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RITMOS DA VIDA: AFINANDO OS JOVENS PARA O MERCADO DE TRABALHO Marcella Naglis de Oliveira Lima RESUMO Este artigo visa apresentar e refletir sobre um trabalho realizado com adolescentes em processo de formação e preparação para o mercado de trabalho através do Instituto Mirim de Campo Grande (MS), realizado por meio de encontros e atividades grupais, desenvolvendo propostas educativas nesse espaço institucional. Foram 05 encontros, ocorridos semanalmente, com a participação ativa dos adolescentes que já se encontravam em curso trabalhando com outras temáticas na Oficina de Psicologia, a qual favoreceu a construção de competências que possibilitaram desenvolver suas habilidades e potenciais dentro da perspectiva do trabalho, para um melhor enfrentamento em seu cotidiano e em suas condições de vulnerabilidade social. Os resultados obtidos demonstram que o “Ritmos da Vida” colocado em prática contribui de forma a envolver os jovens como diferentes instrumentos capazes de formar uma orquestra sintonizada e conectada com seus valores e suas histórias, possibilitando a construção de realidades alternativas neste trabalho de processo grupal. Palavras-chave: Adolescentes. Práticas Narrativas. Ritmos da Vida. 1 INTRODUÇÃO Este artigo apresenta as atividades desenvolvidas em grupo com os adolescentes do Instituto Mirim da cidade de Campo Grande/MS. O Instituto Mirim é uma entidade civil, ¹Graduando do curso de Psicologia – Universidade Católica Dom Bosco. Email: [email protected]

mundohumano.com.br · Web viewOs resultados obtidos demonstram que o “Ritmos da Vida” colocado em prática contribui de forma a envolver os jovens como diferentes instrumentos

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RITMOS DA VIDA: AFINANDO OS JOVENS PARA O MERCADO DE TRABALHO

Marcella Naglis de Oliveira Lima

RESUMOEste artigo visa apresentar e refletir sobre um trabalho realizado com adolescentes em processo de formação e preparação para o mercado de trabalho através do Instituto Mirim de Campo Grande (MS), realizado por meio de encontros e atividades grupais, desenvolvendo propostas educativas nesse espaço institucional. Foram 05 encontros, ocorridos semanalmente, com a participação ativa dos adolescentes que já se encontravam em curso trabalhando com outras temáticas na Oficina de Psicologia, a qual favoreceu a construção de competências que possibilitaram desenvolver suas habilidades e potenciais dentro da perspectiva do trabalho, para um melhor enfrentamento em seu cotidiano e em suas condições de vulnerabilidade social. Os resultados obtidos demonstram que o “Ritmos da Vida” colocado em prática contribui de forma a envolver os jovens como diferentes instrumentos capazes de formar uma orquestra sintonizada e conectada com seus valores e suas histórias, possibilitando a construção de realidades alternativas neste trabalho de processo grupal.

Palavras-chave: Adolescentes. Práticas Narrativas. Ritmos da Vida.

1 INTRODUÇÃO 

Este artigo apresenta as atividades desenvolvidas em grupo com os

adolescentes do Instituto Mirim da cidade de Campo Grande/MS. O Instituto

Mirim é uma entidade civil, sem fins lucrativos, promotora do desenvolvimento

de competências técnicas e comportamentais, preocupada com a

empregabilidade dos jovens e a sua educação acadêmica e profissional.

Os valores da instituição se baseiam no respeito à pessoa humana,

inclusão social e profissional, ética e transparência, trabalho em equipe e visão

empreendedora, incluindo e transformando a vida social e econômica dos

jovens da capital através da educação para o mundo do trabalho.

¹Graduando do curso de Psicologia – Universidade Católica Dom Bosco. Email: [email protected]

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A instituição é formada por uma equipe que oferece Atendimento

Psicológico, Orientação Nutricional, Assistência Odontológica, Assistência

Ortodôntica, Acompanhamento de Assistentes Sociais ao Adolescente e

Família e Equipe Técnica Especializada em Profissionalização de

Adolescentes.

O Atendimento Psicológico realizado na Instituição tem o objetivo de

contribuir com a vida do adolescente, a fim de proporcionar crescimento e

amadurecimento para que este desenvolva seu papel com excelência no

mercado trabalhista, formando cidadãos capacitados para atuar com

resiliências no âmbito do trabalho, pois a sociedade exige estrutura psíquica

para que sejam capazes de enfrentar situações adversas do cotidiano.

