deagosto, a de Brasília, quanto as reuniões desta Comissão Especial, contaramcom a notável contribuição dos ilustres membros deste Colegiado. O princípioda economia, aplicado ao processo legislativo, não nos permite reproduzir emdetalhe a riqueza dos depoimentos oferecidos nas audiências públicas, bemcomo nas reuniões desse Colegiado. Havemos, porém, de retirar o sumo ou aessência dessas audiências.Elas nos permitem dizer, sem o menor titubeio, que, se osparlamentares e os operadores do Direito trouxeram o rico relato de suasexperiências e os dados da implantação das Defensorias Públicas nos seusEstados, os assistidos, em pungentes testemunhos, que encarnam, para mevaler de uma expressão precisa de uma representante de uma pequena cidadeda Bahia, “o sofrimento da base,” atestaram a indispensabilidade da presençada Defensoria Pública, bem como também reclamaram, concretamente, maiorpresença do sistema de justiça como um todo, e, especialmente, reclamaram aconcreta implantação da Defensoria Pública, acolhendo, uns e outros,assistidos ou operadores do Direito, representantes da sociedade em geral, oconteúdo da Proposta de Emenda à Constituição nº 247, de 2013.Há que se ter em mente, e isso os depoimentosressaltaram, que não basta levar o Defensor Público à vara judiciária: é precisoque ele, no exercício de sua indispensável profissão, atividade-fim dainstituição a que se vincula, tenha todo o equipamento e todo o pessoalnecessário para o correto desincumbir-se de suas essenciais tarefas. DefensorPúblico houve que teve de deixar a cidade onde estava lotado, pois não haviaprédio onde pudesse trabalhar.Cabe saudar aqui, portanto, a iniciativa do BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que criou linha decrédito para que os Estados possam equipar, convenientemente, as suasDefensorias Púbicas. É preciso, porém, expandir tais mecanismos para que aProposta de Emenda à Constituição nº 247, de 2013, dando nascimento a umanova emenda constitucional, alcance plenamente os seus tão reclamadosobjetivos.Um elemento que não esgota o retrato da realidade, masque é condição para se pensar uma medida legislativa é o número. O Mapa daDefensoria Pública no país, produzido pelo IPEA, é importante ferramenta paraa correta diagnose da situação da Defensoria Pública no país.O resultado geral desse estudo, que detalha a situaçãode cada Estado, que se compõe de muitos gráficos, talvez possa sercondensado nesse número: o déficit das

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Defensorias Públicas no país é de10.000 Defensores Públicos. Sabe-se que a Defensoria Pública atende,atualmente, uma população de quarenta milhões de brasileiros, quando aclientela potencial da instituição é estimada em cento e cinquenta milhões depessoas, haja vista o quadro sócio-econômico vigente no país.É o relatório.(...)Nos termos do art. 202, § 2º, do Regimento Interno daCasa, cabe a esta Comissão Especial proferir parecer de mérito à PEC nº 247,de 2013. Examinando a matéria, esse relator entende que se trata de iniciativaoportuna, elogiável.As reuniões desta Comissão Especial e, sobretudo, as audiências públicas, demonstraram, cabalmente, não só o caráter justo daproposição, mas a adesão entusiástica à sua ideia por parte de pessoas simples do povo. Nas restritas manchas do mapa do país, onde a DefensoriaPública está implantada, a população reconhece o seu trabalho e entende como necessária a sua presença. O cidadão dos lugares menos favorecidos sente a necessidade de um sistema de justiça menos perverso e compreende o papel da Defensoria Pública como garantia de sua defesa frente a um Estado,que, até agora, via de regra, se organiza mais para condenar do que paradefender o que é pobre. A implantação total da Defensoria Pública é, portanto,imperativo das diretrizes constitucionais de direitos humanos, proclamadas pelaConstituição da República, a qual, nocaputdo seu art. 134, já consagrara:“134. A Defensoria Pública é instituição essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica ea defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art.5º, LXXIV.”Eis por que essa relatoria acolhe a matéria da Propostade Emenda à Constituição nº 247, de 2013, a qual significará notável avanço.O fato de a Constituição da República destacar a Seção da Defensoria Públicada Advocacia permite realçar a natureza distinta das duas atividades,salientando o caráter público de uma, e o privado, da outra.Por outro lado, a redação que se pretende para ocaputdo art. 134 é mais completa e mais precisa do que a atual. Ela posiciona aDefensoria Pública como instituição da ordem democrática, agrega à função dedefender os necessitados nos feitos de natureza judicial, a função de tambémdefendê-los nos foros extrajudiciais. A redação proposta para ocaputdestaca,desse modo, a relevância da instituição. Ela extirpa, por outro lado, quaisquerdúvidas que pairem sobre a abrangência do mister da Defensoria Pública.No §3º, que é agregado ao art. 134, constitucionalizam-se como princípios institucionais da Defensoria Pública: a unidade, aindivisibilidade e a independência funcional. Estende-se também à DefensoriaPública o disposto no art. 93 da Constituição, no que couber. Esse art. 93 tratada organização da carreira da Magistratura. Porém, o § 3º que a Proposta deEmenda à Constituição nº 247, de 2013, acrescenta ao art. 134, deve serrenumerado, pois já há parágrafo terceiro, agregado pela EmendaConstitucional nº 74, promulgada no corrente ano.As modificações propostas, ainda que signifiquem notávelavanço, não garantem à Defensoria Pública a iniciativa de lei naquilo queconcerne diretamente à sua organização e funcionamento, como a criação e aextinção de seus cargos e dos serviços auxiliares. Esta relatoria considera queé o momento de fazê-lo.O art. 2º da proposta em exame traz as cláusulas deimplantação total da Defensoria no País:“Art.O número de defensores públicos naunidade jurisdicional será proporcional à efetivademanda pelo serviço da Defensoria Pública e àrespectiva população.§ 1º No prazo de oito anos, a União, os Estados e oDistrito Federal deverão contar com defensores públicosem todas as unidades jurisdicionais, observado o dispostono caput deste artigo.§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º desteartigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá,prioritariamente, atendendo as regiões com maioresíndices de exclusão social e adensamento populacional”.Esse artigo vincula o número de Defensores Públicos àdemanda efetiva de serviços da Defensoria Pública e coloca em seusparágrafos, primeiro e segundo, cláusulas de implantação da instituição. Éposto o comando de oito anos para que haja Defensores Públicos em todas asunidades jurisdicionais. Nesse período de implantação, é

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prioridade a lotaçãodo Defensor Público em localidades com maior índice de exclusão social emaior adensamento populacional.Em favor da indispensabilidade da Defensoria Pública,que esta proposta de emenda constitucional procura garantir, cito trecho devoto do eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, noAgravo de Instrumento 598. 212-Paraná:“É imperioso ressaltar, desde logo, a essencialidade daDefensoria Pública como instrumento de concretizaçãodos direitos e das liberdades de que também são titularesas pessoas carentes e necessitadas. É por esse motivoque a Defensoria Pública foi qualificada pela própriaConstituição da República como instituição essencial ao desempenho da atividade jurisdicional do Estado.Não se pode perder de perspectiva que a frustração doacesso ao aparelho judiciário do Estado, motivada pelainjusta omissão do Poder Público - que, sem razão, deixade adimplir o dever de conferir expressão concreta ànorma constitucional que assegura aos necessitados odireito à orientação jurídica e à assistência judiciária –culmina por gerar situação socialmente intolerável ejuridicamente inaceitável.”Lembro, ainda, que a diagnose do IPEA, com o mapa eos números que ela apresenta, o déficit de 10.000 Defensores Públicos nospermite refletir sobre a prognose da norma jurídica a se implantar, como elaserá recebida. O conceito de prognose legislativa é elemento essencial paraavaliação das normas jurídicas, como diria o insigne constitucionalista lusitano,Professor José Joaquim Gomes de Canotilho, em sua festejada obraConstituição Dirigente e Vinculação do Legislador(Coimbra Editora, 1994, p. 182, 274). A prognose, quando se considera a aprovação da norma jurídica em exame, é a mais positiva. A norma se conforma plenamente aos anseios da gente sofrida.Afinal, a presente proposta de emenda constitucional visa precisamente a colmatar essa enorme omissão do Poder Público do Brasil, que soube com eficiência se organizar para acusar e condenar os necessitados,mas ainda não se mostrou capaz de os defender, judicial ou extrajudicialmente.Com esta proposição, tenho certeza, vamos garantir o acesso à justiça a umcontingente de mais de cento e cinquenta milhões de pessoas despossuídas.Eis por que voto pela aprovação da Proposta de Emendaà Constituição nº 247, de 2013, na forma do Substitutivo anexo.(...)154

A proposta, enfim, estava pronta para o passo decisivo na Câmara dos Deputados, e o

momento era o de enfrentar seu Plenário.

4.4. A PEC 247 chega ao Plenário da Câmara dos Deputados

O caminho natural é o envio da proposta já admitida e, no mérito, aprovado o parecer

em comissão, no caso, especial, para que se tenha a finalização do processo legislativo, na

Câmara dos Deputados.Neste caso, o processo iniciou-se na Câmara, porque de iniciativa de

deputados155.

A Constituição estabeleceu procedimento dificultoso para aprovação e promulgação

de Emendas à Constituição, condicionando a aprovação a voto de 3/5 dos efetivos membros

de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação em cada Casa.

154TEIXEIRA, Amauri. Relatório da Comissão Especial destinada a proferir parecer à proposta de emenda à Constituição nº 247, de 2013. Brasília-DF: Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: <http://www.camara.leg.br>. Acesso em: 24 jan. 2016.155 Cf. Art. 64, CF.