As ações deste trabalho possibilitaram integrar atividades práticas

conciliadas a este processo de formação dos jovens para o mercado

trabalhista, buscando dar voz e espaço para que estes possam sonhar e ter

esperança diante de suas dificuldades vivenciadas e enfrentadas no cotidiano.

Segundo Neto e Osório (2011, p. 22), o adolescente já esta inserido em

um contexto familiar da sociedade, assim já possuem um sistema desde

criança. Em todo sistema há papeis e definições de funções, assim também

como existe dentro de uma organização trabalhista. Como toda organização

passa por transformações e alterações com o passar dos anos, a família e o

sistema educacional proporcionado por ela também é modificado.

É possível identificar a diferença em priorizar e construir um foco com

base no discurso coletivo, de acordo com Denborough (2008, p.23) “(...) as

práticas narrativas coletivas se interessam em perceber padrões de discurso,

interações e intenções coletivos”.

Dentro deste processo, é comum que o indivíduo desenvolva seu

potencial dentro do sistema grupal (ZIMERMAN, 2000, p.137).

De acordo com Denborough (2008), as histórias compartilhadas são

acessadas e apresentadas não apenas em um contexto de sofrimento, mas

reconhecidas como aquilo que o grupo valoriza, ligados àquilo que os mantém

firmes, tornando-se possível honrar aspectos que podem ser construídos por

meio da memória e da esperança.

O documento narrativo, segundo o autor citado acima, tem como

objetivo o reconhecimento das varias habilidades e conhecimentos individuais

2

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que possibilitam a conexão com a história, a cultura e a tradição coletiva,

acentuando assim a diversidade, fazendo com que as vivencias do passado se

conectem com os dias de hoje e em como podem ser fortalecidas essas

historias.

Através dos encontros realizados, foi construído um contexto para que

os instrumentos coletivos possam contribuir com a vida das pessoas no grupo,

fortalecendo suas habilidades, para que reajam as dificuldades da vida:

“Uma história contada em voz alta à prole ou a colegas é, claro, mais que um texto. É um evento. Quando conduzida apropriadamente, na forma de uma apresentação, seu efeito no ouvinte é profundo, e este é mais que um mero receptor passivo ou validador. O ouvinte é modificado” (MYERHOFF, 1982 apud DENBOROUGH, 2008, p. 57).

Na externalização das dificuldades enfrentadas há uma compreensão

maior das relações das pessoas com os problemas, as mesmas acabam sendo

moldadas por sua história e cultura, sendo possível explorar todas as relações

de poder que influenciam a construção dos problemas, permitindo visualizar

novas perspectivas e estando mais consciente daquilo que é modelado pelas

histórias culturais carregadas (CAREY; RUSSEL, 2007, p.13).

No envolvimento da construção da música, ao compartilharem seus

instrumentos, os jovens perceberam que cada um pode pensar e sentir sobre si

e sobre o outro de forma diferente, possibilitando uma percepção da sua

presença no grupo enquanto coletividade, como o instrumento dele pode

interagir com os demais e como ele reage ao som do instrumento do outro de

acordo com suas próprias historias.

Denborough (2008, p.59) apresenta seu discurso das práticas narrativas

coletivas demonstrando o interesse em facilitar a percepção do individuo em

“unidade como pessoa”, para que este se conecte com sua historia pessoal e

familiar através de suas habilidades, valores, lembranças e sonhos, gerando

um “sentido de unidade e identidade com o próprio passado e presente”.

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2 “RITMOS DA VIDA” – Adriana Muller (2013)

2.1 COMO ELE ACONTECE?

A música em nosso país é uma manifestação cultural muito forte e

reconhecida mundialmente. Muller (2013) propõe olhar para a música em sua

diversidade de instrumentos que podem se caracterizar como uma linguagem

global, compreendida como uma melodia produzida pela humanidade.

O objetivo do “Ritmos da Vida”, criado e produzido por Adriana Muller no

ano de 2013, consiste em permitir que as pessoas possam construir um

território de identidade seguro, se reconectando assim com suas habilidades,

seus valores e suas histórias, possibilitando integrar os objetivos em comum do

grupo.

Este trabalho é constituído por 05 etapas: Meu instrumento, Minha

interpretação, A orquestra da vida, Entrando em Sintonia e Nossa Música.

Estas etapas são divididas da seguinte forma:

2.1.1 MEU INSTRUMENTO: O momento em que cada participante acessa sua historia de vida e

todas as suas lembranças preciosas, possibilitando uma reflexão individual e

grupal que permite se conectar com suas vidas.

Os participantes são convidados a desenhar, no meio de uma folha de

papel, um instrumento musical que eles gostem, possuem afinidade, saibam

tocar ou por qualquer motivo que considerem esse instrumento por seu

formato, seu som, etc.

Em seguida, é solicitado que desenhem o palco, representado por um

traço abaixo do instrumento. Este é o local onde a pessoa toca o seu

instrumento, significando sua vida atual, os papeis que desempenha em seu

cotidiano, suas principais atividades regulares e todos os aspectos ligados à

suas vidas.

Então, a próxima etapa consiste em identificar as partes do instrumento

que o fazem funcionar, a produção do som e a forma com a qual ressoa.

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A Caixa de Ressonância significa tudo àquilo que proporciona estrutura

na vida de alguém, nela estão as lembranças preciosas que fortalecem o

individuo. É solicitado que escrevam ao redor do instrumento o lugar onde

nasceram, momentos especiais de suas infâncias, pessoas significativas,

músicas e momentos especiais que marcaram suas infâncias, lugares já

visitados e todas aquelas lembranças que contribuíram para ser quem são

hoje.

Após esta etapa, na Vibração, é pedido para que cada um escreva

dentro do instrumento seus valores, habilidades, capacidades, tudo aquilo que

faz com que a pessoa seja única e a faça construir seu próprio som.

A etapa seguinte constitui-se das Ondas Sonoras, as quais são

representadas por ondas que saem do instrumento e vão em direção à borda

do papel, como ondas musicais, representando os sonhos e as esperanças. A

pergunta é: “Onde eu quero que a minha música chegue?”. As respostas são

escritas sobre essas ondas sonoras.

Após estas etapas, é solicitado que escreva na parte inferior do papel,

sob a linha do palco, o nome das pessoas das quais gostariam que estivessem

presentes para ouvir sua apresentação, qual seria a sua plateia: “Quem eu

gostaria que estivesse ouvindo a música da minha vida?”.

2.1.2 MINHA INTERPRETAÇÃO:É um momento de transição entre o individual e o coletivo no qual as

pessoas compartilham as histórias da etapa 01.

Após terminar os desenhos individuais, cada pessoa apresenta a sua

produção para o grupo, expondo os aspectos mais importantes da história

representada naquele instrumento. Os participantes são convidados a

responder qual o tipo de música tocam com seu instrumento e qual a reação da

plateia ao ouvir a sua música.

Após essa apresentação, cada um coloca seu instrumento lado a lado,

no chão ou na parede.

2.1.3 ORQUESTRA DA VIDA: Momento em que o foco passa a ser o grupo, relacionando os

instrumentos como metáfora das pessoas que tocam em uma orquestra.

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2.1.4 ENTRANDO EM SINTONIA: Neste momento o foco ainda continua sendo o grupo, apresentando as

dificuldades que uma orquestra pode e deve enfrentar para entrar em sintonia.

2.1.5 NOSSA MÚSICA:Momento em que o grupo compõe e constrói uma musica

representando suas principais descobertas e reflexões, para posteriormente

apresentá-la e compartilhar com outros grupos que vivenciam ou vivenciaram

situações semelhantes, com o objetivo de apresentar suas habilidades, suas

capacidades, seus valores, sonhos, esperanças, ‘respons-habilidade’, etc.

Então, o grupo passa a ter um documento coletivo musical, possível de

ser compartilhado com outros grupos, transmitindo o que aprendeu com as

historias compartilhadas.

3 METODOLOGIA 

O Instituto Mirim é responsável por identificar potencialidades e destinar

o jovem às tarefas que mais se aproximam das suas afinidades profissionais. O

treinamento profissionalizante realizado no local propicia ao adolescente uma

formação preparatória para o mercado de trabalho.