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Não há, no Ordenamento Jurídico pátrio,quorum como este estabelecido pela

Constituição, justamente por ser classificada como uma Constituição rígida.

Após diversos Requerimentos, como os de nº 8.911/2013, de autoria do deputado

Marcelo Matos, nº 8.976, de Leonardo Picciani e 9.547, de Junji Abe, para inclusão na Ordem

do Dia, ou seja, para a proposta ser incluída na pauta para discussão e aprovação pelo

Plenário, em 19 de fevereiro de 2014, logo após o término do recesso parlamentar, a proposta

conseguiu sua primeira vitória em Plenário, sua aprovação em 1º turno.

Já nesta fase, a proposta encontrou resistência palaciana, que teve, como sua voz mais

possante, o Deputado Vicentinho(PT/SP), representante do Partido dos Trabalhadores e com

história pessoal umbilicalmente ligada aos movimentos populares. Esta posição incoerente e a

tentativa de frear o processo legislativo que visava fortalecer a Defensoria Pública, sem

dúvida, levará gravado em sua história a partir de agora.

O primeiro registro da tentativa de boicote pelo Palácio do Planalto já se sentiu na

Sessão Extraordinária em que foi aprovada a Proposta em 1º turno, conforme debate entre os

deputados Rubens Bueno (PPS/PR), Chico Alencar e o, à época, Presidente da Câmara

Henrique Eduardo Alves, que se reproduz:

O SR. RUBENS BUENO (PPS-PR. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Até que enfim chegou a nossa vez de dizer, inclusive àqueles que estão aqui boicotando a votação da PEC nº 247, dos Defensores Públicos do Brasil, que a proposta é para defender os mais pobres, que precisam de apoio e sustentação jurídica, e estamos aqui para aprová-la há muito tempo. O que falta é a presença do Governo para votarmos.Votamos sim a esta proposta e vamos votar a PEC nº 247.O SR. PRESIDENTE (Henrique Eduardo Alves) - Mas, Deputado, quem teria acoragem de boicotar uma PEC deste valor, desta importância, que esta Casa quer votar? Eu não acredito que o Parlamentar não tenha compreendido a importância desta PEC.(Manifestações nas galerias.)O SR. PRESIDENTE (Henrique Eduardo Alves) - Como vota o PSOL?O SR. CHICO ALENCAR (PSOL-RJ. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o nosso voto é sim à urgência para o projeto de resolução, que é um arranjo interno para que partidos que foram criados no decorrer da legislatura, com a até então permitida portabilidade, possam ter suas Comissões. Mas o art. 7º é definidor, diz que esta resolução não acarretará nenhuma despesa. Isso é muito importante, dentro da nossa linha de entendimento. V.Exa. perguntou quem poderia estar boicotando a PEC da capilarizaçãoultranecessária da Defensoria. Objetivamente, quem até agora, numa quarta-feira nobre, não veio ao plenário. Espero que venham, porque não temos, agora, sequer, no total de presentes, o número para aprovar uma PEC. Portanto, eu apelo aos Deputados que estão aqui, nos Ministérios, nos gabinetes, onde quer que seja, que venham aqui, para a gente garantir a unanimidade, porque mais vale o voto no painel do que a boa intenção declarada. Nós estamos preocupados. Sabemos — é norma da Casa — que é temerário votar uma PEC com menos de 400 votantes. E olhem que eu estou baixando para o quórum mínimo.

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Logo em seguida, iniciando a votação e já percebendo quem estava tentando

obstaculizar a votação, o presidente da Câmara dos Deputados faz a chamada, partido por

partido, a fim de se saber como cada líder iria orientar a sua bancada.Chegou a vez do Sr.

Vicentinho, que assim se manifestou em plenário:

O SR. VICENTINHO(PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, esta foi uma discussão muito polêmica, em que se realizaram grandes audiências. Quero manifestar o meu mais profundo respeito ao nosso Governo, na defesa e no apoio. Nós temos muitos projetos bons para este País e não vamos abrir mão do direito de defender este Governo que mudou os destinos deste País. A Presidenta Dilma, portanto, continua com o nosso respeito.Entretanto, Sr. Presidente, dialogando com a nossa bancada, ouvindo todos os nossos companheiros, a manifestação da nossa bancada é favorável à PEC: sim.(Palmas nas galerias.)

O deputado líder do PT demonstra contrariedade na aprovação da PEC , considerando

o projeto cuja “discussão foi muito polêmica”. Seria de bom alvitre indagar ao Deputado

Vicentinho a qual polêmica estaria a se referir, visto que a tramitação da PEC 247 até o

momento na Câmara dos Deputados correra de maneira célere e sem qualquer posicionamento

em contrário dos parlamentares das Comissões e, na esteira do aqui registrado, dos partidos

dos mais diversos matizes ideológicos. A polêmica a que se referia o Deputado só poderia

estar vindo do próprio palácio do Planalto156. Após rasgar (intempestivos)elogios aos feitos do

Governo Federal, o líder do PT viu-se sem apoio à sua proposta de frear a aprovação da PEC

247 e, vendo-se isolado, a contragosto,acabou por orientar o voto “sim” para a bancada do PT,

àquela altura já convencida da essencialidade dos temas versados. A tentativa de retrocesso

por parte do Planalto prosseguiu na voz do Dep. Vicentinho que contava com (único) apoio de

ninguém menos que Arlindo Chinaglia, líder do Governo na Câmara dos Deputados.Os

lideres eram cada vez menos ouvidos e a Sessão ganhava discursos acalorados em defesa da

aprovação da PEC. Após a imensa adesão dos líderes dos Partidos, que expressamente

orientaram o voto “sim”, isto é, favoráveis à aprovação da PEC, e dos próprios parlamentares

do PT, a polarização ficou cada vez mais desigual, e os discursos beiravam o ridículo. O

próprio Presidente da Câmara, que dirigia os trabalhos, de maneira expressa, deixou

156 O relator na Comissão Especial , Dep. Amauri Teixeira, filiado ao Partido dos Trabalhadores, lançando razões totalmente favoráveis à aprovação da proposta e conseguindo, à unanimidade, aprovação de seu parecer de mérito, e a imensa parcela de parlamentares não só do PT, mas de toda a base de sustentação política do Governo federal no parlamento, demonstraram-se favoráveis à aprovação da PEC 247, não se justificando a afirmação do líder do PT e, como se verá, do líder do Governo, Arlindo Chinaglia, vozes isoladas contrárias à proposta. Nem mesmo a inclusão do substitutivo que concedeu iniciativa de lei aos defensores-gerais, incluída na PEC 247 por obra de parlamentar do próprio PT, foi objeto de dissenso, não sofrendo qualquer objeção à sua inclusão na proposta em trâmite.

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consignado que havia intenção em derrubar-se a votação, dizendo-se inconformado com

tamanho absurdo, como aqui já se reproduziu acima.

O discurso de Chinaglia, líder do Governo, revela seu posicionamento quase, a esta

altura, isolado no Plenário, ao final apenas destacando que o governo havia “liberado” o

partido para votar:

O SR. ARLINDO CHINAGLIA(PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, primeiro quero responder àqueles que, por falta de conhecimento ou, quem sabe, uma tentativa malsucedida de atacar o Governo Federal, deram informações equivocadas no encaminhamento.Entre 2002 e 2013, o número de Defensores Públicos da União cresceu de 94 para 518, ou seja, mais de 400% de crescimento.Entre 2005 e 2014, o orçamento da Defensoria Pública da União, assegurado na LOA, aumentou mais de dez vezes, saltando de 32 milhões para 345,8 milhões.A remuneração inicial, e aí é uma concepção de Estado... Não hádiscurso que suplante onde se coloca o dinheiro. Diferentemente de quando a Oposição estava no poder, os Defensores Públicos da União tiveram um aumento de 239%, entre 2002 e 2014, indo de 4.864 reais para 16.489 reais de salário. Pois bem. O que o Governo fez durante todo esse período foi discutir responsavelmente, com a categoria, com os seus representantes, onde é que tem divergência, e vai continuar discutindo no Senado Federal. Tal discussão diz respeito à autonomia financeira e à autonomia administrativa, porque senão nós estaremos criando estruturas paralelas que se sobrepõem e estaremos criando um Estado cheio de puxadinhos — fazendo aqui uma comparação para explicar de maneira didática.Por isso, o Governo libera.

Vicentinho e Chinaglia estavam, portanto, isolados no Plenário. As notas taquigráficas

revelam que nenhum discurso ou debate se deu em contrário ao proposto em votação mas

ainda assim, não se deram por vencidos. Novas investidas dos ecos palacianos vieram à tona.

O Presidente Henrique Eduardo Alves, sentindo o esmagador apoio de todos os

Partidos Políticos à aprovação da PEC 247, após discursos calorosos e apaixonados de

diversos parlamentares, como os dos Deputados André Moura(um dos autores da PEC), Ivan

Valente(PSOL/SP), Rubens Bueno(PPS/PR), Jandira Feghali(PC do B/RJ), propõe a quebra

de interstício para que se procedesse à votação em dois turnos naquele momento, vez que

havia praticamente unanimidade dos parlamentares presentes em sua acolhida.

Se não foi possível impedir a aprovação, que pelo menos se ganhasse tempo com o

interstício normal estabelecido pelo Regimento Interno para a realização do segundo turno de

votação.

Com a proposta do Presidente Henrique Eduardo Alves, claramente favorável à

aprovação da PEC na Câmara logo naquele momento, os representantes do Planalto

insurgiram-se contra a proposição de quebra de interstício e utilizaram-se de instrumento

procrastinatório para impedir a realização de segundo turno de votação naquele mesmo dia.