Para fazer parte da Instituição, os jovens precisam ter a faixa etária de

14 anos e 06 meses de idade entre 15 anos e 06 meses de idade, notas

escolares na média e renda familiar de até 03 salários mínimos. A situação de

risco é identificada, pois os mesmos são de famílias de baixa renda e, na

maioria das vezes, dependerão do salário que será recebido futuramente no

trabalho para auxiliarem financeiramente suas famílias.

Este trabalho foi desenvolvido através de 05 encontros em complemento

ao Projeto Político Pedagógico da Instituição e ao planejamento do Setor de

Psicologia, o qual trabalha no período semestral de fevereiro a julho com os

temas: História de vida, Família, Adolescência, Sexualidade e Trabalho.

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Os encontros foram realizados pela estagiária de Psicologia Marcella

Naglis de Oliveira Lima, acadêmica do 10° semestre, através do Estágio

Específico do Eixo de Promoção de Saúde da Universidade Católica Dom

Bosco, Supervisionado pela Prof. Lucy Nunes Ratier.

Os recursos materiais fornecidos para o trabalho consistem em: sala de

Psicologia para atendimento grupal, mesas, cadeiras, folhas e lápis.

A dinâmica “Ritmos da Vida” foi introduzida após trabalhar com a

temática Família, no mês de abril, em uma turma de 25 adolescentes com a

faixa etária de 15 anos.

O planejamento da Dinâmica “Ritmos da Vida” foi apresentado ao Setor

de Psicologia, que se interessou pela proposta e abriu espaço para introduzi-la

como complementaridade do cronograma semestral.

Os encontros deste trabalho ocorreram nos dias: 26/03/2014,

28/03/2014, 01/04/2014, 08/04/2014 e 11/04/2014.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foi identificado nos encontros iniciais do grupo, trabalhando com a

temática “História de Vida” e “Família”, a capacidade de entrarem em conexão

com sentimentos e lembranças daqueles que estão aqui e até mesmo os que já

foram, que de alguma forma influenciaram nas crenças, valores e tradições

carregadas até os dias atuais.

Esse ato de ‘remembrar’ (re-member), que vem do principio do inglês de

‘relembrar’ (remember) que pode ser dado de maneira a mencionar uma

pessoa importante no passado como uma luz positiva, sendo capaz de

proporcionar contextos que permitem o indivíduo revisar e reorganizar os

sócios do seu clube da vida (CAREY e RUSSEL, 2007, p.50/51), metáfora

desenvolvida por Michael White, em 1997, a qual designa o ‘clube da vida’ para

todos que possuem membros em seus clubes e que tem atuado de forma

especial para um melhor entendimento de si próprio, contribuindo de forma

significativa e atuante na vida de cada um.

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A partir da proposta apresentada, os encontros foram realizados nas

seguintes etapas:

1º Encontro - 26/03/2014Em um primeiro momento, a estagiária Marcella Naglis de Oliveira Lima

explicou como o trabalho seria desenvolvido, suas etapas e seus objetivos,

para que pudessem se conectar com a proposta.

Quando a dinâmica foi introduzida, alguns expressaram suas habilidades

de tocar instrumentos sonoros e a influencia da música em suas vidas nesta

fase da adolescência.

A turma recebeu bem a dinâmica, alguns se envolveram mais com a

construção de seus instrumentos pelo fato de saberem tocar, já terem tocado e

de possuírem a vontade de tocar. O aluno X desenhou um violino, relatando

que sentia muita vontade de aprender a tocar este instrumento e que um dia

iria conseguir.

Após a construção dos instrumentos, foi solicitado aos alunos que

desenhassem o palco, no qual deveriam escrever todas as funções que

exercem atualmente em suas vidas, incluindo todas as suas atividades

regulares.

A maioria apontou o papel de ser mirim, por sentirem muito orgulho de

estarem inseridos na Instituição e tocarem este instrumento como uma

oportunidade que possuem, apresentando este aspecto como importante em

suas vidas.

2º Encontro - 28/03/2014

Neste encontro, foi trabalhada a totalidade do instrumento e as

representações da Caixa de Ressonância, da Vibração, Ondas Sonoras e

Plateia.

Na Caixa de Ressonância, foi solicitado aos adolescentes que

escrevessem, ao redor do instrumento, todas aquelas lembranças preciosas e

fortalecedoras que proporcionam estrutura em suas vidas, dentre elas: o lugar

onde nasceram, momentos e brincadeiras marcantes da infância, escolas já

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estudadas das quais guardam lembranças, pessoas significativas que estão

aqui e as que já se foram, lugares visitados, músicas e personagens que

marcaram sua infância.