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Para que esta quebra de interstício ocorresse seria necessário o apoio de unanimidade,

impedida por conta de Chinaglia e Vicentinho.

Eis o teor das manifestações em Plenário:

O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Se todos concordarem, como já temos um bom quórum, encerraremos, apuraremos e, na outra votação, na quebra do interstício, os outros continuam a usar da palavra. Todos de acordo?O SR. ARLINDO CHINAGLIA(PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, não há concordância de 100%, até porque o Líder... Como V.Exa. ainda não teve a oportunidade, acho que é bom ouvir o Líder. E eu também antecipo a nossa posição de que se cumpra o Regimento.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Com a palavra o Líder Vicentinho.O SR. ALESSANDRO MOLON(PT-RJ. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, se V.Exa. me permitir, faço apenas um esclarecimento que me foi pedido por alguns Deputados do plenário sobre tema tratado anteriormente.Uma matéria equivocada do UOL diz que haverá mudança na neutralidade da rede. Eu só quero dizer publicamente, neste microfone, que essa informação é falsa. Não há qualquer possibilidade de concessão ou de brecha na neutralidade da rede no marco civil. O que há, sim, é a possibilidade de venda de velocidade diferente, como sempre houve. Já pedi ao jornalista do UOL para corrigir a informação, porque ela é falsa. Ela não informa; ela desinforma e certamente foi plantada pelos inimigos da neutralidade da rede.Obrigado, Presidente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado Vicentinho, com a palavra V.Exa.O SR. VICENTINHO(PT-SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, primeiro, quero pedir a compreensão de todos, mas nós não concordamos com a quebra de interstício. Nós queremos aprofundar mais esse diálogo. O Parlamento deve ter o seu caminhar normal. Uma votação expressiva como essa requer que caminhemos de acordo com o Regimento.Temos aqui o nosso mais profundo respeito aos defensores. Os senhores sabem da nossa luta, inclusive, para que o nosso Governo contratasse defensores que passaram no concurso e que ainda não tinham sido chamados para o trabalho.Parabenizo o Líder Arlindo Chinaglia que bem revelou os dados que comprovam o nosso compromisso com a Defensoria Pública do nosso País, porque a Defensoria Pública, tanto a Estadual quanto a Federal, é a Defensoria da cidadania — e disso nós não abrimos mão. É a Defensoria daqueles que não têm dinheiro, dos pobres que são excluídos até da obtenção da ajuda de um advogado. A Defensoria, em todos os cantos deste País, vai trazer o equilíbrio que a Constituição brasileira assegura, porque os direitos são iguais para todos.E por isso a nossa bancada — bancada extremamente leal ao nosso Governo, bancada composta por lideranças operárias, intelectuais, comunitárias, de mulheres, dos que fazem a defesa da luta das pessoas com deficiência, da luta contra o preconceito e da luta pela dignidade humana — envolveu-se em uma luta intensa, que a sociedade não acompanhou, para garantir que a Comissão de Direitos Humanos estivesse em mãos, efetivamente, de pessoas que historicamente tivessem compromisso com os direitos humanos neste País.A nossa bancada, portanto, éuma bancada que merece o nosso mais profundo respeito. Nós somos a bancada do Partido dos Trabalhadores e, portanto, somos a bancada do Governo brasileiro. E somos a bancada que tem como missão a garantia — é claro, junto com os nossos parceiros, porque sozinhos não temos poder de deliberação aqui; junto com os partidos da base aliada, pelos quais sempre teremos um profundo respeito; pelo PMDB, o segundo maior partido, e por todos os outros partidos — desse projeto que defendemos desde a presidência do Presidente Lula até a presidência da Presidenta Dilma, o qual mudou os rumos da história deste País.

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Eu fui um sindicalista, vivi as crises de desemprego deste País, lutei nos sindicatos contra o neoliberalismo defendido, inclusive, pelo Governo do PSDB, lutei para não permitir que trabalhadores tivessem os seus salários reduzidos —quando lutamos, juntamente com as centrais sindicais, entre elas, a Central Única dos Trabalhadores — e tenho noção de que o Brasil caminha para ser um país soberano, um Brasil de crescimento.Não dá para esconder que 98% dos trabalhadores deste País tiveram reajustes acima da inflação —projeto do nosso Governo. São 32 milhões que saíram da condição de miseráveis — coisa que nunca aconteceu neste País. Ultrapassamos a faixa de 50% da população na classe média — obra do nosso Governo e dos partidos que têm votado com o nosso Governo.Por essa razão, Sr. Presidente, existe, sim, um dilema: a nossa missão, na condição de Líder desta bancada, eleito por unanimidade pelos 89 Deputados do PT, é o desafio de trabalhar na defesa do nosso Governo e, ao mesmo tempo, na defesa da nossa bancada, porque elae o Governo, em que pese sabermos o papel do Executivo e o papel Legislativo, fazem uma defesa só.Não se preocupem, não venha a mídia fazer as fofoquinhas de bastidores, porque nós saberemos conversar à exaustão, dialogar à exaustão, construir projetos à exaustão, para garantir efetivamente a defesa dos direitos do povo brasileiro.Neste caso da PEC 247, ainda há caminhos a serem percorridos. O diálogo existe entre o nosso Governo e as entidades representativas. O Senado ainda vai se debruçar sobre esse projeto. Tenho certeza de que no final das contas nós vamos efetivamente ter uma solução que faça com que o Estado seja o porto seguro para o povo brasileiro.Enalteço aqui, de novo, a nossa bancada, que discutiu — e discutiu à exaustão. Ouvi cada Deputado, refleti com cada companheiro, acompanhei as suas histórias, apoiei e verifiquei o que é que cada um estava sentindo em um momento histórico como este. E o papel do Líder é também o de ser porta-voz, e ser porta-voz da maior bancada do Parlamento brasileiro. E, como porta-voz, defendemos essa posição diante de uma realidade que é bem latente entre nós.Vejam o painel: todos os partidos da base do Governo deliberaram. Eu não vou dizer que tenho que proteger porque ninguém precisa de proteção, mas eu tenho que aliar, Sr. Presidente, esses interesses coletivos, para que a bancada defensora do projeto maior, a bancada defensora do nosso Governo, esteja aqui muito de cabeça erguida.Por isso, parabenizo os autores: o companheiro Molon, que édo nosso partido, que debateu, discutiu, evoluiu, procurou, ouviu, caminhou, viajou; o nosso companheiro e amigo Mauro Benevides, também um Deputado da base do Governo; o nobre Deputado André Moura, a quem acabamos de conceder — inclusivepor uma deliberação da nossa bancada e por um acordo realizado em conjunto, para este ano, evidentemente — o pleito de uma Comissão para o PSC.V.Exa. foram sensíveis à causa dos Deputados que aqui estão. Votação unânime, fundamental e necessária para a nossa caminhada. Mas não se enganem: a bancada do Partido dos Trabalhadores é a bancada do melhor Governo da história deste País, dirigido, primeiro, por Lula, e hoje, pela grande Presidenta Dilma.Obrigado, Presidente.O SR. RODRIGO MAIA- Presidente...O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Eu tenho o dever de esclarecer que a quebra do interstício para votar os dois turnos só pode ser por unanimidade. Não se trata de unanimidade das lideranças; basta um Deputado discordar que não se pode quebrar o interstício.Então, respeitosamente — pois está dentro do Regimento —, embora a Liderança do PT esteja votando toda ela a favor, foi colocado pelo seu Líder que S.Exa. não concorda com a quebra do interstício — só votaremos o primeiro turno e, com o prazo de cinco sessões, votaremos o segundo turno.O SR. RODRIGO MAIA- Sr. Presidente...O SR. RUBENS BUENO- Sr. Presidente...O SR. RODRIGO MAIA(DEM-RJ. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o Deputado Amauri Teixeira vai ficar muito mal.Ele fez um belo discurso a favor da Defensoria Pública, Sr. Presidente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Com a palavra...

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O SR. RODRIGO MAIA- O Deputado Amauri Teixeira vai ficar muito mal, Sr. Presidente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Com a palavra o Deputado Fábio Trad.O SR. RODRIGO MAIA- O Deputado Vicentinho tem que mudar de posição. Pelo amor de Deus!O SR. RUBENS BUENO(PPS-PR. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Fica claro quem écontra a Defensoria. A bancada do PT não quer aprovar a PEC da Defensoria.O SR. PAULO TEIXEIRA(PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Quem pediu um novo painel foi o DEM. O DEM pediu um novo painel para impedir a votação.O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA- Presidente...O SR. ESPERIDIÃO AMIN- Presidente...O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Eu tenho o dever de posicionar que a bancada do PT encaminhou o voto sim. Todos os seus Parlamentares, eu soube, estão votando sim. Este recurso regimental é legítimo, portanto, o Deputado Vicentinho, como Líder, tem todo o direito de ter essa posição, sem nenhum prejulgamento.Vamos seguir serenos, equilibrados e, em cinco sessões, sem nenhum problema, nós votaremos o segundo turno.O SR. ESPERIDIÃO AMIN- Sr. Presidente.O SR. EFRAIM FILHO- Encerra a votação, Presidente!O SR. BETO ALBUQUERQUE- Direito tem, Sr. Presidente. Agora, é posição política de quem não quer votar.O SR. EFRAIM FILHO- Encerra a votação, Presidente, está se esvaindo o quórum na Casa. Vai faltar quórum para votar a próxima.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado Fábio Trad.O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA(SDD-BA. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero deixar claro que é um recurso muito utilizado nesta Casa o de nós suprimirmos esse interstício de 5 dias, quando a matéria é consensuada entre os Líderes. Eu quero dizer que o Partido da Solidariedade aceita a quebra do interstício. É bom que os Líderes digam aqui aqueles que aceitam a quebra do interstício...O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado! Deputado, eu não estou aqui...O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA- E também quem não aceita diga que não aceita. Agora, que fique claro que nós queremos votar hoje essa PEC.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado, eu não estou aqui com procuração para defender partido nenhum, mas, a bem da verdade e da justiça, o PT tem todo o direito de fazer o que fez, que é o cumprimento do Regimento. Não há por que isso nos estressarmos agora, nem radicalizarmos, porque daqui a cinco sessões essa matéria confortavelmente será aprovada — serena e tranquilamente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado Fábio Trad, com a palavra V.Exa.O SR. ESPERIDIÃO AMIN- Sr. Presidente, V.Exa. falou que não tem procuração, e é verdade, mas esta PEC...O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Com a palavra o Deputado Fábio Trad.O SR. FÁBIO TRAD(PMDB-MS. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, faço questão de reconhecer neste momento o desprendimento, o desassombro e, sobretudo, a sensibilidade política do Deputado timoneiro deste projeto que conduziu com muita habilidade e sabedoria toda a tramitação que culminou com, écerto, a aprovação retumbante desta matéria importante para o Brasil, que é o meu correligionário, permitam-me, Deputado decano desta Casa, tão importante, que para mim éaté uma instituição, o nosso querido Deputado Mauro Benevides(palmas), autor e inspirador da essência que faz com que a Defensoria Pública agora tenha a perspectiva, num período de 8 anos, de estar em todo o Brasil. O IPEA constatou um déficit de 10 mil defensores públicos no Brasil. Imaginando que cada defensor público, ao ano, atenda em média 2 mil pessoas, nós temos a perspectiva de, em 8 anos, contemplar 20 milhões de

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brasileiros desassistidos, desguarnecidos, desprovidos dos mínimos direitos, dos mais elementares direitos, que estruturam a sua cidadania.E não é apenas acesso à Justiça que a Defensoria Pública efetiva, é acompanhamento, é aconselhamento, é assessoria informal, é, de certa forma, potencialização das virtudes da cidadania na prática, daíporque a importância superlativa desse projeto, Sr. Presidente, que eleva esta Casa na sua agenda institucional.Quero, neste momento, destacar a importância, na condução desse processo, da Presidente da ANADEP, Sra. Patrícia Kettermann. Ela que esteve todos os momentos ao nosso lado, sofrendo os dissabores, e, agora, aproveitando a vitória, que, é certo, contemplará todo o Brasil.Terminando, quero dizer a V.Exa. que, no Mato Grosso do Sul, nós temos um time de defensores que não faltou à Defensoria Pública do Brasil nesta batalha. Quero citar os nomes de Paulo André Defante, Carlos Eduardo Bruno Marietto, Mônica de Salvo Fontoura e Cauê Urdiales. Esse time de cidadania militante fez com que a Defensoria chegasse agora com a perspectiva de levantar um troféu, um troféu para que todo o Brasil testemunhe o seu esforço: o troféu da cidadania brasileira.Muito obrigado, Presidente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Com a palavra, como Líder, o Deputado Nilson Leitão.O SR. ESPERIDIÃO AMIN- Presidente...A SRA. JANDIRA FEGHALI- Pela ordem.O SR. EURICO JÚNIOR(PV-RJ. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, enquanto o Líder não chega, quero fazer um lamentável comunicado aqui sobre a morte de Mariluce Bittar, irmã do Deputado Marcio Bittar, que foi Primeiro Secretário. Foi o Deputado Marcio quem deu posse a todos os novos Deputados, em 3 de janeiro do ano passado.Então, quero mandar aqui um grande abraço a esse grande Deputado, que é do PSDB.Muito obrigado.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Bem lembrado por V.Exa.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Concedo a palavra ao nobre Deputado Nilson Leitão, para uma Comunicação de Liderança, pelo PSDB.O SR. NILSON LEITÃO(PSDB-MT. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, primeiro, quero também deixar os pêsames, os sentimentos de todos os tucanos, de todos os Deputados e Deputadas, ao nosso amigo e irmão Marcio Bittar, que perdeu sua irmãontem para uma doença que vem se alastrando de forma devastadora em nosso País, que é o câncer. E não há nada melhor agora do que o conforto dos amigos. Que Deus conforte a sua família e o coração de todos.Sr. Presidente, ouvi atentamente a fala do Líder do PT, que tentou de alguma forma explicar o inexplicável. Primeiro, vamos aqui reconhecer: o PT votou essa matéria atravessada na sua garganta, porque não gostaria de votá-la. Vir aqui dizer que está votando isso e aquilo... Se realmente fosse a favor, votaria o segundo turno agora, como aconteceu com inúmeras matérias aqui nesta Casa.O PT é contra essa matéria e tem que assumir isso. Só está fazendo pose porque é ano eleitoral. A vontade era votar contra, e a orientação era votar contra. Se ele fosse muito a favor desse setor, não melhoraria apenas salário, melhoraria a estrutura, os prédios das Defensorias. É quase um pecado colocar as pessoas para trabalhar lá dentro, por exemplo, no meu Estado, o Mato Grosso.O Governo do PT não reconhece as suas deficiências e vem aqui, com a cara de pau, dizer que o Governo Dilma é o melhor da história do Brasil. Não! É o melhor Governo para o PT, para os seus partidários e correligionários. O Governo do PT vem dizer que o número de desempregados é um dos menores da história brasileira, mas não vem aqui dizer que os números da inflação vêm crescendo, do desgaste do Plano Real. Aliás, o Plano Real, que o PT votou contra e vem desgastando essa moeda de forma irresponsável. Os juros já chegaram a 10,5%. O preço da cesta básica, na cozinha do brasileiro, vem aumentando a cada dia. A conta de energia —e a Presidenta Dilma mentiu para a sociedade brasileira, usando um ator global para fazer uma propaganda mentirosa — ia ser reduzida, mas, ao contrário disso,

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aumentou e cresce cada vez mais. Não só depreciou a conta de energia, mas deprecia também as concessionárias, que perderam no seu valor praticamente 27% somente neste ano.O Governo Dilma é um desastre. Se ela foi a mãe do PAC, hoje ela é a madrasta da família brasileira, que vem trazendo para o Brasil um prejuízo enorme. Ela comemora as vitórias de grandes obras ládo outro lado do mundo. Ela comemora as grandes obras, quem sabe ali, na América do Sul, pertinho do Brasil, na Bolívia, onde gasta 60 milhões de dólares para reformar equipamentos de energia; e gasta lá em Cuba 800 milhões de dólares.Agora, o prejuízo do Mais Médicos, Sr. Presidente, é de um bilhão de reais! Um bilhão de reais! Setecentos milhões ficarão para Cuba e apenas duzentos e poucos milhões vão para o bolso dos médicos que trabalham aqui. São escravos da ditadura cubana, que é a favor de petistas brasileiros.Eu quero dizer aqui para o Líder do PT que, para a Presidente Dilma ser a governante que nos pregam, ela tem de trabalhar um pouco, descer do palanque e virar Presidente, e não Presidenta. Ela tem que ser a Presidente do Brasil, de fato, a favor do povo brasileiro.

De todas as maneiras tentaram, os dois representantes do Planalto, obstaculizar a

aprovação, o mais rápido possível pretendida pela Presidência da Câmara, não tendo, no

entanto, logrado êxito. Interessante o embate entre o Deputado Domingos Sávio(PSDB/MG) e

Vicentinho:

O SR. DOMINGOS SÁVIO- Eu exijo respeito e que o nosso tempo seja recomposto. Não dá para entender! Ou o Deputado está desatento, ou não sabe respeitar o posicionamento dos demais colegas na tribuna.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado, com a palavra V.Exa.O SR. DOMINGOS SÁVIO- Eu venho dizer de forma clara, e retomo o meu raciocínio, que nesta noite nos unimos todos para fazer justiça não com uma categoria. Não é só isso. São profissionais abnegados, dedicados, competentes, aprovados em concurso público, que se dedicam à vida pública. Nós viemos fazer justiça com o povo mais pobre deste País, que precisa de alguém que os defenda!(Palmas nas galerias.)E é esse o papel do defensor público. Quem não sabe disso? E havia toda uma insegurança sobre se o Governo não iria criar uma dificuldade. Ficou tão evidente a vontade de todos os partidos, que tivemos a feliz surpresa de o Líder do PT vir dizer que apoiava. Ótimo! De repente vem e diz:Apoio, mas não concordo que se vote tudo hoje. Não pode haver o segundo turno.Tudo bem. Nós vamos solicitar que votemos na próxima oportunidade, e aí vamos trazer, seDeus quiser, mais de 400 Deputados para votar, com a liderança do nobre Deputado Henrique Eduardo.Mas eu quero fazer um outro comentário nesse tempo que ainda possuo. Euainda quero deixar claro aqui que o que foi dito, inclusive nominando o PSDB, e nos taxando novamente de neoliberais, fazendo-nos críticas para depois vir com ufanismo dizer, naquela velha cantilena, deNunca na história deste Paíse que é o melhor Governo...Ora, vamos botar os pingos nos is! Há dois fundamentos para que nós possamos ter um País em desenvolvimento, em plena liberdade: democracia e estabilidade. E essas duas bases estão sendo minadas pelo PT. Doze anos de Governo, e começam a destruir aquilo que eles não ajudaram a construir. Não aprovaram o Plano Real! Não aprovaram a Lei de Responsabilidade Fiscal! Não ajudaram o País a sair daquela situação terrível de hiperinflação! E agora, o Governo do PT, há 12 anos no poder, começa a destruir o poder de compra da nossa moeda. A inflação cresce! Os juros crescem! O crescimento do País aponta, este ano, para 1%! A credibilidade do País