Muitos comentaram sobre o lugar onde nasceram e como foi o

nascimento, aspecto importante que os fazem conectar-se com suas origens e

como foram recebidos quando chegaram ao mundo.

De acordo com Pincus e Dare (1981, p.30) o desenvolvimento da

personalidade, através da primeira e segunda infância até o fim da

adolescência é marcado por experiências prévias que podem ser recriadas e

reconstruídas à medida que o adolescente vai encontrando o seu próprio estilo

e estabilidade, tendo a família como principal influencia neste processo.

Alguns adolescentes demonstraram uma atenção especial para as

pessoas significativas, a maioria colocou membros importantes de suas

famílias, inserindo até aqueles que já faleceram e que já não fazem mais parte

do cotidiano, mas nas lembranças que fortalecem suas histórias, tendo

contribuído com ensinamentos, culturas e tradições familiares.

Conforme expressa Gergen e Gergen (2010), o individuo constrói o

mundo com base àquilo que os ensinaram a respeito do mundo e de si mesmo,

ao serem repensados esses conhecimentos, são convidados a novas e

diferentes formas de ação, re-significando àquilo que foi aprendido em suas

relações sociais.

Nas Ondas Sonoras, as representações dos sonhos e esperanças que

almejam para suas vidas pessoais e profissionais foram expressas de acordo

com os objetivos a serem alcançados a partir das realidades sociais que

vivenciam.

Hoffman (1996) apud Diniz (2007) descreve o participador como atuante

deste processo do jovem e suas escolhas, sendo visto como ativo gerador de

transformações, obtendo uma troca reflexiva que busca compartilhar e

acompanhar as visões de mundo apresentadas pelo individuo interligado a sua

família, como possibilidade de construção de novas realidades alternativas.

Ao transcreverem quais são as pessoas que gostariam que ouvissem

suas músicas, expressaram a importância de suas famílias na comemoração

de suas vitorias e objetivos. Alguns estimaram até a presença de seus inimigos

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e todos aqueles que não acreditaram que conseguiriam tocar seus ritmos

sonoros.

Assim, o encontro foi finalizado com a interpretação do individual para o

coletivo. Os desenhos foram expostos ao chão e foi formada uma roda em

volta destas atividades desenvolvidas.

Neste momento, foram observadas as diversidades de instrumentos,

sons e ritmos desta orquestra. O grupo entrou em contato com suas diferenças

e principais dificuldades que cada um possui, enfatizando assim a possibilidade

de se unirem com sintonia diante delas.

Na ocasião, havia faltado um colega que estava em processo de luto,

pois seu irmão havia falecido. A estagiaria indagou a eles se esta situação os

fazia estar fora do ritmo, já que um instrumento com suas mais variadas

habilidades não estava presente.

O grupo refletiu que até conseguiria tocar sem ele, mas que precisariam

dar suporte ao instrumento que não estava presente, pois a desafinação era

momentânea para o colega, estava passando por dificuldades familiares e

acabara de perder um irmão para o câncer.

A turma se comoveu e naquele momento, refletiram que precisavam

apoiá-lo da forma com a qual eles podiam, mandando mensagens confortantes

e fortalecedoras para que ele superasse essa fase e pudesse retornar para a

orquestra que o estava esperando.

Denborough (2008) coloca que a experiência de contribuir com a vida do

outro se torna significativa para as demais dificuldades que as pessoas

enfrentam. Suas experiências de como reagiram a isso possibilita conexões

capazes de reduzir o sofrimento do individual ao coletivo, fortalecendo a

capacidade de resiliência.

3º Encontro - 01/04/2014Neste encontro foi discutido sobre a “respons-habilidade”, termo

proposto por Muller (2013), como capacidade de agir e responder aos dilemas

da vida.

Foi questionado como eles resolviam e lidavam com seus problemas e

suas dificuldades enfrentadas dentro da orquestra, pois quando se toca junto a

outros, tudo acaba se tornando um pouco mais desafiador. Como interagiam de

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forma única sem deixar que seus sons sejam recuados, quando muitas vezes o

som do outro é mais forte? Refletiu-se sobre como reagir aos barulhos externos

e lidar com as mudanças que podem surgir ao longo da carreira dessa

orquestra.