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cresce perante os organismos internacionais. E não bastasse esse desastre daquela que foi pintada como a gerentona, a mãe do PAC, a competente...Alguns analistas diziam:Olha, o Presidente Lula, com o prestigio que tem, elege até um poste!E, com muitomarketing, falaramÉ uma supergerente. E o que fez a supergerente? Fez a inflação voltar. Fez o crescimento despencar. Fez o pior: a PETROBRAS, defendida por todos nós, despencou. Até o trabalhador da PETROBRAS, que foi estimulado — foi estimulado, Sr. Líder — a comprar ações, viu as suas ações despencarem, por incompetência do Governo.E agora está aí: o Ministério Público denunciando corrupção porque ficou demonstrando que, na Holanda, a PETROBRAS, para arrendar plataformas marítimas, cobrou propina da empresa holandesa! Queremos investigar isso, porque a corrupção não para nesse Governo. Então, além de falta de estabilidade, a corrupção campeia.E agora o pior: aquilo que é o pilar essencial para o desenvolvimento, que é a democracia, começa a ser detonado. Para a nossa tristeza, a Presidente foi assinar, o Brasil foi assinar nota de apoio àVenezuela, enquanto ela patrocina morte de estudante na rua, enquanto a Venezuela invade sede de partido da Oposição, cerceia a liberdade de imprensa, manda prender o líder da Oposição pela razão de que ele écontra o Governo deles. E o Governo brasileiro vai lá dizer:Vamos fazer um voto de solidariedade à Venezuela. Vamos colocar 2 bilhões de reais— 2 bilhões — láem Cuba e vamos deixar as estradas e os portos do Brasil aos frangalhos. E vamos trabalhar para melhorar lá fora e abandonar aqui dentro.E, se alguém critica, chamamde cara-de-pau a Oposição aqui. Se a imprensa critica, é aquela imprensa que representa as elites, porque não aceita a crítica, não aceita debater, não aceita em hipótese alguma...(O Sr. Presidente faz soarem as campainhas.)O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Deputado...O SR. DOMINGOS SÁVIO- E até tentam nos interromper.Eu estou dentro do meu tempo, Presidente. Por isso, estou concluindo, com a calma que me é peculiar e com o respeito que sempre tenho por V.Exa.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Para concluir.O SR. DOMINGOS SÁVIO- Para concluir, o efeito Dilma tem que ser coibido. Chega! É hora da mudança! Chega de vir alguém aqui dizer:Nunca na história deste Paíseestá uma maravilha. Não está uma maravilha, não! Temos Oposição! Nós somos minoria, mas já representamos a maioria do povo brasileiro, 66%, que está insatisfeita com a saúde, com a segurança, com esse mar de corrupção e quer mudança. E vai haver mudança. Chega de tanta bandalheira!E viva a Defensoria!(...)O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Com a palavra o Deputado Vicentinho.O SR. VICENTINHO(PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, apenas para esclarecer. Primeiro, eu não vou responder às questões colocadas por Domingos Sávio, porque isso requer um profundo debate.(...)

Os esforços de Vicentinho e de Arlindo Chinaglia foram capazes, apenas, de não se

quebrar o interstício, conseguindo procrastinar por algumas Sessões a inevitável aprovação da

Proposta, talvez com a intenção dos políticos.

Quando da divulgação do resultado da votação naquele primeiro turno, o Presidente

Henrique Eduardo Alves convidou um dos autores da proposta, o mais entusiasta da

Defensoria Pública, Mauro Benevides, para presidir, naquele momento, a Sessão e anunciar o

resultado, em noite de grande emoção para todos. Eis o trecho que merece novo destaque:

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O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Eu gostaria, antes de iniciar o processo de apuração e se o Plenário concordar, de convidar, pelo respeito e pela paciência que tiveram, todos os defensores que estão nas galerias a descer ao plenário para acompanhar conosco o resultado desta votação.(Manifestação nas galerias.)Convido os defensores públicos a vir ao plenário sentar-se ao nosso lado para acompanhar o resultado desta votação, se os Líderes concordarem.(Pausa.)Concordaram. Estamos aguardando.O SR. IZALCI- Sr. Presidente...O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Pois não.O SR. IZALCI(PSDB-DF. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu gostaria de fazer um apelo a V.Exa.Tão importante quanto a PEC da Defensoria — nós sabemos da sua importância e relevância — é a PEC 290. Ela é fundamental para este País.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Terça-feira, Deputado.O SR. IZALCI- A ciência e tecnologia, Sr. Presidente, nós temos que colocar... Eu peço a V.Exa. que assuma o compromisso de colocá-la como primeiro item da pauta.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Na terça-feira. Eu assumo com V.Exa.O SR. IZALCI- Primeiro item da pauta, Sr. Presidente?O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Na terça-feira, Deputado Izalci.O SR.IZALCI- Primeiro item da pauta, Sr. Presidente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Primeiro item da pauta.O SR. IZALCI- Muito obrigado.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Por nada.Eu vou passar agora a Presidência dos trabalhosao Deputado Mauro Benevides, para que S.Exa. possa encerrar a votação e anunciar o resultado.Pelo mérito, pela luta e pela autoria — vou assessorar S.Exa. —, cedo a presidência dos trabalhos ao Deputado Mauro Benevides.(Palmas.)O SR. EFRAIM FILHO- S.Exa. não tem muita experiência na Mesa, não é?O Sr. Henrique Eduardo Alves, Presidente, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Mauro Benevides, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno.O SR. PRESIDENTE(Mauro Benevides) - Aguardamos a chegada ao plenário dos defensores que estavam nas galerias e foram convidados pelo Presidente Henrique Eduardo Alves a tomar assento neste plenário, para uma confraternização que esperamos seja uma demonstração positiva de que a Câmara dos Deputados é a Casa do Povo.(Palmas.)Portanto, esperamos aqui os defensores, que são os defensores do povo.(Palmas.)A SRA. MARINHA RAUPP(PMDB-RO. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente Mauro Benevides, quero parabenizá-lo, em nome de todos os nossos colegas do PMDB, pela sua história, a história de luta política deum homem determinado que já ocupou essa cadeira. Honra-nos muito poder hoje votar sim, todos os partidos, unidos, votar sim a um projeto que vai atender aqueles que mais necessitam.A seu lado está nosso grande Presidente, Henrique Eduardo Alves, um homem honrado que sabe que esta é a Casa do diálogo, da interação, do encaminhamento de mãos dadas.Sr. Presidente, fica o abraço da bancada de Rondônia e de todos os defensores do Estado.Parabéns, Presidente!O SR. PRESIDENTE(Mauro Benevides) - Muito obrigado.Os defensores já se acham no plenário, compartilhando, portanto, desta euforia natural, e que se ampliará logo mais, quando for anunciado o resultado desta votação, que o painel acusará dentro de alguns instantes.A nobre Deputada Marinha Raupp relembrou as circunstâncias em que tinha tido eu assento nesta cadeira presidencial. Eu me recordo realmente de quando exerci a Vice-Presidência da Assembleia Nacional Constituinte, substituindo um grande brasileiro, Ulysses Guimarães, de cuja figura indomável também me recordo neste

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instante com a mais profunda emoção, nesta cadeira em que tomei assento também como Presidente do Congresso Nacional,quando aqui o Parlamento brasileiro se reunia seguidas vezes, principalmente às terças e quartas-feiras, até às quintas.Nesta mesma cadeira eu tomei assento, e hoje, numa demonstração positiva e certamente de consideração a um passado de lutas que é dele próprio — de 11 mandatos, como o meu, também de 11 mandatos —, ele confere a mim a oportunidade de anunciar, pelo acionamento da tecla na mesa, um placar que vai, naturalmente, simbolizar, eu espero, um resultado indiscrepante, significando, sobretudo, o respeito e a admiração dos Parlamentares brasileiros, da Câmara dos Deputados, ao exercício da Defensoria Pública, quer da União, quer das Unidades da Federação.O resultado que será conhecido dentro de alguns segundos significa o reconhecimento de um trabalho.Eu diria neste momento que o grande beneficiário desta emenda, Sras. e Srs. Deputados, não é o defensor público, é o próprio povo brasileiro, para o qual se direciona a atividade dos defensores.(Muito bem! Palmas. O orador é cumprimentado.)Declaro encerrada a votação.O SR. ALCEU MOREIRA(PMDB-RS. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - À sua história se faz justiça neste momento, Deputado Mauro Benevides!(Palmas.)(É entoado o Hino Nacional.)O SR. PRESIDENTE(Mauro Benevides) - Vamos proclamar formalmente o resultado da votação, que já está espelhado no painel:SIM: 424, mais o voto do Deputado Camilo Cola, proclamado no microfone deste plenário, uma votação mais do que expressiva;NÃO: 1;ABSTENÇÃO: 1;TOTAL: 427.APROVADA.O SR. JORGINHO MELLO(Bloco/PR-SC. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Deputado Mauro Benevides, antes que V.Exa. anuncie o resultado, eu gostaria, em nome do Deputado Anthony Garotinho, que acabou de nos telefonar, de informar que S.Exa. votou erradamente e pediu que seu voto seja registrado como sim e não como abstenção.(Palmas.)O SR. PRESIDENTE(Mauro Benevides) - Fica procedida a retificação.A Mesa se congratula por este resultado, indiscutivelmente auspicioso, que reflete o sentimento popular através dos seus representantes nesta Casa legislativa.Portanto, as congratulações da Casa aos defensores públicos, sobretudo aos Parlamentares que souberam cumprir a sua missão de representantes do povo brasileiro.Fica dispensada a redação final da matéria, nos termos do inciso I do § 2º do art. 195 do Regimento Interno.A matéria vai ao Senado Federal.O Presidente Henrique Eduardo Alves vai, naturalmente na data aprazada, fazer chegar ao Presidente Renan Calheiros os autógrafos que permitirão o trâmite da matéria na outra Casa do Congresso Nacional, nos termos do bicameralismo, imperante entre nós.Portanto, a matéria vai ao Senado Federal.Retorna à presidência dos trabalhos o nobre Deputado Henrique Eduardo Alves, que, com a maior dignidade, vem dirigindo com independência, com austeridade, com clarividência os destinos da Câmara dos Deputados.(Palmas no plenário.)O Sr. Mauro Benevides, nos termos do § 2ºdo art. 18 do Regimento Interno, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Henrique Eduardo Alves, Presidente.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Eu asseguro aos defensores públicos que amanhã, até o meio-dia, já estará no Senado a PEC aprovada nesta Casa.(Palmas.)

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A polarização da Casa, com os dois únicos parlamentares pouco entusiasmados com a

aprovação da PEC que, anunciado o resultado por Mauro Benevides e a grande manifestação

das galerias que o sucedeu, chegada a hora da fotografia oficial, como coroação da imensa

comemoração por parte dos Defensores Públicos e de todos os parlamentares que a esta altura

já também expressavam alegria, Henrique Eduardo Laves precisou chamar ambos, Chinaglia

e Vicentinho para que viessem compor o momento de confraternização.

O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Primeiro item da pauta.O SR. IZALCI- Muito obrigado.O SR. PRESIDENTE(Henrique Eduardo Alves) - Por nada.Eu vou passar agora a Presidência dos trabalho são Deputado Mauro Benevides, para que S.Exa. possa encerrar a votação e anunciar o resultado.Pelo mérito, pela luta e pela autoria — vou assessorar S.Exa. —, cedo a presidência dos trabalhos ao Deputado Mauro Benevides.(Palmas.)O SR. EFRAIM FILHO- S.Exa. não tem muita experiência na Mesa, não é?O Sr. Henrique Eduardo Alves, Presidente, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Mauro Benevides, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno.O SR. PRESIDENTE(Mauro Benevides) - Aguardamos a chegada ao plenário dos defensores que estavam nas galerias e foram convidados pelo Presidente Henrique Eduardo Alves a tomar assento neste plenário, para uma confraternização que esperamos seja uma demonstração positiva de que a Câmara dos Deputados é a Casa do Povo.(Palmas.)Portanto, esperamos aqui os defensores, que são os defensores do povo.(Palmas.)A SRA. MARINHA RAUPP(PMDB-RO. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente Mauro Benevides, quero parabenizá-lo, em nome de todos os nossos colegas do PMDB, pela sua história, a história de luta política deum homem determinado que já ocupou essa cadeira. Honra-nos muito poder hoje votar sim, todos os partidos, unidos, votar sim a um projeto que vai atender aqueles que mais necessitam.A seu lado está nosso grande Presidente, Henrique Eduardo Alves, um homem honrado que sabe que esta é a Casa do diálogo, da interação, do encaminhamento de mãos dadas.Sr. Presidente, fica o abraço da bancada de Rondônia e de todos os defensores do Estado.Parabéns, Presidente!O SR. PRESIDENTE(Mauro Benevides) - Muito obrigado.Os defensores já se acham no plenário, compartilhando, portanto, desta euforia natural, e que se ampliará logo mais, quando for anunciado o resultado desta votação, que o painel acusará dentro de alguns instantes.A nobre Deputada Marinha Raupp relembrou as circunstâncias em que tinha tido eu assento nesta cadeira presidencial. Eu me recordo realmente de quando exerci a Vice-Presidência da Assembleia Nacional Constituinte, substituindo um grande brasileiro, Ulysses Guimarães, de cuja figura indomável também me recordo neste instante com a mais profunda emoção, nesta cadeira em que tomei assento também como Presidente do Congresso Nacional,quando aqui o Parlamento brasileiro se reunia seguidas vezes, principalmente às terças e quartas-feiras, até às quintas.Nesta mesma cadeira eu tomei assento, e hoje, numa demonstração positiva e certamente de consideração a um passado de lutas que é dele próprio — de 11 mandatos, como o meu, também de 11 mandatos —, ele confere a mim a oportunidade de anunciar, pelo acionamento da tecla na mesa, um placar que vai, naturalmente, simbolizar, eu espero, um resultado indiscrepante, significando, sobretudo, o respeito e a admiração dos Parlamentares brasileiros, da Câmara dos Deputados, ao exercício da Defensoria Pública, quer da União, quer das Unidades da Federação.

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O resultado que será conhecido dentro de alguns segundos significa o reconhecimento de um trabalho.Eu diria neste momento que o grande beneficiário desta emenda, Sras. e Srs. Deputados, não é o defensor público, é o próprio povo brasileiro, para o qual se direciona a atividade dos defensores.(Muito bem! Palmas. O orador é cumprimentado.)Declaro encerrada a votação.O SR. ALCEU MOREIRA(PMDB-RS. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - À sua história se faz justiça neste momento, Deputado Mauro Benevides!(Palmas.)(É entoado o Hino Nacional.)

A votação, em segundo turno, ocorreu no dia 12 de março, sem maiores problemas,

considerando o maciço apoio de todos os matizes ideológicos na Câmara dos Deputados. Em

segundo turno, portanto, 424 deputados disseram “sim” à proposta, com 1 abstenção e 1 voto

contrário. A proposta, portanto, aprovada na Câmara, seguiu seu caminho natural e, em 13 de

março de 2013, através do Ofício nº 319/14/SGM-P, a Mesa Diretora da Câmara dos

Deputados envia ao Senado Federal a Proposta com imenso respaldo majoritário para o

enfrentamento de novos desafios.

4.5. A chegada ao Senado Federal

A perseguição palaciana continuou, mas agora de maneira velada, através do Senador

José Pimentel que, de maneira incoerente, já que sempre esteve junto aos Defensores Públicos

em suas lutas no Congresso Nacional, como líder no Senado, trabalhou o quanto pôde, nos

bastidores, para a rejeição da proposta. A diferença é que os inimigos na Câmara, Chinaglia e

Vicentinho eram explícitos e os do Senado, velados.

A grande preocupação do Planalto dizia com as matérias do §4º da PEC, que

determina a extensão dos artigos 93 e 96,II da Constituição Federal às Defensorias Públicas.

Não mais a submissão institucional aos desmandos e omissões do Chefe do Executivo. O

embate deve se dar entre a Instituição e o Legislativo e mesmo com eventual aposição de veto

a projeto de lei de autoria de Defensor Público-geral, pode ser derrubado pelo voto da maioria

absoluta do Congresso Nacional157.

O que se estava pretendendo criar, na realidade, era mais uma Instituição, à

semelhança do que ocorria com o Ministério Público desde 1988, com efetiva independência

frente ao Executivo, e com isto, ao lado da legitimidade para propositura de ação civil pública

e a independência funcional, representava ameaça. Qual o interesse em se criar mais um 157 Na forma do artigo 66 da CF, diante de veto por inconstitucionalidade ou por considerar o projeto no todo ou em parte inconstitucional, pode o chefe do Executivo vetar projeto de lei ordinária e complementar aprovados nas Casas legislativas. Daí a natureza complexado ato legislativo (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit.).

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“Ministério Público” no Brasil, com garantias, independência, autonomia administrativa,

iniciativa de lei e extensão de política remuneratória conferida aos magistrados?

Tarde demais. Com a esmagadora votação favorável na Câmara dos Deputados, a

proposta já chegou vitoriosa no Senado e já mesmo na Comissão de Constituição e Justiça, o

parecer do relator sorteado, Romero Jucá(PMDB/RR) foi aprovado à unanimidade. Eis o

parecer:

Esta Comissão é chamada a opinar sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 4, de 2014 (PEC nº 247, de 2013, na Câmara dos Deputados), que Altera o Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV – Da Organização dos Poderes, e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. A PEC promove a alteração da redação do art. 134 da Carta Magna, para prever que a Defensoria Pública é não somente uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV, da Constituição (conforme a redação atual do dispositivo), mas também para dispor que ela é uma instituição permanente, expressão e instrumento do regime democrático, incumbindo-lhe a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados. Com isso, a proposição incorpora à Constituição SF/14206.84670-71 lo2014-01619 2 a atual redação do art. 1º da Lei Complementar nº 80, de 1994, Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, conferida pela Lei Complementar nº 132, de 2009. A Proposta acrescenta ainda o § 4º ao art. 134 da Lei Maior, para expressar constitucionalmente como princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, que já são previstos hoje para a instituição no art. 3º da Lei Complementar nº 80, de 1994. A nova redação do § 4º ao art. 134 determina ainda a aplicação à Defensoria, no que couber, do disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, dos princípios e normas aplicáveis à Magistratura e da iniciativa dos Tribunais para projetos de lei sobre matéria relativa ao Poder Judiciário. Ademais, a proposição acrescenta ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) o art. 98, para estabelecer que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população, bem como para determinar um prazo de oito anos para que a União, os Estados e o Distrito Federal contem com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, sendo que, durante o decurso desse prazo, a lotação dos defensores ocorrerá, prioritariamente, mediante o atendimento às regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. Finalmente, a PEC subdivide em duas a Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública, do Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV – Da Organização dos Poderes, da Constituição Federal. Tal Seção engloba hoje os artigos 133 e 134, o primeiro tratando da Advocacia privada e segundo, da Defensoria Pública. Com a mudança, passa-se a ter uma Seção III – Da Advocacia, composta pelo art. 133, e uma Seção IV – Da Defensoria Pública, abarcando o art. 134. (...)Cabe a esta Comissão, nos termos do art. 356 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), proceder à análise das propostas de emenda à Constituição, quanto à admissibilidade e ao mérito. SF/14206.84670-71 lo2014-01619 3 No tocante à admissibilidade, a proposição verifica os pressupostos de constitucionalidade e regimentalidade, pois: sua tramitação não ocorre na vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio (art. 60, § 2º, Constituição Federal de 1988 – CF/88; e art. 354, § 2º, RISF); não tem por objeto matéria tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; ou os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, CF/88; e art. 354, § 1º,