Carey e Russel (2007) ressaltam que os variados “momentos

extraordinários” que aparecem ao serem construídas as reflexões

proporcionam mais opções para ações, habilitando mudanças significativas e

possibilitando enxergar que a vida não se constitui apenas de problemas e

dificuldades, compactuam-se também de esperanças, sonhos, paixão,

princípios, realizações, habilidades e capacidades, valorizando-a como um

tesouro preenchido das mais completas e possíveis explorações.

A partir dessas reflexões, o grupo entrou em sintonia com a música que

seria construída. Foram divididos em 04 grupos, cada subgrupo juntou suas

letras e construiu os trechos de acordo com seus desenhos e suas historias de

vida. Neste momento, foi explicado que era importante cada um compartilhar

os aspectos que haviam achado mais relevante da construção de seu

instrumento que encaixasse na estruturação da letra.

O grupo solicitou que levasse como tarefa de casa ao final do encontro

para que pudessem construir melhor.

4º Encontro - 08/04/2014Neste momento, os grupos trouxeram os trechos musicais e todo o

material do documento narrativo coletivo foi levantado. Houve participação

mais ativa de alguns, enquanto outros contribuíram assistindo e dando algumas

opiniões que achavam pertinentes à construção da música.

“Levantar material para os documentos requer utilizar tanto as habilidades de falar quanto de silenciar.” (Denborough, 2008, p.30)

Como considera o autor, é importante abrir o espaço conversacional e

permitir que se construam os documentos com base no que é trazido no

contexto grupal. Mesmo quando o adolescente não se dispõe a se abrir,

também está participando na posição de escuta, possibilitando também uma

capacidade de conexão e identificação com as historias trazidas.

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Assim que foram juntadas as músicas, tiveram uma visão mais ampla da

proposta da dinâmica e ficaram muito entusiasmados. Os que sabiam tocar

instrumentos levaram os seus e assim começou a construção do documento.

5º Encontro 11/04/2014Neste encontro o documento já estava praticamente finalizado e a turma

se encontrava entusiasmada com a estrutura da música que haviam construído

(Anexo B).

Quando entraram em sala, algumas alunas trouxeram a noticia de que

haviam apresentado a música para a Coordenadora Pedagógica e a mesma

abriu espaço para que a sala toda pudesse apresentar a música em um Projeto

Cultural que ocorre todo ano na Instituição, o projeto “Livro: abrace essa ideia”,

o qual tem o objetivo de arrecadar livros novos e usados para estimular a

prática da leitura e para compor o acervo do Instituto Mirim, favorecendo o

adolescente no sentido de ampliar o seu conhecimento linguístico e cultural.

A partir de então, o grupo solicitou para que levassem seus instrumentos

e utilizassem alguns minutos finais dos encontros das Oficinas de Psicologia

para ensaiarem até o dia da apresentação.

Neste espaço para ensaios, foi observado que a sala possuía uma união

muito forte, que cada um atuava de forma única em seus papeis nos ensaios.

Identificou-se também que muitos obtiveram posturas de lideres, organizando e

participando ativamente dos encontros.

Durante esse período, a autora da Dinâmica “Ritmos da Vida”, Adriana

Muller, esteve presente na cidade de Campo Grande/MS e deixou uma

mensagem através de um vídeo que os parabenizavam pela composição da

música. Posteriormente, o vídeo foi compartilhado com os alunos, que se

sentiram muito especiais em ouvir que podem ser instrumentos de transmitir

paz, amor e perseverança para as pessoas.

Então, o grupo passa a ter um documento coletivo musical, possível de

ser compartilhado com outros grupos para que reflitam que cada um tem o

direito de decidir qual a versão que mais lhe agrada de acordo com a narrativa

de sua vida, possibilitando assim, construir histórias preferidas e alternativas do

individual ao coletivo.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, há um grande desafio em abrir espaços para uma

construção de saberes e de conhecimento que permitam que o jovem

reconheça seus próprios valores e habilidades.

A didática do Instituto Mirim é fundamentada e desenvolvida para que os

adolescentes realizem o curso de preparação profissionalizante e tenham um

bom desempenho na sociedade e no futuro trabalhador. E, para isso, é

necessário que consigam se conectar com seus sonhos e expectativas ligadas

a este futuro.

A Dinâmica “Ritmos da Vida” estimulou os jovens a terem uma vivencia

em equipe, unindo suas diversidades em uma só unidade, sendo capaz de

mostrar que cada um com sua diferença podem colaborar e construir juntos

suas perspectivas não só pessoais como profissionais.

A ideia de unidade na diversidade iniciou a partir do contexto no qual as

habilidades foram sendo descobertas e formadas através de um ritmo

compartilhado. Os adolescentes demonstraram uma conexão muito forte com a

música e seus mais variados ritmos sonoros, bem como a afinidade e o

domínio em tocar instrumentos musicais.

Estes encontros possibilitaram a re-significação de algumas histórias dos

envolvidos, pois assim que se perceberam como parte de um sistema de

crenças, tradições e contextos culturais e sociais, valorizaram a presença do

outro em sua vida, desde a base solida que é a família ao convívio social

externo apresentado como as amizades.

O modo como seus instrumentos tocam estão atrelados entre as mais

variadas oportunidades no mercado de trabalho e no orgulho de serem mirins,

objetivando profissões com boas colocações na possibilidade de construírem

realidades alternativas para si e para suas famílias.

Foi possível descobrir que podem tocar juntos, interagindo cada um com

seu ritmo e assim formando uma orquestra, fazendo com que este som possa

chegar ao mercado de trabalho e apresentá-lo de modo único e especial com

suas habilidades, competências, conhecimentos, sonhos e respons-

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habilidades, preparados para vivenciarem os desafios e produzirem novas

músicas preferidas.

Assim que os sonhos são realizados e os objetivos almejados, é

fundamental que se tenha alguém para compartilhar essa conquista. A música

passa então a ser gerada de forma compartilhada com aqueles que fazem

parte de suas vidas e estão na plateia assistindo o show da vida.

REFERENCIAS

DENBOUROUGH, D. Práticas narrativas coletivas: trabalhando grupos e comunidades que vivenciaram traumas. Austrália: Dulwich Centre Publications, 2008.

DINIZ, N. F. C., As narrativas do jovem e sua família: tecendo redes entre a terapia familiar sistêmica e a orientação profissional, Belo Horizonte, 2007. Disponível em: <<http://www.pucminas.br/documentos/dissertacoes_carolina_diniz.pdf>> Acesso em: 07/09/2014

GERGEN, K. J., GERGEN, M. Construcionismo social: um convite ao diálogo. Tradução de Gabriel Fairman. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010.

MÜLLER, A. Ritmos da Vida: ajudando crianças na superação da separação. Nova Perspectiva Sistêmica, 45, p. 34-46, 2013. Acesso em: 27/08/2014

NETO, F. B.; OSÓRIO, L. C. Adolescentes: o desafio de entender e conviver. São Paulo: Ed. Insular, 2011.

PINCUS, L.; DARE, C. Psicodinâmica da Família. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1981.

RUSSEL, S.; CAREY, M. Terapia Narrativa: respondendo as suas perguntas. Ed Dulwich Centre Publications Adelaide South Australia, Porto Alegre, 2007.

ZIMERMAN, E. D. Fundamentos Básicos das Grupoterapias, 2 ed., Porto Alegre, Editora Artmed, 2000.

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ANEXO A - Os instrumentos

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ANEXO B – Documento Narrativo Coletivo Musical

“E é por isso somos mirins"

Nana nana na, nana nana na  

Na nana nana nana 2x

Eu sempre quis ser o orgulho da família

Mas na ousadia sempre desobedecia

E com isso o tempo passou

E lembro que um dia para mim dizia

Que só queria ver minha alegria

Mãe, minha obra prima

Naquela época eu nem te ouvia

Mas meus olhos

O teu choro percebiam

E hoje em dia tudo mudou

A galera toda quer crescer

Para independentes todos ser

E é por isso que somos mirins 

E nunca vamos desistir 

E quando aqueles que não acreditaram

Ao ouvirem vão saber

As lembranças que marcaram a minha vida

As amizades que jamais vou esquecer 

Que nossos sonhos coloridos 

Não há melhores nem piores 

Só amor, amor, amor

E mil opções de sermos melhores.

------E saiba vocês aí que somos mensageiros da paz

Transmitindo a alegria.

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