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RISF); não se refere a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada na atual sessão legislativa (art. 60, § 5º, CF/88; e art. 373, RISF); nem objetiva alterar dispositivos sem correlação direta entre si (art. 371, RISF). Em termos de juridicidade, não há ofensa a outras normas ou princípios jurídicos em vigor, sendo a Proposta a via jurídica adequada ao fortalecimento da instituição da Defensoria Pública, em relação às demais funções essenciais à Justiça, e à efetividade do direito fundamental dos necessitados à assistência judiciária. Quanto à técnica legislativa, a Proposta está redigida em conformidade com as regras de redação previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. No que se refere ao mérito, entendemos que as alterações propostas ao texto constitucional são de extrema importância para a sociedade brasileira, pois a Defensoria Pública é uma instituição que promove a garantia dos necessitados ao acesso à justiça, por meio de serviços gratuitos e de qualidade. A CF/88, portanto, deve ser enfática em assegurar a todos os cidadãos brasileiros a utilização dos serviços da Defensoria. Nesse sentido, a Proposta estabelece uma meta concreta e legítima quanto ao número de defensores públicos na unidade jurisdicional (comarca ou sessão judiciária), de forma proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. Frise-se, conforme consta da justificação da Proposta, que, passadas mais de duas décadas da promulgação da atual Carta Magna, a Defensoria Pública ainda não está plenamente instalada em todos os Estados da Federação. A dimensão da falta do serviço da Defensoria Pública nas cidades brasileiras foi detectada pelo estudo “Mapa da Defensoria Pública no Brasil”, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta que apenas 59% dos cargos de defensor público dos Estados e do Distrito Federal estão providos, cobrindo SF/14206.84670-71 lo2014-01619 4 apenas 28% das comarcas brasileiras, e somente 38% dos cargos de defensor público federal estão ocupados, atendendo a cerca de 22% das sessões judiciárias. Quanto à alteração do texto em si, a redação proposta ao art. 134 constitucionaliza importantes elementos relativos à Defensoria Pública, como o caráter permanente, a vocação para a solução judicial e extrajudicial dos litígios, a defesa individual ou coletiva dos necessitados e a promoção dos direitos humanos, conferindo a tais preceitos maior estabilidade normativa e à instituição a adequada relevância política e finalística. Do mesmo modo, a inserção dos princípios da Defensoria Pública na Constituição fortalece esse órgão, como já ocorre com o Ministério Público, conforme o § 1º do art. 127 da Carta Política. Por outro lado, a aplicação à Defensoria Pública, no que couber, do art. 93 e do inciso II do art. 96 da Carta Magna também se reveste de caráter meritório. O art. 93, por exemplo, prevê, entre outros dispositivos: a adoção de requisitos objetivos de promoção na carreira; a realização de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção; a aplicação de normas claras de remoção, disponibilidade, aposentadoria e permuta; a existência de profissionais na unidade jurisdicional em número proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população; e a distribuição imediata de processos, em todos os graus de jurisdição. Já a aplicação à Defensoria do inciso II do art. 96 permitirá que essa instituição tenha a iniciativa de projetos de lei sobre: a alteração do número de seus membros; a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares, bem como a fixação do subsídio de seus membros; a criação ou extinção dos seus órgãos; e a alteração de sua organização e divisão, assegurando sua autonomia como instituição democrática e de nível constitucional. As regras do art. 98 do ADCT, por sua vez, contribuirão para que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional seja efetivamente proporcional à demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população, minimizando o problema de carência de assistência judiciária em nosso País. Por fim, a criação de uma Seção própria para a Defensoria Pública no Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal traz uma melhor organização da matéria sobre as funções essenciais à Justiça – SF/14206.84670-71 lo2014-01619 5 Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia privada e Defensoria Pública –, colocando-as em pé de igualdade na topologia constitucional. Destaque-se que, no atual estágio do nosso Estado Democrático de Direito, não podemos conceber que as instituições que

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compõem a Justiça brasileira (Estado-Juiz, Estado-Acusação e Estado-Defesa) estejam em patamares diferenciados, em desequilíbrio, sob pena de uma das funções se esvaziar em relação às demais e restar desfigurado o sistema concebido pelo constituinte originário. Portanto, é imperioso que seja assegurada a “paridade de armas” entre essas funções, com instrumentos, garantias e prerrogativas, dentro e fora do processo, que viabilizem o efetivo acesso à Justiça aos que dela necessitam. (...)Em face do exposto, nosso voto é pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 4, de 2014, quanto aos aspectos de admissibilidade e de mérito. Sala da Comissão, , Presidente , Relator158

Em plenário, a aceitação seguiu o que foi registrado na Câmara dos Deputados, com

discursos igualmente apaixonados. Merecem destaque os discursos de Eduardo Suplicy

(PT/SP) e do próprio Presidente Renan Calheiros, ao anunciar o resultado:

Senador Eduardo Suplicy: Sr. Presidente, quero cumprimentar a todos os defensores públicos, a Patrícia, a Associação Nacional dos defensores públicos, de como nesses últimos dias, ao dialogarem conosco, acredito que todos os senadores compreenderam a importância deste trabalho tão significativo. São muitas as cartas que recebo diariamente de pessoas que estão no aguardo de pessoas que possam defender. Muitas vezes, estão há tempos no sistema penitenciário, em alguma sela, aguardando a possibilidade de que possa, um defensor, estar o defendendo mesmo que sem recurso deles próprios ou de suas famílias. Então, o que nós aprovarmos, hoje, constitui uma esperança muito maior para todos estes brasileiros e, para todos, os meus parabéns, a todos vocês.Presidente Senador Renan Calheiros: Eu quero, mais uma vez, agradecer as honrosas presenças de HamanTabosa de Moraes e Córdoba, que é o Defensor Público-Geral Federal. Uma honra muito grande tê-lo aqui. Agradecer também a honrosa presença de Dinarte da Páscoa Freitas, que é o representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais e da Patrícia Kettermann, que é da Associação Nacional dos Defensores Públicos e dizer que este é um grande momento do Parlamento Nacional. O Senado, hoje, dá mais um passo no reconhecimento da importância da Defensoria Pública e, assim, como consequência, privilegia o acesso dos mais necessitados à Justiça do Brasil. O Senado valoriza a missão primordial da Defensoria Pública brasileira, de prestar assistência jurídica gratuita e de qualidade àqueles que não podem pagar por serviços advocatícios. Ao fortalecer a independência do defensor, criamos, verdadeiramente, as condições para que o defensor se torne efetivamente um agente da transformação social no Brasil. O compromisso do Senado Federal é com o fortalecimento das instituições públicas, com o atendimento dos mais destituídos e com uma maior justiça social no país. Desta maneira, entendemos definitivamente que o aprimoramento da Defensoria Pública é meio essencial para alcançarmos este fim. Eu quero cumprimentar o Deputado Mauro Benevides, que foi senador, que foi Presidente do Senado Federal, que é o primeiro subscritor desta importante Emenda à Constituição Federal. Encerrado o encaminhamento da votação, nós vamos encerrar a votação e proclamar o resultado: “Sim”, 59, nenhum voto “Não”, nenhuma abstenção - está, portanto, aprovada, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição nº 4. A presidência convocará sessão solene do Congresso Nacional para a promulgação da Emenda à Constituição. A matéria vai à promulgação e será feita a devida comunicação ao Presidente da Câmara dos Deputados.

158 JUCÁ, Romero. Parecer da comissão de constituição, justiça e cidadania, sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 4, de 2014, primeiro signatário Deputado Mauro Benevides, que altera o Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV – Da Organização dos Poderes, e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Brasília-DF: Senado Federal, 2014. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/>. Acesso em: 24 jan. 2016.

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Foi designada data simbólica para a promulgação da Proposta de Emenda à

Constituição, no dia 4 de maio de 2014, mês em que se comemora o Dia Nacional da

Defensoria Pública (19), que ganhou numeração bastante emblemática, como já aqui

registrado, vez que o número 80 é o da primeira Lei Orgânica Nacional, promulgada em 1994

no governo Itamar Franco. Havia duas propostas para promulgação e por que não dar um

empurrão no destino e fazer com que a proposta ganhasse numeração condizente com sua

primeira Lei Orgânica? Será o destino a conclusão do processo legislativo no mês de

comemoração do Dia Nacional da Defensoria Pública?

Pode não ser obra do destino, mas o tempo de tramitação da proposta, em ambas as

Casas do Congresso Nacional foi surpreendente, e mesmo recorde: por volta de apenas um

ano. E isto considerando-se a heterogeneidade da composição de ambas as Casas do

Congresso Nacional, mas principalmente a da Câmara dos Deputados com 513 membros,

oriundos das mais variadas paragens deste país continental, que é o Brasil, que ainda conta,

segundo dados dos Diagnósticos,com 3,93 defensores para cada 100.000 habitantes, com

pouco mais de 30% das Comarcas brasileiras, contando com a prestação de serviço essencial

de assistência jurídica integral. O Senado é composto por 81 Senadores, ou seja, três de cada

Ente da Federação (Estados e Distrito Federal) e, ainda assim, ganhou unanimidade entre seus

pares.

A Sessão solene no Congresso Nacional foi bastante concorrida, até porque, para os

louros muitos, mas a batalha foi árdua e dura, principalmente para os defensores públicos que

percorreram os corredores do Congresso Nacional em busca de apoio, voto a voto, mesmo

debaixo das forças contrárias palacianas.

Estiveram presentes à Sessão, além de inúmeros Defensores Públicos brasileiros, a

Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti, o

Secretário Nacional de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flávio Crocce

Caetano, a Presidente da Associação Nacional do Defensores Públicos (ANADEP), Patrícia

Kettermann, o Presidente da Associação dos Defensores Públicos Federais(ANADEF),

Dinarte da Páscoa Freitas, além de inúmeros parlamentares, Presidentes da Câmara e do

Senado e, honrosamente, os parlamentares autores da Proposta, André Moura, Alessandro

Molon e Mauro Benevides.

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5. CONCLUSÃO

A realidade brasileira, como um país em desenvolvimento, é refletida em todos os seus

matizes. Concentração de renda, desigualdade econômica, social, cultural, falta de

saneamento básico, parcela considerável da população abaixo da linha de pobreza, educação e

saúde em estados lastimáveis e, como consequência natural, falta de acesso à justiça para a

maioria da população brasileira.

No ano de 2013, o INEA, em parceria com a Associação Nacional dos Defensores

Públicos(ANADEP), lançou o Mapa da Defensoria Pública no Brasil, que ao lado dos hoje

quatro Diagnósticos da Defensoria Pública, traçam as deficiências e problemas a serem

resolvidos para se efetivar a norma do artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição da República

Federativa do Brasil, direito humano fundamental, desdobramento lógico do direito de acesso

à Justiça.

As conclusões do Estudo foram alarmantes. De acordo com a pesquisa realizada, dos

8.489 cargos de Defensor Público criados no Brasil, apenas pouco mais de 5.000 estão

providos, ou seja, 59,5%. O déficit de Defensores Públicos no Brasil é de 10.578 e esta

necessidade continua crescendo, considerando o aumento populacional.

A discrepância é extremada quando se percebe o quanto se gasta com Defensoria

Pública no Brasil, principalmente quando comparado a outras Instituições e Carreiras

jurídicas. Quanto aos cargos providos, têm-se 11.800 magistrados, 10.000 membros do

Ministério Público e pouco mais de 5.000 defensores públicos, considerando que mais de

160.000.000 pessoas podem ser assistidos em potencial da Defensoria Pública no Brasil. A

maioria da população brasileira,portanto, não tem garantido, minimamente, o direito a ter

direitos e sequer tem-lhe franqueado acesso a orientação jurídica integral, como determina a

Constituição não apenas atualmente, mas desde o inicio do Século XX no Brasil. A questão

não é nova e sempre foi deixada de lado por poderes públicos bastante preocupados com o

Estado-juiz e o Estado-acusador, até porque destas prestações públicas seus agentes políticos

dependem para a continuidade de seus desmandos. O Judiciário julga e o Ministério Público

acusa e, portanto, detêm o poder. O instituto do foro especial por prerrogativa de função

reforça esta tese, já que os governantes e seus auxiliares estão jungidos aos Tribunais e à peça

inaugural acusatória privativa dos respectivos Procuradores-Gerais. A fatia de orçamento diz

com o potencial de poder que cada órgão possui. O salário dos professores no Brasil revela

esta realidade. O que dizer dos defensores públicos? Por que fomentar ou fortalecer a

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Instituição Defensoria Pública se não representa qualquer possibilidade ameaça real aos que

detêm o poder?

A chance de se reverter a situação podia ter sido aproveitada pelos governos cujos

membros eram(e ainda são, até o momento) filiados a Partidos Políticos, ligados aos

movimentos populares, aos trabalhadores, à classe menos favorecida, enfim, justamente a esta

camada da sociedade brasileira(majoritária, diga-se) que são, em potencial, assistidos da

Defensoria Pública, em situação de vulnerabilidade.

Com a promulgação da Constituição Cidadã, em 5 de outubro de 1988, foi

institucionalizado o órgão público que iria, a partir daquele momento, dar consecução,

concretizar, atuar, desenvolver o direito fundamental previsto em seu artigo 5º, inciso

LXXIV. Já havia, é certo, em alguns Estados, Defensoria Pública, mas sem a organização e a

unicidade de nomenclatura e a característica da essencialidade da qual se revestiu o novo

texto constitucional. Embora de maneira tímida, perdendo o constituinte originário a

oportunidade de ser mais enfático e aproveitar a oportunidade de uma Assembleia

Constituinte com características como foi a nossa, após duas décadas de regime de exceção, a

institucionalização foi importante, até mesmo para que a estrutura estatal, a partir daquele

momento pudesse se organizar e criar, tal como determinava a nova Constituição, as

respectivas Instituições estaduais e a da União, através de lei complementar, especificando as

regras para ingresso em Carreira através de concurso público concedendo a seus integrantes a

garantia da inamovibilidade.

Às escâncaras já se vislumbra cuidar-se de órgão criado pela Constituição com alguns

requintes, especificidades que o diferenciam dos demais, como os de segurança pública,

prestadores de educação, saúde, previdência social. A nenhum dos órgãos, à exceção do

Ministério Público, a Constituição garantiu a inamovibilidade e a essencialidade e como a

própria atuação é, por excelência, independente, não houve dúvida de que se pretendeu criar

Instituição autônoma, cindida das estruturas administrativas da União, dos Estados e do

Distrito Federal.

É verdade que adveio a Lei Complementar nº 80, no governo-tampão de Itamar

Franco, que apôs diversos vetos impedindo, àquela altura, voos substanciais. Melhores

resultados não foram vistos durante os anos FHC, não tendo havido qualquer conquista em

oito anos de governo.

Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, entretanto, o curso da História

começou a mudar, principalmente em quatro pontos essenciais: o primeiro foi a inclusão dos

defensores públicos no limite de teto remuneratório não do Executivo, como até então estava,

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mas do Judiciário, com a nova redação dada ao inciso XI do artigo 37 pela EC nº 41/2003 159.

O segundo ponto foi a realização do primeiro Diagnóstico da Defensoria Pública que rendeu

ensejo ao advento, no bojo da reforma do Judiciário, da autonomia das defensorias públicas

estaduais. O terceiro, o advento da legitimidade parda a propositura de ação civil pública com

aLei 7.347/1985, com redação dada pela Lei 11.448/07. O quarto ponto, mais notável, foi a

sanção e promulgação da LC nº 132/2009 que modernizou e atualizou a lacônica LC nº 80.

Imensa diferença entre os períodos de FHC e de Lula quanto às conquistas

institucionais. Mas a História nos deu um revés: nos anos Dilma Rousseff, retrocedeu-se em

avanços e, embora a “PEC das Comarcas” tenha sido promulgada durante a sua gestão, do

Palácio do Planalto, não foi sentido apoio substancial. Ao revés. Os representantes do Palácio

no Congresso Nacional fizeram de tudo para que a proposta naufragasse. Tarde demais. A

Defensoria Pública ganhara o respeito da população e já estava na mídia e com isto, os apoios

foram surgindo progressivamente, em escala geométrica.

O simples fato de se ter fincas em Partido Político ligado a movimentos populares não

quer absolutamente dizer que os ideais do Estado Social estarão presentes como norte de suas

políticas públicas. Ao contrário. O que se verifica é a inexistência de políticas visando ao

fortalecimento da Defensoria Pública que está sob sua batuta(porque ainda sub-órgão do

Ministério da Justiça), a da União.

Basta que analisemos, por exemplo, de acordo com o IV Diagnóstico da Defensoria

Pública publicado em janeiro de 2016, quantos cargos foram providos nos anos Dilma

Rousseff comparados aos de Lula: considerando-se ainda a necessidade que o Defensor

Público-Geral Federal teve de impetrar mandado de segurança para que o Planalto pudesse

lembrar a realização de concurso público da DPU160, a propositura de Ação Direta de

Inconstitucionalidade para suprimir a autonomia da DPU e o orçamento destinado à DPU em

valor quase correspondente a 10% ao do Ministério Público da União.

A esperança, mais uma vez, vem do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal

Federal que, chamando para si a função de garantidora da Constituição, passa a adotar posição

de tutor da Defensoria Pública diante dos desmandos da União e dos Estados, que insistem em

retardar o inevitável.

O crescimento em progressão geométrica da Defensoria Pública no quer tange à

legislação e às normas constitucionais tem seu contraponto na efetividade destas normas.

Seria preciso, após a derrota pela aposição do veto presidencial ao PLP 114 regra específica,

159 Cf. Art. 37, XI, CF.160Cf.Mandado de Segurança nº 1003711-88.2015.4.01.3400.

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dotada de supremacia, impingindo de maneira expressa os poderes públicos a implementar e

universalizar, definitivamente, a prestação de serviço público essencial e com este mote

conseguiu-se implementar não apenas a determinação para que em oito anos se tenha

capilarização das defensorias públicas, mas a rebote, outras garantias que as erigiram à

categoria de Instituição independente, à altura do parente abastado Ministério Público.

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